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LUCIANNE SANT’ANNA DE MENEZES PÂNICO: EFEITO DO DESAMPARO NA CONTEMPORANEIDADE. Um estudo psicanalítico. São Paulo 2004 6

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LUCIANNE SANT’ANNA DE MENEZES

PÂNICO: EFEITO DO DESAMPARO NA CONTEMPORANEIDADE.

Um estudo psicanalítico.

São Paulo 2004

6

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LUCIANNE SANT’ANNA DE MENEZES

PÂNICO: EFEITO DO DESAMPARO

NA CONTEMPORANEIDADE. Um estudo psicanalítico.

Dissertação apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São

Paulo como parte dos requisitos necessários para obtenção do título de Mestre em

Psicologia.

Área de Concentração: Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano

Orientadora: Profª. Drª. Ana Maria Loffredo

São Paulo

2004

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Ficha Catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca

e Documentação do Instituto de Psicologia da USP

Menezes, L. S. Pânico: efeito do desamparo na contemporaneidade. Um estudo psicanalítico / Lucianne Sant’Anna de Menezes. – São Paulo: s.n., 2004. – 199p. Dissertação (mestrado) – Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade. Orientadora: Ana Maria Loffredo. 1. Pânico 2. Psicanálise 3. Psicopatologia 4. Subjetividade 5. Cultura 6. Freud, Sigmund, 1856-1939 I. Título.

Capa: Ym Estúdio Gráfico

Francis Bacon, Three Studies for a Crucifixion, 1962.

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a minha mãe, Lucy Mary, por seu amparo, amor e generosidade,

que sempre me estimulou neste caminho, toda minha gratidão;

a minha avó Luiza (in memorian), por sua doce e eterna presença,

que no seu silêncio me ensinou sobre “as dores da alma”;

a querida amiga Márcia, que tudo acompanhou, por sua cumplicidade e presença sublime,

a quem devo constante incentivo e interlocução, sem os quais teria sido muito difícil toda esta realização.

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RESUMO

MENEZES, L. S. Pânico: efeito do desamparo na contemporaneidade. Um estudo psicanalítico. São Paulo, 2004. 199p. Dissertação (Mestrado). Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo.

A proposta geral do presente estudo é contextualizar o pânico, na

atualidade, a partir do referencial psicanalítico freudiano. Nesse sentido, o

objetivo principal deste trabalho é articular o que Freud denominou de “mal-estar

na civilização” às psicopatologias contemporâneas, examinando a relação da

incidência da sintomatologia do pânico com os modos de subjetivação na

atualidade. A noção freudiana de desamparo (Hilflosigkeit) foi tomada como

operador metapsicológico fundamental para delimitar as bases psicopatológicas

do fenômeno do pânico segundo uma perspectiva psicanalítica. Tendo em vista o

exame das condições peculiares do desamparo na contemporaneidade, é

enfatizada a face do desamparo relativa à falta de garantias do sujeito sobre seu

existir e sobre seu futuro. Dessa maneira, problematiza a subjetividade na cena

social atual que, diante do deslocamento da ordem paterna como referencial

central, provoca efeitos nos modos de subjetivação, tendo suas implicações nos

laços sociais e nos sintomas. Sob esse prisma, há um processo de produção social

de determinadas psicopatologias, como é o caso do pânico, que encontra as suas

condições de possibilidade no espectro de valores que sustenta a sociedade atual.

Nesse contexto, insere-se a hipótese segundo a qual o pânico pode ser entendido

como um modo que o sujeito encontrou de se organizar na sociedade

contemporânea, respondendo aos subsídios oferecidos pela organização social

atual, para que ele se sustente além da cena familiar. O pânico seria, por um lado,

uma manifestação clínica do desamparo e, por outro, uma das expressões do mal-

estar que marca, na atualidade, a relação do sujeito com a cultura.

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ABSTRACT

MENEZES, L. S. Panic: an effect of helplessness in contemporary society. A psychoanalytical study. São Paulo, 2004. 199p. Master’s Thesis. Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo.

This study attempts to bring panic to the context of today’s society, in a

Freudian psychoanalytical approach. The main objective is to articulate what

Freud called “civilization and its discontents” to contemporary psychopathologies,

examining the relationship between the incidence of panic symptoms and

contemporary ways of subjectivity construction. The Freudian approach of

helplessness (Hilflosigkeit) was used as a main metapsychological concept to

define psychopathological basis of panic phenomena, in a psychoanalytical

perspective. Considering the peculiar conditions of helplessness on contemporary

society, the helplessness aspect related to the subject’s lack of certainty about his

existence and his future is emphasized. So, this study discusses the subjectivity in

a contemporary social scene, in face of current displacement of paternal order as a

central reference and its consequences in social links and symptoms. Under this

light, there is a process of social production of some psychopathologies, as is the

case of panic, that finds the conditions to emerge in the spectrum of values upon

which contemporary society is based. In this context it might be introduced the

hypothesis that panic may be understood as a way, used by the subject, to

organize himself in contemporary society, as an answer to the information

provided, so that he can manage himself beyond the familiar scene. So panic

would be, on one hand, a clinical feature of helplessness and, on the other hand,

one of the features of “civilization and its discontents” that marks the relationship

between the subject and his culture.

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AGRADECIMENTOS

Quero agradecer a todas as pessoas que, direta ou indiretamente,

colaboraram para que eu pudesse realizar este trabalho.

Aos professores Eda Bomtempo, Maria Cristina Kupfer e Luis Carlos

Nogueira (in memorian), que me abriram as portas da Universidade.

Especialmente, a Professora Ana Maria Loffredo, que se interessou por

minhas idéias e com rigor, amor, paciência e confiança, orientou-me neste

trabalho, sou sinceramente grata a seus ensinamentos e a essa experiência ímpar.

Aos Professores Daniel Delouya e Miriam Debieux Rosa, pela leitura

cuidadosa, acolhimento e sugestões fundamentais apresentadas no exame de

qualificação.

Aos psicanalistas Iolanda Toledo e Durval Mazzei Nogueira Filho, pelo

carinho e interlocução ao longo dos anos que foi de suma importância para meu

caminho na psicanálise.

Ao amigo e colega de profissão Luis Eduardo Aragon, que sempre

respeitou e incentivou meu trabalho, por seu carinho e companheirismo e por

“nossas conversas” sobre subjetividade ao longo desses anos, um germe deste

estudo.

Aos colegas do NAAP e da Comissão Editorial da Revista Boletim (Depto

Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae), António Sérgio

Gonçalves, Denise Vieira, José Carlos Garcia, Lineu Silveira, Margareth

Marques, Margarida Dupas e Marina Ribeiro, pela expectativa sempre confiante.

Agradeço também ao Prof. Emir Tomazelli por seu interesse e disponibilidade.

A amiga e companheira de consultório Cláudia Beltran do Valle, por seu

carinho, interesse e apoio em momentos delicados, assim como pela versão para a

língua inglesa, tão bem realizada, do resumo desta pesquisa.

A amiga e companheira de consultório Taeco Toma Carignato, por sua

continência carinhosa, paciência e interlocução importantes para este trabalho.

A Professora Mônica Udler Cromberg, velha amiga, pelas conversas a

respeito da polissemia do termo Panik e pela dedicada revisão ortográfica deste

estudo. Shukran.

Ao amigo Dinoval Carignato, pela paciência e dedicação na confecção da

bela capa deste trabalho.

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Aos colegas da Faculdade Morumbi Sul, em especial aos Professores Jorge

e Laurelli pelo apoio, compreensão e confiança e aos Professores Emmanuel,

Izabel, Moisés, Shan, Silvana e Rebeca pela torcida e interesse.

Ao meu saudoso avô, Orozimbo Alves de Sant’Anna (in memorian),

minha referência maior na vida e com quem aprendi o gosto por sentar numa

escrivaninha, dedico este momento de gratidão.

Ao meu querido pai, José Burgos de Menezes Filho, por sua presença,

amor e incentivo em todos os momentos, muito obrigada.

Ao meu irmão, José Renato Sant’Anna de Menezes (Maminho) agradeço a

expectativa confiante e carinhosa. E aos meus amados sobrinhos, Renatinho e

Luciana, pela leveza e alegria de viver.

A querida Tia Ofélia P.B. de Menezes, uma mãe para mim, sou muito

grata pelo carinho e incentivo.

A querida “irmã”, Marta Tornavoi, por seu interesse, apoio e respeito ao

meu trabalho.

As “eternas” Adriana Godoy, Bia Machado, Lucia Helena Tapajós, Renata

Bittencourt e Betina Matarazzo, por 20 anos de amizade e pelo apoio

incondicional desde o início deste trabalho.

Aos queridos amigos Ana Lúcia Miranda, Bia Cassis, Cinthya Randi

Neves, Denis Silva, Fátima Brilhante, Leila Victor, Luisa Travassos, Nevaldo

Alle F°, Sérgio Gondim e Sueli Pacífico, pela paciência, torcida, carinho, interesse

e apoio durante o período em que estive envolvida com este trabalho.

Aos amigos e parentes de Rio Preto e Mirassol, Suzana e Mara Quintana,

Valéria Bernardino de Souza, Neusa, Neusinha, Solange e D.Zezé pelo carinho e

expectativa sempre confiante e por terem cuidado de minha mãe e de minha avó,

Luiza, nos momentos em que estive ausente por conta deste trabalho.

Aos meus analisantes, agradeço a inspiração constante na busca de novos

modos de viver.

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APRESENTAÇÃO.

Desde criança, marcou-me uma queixa de minha avó materna (Luiza): “me

sinto mal, nervosa; tenho um grande vazio no estômago que dói, mas não é dor de

estômago; tenho muita aflição... não sei explicar... uma dor no peito que me aperta

muito... parece um mal-estar, uma coisa ruim, mas não sei o que é. Sinto tristeza,

mas não sei do quê. Tenho desânimo, uma vontade de não fazer nada... uma

vontade de desaparecer.” E gemia, constantemente, enquanto estava assim. Passou

por vários médicos que lhe medicaram das mais diversas maneiras, até que foi

parar em psiquiatras que só continuavam lhe medicando e diziam que vovó tinha

“depressão”. Enfim, esses episódios de sofrimento apareciam e desapareciam

como num passe de mágica ou de entorpecimento medicamentoso.

Vovô (Orozimbo) reagia a essa situação como podia: “Não fique assim,

Luiza, reaja, força... Sorria! Não diga: ‘huumm, huumm’ (gemidos), diga: ‘estou

feliz’. Não quero ouvir esses gemidos. Você não tem nada. Esse negócio de

‘depressão’ é bobagem... Vamos pescar, vamos sair de casa, vamos visitar

alguém...”. Até que seu último recurso era internar vovó – a seu próprio pedido –,

em hospital geral para tomar soro. Lá, ela passava um, dois ou três dias até que

melhorava, seus sintomas desapareciam, ela se sentia bem e voltava para casa

como se nada tivesse acontecido.

Sempre fiquei intrigada: o que acontece com vovó? O que é “essa coisa”

que ela sente e não sabe explicar? É claro que ela tem alguma coisa. Acho que

vovô e os médicos não entendem o que ela quer dizer.

Depois que comecei a cursar Psicologia, conversei muito com ela e com

meu avô, até que consegui que ela fosse fazer terapia. Fato que melhorou seu

sofrimento, mas não suprimiu seus sintomas, até que ela abandonou o tratamento.

Por fim, de psiquiatra em psiquiatra, até o psicólogo, conseguimos acertar um

geriatra. Deste, vovó passou por mais três, pelo menos; até que o último cuidou

dela até a morte. Vovó sempre fez tratamento medicamentoso.

Somado a esse episódio de minha avó, desde meus vinte e poucos anos,

comecei a presenciar e ter notícias de vários amigos que tinham ou tiveram

“depressão”. E eu pensava: mas o que está acontecendo que “todo mundo” sofre

de “depressão”? Será mesmo “depressão”? Será que o “mundo ficou deprimido”?!

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Ou, simplesmente, são episódios relacionados à questão da angústia? Assim, meu

interesse pelo incognoscível da angústia começou!

Até que essa “repetição” começou a se dar na minha clínica.

Coincidentemente ou não, minha prática envolvia pessoas com questões ligadas à

angústia, medo e desamparo. Mais especificamente, esses analisantes se

queixavam de uma irritabilidade geral, acompanhada de expectativa ansiosa com

conteúdo vago, ou seja, subitamente, eram tomados por um medo avassalador sem

saber “de quê” nem “o porquê” e sempre ligado a um mal-estar somático. Essa

sintomatologia começava com dores na cabeça, enrijecimento do pescoço, falta de

ar, tremores, calafrios, taquicardia, dor ou desconforto no peito, acompanhados do

medo de enlouquecer ou de morrer, o que gerava uma tendência pessimista das

coisas e uma “sensação de estar morrendo”.

Nesse quadro, essas pessoas, muitas vezes, ficavam impedidas de trabalhar

e de sair de casa, pois o único lugar em que se sentiam, relativamente, seguras era

em suas próprias casas. Diziam que experimentavam “ataques brutais” e absurdos

de angústia ou medo, sem aparentemente ter qualquer relação com o resto de suas

vidas, apresentando-se como ataques espontâneos e incompreensíveis. Esses

analisantes chegavam em meu consultório dizendo: “tenho síndrome do pânico”.

Comecei a ficar atenta, na minha clínica, para o aumento dessas queixas,

fosse por indicação de um psiquiatra ou pelo próprio analisante ter se identificado

com tal patologia. Fato é que essas pessoas começaram a aparecer no meu

consultório expressando seu sofrimento pela tal “síndrome do pânico”.

Paralelamente a essa questão, há dois fatos: primeiro, o do crescimento assustador

– pelo menos para mim – desse sintoma na mídia escrita e falada, dentro e fora

dos âmbitos da saúde. Segundo, o discurso de uma grande facção de psicanalistas,

a qual repudiava tal sintoma com a explicação de que é uma “neurose de angústia”

já descrita por Freud em 1895 e que concordar com tal nosografia psiquiátrica

seria romper com a especificidade da psicanálise.

Foi dessa maneira, então, que meu interesse pelo tema “pânico na clínica

psicanalítica”, iniciou-se por volta de 1994, época em que era aluna do curso

“Formação em Psicanálise” – curso de especialização do Departamento Formação

em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo.

Realmente, desde essa época, concordava que “síndrome do pânico” não

era uma nova categoria nosográfica; entretanto, discordava daqueles psicanalistas.

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Pensava que não poderíamos “cruzar nossos ouvidos” diante de tais

acontecimentos. Essa postura era, no mínimo, pré-conceituosa e cômoda.

Repudiar uma explicação biologizante com uma psicanalizante não nos faz chegar

a lugar algum.

E comecei a me perguntar: O que estas pessoas estão expressando e/ou

querendo nos dizer? Por que se identificam com o nome “síndrome do pânico”?

Por que “síndrome do pânico” é uma psicopatologia da atualidade? Por que hoje

aparecem mais crises de angústia que na época de Freud? O que a tendência

contemporânea dos laços sociais tem a ver com isso? Como pode a psicanálise

contribuir para esse debate?

Recorri à teoria psicanalítica clássica e, inicialmente, o máximo que

encontrei de algo próximo ao que vivia na minha experiência psicanalítica eram

os “ataques de angústia” que não clareavam em nada a direção do tratamento,

tendo em vista que ataques de angústia podem se dar em qualquer quadro

psicopatológico.

Assim, por volta de 1994, iniciei uma “pesquisa despretensiosa” a respeito

do “pânico na clínica psicanalítica.” Primeiro, nenhum professor do meu curso

sabia me indicar qualquer bibliografia, no máximo artigos sobre fobias. Depois,

fui à Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, onde encontrei duas

monografias a respeito do tema. Eram dois estudos de caso sob orientação

kleiniana.

E a literatura psiquiátrica “fervilhava” a esse respeito.

Entretanto, os debates contemporâneos em torno da questão da angústia,

assim como das mudanças nas queixas dos analisantes e a construção das novas

formas de subjetivação começaram a aumentar.

Foi assim que, a partir da minha experiência clínica, dediquei-me ao

aprofundamento do tema pânico. Comecei a levantar a hipótese de que o

surgimento de novas modalidades de queixas e sofrimentos dos analisantes

poderia se articular ao momento histórico em que vivemos, repleto de grandes

mudanças ocorridas nas últimas décadas, ligadas ao acelerado avanço tecnológico

presente no cotidiano, o que propicia uma trama social complexa, interferindo nos

modos de subjetivação.

Comecei a traçar uma articulação teórica que pudesse dar sustento à minha

prática. Ou seja, “novos sintomas” exigem de nós psicanalistas novas formas de

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acolhimento para essas “novas modalidades de queixas e sofrimentos”. Em outras

palavras, um trabalho metapsicológico. Pela psicanálise, pude entender que essas

pessoas eram tomadas por uma angústia intensa, para a qual parecia não haver

elaboração psíquica. A única forma de proteção encontrada para esse impacto

violento da angústia vinha a partir do real do corpo (taquicardia, sudorese etc), sob

a forma de ataques. Era assim que conseguiam expressar seu sofrimento, sua

dificuldade de existir, por meio dos assim chamados, atualmente, “ataques de

pânico”. Contudo, a bibliografia específica era escassa, estando aquém de

questões fundamentais, como o tratamento e a constituição subjetiva peculiar a

essas pessoas. A bibliografia específica à qual me refiro restringe-se ao campo da

psicanálise porque, diferentemente, no campo da psiquiatria, esse tema era mais

explorado. Porém, tratando-se de dois campos distintos – Psicanálise e Psiquiatria

– e, portanto, construções teórico-metodológicas e interpretações distintas para

descrições sintomatológicas e fenomenológicas semelhantes. Enquanto a

psiquiatria moderna, por meio de seu discurso empírico-pragmático desimplicava

o sujeito de seu sofrimento – porque excluia qualquer implicação da subjetividade

–, a psicanálise fazia o movimento inverso. Coloquei-me então, à “escuta” desses

sujeitos. O que nos diz um sujeito que sofre desse fenômeno da angústia

denominado pânico?

Em 1997, deparei-me com um norteador maravilhoso: o primeiro livro de

Mário Eduardo Costa Pereira Contribuição à psicopatologia dos ataques de

pânico. Foi uma glória para mim! Depois, em 1999, ele publicou Pânico e

Desamparo: um estudo psicanalítico.

Nessa esteira, por reflexões e perguntas pautadas na clínica e no cotidiano

que, naturalmente, foi surgindo a necessidade de elaborar uma produção

científica. O primeiro passo do meu trabalho foi um levantamento bibliográfico

em periódicos de destaque da área psicanalítica. Consultei, referente ao período

compreendido entre 1994 a 2001, 22 revistas e jornais – 10 internacionais e 12

nacionais –, dentre os quais foram encontrados 23 artigos (14 nacionais e 9

internacionais) referentes ao tema pânico.

Em 2001, resolvi desenvolver um anteprojeto de dissertação de mestrado e

procurar a USP como um lugar de acolhimento.

Bem, foi assim que ingressei no Departamento de Psicologia da

Aprendizagem e do Desenvolvimento Humano e desenvolvi a presente pesquisa.

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INTRODUÇÃO

A referência a uma modalidade de sofrimento psíquico conhecida como

“pânico”, mais especificamente, como “ataque de pânico”, ocupa um lugar

proeminente nos debates contemporâneos no campo da psicopatologia. Em

virtude da criação, em 1980, da categoria psiquiátrica “transtorno do pânico” ou

“síndrome do pânico”1 esta classificação, fundada nas bases “operacionais” e

“pragmáticas” que norteiam a perspectiva objetivante da psiquiatria americana,

ultrapassa o âmbito profissional e vem tendo uma enorme repercussão na mídia

escrita e falada.

Nesse quadro, o germe desta pesquisa surgiu da pergunta de caráter geral:

que contribuições o referencial psicanalítico pode dar a esse debate, uma vez bem

circunscritos os campos epistemológicos distintos aos quais se articulam a

psicopatologia psiquiátrica e psicopatologia psicanalítica? E, mais

especificamente, a que se deveria o retorno, na contemporaneidade, desse termo

clássico da psicopatologia – o pânico – durante muito tempo relegado ao

esquecimento, como enfatiza Pereira (1999)?

Reportando-nos a Freud, é possível observar que a temática do pânico não

é estranha à evolução de sua teoria da angústia. O início de seu trajeto teórico, em

1895, no quadro da Neurose de Angústia, a sintomatologia dos denominados

ataques de angústia2, muito se assemelha aos componentes dos ataques de pânico,

conforme descritos no DSM-III-R. Posteriormente, em 19213, Freud descreve o

pânico como uma angústia neurótica provocada pelo rompimento dos laços

emocionais que unem o indivíduo a um líder (ideal) e aos membros do grupo e, tal

situação, libera um medo gigantesco e insensato.

Como não se trata de nos ocuparmos do pânico como uma categoria

nosográfica, conforme descrita pela psiquiatria contemporânea como “síndrome

do pânico” ou “transtorno do pânico”, abordá-lo a partir da perspectiva da

psicanálise freudiana significa atribuir-lhe um estatuto de pertinência, tanto do

ponto de vista metapsicológico, quanto clínico. Este recorte permite, não só

1 Breviários de Critérios Diagnósticos do DSM-III-R / American Psychiatric Association (1990, p.91-3) e Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – CID-10 / Organização Mundial de Saúde (1994, p.341-2). 2 Freud, (1895) Sobre os critérios para destacar da Neurastenia uma síndrome particular intitulada Neurose de Angústia.

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ampliar esse debate para além das concepções biologizantes e empíricas de uma

vertente da psiquiatria contemporânea, como definir um campo próprio à

psicanálise no tratamento desse quadro psicopatológico, desde que as abordagens

teórico-metodológicas desses dois campos são absolutamente, distintas.

Dessa maneira, o termo “pânico”, difundido pelo mundo contemporâneo

por meio da psiquiatria, é usado, aqui, enquanto suplência e não em oposição ao

biológico. O que, na atualidade, dentro e fora do âmbito da ciência, está sendo

chamado de “pânico”?

Introduzir uma perspectiva psicanalítica para o estudo desse estado afetivo

extremo de angústia implica marcar a pertinência a um campo clínico e discursivo

próprios, além do rompimento com o discurso ideológico que desimplica o sujeito

em relação a seu sofrimento. Nesse sentido, a proposta geral deste estudo é

abordar o pânico como um dos fenômenos do campo psicopatológico do

angustiante, referido na obra freudiana, e sua contextualização na atualidade.

Certas formas de sofrimento psíquico podem ser consideradas como

psicopatologias da atualidade, no sentido de expressões dos modos de

subjetivação promovidos pela sociedade contemporânea. Há um estilo de

sociedade em pauta que gera condições e possibilidades para produção de

determinadas psicopatologias como típicas de sua época. Isso não quer dizer,

necessariamente, que são psicopatologias inéditas, mas são novas formas de

padecimento expressas por meio do pânico, da bulimia, da anorexia, das

disposições depressivas, das toxicomanias, das psicossomatizações, dentre outras,

que ganham espaço progressivo na cena social atual.

Concordamos com Birman (2001), para quem existe um processo de

produção social dessas psicopatologias que encontra as suas condições de

possibilidade na ética da sociedade atual. (p.192). Para ele, a

... psicopatologia da pós-modernidade se caracteriza por certas modalidades privilegiadas de funcionamento psicopatológico, nas quais é sempre o fracasso do indivíduo em realizar a glorificação do eu e a estetização da existência que está em pauta. Esta é justamente a questão da atualidade.(...) Quando se encontra deprimido e panicado, o sujeito não consegue exercer o fascínio de estetização de sua existência, sendo considerado, pois, um fracassado segundo os valores axiais dessa visão de mundo. (p.168-9).

3 Freud, (1921) Psicologia de grupo e análise do ego.

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Essas formas de sofrimento integram e expressam, na sua sintomatologia,

redes de significações entrelaçadas ao redor de ideais predominantes na

atualidade. Desse modo, trabalhamos com a hipótese de que existe um processo

de produção social do pânico, pela via do espectro de valores que impera no

mundo atual. Sob esse prisma, como se caracterizam as subjetividades

contemporâneas? Quais são os contornos éticos da sociedade atual? Quais são as

condições de possibilidade que fazem do pânico uma das formas do mal-estar

contemporâneo? O pânico poderia ser considerado um dos efeitos dos modos de

subjetivação contemporâneos?

Nesse sentido, o objetivo principal desse estudo, é articular o que Freud

denominou de “mal-estar na civilização” às psicopatologias contemporâneas,

examinando a relação da incidência da sintomatologia do pânico com os modos de

subjetivação emergentes.

O trabalho com essas questões exigiu o manejo simultâneo das teorias

freudianas da angústia e da cultura e da temática relativa às novas formas de

subjetivação e seus efeitos nos sujeitos e nos laços sociais, vertente da pesquisa na

qual foram importantes as contribuições de alguns autores do campo da

sociologia.

Nosso trabalho se apresenta em três capítulos e considerações finais.

No primeiro capítulo procuramos estabelecer os fundamentos

metapsicológicos do pânico. Inicialmente, buscamos circunscrevê-lo no campo

psicopatológico do angustiante, conforme referido na obra freudiana, que reúne

fenômenos distintos referentes à angústia. Qual a especificidade desse afeto

extremo de angústia? A partir desta pergunta, por meio da polissemia da palavra

pânico, procuramos tanto o que é próprio ao termo Panik, empregado por Freud

em seus escritos, quanto apreender a concepção geral do afeto para Freud.

Posteriormente, trabalhamos a relação entre a sintomatologia da neurose de

angústia e a do pânico, por meio da conceituação freudiana de desamparo,

percorrendo, assim, o campo da angústia na obra freudiana.

Adotamos a hipótese sugerida por Pereira (1999) segundo a qual o

desamparo constitui, para Freud, uma noção metapsicológica capaz de delimitar

as bases psicopatológicas do fenômeno do pânico a partir de uma perspectiva

psicanalítica. Nesse sentido, a noção freudiana de Hilflosigkeit é nosso operador

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metapsicológico fundamental. Essa noção implica numa dimensão de desamparo,

independentemente de sua concreta efetivação numa situação traumática. Há,

portanto, a condição de desamparo, fundante e estruturante do psiquismo e a

situação de desamparo, como concretização dessa condição instalada na situação

traumática, relativa ao excesso pulsional que não pôde ser simbolizado.

Sob esse prisma, a problemática do desamparo na obra de Freud tem dupla

face: a face erótica e sexual, que diz respeito a um lugar infantil e à sexualidade

traumática vinda da mãe – o desamparo original estruturante do psiquismo; e a

face da falta de garantias do sujeito sobre seu existir e sobre seu futuro, que é

obrigado a uma renúncia pulsional como condição para viver em sociedade.

Embora haja uma evidente articulação entre ambas, a vertente relativa à falta de

garantias do sujeito no mundo é objeto privilegiado de nosso estudo, tendo em

vista que estamos examinando as condições peculiares do desamparo do sujeito na

atualidade.

Para compreender esse quadro e proceder à articulação com as

psicopatologias contemporâneas, o primeiro passo foi buscar subsídios na

produção teórica freudiana a respeito da civilização. Nesse sentido, dedicamos o

capítulo dois ao estudo metapsicológico da questão da Lei, dos ideais e da

identificação. Tendo em vista que, na visão freudiana, o sujeito não é dado a

priori, mas construído na articulação com a sociedade, Freud apresenta os

processos subjetivos que devem ser desenvolvidos para que sejam mantidas as

organizações social e individual. Sob esse prisma, a relação dinâmica e conflitante

entre o sujeito e a civilização é marcada por um mal-estar (Unbehagen), pois é

permeada pelo antagonismo irremediável entre as exigências pulsionais e as

restrições da civilização. Ou seja, o mal-estar diz respeito ao desamparo no campo

social e, para viver, as pessoas devem criar possibilidades afetivas para o

enfrentamento da condição desamparo.

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Dessa maneira, no capítulo três, buscamos circunscrever o mal-estar na

atualidade. Quais as condições atuais do mal-estar na civilização? Por meio do

esboço dos movimentos subjetivos na modernidade e na contemporaneidade,

objetivamos apresentar os elementos mínimos que caracterizam a cena social atual

e as subjetividades emergentes. Procuramos mostrar que as formas de sofrer que

os sujeitos manifestam, seus mal-estares, são indissociáveis das transformações

que remodelam o campo social.

Seria o pânico um dos efeitos das novas formas de subjetivação? Poderia o

pânico ser considerado uma das modalidades subjetivas que o sujeito encontrou na

tentativa de evitar o confronto com o desamparo no mundo atual? Enfim, seria o

pânico uma das expressões do mal-estar contemporâneo? Convidamos o leitor a

viajar conosco na investigação desse enigmático afeto de angústia que é pânico.

1. PÂNICO E O CAMPO PSICOPATOLÓGICO DO ANGUSTIANTE SOB

A PERSPECTIVA PSICANALÍTICA.

1.1. O campo do angustiante na obra freudiana: Angst, Furcht,

Schreck, das Unheimliche, Panik, Angstsignal, automatishe Angst.

Freud chama de “o Angustiante” (das Ängstlichen) um campo

psicopatológico que reúne fenômenos heterogêneos ligados à angústia tais como o

sinal de angústia, o terror, o medo, o sentimento inquietante de estranheza e o

pânico (Pereira, 1999, p.79). Portanto, trata-se de um campo amplo e, nessa

medida, extremamente útil, para a investigação de nosso objeto de estudo – o

pânico – sob o prisma psicanalítico, tendo em vista que essa noção aponta para

especificidades psicopatológicas erigidas sobre o fundo comum da angústia.

Essa questão aparece no texto O estranho (1919), em que Freud se esforça

por delimitar uma categoria específica do campo do angustiante: “a inquietante

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estranheza” (das Unheimliche), considerando que há um ramo particular ligado à

estética que revela um campo remoto,

...relacionando-se indubitavelmente com o que é assustador – com o que provoca medo e horror (...) coincide com aquilo que desperta o medo em geral. Podemos esperar que esteja presente um núcleo especial de sensibilidade que justificou o uso de um termo conceitual peculiar (o estranho). Fica-se curioso para saber que núcleo comum é esse que nos permite distinguir como ‘estranhas’ determinadas coisas que estão dentro do campo do que é amedrontador. (1980, p.275-6; os grifos são meus).

Dessa forma, entendemos que o campo do angustiante na obra freudiana

engloba o afeto da angústia e tudo relativo a ela, na medida em que esse campo se

configura, não só no texto Das Unheimliche, mas em todos os momentos de sua

obra em que aparece a tentativa de delimitar categorias específicas e, portanto,

distintas ligadas aos fenômenos da angústia.

O pânico é, assim, um desses fenômenos do campo psicopatológico do

angustiante, tendo em vista que, no capítulo V de Psicologia de grupo e análise

do Ego (1921), Freud esforça-se por delimitar um estado afetivo terrorífico e

extremo de angústia que irrompe tanto no indivíduo quanto na massa.

Não é de esperar que o uso da palavra “pânico” (Panik)4 seja claro e determinado sem ambigüidade. Às vezes ela é utilizada para descrever qualquer medo coletivo (Massenangst), outras até mesmo o medo no indivíduo (Angst) quando ele excede todos os limites, e com freqüência, a palavra parece reservada para os casos em que a irrupção do medo não é justificada pela ocasião. Tomando a palavra Panik no sentido do medo coletivo (Massenangst), podemos estabelecer uma analogia de grandes conseqüências. No indivíduo o medo (Angst) é provocado seja pela magnitude de um perigo, seja pela cessação dos laços emocionais (catexias libidinais); este último é o caso do medo neurótico ou angústia. Exatamente da mesma maneira o Panik surge. (1980, p.123; os grifos são meus).

Além disso, como colocamos na introdução, desde muito cedo Freud

(1895) procurou especificar estados afetivos intensos de angústia. Esse aspecto

acentua o que falamos em relação ao esforço de Freud em delimitar a

23

especificidade de determinados estados afetivos de angústia, além de contribuir

para a evolução de sua teoria da angústia, da qual trataremos no quarto tópico

desse capítulo, assim como da inscrição da temática do pânico na mesma.

Entretanto, quando falamos de “estados afetivos de angústia”, faz-se

importante introduzir, mesmo que brevemente, a concepção psicanalítica do afeto,

tema de nosso terceiro tópico.

Nesse momento, voltemos aos fenômenos do campo do angustiante na

obra freudiana. É importante assinalar a problemática existente nas traduções dos

termos em alemão, principalmente, em relação a Angst e Furcht, os quais nem

sempre podem ser traduzidos, respectivamente, por “angústia” e “medo”, uma vez

que Angst, em determinadas situações, também pode significar “medo”.

Autores como Alix Strachey, Jean Laplanche e J.-B. Pontalis, Paulo César

de Souza e Luiz Hans5, dentre outros, discutem os problemas ligados ao

significado, etimologia, uso e tradução psicanalítica dos termos do alemão

relativos à angústia e seus “derivados”. Além do fato de que estes têm diferenças,

dependendo da língua para a qual são traduzidos, o próprio Freud em alguns

momentos os emprega, indiscriminadamente, transitando do uso conceitual para o

coloquial, como ocorre, por exemplo, na XXV Conferência de introdução à

Psicanálise: “A angústia” (1917) ou em A análise da fobia de um garoto de cinco

anos (1909), em que usa alternadamente os termos Angst e Furcht, contrariando a

diferenciação que ele próprio estabelece entre eles no mesmo texto.

De um modo geral, os autores são unânimes quanto à etimologia do termo

Angst. Contudo, diferem quanto à tradução. Apenas para ilustrar essa

problemática, pois não é nosso intuito esgotar esse tema, adotaremos as

colocações de Souza e Hans.

Angst é derivado da raiz indo-européia angh e da antiga palavra angust que

se referem a “apertar”, “pressionar”, “amarrar” e “estreiteza”, “aperto”,

respectivamente. O termo em português “angústia” é derivado do latim, que

significa “aperto”, “opressão”. Tanto a língua portuguesa derivada do latim e

4 Nessa citação, os termos em alemão que estão entre parênteses correspondem ao texto original no alemão, Freud, (1921/1987) Massenpsychologie und Ich-Analyse, p.105. 5 Respectivamente nas obras: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (1980), em inúmeros comentários e notas; Vocabulário da Psicanálise (1986), no verbete angústia, p.61-2; As palavras de Freud: o vocabulário Freudiano e suas versões (1998), no verbete Angst, p.189-97; Dicionário comentado do alemão de Freud (1996), no verbete angústia, p.62-80.

24

como a alemã, de uma língua indo-germânica, tiveram origem num só idioma,

denominado indo-europeu. Assim, como coloca Souza (1998), “é evidente a

semelhança gráfica e fonética entre o termo alemão e o português ... pois ambos

derivam da mesma palavra.”(p.189-90).

Segundo Hans (1996),

... em alemão Angst significa “medo”, abarcando desde os sentidos de “temor” e “receio” até os sentidos intensos de “pânico” e “pavor”, podendo referir-se a objetos específicos ou inespecíficos. Não há bons equivalentes em alemão para “ansiedade” ou “angústia” e ocasionalmente os três termos (“angústia”, “ansiedade” e “medo”) podem se corresponder. Do ponto de vista lingüístico, não haveria porque traduzir Angst preponderantemente por “ansiedade” ou “angústia”; poder-se-ia traduzir geralmente por “medo”. Todavia há um entremeio onde língua coloquial, tradições de tradução e teoria psicanalíticas se entrecruzam, exigindo algumas considerações (...) Atualmente, o termo Angst tem se consolidado nas traduções psicanalíticas para o português como “angústia” e “ansiedade”, eventualmente como “medo”, “temor” e “receio”. As traduções francesas e espanholas tendem a privilegiar “angústia”; as inglesas, “ansiedade”. (p.71-2).

Freud utiliza o conceito Angst em inúmeros textos de sua obra e podemos

localizar a discussão do termo em alguns deles, como veremos a seguir.

Em A análise da fobia de um garoto de cinco anos (1909), Freud

diferencia Angst (angústia sem objeto) de Furcht (medo com objeto determinado):

“A angústia de Hans, que assim correspondia a uma ânsia erótica reprimida (pela

mãe), como toda angústia infantil, não tinha um objeto com que dar saída: ainda

era angústia (Angst) e não medo (Furcht).”(1980, p.36). Entretanto, no mesmo

texto, usa esses termos, indiscriminadamente, referindo-se ao “medo do cavalo”

como Furcht vor dem Pferd e a “angústia da rua” como Strassenangst , como

mostra Souza (1998, p.190).

Na XXV Conferência de introdução à Psicanálise (1917), embora Freud

transite do uso conceitual para o popular em relação aos termos Angst e Furcht,

tranqüilamente, afirma:

Evitarei aprofundar-me na questão de saber se nosso uso idiomático quer significar a mesma coisa, ou algo nitidamente diferente, com a palavra Angst, Furcht e Schreck. Apenas direi que julgo Angst referir-se ao estado e não considera o objeto,

25

compreensão do “sentido temporal que a preposição também possui em alemão:

‘antes de’, angústia anterior a algo – o que seria mais condizente com o teor da

primeira oração, com idéia de expectativa: angústia à espera, à espreita de algo,

para se manifestar mais plenamente.” (p.197).

Hans (1996) considera que, “seja qual for o termo que se empregue na

tradução, é importante que o leitor tenha em mente que em Angst, mesmo quando

se trata de um medo vago e antecipatório, ocorre um estado de prontidão reativa,

visceral, intensa, algo vinculado à sensação de perigo e muitas vezes próximo da

fobia e do pavor.” (p.79).

De qualquer forma, toda essa problemática aponta para a importância

teórico-conceitual do termo Angst e de todos os fenômenos ligados à angústia,

inclusive o pânico. Concordamos com Pereira (1999), em relação ao fato de que

Freud insistiu em várias ocasiões sobre a distinção entre os termos Angst, Furcht e

Schreck, “o que demonstra por si só que o campo do angustiante não é homogêneo

e que os termos nele implicados não podem ser empregados como sinônimos e

sem um mínimo de precisão conceitual.” (p.84).

Pereira (1999) trabalha, exaustivamente, a palavra pânico e o termo

Schreck, esforçando-se por mostrar que Schreck é o termo que Freud usa, desde

1895, no Projeto para uma psicologia científica, a fim de caracterizar um estado

afetivo extremo de angústia. Esclarece que a palavra alemã é traduzida na versão

francesa das obras completas de Freud por panique e que na versão brasileira,

advinda da tradução inglesa, Schreck é traduzido por “susto”. Além disso, lembra-

nos que Laplanche (1993), em Problemáticas I: a angústia, mostra que o

... termo Schreck insiste sobre a característica de não preparo e de transbordamento de excitação que submerge o eu num estado de angústia avassaladora. Nesse caso, o sujeito encontra-se confrontado diretamente com o perigo mais extremo sem ter sido previamente preparado por um sinal de angústia. Tal é a essência econômica da situação traumática: o desamparo do aparelho psíquico em face do aumento incontrolável da excitação pulsional. (p.85-6; os grifos são meus).

Dessa maneira, Pereira (1999) mostra a proximidade entre o significado de

Schreck e pânico, esboçando sua hipótese de trabalho numa abordagem

metapsicológica do pânico, por meio do alcance “das implicações da noção

27

freudiana de desamparo (Hilflosigkeit), no desencadeamento e manutenção das

crises de angústia.”(p.71). Para ele, “a abordagem psicanalítica do pânico passa

necessariamente pelo questionamento do lugar ocupado pela figura do... Senhor

Onipotente que protege e reúne os homens. Esse lugar – sugere Freud –, é um

lugar de desamparo (Hilflosigkeit)...” (p.71).

Essa questão torna-se bem clara na concepção de Freud sobre pânico

presente em Psicologia de Grupo e análise do ego (1921), segundo a qual o

“medo” (Panik) se instala, subitamente, quando o sujeito rompe as catexias

libidinais que o protegiam de um grande perigo, quando rompe a ligação com um

ideal protetor6, com algo que “protege e reúne os homens”. E, se o pânico é

análogo à angústia neurótica7, esse “grande perigo” é interno: ser tomado pela

força pulsional incontrolável, por um transbordamento de excitações no

psiquismo. Essa situação é vivida como algo da ordem do terrorífico (no sentido

de Schreck), que dispara a sensação do fim de tudo, da morte: o pânico. Agora, o

sujeito está imerso na falta total de garantias, no terror, perdido no “lugar do

desamparo” (Hilflosigkeit).

Contudo, as palavras Schreck e Panik não possuem o mesmo significado.

Note-se que Freud (1921), ao trabalhar o fenômeno do pânico, opta pelo uso do

vocábulo Panik8 e não Schreck.

Vejamos então, as múltiplas significações que a palavra pânico nos oferece

para podermos traçar os limites entre Panik e Schreck.

1.2. As nuances da palavra pânico: do mundo de Pã ao Panik.

Como questionamos no início desse estudo, o que, na atualidade, dentro e

fora do âmbito da ciência – ou seja, do senso-comum à psiquiatria e à psicanálise

–, está sendo chamado de “pânico”?

A psicanálise considera que repetições de elementos num discurso torna

esse discurso, potencialmente, portador de significações. Sob esse prisma, a

insistência da palavra “pânico” na linguagem contemporânea no senso comum, na

psiquiatria e na psicanálise configura um discurso capaz de nos ensinar algo a

6 Trabalharemos a questão dos ideais no capítulo 2. 7 Veremos no quarto tópico desse capítulo. 8 Vide p.7.

28

respeito da questão psicopatológica do pânico. Quais elementos se repetem nesse

discurso e que significações lhes podemos atribuir?

Primeiramente, sabemos que o termo “pânico” tem fortes raízes populares,

ou seja, está enraizado na cultura. Na linguagem cotidiana, a palavra pânico evoca

a imagem de um estado de caos na multidão, de pessoas em desespero e

descontrole. Quem de nós não guarda na memória alguma cena televisiva,

cinematográfica ou mesmo pessoal de uma situação desse tipo? Culturalmente, é

uma imagem de abundante plasticidade. Com isso queremos apenas sublinhar que

não se trata de uma questão do uso técnico ou cotidiano das palavras, mas da

importância das variadas facetas nos múltiplos usos da palavra pânico. Vejamos,

então, o que se repete nesse discurso.

A palavra pânico, segundo Ferreira (1986), é derivada do grego panikón

(terror, terror que vem de Pã) e do latim panicu. Enquanto adjetivo é “relativo ao

deus Pã; que assusta sem motivo; que suscita medo por vezes infundado e foge a

um controle racional: terror pânico”. (p.1257). Como substantivo masculino,

refere-se ao “medo que os antigos diziam ser causado pelo deus Pã; susto ou

pavor repentino, às vezes sem fundamento, que provoca uma reação desordenada,

individual ou coletiva, de propagação rápida”. (p.1257). Nesse sentido, a palavra

pânico guarda o mito de Pã. Não é um “susto” (Schreck) qualquer, mas,

especificamente, um Schreck que vem de Pã.

O vocábulo Pã constitui uma das raizes etimológicas da palavra pânico; é

derivado do grego Pán, Panós e do latim Pan, Panos; é um substantivo masculino

que corresponde à “divindade greco-latina que os pastores adoravam; é o símbolo

mitológico da natureza.” (p.1243).

E o termo “pan”, também uma das raízes etimológicas da palavra pânico,

derivada do grego pás, pantós; pâsa, páses; pân, pantós (esses últimos os mesmos

radicais que derivam a palavra Pã), corresponde ao elemento de composição

“tudo”, “todos”.

Deslizando da palavra “pânico” para a palavra “pane”, encontramos outra

nuance interessante. “Pane”, substantivo feminino originário do francês panne,

também tem o mesmo radical Pan e significa “parada por defeito do motor de

avião, automóvel, motocicleta etc.” (Ferreira, 1985, p.1025). Porém, no

imaginário popular, “pane” é utilizado como referência a um estado de paralisia

e/ou perturbação geral que acontece de repente. A pessoa diz: “Me deu um pane!”

29

ou “Entrei em pane!”. Nesse sentido, “pânico” enfatiza uma súbita parada de um

mecanismo que até então estava funcionando adequadamente.

Sob esse prisma, a palavra “pânico” evoca, antes de tudo, o pavor

inspirado pelo deus Pã que está em tudo, em todos, em todas as partes. O termo

“pânico” está ligado a idéia de totalidade, ou seja, pânico é um medo

generalizado, um medo do todo. É o pavor súbito, terror pânico ou simplesmente

pânico. Como conseqüência, não há necessidade de que exista um perigo real,

concreto para a emergência do pânico. Basta, apenas, o rumor de que Pã,

subitamente, inspire seus pensamentos, ou seja, o imaginário que assusta e se

deixa levar aos extremos. Exatamente, o estado terrorífico em que se encontra o

panicado totalmente entregue aos poderes de Pã. Tomado de súbito por algo que

lhe inspira horror e está em qualquer lugar (em todas as partes), defronta-se

violentamente com o desamparo e entra em pânico.

Há algumas versões para o mito de Pã. Adotaremos aquela9 em que Pã,

concebido da união de Hermes (filho de Júpiter e de Maia) com a ninfa Dríope,

nasceu com formas monstruosas: meio humano e meio bode, sendo abandonado

logo após o nascimento por sua mãe que ficara apavorada com sua feiúra.

Entretanto, Hermes logo o apresentou para os deuses que lhe deram o nome de

Pã, ou seja, tudo, todos.

Pã nascera para suprir a necessidade de proteção dos habitantes da Arcádia

(situada no centro da Peloponésia na Grécia Antiga), que se dedicavam ao

pastoreio e à agricultura – na proteção de seus rebanhos, caminhos e caminhantes.

Inicialmente, Hermes era encarregado dessa função, mas sua agitação itinerante o

levou a exercer também a função de mensageiro, de responsável pelas

ressonâncias sociais entre os imortais, como os deuses, e os mortais, como os

comerciantes, e, para que isso ocorresse de forma rápida, puseram asas em suas

sandálias. De mediador e intermediário passou a agir também como deus protetor

dos emboscadores e ladrões. Em suma, as tarefas de Hermes foram se

multiplicando ao ponto de fazê-lo começar a abandonar sua tarefa inicial de

salvaguardar os interesses dos pastores e camponeses. Por isso nasceu Pã. Nesse

sentido, Hermes cuidava da transcendência enquanto Pã, da imanência.

9 Bulfinch, O livro de ouro da mitologia (2000) e Schwab, As mais belas histórias da antiguidade clássica (1994).

30

Pã era tido como deus protetor dos bosques, campos, pastores e rebanhos e

por significar tudo passou a ser considerado a personificação da natureza e mais

tarde – por sua imanência – olhado como representante de todos os deuses.

Como personificação da natureza, o deus Pã parece também estar

associado ao natural entregue a si mesmo, abstraído dos deuses e da imortalidade

e, portanto, gerador de pânico.

Pã reunia ao mesmo tempo as características de sátiro, bode e homem-

falo. Ele tinha uma atividade sexual muito intensa, principalmente, com as ninfas,

o que evidencia uma forte relação de Pã com a sexualidade. Além disso, era

amante da música. Inventou a flauta de pastor ou Sírinx, a qual usava não só para

seduzir as ninfas como para fugir do tédio, da solidão, principalmente, à noite. E,

assim como os outros deuses que habitavam a floresta, Pã era temido por aqueles

cujas ocupações os obrigavam a atravessar as matas durante a noite. Em tais

lugares reinavam as trevas e a solidão, que predispunham os espíritos ao rumor

supersticioso. Por isso, os ruídos inesperados, os pavores súbitos, desprovidos de

qualquer causa aparente, eram atribuídos a Pã, que se divertia seduzindo ninfas e

aterrorizando pastores e camponeses enquanto dormiam.

Impossível deixar de associar esta figura horrenda, chifruda, meio homem

meio bode, com a figura do diabo. Havendo ou não uma determinação histórica

daquela sobre esta, a coincidência da representação deve ser levada em conta,

assim como seus efeitos no imaginário.

Na tradição grega o “pânico” é um fenômeno coletivo causado por Pã,

além de ser, intimamente, relacionado à sexualidade, ao terror súbito desenfreado,

como pudemos analisar.

Pereira (1999) assinala que

... a figura desse deus aterrador com sexualidade ilimitada vem nos lembrar a dimensão de gozo sexual desenfreado que é co-substancial ao pânico, como Freud o sugeriu em várias ocasiões no decorrer de sua obra. O pânico coloca em primeiro plano o lado apavorante do sexual que se apresenta quando este não encontra mais pontos de referência simbólicos onde ancorar. (p.66).

31

Analisemos agora, a proximidade e o distanciamento entre Schreck e

Panik10.

No dicionário Warig, o mais consagrado dos dicionários alemães, consta o

seguinte a respeito dos termos Panik e Schreck: “Panik11 – uma perturbação

generalizada12, é um medo irracional que irrompe13 repentinamente

(especialmente, na multidão).”. “Schreck14 – Forte e repentino abalo anímico

associado com medo e horror; um evento assustador e aterrorizante.”

A palavra Panik implica em paralisia, independente de se saber a

etimologia da palavra, que, como vimos, tem a ver com o tudo, com o todo, com

Pã, com pane. É o Schreck generalizado, um estado de susto generalizado que

irrompe repentinamente e sem sentido, no qual o indivíduo fica com medo do

todo, com medo de tudo. De repente algo parou de funcionar, teve uma quebra,

uma ruptura, uma falha.

O Schreck15 é uma reação, um efeito; é a forma pela qual o indivíduo

reage ao perigo sem estar preparado para ele; dá ênfase ao fator surpresa e não à

paralisia que provoca esse Schreck. Panik seria um estado e não uma reação. O

Schreck tem uma causa: algo provocou aquele susto, portanto, não é um estado. O

Schreck é um medo perante um perigo real; não está relacionado com a

imaginação. Entretanto, o Panik pode ser provocado por nada, ou seja, está

relacionado com a imaginação porque é um medo injustificado.

Qualquer ser humano tem um Schreck mediante uma situação de perigo

para a qual não estava preparado. Em outras palavras, Schreck não envolve uma

questão psicopatológica, ao contrário de Panik. Podemos dizer que Schreck é uma

reação comum, ao passo que o Panik se trata de um estado subjetivo e pessoal:

generaliza esse susto e paralisa. Nem todo Schreck resulta num pânico.

