Lúcio Reis Filho, Alfredo Suppia

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260 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 ISBN: 978-85-62309-06-9 O LABORATÓRIO DE MÍDIAS LOCATIVAS E CINEMA GPS (LALOCA) E A PESQUISA HISTÓRICA Mapeamento Anotativo das Obras Arquitetônicas do Estilo Art Déco em Juiz de Fora, Minas Gerais Lúcio Reis Filho 1 Alfredo Suppia 2 Resumo: A arte com mídias locativas (locative media art) surge da necessidade de repensar a relação do ser humano com o seu entorno geográfico, muitas vezes o espaço urbano, mas também regiões inabitadas (desertos, reservas ecológicas, etc.). Dessa forma, algumas interpretações sugerem a arte com mídias locativas como um espaço entre o simbólico e o imaginário. Outras perspectivas teóricas apontam para as mídias locativas e a sua relação com a arte digital. Ao longo dos últimos dez anos, mídias locativas têm servido de suporte para a confecção de variadas obras de arte. Christiane Paul explica que “[a]s mídias locativas usam uma localização no espaço público como uma tela(canvas) para a implementação de um projeto artístico e têm se tornado uma das mais ativas e crescentes áreas da new media art .” O Laboratório de Mídias Locativas e Cinema GPS (LaLoca), baseado no Instituto de Artes e Design da Universidade Federal de Juiz de Fora, com filial na Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), EUA, reúne pesquisadores brasileiros e estrangeiros, bem como bolsistas de iniciação científica em seus variados projetos. O LaLoca tem por objetivo principal estabelecer um polo de produção e pesquisa de mídias móveis. Até o momento, o LaLoca tem se concentrado na produção de filmes locativos com roteiro interativo e recurso a ferramentas abertas, criadas e disponibilizadas em software livre, em parceria com a Casa de Cultura Digital em São Paulo e seu projeto “Arte Fora do Museu”. Iniciativas como o “Arte Fora do Museu” sugerem novas reflexões sobre o tema “artistas e instituições de arte”. Como primeiro conteúdo audiovisual confeccionado pelo LaLoca, destacamos o mini-documentário locativo que visa mapear as edificações mais representativas do estilo art-déco em Juiz de Fora. De acordo com Marcos Olender, o art-déco surge em Juiz de Fora como expressão de uma nova época econômica, social e cultural. “Em lugar das mansões e sobrados ecléticos, representativos do poderio dos barões de café ou dos industriais, o novo estilo vai representar um período histórico em que o comércio, o lazer cultural e os serviços apresentam um grande desenvolvimento na cidade” (Olender, 2011, p. 261). Dessa maneira, através do mapeamento das construções arquitetônicas desse estilo em Juiz de Fora, propomos observar o uso das mídias locativas como ferramenta de pesquisa histórica. Palavras-Chave: Laboratório de Mídias Locativas e Cinema GPS. Mídias Locativas. Arte Digital. Art-Déco. Juiz de Fora. Abstract: The art with locative media (locative media art) arises from the need to rethink the relationship of humans with their geographical surroundings, often urban space, but also uninhabited areas (deserts, nature reserves, etc.). Thus, some interpretations consider art with locative media as a space between the symbolic and the imaginary. Other theoretical perspectives point to locative media and its relationship with digital art. Over the last ten years, locative media have served as support for making various artworks. Christiane Paul explains that "locative media use located in the pu blic space as a „canvas‟ for the implementation of an art project and have become one of the most active and growing areas of new media art." The Laboratório de Mídias Locativas e Cinema GPS (Laboratory of Locative Media and GPS Cinema, LaLoca), based at the 1 Mestre em Comunicação pela UFJF e Professor do Departamento de História da UEMG/FCCP. 2 Doutor em Multimeios pela UNICAMP e Professor de Cinema da UFJF.

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O LABORATÓRIO DE MÍDIAS LOCATIVAS E CINEMA GPS (LALOCA) E A PESQUISA HISTÓRICA: Mapeamento Anotativo das Obras Arquitetônicas do Estilo Art Déco em Juiz de Fora, Minas Gerais

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Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9

O LABORATÓRIO DE MÍDIAS LOCATIVAS E CINEMA GPS

(LALOCA) E A PESQUISA HISTÓRICA Mapeamento Anotativo das Obras Arquitetônicas do Estilo Art Déco em Juiz

de Fora, Minas Gerais

Lúcio Reis Filho 1

Alfredo Suppia 2

Resumo: A arte com mídias locativas (locative media art) surge da necessidade de repensar a

relação do ser humano com o seu entorno geográfico, muitas vezes o espaço urbano, mas também

regiões inabitadas (desertos, reservas ecológicas, etc.). Dessa forma, algumas interpretações

sugerem a arte com mídias locativas como um espaço entre o simbólico e o imaginário. Outras

perspectivas teóricas apontam para as mídias locativas e a sua relação com a arte digital. Ao

longo dos últimos dez anos, mídias locativas têm servido de suporte para a confecção de variadas

obras de arte. Christiane Paul explica que “[a]s mídias locativas usam uma localização no

espaço público como uma „tela‟ (canvas) para a implementação de um projeto artístico e têm se

tornado uma das mais ativas e crescentes áreas da new media art.” O Laboratório de Mídias

