Lua de sangue book

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“O que morre nem sempre permanece morto”. Desde seus terríveis dias em cativeiro no vale das sombras a vida de Mikaelly parece estar entrando nos eixos. Repleta de conquistas, sua vida nômade parece fazer parte de um passado já há muito esquecido. Descobrir a utilidade de seus poderes, estar prestes a ter um novo membro na família, e o mais importante; estar com Petrick. Tudo começa mudar quando precisa retornar ao seu planeta natal, e se inicia uma série de ataques à pequena cidade de Malford, colocando em risco a vida de todos que a cercam. O retorno de velhos, e novos inimigos. Tudo que foi conquistado, amor, família, amigos e até sua própria vida estão prestes a ruir. “As sombras te rodeiam, elas seguem você onde quer que você vá, não importa o quanto tente se esconder, elas te encontrarão... Não tem como fugir.” Qual o real significado? Nunca haverá uma vida segura? É como areia movediça quanto mais foge mais se afunda? Novos segredos serão desvendados e uma nova batalha

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Livro 2

LUA DE SANGUE

SÉRIE MEIA-NOITE

N. S. GOMES

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Copyright © 2016 N. S. Gomes Publicado sob acordo com CDA, São Paulo, SP, Brasil. Todos os direitos reservados. Lei 9.610

Diagramação: Gael Santana

Ilustração: N.S. Gomes

Correção ortográfica: Angélica Solo

Foto da autora: Denilda R. S

Contracapa: Milton Naves

ISBN-13: 978-1530455812

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SUMÁRIO

Prólogo: 41. Confissão e Sangue 112. Passeio 273. Imprevisto 364. A outra face da moeda (Petrick) 525. Mikaelly: Funeral 716. Zumbi e emboscada 837. Ex-noiva, ex-morta 938. Planeta Natal 1099. Abscondita sint, previsões 12710. Presente Peludo 14811.Ciúmes 16512. Ataque Gelado 18313.Complicações 19414. Funeral 20015.Ataques 21516. Fabric Boate 22117. Proximidade 24418.Nova Perda 25319. Estrela Cadente 26320. Autodestrutivo 27121. Vailout 28622. Sequestro 30723. Encontro sombrio 31424.Epilogo: Um Novo Vampiro 342

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Prólogo:

Fui ensinada desde criança que nascemos, crescemos e morrermos no final. Bem, na minha vida tudo parece ser ao contrário. O que morre nem sempre permanece morto... Acho que se você tem a escolha de lograr a morte, mudar o imutável, você vai enfrente sem pensar nas consequências.

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(Alguns anos atrás)

“As mulheres se tornarão inférteis, as chuvas escassas, premissas do fim. No eclipse, a união de um morgrot e um stroi dominante das sombras trará a destruição aos Calvurianos e a extinção da raça. Dominantes das sombras são como um presente valioso do demônio— são raros e perigosos. —, pois é dado com uma mão e tirado com a outra. Por precaução todos bebes dominantes das sombras devem ser sacrificado ao fogo, assim extinguindo a escuridão do fim.”

—É isso que está escrito realmente? —Lucius indaga a uma mulher corcunda.

—Sim. É o que diz aqui. —Tossiu. —Esse é um dos livros proibidos do rei. Apenas ele tem acesso.

—Não mais. —Gargalhou. —Mas por que então ele não queima os bebes?

—Para proteger Julian. Tolo! —Tossiu novamente quase se engasgando com o próprio muco. —Alasthor me mandou cuidar do garoto, levá-lo para a floresta proibida até que tenha idade suficiente. —Acariciou as bochechas rosadas de um bebe de cabelos escuros e olhos negros como a noite.

—Mas quem garante que ele será o escolhido?

—Alasthor sabe o que faz, Kerli previu o nascimento deste garoto e eu o transformarei em um morgrot logo na adolescência.

—E quanto a Julian, Belzos e Stoya?

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—Belzos será mandado para o mundo dos humanos, os glômeros acabarão com ele de qualquer forma. Stoya está casada com Alasthor. E Julian... Você se vira.