Lembremos Freud (1917): “a pessoa protege-se do terror (Schreck) por

meio da angústia (Angst).” (1980, p.461). A Angst é uma precaução, uma

10 Agradeço a Profa. Mônica Udler Cromberg que me forneceu em conversa pessoal, adendos sobre essa questão. 11 “Panik – allgemeine Verwirrung, plötzlich aus brechende, sinnlose Angst (bes. Bei Massenansammlungen); eine.~brach aus.” (Wahrig, 1980, p.2775). A tradução deste trecho, do alemão para o português, foi realizada pela Profa. Mônica Udler Cromberg. 12 Ou geral; daí vem sua relação com Pã que é o todo, o tudo. 13 É de uma vez, não é aos poucos. 14 “Schreck – scherecken; ach du mein ~!~, lab nach! <ung.> (Ausrufe der Berstüzung); vor ~ aufschveien, beden, davonlaufen, zittern; sie war vor ~.” (Wahrig, 1980, p.2775). A tradução deste trecho, do alemão para o português, foi realizada pela Profa. Mônica Udler Cromberg. 15 Vide as citações de Freud na página 10.

32

proteção, uma preparação contra esse Schreck que pode vir ou não. Angst envolve

a expectativa ante algo16. Dessa maneira, a Angst pode provocar o Panik: o

indivíduo tem tanto medo que acaba por se paralisar e assim, entra no estado de

Panik antes do Schreck. O indivíduo entra em pânico para se proteger do Schreck.

Angst, Furcht e Schreck são palavras impropriamente empregadas como expressões sinônimas; são de fato, capazes de uma distinção clara em sua relação com o perigo. A Angst (angústia) descreve um estado particular de esperar o perigo ou prepara-se para ele, ainda que possa ser desconhecido. O Furcht (medo) exige um objeto definido de que se tenha temor. Schreck (pavor, horror, susto), contudo, é o nome que damos ao estado em que alguém fica quando entrou em perigo sem estar preparado para ele, dando-se ênfase ao fator da surpresa. (Freud, 1920/1980, p.23-4).

Desse modo, Schreck e Panik coincidem apenas no substrato econômico

da situação traumática, ou seja, na característica de não-preparo e de

transbordamento da excitação no psiquismo17, em que o ego mergulha num estado

avassalador de angústia, no lugar do Hilflosigkeit. Tanto no Schreck quanto no

Panik, o sujeito é confrontado com o perigo sem ter sido preparado para ele pelo

sinal de angústia18.

Acompanhando Freud (1920), no emprego das diferentes expressões em

sua clara distinção na relação com o perigo, perguntamos: de que perigo se trata

no caso do Panik? O perigo é o do desabamento de todo mundo simbólico,

psiquicamente organizado19. O sujeito em pânico não consegue mais simbolizar,

transcender, perdido que está no mundo de Pã, da imanência, do real. O medo-

pânico está em todos os lugares, pertence à totalidade, é generalizado. Há o

rompimento da ligação com Hermes (Deus pai protetor) que lhe permitia

simbolizar a Angst, portanto, que o protegia de todos os perigos. Não há mais

transitoriedade. A terra é desligada do céu. A existência do indivíduo fica

reduzida a ela mesma, ao mundo de Pã, ao real da concretude, à morte própria. O

real do corpo passa a ser o limite último para Angst do sujeito que no mundo de

Pã está sem o auxílio de mais nada, ou seja, está no lugar do Hilflosigkeit.

16 Vide citações de Freud na página 10. 17 Trata-se da angústia automática, vide p.45. 18 Vide p.45-7. 19 Vide p.74.

33

Assim também é a idéia do pânico na multidão: é cada um por si e não há

mais um Deus por todos. Ninguém ajuda ninguém. Cada um quer salvar a própria

pele. Não há mais uma comunidade, mas uma massa perdida, apavorada, sem

referenciais, sem o auxílio de nada nem de ninguém.20

A palavra Hilflosigkeit – traduzida na nossa língua por “desamparo” –

significa “ausência de ajuda”, “não ter ajuda”, ou seja, não há mais ajuda possível,

não tem mais o pai nem a mãe nem ninguém que olhe pelo indivíduo. Essa é a

motivação básica do pânico: a perda do ideal protetor ou o medo da perda do

amor.

1.3. Uma breve exposição a respeito da concepção psicanalítica do

afeto.

No tópico anterior, referimo-nos ao pânico como um dos fenômenos

heterogêneos do campo psicopatológico do angustiante (das Ängstlichen); mais

precisamente, relativo aos diferentes “estados afetivos de angústia” trabalhados

por Freud em sua obra, no esforço de traçar especificidades psicopatológicas a

cada um deles. Essa questão nos exige uma breve reflexão acerca da concepção

freudiana de afeto, na medida em que a angústia é um caso particular de afeto.

Vários autores contribuíram nesse sentido, como, por exemplo, André

Green, Jean Laplanche, James Strachey, Ernest Jones e no Brasil, Carlos Paes de

Barros21. Utilizaremos algumas dessas contribuições para nossa reflexão a

respeito do afeto.

Como sabemos, desde o início, a clínica freudiana está intrinsecamente

articulada à metapsicologia, que implica na criação, por Freud, de instrumentos de

trabalho que tornassem possíveis a experiência psicanalítica que vivenciava, assim

como a exigência de outras configurações teóricas para os processos psíquicos.

Em outras palavras, os remanejamentos teóricos de Freud faziam-se ao mesmo

tempo em que ele destacava o aspecto quantitativo da pulsão, o que alterava

20 Vide p.74. 21 Respectivamente nas obras: O discurso vivo: uma teoria psicanalítica do afeto (1982); Vocabulário da Psicanálise (1986) e Problemáticas I: a angústia (1993); comentários e notas na ESB das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (1980); A vida e Obra de Sigmund Freud (1989), vol.I; Contribuição à controvérsia sobre o “ponto de vista econômico” (1975).

34

progressivamente o paradigma metapsicológico – a predominância de um dos

registros sobre o outro –, enfocando o registro econômico.

Dessa maneira, vários temas ao longo da obra freudiana sofreram

alterações conceituais, e a noção de afeto não foge a essa regra. Como aponta

Green (1982):

... não se pode assinalar uma localização particular para o afeto no conjunto dos trabalhos de Freud. Este não lhe consagrou nenhuma obra específica (...) O problema do afeto depende, no decorrer dos diferentes estágios da teoria, das linhas diretoras desta última: primeira e segunda tópica, avatares das teorias das pulsões, etc. Às vezes os remanejamentos teóricos implicam uma modificação do estatuto do afeto, às vezes uma diferença de apreciação de seu valor funcional explicará uma mudança na teoria (por exemplo, do recalque)... O problema do afeto está numa relação dialética com a teoria, um remetendo ao outro necessariamente. (p.14).

Como mostra Barros (1975), encontramos no discurso freudiano a

“composição de vários construtos psicanalíticos” (p.59-61) que, por vezes, são

usados como sinônimos, geralmente, de forma despercebida pelo próprio Freud:

afeto (Affekt), quantidade de afeto (Affektgrösse), quantum de afeto ou cota de

afeto (Affektbetrag), memória da experiência afetiva ou estrutura afetiva

(Affektbildung) e estado afetivo (Affektzustand).

Entretanto, como mostra Green (1982) e Strachey (1980), o que à primeira

vista parece ser o emprego de Freud de termos sinônimos, não se mostra

posteriormente como tal, pois no decorrer de sua obra, em diferentes textos, Freud

retoma esses construtos especificando cada vez mais a natureza dos afetos.

De qualquer maneira, a noção de afeto em Freud está ligada tanto a uma

perspectiva qualitativa (tradução subjetiva da energia pulsional) quanto

quantitativa (quantidade de energia pulsional). A primeira, como coloca

Laplanche (1986), diz respeito à “ressonância emocional de uma experiência

geralmente forte” (p.35); enquanto que a segunda traduz “a autonomia do afeto

em relação às suas diversas manifestações”(p.35), ou seja, o ponto de vista

econômico. Green (1982) resume essa idéia na seguinte frase: “o afeto é uma

quantidade cambiante, acompanhada por uma tonalidade subjetiva. É pela

descarga que ele se torna consciente, ou pela resistência à tensão crescente que o

caracteriza, seguida pela dissipação dessa resistência.” (p.86).

35

A pulsão traduz-se por uma força constante que exige trabalho. O circuito

de circulação pulsional no indivíduo é um modelo que transita do corpo para a

psique e da psique de volta ao corpo, “num circuito onde as pulsões irão brotar,

amalgamar-se a pensamentos e afetos e circular entre as esferas consciente e

inconsciente e influenciar e ser influenciadas pelo psiquismo na dimensão das

Vorstellungen (representações).” (Hanns, 1999, p.52). Entretanto, para Freud

(1915), a pulsão só se presentifica no psiquismo através de seus representantes: o

representante ideativo (Vorstellungrepräsentanz) e o afeto, mais especificamente,

um quantum de afeto (Affektbetrag). Diz ele:

Uma pulsão (Trieb) nunca pode tornar-se objeto da consciência – só a idéia (Vorstellung)24 que a representa (repräsentiert) pode. Além disso, mesmo no inconsciente, uma pulsão não pode ser representada (repräsentiert)25 de outra forma a não ser por uma idéia (Vorstellung). Se a pulsão não se prendeu a uma idéia ou não se manifestou como um estado afetivo (Affektzustand), nada poderemos conhecer sobre ela. Não obstante quando falamos de uma moção pulsional (Triebregung) inconsciente ou de uma moção pulsional (Triebregung) recalcada, a imprecisão da fraseologia é inofensiva. Podemos apenas referir-nos a uma moção pulsional (Triebregung) cuja representação ideacional (Vorstellungrepräsentanz) é inconsciente, pois nada mais entra em consideração. (1915/1980, p.203).

Dessa maneira, na representação psíquica da pulsão (quando há uma

moção pulsional), o representante ideativo (Vorstellungrepräsentanz) refere-se à

representação (Vorstellung) ou grupo de representações nas quais a pulsão se fixa

ao longo da história do indivíduo e por meio da qual se inscreve no psiquismo.

(Laplanche, 1986, p.588). O representante ideativo é o que constitui,

propriamente, o conteúdo inconsciente.

Já o afeto designa a parte energética (quantum de afeto) ligada ao

representante ideativo, podendo dissociar-se dele no inconsciente. Como dissemos

a pouco26, o afeto (essa parte energética) é dotado de uma qualidade e de uma

quantidade e, como descarga, “está orientada para o interior, para o corpo em

24 Nessa citação, alguns termos em alemão que estão entre parênteses correspondem ao texto original no alemão, Freud, (1915/1987) Das Unbewusste, p.275-6. Os outros termos foram sugeridos pelo autor. 25 Hanns (1999) explica que “ser representado” não tem o sentido de ser imaginado, mas que significa “ter um representante”, ou seja, algo que está em seu lugar.(p.78). 26 Vide p.19.

37

maior parte. Tendo partido do corpo ele (afeto) retorna ao corpo.” (Green, 1982,

p.86).

A seguinte passagem de Freud (1915) ilustra bem essa questão:

Até esse momento, (...) tratamos do recalque (Verdrängung)27 de um representante pulsional (Triebrepräsentanz)28, entendendo por este último uma idéia (Vorstellung), ou grupo de idéias, catexizada com uma quota definida de energia psíquica (libido ou interessa) proveniente de uma pulsão (Trieb). Agora, a observação clínica... nos indica que, além da idéia (Vorstellung), outro elemento representativo da pulsão (Trieb repräsentiert) tem que ser levado em consideração (...) Geralmente, a expressão quota de afeto (Affektbetrag) tem sido adotada para designar esse outro elemento do representante psíquico (Element der psychischen Repräsentanz). Corresponde à pulsão na medida em que esta se afasta da idéia e encontra expressão, proporcional à sua quantidade, em processos que são sentidos como afetos (Affekte der Empfindung). (1980, p.176).

Sob esse prisma, concluímos, acompanhando Green (1982), que o “afeto

só é compreendido por intermédio do modelo teórico da pulsão. Esta, embora

incognoscível, é a sua referência.” (p.85).

A pulsão é, portanto, um processo dinâmico que compreende quatro

características:

1) Impulso ou pressão (Drang), que é “seu fator motor, a quantidade

de força ou medida da exigência de trabalho que ela representa. A

característica de exercer pressão é comum a todas as pulsões; é de

fato sua própria essência.” (Freud, 1915/1980, p.142). O afeto é

ligado de forma direta à Drang da pulsão.

2) Origem ou fonte (Quelle), que é “o processo somático que ocorre

num órgão ou parte do corpo e cujo estímulo é representado na

vida mental por uma pulsão.” (p.143). A fonte de uma pulsão se

encontra nas zonas erógenas do corpo e, como coloca Freud,

“embora as pulsões sejam inteiramente determinadas por sua

origem numa fonte somática, na vida mental nós as conhecemos

apenas por suas finalidades.” (p.144).

27 Nessa citação, os termos em alemão que estão entre parênteses correspondem ao texto original no alemão, Freud, (1915/1987) Die Verdrängung, p.254-5. 28 Aqui Freud se refere ao representante ideativo.

38

3) Objetivo ou finalidade (Ziel), que “é sempre a satisfação, que só

pode ser obtida eliminado-se o estado de estimulação na fonte da

pulsão.” (p.142). Pode haver diferentes caminhos que levem à

satisfação, finalidade última e imutável de cada pulsão, de maneira

que uma pulsão pode ter “várias finalidades mais próximas ou

intermediárias, que são combinadas ou intercambiadas entre si (...)

há pulsões que são ‘inibidas em sua finalidade’ (...) no sentido da

satisfação pulsional ser inibida ou defletida (...) mesmo assim esses

processos envolvem uma satisfação parcial.” (p.143).

4) Objeto (Objekt) é o meio através do qual a pulsão pode atingir sua

finalidade: a satisfação. O objeto “é o que há de mais variável

numa pulsão e, originalmente, não está ligado a ela.” Não é

necessariamente estranho, podendo ser uma parte do próprio corpo

da pessoa. “Pode ser modificado quantas vezes for necessário no

decorrer das vicissitudes que a pulsão sofre”, podendo um mesmo

objeto servir ao mesmo tempo para a satisfação de várias pulsões.

Não há correlação entre objeto e pulsão; por isso mesmo é que

fantasiamos ou que existe a fantasia! Mas, pode ocorrer o que

Freud chama de fixação, ou seja, “uma ligação particularmente

estreita da pulsão com seu objeto” sendo que ocorre,

“freqüentemente em períodos muito iniciais do desenvolvimento de

uma pulsão, pondo fim à sua mobilidade por meio de sua intensa

oposição ao desligamento.” (p.143). Aqui Freud se refere ao

chamado recalque primário, do qual falaremos no capítulo três.

Para Freud, a espécie humana sempre vai ter que lidar com a questão de

uma energética pulsional que marca sua relação com o outro (a mãe, o pai, a

família, o professor, a cultura), que determina, portanto, as características dos

laços sociais e que dá o movimento da subjetividade, seu colorido.

Desse modo, é no processo de desenvolvimento da pulsão, na constituição

da subjetividade, assim como no decorrer da vida, que as pulsões são obrigadas a

procurar diferentes destinos. Entretanto, Freud enuncia destinos diferentes para a

representação (Vorstellung) e para o afeto (Affekt). Portanto, o afeto não está

necessariamente ligado à representação e é exatamente essa separação que garante

a cada um dos representantes psíquicos da pulsão diversos destinos diferentes.

39

Como coloca Freud (1915/1980), “ao descrevermos um caso de recalque

(Verdrängung)29, teremos de acompanhar separadamente, aquilo que acontece à

idéia (Vorstellung) como resultado do recalque e aquilo que acontece à energia

pulsional (quantum de afeto) vinculada a ela.” (p.176).

Dessa maneira, o recalque incide sobre o representante ideativo da pulsão,

podendo designar quatro vicissitudes: 1) reversão a seu oposto, em que a pulsão

tem uma mudança na finalidade, por exemplo, da passividade para atividade, caso

exemplificado por meio dos pares sadismo-masoquismo (torturar / ser torturado) e

escopofilia-exibicionismo (olhar / ser olhado); e, também, uma reversão no seu

conteúdo, como no exemplo isolado da transformação de amor em ódio; 2)

retorno em direção ao próprio eu do indivíduo, situação em que a essência do

processo está na mudança do objeto, ao passo que a finalidade permanece

inalterada. “O masoquismo é na realidade, o sadismo que retorna em direção ao

próprio ego do indivíduo e o exibicionismo abrange o olhar para seu próprio

corpo.” Nesses exemplos, o retorno contra a própria pessoa “e a transformação da

atividade em passividade convergem ou coincidem.”; 3) sublimação, que é o

destino mais elevado de uma pulsão, pois implica em direcionar sua energia para

fins não-sexuais, portanto, priorizando o coletivo em detrimento do pessoal; a

sublimação “situa os objetivos sociais acima dos sexuais”30; e 4) recalque, um dos

destinos que uma moção pulsional pode sofrer, passando para o estado de

recalcado. (1915/1980, p.147-8). “É a operação pela qual o indivíduo procura

repelir ou manter no inconsciente representações (pensamentos, imagens,

recordações) ligadas a uma pulsão.” (Laplanche, 1986, p.553). O recalque produz-

se quando a satisfação (finalidade) de uma pulsão ameaça provocar desprazer.

Vale ressaltar que Freud (1915/1980) também considera essas vicissitudes

como modalidades de defesas contra as exigências pulsionais. (p.147). Em

Inibições, sintomas e angústia (1926), deixa claro que, além do recalque, há

29 Nesse estudo optamos pelo uso do termo recalque como tradução para o termo alemão Verdrängung, mesmo que na ESB das Obras Completas de Sigmund Freud a tradução para Verdrängung apareça como “repressão”. Na língua portuguesa, assim como na língua francesa, há psicanalistas que adotam a diferenciação entre recalque (Verdrängung) e repressão (Unterdrückung). O primeiro, indica a passagem de um sistema (pré-conciente/consciente) para outro (inconsciente), o que enfatiza ser o recalque um processo inconsciente; enquanto que, no segundo, trata-se de uma exclusão da consciência e não da passagem de um sistema para outro, portanto, um mecanismo consciente. Tendo em vista que a tradução das Obras Completas de Freud para o português foi realizada do inglês e não diretamente do alemão, nossa escolha implica num cuidado terminológico e numa preferência de estilo. 30 Freud, (1916-1917) Conferencia XVII, p.403-4.

40

outros processos que o ego utiliza para se defender das exigências pulsionais.

Cada defesa está relacionada a fases de desenvolvimento do ego, sendo que as

duas primeiras vicissitudes citadas acima correspondem às defesas mais primárias

do aparelho psíquico, correspondentes ao período anterior à separação entre ego e

id e anterior à formação do superego. Posteriormente, o aparato psíquico melhor

desenvolvido lançará mão do recalque e da sublimação. Entretanto, diz ele:

... pode muito bem acontecer que antes da sua acentuada clivagem em um ego e um id, e antes da formação do superego, o aparelho mental faça uso de diferentes métodos de defesa dos quais ele se utilize após haver alcançado essas fases de organização. (1980, p.188-9).

Acompanhamos o que acontece à idéia (representante ideativo) como

resultado do recalque. Vejamos agora, o que acontece ao afeto ligado a ela.

No que tange ao afeto, segundo Freud (1915), suas vicissitudes podem ser

três:

O fator quantitativo do representante pulsional (Triebrepräsentanz)31 possui três vicissitudes possíveis:... ou a pulsão é inteiramente suprimida (unterdrückut), de modo que não se encontra qualquer vestígio dela, ou aparece como um afeto (Affekt) que de uma maneira ou de outra é qualitativamente colorido ou transformado em angústia (Angst). As duas últimas possibilidades nos apontam a tarefa de levar em conta, como sendo uma vicissitude pulsional ulterior, a transformação em afetos e, especialmente em angústia, das energias psíquicas das pulsões (Trieben). Recordamos o fato de que o motivo e o propósito do recalque (Verdrängung) nada mais eram do que a fuga ao desprazer. Depreende-se disso que a vicissitude da quota de afeto (Affektbetrag) pertencente ao representante (Repräsentanz) é muito mais importante do que a vicissitude da idéia (Vorstellung) ... Se um recalque não conseguir impedir que surjam sentimentos de desprazer ou de angústia (Angst), podemos dizer que falhou, ainda que possa ter alcançado seu propósito no tocante à parcela ideacional (Vorstellungsanteil). (1980, p.177).

Além disso, ao mesmo tempo em que Freud (1926) caracteriza cada

organização neurótica segundo seus modos específicos de defesa, também

31 Nessa citação, os termos em alemão que estão entre parênteses correspondem ao texto original no alemão, Freud, (1915/1987) Die Verdrängung, p.256-7.

41

relaciona, desde muito cedo (1894)32, as mesmas formações neuróticas conforme

os diferentes destinos do afeto: “conheço três mecanismos: a transformação do

afeto (histeria de conversão); o deslocamento do afeto (obsessões); e troca do

afeto (neurose de angústia e melancolia).” (1980, p.210).

Desde As neuropsicoses de defesa (1894), Freud destaca a importância

teórica do quantum ou cota de afeto33. Diz ele:

Gostaria finalmente de demorar-me por um momento na hipótese de trabalho que utilizei nesta exposição das neuroses de defesa. Refiro-me ao conceito de que nas funções mentais deve ser distinguida alguma coisa – uma cota de afeto ou soma de excitação – que apresenta todas as características de uma quantidade (embora não disponhamos de meios para medi-la), capaz de crescimento, diminuição, deslocamento e descarga, e que se espalha sobre os traços de memória das idéias, tal como uma carga elétrica se expande na superfície de um corpo. (1980, p.73; os grifos são meus).

Essa passagem assinala a importância da linguagem econômica no

pensamento freudiano. Na expressão “cota de afeto” (Affektbetrag), o afeto está

ligado à noção de quantidade de energia pulsional, enquanto que o afeto remete à

qualidade subjetiva. Como assinala Green (1982), a “soma de excitação” ou

... energia de investimento se refere a uma quantidade de energia em jogo numa operação, enquanto cota de afeto designa apenas o aspecto quantitativo energético ligado ao aspecto subjetivo qualitativo que, por assim dizer, “qualifica” o afeto. Portanto, se todo afeto remete ao aspecto quantitativo de energia pulsional que lhe corresponde, nem toda quantidade de energia está forçosamente relacionada com um afeto. (p.19).

No apêndice que acompanha o artigo de Freud citado acima, Strachey

(1980) comenta a aparente equivalência dos termos “cota de afeto” (Affektbetrag)

e “soma de excitação” (Erregungssumme):

A explicação da aparente ambigüidade parece residir na subjacente concepção de Freud da natureza dos afetos (...) em O inconsciente.(1915)(...) Freud declara que os afetos “correspondem a processos de descarga, cujas manifestações finais são percebidas como sentimentos.”. Do mesmo modo, na

32 Freud, (1892-1899) Carta 18 (21 de maio de 1894). 33 Retoma a expressão cota de afeto nos Artigos sobre metapsicologia (1915).

42

Conferência XXV. (1916-7), ele indaga sobre o que é um afeto “em sentido dinâmico”, e continua: “uma afeto inclui, em primeiro lugar, determinadas inervações ou descargas motoras e, em segundo luigar, certos sentimentos; estes são de dois tipos: percepções das ações motoras que ocorreram e sentimentos diretos de prazer e desprazer que, conforme dizemos, dão ao afeto seu traço predominante.” Por último no artigo O recalque (1915),(...) ele escreve que a quota de afeto “corresponde a pulsão na medida em que esta... encontra expressão, proporcional à sua quantidade, em processos que são sentidos como afetos. Assim, é provavelmente correto supor que Freud considerava a “cota de afeto” como uma manifestação particular da “soma de excitação”. (p.81-2; os grifos são meus).

Barros (1975) retoma esse aspecto, assinalando que “podemos afirmar,

com segurança, que a ‘cota de afeto’ é o concomitante psicológico da ‘soma de

afeto’ e que esta corresponde ao fator intensivo da energia de excitação

neurônica.” (p.53). Ou seja, “alguma coisa” a que Freud (1894) se refere34,

representa ao mesmo tempo “a intensidade da energia neurônica (capaz de

aumento e diminuição) e a quantidade da mesma energia (capaz de deslocamento

e descarga)”. (Barros, 1975, p.53).

A respeito da mesma passagem freudiana, Green (1982) mostra que Freud

distingue quatro fatores a respeito da noção de afeto ou, mais precisamente, da

cota de afeto: 1)a quantidade mensurável de direito, se não de fato; 2)a variação

dessa quantidade; 3)o movimento ligado a essa quantidade; 4)a descarga. (p.30).

Dessa maneira, quantum de afeto e soma de excitação35 não são a mesma

coisa.

Outro aspecto interessante que Green (1982) aponta, diz respeito ao termo

“moção pulsional” (Triebregung). É um termo problemático na discussão

semântica e também um ponto que divide estudiosos e tradutores de Freud. De

qualquer maneira, Green (1982) coloca que o termo não é sinônimo de pulsão

(Trieb). Para ele, moção pulsional designa a pulsão sob seu aspecto dinâmico e

não deixa de ter relação com a soma de excitação ou energia de investimento:

Ela representa o correlato dinâmico do que a energia de investimento é no nível econômico... A noção de afeto sempre

34 Vide segunda citação da página anterior. 35 É a soma de excitação que o aparelho psíquico procura manter constante. Esse é o postulado do Princípio de Constância desenvolvido por Freud desde o manuscrito de 1892, princípio este precursor do Princípio de prazer, ambos relativos ao ponto de vista econômico do psiquismo.

43

esteve ligada por Freud à descarga, isto é, a um processo em ato e em movimento. Portanto, pode-se dizer que moção é uma qualificação geral da pulsão e o afeto indica uma direção particular (movimento para o interior do corpo) desta última. (p.20).

Dessa maneira, os destinos do afeto que enunciamos anteriormente

referem-se aos destinos do fator quantitativo da moção pulsional. Há uma

passagem de Freud, na parte III do artigo metapsicológico O Inconsciente (1915)

que, não só trata desse fato, como traz à luz questões importantes sobre os afetos,

por exemplo, os afetos inconscientes:

Em geral, o emprego das expressões “afeto inconsciente” e “emoção inconsciente” refere-se a vicissitudes sofridas, em conseqüência do recalque, pelo fator quantitativo da moção pulsional. Sabemos que três dessas vicissitudes são possíveis: ou o afeto permanece, no todo ou em parte, como é; ou é transformado numa cota de afeto qualitativamente diferente, sobretudo em angústia; ou é suprimido, isto é, impedido de se desenvolver... Sabemos também, que suprimir o desenvolvimento do afeto constitui a verdadeira finalidade do recalque e que seu trabalho ficará incompleto se essa finalidade não for alcançada. (1980, p.204; os grifos são meus).

Nessa medida, o recalque torna a representação inconsciente (latente,

irreconhecível pelas deformações e associações, enfim, pelos mecanismos

inconscientes), enquanto que suprime (distancia da consciência) o fator

quantitativo, o investimento energético da pulsão. Assim, nos dizeres de Green

(1982), “no sentido econômico, é o afeto que deve ser tornado inconsciente; no

sentido tópico e sistemático, é a representação... o afeto reprimido é tornado

inconsciente; a repressão é o objetivo específico do recalque.” (p.55).

Freud (1915) esclarece, então, que o verdadeiro objetivo do recalque é

suprimir o desenvolvimento do afeto e não somente afastar certos conteúdos da

consciência. Em outras palavras, o recalque consiste em impedir a manifestação

afetiva da moção pulsional e a atividade muscular correspondente. Esse fato

clarifica como o sistema Cs. controla tanto o acesso à motilidade quanto à

afetividade.

E continua Freud (1915):

44

Em todos os casos em que o recalque consegue inibir o desenvolvimento de afetos, denominamos esses afetos (que restauramos quando desfazemos o trabalho do recalque) de “inconscientes”. Assim, não se pode negar que o emprego das expressões em causa é coerente, embora, em comparação com idéias inconscientes continuam a existir como estruturas reais no sistema Ics., ao passo que tudo naquele sistema que corresponde aos afetos inconscientes é um início potencial impedido de se desenvolver. A rigor, então, e ainda que não se possa criticar o uso lingüístico, não existem afetos inconscientes da mesma forma que existem idéias inconscientes. Pode porém, muito bem haver estruturas afetivas no sistema Ics., que, como outras, se tornam conscientes. A diferença toda decorre do fato de que idéias são catexias – basicamente de traços de memória –, enquanto que os afetos e as emoções correspondem a processos de descarga, cujas manifestações finais são percebidas como sentimentos. (1980, p.204-5; os grifos são meus).

Na medida em que as representações são catexias (investimentos)

fundadas em traços mnêmicos, e os afetos e emoções correspondem a processos

de descarga, sendo as emoções manifestações finais percebidas como sensações

(sentimentos), o que está em jogo é o fator quantitativo da moção pulsional, pois

no afeto este fator é rebelde, exige descarga, é ingovernável, enquanto que nos

traços mnêmicos ele é manejável, passível de ser ligado.

Dessa maneira, mesmo que inadequada, a expressão “afetos inconscientes”

refere-se à inibição do desenvolvimento do afeto causada pelo recalque. É nesse

sentido que os “afetos inconscientes” existem, mas, como coloca Green (1982), “o

inconsciente não se dá do mesmo modo para o afeto e para a representação.”

(p.55).

Entretanto, detecta-se uma ambigüidade nas colocações de Freud a

respeito do teor inconsciente do afeto. Primeiro, diferencia idéia inconsciente de

afeto inconsciente, uma vez que a idéia inconsciente (ou recalcada) fica

representada no inconsciente por uma estrutura real, ao passo que isso não

acontece com o afeto. Porém, logo depois lança a possibilidade da existência de

“estruturas afetivas no sistema Ics”, como maneira de resolver a questão

inconsciente do afeto.

Vejamos então, essa idéia de estrutura afetiva na tentativa de esboçar uma

proposta que “resolva” essa problemática dos afetos inconscientes.

Barros (1975) trabalha esse termo e mostra que, da mesma forma que há

uma memória cognitiva (uma estrutura para as representações), há uma memória

45

afetiva (uma estrutura para os afetos). Além disso, demonstra, precisamente, os

significados dos vários construtos psicanalíticos em torno da palavra Affekt. Diz

ele:

Assim como a percepção dos objetos do mundo exterior (Wahrnehmung) deixa um resíduo mnêmico (Erinnerungsspur), também a percepção das oscilações tensionais e das descargas viscerais, do mundo endógeno (Empfindung), é acompanhada de um outro tipo de resíduo mnêmico, a estrutura afetiva (Affektbildung)... uma memória cognitiva (Erinnerungsspur) é uma estrutura neural que, energizada por um afeto (Affektgrösse), durante os processos de evocação ou (re)percepção, adquire uma certa intensidade psíquica (Affektbetrag) – apresentando-se então, como uma experiência psíquica, ideacional (Vorstellung), ou perceptual (Wahrnehmung). Do mesmo modo, uma estrutura afetiva (Affektbildung) é uma estrutura neural que, energizada por um afeto (Affektgrösse), durante os processo de evocação ou (re)percepção, adquire uma certa intensidade psíquica (Affektbetrag) – apresentando-se então, como uma experiência psíquica, emocional (Affektzustand) ou endo-perceptual (Empfindung). Cada uma dessas experiências psíquicas (Vorstellung, Wahrnehmung; Affektzustand, Empfindung) são processos conscientes, porque energizados pelo Affektgrösse. Separados dessa quantidade de excitação, isto é, recalcadas, as estruturas neurais subjacentes (Erinnerungsspur, Affektbildung) ficam inconscientes (na formulação dos anos 90). Se ocorrem simultaneamente uma percepção exógena (Wahrnehmung) e uma percepção endógena (Empfindung), então os respectivos resíduos mnêmicos (Erinnerungsspur e Affektbildung) ficarão associados, por facilitação neurônica.(...) Na linguagem freudiana, a conexão entre uma idéia e um afeto pode corresponder, ora à ligação entre uma memória (Erinnerungsspur) e uma quantidade de afeto (Affektgrösse), ora à associação entre uma idéia (Vorstellung) e um estado afetivo (Affektzustand) e, portanto, entre os seus engramas (Erinnerungsspur e Affektbildung). Evidentemente, é a existência do conflito (associação de uma idéia a um estado afetivo penoso) que mobiliza a defesa do “ego” (separação das estruturas mnêmicas subjacentes – Erinnerungsspur e Affektbildung – de suas quantidades de afeto). As estruturas mnêmicas ficam recalcadas, inconscientes, e as quantidades de afeto podem ser convertidas (na histeria de conversão), deslocadas (na neurose obsessiva), descarregadas visceralmente (na histeria ansiosa), etc. Com o retorno do recalcado, aparecem as idéias obsessivas e os afetos (estados afetivos) obsessivos, porque as estruturas mnêmicas recebem, novamente, quantidades de afeto. Na histeria ansiosa, a quantidade de afeto, que é descarregada visceralmente, está produzindo uma “expressão de emoção”. (p.61).

46

Nessa linha de argumentação, Loffredo (1975) esclarece alguns pontos em

relação aos representantes pulsionais, ou seja, Vorstellung e Affekt. Vejamos:

Podemos supor que há no sistema Ics., representando a pulsão, duas estruturas (engramas), uma ideacional e outra afetiva, que denominamos respectivamente, memória e estrutura afetiva. Esses engramas, quando ativados, isto é, catexizados, correspondem a uma idéia e a um estado afetivo, que são os componentes do impulso instintivo36. O processo de repressão37 consistiria na separação dessas estruturas de suas respectivas catexes. A energia assim liberada se deslocaria para outras estruturas ideacionais e afetivas, estando nesse deslocamento a explicação da formação das idéias substitutivas nas neuroses e as vicissitudes possíveis para o componente afetivo do impulso. O termo reprimido38 aplica-se, portanto, tanto à estrutura ideativa como à estrutura afetiva, que permanecem decatexizadas. (p.22).

Desse modo, Loffredo (1975) contribui com a idéia de que há para todo

afeto uma estrutura afetiva correspondente e inconsciente. E, tendo em vista que

a angústia é um afeto, há uma estrutura afetiva para ela também, de modo que o

estado afetivo de angústia corresponderia a uma reativação desse engrama,

referente à primeira experiência de angústia (angústia automática ou econômica),

que à luz da teorização desenvolvida em Projeto para uma psicologia científica

(1895), estaria registrada no sistema Psi-Pallium39 (sinal de angústia).

Retomaremos essa questão no próximo tópico.

Pelas colocações de Barros (1975) e Loffredo (1975), o estado afetivo

(Affektzustand) corresponde ao quantum de afeto (Affektbetrag) que energiza uma

estrutura afetiva (Affektbildung) e dessa maneira, o que é verdadeiramente

inconsciente não é o afeto (Affekt), mas a estrutura afetiva – proposta que nos

instrumentaliza para dar encaminhamento a questões relativas à angústia. Aqui

cabe a pergunta: qual é a origem e a matriz (estrutura afetiva) da angústia?40

36 Leia-se moção pulsional. 37 Leia-se recalque. 38 Leia-se recalcado. 39 Trata-se de um dos sistemas neurônicos propostos por Freud em 1895, no Projeto para uma psicologia científica, referente à primeira topografia do aparelho psíquico. São eles o sistema Phi (φ ), Psi (Ψ) – subdividido em sistema Psi-Nuclear e Psi-Pallium –, e Ômega ( ω ), sendo que o aparelho psíquico propriamente dito, é formado apenas pelos sistemas Psi-Pallium e Ômega. 40 Veremos no próximo tópico, que Freud situa a origem da angústia como o desamparo primordial podendo a estrutura afetiva ser filogenética: a angústia de castração.

47

Nesse sentido, temos um quantum de afeto que energiza uma estrutura

afetiva, originando um estado afetivo e um quantum de afeto que energiza um

estrutura ideativa, originando uma idéia ou representação. A ligação entre o

representante ideativo e o afeto (complexo representação-afeto) implica na ligação

entre essas duas formas. Portanto, o recalque é a separação dessas duas formas,

assim como a repressão implica na supressão do quantum de afeto correspondente

a cada uma. Vejamos o que diz Freud (1915):

É de especial interesse para nós o estabelecimento do fato de que o recalque pode conseguir inibir uma moção pulsional, impedindo-a de se transformar numa manifestação de afeto. Isso mostra que o sistema Cs. normalmente controla não só a afetividade como também o acesso à motilidade, e realça a importância do recalque, mostrando que ele resulta não apenas em reter coisas provenientes da consciência, mas igualmente em cercear o desenvolvimento do afeto e o desencadeamento da atividade muscular (...). A importância do sistema Cs.(Pcs.) no que se refere ao acesso à liberação do afeto e à ação, permite-nos também compreender o papel desempenhado pelas idéias substitutivas na determinação da forma assumida pela doença. É possível ao desenvolvimento do afeto proceder diretamente do sistema Ics.; nesse caso, o afeto sempre tem a natureza de angústia, pela qual são trocados todos os afetos “recalcados”(“verdrängten”Affekte). Com freqüência, contudo, a moção pulsional tem de esperar até que encontre uma idéia substitutiva no sistema Cs. O desenvolvimento do afeto pode então provir desse substituto consciente e a natureza desse substituto determina o caráter qualitativo do afeto. (1980, p.205-6).

É nesse artigo que Freud admite a existência de afetos (quantum de energia

pulsional) que irrompem diretamente do inconsciente para a consciência: a

transformação em angústia é originária, portanto, de um “afeto inconsciente”; ou,

mais precisamente, da estrutura afetiva correspondente a ela que, energizada por

um quantum de afeto, designará determinado estado afetivo de angústia. Esse

ponto Freud retomará no artigo Inibições, sintomas e angústia. (1926), e portanto,

já na segunda tópica, em que postula a existência de afetos do id, como a angústia

automática, uma transformação bruta e violenta da energia livre que penetra no

ego vinda diretamente do id, antes que qualquer elaboração psíquica

(simbolização, ligação) tenha podido funcionar. Veremos, no próximo tópico, que

esse é o processo que ocorre no estado afetivo do pânico.

48

Nos Estudos Sobre Histeria (1895), Strachey (1980) lembra-nos de que

Freud citou duas vezes o volume de Darwin sobre o assunto (Darwin, 1872) e, na

segunda ocasião, recordou que Darwin ensinara que a expressão das emoções

“consiste em ações que originalmente possuíam um significado e serviam a uma

finalidade (ESB, v.II, p.231)” (p.103) de modo que podemos pensar numa

abordagem teleológica.

E o comentador continua: “num debate perante a sociedade psicanalítica

de Viena em 1909, Freud, segundo Jones (1955, 494) havia afirmado que ‘todo o

afeto... é apenas uma reminiscência de um fato’.” (Strachey, 1980, p.103, os

grifos são meus). Esse fato implica que, quando expressamos um tipo de emoção,

ela é parecida em todos os seres humanos. Por exemplo, a expressão de alegria é

parecida para todos nós; alguém que está alegre não tem a expressão de um

deprimido. É a comunicação não-verbal dos pacientes. É evidente que se trata do

aspecto, do colorido, de uma expressão das emoções que se encarna. Se uma

pessoa está triste, o corpo fica triste. Nessa medida, Freud está voltado no que dá a

formatação da emoção, de tal forma que possamos reconhecer no outro ou em nós

mesmos determinada emoção, mesmo que esta esboce certas nuances diferentes

para cada ser humano. “O afeto (...) é apenas uma reminiscência de um fato.” Um

traço de memória?

A seguir, Strachey (1980) pontua que, na Conferência XXV das

Conferências Introdutórias (1916-7), Freud abordou esse ponto novamente e

expressou a crença de que “o ‘núcleo’ de um afeto é a ‘repetição de alguma

experiência significativa específica’.”. (p.103). Chamamos a atenção para a

palavra “repetição”: trata-se, portanto, de alguma coisa que ficou inscrita.

Acrescenta Strachey (1980):

Recordou também a explicação que havia dado anteriormente sobre ataques histéricos (Apreciações gerais sobre os ataques histéricos (1909) parte c) como revivescências de fatos da infância e acrescentou sua conclusão de que ‘um ataque histérico pode ser parecido com um afeto individual recém-construído, e um afeto normal com a expressão de uma histeria geral que se tornou herança.’ Ele repete essa teoria, quase nos mesmos termos, na presente obra (p.30-1 e 72-3). (p.103).

Parece que Freud vai entender o afeto, portanto, como uma espécie de

“histeria da humanidade”.

50

Freud trará no artigo Inibições, sintomas e angústia (1926), uma nova

explicação a respeito da angústia, considerando que o ato de nascer representaria a

primeira experiência de angústia.

O que nos importa, neste momento, é que Freud tem uma teoria dos afetos

e, ao que tudo indica, inspirou-se em Darwin. Parece que considerava o afeto

alguma coisa relativa a uma bagagem que trazemos, talvez da filogênese, para que

o afeto tenha uma “certa carga”, se assim podemos dizer.

É aqui que, mais uma vez, a proposta de Barros (1975) e Loffredo (1975),

a nosso ver, tem fundamento. Do mesmo jeito que uma estrutura representacional

(ou ideativa, memória) pode ser investida (catexizada), caracterizando uma

representação (ou idéia), o mesmo pode valer para o afeto. Podemos pensar que,

para Freud, temos uma formatação de afeto: uma estrutura afetiva.

A estrutura afetiva está no inconsciente, “quietinha” e, ao ser catexizada

por uma carga afetiva, transforma-se num estado afetivo. Esse modo de pensar

pode explicar, por exemplo, o “sentimento de culpa inconsciente”41.

1.4. Um passeio pela teoria da angústia em Freud.

Para vários autores, há consenso em reconhecer duas teorias da angústia na

obra freudiana. Podemos citar como exemplo, Zeferino Rocha – Os destinos da

angústia na psicanálise freudiana (2000); Jean Laplanche – Problemáticas I: a

angústia (1993) / Vocabulário de Psicanálise (1986), no verbete sinal de

angústia); Pierre Kaufman – Dicionário enciclopédico de Psicanálise: o legado de

Freud e Lacan (1996), no verbete angústia; Luiz Hans – Dicionário comentado do

alemão de Freud (1996), no verbete angústia; e Mário Eduardo Costa Pereira –

Pânico e desamparo (1999).

Entretanto, trabalharemos com Green – O Discurso Vivo: Uma Teoria

Psicanalítica do Afeto (1982) e Loffredo – Angústia e repressão: um estudo

crítico do ensaio “Inibição, sintoma e angústia” (1975), para os quais há três

períodos na teoria freudiana da angústia. Contudo, a hipótese de Loffredo vai mais

além: para ela, esses três períodos, poderiam ser considerados “componentes de

41 Retomaremos o sentimento de culpa nos próximos capítulos.

51

uma mesma teoria e referem-se a etapas do mesmo processo” (p.93), como já

enunciamos no tópico anterior.

Os três momentos da teoria da angústia no discurso freudiano seriam,

seguindo a proposta de Green (1982):

1) Presente desde o início de seus trabalhos teóricos (1893 a 1895), esse

primeiro momento, localiza-se em torno do estudo da “Neurose de

Angústia” e suas relações com a vida sexual. Aqui, a angústia é definida

como uma descarga automática, sem a participação do psíquico (quando

há um acúmulo de excitação sexual que ultrapassa um valor limite, não

podendo ser elaborado psiquicamente, é descarregado diretamente para o

corpo).

2) O segundo, de 1909 à 1917, gira em torno das relações da angústia e a

libido recalcada. Inicia-se quando Freud define a Histeria de Angústia

como um processo patológico independente, como aparece no “Pequeno

Hans” (1909). Aqui, a angústia é considerada “um dos resultados

possíveis de serem obtidos” por transformação da libido liberada com o

recalque (Verdrängung). A angústia é fruto do recalque.

3) Finalmente, o terceiro período de 1926 à 1932, corresponde às relações

da angústia e o aparelho psíquico. É uma reformulação do período

anterior. Aqui, a angústia é concebida como a condição necessária para

colocar o processo de recalque em ação. Em “Inibições, sintomas e

angústia.” (1926), Freud expõe essa reformulação, passando a considerar

o ego como sede da angústia. Assim, quando o mesmo se defronta com

“situações de perigo”(ameaça da instalação de uma situação traumática,

de um acúmulo de excitação com o qual o ego não pode lidar) libera

intencionalmente a angústia (angústia sinal).

Vejamos, em linhas gerais, cada um desses momentos.

No primeiro, há uma atenção peculiar à esfera somática como um destino

especial da angústia. É contornado pelos rascunhos dirigidos a Fliess42, pelos

42 Freud, (1893-1895) Extratos dos documentos dirigidos a Fliess – Rascunhos B, E, F, J.

52

primeiros escritos sobre fobias43 e fundamentalmente, pelo artigo sobre a neurose

de angústia, além da réplica às críticas que este ensaio provocou44.

É no trabalho de Freud sobre as “neuroses atuais”, em particular a

neurose de angústia, que a angústia se inscreve no corpo. Preocupado que estava

com a etiologia das neuroses, observou que os indivíduos tinham uma vida sexual

precária: ou excesso ou gasto de libido. Nas “neuroses atuais”, supunha que um

fator real (concreto) e atual (no tempo, não era algo do passado infantil)

desencadeava a neurose. Correspondia à vida sexual atual e posterior à maturidade

sexual: aumento de masturbação, abstinência sexual, coito interrompido etc. Na

neurose atual, o fator sexual era o fator real. Então, o acúmulo de libido física se

transformava diretamente em angústia. Assim, na neurose atual não havia

recalque (Verdrängung), era a prática sexual atual que determinava a neurose. O

paciente transformava a excitação psíquica em angústia: não havia mediação

psíquica.

No texto Sobre os critérios para destacar da Neurastenia uma síndrome

particular intitulada Neurose de Angústia (1895), Freud distingue a neurastenia

da neurose de angústia tanto em sua sintomatologia quanto em sua etiologia. Na

primeira, o que estava em jogo era a escassez de energia sexual, adquirida assim

através do aumento da masturbação. Já a neurose de angústia decorria de um

aumento, um acúmulo da energia sexual, fosse por abstinência, excitação não-

consumada ou coito interrompido. Porém, para Freud, na “vida real” essas

neuroses, geralmente, apareciam combinadas (neuroses mistas). Assim, dizia ele,

“a neurose de angústia é acompanhada por um decréscimo da libido sexual, ou

desejo psíquico (...) o mecanismo da neurose de angústia deve ser procurado em

uma deflexão da excitação sexual somática da esfera psíquica, com um

conseqüente emprego anormal dessa excitação.” (1980, p.126).

Dessa maneira, como afirma Green (1982), “os sintomas da neurose de

angústia são substitutos da ação específica (o coito) que deveria seguir

normalmente a excitação sexual.” (p.75).

43 Freud, (1894) As Neuropsicoses de Defesa, (1895) Obsessões e Fobias: seu mecanismo psíquico e sua etiologia, (1896) Novos comentários sobre as Neuropsicoses de Defesa.. 44 Freud, (1895) Sobre os critérios para destacar da Neurastenia uma síndrome particular intitulada Neurose de Angústia, (1895) Uma réplica às críticas do meu artigo sobre neurose de angústia, (1897) Sinopses dos escritos científicos do Dr. Sigmund Freud.

53

É importante ressaltar que nessa época, 1895, Freud não havia postulado

as pulsões, como o faria posteriormente. Sua noção de pulsão era de um lado a

excitação sexual somática (“libido física”) e de outro lado libido sexual ou desejo

psíquico (“libido psíquica”). Como esclarece Rocha (2000),

... as duas faces da libido (física e psíquica) antecipam o que Freud vai dizer depois sobre o conceito fronteiriço (Grenzbegriff) da pulsão (Trieb), que articula também dois mundos: o somático e o psíquico. A libido, na sua face física, é um “quantum energético” que pode aumentar e diminuir, ser “de mais”, ou ser “de menos”. Na sua face psíquica, ela é qualitativa, pois existe na medida em que é ligada às representações psíquicas, fruto da elaboração do trabalho do aparelho psíquico e se manifesta sob a forma do prazer ou do desprazer. (p.54).

Nesse sentido, Laplanche (1993) indica que

... na teoria freudiana, o acúmulo de excitação somática – o qual é, efetivamente, considerado causal na angústia – jamais é explicado diretamente pela ausência de descarga ou de orgasmo. (...) o que falta, em primeiro lugar, é a ausência de psiquisação ou (...) a ausência de “simbolização” da excitação somática. O problema na neurose atual é um problema de simbolização ou mesmo de fantasmatização. O que é patogênico é a ausência de libido psíquica ou ausência de elaboração psíquica da excitação. (...) É a insuficiência da libido psíquica que acarreta uma derivação imediata da tensão

Para Freud (1895) a neurose de angústia compreende os sintomas de: 1)

irritabilidade geral – “em que a irritabilidade aumentada sempre indica um

acúmulo de excitação ou uma inabilidade em tolerar tal acúmulo”; 2) expectativa

ansiosa: é o sintoma nuclear da neurose de angústia, podendo ser de três níveis –

há um quantum de energia livremente flutuante (um mínimo de expectativa

ansiosa); pode se concretizar ocasionalmente, fixando-se em qualquer coisa, “pega

carona” na primeira representação disponível (fobia típica); uma tendência à

concepção pessimista das coisas. 3) A característica fenomenológica indica um

ser ansioso sem saber o porquê; com conteúdo vago (medo da morte, ameaça de

loucura ou medo de ficar louco); ligado a um distúrbio sensorial ou de uma

disfunção corporal (respiração, função cardíaca, vasomotora e glandular), em

que há sempre um mal-estar somático; uma fobia típica estruturada, na qual se

desenvolvem dois grupos: “o primeiro relacionado a riscos fisiológicos gerais e o

segundo à locomoção.” Pertencem ao primeiro grupo medos naturais, como de

cobra, insetos, altura, tempestades, etc. O outro grupo inclui “a agorafobia com

todas as suas formas acessórias caracterizadas por sua relação com a locomoção.”

(1980, p.109-16; os grifos são meus).

