Loteria no cultivo do tomate

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FERNANDO GUSEN Loteria no cultivo do tomate Variação de preços e fragilidade do fruto exigem extensa gama de habilidades do produtor AGRICULTURA FOLHA DE CAXIAS Quinta-feira, 23 de janeiro de 2014 6 O tomate ficou conhecido como “vilão da inflação” em 2013. A alcunha sur - giu após a variação constante no preço do produto, cujo quilo che- gou a custar R$ 2 em um dia e R$ 7 no outro durante o ano passado. As sucessivas altas no valor do fruto pesaram no bolso do consumi - dor. E continuam afetando os agri - cultores. “O que aconteceu no ano passado dificulta a nossa progra- mação para esse ano”, diz Geraldo Maria Deon, 54 anos, que cultiva cerca de 15 mil pés de tomate no distrito caxiense de Santa Lúcia do Piaí. Motivados pelas recentes subi - das de preço, alguns produtores da região decidiram aumentar a pro- dução, enquanto outros entram no mercado do fruto pela primeira vez neste ano. Para Geraldo, porém, a experi - ência de mais de 30 anos aconselha cautela. Com mais tomates sendo cultivados, a tendência é que a ofer - ta aumente e o preço caia novamen- te. “É o que está acontecendo agora, o preço do tomate está bem baixo, mais ou menos no custo de produção”. Ao comercializar seus frutos na Ceasa Serra em Caxias, na segunda-feira (20), ele constatou que o preço da caixa de 20 quilos de tomate longa vida, o mais vendido, ficou entre R$ 15 e R$ 20. “Não chega fechar R$ 1 real o quilo. A esse preço, não daria para pensar em plantar tomate”, aponta. Em 2013, ele chegou a vender a cai - xa de 20 quilos por R$ 90. A variação constante nos valo- res entre janeiro e maio do ano pas- sado pode ser explicada pelo clima. Chuvas constantes em São Paulo e no Espírito Santo prejudicaram o amadurecimento do tomate, di - minuindo a quantidade do fruto no mercado. Ainda assim, Roberto Birch Gonçalves, coordenador do Ins- tituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (Ipes) da UCS, acredita que o aumento inicial nos preços tenha gerado um efeito cascata. “Houve a questão climática no primeiro momento, mas depois, a impressão é de que qualquer no- ticia a respeito era intensificada. Porque, mesmo nas épocas que os preços estavam altos, havia muita variação. Também se encontravam preços bons”, lembra. Estabilização - O economista minimiza a possibilidade de que o fenômeno se repita esse ano. “O ponto de vista tradicional é de que não há razão para ter aquela mes- ma flutuação, porque a princípio aumentou um pouco a plantação do produto, para atender a demanda. Então, se não houver uma variação climática muito intensa, não vai se repetir”, explica. Rudimar Menegotto, presiden- te do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Caxias complementa: “Esse ano estabilizou. O que acon- teceu no ano passado pode ocorrer ainda por fatores climáticos e de mão de obra, por causa da pouca su- cessão na agricultura familiar, que tem cada vez menos jovens”, diz. O produtor Geraldo Deon com- partilha das opiniões, mas segue atento a novas reviravoltas. “Nin- guém pode prever o que acontece com o tomate. Se daqui a 15 dias chove por uma semana aqui e lá em São Paulo, ou se dá chuva e sol por oito dias na colheita, a qualidade dele cai até 50%. Quando antes tu tinha 100 caixas, vai ter que esco- lher 50”, calcula. [email protected] LUCAS DEMEDA Especial para a Folha de Caxias Geraldo e o irmão Tadeu se revezam duran- te quatro dias por semana para comercializar os produtos colhidos na Ceasa. O frenesi durante as negociações dos hortifrutigranjeiros não perde em nada para a dos centros financeiros de gran- des cidades. “Na Ceasa, antes de abrir já dá para perceber o preço, pela procura. Geralmente têm dez, 15 atacadistas. Se não tiver nenhum ali, esperando, quer dizer que eles estão abastecidos, então não vai ser um dia bom. Agora, se eles estão à procu- ra, aí está em alta”, explica. De acordo com ele, o preço do tomate de- pende do que está sendo praticado em São Paulo. Até abril, o Estado é abastecido pela região de Caçador, em Santa Catarina. “Os compradores se comunicam bastante. Se o preço cai em São Paulo, o tomate de Caça- dor pode acabar aqui. Então, para não sobrar os nossos, temos que vender no mesmo preço”. Também ocorre de o produto acabar, o que aumenta rapidamente os preços. “Às vezes, com o preço baixo, em uma hora já limpou o estoque. Então quem não comprou começa a procurar, e o produtor que percebe que tem pouco e ainda tem, resolve aumentar R$ 10, por exemplo. Aí o cara vai ter que comprar para não ficar sem”. “É como uma bolsa de valores, todo o dia”, resume Geraldo. A analogia também se aplica ao restante do processo de produção. Ao menos, as dicas para o plantio são as mesmas que se apli - cam ao mercado financeiro: diversificação e per - sistência. “Tem que diversificar, com três, quatro tipos de produto, se um não dá certo, o outro compen- sa. E com experiência de mercado a gente acaba tendo um gráfico na cabeça, sabe qual produto dá dinheiro em qual temporada”, destaca. Não desistir da cultura escolhida também é fundamental. “Tem que plantar sempre o que tu é acostumado e o que sabe fazer. Muitos plantam tomate porque no ano passado deu dinheiro. Daí não dá certo, dizem que não querem mais saber. Daqui a dois anos dá de novo e estão lá plantan- do tomate. É o aventureiro, que só está correndo atrás, sempre no prejuízo.”, conclui. Para minimizar as perdas e estender o período de colheita, Geraldo começou a cultivar parte da produção em estufas, no ano passado. “O tomate é uma cultura rápida, de dois meses. Na estufa dá para manter ele por seis”, declara. O modelo também permite que me- nos agrotóxicos sejam utilizados e prote- ge o produto de manchas e deformações causadas pelo sol e pela chuva. O agri - cultor conta que já havia tentado iniciar o modelo há 15 anos, mas os resultados não vieram. “Não existia a tecnologia necessária, eu não sabia o que aplicar nas plantas. Hoje, tu entra na internet e coloca “adu- bação para tomate em estufa”, eles já te dão tudo”, brinca. “Eu, espero, em dois, três anos, plantar só em estufa”. Mesmo com as melhorias, a rotina do produtor continua essencialmente a mes- ma. “Às vezes é complicado trabalhar nesse sol, não tem feriado... Mas o bom da agricultura é que cada dia é um dia, com coisas novas para fazer. Sempre tem alguma ocupação. E um desafio, de fazer melhor”, reflete. O papel do consumidor - O inves- timento em estufas representa um passo importante para garantir a safra com ga- nho razoável para o produtor durante todo o ano. Mas o consumidor também entra no processo de manter o preço do tomate sob controle, segundo o economista Ro- berto Birch Gonçalves. “Existem muitos fatores que interfe- rem no preço. Um produto plantado no interior de São Paulo é colhido sob as leis de trabalho e impostos paulistas. Aí acaba sendo deslocado, sofrendo novas taxas, combustível, pedágios, toda a questão logística. Nos sempre indicamos comprar coisas daqui, que tem qualidade. O produ- to de fora às vezes pode até ser mais bo- nito, mas você vai pagar por isso”, alerta. Bolsa de Valores Tecnologia é aliada Geraldo Deon, 54, aposta no cultivo em estufas para garantir a produtividade da safra. Fruto produzido com a proteção possui melhor aparência