Locativas e Cinema GPS (LaLoca), baseado no Instituto de Artes e Design da Universidade

Federal de Juiz de Fora, com filial na Universidade da Califórnia em San Diego ( UCSD), EUA,

reúne pesquisadores brasileiros e estrangeiros, bem como bolsistas de iniciação científica em seus

variados projetos. O LaLoca tem por objetivo principal estabelecer um polo de produção e

pesquisa de mídias móveis. Até o momento, o LaLoca tem se concentrado na produção de filmes

locativos com roteiro interativo e recurso a ferramentas abertas, criadas e disponibilizadas em

software livre, em parceria com a Casa de Cultura Digital em São Paulo e seu projeto “Arte Fora

do Museu”. Iniciativas como o “Arte Fora do Museu” sugerem novas reflexões sobre o tema

“artistas e instituições de arte”. Como primeiro conteúdo audiovisual confeccionado pelo

LaLoca, destacamos o mini-documentário locativo que visa mapear as edificações mais

representativas do estilo art-déco em Juiz de Fora. De acordo com Marcos Olender, o art-déco

surge em Juiz de Fora como expressão de uma nova época econômica, social e cultural. “Em

lugar das mansões e sobrados ecléticos, representativos do poderio dos barões de café ou dos

industriais, o novo estilo vai representar um período histórico em que o comércio, o lazer cultural

e os serviços apresentam um grande desenvolvimento na cidade” (Olender, 2011, p. 261). Dessa

maneira, através do mapeamento das construções arquitetônicas desse estilo em Juiz de Fora,

propomos observar o uso das mídias locativas como ferramenta de pesquisa histórica. Palavras-Chave: Laboratório de Mídias Locativas e Cinema GPS. Mídias Locativas. Arte Digital.

Art-Déco. Juiz de Fora.

Abstract: The art with locative media (locative media art) arises from the need to rethink the

relationship of humans with their geographical surroundings, often urban space, but also

uninhabited areas (deserts, nature reserves, etc.). Thus, some interpretations consider art with

locative media as a space between the symbolic and the imaginary. Other theoretical perspectives

point to locative media and its relationship with digital art. Over the last ten years, locative media

have served as support for making various artworks. Christiane Paul explains that "locative media

use located in the public space as a „canvas‟ for the implementation of an art project and have

become one of the most active and growing areas of new media art." The Laboratório de Mídias

Locativas e Cinema GPS (Laboratory of Locative Media and GPS Cinema, LaLoca), based at the

1 Mestre em Comunicação pela UFJF e Professor do Departamento de História da UEMG/FCCP.

2 Doutor em Mult imeios pela UNICAMP e Professor de Cinema da UFJF.

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Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9

Art and Design Institute, Federal University of Juiz de Fora, Brazil, with branch at the University

of California at San Diego (UCSD), USA, brings together Brazilian and foreign researchers and

undergraduates scholars in their various projects. LaLoca aims to establish a center of production

and research of mobile media. So far, the LaLoca concentrates efforts on film production and

interactive script with locative use of open tools, created and made available on free software in

partnership with Casa de Cultura Digital, São Paulo, and its project “Arte Fora do Museu” (Art

Outside the Museum). Initiatives such as the "Arte Fora do Museu" suggest new reflections on

"artists and art institutions." As a first audiovisual content made by LaLoca, we highlight the

locative mini-documentary that aims to map the most representative buildings of the art deco style

in Juiz de Fora. According to Mark Olender, the art-deco arises in Juiz de Fora as expression of a

new economic, social and cultural epoch. "Instead of mansions and eclectic townhouses,

representing the power of the coffee or industrial barons, the new style will represent a historical

period in which trade, leisure and cultural services present a great development in the city"

(Olender, 2011, p. 261). Thus, by mapping the architectural buildings of this style in Juiz de Fora,

we propose to observe the use of locative media as a tool for historical research.

Keywords: Laboratório de Mídias Locativas e Cinema GPS. Locative Media. Digital Art. Art

Deco. Juiz de Fora.

1. Art déco em Juiz de Fora, Minas Gerais

Para Telma Correia (2008: 49), art déco “ainda se coloca como o termo mais

apropriado e abrangente para caracterizar uma determinada tendência de arquitetura que se

difunde no país entre a década de 1930 e meados dos anos 1950, na medida em que dá conta

de características relevantes dessa produção e está claramente vinculada a um período

específico”. Segundo Marcos Olender (2011: 260), no Brasil “o art déco prolifera em várias

cidades, de diversos portes, destacando-se principalmente naquelas que nasceram ou que

tiveram um desenvolvimento urbano significativo nas décadas de vinte a quarenta do século

XX”. Podemos citar Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Juiz de Fora e

Goiânia. Além de se identificar com o concreto armado, o art déco se transforma no estilo

preferido dos programas arquitetônicos nas primeiras décadas do século XX. De acordo com

Hugo Segawa:

[...] o art déco foi o suporte formal para inúmeras tipologias arquitetônicas que se afirmavam a

partir dos anos 1930. O cinema – e , por associação, alguns teatros –, a grande novidade entre

os espetáculos de massa que mimet izava as fantasias da cultura moderna, desfilava sua

tecnologia sonora e visual em deslumbrantes salas do Rio de Janeiro, em São Paulo e em

outras capitais, em verdadeiros monumentos déco; algumas sedes de emissoras de rádio foram

construídas ao gosto (SEGAWA apud OLENDER, 2011: 260).