Junto à sintomatologia, Freud anexa uma lista das formas de ataque de

angústia por ele conhecidas: a) ataques de angústia acompanhados por distúrbios

de atividade cardíaca, tais como palpitação ou arritmia transitória ou com

taquicardia de duração mais longa; b) ataques de angústia acompanhados por

distúrbios respiratórios, como dispnéia nervosa, asma e equivalentes; c) ataques

de suor, geralmente à noite; d) ataques de tremuras e calafrios; e) ataques de fome

devoradora, acompanhados de vertigem; f) diarréia sobrevindo em forma de

ataques; g) ataques de vertigem locomotora; h) ataques de congestão; i) ataques de

parestesias. (1980, p.112-13; os grifos são meus).

A título de comparação, o DSM-III-R (1990) descreve a Síndrome do

Pânico (com ou sem agorafobia) como: “Em alguns momentos durante a

perturbação, um ou mais ataques de pânico (períodos discretos de medo intenso

ou desconforto) ocorreram: (1) inesperadamente (...) e (2) não são disparados por

situações nas quais a pessoa foi o foco de atenção dos outros; (...) pelo menos

quatro dos seguintes sintomas se desenvolveram durante pelo menos um dos

ataques: falta de ar (dispnéia) ou sensações de asfixia; vertigem, sentimentos de

instabilidade ou sensação de desmaio; palpitações ou ritmo cardíaco acelerado

55

(taquicardia); tremor ou abalos; sudorese; sufocamento; náusea ou desconforto

abdominal; despersonalização ou desrealização; anestesia ou formigamento

(parestesias); ondas de calor ou calafrios; dor ou desconforto no peito; medo de

morrer; medo de enlouquecer ou de cometer ato descontrolado. (p.91-2; os grifos

são meus).

Encontramos aqui, do ponto de vista sintomatológico, a referência de

Freud a algo que se apresenta contemporaneamente como vemos no DSM-III-R

(1990), constatada a semelhança da descrição fenomenológica e sintomatológica

dos mesmos46. Contudo, divergindo na compreensão teórica e metodológica,

como já assinalamos no início do nosso trabalho. No âmbito desse estudo

tratamos a questão psicopatológica do pânico, no plano psicanalítico, por meio de

uma abordagem metapsicológica amparada na noção freudiana de desamparo

(Hilflosigkeit). Como coloca Pereira (1999):

... a teorização freudiana do desamparo (...) situa o problema do pânico para além da simples descrição fenomenal e para além de uma simples psicologia dos afetos. Considerado por Freud como “o núcleo, a situação de perigo” (der Kern, die Bedeutung de Gefahrsituation) constitui uma noção psicopatológica capital, situando-se no cerne da teoria de angústia, das hipóteses sobre o traumatismo psíquico e da compreensão deste afeto desenfreado que o terror (Schreck) constitui. (p.36).

Continuemos nosso caminho metapsicológico.

No artigo Uma réplica às críticas do meu artigo sobre neurose de angústia

(1895), Freud aprofunda a complicada situação etiológica da neurose de angústia

postulando o conceito de “equação etiológica” (que serve a todo tipo de neurose),

da qual fazem parte os seguintes componentes:

a) Pré-condição: fator indispensável para a produção da neurose, mas

insuficiente por si só. No caso da neurose de angústia, é relativo à

hereditariedade.

b) Causa Específica: sempre vai estar presente e, para ocorrer a neurose, há a

necessidade de se chegar a um certo grau de intensidade (quantidade de

excitação). Em relação à neurose de angústia, esse fator é sexual, no

46 Observem os grifos.

56

sentido de uma deflexão ou desvio da tensão sexual somática em relação

ao campo psíquico (não há elaboração psíquica ou simbolização).

c) Causas Auxiliares: não são indispensáveis para a produção da neurose,

mas se unem às demais causas (a e b), compondo a “equação etiológica”.

Na neurose de angústia, referem-se a quaisquer perturbações banais como

emoção, terror, exaustão física. (1980, p.156-160).

A equação etiológica demonstra que, para Freud, as neuroses são

sobredeterminadas, visto que para sua ocorrência há uma confluência de

várias causas. É a causa específica que determina o tipo de neurose, contudo,

sua ocorrência ou não vai depender do fator quantitativo em jogo47, na

capacidade do sistema de suportar a intensidade da tensão. Assim, um fator

específico para a neurose de angústia pode estar presente, mas a “patologia” só

vai aparecer se houver um acréscimo quantitativo proveniente de uma causa

auxiliar, por exemplo, um acidente, que atua como fator desencadeante. O

fator quantitativo é a soma das causas sobredeterminadas.

Por fim, das “neuroses atuais” Freud destacou as psiconeuroses (histeria

de conversão, neurose obsessiva e histeria de angústia), nas quais ocorria a

mediação simbólica da qual resultavam os sintomas psíquicos, como, por

exemplo, a cegueira histérica.

Nesse contexto, quais seriam as diferenças entre neurose de angústia e

histeria de conversão? Na histeria de conversão há uma transformação do

psíquico sexual para o somático, enquanto que na neurose de angústia a

transformação é do físico sexual para o somático. Tendo em vista que a conversão

histérica conserva a capacidade de elaboração psíquica, pertence ao simbólico.

Entretanto, como na neurose de angústia o mesmo não acontece, ela não tem mais

vínculos com a simbolização. Para Green (1982), “neste caso pode-se falar de

uma perturbação econômica e simbólica desqualificante.” (p.75).

Nas psiconeuroses os sintomas são produzidos para impedir o

aparecimento da angústia. Aqui, destaca-se o segundo momento da teoria da

angústia. Neste, Freud aborda a angústia inscrita no psiquismo relacionada às

pulsões recalcadas. Aqui, o acento cai sobre a dominância do conflito psíquico,

saindo da esfera da relação da angústia com o corpo. Freud preocupa-se com as

47 Vide p.26.

57

relações entre os representantes afetivo e ideativo da pulsão, direcionando-se para

a transformação e destino do afeto.

Embora a angústia responda a uma libido recalcada, é o recalque o

promotor de sua transformação em angústia. E o recalque é inseparável de uma

situação de perigo.

“Pequeno Hans” (1909), Artigos sobre Metapsicologia (1915), XXV

Conferência Introdutória sobre psicanálise (1917) e “O Homem dos Lobos”

(1918) são os artigos principais de referência sobre esse segundo momento da

teoria da angústia.

No estudo sobre o “Pequeno Hans”48, em 1909, Freud considerou a fobia

como um processo psicopatológico independente, que passou a ser designada

como “histeria de angústia”. Escolheu essa denominação pela semelhança

existente com a “histeria de conversão”, pois, em ambas, o mecanismo do

recalque proporciona a separação entre os representantes ideacional e afetivo.

Contudo, na histeria de angústia, a libido não é convertida, como na histeria de

conversão (libido desviada da esfera mental para a esfera somática), mas é

liberada sob a forma de angústia, orientando-se no sentido de uma fobia. Há um

deslocamento da angústia sobre um objeto que se torna fóbico, como meio de

defesa contra essa angústia, ou seja, houve uma formação substitutiva49, em que o

objeto fóbico passou a ser cada vez mais a fonte geradora de angústia, cada vez

mais a própria formação substitutiva.

Na XXV Conferência Introdutória sobre psicanálise: A angústia (1917),

Freud distingue a “angústia real” (Realangst)50 da “angústia neurótica”

(neurotischen). Considerava que a primeira ocorre diante de um perigo real, como

uma interpretação dos sinais de perigo que ameaçam a integridade física do

sujeito, portanto, na dependência da pulsão de auto-conservação. No entanto, visto

que na angústia neurótica o perigo vem de outro lugar (é interno), ela em nada

tem a ver com a pulsão de auto-conservação. Na verdade, ela funciona como uma

resposta à preparação para um perigo. A ausência de preparação para o perigo

causa um arrombamento destrutivo no ego, como mostram as neuroses

traumáticas. Diz Freud (1917): “poderíamos dizer que uma pessoa se protege do

48 Refere-se ao artigo: Análise de uma fobia em um menino de cinco anos (1909). 49 A catexia retirada do impulso desloca-se para uma idéia substitutiva. 50 Freud, (1917/1987) XXV Die Angst, p.408.

58

terror (Schreck) por meio da angústia (Angst).” (1980, p.461). Aqui, podemos

localizar o sinal de angústia (preparação para o perigo), sobre o qual Freud vai

teorizar de forma mais elaborada em Inibições, sintomas e angústia (1926), obra

relativa ao terceiro momento da teoria.

No terceiro momento da teoria da angústia, marcado em Inibições,

sintomas e angústia (1926), Freud desiste da teoria anterior (de que o recalque

provocava a angústia), definindo a angústia como reação a um modelo específico

de situações de perigo, ou seja, a angústia provoca o recalque. Na parte V do

referido texto, Freud retoma o caso do “Pequeno Hans” (1909) e do “Homem dos

Lobos” (1918)51, chegando à conclusão de que apesar das marcantes diferenças

entre os dois casos, o resultado final foi, aproximadamente, o mesmo: uma fobia

para ambos. Diz Freud (1926):

As idéias contidas nas angústias deles – a de ser mordido por um cavalo (Pequeno Hans) e a de ser devorado por um lobo (Homem dos Lobos) – eram substitutos por distorção, da idéia de serem castrados pelo pai. Esta foi a idéia que sofreu recalque (...) Mas o afeto de angústia, que era a essência da fobia, proveio, não do processo de recalque, não das catexias libidinais dos impulsos reprimidos, mas do próprio agente repressor (...). (1980, p.130-1).

Detectou, assim, que a força motriz do recalque fôra a mesma para

ambos: o temor à castração iminente.

A angústia pertencente às fobias a animais era um medo não transformado de castração. (...) Foi a angústia que produziu o recalque e não, como eu anteriormente acreditava, o recalque que produziu angústia (...) É sempre a atitude de angústia do ego que é a coisa primária e que põe em movimento o recalque. A angústia jamais surge da libido recalcada. (1926/1980, p.131; os grifos são meus).

Nesse texto, Freud vê a angústia como “um estado afetivo especial de

desprazer com atos de descarga ao longo de trilhas específicas” (p.156),

presumindo a presença de um fator histórico que une a sensação de angústia e

suas inervações. Nesse sentido, presume que o nascimento é a primeira

experiência de angústia vivida pelo ser humano, na medida em que a experiência

51 “Homem dos lobos” refere-se ao artigo de Freud Historia de uma neurose infantil (1918).

59

do nascimento comporta um fluxo enorme de excitações libidinais incontroláveis

pelo aparelho psíquico do bebê, ainda muito frágil. “A angústia surgiu

originalmente como uma reação a um estado de perigo e é reproduzida sempre

que um estado dessa espécie se repete”. (p.157).

Lembremos que a angústia é um afeto e, dessa maneira, seu caráter de

desprazer indica, na verdade, um acúmulo de excitação no aparelho psíquico,

sendo que, para ocorrer a descarga de angústia, é necessário que esse acúmulo

ultrapasse um valor limiar.

A situação, portanto, que ela (criança) considera como um “perigo” e contra a qual deseja ser protegida é a de não satisfação, de uma crescente tensão devida à necessidade, constante a qual ela é inerme. (...) A situação de não satisfação na qual as quantidades de estímulo se elevam a um grau desagradável sem que lhes seja possível ser dominadas psiquicamente ou descarregadas deve, para criança, ser análoga à experiência de nascer – deve ser uma repetição da situação de perigo. O que ambas as situações têm em comum é a perturbação econômica provocada por um acúmulo de quantidades de estímulo que precisam ser eliminadas. Em ambos os casos a reação de angústia se estabelece. (1926/1980, p.161; os grifos são meus).

Dessa maneira, o nascimento é a experiência prototípica de todas as

situações de perigo que o sujeito vai se defrontar pela vida afora podendo ser

ressignificada como traumática, ou seja, a reprodução a posteriori desse estado

frente a outras situações de perigo pode ser inadequada, ocorrendo o que Freud

chama de angústia automática. A reação adequada se efetuará no reconhecimento

de que tal situação pode acontecer novamente, isto é, numa ameaça assinalada

pela liberação de angústia, com o objetivo de impedir que tal estado se instale,

Freud designou como sinal de angústia. E Freud (1926) esclarece que “nesses

dois aspectos, como um fenômeno automático e um sinal de salvação, verifica-se

que a angústia é um produto do desamparo mental da criança, o qual é um símile

natural de seu desamparo biológico.” (1980, p.162). Falaremos sobre essa questão

mais a frente52.

Freud distingue duas formas de angústia: a angústia automática, na qual o

determinante fundamental é a ocorrência de uma situação traumática, tendo como

52 Vide p.47-8.

60

protótipo uma experiência de desamparo por parte do ego face a um acúmulo de

excitação com o qual não pode lidar (angústia cuja sede real é o ego); e a angústia

sinal, como resposta do ego à ameaça de instalação de uma situação traumática,

ou seja, o sinal de angústia é uma forma do ego de evitar a angústia, de evitar a

instalação da situação traumática (angústia originada diretamente da vida

pulsional, do id).

A situação de perigo constitui, portanto, uma ameaça de tal situação

traumática, isto é, uma expectativa e lembrança da situação de desamparo

(Hilflosigkeit). Note-se que há duas características do afeto de angústia: 1) seu

caráter de expectativa que se origina da situação de perigo; e 2) a existência de

falta de objeto ligada à situação traumática.

Dessa forma, a angústia automática corresponde à angústia presente no

nascimento, situação na qual não há elaboração psíquica (ou não há

simbolização), reproduzida em outras situações diferentes a posteriori, como

ocorre, por exemplo, na neurose de angústia. Aqui, o primeiro momento da teoria

da angústia se relaciona com o terceiro momento. É a reativação da estrutura

afetiva de angústia diretamente pelos afetos do id.

Como mostra Green (1982),

... a angústia patológica se manifesta essencialmente de duas formas: uma angústia flutuante, pronta a ligar-se a qualquer representante, como mostra a espera ansiosa da neurose de angústia, e uma angústia circunscrita ligada a um perigo. Essa oposição pode ser resumida dizendo que no primeiro caso, o perigo está em toda a parte e a segurança em nenhum lugar; no segundo o perigo é localizado, a segurança está em todos os outros lugares. Essa comparação permite-nos encontrar dois estados de angústia: a angústia na qual qualquer manobra de evitação é impotente devido ao investimento do ego pelo afeto e a angústia dominada numa certa medida pela evitação da situação angustiante, mecanismo de defesa operado pelo ego. Freud mantém, portanto, a oposição do primeiro período. A angústia flutuante é interpretada como uma inibição à descarga. (...) nela é encontrada a falta de elaboração psíquica postulada desde 1895 e o papel agravante dos fatores quantitativos. A conclusão permanece a mesma: o entrave da libido dá origem a processos, todos eles, unicamente de natureza somática. (p.77; os grifos são meus).

Essa passagem de Green também aponta para a importância do fator

quantitativo no desenvolvimento de patologias, as quais, por não promoverem a

61

elaboração psíquica, têm o corpo como destino. “O entrave da libido dá origem a

processos, todos eles, unicamente de natureza somática”. Exatamente como ocorre

no caso do pânico e outras psicopatologias, muito freqüentes na

contemporaneidade, como as psicossomatizações, anorexia, bulimia dentre outras.

A condição de que, sem os cuidados de um outro, o bebê não pode

sobreviver, primeiramente, do ponto de vista biológico, faz Freud conceber a

posição fundamental do desamparo na constituição psíquica. O bebê precisa de

um outro para satisfazer suas necessidades (por exemplo, a fome), o que revela

sua impotência na extinção da tensão interna. O crescimento de uma tensão de

necessidade com a qual a criança não consegue lidar sozinha, trata-se de um

acúmulo de excitação que ultrapassa o valor limite do seu aparelho psíquico,

vivido então, como sensação de desprazer. Esse é o traço comum entre a situação

de perigo do nascimento e as posteriores a ela. Nessa medida, para o adulto, o

desamparo (Hilflosigkeit) é o modelo da situação traumática que gera angústia.

Mas, quando pela experiência a criança descobrir que um objeto externo

perceptível (mãe) pode por fim à situação de perigo que lembra o nascimento, diz

Freud (1926):

... o conteúdo do perigo que ela teme é deslocado da situação econômica para a condição que determinou essa situação, a saber a perda do objeto. É a ausência da mãe que agora constitui o perigo e logo que surge esse perigo a criança dá o sinal de angústia, antes que a temida situação econômica se estabeleça. Essa mudança constitui o primeiro grande passo à frente na providência adotada pela criança para sua autopreservação, representando ao mesmo tempo uma transição do novo aparecimento automático e involuntário da angústia para a reprodução intencional da angústia como um sinal de perigo. (...) verifica-se que a angústia é um produto do desamparo mental da criança, o qual é um símile natural de seu desamparo biológico. (1980, p.162; os grifos são meus).

Os “perigos internos” (aumento da tensão no aparelho que corresponde à

angústia neurótica53), tanto quanto os do mundo exterior (perigos reais que

correspondem à angústia real), acarretam um valor exagerado ao objeto, o único

53 Entretanto, a ênfase na diferenciação entre angústia real e angústia neurótica, não é tão importante, pois o próprio Freud assinala que quando o ego vivencia uma situação de dor insuportável por conta de um acúmulo de excitação com o qual não pode lidar “o desamparo motor do ego encontra expressão no desamparo psíquico”: a situação econômica é a mesma.(Freud, 1926/1980, p.193).

62

que pode proteger contra esses perigos. “O fator biológico, então, estabelece as

primeiras situações de perigo e cria a necessidade de ser amado que acompanhará

a criança pelo resto de sua vida.”. (Freud, 1926/1980, p.179). Em outras palavras,

será sempre a perda do outro amado que remeterá à condição de abandono total e

de desamparo ante o aumento pulsional.

Dessa forma, os perigos internos são ligados à perda ou separação e geram

um aumento de tensão. Essas excitações internas, quando extremas, podem se

configurar na incapacidade do indivíduo de dominá-las e ser, então, dominado por

elas. É o estado gerador do sentimento de desamparo, como observamos no

pânico.

Aqui cabe um aparte à relação da criança com a mãe (ou quem cumpre

essa função), na medida em que esse momento inicial na vida do ser humano, a

maneira pela qual a função materna é exercida, é determinante na constituição de

alicerces básicos para o funcionamento psíquico. Em conseqüência disso,

“tropeços” experimentados nessa época estão relacionados com determinados

tipos de psicopatologias como é o caso do pânico, por exemplo.

Lembremos que, para Freud, a mãe é o primeiro objeto de amor da criança

(seja menino seja menina). Ao desempenhar sua função de erogeneização do bebê,

através de seus cuidados, a mãe exerce uma ação de sedução sobre ele, que é

totalmente dependente dela. Note-se que essa sedução é exercida num período

anterior à aquisição da fala pela criança, ficando a sedução materna uma ação

impossível de ser simbolizada. Sob esse prisma a sexualidade, vinda da mãe, é

sempre traumática; não há representação que dê conta dela. A tensão libidinal que

a criança vive é intensa e, enquanto sujeito, está despreparada para administrar tal

tensão. Essa ação específica, realizada pela função materna, caracteriza o ser

humano como dependente do amor do outro.

Nesse quadro, a teoria do desenvolvimento da libido corresponde à

complexa história da sexualização do corpo da criança. No seu trajeto

psicossexual, por volta do complexo de Édipo, o desejo sexual muito intenso (que

a criança vive num corpo imaturo) estabiliza-se e dessexualiza-se em relação aos

pais para que possa ser direcionado a outros objetos.

63

Lembremos que o Édipo não ocorre da mesma maneira para os dois

sexos54. Devido à tese freudiana da organização genital infantil da libido, em que,

para ambos os sexos, há uma primazia do falo55, cria-se uma dissimetria entre a

organização edipiana do menino e da menina. Ambos passam pelos desejos

amorosos e hostis em relação aos pais, ou seja, pela dupla triangularidade do

complexo de Édipo. Entretanto, o menino sai do Édipo por conta da ameaça de

castração, enquanto a menina entra no Édipo quando descobre a castração e sua

conseqüente inveja do pênis. Diz Freud (1932): “com o passar do tempo, uma

menina tem de mudar de zona erógena56 e de objeto57 e um menino mantém

ambos.” (1980, p.147). Portanto, ao contrário do menino, a menina se desliga do

objeto do mesmo sexo (a mãe) para se ligar ao objeto de sexo diferente (o pai).

Nela o complexo de Édipo manifesta-se pelo desejo de ter um filho do pai.

Entretanto, no Édipo, subsiste uma simetria para ambos os sexos, na

medida em que a mãe, como dissemos, é o primeiro objeto de amor tanto para o

menino como para a menina. Desse modo, a ligação aferrada à mãe é o elemento

comum e primário. Esclarece Freud (1938): “ (...) a mãe, estabelecida

inalteravelmente para toda vida como o primeiro e mais forte objeto amoroso e

como protótipo de todas as relações amorosas posteriores – para ambos os sexos.

Em tudo isso, o fundamento filogenético leva tanto a melhor sobre a experiência

acidental da pessoa.” (1980, p.217). Ou seja, para Freud, o complexo de Édipo

refere-se à dupla questão do desejo incestuoso e de sua proibição necessária para

que não se transgrida a sucessão das gerações, como ocorreu no mito de Édipo em

que ao matar Laio e desposar Jocasta, Édipo toma o lugar do pai, e seus filhos

com Jocasta eram também seus irmãos. Nesse sentido, Édipo mistura em si três

gerações etárias que jamais deveriam se misturar58.

Uma mãe que dirige seus desejos para outros objetos (que não somente a

criança) permite a entrada do pai em cena, produzindo um limite, um corte nessa

relação dual (criança/mãe), ou seja, promove a castração. A castração atua

duplamente: ao mesmo tempo que priva a criança de ter sua mãe, priva a mãe do

54 Segundo Freud, (1924) A dissolução do complexo de Édipo, (1925) Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos, (1932) Conferência XXXIII e (1938) Esboço de Psicanálise. 55 Segundo Freud, (1923) A organização genital infantil: uma interpolação na teoria da sexualidade. 56 Do clitóris para vagina. 57 Da mãe para o pai.

64

objeto de seu desejo. Em outras palavras, a criança controla o fato de não ser,

exclusivamente, o objeto de desejo da mãe, para aventurar-se como sujeito

humano, ao designar, simbolicamente, sua renúncia ao objeto perdido. Dessa

maneira, a castração escancara uma falta fundamental no sujeito – tanto na criança

quanto na mãe, na medida em que nem a criança nem a mãe são completas. A lei

intermediada pelo pai (ou quem cumpre a função paterna), é o momento de acesso

ao simbólico, pois a criança, através dessa operação, pode exercer um controle

sobre o objeto perdido. É a partir desse momento que a criança tem acesso à

linguagem, ou melhor, é a linguagem que funda a necessidade de renúncia ao

objeto materno tanto quanto sua constituição como objeto perdido. É a linguagem

que expõe a falta e a impotência do próprio sujeito e de seu destino.

Sob esse prisma, é a mãe que exerce junto ao bebê uma função primordial

de proteção contra todos os perigos e sofrimentos experimentados em função do

desamparo original. É através da continência materna, de seu amor trazido à

criança, que se faz a primeira possibilidade de abertura para um mundo

simbolicamente organizado.

Nesse sentido, se a mãe desempenha sua função de maneira satisfatória,

significa que a criança – imersa na ilusão de onipotência e de controlar

magicamente o mundo (regime do narcisismo) segundo seus desejos – passará,

lentamente, por um processo de desilusão e de subjetivação de um mundo que não

corresponde àquele que ela imaginava. Dito de outra forma, esse processo de

desilusão, realizado por uma função materna adequada, permite que a descoberta

da realidade do desamparo possa ser uma experiência tolerável59.

Voltemos ao significado da perda do objeto como determinante da

angústia, o qual se estende ao longo do desenvolvimento infantil, influenciando o

conteúdo da situação de perigo.

Vimos que, inicialmente, com o nascimento, o perigo é o do desamparo

psíquico, dado que o ego é imaturo e incapaz de dominar o acúmulo de excitação

proveniente de fontes internas e externas. Posteriormente, até a primeira infância

(enquanto é dependente dos outros), o perigo é a perda do objeto mãe (quem o

protege e o ama). A transformação seguinte da angústia, refere-se à angústia de

castração pertencente à organização fálica da libido. Constitui, também, um medo

58 Vide p.68. 59 Retomaremos essa questão mais à frente.

65

A crescente independência da criança, a divisão de seu aparelho psíquico

em várias instâncias (id, ego e superego) e o advento de novas necessidades

exercem influências sobre o conteúdo da situação de perigo. Até aqui, mostramos

a mudança desse conteúdo a partir da perda da mãe como objeto até a castração. A

mudança seguinte é causada pelo “poder do superego” (período de latência).

Segundo Freud (1926):

... com a despersonalização do agente parental a partir do qual se temia a castração, o perigo se torna menos definido. A angústia de castração se desenvolve em angústia moral – angústia social – não sendo agora tão fácil saber o que é a angústia. A fórmula ‘separação e expulsão da horda’ só se aplica àquela porção ulterior do superego que se formou com base em protótipos sociais, não ao núcleo do superego, que corresponde a instância parental introjetada. (1980, p.163; os grifos são meus).

Para Freud (1938) como resultado do complexo de Édipo, forma-se no ego

da criança um precipitado que corresponde às identificações com os pais. A

criança abandona os pais como objeto e os introjeta no ego por identificação.

Assim, uma parte do mundo externo torna-se parte integrante do mundo interno.

“Esse novo agente psíquico continua a efetuar as funções que, até então, haviam

sido desempenhadas pelas pessoas (os objetos abandonados) do mundo externo:

ele observa o ego, dá-lhe ordens, julga-o e ameaça-o com punições, exatamente

como os pais cujo lugar ocupou.” (1980, p.235). O que o ego sente como perigo,

ao qual reage com um sinal de angústia, é a punição do superego como se

estivesse com raiva dele, podendo deixar de amá-lo. “Os tormentos causados pelas

censuras da consciência correspondem precisamente ao medo da perda de amor

por parte de uma criança, medo cujo lugar foi tomado pelo agente moral.” (1980,

p.236).

O superego, “herdeiro do complexo de Édipo”, só se estabelece quando a

criança se liberta desse complexo e essa é a razão para excessiva severidade do

superego: ela “não segue um modelo real, mas corresponde à força da defesa

utilizada contra a tentação do complexo de Édipo.” (Freud, 1938, p.236).

A transformação final pela qual passa o medo do superego é “o medo da

morte (ou medo pela vida), que é um medo do superego projetado nos poderes do

destino” (p.164), nos dizeres de Freud (1926/1980).

67

No entanto, Freud (1926) assinala que os conteúdos da situação de perigo

(medo da perda do amor, angústia da castração, medo do superego e medo da

morte), os quais têm seu protótipo em fases de desenvolvimento do ego, e os

determinantes de angústia podem persistir lado a lado, expressando-se em

períodos posteriores ao apropriado, e podendo, também, entrar em ação ao mesmo

tempo. Além disso, para ele “é possível que haja uma relação razoavelmente

estreita entre a situação de perigo que seja operativa e a forma assumida pela

neurose resultante.” (1980, p.166). Sob esse prisma podemos abordar o pânico

como a expressão da instalação de uma situação de perigo interna insuportável

para o sujeito: a situação de desamparo. É deste ponto que interpretamos o

estado afetivo do pânico (Panik) como uma evidência clínica do desamparo

(Hilflosigkeit), expressando-se na angústia que marca sua condição subjetiva

(desamparo original estruturante do psiquismo) e que, em última instância, pode

ter seu limite no real do corpo, como é evidente nos ataques de pânico.

Ao analisar o perigo da castração, Freud (1926) considera a “angústia de

castração como a única força motora dos processos defensivos que conduzem à

neurose.”. E para ambos os sexos, tendo em vista que no determinante da angústia

“não se trata mais de sentir a necessidade do próprio objeto ou de perdê-lo, mas de

perder o amor do objeto (...) como um determinante da angústia, a perda do amor

desempenha o mesmíssimo papel na histeria que a ameaça da castração nas fobias

e o medo do superego na neuroses obsessiva.” (1980, p.167).

Um ponto importante a ser assinalado, em Inibições, sintomas e angústia

(1926), é a demonstração de Freud acerca da criação do sintoma como evitamento

de uma situação de perigo: o perigo da castração, o perigo do desamparo

(Hilflosigkeit). Ao revisar a teorização da angústia e suas relações com a formação

do sintoma, Freud conclui que a castração é o referente central de todo o sintoma.

A conclusão a que chegamos, portanto, é esta. A angústia é uma reação a uma situação de perigo. Ela é remediada pelo ego que faz algo a fim de evitar essa situação ou para afastar-se dela. Pode-se dizer que se criam sintomas de modo a evitar a geração de angústia (...) se criam sintomas a fim de evitar uma situação de perigo cuja presença foi assinalada pela geração de angústia (...) o perigo em causa foi o de castração ou de algo remontável à castração. (Freud, 1926/1980, p.152).

68

conseguiu ser simbolizado (elaborado psiquicamente), integrado no circuito

representacional e o limite último que encontra, é o real do corpo.

Dessa maneira, a concepção freudiana de sintoma aponta para a dimensão

da subjetividade, na medida em que traz em si uma mensagem do conflito

individual e familiar do sujeito humano, assim como social, já que a construção

do psiquismo se dá no entrelaçamento da pulsão e da cultura63. Será sob esse

prisma que buscaremos um sentido para o pânico como mostraremos no

desenrolar dos próximos capítulos.

Em suma, pela nova visão de Freud, nesse terceiro momento da teoria da

angústia, o ego é a sede real da angústia; vai produzi-la, intencionalmente, como

reação a uma situação de perigo; e, sendo a mesma um afeto, só pode ser sentida

pelo ego. Entretanto, Freud não consegue resolver a contradição de sua

reformulação teórica referente às relações entre recalque e angústia: se é a

angústia que produz o recalque, como explicar o aparecimento do afeto de

angústia após o recalque? Em Inibições, sintomas e angústia (1926), Freud expõe

contradições e dúvidas a esse respeito, porém não consegue conciliar seu ponto de

vista atual com o anterior.

1.5. A proposta de uma única teoria do afeto de angústia.

Como foi dito, podemos considerar que os três momentos da teorização

sobre a angústia sejam concebidos como componentes de uma só teoria.

(Loffredo, 1975). Seriam etapas de um mesmo processo em que a angústia

automática – definida no terceiro momento como um excesso de excitação que

ultrapassa um valor limiar, sendo descarregada diretamente, ou seja, sem

elaboração psíquica –, seria herdeira da neurose de angústia (primeiro momento),

no sentido da conseqüência de uma marca deixada.

O segundo momento – angústia como fruto do recalque –, aparentemente,

oposto ao terceiro momento – angústia como disparadora do recalque –, na

verdade, corresponde à explicitação de uma primeira etapa complementada, no

terceiro momento, ou seja, é uma tentativa teórica única das relações entre

recalque e angústia. Segundo essa proposta, a angústia automática e o sinal de

63 Segundo Freud, (1930) O mal-estar na civilização.

70

angústia “não são opostos entre si (...), nem correspondem a duas teorias – mas

sim, são dois conceitos referentes a etapas do mesmo fenômeno”. (Loffredo, 1975,

p.88).

Pereira (1999) também considera que, na teoria freudiana da angústia, a

angústia automática é herdeira da neurose de angústia. Essa idéia deve-se ao fato

de que ambas comportam a mesma definição de angústia: uma excitação pulsional

acumulada que ultrapassa um valor limiar no aparelho psíquico (com o qual o ego

não pode lidar ou controlar), sendo descarregada sob a forma de angústia (o que

estabelece a situação traumática, uma vez que não há simbolização ou elaboração

psíquica).

Mas, com o conceito de desamparo (Hilflosigkeit), Freud localiza a

angústia automática como resposta a uma situação de desamparo, vivida pelo ego

frente a esse acúmulo pulsional, e diz respeito a um lugar infantil e à sexualidade

traumática vinda da mãe; trata-se, portanto, do desamparo original estruturante do

psiquismo, conforme definido no texto Inibições, sintomas e angústia (1926).

É importante ressaltar que a angústia é vista por Freud como a repetição de

uma experiência já vivida. Loffredo (1975) assinala que Freud colocou a angústia

como correspondente a “um estado afetivo de acordo com uma imagem mnêmica

já existente”64, sendo que o estado afetivo de angústia, “como os estados afetivos

em geral, acham-se presentes como resíduos de experiências traumáticas

primitivas e são revividos quando experiências semelhantes a essas ocorrem

posteriormente.” (p.44). Essa teoria dos afetos de Freud, segundo o qual estes

seriam repetições de experiências primitivas, segunda a autora, aparece em outras

de suas obras e está sem dúvida, expressa em Inibições, sintomas e angústia

(1926), em mais de uma ocasião. Ou seja, há uma memória afetiva.

Visto que na angústia automática ocorre uma situação de desamparo por

parte do ego, a situação traumática se estabelece. Há uma descarga que, no plano

do aparelho psíquico, é percebida pelo sistema ω65,deixando uma estrutura

afetiva como registro de sua ocorrência, ou seja, o sinal de angústia. Nesse

sentido, a angústia automática é a primeira experiência de angústia vivenciada

pelo sujeito. O estado afetivo ansioso aparecerá, posteriormente, quando for

reativado o engrama dessa experiência primitiva.

64 Segundo Freud, (1938) Esboço de Psicanálise. 65 Vide p.32, nota 36.

71

Nessa medida, o sinal de angústia tem dois sentidos: refere-se ao engrama

de angústia automática e ao resultado de sua ativação, ou seja, o estado afetivo de

angústia.

O sinal de angústia (melhor seria dizermos o estado afetivo ansioso que corresponde a ativação do sinal de angústia) só pode ser liberado pelo ego se já existir, no sistema Psi-pallium, um engrama de uma angústia econômica primitivamente experienciada. O engrama dessa situação traumática pode ser adquirido através da experiência do indivíduo, isto é, ontogeneticamente (neurose ‘atual’) ou pode já fazer parte da bagagem filogenética, e, nesse caso, trata-se do engrama da castração. (...) a ativação desse engrama leva ao aparecimento da regressão, condição para o aparecimento da defesa. Se o tipo de defesa utilizada for a repressão (leia-se recalque - Verdrängung), um dos resultados possíveis de se obter através dela é a angústia. Portanto, a expressão desse estado afetivo ansioso, como conseqüência da repressão (Verdrängung), em nada contradiz a formulação de um sinal de angústia como causa da repressão Verdrängung). São duas etapas de um mesmo processo e não, como afirma Freud, duas teorias irreconciliáveis sobre a angústia. (Loffredo, 1975, p.93-4; os grifos são meus).

1.6. Pânico e a noção de Hilflosigkeit: da neurose de angústia à

angústia automática.

Dado o exposto até agora, podemos localizar a neurose de angústia, na

teoria freudiana da angústia, como o início da formulação teórica da angústia

automática. Assim, é pela problemática do desamparo e suas relações com a

angústia que abrimos a possibilidade de pensar o pânico sob o prisma

psicanalítico, ou seja, para além da sintomatologia e fenomenologia deste estado

afetivo terrorífico de angústia. Para Freud, em última instância, a angústia funda-

se sobre o Hilflosigkeit.

Estamos assim, trabalhando com a hipótese de Pereira (1999) segundo a

qual é possível um estudo psicanalítico do pânico por meio da noção freudiana de

desamparo (Hilflosigkeit), que “dispõe da potência metafórica necessária para dar

uma inscrição propriamente metapsicológica ao problema do pânico.” (p.36)66.

A noção de Hilflosigkeit, para Freud, configura a finitude do sujeito, na

medida em que o psiquismo se constrói sobre um fundo de desamparo (desamparo

72

original estruturante do psiquismo), que em última instância diz respeito à falta

fundamental de garantias sobre o existir e o futuro. Tal precariedade da

organização psíquica decorre do fato de ser impossível a total subjetivação da

pulsão. Haverá sempre um resto, algo que não é simbolizável e que, por essa

mesma condição, poderá tornar-se traumático67, fazendo emergir o sintoma que,

como vimos, é considerado por Freud como a angústia de desamparo na criança.

Recordemos que a mãe, como coloca Freud (1927), “que satisfaz a fome

da criança, torna-se seu primeiro objeto amoroso e, certamente, (...) sua primeira

proteção contra a angústia.” (p.36). Nessa relação dual, narcísica e absoluta, existe

o ser onipotente (mãe) que, amorosa e ilusoriamente, protege outro ser (criança)

contra todos os sofrimentos e perigos imagináveis e inimagináveis da vida.

Portanto, que sustenta uma ilusão de proteção absoluta e um objeto idealizado de

amor.

Dissemos68 que a passagem da criança por um lento e progressivo

processo de desilusão permite que a descoberta da realidade do desamparo possa

ser uma experiência tolerável, ou seja, que o sujeito possa suportar que não há

proteção absoluta na vida e tampouco um ser onipotente que lhe garanta uma

estabilidade. É preciso que o objeto idealizado de amor seja dado como

verdadeiramente perdido para que se possa tolerar a realidade do desamparo: a

condição do limite, da finitude, da solidão, do inominável do resto pulsional.

Para Freud “a impressão terrificante do desamparo na infância despertou a

necessidade de proteção através do amor”. (1927/1980, p.43). Na função de

proteção, a mãe “é logo substituída pelo pai mais forte, que retém essa posição

pelo resto da infância”. (p.36). “É a defesa contra o desamparo infantil que

empresta suas feições características à reação do adulto ao desamparo que ele tem

que reconhecer”. (p.36). Mas, “o reconhecimento de que esse desamparo perdura

através da vida tornou necessário aferrar-se à existência de um pai, dessa vez

porém, um pai mais poderoso69”. (p.43).

Dessa maneira, o desamparo original estruturante do psiquismo, conforme

definido no texto Inibições, sintomas e angústia (1926), diz respeito à face erótica

e sexual do desamparo. Diz respeito a um lugar infantil e à sexualidade

66 Vide p.41. 67 Lembremos que o núcleo da situação traumática diz respeito ao desamparo. 68 Vide p.50-1.

73

traumática vinda da mãe, sendo, desde então, as organizações psicopatológicas

relativas, portanto, à castração da mãe e à cena primária, na medida em que a

angústia não é somente um sinal para o perigo da castração, mas também uma

reação perante uma separação, uma perda (do amor da mãe)70. A angústia é um

afeto que expressa um duplo sentido para a questão da separação: tanto uma ação

no sentido da castração quanto uma reação no sentido da perda.

Portanto, o desamparo é condição geral no funcionamento psíquico de

qualquer pessoa e, dessa maneira, a Hilflosigkeit de Freud refere-se à condição de

“ausência de ajuda”71 como possibilidade efetiva da vida psíquica.

O que Freud mostra, detalhadamente, no referido texto, é que essa

condição de desamparo pode se concretizar numa situação traumática.

Lembremos que o evento traumático, para Freud, é uma situação de desamparo:

“o desamparo constitui o núcleo da situação de perigo”, e, como sabemos, o

perigo é o do inundamento psíquico. Quando o aparelho não dá conta do afluxo

pulsional, portanto de sua impotência na total subjetivação da pulsão, é que se

estabelece a situação de desamparo, a situação traumática.

Desse modo, a noção de Hilflosigkeit implica numa dimensão de

desamparo, independente de sua concreta efetivação numa situação traumática.

Essa questão torna-se mais clara a partir de O futuro de uma ilusão (1927) e O

mal-estar na civilização (1930), em cujos textos Freud retoma a problemática do

desamparo enquanto uma condição de desamparo, isto é, destacando a falta de

garantias do sujeito sobre o seu existir e o seu futuro. Nesses textos, o desamparo

é trabalhado sob o ponto de vista da falta de garantias do sujeito no mundo, que é

obrigado a uma renúncia pulsional como condição de viver em sociedade.

Trabalharemos esse ponto de vista nos capítulos dois e três.

A título de ilustração, a primeira vez que Freud tratou do tema desamparo

foi em Projeto para uma psicologia científica (1895):

O organismo humano é, a princípio, incapaz de promover essa ação específica (no mundo externo). Ele se efetua por ajuda alheia, quando a atenção de uma pessoa experiente é voltada para um estado infantil por descarga através da via de alteração interna (por exemplo, pelo grito da criança). Essa via de

69 Retomaremos essa questão no próximo capítulo. 70 Como dissemos, Freud considera o sintoma como a angústia de desamparo na criança. 71 Vide p.18.

74

descarga adquire, assim, a importantíssima função secundária da comunicação, e o desamparo inicial dos seres humanos é a fonte primordial de todos os motivos morais. (...) O desenvolvimento biológico dessa espécie de associação extremamente importante (...) é uma parte da via que conduz à mudança interna, que representa a única descarga enquanto não se descobre a ação específica. Essa via adquire uma função secundária ao atrair a atenção da pessoa que auxilia (geralmente o próprio objeto de desejo) para o estado de anseio e aflição da criança; e desde então, passa a servir ao propósito da comunicação, ficando assim incluída na ação específica. (1980, p.336 e 338).

Por esse trecho vemos que, no início, mesmo o desamparo sendo visto

como uma incapacidade motora do recém-nascido em satisfazer suas próprias

necessidades, há uma significação a posteriori do desamparo biológico no

desamparo psíquico. “Essa via de descarga adquire, assim, a importantíssima

função secundária da comunicação, e o desamparo inicial dos seres humanos é a

fonte primordial de todos os motivos morais”.72

Podemos dizer então que a problemática do desamparo na obra de Freud

aponta para duas dimensões: a condição de desamparo, fundante e estruturante do

psiquismo, portanto, no funcionamento da vida psíquica, relativa à linguagem na

sua dimensão de metáfora (somos seres falantes e faltantes); e a situação de

desamparo, enquanto concretização dessa condição de desamparo instalada na

situação traumática, do excesso, do resto que não é possível simbolizar, do

inominável vivido no real do corpo.

Para Pereira (1999):

De certa forma, o pânico instaura-se por não haver no sujeito a discriminação clara de que pelo fato de ele estar fundado sobre uma condição de desamparo, isso não implica necessariamente em estar condenado a ter que vivenciar situações efetivas de desamparo, tal como na situação traumática, ao longo de toda sua existência. O pânico é um estado psicopatológico que se instaura quando não houve as condições para uma subjetivação tolerável da condição fundamental de desamparo. (p.370).

Nesse sentido, o pânico não é, simplesmente, uma situação traumática, que

expressa o fracasso do psiquismo em dar conta do excesso do afluxo pulsional,

emergindo pelo corpo; mas, como manifestação de um afeto extremo, “o pânico é

75

uma forma desesperada de resistência contra a instauração do traumático; um

ataque de angústia constitui um esforço extremo para tornar a condição de

desamparo acessível ao pensamento.” (p.370).

Para Pereira (1999), o ataque de pânico é um trabalho psíquico, no sentido

de um “esforço de pré-simbolização e de subjetivação do desamparo que se

encarna na forma temática da morte-própria”. (p.314). Entretanto, é um esforço

inútil, na medida em que a morte própria não tem representação no inconsciente.

(Freud, 1926/1980, p.153). As experiências repetidas do estar morrendo no ataque

de pânico constituem uma tentativa

... de obter um certo domínio sobre o que escapa às possibilidades de simbolização e que é vivenciado sob o nome geral de “morte”. (...) uma tentativa de esvaziar a morte do seu conteúdo incognoscível, por meio de uma atualização-antecipação do momento de entrada nesse estado de desvalia; trata-se de um esforço por “tocar” o impossível, aquilo que escapa sempre e necessariamente ao psíquico, isto é, um esforço de controlar o momento do abandono por parte do outro suposto protetor e fiador do mundo. (p.39; grifos do autor).

A dimensão do desamparo aponta para o horizonte de todos os possíveis e

da incerteza que isso comporta, para o mistério e indeterminação da vida, para

toda criatividade. Dessa maneira, para Pereira (1999), “o desamparo diz respeito à

linguagem ao passo que o pânico deve ser situado como esforço psicopatológico

do pensamento.” (p.39).

Obviamente, neste capítulo em que priorizamos a teorização da angústia,

voltamo-nos mais para a face erótica do desamparo, objetivando circunscrever o

pânico como uma evidência clínica do desamparo (Hilflosigkeit). Embora haja

uma evidente articulação entre as duas faces, destacamos a outra face do

desamparo como objeto privilegiado de nossa investigação sobre o pânico, ou

seja, as condições peculiares de desamparo do sujeito na contemporaneidade.

Nos próximos capítulos nos dedicaremos a compreender melhor essa outra

face do desamparo a fim de contextualizar o pânico como uma forma de

sofrimento psíquico que expressa os modelos de subjetividade promovidos pela

sociedade contemporânea. Como dissemos na introdução, como um processo de

72 Aqui já está em germe a constituição dos ideais que veremos no capítulo dois.

76

produção social. Veremos como o pânico é uma das expressões do mal-estar

contemporâneo.

Lembremos que em Psicologia de grupo e análise do ego (1921), que

trabalharemos mais detalhadamente no próximo capítulo, Freud diz que o Pânico

surge quando há o rompimento das catexias libidinais até então sustentadas por

um ideal protetor e o sujeito se vê inerme num gigantesco e insensato medo73.

Aquilo que lhe garantia, imaginariamente, a estabilidade, desfez-se. Agora, o

sujeito se descobre desamparado e confrontado com um afluxo imenso de libido

que, até então, estava ligada pelo amor a um ideal. Há um grande perigo análogo

ao aniquilamento do ego.

73 Vide p.7 e 11-2.

77

2. A construção do vínculo social sob o ponto de vista freudiano: a Lei,

os ideais e as identificações.

2.1. Uma breve introdução.

No capítulo anterior, trabalhamos o pânico como um estado afetivo

extremo de angústia, como um fenômeno do campo psicopatológico do

angustiante referido na obra freudiana. Sob esse prisma, vimos que o pânico é

uma das possibilidades afetivas que o sujeito encontrou no enfrentamento da

condição de desamparo necessária e insuperável na constituição da vida psíquica.

Todavia, como dissemos na introdução desse trabalho, entendemos o

pânico também como um processo de produção social. Há um estilo de sociedade

em pauta que gera condições e possibilidades para a produção de determinadas

psicopatologias como típicas de sua época. E nesse sentido, o pânico é uma das

psicopatologias contemporâneas.

Entretanto, para deslizarmos na esteira dessa idéia, primeiro é necessário

compreendermos o pensamento freudiano a respeito da civilização, da sociedade,

da formação dos grupos e da subjetividade – dito de outra forma, a questão da Lei,

dos ideais e da identificação. Dedicaremos esse capítulo ao estudo

metapsicológico desses temas.

Em vários momentos, Freud empregou suas idéias da psicologia individual

humana com o intuito de compreender o funcionamento dinâmico e conflitante

entre o homem e a civilização. Priorizamos três artigos:

1) Totem e tabu (1913) – texto inaugural da teoria freudiana sobre o

fundamento do social e da cultura, que tem como mito fundador o

parricídio, em que relata a união pelo crime, ou seja, o nascimento

do grupo pela recusa de amor do chefe. Também coloca como

interdição fundadora da civilização a proibição do incesto.

2) Psicologia de grupo e análise do ego (1921) – explica a psicologia

dos grupos com base em alterações na psicologia individual, e

estabelece a importância da formação do ideal do ego na

construção do psiquismo e, portanto, a importância do líder na

formação de um grupo; aqui analisa a união pelo amor, ou seja,

78

concebe o nascimento do grupo a partir de um ato de amor do

chefe e coloca a identificação como ponto fundamental do vínculo

emocional, por conseguinte, do vínculo social. É a identificação

integrada à formação do ideal do ego que articula o funcionamento

dos indivíduos nos grupos e das instituições.

3) O mal-estar na civilização (1930) – aponta para a semelhança entre

os processos civilizatórios e o desenvolvimento libidinal do

indivíduo, faz uma analogia entre os processos de desenvolvimento

da civilização e do desenvolvimento individual, e conclui que a

relação do sujeito com a civilização é marcada por um mal-estar

incontornável.

Em outras palavras, nesses artigos, Freud mostra que o sujeito humano não

é dado a priori, mas constituído na articulação com a sociedade. Contribui para a

elucidação de processos e mecanismos na constituição dos laços sociais,

propondo, portanto, uma teoria da cultura74.

Dessa maneira, Freud marca processos subjetivos que devem ser

desenvolvidos para que seja mantida a organização social e individual

(organização simbólica). Esses processos dizem respeito à construção da

identificação e dos ideais, seja do indivíduo (ideal do ego) seja do grupo (ideais

culturais). Veremos como os ideais orientam os laços sociais sustentados pelo

desejo e pelas identificações.

2.2. A emergência da civilização: a gênese das instituições.

Em Totem e tabu (1913), Freud deixa-nos a mensagem de que a

humanidade teria nascido de um crime, cometido em conjunto, e do qual ela

jamais se libertaria. Partindo da horda primeva de Darwin – em que a sociedade

humana era uma horda governada despoticamente por um macho todo-poderoso –

e a celebração da refeição totêmica, Freud cria o mito originário da humanidade,

o advento do social:

74 Freud não diferencia os termos cultura e civilização. Para ambos utiliza o vocábulo Kultur. Além disso, refere-se à cultura ocidental.

79

constituída a partir do conflito pulsional, ou seja, do conflito entre pulsões de vida

e de morte.

Dessa forma:

O pai morto tornou-se mais forte que o fora vivo (...) o que até então fora interdito por sua existência real foi doravante proibido pelos próprios filhos (...) anularam o próprio ato proibindo a morte do totem, o substituto do pai; e renunciaram aos seus frutos abrindo mão da reivindicação às mulheres que agora tinham sido libertadas. Criaram assim o sentimento de culpa filial, os dois tabus fundamentais do totemismo que, por essa própria razão, corresponderam inevitavelmente, aos dois desejos reprimidos do complexo de Édipo. (Freud, 1913/1980, p.172; os grifos são meus).

O pai não existe enquanto pai real, mas apenas realmente morto ou

simbolicamente. O pai apenas existe como ser mítico. Enquanto ser real

(concreto), encarnado, ele provoca horror e medo; transforma-se em chefe

onipotente que transcende os filhos. Estes eram excluídos da palavra e da

sexualidade, enquanto o pai real gozava de todo o poder e do desfrute de todas as

mulheres. Portanto, nessa época, não havia razão para conflito entre os irmãos.

Entretanto, consumada a morte do pai, surge a rivalidade entre eles: quem vai

assumir o lugar do pai? Quem gozará o desfrute de todas as mulheres? Quem

assumirá esse poder transcendente?