—Quer que eu mate o filho do rei? Está louca? —Vociferou.

—Você que sabe, mas se recusar vai se entender com Alasthor. —Gargalhou deixando suas orelhas de morcego proeminentes.

—Merda! Ele é só um garoto...

—É por um bem maior. A mestiça já está no ventre de Stoya, é questão de tempo para ela crescer e dar início ao fim.

—Isso não vai dá certo. Como saberemos que ele crescerá e se apaixonará por um bebe que ainda nem nasceu?

—Está tudo nas escrituras proibidas. —O bebe chorou, a velha começou a afogá-lo com um cobertor. Lucius a empurrou, pegando desajeitadamente o bebe nos braços.

—Você é uma velha louca, não mate nosso bem precioso. Quem é a mãe desse bebê?

—Eu não sei. É filho de Alasthor e alguma vagabunda stroiana que já deve estar morta. E o que importa?

Lucius a ignorou acalentando o bebê em seus braços.

—Ele vai quebrar as barreiras dando passagem aos glômeros, todos os bebes serão conduzidos para a terra dos humanos.

—Eu sei. E o nosso pequeno morgrot também. —Estendeu os braços, Lucius entregou o bebe a ela, relutantemente. Ela se metamorfoseou em um morgrot

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acastanhado e saiu voando com a cesta do bebe sobre os pés bestiais, atravessando a barreira— que Alasthor quebrara. —, e voou para a floresta proibida.

Quando Lucius deixou o casebre e retornou ao castelo, deparou-se com Julian seguindo Stoya como um cãozinho. Ele adotara tal comportamento logo após a barriga de Stoya começar a crescer.

Seria difícil ter que matá-lo, além de ser uma criança Lucius já havia manifestado afeto pelo garoto. Mas além de tudo, ele não podia dizer não a Alasthor. Apesar de não ser um stroi dominante das sombras ele era dono de muito poder, e agora aliado a Stoya...

Ele tinha conhecimento que ela estava grávida de um humano e que o traia todas as noites— se esgueirando pelo acampamento dos guardiões até a barraca de Caios. —, estava esperando apenas o nascimento do bebê para matá-la juntamente com seu amante.

—Lucius... Inútil. —Alasthor falou divertidamente com suas mãos despreocupadas nas cadeiras. —O que fez com o meu bebe?

—E-eu... E-u... Eu...

—Não me diga que o entregou para aquela prostituta velha? —Arqueou a sobrancelhas. Quando ele percebeu que Lucius teria uma convulsão de nervosismo, ele gargalhou exibindo seus pés de galinhas na pele pálida. —É brincadeira.

Lucius respirou aliviadamente.

—Resolverei a questão de Julian o quanto antes. —Balbuciou.

—Sem problemas, o deixe comigo, eu mesmo faço. —Piscou.

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—Mestre, não é necessário.

—Cale a boca, essa sua maldita condescendência me enoja, não me faça desenhar um rosto novo em você com meu punho. —Bufou. Antes que Lucius o respondesse ele o impediu com o dedo indicador e saiu bailando — uma valsa invisível. — pelo salão, seus guardiões o acompanharam em silêncio.

Belzos passou correndo num rompante, seus guardiões preocupados e ao mesmo tempo afobados o seguiam por todo castelo. Ouve um grito no andar de cima. Stoya daria a luz, ouviu alguém gritar, o caos tomou conta do castelo. As parteiras correram açodadamente, e as ajudantes em tropeços logo atrás.

Quatro horas depois o bebe nasceu. Um enorme murmúrio se formou no castelo, era uma menina dominante das sombras. Agora tínhamos quatro deles— sem contar com o bastardo de Alasthor. —A profecia já estava em andamento agora mais do que nunca. A vida de Stoya estava em jogo, agora não havia nada que impediria Alasthor de matá-la, ela não tinha serventia para ele.

Talvez ele a matasse e tomasse seu coração, assim expandindo seus poderes ou...