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Correia (2008: 50) sugere que “o aspecto inovador da arquitetura art déco situa-se na

frequente simplificação geometrizante de seus elementos decorativos e na diversificação e

atualização de suas fontes de influência ornamental”. Ainda segundo Correia, o estilo

“incorporou referências à máquina, às vanguardas artísticas, a manifestações de arte primitiva

e de arquiteturas da Antiguidade, assim como o uso cenográfico de luz artificial” (2008: 50).

Em Juiz de Fora, como sugere Olender (2011: 261), as geométricas “flores de pedra”

do art déco viriam a substituir os “jardins orgânicos” de ferro e vidro do art nouveau. O art

déco surge nessa cidade, outrora conhecida como a “Manchester Mineira”, como forma de

expressão de uma nova época econômica, social e cultural:

Em lugar das mansões e sobrados ecléticos, representativo do poderio dos barões d e café ou

dos industriais, o novo estilo vai representar um período histórico em que o comércio, o lazer

cultural e os serviços apresentam um grande desenvolvimento na cidade. Reúne nas ruas

Halfeld e Marechal Deodoro, a partir da Praça da Estação, em direção à Av. Rio Branco, a

maior concentração de edificações do estilo. São casas comerciais, cinemas e hotéis que se

estabeleceram na região para ficarem próximos dos visitantes que chegavam à cidade e

desembarcavam na Estação Ferroviária [...] (OLENDER, 2011: 261).

Utilizando-se de ornamentos geométricos em diversas e caprichosas composições, a

aplicação deste estilo em Juiz de Fora, explica Olender (2011, p. 261), se diferencia daquela

de outras cidades da região e do país. Isto se dá pela própria disposição das aberturas e dos

espaços internos. O autor observa: “Constituindo-se, basicamente, de edificações de dois ou

três pavimentos, apresenta, quase sempre, largas aberturas centrais no térreo, correspondentes

às lojas, e os acessos para os outros pavimentos localizados lateralmente” (2011, p. 261). De

acordo com Olender (2011: 264), o arquiteto Raphael Arcuri ganhou notoriedade na cidade

por importantes construções em art déco, como a Casa Magalhães - em estilo “marajoara”, a

qual apresenta como ornamentação, em sua fachada, jarras e outros utensílios de cozinha,

materiais vendidos numa loja que originalmente ocupava a construção - e a Galeria Pio X –

com fachadas para as ruas Marechal Deodoro e Halfeld, “a primeira galeria comercial

construída na cidade e que gerou inúmeras outras que transformaram o centro de Juiz de Fora

em um autêntico „shopping a céu aberto‟, atração que ainda encanta os seus habitantes e

aqueles que a visitam” (Olender, 2011: 265).

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Localizado na Praça João Pessoa, o Cine-Theatro Central, ainda que não expresse

destacadamente o estilo, é ladeado por duas edificações consideradas representantes do art

déco. “Consolidam assim um ambiente urbano que, secundado pela simplicidade ornamental

da grande fachada principal do Central, manifesta um clima art-déco” (OLENDER, 2011:

261). Hugo Arcuri, filho de Raphael, pretendeu adequar o Central à estética déco,

transformando-o numa verdadeira máquina, assumindo a fascinação do estilo pelos

maquinismos contemporâneos. Por sua vez, Leonardo B. Castriota (apud OLENDER, 2011:

262) considera o art déco um estilo que se adaptava perfeitamente às novas exigências e

programas modernos “de uma sociedade que se via às voltas com a mecanização do seu

cotidiano”.

2. Sobre as mídias locativas (locative media)

Segundo o Wikipedia: “Mídias locativas são meios de comunicação vinculados a um

determinado local. (...) São mídias digitais aplicadas a lugares reais que acabam por

desencadear interações reais em um dado plano social”

(http://en.wikipedia.org/wiki/Locative_media). Em “Mídias Locatovas e a Esfera Pública”,

Stalbaum e Silva (2011) questionam a definição acima, segundo os autores uma concepção

simplista, “normalizada” e “autoritária”, que não dá conta de uma série de problemas

associados ao fato de imagens poderem dialogar com sistemas geoespaciais (2011: 4).

Marc Tuters e Kazys Varnelis (2006) observam que as mídias locativas emergiram ao

longo da segunda metade da década passada como uma resposta à experiência

descorporificada e excessivamente atada à tela (screen) da net art, ansiando por um território

para além das galerias ou telas de computadores. Inicialmente proposto por Karlis Kalnins, o

termo locative media foi o foco de certo número de eventos nessa mesma época, sendo o mais

significativo deles o Locative Media Workshop organizado pelo RIXC, o Centro de Cultura

das Novas Mídias ou Centro de Arte e Mídia Eletrônica em Riga, na Letônia, em 2003. Um

relatório produzido por ocasião do workshop delineava o escopo das nascentes mídias

locativas, afirmando que equipamentos GPS (Global Positioning System) acessíveis têm dado

a amadores os meios de produção de suas próprias informações cartográficas com precisão

militar. Em oposição à web, o foco aqui é espacialmente localizado, e centrado no usuário

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individual; uma cartografia colaborativa de mente e espaço, lugares e as conexões entre eles.