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Folha de Caxias - 23/01/2014

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fernando gusen

Loteria no cultivo do tomateVariação de preços e fragilidade do fruto exigem extensa gama de habilidades do produtor

agricultura folha de caxiasQuinta-feira, 23 de janeiro de 20146

O tomate ficou conhecido como “vilão da inflação” em 2013. A alcunha sur-

giu após a variação constante no preço do produto, cujo quilo che-gou a custar R$ 2 em um dia e R$ 7 no outro durante o ano passado.

As sucessivas altas no valor do fruto pesaram no bolso do consumi-dor. E continuam afetando os agri-cultores. “O que aconteceu no ano passado dificulta a nossa progra-mação para esse ano”, diz Geraldo Maria Deon, 54 anos, que cultiva cerca de 15 mil pés de tomate no distrito caxiense de Santa Lúcia do Piaí.

Motivados pelas recentes subi-das de preço, alguns produtores da região decidiram aumentar a pro-dução, enquanto outros entram no mercado do fruto pela primeira vez neste ano.

Para Geraldo, porém, a experi-ência de mais de 30 anos aconselha cautela. Com mais tomates sendo cultivados, a tendência é que a ofer-ta aumente e o preço caia novamen-te.

“É o que está acontecendo agora, o preço do tomate está bem baixo, mais ou menos no custo de produção”. Ao comercializar seus frutos na Ceasa Serra em Caxias, na segunda-feira (20), ele constatou que o preço da caixa de 20 quilos de tomate longa vida, o mais vendido, ficou entre R$ 15 e R$ 20.

“Não chega fechar R$ 1 real o quilo. A esse preço, não daria para pensar em plantar tomate”, aponta. Em 2013, ele chegou a vender a cai-xa de 20 quilos por R$ 90.

A variação constante nos valo-res entre janeiro e maio do ano pas-

sado pode ser explicada pelo clima. Chuvas constantes em São Paulo e no Espírito Santo prejudicaram o amadurecimento do tomate, di-minuindo a quantidade do fruto no mercado.

Ainda assim, Roberto Birch Gonçalves, coordenador do Ins-tituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (Ipes) da UCS, acredita que o aumento inicial nos preços tenha gerado um efeito cascata.

“Houve a questão climática no

primeiro momento, mas depois, a impressão é de que qualquer no-ticia a respeito era intensificada. Porque, mesmo nas épocas que os preços estavam altos, havia muita variação. Também se encontravam preços bons”, lembra.

