Lourenco Filho e Literatura Infantil e Juvenil

201
Lourenço Filho e literatura infantil e juvenil Estela Natalina Mantovani Bertoletti

description

Fundamentação teórica para professores que trabalhem ações de incentivo à leitura.

Transcript of Lourenco Filho e Literatura Infantil e Juvenil

  • Loureno Filho e literatura infantil e juvenil

    Estela Natalina Mantovani Bertoletti

  • LOURENO FILHO E LITERATURA INFANTIL

    E JUVENIL

  • FUNDAO EDITORA DA UNESP

    Presidente do Conselho Curador Herman Jacobus Cornelis Voorwald

    Diretor-Presidente Jos Castilho Marques Neto

    Editor Executivo Jzio Hernani Bomfim Gutierre

    Conselho Editorial Acadmico Alberto Tsuyoshi Ikeda

    ureo Busetto Clia Aparecida Ferreira Tolentino

    Eda Maria Ges Elisabete Maniglia

    Elisabeth Criscuolo Urbinati Ildeberto Muniz de Almeida

    Maria de Lourdes Ortiz Gandini Baldan Nilson Ghirardello

    Vicente Pleitez

    Editores Assistentes Anderson Nobara

    Fabiana Mioto Jorge Pereira Filho

  • ESTELA NATALINA MANTOVANI BERTOLETTI

    LOURENO FILHO E LITERATURA INFANTIL

    E JUVENIL

  • Editora afiliada:

    2012 Editora UNESP

    Direitos de publicao reservados : Fundao Editora da UNESP (FEU)

    Praa da S, 108 01001-900 So Paulo SP

    Tel.: (0xx11) 3242-7171 Fax: (0xx11) 3242-7172

    www.editoraunesp.com.br [email protected]

    CIP Brasil. Catalogao na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

    B462L

    Bertoletti, Estela Natalina Mantovani Loureno Filho e literatura infantil e juvenil / Estela Natalina

    Mantovani Bertoletti. So Paulo: Editora Unesp, 2012.

    Inclui bibliografia

    ISBN 978-85-393-0374-8

    1. Loureno Filho, Manuel Bergstrom, 1897-1970 Crtica e in-terpretao. 2. Literatura infantojuvenil Histria e crtica I. Ttulo.

    12-9348 CDD: 808.899282 CDU: 82-93

    Este livro publicado pelo projeto Edio de Textos de Docentes e Ps-Graduados da UNESP Pr-Reitoria de Ps-Graduao

    da UNESP (PROPG) / Fundao Editora da UNESP (FEU)

  • Para meus amados pais, Maria Elza Mantovani (in memoriam)

    e Waldomiro Mantovani, pelo exemplo, pelo amor e por me

    ensinarem o significado de famlia.

    Para Erivelton, Eduardo e Enzo.

  • Introduo (as margens do texto) 9

    1 Loureno Filho e a produo sobre e de literatura infantil e juvenil 15

    2 A produo de Loureno Filho sobre literatura infantil e juvenil 85

    3 A produo de Loureno Filho de literatura infantil a Srie Histrias do Tio Damio 123

    4 A produo de Loureno Filho sobre e de literatura infantil e juvenil: as possveis relaes estabelecidas 169

    Consideraes finais 183Referncias bibliogrficas 187

    SUMRIO

  • No Brasil, a literatura infantil e juvenil estabeleceu desde sua gnese, entre o fim do sculo XIX e o incio do XX, uma estreita relao com a escola, seja por ser produzida e criticada sobretudo por professores bra-sileiros, surgindo no ambiente escolar; seja por ser produzida para aten-der a necessidades escolares e educativas, com a finalidade de proporcio-nar ensino til de modo agradvel criana, ser em formao; seja por submeter-se ao processo de escolarizao de aprendizagem da leitura.1

    Tal vinculao histrica, ao contrrio do recorrentemente apontado, como problema de origem e impasse desse gnero, constitutiva da literatura infantil e juvenil brasileira e no a causa de seus males (Arroyo, 1968), e aponta para o reconhecimento da necessidade de atitude interdisciplinar nos estudos sobre o gnero, com utilizao de mtodos e procedimentos advindos da crtica e teoria literrias, especialmente, assim como da pesquisa em educao (Mortatti, 2000b, p. 16), dado o carter simultaneamente literrio e didtico da literatura infantil e juvenil (ibidem),

    1 Todos os estudos que tratam e/ou se referem ao histrico da literatura infantil e juvenil brasileira constatam a relao apontada. A esse respeito, ver, dentre outros: Loureno Filho (1943); Arroyo (1968); Lajolo e Zilberman (1984); Zilberman e Lajolo (1986 ); Coelho (1981); Magnani (1989); Serra (1997).

    INTRODUO(AS MARGENS DO TEXTO)

  • 10 ESTELA NATALINA MANTOVANI BERTOLETTI

    que implica reconhecer que os termos literatura e infantil no se encontram em relao de oposio, mas de complementaridade, embora indiquem hierarquizao semntica constitutiva de sua natureza: substantivamente literatura, cujo atributo qualificativo infantil. Nesse sentido, o impasse recorrentemente apontado em relao tanto produo de quanto pro-duo sobre literatura infantil torna-se falso e pouco produtivo... (ibidem, p.13-14)

    porque no assegura a especificidade e identidade do gnero e no contribui para o avano e alargamento do campo de conhecimento da literatura infantil e juvenil e para a produo necessria de uma histria, teoria e crtica especficas da literatura infantil e juvenil brasileiras (ibidem).

    Desse ponto de vista, o termo literatura remete a um conceito fluido que se altera com o tempo em que gerado, no podendo ser definido objetivamente, pois de tempos em tempos, por certas pessoas em situaes especficas, por diferentes razes, critrios, objetivos, certos textos so produzidos e/ou lidos como literrios (Eagleton, 1997). Assim, pode-se considerar que o fenmeno literrio his-toricamente analisvel, de acordo com seu funcionamento, que compreende as condies de emergncia dos textos, as condies de aprendizagem da lngua e da leitura, as diferentes instncias legiti-madoras e a imagem implcita e pressuposta de leitor e de leitura, estando em constante transformao (Magnani, 1989).

    Assim como os termos infantil e juvenil remetem a con-cepes de infncia e adolescncia, respectivamente, que so fatos sociais, vivos e dinmicos; no eternos nem tampouco imutveis. A literatura infantil e juvenil sobretudo pela produo, difuso, circulao, premiao dos livros desse gnero, assim como, den-tre outras, as opes temticas e formais constitutivas dos livros dirigidos criana e/ou ao jovem que no se desvinculam da representao que a sociedade em sua poca faz da infncia e da adolescncia. Trata-se, portanto, de se conjugar no gnero, como desafia Perrotti (1986), a literariedade ao pblico previsto. Por isso, compreendo como literatura infantil

  • LOURENO FILHO E LITERATURA INFANTIL E JUVENIL 11

    um conjunto de textos escritos por adultos e lidos por crianas que foram paulatinamente sendo denominados como tal, em razo de certas caractersticas sedimentadas historicamente, por meio, entre outros, da expanso de um mercado editorial especfico e de certas instncias nor-matizadoras, como a escola e academia. (Mortatti, 2000b)

    a partir dessas reflexes que se assenta a proposta de investigao contida neste livro. Apresentado inicialmente como tese de doutorado2 junto ao Programa de Ps-Graduao em Educao, na Unesp de Ma-rlia, vinculada ao Grupo de Pesquisa Histria do Ensino de Lngua e Literatura no Brasil (GPHELLB)3 e ao Projeto Integrado de Pesquisa Ensino de lngua e literatura no Brasil: repertrio documental repu-blicano (PIPELLB)4, este livro tem como objetivo contribuir para a produo de uma histria, teoria e crtica especficas da literatura infantil e juvenil, a partir da compreenso da produo de Manoel Bergstrm Loureno Filho (1897-1970) sobre e de literatura infantil e juvenil publicada entre 1942 e 1968, assim como compreenso da relao entre essa produo e o lugar ocupado por seu autor no mbito da histria da literatura infantil e juvenil brasileiras.

    2 A tese intitulada A produo de Loureno Filho sobre e de literatura infantil e ju-venil (1942-1968): fundao de uma tradio foi defendida em fevereiro de 2006 e orientada pela professora Dra. Maria do Rosrio Longo Mortatti.

    3 O GPHELLB, coordenado pela Prof. Dra. Maria do Rosrio Longo Mortatti, do qual sou membro, entrou em atividade em 1994 e permanece em funcionamento at os dias atuais, estando cadastrado no Diretrio dos Grupos de Pesquisa do Brasil (CNPq) e certificado pela Unesp.

    4 O PIPELLB (apoio e auxlio financeiro CNPq; auxlio Fapesp), do qual fui mem-bro da equipe executora, foi desenvolvido entre agosto de 1999 e julho de 2003 e derivado das atividades do GPHELLB. Teve como objetivo geral organizar, ampliar, sistematizar e divulgar, por meio impresso e eletrnico, uma obra de referncia, com carter de repertrio de fontes documentais produzidas entre as ltimas dcadas do sculo XIX e os dias atuais, relativa s suas cinco linhas de pesquisa: 1. Formao de Professores de Lngua e Literatura; 2. Alfabetizao; 3. Ensino de Lngua Portuguesa; 4. Ensino de Literatura; e 5. Literatura Infantil e Juvenil. A obra de referncia resultante das atividades desse projeto contm um total de 2.025 referncias distribudas entre suas cinco linhas de pesquisa e encontra-se disponvel no acervo do GPHELLB.

  • 12 ESTELA NATALINA MANTOVANI BERTOLETTI

    Os livros para crianas produzidos por Loureno Filho vm tra-dicionalmente oscilando entre literatura escolar e literatura infantil, o que tem legitimado um quase-silncio em relao sua produo sobre e de literatura infantil e juvenil, excetuando-se referncias esparsas em livros sobre histria da literatura infantil e juvenil. No entanto, a leitura avultou-se como preocupao fundamental na obra de Loureno Filho, na qual a literatura infantil e juvenil destaca-se em sua produo escrita pela quantidade e variedade. Alm disso, em sua atuao profissional nesse mbito, Loureno Filho exerceu significativa influncia sobre escritores do gnero em sua poca, sobretudo pela atuao direta e indireta do escritor na constituio desse gnero no Brasil.

    Desse modo, a meu ver, Loureno Filho funda uma tradio5 caracte-rstica de determinada poca e que serve de referncia a seus psteros, in-fluenciando sobremaneira a produo sobre e do gnero at os dias atuais.

    Alm disso, h uma quase total ausncia de estudos e pesquisas sobre a literatura infantil e juvenil produzida e tematizada aps o fenmeno Lobato at o boom de 1970. Raras, tambm, com exceo dos panoramas histricos do gnero, so abordagens de fundo histrico da literatura infantil e juvenil como a que proponho que no visam ao julgamento de valor, nem assuno do ponto de vista investigado, nem exorcizao do passado, ou seja, que visam compreender para explicar as tematizaes e concretizaes6 em relao literatura infantil e juvenil, produzidas por um sujeito de outra poca.

    5 A expresso funda uma tradio foi inspirada em Magnani (1997b) e Mortatti (2000a) que a utilizou em relao alfabetizao. No caso deste livro, apliquei-a produo de Loureno Filho sobre e de literatura infantil e juvenil, atribuindo-lhe tambm o sentido empregado pela autora, como o de desvencilhar do passado e se propor como novo, visando impor-se como legado histrico a seus psteros.

    6 O uso dos termos tematizaes e concretizaes e suas variaes foram inspi-radas em Mortatti (2000a), que os utilizou em relao ao contedo, finalidades e forma de veiculao de documentos relativos alfabetizao. Neste livro, adaptei--os aos documentos relativos literatura infantil e juvenil, e as tematizaes referem-se a captulo de livro, artigos, conferncias, separatas, peridicos, crtica literria, recepo de acadmico, introduo, apresentao e prefcios a livros de e sobre literatura infantil, manuscritos e correspondncias; e as concretizaes, referem-se a livros de literatura infantil e juvenil.