Em “Headmap Manifesto” (1999), espécie de ur-text para as mídias locativas, Ben Russel

observa que dispositivos móveis conectados em rede e “consicentes” de sua localização

tornam possíveis anotações invisíveis atreladas a espaços, lugares, pessoas e coisas (1999: 4).

Segundo André Lemos (2009), a “Arte com mídias locativas (locative media art) pode ser

definida como processos artísticos que usam tecnologias e serviços baseados em localização”,

com ênfase no uso e apropriação de espaços urbanos, sugerindo novas relações entre mídia,

cidade e ciberespaço.

Podemos definir mídia locativa (locative media) como um conjunto de tecnologias e processos

info-comunicacionais cujo conteúdo informacional vincula-se a um lugar específico. (…)

Esse conjunto de processos e tecnologias caracteriza-se por emissão de informação digital a

partir de lugares/objetos. Esta informação é processada por artefatos sem fio como GPS,

telefones celulares, palms e laptops em redes Wi-Fi ou Wi-Max, Bluetooth, ou etiquetas de

identificação por rádio freqüência, RFID (Radio Frequecy Identification). As mídias locativas

são utilizadas para agregar conteúdo digital a uma localidade, servindo para funções de

monitoramento, vig ilância, mapeamento, geoprocessamento (GIS), localização, anotações ou

jogos. Dessa forma, os lugares/objetos passam a dialogar com dispositivos informacionais,

enviando, coletando e processando dados a partir de uma relação estreita entre informação

digital, localização e artefatos digitais móveis. Várias empresas, mas também art istas e

ativistas, têm utilizado a potência das míd ias locativas como forma de marketing, publicidade e

controle de produto, mas também como escrita e releitura do espaço urbano, como forma de

apropriação e resignificação das cidades. (Lemos, 2008)

Lemos assinala que os primeiros projetos de locative media art datam do final dos

anos 1990 e buscavam escrever e desenhar o espaço urbano com GPS, como GPS Drawing,

de Jeremy Wood, ou Amsterdam Realtime, de Ester Polak. O autor classifica a arte com

mídias locativas de hoje em cinco categorias: (1) anotações urbanas eletrônicas (geo-

annotation): escrita eletrônica do espaço que indexa dados digitais a determinado local; (2)

mapeamentos e etiquetas geográficas (geotags): produção de cartografias diversas,

vinculando informações como dados biométricos, fotos, textos, vídeos e sons a mapas; (3)

redes sociais móveis (mobile social networking): sistemas de localização de pessoas que

criam possibilidades de encontro ou troca de informações por meio de smartphones; (4) jogos

computacionais de rua (pervasive computacional games): nos quais o jogador deve

percorrer o espaço urbano (ver os trabalhos do grupo britânico Blast Theory); e, finalmente,

(5) mobilizações inteligentes (smart e flash mobs): mobilizações políticas e/ou estéticas que

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utilizam as LBT (Location-Based Technologies) ou LBS (Location-Based Systems) para

organizar ações efêmeras no espaço público (Lemos, 2009, 94-5). Lemos (2009) apresenta

também a modalidade de vigilância e monitoramento : projetos que exploram ameaças à

privacidade e anonimato por meio de novas tecnologias. Somem-se às categorias acima

modalidades abrangendo narrativas literárias e os chamados GPS filmes, narrativas

audiovisuais que demandam deslocamento geográfico do espectador, como em Nine Lives

(2007), entre outros exemplos.

A arte com mídias locativas (locative media art) deriva de tendências e movimentos

artísticos predecessores que visavam recontextualizar a obra de arte, levando-a para fora do

museu - a land art, por exemplo. Surge também da necessidade de repensar a relação do ser

humano com o seu entorno geográfico, muitas vezes o espaço urbano - mas também regiões

inabitadas (desertos, reservas ecológicas, etc.). Dessa forma, algumas interpretações sugerem

a arte com mídias locativas como um espaço entre o simbólico e o imaginário, uma

modalidade que duplica o ambiente objetivo da cidade ou do campo em esquemas virtuais

que, por sua vez, reconfiguram os espaços geográficos originais. Outras perspectivas teóricas

apontam para as mídias locativas e a sua relação com a arte digital.

Ao longo dos últimos dez anos, mídias locativas têm servido de suporte para a

confecção de variadas obras de arte. Christiane Paul explica que “[a]s mídias locativas usam

uma localização no espaço público como uma “tela” (canvas) para a implementação de um

projeto artístico e têm se tornado uma das mais ativas e crescentes áreas da new media art”

(PAUL, 2003: 216). Ainda segundo Paul, “[n]os últimos anos, redes sem- fio e o uso de

dispositivos nômades como celulares e PDAs têm esmaecido a fronteira entre o não- local (ou

espacialmente inespecífico) e o locativo (ou espacialmente específico).” (Paul, 2003, p. 216).