Com a morte do pai os irmãos sentem-se culpados e ameaçados, pois surge

a possibilidade de que cada um seja esmagado por todos os outros. Assim, para

evitar uma guerra entre eles ou o extermínio, os irmãos organizam-se e criam um

modo de barrar esse gozo ilimitado: restauram a autoridade simbólica do pai sob a

forma da proibição do incesto. A partir de agora cada filho tem direito a todas as

mulheres menos à mulher do pai. “O pai morto tornou-se mais forte que o fora

vivo”. Temos aqui o reconhecimento ou a instauração da função paterna e sem

essa referência, segundo Freud, nenhuma cultura é concebível. O pai real deu

lugar ao pai simbólico.

Desse modo, os filhos, que antes eram uma massa indiferenciada, após a

morte do pai, a instauração da Lei paterna e da interdição do incesto, tornam-se

irmãos sujeitos à diferença e ao conflito. Em outras palavras, a alteridade é

reconhecida e a sexualidade repartida entre todos. Além disso, a linguagem

fortifica o vínculo erótico porque, depois do ato, os irmãos estão condenados a

81

falar uns com os outros eternamente. A Lei, que cobra de cada membro do grupo a

nova ordem social, não foi imposta pela força de Um, mas pela união dos irmãos,

ou seja, pelo coletivo.

Os dois grandes crimes da humanidade, o parricídio e o incesto – fonte do

sentimento de culpa da humanidade – são transformados nos dois tabus do

totemismo e correspondem aos dois desejos do complexo de Édipo. Temos aqui

dois pontos importantes no pensamento freudiano: primeiro, que a ontogênese

repete a filogênese, e, segundo, que há uma herança da culpa.

O parricídio cria a cultura, nos introduz no mundo da culpabilização, da

renúncia, institui a função paterna na origem da humanidade e implica a

necessidade de uma referência externa a essa Lei, que se manifestará na

“organização social, nas restrições morais e na religião”, portanto, na necessidade

de instituições sociais. Não há sociedade sem um sistema de repressão coletivo,

sem um sistema de parentesco, de regras de aliança e filiação.

Enfim, Freud está nos dizendo da importância do surgimento de uma

instância interditora75 que visa a impedir a satisfação imediata da pulsão e ao

mesmo tempo permitir a ligação durável e inevitável do desejo e da Lei tanto no

indivíduo quanto no coletivo. A instauração da função paterna implica numa

instância simbólica mediadora do desejo, na medida em que somente após a morte

do pai, após a instituição da Lei paterna, os filhos passam de uma massa submissa

a sujeitos desejantes. Portanto, a função paterna é que garantirá as identificações

e, por conseguinte, o corpo-próprio e o mundo subjetivo simbolicamente

organizado. Nesse sentido, a função paterna também é mediadora das relações

entre as pessoas e da cultura. Isso quer dizer que o pai simbólico é representante

da Lei, é uma metáfora, é o lugar da Lei simbólica. Significa o pacto instituído

pelos irmãos agora livres e desamparados. A Lei simbólica é a que protege os

irmãos para que não se destruam mutuamente, entregues que estão à violência

pulsional.

Sob esse prisma, o Édipo76 é uma questão colocada tanto no

desenvolvimento individual quanto no do corpo social. É o que transforma a

criança de um pequeno selvagem num pequeno socializado. É uma questão

75 Veremos mais adiante que se trata aqui do ideal do ego e do superego derivados da função paterna. 76 Vide p. 48-50.

82

decisiva para alcançar o estado de cultura, ou seja, para viver relações

estabilizadas e simbolizadas77. A expressão pulsional direta é incompatível com a

criação e perpetuação da sociedade. Em 1930, Freud dirá claramente que, para

viver em sociedade, o sujeito humano é obrigado a uma renúncia pulsional.

Marcamos alguns pontos importantes para nosso estudo no mito de Totem

e tabu: primeiro, Freud deixa-nos a mensagem da importância da dimensão ética

numa sociedade. Segundo, o pai real da horda oferecia uma proteção capaz de

fazer da filiação um destino; entretanto, com o assassinato do pai, ocorre a

passagem da condição de filho para a condição de irmão, ou seja, da condição de

submissão absoluta para a condição de sujeito humano (ou de cidadão ou de seres

desejantes) e isso não se dá sem o luto pelo amparo que o pai tirano oferecia.

Depois do assassinato do pai, os irmãos estão livres e desamparados.

Retomemos a afirmação de Freud (1927), no capítulo anterior, de que a

impressão terrificante do desamparo infantil despertou na criança a necessidade de

proteção através do amor. Na função de proteção, a mãe é logo substituída pelo

pai mais forte. Ou seja, o reconhecimento de que esse desamparo perdura através

da vida (condição de desamparo) tornou necessário o aferramento à existência

ilusória de um pai todo-poderoso que dê garantias à estabilidade do mundo, de um

ideal protetor de todos os perigos possíveis e inimagináveis.

A atitude da criança para com o pai é matizada por uma ambivalência peculiar. O próprio pai constitui um perigo para a criança, talvez por causa do relacionamento anterior dela com a mãe. Assim, ela o teme tanto quanto anseia por ele e o admira. (...) Quando o indivíduo em crescimento descobre que está destinado a permanecer uma criança para sempre, que nunca poderá passar sem proteção contra estranhos poderes superiores, empresta a esses poderes as características pertencentes à figura do pai; cria para si próprio os deuses a quem teme, a quem procura propiciar e a quem, não obstante, confia sua própria proteção. Assim, seu anseio por um pai, constitui um motivo idêntico à sua necessidade de proteção contra as conseqüências de sua debilidade humana. (Freud, 1927/1980, p.36; os grifos são meus).

Dessa maneira, para Freud (1927), a ilusão de que há uma “Providência

divina” que nos governa com amor, diminui nossos medos em relação aos

77 Vide p.52. Os perigos assinalados no Édipo apontam para o abandono do sujeito a um estado de total desamparo.

83

“perigos da vida”. Os conflitos da infância, que surgem do complexo paterno e

que nunca foram superados inteiramente, “são dela retirados e levados a uma

solução universalmente aceita”, o que constitui para o psiquismo individual a

experiência de um alívio enorme. Contudo, “todas essas coisas são ilusões”.

Ilusão no sentido de que “uma realização de desejo constitui fator proeminente em

sua motivação e, assim procedendo, há o desprezo de suas relações com a

realidade”. Um exemplo é que “o estabelecimento de uma ordem moral mundial

assegura a realização das exigências de justiça, que com tanta freqüência

permaneceram irrealizadas na civilização humana”. (1980, p.43-4). Ou seja, é a

defesa contra o desamparo infantil o modelo para a reação do adulto ao desamparo

que ele deve reconhecer.

Em outras palavras, em Totem e tabu (1913), a figura do pai não protege

mais seus filhos. É esse tema que Freud retomará em O mal-estar na civilização

(1930), o pai falhou e já não é mais uma figura protetora e por isso todo sujeito

humano está exposto à possibilidade da morte e do trauma (condição de

desamparo). Constitui-se então, um dos maiores problemas da humanidade para o

sujeito: não poder contar mais com a figura do pai idealizado e protetor, o Deus

todo-poderoso. Essa é a difícil condição do homem moderno, para Freud78.

Veremos, posteriormente79, como todo desejo no limite é um desejo de servir ao

poder (submissão total) como forma de se proteger do desamparo: é o traço

masoquista fundamental.

Enfim, em Totem e tabu (1913), Freud trabalha a gênese da civilização, do

social. Entretanto, já anuncia os elementos fundamentais na constituição de um

grupo: a identificação e o vínculo afetivo relacionados tanto ao ideal (pai/líder)

quanto aos membros do grupo (irmãos unidos). Esses elementos serão

desenvolvidos nos próximos tópicos.

2.3. Os mecanismos de funcionamento da civilização: a vida das

instituições.

78 Trabalharemos esse tema no capítulo três. 79 Capítulo três.

84

Em Psicologia de grupo e análise do ego (1921), Freud trata dos

elementos fundamentais para o funcionamento dos grupos: a identificação, o ideal

do ego e o vínculo afetivo80.

No início do referido artigo, Freud aponta, claramente, que a psicologia

individual é ao mesmo tempo psicologia social, o que nos indica sua recusa na

divisão indivíduo-sociedade:

Algo mais está invariavelmente envolvido na vida mental do indivíduo, como um modelo, um objeto, um auxiliar, um oponente, de maneira que, desde o começo, a psicologia individual, nesse sentido ampliado, mas inteiramente justificável das palavras, é, ao mesmo tempo, também psicologia social. As relações de um indivíduo com os pais, com os irmãos e irmãs, com o objeto de seu amor e com seu médico, na realidade, todas as relações que até o presente constituíram o principal tema da pesquisa psicanalítica, podem reivindicar serem consideradas como fenômenos sociais e, com respeito a isso, podem ser postas em contraste com certos outros processos, por nós descritos como ‘narcisistas’, nos quais a satisfação das pulsões é parcial ou totalmente retirada da influência de outras pessoas. (1980, p.91-2; os grifos são meus).

Dessa passagem, podemos destacar alguns pontos importantes. Primeiro,

que a história individual, isto é, os elementos que levaram o sujeito a adotar

determinado modo de funcionamento psíquico, que refletem a história de suas

identificações, só tem sentido se inserida num contexto social.

O “algo mais” que está envolvido na vida mental do indivíduo é um outro.

Desse modo, ao admitir que é preciso um outro, um outro tecido de relações

sociais, na formação do sujeito humano – portanto, das posições identificatórias e

dos conflitos que elas acarretam – podemos afirmar que para Freud nenhuma

conduta humana é, definitivamente, fixa.

Outro ponto importante refere-se ao fato de que, se “as relações de que

tratamos na pesquisa analítica podem ser consideradas como fenômenos sociais”,

nossos comportamentos, sofrimentos, sintomas, etc, podem ser considerados

como uma resposta às solicitações do ambiente, ou seja, da família, da sociedade.

Sob esse prisma, não há como negar que uma sociedade desenvolve processos

80 Reservamos o próximo tópico (2.4.) para melhor compreender como se articulam esses elementos e o narcisismo, tendo em vista que os temas da identificação e do ideal são importantes para nosso estudo.

85

sociais e individuais, que a vida social exige que o indivíduo se modifique e,

conseqüentemente, por que não pensar em (psico)patologias específicas de uma

época da civilização? Específicas de um modo de relacionamento dos sujeitos

num grupo? Ou como resposta às exigências desse grupo?

E ainda, as relações do indivíduo, consideradas como fenômenos sociais,

podem ser “postas em contraste com processos narcisistas”, indica que Freud

coloca o narcisismo como outro fator importante na formação dos grupos. Nesse

artigo, Freud mostra como o narcisismo deve ser remodulado na construção dos

laços sociais. É isso que permitirá a entrada do sujeito no grupo, entrada essa que

o modifica, como já enunciamos, principalmente, na dimensão dos ideais, como

veremos no próximo tópico.

Outro ponto importante do trecho citado que estamos analisando, refere-se

a que o outro está envolvido na vida psíquica do sujeito humano como “um

modelo, um objeto, um auxiliar e um oponente”. Antes de qualquer ponto, Freud

indica aqui a noção de alteridade, ou seja, as modalidades específicas com que

entramos em contato com um outro ser, aceitando vê-lo em sua singularidade.

Ao colocar o outro como “modelo”, Freud trata do outro como referência

ao devir humano. Trata-se da problemática identificatória centrada na aceitação da

lei simbólica. Freud (1921) considera a identificação “como a mais remota

expressão de um laço emocional com outra pessoa.” (1980, p.133). Ela

desempenha papel importantíssimo na formação do complexo de Édipo, e este,

segundo Freud, não é somente estrutural do indivíduo81, mas também da

humanidade82. Assim como a formação do sujeito, as formações sociais só podem

ser compreendidas se forem associadas ao componente identificação.

O outro enquanto “objeto”, implica na questão da relação, do vínculo, da

ligação libidinal, incluindo o caráter ambivalente dessa relação (amor e ódio,

aproximação e distanciamento, etc). É nesse movimento que podemos ancorar no

outro nossa satisfação pulsional, a satisfação de nossas fantasias, medos e que nos

vinculamos a ele para nos definir e nos transformar. Dessa maneira, o indivíduo,

ao se enlaçar nos grupos sociais, transforma-se. Para Freud (1921), “a essência de

um grupo reside nos laços libidinais que nele existem”. (1980, p.122).

81 Vide p.52. 82 Vide p.69.

86

O outro como “um auxiliar e um oponente” representa as relações de

solidariedade e de hostilidade.

De qualquer forma, o outro só existe se ele existe para nós, portanto, se

dispensamos a ele alguma forma de ligação (identificação, amor, ódio,

solidariedade, hostilidade, etc). É necessário, portanto, um vínculo afetivo sem o

qual o outro é um ser indiferente. O chefe da horda primitiva não podia ser vivido

como outro, pois só depois de morto ele é transformado em pai (simbólico).

Assim, a psicologia social trabalha com as formas de alteridade devendo criar um

lugar essencial para os investimentos libidinais (ou afetivos) sem os quais um

grupo organizado não pode existir. Um ser humano só existe para nós quando o

investimos afetivamente.

Se “desde o começo” o outro está implicado na constituição do indivíduo,

é pelo fato de o outro nos amar, nos desejar, que podemos existir como sujeitos

humanos. Nosso psiquismo se constitui por meio do investimento afetivo de um

outro, e esse outro, inicialmente, refere-se aos nossos pais (ou aqueles que cuidam

e ocupam esse lugar). Nesse sentido, é o vínculo libidinal que permite a

construção dos seres, portanto, o vínculo libidinal é originário seja do indivíduo

seja do grupo. Enquanto existia a horda, esta não era um grupo. Somente após o

assassinato do chefe que o mesmo vira pai, constitui-se num outro, ou seja, em

objeto de amor e ódio, permitindo o reconhecimento mútuo (dos irmãos) e a

criação do outro de forma geral (alteridade).

Destacamos aqui a primeira característica essencial que Freud assinala

para que exista um grupo: o vínculo afetivo, o poder de união da pulsão de vida.

... [trabalhamos] com a suposição de que as relações amorosas (ou... os laços emocionais) constituem também a essência da mente grupal. (...) um grupo é claramente mantido unido por um poder de alguma espécie; e a que poder poderia essa façanha ser mais bem atribuída do que a Eros, que mantém unido tudo o que existe no mundo? (1921/1980, p.117).

Nessa medida, é o amor que permite que um grupo exista e permaneça

unido por seus laços emocionais, por seus vínculos afetivos, que, para Freud

(1921), referem-se ao vínculo com o líder (pai/ideal) e com os semelhantes. Mas o

amor pelo líder, diz ele, “é realmente indispensável à essência de um grupo (...) o

87

laço com o líder parece ser um fator mais dominante do que o outro, que é

mantido entre os membros do grupo.” (1980, p.127).

Entretanto, para Freud (1921), esse líder, indispensável na formação e

manutenção de um grupo, é erigido em figura ideal. Analisando a Igreja e o

exército como grupos artificiais, o autor aponta para a necessidade de que haja um

ideal protetor ilusório. Diz ele que, em ambos os grupos, “prevalece a mesma

ilusão de que há um cabeça (...) que ama a todos os indivíduos do grupo com um

amor igual. Tudo depende dessa ilusão.” (1980, p.120). O ideal protetor ilusório é

aquele que garante a estabilidade de tudo, do mundo, que protege o sujeito de

todos os perigos. E sabemos que esses perigos se referem, em última instância, ao

inundamento pulsional no psiquismo: à angústia automática, à instalação da

situação traumática, da situação de desamparo. O perigo é o de perder o amor do

objeto, o perigo é o desabamento de todo o mundo simbolicamente organizado.

Em outras palavras: o retorno para o desamparo (Hilflosigkeit) original.

É daqui que sai a essência da proposta freudiana na compreensão do

fenômeno do pânico seja na massa seja no indivíduo. Com o propósito de ilustrar

suas conclusões acerca da importância do amor de cada um dos membros do

grupo para com o líder (ideal) e dos laços fraternos entre eles, assim como da

manutenção do grupo, Freud (1921) mostra que

... surge o pânico se um grupo desse tipo [militar] se desintegra. Suas características são de que as ordens dadas pelos superiores não são mais atendidas e a de que cada indivíduo se preocupa apenas consigo próprio, sem qualquer consideração pelos outros. Os laços mútuos deixaram de existir e libera-se um medo gigantesco e insensato (...) pertence à própria essência do pânico não apresentar relação com o perigo que ameaça, e irromper freqüentemente nas ocasiões mais triviais. (...) o fato é que o medo-pânico pressupõe relaxamento na estrutura libidinal do grupo e reage a esse relaxamento de maneira justificável. (1980, p.123; os grifos são meus).

Nesse sentido, o pânico é o resultado do súbito rompimento do laço

amoroso com o líder (ideal), gerando a ruptura do grupo organizado (da vida

psíquica simbolicamente sustentada). Portanto, o líder (o ideal) é o fator

dominante na organização dos grupos, e como psicologia individual é psicologia

social, o ideal também é fator dominante na organização psíquica individual.

88

2.4. A identificação e o ideal do ego.

Em Psicologia de grupo e análise do ego (1921), Freud coloca a

identificação como o mecanismo que incute o líder (o ideal) em cada ser humano,

provocando nele o amor, a veneração e permitindo a passagem do amor ao líder

(ideal) ao amor dos outros. Nesse sentido, demonstra a importância e o poder do

ideal na constituição do indivíduo e dos grupos.

É para discutir a natureza dos laços no grupo que Freud introduzirá o

conceito de identificação, o qual é trabalhado de maneira integrada à formação do

ideal do ego e ao funcionamento dos indivíduos nos grupos e, conseqüentemente,

das instituições.

Vejamos então algumas questões sobre esses conceitos, objetivando um

aporte para, no terceiro capítulo, trabalharmos o pânico na atualidade como uma

maneira encontrada pelo sujeito para se ancorar no contexto da sociedade atual ou

como uma resposta às exigências dos ideais contemporâneos.

Comecemos pelo fato de que é necessário barrar o narcisismo para que se

façam os laços sociais. Diz Freud (1921): “se assim, nos grupos, o amor a si

mesmo narcisista está sujeito a limitações que não atuam fora deles, isso é prova

irresistível de que a essência de uma formação grupal consiste em novos tipos de

laços libidinais entre os membros do grupo.” (1980, p.131). Portanto, como disse

anteriormente, o narcisismo é rearticulado quando os vínculos sociais se

constroem.

A identificação tem valor central na teoria freudiana. É o mecanismo pelo

qual um indivíduo humano se constitui. Ela desempenha papel importante na

formação do complexo de Édipo e nos seus efeitos estruturais, além de contribuir,

a partir da segunda tópica freudiana, na diferenciação em instâncias a partir do id.

A personalidade é formada e diferenciada por uma série de identificações.

Interessa-nos aqui, obviamente, o prisma da identificação que Freud trata

em Psicologia de grupo e análise do ego (1921), ou seja, as formações coletivas

só são compreendidas se associadas ao mecanismo de identificação.

O seguinte trecho de Freud (1921) aponta para a primeira questão da

identificação nos grupos:

89

Estamos cientes de que aquilo com que pudemos contribuir para a explicação da estrutura libidinal dos grupos, reconduz à distinção entre o ego e o ideal do ego e à dupla espécie de vínculo que isso possibilita: a identificação e a colocação do objeto no lugar do ideal do ego. (1980, p.164).

Pensemos um pouco na distinção entre ego e ideal do ego. Em Sobre o

Narcisismo: uma introdução (1914), Freud distingue o ideal do ego do ego como

uma formação autônoma, que serve de referência ao ego e que é fundado com

base no narcisismo:

O narcisismo do indivíduo surge deslocado em direção e esse novo ego ideal83, o qual como o ego infantil84, se acha possuído de toda perfeição de valor (...) O homem não está disposto a renunciar à perfeição narcísica de sua infância (...) procura recuperá-la sob a nova forma de um ideal do ego. O que ele projeta diante de si como sendo seu ideal é o substituto do narcisismo perdido de sua infância na qual ele era o seu próprio ideal. (1980, p.111).

Nesse artigo, Freud (1914) está falando sobre a formação das instâncias

ideais da personalidade (ego ideal e ideal do ego). O ego ideal corresponde “ao

ideal narcísico onipotente forjado a partir do modelo do narcisismo infantil”

(Laplanche, 1986, p.190); enquanto que o ideal do ego é a instância da

personalidade resultante da convergência do narcisismo (idealização do ego) e das

identificações com os pais, com seus substitutos e com os ideais coletivos.”

(Laplanche, 1986, p.289). Essa definição conceitual de Laplanche (1986) é aqui

útil, por dois motivos: primeiro, porque Freud não estabelece uma distinção

conceitual clara entre ego ideal e ideal do ego85; segundo, porque em Freud não é

fácil delimitar a noção de ideal do ego na medida em que a mesma está ligada à

elaboração da noção de superego.

O superego é no conjunto do texto Sobre o Narcisismo: uma introdução

(1914) trabalhado como uma instância psíquica crítica de auto-censura e auto-

observação; interiorizada quando o narcisismo infantil é abandonado pela crítica

exercida dos pais à criança. Coloca Freud (1914): “um agente psíquico especial

que realizasse a tarefa de assegurar a satisfação narcísica proveniente do ideal do

83 Leia-se ideal do ego. 84 Leia-se ego ideal.

90

ego e que com essa finalidade em vista, observasse constantemente o ego real,

medindo-o por aquele ideal”. (1980, p.112). Freud supõe que essa instância crítica

é o que chamamos de “nossa consciência” (que depois desenvolverá como

“consciência moral”): “a instituição da consciência foi, no fundo, uma

personificação, primeiro, da crítica dos pais e, subseqüentemente, da sociedade.”.

(1980, p.113). Aqui está a participação da sociedade na formação dos ideais.

sentimento inconsciente de culpa (...) isto é, a fonte de seu caráter compulsivo86, que se manifesta sob a forma de um imperativo categórico. (1980, p.49).

Tendo em vista que o superego é herdeiro do complexo de Édipo, ele

“constitui também a expressão dos mais poderosos impulsos e das mais

importantes vicissitudes libidinais do id”. (Freud, 1923/1980, p.51). Erigindo o

ideal do ego, o ego não somente dominou o complexo de Édipo como colocou-se

em sujeição ao id. O ego é representante do mundo externo, da realidade. Em

contrapartida, o superego é representante do mundo interno, do id. Nesse sentido,

Freud (1923) esclarece que

... os conflitos entre o ego e o ideal (...) em última análise refletirão o contraste entre o que é real e o que é psíquico, entre o mundo externo e o mundo interno. (...) A tensão entre as exigências da consciência e os desempenhos concretos do ego é experimentada como sentimento de culpa. Os sentimentos sociais repousam em identificações com outras pessoas, na base de possuírem o mesmo ideal do ego. (1980, p.51-2; os grifos são meus).

Dessa maneira, Freud (1923) explica como “os primitivos conflitos do ego

com as catexias objetais do id podem ser continuados em conflitos com (...) o

superego.” (1980, p.53). Para esse autor, quando o ego não domina

adequadamente o complexo de Édipo, as catexias deste, que se originam do id,

mais uma vez irão atuar na formação reativa do ideal do ego. Nesse sentido, o

sentimento inconsciente de culpa é uma formação reativa aos desejos do id.

Falaremos do sentimento de culpa mais à frente.

Em Novas conferências introdutórias sobre psicanálise (1932), Freud

retoma a distinção ideal do ego e superego, atribuindo ao superego “as funções de

auto-observação, de consciência (moral) e de manter o ideal”. (1980, p.86). O

superego é

... o veículo do ideal do ego, pelo qual o ego se avalia, que o estimula e cuja exigência por uma perfeição sempre maior ele se esforça por cumprir. Não há dúvida de que esse ideal do ego é o precipitado da antiga imagem dos pais, a expressão de

86 Trabalharemos mais adiante essa questão do caráter compulsivo e imperativo do superego que diz respeito a sua ligação com a pulsão de morte (vide p.102).

92

admiração pela perfeição que a criança então lhes atribuía. (1980, p.84).

Aqui o ideal do ego aparece como uma das funções do superego. Diz

respeito à influência da antiga representação parental. A distinção entre superego

(uma instância) e ideal do ego (uma função ligada à influência parental) também

aparece no artigo Esboço de Psicanálise (1938),

... o longo período da infância, em que a criança é dependente dos pais, deixa um precipitado no ego, um agente especial no qual se prolonga a influência parental. Ele [o agente especial] recebeu o nome de superego. (...) Essa influência parental inclui em sua operação não somente a personalidade dos próprios pais, mas também a família, as tradições raciais e nacionais por eles transmitidas, bem como as tradições do milieu social imediato que representam. Da mesma maneira, o superego, ao longo do desenvolvimento de um indivíduo, recebe contribuições de sucessores e substitutos posteriores aos pais, tais como professores e modelos, na vida pública, de ideais sociais admirados. (1980, p.171; os grifos são meus).

Nas Novas conferências introdutórias sobre psicanálise (1932), Freud diz,

claramente, que o “superego de uma criança é, com efeito, construído segundo o

modelo não de seus pais, mas do superego de seus pais” (1980, p.87), portanto,

identificação com as instâncias parentais e não com pessoas; além disso, os seus

conteúdos são os mesmos, sendo, portanto, veículo da tradição e dos valores

duradouros que dessa forma se transmitem de geração em geração. Dessa maneira,

“quando levamos em conta o superego, estamos dando um passo importante para

nossa compreensão do comportamento social da humanidade”. (1980, p.87). Em

O mal-estar na civilização (1930), texto anterior a esse, Freud tratará desse tema.

Enfim, interessa-nos marcar que na obra freudiana, a instância do superego

surge em continuidade com o ideal do ego, e que, portanto, há uma íntima ligação

entre os aspectos do ideal e da interdição. Entretanto, é inegável que há uma

nuance entre ideal do ego e superego e que nem sempre o próprio Freud usou a

ambos como sinônimos, tendo em vista que em seus últimos textos apareceu essa

distinção. Esse fato é discutido por comentadores de Freud, como, por exemplo,

Strachey, Laplanche e Pontalis. Justamente porque há uma problemática sem

resposta clara em torno dessa questão, é que optamos em nosso estudo pela

sugestão de Laplanche (1986) de que “se mantivermos, pelo menos como

93

subestrutura particular, o ideal do ego, então o superego surge principalmente

como uma instância que encarna uma lei e proíbe a sua transgressão”. (p.644).

Sobre esse mesmo ponto, Laplanche (1986) sublinha que “Lagache fala de um

sistema superego–ideal do ego, dentro do qual estabelece uma relação estrutural:

‘o superego corresponde à autoridade e o ideal do ego à forma como o indivíduo

se deve comportar para corresponder à expectativa da autoridade”. (p.291).

O fato de apontar o ideal do ego como uma função do superego ou uma

‘subestrutura particular’, portanto, não como sinônimos, é importante para nós

tendo em vista que a motivação básica do pânico é o rompimento das catexias

libidinais direcionadas para o ideal, o que não é o mesmo que dizer que é o

rompimento com o superego. Pelo contrário, no sujeito que sofre de pânico, há

uma grande tensão na relação entre ego e superego. Este é tão cruel e sádico para

com o ego que uma de suas respostas às exigências do superego pode

corresponder à idealização onipotente, ou seja, funcionar no regime do narcisismo

infantil. Em outras palavras, o pânico remete-nos, especificamente, às questões

em torno dos ideais.

Voltemos então à distinção entre ego ideal e ideal do ego. O primeiro

corresponderia à idealização da onipotência do ego, portanto, ao regime do

narcisismo infantil. Enquanto que o segundo estaria vinculado aos problemas da

Lei e da ética, colocando-se diante do ego como seu ideal.

Cabe aqui um aparte a Lacan em relação ao esclarecimento e distinção

conceitual que procuramos estabelecer entre ideal do ego e ego ideal. No

Seminário 1, Os Escritos Técnicos de Freud (1953-1954), o autor sustenta que

Freud, no texto de 1914, ao tratar do ideal do ego e do ego ideal de fato designa

duas funções diferentes.

Freud emprega aí Ich-Ideal (ideal do eu), que é exatamente simétrico e oposto ao Ideal-Ich (eu ideal). É o signo de que Freud designa aqui duas funções diferentes. (...) Um está no plano do imaginário, o outro no plano do simbólico – porque a exigência do Ich-Ideal (ideal do eu) toma seu lugar no conjunto das exigências da lei. (...) A distinção é feita nessa representação entre Ideal-Ich e Ich-Ideal, entre o eu ideal e o ideal do eu. O ideal do eu comanda o jogo de relações de que depende toda relação a outrem. E dessa relação a outrem depende o caráter mais ou menos satisfatório da estruturação imaginária. (...) O Ich-Ideal, ideal do eu, é o outro enquanto falante, o outro enquanto tem comigo uma relação simbólica,

94

sublimada, que no nosso manejo dinâmico é ao mesmo tempo, semelhante e diferente da libido imaginária. A troca simbólica é o que liga os seres humanos entre si, ou seja, a palavra, e que permite identificar o sujeito. O Ich-Ideal (ideal do eu), enquanto falante, pode vir situar-se no mundo dos objetos ao nível do Ideal-Ich (eu ideal), ou seja, ao nível em que se pode produzir essa captação narcísica com que Freud nos martela os ouvidos ao longo desse texto. (1996, p.157,165, 166).

Em Psicologia de grupo e análise do ego (1921), Freud dá continuidade à

mesma idéia de Sobre o Narcisismo: uma Introdução (1914), com relação à

diferenciação entre ego e ideal do ego:

Em ocasiões anteriores, fomos levados à hipótese de que no ego se desenvolve uma instância assim, capaz de isolar-se do resto daquele ego e entrar em conflito com ele. A essa instância chamamos de “ideal do ego” e, a título de funções, atribuímos-lhe a auto-observação, a consciência moral, a censura dos sonhos e a principal influência na repressão. Dissemos que ele é o herdeiro do narcisismo original em que o ego infantil desfrutava de auto-suficiência; gradualmente se reúne, das influências do meio-ambiente, as exigências que este impõe ao ego, das quais este não pode estar sempre à altura; de maneira que um homem, quando não pode estar satisfeito com seu próprio ego, tem, no entanto, possibilidade de encontrar, satisfação no ideal do ego que se diferenciou do ego. (1980, p.138).

O longo processo na transformação do ego ideal em ideal do ego, articula-

se ao próprio complexo de Édipo87, o qual é regulado pela angústia de castração,

como vimos no primeiro capítulo. É importante, portanto, que o ego não se

estabeleça como sendo sua própria origem (ego ideal), que reconheça suas

insuficiências face a um ideal colocado como objetivo a ser atingido (ideal do

ego).

Costa (1991) esclarece-nos esse ponto trabalhando as injunções ideais

nesse mesmo sentido. Ao estabelecer o ideal do ego em oposição ao ego ideal

narcísico, afirma que, para Freud, “o ideal é uma projeção do narcisismo adulto

sobre a criança. (...) o ideal do ego produz efeitos narcísicos (...) porque qualquer

remanejamento na economia do desejo tem sua contrapartida no narcisismo

egóico”. (p.98-9). A questão é explicada da seguinte forma:

87 Vide p.78-9.

95

Quando o sujeito é submetido às injunções ideais, representantes das leis do parentesco, do simbólico ou da linguagem, submete-se a elas, não obstante o narcisismo. A promessa de prazer embutida na obediência à lei da castração não é produzida pelos ideais porque eles são narcísicos. Esta promessa, ou esperança de prazer (...) é criada pelo ego, que, para alterar-se, vê-se no futuro como um ego-ideal (...) toda injunção dos ideais só pode ser eficiente quando permite a realização na fantasia do ego-ideal (...) o ideal é alguma coisa que nunca se realizou e assinala a existência de uma falta no sujeito; o ego-ideal é algo que está sempre realizado e que assinala a fantasia de completude, a qual o ego aspira. Ambas têm uma dimensão imaginária, mas nem todo imaginário é narcísico. (Costa, 1991, p.99; os grifos são meus).

Outra forma de nos referirmos aos termos metapsicológicos ego ideal e

ideal do ego é a oposição entre o amor de si e o amor do outro, assim como a

oposição entre processos psíquicos narcisistas e alteritários, ou seja, que envolve o

reconhecimento de um outro em sua singularidade.

Destacamos uma passagem de Birman (1997) que sintetiza a questão da

subjetividade e da alteridade em relação ao ego ideal e a diferenciação do ideal do

ego e superego:

... duas modalidades conflitantes de subjetividade: uma que se acredita autocentrada (eu ideal) e outra que se representa descentrada (ideal do eu), pois orientada pela alteridade. Posteriormente, o discurso freudiano delineou uma outra instância de alteridade do sujeito e que acentuava mais ainda o seu descentramento: o supereu. O que evidencia esse conjunto de figuras do sujeito não é apenas a multiplicidade e diversidade de sujeitos no interior do indivíduo, mas também a ênfase de que a produção do sujeito se realiza pelo outro, mesmo que exista o autocentramento do eu como um de seus efeitos e cristalização no psiquismo. Essa concepção alteritária da origem do eu... está na origem do conceito de identificação. É justamente porque o sujeito se constitui no e pelo outro que o seu ser é a marca indelével que o outro traça no seu corpo nas experiências de satisfação. (p.32).

Assim, essa ação em que um ego (ego ideal) se assemelha a outro ego

(ideal do ego) chama-se identificação. Em Psicologia de grupo e análise do ego

(1921), Freud define as diferentes modalidades de identificação:

1) Como forma originária de um laço afetivo com o objeto. Como

dissemos, é “a mais remota expressão de um laço emocional com

outra pessoa”. (1980, p.133);

96

2) Como substituto regressivo de uma escolha de objeto abandonada:

“de maneira regressiva, ela se torna sucedâneo para uma

vinculação de objeto libidinal, por assim dizer, por meio da

introjeção do objeto no ego”. (p.136). Assim, a identificação

aparece no lugar da escolha de objeto e a escolha de objeto regride

para identificação. (p.135). A identificação regressiva é discernível

no sintoma histérico em que a formação do sintoma se constitui

pela imitação do sintoma da pessoa amada, como é o caso de Dora,

por exemplo, que imita a tosse do pai.

3) Como forma de identificação por meio do sintoma – o “mecanismo

é o da identificação baseada na possibilidade ou desejo de colocar-

se na mesma situação” (p.135) da pessoa que está sendo copiada.

Aqui, portanto, não há qualquer investimento sexual do outro.

“Pode surgir como qualquer nova percepção de uma qualidade

comum partilhada com alguma outra pessoa que não é objeto da

pulsão sexual”. (p.136). Essa forma de identificação é construída

sobre um ponto de coincidência entre dois egos e esse ponto deve

ser mantido recalcado.

Sobre o mecanismo da identificação por meio do sintoma, Freud (1921)

esclarece que “um determinado ego percebeu uma analogia significante com outro

sobre certo ponto. (...) Uma identificação é logo após construída sobre esse ponto

e, sob a influência da situação patogênica, deslocada para o sintoma que o

primeiro ego produziu.” (1980, p.136).

À identificação por meio do sintoma, Freud (1921) acrescenta que quanto

mais importante for essa qualidade comum partilhada, “mais bem sucedida pode

tornar-se essa identificação parcial88, podendo representar assim o início de um

novo laço”. (1980,p.136). E Freud continua, dizendo que “o laço mútuo entre os

membros do grupo é da natureza de uma identificação desse tipo, baseada numa

importante qualidade emocional comum” e que essa “qualidade comum reside na

natureza do laço com o líder”. (p.136). Nesse sentido, esse tipo de identificação

fornece referenciais para as identificações imaginárias entre os membros do

88 Vide p.71, final da citação de Freud (1921), a respeito dos processos descritos como‘narcisistas’, “nos quais a satisfação das pulsões é parcial ou totalmente retirada da influência de outras pessoas”.

97

grupo, assim como reforço narcísico para cada um deles e para o grupo. Sob esse

prisma a construção dos laços sociais é um efeito da problemática do indivíduo

em relação aos ideais e às identificações, em relação à alteridade.

Aqui cabe um aparte para Birman (1997) a respeito da idéia de que Freud

não opõe individualidade e sociedade, mas que essa “oposição efetiva se daria

entre processos narcísicos e intersubjetivos”.

Vale dizer, a oposição no campo do sujeito se daria entre interioridade e exterioridade, entre o sujeito regulado pelo eu ideal e o sujeito figurado como ideal do eu e supereu. Seria esse contraponto que marcaria os destinos do sujeito entre os pólos do dentro e do fora, entre a interioridade e a exterioridade, indicando a dialética fundamental de produção e reprodução do sujeito entre as pulsões e o outro. Enfim, o sujeito não seria a causa de si mesmo, pois o dentro se constitui pelo fora, a interioridade pela exterioridade. (p.32-3).

É através da hipnose e da paixão amorosa que Freud explica a relação do

líder com o grupo pela oposição do mecanismo de identificação ao de

substituição: colocar o objeto no lugar de uma instância. O líder do grupo toma o

lugar do ideal do ego de seus membros.

Há uma identificação quando o objeto é integrado ao ego. A identificação,

portanto, implica uma modificação ou alteração do ego. Já na substituição, o

objeto é posto no lugar do que constitui o ideal do ego, portanto, implica uma

conservação do objeto.

O desenvolvimento do ideal do ego envolve um processo de idealização.

Coloca Freud (1914): “a idealização é um processo que diz respeito ao objeto; por

ela, esse objeto, sem qualquer alteração em sua natureza, é engrandecido e

exaltado na mente do indivíduo. A idealização é possível tanto na esfera da libido

do ego quanto na da libido objetal.” (1980, p.111).

Dessa maneira, na fascinação e sujeição próprias ao estado amoroso

apaixonado, assim como ao estado hipnótico, subjaz um superinvestimento do

objeto à custa do ego. Portanto, é preciso distinguir a relação amorosa em que o

amor é partilhado e a relação amorosa em que há o fascínio amoroso. Na primeira,

os sujeitos se encontram. Na segunda, um objeto idealizado é colocado no lugar

do ideal do ego. Diz Freud (1921):

No caso da identificação, o objeto foi perdido ou abandonado; assim ele é novamente erigido dentro do ego e este efetua uma

98

alteração parcial em si próprio, segundo o modelo do objeto perdido. No outro caso, o objeto é mantido e dá-se uma hipercatexia dele pelo ego e à expensas do ego (...) outra alternativa abrange a essência real da questão, ou seja, se o objeto é colocado no lugar do ego ou do ideal do ego. (1980, p.144).

Lembremos da importância da renúncia ao objeto perdido que trabalhamos

no capítulo anterior89. No pânico, o objeto idealizado de amor não foi dado como,

perdido, verdadeiramente, na medida em que foi colocado no lugar do ideal do

ego. Voltaremos a esse tema mais adiante.

Assim, Freud mostra que a relação hipnótica isola um elemento importante

na complicada textura do grupo: a relação do indivíduo com o líder. Ambas as

relações não diferem em sua estrutura libidinal.

Como dissemos anteriormente, aqui está a primeira questão da

identificação nos grupos: sua estrutura libidinal “reconduz à distinção entre ego e

o ideal do ego e à dúplice espécie de vínculo que isso possibilita: a identificação e

a colocação do objeto no lugar do ideal do ego”.

Diz Freud (1921):

Podemos fornecer a fórmula para a construção libidinal dos grupos (...) aqueles grupos que têm um líder e não puderam, mediante uma “organização” demasiada, adquirir secundariamente as características de um indivíduo. Um grupo primário desse tipo é um certo número de indivíduos que colocaram um só e mesmo objeto no lugar de seu ideal de ego e, conseqüentemente, se identificaram uns com os outros em seu ego. (1980, p.147).

Essa mesma relação de um todo-poderoso e um dominado (hipnotizador e

hipnotizado; sádico-masoquista) é evocada por Freud em Totem e tabu (1913), no

sentimento de culpa e na divinização do pai morto enquanto conseqüências

inevitáveis do parricídio. No pai da horda, o pai morto é idealizado como um

objeto de amor único e introduzido como ideal de ego. Os irmãos unidos, agora,

renunciam aos privilégios e às atitudes hostis, o que acaba por promover a

identificação entre eles e a conseqüência do afeto positivo entre os membros do

grupo90. O pai passa a representar o ideal comum de todos, o que leva a uma

89 Vide p.50. 90 Lembremos que a culpa se origina no retorno do amor sob a forma de remorso (vide p.67).

99

identificação entre os egos dos indivíduos do grupo, pois é impossível ter o pai

somente para si mesmo e obter seu amor exclusivo. Identificação entre iguais

numa situação de igualdade. Em outras palavras, a identificação no grupo, que

deriva do amor pelo chefe idealizado, pode conduzir a condutas simples,

programáveis e manipuláveis.

Aqui está outro problema da identificação nos grupos: o grupo é moldado

segundo um grupo primário. “Assim, o grupo nos aparece como uma

revivescência da horda primeva. (...) As características misteriosas e coercivas das

formações grupais (...) podem assim, ser remontadas à sua origem na horda

primeva. O líder do grupo ainda é o temido pai (...) o pai primevo é o ideal do

grupo, que dirige o ego no lugar do ideal do ego”. (Freud, 1921/1980, p.156 e

161).

Para Freud (1921), em última instância, o ciúme e a intolerância do pai

primevo, “tornaram-se as causas da psicologia de grupo”. (1980, p.157).

Abre-se aqui mais uma questão a respeito da identificação nos grupos.

Afirma Freud (1921):

Cada indivíduo é uma parte componente de numerosos grupos, acha-se ligado por vínculos de identificação em muitos sentidos e construiu seu ideal do ego segundo os modelos mais variados. Cada indivíduo, portanto, partilha de numerosas mentes grupais – as de sua raça, classe, credo, nacionalidade etc. – podendo também elevar-se sobre elas na medida em que possui um fragmento de independência e originalidade. (...) é exatamente nesses ruidosos grupos efêmeros, superpostos uns aos outros, por assim dizer, que encontramos o prodígio do desaparecimento completo, embora apenas temporário, exatamente daquilo que identificamos como aquisições individuais. (1980, p.163).

O indivíduo ressurge no grupo exatamente porque pertence a diversos

grupos e por suas múltiplas identificações. Entretanto, pode perder suas aquisições

singulares quando “abandona seu ideal do ego e o substitui pelo ideal do grupo,

tal como é corporificado na figura do líder (...) Em muitos indivíduos, a separação

entre o ego e o ideal do ego não se acha muito avançada e os dois ainda coincidem

facilmente; o ego amiúde preservou sua primitiva auto-complacência narcisista”.

(1980, p.163).

100

Recordemos que para Freud (1914), “o desenvolvimento do ego consiste

num afastamento do narcisismo primário e dá margem a uma vigorosa tentativa de

recuperação desse estado”. (1980, p.117). Desse modo, o desenvolvimento do

sujeito humano constitui-se no distanciamento do narcisismo primário e nas

tentativas de recuperar essa satisfação narcísica “perdida” através dos

investimentos nos objetos e na tentativa de identificação aos ideais (ou ideal do

ego). Entretanto, concomitantemente, o ego tem uma tendência a voltar para o ego

ideal, para o estado de total onipotência, ou seja, para o regime do narcisismo

primário e do desamparo original (Hilflosigkeit).

Vejamos a seguinte passagem de Freud (1914):

O ideal do ego desvenda um importante panorama para a compreensão da psicologia de grupo. Além de seu aspecto individual, esse ideal tem seu aspecto social; constitui também o ideal comum de uma família, uma classe ou uma nação. Ele vincula não somente a libido narcisista de uma pessoa, mas também uma quantidade considerável de sua libido homossexual, que dessa forma retorna ao ego. A falta de satisfação que brota da não realização desse ideal libera a libido homossexual sendo esta transformada em sentimento de culpa (angústia social). Originalmente esse sentimento de culpa era o temor de punição pelos pais ou, mais corretamente, o medo de perder o seu amor; mais tarde, os pais são substituídos por um número indefinido de pessoas. (1980, p.119; os grifos são meus).

Aqui se abrem duas questões básicas para nós. A primeira, que Freud

complementará em Psicologia de grupo e análise do ego (1921), refere-se à idéia

de que a formação coletiva nasce de uma ilusão produzida pela relação (como a

hipnose) entre o indivíduo e seu ideal (líder), funcionando como uma neurose

coletiva. O processo de civilização solicita que cada indivíduo se desvie de seus

objetivos sexuais diretos – o que pode gerar de cada um uma uniformidade de

comportamento –, o ego é obrigado a se curvar perante os ideais da civilização.

Em outras palavras, o ideal do ego da cultura cria “sistemas de ilusões

coletivas”, em que são construídos, instituídos e veiculados valores e significações

que dão forma às representações do mundo, dos egos e das relações entre eles

criando nos indivíduos uma realidade concebida como “natural” e que orientam

suas normas de conduta.

101

A segunda questão, que Freud trabalhará detalhadamente em O ego e o id

(1923), refere-se à “atitude do ideal do ego que determina a gravidade de uma

doença neurótica”. (1980, p.66).

Os indivíduos são levados então, a experimentar, cada vez mais, tensões

intoleráveis entre o ego e o ideal do ego que se expressam sob a forma de

sentimento de culpa; e esse sentimento de culpa, o medo de perder o amor dos

pais, marcará para sempre a relação do sujeito com o outro, com a sociedade

como angústia social91.

A respeito da neurose, Freud (1921) diz que “seus sintomas devem ser

remetidos a impulsos diretamente sexuais que são recalcados, mas permanecem

ainda ativos”, ou seja, são impulsos que foram inibidos em seus objetivos, mas

cuja inibição não foi, inteiramente, bem sucedida, permitindo o retorno do

objetivo sexual recalcado. E acrescenta:

Está de acordo com isso que uma neurose torne associal a sua vítima ou a afaste das formações habituais de grupo. Pode-se dizer que uma neurose tem sobre o grupo o mesmo efeito desintegrador que o estado de estar amando. Por outro lado, parece que onde foi dado um poderoso ímpeto à formação de grupo, as neuroses podem diminuir ou, pelo menos, temporariamente, desaparecer.(...) Tudo isso se correlaciona com o contraste entre os impulsos diretamente sexuais e os inibidos em seus objetivos. Se é abandonado a si próprio, um neurótico é obrigado a substituir por suas próprias formações de sintoma as grandes formações de grupo de que se acha excluído. Ele cria seu próprio mundo de imaginação, sua própria religião, seu próprio sistema de delírios, recapitulando assim as instituições da humanidade de uma maneira distorcida, que constitui prova evidente do papel dominante desempenhado pelos impulsos diretamente sexuais. (1980, p.177-8; os grifos são meus).

Ou seja, para Freud, as neuroses apresentam, por um lado, pontos de

concordância com as instituições sociais, a religião, a arte, etc, mas, por outro

lado, parecem distorções delas. A divergência está no fato de as neuroses serem

estruturas associais: os neuróticos “esforçam-se por conseguir, por meios

91 A teorização freudiana a respeito da angústia social, refere-se às tensões entre o ego e o ideal, expressas sob a forma de sentimento de culpa. Entretanto, essa teorização foi se modificando ao longo do tempo. Em 1914 (vide citação p.88), a explicação de Freud, sobre a angústia social, era pelo excesso da pulsão homossexual como resultado do confronto entre o ego e o ideal. Em 1926 (vide citação da p.52), a angústia social ganha o teor do perigo de perder o amor do ideal.

102

particulares, o que na sociedade se efetua através do esforço coletivo”.

(1913/1980, p.95). Quando o neurótico cria seu próprio mundo de fantasias, muito

mais agradável do que o mundo real, ele está se distanciando da sociedade

humana e de suas instituições coletivamente criadas, e, nesse sentido, as

formações de sintomas são, em última instância, uma maneira que o sujeito

encontra de se organizar dentro de um grupo. Podemos dizer que a organização

social é uma nova versão da Lei paterna.

Em outras palavras, a sociedade oferecerá subsídios para o sujeito se

organizar para além da cena familiar. A cena social “recaptura” o sujeito humano,

recolocando-o dentro de uma dinâmica em que sua constituição subjetiva,

engendrada no complexo de Édipo, deve se articular com suas transformações

quando se enlaça em grupos sociais.

É sob esse prisma que, no próximo capítulo, pretendemos mostrar que o

“panicado” como um excluído da cena social atual, “abandonado a si próprio”, é

obrigado a substituir por sua própria formação de sintoma a grande formação da

sociedade contemporânea. Rosa (1999), em A subjetivação nas configurações

familiares da “pós-modernidade”, trabalha com a idéia de que, na atualidade,

vivemos um declínio da Lei paterna, o que mudou o sintoma social e o próprio

indivíduo. E essa questão, aproxima-nos “da idéia de que atualmente o sintoma

que amarra os homens à modernidade é o narcisismo”. (p.209). Assim, podemos

interpretar que o aumento da incidência do pânico, na atualidade, aponta para uma

maneira que o sujeito encontrou de se organizar dentro da sociedade

contemporânea.

À medida que o ego se curva perante os ideais da civilização pode

acontecer que os ideais do grupo (sociedade) tenham uma exigência de tal porte

que o sujeito não consegue responder a eles. Nesse sentido, pode haver uma fuga

para o ego ideal, para a onipotência, para o regime do narcisismo primário, o que

vai aumentando cada vez mais o desarranjo pulsional. Dessa maneira, o arranjo

pulsional que o sujeito encontra refere-se ao masoquismo primário92, isto é, à

ascendência da culpa e ao retorno para o desamparo original. Se é, exatamente, a

Veremos, posteriormente (vide p.107), que, em 1930, a expressão mal-estar (Unbehagen) foi a que Freud utilizou para se referir a essa questão. 92 Trabalharemos esse tema no último tópico do próximo capítulo.

103

atitude do ideal do ego que determina a gravidade de uma neurose, sob esse

prisma, os ideais do grupo podem gerar patologias.

Dito de outra maneira, a sociedade gera condições e possibilidades na

produção de determinados tipos de sintoma que são articulados historicamente.

Entendemos que o pânico é um exemplo desse caso, podendo ser considerado uma

produção social da civilização contemporânea, como veremos no próximo

capítulo.