Lucius cogitou na ideia de salvá-la, não poderia salvar Julian o garoto que tanto estimava, pois o destino dele estava traçado. Mas Stoya... Ou pelo menos salvar a bebe da terrível profecia. Ele respirou prolongadamente e correu até o acampamento. Abriu a barraca de Caios e falou sem fôlego:

—Precisamos conversar!

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1. Confissão e Sangue

Cerrei os punhos fortemente. Agora, se passado mais ou menos

quinze minutos que eu estava sentada sem me mexer minha respiração parecia ter se normalizado. Ou não. Olhei em volta rapidamente, meu coração voltando a dar saltos. A catedral realmente era enorme, suas paredes tão claras e reluzentes que chegava a me cegar. Os vitrais eram meticulosamente esculpidos com arcanjos imaculados e angelicais. Pareciam tão reais que chegava a ser impressionante. Com olhos acinzentados e expressivos— pareciam cravarem o olhar diretamente no meu, acusando-me em silencio—, mas isso era bobagem, afinal.

Minha cabeça dava voltas e mais voltas. Tamborilei os dedos no vazio do banco a minha esquerda, tentando espantar minha agonia. Avistei Caios logo a frente junto a Margareth, sua expressão esbanjava os mesmo sentimentos meus. A diferença é que parecia mil vezes mais aflito. Não o culpava. Ele ainda não se acostumara a vir à igreja todos os domingos.

O porquê disso?

Bem, quando Margareth se mudou para nossa casa, ela convenceu Caios a começar a frequentar a igreja com ela. Ele todo apaixonado aceitou de imediato. Inevitável, eu sei. Mas ai surge à pergunta: O que eu estava fazendo ali? Bom, essa é a pior parte. Caios odiava frequentar igrejas— ele se considerava agnóstico na maior parte do tempo. —, e para ele isso era um castigo, então ele deve ter pensado “Por que eu não trago a minha filha para sofrer comigo? Pode ser bem divertido.” Agora todos os domingos nós viríamos, e começando hoje. Se não obedecesse não poderia mais sair com Petrick.

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Para mim não era tão ruim assim ir à igreja. Mas Caios me dissera no carro antes de entrarmos que teríamos de nos confessar. O meu problema já começou ai, como assim me confessar? Minutos atrás eu perguntara a Margareth “desinteressadamente” se era pecado mentir ao padre. Ela quase surtou me enchendo de sermões. O que eu deveria fazer? Deveria contar ao padre que eu era uma stroi — cujo dominava um poder de curar meus próprios ferimentos e de terceiros. —, ou então falar sobre meu namorado vampiro que se metamorfoseava em morcego e dominava o fogo. Não de jeito nenhum, eu não podia me confessar. Olhei novamente para onde Caios estava.

Margareth entrava no confessionário, o próximo seria meu pai, depois... Eu, já que não havia mais ninguém na igreja. Respirei profundamente. Pensei no que Caios diria, ele iria mentir? Desejei que Margareth tivesse muito que contar e que demorasse uma eternidade. Mas como nem tudo que queremos torna-se realidade... Margareth retornou depois de alguns poucos minutos. Caios engoliu em seco, caminhando devagarmente, mas antes que chegasse algo o interrompeu.

A enorme porta de madeira maciça se abriu escancaradamente até o canto. Fiquei congelada assistindo toda aquela cena. Um homem de meia-idade entrou cambaleante caindo de joelhos aos pés do padre — pela primeira vez vi o padre. Sua roupa era toda dourada, parecia mais um baú de ouro. Era um tecido cheio que o deixava ainda mais rechonchudo. Não entendi o porquê daquela roupa berrantemente extravagante em um dia de domingo chuvoso.

O homem beijou sua mão. Ele estava coberto de lama seca, escorria uma grossa linha de suor pelo seu rosto. Parecia abatido e muito atordoado.

—O que te aflige meu filho?

Seus olhos arregalaram-se de terror.