  • LOURENO FILHO E LITERATURA INFANTIL E JUVENIL 13

    Tal abordagem est centrada em pesquisa documental e bibliogrfi-ca, desenvolvida mediante procedimentos de localizao, recuperao, reunio, seleo e ordenao da produo de Loureno Filho sobre e de literatura infantil e juvenil e da bibliografia especializada sobre Lou-reno Filho, sua obra, sua formao e sua atuao profissional, assim como sobre literatura infantil e juvenil e sobre aspectos educacionais, culturais, sociais e polticos do momento histrico em que Loureno Filho tematizou e concretizou a produo tema deste livro.

    Esses procedimentos possibilitam a reunio de um conjunto de elementos que se organizam e se entrelaam, permitindo a anlise da configurao textual7 da produo de Loureno Filho. A anlise incide sobre os temas e contedos dos textos escolhidos, identificando-se os princpios que norteiam o pensamento do autor em sua produo sobre e do gnero, diretamente relacionados estrutura e forma dos textos, que organizam essas temticas e contedos, visando obter determinados efeitos nos leitores previstos para seus textos. Tenho como proposio a compreenso das articulaes da linguagem literria e suas inter--aes com os demais elementos da configurao textual que envol-vem o lugar histrico-social em que est inserida a produo do autor sobre e de literatura infantil e juvenil e temas correlatos, considerando sua atuao e formao profissional e a hiptese de que, movido por certas necessidades e propsitos, funda uma tradio, tematizada e concretizada em sua produo sobre e do gnero.

    Este livro foi organizado em quatro captulos. No captulo 1, apre-sento a produo de Loureno Filho sobre e de literatura infantil e juve-nil em relao sua obra e sua poca. No captulo 2, analiso a produo de Loureno Filho sobre literatura infantil e juvenil, especialmente tematizada nos textos Como aperfeioar a literatura infantil, O va-lor das bibliotecas infantis, Literatura infantil e juvenil, Inqurito sbre livros para crianas, Orao do acadmico Loureno Filho e Um livro bsico sobre literatura infantil. No captulo 3, analiso a produo de Loureno Filho de literatura infantil, especialmente con-

    7 Essa expresso foi cunhada por Maria do Rosrio Longo Mortatti, especialmente explicitada em: Magnani (1997) e Mortatti (2000a).

  • 14 ESTELA NATALINA MANTOVANI BERTOLETTI

    cretizada na Srie Histrias do Tio Damio.8 No captulo 4, analiso as possveis relaes entre essa produo e o lugar ocupado por seu autor no mbito da histria da literatura infantil e juvenil brasileira. Aps os captulos, seguem-se consideraes finais e referncias, relao das instituies e acervos consultados.

    Na citao dos originais, dadas as caractersticas da pesquisa de fundo histrico, busquei conservar a ortografia de poca, sempre que possvel. necessrio observar, no entanto, que, muitas vezes, essa ortografia no se apresenta uniforme, talvez por problemas tipogr-ficos; de qualquer maneira, reproduzi-a conforme se apresentava nos documentos analisados.

    Na apresentao dos documentos, dada a dificuldade de acesso, apresentei-os mediante descrio e, sempre que possvel, mediante cpia do material, visando proporcionar ao leitor condies mais adequadas de compreenso da produo de Loureno Filho sobre e de literatura infantil e juvenil, porm, por motivos tcnicos, todas imagens esto reproduzidas em preto e branco.

    8 A Srie Histrias do Tio Damio composta por 12 ttulos, a saber: Tot, Baiani-nha, To pequenino..., Saci-Perer, O indiozinho, A irm do indiozinho, A Gauchita, A formiguinha, No circo, Maria do Cu, E eu, tambm... Neste livro, no entanto, analiso-a em seus 11 primeiros, excetuando-se E eu, tambm..., uma vez que, apesar de todos os esforos, no foi localizado nenhum exemplar deste, o que no prejudica a anlise, pois todos os livros mantm um mesmo projeto grfico e literrio como se poder verificar no referido captulo.

  • A formao e atuao de Loureno Filho

    Manoel Bergstrm Loureno Filho nasceu em 10 de maro de 1897, na ento vila de Porto Ferreira (SP). Seus primeiros contatos com a literatura vieram pela tradio oral, como o prprio Loureno Filho atesta em entrevista revista Formao, em 1940.

    Meu av possua uma cultura acima da mediana. Na sua bagagem de imigrado trazia algumas dezenas de livros e um violino que tocava com maestria. Na pequenina cidade, onde foi fixar-se, inquietava-o a falta de uma escola primria. E, assim, embora no dominasse ainda de modo perfeito a lngua do pas, reunia, aos domingos, as crianas da vizinhana e procurava ensinar-lhes a leitura. Lembro-me de ter aos seis anos tomado parte nesses amveis exerccios, que meu av entremeiava com a narrativa das sangas de sua terra e de suaves canes suecas ao violino... (Loureno Filho, 1940a, p.6, grifos meus)

    Depois dessa primeira escola, o acesso formal leitura e escrita veio, primeiramente, de aulas particulares, ministradas por um antigo escrivo de fazenda que perdera o emprego e a quem aconselharam abrisse uma escola, a trs mil ris mensais por cabea (ibidem,

    1LOURENO FILHO E A PRODUO SOBRE

    E DE LITERATURA INFANTIL E JUVENIL

  • 16 ESTELA NATALINA MANTOVANI BERTOLETTI

    p.6) e, depois, em uma aula municipal, regida por mestre leigo. Aps poucos meses, Loureno Filho passou para uma escola estadual, ento recentemente criada, regida pelo professor diplomado Ernesto Alves Moreira. Mais tarde, prosseguiu seus estudos primrios na cidade vizinha, Santa Rita do Passa Quatro, com este ltimo professor, a quem Loureno Filho atribuiu grande influncia por sua opo pelo magistrio (ibidem).

    A passagem do aluno Loureno Filho da aula municipal para a esco-la estadual, como se pode inferir por seu depoimento, parece estar liga-da a uma de suas primeiras produes escritas: o jornalzinho O Pio, do qual Loureno Filho, aos oito anos e quatro meses, era chefe, nico redator e typographo, e que pretendia ser Orgam critico, dedicado aos alumnos das escolas desta villa (Loureno Filho, 1905, s.p.).

    O professor estadual abriu a sua escola j nos meiados do ano e, sabendo que a aula municipal estava superlotada, foi ao nosso mestre e pediu os alunos excedentes. D-me mesmo os piores, disse le, em voz alta. Hei de arranjar-me com esses mesmos, de qualquer geito. [...] Mal se havia le retirado, o nosso velho mestre se dirigiu a ns, de maneira solene e disse que, naquele mesmo dia, queria se ver livre dos maus elementos. Paga-ramos com o novo mestre tudo quanto tnhamos feito at ali! E comeou a escolha. O primeiro a ser destacado foi um rapaz de dezesseis anos, forte, desabusado, que mal andava no primeiro livro de Felisberto de Carvalho. O terceiro fui eu. O senhor, tambm! Ponha-se ali na fila para no andar mais com histrias de jornalzinho!... Eu tinha oito para nove anos, uma prodigiosa imaginao, que no se compadecia com os problemas de aritmtica que o nosso mestre nos dava, sobre cvados, varas e canadas... Meu pai havia instalado uma tipografia, anexa sua casa comercial e me permitira imprimir um jornalzinho, a que o meu mestre atribua o meu desinteresse pela contas... De seu julgamento, no tenho dvida: era dos piores alunos em sua escola. (Loureno Filho, 1940a, p.7, grifos do autor)

    Os estudos de Loureno Filho prosseguiram com todas as dificul-dades de um aluno pobre at obter o diploma de normalista, em 1914, na Escola Normal Primria de Pirassununga (SP). No ano seguinte, passou a exercer o magistrio em Porto Ferreira, no Grupo Escolar,

  • LOURENO FILHO E LITERATURA INFANTIL E JUVENIL 17

    ento recentemente criado, onde conheceu e manteve amizade com os professores Sud Menucci1 e Tales de Andrade2 (Monarcha; Loureno Filho, 2001).

    Loureno Filho (1940a, p.9) sentia, entretanto, que, embora amasse sua profisso, sua cultura era muito deficiente mesmo para ensinar crianas. Por isso, em 1916, mudou-se para a cidade de So Paulo, a fim de cursar a Escola Normal Secundria na Escola Normal da Praa da Repblica, cujo curso concluiu no ano seguinte. J havia sido aluno de Antonio de Almeida Junior3 na Escola Normal Primria de Pirassununga; na Normal Secundria de So Paulo foi aluno de Os-car Thompson4 e Antonio de Sampaio Dria5 (Monarcha; Loureno Filho, 2001). Nessa poca, a opo pelo magistrio se consolidou em Loureno Filho pela influncia especialmente desse ltimo professor,6 como se pode verificar no depoimento que segue:

    1 Sud Menucci iniciou sua carreira no magistrio em 1910, atuando como professor em Porto Ferreira ao retornar da misso paulista que reorganizou as Escolas de Aprendizes Marinheiros de Belm/PA. Alm de educador, Sud Menucci foi jornalista e escritor, atuando como redator e crtico literrio no jornal O Estado de S. Paulo, de 1925 a 1931. A esse respeito, ver, especialmente, Vicentini; Lugli (1999).

    2 Tales Castanho de Andrade iniciou o magistrio em escola rural isolada no bairro do Baranho, em Ja/SP, atuando depois no Grupo Escolar de Porto Ferreira e na Escola Normal de Piracicaba. Nessa cidade colaborou com as revistas Cigar-ra, Vida Moderna e Revista de Educao. Foi um dos precursores da literatura infantil brasileira com a publicao de Saudade, em 1919. A esse respeito, ver, especialmente: Salem (1970); Coelho (1984).

    3 Antonio de Almeida Junior foi professor de francs na Escola Normal Primrio, de Pirassununga, de 1911 a 1914. Sobre esse educador, ver, especialmente: Gandini (1999).

    4 Alm de professor, Oscar Thompson foi diretor efetivo da Escola Normal da Praa de 1901 a 1920 e diretor-geral da Instruo Pblica de 1909 a 1911 e, depois, de 1917 a 1920. A esse respeito ver, especialmente, Monarcha (1999).

    5 Antonio de Sampaio Dria ingressou na Escola Normal da Praa em 1914, assumindo a ctedra de Mtodos e Processos de Ensino, Crtica Pedaggica e Exerccios de Ensino. A esse respeito, ver, especialmente, Carvalho (1999); Monarcha (1999).

    6 Loureno Filho aderiu s proposies de Antonio de Sampaio Dria, no somente como professor, mas tambm como reformador da educao. A esse respeito ver, especialmente, Carvalho (1999).

  • 18 ESTELA NATALINA MANTOVANI BERTOLETTI

    Na Escola Normal Secundria de So Paulo, defrontei professores como Oscar Thompson e Antonio de Sampaio Dria. Este, sobretudo, ensi-nando psicologia e pedagogia, exercia grande influncia sobre os alunos. Eu conhecia Compayr e Rayot... As doutrinas e tcnicas modernas eu as havia entrevisto apenas por um livro de Farias de Vasconcelos. Sampaio Dria nos apresentava William James, Clparede, Van Biervliet, Ribot, Parker... E no era s a matria: era o mtodo. Sampaio Dria transformava todas as aulas em seminrio, com discusses, pesquisas, experincias. Comunicava, ademais, aos alunos, a convico de que o Brasil s poderia ser construdo pela educao. (Loureno Filho, 1940a, p.10)

    Em 1920, Loureno Filho foi designado professor substituto de Pedagogia e Educao Cvica, na Escola Normal Primria, anexa Escola Normal Secundria de So Paulo. Isso se deu porque o pro-fessor efetivo, Roldo Lopes de Barros, fora indicado para substituir Antonio de Sampaio Dria, na Escola Normal Secundria, enquanto Sampaio Dria estivesse exercendo a funo de diretor-geral da Ins-truo Pblica de So Paulo. No ano seguinte, Loureno Filho foi nomeado professor de Psicologia e Pedagogia, da Escola Normal de Piracicaba (SP), quando fundou a Revista de Educao. Nesse mesmo ano, casou-se com a professora Aida de Carvalho, com quem teve dois filhos: Ruy (1925- ) e Mrcio (1930-1960).