É através do estudo do pânico no grupo que Freud (1921) faz uma analogia

com o pânico no indivíduo, trazendo, claramente, a idéia de que o rompimento

súbito do vínculo afetivo entre o indivíduo (ego) e o ideal (ilusório protetor) o

lança no abismo do desamparo, pois não há mais nenhuma garantia de proteção

para os perigos; não há mais garantias para as identificações sobre as quais se

funda a integridade do eu (e, no caso do coletivo, a unidade do grupo). O pânico,

portanto, é o efeito imediato dessa ruptura:

No indivíduo o medo (Angst)93 é provocado seja pela magnitude de um perigo, seja pela cessação dos laços emocionais (catexias libidinais); este último caso é o caso do medo neurótico ou angústia (neurotischen Angst)94. Exatamente da mesma maneira, o pânico (Panik) surge, seja devido a um aumento do perigo comum, seja ao desaparecimento dos laços emocionais que mantêm unido o grupo, e esse último caso é análogo ao da angústia neurótica (neurotischen Angst). (1980, p.123-4).

Essa passagem mostra que o pânico corresponde a uma condição de caos e

desagregação que se instala no psiquismo do sujeito dado o desabamento da

estrutura libidinal que até então era sustentada por um ideal onipotente colocado

no lugar do ideal do ego95. Note-se que Freud assinala a instalação do pânico

quando há a decadência do ideal ilusório que garantia a estabilidade do mundo

psiquicamente organizado, ou seja, à falência do simbólico. Nessa medida, o

pânico origina-se da confrontação do sujeito com a possibilidade do perigo sem

esperar nenhum tipo de proteção transcendente. Recordemos que, no primeiro

93 Nessa citação, os termos em alemão que estão entre parênteses correspondem ao texto original no alemão, Freud, (1921/1987) Massenpsychologie und Ich-Analyse, p.105. 94 Precisamente, como trabalhamos no capítulo 1. 95 Vide p.85.

104

capítulo96, uma das facetas para o significado do vocábulo pânico é “o terror

provocado pelo deus Pã”. Este era um deus que tinha por função a proteção da

natureza, das lavouras, do mundo terreno, portanto, um deus imanente e não

transcendente como Hermes, seu pai, aquele a quem fora destinado o serviço da

comunicação entre os mortais e os imortais.

Em pânico, portanto, o sujeito não transcende, não consegue simbolizar,

está mergulhado num mar de angústia. O medo é imanente, está em todos os

lugares. O sujeito então, se vê totalmente desamparado e confrontado com o

afluxo pulsional caótico. A libido, que até então estava ligada pelo amor a um

ideal, agora se torna energia livre. O sujeito em pânico descobre com horror que

não há garantias absolutas na vida, ou seja, a capacidade protetora onipotente

atribuída ao pai é imaginária. Entendemos o pânico como um pedido

transcendente de amor (um apelo) dirigido ao pai idealizado e onipotente que

garanta sua proteção contra o desamparo.

Recordemos a necessidade de que a criança passe por um lento processo

de desilusão97 para que a descoberta da realidade do desamparo seja uma

experiência tolerável. No pânico, entendemos que a criança não passou,

adequadamente, por esse processo de desilusão98 e, portanto, não renunciou

verdadeiramente ao objeto perdido. Essa criança “fez de conta” que renunciou. Há

o objeto perdido, pois, caso contrário, ela seria psicótica, sendo que o sujeito que

sofre de pânico tem funcionamento psíquico neurótico. De certa forma, a criança

conservou o objeto perdido, como objeto de amor idealizado e protetor no lugar

do ideal do ego.

Lembremos que na idealização o objeto é mantido por uma hipercatexia do

ego e à expensas dele, portanto, há um empobrecimento e enfraquecimento do

ego99. Por isso, nesses casos, o vínculo libidinal do ego com seu ideal é frágil e as

catexias libidinais podem cessar a qualquer momento. A energia ligada torna-se

energia livre e o afluxo pulsional é excessivo e caótico: a situação traumática

instala-se. Esse momento refere-se à descoberta da realidade nua e crua do

desamparo que estava enuviada: não há garantias absolutas de proteção na vida,

96 Vide p.14. 97 Vide p.50-1 e 59. 98 (Vide p.48) são os “tropeços” experimentados no momento inicial da vida do ser humano que podem gerar psicopatologias. 99 Vide p.85.

105

não sabemos do nosso destino, não sabemos da própria morte, escapa-nos uma

apreensão subjetiva definitiva a respeito do sexual, e nosso desejo é inominável.

Essa descoberta é súbita, não foi aos poucos (lento processo de desilusão), é um

choque, tem o teor de um Schreck generalizado. O sujeito entra no estado de

Panik. O pânico, como coloca Pereira (1999),

... instala-se em momentos em que o aparelho psíquico vê-se obrigado a reconhecer os limites enquanto tais, de suas possibilidades de simbolização, mas não suporta nem o peso nem as conseqüências desse reconhecimento dado que a existência de tais limites passa a ser vivenciada como ameaça iminente de desabamento do mundo simbolicamente organizado. (p.38).

A defesa contra o desamparo infantil (condição de desamparo) empresta

suas feições características à reação do adulto ao desamparo que ele tem de

reconhecer: estabelece-se a situação de desamparo.

Como dissemos, anteriormente, as formações de sintomas são, em última

instância, uma maneira que o sujeito encontra de se organizar dentro de um grupo.

Veremos, no próximo capítulo, que o pânico é expressão de um modo que o

sujeito encontrou de se organizar na sociedade contemporânea, como uma

maneira de responder aos subsídios que a organização social atual oferece para ele

se sustentar para além da cena familiar.

Não é coincidência então que exatamente no artigo Psicologia de grupo e

análise do ego (1921), Freud estuda o fenômeno do pânico: por um lado, um

fenômeno do campo da angústia e por outro lado, como algo advindo de uma

estrutura de relação de grupo.

Enfim, a construção da identificação e dos ideais seja do indivíduo seja do

grupo é marcada por processos subjetivos que devem ser desenvolvidos para que

sejam mantidas tanto a organização individual (organização simbólica ou

psíquica) quanto a organização social. Esses processos, segundo Freud, dão-se

entre duas formas de existência da subjetividade: entre os registros do narcisismo

(ego ideal/amor de si) e da alteridade (ideal do ego, superego/amor de outro).

Retomando Birman (1997):

A problemática freudiana se estabelece para pensar as passagens e os impasses entre o narcisismo e a alteridade.

106

Portanto, o que o discurso freudiano realiza é uma leitura metapsicológica das formações de cultura, onde o que fica em pauta é o funcionamento da função sujeito nessas formações, assim como uma indagação das operações estésicas no contexto destas formações de cultura. Dessa maneira, as oposições freudianas destacadas acima se inscrevem entre o narcisismo e a sociedade, isto é, entre o narcisismo e a alteridade. O que está em pauta é a oposição entre duas formas de existência da subjetividade, na qual a primeira é eminentemente narcísica e a segunda alteritária. (p.91).

Sob esse prisma, o processo de subjetivação implica na atividade do ideal

do ego como possibilidade de ativação do sistema de simbolização.

2.5. A problemática do desamparo (Hilflosigkeit) do sujeito no campo

social.

Em O futuro de uma ilusão (1927) e em O mal-estar na civilização (1930),

Freud retoma a problemática do desamparo (Hilflosigkeit)100 como uma condição

de desamparo, isto é, destacando a falta de garantias do sujeito sobre o seu existir

e o seu futuro. O desamparo é trabalhado sob o ponto de vista da falta de garantias

do sujeito no mundo, que é obrigado a uma renúncia pulsional como condição de

viver em sociedade. E, como sabemos, é sobre esse fundo de desamparo que o

psiquismo se constrói.

A civilização, para Freud (1930), “descreve a soma integral das realizações

e regulamentos que distinguem nossas vidas das de nossos antepassados animais,

e que servem a dois intuitos: o de proteger os homens contra a natureza e o de

ajustar seus relacionamentos mútuos”. (1980, p.109). Portanto, a cultura tem por

função a proteção da condição do desamparo (Hilflosigkeit) humano frente ao

mundo (forças da natureza) e aos outros homens, tanto quanto a organização de

suas relações sociais e a divisão dos bens.

Ninguém, no entanto, alimenta a ilusão de que a natureza já foi vencida, e poucos se atrevem a ter esperanças de que um dia ela se submeta inteiramente ao homem. Há os elementos, que parecem escarnecer de qualquer controle humano: a terra, que treme, se escancara e sepulta toda a vida humana e suas obras; a água, que inunda e afoga tudo num torvelinho; as tempestades, que arrastam tudo o que lhes antepõe; as doenças,

100 Vide p.59-60, a respeito da dupla face do desamparo.

107

que só recentemente identificamos como sendo ataques oriundos de outros organismos, e, finalmente, o penoso enigma da morte, contra a qual remédio algum foi encontrado e provavelmente nunca será. É com essas forças que a natureza se ergue contra nós, majestosa, cruel e inexorável; uma vez mais nos traz à mente nossa fraqueza e desamparo, de que pensávamos ter fugido através do trabalho de civilização. (Freud, 1927/1980, p.27; os grifos são meus).

Essa passagem mostra, claramente, que o desamparo não é simplesmente

uma etapa específica do desenvolvimento infantil ou uma regressão neurótica a

esse estado de dependência infantil ou o núcleo de uma situação traumática, mas

expressa a dimensão fundamental e insuperável sobre a qual repousa a vida

humana. É o motor na construção da civilização. O homem ergueu a civilização

numa tentativa de diminuir seu desamparo diante das forças da natureza, dos

enigmas da vida e sobretudo da própria morte.

Foi assim que se criou um cabedal de idéias, nascido da necessidade que tem o homem de tornar tolerável seu desamparo, e construído com o material das lembranças do desamparo de sua própria infância e da infância da raça humana. Pode-se perceber, claramente, que a posse dessas idéias o protege em dois sentidos: contra os perigos da natureza e do Destino, e contra os danos que o ameaçam por parte da própria sociedade humana. (Freud, 1927/1980, p.30).

Para Freud (1927), a condição de impotência do ser humano frente às

forças da natureza e da morte traz-nos duas questões: primeiro que, em última

instância, a ameaça que ronda é a morte própria e, nesse sentido, o universo é

fonte de todos os “Schrecks”101; segundo que tornou o homem incapaz de

enfrentar esses perigos sozinho, impondo-lhe a necessidade de criar uma vida em

comum, uma relação simbolicamente estruturada com o outro, ou seja, a

civilização.

Em O futuro de uma ilusão (1927), Freud continua na esteira de Totem e

tabu (1913) e de Psicologia de grupo e análise do ego (1921), no que diz respeito

à constituição da lei, da função paterna, na organização do psiquismo. Caracteriza

muito bem o vínculo social por meio de uma análise do nascimento da civilização

e do funcionamento de suas organizações, o que, entretanto, garante sua própria

101 O plural de Schreck é Schrecken.

108

degradação e as perspectivas para o futuro, das quais depende uma ilusão

necessária.

... um homem transforma as forças da natureza não simplesmente em pessoas com quem pode associar-se como seus iguais (...), mas lhes concede o caráter de um pai. Transforma-as em deuses, seguindo nisso, como já tentei demonstrar (Totem e Tabu), não apenas um protótipo infantil, mas um protótipo filogenético. No decorrer do tempo, fizeram-se as primeiras observações de regularidade e conformidade à lei nos fenômenos naturais, e, com isso, as forças da natureza perderam seus traços humanos. O desamparo do homem, porém, permanece e, junto com ele, seu anseio pelo pai e pelos deuses. (1921/1980, p.29; os grifos são meus).

A condição de impotência do ser humano frente às forças da natureza e da

morte não é específica da infância, mas do humano. Lembremos que para Freud

os perigos são sempre de natureza pulsional, assim sendo, os perigos reais que a

natureza comporta não são exatamente uma ameaça de morte, mas uma ameaça a

nosso narcisismo, uma ameaça à imagem amada de nós mesmos. Os perigos reais

são avaliados segundo o referencial narcísico.

Temos aqui elementos que reforçam a noção de Hilflosigkeit que

começamos a desenvolver no capítulo um. Ela é uma condição fundamental no

funcionamento do psiquismo, assim como o motor da civilização, e não somente

uma situação eventual na história do sujeito.

Em O mal-estar na civilização (1930), Freud trabalha a problemática do

desamparo (Hilflosigkeit) do sujeito no campo do social, que é obrigado a uma

renúncia pulsional como condição para viver em sociedade e como conseqüência

da satisfação pulsional frustrada, o sujeito experimenta um desconforto que é

sentido como um mal-estar.

O mal-estar articula-se em torno da assimetria existente entre as

exigências da força pulsional e as possibilidades psíquicas de satisfação reguladas

pela simbolização (elaboração psíquica). Essa assimetria é caracterizada pela

oposição entre a continuidade da força pulsional e a descontinuidade dos

símbolos. É nesse jogo assimétrico entre as ordens da continuidade pulsional e da

descontinuidade simbólica que o sujeito pode criar objetos que possam promover

a experiência de satisfação, além de ser a condição para angústia, pois indica

permanentemente a condição de desamparo estrutural para o sujeito. Como essa

109

condição é inaceitável para o sujeito, ele estabelece a relação de conflito

interminável com a condição de desamparo.

Em outras palavras, ao trabalhar o antagonismo irremediável entre as

exigências pulsionais e as restrições da civilização, Freud (1930) demonstra que a

relação do sujeito com a civilização é marcada por um mal-estar, pois é permeada

pelo conflito e a impossibilidade de resolvê-lo totalmente. Como vimos, desde o

capítulo um, esse conflito irremediável é constitutivo da condição subjetiva do

humano, sendo o desamparo a base dessa condição.

Dessa maneira, a noção de desamparo (Hilflosigkeit) configura a finitude

do sujeito para Freud, e a expressão mal-estar (Unbehagen) foi a que Freud

utilizou para se referir a esse destino trágico do sujeito para a psicanálise. Nesse

sentido, a condição subjetiva102 do humano é subjugada a esses dois fatores.

No referido artigo de 1930, o autor trabalha a pulsão de morte e seus

efeitos sobre a sociedade103. Na verdade, introduz a hipótese da pulsão de

morte104 no domínio da civilização. Aponta que a inclinação agressiva inata,

originária e autônoma no ser humano, não pode ser explicada pela ambivalência

amor/ódio existente nas pulsões sexuais (pulsões de vida), mas provém da pulsão

de morte.

Para Freud (1930), as restrições aplicadas pela civilização à manifestação

das pulsões são explicadas pela ação da pulsão de morte enquanto pulsão de

agressividade. As fontes do sofrimento humano (as fontes do mal-estar)105 têm

origem no social e derivam de nosso pertencer à civilização. Conclui que a

evolução da civilização representa uma luta de Titãs, ou seja, entre Eros e

Thanatos:

... a civilização constitui um processo a serviço de Eros, cujo propósito é combinar indivíduos humanos isolados, depois famílias e, depois ainda, raças, povos e nações numa única grande unidade, a unidade da humanidade (...) essas reuniões de homens devem estar libidinalmente ligadas umas às outras. A necessidade106, as vantagens do trabalho em comum, por si sós, não as manterão unidas. Mas o natural impulso agressivo

102 Vide final p.53. 103 Tema que trabalharemos no próximo capítulo. 104 Freud, (1920) Além do princípio de prazer. 105 Vide p. 142, 151 e 154. 106 Refere-se a Ananke, a necessidade externa que cria a compulsão para o trabalho. Para Freud Eros e Ananke – o poder do amor e da necessidade –, também são os pais da civilização humana.

110

do homem, a hostilidade de cada um contra todos e a de todos contra cada um, se opõe a esse programa da civilização. Essa pulsão agressiva é o derivado e o principal representante da pulsão de morte, que descobrimos lado a lado de Eros e que com este divide o domínio do mundo. Agora, penso eu, o significado da evolução da civilização não é mais obscuro. Ele deve representar a luta entre Eros e a Morte, entre a pulsão de vida e a pulsão de destruição, tal como ela se elabora na espécie humana. (1980, p.145).

Lembremos que, para Freud (1920), a pulsão de vida (Eros) engloba o

antagonismo pulsional de sua primeira teoria das pulsões, isto é, as pulsões do ego

(ou de auto-conservação e de conservação da espécie), assim como as pulsões

sexuais. Sua meta é fazer ligações, produzir unidades cada vez mais elevadas e

conservá-las. Diferentemente, a pulsão de morte (Thanatos) tem como meta

dissolver unidades, desligar, romper, destruir. Seu destino último é conduzir a

vida a restaurar um estado anterior de coisas, ou seja, retornar ao estado

inanimado. Nesse sentido, cada classe de pulsões tem sua própria finalidade. A

energia da pulsão de vida Freud chamou de libido. Não denominou nenhuma

nomenclatura para a energia da pulsão de morte; entretanto, refere-se a ela como

“agressividade”, “impulso destrutivo”, “impulso de domínio” ou “vontade de

poder”107.

A pulsão de vida é visível e ruidosa, ao passo que a pulsão de morte é

silenciosa (não tem representação no psiquismo), operando no organismo no

sentido de sua destruição. Para demonstrar as atividades da pulsão de morte, para

as quais não temos provas, Freud (1923) esclarece que ela vem à luz como uma

pulsão de agressividade e destrutividade desviada no sentido do mundo externo:

“ao final viemos reconhecer o sadismo como seu representante. (1980, p.55)108

Freud (1923) presume que há uma fusão e amalgamação em proporções

amplas e variáveis das duas classes de pulsões, de modo que jamais teremos

pulsões de vida puras e pulsões de morte puras, mas aparecerão sempre

misturadas e em quantidades diferentes. Entretanto, corresponde a essa fusão a

possibilidade de existir uma desfusão das pulsões. A desfusão pulsional e o

107 Como aparece, por exemplo, em: (1924) O problema econômico do masoquismo, p.204; (1930) O mal-estar na civilização, p.133, 144-5; (1938) Esboço de psicanálise, 1980, p.175. 108 Como referência ao trabalho com as duas classes de pulsões, estamos usando os artigos: (1920) Além do princípio de prazer, (1923) O ego e o id, (1924) O problema econômico do masoquismo, (1930) O mal-estar na civilização, (1932) Novas conferências introdutórias sobre psicanálise, (1938) Esboço de Psicanálise.

111

surgimento pronunciado da pulsão de morte são importantes para a compreensão

de processos patológicos. Exemplifica a mistura das duas classes de pulsões

através do sadismo e do masoquismo109. O componente sádico da pulsão sexual é

o exemplo clássico de uma fusão pulsional útil. Mas, o “sadismo que se tornou

independente como perversão seria típico de uma desfusão”. (1980, p.57).

Dessa forma, na luta entre a pulsão de vida e a pulsão de morte, a libido

tem o objetivo de tornar inócua a pulsão destruidora, desviando-a em grande parte

para fora, no sentido de objetos do mundo externo. Diz Freud (1930):

No sadismo (...) conhecido como impulso componente da sexualidade, teríamos (...) um vínculo entre as tendências para o amor e o impulso destrutivo, ao passo que sua contrapartida, o masoquismo, constituiria uma união entre a destrutividade para dentro e a sexualidade, união que transforma aquilo que, de outro modo, é uma tendência imperceptível, numa outra conspícua e tangível. (1980, p.141-2).

Na verdade, ao examinar os fenômenos do sadismo e do masoquismo,

Freud (1938) está argumentando a favor de um impulso agressivo e destrutivo nos

homens. No processo de viver, em que as duas classes de pulsões se mesclam, a

pulsão de morte é colocada a serviço da finalidade de Eros, sendo especialmente

voltada para fora na forma de agressividade.

Acode-nos ao pensamento a importância da possibilidade de que a agressividade pode não conseguir encontrar satisfação no mundo externo, porque se defronta com obstáculos reais. Se isto acontece, talvez ela se retraia e aumente a quantidade de autodestrutividade reinante no interior. (...) A agressividade tolhida parece implicar um grave dano. Realmente, parece necessário que destruamos alguma outra coisa ou pessoa, a fim de que não nos destruamos a nós mesmos, a fim de nos protegermos contra a impulsão de autodestruição. (1980, p.132).

Entretanto, como dissemos anteriormente110, o impulso agressivo do

homem opõe-se ao programa da civilização. Aqui parece haver uma distinção

entre os processos civilizatório e de desenvolvimento do indivíduo. Ambos os

processos caracterizam-se pela luta entre as pulsões de vida e de morte e pelos

109 Retomaremos o tema do masoquismo no final do capítulo três. 110 Vide p.97-8.

112

efeitos desse conflito de forças em permanente mudança. Também em ambos os

processos estão em interação duas premências: a premência no sentido da

felicidade individual – que Freud (1930) chama de “egoísta” – e a premência no

sentido da união com os outros seres humanos – que Freud (1930) chama de

“altruísta”. Nesse sentido, os processos de desenvolvimento do indivíduo e

civilizatório diferem nas premências que enfatizam. No primeiro, a ênfase recai

sobre a premência “egoísta”, enquanto que o segundo enfatiza a premência

“altruísta”, “que pode ser descrita como ‘cultural’, geralmente se contenta com a

função de impor restrições. (...) No processo civilizatório, (...) o objetivo da

felicidade ainda se encontra aí, mas relegado ao segundo plano.” (1980, p.165).

Freud (1930) esclarece:

... pode-se esperar que o processo desenvolvimental do indivíduo apresente aspectos especiais, próprios dele, que não são reproduzidos no processo da civilização humana. É apenas na medida em que está em união com a comunidade como objetivo seu, que o primeiro desses processos precisa coincidir com o segundo. (1980, p.165).

Sob esse aspecto, o ser humano participa do desenvolvimento da

civilização ao mesmo tempo em que busca seu próprio caminho individual. E

continua Freud (1930):

Assim também as duas premências (...) devem lutar entre si em todo indivíduo, e assim também os dois processos de desenvolvimento, o individual e o cultural, têm de colocar-se numa oposição hostil um para com o outro e disputar-se mutuamente a posse do terreno. Contudo, essa luta entre o indivíduo e a sociedade não constitui um derivado da contradição – provavelmente irreconciliável – entre as pulsões primevas de Eros e da morte. Trata-se de uma luta dentro da economia da libido, comparável àquela referente à distribuição da libido entre o ego e os objetos, admitindo uma acomodação final do indivíduo, tal como, pode-se esperar, também o fará, no futuro da civilização, por mais que atualmente essa civilização possa oprimir a vida do indivíduo. (1980, p.165-6).

Dessa maneira, em O mal-estar na civilização (1930), Freud também

continua na esteira de Totem e tabu (1913) e de Psicologia de grupo e análise do

ego (1921), porém introduzindo a pulsão de morte, que é o maior impedimento à

civilização, fazendo-se aparecer em seus aspectos repetitivos, homogeneizantes,

113

em modalidades de agressividade face à natureza e aos outros homens. A

civilização instaurada pelo parricídio ligado ao desejo incestuoso é desde o

princípio contra o aspecto de Eros, ou seja, contra o amor. O vínculo erótico é um

vínculo perigoso, pois pode assumir a forma do imprevisto, da individuação. Para

que novos crimes não aconteçam é preciso abafar o amor. O homem é o lobo do

homem. Dessa maneira, Freud (1930) esclarece que “o problema que temos pela

frente é saber como livrar-se do maior estorvo à civilização – isto é, a inclinação,

constitutiva dos seres humanos, para a agressividade mútua.” (1980, p.167).

Lembremos que a pulsão de destruição é fundamentalmente ligada ao narcisismo

e ao desejo de onipotência.

No questionamento de Freud (1930) a respeito das formas utilizadas pela

civilização para domar a agressividade implícita ao humano, o sentimento de

culpa ganha cena. Mais uma vez, para compreender as facetas do

desenvolvimento da civilização, Freud (1930) se volta para a história do

desenvolvimento do indivíduo:

... sua agressividade é introjetada, internalizada; ela é, na realidade, enviada de volta para o lugar de onde proveio, isto é, dirigida no sentido de seu próprio ego. Aí, é assumida por uma parte do ego, que se coloca contra o resto do ego, como superego, e que então, sob a forma de ‘consciência’, está pronta para pôr em ação contra o ego a mesma agressividade rude que o ego teria gostado de satisfazer sobre os outros indivíduos, a ele estranhos. A tensão entre o severo superego e o ego, que a ele se acha sujeito, é por nós chamada de sentimento de culpa; expressa-se como uma necessidade de punição. A civilização, portanto, consegue dominar o perigoso desejo de agressão do indivíduo, enfraquecendo-o, desarmando-o e estabelecendo no seu interior um agente para cuidar dele, como uma guarnição numa cidade conquistada. (1980, p.146-7; os grifos são meus).

Nessa passagem há alguns desdobramentos importantes. Primeiro, que a

origem do superego está no recalcamento da agressividade própria111 e, em

conseqüência disso, a crueldade do superego em relação ao ego está ligada,

portanto, à pulsão de morte. Nesse sentido, a severidade original do superego

refere-se principalmente à própria agressividade do eu para com o objeto.

Lembremos de que uma quantidade considerável de agressividade desenvolve-se

111 Vide p.77-80 a respeito da formação do superego.

114

na criança contra a autoridade que lhe impôs restrições às primeiras e mais

importantes satisfações pulsionais. Na imposição em renunciar à satisfação dessa

agressividade vingativa, a criança, “através da identificação, incorpora a si a

autoridade inatacável. (...) A agressividade vingativa da criança será em parte

determinada pela quantidade de agressão punitiva que espera do pai.” (Freud,

1930/1980, p.153-4). Dessa maneira, o sentimento de culpa é a percepção no ego

da severidade do superego: está vinculado à agressividade própria, à punição que

a criança espera do pai. Além disso, a idéia do superego como portador do ideal

do ego (função do ideal relativa à instância crítica e proibidora do superego)

aparece aqui indiretamente112, na medida em que Freud atribui ao superego as

funções de ideal e de interdição.

O superego, portanto, deverá ter um caráter rígido e cruel a fim de criar o

sentimento de culpa sem o qual a civilização não se pode manter. Dessa maneira,

se estabelece a crueldade da civilização (“uma guarnição numa cidade

conquistada”) contra a possível crueldade dos indivíduos. Essa crueldade da

civilização é a agressividade internalizada contra o ego que corresponde à

angústia frente ao superego.

Desse modo, qualquer satisfação pulsional frustrada pode resultar numa

elevação do sentimento de culpa e isso só é aplicável aos impulsos agressivos.

Nesse sentido, um aumento do sentimento de culpa aparece no lugar de uma

exigência erótica não satisfeita. Freud (1930) esclarece que “a prevenção de uma

satisfação erótica exige uma agressividade contra a pessoa que interferiu na

satisfação, e que essa própria agressividade, por sua vez, tem de ser recalcada (...)

apenas a agressividade é transformada em sentimento de culpa.” (1980, p.163).

Nesse sentido, o autor extrai uma conclusão a respeito do processo de recalque e

dos sintomas neuróticos:

Os sintomas neuróticos são, em sua essência, satisfações substitutivas para desejos sexuais não realizados (...) talvez toda neurose oculte uma quota de sentimento inconsciente de culpa, o qual, por sua vez, fortifica os sintomas, fazendo uso deles como punição (...) quando uma tendência pulsional experimenta o recalque, seus elementos libidinais são transformados em sintomas e seus componentes agressivos em sentimentos de culpa. (1980, p.163; os grifos são meus).

112 Portanto, em 1930, já encontramos uma referência indireta à distinção entre ideal do ego e superego que Freud vai retomar nas “Novas conferências”de 1933 e no “Esboço”de 1938.

115

Na verdade, essas pulsões recalcadas são transferidas para o superego, que

as dirige contra o próprio indivíduo sob a forma de sentimento de culpa.

Dessa maneira, Freud (1930) enuncia que o sentimento de culpa é o

problema mais importante no desenvolvimento da civilização: “o preço que

pagamos por nosso avanço em termos de civilização é uma perda da felicidade

pela intensificação do sentimento de culpa”. (1980, p.158).

Para Freud (1930) a origem do sentimento de culpa está fundamentalmente

no desamparo original (Hilflosigkeit) e em outras etapas de desenvolvimento “é

claramente, apenas um medo da perda do amor, uma angústia social”. (p.148; os

grifos são meus). Para as crianças, o sentimento de culpa “nunca pode ser mais do

que isso” e para muitos adultos “ele só se modifica até o ponto em que o lugar do

pai ou dos genitores é assumido pela comunidade mais ampla”. (1980, p.148).

Quando a civilização estabelece no interior do sujeito um agente como uma

guarnição numa cidade conquistada.

Quanto à origem do sentimento de culpa (...) está em ação uma influência estranha, que decide o que deve ser chamado de bom ou mau (...) a pessoa deve ter um motivo para submeter-se a essa influência estranha. Esse motivo é facilmente descoberto no desamparo (Hilflosigkeit) e na dependência dela em relação a outras pessoas e pode ser bem mais designado como medo da perda do amor. Se ela perde o amor de outra pessoa de quem é dependente, deixa também de ser protegida de uma série de perigos. Acima de tudo fica exposta ao perigo de que essa pessoa mais forte mostre a sua superioridade sob a forma de punição. De início, portanto, mau é tudo aquilo que com a perda do amor, nos faz sentir ameaçados. Por medo dessa perda, deve-se evitá-lo. (1980, p.147-8; os grifos são meus).

Em outras palavras, o sentimento de culpa tem uma origem dupla: a

angústia frente à recusa de amor e a angústia frente ao superego. Para Freud

(1930) há uma seqüência cronológica em dois tempos:

Em primeiro lugar, vem a renúncia à pulsão, devido ao medo de agressão por parte da autoridade externa. (É a isso, naturalmente, que o medo da perda do amor equivale, pois o amor constitui proteção contra essa agressão punitiva.) Depois vem a organização de uma autoridade interna e a renúncia à pulsão devido ao medo dela, ou seja, devido ao medo da consciência. Nessa segunda situação, as más intenções são

116

igualadas às más ações e daí surgem sentimento de culpa e necessidade de punição. A agressividade da consciência continua a agressividade da autoridade. (...) de início, a consciência surge através do recalque de um impulso agressivo, sendo subsequentemente reforçado por novos recalques do mesmo tipo. (1980, p.151-2).

Dessa forma, o sentimento de culpa aparece efetivamente a partir da

delimitação do superego como instância crítica ideal e interditora, na tensão entre

ego e superego/ideal do ego. Entretanto, Freud deixa claro que o sentimento de

culpa é anterior à formação do superego, pressupondo sua constituição subjetiva

desde o medo da perda do amor.

Além disso, podemos dizer que a angústia social113, num primeiro tempo,

é a evolução da angústia diante da perda do amor do ideal para a angústia diante

da autoridade, a má consciência. Num segundo tempo, é a angústia frente ao

superego. “As más intenções são igualadas às más ações e daí surgem sentimento

de culpa e necessidade de punição”, que em sua relação com a cultura pode

aparecer “sob uma espécie de mal-estar”. Lembremos, que em 1926, Freud

enfatiza que “com a despersonalização do agente parental a partir do qual se temia

a castração, o perigo se torna menos definido. A angústia de castração se

desenvolve em angústia moral – angústia social – não sendo agora tão fácil saber

o que é a angústia”. (1980, p.163). A mudança que ocorre é do externo onipotente

para o interno onipresente, isto é, a autoridade é internalizada dando origem ao

superego que, para Freud (1938), “é também o veículo do ideal do ego, pelo qual

o ego se avalia”. (1980, p.84).

Nesse sentido, a angústia social refere-se, desde o começo, ao confronto do

ego com o ideal que, em termos subjetivos, refere-se à possibilidade de perda do

amor do ideal protetor onipotente que garante a estabilidade do mundo

organizado. Podemos dizer que o desamparo original é retomado na onipotência

do superego, nas exigências do ideal do ego ao ego. Lembremos que o superego,

herdeiro da agressividade própria, que substitui as instâncias parentais, é

carregado também de pulsões do id, conservando de certa forma as pulsões

infantis. Na formação da consciência moral, a má consciência não é abandonada,

como disse, conserva um infantilismo pulsional. Dessa maneira, a angústia frente

ao superego é uma transformação reconfigurada da angústia de desamparo e da

117

angústia frente à perda do amor. O sentimento de culpa, herdeiro da ambivalência

afetiva, é antes de tudo herdeiro da angústia vista como perigo.

Em relação ao sentimento de culpa, Freud (1930), em última instância, está

se referindo à história da morte do pai. A seguinte fórmula do referido autor abre

caminho para o tema que inspirou nosso estudo psicanalítico sobre o pânico: “o

que começou em relação ao pai é completado em relação ao grupo.” (1980,

p.157). O que começou com o pai primevo, hoje se completa em relação à massa e

seu líder e em cada superego (infantil). O amor ao pai (ideal) e a culpa114 ligada

ao parricídio modificam-se nos laços mútuos e em sentimentos difusos de culpa.

Tudo se passa como se o pertencimento à civilização provocasse de alguma

maneira o dissolvimento das diferenças individuais no interior de uma massa, em

que cada um é identificado com os outros. “Visto que a civilização obedece a um

impulso erótico interno que leva os seres humanos a se unirem num grupo

estreitamente ligado, ela só pode alcançar seu objetivo através de um crescente

fortalecimento do sentimento de culpa.” (1980, p.157; os grifos são meus).

Em outras palavras, se a civilização é o caminho necessário para o

desenvolvimento que vai da família à humanidade como um todo, em resultado do

conflito surgido da eterna luta de Titãs, “acha-se a ele inextricavelmente ligado

um aumento do sentimento de culpa, que talvez atinja alturas que o indivíduo

considere difíceis de tolerar.” (Freud, 1930/1980, p.157). Será o pânico uma

expressão desse conflito pulsional no sentido de uma intolerância ao aumento do

sentimento de culpa?

Para Freud (1930)

... o sentimento de culpa nada mais é do que uma variedade topográfica da angústia; em suas fases posteriores, coincide completamente com o medo do superego. E as relações da angústia com a consciência apresentam as mesmas e extraordinárias variações. A angústia está sempre presente, num lugar ou outro, por trás de todo sintoma; em determinada ocasião, porém, toma, ruidosamente, posse da totalidade da consciência, ao passo que, em outra, se oculta tão completamente, que somos obrigados a falar de angústia inconsciente, ou, se desejarmos ter uma consciência psicológica mais clara – visto a angústia ser, no primeiro caso, simplesmente um sentimento –, das possibilidades de angústia. Por conseguinte, é bastante concebível que tampouco o

113 Vide p.89, nota 18. Voltaremos a essa questão mais a frente (vide p.107). 114 Vide p.68 a respeito da herança da culpa.

118

sentimento de culpa produzido pela civilização seja percebido como tal, e em grande parte permaneça inconsciente, ou apareça como uma espécie de mal-estar (Unbehagen), uma insatisfação para a qual as pessoas buscam outras motivações. (1980, p.159-60; os grifos são meus).

Destacamos algumas questões importantes contidas nessa passagem.

Primeiramente, sentimento de culpa e angústia distinguem-se num “primeiro

tempo” enquanto lugares (“variação topográfica da angústia”) para num “segundo

tempo”, interligarem-se em relação àquilo de que são efeito115: angústia primitiva

e angústia do superego. Lembremos que os conteúdos da situação de perigo e

determinantes de angústia podem persistir lado a lado, expressando-se em

períodos posteriores ao apropriado, podendo, também, entrar em ação ao mesmo

tempo116. Assim sendo, as transformações da angústia, referem-se em última

instância à angústia primitiva ligada ao desamparo original, ao perigo do excesso

pulsional, ao medo da perda de amor.

O homem faz um renúncia pulsional por temer perder o amor do outro, por

não suportar a angústia frente à perda do amor. Essa angústia é transformada em

sentimento de culpa como forma de proteção ao desamparo e marcará para

sempre a relação do sujeito com o outro, com a sociedade como um mal-estar

incurável: a “angústia social117, não sendo agora tão fácil saber o que é angústia”.

(Freud, 1926/1980, p.163). Sob esse prisma, a culpa é uma proteção frente à

angústia, frente àquilo que pode levar ou levou o sujeito à perda do amor do outro.

Dessa maneira, nas variadas relações do sentimento de culpa com a

angústia, localizamos o pânico como um dos efeitos do mal-estar (do sentimento

de culpa) produzido pela cultura118.

Vimos, portanto, que o superego é o agenciador das relações entre o

sujeito e a cultura, havendo uma ligação indissolúvel entre cultura e o sentimento

de culpa; a cada sacrifício da pulsão agressiva aumenta o sentimento de culpa. Eis

o mal-estar: culpa e frustração que acaba por gerar um ressentimento contra a

civilização. Para Freud (1930), o superego protetor representa os poderes do

Destino: “(...) o estágio infantil original da consciência (...) não é abandonado

115 Referimo-nos à constituição subjetiva do sentimento de culpa em dois tempos numa seqüência cronológica (vide p.104). 116 Vide p.53. 117 Vide p.52, 88-9 e 104.

119

após a introjeção no superego, persistindo lado a lado e por trás dele. O Destino é

encarado como um substituto do agente parental.” (1980, p.150).

Na medida em que trabalhamos com a hipótese de que a motivação básica

do pânico é o rompimento com o ideal protetor, esta hipótese desdobra-se numa

articulação entre sentimento de culpa e pânico pelo viés da relação conflituosa

entre ego e ideal do ego. Como dissemos, anteriormente, será o pânico uma

expressão desse conflito no sentido de uma intolerância ao aumento do sentimento

de culpa?

É importante lembrar que a expressão “sentimento de culpa”119 tem uma

acepção ampla no pensamento freudiano. Por um lado, designa um estado afetivo

consecutivo a uma ação do indivíduo considerada como má e nesse sentido é um

“sentimento de culpa consciente” ou ‘consciência de culpa” ou “remorso”. Por

outro lado, refere-se a um sistema de motivações inconscientes, ou seja, é

“originado da percepção de um impulso mau” e nesse sentido o sentimento de

culpa permanece inconsciente. (Freud, 1930/1980, p.162).

Vimos, anteriormente120, que a diferenciação do superego como instância

crítica e punitiva para o ego introduz o sentimento de culpa como expressão da

relação intersistêmica no psiquismo. Sob esse prisma, o “sentimento de culpa

inconsciente”, refere-se à relação conflituosa entre ego e superego/ideal do ego

que pode ser inconsciente, traduzindo-se em efeitos subjetivos nos quais a culpa

sentida (consciente) está ausente. Segundo Freud (1923), essa questão explica, por

exemplo, condutas delinqüentes ou criminosas, comportamentos de fracasso no

momento em que as aspirações do indivíduo deveriam ser realizadas, sofrimentos

infligidos a si mesmo, contradições e inibições características da neurose

obsessiva, autodepreciação melancólica e a reação terapêutica negativa121 na

clínica. (1980, p.65-9).

Entretanto, o autor esclarece que, quando queremos nos referir ao

“sentimento de culpa inconsciente”, a expressão “necessidade de punição” é mais

118 No próximo capítulo, mostraremos que o pânico, na atualidade, pode ser entendido como uma das expressões do mal-estar contemporâneo. 119 As principais discussões de Freud a respeito do sentimento de culpa são encontradas em: (1923) O ego e o id [no capítulo V – As relações dependentes do ego], (1924) O problema econômico do masoquismo, (1930) O mal-estar na civilização [nos capítulos VII e VIII]. 120 Vide p.78, citações de Freud (1923). 121 Resistência de certos analisantes à aproximação da cura, como se estes indivíduos preferissem o sofrimento à cura. “Freud liga este fenômeno a um sentimento de culpa inconsciente inerente a certas estruturas masoquistas.” (Laplanche, 1986, p.546).

120

adequada, tendo em vista “que abrange o estado de coisas observado de modo

igualmente apropriado. Não podemos, porém, impedir-nos de julgar e localizar

esse sentimento inconsciente de culpa do mesmo modo como fazemos com o tipo

consciente.” (Freud, 1923/1980, p.208). Ou seja, a expressão “necessidade de

castigo”, como mostra Laplanche (1986), em última instância, “designa uma força

tendente ao aniquilamento do indivíduo e talvez irredutível a uma tensão inter-

sistêmica, enquanto que o sentimento de culpa, seja consciente ou inconsciente,

reduz-se sempre a uma mesma relação tópica.” (1980, p.616).

Na verdade, a concepção freudiana do sentimento de culpa considera o

caráter inconsciente na gênese da culpa. Freud (1923) diz que podemos “aventar a

hipótese de que grande parte do sentimento de culpa deve normalmente

permanecer inconsciente, pois a origem da consciência (conscience) acha-se

intimamente vinculada ao complexo de Édipo, que pertence ao

inconsciente”.(1980, p.68). Ou seja, a noção de culpa, na obra freudiana, está

intimamente relacionada com o delineamento da noção de superego122, que como

vimos, origina-se tanto da filogênese quanto da ontogênese123.

O que está em jogo aqui é o parricídio e o incesto como fontes do

sentimento de culpa da humanidade124 e a ação da pulsão de morte, isto é, da

agressividade intrínseca ao ser humano.

De qualquer forma, o sentimento de culpa, indiscutivelmente, guarda um

caráter inconsciente, referindo-se às tensões entre o ego e o superego/ideal do ego.

É sob esse prisma que marcamos a articulação entre sentimento de culpa e pânico

que nos referimos, anteriormente125.

Enfim, na luta entre Eros e Thanatos, Eros pressupõe o vínculo libidinal, o

desejo do outro, portanto, a alteridade, enquanto que a civilização pressupõe o

fascínio amoroso e, conseqüentemente, a identificação narcísica. À medida que

Eros, através do vínculo libidinal dirige-se a unidades cada vez maiores, o

trabalho da pulsão de morte expressa-se pelo fascínio hipnótico do tipo

chefe/submissos (sádico/masoquista). Lembremos que em Psicologia de grupo e

análise do ego (1921), Freud já nos havia advertido de que “o amor homossexual

é muito mais compatível com os laços grupais, mesmo quando toma o aspecto de

122 Vide p.101-2. 123 Vide p.78. 124 Vide p.68.

121

impulsos sexuais desinibidos” (1980, p.177) e nesse sentido, os grupos e as

organizações são formações que não toleram um amor que considere a diferença,

o outro em sua singularidade. “O que começou em relação ao pai é completado

em relação ao grupo”.

Vimos que Freud considera que o caráter fundamental para a existência e

permanência de um grupo é um ideal comum. Isso o levou a estabelecer a

distinção entre ego ideal (narcisimo) e ideal do ego (alteridade). Para ele não

existe um grupo sem líder. Este pode ser real ou fantasmático, visível ou invisível,

originar um grupo ou surgir dele, porém, o que importa é que o líder assegura ao

grupo uma referência a um ideal e promove as identificações comuns a todos.

Todavia, Freud adverte-nos para o perigo de nos defrontarmos não com um grupo,

mas com uma massa:

Além e acima das tarefas de restringir as pulsões, para as quais estamos preparados, reivindica nossa atenção o perigo de um estado de coisas que poderia ser chamado de ‘pobreza psicológica dos grupos’. Esse perigo é mais ameaçador onde os vínculos de uma sociedade são principalmente constituídos pelas identificações dos seus membros uns com os outros, enquanto que indivíduos do tipo de um líder não adquirem a importância que lhes deveria caber na formação de um grupo. (1980, p.138).

Uma massa constitui-se numa série de indivíduos identificados uns com

os outros sem referência a um ideal, ou seja, identificam-se por mimetismo,

imitação, colagem ou qualquer outro mecanismo que cumpra essa função. São

pessoas incapazes de elaborar um projeto comum. O sujeito forja assim uma

identidade imaginária: partindo de si para si mesmo, nas identificações

imaginárias, o sujeito tem uma referência autônoma e independente da maneira

como é visto pelo outro. Em conseqüência disso, os indivíduos manifestam

capacidades psíquicas reduzidas. A miséria psicológica é a miséria de suas vidas

sexuais fragmentadas, parciais. Nesses casos, há uma massificação das

identidades porque na conformação das instâncias identificatórias há um

predomínio das formações do ego ideal (narcisismo) sobre as do ideal do ego

(alteridade), acabando por configurar modos hegemônicos de produção de

125 Vide p.107.

122

subjetividade. Recordemos que as relações conflituosas entre ego e o ideal do ego

são influenciadas pelos ideais da cultura.

Em outras palavras, Freud anuncia-nos uma civilização de massa em que

a sociedade se vincula numa tendência à igualdade, na qual seus membros buscam

a felicidade perdida (o ideal narcísico) no apagamento da diferença, na negação do

outro. Sua preocupação frente ao avanço da civilização (leia-se modernidade126) é

a constituição de uma subjetividade na qual há o declínio da Lei paterna.

Na atualidade, vivemos uma situação desse tipo. A civilização parece não

atender mais às funções de proteger e organizar as relações entre os homens,

assim como o aspecto de oferecer a pertinência a um grupo desenvolvido por

ideais comuns tornou-se pó ao vento.

Como vimos, para viver, as pessoas criam possibilidades afetivas no

enfrentamento do desamparo (Hilflosigkeit), e o pânico é uma dessas

possibilidades. Retomamos uma das perguntas inspiradoras desse trabalho: quais

são as condições peculiares de desamparo do sujeito na atualidade?

3. A CENA SOCIAL ATUAL: O MAL-ESTAR E AS NOVAS

FORMAS DE SUBJETIVAÇÃO.

3.1. Modernidade ou Pós-Modernidade?

Desde as últimas décadas do século XX, as ciências sociais voltam-se ao

tema da “pós-modernidade”127. Estamos no limiar de uma nova era? Num “para

além da modernidade”, o que configura uma nova sociedade, a pós-moderna,

distinta da sociedade moderna? Ou estamos num novo momento no projeto da

modernidade, portanto, vivendo conseqüências da mesma?

De fato, há uma polêmica nessa discussão, além da dificuldade na

aceitação do termo pós-modernidade, assim como no uso do prefixo pós. No

126 Discutiremos esse tema no próximo capítulo.

123

entanto, não pretendemos tratar dessas questões. Nosso intuito é apenas marcar a

existência desse debate, o que nos leva, antes de qualquer questionamento, a

indagações sobre a subjetividade contemporânea para a discussão atual de nossa

experiência clínica psicanalítica e, conseqüentemente, de nosso objeto de estudo,

o pânico.

Escolhemos como norteadores de nosso estudo, para uma apresentação

geral dos elementos mínimos que caracterizam a cena social atual, os sociólogos

Anthony Giddens e Zygmunt Bauman e algumas produções psicanalíticas

contemporâneas128, principalmente as de Joel Birman, que servirão como fios

condutores na circunscrição do mal-estar na atualidade, ou seja, dos tipos de

sofrimento que as novas formas de subjetivação configuram.

Dessa forma, objetivamos o exame da subjetividade na atualidade para um

melhor entendimento das condições que propiciam o aumento do aparecimento de

determinados sintomas. Como dissemos no início desse trabalho, certas formas de

sofrimento psíquico podem ser consideradas como psicopatologias da atualidade,

no sentido de expressões dos modelos de subjetividade promovidos pela

sociedade contemporânea, portanto como um processo de produção social. Trata-

se de um estilo de sociedade em pauta que gera condições e possibilidades para

produção de determinadas psicopatologias, sofrimentos psíquicos, como típicos de

sua época.

Por que o pânico, assim como a depressão, a toxicomania e a violência

exacerbada, são modelos que desfilam constantemente na passarela da moda

contemporânea? Nossa hipótese, fornecida pelo referencial psicanalítico, é que

são expressões do mal-estar que marcam a relação do sujeito com a cultura na

atualidade. São maneiras horripilantes que o sujeito escolhe para se defender do

desamparo incurável e que, ao mesmo tempo, expressam seu fracasso em

responder às exigências dos ideais e valores que a sociedade atual prega. Nesse

sentido, qual é o estilo, quais são as condições de possibilidade que a organização

social da sociedade contemporânea propicia ao sujeito, para que ele expresse seu

mal-estar sob a forma do pânico?

127 Segundo Fridman, Vertigens pós-modernas: configurações institucionais contemporâneas, 2000. 128 Com a finalidade de ilustrar o panorama da produção psicanalítica contemporânea sobre esse assunto, agregamos a Joel Birman recortes das produções de Jurandir Freire Costa, Maria Rita Kehl, Mário Fuks e Miriam Debieux Rosa como uma amostra desse cenário.

124

Segundo Giddenls (1991), “Modernidade refere-se a estilo, costume de

vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e

que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência.”

(p.11). Dessa maneira, o termo modernidade implica uma série de transformações

sociais, materiais, políticas e intelectuais a partir da emergência e difusão do

Iluminismo, e que acabaram por se misturar à Revolução Industrial e às

transformações geradas pelo Capitalismo.

Nos dizeres de Bauman (1998), a idéia de progresso baseado na ciência e

na razão é resultado dos padrões críticos e racionais surgidos no Renascimento.

Essa mentalidade embalou as realizações e aspirações humanas daí provenientes,

determinando a ideologia de uma dinâmica social caracterizada pela inovação

permanente e por uma “obsessiva marcha adiante”.

Desde a Revolução Francesa, utopias políticas influenciaram

marcadamente o imaginário ocidental. O Iluminismo enunciou o “ideal de

felicidade” segundo o qual o homem dominaria a natureza com base na razão

científica e constituiria uma sociedade igualitária. Dessa maneira, a ideologia

cientificista do progresso e da civilização “prometia” uma reforma do espírito

humano e da sociedade.

Houve, portanto, uma alteração da ordem social, ou seja, da ordem

tradicional para a ordem moderna. Mas, certamente, este não é o cenário social

atual e, tampouco, o ideal iluminista se concretizou.

Da mesma forma que a modernidade alterou a ordem social com suas

conquistas tecnológicas, científicas, culturais e políticas, algo semelhante ocorreu

no século XX, principalmente nas últimas décadas. Vimos surgir novos estilos,

costumes de vida e diferentes formas de organização social. É evidente o declínio

da esfera pública e política, a mistura entre o público e o privado, as novas formas

de identidade social, o impasse histórico do socialismo, a expansão dos

fundamentalismos, os tribalismos, as conseqüências que a informatização gerou

na produção material e no cotidiano, a crise ecológica, as dimensões da

globalização.

Se há ou não uma nova ordem social, é fato que tais fenômenos

provocaram alterações de grande porte e transtornos nos modos de vida social que

reclamam por considerações teóricas compatíveis com esse quadro.