Estabilização - O economista minimiza a possibilidade de que o fenômeno se repita esse ano. “O ponto de vista tradicional é de que não há razão para ter aquela mes-

ma flutuação, porque a princípio aumentou um pouco a plantação do produto, para atender a demanda. Então, se não houver uma variação climática muito intensa, não vai se repetir”, explica.

Rudimar Menegotto, presiden-te do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Caxias complementa: “Esse ano estabilizou. O que acon-teceu no ano passado pode ocorrer ainda por fatores climáticos e de mão de obra, por causa da pouca su-

cessão na agricultura familiar, que tem cada vez menos jovens”, diz.

O produtor Geraldo Deon com-partilha das opiniões, mas segue atento a novas reviravoltas. “Nin-guém pode prever o que acontece com o tomate. Se daqui a 15 dias chove por uma semana aqui e lá em São Paulo, ou se dá chuva e sol por oito dias na colheita, a qualidade dele cai até 50%. Quando antes tu tinha 100 caixas, vai ter que esco-lher 50”, calcula.

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lucas demeda especial para a Folha de caxias

Geraldo e o irmão Tadeu se revezam duran-te quatro dias por semana para comercializar os produtos colhidos na Ceasa. O frenesi durante as negociações dos hortifrutigranjeiros não perde em nada para a dos centros financeiros de gran-des cidades.

“Na Ceasa, antes de abrir já dá para perceber o preço, pela procura. Geralmente têm dez, 15 atacadistas. Se não tiver nenhum ali, esperando, quer dizer que eles estão abastecidos, então não vai ser um dia bom. Agora, se eles estão à procu-ra, aí está em alta”, explica.

De acordo com ele, o preço do tomate de-pende do que está sendo praticado em São Paulo. Até abril, o Estado é abastecido pela região de Caçador, em Santa Catarina.

“Os compradores se comunicam bastante. Se o preço cai em São Paulo, o tomate de Caça-dor pode acabar aqui. Então, para não sobrar os nossos, temos que vender no mesmo preço”.

Também ocorre de o produto acabar, o que aumenta rapidamente os preços. “Às vezes, com o preço baixo, em uma hora já limpou o estoque.

Então quem não comprou começa a procurar, e o produtor que percebe que tem pouco e ainda tem, resolve aumentar R$ 10, por exemplo. Aí o cara vai ter que comprar para não ficar sem”.

“É como uma bolsa de valores, todo o dia”, resume Geraldo. A analogia também se aplica ao restante do processo de produção. Ao menos, as dicas para o plantio são as mesmas que se apli-cam ao mercado financeiro: diversificação e per-sistência.

“Tem que diversificar, com três, quatro tipos de produto, se um não dá certo, o outro compen-sa. E com experiência de mercado a gente acaba tendo um gráfico na cabeça, sabe qual produto dá dinheiro em qual temporada”, destaca.

Não desistir da cultura escolhida também é fundamental. “Tem que plantar sempre o que tu é acostumado e o que sabe fazer. Muitos plantam tomate porque no ano passado deu dinheiro. Daí não dá certo, dizem que não querem mais saber. Daqui a dois anos dá de novo e estão lá plantan-do tomate. É o aventureiro, que só está correndo atrás, sempre no prejuízo.”, conclui.

Para minimizar as perdas e estender o período de colheita, Geraldo começou a cultivar parte da produção em estufas, no ano passado. “O tomate é uma cultura rápida, de dois meses. Na estufa dá para manter ele por seis”, declara.

O modelo também permite que me-nos agrotóxicos sejam utilizados e prote-ge o produto de manchas e deformações causadas pelo sol e pela chuva. O agri-cultor conta que já havia tentado iniciar o modelo há 15 anos, mas os resultados não vieram.

“Não existia a tecnologia necessária, eu não sabia o que aplicar nas plantas. Hoje, tu entra na internet e coloca “adu-bação para tomate em estufa”, eles já te dão tudo”, brinca. “Eu, espero, em dois, três anos, plantar só em estufa”.

Mesmo com as melhorias, a rotina do produtor continua essencialmente a mes-ma. “Às vezes é complicado trabalhar nesse sol, não tem feriado... Mas o bom

da agricultura é que cada dia é um dia, com coisas novas para fazer. Sempre tem alguma ocupação. E um desafio, de fazer melhor”, reflete.

O papel do consumidor - O inves-timento em estufas representa um passo importante para garantir a safra com ga-nho razoável para o produtor durante todo o ano. Mas o consumidor também entra no processo de manter o preço do tomate sob controle, segundo o economista Ro-berto Birch Gonçalves.

“Existem muitos fatores que interfe-rem no preço. Um produto plantado no interior de São Paulo é colhido sob as leis de trabalho e impostos paulistas. Aí acaba sendo deslocado, sofrendo novas taxas, combustível, pedágios, toda a questão logística. Nos sempre indicamos comprar coisas daqui, que tem qualidade. O produ-to de fora às vezes pode até ser mais bo-nito, mas você vai pagar por isso”, alerta.

Bolsa de Valores Tecnologia é aliada

Geraldo deon, 54, aposta no cultivo em estufas para garantir a produtividade da safra. Fruto produzido com a proteção possui melhor aparência