    No perodo de 1915 a 1921, Loureno Filho teve seus primeiros escritos publicados; eram textos de cunho social, pedaggico e liter-rio.7 Esses textos foram o resultado da intensa atividade jornalstica de Loureno Filho, a qual lanou seu nome em nvel nacional, mediante a divulgao de suas ideias modernas em relao ao seu tempo. Essa ati-vidade jornalstica tambm propiciou a Loureno Filho o convvio com grandes redatores, reprteres e colaboradores de jornais, como Jlio

    7 Segundo Lda Loureno (2001), nora de M. B. Loureno Filho, a anlise desses artigos permite identificar algumas ideias que refletem as preocupaes educacio-nais, bem como o pensamento social e poltico da poca em que foram escritos. As ideias presentes nesses primeiros textos, ainda segundo a autora, continuaram a ser trabalhadas nos escritos posteriores de Loureno Filho e foram ora ampliadas, ora reformuladas, mas sempre estiveram relacionadas a seus primeiros textos. A esse respeito, ver, especialmente, Loureno (2001).

  • LOURENO FILHO E LITERATURA INFANTIL E JUVENIL 19

    Mesquita, Jlio Mesquita Filho, Nestor Rangel Pestana, Plnio Barreto e Monteiro Lobato (Monarcha; Loureno Filho, 2001), realizando, na prtica, um bom curso de jornalismo, que, poca, no existia.8

    Nesse perodo, colaborou com a revista Vida Moderna (So Paulo),9 produzindo textos de literatura e de crtica literria, com a Revista do Brasil (So Paulo)10 e com os jornais Jornal do Commercio (So Paulo), O Commercio de S. Paulo (So Paulo), A Folha (Porto Ferreira/SP), Jornal de Piracicaba (Piracicaba/SP), O Estado de S. Paulo (So Pau-lo), dentre outros, produzindo artigos de cunho poltico-pedaggico.

    Na Revista do Brasil, tornou-se secretrio de Monteiro Lobato, com quem passou a formar, juntamente com Fernando de Azevedo e Ansio Teixeira, o que Lobato chamou de uma irmandade, com obrigaes de ao e necessidade de se fazerem combativos (Loureno Filho, 1929). A partir dessa poca, Loureno Filho demonstrou grande preocupao com a leitura e sua disseminao. A leitura tornou-se seu instrumento de trabalho, por isso se empenhou em tematiz-la em seus estudos e escritos, em normatizar seu ensino ao ocupar cargos administrativos e em concretiz-la em livros didticos e de literatura infantil, resultando numa numerosa e variada produo.

    Em 1922, Loureno Filho foi convocado para ir ao Cear, a fim de reorganizar o ensino pblico daquele Estado, onde permaneceu at dezembro de 1923. Viajando pelo interior do Cear para recen-seamento escolar, Loureno Filho encontrou-se com o Padre Ccero Romo Batista, ento prefeito de Juazeiro, cujo desinteresse e proibio

    8 Almeida Junior (apud Loureno Filho, 1997, p.40) atribui a essa intensa atividade jornalstica de Loureno Filho vantagens preciosas para sua formao.

    9 A revista Vida Moderna, antiga Sportman, oferecia uma leitura acessvel, por meio de prosa e poesia, dos novos escritores que surgiam a cada dia, sendo o primeiro degrau para vrios autores consagrados mais tarde. A esse respeito, ver, especialmente, Lima (1985).

    10 A Revista do Brasil, fundada com o nome de Cultura, iniciou suas atividades em janeiro de 1916, sob a direo de Plnio Barreto, Jlio Mesquita e Alfredo Pujol. Em junho de 1918, passou a ser dirigida por Monteiro Lobato. Este ltimo prestigiava autores estreantes como forma de protesto contra a situao da cultura brasileira, viciada, segundo ele, em modelos importados. A esse respeito, ver, especialmente, Lima (1985).

  • 20 ESTELA NATALINA MANTOVANI BERTOLETTI

    impediram o cadastro escolar em Juazeiro (Monarcha, 2001). Segun-do Monarcha (2001), a realidade do serto nordestino, a situao do sertanejo e a figura do Padre Ccero causaram impacto na sensibi-lidade ilustrada de Loureno Filho, que, mais tarde, registrou essa experincia em dez artigos, publicados de novembro de 1925 a agosto de 1926, no jornal O Estado de S. Paulo e, depois, no livro: Joaseiro do Pe. Ccero (Loureno Filho, 1926).

    Ao retornar do Cear, em 1924, Loureno Filho voltou a Piracicaba e passou a desenvolver estudos em psicologia, aprofundados e expan-didos no ano seguinte, em So Paulo, quando, como professor de Psi-cologia e Pedagogia, na Escola Normal Secundria,11 realizou pesquisas referentes especialmente hiptese de um nvel de maturidade como pr-requisito indispensvel para o aprendizado da leitura e da escrita, das quais derivou o livro Testes ABC para a verificao da maturidade necessria ao aprendizado da leitura e da escrita (Loureno Filho, 1934).12

    Em 1926, respondeu a um inqurito sobre os problemas da instru-o pblica, promovido pelo jornal O Estado de S. Paulo e coordenado por Fernando de Azevedo.13 Em sua resposta, Loureno Filho (1957b, p.103) criticou a escola tradicional individualista, verbalista, intelec-tualista e anarquisadora da mente e do carter e divulgou suas ideias modernas a respeito da escola primria, como escola nova inspirada em novos ideais.

    Ainda em 1926, assumiu, em substituio a Arnaldo de Oliveira Barreto, a organizao da coleo Biblioteca Infantil primeira coleo de literatura infantil do Brasil editada pela Companhia Melhoramen-tos de So Paulo.14 E dois anos depois, preocupado com o ensino da

    11 Sobre a atuao de Loureno Filho na Escola Normal da Praa da Repblica, na cidade de So Paulo, ver, especialmente, Monarcha (1999).

    12 Anlise da configurao textual desse livro de Loureno Filho encontra-se em Magnani (1997) e Mortatti (2000a).

    13 As respostas ao inqurito foram tambm publicadas em forma de livro, organizado por Fernando de Azevedo, sob o ttulo A educao na encruzilhada, cuja primeira edio de 1937.

    14 Anlise da reviso feita por Loureno Filho de O patinho feio, de H. C. Andersen, na coleo Biblioteca Infantil, encontra-se em Menin (1999).

  • LOURENO FILHO E LITERATURA INFANTIL E JUVENIL 21

    leitura e da escrita para as massas, teve publicada Cartilha do povo para ensinar a ler rapidamente,15 cartilha destinada alfabetizao de crianas e adultos, publicada pela Companhia Melhoramentos de So Paulo e que alcanou mais de duas mil edies ao longo de sua trajetria editorial. Nessa editora, Loureno Filho assumiu a tarefa de consultor editorial, emitindo pareceres sobre originais de livros para crianas: didticos e de literatura infantil.

    Em 1925 [a Companhia Melhoramentos de So Paulo] agregou uma das mais consolidadas reputaes da Escola Nova, o professor Manoel Bergstrm Loureno Filho. [...]

    Loureno Filho aproximara-se da empresa chamado para renovar a Bi-blioteca Infantil, atualizando a linguagem, principalmente. Assumiu a tarefa de consultor editorial, emitindo pareceres sobre originais didticos e para a infncia. Ao longo de algumas dcadas viria a emitir quase 30.000 pareceres.

    Organizou (1927) a Biblioteca de Educao, com a finalidade de in-troduzir no pas correntes de filosofia da educao elaboradas em outros centros de debates. Preparou os 35 ttulos da Biblioteca, assinou tradues, adaptaes e revises de texto. Hasso Weiszflog, que acompanhou os trabalhos daquele educador, afirmou haver sido ele um segundo ego da editora. Esta, outorgou-lhe, em 1987, o Prmio Loureno Filho aos seus autores mais distinguidos pela preferncia do leitorado. [...]

    Loureno Filho editara a Cartilha do Povo. Fiel proposta avanada no ttulo, a cartilha alavancou durante mais de quarto de sculo os esforos oficiais, particulares, gremiais, religiosos e partidrios no sentido da alfa-betizao massiva. Em 1990, a Cartilha do Povo superou 2.200 edies so-mando 20 milhes de exemplares. (Donato, 1990, p.87-8, grifos do autor)

    Segundo Carvalho e Toledo (2004), como editor, Loureno Filho as-sumiu uma posio de gestor de poltica de reforma escolar e de profis-sional engajado no movimento de renovao educacional brasileiro. Ain-da conforme essas autoras, em relao coleo Biblioteca de Educao, a etiqueta Loureno Filho funcionava como depsito de legitimao

    15 Anlise da configurao textual dessa e de outra cartilha de Loureno Filho encontra-se em Bertoletti (2006).

  • 22 ESTELA NATALINA MANTOVANI BERTOLETTI

    do empreendimento editorial, podendo mobilizar uma rede de autores para alimentar a coleo e divulgar essa publicao em outros espaos.

    Em 1929, Loureno Filho formou-se bacharel em Cincias Jurdi-cas e Sociais curso iniciado antes de sua partida para o Cear pela Faculdade de Direito de So Paulo. Em 1930, foi nomeado diretor--geral da Instruo Pblica do Estado de So Paulo. Nessa funo, reorganizou a Diretoria, mudando-lhe a denominao para Diretoria--Geral do Ensino e fazendo-a compreender, dentre outros: a Biblioteca Pedaggica Central e o Museu da Criana.

    Em 1932, foi um dos signatrios do Manifesto dos Pioneiros da Edu-cao Nova marco do movimento escolanovista no Brasil , no qual, segundo Azevedo (1963), busca-se dar sentido poltica brasileira de educao. Nesse mesmo ano, com Ansio Teixeira e Fernando de Aze-vedo, na cidade do Rio de Janeiro, organizou o Instituto de Educao do Distrito Federal, onde permaneceu, como diretor, at 1937 e, como professor de Psicologia Educacional, at 1938, tendo sido transferido, em 1939, para a Universidade do Brasil, tambm no Distrito Fede-ral. Em 1933, fundou e dirigiu os Arquivos do Instituto de Educao.

    A partir de 1935, recebeu os primeiros convites para ministrar cursos em universidades e institutos culturais estrangeiros, mostra de que o prestgio e o respeito j alcanados por Loureno Filho no Brasil extrapolavam nossas fronteiras e conquistavam novos espaos. Nos dois anos seguintes, foi presidente da Comisso Nacional de Litera-tura Infantil, rgo normatizador, ligado ao Ministrio da Educao e Sade, com o objetivo de organizar, delimitar e selecionar a literatura infantil produzida poca, em nosso pas.

    De agosto de 1938 a janeiro de 1943, Loureno Filho organizou e dirigiu, no Rio de Janeiro, o Instituto Nacional de Estudos Pedaggi-cos (Inep), rgo de documentao e pesquisas no setor da educao; tendo fundado, em 1944, a Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos (RBEP),16 publicao vinculada a esse Instituto. Dentre as muitas atuaes de Loureno Filho junto a essa revista, como a de diretor e

    16 Sobre a atuao de Loureno Filho em relao Revista de Estudos Pedaggicos, ver, especialmente, Gandini (1995).

  • LOURENO FILHO E LITERATURA INFANTIL E JUVENIL 23

    redator de todos os editoriais de seus nmeros de 1944 a 1952, interessa para os objetivos deste livro a sua orientao, como diretor da RBEP, na investigao acerca de jornais e revistas em quadrinhos para crian-as e jovens, publicada de novembro de 1944 a fevereiro de 1945, nos nmeros 5, 6, 7 e 8 da revista, sob o ttulo Uma investigao sobre jornais e revistas infantis e juvenis, a qual compreende duas partes: anlise da apresentao material, das ilustraes e do contedo de re-vistas e jornais para crianas e jovens; e descrio e anlise do resultado da aplicao de questionrio aos leitores de oito a 16 anos, familiares e professores, para verificao da influncia dessas leituras.