125

Para Giddens (1991), Jean-François Lyotard é o autor responsável pela

popularização do termo pós-modernidade, referindo-se “a um deslocamento das

tentativas de fundamentar a epistemologia, e da fé no progresso planejado

humanamente. A condição da pós-modernidade é caracterizada por uma

evaporação da grand narrative.” (p.12). Noutras palavras, a pós-modernidade

caracteriza-se pela ausência de história. O movimento da historicidade humana se

constrói num eixo temporal a partir do presente, avaliando o passado (definitivo) e

projetando-se no futuro (predizível). É esse “enredo” dominante, por meio do qual

somos inseridos na história, que, na opinião de Lyotard, evaporou.

Giddens (1991) critica a posição desse autor, pois avalia que o mesmo

“procura demonstrar que uma epistemologia coerente é possível” e que, portanto,

“um conhecimento generalizável sobre a vida social e padrões de

desenvolvimento social podem ser alcançados.” (p.12). Adverte-nos para o

cuidado na maneira de entender a historicidade. “Ela poder ser definida como o

uso do passado para ajudar a moldar o presente, mas não depende de um respeito

pelo passado. Pelo contrário, historicidade significa o conhecimento sobre o

passado como um meio de romper com ele.” (p.56).

A principal crítica de Giddens (1991) incide sobre os focos das análises

sociológicas realizadas por vários autores nesse campo. Enfatiza que,

freqüentemente, as “controvérsias enfocam amplamente questões de filosofia e

epistemologia”, como é o caso de Lyotard, e que dada sua orientação cultural e

epistemológica esses debates, na sua maioria, “não enfrentaram as deficiências

das posições sociológicas estabelecidas.” (p.12-3).

Entretanto, os debates sobre essas questões recaem, também, sobre

“transformações institucionais, particularmente as que sugerem que estamos nos

deslocando de um sistema baseado na manufatura de bens materiais para outro

relacionado mais centralmente com informação”. Essa é a proposta de Giddens

(1991): uma análise institucional da natureza da própria modernidade, com o

objetivo de diagnosticar suas conseqüências na atualidade:

Em vez de estariddens

diferente do que é atualmente chamado por muitos de “pós-modernidade”. (p.13).

Para Giddens (1991), as instituições sociais modernas são diferentes de

todo tipo de ordem social tradicional, ou seja, da sociedade tradicional anterior à

sociedade moderna. Sob seu ponto de vista, é importante que se faça uma

“interpretação ‘descontinuísta’ do desenvolvimento social moderno.” (p.12-3). Ou

seja, é necessário compreender as “descontinuidades”129 em questão, objetivando

uma análise do que realmente é a modernidade, pois a influência a longo prazo do

evolucionismo social deixou de lado o caráter descontinuísta da modernidade.

As descontinuidades que separam as instituições sociais modernas das

ordens sociais tradicionais têm diversas características que podem ser resumidas

em três: 1) o “ritmo de mudança nítido que a era da modernidade põe em

movimento”, em que a rapidez é extrema e isto é óbvio no que toca à tecnologia;

2) o “escopo da mudança”, uma descontinuidade que se dá conforme diferentes

partes do mundo se intercomunicam, proporcionando “ondas de transformação

social”, penetrando virtualmente em toda a superfície da Terra, ou seja, o processo

de globalização como resultado da disseminação global das instituições da

modernidade; 3) a “natureza intrínseca das instituições modernas”, que

caracterizam formas sociais sem precedentes em períodos históricos anteriores,

como, por exemplo, o “sistema político do estado-nação” ou “a completa

transformação em mercadoria de produtos e trabalho assalariado.” (Giddens,

1991, p.15-6).

Nesse quadro, para Giddens, associar a pós-modernidade ao “fim da

história” é algo perigoso.

A “história” não tem forma intrínseca nem teleologia total. Uma pluralidade de histórias pode ser escrita e estas não podem ser ancoradas por referência a um ponto arquimediano (tal como a idéia de que a história tem uma direção evolucionária). A história não deve ser equacionada à “historicidade”, pois esta última está claramente ligada às instituições da modernidade. (1991, p.55).

129 Termo trabalhado por Giddens em The Constituition of Society (Cambridge, Eng.: Polity, 1984) para enfatizar a idéia de que a história humana é marcada por “descontinuidades”, isto é, não tem uma forma homogênea de desenvolvimento e, no que tange ao período moderno, há uma descontinuidade específica ou um conjunto de descontinuidades associadas a ele.

127

A “radicalização da modernidade”, nos dizeres de Giddens (1991, p.58), é

tão perturbadora e significativa que nos leva a um novo e inquietante universo de

experiência. Recordando, seus traços mais evidentes são: a dissolução do

evolucionismo, o desaparecimento da teleologia histórica, o reconhecimento da

reflexividade meticulosa e constitutiva e a evaporação da posição privilegiada do

ocidente face à globalização.

Entretanto, para compreendermos o dinamismo da modernidade e o

escopo globalizante de suas instituições, é necessário continuarmos na esteira da

indagação de suas descontinuidades em relação às culturas tradicionais.

O dinamismo da modernidade deriva basicamente de três fontes: 1) a

separação de tempo e espaço; 2) o processo de desencaixe dos sistemas sociais; 3)

a apropriação reflexiva do conhecimento133. Essas características das instituições

modernas nos ajudam a compreender melhor por que, na atualidade, estamos mais

à mercê da desregulamentação e da liberdade individual.

Essas três fontes do dinamismo da modernidade não são tipos de

instituições modernas, mas as condições que facilitaram a transição da ordem

tradicional para a ordem moderna. Como coloca Giddens (1991), “elas estão

envolvidas, bem como são condicionadas, nas e pelas dimensões institucionais da

modernidade.” (p.69; os grifos são meus).

As dimensões institucionais da modernidade podem ser divididas em

quatro dimensões básicas: o capitalismo, o industrialismo, o poder militar e a

vigilância que, como “feixes organizacionais”, estão envolvidos de maneira

dinâmica, inter-relacional direta e/ou indiretamente, nas instituições da

modernidade.

Dessa maneira, a combinação das mais variadas formas de todos esses

fatores possibilitou o advento da modernidade, assim como propiciou a expansão

ocidental pelo globo, ou seja, a disseminação global das instituições da

modernidade. Mas como tudo isso se deu?

Segundo Bauman (1998), o que conduziu o ser humano “em sua viagem

de descoberta moderna” foram os ideais de beleza, pureza e ordem, os quais não

possibilidade de solidariedade; enquanto que, para Bauman, é justamente a produção ininterrupta de “outros” que não permite as chances de solidariedade. Trataremos dessa questão mais à frente. 133 Vide p.116.

130

foram abandonados na contemporaneidade. Simplesmente, são perseguidos às

custas do maior predicado humano atual: a liberdade individual, que “outrora era

uma responsabilidade e um (talvez o) problema para todos os edificadores da

ordem.” (p.9).

Pare ele, podemos definir a modernidade “como a época ou estilo de vida

em que a colocação em ordem depende do desmantelamento da ordem

“tradicional” herdada e recebida; em que “ser” significa um novo começo

permanente.” (p.20; os grifos são meus).

Nessa linha, a visão de pureza está intrinsecamente ligada à visão de

ordem, na medida em que “as coisas”, para serem puras, devem ocupar seus

lugares adequados ou convenientes. Dessa maneira, a impureza ou a sujeira são

coisas “fora do lugar”, inapropriadas; são essencialmente desordem, transgridem a

ordem e, portanto, devem ser atacadas através da ordem, se queremos manter um

padrão de pureza/limpeza. Ou seja, a sujeira deve ficar de fora; não deve ser

incluída.

O objetivo de limpar, ordenar as coisas em seus lugares devidos, portanto

de organizar o ambiente, “em vez de manter intacta a maneira como as coisas

existiam” (ou seja, a ordem natural, portanto, relativa à fixidez), “tornou-se mudar

a maneira como as coisas costumavam ser, criar uma nova ordem que desafiasse

a presente”. Assim, a criação de uma nova ordem, uma ordem artificial, constituiu

um novo começo, uma mudança no status da ordem tradicional que coincidiu com

o advento da era moderna. (Bauman, 1998, p.20).

Se pensarmos a ordem e a pureza em relação aos vírus, bactérias, ratos,

ácaros ou baratas, parece-nos bem sensato. Mas, em termos sociológicos e

psicológicos, quando se trata de seres humanos “concebidos como um obstáculo

para a apropriada organização do ambiente”, configura-se uma certa categoria que

se torna “a sujeira” e, como tal, deve ser banida, tendo em vista que é a sujeira que

desafia os propósitos de organização. Nesses termos, o estranho é impactante,

pois ameaça a segurança da vida diária.

Dessa maneira, o desmantelamento da ordem existente e sua substituição

por um novo modelo de pureza (que não é mais o natural), cria uma rotina de

eliminar sujeiras para manter a ordem; é assim que emerge uma nova condição em

que até as coisas comuns e familiares podem se converter em sujeira, em

estranhos. Sob esse aspecto, aparece um estado de começo permanente que gera

131

sempre, nos dizeres de Bauman (1998), “novos alvos de pureza e a cada novo alvo

ficam de fora novas categorias de sujeira(...) e com modelos de pureza que mudam

demasiadamente depressa(...) já nada parece seguro: a incerteza e a desconfiança

governam a época.” (p.20; os grifos são meus).

Chega-se ao ponto no qual a “colocação em ordem” é indistinguível da

“proclamação de novas anormalidades.” Na verdade, as preocupações com a

organização giram em torno do estranho. À medida que o mundo está em

constante movimento, configura-se o medo de estranhos, que se condensa na

angústia impregnando o cotidiano. Na visível instabilidade do mundo moderno, é

irresistível a instalação de uma ordem segura contra todos os desafios futuros, ou

seja, a busca por um mundo perfeito, bom, sem impurezas, sem estranhos. Diz

Bauman (1998):

Quase todas as fantasias modernas de um “mundo bom” foram em tudo profundamente antimodernas, visto que visualizavam o fim da história compreendida como um processo de mudança (...) as utopias modernas (...) concordavam em que o “mundo perfeito” seria um que permanecesse para sempre idêntico a si mesmo... em que a sabedoria hoje aprendida permaneceria sábia amanhã e depois de amanhã (...) um mundo em que nada estragasse a harmonia; nada “fora do lugar”; um mundo sem “sujeira”; um mundo sem “estranhos”. (p.21; os grifos são meus).

Não é de se estranhar que na prática o “problema dos estranhos” foi tão

apaixonadamente abordado quanto à severidade no tratamento destinado a eles. O

nazismo, o Holocausto, o fascismo e o comunismo primaram por isso, assim

como o confinamento dos “loucos” nos hospitais psiquiátricos ou mesmo a

recente guerra ao Iraque e o grito de “por fora” aos “panicados” e “deprimidos”.

Estes últimos, então, são excluídos da cena social atual por serem estranhos à

nova ordem pós-moderna. Nos dizeres de Birman (2001), “são os fracassados da

cultura do narcisismo, pois não conseguem ocupar a cena teatral da sociedade do

espetáculo.” (p.247). Voltaremos a essa questão mais adiante.

Enfim, a “pureza das raças”, a “pureza das classes” e a “pureza mental”.

A modernidade é um “fenômeno de dois gumes”, como assinala Giddens

(1991), na medida em que o desenvolvimento da ordem moderna e sua difusão

global, ao mesmo tempo em que “criaram oportunidades bem maiores para os

seres humanos gozarem de uma existência segura e gratificante mais que qualquer

132

tipo de sistema pré-moderno” (p.17), trouxeram a violência exacerbada e em

escala mundial.

O desenvolvimento das forças de produção (o trabalho industrial)

submeteu os seres humanos a um trabalho maçante e repetitivo, mas também

trouxe um poder destrutivo em grande escala em relação ao meio ambiente e ao

poder político e militar. No primeiro caso, vemos as preocupações ecológicas que

não existiam nas sociedades pré-modernas. No segundo caso, particularmente, o

totalitarismo e, no terceiro, a tecnologia do armamento militar ou a

“industrialização da guerra”.

A ordem moderna, que se esperava fosse mais feliz, segura e

essencialmente pacífica, em contraste com o militarismo e o despotismo

precedentes, não apenas tornou possível o totalitarismo134 como a ameaça do

confronto nuclear. Vivemos num mundo demasiadamente perigoso e cheio de

riscos.

Foi assim que se formaram os chamados estados-nação (ou sociedades

modernas): “um tipo de comunidade social que contrasta de maneira radical com

os estados pré-modernos.” (Giddens, 1991, p.22).

Para Bauman (1998), os estados-nação trazem, visivelmente, porém de

forma menos radical, a marca do totalitarismo “na tendência do estado nacional

moderno como tal a escoar e reforçar a uniformidade da cidadania do estado com

a universalidade e abrangência da filiação nacional.” (p.22).

Temos, aqui, as dimensões institucionais da modernidade.

Primeiro, como bem define Giddens (1991, p.61-2), o industrialismo, uso

de fontes inanimadas de energia material na produção de bens, combinado ao

papel central da maquinaria no processo de produção, pressupõe a organização

social regularizada da produção, no sentido de coordenar a atividade humana, as

máquinas, as aplicações e produções de matéria-prima e os bens. Tem sua origem

na “Revolução Industrial”, porém sua noção se aplica a cenários de alta tecnologia

em que a eletricidade é a única fonte de energia, afetando não apenas o local de

trabalho como os transportes, as comunicações e a vida doméstica.

134 O totalitarismo é diferente do despotismo tradicional, pois “o governo totalitário combina poder político, militar e ideológico de forma mais concentrada do que jamais foi possível antes da emergência dos estados-nação modernos” e, por isso mesmo, mais aterrorizante.(Giddens, 1991, p.18).

133

O capitalismo, um sistema de produção de mercadorias centrado na

relação entre a propriedade privada do capital e o trabalho assalariado sem posse

de propriedade, forma o eixo principal de um sistema de classes. O

empreendimento capitalista depende da produção para mercados competitivos,

sendo os preços sinais para investidores, produtores e consumidores.

Podemos reconhecer, segundo Giddens (1991, p.63), as sociedades

capitalistas como um subtipo das sociedades modernas porque têm características

institucionais específicas, tais como: 1) sua ordem econômica; 2) relacionamentos

econômicos; 3) propriedade privada dos meios de produção; 4) autonomia do

estado condicionada por sua dependência da acumulação do capital. Dessa forma,

a sociedade capitalista é uma “sociedade” porque é um estado-nação, e isso pode

ser interpretado pelo nível de coordenação administrativa desenvolvido, ou seja,

pelo controle coordenado que ele consegue exercer sobre territórios delimitados.

Essa concentração depende do desenvolvimento de condições de vigilância

absolutamente distintas das existentes nas sociedades tradicionais. Como pontua

Giddens (1991, p.63), a vigilância é a supervisão das atividades da população

súdita na esfera política, embora não confinada somente a essa esfera. Esse

controle pode ser direto, como nas escolas, prisões e locais de trabalho, ou

indireto, como no controle das informações.

Nessa linha do controle, distinguimos o controle dos meios de violência,

que no estado moderno aliou o poder militar ao poder político, ou seja, promoveu

o monopólio bem sucedido dos meios de violência dentro de fronteiras territoriais

precisas. Nas civilizações pré-modernas, o centro político nunca foi capaz de

assegurar apoio militar estável; a força militar das autoridades governantes

dependia de alianças com príncipes ou senhores locais.

Dessa forma, o capitalismo separa o econômico do político, traz a

vigilância como ponto fundamental da organização, em particular o estado-nação,

alterando substancialmente o poder militar, além do fato de que o industrialismo

aliado ao capitalismo trouxe o desenvolvimento das forças de produção.

O quadro abaixo, criado por Giddens (1991), fornece um bom panorama

dessa problemática, ou seja, das dimensões institucionais da modernidade.

134

AS DIMENSÕES INSTITUCIONAIS DA MODERNIDADE135

Por meio do quadro acima, podemos ver relações diretas entre o poder

militar e o industrialismo, como, por exemplo, a industrialização da guerra;

relações entre a vigilância e o industrialismo, como, por exemplo, o poder

administrativo no interior das fábricas; relações entre o industrialismo e o

capitalismo, como, por exemplo, a transformação em mercadoria da força de

trabalho – como nos ensinou Marx –, o que colocou o trabalho como “abstrato” e

diretamente programado no projeto tecnológico de produção.

Como relações indiretas, podemos verificar, por exemplo: 1) o

industrialismo como eixo principal na interação dos seres humanos; 2) os estados-

nação, como veículo do monopólio dos meios de violência e vigilância ligados ao

poder militar; 3) a produção capitalista que, aliada à industrialização, propiciou

riqueza econômica e poder militar.

As sociedades modernas (ou estados-nação) situaram o “problema da

ordem” como um distanciamento tempo-espaço. A separação do tempo e do

espaço culminou numa recombinação que permitiu o zoneamento tempo-espacial

preciso da vida social e num alvo indefinido (ou global).

Nas sociedades pré-modernas, o cálculo do tempo era vinculado ao lugar

e, geralmente, impreciso e variável. Não era possível dizer a hora do dia sem fazer

referência a outros marcadores sócio-espaciais. A criação do relógio mecânico e

sua difusão na população separou definitivamente tempo e espaço. O relógio

VIGILÂNCIA (Controle da informação e supervisão local / ligado à

CAPITALISMO

(Acumulação de capital no contexto de trabalho e mercados de produtos

com

p

etitivos

)

PODER MILITAR (Controle dos meios de violência no contexto da industrialização da guerra)

INDUSTRIALISMO

(Transformação da natureza: desenvolvimento do “ambiente

P

135

Giddens, As conseqüências da modernidade, p.65.

135

acabou por expressar uma dimensão uniforme de tempo que correspondeu à

uniformidade na organização social do tempo, tendo em vista que quantificou a

designação precisa de “zonas” do dia (como as jornadas de trabalho). Essa

mudança, segundo Giddens (1991), coincidiu com a expansão da modernidade

(final do século XVIII).

Um dos principais aspectos dessa questão é a padronização dos calendários

em escala mundial e a conseqüente representação de um tempo monocrônico

(seqüencial, linear e econômico) na sociedade ocidental.

Além disso, o “esvaziamento do tempo” é pré-condição para o

“esvaziamento do espaço”. O espaço vazio se dá por conta da separação entre

espaço e lugar. O lugar, segundo Giddens (1991), é melhor compreendido por

meio da “idéia de localidade, que se refere ao cenário físico da atividade social

como situado geograficamente.” (p.26-7).

Dessa maneira, nas sociedades tradicionais, espaço e tempo coincidem,

pois as dimensões espaciais da vida social são dominadas pela “presença” das

pessoas em atividades localizadas. Em condições de modernidade, o espaço vai

sendo cada vez mais separado do tempo, tendo em vista que as relações podem ser

localmente distantes, prescindindo da interação face a face e incitando as relações

entre outros “ausentes”. O que estrutura o local não é mais somente o que está

presente na cena, mas outras relações distanciadas que determinam também sua

natureza.

Um dos principais aspectos dessa questão foi o mapeamento progressivo

do mundo, pois a criação de mapas universais estabeleceu independência do

espaço de qualquer lugar particular.

Entendemos, agora, por que a separação entre o tempo e o espaço

recombinou as atividades sociais e, na verdade, é uma reordenação tempo-espaço.

O tempo tanto quanto o espaço é eminentemente cultural. Ele está associado a um

sistema, a uma ordem social, a um universo de representações da natureza, da vida

e das relações que todos esses elementos mantêm entre si.

Portanto, a separação tempo-espaço é pré-condição para o processo de

desencaixe dos sistemas sociais. Retirando as atividades sociais de seus contextos

localizados, o dinamismo da modernidade reorganizou as relações sociais através

de distâncias indefinidas tempo-espaciais; também proporcionou a organização

racionalizada (capaz de conectar o local e o global de maneiras impensáveis nas

136

sociedades tradicionais); e, finalmente, propiciou uma nova visão de historicidade

(dependente de modos de inserção no tempo e no espaço, indisponíveis para as

sociedades pré-modernas). A Internet, principalmente as “salas de bate-papo”,

traduz bem esse fato. Aqui estamos lidando com duas questões fundamentais e

que estão interligadas: a globalização e o projeto de uma nova identidade

(identidade pós-moderna).

Vejamos, primeiro, a globalização. Esta, segundo Giddens (1991), refere-

se essencialmente ao processo de alongamento que se deu nas relações entre

formas sociais e eventos locais e distantes,

... na medida em que as modalidades de conexão entre diferentes regiões ou contextos sociais se enredaram através da superfície da Terra como um todo. A globalização pode ser assim definida como a intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa.(...) A transformação local é tanto uma parte da globalização quanto a extensão lateral das conexões sociais através do tempo e do espaço. (p.69-70).

O processo de globalização é um processo dialético. O desenvolvimento

das relações sociais globalizadas serve, por um lado, para diminuir o sentimento

nacionalista ligado ao estado-nação, mas, por outro, serve também para a

intensificação de sentimentos nacionalistas mais localizados. Esse fato alterou

substancialmente as características de “comunidade”; tanto fortalece a autonomia

local e identidade cultural e regional como prepara um terreno fértil para o

“ressurgimento” de fundamentalismos e tribalismos.

O que a modernidade se propôs a destruir está tão presente em nossos dias

como há dois séculos, porém sob outro aspecto. A nacionalidade, a comunidade, a

tradição, o amor ao que se possui, os laços de sangue, o aferramento às raízes e ao

solo não foram destruídos ou condenados, pelo contrário, agora são seus críticos.

Como diz Bauman (1998), “é o tribalismo miraculosamente renascido, que injeta

espírito e vitalidade no louvor da comunidade, na aclamação de fazer parte, na

apaixonada busca da tradição.” (p.101).

A “esperança de tornar as coisas melhores do que são”, traço mais

característico da modernidade, continua entre nós, já que as coisas não estão

melhores do que eram. Porém, fracassou o grande artifício que a modernidade

137

prometeu construir. “Os projetos racionais de perfeição artificial e as revoluções

destinadas a imprimi-los no mundo” não cumpriram sua promessa. Assim, pode

ser que “as comunidades” – organismos não planejados que cresceram

naturalmente – cumpram o que as frias abstrações desses projetos não puderam

cumprir.

À maneira de Stalin ou Hitler, por exemplo, a paixão pela perfeição

projetada, dentre outros aspectos, culminou na heterofobia, canalizando-a sob a

forma de genocídio. Entretanto, os fundamentalismos e os tribalismos

desordenados pelo mundo, também fundados na heterofobia, configuram uma

saída de exílio muito mais que de genocídio. Frases como: “eu gosto de negros,

mas o lugar deles é na África” ou “eu gosto dos nordestinos, mas o lugar deles é

no nordeste” ou “nos preocupamos muito com os pobres, mas o lugar deles é na

periferia”, ilustram bem essa problemática.

A esse fenômeno Freud (1930) deu o nome de ‘narcisismo das pequenas

diferenças’, em que “se trata de uma satisfação conveniente e relativamente

inócua da inclinação para agressão, através da qual a coesão entre os membros da

comunidade é tornada mais fácil.” (1980, p.136). Como é difícil para o ser

humano abandonar a satisfação de sua inclinação para a agressividade, um ‘grupo

cultural pequeno’ oferece a vantagem de conceder um escoadouro para esse

impulso agressivo sob a forma de hostilidade contra intrusos. Diz Freud (1930):

“é sempre possível unir um considerável número de pessoas no amor, enquanto

sobrarem outras pessoas para receberem as manifestações de sua agressividade.”

(1980, p.136).

Dessa maneira, nas antipatias e aversões declaradas que as pessoas sentem

por estranhos com os quais têm que se relacionar, podemos identificar a expressão

do amor a si mesmo, isto é, do narcisismo, que dentro do grupo se desvanece

temporária ou permanentemente, na medida em que os laços mútuos exigem uma

limitação do narcisismo. “Os indivíduos no grupo comportam-se como se fossem

uniformes, toleram as peculiaridades de seus outros membros, igualam-se a eles e

não sentem aversão por eles.” (Freud, 1921/1980, p.130). Ou seja, essa aversão

está direcionada para o outro grupo e, assim, o primeiro grupo sobrevive.

Enfim, da mesma forma que existia um conflito ambivalente na

modernidade, expresso na tendência a apagar as diferenças, em nome de um

padrão homogêneo mundial, ao mesmo tempo que se recuava diante do êxito de

138

tal operação, na pós-modernidade há um conflito ambivalente análogo. Este

ocorre na medida em que o reconhecimento pós-moderno da diferença hesita ante

o repulsivo e adorável extremo liberalismo, ao mesmo tempo que o tribalismo

nega aos outros o direito de comparar e avaliar. Como diz Bauman (1998), “a

tolerância da diferença bem pode ser aliada à categoria recusa da solidariedade.”

(p.103). Desde sempre o combate ao mal que facilmente é reconhecido no outro,

no diferente, no estrangeiro que deve ser excluído ou deixado de fora.

Outro ponto que a globalização trouxe foi a evaporação da posição

privilegiada do ocidente face ao mundo, tendo em vista que promoveu a extensão

global das instituições da modernidade.

Giddens (1991) aponta para quatro dimensões da globalização –

intrínsecas à quádrupla classificação136 das instituições da modernidade – como

mostra o quadro abaixo. São elas: 1) a economia capitalista (que se tornou

mundial); 2) o sistema de estados-nação (atores principais dentro da ordem

política global e da economia mundial); 3) a ordem militar mundial (que diz

respeito não só ao armamento e às alianças entre as forças armadas de estados

diferentes, mas à própria guerra); 4) o desenvolvimento industrial (que gerou a

expansão da divisão internacional do trabalho, isto é, a difusão mundial das

tecnologias de máquina, afetando não só a esfera da produção como o caráter

genérico das interações humanas e o meio-ambiente natural; sendo que um dos

grandes efeitos do industrialismo foi a transformação das tecnologias de

comunicação, ou seja, o impacto globalizante da mídia).

AS DIMENSÕES DA GLOBALIZAÇÃO137

136 Vide p.124.

SISTEMAS DE ESTADOS NAÇÃO

ECONOMIA CAPITALISTA

DIVISÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO

137 Giddens, As conseqüências da modernidade, p.76.

139

Podemos, agora, tratar da outra conseqüência do processo de desencaixe: o

projeto de uma nova identidade, a identidade pós-moderna.

Vimos até aqui que a sociedade moderna tendeu a “coletivizar e

centralizar as atividades de ‘purificação’ destinadas à preservação da pureza”.

Temos, por exemplo, como formadores de ordem, a escola e o exército, dentre

tantos outros. Entretanto, na atualidade, essas estratégias “tendem cada vez mais a

serem substituídas pela desregulamentação e privatização”, como aponta Bauman

(1998, p.22).

O estado não se interessa mais pela uniformidade, ou seja, pela sua antiga

tarefa de promover e manter a “ordem tanto singular quanto abrangente”: a

integração social. Esta tarefa, agora, fica por conta “das forças de mercado

amantes da variedade”, nos dizeres de Bauman (1998, p.105, 23). O espírito

moderno iluminista do “impulso para adiante” está afrouxando, ao mesmo tempo

que aparece o interesse persistente pela diversificação e pela desordem mundial.

O indivíduo pós-moderno, acrescenta esse autor, “acha a infixidez de sua

situação suficientemente atrativa para prevalecer sobre a aflição da incerteza.”

(p.22) São seduzidos por novas experiências, propostas de aventuras, mas sem

fixação de compromissos. Preferem opções abertas, como o “ficar”, na relação

amorosa do adolescente que se estende até a maturidade. Há uma “mudança de

disposição” que é favorecida e controlada por um mercado organizado na procura

do consumidor e na manutenção de uma “procura permanentemente

insatisfeita.(...) o estranho, agora é tão resistente à fixação como ao próprio

espaço social.” (Bauman, 1998, p.23).

Dessa maneira, na atualidade, “de estilos e padrões de vida livremente

concorrentes”, as pessoas devem passar por um severo teste ou critério de pureza:

“a aptidão para participar do jogo consumista”. Quem não passa nessa prova é a

“sujeira da pureza pós-moderna”. Os novos “impuros” são deixados de fora, são

“pessoas incapazes de ser ‘indivíduos livres’ conforme o senso de ‘liberdade’

definido em função do poder de escolha do consumidor.” São os consumidores

falhos, pessoas que não conseguem ser capazes de serem seduzidas “pela infinita

possibilidade e constante renovação promovida pelo mercado consumidor, de se

regozijar com a sorte de vestir e despir identidades, de passar a vida na caça

interminável de cada vez mais intensas sensações e cada vez mais inebriante

experiência.” (Bauman, 1998, p.22; os grifos são meus).

140

Os consumidores falhos fazem parte da categoria dos fracassados, segundo

a visão de mundo (ideal da cultura) atual, ao mesmo tempo que expressam os

modelos de subjetividade promovidos pela sociedade contemporânea. Fracassam

no exercício da rapidez e infixidez, da infinita possibilidade da constante

renovação, da sedução e promessa de felicidade que a mudança permanente traz.

São excluídos sociais. Nesse contexto, poderíamos dizer que os panicados, os

deprimidos e os psicossomatosos são consumidores falhos, excluídos sociais?

Todavia, paradoxalmente, são indivíduos que estão dizendo “não” a esse

imperativo categórico de ser, denunciando a sua maneira que, na atualidade,

estamos mais à mercê da desregulamentação e da liberdade individual.

Lembremos que a modernidade viveu numa permanente guerra à tradição

“legitimada no anseio de coletivizar o destino humano” num plano superior que

substituísse a ordem tradicional pela nova ordem. Devia, assim, purificar-se em

seus próprios princípios. Como aponta Bauman (1998), a maior impureza da

“versão moderna da pureza eram os revolucionários”, os quais o espírito moderno

tinha tudo para gerar. Eles eram os mais fiéis e crentes adeptos da moderna

revelação, que se esforçavam para absorver as mensagens das lições mais radicais

e de colocá-las “em ordem além das fronteiras do que o mecanismo de colocar em

ordem podia sustentar.” (p.26). Isso resultou no excesso de ordem e na escassez de

liberdade.

Em contrapartida, a pós-modernidade vive numa permanente pressão

contra a “interferência coletiva no destino individual”; vive para

desregulamenteção e privatização. Agora, não são os revolucionários a maior

impureza, mas, como aponta Bauman (1998), a odiosa impureza da versão pós-

moderna da pureza são aqueles que, ou desrespeitam a lei, ou fazem a lei com as

próprias mãos, como os assaltantes, grupos de extermínio e terroristas. Mais uma

vez, eles são os mais fiéis e crentes adeptos da revelação pós-moderna que se

esforçam para absorver as mensagens das lições em pauta e colocá-las em prática

até sua conclusão mais radical:

A busca da pureza moderna expressou-se diariamente na ação punitiva contra as classes perigosas; a busca da pureza pós-moderna expressa-se diariamente com a ação punitiva contra moradores das ruas pobres e das áreas urbanas proibidas, os vagabundos e indolentes. Em ambos os casos, a “impureza”

141

no centro da ação punitiva é a extremidade da forma incentivada como pura. (p.26, os grifos são meus).

É na chamada “classe baixa” que se armazenam depósitos de fracassados e

rejeitados pela sociedade atual: a sociedade de consumo. Os pobres e

desempregados, agora, não são mais o “exército de reserva de mão-de-obra”,

como o eram na sociedade de produtores, mas se configuram na “população

redundante” que está transgredindo a norma “estar empregado”.

Como diz Bauman (1998), “cada vez mais ser pobre é encarado como um

crime; empobrecer, como produto de predisposições ou intenções criminosas –

abuso de álcool, jogos de azar, drogas, vadiagem e assistência, merecem ódio e

condenação –, como a própria encarnação do pecado.” (p.59). Aqueles que

aterrorizam a “classe baixa”, ao fazê-lo, estão afastando os próprios terrores

internos. Um tipo de heterofobia que se configura na saída de exílio, da exclusão

dos estranhos, como mostramos anteriormente, ou, parafraseando Freud, no

“narcisismo das pequenas diferenças”. O mal que facilmente é reconhecido no

outro (e não em nós mesmos), para que não nos aterrorize, é preciso ser afastado,

ser deixado de fora, excluído.

O “estado de bem-estar” era um instrumento manejado pelo estado para

reabilitar os temporariamente inaptos, ou seja, tornar empregável a mão-de-obra

desempregada; não era uma caridade, mas um direito do cidadão, portanto uma

forma de seguro coletivo. Entretanto, esse quadro se dava na época em que “a

indústria proporcionava trabalho, subsistência e segurança à maioria da

população.” Hoje, o progresso tecnológico e administrativo se dá pela redução da

força de trabalho, portanto dos funcionários. Na atualidade, “racionalizar”

significar cortar empregos, e não criar novos empregos. As melhorias econômicas

não anunciam o fim do desemprego, pelo contrário, aumentam o refugo dos

desempregados. A previdência, antes um direito do cidadão, hoje se transforma no

estigma dos incapazes. Os desempregados são considerados como puros

absorventes do dinheiro do estado e dos contribuintes. Cada vez mais os

humilhados são associados ao parasitismo, à negligência, à promiscuidade ou ao

abuso de álcool. Atualmente, ouvimos a seguinte frase: “já não podemos mais

custeá-los”, o que significa que o estado e a comunidade não consideram mais

conveniente a responsabilidade pelos custos sociais e humanos da subsistência

142

econômica, transferindo “o pagamento às próprias vítimas presentes e futuras (...)

a tarefa de lidar com os riscos coletivamente produzidos foi privatizada.”

(Bauman, 1998, p.51-2; os grifos são meus).

Para Bauman, desde que os órgãos coletivos encarregados da ordem

societária global não exercem mais sua função, “a responsabilidade pela situação

humana foi privatizada e os instrumentos e métodos de responsabilidade foram

desregulamentados”. A sociedade atual desencoraja a fundamentação da

esperança em ações coletivas, na medida em que seus padrões de comportamento

não estão mais fundamentados numa ordem estável e seus integrantes estão sendo

expulsos da posição de produtores e sendo definidos como consumidores. “Ao

contrário do processo produtivo, o consumo é uma atividade inteiramente

individual.” (Bauman, 1998, p.53).

Na atualidade, o consumo se tornou a medida de uma vida bem-sucedida.

Consumir e possuir determinados objetos e adotar determinados estilos de vida é a

condição necessária para a felicidade e dignidade humanas.

E, a todo momento, o consumo abundante é mostrado e insuflado como a

marca do sucesso e o caminho para a fama. Os meios de comunicação propagam

insistentemente a mensagem de que no momento o modelo é o de “apoderar-se de

mais” e a norma é o imperativo de saber aproveitar bem as cartas de que se dispõe

para esse jogo. Dessa forma, os indivíduos da sociedade de consumo devem

lançar mão de todos os recursos de que dispõem para jogar, tendo em vista que os

jogadores incapazes são mantidos fora do jogo, ou seja, os consumidores

falhos.138 Estes são a encarnação do próprio terror interno que a “classe superior”

quer afastar de si mesma e, como já aprendemos, para que ela se mantenha como

um grupo unido e estruturado é preciso que exista um “outro grupo” depositário

das manifestações de sua agressividade. A “classe superior” não quer ser o refugo

do jogo que sempre existirá, porque num jogo, incontestavelmente, há

“ganhadores” e “perdedores”.

Esse fato, cada vez mais, gera uma linha de separação muito tênue entre o

lícito e o ilícito. Assim, a cena social atual desenha uma sociedade de

consumidores guiada pelo mercado consumidor, portanto uma sociedade

desregulamentada e privatizada (ou com excesso de liberdade individual), em que

138 Vide p.130.

143

se lança um novo projeto de vida no qual se configura um novo projeto de

identidade: a identidade pós-moderna.

O projeto moderno, como coloca Bauman (1998), “prometia libertar o

indivíduo da identidade herdada” (p.30-1); transformou, assim, a identidade de

uma questão de atribuição em realização, ou seja, a identidade passou a ser uma

tarefa individual e de responsabilidade do indivíduo. Ela foi lançada como um

projeto de vida, devendo ser construída passo a passo. Havia um planejamento a

longo prazo e a visão de conseqüências de cada movimento. Diz ele:

... havia assim, um vínculo forte e irrevogável entre a ordem social como projeto e a vida individual como projeto, sendo a última impensável sem a primeira. Se não fossem os esforços coletivos com o fim de assegurar um cenário de confiança, duradouro, estável, previsível para os atos e escolhas individuais, construir uma identidade clara e duradoura bem como viver a vida voltada para essa identidade seria quase impossível. (p.31).

Entretanto, não é o que detectamos no contexto da vida pós-moderna. O

projeto de vida individual não encontra terreno estável e/ou fértil para se enraizar

(fixar) e o esforço na constituição da identidade individual não consegue retificar

as conseqüências do processo de desencaixe dos sistemas sociais gerados pela

modernidade. Os “eus” (egos) estão flutuantes e à deriva, diferentemente da

suposta solidez e continuidade do contexto da vida moderna.

Nesse sentido, configura-se um quadro em que há um processo gradual e

progressivo de desagregação do tecido social. O abandono do Estado – com

relação a necessidades que somente ele poderia suprir – aumenta a vivência de

desvalia e desamparo por parte dos indivíduos, potencializando a sensação de

vazio; o que culmina na busca frenética de objetos que preencham esse vazio, que

dêem sentido à existência do sujeito.

Parece que estamos vivendo o que Freud (1930) temia, ou seja, a

constituição de uma subjetividade em que há a decadência da Lei paterna, como já

assinalamos no capítulo anterior139. Na atualidade, predominam as formações de

ego ideal (narcisismo) sobre as de ideal do ego (alteridade), caracterizando uma

modalidade de subjetividade autocentrada140. Esse é um dos efeitos dos processos

139 Vide p.90 e 110. 140 Vide p.83.

144

sócio-históricos que vimos assinalando: a configuração de ideais associados aos

modos hegemônicos de produção de subjetividade e, conseqüentemente, às formas

de sofrimento psíquico predominantes na atualidade.

Uma grande conseqüência disso tudo é a alteração nas modalidades de

sociabilidade que aponta para a fragilização dos vínculos sociais, ou seja, dos

laços mútuos e da constituição e permanência dos grupos.

Lembremos que a construção dos laços sociais é um efeito da problemática

do indivíduo em relação aos ideais e às identificações, ou seja, em relação à

alteridade141. Entretanto, quando os vínculos de uma sociedade são constituídos,

principalmente, pela identificação dos seus membros uns com os outros sem que

um ideal comum tenha a importância que lhe deveria caber na formação de um

grupo, corremos o perigo da massificação das identidades142.

O sujeito pós-moderno forja uma identidade imaginária em que, nas

identificações imaginárias, parte de si para si mesmo, tendo, como conseqüência,

uma referência autônoma e independente da maneira como é visto pelo outro. A

alteridade cede lugar para o narcisismo ou, em outras palavras, a subjetividade

descentrada (ideal do ego) dá lugar à subjetividade autocentrada (ego ideal).

Vejamos como se dão essas questões.

Tomando a conceituação de identidade de Christopher Lasch, Bauman

(1998) mostra que a mesma se refere tanto a pessoas quanto a objetos. Diz ele:

O mundo construído de objetos duráveis foi substituído pelo de produtos disponíveis projetados para imediata obsolescência. Num mundo como esse, as identidades podem ser adotadas e descartadas como uma troca de roupa. O horror da nova situação é que todo trabalho de construção pode mostrar-se inútil; e o fascínio da nova situação, por outro lado, se acha no fato de não estar comprometida com experiências passadas, de nunca ser irrevogavelmente anulada, sempre “mantendo as opções abertas”.(...) no jogo da vida... a estratégia sensível (...) é manter curto cada jogo (...) o que significa tomar cuidado com os compromissos a longo prazo. Recusar-se a “se fixar” de uma forma ou de outra. Não se prender a um lugar, por mais agradável que (...) possa parecer (...) não controlar o futuro, mas se recusar a empenhá-lo (...) proibir o passado de se relacionar com o presente. (p.113).

141 Vide p.83. 142 Vide p.110.

145

Joel Birman, Maria Rita Kehl e Jurandir Freire Costa esclarecem

desdobramentos dessas considerações em relação às psicopatologias na

atualidade, às novas formas de subjetivação e, portanto, à caracterização da

identidade pós-moderna e ao declínio da Lei paterna na sociedade contemporânea.

Birman (2001) apoia-se em Lasch – no conceito de cultura do narcisismo –

para mostrar as transformações da individualidade na atualidade. Para ele, o

autocentramento absoluto do sujeito (a exaltação desmesurada do eu) se expressa

no individualismo em seu limite máximo e se apresenta sob a forma da

“estetização da existência, na qual o que importa para individualidade é a

exaltação gloriosa do próprio eu.” (p.166). Portanto, uma subjetividade que

privilegia processos psíquicos narcísicos, ou seja, a idealização da onipotência do

ego (ego ideal)143. Além disso, suas interpretações acerca das modalidades de

sociabilidade também incluem o conceito de sociedade do espetáculo

desenvolvido por G. Debord. Diz Birman:

Pelos imperativos da estetização da existência e de inflação do eu, pode-se fazer a costura entre as interpretações de Debord e Lasch, já que a exigência de transformar os incertos percalços de uma vida em obra de arte evidencia o narcisismo que o indivíduo deve cultivar na sociedade do espetáculo. Nessa medida, o sujeito é regulado pela performatividade mediante a qual compõe os gestos voltados para a sedução do outro. Este é apenas um objeto predatório para o gozo daquele e para o enaltecimento do eu. As individualidades se transformam, pois, tendencialmente, em objetos descartáveis, como qualquer objeto vendido nos supermercados e cantado em verso e prosa pela retórica da publicidade. Pode-se depreender, com facilidade, que a alteridade e a intersubjetividade são modalidades de existência que tendem ao silêncio e ao esvaziamento. (2001, p.188).

As formas corriqueiras de predação do corpo do outro são a evidência do

autocentramento no registro do sexual. A manipulação do corpo do outro se

constitui como técnica de existência para a individualidade, como forma

privilegiada para exaltação de si mesmo. Diz Birman (2001):

Por meio da predação, o sujeito empreende também a estetização de seu eu, por um outro viés, polindo seu brilho pelo cultivo infinito da admiração do outro (manipulação)(...)

143 Vide p.81.

146

Com efeito, para o sujeito não importam mais os afetos, mas a tomada do outro como objeto de predação e gozo, por meio do qual se enaltece e glorifica.(...) na cultura do espetáculo, o que se destaca para o indivíduo é a exigência infinita da performance, que submete todas as ações daquele... Nessa performance, marcada pelo narcisismo funesto (...) o que importa é que o eu seja glorificado, em extensão e em intenção.(...) Isso nos remete à psicopatologia da pós-modernidade que se caracteriza por certas modalidades privilegiadas de funcionamento psicopatológico, nas quais é sempre o fracasso do indivíduo em realizar a glorificação do eu e a estetização da existência que está em pauta... são quadros clínicos fundados sempre no fracasso da participação do sujeito na cultura do narcisismo. Quando se encontra deprimido e panicado, o sujeito não consegue exercer o fascínio de estetização de sua existência, sendo considerado, pois, um fracassado segundo os valores axiais dessa visão de mundo. (p.167-9; os grifos são meus).

Para esse autor, toda essa construção é mediada pelo universo da imagem.

A imagem é a condição fundamental para “o espetáculo na cena social e para

captação narcísica do outro”, destacando-se a mídia na produção desse imaginário

social. Os meios de comunicação de massa através da televisão, dos outdoors, da

informática e do jornalismo escrito, fomentam o poder de captura do outro. A

cena pública sempre se desenha por imagens e a imagem é a condição para a

sedução e o fascínio. Nesse sentido, vai-se constituindo uma nova concepção de

realidade e do que é real:

Assim, ser e parecer se identificam absolutamente no discurso narcísico do espetáculo, sendo aquele o pressuposto ontológico dessa interpretação da sociabilidade. Pela subversão das hierarquias entre verdadeiro e falso, original e cópias, a sociabilidade narcísica é antiplatônica por exelência. Com isso, o que o sujeito perde em interioridade ganha em exterioridade, de maneira que aquele é marcadamente autocentrado. Nesse sentido, o sujeito se transforma numa máscara, para exterioridade, para exibição fascinante e para captura do outro. (Birman, 2001, p.189; os grifos são meus).

Outro ponto interessante é o fato de Birman (2001) trabalhar a noção de

autocentramento do sujeito não identificada com a noção de sujeito dentro-de-si,

mas fora-de-si. Para ele, “o que caracteriza o autocentramento da subjetividade na

cultura do narcisismo é justamente o excesso de exterioridade.” (p.170)

Deparamo-nos com uma

147

... nova modalidade de sujeito fora-de-si que não é representada pelo modelo da psicose (como modelo de alienação mental do século XIX em que o sujeito fora-de-si era desvalorizado, excluído socialmente) (...) o sujeito autocentrado é efetivamente fora-de-si, pois é exterioridade por excelência. Na condição de fora-de-si essa modalidade de autocentramento é valorizada socialmente na cultura do narcisismo. O problemático é quando o sujeito não é assim e é recusado pela sociedade, como acontece com os panicados e deprimidos. Da mesma maneira a cultura da drogadição é estimulada socialmente pelas vias médicas e do narcotráfico.(...) Esse novo sujeito fora-de-si é altamente positivado em oposição ao da psicose. Na medida em que é legitimado, ele não é socialmente excluído, como o da psicose. Ao contrário, o autocentramento é o índice da integração do sujeito no social. Este seria o modelo de ser do sujeito na atualidade, o ideal de moralidade proposto para ele. Não é justamente nisso que se quer transformar agora o depressivo e o panicado? Não é assim que se quer moldar os que sofrem dos excessos de interiorização –, para que possam ser cidadãos de pleno direito da sociedade do espetáculo? (p.171-2; os grifos são meus).

O autocentramento do sujeito com valor de exterioridade está no âmago

das formas de construção da subjetividade no mundo atual, ou seja, o eu se

encontra em posição privilegiada nas novas formas de construção da subjetividade

(ego ideal em detrimento do ideal do ego, portanto o regime do narcisismo).

Conseqüentemente, o campo social contemporâneo é caracterizado,

fundamentalmente, pela fragmentação da subjetividade. “Esta fragmentação é não

apenas uma forma nova de subjetivação, mas a matéria-prima por meio da qual

outras modalidades de subjetivação são forjadas.” (Birman, 2001, p.23).

Se, no início da modernidade, a subjetividade “tinha seus eixos

constitutivos nas noções de interioridade e reflexão sobre si mesma”, (p.23) agora

nos deparamos com uma leitura da subjetividade nas noções de exterioridade e

autocentramento do eu. “E com isso, a subjetividade assume uma configuração

decididamente estetizante, em que o olhar do outro no campo social e mediático

passa a ocupar uma posição estratégica em sua economia psíquica.” (Birman,

2001, p.23).

Dessa maneira, Birman (2001) aponta para o que está no fundamento das

psicopatologias contemporâneas: “modelos privilegiados de subjetivação

investidos pela cultura do narcisismo e pela sociedade do espetáculo” (p.24), que

enfatizam a exterioridade e o autocentramento do sujeito humano na atualidade.

148

Há uma recusa à interiorização, pois o que interessa é o exterior, o espetáculo, a

cena, a sedução, a capitação narcísica do outro. Começamos a delinear o estilo de

sociedade em pauta, na atualidade, que gera condições e possibilidades na

produção de suas próprias psicopatologias. É nesse panorama que se insere o

pânico.

É a partir, portanto, de um modelo de subjetividade autocentrada que o

sujeito contemporâneo encontra uma posição (no grupo) a partir da qual ele pode

falar com alguma propriedade de quem ele é e se situar dentro do contexto atual.

Nesse cenário, para Birman (2001), “os destinos do desejo assumem uma

característica marcadamente exibicionista e autocentrada, na qual o horizonte

intersubjetivo se encontra esvaziado e desinvestido das trocas inter-humanas.”

(p.24).

Essa questão é facilmente notável quando detectamos que, na atualidade, a

solidariedade enquanto valor está em baixa. As trocas inter-humanas (laços

sociais) são fundamentadas na alteridade, como reconhecemos socialmente

através da solidariedade. Entretanto, hoje a regra é: “cada um por si e o resto que

se dane!”

A alteridade se fundamenta em que o sujeito humano reconheça o outro na

sua singularidade e diferença. Porém, o autocentramento do sujeito não permite se

descentrar de si mesmo, impossibilitando a admiração do outro na sua diferença.

Essa é a característica fundamental da subjetividade na cultura contemporânea e

que se transforma em terreno fértil para o desenvolvimento da violência no campo

social. Como coloca Birman (2001):

Referido sempre a seu próprio umbigo e sem poder enxergar um palmo além do próprio nariz, o sujeito da cultura do espetáculo encara o outro apenas como um objeto para seu usufruto.(...) o sujeito vive permanentemente em um registro especular, em que o que lhe interessa é o engrandecimento grotesco da própria imagem. O outro lhe serve apenas como instrumento para o incremento da própria auto-imagem, podendo ser eliminado como um dejeto quando não mais servir para essa função abjeta. Com isso, as relações humanas assumem características nitidamente agonísticas, de uma maneira perturbadora. Na ausência de projetos sociais compartilhados, resta apenas para as subjetividades os pequenos pactos em torno da possibilidade de extração do gozo do corpo do outro, custe o que custar. Este é o cenário para a estridente explosão da violência na cultura da atualidade(...) saquear o outro, naquilo que este tem de

149

essencial e inalienável, se transforma quase no credo nosso de cada dia. (p.25; os grifos são meus).

Se o outro é obstáculo, basta eliminá-lo. A vida torna-se algo banal. Nos

dias atuais, a morte e o assassinato são triviais no cotidiano. É o ethos da

violência, nos dizeres de Birman.

Nesse sentido, em Sobre ética e Psicanálise (2002), Kehl considera que há

uma crise ética em curso no mundo contemporâneo, que produz sintomas

alarmantes, principalmente relacionados à violência. Situa essa crise em duas

vertentes principais: no “reconhecimento da lei” e na “desmoralização do

código”. (p.12-3).