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—Vam... — Seu corpo todo se tremulou, nem mesmo conseguiu terminar a palavra. Mas no fundo eu já sabia qual era. Senti o gosto da bile subindo. O padre reclinou-se para poder ficar mais próximo do pobre homem. Seus lábios voltaram a se mexer... —Vampiros!

Mesmo eu sabendo o que ele falaria antes mesmo dele terminar, aquela palavra teve um forte impacto sobre mim. Parei de respirar por um tempo. Procurei visualmente por Caios, queria ter certeza de que ele não ouvisse o que o homem tinha a dizer. Não o encontrei. Um tumulto se formava do lado de fora da catedral. Aproveitei a distração de todos e fui ver do que se tratava. Do lado de fora quase escorreguei pela fina crosta de gelo que se formara no chão. A chuva começou forte, me pegando desprevenida. O aglomerado de pessoas continuava, ignorando a tempestade empurrei algumas pessoas tentando chegar até o motivo de tanta curiosidade. Não consegui. Quanto mais me esforçava para me aproximar mais as pessoas me afastavam. De repente fui puxada, não bruscamente, mas também não foi o puxão mais gentil que eu já recebera. Parei de lutar quando percebi que era Caios.

—Venha. —Arrastou-me até o carro. Sentei-me no banco de trás da caminhonete, contra minha vontade. Afivelou o cinto em mim e depois se sentou na frente junto a Margareth, que segurava firmemente em seu terço. Caios acelerou, fazendo o barulho de carro velho que eu odiava.

—Santo Deus. —Margareth começou a rezar.

Caios olhou para mim revirando os olhos.

Margareth percebeu.

—Não sei do que está zombando. —Fungou. —Você estava lá e ouviu o que aquele pobre homem disse.

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—Não se preocupe querida. —Caios acariciou seu rosto. —Se estivesse próxima como eu teria notado que ele estava totalmente embriagado. Não falava coisa com coisa.

—Então não acredita?

Seus olhos esbugalharam-se.

—Eu não disse isso...

—Como explica toda aquela família morta? —Agora meus olhos arregalaram-se, Caios percebeu minha expressão.

—Está assustando Mikaelly... —Bufou. —Eles podem ter sido atacados por algum animal e o cocheiro pinguço fantasiou loucuras, é isso. Deixe que a polícia cuide disso.

Margareth não se convenceu.

Continuaram a discutir aproximadamente por todo nosso trajeto de volta. Fiquei em total silêncio, tentando absorver qualquer informação a mais que eles soltassem durante a discussão. Descobri que o motivo de toda a aglomeração perto da igreja eram os cadáveres da família morta no meio da estrada. Um total massacre que restara apenas o cocheiro. A polícia suspeitava de animais selvagens, devido aos ferimentos encontrados. Mas a única testemunha discordava, — Mas devido ao seu alto grau de embriaguez. —, seu testemunho foi parcialmente ignorado.

Chegando em casa, Caios correu para abrigar Margareth no seu enorme guarda-chuva.

—Mika, você leva as bolsas. —Falou antes que Margareth as pegasse.

Bufei.

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Além de ter que tomar chuva até a porta de casa, ainda por cima teria de carregar todo o peso. Joguei as bolsas no ombro e corri, tentando evitar uma pneumonia. No conforto de casa abandonei as pesadas bolsas no chão perto do sofá. Subi as escadas ás pressas, queria tomar um banho revigorante. Incrivelmente eu havia me ensopado.

No banheiro retirei as roupas que se colavam ao meu corpo. Parei de tremer depois de algum tempo debaixo da água quente. Sequei meus longos cabelos sofregamente, seu comprimento já chegava quase à cintura. Isso complicava um pouco mais minha vida. Coloquei roupas quentes— o frio parecia ter se instalado em meus ossos—, e deitei-me com meu mp3.

Botei no último volume uma música com altas distorções de guitarra, precisava de distrações. Na verdade, eu precisava de formas para preencher meu tempo. Inspirei lentamente o cheiro de minhas roupas de cama, estavam recém-lavadas, mas bem lá no fundo preso às fibras do tecido estava o aroma de Petrick.

Meu coração se apertou...