    Em 1941, presidiu a Comisso Nacional de Ensino Primrio e organizou e secretariou a I Conferncia Nacional de Educao. No ano de 1946, assumiu o cargo de professor de Psicologia Educacional na Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro, onde permaneceu at se aposentar, em 1956.

    Em 1947, como diretor-geral do Departamento Nacional de Edu-cao, Loureno Filho planejou e dirigiu a Campanha Nacional de Alfabetizao de Adultos, primeiro movimento de educao popular de iniciativa do governo federal (Associao Brasileira de Educao, 1959, p.230). No mbito da campanha, Loureno Filho escreveu sua segunda cartilha: Ler, dessa vez exclusivamente para adultos, alm de dirigir e colaborar na elaborao dos textos Saber e Viver.

    Em 1948, presidiu a Comisso para elaborao do anteprojeto da Lei de Diretrizes e Bases da educao brasileira e, em 1949, Loureno Filho organizou e dirigiu o Seminrio Interamericano de Alfabetizao de Adultos, no qual recebeu o ttulo de Maestro de las Amricas, e fundou a Associao Brasileira de Psicologia, tendo sido eleito seu presidente.

    Em 1952, foi eleito presidente do Instituto Brasileiro de Educao, Cincia e Cultura; em 1954, recebeu uma placa laudatria da Cmara Brasileira do Livro; e, em 1955, presidiu o I Seminrio Latino--Americano de Psicologia Aplicada. Em 1956 e 1957, foi membro da Comisso de Concurso de Literatura Infantil. Em 1956, quando se aposentou, a Universidade do Brasil concedeu-lhe o ttulo de Pro-fessor Emrito, e o governo da Repblica inaugurou com seu nome a

  • 24 ESTELA NATALINA MANTOVANI BERTOLETTI

    Ordem Nacional de Mrito Educacional, no grau de Egregius. Ainda por ocasio de sua aposentadoria, Loureno Filho recebeu o ttulo de Professor Honorrio da Universidade Mayor de So Marcos de Lima, no Peru, e foi eleito membro da American Statistical Association of the United States.

    Em todo esse perodo, a partir da dcada de 1930, Loureno Filho intensificou o nmero de suas publicaes. Teve publicados textos curtos sobre educao, psicologia, sociologia, leitura, livros e literatura, alm de livros tericos de grande destaque, como Introduo ao estudo da Escola Nova (1930), Tendncias da Educao Brasileira (1940c) e A pedagogia de Rui Barbosa (1954b); livros didticos, como os livros de matemtica: Aprenda por si! Srie A (1941) e Srie B (1942c), Nova Taboada e Noes de Aritmtica (1958); livros de literatura infantil e juvenil, sendo os j citados da Srie Histrias do Tio Damio e So Pau-lo (1954) (Srie Viagem atravs do Brasil); e livros para leitura escolar da Srie de Leitura Graduada Pedrinho (Iniciada em 1953, composta por cinco livros, sendo uma cartilha de alfabetizao intitulada Upa, cavalinho! (Loureno Filho,1957c)).17

    A partir da aposentadoria, Loureno Filho dedicou-se mais inten-samente sua produo escrita, bem como procedeu reviso e am-pliao de seus livros publicados que j alcanavam inmeras edies. Segundo Ruy Loureno Filho (2001), muitos escritos originais dessa poca encontram-se dispersos em prefcios ou ensaios introdutrios de vrias obras, em nmero superior a uma centena. Pelo conjunto de sua obra, em 1963, Loureno Filho recebeu o prmio Cincia da Educao, da Fundao Moinho Santista, e, em 1978, com a criao da Academia Brasileira de Literatura Infantil e Juvenil, foi eleito pa-trono da cadeira n 11.

    O ltimo trabalho de Loureno Filho, at sua morte em 3 de agosto de 1970, aos 73 anos de idade, foi o de presidir a comisso que organizou o programa de ps-graduao em psicologia no ISOP, da Fundao Getlio Vargas (Penna, 1989, p.30); seu ltimo escrito foi

    17 Os ttulos dos livros de leitura da Srie de Leitura Graduada Pedrinho vm explicitados mais frente, neste captulo.

  • LOURENO FILHO E LITERATURA INFANTIL E JUVENIL 25

    o prefcio traduo brasileira de Agostinho Minicucci do livro Pro-blemas e mtodos no ensino da leitura, escrito pela educadora argentina Berta Braslavsky, publicado, em 1971, pela Editora Melhoramentos, na coleo Biblioteca de Educao.18

    Em 1987, a Companhia Melhoramentos de So Paulo distribuiu o Prmio Loureno Filho a autores brasileiros e estrangeiros mais notveis, pela consagrao pblica que tiveram seus livros publicados por aquela editora. A homenagem da editora a Loureno Filho, dando seu nome ao prmio, assim justificada pelo Dr. Alfred Karl Ploeger (1987, p.8), presidente do Conselho de Administrao da Companhia Melhoramentos de So Paulo: A lurea igualmente homenagem que prestamos ao notvel intelectual Loureno Filho. Alm de escritor fecundo, foi um dos principais educadores e dos mais importantes renovadores do ensino brasileiro.

    Na ocasio, Loureno Filho foi laureado postumamente com o Trofu Platina, ao lado de outros escritores como Edy Lima, Fran-cisco Marins, Renato Sneca Fleury, Tales de Andrade e Ziraldo Alves Pinto, dentre outros.

    O escritor Loureno Filho

    Segundo Ruy Loureno Filho (1997), o escritor Loureno Filho parece ter um papel fundamental, dada a vastido e importncia de seus escritos, na constituio do educador Loureno Filho. Admitido o escritor Loureno Filho dessa forma, possvel afirmar que, aps puxar a fieira de O Pio (Marins, 1997), Loureno Filho iniciou a obra de sua vida.

    Mais do que uma brincadeira de criana, quando observada sua durao no tempo, que, segundo Ruy Loureno Filho (1997), alcanou mais de um ano, O Pio, cujo primeiro nmero data de 16 de julho de

    18 A Biblioteca de Educao foi organizada e implementada por Loureno Filho, a partir de 1927, sendo a primeira coleo pedaggica criada no Brasil. A esse respeito, ver, especialmente: Monarcha (1997c) e Carvalho; Toledo (2004).

  • 26 ESTELA NATALINA MANTOVANI BERTOLETTI

    1905, buscava dar algumas ferroadas em quem merecer, e tambm nos alumnos das escolas de P. Ferreira (Loureno Filho, 1905, s.p), alm de noticiar festas, aniversrios, dar conselhos etc., mas no buscava tratar de cousas importantes, pois dirigido por um menino que no est abilitado a isso (ibidem).

    O menino Loureno Filho cresceu e, muito jovem ainda, passou a aspirar literatura, influenciado, dentre outras, pela leitura de Os sertes, de Euclides da Cunha, cujos temas chegou a discutir com seus mestres na Escola Normal Primria, em Pirassununga (Marins, 1987).

    Assim, apesar da cultura deficiente modestamente autodenomi-nada por Loureno Filho na j referida entrevista revista Formao (Loureno Filho, 1940a), quando formado professor primrio, ele comeou, em 1915 e 1916, a publicar no apenas literatura, mas tam-bm crtica literria na revista Vida Moderna.

    Loureno Filho teve publicados, nessa poca, os seguintes contos e crnicas: Suicida (das cartas de Noel Felix) (1915), Conto de sero (1915), Clarita (notas para um conto) (1916), De Pierrete (1916), O Bock (notas para um conto) (1916), Carta de amor (1916), Presente de anos (1916), Chronica vadia (1916), e os seguintes ensaios de crtica literria: Impressionismo nas Letras (1915), Chronica (sobre estilo de Fialho de Almeida), Chronica (sobre estilo de Euclides da Cunha) (1916).

    s literatura e crtica literria produzidas por Loureno Filho vieram se juntar reflexes a respeito dos problemas da leitura e dos livros, que resultaram na publicao dos seguintes textos: O que a criana l (1920); Um inqurito sobre o que os moos lem (1927); O problema do livro nacional (1938); e O cinema e a literatura na educao da criana (1939).

    O primeiro livro do escritor, intitulado Joaseiro do Pe. Ccero, foi publicado em 1926. Misturando literatura e cincia, Loureno Filho exercitou sua vocao de escritor, em estilo euclidiano, do ponto de vista de uma mente ilustrada (Monarcha, 2001). Com esse livro de literatura social, Loureno Filho recebeu o prmio Ensaios, em 1927, e passou a ocupar a cadeira n 32 da Academia Paulista de Letras, em 1929, em substituio a Ezequiel de Paula Ramos (1846-1905).

  • LOURENO FILHO E LITERATURA INFANTIL E JUVENIL 27

    Nessa noite, o escritor Loureno Filho, ao receber com os demais novos o alto ttulo de pertencer Academia Paulista de Letras, ocupando a cadeira n. 32, passava a figurar entre os homens de letras do pas. (M. B. Loureno Filho, 1997, p.43, grifos meus)

    Teve publicados, ainda, ao longo de sua carreira, mais alguns textos de literatura ou com ela relacionados, como: O carvalho arrancado (1919) e A Padaria espiritual (1923); e textos de crtica literria, como: O menino e o palacete (1954), O simbolismo de O menino e o palacete (1955), Um romance paulista: Claro da Serra (1962a), Linguagem num romance paulista (1964); e o texto de recepo ao acadmico Francisco Marins na Academia Paulista de Letras Ora-o do acadmico Loureno Filho (1966a), no qual Loureno Filho exercita a crtica literria obra desse escritor.

    Como j informado, a partir de 1926, a produo de literatura in-fantil passou a fazer parte das atividades do escritor Loureno Filho, quando passou a revisar os textos da coleo Biblioteca Infantil. A partir de 1937, essa atividade se intensificou, por meio da reviso de textos e orientao a autores e/ou adaptadores, at 1957, quando a coleo totalizou cem ttulos (Arroyo, 1968, p.187).

    Esta reviso objetivou a simplificao do vocabulrio, de modo a atingir maior pblico infantil em funo da idade, e a expungir as estrias de certas passagens menos satisfatrias, por inspirarem sentimentos de medo, ou terror. Esse trabalho de Loureno Filho se constata pelo confronto entre as edies originais at 1926, e as reedies a partir dessa data.

    O exerccio tambm da funo de consultor editorial para livros destinados a crianas na Companhia Melhoramentos, nessa poca e ao longo de vrias dcadas, estreitou os laos do autor com a literatura infantil. Loureno Filho examinava os textos originais e tambm as tradues e adaptaes de textos que aspiravam publicao, subme-tendo-os a correes ortogrficas e de fundo e forma, mas sempre respeitando, segundo Marins (1997), os conceitos dos autores, e,

  • 28 ESTELA NATALINA MANTOVANI BERTOLETTI

    quando Loureno Filho pressentia um novo bom autor, propunha-se a orient-lo e at reescrevia trechos de seus trabalhos (ibidem, p.86).19

    Nessa tarefa, de acordo com Marins (1997), Loureno Filho chegou a emitir mais de cinquenta mil pareceres:20 Naquela tarefa [Lou-reno Filho] haveria de remodelar textos, propor novas lies, limar perodos, acrescentar dados pertinentes, isto sem ferir a genuinidade das obras, nem provocar a crtica dos autores.