A lei a que se refere diz respeito à lei universal que funda nossa condição

de seres de cultura: a interdição do incesto. É pelo efeito da lei que os sujeitos

participam do laço social. Lembremos Totem e tabu (1913). Freud coloca que,

com a morte do pai, os irmãos, culpados e ameaçados, organizam-se e criam um

modo de barrar o gozo ilimitado (o assassinato): restauram a autoridade simbólica

do pai sob a forma da proibição do incesto. “O pai morto tornou-se mais forte que

o fora vivo.” (p.172). Temos aqui o reconhecimento ou a instauração da função

paterna e sem essa referência, segundo Freud, nenhuma cultura é concebível. O

parricídio, a Lei paterna e a interdição do incesto tornam os irmãos sujeitos à

diferença e ao conflito. Em outras palavras, a alteridade é reconhecida e a

sexualidade repartida entre todos144.

Entretanto, o apelo contemporâneo de nos fazer gozar mais, como enfatiza

Kehl (2002), dificulta “o nosso reconhecimento da lei”.

A transmissão, assim como a origem da lei, se inscrevem no inconsciente; sua inscrição subjetiva se dá por meio da linguagem, mas sua consistência imaginária é preservada pelas grandes formações da cultura (...) as sociedades modernas têm na liberdade, na autonomia individual e na valorização narcísica do indivíduo seus grandes ideais (...) orientados para o gozo e para o consumo (...) Cada indivíduo se crê pai de si mesmo, sem dívida nem compromisso com os antepassados, incapaz de reconhecer o peso do laço com os semelhantes, vivos e mortos na sustentação de sua posição subjetiva (...) A crise que se refere ao reconhecimento da lei, portanto, se deve a dificuldade do reconhecimento da dívida simbólica – o preço que todos pagamos pela condição humana, marcada pela

144 Vide p.68.

150

linguagem e pela vida em sociedade.(...) a lei, tal como costumamos pensá-la – imperativo de renúncia ao gozo – vai perdendo sustentação na cultura. Nenhuma lógica se sobrepõe à lógica do capital (...) que hoje depende de um mercado movido por um apelo não à renúncia, mas ao próprio gozo. (p.13-4).

A desmoralização do código, segundo a autora, refere-se à falência do

pacto simbólico. Pelo menos por dois séculos houve um código que regeu a vida

burguesa e submeteu outras classes aos valores e ideais dessa mesma burguesia.

Diz ela:

É verdade que esse código caiu não por força de alguma conquista antiburguesa, mas por ter entrado em contradição com os próprios termos do individualismo que sustenta imaginariamente os sujeitos nas sociedades de mercado. (p.18).

Nessa medida, a crise ética em curso no mundo contemporâneo, situada na

dificuldade do reconhecimento da lei e na desmoralização do código, tem

produzido o alarmante efeito da constituição de uma subjetividade em que há a

decadência da função paterna, como já vimos assinalando. E como Freud (1930)

nos advertiu, o grande perigo é a constituição de uma civilização de massa na qual

a sociedade se vincula numa tendência à igualdade, em que seus membros buscam

a felicidade perdida (o ideal narcísico) no apagamento da diferença, na negação do

outro.

É por conta dessa crise ética que se sustenta a sociedade do espetáculo e do

narcisismo, que propiciam modos hegemônicos de produção de subjetividade. Em

outras palavras, a ética da sociedade contemporânea configura um ideal de cultura

em que os valores soberanos são, como vimos, o autocentramento, o excesso de

exterioridade, portanto a exigência do sucesso, do enriquecimento a qualquer

preço e de imediato. Há uma redução do homem à dimensão da imagem,

culminando em relações sociais regidas pelo imaginário.

Como demosntra Kehl (2002):

As formações imaginárias organizam-se em torno do eu narcísico, das identificações e das demandas de amor e reconhecimento. Existir por intermédio da imagem torna insuportável qualquer forma de exclusão – se eu não sou visto, eu não sou. Diante disso, qualquer forma de alteridade se torna ameaçadora. Há quem se autorize a tirar a vida alheia ou

151

mesmo prefira pagar com a própria vida o preço dos quinze minutos de fama e de visibilidade aos quais, supostamente, todos teríamos direito, já que a ‘fama’ vem a ser o substituto da cidadania na cultura do narcisismo e da imagem. (p.25).

Para essa autora, assim como para Birman, na atualidade, a indústria das

comunicações se apóia nessas formações imaginárias, acabando por ocupar um

grande área do que consideramos “espaço público”. Assim, era de se esperar que,

na interface entre o mundo “real” e o imaginário social – por exemplo, através dos

telejornais –, as telecomunicações fossem “eficientes na produção de uma nova

ética para os novos tempos.” (p.25). Entretanto, não é o que está ocorrendo. Todos

os dias, por exemplo, assistimos pela televisão à guerra no Iraque, transmitida

incansavelmente para o mundo todo, gerando horror e fascínio.

Deparamo-nos com o caráter espetacular de uma cobertura jornalística

que, evocando o imaginário do cinema de Hollywood, transmite ao vivo a guerra

como se fosse um filme. E o olhar de milhares de telespectadores não funciona

como o “olho da lei”, isto é, como uma testemunha que pode denunciar atos de

violência proibidos e intoleráveis para a sociedade. Ao contrário, o olhar dos

telespectadores transforma a guerra em espetáculo. Como sublinhamos145

anteriormente, com Birman, é esse olhar do outro no campo social e mediático

que ocupa posição estratégica na economia psíquica do sujeito pós-moderno: a

subjetividade assume uma configuração estetizante.

Dessa maneira, noticiando as cenas do dia-a-dia como cenas de um show,

o espetáculo telejornalístico não favorece em nada o pensamento crítico das

pessoas a respeito, por exemplo, do terrorismo internacional, das injustiças sociais

e da melhor política para lidar com esse quadro. Na verdade, as formações

imaginárias sustentadas pela linguagem televisiva causam o impacto de uma falsa

realidade, isto é, as coisas são como aparecem na televisão, dispensando-nos da

necessidade de pensar e, portanto, poupando-nos da dúvida e da incerteza.

Como esclarece Kehl (2002),

... são colagens de elementos imaginários que remetem os telespectadores a um mundo de fantasia no qual – ainda que

145 Vide p.138.

152

sejam fantasias de horror – somos todos poupados da dúvida e da incerteza, dispensados da necessidade de pensar. A linguagem televisiva nos infantiliza a todos, pois o impacto das imagens produz a falsa certeza de que as coisas “são como são”. Com isso a opinião pública torna-se participante de uma cena totalitária em que todas as alternativas estão contidas nos termos que a imagem comporta, dispensando a capacidade humana de questionar as versões oficiais, criar fatos novos e inventar soluções para as grandes crises sociais.(...) As formações imaginárias mobilizam os afetos e dispensam o pensamento. (p.25-7; os grifos são meus).

Esse fato exemplifica como o caráter público de uma situação não

funciona para coibir a violência, demonstrando os efeitos nocivos da

predominância das formações imaginárias na organização do laço social146.

As reflexões de Costa (1988) são semelhantes às de Birman e Kehl. No

texto Narcisismo em tempos sombrios, em que aborda o narcisismo pelo ângulo

das relações com os ideais em geral e com os ideais sociais, afirma que o

narcisismo continua sendo uma noção problemática, tanto na clínica atual quanto

na teoria.

Parte da premissa freudiana de que “o narcisismo é o modo mesmo do

funcionamento egóico” e que a compulsão à síntese ego-narcísica atende à

sobrevivência do sujeito, seja pelo viés consciente seja pelo viés inconsciente. O

primeiro, no sentido de que o “ego é uma ficção necessária à ação e à adaptação

ao mundo”; o segundo, na exigência inconsciente decorrente “do estado inicial da

experiência humana, chamado por Freud de impotência/desamparo

(Hilflosigkeit)”, (Costa, 1988, p.163) como condição de estruturação do

psiquismo, do sujeito humano, não sendo um mero acidente genético.

Essa impotência jaz no coração da angústia, das ilusões religiosas e de outros processos culturais. A síntese ego narcísica é o primeiro anteparo imaginário que, na luta contra a angústia derivada da impotência, assume a forma de um Eu em face de um outro.(...) é o ego narcísico que, de acordo com sua constituição imaginária, tenta historicizar o início imprevisível, criando representações positivas de quem age e quem fala,

146 A título de ilustração, o programa “Big Brother Brasil”, realizado pela Rede Globo de Televisão, é também um ótimo exemplo da transformação do cotidiano em espetáculo e do fascínio que isso gera nas pessoas. Aqui se sustenta, exatamente, a idéia da existência mediada pela imagem; eu só existo se sou visto. E pela ‘fama’ e ‘visibilidade’ se paga qualquer preço, já que esses são os ideais que a cultura atual prega.

153

como sendo o que sou Eu e o que é o outro. (Costa, 1988, p.165).

Costa (1988) mostra como Freud localiza esse estado de

impotência/desamparo estrutural “no início de cada vida individual, mas também

em meio à cultura e à civilização sob a espécie da Ananke” (p.165) que, aliada a

Eros na tarefa civilizatória, confronta o sujeito humano “com uma tríplice

vicissitude”, marca do desamparo estrutural: o envelhecimento do corpo, as forças

da natureza e a ameaça contida nas relações dos seres humanos com outros seres

humanos, ou seja, com a condição de desamparo do sujeito no mundo147.

Escreve esse autor:

Mais uma vez, para reagir a esta situação de “humilhação narcísica”, o Ego entra em cena, acionando seus mecanismos de autodefesa. Ora, uma das razões dos fenômenos conhecidos como distúrbios narcísicos encontra-se justamente no modo como os elementos da Ananke/Hilflosigkeit apresentam-se ao ego e no modo como o Ego reage a esta presença. Isto é verdadeiro tanto para os casos classificados na psicopatologia clínica quanto para os casos da psicopatologia da vida cotidiana. Incluímos nesta rubrica as personalidades narcísicas ou as representações do indivíduo na cultura narcísica. Este último termo, criado por Christopher Lasch(...) Hoje, definiríamos cultura do narcisismo como aquela em que o conjunto de itens materiais e simbólicos maximizam real ou imaginariamente os efeitos de Ananké, forçando o Ego a ativar paroxisticamente os automatismos de preservação face ao recrudescimento da angústia de impotência. Ou visto de outro ângulo, é a cultura onde a experiência de impotência/desamparo é levada a um ponto tal que torna conflitante e extremamente difícil a prática da solidariedade social. (Costa, 1988, p.165; os grifos são meus).

Assim, vamos delineando as condições de desamparo do sujeito na

contemporaneidade. Face às exigências dos ideais da cultura contemporânea o

sujeito responde no regime da idealização do ego (narcisismo), correndo o perigo

de se perder no lugar do Hilflosigkeit, da “impotência que jaz no coração da

angústia”. Esse quadro aumenta cada vez mais o desarranjo pulsional e a busca

frenética do sujeito em tamponar de qualquer maneira essa fenda que se alarga.

147 Como já colocamos, anteriormente, como as fontes do mal-estar (do sofrimento psíquico) na civilização. (Vide p.97, 153 e 156).

154

Costa (1988), ao refletir sobre as manifestações da cultura narcísica,

sublinha que Freud, “numa espécie de ensaio de ficção social”148, antevê o

“funcionamento de uma sociedade onde o declínio da autoridade e da perda da

crença na transcendência da justiça podem descer ao seu nível mais baixo.”

(p.166). Coloca que Freud (1921) chamou de “pânico narcísico” ao estado social

em que “os indivíduos, sem deus nem lei, agiam exclusivamente pressionados

pelo medo ou por motivos e interesses privados.” (p.167). Essa é uma

interpretação de Costa para o estado de Panik que irrompe tanto no indivíduo

quanto na massa, dada a cessação dos laços libidinais com o ideal.

Certos padrões de comportamento social no Brasil de hoje são suficientemente estáveis e recorrentes para que possamos afirmar a existência de uma forma particular de medo e reação ao pânico, que é a cultura narcísica da violência. Essa cultura nutre-se e é nutrida pela decadência social e pelo descrédito da justiça e da lei. Seu efeito mais imediato e mais daninho é a exclusão de representações ou imagens do Ideal do Ego que, contrapondo-se aos automatismos conservadores do Ego narcísico, possam oferecer ao sujeito a ilusão estruturante de um futuro passível de ser libidinalmente investido. Na cultura da violência, o futuro é negado ou representado como ameaça de aniquilamento ou destruição. De tal forma que a saída apresentada é a fruição imediata do presente; a submissão ao “status quo” e a oposição sistemática e metódica a qualquer projeto de mudança que implique em cooperação social e negociação não violenta de interesses particulares. (Costa, 1988, p.167)

Desse modo, a falência dos Ideais implica um desequilíbrio psíquico que

tem como resultado o pânico, que afeta tanto o sujeito quanto a sociedade: “a

cultura da violência mostra como a falência dos Ideais, acenando com o “pânico

narcísico”, desequilibra a economia egóica e compromete seriamente o bem-estar

do sujeito e de sua sociedade.” (Costa, 1988, p.172).

Em outras palavras, dizer que, na atualidade, há o declínio da Lei paterna é

considerar que a sociedade contemporânea se caracteriza como uma sociedade em

que há a falência dos ideais e, nesse contexto, o aumento da incidência do pânico

aponta para essa questão.

Corroboramos nossa idéia com Costa (1991): “dada a concepção de ideal

que defendo, creio que possa existir, sim, sociedade sem ideais. Por acaso não é a

148 O autor se refere ao artigo (1921) Psicologia de grupo e análise do ego.

155

isto que Freud alude quando se refere ao ‘pânico narcísico’? Onde estão os ideais

de um corpo social formado por hordas de sujeitos narcisicamente atomizados?”

(p.99).

E para mostrar como isso é possível, Costa (1991) diferencia lei de ideal,

apontando que

... nem toda lei é lei ideal. Lei é simplesmente uma injunção para se seguir regras. Portanto, podemos estar submetidos a uma lei louca, como a do superego freudo-lacaniano (...), mas isto não quer dizer que dispomos de uma lei ideal. Basta haver regularidade no cumprimento de regras para haver lei. Lei ideal, no entanto, só existe quando escapamos às injunções do gozo e, pela castração, formulamos regras capazes de perpetuar a cultura, através da diferença dos sexos e das gerações. (p.100; os grifos são meus).

Nessa medida, a idéia do pânico como um processo de produção social,

como uma forma, dentre várias, que o sujeito encontrou de se organizar na cultura

contemporânea, não contradiz em nada a definição de Freud (1921) do Panik

como efeito imediato da ruptura com o ideal, configurando um estado afetivo

terrorífico e extremo de angústia tanto no indivíduo quanto na massa.

Lembremos que, para Freud (1923), é a atitude do ideal do ego que

determina a gravidade de uma neurose, ou seja, os ideais da cultura podem gerar

patologias.149 Vejamos algumas colocações de Costa que clareiam bem essa idéia

freudiana.

Em Violência e psicanálise (1984), Costa discute sobre as implicações do

conceito de cultura narcísica criado por Lasch. Dessa discussão, destacamos

apenas o ponto em que ele discorda da afirmação de Lasch de que a cultura

americana produz indivíduos patologicamente narcisistas:

Lasch confunde traço étnico com traço psicopatológico. O primeiro é fruto da socialização, o segundo representa um distúrbio nesse processo de socialização. (p.147).

Costa (1984) aponta para esse lapso de raciocínio de Lasch – de que “a

identidade étnica do americano médio é um produto psicopatológico da cultura

americana”(p.148) – como algo importante, pois “acreditar que a cultura

149 Vide p.90.

156

americana elaborou um traço étnico psicopatológico(...) equivaleria em termos

mais simples a dizer que os americanos são ‘doentes’ só pelo fato de serem

americanos”.(p.149). Lasch acredita que a cultura americana é patogênica,

entretanto, como mostra Costa (1984), “não o é porque cria o tipo psicológico por

ele estudado”(p.148), mas, como qualquer cultura, pode de fato funcionar como

estímulo psicopatogênico. Diz ele:

Isso ocorre não porque ela [cultura] reproduz e fixa certos traços étnicos, mas porque, ao universalizar esses traços, impõe a certos indivíduos um desempenho psicológico cujos requisistos excedem os meios de que dispõem estes indivíduos para atingirem os fins desejados. Ou seja, não é o traço étnico em si que é psicopatológico; é o tipo de estratégia empregado pelo sujeito para apropriar-se destes traços que conduz à psicopatologia. (grifos do autor) O sujeito, por várias razões pode recorrer à psicopatologia como meio de enfrentar as tensões causadas pela exigência da performance psicológica ideal. A patologia emerge quando faltam ao sujeito os meios habituais, ou seja, culturalmente codificados e legitimados para lidar com os conflitos derivados das imposições do Tipo Psicológico Ideal. (grifos meus) A saída psicopatológica (...) demonstra que o sujeito, privado dos meios usuais de resolução dos conflitos, mobiliza constelações não-convencionais de recursos psicológicos para fazer frente a estes conflitos. (p.148).

Ou seja, na atualidade, os meios culturalmente codificados e legitimados

para o sujeito lidar com os conflitos gerados pela exigência da performance

psicológica ideal, implicam-lhe o uso de estratégias na apropriação desses traços

que acabam por conduzi-lo à psicopatologia.

Assim, para Costa (1984), a psicopatologia é produto de um entrave no

processo de socialização. A cultura pode ser um fator patogênico, não porque

produz um tipo particular de identidade étnica, mas porque é um “elemento causal

na cadeia patogênica” quando produz uma dissimetria entre as exigências do

“Tipo Psicológico Ideal” e os meios adequados para cumpri-las.

Aqui, alinhavamos a proposta de Costa às de Birman, costurando o tecido

do pânico como um sintoma que expressa o descompasso entre as exigências do

“Tipo Psicológico Ideal” atual, da exaltação desmesurada do eu e da estetização

da existência, e a incapacidade para o cumprimento dessas exigências ou para a

“adequação” a esse tipo ideal de ser. O sujeito que sofre de pânico poderia ser

considerado, neste contexto, alguém que fracassou no atendimento a essas

157

exigências, um excluído social e, também, um consumidor falho? É a mais pura

expressão da incerteza e insegurança do mundo pós-moderno? Como dissemos

anteriormente, no contexto da vida pós-moderna, a inexistente fixidez e o

desenraizamento são aspectos pouco férteis na constituição de uma identidade

individual que consiga retificar as conseqüências do processo de desencaixe dos

sistemas sociais gerados pela modernidade. Os “eus” estão flutuantes e à deriva do

desamparo.

Na medida em que o tempo é ceifado do passado e do futuro, ele é

separado da história e da memória. O fluxo do tempo torna-se um presente

contínuo, não tendo mais o caráter de direção. Já não há a idéia de “para frente” e

“para trás”, mas a habilidade de se mover. A ordem é flutuar.

Dessa maneira, o tempo já não estrutura mais o espaço. A estratégia da

vida pós-moderna é evitar que a identidade se fixe. Além disso, a incerteza que,

no contexto do mundo moderno, era encarada como algo temporário e, portanto,

passível de ser abrandada ou transposta inteiramente, no contexto do mundo pós-

moderno prepara-se para uma nova condição: a de permanente e irredutível.

Associada a essa nova configuração da incerteza está a nova configuração

da segurança que, outrora, era tecida e sustentada pela família, vizinhança e

comunidade; hoje, se não se desintegrou, está consideravelmente enfraquecida.

Essas são graves conseqüências na mudança das relações interpessoais

que, agora, permeadas pelo consumismo, como coloca Bauman (1998), “dispõe

do outro como a fonte potencial de experiência agradável” e que, se em parte

parece boa, “não tem como gerar laços duradouros, nem mais seguramente, laços

que se suponham duradouros (...) os laços que ela gera, em profusão, têm

cláusulas (...) passíveis de retirada unilateral; não prometem a concessão nem a

aquisição de direitos e obrigações.” (p.35).

Dessa forma, o lento e implacável esquecimento das habilidades sociais

vai tomando conta da cena social na atualidade. O que nas sociedades tradicionais

era mantido pelas habilidades individuais conjuntamente com o uso de recursos

inatos, na ordem moderna passou a ser mediado por ferramentas tecnológicas que

podem ser compradas no mercado. E, na ausência de tais ferramentas, as parcerias

e os grupos se desintegram, na medida em que “a presença e elasticidade das

coletividades se tornam, em proporções cada vez maiores dependentes do

158

mercado.” (Bauman, 1998, p.35). O cidadão, sustentado na ética fundada na lei

paterna, cede lugar para o consumidor, sustentado na ética do consumo.

Assim, a mensagem da indeterminação e maleabilidade do mundo (um

mundo em que tudo pode acontecer e tudo pode ser feito) é eficazmente

transmitida pelos meios de comunicação cultural. Estamos num momento de

incerteza radical a respeito do mundo material, social e político, e é exatamente

essa incerteza que a indústria da imagem nos oferece.

Como diz Bauman (1998):

Nesse mundo, os laços são dissimulados em encontros sucessivos, as identidades em máscaras sucessivamente usadas, a história da vida numa série de episódios cuja única conseqüência duradoura é a sua igualmente efêmera memória. Nada pode ser conhecido com segurança (...) a imagem de si mesmo se parte numa coleção de instantâneos, e cada pessoa deve evocar, transportar e exprimir seu próprio significado, mais freqüentemente do que abstrair instantâneos dos outros. (...) em vez de construir sua identidade, gradual e pacientemente (...) uma série de “novos começos” se experimentam (...) como uma identidade de palimpsesto. Essa é a identidade que se ajusta ao mundo em que a arte de esquecer (...) mais do que a arte de memorizar (...) e de aprender é a condição de contínua adaptação, em que sempre novas coisas e pessoas entram e saem sem muita finalidade do campo de visão (...) e em que a própria memória é como uma fita de vídeo, sempre pronta a ser apagada a fim de receber novas imagens, e alardeando uma garantia para toda vida (...) graças a essa admirável perícia. (p.36; os grifos são meus).

Essas são algumas das dimensões da incerteza pós-moderna. O processo

de construção da identidade, agora, é construído e reconstruído e construído mais

uma vez e reconstruído novamente e incessantemente. Bem sabemos que uma das

características do indivíduo na nossa sociedade contemporânea é viver

permanentemente com o “problema da identidade” não-resolvido.

Como dissemos, os meios de comunicação são eficazes nessa mensagem e

reproduzem a idéia de que construir uma identidade, ter uma identidade

solidamente fundada e resistente a oscilações é muito mais uma desvantagem do

que uma qualidade, em circunstâncias pós-modernas. As identidades devem

mover-se, ao invés de se fixarem.

Na atualidade, o ambiente configura-se numa atmosfera de medo em que

os problemas de identidade acabam por trazer uma angústia relacionada a eles e

159

uma disposição para se preocupar com toda coisa “estranha” sobre a qual a

angústia possa ser ligada e, portanto, ter sentido. Essa sensação é para Bauman

(1998), “potencialmente universal”, embora afetando as pessoas de diferentes

formas e graus, trazendo “conseqüências de significação variável para as procuras

de suas vidas.”

Dessa maneira, encontramos no cenário contemporâneo um ambiente

favorável para o desenvolvimento de fenômenos do campo da angústia como, por

exemplo, o pânico.

Os últimos 40 anos, aproximadamente, foram decisivos na história do

modo como foi moldada e mantida a sociedade ocidental (industrial, capitalista,

democrática e moderna). Como enfatiza Bauman (1998), “é esse modo que

determina os nomes que as pessoas tendem a dar a seus medos e angústias ou às

marcas nas quais elas suspeitam residir a ameaça a sua segurança.” (p.35). Essa

questão remete-nos a uma de nossas perguntas iniciais: o quê, na atualidade,

dentro e fora do âmbito da ciência – ou seja, do senso-comum à psiquiatria e à

psicanálise –, está sendo chamado de “pânico”? Remetemo-nos também, a todo

trabalho que fizemos no capítulo um a respeito da polissemia do termo pânico.

De qualquer maneira, no quadro da atualidade predominam as

modalidades de sociabilidade em que a subjetividade articulada à historicidade

humana não é mais valorizada, e, conseqüentemente, as mediações simbólicas e

regulações narcísicas vão desaparecendo. “A cultura da exaltação desmesurada do

eu”, nos dizeres de Birman (2001), promove a lógica do narcisismo – o que não

propicia sua “quebra”, condição necessária para o laço social. Vai-se construindo

um tipo de laço social no qual o vínculo é “frouxo”, precário, leve, superficial,

não havendo mais lugar para as experiências de perda e luto, de enraizamento e

fixidez. Nesse cenário, as individualidades são descartáveis, assim como as

identificações e os vínculos eróticos e afetivos. A alteridade e a diferença vão

dando lugar à igualdade e à massificação. Desenha-se uma cena social em que

“ter” equivale a “ser”.

O ideal de valores que pauta a forma de ser da individualidade

contemporânea, da subjetividade pós-moderna, enaltece o eu, a imagem, o corpo

estético, o que resulta em fragmentação social e alteração dos laços sociais,

portanto, das relações amorosas e do erotismo. São construídos e veiculados

ideais, valores e significações que configuram um tipo de representação de

160

mundo, dos “eus” e das relações entre eles, que produz nos sujeitos uma realidade

concebida como natural e universal, indicando o imperativo moral do que

devemos ser, o que muitas vezes nos conduz a psicopatologias.

Podemos dizer que, na atualidade, a cultura da imagem é um efeito da

prática de produção da subjetividade consumidora. O consumo consome o sujeito.

Na medida em que a publicidade (propaganda, pesquisas, estudos de mercado,

marketing etc) manipula o poder de decisão de compra do indivíduo, transferindo-

o para as empresas, acaba por fabricar seu próprio produto: o consumidor

perpetuamente insatisfeito e entediado.

Os efeitos desse quadro envolvem abalos nas relações entre as pessoas e

das pessoas com o campo dos fenômenos sociais, isto é, com o campo

intersubjetivo que é patrimônio social compartilhado. São abalos na concepção de

realidade e identidade que fazem predominar sentimentos de impotência que,

como coloca Rosa (1999)

... contrasta com a euforia da oferta de inúmeras oportunidades de prazer e de conhecimento, com garantias implícitas de oportunidade de uma vida sem limites e impossibilidades, reforçadas pelas promessas de eternidade e onipotência advindas dos progressos tecnológicos, inclusive da medicina. É como se a impotência e o sofrimento devessem ser excluídos dos sentimentos humanos, pois seriam fora da época. (p.85).

Desse modo, criou-se um imaginário social negativo, uma modalidade

negativa de subjetividade em torno daquelas pessoas que não se encaixam no

perfil que a sociedade atual traça: o culto ao eu, à imagem e ao sucesso. Esses são

os consumidores falhos, os estranhos, os impuros pós-modernos que devem ser

excluídos, destruídos a qualquer preço. Portanto, não há lugar nem para a

impotência nem para a frustração. Os sofrimentos devem ser banidos dos

sentimentos humanos. O que é positivo no imaginário social, na atualidade, como

estilo de ser, caracteriza-se por um ideal de valores que sustenta esse culto e

indica a performance do tipo psicológico ideal.

Dessa forma, abafa as singularidades dos sujeitos em nome de uma

homogeneização dos mesmos em função do consumo. Na “cultura da exaltação

desmesurada do eu” não há lugar para aqueles que não conseguem dizer: “estou

aqui, apareço e sou o máximo”, estes estão descartados da cena social. Como diz

161

Birman (2001): “o que interessa agora é a estetização da existência e a inflação do

eu, que promovem uma ética oposta à do sofrimento.” (p.188).

Enfim, como dissemos150, a civilização atual parece não atender mais às

funções de proteger e organizar as relações entre os homens, assim como parece

não oferecer mais a pertinência a um grupo desenvolvido por ideais comuns.

Parece sim, que tudo isso tornou-se pó ao vento. Essa é a cena social pós-

moderna.

3.3. Do mal-estar de Freud ao mal-estar na atualidade: a questão do

pânico.

Em O mal-estar da pós-modernidade (1998), Bauman, inspirado no texto

de Freud O mal-estar na civilização (1930), trabalha sobre as diferenças entre o

modo de subjetivação moderno e o modo de subjetivação na atualidade, para o

qual usa o termo subjetividade pós-moderna.

Afirma que esse texto de Freud conta a história da modernidade. “Só a

sociedade moderna pensou em si mesma como uma atividade da ‘cultura’ ou da

‘civilização’ e agiu sobre esse auto-conhecimento com os resultados que Freud

passou a estudar; a expressão ‘civilização moderna’ é por essa razão um

pleonasmo.” (Bauman, 1998, p.7).

Também Birman (1997) faz a mesma afirmativa no livro Estilo e

modernidade em Psicanálise. Ao realizar uma leitura extensa desse tema,

considera que Freud faz um esforço para circunscrever o mal-estar do sujeito na

modernidade, ao tecer seus comentários sobre “a posição e os impasses do sujeito

na cultura”. Coloca que “a leitura freudiana sobre o sujeito na cultura é uma

elaboração psicanalítica sobre os impasses do sujeito na modernidade.” (p.10).

Inscreve historicamente a obra de Freud no horizonte da modernidade e afirma

que O mal-estar na civilização (1930) é a crítica freudiana (ou psicanalítica) da

modernidade, ou seja, dos impasses que a modernidade constituiu para o sujeito.

Em O mal-estar na civilização (1930), Freud começa, cautelosamente,

abordando a questão do objetivo da vida dos homens que é a busca da felicidade e

sua manutenção eterna. Entretanto, rapidamente, parte para a experiência

150 No final do capítulo dois.

162

cotidiana da infelicidade dos homens e suas formas de evitá-la. Até que, na parte

III do texto – em que trabalha os ideais modernos de beleza, pureza e ordem, além

dos temas tempo e espaço –, entra a fundo no seu propósito fundamental,

anunciando que a fonte do sofrimento humano tem origem no social e deriva de

nosso pertencer à civilização. A civilização ao exigir tanta renúncia à satisfação de

nossas necessidades, acaba por se transformar na causa da proliferação de nossos

sofrimentos: “... o que chamamos de nossa civilização é em grande parte

responsável por nossa desgraça... ” (1980, p.105).

Nessa obra, Freud (1930) demonstra como a ilusão é um processo

fundamental para o desenvolvimento da civilização, destacando-a na religião, na

ciência e na tecnologia. O avanço tecnológico, a posse do objeto e a ilusão de

onipotência permitiram a humanidade garantir o seu domínio sobre a natureza e

aproximaram cada vez mais os homens no consumo da imagem de um “Deus de

prótese.” (1980, p.111-2). Todavia, esta dominação e ilusão são causas de outra

desilusão: nem o progresso nem sua semelhança com Deus trouxeram ao homem

mais felicidade.

Como mostramos no final do capítulo dois, nesse artigo, Freud (1930)

introduz a hipótese da pulsão de morte no domínio da civilização e afirma que as

restrições aplicadas pela civilização à manifestação das pulsões são explicadas

pela ação da pulsão de morte como pulsão de agressividade. Conclui, assim, que a

evolução da civilização representa uma luta de Titãs.

No antagonismo irremediável entre as exigências pulsionais e as restrições

da civilização, Freud (1930) demonstra que a relação do sujeito com a civilização

é marcada por um mal-estar, pois é permeada pelo conflito e a impossibilidade de

resolvê-lo totalmente. E, como vimos, esse conflito irremediável é constitutivo da

condição subjetiva do humano, sendo o desamparo a base dessa condição. Nesse

sentido, as manifestações da subjetividade se dão em relação ao que ele chamou

de mal-estar na cultura, mal-estar este constitutivo da sociedade, como já

assinalamos.

No livro O mal-estar na atualidade: A psicanálise e as novas formas de

subjetivação, Birman (2001) considera que a leitura freudiana do mal-estar na

civilização é sua versão trágica da condição do sujeito na modernidade e que seria

o “contraponto psicanalítico” do que foi também desenvolvido por autores em

campos diferentes:

163

... pela retomada sistemática da filosofia de Nietzche, Heidegger caracterizou a modernidade pela figura da morte de Deus. Da mesma forma, Weber considerou que o que marcaria a modernidade seria o desencantamento do mundo, o esvaziamento dos deuses e a racionalização crescente da existência forjada pelo discurso da ciência. (...) Mesmo que não digam a mesma coisa, as formulações dos diferentes autores (...) são (...) complementares. (p.17-8).

Este estudo traz a “problemática da subjetividade como ponto fundamental

de referência” e que se trata “de pensar nos destinos do desejo na atualidade, já

que esses destinos nos permitem captar o que se passa nas subjetividades. (...)

Com isso, podemos nos aproximar do que há de sofrente nas novas formas de

subjetivação da atualidade, circunscrevendo, então, o campo do mal-estar

contemporâneo”. Dessa forma, a partir de uma leitura crítica psicanalítica, sua

intenção nessa obra é indagar-se sobre algumas questões cruciais em relação à

condição da subjetividade na atualidade delimitando novos perfis e “novos

cenários de horror do sofrimento subjetivo.” (p.15-8).

Esse também é nosso intuito: circunscrever o mal-estar na atualidade, as

novas formas de subjetivação e suas conseqüentes formas de sofrimento, ou seja,

as psicopatologias contemporâneas. Entre estas, importa-nos o pânico.

Para Birman (2001), há um mal-estar na atualidade, tanto quanto havia um

mal-estar na modernidade, porém reflexo de diferentes modos de subjetivação. As

condições atuais do mal-estar na civilização dizem respeito

... ao vazio existencial produzido pela evaporação das visões de mundo, numa ordem social inteiramente perpassada pela ciência, que o desamparo do sujeito se tornou agudo e assumiu formas até então inexistentes. O mundo desencantado e sem Deus (...) produziu formas inéditas de desamparo quando as utopias do iluminismo e da modernidade foram silenciadas.(...) A busca de proteção face à angústia se empreende pelas formas de religiosidade que se apresentam como novas ofertas de salvação. Porém, para os incrédulos é preciso buscar os efeitos dionisíacos das drogas pelo narcotráfico e o silenciamento da dor psíquica pelos psicotrópicos. (p.229-30; os grifos são meus).

164

Dessa maneira, não floresceu a crença moderna de que, através da razão,

homens e mulheres pudessem atuar sobre as forças da natureza e na sociedade

rumo a uma vida satisfatória para todos151, buscando, portanto, a felicidade.

Tendo em vista que Freud apontava o desamparo do sujeito como

incurável, já não sustentava mais a crença no progresso reformista do espírito

humano através do cientificismo iluminista. Em 1930, ao refletir sobre a estranha

atitude de hostilidade contra a civilização, que tantas pessoas assumiram, coloca o

seguinte:

Durante as últimas gerações, a humanidade efetuou um progresso extraordinário nas ciências naturais e em sua aplicação técnica, estabelecendo seu controle sobre a natureza de uma maneira jamais imaginada. (...) Os homens se orgulham de suas realizações e têm todo direito de se orgulharem. Contudo, parecem ter observado que o poder recentemente adquirido sobre o espaço e o tempo, a subjugação das forças da natureza, (...) não aumentou a quantidade de satisfação prazerosa que poderiam esperar da vida e não os tornou mais felizes. Reconhecendo esse fato devemos contentar-nos em concluir que o poder sobre a natureza não constitui a única pré-condição da felicidade humana, assim como não é o único objetivo do esforço cultural. Disso não devemos inferir que o progresso técnico não tenha valor para economia de nossa felicidade. (1980, p.107; grifos do autor).

E termina por nos advertir de que a maioria das satisfações obtidas com o

progresso tecnológico, como escutar a voz de um filho que mora a milhares de

quilômetros, segue o modelo do “prazer barato”, imediato. Claro que isso nos

alivia, traz prazer e felicidade. Mas a problemática está na repetição e reprodução

desses modelos de prazer. Na atualidade, o modelo do prazer imediato impera, o

que desbalanceia a relação entre narcisismo e libido objetal. A balança pende para

o lado do narcisismo, o que altera a economia psíquica e os laços sociais. Ambos

são modulados narcisicamente.

A felicidade, como disse Freud (1930), é “algo essencialmente subjetivo”

(1980, p.108) e equivale para nós à satisfação da pulsão. Mostra que a felicidade é

efêmera; está intrinsecamente ligada à satisfação das pulsões (ao “programa do

princípio de prazer”) e suas possibilidades de obtenção são “restringidas por nossa

própria constituição” e, por isso, é mais difícil de se experimentar a felicidade do

151 Pretensão característica do Iluminismo e da Revolução Francesa, ligada à idéia de progresso,

165

que o sofrimento. A felicidade “constitui um problema de economia da libido do

indivíduo” e no exame de suas possibilidades de obtenção deve ser considerada “a

relação entre narcisismo e libido objetal.” (1980, p.95, 104).

O que chamamos de felicidade no sentido mais restrito provém da satisfação (de preferência repentina) de necessidades represadas em alto grau, sendo, por sua natureza, possível apenas como uma manifestação episódica. (1980, p.95).

Por conta do que foi exposto até agora, há sem dúvida, na atualidade, uma

disposição diferente das questões humanas. Contudo, esse fato não garante um

passo adiante no caminho para obtenção da felicidade. Uma reavaliação de todos

os valores dos seres humanos pode ser apenas um momento feliz, na medida em

que os valores reavaliados não garantem, necessariamente, um estado de

satisfação.

O sofrimento152 (a infelicidade, uma vida não satisfatória ou o mal-estar)

nos ameaça a partir de três direções, como aponta Freud (1930): “de nosso próprio

corpo, condenado à decadência e à dissolução (...); do mundo externo, que pode

voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras (...); e de nossos

relacionamentos com outros homens;”(p.95) e esse último tipo de sofrimento

talvez seja o mais penoso. Dessa maneira, o homem vai buscando maneiras de se

livrar do sofrimento: seja pelo isolamento voluntário (não se relacionar mais com

ninguém), pela ingestão química (uso de drogas), pelo aniquilamento das pulsões

(felicidade da quietude como no ioga). De qualquer maneira, tentamos controlar

nossa vida pulsional no deslocamento da libido (sublimação) e na satisfação

obtida através da fantasia (fruição das obras de arte ou no delírio psicótico).

Em outras palavras, buscamos a felicidade pelo amor sexual e pelo amor

inibido em sua finalidade sexual. Entretanto, nenhum desses caminhos leva-nos à

total felicidade, visto que a mesma é um problema da economia da libido. Como

coloca Freud (1930), não existe uma regra geral: “todo homem tem de descobrir

por si mesmo de que modo específico ele pode ser salvo.” (1980, p.103) Nos

dizeres de Birman (1996), a arte de viver está na busca pelo sujeito de um estilo

subjetivo de ser, capaz de lidar com seu sofrimento (as dificuldades de existir, a

como já mostramos anteriormente. 152 Vide p.144 nota 21 e p.153.

166

condição de desamparo) da melhor forma possível; que o sujeito possa recriar o

mundo para si a fim de adaptá-lo aos seus desejos. Ou seja, garantir a

singularidade e alteridade: uma atitude ética e estética.

A escolha da técnica na arte de viver, para Freud (1930), reside na

combinação de alguns aspectos: 1) quanta satisfação real o indivíduo pode obter

do mundo externo; 2) até onde o indivíduo é levado para se tornar independente

dele; 3) e de quanta força sente à sua disposição para alterar o mundo e adaptá-lo

aos seus desejos. Nesse último fator “sua constituição psíquica desempenhará

papel decisivo, independente das circunstâncias externas.” (1980, p.103).

Assim, na esteira da economia pulsional, lembremos da cota de

agressividade a que todo ser humano está exposto e, ao mesmo tempo, tão

disposto a repudiar. Freud (1930) assinala que a civilização impôs grandes

sacrifícios para o homem moderno, não apenas à sexualidade como à

agressividade. Ou seja, o homem civilizado teve que renunciar à satisfação

pulsional e, por isso mesmo, é difícil viver nessa civilização. “O homem

civilizado trocou uma parcela de suas possibilidades de felicidade por uma parcela

de segurança.” (1980, p.137).

A liberdade de ação do ser humano sobre seus próprios impulsos deve ser

coagida e essa coerção é dolorosa: a defesa contra o sofrimento gera seus próprios

sofrimentos. Dessa forma, o mal-estar, “marca registrada da modernidade”, nos

dizeres de Bauman (1998), resultou no excesso de ordem e na escassez de

liberdade. Entretanto, na atualidade, reinam a desregulamentação e a liberdade

individual, as quais promovem o mal-estar na atualidade. (p.8).

Nesse raciocínio, os ideais de beleza, pureza e ordem que, segundo

Bauman (1998), conduziram os homens e mulheres na modernidade não foram

abandonados. Pelo contrário, “agora devem ser perseguidos – e realizados –

através da espontaneidade do desejo e do esforço individuais.” (p.9).

Partindo, assim, da mensagem de Freud: “o homem civilizado (leia-se

moderno) trocou um quinhão de suas possibilidades de felicidade por um quinhão

de segurança”, ou seja, “você ganha alguma coisa, mas, habitualmente, perde em

troca alguma coisa”, Bauman (1998) faz uma reflexão sobre o que Freud designou

por mal-estar e demonstra que:

167

... a antiga norma mantém-se até hoje tão verdadeira quanto o era então. Só que os ganhos e perdas mudaram de lugar: os homens e mulheres pós-modernos trocaram um quinhão de suas possibilidades de segurança por um quinhão de felicidade. (grifos do autor) Os mal-estares da modernidade provinham de uma espécie de segurança que tolerava uma liberdade pequena demais na busca da felicidade individual. Os mal-estares da pós-modernidade provêm de uma espécie de liberdade de procura do prazer que tolera uma segurança individual pequena demais. (grifos meus) (...) Se obscuros e monótonos dias assombraram os que procuravam a segurança, noites insones são a desgraça dos livres. Em ambos os casos, a felicidade soçobra. (p.10-1; grifos meus).

Ou seja, a modernidade não promoveu a superação do mal-estar. Ao

contrário, na sua máxima radicalização, o que fez foi apenas “re-configurar” o

mal-estar. Na medida em que o mesmo é expressão da condição subjetiva do

humano, marcada pelo desamparo estruturante do psiquismo, tenderá sempre a

existir, porém configurado segundo as modalidades de subjetivação de sua época.

As formas de sofrer que os sujeitos manifestam, seus mal-estares, são

indissociáveis das transformações que remodelam o campo social. Na atualidade,

os modos de sofrimento são expressões dos modos de subjetivação

contemporâneos, ou seja, são expressões do mal-estar contemporâneo.

E o corpo tem destaque na expressão do mal-estar do sujeito

contemporâneo. Esse fato é visível no aumento das doenças psicossomáticas,

assim como do pânico, indicando “formas diferentes de corporeidade. Assim, são

formas de desrealização da experiência corpórea que mostram, paradoxalmente,

uma experiência de insuficiência narcísica.” (Birman, 2001, p.154). Nesse sentido,

apesar de vivermos numa cultura do narcisismo, as subjetividades

contemporâneas indicam uma insuficiência do investimento narcísico do corpo. O

real do corpo passa a ser o limite último para o desamparo do sujeito.

Tendo em vista que o mal-estar contemporâneo se caracteriza pelo excesso

pulsional e pela fragilidade de simbolização, entendemos, assim como Birman

(2003), que

... o mal-estar na atualidade assume características eminentemente traumáticas. É a vulnerabilidade psíquica ao trauma que indica as linhas de fratura presentes nas subjetividades contemporâneas, já que, em decorrência da fragilidade dos mecanismos simbólicos que poderiam nos proteger, estamos expostos a traumas regulares. (...) o pânico

168

se destaca no mal-estar pós-moderno em função das falhas existentes no mecanismo da angústia sinal, evidenciando sua marca essencialmente traumática. Como afirmou Freud sobre a neurose de angústia, o que está em pauta é a falha nos processos de simbolização, isto é de representação das intensidades, que se descarregam diretamente no corpo e provocam a certeza da morte iminente. (p.69-70; os grifos são meus).

Nesse quadro, podemos depreender uma leitura do pânico como uma das

expressões do mal-estar que marca a relação do sujeito com a cultura na

atualidade. O pânico é uma das formas de sofrimento, um dos efeitos dos modos

de subjetivação contemporâneos.

O pânico é uma das expressões dos conflitos do sujeito pós-moderno que,

na tentativa de realizar a glorificação do eu e da estetização da existência, fracassa

e responde com um modo de funcionamento psíquico patológico. Dito de outra

maneira, face às exigências dos ideais da cultura contemporânea – o

autocentramento e o excesso de exterioridade –, o sujeito responde no regime da

idealização do ego (narcisismo) correndo o perigo de se perder no lugar do

Hilflosigkeit. Entendemos que este é o caso do sujeito tomado pelo pânico.

Tendo em vista que as condições atuais do mal-estar na civilização dizem

respeito ao vazio existencial produzido pela destruição da narrativa, o desamparo

do sujeito tornou-se agudo, assumindo formas radicais como o pânico, por

exemplo, que irrompe quando o sujeito se depara com o abismo terrorífico da

experiência do vazio, com a total falta de garantias de ser e estar no mundo, com a

ausência de um ideal protetor ilusório que garanta a estabilidade do mundo

(psiquicamente organizado).

Lembremos que a busca da proteção da figura do pai originário para

realizar a denegação do desamparo é uma das várias maneiras que o sujeito pode

utilizar para gerir a condição de desamparo. Entretanto, se essa passa a ser a única

forma de gestão, o sujeito se insere na proteção onipotente narcísica, no registro

do ego ideal e na recusa do confronto com o imprevisível. Tudo isso pode custar

muito caro para o sujeito, pois recusando os impasses da castração, acredita-se

acima da finitude. A problemática do pânico diz respeito à descoberta com terror

da condição de finitude do sujeito humano.

Recordemos que as subjetividades contemporâneas caracterizam-se pela

modalidade de subjetividade autocentrada em que a alteridade se apaga e o

169

homem é reduzido à dimensão da imagem. Em conseqüência disso, as relações

sociais são regidas pelo imaginário e vai-se constituindo uma subjetividade na

qual há a decadência da Lei paterna.

Nesse quadro, um dos impasses que a modernidade criou para o sujeito foi

o fato de não poder contar mais com a figura do pai protetor onipotente, isto é, “o

pai não garante mais nada em termos de proteção subjetiva.” (Birman, 2001,

p.157). Foi isso que Freud mostrou em o Mal-estar na civilização (1930),

caracterizando o mal-estar na civilização como uma nostalgia do pai e um apelo à

proteção do pai, presentes em qualquer sofrimento neurótico, em qualquer

imaginário neurótico. O que está em jogo aqui é algo da ordem do masoquismo: o

apelo à proteção do pai como forma de proteção contra o desamparo é um traço

masoquista fundamental.

3.4. O masoquismo como figura da servidão: uma proposta para

pensar a questão do pânico na atualidade.

Os debates atuais a respeito das novas formas de mal-estar nas

subjetividades contemporâneas, como mostramos até agora, apontam para o

deslocamento da ordem paterna como referencial central e de seus efeitos no

sujeito. Pelo viés da interface entre psicanálise, cultura e política, o livro

Soberanias, organizado por Márcia Arán (2003), reúne trabalhos psicanalíticos

interessantes que giram em torno desses debates atuais, convidando-nos a um

percurso multidisciplinar e à reflexão sobre os novos desafios que essas questões

impõem à clínica psicanalítica.

Diante do deslocamento desse modelo soberano, o qual tinha como referência organizadora um eixo vertical e simbólico baseado principalmente na ordem paterna, discutem-se, por um lado, as modalidades subjetivas que fazem do masoquismo, da violência e da servidão uma forma de tentar evitar o desamparo no mundo atual e, de outro, as novas formas de padecimento expressas por meio da bulimia, da anorexia, da compulsão e adicção, do pânico e das disposições depressivas. (p.13; os grifos são meus).

Sob esse prisma, o masoquismo aparece como um dos efeitos dos modos

de subjetivação contemporâneos, como uma das formas de evitamento do

170

desamparo contemporâneo que, como vimos, tornou-se radical. De que maneira o

masoquismo se relaciona com o pânico?

Em torno dessas questões, Birman (2003) enfatiza que

... com a derrocada da centralidade e da unicidade da soberania e a multiplicação dos pólos de poder, produziu-se um impasse fundamental no qual as subjetividades tiveram de tecer laços sociais horizontais, confrontando-se com o desamparo. Diante da impossibilidade desse confronto, passaram seja a verticalizar o campo das relações horizontais em busca de proteção, seja a conviver com o pânico da ausência de referência soberana, tendo como resultado a disseminação do desalento e do mal-estar nas relações com o outro. (...) Freqüentemente as individualidades tratam as relações horizontais de poder segundo a lógica da verticalidade, no contexto histórico de quebra da soberania centralizada. Não por acaso, disseminam-se relações sadomasoquistas marcadas pelo assujeitamento e pela servidão, nas quais a figura sádica representa o pólo horizontal verticalizado por aquele que demanda proteção. (p.64, 71; os grifos são meus).

Nesse sentido, o pânico pode ser visto como um dos efeitos da desproteção

subjetiva provocada pela derrocada da soberania centralizada153, ou seja, o

descentramento da figura do pai154. Dito de outra maneira, o pânico pode ser

entendido como um dos efeitos da situação traumática155 em que a subjetivação

torna-se um processo de sujeição. O pânico, na atualidade, pode ser entendido

como um dos efeitos das “subjetividades que tiveram de tecer laços sociais

horizontais, confrontando-se com o desamparo” e o mal-estar na relação com o

outro.

No pânico há um pedido de amor desesperado, de reconhecimento,

dirigido ao pai protetor onipotente e transcendente, ao pai pré-histórico, o único

que pode libertá-lo de sua terrível vivência de estar morrendo. O pânico constitui-

se num apelo do sujeito para não ser abandonado a seu próprio desamparo, apelo

esse que, no circuito pulsional, diz respeito à ativação do masoquismo primário,

como veremos mais à frente.

153 Vide p.160. 154 A mudança do “elo social vertical (pai orientado)” para o “elo social horizontal”, foi um dos temas muito discutidos no Segundo Encontro Mundial dos Estados Gerais da Psicanálise, entre 30 de outubro e 2 de novembro de 2003, no auditório do Hotel Glória, Rio de Janeiro. 155 Lembremos que as subjetividades contemporâneas se caracterizam pela fragilidade dos mecanismos simbólicos que poderiam nos proteger e, nesse sentido, estamos expostos a traumas regulares (Vide p. 159).