Fazia 2 dias e meio que eu não o via. Ele havia viajado junto a Steeven e eu não pudera ir. Caios não permitira. Ele achava que era apenas uma invenção nossa, que a real intenção era fugir para nos casarmos ou que faríamos coisas a mais. No primeiro dia fiquei tão triste que pensei que morreria, mas depois me conformei. Revirei-me na cama, tentando achar uma posição melhor.

Mas conclui que não havia.

A noite não demorou a cair. Estava uma noite gelada e isso me fazia lembrar ainda mais de Petrick — se ele estivesse aqui poderia usar seu poder de combustão para me esquentar. —, mas o jeito era colocar outro casaco. Coloquei também duas meias, meus dedos pareciam que se necrosariam se eu não o fizesse. Fiquei alguns minutos admirando meu quadro favorito — o

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único que eu tinha na parede. —, que eu ganhara de presente de Petrick. Era eu despreocupada em meio às flores desabrochadas, eu não era tão bonita, mas ele era um gênio dos quadros e eu até fiquei agradável.

Desci indo diretamente à cozinha. Margareth estava sentada na mesa com a cara fechada. Ao me aproximar mais da cozinha percebi o motivo, Caios estava no fogão. Suspirei exasperada. Caios era um péssimo cozinheiro, sua comida era horrível. E não era pouco caso, realmente era intragável. Lembro-me das muitas vezes que jogava minha comida fora quando ele se distraia e ele achava que meu apetite estava aguçado e me servia mais gororoba, lembranças nada felizes.

—Não adianta fazer essa cara... —Sorriu. — Eu disse que não cozinharia.

—Meu Deus Caios, sinta só o cheiro dessa comida. —Fez careta. — Está horrível, você é péssimo.

—É normal. Está grávida... Na sua situação qualquer cheiro é ruim. —Provou um pouco do caldo que preparava e fez cara de quem chupava um limão, mas ao perceber que eu o olhava logo a desfez soltando um: —Hmmm, que delicia.

—Não seja ridículo. —Tentou-se levantar segurando a barriga, a ajudei antes que caísse de volta na cadeira. —Eu posso fazer no mínimo o jantar. E você não vai me impedir.

Desligou o fogo e se livrou de um grude que Caios tentara, repito tentara fazer se tornar algo tragável. Fiquei próxima á ela, para ajudá-la no que precisasse. Estava agradecida por ela cozinhar, em vez de Caios. Sua comida era deliciosa ao contrário da comida do meu pai. Que nem com água descia.

Desde que Margareth completou o segundo mês de gestação e alguns dias, Caios não a deixava fazer mais nada. Ás vezes não a deixava nem sequer

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levantar da cama. E todas as tarefas que antes ela executava, agora eu fazia em seu lugar. Ela havia deixado de trabalhar de recepcionista a pedido de meu pai e agora ficava só em casa. Eu não me importava em fazer todas as tarefas domiciliar, era temporário. Mas a comida? Bem, se ela não quisesse então tinha que me deixar fazer. Porque Caios na cozinha era um castigo. Felizmente ela amava cozinhar e mesmo com as súplicas de Caios ela não se sucumbia.

—Mika. —Chamou-me. —Descasque aquelas batatas para mim, por favor.

Assenti colocando as batatas em uma bacia e peguei a faca.

—Caios, por que não a ajuda?

Seus olhos semicerraram.

—E por quê? —Falou ceticamente.

—Por que estou pedindo.

—Tudo bem. —Pegou outra faca contra a vontade. —Eu não sei qual é o segredo de cortar uma batata, é apenas uma batata e porque ela não poderia cortá-la sozinha? Não precisa de ajuda...

—Será que pode parar de resmungar? —Margareth colocou a mão na cintura. —Parece um velho.

—Velho eu? Estou em plena juventude, velho... AH! AH! AH! —Começou a descascar continuando com seus resmungos.

O ignorei.