    Essa atividade de Loureno Filho ao longo de sua formao e traje-tria profissional parece ter sido seu referencial para a atuao, em 1936 e 1937, como presidente da Comisso Nacional de Literatura Infantil. Ali, juntamente com os escritores Murilo Mendes (secretrio), Manuel Bandeira e Jorge de Lima, e as educadoras Maria Eugenia Celso e Elvi-ra Nizinska,21 Loureno Filho teve oportunidade de discutir aspectos do que se pode considerar o incio de uma teoria da literatura infantil, o que ser detalhado mais adiante.

    Essas experincias oportunizaram a Loureno Filho receber o con-vite, do presidente da Academia Brasileira de Letras, em 1943, para falar aos seus membros a respeito da literatura infantil e seus proble-mas. Nessa palestra, publicada na Revista Brasileira (Rio de Janeiro) sob o ttulo Como aperfeioar a literatura infantil, Loureno Filho demonstrou grande conhecimento do assunto, sintetizando conceitos bsicos sobre o gnero, o que torna esse artigo pioneiro na produo mais sistematizada sobre o gnero.

    Depois disso, Loureno Filho produziu uma srie de textos sobre leitura e literatura infantil e juvenil, como: O ensino e a biblioteca (1945); O valor das bibliotecas infantis (1948a); A criana da lite-

    19 Adiante no captulo, a descrio de alguns pareceres emitidos exemplificam as correes efetuadas por Loureno Filho em alguns textos de literatura infantil, incluindo os de Francisco Marins.

    20 Como se pde observar, h divergncias a respeito do nmero de pareceres emiti-dos por Loureno Filho ao longo de vrias dcadas em que foi consultor editorial da Companhia Melhoramentos de So Paulo: Donato (1990) registra quase 30 mil, e Marins (1997), mais de 50 mil.

    21 Alguns documentos consultados atestam a participao tambm do escritor Jos Lins do Rego e da poeta e educadora Ceclia Meireles, nessa Comisso.

  • LOURENO FILHO E LITERATURA INFANTIL E JUVENIL 29

    ratura brasileira (1948b); Literatura infantil e juvenil (1957a); In-qurito sobre livros para crianas (1959b); Lcia Benedetti e o teatro infantil (s.d.(c)); Como tornar cada criana e cada adolescente um bom consumidor de leitura (1966b); alm de introduo, apresentao e prefcios a livros de e sobre literatura infantil, como, dentre tantos outros: Prefcio (1959b) ao livro Vamos recitar, poesia e teatro infantil, de Maria de Lourdes Nunes de Andrade; Introduo (1962b) ao livro Brasil: paisagens e costumes; Prefcio (1962b) ao livro Nuvens cho-ronas, de Luis M. Nery; Apresentao (s.d.(b)) ao livro A histria da rvore de Natal, de Hertha Pauli; Um livro bsico sobre literatura infantil (1968) prefcio ao livro Literatura infantil Brasileira ensaio de preliminares para sua histria e suas fontes, de Leonardo Arroyo.

    Em suas preocupaes com a literatura infantil, as questes da educao continuavam a incomodar Loureno Filho, uma vez que sua produo sobre e do gnero estava contida em um projeto maior de educao e cultura. Sintonizado com os anseios e as necessidades de sua poca sobre a educao e seus problemas e, nesse mbito, so-bre a leitura e, consequentemente, a literatura e a literatura infantil, Loureno Filho (1928) reconhecia que era preciso educar o povo para o progresso social e que o ensino da leitura era um dos elementos de educao popular. Em vista disso, Loureno Filho teve publicada, a partir de 1928, um extensa produo didtica que abrange desde cartilhas de alfabetizao at livros para leitura escolar. Importante , no entanto, observar que ele no se descuidou de sua produo de literatura infantil, uma vez que essa constitua o meio para a leitura.

    No mbito dessa produo didtica, teve publicadas: as j citadas Cartilha do povo para ensinar a ler rapidamente (1928) e Upa, ca-valinho! (1957c); e os livros de leitura da Srie de Leitura Graduada Pedrinho, com os ttulos: Pedrinho (1953), Pedrinho e seus amigos (1954), Aventuras de Pedrinho (1955), Leituras de Pedrinho e Maria Clara (1956), Pedrinho e o mundo (1957),22

    22 Apesar de constar em vrios anncios da Srie, o volume 5, Pedrinho e o mundo, parece no ter sido publicado. Deixo, no entanto, seu ttulo registrado para de-monstrar a totalidade do projeto editorial dessa srie de leitura escolar.

  • 30 ESTELA NATALINA MANTOVANI BERTOLETTI

    Vale lembrar que, antes da srie de leitura mencionada, teve publicada a tambm j citada Srie Histrias do Tio Damio, com 12 ttulos: Tot (1942a), Baianinha (1942b), Papagaio Real (1943a), To pequenino... (1943b), Saci-Perer (1944a), O indiozinho (1944b), A irm do indiozinho (1946a), A Gauchita (1946b), A formiguinha (1946c), No circo (1946d), Maria do Cu (1951a), E eu, tambm... (1951b).

    Analisando a faceta do escritor Loureno Filho, Ruy e Mrcio Lou-reno Filho (1959) afirmam que o que caracteriza a obra de seu pai o esforo do publicista pedaggico com o propsito de contribuir para uma mentalidade esclarecida em matria de educao. Para esses auto-res, essa obra pode ser distribuda em quatro categorias: educao em geral, psicologia, pensamento social e escritos para crianas.

    Em todos seus escritos, Loureno Filho tem mantido coerncia de ideias e atitudes, e uma inabalvel f no valor da educao e da cultura. Mas, ao mesmo tempo, neles traduz um empenho de renovao e atua-lizao incessante. [...]

    O respeito pelo leitor, na exatido que deseja imprimir a seus escritos, tem sido outra nota constante, o que explica por certo a autoridade de que se revestem seus trabalhos, no pas e no estrangeiro. (Loureno Filho; Loureno Filho, 1959, p.203)

    Para Peregrino Junior (1959, 182-3), o escritor Loureno Filho tambm filsofo, socilogo, psiclogo e pedagogo, sendo, por isso, um escritor autntico.

    A sua arte de escrever sutil, isenta e preclara. Sabe escrever com fluncia, elegncia e correo, escrevendo muito bem, exatamente porque d a iluso de estar escrevendo sem a preocupao de escrever bem. No se vem, na sua prosa, os andaimes da construo. E esse, no avisado con-selho de Machado de Assis, o melhor estilo: desataviado, claro, direto. Aparentei-o sempre, pela erudio extensa, pela expresso fcil e pelo dom admirvel da clareza, ao de Medeiros e Albuquerque. (grifos do autor)

    J segundo Marins (1987, s.p.), Loureno Filho se comunicava de maneira clara e objetiva, com vocabulrio precioso e adequado,

  • LOURENO FILHO E LITERATURA INFANTIL E JUVENIL 31

    sinonmia rica, quando falasse ou escrevesse, adotando o mtodo do contador de histrias.

    O escritor Loureno Filho, como se pde verificar aqui, teve publi-cada uma numerosa e variada produo: de literatura (para adultos) e crtica literria; de literatura infantil e juvenil; de livros didticos para o ensino da leitura; de textos sobre literatura infantil e assuntos correlatos; de introduo, apresentao e prefcios a textos de e sobre o gnero e de pareceres a textos de literatura infantil. Alm disso, atuou como presidente da Comisso Nacional de Literatura Infantil.

    Literatura (para adultos) e crtica literria23

    A produo de literatura (para adultos) de Loureno Filho, como se pde verificar, ocupou, predominantemente, o tempo da juventude do escritor de 1915 a 1926 , o que parece justificar a constatao do escritor Josu Montello (apud Loureno Filho, 1997, p.44) sobre a renncia de Loureno Filho criao literria a que ele poderia ter dedicado , em benefcio de uma obra de educao. Apesar dis-so, sua produo de literatura bastante significativa, pois revela o nascimento da veia literria do escritor, concretizada e tematizada, mais tarde, no mbito da literatura infantil e juvenil. Assim, a produ-o de literatura (para adultos) e a crtica a textos do gnero podem ser considerados o embrio da produo de literatura infantil de Loureno Filho.

    No trecho do conto Presente de anos, de 1916, que segue, podem ser observados o estilo e a linguagem utilizados nos contos e crnicas escritos por Loureno Filho, bem como a sensibilidade e poesia com que foram tratados os temas:

    23 Como a produo de Loureno Filho de literatura (para adultos) e de crtica literria no objeto deste livro, ative-me, aqui, a reproduzir alguns trechos e a fazer uma rpida descrio desses textos e consideraes gerais sobre o estilo de seu autor. Essa produo merece um estudo mais aprofundado ainda a ser feito, para contribuir para a histria da literatura em nosso pas e tambm para se conhecer mais essa faceta de Loureno Filho.

  • 32 ESTELA NATALINA MANTOVANI BERTOLETTI

    De sincero eu no devia escrever-te hoje, porque os grandes enlevos no permitem a conscincia do tempo e do espao. Mas fora substituir a ternura da emoo, pela rudeza do capricho, quando este traz alegria, seno, de seu cumprimento, emoo maior. E que crime o de mandar--te duas linhas e um cumprimento? O de apontar o castigo do tempo que te faz mais velha? Ora, tu sabes, um ano que passa nada. E posto que a lembrana de seus dias traga lembrana de dores que se tm sofrido, ainda assim nada. Eu, de mim, posso diz-lo. De ti, procura ao teu corao. Ele no marcou dores, e h de responder cantando ledo uma cano de vida, que cantars tambm [...] (Loureno Filho apud R. Loureno Filho, 1997, p.36-7)

    Joaseiro do Pe. Ccero, por sua vez, construdo pela reestruturao de artigos anteriormente publicados, demonstra maior maturidade liter-ria, embora sua inscrio no campo cientfico e literrio tenha ocorrido apenas poca de sua publicao (Monarcha, 2001, p.2), acabando por ser incorporado bibliografia de psicologia social, acolhido como fonte para anlises sociolgicas centradas nos temas do messianismo, cultura rstica, fanatismo religioso e cangao... (ibidem).

    Ao cientificismo dos dados precisos e comprovados por citaes, anlise psicolgica e sociolgica do fenmeno do Padre Ccero juntou--se uma linguagem pormenorizada, descritiva e narrativa, entremeada de sensibilidade e poesia, alm de refinada ironia, especialmente nos primeiros quatro captulos, que conferem ao livro e ao seu autor quali-dades literrias talvez isso justifique os elogios ao livro poca (Lou-reno Filho, 1997) , como se pode comprovar no fragmento a seguir:

    s primeiras caminhadas, sobrevem, rpida, a fadiga. Assalta depois o viandante estranho terra certa ansiedade, quando no extrema excita-bilidade geral e impressionante atividade da imaginao. E no raro que se lhe apresentem miragens. No extremo dos tabuleiros escaldantes, ou sobre o emaranhado das caatingas ressequidas, compe a iluso os mais tentadores osis, recortes de serras nunca existentes, jardins e pomares... A explicao do primeiro fato talvez esteja nas longas horas de sol, sempre ardente e custico, na mesmice do ambiente, cujas ondulaes se copiam desconsoladoramente, e na secura do ar, intolervel a princpio a quem

  • LOURENO FILHO E LITERATURA INFANTIL E JUVENIL 33

    no esteja aclimado. O segundo, no contraste maravilhoso das noites, sobrevindas quase de chofre, sem ocaso duradouro, com cus incalcula-velmente difanos e profundos, buliosos de vida de astros incontveis, sobre cuja luz hesitante meteoritos lanam riscos fantsticos, quando um luar embriagador no se derrame, como blsamo sobre as coisas da terra, transfeitas em quadros de magia e seduo...

