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UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI – URCA PRÓ - REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO – PROGRAD LICENCIATURA PLENA PARA O ENSINO MÉDIO COM HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA E INGLESA SEMEAR LEITURA PARA COLHER LEITORES: UM DESAFIO PARA A DOCÊNCIA Lucimeire Cavalcanti Dias SÃO JOSÉ DE PIRANHAS – PB OUTUBRO DE 2009 1

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Semear Leitura para colher leitores: um desafio para a docência

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI – URCA

PRÓ - REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO – PROGRAD

LICENCIATURA PLENA PARA O ENSINO MÉDIO COM HABILITAÇÃO EM LÍNGUA

PORTUGUESA E INGLESA

SEMEAR LEITURA PARA COLHER LEITORES:

UM DESAFIO PARA A DOCÊNCIA

Lucimeire Cavalcanti Dias

SÃO JOSÉ DE PIRANHAS – PB

OUTUBRO DE 2009

1

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Lucimeire Cavalcanti Dias

SEMEAR LEITURA PARA COLHER LEITORES:

UM DESAFIO PARA A DOCÊNCIA

São José de Piranhas – PB

OUTUBRO DE 2009

2

Monografia apresentada ao Curso de Letras

(Licenciatura em Língua Portuguesa e em

Língua Inglesa) da Universidade Regional do

Cariri – URCA, em cumprimento às

exigências para obtenção do título de

professora, orientada pelo Professor Mauro

Cesar Alves.

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI – URCA

PRÓ - REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO – PROGRAD

LICENCIATURA PLENA PARA O ENSINO MÉDIO COM HABILITAÇÃO EM LÍNGUA

PORTUGUESA E INGLESA

Lucimeire Cavalcanti Dias

SEMEAR LEITURA PARA COLHER LEITORES:

UM DESAFIO PARA A DOCÊNCIA

BANCA EXAMINADORA:

______________________________________________________________________

Orientador

Coordenação

Conceito:_________________________________

4

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DEDICATÓRIA

5

A Deus

Por iluminar os meus passos, pela constante presença

em minha vida, pelas oportunidades que me foram

dadas, por me mostrar caminhos que me fizeram

conseguir finalizar este trabalho, apesar de todas as

dificuldades existentes, pois, aprendi que, o importante é

termos a capacidade de sacrificar aquilo que somos para

sermos aquilo que podemos ser.

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AGRADECIMENTO

6

A meus filhos Rômulo e Rafaela, pelo carinho e amor,

que me aquece a alma, me anima e me impulsiona a um

caminhar constante, na busca de novos conhecimentos e

de novas possibilidades, pela compreensão nas

constantes ausências, pela ajuda, incentivo e apoio no

decorrer desta caminhada.

(Lucimeire Cavalcanti Dias)

Para todos os “sujeitos” comprometidos amorosamente

com o Ensinar e com o Aprender, nos diversos saberes,

espaços e tempos, de luta por uma educação

democrática e emancipatória.

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7

Então, educamos e somos educados. Ao compartilharmos,

no dia-a-dia do ensinar e do aprender, idéias, percepções,

sentimentos, gestos, atitudes e modo de ação, sempre

ressignificados e reelaborados em cada um, vamos

internalizando conhecimentos, habilidades, experiências,

valores, rumo a um agir crítico-reflexivo, autônomo,

criativo e eficaz, solidário. Tido em nome do direito à

vida e à dignidade de todo ser humano, do

reconhecimento das subjetividades, das identidades

culturais, da riqueza de uma vida em comum, da justiça e

da igualdade social.

Talvez possa ser esse um dos modos de fazer

EDUCAÇÃO.

José Carlos Libâneo

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ___________________________________________________________07

1. PERCURSOS E PERCALÇOS HISTÓRICOS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA

LEITURA__________________________________________________________12

2. REFLEXÕES TEÓRICAS ACERCA DO PROCESSO DE ENSINO

APRENDIZAGEM DA LEITURA______________________________________17

3. A PRÁTICA, O ENSINO E A APRENDIZAGEM DA LEITURA____________22

4. A sistematização da prática em sala de aula___________________27

CONSIDERAÇÕES FINAIS________________________________________________34

REFERÊNCIAS__________________________________________________________35ANEXOS_______________________________________________________________37

INTRODUÇÃO

8

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As exigências educativas da sociedade contemporânea são crescentes e estão relacionadas

às diferentes dimensões da vida das pessoas: ao trabalho, à participação social e política, à

vida familiar e comunitária, às oportunidades de lazer e desenvolvimento cultural.

Sobre este prisma, torna-se oportuna a discussão sobre as formas de lidar com os novos

tempos e, portanto, emergir o discurso sobre a qualidade de ensino nas escolas, atentando para

a ascensão no nível de educação de toda população e detectando os fatores que possam

atender às novas exigências educativas que a própria vida cotidiana impõe de maneira

crescente no meio social.

Neste sentido, um dos instrumentos imprescindíveis para uma formação geral e que

possibilite cidadãos críticos, autônomos e atuantes, nesta sociedade em constante mutação,

seria a prática de leituras variadas que promovam, de maneira direta ou indireta, uma reflexão

sobre o contexto social em que estão inseridas, uma vez que o movimento dialético da leitura

deve inserir o leitor na história deste milênio e o constituir como agente produtor de seu

próprio futuro, por isso a escolha do tema desta pesquisa científica Semear leitura para

colher leitores: um desafio para a docência, para mostrarmos o quanto é importante que a

leitura se constitua como uma prática social de diferentes funções, pelas quais estudantes e

professores possam perceber que precisam ler não somente para compreender, mas também

para se comunicarem, adquirir conhecimentos, ampliar os horizontes em relação ao mundo e

as questões inerentes ao seu bem estar social. Configura-se, então, como uma necessidade

básica na vida de todo cidadão.

Podemos afirmar que formar um leitor crítico não é tarefa fácil, como mostramos no Capítulo I Percursos e percalços históricos do ensino-aprendizagem da leitura, entretanto fica claro que se trata de algo extremamente significativo para o aluno. Na verdade, o que se almeja alcançar com esse trabalho monográfico, é conscientizar alunos e futuros professores (nosso público alvo) que a leitura crítica é um meio capaz de ultrapassar os limites pontuais de um texto e incorporá-lo reflexivamente no seu universo de conhecimento de forma a levá-lo a melhor compreender seu mundo e seu semelhante. Partindo do ponto de vista de que “o verbo ler mão suporta imperativo”

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(PENNAC, 1993), a leitura não deve ser encarada nem pelo professor nem pelo aluno

como uma obrigação, um dever, e sim como uma atividade prazerosa. Para tanto, o

professor deve demonstrar paixão pela mesma e apresentá-la como fundamental para a

formação intelectual dos educandos. Para KLEIMAN (1998):

“o leitor proficiente faz escolhas baseando-se em predições quanto ao conteúdo do livro. Essas predições estão apoiadas no conhecimento prévio, tanto sobre o assunto (conhecimento enciclopédico), como sobre o autor, a época da obra (conhecimento social, cultural, pragmático) o gênero (conhecimento textual). Daí ser necessário que todo programa de leitura permita ao aluno entrar em contato com um universo textual amplo e diversificado”.

Assim, é essencial para o sucesso com o trabalho da leitura em sala de aula, a

utilização de um universo textual amplo e diversificado, fazendo-se necessário que o

aluno entre em contato com os vários tipos de textos que circulam socialmente, para

adquirir autonomia e escolher o tipo de texto que mais se encaixa com o seu gosto ou

com as suas necessidades. Por isso, é importante proporcionar para os alunos

diversificadas situações nas quais a leitura esteja em foco, pois se aprende ler lendo e a

interpretar o que leu interpretando. No entanto, para se formar um leitor crítico o mais

coerente é propor para o estudante leitura crítica. As estratégias de leitura, envolvem

vários tipos de conhecimentos e várias habilidades do leitor ao manusear o texto.

Segundo KLEIMAN (1998);

“quando falamos de estratégias de leitura, estamos falando de operações regulares para abordar o texto. Essas estratégias podem ser inferidas a partir da compreensão do texto, que por sua vez é inferida a partir do comportamento verbal e não verbal do leitor, isto é, do tipo de respostas que ele dá a perguntas sobre o texto, dos resumos que ele faz, de suas paráfrases, como também da maneira como ele manipula o objeto: se sublinha, se apenas folheia sem se deter em parte alguma, se passa os olhos rapidamente e espera a próxima atividade começar, se relê”.