Lembrei-me que Petrick chegaria de viagem amanhã, fiquei feliz pelo relógio marcar oito em ponto. Amanhã eu o veria e acabaria com minha

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aflição. Uma parte de mim fora arrancada a partir do momento em que me despedi dele e agora essa parte, essencial, retornaria para mim.

—E Petrick? —Caios irrompeu o silêncio que se instalara.

—Ele viajou... Eu te disse. —Continuei encarando as batatas, a simples menção daquele nome fez um nó se alojar em minha garganta.

—Eu sei. O que estou querendo dizer é que ele não te ligou nem uma vez?

Agora eu o encarei.

—Não. —Forcei para que as palavras saíssem. Elas saíram arranhando como se eu estivesse expulsando arames de dentro para fora.

—É mesmo... Interessante. —Provocou.

—Caios... —Margareth chamou sua atenção, como uma professora dá um sermão em um aluno do jardim de infância.

—O que foi? Só estou pensando, que tipo de namorado viaja e não dá nem um telefonema? Hmm...?

—Ele deve estar ocupado.

—Ocupado. Mas a todo o momento? Para não ter sequer um minuto livre para te ligar? —Respirei profundamente, tentando ignorá-lo até que...

—Aí!—Cortei o polegar, o sangue começou a escorrer. Coloquei rapidamente a palma da mão por baixo tentando impedir que sujasse ainda mais as batatas.

—Ai meu Deus... —Margareth correu de um lado para outro, apavorada.

—Não se preocupe é só sangue. —Murmurei.

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—Amor pegue a maleta de primeiros socorros na gaveta do armário. —Caios enrolou um pano de prato em meu dedo que logo se empapuçou de sangue. Encarei meu sangue vertendo, tão vermelho. Se fosse há um tempo Margareth realmente teria motivos para se assustar. — tempos atrás meu sangue era esverdeado, Caios tentava me manter o mais segura possível, evitando que eu não me machucasse perto dos humanos. Eles poderiam notar a cor esquisita.

Margareth retornou rapidamente com a pequena maleta.

Senti um calor conhecido se apossar de todo o meu corpo se concentrando em meu polegar depois desapareceu. Caios retirou o pano ensanguentado do meu dedão arrancando instantaneamente um grito de Margareth.

—Oh céus! —Exclamou novamente.

Olhamos para o mesmo ponto em que ela olhava. O meu polegar. Ele estava totalmente curado, o corte de antes agora não se passava de uma fina e tênue cicatriz. Caios me fuzilou com o olhar, antes de acalmar Margareth que estava histérica. Levou mais de uma hora para ele a convencer de que aquilo não fora tão fora do comum assim — na verdade fora sim. Ninguém se machuca e quase que no mesmo instante se cura. Bom, com exceção do Wolverine. —, Margareth pensava em chamar o padre. Mas no fim Caios a convenceu do contrário. Depois que terminou o jantar foi ao quarto rezar. Para ela eu tinha sido curada milagrosamente.

Não jantei. Havia perdido a fome, antes mesmo de me cortar acidentalmente. Quando Caios começou a me provocar usando Petrick. Realmente ele não havia me ligado, nenhuma vez. Eu não me importava, ele não me prometera nada. Mas mesmo assim me senti desnorteada e abandonada— ok eu era bem dramática. —, mas nesses últimos meses eu

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ficara tão dependente dele, como se ele fosse uma droga, e agora sofria com a abstinência.

Sentei-me na janela e olhei além das árvores congeladas, a neve tomava todo o chão. O céu estava de uma cor escura e alaranjada. Com nuvens balofas purpuras que rasteava o céu com cores sobrepujadas de cinza e roxo. A floresta era um emaranhado de árvores zumbis adormecido. Adornadas com pequenas joias— feitas de gelo—, cintilantes. Não suportei ficar muito tempo exposta ao frio congelante e fechei a janela. Minha cama parecia estar da mesma temperatura lá de fora. Coloquei vários cobertores sobre ela, a fim de esquentá-la.

Antes que eu me deitasse Caios bateu na porta.

—Entre.

—Eu tirei o seu jantar. —Coçou a cabeça.