    Avisado dessas alternativas de angstia e consolo, o estranho se anima a transpor os sertes, no seio dos quais ir notar que a civilizao daquelas paragens um prodgio de tenacidade, teia de Penlope entretecida de sacrifcios e renncias sem nome, mantidas geraes afora, no se sabe bem por que razes profundas.

    E compreender, num timo, por que a vida ali estacionou em apa-rente bocejo de cansao ou desnimo, e logo perceber que a primeira impresso contra o filho da terra descabida e injusta. (Loureno Filho, 2002, p.26-7)24

    A insero mais recente do livro no campo cientfico ou, quando muito, na literatura social talvez deva ter ocorrido em virtude, es-pecialmente, da opo do escritor em dissertar sobre a educao, em detrimento da narrao, na concluso do livro. Na concluso, Loureno Filho explicita uma ampla concepo de educao e uma concepo de leitura restrita a simples instrumento de cultura, que no supre a totalidade das necessidades do povo; por isso, advoga a necessidade da formao de elites, nas ordens intelectual e moral, a serem estabelecidas por um sistema de cultura tcnica e superior.

    Sem se descuidar do ensino primrio e do ensino profissional, cuja extenso iria tendo marcha normal, esses aparelhos de verdadeira cultura acabariam por produzir no s a mais benfica coordenao mental, como criariam o ambiente propcio a um trabalho de educao popular extensa, pela escola, pela igreja, pelo livro, pelo cinema, pelo rdio... (ibidem, p. 144)

    24 A ortografia atualizada do fragmento se justifica por tratar-se da 4 edio do livro Joaseiro do Pe. Ccero, de 2002.

  • 34 ESTELA NATALINA MANTOVANI BERTOLETTI

    Dessa forma, o livro Joaseiro do Pe. Ccero representativo do pensamento social brasileiro da poca em que foi escrito em que a atitude fundamental residia na conciliao da pesquisa social com o empenho da reforma poltica e cultural articuladamente criao de uma identidade nacional (Monarcha, 2001, p.3).

    A crtica literria produzida por Loureno Filho, por sua vez, con-siste em anlises de aspectos formais, estilsticos e estruturais, como lies e propaganda de produo literria, feitas pelo crtico desavi-sado como se autodenomina. A ttulo de exemplo, seguem trechos de Chronica (sobre estilo de Euclides da Cunha), de 1916, Um roman-ce paulista: Claro da Serra, de 1962 e Linguagem no romance pau-lista de 1964, os dois ltimos sobre o estilo do escritor Francisco Marins:

    Foi da leitura de notas simples sobre a vida ntima de Euclides da Cunha, que depreendemos com verdade, a fora e a chave de seu estilo to deslumbrante de artifcio. Euclides achava-se uma vez em casa duma famlia de sua intimidade, quando lhe foi apresentada uma criana, dessa idade adorvel em que as crianas tm tanto de graa e de encanto no mal--entender o mundo. [...] Assim como mimasse a criana que via, pergunta-ram-lhe os pais, nunca contentes de ouvir gabos filha, o que dizia dela. O mal-aventurado escritor levantou os seus grandes olhos sempre animados daquele brilho estranho de nevrose, e encarou os genitores da bela menina. Sentenciou, depois: uma espiga de milho brotando, lindssima, dentro de um trigal!... Era profundo e enigmtico. A quem conhea o caso, e as eminentes pessoas com quem ele se deu, a frase tem clareza farta. E da se v que, nem mesmo ao emitir um juzo que dever ser to simples quo sincero, Euclides da Cunha perdia aquela postura de alma extraordinria. Era profundo e enigmtico. A ns, toda a impresso que nos faz a sua, infe-lizmente, minguada obra, a mesma, nascida por espontneas reflexes, da frase amaneirada com que dizia da beleza de uma criana, linda como todas as crianas lindas... (Loureno Filho apud R. Loureno Filho, 1997, p.35-6)

    Na carreira literria de Francisco Marins, o romance Claro da Serra vem abrir uma nova fase. Ela no oferece, no entanto, qualquer descontinuidade com as anteriores. Pelo contrrio. Nas histrias para pr-adolescente e novelas juvenis, que escreveu, j esse autor revelava os atributos essenciais do romancista de hoje.

  • LOURENO FILHO E LITERATURA INFANTIL E JUVENIL 35

    Muitos escritores estreiam com um romance. Raramente produzem, porm, como este o caso, uma complexa narrativa dotada de grande fora e beleza. S uma longa experincia ensina o ofcio de narrar bem, apurando a arte de juntar o estranho ao bvio, em que principalmente reside o poder de comunicao do romancista com o grande pblico.

    Em Claro da Serra, esse poder atrair leitores das mais diversas condies. No obra, contudo, que se percorra uma vez para no mais a ela voltar-se. Sugere problemas, levanta dvidas, deixa uma reflexo. (Loureno Filho, 1962a, p.3)

    No se percebe na leitura [de Claro da Serra] qualquer artifcio de composio, por seleo deliberada das formas verbais. Marins narra pelo que ouviu na tradio familiar, ou pelo que diretamente tenha observado, tornando a linguagem, ela prpria, como que protagonista da narrativa. No h hiatos, com perda dos atributos de naturalidade de estilo.

    A unidade obtida pela constncia de algumas formas sintticas, o gosto das imagens simples e diretas, e, sobretudo, a capacidade geral de narrar bem. Pouco importa a variao sucessiva do vocabulrio, numas passagens quase insensvel e, em outras, bem marcada. S em autores amaneirados que o vocabulrio caracteriza o estilo. Assinale--se, por fim, algo que j no diz respeito diretamente linguagem, mas a uma variao de perspectiva na construo literria, que decide do valor expressivo geral da obra. Nas primeiras partes do romance, est acentuado o imprio das coisas, a fora da terra, a influncia de bandos greis pioneiras, lotes de escravos, agregados de senhores e sditos... A menos interessa o desenho psicolgico de cada personagem, ou nem menos le ensaiado.

    A medida, porm, que a narrativa prossegue, os sentimentos, propsi-tos e motivos individuais tornam-se cada vez mais ntidos. Os tons difusos dos primeiros embates e conflitos sangrentos transitam para a definio de caracteres. A anlise psicolgica vem a dominar.

    Essa marcha impe ao romancista mltiplos e delicados problemas de composio, e consequentemente de linguagem, o que poderia deter-minar desgraciosas rupturas na maneira de escrever. No , porm, o que ocorre. E no ocorre precisamente porque, em Claro da Serra, a inveno literria e a instrumentao verbal participam do mesmo ato de criao. (Loureno Filho, 1964b, p.81)

  • 36 ESTELA NATALINA MANTOVANI BERTOLETTI

    Embora o texto Orao do acadmico Loureno Filho seja, como j informado, um texto de recepo ao acadmico Francisco Marins na Academia Paulista de Letras, e no um texto especificamente de crtica literria, nele essa est bastante presente, como se pode observar, a ttulo de exemplo, no trecho a seguir:

    Vossos livros para crianas, que admitimos sejam cinco e no mais, procedem de uma s e mesma motivao original, bem revelada pela constncia do cenrio e presena das mesmas personagens. [...]

    Em toda a srie infantil o discurso indireto: o autor narra, na terceira pessoa sem maior interesse por aspectos introspectivos, mesmo porque entre o mundo real e o mundo imaginrio das personagens no havia maior transio. [...] a tcnica de narrar era sempre a mais singela [...] (Loureno Filho, 1966a, p.25-8)

    A crtica literria produzida pelo escritor aponta para a autoridade de que foi se revestindo o nome de Manoel Bergstrm Loureno Filho em matria de literatura, timidamente em 1915 e 1916, e mais rele-vante e importante ao longo dos anos seguintes, vindo a ser consultor editorial, conforme j informado, da Companhia Melhoramentos, uma das seis maiores editoras de livros para crianas do pas, poca.

    Literatura infantil e juvenil25

    O primeiro envolvimento de Loureno Filho com a literatura in-fantil foi a organizao da coleo Biblioteca Infantil, que, conforme j dito, foi a primeira coleo de literatura infantil do Brasil. Organizada, a partir de 1915, por Arnaldo de Oliveira Barreto (1869-1925) e assu-mida, aps sua morte, por Loureno Filho, essa coleo constava de consagradas histrias tradicionais, orientadas e revisadas.

    25 Neste tpico, apenas apresento a produo de Loureno Filho de literatura infantil e juvenil, para, no captulo 3, analisar a configurao textual da Srie Histrias do Tio Damio. A coleo Biblioteca Infantil e o livro So Paulo merecem um estudo mais pormenorizado, que no ser desenvolvido neste livro.

  • LOURENO FILHO E LITERATURA INFANTIL E JUVENIL 37

    A experincia acumulada e os estudos e pesquisas realizados at ento por Loureno Filho o autorizavam a imprimir seu estilo e seu pensamento literatura infantil publicada naquela coleo: simplifi-cou o vocabulrio dos textos, para atingir maior nmero de pblico infantil; eliminou passagens que inspiravam medo ou terror; substituiu lugares, acontecimentos, vegetao e clima opostos nossa sociedade e cultura; nacionalizou os temas e contedos, aproximando-os da reali-dade brasileira; recriou, enfim, os textos, buscando produzir arte que contribusse tanto para deleite quanto para formao (Arroyo, 1968).

    De acordo com Marins (1997), Loureno Filho se props a escrever para crianas, convencido da possibilidade de adaptao de estrias tradicionais aos novos ditames didticos, eliminando delas o humor negro.

    Loureno desejava que a leitura pudesse se tornar uma ponte entre o mundo da criana e o do adulto e no uma pinguela para derrub-la no abismo. (Marins, 1997, p. 83)

    [...]Loureno Filho [...] levaria ao mais alto grau o conceito j explcito

    no Emlio, de Rousseau: a criana no s devia ser estudada mas antes, compreendida, e da propor, como integrantes inseparveis das narrati-vas mesmo que de formas veladas preceitos da Psicologia Infantil e da Pedagogia e afastando, como j dito, conceitos de terror e violncia, e ainda, o sentido piegas ou moralista, muito a gosto de velhos catecismos aplicados educao.

    Assim seu conceito de tal literatura era a de que devia exercer uma funo humanizadora, porm com os ingredientes da fantasia, da evaso e do sonho e ser uma forma de fazer conhecer o prprio ser e o mundo e, assim, tornar-se uma ponte entre o mundo risonho da criana e o carran-cudo do adulto. (ibidem, p.85-6)

    Para Menin (1999), a reviso de O patinho feio feita por Loureno Filho na coleo Biblioteca Infantil no se caracteriza apenas pela reviso do texto de Barreto recriador da primeira edio, em 1915, desse conto, na coleo , mas trata-se de uma recriao em razo da ampla modificao que processou em relao ao texto original de

  • 38 ESTELA NATALINA MANTOVANI BERTOLETTI

    Hans C. Andersen, segundo seu projeto e sua autonomia de trabalho ante a coleo. No entanto, de acordo com a autora, como Loureno Filho e Barreto falavam a partir de um mesmo lugar o escolar , demonstravam em sua atuao ante a coleo preocupaes similares, como as de preservar a arte e incentivar o gosto pela leitura nas crianas em situao escolar, por isso, em O patinho feio, de Loureno Filho, sobressaiu-se o tom didtico com inteno de educar, evidenciando os papis de quem ensina e o de quem aprende, num enfoque forma-tivo, moralizante e de crtica social. Isso, no entanto, no prejudicou a contribuio significativa de Loureno Filho para a constituio, manuteno e maior idade do gnero literrio infantil (Menin, 1999, p.169, grifo da autora).

    Soares (2002, p.312), por sua vez, ao comentar as revises de Lou-reno Filho aos livros dessa coleo, afirma que, nesse projeto editorial, o leitor em formao tinha etapas bem definidas a cumprir, guiado pela mo do mediador [Loureno Filho], que convidava, mas controlava.

