Luis Camnitzer_Todos Deveriam Ser Artistas

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  • 8/16/2019 Luis Camnitzer_Todos Deveriam Ser Artistas

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    Luis Camnitzer: Todos deveriam ser artistas

    Em 1995, na primeira Bienal de Arte do Mercosul, o uruguaio Luis Camnitzer era um dosexpositores. Este ano, ele vem a Porto Alegre como curador pedagógico do evento, quereúne os principais nomes da arte contemporânea dos países do Cone Sul.Nesse posto,se impôs uma missão: fazer da mostra - que vai de 1o de setembro a 18 de novembro - aprimeira a levar os freqüentadores a serem também artistas, em vez de apenasespectadores passivos. A proposta vai além da interatividade: "Não queremos que opúblico brinque com a instalação. Nossa proposta é estimular cada um a pensar emsoluções próprias para os desafios colocados pelo autor. Depois disso, o visitante vaidecidir se vai admirar a obra, melhorá-la ou ignorá-la".

    Professor aposentado do Drawing Center de Nova York, onde foi curador de artistasemergentes, Camnitzer afirma que teve a sorte de nunca fazer o que não lhe agradava.Por isso, férias e trabalho, para ele, são a mesma coisa. Enquanto cuida dos detalhesfinais da última exposição que organizará na galeria americana, viaja para a Costa Rica -onde participa de uma mostra antológica no Museu de Arte e Desenho - e vai ao Uruguai

    organizar uma exposição sobre arte e violência marcada para outubro. "Isso enlouquece aminha mulher, mas não a mim!" Desde o ano passado, ele visita Porto Alegre comfreqüência, cuidando de perto da parte educativa da Bienal. Durante essas viagens,participou da formação de monitores e de um curso de formação de 1,5 mil professores darede estadual que levarão seus alunos à exposição.

    Na entrevista a seguir, concedida por e-mail antes de chegar à capital gaúcha para osúltimos preparativos antes da abertura da Bienal, Camnitzer explica como será aparticipação do público na exposição e o que essa experiência pode deixar como"herança" para o ensino de Arte no Brasil.

    O que a curadoria pedagógica dessa bienal tem de diferente das anteriores?Luis Camnitzer  A ênfase está nos aspectos de comunicação da obra com o público e não naapreciação. Os visitantes são convidados a criar como os artistas nas 20 estaçõespedagógicas, que são espaços diferenciados ao lado da obra: numa parede há umparágrafo com a formulação do problema que o artista está tentando resolver, e numbalcão ficam a literatura relacionada ao artista e os formulários nos quais o visitante podedeixar seus comentários e as soluções que daria para o mesmo problema. Essasobservações são compartilhadas com outros visitantes, que podem vê-las projetadas emoutra parede. Tudo para evitar que as pessoas fiquem somente no "gostei" ou "nãogostei". Queremos o envolvimento de todos com a especulação do artista, até mesmo dequem não gostou do resultado mostrado.

    Que outros espaços podem ser usados pelos professores?Camnitzer  É possível reunir a turma para debater tanto em assentos colocados próximos àsobras como em salas de aula especialmente montadas. Temos também um lugar onde os jovens podem produzir e expor trabalhos como resposta ao que viram. Durante o evento,queremos montar uma biblioteca especializada em planos de aula e metodologiasdeixados pelos professores que queiram compartilhar idéias inovadoras com os colegas.Esperamos que esse banco de dados acabe se transformando num espaço internacionalde intercâmbio via internet.

    Todas as exposições deveriam ter curadoria pedagógica?Camnitzer  Sendo exposição, de arte ou não, deveria ter curadoria. Normalmente é o artista

    que se incumbe de divulgar sua obra, mas às vezes fica tão absorto em si mesmo queesquece o público. Já o curador artístico seria o encarregado de apresentar as obras, masse concentra tanto na aparência da mostra que esquece o público. Oferecer curadoria

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    pedagógica não significa ser paternalista com o visitante, mas ter controle sobre a clarezada apresentação e a necessidade de preencher as lacunas que atrapalham acomunicação.

    O que é mais importante para os alunos e seus professores ao visitar uma

    exposição como a Bienal? Entender o processo criativo do artista, desenvolver acriatividade ou aprender a apreciar a arte contemporânea? Camnitzer  Para mim é mais importante FALA,MESTRE! desenvolver a capacidade criativa.Porém, para chegar a isso, ele tem de tomar contato com o processo criativo do artista e aconseqüência é que ele apura o olhar para a arte contemporânea. Acho que o artista é umintermediário entre o Universo e o público. Se a arte atingisse seu propósito, todo mundoteria seu próprio acesso ao Universo e, assim, todos seríamos artistas e essaespecialização deixaria de existir.

    Os espectadores não devem ser somente receptores passivos, mas seres criativos?Camnitzer  Acredito que os males contemporâneos estão baseados no consumo passivo deinformação, fruto de um controle que leva à anulação da capacidade de resistência.

    Nossas habilidades a esse respeito estão se atrofiando. A arte, no melhor sentido dapalavra, é um antídoto que ajuda a resistir e a recuperar a saúde mental.