É importante, para o trabalho com a leitura que se utilize estratégias, as quais,

oportunizem aos alunos adquirirem certa familiaridade para abordar o texto, adquirindo

intimidade com o escrito e criando maneiras próprias e confortáveis de entrar em

contato com a leitura e compreender o que leu. Também é mister salientar que a autora

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mencionada acima afirma que as estratégias de leitura são importantes para o leitor

apropriar-se do texto. No entanto, não são suficientes para garantir que o trabalho com a

leitura na sala de aula se concretize, se fazendo necessário, então, um planejamento

cuidadoso e principalmente coerente com a realidade do aluno.

A leitura é uma atividade que está presente na escola em todas as atividades que

envolvem as disciplinas do currículo. Lê-se para ampliar os limites do próprio

conhecimento. Por isso, precisa se fazer presente na vida do estudante, não como algo

paralelo do seu ensino-aprendizagem, mais como alguma coisa essencial para o

desenvolvimento cognitivo dos estudantes e principalmente dentro de um contexto real

de leitura e análise de textos, para que o ato de ler possa passar a fazer sentido para os

educandos como é visto no Capítulo II Reflexões teóricas acerca do processo de ensino

aprendizagem da leitura.

O texto se modifica a cada leitura que se realiza, porque o leitor coloca nele suas

experiências, seus conhecimentos, aspectos da sua cultura, sua visão de mundo e

também a sua opinião a respeito do tema exposto e à medida que lê o texto, vai

ampliando os seus horizontes a respeito do tema que nele está exposto. Por isso,

trabalhar com a leitura na sala de aula precisa que se crie situações com as quais os

alunos possam ler os textos, não só uma, mas várias vezes, para perceber que seu

conteúdo é uma fonte inesgotável de informação e de criação de novos conceitos.

O ato de ler não se resume na atividade de passar os olhos sobre o escrito, é uma

tarefa mais complexa e que mesmo frente a inúmeras discussões e estudos a respeito do

assunto, ainda não foi possível chegar a um claro consenso sobre como é que se realiza

o ato de ler. Ao propor a leitura para os alunos, é essencial considerar a complexidade

do ato de ler para não lhe exigir algo que não é capaz de realizar em relação a leitura de

textos, “[…] o processo de leitura depende de várias condições: a habilidade e o estilo

pessoal do leitor, o objetivo da leitura, o nível de conhecimento prévio do assunto

tratado e o nível de complexidade oferecido pelo texto” (SOLIGO, 1999).

Aprender a ler e se tornar um leitor crítico que além de realizar leitura compreende

o texto, exige empenho, tanto por parte do aluno quanto por parte de quem propõe o

trabalho com a leitura. É preciso que ambos entendam que não se lê só para aprender a

ler, mas sim para responder as suas necessidades pessoais. Faz-se necessário prosseguir

com SOLIGO (1999), ao afirmar que “os alunos devem ver na leitura algo interessante

e desafiador, uma conquista capaz de dar autonomia e independência. E devem estar

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confiantes, condição para enfrentar o desafio e aprender fazendo”. O estudante precisa,

sentir-se estimulado para desenvolver uma prática constante de leitura, precisa deparar-

se com situações com as quais possa raciocinar, refletir e progredir cognitivamente,

precisa esforçar-se para se encaixar no perfil do leitor crítico e para isso, dois pontos são

de suma importância: o tipo de material utilizado e a proposta pedagógica que se realiza

dentro das instituições de ensino, no Capítulo III A prática, o ensino e a aprendizagem

da leitura, fica fácil entendermos que é uma necessidade formar o leitor crítico e

argumentarmos também que fazer do aluno um leitor com este perfil é uma urgência

dentro das instituições escolares, pois o rendimento escolar de determinados alunos é

marcado pelo fracasso, em virtude de não serem bons leitores e consequentemente, bons

interpretadores de textos e/ou enunciados, que não estão presentes só em Língua

Portuguesa, mas em todas as disciplinas do currículo escolar. Desenvolvendo

habilidades de leitura crítica, certamente este aluno passará a ter desempenho melhor

nas demais disciplinas com as quais tem contato na escola. Para SOLÉ (1998):

“o leque de objetivos e finalidades que faz com que o leitor se situe perante um texto é amplo e variado: devanear, preencher um momento de lazer e desfrutar, procurar uma informação concreta; seguir uma pauta ou instruções para realizar uma determinada atividade (cozinhar, conhecer as regras de um jogo); informar sobre um determinado fato (ler o jornal, ler um livro de consulta sobre a Revolução Francesa); confirmar ou refutar um conhecimento prévio; ampliar a informação obtida com a leitura de um texto na realização de um trabalho, etc”.

É importante que o leitor perceba que existem várias possibilidades de se

transmitir uma informação através de um texto e que o mesmo varia à medida que muda

o conteúdo que está exposto, mas não é só isso, muda também a estrutura do texto. Um

texto informativo tem uma linguagem objetiva e não se confunde com os textos de

natureza literária ou artística, que utiliza a subjetividade, e a criatividade prevalece para

encantar o leitor. Que por sua vez difere-se do texto narrativo, uma vez que relata fatos e

acontecimentos e do texto descritivo, que representam objetos e personagens que

participam do texto narrativo. Já o texto argumentativo, procura convencer o leitor,

propondo ou impondo uma interpretação.

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Por isso a nossa preocupação em Semear leitura para colher leitores, pois

percebemos que a leitura centra-se na necessidade de fazer com que o leitor entenda o

texto e seja capaz de manuseá-lo de diferentes formas para resultar em uma leitura

significativa e crítica. É preciso que o leitor sinta-se motivado a interagir com o texto,

para buscar várias formas de entender o seu conteúdo. Para formar um leitor crítico, o

exercício da leitura é imprescindível, de um tipo de leitura que permita ao leitor

discorrer sobre o texto e criar possibilidades para compreender suas entrelinhas e à

medida que realiza novas leituras, cria novas alternativas para construir seu significado

com mais autonomia, e é partindo desse pressuposto que temos a certeza de que tudo

isso é um desafio para a docência, como é especificado no Capítulo IV A

sistematização da prática em sala de aula.

Nesta perspectiva, o exercício da leitura transcende, em muito, a utilização de

materiais, muitas vezes empregados como modismos em sala de aula. A formação do

leitor impõe-se como prioridade a ser seguida, pressupondo a figura do professor como

interlocutor ativo no diálogo da leitura, a fim de instigar e promover leitores que

estejam à procura de respostas às suas próprias indagações e a desconfiar dos sentidos

das letras impostas por textos insignificantes para, desta forma, encontrar nos livros, a

fonte de sua sabedoria e inspiração, resgatando a história do conhecimento, tão

necessária nos novos tempos, em que as mudanças são rápidas e atropelam o próprio

“saber humano”.

É o que se pretende ao longo deste trabalho conclusivo de curso, através da escrita

baseada numa pesquisa bibliográfica atualizada com o tema, demonstrar aos leitores a

relevância do educador na formação de novos leitores, numa concepção de que, sem

rupturas no processo ensino-aprendizagem, a leitura pode ser empregada como

mecanismo de lazer, cultura e formação.

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1. PERCURSOS E PERCALÇOS HISTÓRICOS DO

ENSINO-APRENDIZAGEM DA LEITURA

Desde os primórdios da civilização o homem busca habilidades que lhe torne mais

útil a vida em sociedade e que lhe possa tornar mais feliz. A criação de mecanismos que

possibilitassem a disseminação de seu conhecimento tornava-se um imperativo de

saber/poder, que ensejava respeito e admiração pelos companheiros de tribo.

Daí o surgimento das inscrições rupestres, simbologia, posteriormente e num

estágio mais avançado das civilizações, os hieróglifos e as esculturas que denotavam

sua própria e mais nobre conquista: a conquista de ser. Nesse contexto surge a escrita e

a leitura como imanentes à própria história da civilização.

Ao longo da história, a leitura foi vista como uma fonte de aprendizagem e de

conhecimento. Foi assim desde a antiguidade, precisamente a partir dos séculos V e VI

a.C, quando a prática da leitura em voz alta foi bastante difundida. Já na Idade Média,

no final do século XI até o século XIV, com o desenvolvimento da alfabetização, as

práticas de escrita e de leitura, antes separadas, aproximaram-se e se tornaram função

uma da outra. A escola passa, então, a ser vista como o principal espaço onde se dará o

ensino de leitura. Posteriormente, na Idade Moderna, entre os séculos XVI e XVIII, as

práticas de leitura estiveram condicionadas à escolarização, às opções religiosas e ao

crescente ritmo de industrialização.