    Alm dos ttulos da coleo Biblioteca Infantil, Loureno Filho orientou, tambm, um ttulo da Srie Ptria Brasileira, publicada pela Companhia Melhoramentos de So Paulo, em 1953: Leitura V, de Renato Sneca Fleury.

    A Srie Histrias do Tio Damio, por sua vez, eleita como corpus da pesquisa que originou este livro, como explicitado na Introduo, configura-se como produo original de Loureno Filho de literatura infantil. Produzida na maturidade intelectual do autor, essa Srie circulou por 16 anos no mercado editorial brasileiro, com um total aproximado de 600 mil exemplares.

    Suas histrias, indicadas para leitores de seis a oito anos, tematizam o cotidiano de Ded, uma menina pequena, curiosa, esperta, que vive algumas travessuras e aprende, por meio de histrias contadas pelo Tio Damio ou por outros contadores de histrias e por meio de dilogos com outras crianas, tipos, usos e costumes regionais, bem como aspectos do folclore brasileiro.

    Pela produo dessa Srie, Arroyo (1968) situa Loureno Filho entre os autores que se destacavam por uma obra literria para crianas perfeitamente definida e vlida, ao lado de outros, como: Guilherme

  • LOURENO FILHO E LITERATURA INFANTIL E JUVENIL 39

    de Almeida, Lcia Machado de Almeida, Menotti del Pichia, Hernni Donato, rico Verssimo, Maria Jos Dupr, Malba Tahan, Jos Lins do Rego, Lus Jardim. Em Loureno Filho o tema histrico se junta ao da fico e ao do folclore para resultar na srie Histrias do Tio Damio para crianas at 8 anos de idade (Arroyo, 1968, p.226).

    J Lajolo e Zilberman (1984) avaliam que tanto essa Srie quanto a Srie de Leitura Graduada Pedrinho foram produzidas para com-pletar a atuao como pedagogo de Loureno Filho. Para as autoras, a Srie Histrias do Tio Damio transmite informaes sobre usos e costumes regionais, reforando as noes de comunidade brasileira e integrao nacional, valores em evidncia na poca, que o livro de orientao didtica acentua (ibidem, p.80). Acrescentam que, apesar de a Srie Histrias do Tio Damio no se destinar diretamente ao ensino, em seus textos predomina a finalidade educativa, somada ao dirigismo ideolgico, os quais variam segundo as intenes dos setores que utilizam a literatura para difundir conceitos e posies que lhes interessam em particular (Lajolo; Zilberman, 1984, p.80).

    So Paulo, publicado em 1954 pela Companhia Melhoramentos de So Paulo, segundo Afrnio Coutinho (1978) integra a produo de literatura juvenil de Loureno Filho. Nesse livro, conserva-se a figura do Tio Damio, que narra aos meninos Benedito, Zezinho e Joaquim aspectos geogrficos, histricos e culturais do Estado de So Paulo. Segundo Afrnio Coutinho (1978), embora esse livro tenha sido escrito para jovens, pode tambm ser lido por adultos que vo, como os jovens, aprender e se encantar, dada a variedade de temas, os comentrios agudos, as informaes seguras e a linguagem elegante e apropriada.

    So Paulo faz parte da Srie Viagem atravs do Brasil, organizada e revisada por Loureno Filho, toda ela publicada pela Companhia Melhoramentos de So Paulo entre as dcadas de 1940 e 1950. Essa Srie, segundo consta na quarta capa desse livro, um Autntico desfile das grandezas de nossa terra atravs de seus costumes, encantos naturais, formao histrica, acidentes geogrficos, etc. (So Paulo, 1954, s.p.), composta de Volumes caprichosamente ilustrados, cons-tituindo a coleo um precioso documentrio (ibidem). Consta de 10 volumes, na seguinte ordem: v.1 Amazonas e Par; v.2 Maranho,

  • 40 ESTELA NATALINA MANTOVANI BERTOLETTI

    Piau, Cear, Rio Grande do Norte, Paraba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe; v.3 Bahia, Esprito Santo e Rio de Janeiro; v.4 Minas Gerais; v.5 Rio Grande do Sul; v.6 Santa Catarina; v.7 Paran; v.8 Distrito Federal; v.9 So Paulo; v.10 Gois e Mato Grosso. Com exceo dos volumes 8 e 9, de autoria de Joo Guimares e de Loureno Filho, respectivamente, todos os demais volumes foram escritos por Ariosto Espinheira.

    Essa Srie apresenta semelhanas com Atravs do Brasil, de Olavo Bilac e Manoel Bonfim, publicado em 1910 e leitura apaixonada e obrigatria de muitas geraes de brasileiros (Lajolo; Zilberman, 1991, p.34). Essas semelhanas dizem respeito tematizao do nacio-nalismo em ambos, no sentido de conhecer as terras brasileiras, como meio de exalt-las e valorizar sua natureza, seu povo e suas regies; ou seja, trata-se de uma viso ufanista do Brasil, visando garantir a unidade nacional em sua diversidade regional. Ao mesmo tempo in-formativos e de fico, So Paulo e Atravs do Brasil buscam envolver o leitor e garantir sua adeso.

    Livros didticos para o ensino da leitura26

    A produo didtica de Loureno Filho para o ensino da leitura iniciou-se em 1928, com Cartilha do povo para ensinar a ler rapida-mente, sendo esse aspecto autor didtico o que mais se ressalta na obra de Loureno Filho, segundo Ruy Loureno Filho (1997).

    Cartilha do povo, conforme j informado, teve mais de duas mil edies, tendo sido publicada por mais de seis dcadas. Essa trajetria editorial permite a apreenso de uma histria de permanncia e sucesso, no somente por ter levado a leitura inicial a milhes de brasileiros, mas tambm por ter servido de parmetro para outras cartilhas bra-sileiras em sua estruturao e princpios, influenciando a histria da alfabetizao em nosso pas (Bertoletti, 2006).

    26 Neste tpico, apresento a produo didtica de Loureno Filho para mostrar que o escritor se envolveu com e concretizou uma produo didtica separada de uma produo especfica de literatura infantil e juvenil. Sobre a produo didtica do au-tor, ver, especialmente, Bertoletti (2006); Magnani (1997); Mortatti (2000a; 2001).

  • LOURENO FILHO E LITERATURA INFANTIL E JUVENIL 41

    A Srie de Leitura Graduada Pedrinho, por sua vez, foi aplaudida e indicada como a grande produo de Loureno Filho para crianas, poca de sua publicao e at os dias de hoje.27 No somente por sua exitosa trajetria editorial, mas tambm por seu carter inovador, no que se refere seja ao aspecto grfico, seja aos princpios tericos que concretizava (Bertoletti, 2006), a Srie de Leitura Graduada Pedrinho estava sintonizada com sua poca. Para Afrnio Coutinho (1978), essa Srie tinha utilidade no apenas para disseminar a leitura, mas tambm para incutir o gosto por ela e permitir um contato compreensivo com o mundo circunstante do seu interesse.

    importante ressaltar que o projeto editorial dessa Srie foi levado adiante a partir de 1953, ou seja, dois anos depois de encerrado o pro-jeto editorial da Srie Histrias do Tio Damio. Assim, o intervalo de tempo que separa essa produo declaradamente didtica da produo de literatura infantil de Loureno Filho indicativo de que, de acordo com o ponto de vista de seu autor, Histrias do Tio Damio foi produ-zida como literatura infantil, e a Srie de Leitura Graduada Pedrinho foi produzida como leitura escolar, de carter didtico.

    Textos sobre literatura infantil e assuntos correlatos28

    Os textos de Loureno Filho sobre literatura infantil e juvenil e assuntos correlatos leitura e livros foram veiculados em captulo de livro, artigos, conferncias, separatas, peridicos, crtica literria, recepo de acadmico,29 introduo, apresentao e prefcios e pareceres a livros de e sobre literatura infantil.

    27 Dentre os estudos que destacam a Srie de Leitura Graduada Pedrinho no mbito da produo didtica de Loureno Filho, ver, especialmente, Coutinho (1978); Coelho (1984); Marins (1997).

    28 Neste tpico, apenas apresento um resumo do contedo e outros aspectos gerais dos textos de Loureno Filho sobre literatura infantil e juvenil e assuntos corre-latos, para, no captulo 2, analisar a configurao textual dos textos eleitos como corpus da pesquisa que originou este livro.

    29 Os artigos de crtica literria e recepo de acadmico j foram descritos ante-riormente no captulo.

  • 42 ESTELA NATALINA MANTOVANI BERTOLETTI

    Captulo de livro, artigos, conferncias, separatas, peridicos

    Nos artigos O que a criana l, publicado em 1920, no Jornal do Commercio, e O cinema e a literatura na educao das crianas, publicado em 1939, pela Imprensa Oficial (Rio de Janeiro), Loureno Filho acusa os efeitos nocivos que os impressos e o cinema de m qualidade causam nas crianas, um ser em formao.

    Um inqurito sobre o que os moos lem, publicado em 1927 pela revista Educao (So Paulo) e tambm em separata, em 1928, o resultado de um inqurito feito por Loureno Filho com os alunos das ltimas classes de duas escolas normais (uma do interior e outra da capital) e de um grande liceu paulista. Nesse inqurito, conclui que nossos moos lem pouco e escolhem mal as obras que lem (Loureno Filho, 1927, p.3), em virtude de, segundo o autor, as escolas primrias terem condenado o livro de leitura.

    A falta de leitura e de livros foi apontada na conferncia do Dr. Levi Carneiro, ocorrida no Instituto de Estudos Brasileiros e publi-cada em O problema do livro nacional, em 1938, da qual Loureno Filho tomou parte como debatedor. Carneiro (1938) atribua a falta de prestgio do livro Escola Ativa, por sua reao antilivresca, afirmao de que Loureno Filho discorda, defendendo um ponto de vista de que na Escola Ativa no se combatia o livro, mas o livro nico, e indica o aumento da produo de livros naqueles anos.

    Na palestra Como aperfeioar a literatura infantil, publicada em 1943, Loureno Filho problematiza a questo da literatura infantil, a fim de contribuir para os estudos e debates em torno do gnero. Para tanto, o autor busca, a partir de dados histricos, conceituar e delimitar a lite-ratura infantil e estabelecer suas funes e modalidades, alm de fazer um balano da situao ento atual e sugerir medidas para aperfeio-la.

    No artigo O ensino e a biblioteca, de 1944, mais do que tecer consideraes a respeito do tema, ttulo do texto, Loureno Filho faz observaes de ordem pessoal, apontando sua vida e seus interes-ses voltados para a leitura e os livros e se autodenominando ledor incorrigvel. Esse texto resultou de uma conferncia realizada em

  • LOURENO FILHO E LITERATURA INFANTIL E JUVENIL 43

    5 de julho de 1944, na biblioteca do Departamento Administrativo do Servio Pblico (Dasp) (Rio de Janeiro), sendo a primeira de uma srie de conferncias sobre o tema A educao e a biblioteca. Foi publicado, ainda em 1944, na revista Formao (Rio de Janeiro), sob o ttulo Biblioteca e ensino, e em 1945, na Revista Brasileira de Estu-dos Pedaggicos (Rio de Janeiro) e na Revista da Academia Paulista de Letras (So Paulo), sob os ttulos Ensino e biblioteca e Biblioteca e Ensino, respectivamente.

    O valor das bibliotecas infantis, publicado em 1948, pela EBSA (Rio de Janeiro), foi o ttulo dado palestra de Loureno Filho por ocasio de uma exposio de livros infantis. Nesse texto, o autor busca definir a literatura infantil como arte que serve formao dos espritos infantis, a partir de um esboo histrico da constituio do gnero.

    Em A criana na literatura brasileira, conferncia de Loureno Filho proferida na Federao das Academias de Letras (Rio de Janei-ro), em 1948, e publicada na Revista da Academia Paulista de Letras, nesse mesmo ano, aps fazer consideraes tericas sobre a infncia e a delimitao dessa fase da vida humana, o autor destaca a imagem da criana na prosa brasileira, dividida entre: livros de memrias, autobiografias romanceadas, contos e novelas. Para Loureno Filho (1948b), a consistncia cada vez maior dada, ento, criana na prosa brasileira retrata um fenmeno de vida social extensa, de aumento do nvel de cultura do pas.