171

Pereira (1999) afirma que a respeito da relação entre desamparo e pedido

de amor que há no pânico,

... em seu desespero, o paciente parece se dirigir diretamente a uma instância divina, onipotente e transcendental, que ele supõe ser a única capaz de libertá-lo de sua terrível vivência de estar morrendo. (...) No pânico, a relação intrínseca entre desamparo e pedido de amor mostra-se de modo incontestável. Apenas a demanda não está endereçada a um outro humano em particular mas, antes de tudo, ao Grande Fiador transcendental da existência. (grifos do autor) (...) O sujeito acometido pelo pânico é, como pudemos ver, alguém em falta de um protetor, de um ser benevolente, poderoso e imortal que sustente a vida contra os perigos inimagináveis que a ameaçam. Toda sua existência é condicionada à presença em pessoa desse Outro propício. (p.264, 268; grifos meus).

Tendo em vista que, na atualidade, os sujeitos passaram a verticalizar o

campo das relações horizontais em busca de proteção diante da impossibilidade do

confronto com o desamparo, o pânico aparece como ausência de referência

soberana156 e como um apelo de amor desesperado para que o outro ocupe esse

lugar de referência soberana, do Grande Fiador transcendental157 de sua

existência.

A partir de uma perspectiva psicanalítica e sob o ponto de vista das

subjetividades dos sujeitos que sofrem de pânico, produz-se a descoberta, no

sentido de uma “terrível revelação”, de que se realmente não há garantias para

nada, se ninguém pode nos proteger contra todos os possíveis, “a morte, a

tragédia, o pior existem e podem acontecer comigo, sem que ninguém possa fazer

nada!”(Pereira, 1999, p.267) É dessa forma, que os sujeitos acometidos pelo

pânico interpretam a morte ou eventos trágicos com pessoas que lhes são caras158

e, em geral, “os compreende assim: ‘se até com eles o trágico aconteceu, por que

não haveria também de acontecer comigo?’ Ou ainda, ‘se ele que me garantia vier

a desaparecer, então quem me protegerá? Meus Deus, ele também é mortal!”

(Pereira, 1999, p.267). Como dissemos anteriormente, o sujeito que sofre de

pânico, até então, acreditava-se acima da finitude159.

156 Lembremos que Pã é um deus da imanência. 157 Um apelo ao pai Hermes que cuidava da transcendência. 158 Acidentes, doenças ou situações de perda com pessoas que lhes são significativas afetivamente. 159 Vide p.160.

172

O sujeito sente desabar, subitamente, uma confiança que tinha no “poder

do outro”, confiança e poder que “nunca colocara de fato em questão.” Entretanto,

essa revelação não traz nenhum proveito subjetivo: o sujeito “nada compreende e

simplesmente mergulha no desespero. Passa a suplicar para que o salvem, que o

protejam, que o aliviem. Implora por presença, por reasseguramento e por

garantias.” (Pereira, 1999, p.267).

Sob esse prisma, a existência do sujeito acometido pelo pânico pode se

transformar em assujeitamento na relação com o outro, em que ocupa a posição de

submissão como forma de refúgio contra o desamparo, contra a ameaça da perda

do amor. O pânico coincide com o masoquismo. A pessoa cultua o outro,

submete-se a um outro qualquer, dando-lhe o direito de fazer o que quiser com seu

corpo e sua alma, desde que esse outro a proteja de uma situação de desamparo.

Nesse quadro, a idéia que desenvolvemos – do pânico na atualidade, como

uma das expressões do mal-estar contemporâneo, como uma das respostas às

exigências dos ideais da cultura atual – desdobra-se numa articulação com o

masoquismo como figura de submissão e assujeitamento e não,

fundamentalmente, pelo prazer com a dor. No evitamento da condição

fundamental de desamparo, na ameaça da perda do amor, o sujeito acometido pelo

pânico acaba por ocupar a posição de servidão na relação com o outro.

Fortes (2003), em O masoquismo: uma figura da servidão, apoia-se em

autores como Birman e propõe que uma

... análise do masoquismo como figura de servidão significa observar que o fundamental nessa categoria psíquica não é que o sujeito masoquista sinta prazer com a dor, mas que ocupe posição de humilhação e assujeitamento na relação com o outro. Gozar com a dor não é o que determina o masoquismo (...) O cerne dessa experiência é o sujeito ocupar a posição de servidão, ou seja, a dor é uma resultante e um desdobramento da posição servil diante do outro, mas não com o objetivo que o sujeito pretende na configuração pulsional do masoquismo. (p.76; os grifos são meus).

Entendemos assim, que o masoquismo na cena social atual, diz respeito a

uma das formas que o sujeito encontrou de proteger-se contra o desamparo

radical, implicando em efeitos sob a forma de um pacto: ‘você me protege do

desamparo e em troca eu me submeto à qualquer coisa’ (posição de servidão ao

outro). Disso decorre que há um pacto masoquista subjacente à experiência do

173

sujeito contemporâneo, portanto, subjacente às formas de sofrimento, ao mal-

estar atual. Quando o sujeito que sofre de pânico condiciona sua existência à

presença em pessoa do Grande Fiador Transcendental, seus laços com o outro

implicam num pacto desse tipo.

Segundo Fortes (2003),

... a ausência de lugares previamente definidos para os agentes sociais faz com que estes entrem na lógica empobrecida do circulo do senhor e do escravo, ou seja, o masoquismo é um elemento-chave para compreender os laços sociais de hoje, que se formam em função da necessidade de buscar no outro algum amparo diante do enorme sentimento de desproteção que acomete as pessoas. (p.78; os grifos são meus).

O pânico, na atualidade, é tanto a expressão máxima do ponto a que pode

chegar esse sentimento de desproteção que acomete as pessoas, como é expressão

radical da submissão masoquista a que o sujeito pode chegar como forma de

proteção contra as incertezas da vida.

Com relação à importância do masoquismo na compreensão dos laços

sociais contemporâneos, em Uma breve leitura do sintoma social dominante na

atualidade (2003), Peixoto Junior enfatiza que “o pacto social masoquista se

realiza, portanto, às custas de uma enorme humilhação da auto-estima. As

diferentes expressões desse pacto evidenciam uma relação sadomasoquista entre

os personagens que a ele aderem em busca de alguma identidade, ainda que

ilusória e alienante.” (p.154).

Nesse sentido, a experiência de submissão ao outro remete-nos, novamente

à questão do pai, ou seja, “o lugar do pai na experiência da submissão

masoquista”, como enfatiza Birman (2001, p.156) e que, no caso do pânico, tem o

teor do Grande Fiador de sua existência.

Para esse autor,

... as formas típicas de subjetivação contemporâneas são tentativas neuróticas e perversas para restaurar a ação, num plano imaginário, através de um gozo masoquista – e certamente sem saída – de uma figura de pai todo-poderoso, que proteja ao sujeito para poder viver e oferecer um destino para o seu desamparo. Com isso, impede, evidentemente, o sujeito de ter que inventar novas formas de vida diante do contexto histó-rico em que está colocado. (p.157-9; os grifos são meus).

174

Dessa maneira, diante do desamparo radical, o sujeito pós-moderno abre

mão de seu bem maior: a liberdade, pois em troca de uma segurança ilusória, ele

se oferece como escravo. Essa posição de servidão caracteriza uma condição de

extrema miséria psíquica, na medida em que o sujeito está inserido na proteção da

onipotência narcísica, no registro do ego ideal e não arrisca o imprevisível, ou

seja, não se aventura na experiência da castração160. Ele se submete aos seus

iguais, em laços sociais tecidos horizontalmente segundo a lógica da verticalidade.

Desse modo, “diante das angústias despertadas pelo exercício da singularidade do

desejo, o sujeito se eclipsa e se submete ao conforto da posição masoquista.”

(Birman, 2001, p.228).

Recordemos que Freud (1924) postula a existência de um masoquismo

primário, originário e erógeno em todos os seres humanos explicado,

principalmente, com base na fusão e desfusão161 das pulsões. Na luta entre a

pulsão de vida e a pulsão de morte, a libido tem o objetivo de tornar inócua a

pulsão destruidora desviando-a em grande parte para fora, no sentido de objetos

do mundo externo. Uma parte dela é colocada a serviço da função sexual; é o

sadismo propriamente dito. Outra parte permanece dentro do organismo “e com o

auxílio da excitação sexual acompanhante descrita acima, lá fica libidinalmente

presa. É nessa porção que temos de identificar o masoquismo original, erógeno.”

(p.204). O autor continua, dizendo que:

... a pulsão de morte operante no organismo – sadismo primário – é idêntica ao masoquismo. Após sua parte principal ter sido transposta para fora, para os objetos, dentro resta como um resíduo seu o masoquismo erógeno propriamente dito que, por um lado, se tornou componente da libido e, por outro, ainda tem o eu (self) como seu objeto. Esse masoquismo seria assim prova e remanescente da fase de desenvolvimento em que a coalescência (tão importante para a vida) entre a pulsão de morte e Eros se efetuou (...) O masoquismo erógeno acompanha a libido por todas as suas fases de desenvolvimento e delas deriva seus revestimentos cambiantes. (Freud, 1924/1980, p.205).

Dessa maneira, Freud (1924) apresenta o masoquismo erógeno em

referência à pulsão de morte, como um meio de impedir a satisfação imediata da

160 Vide p.160.

175

pulsão de morte, ou seja, de impedir a auto-destruição. Sob esse prisma, o autor

confere uma positividade ao masoquismo erógeno. Nesse contexto, ele não é da

ordem da patologia, mas do originário.

Note-se que se trata de um momento mítico como o recalque originário.

Ambos são articulados nos primórdios da constituição psíquica, assim como o

desamparo original. Embora Freud não coloque dessa forma, como fruto de nossa

pesquisa, postulamos a hipótese de que recalque primário, desamparo primordial e

masoquismo erógeno fazem parte de um campo conceitual comum fundante do

psiquismo. O masoquismo original, portanto, está ligado à estruturação do

psiquismo e indica a possibilidade da dimensão erótica e da sublimação no

psiquismo.

Entretanto, Freud (1924) coloca que

... em certas circunstâncias, o sadismo, ou pulsão de destruição, antes dirigido para fora, projetado, pode ser mais uma vez introjetado, voltado para dentro, regredindo assim à sua situação anterior. Se tal acontece, produz-se um masoquismo secundário, que é acrescentado ao masoquismo original. (1980, p.205).

Para fugir da condição originária de desamparo, para a qual sabemos não

há saída, o sujeito pode estabelecer com o outro uma relação de servidão figurada

pelos masoquismos moral e feminino. Estas duas outras formas de masoquismo,

para Freud (1924), são fundamentadas no masoquismo erógeno (1980, p.201) e

guardam em si um sentimento de culpa que encontra expressão nas fantasias

masoquistas. (1980, p.203, 207) O masoquismo feminino, como bem sintetiza

Roudinesco (1998), “não concerne especificamente à mulher, mas visa a posição

feminina compartilhada pelos dois sexos, e o masoquismo moral, a psicanálise

deu o nome de sentimento (inconsciente) de culpa.” (p.682).

No momento, não é nosso foco, discorrer sobre as formas de masoquismo

descritas por Freud, mas apenas marcar que essas formas se constituem em

patologias como modalidades de identificação fálica do sujeito face ao confronto

com o desamparo e o masoquismo erógeno. O que está em jogo aqui é a posição

masoquista do sujeito em relação à mãe fálica, onipotente, não-faltante. A crença

na onipotência do falo não permite a assunção do desejo. Essa é a dimensão da

161 Vide p.98-9.

176

No que tange ao pânico, entendemos que o sujeito está aprisionado e

submisso à figura da mãe fálica162 e com isso não se desloca do registro da

onipotência primordial (do regime do narcisismo, do ideal do ego) e tampouco se

arrisca na aventura da experiência da castração. Protege-se de sua impotência de

base pela ilusão do poder fálico.

Ao trabalhar a questão do “objeto-fiador”163 que há no pânico e, portanto,

na súplica por salvação, proteção e alívio, Pereira (1999) considera que até a

irrupção do primeiro ataque de pânico,

... uma pessoa concreta ou uma situação estável compensavam sua incapacidade de lidar com a falta e com a castração. O indivíduo vivia-se como castrado, mas estava protegido a tal ponto por uma situação favorável, que se dispensava de elaborar subjetivamente a ausência de um pai protetor absoluto. Por vezes, essa situação era sustentada por um “protetor” concreto, mas que até a constatação do risco de seu desaparecimento, nunca havia sido visto efetivamente como mortal. Até o início das crises, a questão do desamparo não se colocara de fato. Quando, subitamente, o indivíduo vê-se confrontado a ela, a ilusão desaba mas nada consegue ser colocado em seu lugar. Não há nenhuma possibilidade de subjetivação da falta de garantias pois essa “descoberta” terrível é feita toda de uma vez. Restam apenas o desespero e o esforço desatinado para “fazer alguma coisa”: a confluência dessas duas tendências materializa-se no pânico. (p.268; os grifos são meus).

O autor explica o apego dependente e concreto a alguém ou situação

estável – que cumpre o papel do Grande Fiador da estabilidade do mundo

daqueles que sofrem de pânico – como compensação para a incapacidade de lidar

com a falta e a castração. Nesse sentido, o sujeito em pânico não fala,

efetivamente, em seu nome, mas em nome da mãe fálica, em nome da manutenção

do poder fálico da figura materna, o que culmina na manutenção da relação

incestuosa com a figura da mãe. Em conseqüência disso, o sujeito protege-se do

impacto simbólico da castração paterna (lei do pai), evitando a experiência

simbólica da castração. O Grande Fiador tem uma dimensão maternal: o pai é

162 Vide p.50 e 59, a respeito do longo e lento processo de desilusão, ao qual a criança deve passar. Se realizado por uma função materna adequada, permite que a descoberta do desamparo possa ser uma experiência tolerável. 163 Vide p.163.

178

evocado em sua dimensão de protetor, o que preserva a aspiração à mãe carinhosa

onipotente e mantém afastadas as exigências e interdições do pai.

Como coloca Pereira (1999),

As aspirações incestuosas ao carinho da mãe e à proteção reasseguradora do pai vêem-se sintomaticamente conservadas nessas situações. Todos os gozos do sujeito passarão, a partir de então, pela reafirmação do amor e, sobretudo, pela presença indefectível desse deus particular. Desse ponto de vista, a dimensão “maternal” do fiador é completamente evidente. Ele materializa este aspecto da função materna que nunca pôde ser simbolizado e, portanto, abandonado enquanto realidade concreta: o da mãe carinhosa onipotente que protege o pequeno contra um mundo cruel e imprevisível. Não podendo ser simbolizada, esta referência materna deve persistir enquanto realidade concreta.

O pai é igualmente evocado em sua dimensão de protetor. No entanto, o aspecto castrador da função paterna, aquele que separa a criança da mãe, está afastado pela própria estrutura do sintoma: o sujeito não se vê ameaçado pela castração dado que é já alguém completamente frágil e impotente. Portanto, o pânico preserva a legitimidade da aspiração à mãe terna ao mesmo tempo que mantém afastadas as exigências e as interdições paternas. Estes gozos incestuosos velados constituem ao que tudo indica, uma das mais importantes fontes de resistência durante a análise de tais pacientes. Desse modo, a figura idealizada do pai é também entronizada no lugar de uma função paterna falha. Este substituto é interpelado como um agente de garantias para tudo o que a linguagem, por sua natureza, não pode garantir. (p.270-1; os grifos são meus).

Note-se que, para esse autor, há uma ‘função paterna falha’ no pânico, que

é compensada pela ‘idealização do pai’, ou seja, pela colocação do objeto de amor

no lugar do ideal, como desenvolvemos no capítulo anterior164. Dissemos165 que a

idealização do objeto é mantida por uma hipercatexia do ego e à expensas dele, o

que implica no seu empobrecimento e enfraquecimento. Nesses casos, o vínculo

libidinal do ego com seu ideal é frágil e as catexias libidinais podem cessar a

qualquer momento. A energia ligada torna-se energia livre e o afluxo pulsional é

excessivo e caótico: a situação traumática instala-se. Esse momento refere-se à

descoberta da realidade nua e crua do desamparo que até então estava encoberta.

164 Vide p.85. 165 Vide p.85 e 92.

179

Clinicamente, o pânico é expressão dessa ‘função paterna falha’, na medida em

que sua motivação básica é o rompimento com o ideal.

Ao mesmo tempo há uma ‘função paterna’, que mesmo ‘falha’ se fez ou se

faz, o que reforça a especificidade do ideal do ego em relação ao superego e

explica como pode haver um rompimento, especificamente, com o ideal e não

com o superego166. Essa questão remete-nos também à relação conflituosa, à

tensão entre o ego e o superego expressa pelo sentimento de culpa e às suas

relações com a angústia167, portanto, com o pânico. Parece-nos que por meio do

pânico o sujeito tenta suprir essa função paterna falha, exatamente como ocorre

com as formas de subjetivação expressas no mal-estar contemporâneo.

Entretanto, as alianças incestuosas custam muito caro ao sujeito. Custam-

lhe marcas que não se dissipam, marcas na dimensão erótica, marcas no registro

do desejo. Como dissemos168, anteriormente, no circuito pulsional, o sujeito

constitui uma relação de submissão à figura da mãe fálica, portanto, inscrevendo-

se num registro masoquista. O sujeito em pânico submete-se à onipotência da mãe

fálica como forma de se proteger do desamparo. Contudo, o pai é igualmente

evocado em sua dimensão de protetor e, nesse sentido, o apelo à proteção do pai

como forma de proteção contra o desamparo é um traço masoquista fundamental.

Pereira (1999) relata que na experiência clínica com pessoas que sofrem de

pânico é manifesto, particularmente, “o mito de um paraíso perdido” em que a

“perda do paraíso não é concebida como definitiva e sem apelo mas, ao contrário,

como algo de potencialmente reversível. O paraíso permanece algo passível de ser

atingido.” (p.271). Essa passagem exemplifica a idéia de que o sujeito que sofre

de pânico mantém-se no registro da onipotência narcísica, deixando-se encobrir

pela imagem do falo como função de tamponar sua insuficiência de base, ou seja,

o não-confronto com a condição fundamental de desamparo, com a incapacidade

de lidar com a falta e a castração.

Contudo, mesmo preso numa promessa mortífera (pois no aprisionamento

masoquista não há a assunção do desejo), há um gozo que o sujeito experimenta e

com isso tem um ganho secundário. Ao se colocar na posição de vítima, não se

responsabiliza por seu desejo, por sua existência, reafirmando sua posição como

166 Vide p.80. 167 Vide p.106-7. 168 Vide p.167 e 169.

180

alguém completamente frágil e impotente, portanto, longe da ameaça da castração

e da perda do amor.

Nesse sentido, ainda sobre a experiência clínica com esse sujeito, o autor

enfatiza que

... certas manifestações de raiva e violência observadas durante a análise desses sujeitos manifestam a revolta contra uma situação ou um objeto vivenciado como o verdadeiro culpado da situação atual de “exílio” em que se vê. Diferentemente do que observamos em outras situações psicopatológicas, esses pacientes não se sentem particularmente culpados por não se verem numa situação de felicidade absoluta mas, ao contrário, vítimas de um destino cruel que poderia ter sido diferente. (Pereira, 1999, p.271; os grifos são meus).

Essas considerações remetem-nos às colocações de Freud (1923) a respeito

da “reação terapêutica negativa”, que expressam o aferramento do sujeito ao

sintoma e ao sofrimento:

... existe algo nessas pessoas que se coloca contra o seu restabelecimento, e a aproximação deste é temida como se fosse um perigo.(...) Se analisarmos essa resistência (...) revela-se como o mais poderoso de todos os obstáculos à cura, mais poderoso que os conhecidos obstáculos da inacessibilidade narcísica, da atitude negativa para com o médico e do apego ao ganho com a enfermidade. Ao final, percebemos que estamos tratando com o que pode ser chamado de fator ‘moral ‘, um sentimento de culpa, que está encontrando sua satisfação na doença e se recusa a abandonar a punição do sofrimento.(...) enquanto o paciente está envolvido, esse sentimento de culpa silencia; não lhe diz que ele é culpado; ele não se sente culpado, mas doente. Esse sentimento de culpa expressa-se apenas como uma resistência à cura que é extremamente difícil. (p.65-6; os grifos são meus).

Em 1924, Freud junta essa questão ao prazer no sofrimento e na

humilhação, apontando o masoquismo moral como o próprio sentimento de culpa

‘ruidoso’ que há por trás de toda neurose, ou seja, ao valor dado ao sofrimento que

as neuroses acarretam para a tendência masoquista. Nesses casos, diz Freud

(1924),

... deparamos com pacientes a quem, devido ao seu comportamento perante a influência terapêutica do tratamento, somos obrigados a atribuir um sentimento de culpa

181

“inconsciente”. Apontei o sinal pelo qual tais pessoas podem ser reconhecidas (uma ‘reação terapêutica negativa’) e não ocultei o fato de que a força de tal impulso constitui uma das mais sérias resistências e o maior perigo ao sucesso de nossos objetivos médicos ou educativos. A satisfação desse sentimento inconsciente de culpa é talvez o mais poderoso bastião do indivíduo no lucro (geralmente composto) que aufere da doença – na soma de forças que lutam contra o restabelecimento e se recusam a ceder seu estado de enfermidade. O sofrimento acarretado pelas neuroses é exatamente o fator que as torna valiosas para a tendência masoquista.(...) uma forma de sofrimento foi substituída por outra e vemos que tudo quanto importava era a possibilidade de manter um determinado grau de sofrimento.(...) se abandonarmos o termo ‘sentimento inconsciente de culpa’(...) e falarmos, em vez disso, de uma ‘necessidade de punição’, que abrange o estado de coisas observado de modo igualmente apropriado. (1980, p.207-8; os grifos são meus).

Podemos depreender dessa passagem algumas questões importantes que

sustentam nossa idéia relativa às relações entre masoquismo e pânico, na

atualidade. A primeira delas refere-se a que tanto no masoquismo como no pânico

há um aparente afrouxamento com a sexualidade.

Pereira (1999) enfatiza que “a noção de desamparo articula as dimensões

de morte e de sexualidade de maneira inseparável.” (p.273). Com isso quer

mostrar que a vivência de abandono e desamparo que há no pânico

... não se dá simplesmente pelo encontro vazio e abstrato com a dimensão de falta de garantias, mas com a falta de garantias em face das próprias pulsões sexuais e destrutivas.(...) Sexualidade e abandono são duas faces da mesma moeda do desamparo.(...) (grifos meus) Nessa mesma operação (no pânico), ele se reconcilia com o pai mau e castrador das questões edípicas, protegendo-se assim de seu próprio desamparo em face da crueldade do rival onipotente.(...) o pânico permite que o sujeito assuma uma posição infantil aparentemente “dessexualizada”, necessitando de coisas mais urgentes, como a própria sobrevivência. (grifos meus) O pânico protege, através do desespero, dos perigos da sexualidade. (1980, p.274; grifos do autor).

É exatamente essa questão que Freud (1924) trabalha no masoquismo

moral: o aparente afrouxamento com a sexualidade.

O fato do masoquismo moral ser inconsciente nos leva a uma pista óbvia. Podemos traduzir a expressão “sentimento inconsciente de culpa” como significando uma necessidade de

182

punição às mãos de um poder paterno.(...) a consciência e a moralidade surgiram mediante a superação, a dessexualização do complexo de Édipo; através do masoquismo moral, porém, a moralidade mais uma vez se torna sexualizada, o complexo de Édipo é revivido e abre-se caminho para uma regressão, da moralidade para o complexo de Édipo. Isso não é vantajoso nem para a moralidade nem para a pessoa interessada.(...) o masoquismo cria uma tentação a efetuar ações ‘pecaminosas’ que devem então ser expiadas pelas censuras da consciência sádica... ou pelo castigo do grande poder parental do Destino. A fim de provocar a punição desse último representante dos pais, o masoquista deve fazer o que é desaconselhável, agir contra seus próprios interesses, arruinar as perspectivas que se abrem para ele no mundo real e, talvez destruir sua própria existência real. (p.211; os grifos são meus).

Para Freud (1924), o prolongamento inconsciente da moral (culpa) e o

masoquismo moral são frutos da relação entre o ego e o superego, e “em ambos os

casos o que está envolvido é uma necessidade que é satisfeita pela punição e pelo

sofrimento.” (1980, p.210). A diferença está no fato de que a culpa se articula

mais especificamente, às demandas do o superego, enquanto que o masoquismo,

ao ego. Na culpa, o ego “se submete” ao superego enquanto que no masoquismo,

o ego “deseja essa submissão”. Lembremos que o sentimento de culpa nada mais

é do que uma variação topográfica da angústia, que em suas fases posteriores de

transformação, coincide completamente com o medo do superego. Por outro lado,

o masoquismo remonta à dimensão erótica, ao campo do desejo: é a primeira

posição que o sujeito ocupa no circuito pulsional.

... a diferença existente entre uma extensão inconsciente da moralidade e o masoquismo moral. Na primeira, o acento recai sobre o sadismo intensificado do superego a que o ego se submete; na última, incide no próprio masoquismo do ego, que busca punição, quer do supergo quer dos poderes parentais externos. (Freud, 1924/1980, p.210).

O masoquismo e a culpa são duas modalidades diferentes da mesma

relação entre o ego e o superego, ou seja, da necessidade que o ego sente da

punição infligida pelo superego. Na culpa, trata-se do superego como herdeiro

direto do complexo de Édipo, do “Imperativo Categórico de Kant”, do resultado

de uma identificação que chegou à dessexualização das relações objetais

edipianas. No masoquismo moral, trata-se da oposição ao movimento regressivo

183

suplementam-se mutuamente e unem-se para produzir os mesmos efeitos.” (1980,

p.211-2; grifos do autor).

A respeito da agressividade e da satisfação pulsional frustrada, o autor

esclarece que

... podemos supor que essa parte do impulso destrutivo que se retirou, aparece como uma intensificação do masoquismo. Os fenômenos da consciência, contudo, levam-nos a inferir que a destrutividade que retorna do mundo externo é também assumida pelo superego, sem qualquer transformação desse tipo, e aumenta seu sadismo contra o ego. O sadismo do superego e o masoquismo do ego suplementam-se mutuamente e se unem para produzir os mesmos efeitos. Só assim, penso eu, podemos compreender como a supressão de uma pulsão pode, com freqüência ou muito geralmente, resultar em um sentimento de culpa e como a consciência de uma pessoa se torna mais severa e mais sensível, quanto mais se abstém da agressão contra os outros. (Freud, 1924/1980, p.212; os grifos são meus).

Entendemos que no pânico estamos lidando com um superego feroz, cruel

e sádico, que ao contrário de estabelecer barreiras para a satisfação pulsional

desregrada, ele a fomenta, tomando para si a força pulsional para aumentar sua

tirania ao ego. Nesse modo de sofrimento, parece que há um engrandecimento da

vertente feroz e cruel do superego em detrimento da vertente relativa à função de

agente da lei no psiquismo. Ou seja, o superego feroz e sádico não estabelece

limites adequados para um bom funcionamento psíquico, segundo as regras do

princípio de prazer; ao contrário, impõe ao psiquismo um modo de agir que

desconsidera o desejo e a singularidade.

O sadismo do superego e o masoquismo do ego suplementam-se. É a força

da destrutividade, da pulsão de morte. Lembremos que o superego é resultado do

recalcamento da agressividade própria, fruto da desfusão pulsional, assim como “a

pulsão de morte operante no organismo – sadismo primário – é idêntico ao

masoquismo.” (1980, p.205). O masoquismo é a prova da coalescência das

pulsões e, ao mesmo tempo, a certeza da existência de uma tendência que tem

como objetivo a autodestruição.

O pânico é um modo de padecimento em que o desejo do sujeito é

massacrado pelas injunções superegóicas, acabando por não se manifestar. Seu

185

apelo ao amor do outro tem como condição a proteção do desamparo, o que acaba

por condicionar sua existência à presença do Grande Fiador Transcendental. É

inegável a posição de servidão a esse senhor.

Essa situação tem ponto de âncora na cena social atual. Lembremos que as

psicopatologias atuais caracterizam-se pelos mesmos elementos que constituem o

homem contemporâneo: o imperativo categórico de agir a qualquer preço somado

à precariedade de referências subjetivas. Dessa maneira, há a produção de

modalidades subjetivas que fazem do masoquismo, da violência e da servidão

meios de proteção contra o desamparo radical do sujeito na contemporaneidade e,

nesse sentido, o pânico é uma das formas de padecimento como efeito desse

quadro, podendo, portanto, ser entendido como um processo de produção social.

As relações entre superego e a quantidade dos impulsos destrutivos são

determinantes na saúde dos homens tanto quanto no desenvolvimento cultural.

Para o indivíduo, em última instância, estão em jogo seus conflitos internos, mas,

para a humanidade, se as adaptações adquiridas pela espécie não forem

suficientes para lidar com as dificuldades surgidas, o que será dela? Lembremos

Freud (1938):

... quando o superego se estabelece, quantidades consideráveis do impulso destrutivo fixam-se no interior do ego e lá operam autodestrutivamente. Este é um dos perigos para a saúde com que os seres humanos se defrontam em seu caminho para o desenvolvimento cultural. Conter a agressividade é, em geral, nocivo e conduz à doença (à mortificação). (...) é possível suspeitar que, de uma maneira geral, o indivíduo morre de seus conflitos internos, mas que a espécie morre de sua luta mal sucedida contra o mundo externo se este mudar a ponto de as adaptações adquiridas pela espécie não serem suficientes para lidar com as dificuldades surgidas. (1980, p.175; grifos do autor).

Como tornar tolerável a experiência do desamparado?

186

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta geral desse estudo foi contextualizar o pânico, na atualidade, a

partir do referencial freudiano. Nesse sentido, nosso objetivo principal foi

articular o que Freud denominou de “mal-estar na civilização” às psicopatologias

contemporâneas, examinando a relação da incidência da sintomatologia do pânico

com os modos de subjetivação na atualidade.

Para tanto, partimos da hipótese sugerida por Pereira (1999) de que o

desamparo constitui para Freud uma noção metapsicológica capaz de delimitar as

bases psicopatológicas do fenômeno do pânico, segundo uma perspectiva

psicanalítica. Dessa maneira, a noção freudiana de Hilflosigkeit foi nosso operador

metapsicológico fundamental, que permitiu o entendimento do pânico como uma

manifestação clínica do desamparo e como uma das expressões do mal-estar que

marca, na atualidade, a relação do sujeito com a cultura.

No desenrolar de nosso estudo, pudemos mostrar que o pânico faz parte de

uma gama de diferentes formas do afeto de angústia, distinguíveis entre si, e que

constituem, na visão de Freud, o campo do angustiante: das Angstlichen. Sob esse

ponto de vista metapsicológico, vimos que o pânico corresponde ao afeto de

angústia despertado pelo confronto súbito do sujeito com a condição fundamental

de desamparo que, até então, estava enuviada.

O pânico atesta que o sujeito não conseguiu subjetivar a condição de

desamparo. Trabalhamos com a hipótese de que a função materna não foi

suficientemente adequada, a ponto de permitir que a criança passasse por um lento

e progressivo processo de desilusão e de subjetivação de um mundo que não

corresponde àquele que ela imaginava (onipotência narcísica), portanto, que

permitisse que a descoberta da realidade do desamparo pudesse ser uma

experiência tolerável.

O pânico, portanto, diz respeito à angústia despertada pelo desabamento da

ilusão de um ideal protetor onipotente, que garantia a estabilidade do mundo

psíquico organizado longe de incertezas, da falta de garantias e de indefinições. O

pânico é uma das possibilidades afetivas que o sujeito encontrou no enfrentamento

da condição de desamparo fundante e insuperável na constituição da vida

psíquica.

187

Contudo, o desamparo também é o motor da civilização. O homem ergueu

a civilização numa tentativa de diminuir seu desamparo diante das forças da

natureza, dos enigmas da vida e sobretudo da própria morte. O desamparo no

campo social refere-se à falta de garantias do sujeito no mundo, que é obrigado a

uma renúncia pulsional como condição de viver em sociedade. Para Freud, a

relação do sujeito com a cultura é marcada por um mal-estar (Unbehagen), pois é

permeada pelo antagonismo irremediável entre as exigências pulsionais e as

restrições da civilização.

Tendo em vista que a construção do psiquismo se dá no entrelaçamento

entre a pulsão e a cultura, o sintoma, na concepção freudiana, apontando para a

dimensão da subjetividade, traz em si uma mensagem do conflito individual,

familiar e social do ser humano. Nesse sentido, as formações de sintomas são, em

última instância, uma maneira que o sujeito encontra de se organizar dentro de um

grupo.

Portanto, o pânico seria expressão de um modo que o sujeito encontrou de

se organizar na sociedade contemporânea, respondendo aos subsídios que a

organização social atual oferece para que ele se sustente para além da cena

familiar. Essa hipótese é pertinente, na medida em que Freud se refere ao

fenômeno do pânico, por um lado, como um fenômeno do campo da angústia e,

por outro, como algo advindo de uma estrutura de relação de grupo.

Sob esse prisma, a construção da identificação e dos ideais, seja do

indivíduo, seja do grupo, é marcada por processos subjetivos que devem ser

desenvolvidos para que sejam mantidas tanto a organização individual quanto a

organização social que, para Freud, têm como referencial central, como

organizador simbólico, a ordem paterna. Esses processos se dão entre duas formas

de existência da subjetividade: entre os registros do narcisismo (ego ideal/amor de

si) e da alteridade (ideal de ego, superego/amor de outro).

Por conseguinte, para Freud, os ideais orientam os laços sociais

sustentados pelo desejo e pelas identificações e, nesse sentido, a construção dos

laços sociais é um efeito da problemática do indivíduo em relação aos ideais e às

identificações, portanto, em relação aos processos narcísicos e alteritários. O

sujeito oscila entre os pólos do narcisismo e da alteridade, o que configura duas

modalidades conflitantes de subjetividade: autocentrada e descentrada.

188

Entretanto, mostramos que a cena social atual oferece poucas

possibilidades para experiências de alteridade, na medida em que os ideais da

cultura contemporânea, que têm como valores soberanos a glorificação do eu e a

estetização da existência, incitam o sujeito para o pólo do narcisismo, da

subjetividade autocentrada, ficando o mesmo restrito e aprisionado em si mesmo.

Quando a alteridade vai cedendo lugar para o narcisismo, vão se configurando

modos hegemônicos de produção de subjetividade. Não há lugar para diferenças.

O sujeito “pós-moderno” forja uma identidade imaginária em que, nas

identificações imaginárias, parte de si para si mesmo, tendo, como conseqüência,

uma referência autônoma e independente da maneira como é visto pelo outro. As

formações imaginárias causam o impacto de uma falsa realidade, poupando os

sujeitos da dúvida e da incerteza e congelando seus afetos e pensamentos.

As subjetividades contemporâneas caracterizam-se pelo apagamento da

alteridade, em que a tendência é uma redução do homem à dimensão da imagem.

Há uma ênfase no “exterior” em detrimento do “interior”: o que interessa é o

brilho, a cena, o espetáculo, o sucesso a qualquer preço, a imediatez, a capitação

narcísica do outro. Em conseqüência disso, as relações sociais são,

predominantemente, regidas pelo imaginário, constituindo-se uma subjetividade

em que há o deslocamento da ordem paterna como referencial central. Esse

quadro provoca efeitos no sujeito, efeitos nos modos de subjetivação, que

apontam para a fragilização dos vínculos sociais, dos laços mútuos e da

constituição e permanência dos grupos.

Demonstramos que as formas de sofrimento manifestadas pelos sujeitos

são indissociáveis das transformações que remodelam o campo social. A

modernidade, na sua máxima radicalização – o excesso de ordem e a escassez de

liberdade –, “re-configurou” o mal-estar. O mal-estar contemporâneo é efeito da

desregulamentação e do excesso de liberdade individual (privatização), é fruto do

excesso pulsional e da fragilidade de simbolização. Nesse sentido, tem uma marca

essencialmente traumática, o que aponta para a vulnerabilidade psíquica do

homem contemporâneo, assim como destaca o pânico entre os modos atuais de

sofrimento humano.

Dessa maneira, as condições atuais do mal-estar na civilização dizem

respeito ao vazio existencial produzido pela destruição da narrativa: o sujeito

contemporâneo está à mercê da solidão e do vazio. No cume desse quadro, o

189

desamparo do sujeito tornou-se agudo, assumindo formas radicais como o pânico,

por exemplo, que irrompe quando o sujeito se depara com o abismo terrorífico da

experiência do vazio.

Tendo em vista que a motivação básica do quadro psicopatológico do

pânico é o rompimento com o ideal, o pânico, na atualidade, pode ser visto como

um processo de produção social, pela via do espectro de valores que impera na

sociedade contemporânea. Em outras palavras, os ideais contemporâneos geram

condições de possibilidade para a produção do pânico, na medida em que os

meios culturalmente codificados e legitimados para o sujeito lidar com os

conflitos gerados pela exigência da performance psicológica ideal implicam-lhe o

uso de estratégias na apropriação desses traços, que acabam por conduzi-lo à

psicopatologia. Nesse contexto se insere nossa hipótese, segundo a qual o pânico

expressaria o descompasso entre as exigências do tipo psicológico ideal atual, da

exaltação desmesurada do eu e da estetização da existência, e a incapacidade no

cumprimento dessas exigências.

Desse modo, circunscrevemos o pânico como um modo de padecimento

que expressa o mal-estar na contemporaneidade, entendendo-o como um dos

efeitos do desamparo do sujeito contemporâneo, para quem a experiência de

impotência/desamparo é elevada a um ponto radical.

Na medida em que, na atualidade, os sujeitos passaram a verticalizar o

campo das relações horizontais em busca de proteção diante da impossibilidade do

confronto com o desamparo, o sujeito, na tentativa de evitar o desamparo radical,

pode fazer uso de modalidades subjetivas que privilegiam o masoquismo, a

servidão e a violência. Esse novo ângulo para abordar as questões de nosso

interesse gerou novas linhas de investigação a respeito do quadro psicopatológico

do pânico, com desdobramentos fundamentais relativos à metapsicologia do

pânico, abrindo perspectivas para novas pesquisas.

Nesse sentido, o desenrolar de nosso estudo culminou em duas possíveis

articulações metapsicológicas que se complementam. Para compreendê-las,

lembremos que partimos do pressuposto de que a motivação básica do pânico é o

rompimento com o ideal.

Mostramos que a relação conflituosa entre ego e ideal do ego/superego é

expressa por meio do sentimento de culpa que, nas suas variadas relações com a

angústia, diz respeito tanto ao mal-estar quanto ao medo do superego. Portanto, o

190

sentimento de culpa é fruto das exigências do superego em relação ao ego e das

exigências da civilização voltadas à dominação da agressividade, implícita no ser

humano. Pode acontecer o rompimento do vínculo libidinal que liga,

especificamente, o ego com seu ideal, no caso de o ego não suportar as injunções

superegóicas relativas às exigências dos ideais. Lembremos que estamos

trabalhando com a idéia de que o ideal do ego é uma sub-estrutura do superego.

Nesse sentido, o superego falha na sua função de manter o ideal. Situamos o

pânico como efeito de um aumento do sentimento de culpa que o sujeito não pôde

tolerar. Essa é a primeira articulação metapsicológica de que falamos

anteriormente.

Nesse quadro, o sujeito pode erotizar a culpa como meio de fazê-la

suportável, transformando-a, assim, em fonte de satisfação masoquista. Dessa

maneira, mantém o nível de culpa, investindo-a de maneira masoquista. Esse

movimento atestaria uma falha na organização neurótica do sujeito que sofre de

pânico. Mas, de que falha se trata? Do ponto de vista da culpa, uma neurose pode

ser entendida como uma organização que, por meio da formação de sintomas,

possibilita ao sujeito suportar a culpa ligada a seus desejos edipianos. Parece que,

no caso do pânico, essa estratégia falhou, sendo uma das poucas soluções que

resta ao sujeito é o investimento masoquista.

Entendemos que, no pânico, estamos lidando com um superego feroz,

cruel e sádico que, ao contrário de estabelecer barreiras para a satisfação pulsional

desregrada, fomenta-a, tomando para si a força pulsional para aumentar sua tirania

ao ego. Nesse modo de sofrimento, parece que há um engrandecimento da

vertente rígida e sádica do superego, em detrimento da vertente relativa à sua

função de agente da lei. Ou seja, o superego feroz e sádico não estabelece limites

adequados para um bom funcionamento psíquico, segundo as regras do princípio

de prazer; ao contrário, impõe ao psiquismo um modo de agir que desconsidera o

desejo e a singularidade. E, como conseqüência, acaba por conduzir o sujeito de

volta ao modo de funcionamento psíquico no registro do ego ideal, da onipotência

narcísica, ficando o sujeito assujeitado ao regime do masoquismo primário.

Portanto, o pânico pode ser entendido como um modo de padecimento em

que o desejo do sujeito é massacrado pelas injunções superegóicas, acabando por

não se manifestar. Frente à angústia despertada pelo exercício da singularidade do

desejo, o sujeito se submete à comodidade da posição masoquista.

191

Entretanto, demonstramos que o masoquismo também é uma modalidade

da mesma relação entre ego e superego, ou seja, da necessidade que o ego sente da

punição infligida pelo superego. A diferença está no fato de que a culpa se

articula, mais especificamente, às demandas do superego, enquanto que o

masoquismo, ao ego. Na culpa, o ego “se submete” ao superego; no masoquismo,

o ego “deseja essa submissão”. O masoquismo moral tem a aparência de uma

culpa fundada num superego dessexualizado, mas trata-se, na verdade, do desejo

de punição (que é sexualizado), da satisfação masoquista. O sujeito procura a

própria culpa e se dá a satisfação masoquista da punição. Há uma autopunição

(culpa) infligida pelo superego, mas, na realidade, o que o sujeito visa é a punição

pelo pai (edipiano).

Pudemos mostrar que essa situação tem ponto de âncora na cena social

atual, tendo em vista que o imperativo de agir a qualquer preço, somado à

precariedade de referências subjetivas, leva o sujeito para o regime do

masoquismo, como meio de proteção contra o desamparo radical no mundo atual.

No pânico está em jogo o masoquismo como figura de servidão. Essa é a segunda

articulação metapsicológica.

Dissemos que um dos impasses que a modernidade criou para o sujeito foi

o fato de não poder contar mais com a figura do pai protetor onipotente, ou seja,

que o pai não garante mais nada em termos de proteção subjetiva. Freud

caracterizou o mal-estar na civilização como uma nostalgia do pai e um apelo à

proteção do pai, presentes em qualquer sofrimento neurótico, em qualquer

imaginário neurótico. O apelo à proteção do pai como forma de proteção contra o

desamparo é um traço masoquista fundamental. Sob esse prisma, o pânico

constitui um apelo de amor desesperado para que o outro ocupe esse lugar do

Grande Fiador Transcendental de sua existência.

Ao nos indagarmos a respeito do lugar do pai na experiência da submissão

masoquista, no que tange ao quadro psicopatológico do pânico, entendemos que

tem o teor da presença concreta desse Fiador. A busca da figura do pai originário

para realizar a denegação do desamparo foi a única maneira que o sujeito que

sofre de pânico encontrou para gerir a condição fundamental de desamparo.

Entretanto, em resultado dessa única forma de gestão, o sujeito se insere na

proteção onipotente narcísica, no registro do ego ideal e na recusa do confronto

192

com o imprevisível. Tudo isso custa muito caro ao sujeito, pois, recusando os

impasses da castração, acredita-se acima da finitude.

Quando o sujeito que sofre de pânico condiciona sua existência à presença

em pessoa do Grande Fiador Transcendental, seus laços com o outro implicam

num pacto masoquista: “você me protege do desamparo e em troca eu me submeto

à qualquer coisa.” Como pudemos mostrar, o masoquismo é um elemento

importante para compreendermos os laços sociais contemporâneos. Vimos que,

em conseqüência das modalidades emergentes de subjetivação, que fazem do

masoquismo uma maneira de tentar evitar o desamparo na contemporaneidade,

institui-se a tendência de um pacto masoquista subjacente à experiência do sujeito

contemporâneo.

Por conseguinte, as psicopatologias contemporâneas – como é o caso do

pânico –, podem ser entendidas como defesas fálicas contra o desamparo, no

sentido de que o sujeito se protege de sua impotência de base pela ilusão do poder

fálico, o que tampona a falta e o mantém longe da castração. Entendemos que no

pânico o sujeito está aprisionado e submisso à figura da mãe fálica e, com isso,

não se desloca do registro da onipotência primordial, tampouco se arriscando na

aventura da experiência da castração. O apego dependente e concreto a alguém ou

situação estável – que cumpre o papel do Grande Fiador da estabilidade do mundo

daqueles que sofrem de pânico – é uma compensação para a incapacidade de lidar

com a falta e a castração.

O sujeito que sofre de pânico fala em nome da manutenção do poder fálico

da figura materna, o que culmina na manutenção da relação incestuosa com a

figura da mãe. Em conseqüência disso, o sujeito se protege do impacto simbólico

da castração paterna (lei do pai), evitando a experiência simbólica da castração. O

Grande Fiador tem uma dimensão maternal: o pai é evocado em sua dimensão de

protetor, o que preserva a aspiração à mãe carinhosa onipotente e mantém

afastadas as exigências e interdições do pai.

Em nosso estudo, mostramos que o rompimento com o ideal só é possível

porque o vínculo libidinal do ego com seu ideal é frágil. No pânico, há uma

“função paterna falha” que é compensada pela “idealização do pai”, isto é, pela

colocação do objeto de amor no lugar do ideal. Dissemos que no pânico o objeto

de amor não foi dado como verdadeiramente perdido. Demonstramos que a

193

idealização do objeto é mantida por uma hipercatexia do ego à expensas dele, o

que implica no seu empobrecimento e enfraquecimento.

Clinicamente, o pânico pode ser considerado expressão dessa função

paterna falha. Essa questão reforça nossa hipótese de que há um rompimento,

especificamente, com a função de ideal do superego, corroborando nossa idéia de

que no pânico há uma falha do superego, tendo em vista que, paradoxalmente, o

superego passa a ser fonte de desamparo.

Mostramos que, para Freud, a volta do sadismo contra o ego ocorre

regularmente onde uma supressão cultural das pulsões impede que grande parte

dos impulsos destrutivos do indivíduo, da agressividade, seja exercida na vida. A

satisfação pulsional frustrada pode resultar numa elevação do sentimento de culpa

e isso só é aplicável aos impulsos agressivos. Nesse caso, um aumento do

sentimento de culpa aparece no lugar de uma exigência erótica não satisfeita. Na

trilha do pensamento de Freud, quando uma tendência pulsional que experimenta

o recalque transforma seus elementos libidinais em sintomas, seus componentes

agressivos são transformados em sentimentos de culpa. Na verdade, essas pulsões

recalcadas são transferidas para o superego que as dirige contra o ego sob a forma

de sentimento de culpa. O sadismo do superego e o masoquismo do ego

complementam-se e se unem para produzir os mesmos efeitos.

Freud nos adverte de que as relações entre superego e a quantidade dos

impulsos destrutivos são determinantes na saúde dos homens, assim como no

desenvolvimento cultural. Para ele, em última instância, estão em jogo no

indivíduo seus conflitos internos, mas, para a humanidade, se as adaptações

adquiridas pela espécie não forem suficientes para lidar com as dificuldades

surgidas, o que será de nós?

O atual cenário em que nos inserimos é colorido, muitas vezes de choque e

pavor, de cenas de brutalidade, destruição e violência que provocam indignação,

desilusão e impotência em todos aqueles que se posicionam contra a injustiça,

contra a degradação e a depredação do ser humano. O pânico nos traz a seguinte

questão: como tornar tolerável a experiência do desamparo num mundo

desamparado?

Mais que respostas, essa questão exige nossa atenção para a relação

conflituosa do sujeito com o espaço social em que está inserido. Implica numa

proposta de interlocução entre a psicanálise e outras ciências, como a sociologia,

194

por exemplo, fruto de nosso trabalho, e que abriu possibilidades fecundas para

examinar determinados fenômenos atuais, como o pânico, de um novo ponto de

vista. Apostamos no intercâmbio da psicanálise com a política e a cultura, tendo

em vista que essas relações ampliam, substancialmente, a compreensão das novas

formas de mal-estar nas subjetividades contemporâneas e, com efeito, delineiam

novos desafios impostos por elas à clínica psicanalítica.

Se ignorarmos o contexto social que trabalhamos nesse estudo, corremos o

risco de desconsiderar as relações intrínsecas existentes entre manifestações

legítimas de insegurança social e inseguranças provenientes dos vínculos

primordiais com o outro. Entendemos que é fundamental para nós, psicanalistas,

poder acolher essas questões em nossos consultórios e reinventarmos a prática

clínica, resgatando sua dimensão subversiva. A análise individual pode revelar

máscaras que existem nos comportamentos cotidianos; desmistificar ideais e

ideologias; desnudar as relações sexuais entre sujeitos faltantes e finitos. Nesse

sentido, pode decompor o que preservava o “equilíbrio” (patológico) do

indivíduo. É sob esse prisma, que é possível supor que a análise individual pode

gerar efeitos sociais.

Foi essa a herança que Freud nos deixou:

Numa análise individual, tomamos como nosso ponto de partida o contraste que distingue o paciente do seu meio ambiente, o qual presume ser “normal”. Para um grupo de que todos os membros sejam afetados pelo mesmo distúrbio, não poderia existir esse pano de fundo; ele teria de ser buscado em outro lugar.(...) podemos esperar que, um dia, alguém se aventure a se empenhar na elaboração de uma patologia das comunidades culturais. (1930/1980, p.169).

Foi preciso que o tempo da desilusão chegasse aos contornos da atualidade

para que as mensagens, difíceis de suportar, que Freud transmitiu em seus textos

culturais – alguns dos quais foram trabalhados nesse estudo – pudessem ser

entendidas, digeridas e se tornassem ferramentas para a constante renovação

metapsicológica.

Nesse contexto, o pânico não poderia jamais ser compreendido,

simplesmente, como uma resposta afetiva de angústia automática. Pelo contrário,

ser tomado de pânico atesta a dimensão de desamparo fundamental sobre a qual se

195

desenrola o funcionamento psíquico. O pânico é um grito de alerta para o

desamparo radical do sujeito contemporâneo.

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