Lyons, J. Introdução à linguística teórica

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  • 5/17/2018 Lyons, J. Introduo lingustica terica

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    1A Lingiiistica:

    .estudo. eienti/ieo da lingua1.1 - Introducao

    1.1.1 - Definiciio da LingiiisticaA Lingiiistica pode ser definida como 0 estudo cientifico da lin-gua. Estadefinicao, porem, nao basta para dar ao leitor uma indica ...cao positiva dos principios fundamentais do seu conteudo, Seraumpouco mais esclarecedor apresentar em maior detalhe as irnpli-.coes contidas no qualificativo "cientifico". Para 0momento, bastara

    dizer que por estudo cient ifico dalingua seentende a. invest igacaodela por meio de observacoes controladas e verif icaveis empirica-'mente ecom referencia a uma teoria geral da sua estrutura.1.1.2-A' terminologia lingiiistica

    Tem-se as vezes observado que a terminologia O U 0 "jargao"da Linguistica moderna e mais complexo do que 0 necessario, Eessa uma critica que nao nos deve oeupar por rnuito tempo. Todaciencia tern seu proprio voca bulario .tecnico: e e apenas porq ue 0leigo toma como indiscutiveis as ciencias estabelecidas, especial-mente as ciencias "naturais", que ele nfio discute 0 direito que estatern de prover-se de urn vocabulario especializado. Os terrnos tee-nieos usados pelos linguistas VaG surgindo no decorrer da sua' obrae sao eritendidos facilmente por aqueles que se aproxirnam do seuestudo corn simpatia e sem preconeeito. 'Nao se deve esquecer quea maioria dos termos que emprega 0nao-l inguista para falar sobre .a lingua ipalaora, silaba, letra, locuciio.frase, nome, oerbo, etc.) rive-ram sua origem em termos tecnicos da gramatica tradicional e nao. sao menos "abstratos" na sua referenciado que as mais recentescriacoes dos linguistas, Se 0 lingdista contemporaneo exige terrnos

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    adi~aoa eies,nao tecnico detornou insuficiente-,pattepelb .simplesfato de que a . . .aSpecl:os,aVan9a- aletnda. gramatica tradicionalna sua tentativa de'-construir uma teoria

    ~er~l da, estrutura da lingua. Os termos tecnicos empregados nestehvro serao introduzidos gradativamente, com explicacao minuciosa,sempre que possivel , com referencia aos termos tr 'ailicionais de usogeral. Como veremos, 0 usa de urn vocabulario especializado eli-mina urn born numero de ambiguidades e de possiveis mal-entendidos.1 . ~.3 - Abordagem objetiva da lingua.

    A principal dificuldade que enfrenta quem pela primeira vezaborda 0 estudo da Lingiiistica e ~ de que nao esta preparado paraencarar a lingua objetivamente, E que a lingua e algo que temosa tendencia de aceitar como urn fato; alguma coisa com que esta-mos familiarizados desde a infancia, num tratamento pratico e irre-fletido. E, como ja setem observado muitas vezes, e preciso u r n esforco.particularmente grande pari - se olhar com novos olhos as coisasfamiliares. Nem e apenas a nossa, familiar idade prat ica ou intui tivacom a lingua que nos impede de um exame objetivo. Hit toda sortede preconceitos sociais 'e naeionalistas associados com a lingua, emuitas falsas concepcoes populares, estimuladas pela versao de-formada da gramatica tradicional que e -comumente ensinada nasescolas, E e realmente dificil libertarmos nossa mente desses pre-conceitos e dessas falsas concepcoes: mas esse primeiro passo enecessario e compensador,1.1.4 - Historia da Lingidstica

    Nada ajudara melhor. ao leigo, ou a quem entra em contatocom 0 estudo cientifico da lingua, do que algumas nocoes.da.Historiada Lingiiis tica. Muitas das ideias a respeito da lingua que 0 linguistacrit icara, ' se nao as rejeitar inteiramente, 0 leigo cornecara a sen-ti-las menos claras ou evidentes, se conhecer algo da sua origemhist6rica. E isso e verdade nao somente de muita coisa que e for-malmente ensinada na escola, mas tambern de muita coisa que aprimeira vista poderia pareeer de absoluto born senso. Aeerea domodo como 0 senso-comurn trata de questoes linguisticas, notouBloomfield que "muita eoisa mais que se apresenta como. do senso- .2