Nesse panorama, “celulares com câmeras, PDAs e iPods têm se tornado novas plataformas

para produção cultural, oferecendo uma interface por meio da qual usuários podem participar

de projetos públicos em rede, assim como formar comunidades ad hoc.” (Paul, 2003: 216).

Paul Dourish, por sua vez, defende que o mundo tecnologicamente mediado não se encontra

separado do mundo físico no qual está embutido; ao contrário, ele promove novas maneiras

de se compreender e se apropriar do mundo físico (2006: 6). Segundo André Lemos,

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Se a mobilidade era um problema na fase do upload do ciberespaço (ir ou sair do local de

conexão), na atual fase do download (ou da internet das coisas), a mobilidade é uma

oportunidade para usos e apropriações do espaço para diversos fins (lazer, comerciais,

políticos, policiais, artísticos). Aqui, mobilidade informacional, aliada à mobilidade física, não

apaga os lugares, mas os redimensionam. Com o ciberespaço “pingando” nas coisas, não se

trata mais de conexão em “pontos de presença”, mas de expansão da computação ubíqua em

“ambientes de conexão” em todos os lugares. Devemos definir os lugares, de agora em diante,

como uma complexidade de dimensões físicas, simbólicas, econômicas, políticas, aliadas a

bancos de dados eletrônicos, dispositivos e sensores sem fio, portáteis e eletrônicos, ativados a

partir da localização e da movimentação do usuário. Esta nova territorialidade compõe, nos

lugares, o território informacional. (2009: 91-2)

3. O Laboratório de Mídias Locativas e Cinema GPS (LaLoca) e o projeto de

documentário locativo sobre o art déco em Juiz de Fora

Baseado no Instituto de Artes e Design da Universidade Federal de Juiz de Fora

(UFJF), com filial na Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), EUA, o Laboratório

de Mídias Locativas e Cinema GPS (LaLoca) reúne em seus projetos pesquisadores

brasileiros e estrangeiros, bem como bolsistas de iniciação científica. Financiado pela

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), o LaLoca tem por

objetivo principal estabelecer um polo de produção e pesquisa de mídias móveis. Até o

momento, o LaLoca tem se concentrado na produção de filmes locativos com roteiro

interativo e recurso a ferramentas abertas, criadas e liberadas em software livre.

O primeiro conteúdo audiovisual confeccionado pela equipe do LaLoca é um

documentário locativo sobre o art déco em Juiz de Fora (título provisório) visa mapear as

edificações mais representativas do estilo arquitetônico na c idade. Ao transitar pelo centro de

Juiz de Fora, o visitante que dispuser de um celular ou tablet com GPS terá acesso a

minidocumentários que explicam, detalham e relatam a história de edificações em estilo art

déco. Os minidocumentários estão vinculados a posições geográficas específicas, cada um

correspondendo a uma edificação, e são exibidos quando o usuário se posicionar ao redor da

fachada de cada prédio selecionado. Localizados todos no centro da cidade, os edifícios

escolhidos são alguns dos mais representativos do art déco em Juiz de Fora. Procurou-se

traçar um roteiro de visitação que privilegia o deslocamento a pé pelas ruas do centro, embora

o espectador-visitante (ou interator) possa alterar sua rota sem nenhum prejuízo da

experiência. Cada minidocumentário mescla depoimentos de especialistas e pesquisadores a

detalhes dos edifícios, registrados em foto e vídeo. A idéia é resgatar a história da edificação e

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chamar atenção do visitante/interator para detalhes do estilo. O projeto encontra-se atualmente

em fase avançada de pós-produção. Foram editados e finalizados cinco “fragmentos” ou

“episódios” documentários, cada qual entre 1 e 3 minutos. O roteiro documentário começa na

Praça João Pessoa (-21.761258,-43.347735), onde duas edificações em estilo art déco

emolduram o largo, tendo ao fundo o Cine Theatro Central. Em seguida, o espectador-

transeunte pode visitar a Galeria Pio X e o prédio dos Correios, na Rua Marechal Deodoro (-

21.760421,-43.348577). O trajeto sugere a descida pela Marechal, onde várias outras

pequenas edificações no estilo art déco ainda podem ser observadas, até a Av. Getúlio

Vargas, onde o espectador-transeunte pode visualizar o Rio Hotel e a Casa Magalhães (-

21.759898,-43.346627). O roteiro segue pela Rua Batista de Oliveira até a esquina da Rua

Halfeld, onde se localiza o Cine Palace (-21.760805,-43.346767). Finalmente, o trajeto sugere

a descida da Rua Halfeld em direção à Praça da Estação, onde fica o Hotel Renascer (-

21.759958,-43.343417). Nesta etapa de pós-produção e implantação, o LaLoca conta com o

apoio da Casa de Cultura Digital de São Paulo. Os cinco capítulos acima descritos serão

publicados em duas plataformas: primeiramente no âmbito do projeto “Arte Fora do Museu”

da Casa de Cultura Digital, e depois por meio do software livre WalkingTools

(http://www.walkingtools.net/)3, desenvolvido pelos professores Cicero Silva (UFJF) e Brett

Stalbaum (UCSD), pesquisadores do LaLoca.