—Não vou jantar, estou sem fome. —Falei sem vontade.

—Está uma delicia. Margareth sabe o que faz na cozinha. —Deu de ombros.

Não respondi.

—O seu dedo... Está... —Pigarreou. —Bem, não é?

—Vou sobreviver.

—Hmm... Que bom.

Deu uma olhada periférica em meu quarto e saiu. Cai na cama bufando. No meu relógio já se passavam das onze da noite. Mas não estava com sono algum, teria de ficar deitada encarando as paredes por um bom tempo. Olhei para a nova mesinha instalada no quarto com meu computador novo— que eu

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raramente usava, exceto trabalhos de escola. —, e pensei em ligá-lo, mas tal pensamento já me rendeu repulsa. Eu mal sabia pesquisar no Google, talvez eu tivesse nascido no século errado.

Antes que eu fechasse meus olhos Caios retornou.

—Me desculpe... —Coçou a barba. —Eu não devia ter dito aquelas coisas.

—Tudo bem, pai. —Murmurei baixinho.

Seus olhos me encararam.

—Eu estava de mau humor... —Suspirou sentando em minha cama. Respirei pesadamente tentando reprimir as lágrimas que queriam pular para fora. Eu tinha que ser forte não queria chorar na frente de Caios, eu odiava chorar na frente das pessoas. Isso me fazia parecer fraca. Ele não terminou a frase e me abraçou fortemente, retribui hesitante. Caios ficou no quarto comigo por bons minutos. Eu gostei e muito. Fazia tempo que ele não me dava atenção, apenas cuidava de Margareth. Não que eu estivesse com ciúmes.

Quando me deitei Caios afagou meus cabelos até que adormeci.

Acordei com o barulho de chuva. Parecia que a cada dia que se passava ficava ainda mais frio. Depois de tomar um banho escaldante, vesti três blusas de frio e mesmo assim ainda sentia frio. Lembrei-me que hoje era segunda-feira. Dia de escola e Petrick... Sorri. Mesmo correndo o risco de virar um sorvete eu estava muito feliz.

Margareth já havia levantado e preparara o café da manhã. Comi sem hesitar, estava faminta. Depois de me empanturrar fui lavar a louça. Minhas mãos quase se congelaram na água.

—Bom dia. —Sorriu.

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— Bom dia.

Ela pegou um pano de prato e começou a secar.

—Nunca vi um inverno tão rigoroso como este.

—Verdade.

—Ontem no noticiário eu vi que várias pessoas já morreram em Barrow, Ketchikan... —Bufou. —Em trinta e seis anos é a primeira vez que Malford fica tão frio. Assenti concordando.

Eu não era muito fã de ficar conversando logo pela manhã. Talvez nenhuma hora do dia, gastava mais tempo com meus pensamentos e problemas internos, que sobrava pouco tempo para o mundo mortal. Infelizmente Margareth só tinha á mim para conversar. Caios já havia ido trabalhar a algum tempo e infelizmente voltaria só à noite.

No almoço ela reclamou de dores nas pernas, então eu mesma preparei. Ela me elogiou bastante e disse que eu estava pronta para casar. Sorri. Entendi porque suas pernas doíam, ela estava realmente enorme. Sua barriga parecia uma grande montanha contrastando com suas pernas finas, incrível como elas suportavam tanto peso. Se ela já não tivesse feito o ultrassom eu acreditaria na hipótese de ser gêmeos.

—Mika. —Falou colocando a palma da mão sobre a testa, como se esquecera de algo. —Tood voltou de viagem hoje mais cedo e ele perguntou de você.

—Sério? —Fiquei feliz. Ele havia viajado há alguns meses, na verdade dois. Nem me lembrava dele até aquele momento. Muita coisa havia mudado nesses últimos meses. Trévor era outro que desaparecera. No começo eu

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sentira muito sua falta e ele prometera me ligar, mas nunca o fez. Acostumei-me desde então. Tood me ligara uma vez, eu ficara muito feliz por ter se lembrado de mim. Ele havia ido para o interior passar um tempo com sua avó. Ela se chamava Mary e estava doente, então Meredith — A mãe de Tood. —, fora ajudá-la por um tempo levando consigo Tood.