    Como criar no Brasil uma cultura como a que existe na Europa, onde as crianças sãolevadas desde pequenas a museus por seus pais?Camnitzer  Temos culturas diferentes, o que não significa que uma seja melhor ou pior que aoutra. A relação de um jovem europeu com a arte pode ser (ou é) mais mitificada do que ade um brasileiro que nunca foi a um museu. Em muitos casos, a diferença está em que oprimeiro necessita de uma Educação que desmitifique a arte, enquanto o outro deve teruma que o leve a não mitificá-la quando começar a se relacionar com ela.

    Por que é importante levar as crianças a ver obras de arte e não somente mostrá-lasem livros ou gravuras?Camnitzer  A presença material da obra é muito importante. É preciso ver a escala, a sutilezada cor, a textura, as mudanças causadas pela circulação ao redor dela, os ecos entre umaobra e outra - e nada disso um livro consegue reproduzir. Isso é muito importante,principalmente quando não existe uma experiência prévia.

    Existem muitos lugares no Brasil onde não há museus, galerias ou espaços para verarte. Como os professores que vivem ali podem desenvolver a própria formaçãoartística e a dos alunos?Camnitzer  A distância pode ser física ou mental. Pessoas que estão ao lado da Bienal

    podem estar mais afastadas do que outras que vivem a milhares de quilômetros, masescutaram o rumor e procuraram saber o que está acontecendo. A Bienal não vai mudar oBrasil, nem o Rio Grande do Sul, nem mesmo Porto Alegre. Espero que um modelo bem-sucedido sirva de inspiração para outras insitituições e para alguns professores. Logo,esses estimularão outros e é assim que chegaremos a pontos distantes.

    Qualquer obra de arte serve para estabelecer a comunicação com as crianças? Camnitzer  O artista muitas vezes se dirige a seus colegas e a especialistas, que têmconhecimentos complexos, inacessíveis até para adultos formados. Portanto,muita coisaescapa da possibilidade de apreciação escolar. Não tem sentido explicar a Teoria daRelatividade para turmas de 7 a 10 anos usando fórmulas que só um físico entende.Mas épossível despertar o interesse sobre o tema para, em algum momento, o aluno pedir paraentender os princípios. É nessa atividade intermediária que o professor de Arte deve secolocar.

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    Qual a relação entre arte e Educação?Camnitzer  Quando damos importância à comunicação entre o artista e o público por meioda obra, a peça deixa de ser objeto de contemplação e a atividade artística nivela-se àEducação. Isso quando se entende que essa última não se limita a transferir dados, mas agerar especulações por parte dos estudantes. Nesse sentido, as informações e osexercícios dados pelo professor deveriam equivaler à obra do artista. Quem vai a umaexposição ou quem freqüenta uma sala de aula deveria ter sempre a sensação de terparticipado de um processo criativo memorável e sair dali se sentindo preparado parainventar os próprios meios. Quero que os visitantes da Bienal tenham contato com essaidéia e se proponham, a partir daquele momento, a fazer de cada uma de suas aulas umapeça artística, na qual os alunos possam descobrir a si mesmos, reinventar e reordenar oUniverso e assumir o papel de criadores, e isso vale para todas as disciplinas.

    Quais são os erros mais comuns que os professores cometem em suas aulas?Camnitzer  Confundir arte com artesanato e priorizar o "como fazer". Em uma classe commuitos alunos, é compreensível que o professor não tenha tempo de interagir com cadaum e que tudo termine em forma de conferência e exercícios de comparação relativa. Mas

    os professores devem lutar contra os obstáculos que lhes impõe o sistema escolar. Supõe-se que é mais importante saber ler e escrever do que fazer arte. É hora de convencer asautoridades de que essa percepção é reacionária. A arte é uma forma de conhecer, deespecular, de propor e de resolver problemas. Ainda que escrever e ler sejam exemplos decodificar e decodificar, a arte também é uma forma de criar códigos. Portanto, ler eescrever deveria aparecer como uma subcategoria artística. Temos ainda outro equívoco:pensar a arte como uma forma de auto-expressão. Ainda que seja isso também, ela éantes de tudo um instrumento de comunicação. Se nos limitarmos à auto-expressão, origor desaparece. E a arte necessita dele tanto quanto a ciência, cada uma dentro doscritérios.

    Qual deveria ser o principal objetivo do ensino de Arte nas séries iniciais?Camnitzer  Ajudar o estudante a elaborar problemas e buscar soluções, fazendo com que elepense e analise o desafio. Se a proposta é um desenho de natureza-morta, a utilidade daatividade não está em fazer cópia, mas em como os pontos do modelo serão transferidospara o papel, quais serão usados e quais serão descartados, como passar dotridimensional para o bidimensional. Ainda que o resultado já esteja determinado, há muitoa especular e entender. Ou seja, o problema é ver o que acontece com a informaçãoquando passa de um estado a outro e o que se perde e o que se ganha com esseprocesso. Assim, esse desenho da natureza-morta se torna um processo maisinteressante e fértil.

    Nova Escola: http://revistaescola.abril.com.br/arte/fundamentos/luis-camnitzer-todos-deveriam-ser-artistas-610098.shtml?page=0