O projeto em questão tem finalidade educativa e turística, auxiliando na

experimentação de rotas de aprendizado arquitetônico e fruição do espaço urbano. De acordo

com Telma de Barros Correia (2008: 47-8), a arquitetura que incorpora as tendências do estilo

art déco é pouco conhecida e valorizada, e tem visibilidade desproporcional à sua presença,

ainda muito forte, no cenário urbano brasileiro. Segundo a autora, “é freqüente encontrar-se

ausente do programa de cursos de arquitetura. Pouco pesquisada, não há consenso – a

começar pela própria designação – entre os que se dedicam a abordar a produção

arquitetônica que pode ser a ela vinculada”. Nesse sentido, a importância do projeto enquanto

3 Numa definição técnica resumida, o Walkingtools é uma confederação aberta de software relacionada

com projetos de arte ou educação que perpassa várias linguagens, plataformas e disciplinas que compartilham

padrões para entrega de conteúdo e administração de dados de GPS através da definição de um esquema

extensão XML para os padrões do GPX, permitindo que mídias (vídeos, sons e animações ) e outras formas de

dados possam ser associadas aos dados do GPS (http://www.walkingtools.net/?p=49).

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ferramenta de pesquisa e divulgação do conhecimento histórico reside no resgate,

mapeamento e valorização das edificações no estilo art déco em Juiz de Fora. Em outras

palavras, o documentário locativo procura explorar algo apontado por Stalbaum e Silva

(2011: 4), o fato de que, “(…) quando a computação e a geolocalização se cruzam, o olho

humano passa a 'realmente olhar' para o que está lá nesse local (...)”

O projeto de documentário locativo art déco foi inspirado numa variedade de

elementos, tais como o flaneur de Baudelaire, parte da obra de Jorge Luis Borges, o filme

GPS Nine Lives (criação de Scott Hessels e estudantes de arte e engenharia da Nanyang

Technological University em Cingapura, dirigido por Kenny Tan), a idéia de “geografias

emocionais” e o conceito de “psicogeografia” (o estudo dos efeitos do ambiente sobre o

comportamento e as emoções dos indivíduos), desenvolvido pelos Situacionistas no final dos

anos 1950. Segundo Tuters e Varnelis, o Situacionismo é frequentemente considerado um

precursor do movimento das mídias locativas (2006: 3).

Numa das primeiras taxonomias das mídias locativas, Tuters e Varnelis a ssinalam que,

em sentido amplo, projetos nessa área podem ser classificados basicamente entre dois tipos de

mapeamento: o anotativo (annotative), o qual consiste basicamente na “rotulação” (tagging)

virtual do mundo, e o fenomenológico (phenomenological), que implica o traçado de ações ou

monitoramento de trajetória (rastreamento) do sujeito no mundo (2006: 2). Grosso modo,

ainda segundo os autores, esse dois tipos de mídias locativas (annotative and tracing)

correspondem a dois pólos arquetípicos que se configuram ao longo da arte do final do século

XX, da arte crítica e da fenomenologia, talvez de outra forma representadas pelas práticas

situacionistas do détournement e da dérive. Projetos anotativos geralmente procuram mudar o

mundo por meio do acréscimo de dados a ele, de forma similar ao que é sugerido pelo

détournement. Para Tuters e Varnelis, a obra anotativa paradigmática é Urban Tapestries, do

Proboscis. Similarmente, ao adotar a tática de “mapeamento-enquanto-se-caminha” da dérive

situacionista, obras de mídia locativa baseadas em rastreamento (tracing) sugerem que

podemos nos recorporificar no mundo, e desta forma escapar da sensação de que nossa

experiência do lugar tem desaparecido no capitalismo tardio. Tuters e Varnelis citam a obra

Crowd Compiler (2002), de Christian Nold's, como bom exemplo desse segundo tipo de

trabalho em mídias locativas (2006: 2). Projetos anotativos e fenomenológicos não são

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excludentes entre si, portanto podem se justapor. O projeto art déco em Juiz de Fora parece

afiliar-se incialmente à categoria de “mapeamento anotativo” proposta por Tuters e Varnelis,

muita embora também possa sugerir afinidades com a segunda categoria apresentada. No

âmbito da taxonomia proposta por Lemos (2009: 94-5), o trabalho pode ser imediatamente

associado à categoria das anotações urbanas eletrônicas (geo-annotation), mas também ao

grupo dos mapeamentos e etiquetas geográficas (geotags). O projeto também remete ao

campo de experimentos em realidade aumentada móvel, uma vez que amplia a informação

influente sobre a percepção de um determinado espaço físico.