Já no transcorrer deste século a imprensa escrita desenvolveu mais nitidamente

sua função educativa, penetrando nos vários setores da vida social, agindo intensamente

na formação do imaginário coletivo. Tornou-se, sobretudo, o principal veículo para

difundir visões de mundo, normas e valores de caráter ideológico dominante. Por outro

lado, aguçou a capacidade crítica dos leitores, ainda que num número insuficiente para

uma sociedade que clama por iguais condições de acessibilidade ao conhecimento.

Pode-se afirmar que a imprensa ao longo da história serviu, sobretudo, à classe

dominante que acreditava no papel da leitura como um elemento auxiliar do processo de

inculcação ideológica, colaborando para a reprodução das estruturas sociais

excludentes.

Nas últimas décadas do século XX, a expansão da tecnologia digital e das redes

de comunicação virtual por meio de computador desenvolveu novos suportes de leitura

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que se somaram ao formato do livro impresso. Os discos rígidos, disquetes, cd - rom,

multimídia, mostraram-se como novas alternativas para o ato de leitura, pois o texto

eletrônico permite que o leitor interfira em seu conteúdo tornando-se um co-autor.

O leitor diante da tela pode intervir nos textos, modificá-los, reescrevê-los, fazê-

los seus; ele torna-se “um dos autores de uma escrita de várias vozes ou, pelo menos,

encontra-se em posição de construir um texto novo a partir de fragmentos recortados e

reunidos”. (CHARTIER, 1994). Ainda assim, o progresso não possibilita iguais

oportunidades de leitura e escritura à maioria da população brasileira.

A criação dessa disponibilidade, que chamamos escrita e leitura, criam outras

disponibilidades, pois ela é a básica, dela provém as demais. Através da leitura e da

escrita o homem conseguiu estreitar os laços de afetividade com seus semelhantes,

harmonizar os interesses, resolver os seus conflitos e se organizar num estágio atual da

civilização, com a abstração a que nomeamos “Estado”. O homem se organizou

politicamente.

Mas voltando-nos ao campo do conhecimento humano, que é o que por ora nos

interessa, o mito poético que sempre embalou o homem, a fantasia dos deuses,

descortinaram as portas do saber, originando a busca da informação, do saber humano,

do seu prazer.

Com o desenvolvimento da linguagem, a força das mensagens humanas

aperfeiçoou-se a tal ponto de ser imprescindível à sua própria existência. A busca do

conhecimento tornou-se imperativa para novas conquistas e para o estabelecimento do

homem como ser social, como centro de convergência de todos os outros interesses.

Na busca desse conhecimento, que se perpetua ao longo da história da civilização,

percebe-se que quanto mais cedo o homem iniciar, mais cedo germinará bons

resultados. Ou seja, a infância como uma fase especial de evolução e formação do ser,

deve despertar-lhe para este mundo, o mundo da simbologia, o mundo da leitura.

É preciso superar algumas concepções sobre o aprendizado inicial da leitura. A

principal delas é a de que ler é simplesmente decodificar, converter letras em sons,

sendo a compreensão conseqüência natural dessa ação. Por conta desta concepção

equivocada a escola vem produzindo grande quantidade de “leitores” capazes de

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decodificar qualquer texto, mas com enormes dificuldades para compreender o que

tentem ler.

O conhecimento atualmente disponível a respeito do processo de leitura indica

que não se deve ensinar a ler por meio de práticas concentradas na decodificação. Ao

contrário é preciso oferecer aos alunos inúmeras oportunidades de aprenderem a ler

usando os procedimentos que os bons leitores utilizam. É preciso que antecipem, que

façam inferências a partir do contexto ou do conhecimento prévio que possuem, que

verifiquem suas suposições. É disso que se está falando quando se diz que é preciso

“aprender a ler, lendo”.

A escola, espaço que convencionamos como sendo específico e privilegiado do

saber, no que concerne à leitura, precisa rever suas práticas, mormente diante de leituras

impostas em salas de aulas onde faz imperar um dualismo: de um lado algumas escolas

que, ao pretenderem uma rápida atualização com o presente, assimilam o novo sem a

devida reflexão utilizando inadequadamente instrumentos modernos de ensino e

tornando seus leitores passivos diante de imagens efêmeras. Em contraposição, outras

escolas utilizam textos fragmentados de manuais didáticos como único meio auxiliar

para a leitura, objetivando o trabalho de unidades curriculares como mera fixação e

memorização de conteúdos, quase sempre aleatórias à realidade dos alunos.

Neste sentido, esta ambigüidade da prática educativa tornam os alunos alheios a

realidade que os circundam, tornando-os vulneráveis a dominação de uma minoria que

pensa e se mantêm bem informados. Parte-se então do pressuposto que a prática da

leitura significa a possibilidade de domínio através de um instrumento de poder,

chamado linguagem formal, pois é desta forma que estão escritas as leis que regem

nosso país, e assim perceber os direitos que se tem, o direito das elites que, com um

discurso ideológico em prol da liberdade e da justiça, os mantêm na condição de

detentores do Poder.

Práticas de leitura para os alunos têm um grande valor em si mesmas, não sendo

sempre necessárias atividades subseqüentes, como o desenho dos personagens, a

resposta de perguntas sobre a leitura, dramatização das histórias etc. Tais atividades só

devem se realizar quando fizerem sentido e como parte de um projeto mais amplo. Caso

contrário, pudesse oferecer uma idéia distorcida do que é ler.

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A criança que ainda não sabe ler convencionalmente pode fazê-lo por meio da

escuta da leitura do professor, ainda que não possa decifrar todas e cada uma das

palavras. Ouvir um texto já é uma forma de leitura.

É de grande importância o acesso, por meio da leitura pelo professor, a diversos

tipos de materiais escritos, uma vez que isso possibilita às crianças o contato com

práticas culturais mediadas pela escrita. Comunicar práticas de leitura permite colocar

as crianças no papel de “leitoras”, que podem relacionar a linguagem com os textos, os

gêneros e os portadores sobre os quais eles se apresentam: livros, bilhetes, revistas,

cartas, jornais etc.

As poesias, parlendas, trava-línguas, os jogos de palavras, memorizados e

repetidos, possibilitam às crianças atentarem não só aos conteúdos, mas também à

forma, aos aspectos sonoros da linguagem, como ritmo e rimas, além das questões

culturais e afetivas envolvidas.

Manter grande parte da população escolar perto do alcance desta linguagem

formal, este é o grande desafio, a fim de que, com uma visão crítica e reflexiva e através

do discernimento, não se permita a perpetuação de sua condição de dominados. Neste

sentido torna-se oportuno citar FOUCAMBERT (1994):

“(...) a leitura aparece também como um instrumento de conquista de poder por outros atores, antes de ser meio de lazer ou evasão. O “acesso a leitura” de novas camadas sociais implica que leitura e produção de texto se tornem ferramentas de pensamento de uma experiência social renovada; ela supõe a busca de novos pontos de vista sobre uma realidade mais ampla, que a escrita ajuda a conceber e a mudar, a invenção simultânea e recíproca de novas relações, novos escritos e novos leitores. Nesse sentido torna-se leitor pela transformação da situação que faz que não se o seja.”

Assim, a leitura como prática social faz a diferença para aqueles que dominam,

tornando-os distintos cultural e socialmente.

Faz-se necessário que as escolas revejam as condições restritas impostas ao ensino

da leitura. Entretanto mudar as condições de produção da leitura na escola não significa

apenas alterar os instrumentos de sua codificação e decodificação, vai muito mais além:

Conforme FREIRE(2003):

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“(...) o ato de ler não se esgota da decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra (...) linguagem e realidade se prendem dinamicamente.”

Exige-se da escola, principalmente, o redimensionamento de todo o trabalho

educativo que engloba: ousadia, seleção de materiais variados, espaço para socialização,

respeito a opiniões divergentes, enfim novas propostas de trabalhos pedagógicos com

leituras críticas e variadas.

Reafirmamos que o exercício e prática da leitura transcendem ao uso de materiais

como meios auxiliares de ensino, empregados como modismos em sala de aula ou como

atividade ligada a lição e a intenção didática instrucional.