Margareth assentiu com a cabeça.

Alguém bateu na porta interrompendo meus pensamentos.

Antes que desse por mim, Margareth já atendera. Era Tood, seus olhos brilharam a me ver.

—Tood... Entre antes que congele ai fora. —Ele entrou limpando os sapatos no tapete. Retirou o gorro e chacoalhou os longos cabelos para retirar a neve.

Continuei parada no mesmo lugar. Parecia ter se passado anos que eu não o via. Seu rosto não era mais o mesmo rosto de antes — com traços infantis. —, e ele estava maior que eu, uns generosos centímetros. Apesar de que eu era uma anã. Seus cabelos estavam diferentes também, na altura do ombro. Ao contrário de Trévor seus cabelos eram lisos.

Ele me abraçou fortemente, eu retribuí depressa me sentindo quebradiça.

—Senti muita saudade. —Sua voz estava bem grave.

—Nossa! O que andou aprontando, sua avó usa fermento na salada? —Sorri. —Também senti sua falta.

—Segredo de família vê se não espalha, e você aprontou o que? —Divertiu-se.

—Só por aqui mesmo estudando. —Dei de ombros.

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—Eu vou preparar um café. —Margareth sorriu.

—Não se incomode... —Tood me examinou. —Seu cabelo cresceu.

Brincou com uma mecha que escapava da enorme trança.

—E o meu não parece ser o único. —Atrapalhei seu cabelo o deixando desconcertado por alguns minutos.

Sorri.

—Caios não está não é?

Neguei com a cabeça.

—Por que? —Me senti incomodada ao saber que ele não viera para me ver, e sim para falar com meu pai.

—Ele me pediu que comprasse umas tintas na cidade. Mas, conversamos quando ele voltar do trabalho.

—Vai voltar para a escola?

—Vou e preciso passar. —Fez careta. —Não posso ficar atrasado.

—Hmm... Se você precisar de ajuda conta comigo.

—Obrigado.

—Tem noticias do seu irmão? —Seu rosto se franziu levemente.

—Não. Na verdade não falo com ele desde que ele viajou, só tenho contato com meu pai... Senti falta dele?

—Um pouco. —Admiti.

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—Eu não. —Me encarou, senti um relance de ódio em seus olhos, mas logo desapareceu. —E você ainda está com o Petrick?

Arqueei a sobrancelha com o “ainda”, como se fosse difícil ficar ao lado de Petrick.

—Sim.

—Estão firmes então. —Foi uma afirmação. Encarou o chão e depois se voltou para mim.

Não respondi.

—Voltei. —Margareth segurava uma bandeja com chá e biscoitos. —O café acabou.

—Não precisava se incomodar. —Levantou-se, ajudando Margareth com a pesada bandeja.

—Como vai sua mãe?

—Bem. —Sorriu, com os olhos em mim.

—Minha nossa já ia me esquecendo, e Mary...?

—Ela melhorou bem, sabe. Minha mãe resolveu que ela e minha tia fariam revezamento para cuidar da vovó. Assim eu não perderia o ano.

—Que bom Trévor. Eu tenho rezado todas as noites por ela. Oh, desculpe Tood.

—Ah... Tudo bem e Obrigado. —Agradeceu. —Eu já vou indo.

—Já? Fique mais. E os biscoitos?

Page 27: Lua de sangue book

—Preciso desfazer as malas...

—Fique mais... —Pedi por impulso, fiz careta logo em seguida. Eu não devia aumentar seu fio de esperança, já fizera isso com Trévor— não que eu usasse as pessoas, mas os Mcwoolds me faziam bem, talvez porque um deles sabia do segredo que eu guardava a sete chaves sobre Petrick ser um vampiro —, e nunca acaba bem. Lembrei-me de antes dele partir havia me lançado vários flertes.

—Tudo bem. Eu fico. —Sorriu.