Vale dizer que o projeto de documentário locativo sobre o art déco em Juiz de Fora

não se esgota na publicação dos cinco episódios elaborados. Estima-se a continuidade do

mapeamento das edificações em art déco ou inspiradas no estilo, com o objetivo de se

organizar uma memória detalhada da sobrevivência dessa arquitetura na Juiz de Fora

contemporânea. A interatividade do projeto também pode ser ampliada, com inspiração em

obras como PDPal (2003), de Marina Zurkow, Scott Paterson e Julian Bleecker, uma

ferramenta de mapeamento para registro de experiências pessoais de fruição do espaço

público. PDPal, por sua vez, também é inspirado na idéia de “geografias emocionais” e no

conceito de “psicogeografia” dos situacionistas. Em PDPal, usuários criam mapas por meio

da marcação de localidades com símbolos gráficos que representam atributos e valores (Paul,

2003: 217-8). No caso do documentário locativo art déco, os espectadores-transeuntes

poderiam publicar impressões relativas ao espaço visitado no próprio sistema utilizado.

Enfim, todo o conteúdo continuamente acumulado em pesquisa sobre o art déco em

Juiz de Fora pode ser disponibilizado não apenas em interface audiovisual por meio de

telefones celulares com GPS e acesso à internet, pads e demais dispositivos móveis, mas

também em experimentos de visualização com recurso a métodos e tecnologias como, por

exemplo, a Analítica Cultural4, do grupo de pesquisa Software Studies

(http://lab.softwarestudies.com/2009/03/analitica-cultural-historico.html; http://lab.software

4 Em abril de 2008, um grupo de pesquisadores do Calit2, coordenados por Lev Manovich, recebe uma

bolsa Interdisciplinar da Chancelaria da Universidade da Califó rnia em San Diego (UCSD) para o

desenvolvimento do ambiente da pesquisa Analítica Cultural: uma p lataforma aberta para a Pesquisa em

Humanidades Digitais que apoiará análises em tempo real de variadas formas de mídias visuais e de técnicas de

mapeamento (http://lab.softwarestudies.com/2009/03/analitica -cultural-historico.html).

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studies.com/2010/03/versao-alpha-do-novo-software-de.html). Sobre as possibilidades do

projeto aqui apresentado, convém remetermos às observações de Stalbaum e Silva:

(...) o momento político das mídias locativas encontra-se em uma fase de inúmeras

visualizações de cenários possíveis graças à denominada “internet das coisas”, que amplia a

concepção do público (e, presumivelmente, a sua resposta política) à estrutura e distribuição da

riqueza material. (2011: 5)

Com efeito, o projeto de documentário locativo sobre o art déco em Juiz de Fora se

inscreve no contexto de escalada da “internet das coisas” (internet of things:

http://www.iot2012.org/) e, no limite, acaba por sugerir experimentos acerca de “edifícios

com memória”. Segundo Tuters e Varnelis, de acordo com a International

Telecommunication Union (ITU), estamos no limiar de uma sociedade de objetos em conexão

ubíqua. Em breve, prevê o ITU, objetos serão os maiores usuários da internet, trocando

intensamente dados entre si. Essa é a “Internet das Coisas”, um cenário de objetos

informatizados e quase sencientes que nos leva a considerar a proposta de “spimes” de Bruce

Sterling5 (1991: 23-24). Durante o SIGGRAPH de agosto de 2004, Bruce Sterling proferiu a

palestra “Quando os blobjetos governarem a Terra”, na qual previa um mundo em que os

objetos passariam de “blobjetos” a “spimes”. Os “spimes” de Sterling são objetos sensíveis ao

lugar e ao ambiente, auto-conectados, auto-documentados, e capazes de transmitir

informações detalhadas sobre onde têm estado, onde estão e para onde vão, ao longo de todas

as suas “vidas”. Segundo Santaella, “Qualquer coisa, da escova de dentes ao pneu do carro,

entrará em faixas comunicacionais, anunciando o alvorecer de uma era em que a internet de

hoje, de dados e de pessoas, conviverá com a internet das coisas” (2008: 99). De acordo com

Cory Doctorow (2005), os “spimes” são os dispositivos últimos dos “hacktivistas” – um ponto

limite para tornar os frutos negativos da produção industrial vis íveis e óbvios (Santaella,

2008, p. 99). O “spime” poderia assim ajudar a desvendar o fetichismo da mercadoria descrito

por Marx, o resultado da alienação do produto em relação à sua produção e origem - ou

potencializar esse mesmo fetichismo, ainda é cedo para saber (sobre esse assunto ver

5 Metáforas e imagens clariv identes de uma “Internet das Coisas” e de objetos sencientes estão há muito

tempo disponíveis na obra de Philip K. Dick, autor de romances Do Androids Dream o f Electric Sheep? e Ubik ,

e contos como “Electric Ant” e “Minority Report”.

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Galloway e Ward, 2006; Canclini, 2012). Galloway e Ward (2006) observam que, à medida

em que nos aprofundamos na maneira com que projetos de mídias locativas negociam espaços

locais e globais, constatamos uma crescente “tecnologização” e comodificação dos espaços

público e urbano.6 A idéia de Sterling nos estimula a pensar em “edifícios-spime”, em

patrimônios arquitetônicos beneficiados por tecnologias do gênero – o uso de tecnologia a

serviço da memória, num modelo não muito distante dos prédios inteligentes de São Paulo e

outras metrópoles mundiais, mas com propósitos diferenciados.