Além da leitura como informação e, conseqüentemente, como fonte de acesso ao

conhecimento e ao poder, o mais importante é a capacidade de se aliar isso ao prazer e

entretenimento, pois é de se deduzir, por essa linha de pensamento que, a contrário

senso, o prazer na prática da leitura levará automaticamente o leitor ao conhecimento.

Assim, a leitura singular dos livros didáticos deve ceder espaço aos livros de

literatura infantil, jornais, revistas, gibis, bulas de remédios, receitas caseiras, etc., que

fazem parte dos objetos de uso cotidiano, articulado a uma leitura significativa e,

portanto, compreensiva e mais agradável como processo pedagógico.

Leitura é conhecimento, e o conhecimento é um processo de construção em que o

protagonista é o aluno, e respaldando tal assertiva é oportuno citar FREIRE:

“Uma educação que procura desenvolver a tomada de consciências e a

atitude crítica, graças à qual o homem escolhe e decide, liberta-o em lugar de

submetê-lo, de domesticá-lo, de adaptá-lo, como faz com muita freqüência a

educação em vigor num grande número de países do mundo, educação que

tende a ajustar o indivíduo à sociedade em lugar de promovê-lo em sua

própria linha.”

Há muito a se discutir, refletir e pesquisar para que se consiga concretizar de

maneira efetiva, nas salas de aula, esta audaciosa proposta. Para isso, se faz mister uma

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mudança na postura dos educadores e também da consciência de que, como enfatizamos

nos capítulos iniciais, exigirá a quebra de alguns paradigmas no processo educativo.

Trata-se de um primeiro passo e de um grande desafio: romper barreiras para

melhor ensinar, visando, sobretudo, uma educação que permita ao aluno o exercício

pleno de sua cidadania e o seu desenvolvimento como pessoa humana através do hábito

de ler, não apenas como fonte de conhecimento, mas também como informação e

prazer!

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2. REFLEXÕES TEÓRICAS ACERCA DO PROCESSO DE

ENSINO APRENDIZAGEM DA LEITURA

No momento atual, a tônica no ensino de língua está no texto. Mas muitas pessoas

ainda desconhecem os estudos que têm sido feitos nas áreas da psicolingüística e da

lingüística textual ou conhecem, porém, ainda, não coloca na prática em sala de aula.

Mediante a essa reflexão, procura-se neste estudo reunir na sua fundamentação,

questões teóricas de diversas fontes sobre leitura e escritura de textos, bem como sobre

outras questões relativas à textualidade, gêneros textuais, motivação e letramento que

julgamos necessárias para dá consistência a essa reflexão pedagógica.

Entre vários problemas estruturais, já tão denunciados pelas pesquisas e estudos

realizados, ressalta-se aqui a questão da formação docente como um dos principais

entraves a uma prática educativa de qualidade, especialmente no que se refere ao ensino

da leitura. Entende se que, ainda que todos os quesitos ideais necessários a uma prática

de ensino da leitura fossem efetivados na escola, indispensável seria a presença de

professores leitores, que sentissem prazer na leitura, que fossem bem informados e

instrumentalizados para tal prática.

O ensino da leitura e, particularmente, a importância da literatura

na formação pessoal e intelectual do ser humano ainda nas séries iniciais, encontram

pouco espaço nos programas de formação inicial e continuada das escolas brasileiras.

Este estudo pretende desenvolver atividades que convergem para ações voltadas

diretamente para alunos e professores das séries iniciais do ensino fundamental.

Os objetivos gerais do estudo consistiu em formar o leitor autônomo (alunos e

professores das séries iniciais), através do estímulo à sensibilidade, criatividade e

criticidade e da formação do gosto pela leitura, contribuindo para a construção de uma

cidadania plena. Prevê na motivação da leitura nas séries iniciais para a formação de

leitores efetivamente comprometidos com a prática social. Tais objetivos podem ser

traduzidos nas seguintes ações que vem sendo implementadas paulatinamente.

Assim este estudo definiu como importante o cultivo do espaço da biblioteca,

através do Laboratório de Leitura, Literatura e Educação, como lugar onde a prática de

leitura não esteja restrita à pesquisa e consulta, mas voltada para a satisfação de

necessidades mais amplas do ser humano (culturais, afetivas, estéticas, etc.); Estimular

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o uso da literatura infantil como elemento essencial para a formação do leitor nas séries

iniciais; Estimular o trabalho com a oralidade no texto literário, aproveitando o universo

infantil para as várias possibilidades de leitura; Formar o professor das séries iniciais

como contador de histórias e criar conjuntamente metodologias que proporcionem a

formação do gosto; Acompanhar e orientar o trabalho desenvolvido por professores em

sala de aula; Disseminar e multiplicar as metodologias para formação do leitor;

Habilitar o aluno para consulta em bibliotecas (conhecimento de regras de

funcionamento, cuidados com acervo, procedimentos para inscrição, consulta e/ou

retirada de trabalhos, etc.)

Constituir acervo diversificado de literatura infantil e de material didático-

pedagógico para alunos e professores, bem como produzir guias de leitura que auxiliem

na seleção de obras literárias adequadas para o trabalho nas séries iniciais; expandir as

formas de interpretação de textos escritos para diferentes campos de linguagem (teatro,

artes plásticas, música, cinema, etc.). Proporcionar acesso de alunos das séries iniciais a

novas tecnologias, como o computador, por exemplo, desmistificando seu uso e

viabilizando-o como nova possibilidade de linguagem.

O ato de ler é um processo abrangente e complexo; é um processo de compreensão,

de entender o mundo a partir de uma característica particular ao homem: sua capacidade

de interação com o outro através das palavras, que por sua vez estão sempre submetidas

a um contexto. Desta forma as autoras afirmam que a recepção de um texto nunca

poderá ser entendida como um ato passivo, pois quem escreve o faz pressupondo o

outro. Desta forma, a interação leitor-texto se faz presente desde o início de sua

construção.Nas trilhas do mesmo entendimento, SOUZA (1992) afirma:

"Leitura é, basicamente, o ato de perceber e atribuir significados através de uma conjunção de fatores pessoais com o momento e o lugar, com as circunstâncias. Ler é interpretar uma percepção sob as influências de um determinado contexto. Esse processo leva o indivíduo a uma compreensão particular da realidade"

Vislumbramos em FREIRE (1989) este olhar sobre leitura quando nos diz que a

"leitura do mundo" precede a leitura da palavra, ou seja, a compreensão do texto se dá a

partir de uma leitura crítica, percebendo a relação entre o texto e o contexto. Dessa

forma, um leitor crítico não é apenas um decifrador de sinais, mas sim aquele que se

coloca como co-enunciador, travando um diálogo com o escritor, sendo capaz de

construir o universo textual e produtivo na medida em que refaz o percurso do autor,

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Page 22: Lucimeire cavalcanti dias  semear leitura.docx

instituindo-se como sujeito do processo de ler.Nesta concepção de leitura onde o leitor

dialoga com o autor, a leitura torna-se uma atividade social de alcance político. Ao

permitir a interação entre os indivíduos, a leitura não pode ser compreendida apenas

como a decodificação de símbolos gráficos, mas sim como a leitura do mundo, que deve

ser constituída de sujeitos capazes de compreender o mundo e nele atuar como cidadãos.

A leitura crítica sempre leva a produção ou construção de um outro texto: o texto do

próprio leitor. Em outras palavras, a leitura crítica sempre gera expressão: o

desvelamento do SER leitor. Assim, este tipo de leitura é muito mais do que um simples

processo de apropriação de significado; a leitura crítica deve ser caracterizada como um

estudo, pois se concretiza numa proposta pensada pelo ser-no-mundo, dirigido ao outro.

SOUZA (1992) nos afirmam que o leitor se institui no texto em duas instâncias:

"No nível pragmático, o texto enquanto objeto veiculador de uma mensagem está atento em relação ao seu destinatário, mobilizando estratégias que tornem possíveis e facilitem a comunicação". No nível lingüístico-semântico, o texto é uma potencialidade significativa que se atualiza no ato da leitura, levado a efeito por um leitor instituído no próprio texto, capaz de reconstruir o universo representado a partir das indicações, pistas gramaticais, que lhe são fornecidas."