    Em Literatura infantil e juvenil, publicado em 1957, como apndice do livro Histria da Literatura, de Jos Marques da Cruz (1957), partindo de dados histricos das origens da literatura infantil, Loureno Filho conceitua, delimita e traa as modalidades da literatura infantil e juvenil, fundamentando-se no conceito de catarse, como definido pela psicologia.

    Inqurito sobre livros para crianas, de 1959, uma entrevista concedida por Loureno Filho revista Leitores e Livros (Rio de Janei-ro). Respondendo a questes sobre o processo de produo de seus li-vros para crianas e sobre as bases tericas que os sustentam, Loureno Filho faz uma anlise da produo de literatura infantil, compreenden-do-a como ligada criana e a sua necessidade inerente de formao.

  • 44 ESTELA NATALINA MANTOVANI BERTOLETTI

    No artigo Como tornar cada criana e cada adolescente um bom consumidor de leitura, publicado em 1966, na revista Educao (Rio de Janeiro), Loureno Filho destaca o processo evolutivo da leitura, que deveria culminar, a seu ver, na formao do bom consumidor de leitura. Esse processo evolutivo, segundo o autor, leva em consi-derao trs aspectos, de modo contnuo e progressivo: a maturidade da criana, a motivao para a leitura e o material de leitura. O bom consumidor de leitura, por sua vez, no aquele que l por ler, mas que l [...] com maior refinamento de esprito crtico [...] (Loureno Filho, 1966b, p.12), com compreenso; desse modo, a ao cultural da leitura se exercer em toda sua plenitude, passando assim a influir em maior integrao de valores lgicos, sociais e morais (ibidem).

    No mundo atual, com o desenvolvimento de outras formas tcnicas de comunicao, como o cinema, o rdio e a televiso, oferecemos a crianas e adolescentes impresses muito mais numerosas que antes, mas tangendo o esprito de cada um de fora para dentro, sem que suas foras interiores de imaginao e de esprito crtico se expandam e se reforcem. Tudo isso frequentemente representa a negao da prpria cultura, ou a abolio de seus mais altos valores, e por uma razo muito simples: que, indus-trializadas, essas formas modernas de comunicao tm normalmente o esprito de lucro, seja como fr, no o de mais equilibrada formao das novas geraes. [...]

    Mais uma razo, portanto, para que se cuide de fortalecer o esprito crtico das novas geraes, o qual, ainda e sempre na leitura, poder en-contrar o seu instrumento de eleio. Devemos armar crianas e jovens a se defenderem de tais influncias nocivas, assim como lhes ensinamos a preferirem a gua limpa suja e a comer o que realmente seja nutriente saudvel. (ibidem, p.12-13)

    Em Lcia Benedetti e o teatro infantil, artigo datilografado por Loureno Filho, o autor discorre sobre a importncia das peas infantis dessa escritora. Para isso, procede a um apanhado histrico do teatro universal, assinalando sua associao geral com a educao, desde a idade mdia, quando se sustentava na ao social de propagao dos bons costumes e ideias religiosas do tempo (Loureno Filho, s. d.(c),

  • LOURENO FILHO E LITERATURA INFANTIL E JUVENIL 45

    p.1) e aponta a importncia do teatro escolar no sculo XX, associado ideia de jogo ou brinquedo.

    Deixava assim o teatro escolar de ser encarado como arte, para com maior frequncia tornar-se um artifcio, sustentado apenas por interesses didticos imediatos ou por objetivos de diverso, em solenidades de fim de ano. Os especialistas do assunto passaram mesmo a substituir a de-nominao de teatro infantil pela de exerccios de dramatizao, teis se bem empregados, mas caricaturais quando sob esse pretexto estejam tentando praticar a representao cnica.

    Autores de mrito se associaram a esse movimento. Bastar lembrar entre ns Bilac e Coelho Neto e [ilegvel] com seus seguidores depois, mui-to numerosos, e de varivel capacidade literria e artstica. (ibidem, p.2)

    De acordo com Loureno Filho, no entanto, as peas de Lcia Benedetti, representadas no Brasil pela primeira vez em 1948, pela companhia de Henrietti Morineau e que comeavam a se projetar no estrangeiro, eram diversas dessa orientao escolar.

    O que pretendeu foi apresentar o teatro, como teatro, com sua fora criadora, plstica e dramtica sobre a criana, independentemente das representaes escolares, que so outra coisa e para outros fins, menos ambiciosos. Dessa forma, entendeu de renovar a ao social do teatro nas crianas atravs das crianas. [...]

    No se trata apenas da feitura teatral. O de que se trata da concepo de ordem psicolgica em que apoiou a j agora vencedora, de um teatro como contemplao esttica para crianas, com todos os seus efeitos de natureza sugestiva.

    O que h de ressaltar, antes de tudo, na produo de Lcia Benedetti, surpreendente por sua fora, a capacidade dessa projeo dramtica com poesia. Em outro plano, o fenmeno o mesmo que o da verdadeira literatura infantil, no, claro, o de sua contrafao. Quero dizer, de apresentao esttica para fins educativos sem dvida, e para divertir, sem dvida tambm, mas pela emoo criadora que s a obra de arte chega a transmitir. (ibidem, p.2-3)

  • 46 ESTELA NATALINA MANTOVANI BERTOLETTI

    Introduo, apresentao e prefcios

    Em relao introduo, apresentao e aos prefcios a textos de e sobre literatura infantil e juvenil produzidos por Loureno Filho, reuni, selecionei e ordenei cinco referncias; no entanto, at o momento, foi possvel localizar e recuperar apenas trs textos: Prefcio, ao livro Nuvens choronas de Luis M. Nery (1962b), Um livro bsico sobre literatura infantil brasileira, prefcio ao livro Literatura Infantil Brasileira ensaio de preliminares para sua histria e suas fontes, de Leonardo Arroyo (1968) e Apresentao traduo brasileira de Aida de Carvalho Bergstrm, de A histria da rvore de Natal, da escritora inglesa Hertha Pauli (s. d.(b)).30

    No Prefcio, alm de fazer uma apreciao sobre o livro Nuvens choronas e seu autor, Loureno Filho (1962b, s.p.) tece consideraes tericas sobre o gnero literrio para crianas:

    Escrever livros que de qualquer modo divirtam crianas uma coisa. Como a literatura de gente grande, essas composies requerem esponta-neidade, poder sugestivo, fora de comunicao potica. [...] a provncia natal do esprito infantil se povoa de sonhos e fantasias. De fantasia, sim, no que possa a imaginao recriar, no sentido etimolgico dessa palavra, que criar de novo, com maior equilbrio para a vida interior de cada menino ou menina. No de um fantstico qualquer, grotesco e muitas vezes mrbido, por isso mesmo nocivo s mentes em formao. [...]

    Claro que a verdadeira obra literria, para qualquer que seja a idade, no tem o intuito direto de ensinar. Como expresso de arte, seu papel produzir emoo, possibilitando novas formas de sentir e pensar, equi-librando motivos e modos de compreender, com colaborao do leitor, mesmo quando de um pequenino leitor se trate.

    No prefcio Um livro bsico sobre literatura infantil, Loureno Filho busca conceituar a literatura infantil em sua acepo mais restrita

    30 Esses textos localizados corroboram a afirmao de Ruy Loureno Filho (2001) de que centenas de apresentaes, introdues e prefcios escritos por Loureno Filho encontram-se dispersos, possibilitando, a meu ver, inmeras pesquisas.

  • LOURENO FILHO E LITERATURA INFANTIL E JUVENIL 47

    e mais ampla, demonstrando a opo por essa ltima, por parte do autor do livro prefaciado, Leonardo Arroyo. Loureno Filho, tambm, detalha os propsitos e as necessidades da tradio oral da literatura e a funo da literatura infantil em desenvolver o mundo interior do leitor; aponta possibilidades de pesquisa sobre literatura infantil e, ainda aponta, o carter de reflexo que o livro prefaciado, a seu ver, possibilitava.

    Na Apresentao ao livro A rvore de Natal, Loureno Filho (s. d.(b)) busca situ-lo em relao a outro livro da mesma autora, publicado em nosso pas, e traduo e adaptao feitas ao esprito corrente da tradio religiosa no Brasil. Ainda, Loureno Filho re-comenda sua leitura por crianas, jovens e adultos nos quais no se tenha apagado a chama potica que nos leva a entender os smbolos de f e de compreenso entre os homens (ibidem).

    Pareceres

    Neste tpico, considero os seguintes pareceres: Parecer a Joo Pracinha (1959a), Parecer a Dona Histria da Silva (1961a) e Parecer a Sempre alerta, Rondon (1962c), todos de Francisca Ro-drigues Gregory; Parecer a Simplicidade (1960), de Walter Nieble de Freitas; Parecer a Claro da Serra (1961b) e Parecer a Groto do caf amarelo (1963), ambos de Francisco Marins; Parecer a Cinguri, o indiozinho (1964), de F. Lyra Silva (pseudnimo de autor no identificado); e Parecer a Os fsforos mgicos (s. d.(a)), de autor no identificado.

    No parecer a Joo Pracinha, de Francisca Rodrigues Gregory, Lou-reno Filho (1959a) felicita a autora por sua linguagem natural, viva e atraente, harmonia e graa da composio e, por isso, recomenda o livro para publicao pela Companhia Melhoramentos de So Paulo, tendo enviado os originais direo daquela editora.

    Nesse parecer, Loureno Filho ressalta que para se escrever para crianas, alm de certo gosto potico e capacidade de ligar o real ao imaginrio, o autor deveria adequar o texto aos interesses infantis e adaptar criana o vocabulrio e a construo sinttica.

  • 48 ESTELA NATALINA MANTOVANI BERTOLETTI

    Acreditando no valor literrio desse livro, ele sugere pequenas emendas transcritas a lpis na cpia que remeteu autora , espe-cialmente no captulo 2 daquele texto, no qual, a seu ver, a viso de mundo sugeria a falsidade dos adultos em relao s crianas, o que preferiu amenizar.

    H mesmo esta observao quanto atitude da me do menino para com le: Coitado! Como estava sendo trado! Basta apontar essa nica frase para que a Senhora veja que, realmente, a cena descrita no feliz, num trabalho para crianas. A infncia de hoje j muito trabalhado (sic) por situaes que a levam a desconfiar dos adultos. No creio que os livros de recriao, que lhes dediquemos, devam acentuar essa impresso. (ibidem, grifos do autor)

    Ademais, indicou emendas na forma, para que se evitem certos modismos de linguagem de sabor muito regionalista; ou, ento, para que os sentimentos de conflito no se acentuem tambm (ibidem).

    O parecer a Dona Histria da Silva, da mesma autora, apresentou--se um pouco mais negativo que o primeiro, e nele, Loureno Filho (1961a, s.p.) buscou observar a necessidade de a escritora tornar-se autora de larga projeo, no sentido de escrever conciliando a ex-presso artstica com os interesses naturais das editoras, pois O desejo de todo autor que sua obra seja difundida; o desejo do editor vender o livro em larga escala.

    Assim, embora tenha tecido muitos elogios ao estilo de Francisca Gre-gory, Loureno Filho advertiu-a sobre a necessidade de adequao entre tema e apresentao do tema para a mesma faixa etria, uma vez que

    Para que o livro atenda a esses interesses comuns, ser necessrio, antes de tudo, que se escreva para uma clientela definida. Praticamente isso se define por faixa de idades. H composies que satisfazem crianas de 6 a 8 anos; outras, de 9 a 11/12 anos; outras, de 12 a 14. Vem por fim a lite-ratura juvenil, ou prpria para adolescentes. Para cada uma dessas faixas de idades