Cremos que o trabalho procedido pelo LaLoca responde a uma nova sensibilidade

contemporânea no que diz respeito à vivência da arte e do patrimônio, cenário já examinado

por Néstor García Canclini, para quem

Os museus online transcendem sua localização física e, ao mesmo tempo, podem visualizar e

medir em seus sites o número de visitantes por país. Os lugares de consumo e recepção são

rastreáveis ao “perseguir” e armazenar os dados dos usuários. Por outro lado, dispositivos

móveis como o iPhone e o iTouch dão acesso à oferta cultural da cidade onde a pessoa se

encontra e a muitas outras no mundo. Trata-se de algumas das interações entre o museu-

edifício, os artistas como mediadores ou tradutores de seus acervos e os espectadores, que

podem montar seus próprios arquivos e modos de ver. (2012: 179-180)

Com o projeto de documentário locativo sobre o art déco em Juiz de Fora,

pretendemos inicialmente colaborar com a valorização da memória arquitetônica da cidade,

bem como investigar as possibilidades e resultados do recurso às mídias locativas como

ferramenta de preservação cultural. Segundo Santaella,

Colocar geotags nos objetos, de modo que esses objetos nos contem suas histórias, leva-nos a

conhecer sua genealogia, seu enraizamento na matriz de produção. Estamos entrando, portanto,

em um mundo em que, por estarem ligados a chips inteligentes, os objetos vão se tornar

sencientes, quer dizer, conscientes das impressões dos sentidos, o que nos trará a possibilidade

de um engajamento mais ativo entre o corpo, a cidade, os lugares e as coisas. (2008: 100)

6 Em “Locative Media as Socialising and Spatializing Practice: Learn ing from Archeology” (2006),

Galloway e Ward investigam projetos de mídias locativas em comparação ao estatuto dos museus, questões

curatoriais e protocolos de pesquisa arqueológica. Segundo os autores: “Para que qualquer d ispositivo

tecnológico seja “consciente” de seu contexto – físico ou de outra ordem –, ele tem de ser capaz de localizar,

classificar, coletar, armazenar e usar informação “relevante”, bem como identificar e descartar ou ignorar

informação “irrelevante”. Se imaginarmos esses dispositivos e dados como artefatos culturais, e servidores e

bases de dados como gabinetes e museus, então as míd ias locativas começam a part ilhar muitos dos mesmos

interesses e preocupações da arqueologia e antropologia.”

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Pensamos em, de certa maneira, revificar a arquitetura art déco de Juiz de Fora por

meio do uso de dispositivos móveis, revigorando a relação do indivíduo com a estética de sua

cidade. Num primeiro passo, a idéia é instruir e informar o cidadão sobre a história e a

natureza da edificação que ele visita. Numa segunda etapa, podemos pensar em “edifícios

com memória”, sensíveis ao seu ambiente e às pessoas que nele circulam – uma imagem

próxima à dos “spimes” de Sterling. O recurso às mídias locativas oferece um leque variado

de possibilidades, cada edifício, monumento ou obra de arte exposta na cidade pode ser

envolta em nuvens de informações.

Paralelamente à implementação do projeto, reflexões de ordem ética, discursiva e

metalinguística têm emergido neste momento, embora ainda esboçadamente, a partir de

trabalhos como o de Galloway e Ward (2006). Comparando os métodos da arqueologia aos de

trabalhos contemporâneos em mídias locativas, Galloway e Ward propõem investigações

sobre quais tipos de relações sociais/espaciais são possíveis em determinados projetos de

mídias locativas. Segundo os autores, a arqueologia oferece duas grandes contribuições à

compreensão e prática de locative media arts. Primeiramente, a questão da autoria nos impele

a pensar não apenas sobre quem é hoje capaz de criar e usar mídias locativas, mas também

sobre quem será capaz de recriar e reutilizar mídias locativas no futuro. Em segundo lugar, a

questão da propriedade (ownership) nos leva à ciência de que a maioria dos projetos de

mídias locativas requer grandes bases de dados, e que esses dados estão submetidos às

mesmas questões de ordem curatorial que qualquer outra coleção cultural (Galloway e Ward,

2006).7 Nosso trabalho de mapeamento e catalogação do estilo art déco em Juiz de Fora acaba

por envolver algumas das questões discutidas por Galloway e Ward (2006). Estamos cientes

de que iniciativas de catalogação, classificação e, em última análise, revalorização de

artefatos culturais, podem e devem estar sujeitas e reflexões de caráter metodológico e

processual. Estimamos que a reflexão teórica sobre as práticas do LaLoca amadureça nos

próximos anos em paralelo à implementação de projetos.

7 De acordo com Galloway e Ward: “Autoria e propriedade são centrais para a classificação de novos

artefatos de míd ia ou dados: O que faz um esquema de classificação bottom-up mais autêntico ou válido que

outro construído top-down? O que faz um pro jeto de locative media menos ética e politicamente responsável que

um gabinete de curiosidades?” (2006).

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Por fim, decidimos expor este relato neste encontro no sentido de testar nossas hipóteses

e objetivos, trocar experiências e coletar críticas e sugestões, pois muito trabalho ainda deve

ser feito e muitas possibilidades ainda restam por ser exploradas.

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