Essa é uma perspectiva que concebe a leitura como um processo de compreensão

amplo, envolvendo aspectos sensoriais, emocionais, intelectuais, fisiológicos,

neurológicos, bem como culturais, econômicos e políticos. Segundo MARTINS (1989),

o ato de ler é considerado ''um processo de compreensão de expressões formais e

simbólicas, por meio de qualquer linguagem''.

Há que se encarar o leitor como atribuidor de significados e, nessa atribuição, levar-

se em conta a interferência da bagagem cultural do receptor sobre o processo de

decodificação e interpretação da mensagem. Assim, no momento da leitura, o leitor

interpreta o signo sob a influência de todas as suas experiências com o mundo, ou seja,

sua memória cultural é que direcionará as decodificações futuras. Todavia, para a

formação deste leitor que consegue por em prática sua criticidade, é necessário que haja

um estímulo contínuo para o contato entre o indivíduo e o trabalho.

O jovem e a criança precisam ser seduzidos para a leitura, desconsiderando neste

processo qualquer artifício que possa tornar a leitura uma obrigação. MARTINS (1989)

chama a atenção para o contato sensorial com o trabalho, pois antes de ser um texto

escrito, um trabalho é um objeto; tem forma, cor, textura. Na criança esta leitura através

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dos sentidos revela um prazer singular; esses primeiros contatos propiciam à criança a

descoberta do trabalho, motivam-na para a concretização do ato de ler o texto escrito. A

escola torna-se fator fundamental na aquisição do hábito da leitura e formação do leitor,

pois mesmo com suas limitações, ela é o espaço destinado ao aprendizado da leitura.

Tradicionalmente, na instituição escolar, lê-se para aprender a ler, enquanto que no

cotidiano a leitura é regida por outros objetivos, que conformam o comportamento do

leitor e sua atitude frente ao texto. No dia-a-dia, uma pessoa pode ler para agir – ao ler

uma placa, ou para sentir prazer – ao ler um gibi ou um romance, ou para informar-se –

ao ler uma notícia de jornal. Essas leituras, guiadas por diferentes objetivos, produzem

efeitos diferentes, que modificam a ação do leitor diante do texto. São essas práticas

sociais que precisam ser vividas em nossas salas de aula.

Apesar de todos os problemas funcionais e estruturais, é na escola que as crianças

aprendem a ler. Muitas têm no ambiente escolar, o primeiro (e, às vezes, o único)

contato com a literatura. Assim fica claro que a escola, por ser estruturada com vistas à

alfabetização e tendo um caráter formativo, constitui-se num ambiente privilegiado para

a formação do leitor.

3. A PRÁTICA, O ENSINO E A APRENDIZAGEM DA LEITURA

Salientemos, em primeiro lugar, que os fundamentos aqui expostos não esgotam o

tema da leitura e de seu ensino. Buscaremos, com o que segue mostrar como diferentes

correntes teóricas puderam informar de certo modo de ver a leitura, modo esse que está

condicionado a recortes epistemológicos e que, portanto, não resulta de uma aplicação

direta de uma teoria particular a uma situação de ensino particular. Talvez devamos falar

em diretrizes que possam orientar a didática da leitura, no sentido de superar os

problemas e a situação de crise configurada no começo de nossa exposição.

Um outro aspecto a salientar é que, quando falamos em leitura extra classe, não

queremos estabelecer oposição com a leitura que se faz na escola e na sala de aula. Ao

contrário, nossa visão é processual, ou seja, lê-se na escola, aprende-se a ler na escola

para se ler fora dela, e continuamente; lê-se na escola e aprende-se a ler na escola

porque, efetivamente, lê-se fora dela. Isso nos coloca, inicialmente, o desafio de fazer a

leitura extrapolar sua finalidade estritamente pedagógica. A escola é um espaço de

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leitura, entre os muitos que há: a família, a igreja, o trabalho, o grupo de amigos, o

quarto de dormir, etc.

Para tratarmos da leitura a ser feita fora da escola e fora da área específica de língua

portuguesa e literatura brasileira, é interessante partirmos de uma caracterização da

pedagogia tradicional da leitura. Nosso propósito, com isso, é situar historicamente a tão

discutida crise de leitura. Em seguida, tentaremos mostrar por quais caminhos foi sendo

ampliada a concepção de leitura e, por extensão, a sua prática no âmbito da escola.

Finalmente, elencaremos alguns princípios norteadores do ensino-aprendizagem da

leitura, tal como ela se coloca contemporaneamente.

É possível afirmarmos que o ato de ler, no modelo tradicional de escola, caracteriza-

se, principalmente, pelo seu caráter reprodutor. Considera-se bom leitor aquele aluno

que consegue devolver ao professor a palavra do trabalho didático. A avaliação da

compreensão de leitura tem-se limitado à capacidade de captar informações explícitas

na superfície do texto. Isso se deve, certamente, às concepções de língua, texto e leitura

subjacentes à prática pedagógica. Assim, concebe-se a língua como um código

transparente e exterior ao indivíduo, o texto como uma mera soma de palavras e frases,

e a leitura como a busca/confirmação de um sentido preestabelecido.

A leitura é sistematicamente, submetida às rotinas padronizadas dentro da escola e

termina por perder seu sentido mais profundo. Em última instância, acaba sendo um

fator decisivo e determinante do fracasso escolar. Do ponto de vista dos objetos de

leitura, essas rotinas descaracterizam o trabalho, a revista e os demais materiais que

circulam na vida social. Cortado, adaptado, Mimeografado, o texto, enquanto objeto

sociocultural se transfigura, porque se "padroniza". BORDINI e AGUIAR (1993)

referem-se à escolarização do texto, mostrando que o ato de ler - individual em sua

essência - transforma-se numa comunicação interpessoal, condicionada pela falta de

trabalhos para todos e pela concentração de muitos sujeitos num mesmo espaço físico.

Com relação aos materiais, afirmam as autoras: a destruição da leitura e do leitor já foi

objeto de uma importante investigação feita por SILVA (1985). A autora mostra o

controle exercido pela escola sobre o que e como se deve ler. Além disso,

historicamente a leitura tem sido usada como pretexto para atividades estritamente

mecânicas. É o caso de uma prática ainda hoje bastante presente na sala de aula: ler para

imitar o autor.

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Page 25: Lucimeire cavalcanti dias  semear leitura.docx

O uso do texto como pretexto foi discutido por LAJOLO (1985). Onde ele

enumerou uma série de práticas pedagógicas em torno da leitura que foge ao seu sentido

intrínseco: ler para imitar recursos estilísticos, ler para fazer análise sintática, ler para

procurar palavras desconhecidas no dicionário, ler para aprender modelos de conduta

moral... Essa última, aliás, tem sido a marca da entrada da literatura na escola, sobretudo

a infantil - forjam-se textos para que as crianças assimilem padrões de conduta

adequada à ordem social vigente: obediência, submissão, docilidade e outros. A raiz

desse fenômeno, detectável em cartilhas e trabalhos didáticos infantis, está na pedagogia

jesuítica, em que a leitura era utilizada com fins claramente evangelizadores.

Foi também LAJOLO (1985) quem afirmou ser a poesia "uma frágil vítima dos

manuais escolares". A autora encontrou, num trabalho didático, o poema O vestido de

Laura, de Cecília Meireles. Lamentavelmente, a exploração didática do poema se

limitava a questões exteriores ao texto enquanto proposição poética. Assim, havia

perguntas do tipo: Quantos babados tem o vestido de Laura?. Ou, ainda, certas

perguntas exigiam que o aluno completasse lacunas com palavras retiradas do texto.

Tais procedimentos anulavam - ou não deixavam ver - a reflexão existencial subjacente

ao poema, que, na verdade, tematiza a efemeridade da vida.

Em termos do texto literário propriamente dito, seu tratamento em nível de primeiro

grau se reduz a fragmentos de trabalhos, com os problemas já apontados anteriormente,

ou aos chamados paradidáticos, os quais constituem hoje um vigoroso mercado.

Editoras e editores definem muitos modos de operar e avaliar a leitura na escola e fora

dela. Roteiros e fichas, divulgados em catálogos atraentes, encobrem as condições reais

de trabalho e de leitura do professor. Ao nível do segundo grau, a literatura é trabalhada,

centralmente, através de biografias de autores, estudo das escolas literárias e

memorização de listas de obras. Não se explora a especificidade do texto literário, nem

se lê a obra propriamente dita. A pressa do mundo industrializado e massificado, a

pressão do vestibular, o caráter indefinido do segundo grau enquanto modalidade de

ensino, tudo isso vai fazendo o aluno ler pedaços e resumos de trabalhos, desvalorizar a

literatura e abandonar o trabalho (LAJOLO, 1985).

Passemos agora aos fundamentos. Consideremos a escola o lugar de se aprender a

ler e a gostar de ler. Nesse lugar, desempenha papel fundamental o professor. Ele, como

"texto", foi o parceiro, o mediador, o articulador de muitas e diferentes leituras, de

muitos e diferentes textos. É o que sugere SILVA (1985). Depois de afirmar que o

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Page 26: Lucimeire cavalcanti dias  semear leitura.docx

professor é o melhor "trabalho" a ser lido pelos alunos, o autor mostra que, agindo

assim, o professor é o responsável pela interdisciplinaridade, na medida em que faz

incursões pelos diferentes campos do conhecimento.

Para ler muito, ler tudo, alunos e professor devem dessacralizar o trabalho e a

biblioteca, que deixam de ser objeto de adoração e templo sagrado, intocáveis. Ler tudo

implica, inclusive, trazer para dentro da escola os textos esquecidos, considerados

"subliteratura": o gibi, o catálogo telefônico, o best-selller, a propaganda, o panfleto que

se distribui na rua, a receita de culinária, ao lado dos clássicos, da literatura informativa.

Ler tudo implica desvendar, elucidar a retórica de cada texto, a gramática subjacente a

cada um. Desprovidos de preconceito, livres das amarras das rotinas burocratizadas da

escola, faremos da leitura um ato criador / questionador.

É o que sugerem BORDINI e AGUIAR (1993). As autoras propõem uma seqüência

para a didática da leitura (e seqüência aqui não quer dizer imobilidade), a qual pode ser

bastante produtiva: diagnóstico de necessidades e expectativas do aluno; atendimento

das necessidades e expectativas; ruptura e quebra das expectativas; questionamento;

alargamento da vivência cultural e da visão de mundo. Com base nessa seqüência, seria

possível, por exemplo, ler um texto-clichê, questioná-lo e confrontá-lo com o texto

literário, singular por definição. Teríamos aí o atendimento dos interesses e necessidades

do aluno, mas também, e, sobretudo, a possibilidade de criar novas necessidades

culturais e estéticas, aprendidas na escola.

Torna-se imprescindível, como se vê criar no ambiente pedagógico um clima

favorável à leitura, marcado por interações abertas e democráticas. Interações que vão

permitir muitas leituras de um mesmo texto, por sujeitos que têm histórias,

competências, interesses, valores e crenças diferentes. Ao professor cabe reconstruir

com seus alunos a trajetória interpretativa de cada um, buscando compreender a

construção de cada sentido apontado.

A diversidade ainda deve ser o eixo dos propósitos da leitura, determinando

diferentes tipos de relação com o texto. BORDINI e AGUIAR, citadas acima,

apresentam, na mesma obra, vários métodos para o encaminhamento pedagógico da

leitura: o científico, o criativo, o comunicacional, o semasiológico e o recepcional, que

estariam ligados, respectivamente, à busca de informação, à recriação do texto, à

identificação dos elementos do processo comunicativo, às diferentes linguagens e

sistemas semióticos e, finalmente, ao impacto da obra sobre o leitor. Como deve ter

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Page 27: Lucimeire cavalcanti dias  semear leitura.docx

ficado claro, são diversas as possibilidades de exploração, encaminhamento e avaliação

da leitura na sala de aula.

A proposta guarda certa semelhança com a tipologia de leitura sugerida por

GERALDI (1997). Esse autor diz que, conforme a relação que estabelecemos com o

texto, terá: leitura-busca-de-informações; leitura-atividade; leitura-fruição e leitura-

pretexto. Discutindo a leitura-pretexto, GERALDI (1997) afirma não ver problema no

fato de um texto ser utilizado como pretexto para certa prática escolar. A questão estaria,

segundo ele, em como a escola constitui a nossa relação com os modelos: trata-se de

optar entre uma relação de submissão, para pura imitação, e uma relação crítica e

criativa, para se ampliar o sistema de referências culturais e simbólicas. Temos aqui

delineada a necessidade de atribuir sentido a toda e qualquer prática de leitura. Como

foi destacado por KLEIMAN (1997), as interações conferem sentido ao ato de ler e toda

atividade pedagógica relativa a ele deve ser exeqüível, relevante e dotada de sentido,

numa cadeia ininterrupta.

Com relação à aprendizagem do sistema lingüístico, a leitura se constitui numa

prática das mais valorosas. Isso porque permite o acesso a formas caracteristicamente

explícitas de interação verbal. Desse modo, se as interações cotidianas, em contextos

privados e imediatos, ocorrem de forma relativamente bem-sucedida, o mesmo não se

pode dizer do trato com a língua formal em contextos mais abstratos de interação a

distância. A leitura é, portanto, caminho e oportunidade de lidar com a escrita e seu alto

grau de abstração e autonomia contextual.

Em se tratando de recursos expressivos, a inserção no mundo da escrita amplia

nosso repertório lingüístico, funcionando, indubitavelmente, como um entre os vários

caminhos da aprendizagem da língua. E aqui devemos falar do papel do professor e da

escola outra vez: ninguém aprende a lidar com a língua e o uso da língua de modo

automático e espontâneo. É preciso que alguém ensine o aluno a desenvolver sua

sensibilidade e a lançar novos olhares sobre os sistemas simbólicos. O olhar apurado,

aprendido, faz um novo sujeito, que questiona, indaga, descobre, inventa, compara,

corteja, transforma, aprende, ensina. Por isso a análise comparativa de textos se faz tão

fecunda.

Por isso, certamente, os estudiosos da leitura remetem tão freqüentemente ao

conceito de intertexto, que é o que, de fato, a escola deve fazer e permitir que se faça

dentro e fora dela. Se, nesse aspecto, ela for bem-sucedida, terá cumprido sua função.

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ABAURRE (1985) defendem enfaticamente a importância da leitura para a

aprendizagem em geral. Os autores chegam a afirmar que a capacidade de ler é a grande

herança que a escola pode deixar para o aluno. Com base neles, encerramos nossa

exposição, dizendo que a leitura - tal como aqui concebida -, se for bem aprendida e

prosseguir fora da escola, constitui-se num caminho para a realização de mais

interações, construção de mais sentidos, superação do imediato e concretização de uma

vida mais feliz para todos.

A leitura crítica sempre leva a produção ou construção de um outro texto: o texto

do próprio leitor. Em outras palavras, a leitura crítica sempre gera expressão: o

desvelamento do SER leitor. Assim, este tipo de leitura é muito mais do que um simples

processo de apropriação de significado; a leitura crítica deve ser caracterizada como um

estudo, pois se concretiza numa proposta pensada pelo ser-no-mundo, dirigido ao outro.

Na criança esta leitura através dos sentidos revela um prazer singular; esses primeiros

contatos propiciam à criança a descoberta do trabalho, motivam-na para a concretização

do ato de ler o texto escrito.

A escola torna-se fator fundamental na aquisição do hábito da leitura e formação do

leitor, pois mesmo com suas limitações, ela é o espaço destinado ao aprendizado da

leitura. Tradicionalmente, na instituição escolar, lê-se para aprender a ler, enquanto que

no cotidiano a leitura é regida por outros objetivos, que conformam o comportamento

do leitor e sua atitude frente ao texto. Essas leituras, guiadas por diferentes objetivos,

produzem efeitos diferentes, que modificam a ação do leitor diante do texto. Nesse

processo, ouvir histórias tem uma importância que vai além do prazer. "O uso do

trabalho na escola nasce, pois, de um lado, da relação que se estabelece com seu leitor,

convertendo-o num ser crítico perante sua circunstância...".

Muitos estudos e pesquisas têm evidenciado a importância das atividades literárias

diferenciadas no contexto educacional para o bom desempenho da criança. A utilização

da literatura como recurso pedagógico pode ser enriquecida e potencializada pela

qualidade das intervenções do educador.

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4. A sistematização da prática em sala de aula

Este texto tem como objetivo refletir sobre o modo como a participação do Mini-

Curso: Semear leitura para colher leitores, ajudou e fez parte da formação dos

estudantes da Escola Normal e destes como futuros professores-leitores. Pretendemos

apresentar o Mini-Curso realizado, suas bases teórico-práticas bem como alguns

resultados referentes ao trabalho que foi de certa forma prazeroso e estimulante para a

nossa formação profissional.

Consideramos que a relação com a leitura da literatura é necessária e fundamental

para a atuação desses estudantes no Mini-Curso, pois, acreditamos que não basta lermos

as pesquisas acadêmicas ou os teóricos que discutem a leitura e a literatura – sem

desconsiderar, é claro, a importância desta perspectiva – sendo igualmente importante

travar contato direto com textos diversos, familiarizando-se com a literatura

propriamente dita. Não basta sabermos o quanto a leitura é importante, é preciso que

eles possam vivenciar a leitura como algo significativo em sua experiência cotidiana. É

nesse sentido que refletimos sobre o processo de formação desses estudantes do Curso

Normal como leitores e formadores de leitores na experiência em questão.

Foram dois os objetivos centrais que subsidiam esta experiência. O primeiro é a

contribuição para a formação dos estudantes do Curso Normal na sua atuação como

formador de leitores e o segundo a ampliação das experiências como profesores-leitores

no campo da literatura, por meio de atividades desenvolvidas na sala de leitura,

momento crucial do Mini-Curso.

Tem sido uma experiência muito gratificante observar o impacto que o contato

mais estreito com a prática da leitura através da literatura tem provocado na maioria dos

estudantes que integram o “Semear leitura para colher leitores”. Para muitos, a

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experiência de estar mais próximos da literatura foi nova, alguns relatam em nossos

encontros que até então não tinham proximidade com a leitura, não se lembrando, por

exemplo, de terem ouvido histórias na infância. Outros, surpreendem-se ao olhar para a

literatura destinada às crianças pelo ângulo que o Mini-Curso aponta – como objeto

cultural e não didático – encantando-se com o universo novo que então se revela por

essa nova perspectiva. Vale destacar que a metodologia que fundamenta a atuação da

coordenação do Mine-Curso está baseada na sensibilização para a literatura por meio do

contato com a mesma para que os estudantes possam vivenciar a leitura como algo

significativo em sua experiência cotidiana convivendo, trocando idéias e impressões e

se deliciando com diversos textos literários. A esse respeito, MURRAY (2000), escritora

muito premiada na produção literária para crianças, afirma que:

“a leitura deveria estar mais interligada à vida e não algo estanque. Você lê um livro e ele está sempre misturado com tudo. Quando se faz essa fusão com o texto, a leitura fica apaixonante, a partir do leitor. Deveria haver uma maneira de envolver a leitura com outras matérias, mas tudo é muito separado. Embora na moda, a interdisciplinaridade nunca acontece”.

É, portanto, sobre este eixo do projeto que iremos nos debruçar neste trabalho: a

relação que os estudantes do Curso Normal envolvidos no Mini-Curso: “Semear leitura

para colher leitores” foram desenvolvendo com a literatura em função dos espaços de

reflexão e das experiências vividas. Embora nosso foco fosse a formação dos estudantes

para o trabalho com a formação de leitores infantis nos surpreendeu positivamente,

percebermos no decorrer dos dias e da participação de diferentes estudantes, o quanto

estávamos também, através da literatura infantil, contribuindo para a formação deles

enquanto leitores adultos. É isso o que pretendemos relatar aqui através dos

depoimentos coletados nas reuniões, trocas, relatos, registros/relatórios e avaliações

vividas ao longo desse tempo. Embora o foco do Mine-Curso fosse um pré-requisito

para obtenção de uma nota, na disciplina de ADS do Curso de Licenciatura em Língua

Portuguesa e Língua Inglesa, exigida pela Universidade Regional do Cariri - URCA, a

qual fazemos parte, a continuidade de elementos emergentes nos possibilitou também,

nessa reflexão, viver um processo de pesquisa sobre nossa prática tão falada mas nem

sempre vivida na formação de professores.

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Não são poucos os colegas que atuam como professores que se queixam da

pouca leitura de seus alunos nesse curso. Como professoras, é freqüente ouvirmos em

reuniões de professores queixas quanto à pouca leitura de nossos alunos. BATISTA

(1998) afirma ainda que nas respostas dadas pelos professores nas pesquisas sobre a

leitura de professores, mesmo aqueles que afirmavam ler, quando perguntados sobre

quais livros haviam lido naquele ano, era comum que não lembrassem o nome dos

livros e dos autores. Vale destacar que também era usual que o gênero de literatura mais

comumente destacado nem sempre fosse aquele privilegiado pela academia (a literatura

considerada de qualidade).

Uma questão que surge nessa pesquisa é: como ensinar a gostar de ler se não se

gosta de ler? Consideramos que esta é uma pergunta que deve acompanhar a todos que

atuam na formação de professores. Não é possível de fato despertar a criança, o jovem

ou o adulto para a importância de ler se o próprio professor não possuir, ele mesmo, um

vínculo forte com a prática de leitura. Este é uma das orientações do nosso Mini-Curso

que foi se tornando cada vez mais visível com o retorno positivo dos estudantes.

Também não são poucas as pesquisas que apontam que não apenas professores e

estudantes de graduação tem pouca intimidade com a leitura. Nossos jovens e crianças

parecem também não vivenciar uma relação mais estreita com esta prática.

Neste sentido, DAUSTER e GARCIA (2000), ao colherem depoimentos de

escritores representativos da produção literária para crianças, obtiveram de todos, sem

exceção, a afirmação de que a paixão pela leitura foi forjada a partir do contato com

alguém que também nutria esta paixão pelo livro. Ziraldo, Roger Melo, Roseana

Murray, dentre outros, afirmaram nas entrevistas que a influência de alguém em especial

foi importante para a formação de leitor de cada um deles. Sendo assim, nos cabia (e

cabe) então ABRIR AS JANELAS...

JANELAS ABERTAS: O QUE TRAZEM PARA AS ESTUDANTES?

“Pegar um livro e abri-lo guarda a possibilidade do fato estético. O que são as palavras dormindo num livro? O que são esses símbolos mortos? Nada, absolutamente. O que é um livro se não o abrimos? Simplesmente um cubo de papel e couro, com folhas;mas se o lemos acontece algo especial, creio que muda a cada vez”.

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Jorge Luis Borges (apud MACHADO, 2002)

O convite de Jorge Luis Borges para abrirmos os livros e vermos o que acontece

de especial a cada leitura traz um pouco do que tentamos proporcionar na sala de leitura,

dentro desse contexto, atinge em cheio os aquelas que trabalham com as crianças:

estudantes-professores participantes do Mini Curso. Para mostrarem às crianças o

caminho do livro, tornando as letras mortas em algo vivo, precisam também viver esse

ressuscitar do livro em suas vidas ou até mesmo viver o nascimento dessa relação se ela

antes não existia.

Como nos aponta CABRAL (1998) a formação do leitor não é natural, mas algo

que requer diálogo constante com a cultura e com a história. As primeiras experiências

significativas com a leitura e, que ficam realmente registradas, dizem respeito muito

mais a um ambiente de leitura que se torna significativo por meio de mediadores,

familiares ou não, nesse contato com o livro. Um ambiente cultural rico em experiências

diversificadas com a leitura é altamente relevante na formação do leitor.

A maioria das histórias de leitores mostra que o início desse relacionamento ocorre

na infância. A relação entre livro e infância relaciona-se ao carinho de familiares, ao

contar histórias, à criação de um vínculo afetivo entre o leitor, o livro e aqueles que o

aproximam desse universo. PENNAC (1993) nos fala desse aspecto afetivo das

primeiras relações com a leitura e o contar histórias:

“aquele ritual, toda noite, à sua cabeceira, quando ele era pequeno, -hora certa e gestos imutáveis- tinha um pouco de prece. Aquele súbito armistício depois da barulhada do dia, aqueles reencontros fora de todas as contingências, o momento de recolhido silêncio antes das primeiras palavras do conto, nossa voz igual a ela mesma, a liturgia dos episódios...Sim, a história lida a cada noite preenchia a mais bela das funções da prece (...) O amor ganhava pele nova.Era gratuito”.

Para essa reflexão traremos alguns depoimentos de nossas estudantes e futuras

professoras nomeando-as por parceiras. Alguns de nossos estudantes trazem em seus

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depoimentos essa relação gratuita de afeto, memória e história iniciada na infância na

relação com a leitura:

“Minhas experiências com a leitura em minha vida começaram com as histórias

de dormir de meu avô. Antes de dormir ele se sentava na cadeira de balanço na varanda

e soltava a imaginação que ele tinha. Cresci ouvindo e lendo histórias diversas com

gosto de quero mais, sempre mais. ( Depoimento oral de Andréa 2008)

“Ler sempre foi para mim um divertimento. Aprendi a ler antes do tempo

(...)Lembro do colo do meu pai, ouvindo ler manchetes de jornais. Lembro também de

ouvir histórias lidas em livrinhos comprados durante a semana por minha mãe e da

ansiedade com que esperava a chegada do sábado quando ela reservava um tempo entre

o fogão, o tanque e a vassoura para ler histórias para mim e para meu irmão.”

(depoimento oral de Luisa Helena 2008)

Trazemos aqui como se relacionam com a leitura alguns dos que atuam na sala de

leitura. Aparecem neles os aspectos relacionados ao imaginário:

“Ao ver a sala de leitura entrei e me apaixonei pelo espaço e pela forma de fazer

acontecer as histórias. Resolvi ficar aqui entre os reis, rainhas, fadas, bruxas (esta última

principalmente me encanta) onde o mundo de encantamento se abre sempre que a gente

abre a porta e adentra este mundo onde vivo e me sinto feliz! “(Depoimento oral de

Andréa 2008)

“ A experiência da leitura na minha vida é descobrir através dos contos o mundo

da imaginação que percorre todo o seu universo interior e se espalha, se solta quando

um livro de história se abre me chamando para compartilhar este mundo de fantasia.”

(Depoimento oral de Valéria 2008)

O imaginário das histórias lidas e compartilhadas no Mini-Curso traz também

um retorno à infância, aos momentos bons e esquecidos que são resgatados nesse

convívio com a literatura para crianças:

“A minha experiência na sala de leitura fez a leitura ser muito prazerosa e me fez

descobrir momentos e pensamentos mágicos de minha infância quando lia livros. (...) E

hoje posso perceber que a entrada na sala de leitura me possibilitou voltar ‘alguns’ anos

atrás e me transportar par ao imaginário infantil” (Depoimento de Cristiane 2008)

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Page 34: Lucimeire cavalcanti dias  semear leitura.docx

“Ao escutar a história da descoberta do encantamento, falando da sala de leitura e

a grande porta de sonhos fechada com o enorme cadeado, transportei- me para a minha

infância e lembrei de uma história que adorava escutar sobre “O Gigante Egoísta”...

Enorme, poderoso e rico, não dividia o que tinha com ninguém... Até que através de

uma inocente menina descobriu o poder de repartir e ser feliz... Como eu viajava cada

vez que a minha professora lia essas histórias encantadas e eu me v ia como participante

de todas essas fantasias...” (Depoimento oral de Valéria 2008)

E este retorno pode levar a uma relação mais duradoura com os livros, ao criar a

partir da vivência com o Mine Curso uma relação mais forte com a leitura, que antes

não existia. Como nos diz MACHADO (2002) as lembranças infantis são duráveis

porque talvez na infância tudo seja tão carregado de emoção.

Talvez nesse convívio com os personagens tenhamos sempre um pouco do que ela

nos conta quando ao ler a história de Dom Quixote, metade dela queria avisar ao Dom

Quixote da loucura que fazia e metade queria ser igual a ele. Talvez seja essa parte do

imaginário que é resgatada no convívio com os livros de literatura para crianças lidos

pelos estudantes e que os fazem se encantar pela leitura da literatura:

“Pelo que escrevo mostro meu comprometimento com a leitura viva tão

intensamente que hoje convivo com personagens. Sinto-me feliz a partir dessa vivência.

(...) Acredito que a leitura se fortalece pela continuidade e assim me sinto, talvez seja

um eterno contato ou letramento. A leitura proporciona um contato direto e infinito com

o imaginário daí com as possibilidades para então exercer parceria com a criatividade

que junta-se com as produções para enfim voltar a ser leitura, crítica... autônoma...

viva... “ (Depoimento pessoal – Lucimeire Cavalcanti Dias)

A relação com a magia do imaginário apontada nesse depoimento parece tomar a

forma de uma outra relação com a leitura: uma relação de escrita a partir da leitura, ou

seja, uma continuidade e ampliação da leitura pela escrita de suas histórias pela

invenção e diálogo com os personagens dos livros na criação de novos personagens e

histórias. Seria a sua escrita uma experiência no sentido a que se remete KRAMER

(apud Oswald, 2001) quando diz que o que faz de uma escrita experiência é o fato de

que tanto para quem escreve quanto para quem lê, ela enraíza-se numa corrente

constituindo-se com ela, aprendendo com o ato mesmo de escrever ou com a escrita do

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outro, formando-se? Assim, escrita e leitura constituem-se como parte dessa formação.

Escrever é também uma outra forma de ler e relacionar a experiência da leitura com a

sua experiência de vida. Essas estudantes estão atualmente desenvolvendo sua

monografia sobre narrativa a partir da experiência com a literatura infantil.

Relacionando histórias e a vida, é assim que estudantes as monitoras e parceiras

desse Mini Curso seguem contando as histórias dos livros e as histórias de suas vidas.

Como KRAMER (2004) nos faz pensar, o professor, ao lembrar da sua história de vida

e das histórias de leitura e escrita dá à sua vida outros sentidos, antevê mudanças, refaz,

reconstrói e repensa as experiências do passado, processo que se relaciona à história e à

cultura já que “a memória de cada um se liga à memória do grupo e a laços de

coletividade.”

MACHADO (2002) ao falar sobre os clássicos lembra que:

A leitura é algo impreciso. Não tem um rumo prefixado e definido, mas se faz à

deriva, ao sabor das ondas e ventos, entregue à correnteza, numa sucessão de

tempestades, calmarias, desvios. Um livro leva a outro, uma leitura abandonada por

outra, uma descoberta provoca uma releitura. Não há ordem cronológica. A leitura que

fazemos de um livro escrito há séculos pode ser influenciada pela lembrança de um

texto atual que lemos antes (MACHADO, 2002). Para relacionar histórias, livros e

experiências precisamos do olhar do outro, da relação com o outro como constituidora

dessa formação.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo dessas linhas buscamos inspiração, sobretudo, na crença e firme

convicção como educadoras, de que o futuro está na educação. Nesse desiderato,

comprometidos com o amanhã e com o futuro de nossos alunos, incumbe-nos, através

de um discurso pragmático e não meramente dogmático, persuadir o público que tem

compromisso com a educação, na realidade da família ao professor, da Escola ao

próprio Estado, a implementar ações voltadas para a formação do futuro cidadão, sendo

o incentivo ao hábito da leitura o mais ideal dos instrumentos para essa conquista, e foi

através desse pensamento que escolhemos o tema de nossa monografia “Semear leitura

para colher leitores: um desafio para a docência”.

Almejando assim, estimular o profissional da educação que tenha domínio de

conteúdo, aliado a uma compreensão crítica sobre o que ensina e sobre o que faz através

da leitura. Que conheça novas práticas de leitura e se utilize desses conhecimentos em

prol de um projeto político de emancipação educacional. Contribuindo com isso, para

um trabalho coletivo e interdisciplinar na escola, a partir da sua ação política e da sua

compreensão das relações entre a sociedade e a escola.

A realização desta pesquisa científica, vem mostrar como poderemos estimular

nos alunos à vontade e o prazer da leitura. Há muito a se discutir, refletir e pesquisar

para que se consiga concretizar de maneira efetiva, nas salas de aula, esta audaciosa

proposta, e para isso, é oportuno mencionar que faz-se necessário uma mudança na

postura dos educadores e também da consciência de que, como enfatizamos nos

capítulos iniciais, exigirá a quebra de alguns paradigmas no processo educativo.

Trata-se de um primeiro passo e de um grande desafio: romper barreiras para

melhor apresentar a leitura, visando, sobretudo, uma educação que permita ao aluno o

exercício pleno de sua cidadania e o seu desenvolvimento como pessoa humana através

do hábito de ler, não apenas como fonte de conhecimento, mas também como

informação e prazer!

O nosso intuito com este trabalho de conclusão de curso é que este não seja

apenas um documento obrigatório para obtenção do título de professor, mais que seja

um ponto de referência na busca por soluções no processo de leitura. Nos realizaremos

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ainda mais se este tema fomentar em outros educadores o desejo de continuar este nosso

trabalho, fazendo dele fonte de pesquisa e inquietação.

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ANEXOS

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