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    "comum.e antes altamente sofisticada, e deriva, em nao grande dis-.tancia, das especulaeoes dos filosofos antigos e medievais". Comoexemplos de tais posicoes do "senso-comum" acerca da linguagem,dessas que Bloomfield declara como "especulacoes de filosofosantigos e medievais'"!' podemos citar a crenca comum de que todasas linguas tern as mesmas "partes do discurso", I 3 na forma em queessa crenca e comumente mantida e expressa. A teoria tradicionaldas "partes do discurso"; e as definicoes tradicionais que delas daa gramatica classica, refletem, como ainda iremos ver adiante, ten-tat ivas antigas e medievais de reunir it forca as categorias da Gra-matica, da Logica e da Metafisica. Outras opinioes cornumentemantidas acerca da lingua derivam naotanto da especulacao filo-sofica como da subordinacao da Gramatica it tarefa de interpretartextos escritos, e especialmente a de interpretar as obras literar iasescritas em grego e latim pelos autores classicos, .. Mas a Historia da Lingiiistica e hoje de interesse nao apenaspor nos habilitar a libertar-nos de certas concepcoes falsas, e cor-rentes sobre a lingua. A Linguistica, como qualquer outraciencia.:constroi sobre 0 passado; e assim 0 faz nao somente desafiandoe rcfutando doutr inas tradicionais, mas tambem desenvolvendo-ase reformulando-as. Como umaajuda para a compreensao dos prin-oipios e hipoteses que regem a Linguistica Medema, 0 conheci-mento da Historia da Lingiiistica pode oferecer uma contribuicaoque tem 0se u lade positivo e 0se u lade negativo. Isso sera ilustradoabundantemente no decorrer deste livro. Vern ressaltado aqui por-que muitas obras recentes sobre a Lingiiistica, ao exporem os gran-des progresses feitos na investigacao cientifica da lingua nestasultimas decadas, tlimdeixado de dar enfase it continuidade da teoriaIinguistica oeidental, desde os tempos rnais antigos ate hoje.Cabe aqui tambcm observar que a Gramatica, em geral dena-minada qramatica tradi ional ( . os continuaremos a usar :essetermo) e muito rnais rica e mals diversificada do que fica em geralsugerido nas referencias que de passagem a ela fazem muitos rna-nuais modernos de inguistica. Uma boa parte da historia primitivado pensamento Iingiiistico ocidental e obscura ou controvertida. Isso .se deve sobretudo ao fato de que a maioria das fontes originais de-sapareceram: do que sobreviveu, e claro que, embora se possa tnt-car uma 'Iinha continua de desenvolvimento de Platao e dos sofistasaos escolasticos medievais, em toda a extensao desse periodo houvemuitos gramaticos capazes e de pensamento original. Ainda estapar escrever uma historia definitiva e compreensiva da gramaticatradicional. Embora 0 resumo necessariamente breve da Linguistica

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    .'af'etfios a "~egtiir'pretenda ser-primariamente uma introducao;eslado atual da materia, tentaremos relacionar, na medida dopossivel, a evolucao da teor ia Iingii istica no. passado a s condicoessociais e -as ideias filosoficas correntes n? seu tempo.!4,' ...'

    . '1.'2 -,A g r a m a t i i ? t tradicional(2)1.2.1 - Suas origens [ilosoftcas

    A gramatica tradic ional, como tantas outras das nossastradi-c;oes academicas, remonta a Grecia do sec. v a.C, Para os gregosa "Gramatica" foi desde ,0 inicio urna parte da "Filosofia", isto e,era uma pa te da sua indagacao geral sobre a natureza do mundoque OS cercavs e das suas instituicoes sociais (3).1.7.2 - "Natureza" e "convenciio"

    O s fil6sofos gregos discutiam se 0 que r / g i a a lingua era a"natureza" ou a "convencao". Essa oposicao da "natureza" e da "con-vencso" era urn lugar-comum da especulacao filos6fica . Dizer queuma determinada instituicao era natural equivalia a dizer que ela -tinha sua origem em principioseternos e imutaveis fora do pr6priohom ern, e era por isso inviolavel; dizer que era convencional equivaliaa dizer que ela era 0mero resultado do costume e da tradicao, isto e ,de' algum acordo tacito, 'ou "contrato social", entre os membros dacom.unidade - "contrato" .que, por ter sido, feitojpe1os homens,podia ser pelos homens violado, (! I r { r- c (! .

    Na discussao da lingua, a distincao entre "natureza" e "con-vencao" girava principalmente sobre se haviaqualquer conexaonecessaria entre 0 significado de urna palavra e a- -sua forma. Osadeptos extremos da escola "naturalis ta", como Cratilo , cujas con-ceP90es reporta Platao no seudialogo Cratilo, afirmavam que todasas palavras eram, de fato, apropriadas por natureza as coisas queelas signi ficavam, Ainda que isso nem sempre pudesse ser evidenteao leigo, diziam eles, podia ser demonstrado pelo fil6sofo capaz dediscernir a "realidade" que estava atras da aparencia das coisas.Nasceu assim a pratica da etimologia consciente e deliberada. 0termo em si - formado do radical grego etymo-, "verdadeiro","real" - denuncia a sua, origemfilos6fica. Estabelecer a origemduma palavra e, por ela, 0 seu "verdadeiro" significado, era revelaruma das verdades da "natureza",

    Reconheciam-se varias maneiraspelas quais a forma duma pa-lavrapodia ser "naturalmente" apropriada ao seu significado. Havia,4

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    . t: ; ..~q.. _ I : ~ " \ I ,) ' e , ~ ;,; , " " t f . . : t ' ~ / rd w -v'_ & -- - - : . A " - ; I ' .i$..~ f f " ' 1 .paracornecar, a serie relativamente pequena de palavr~s como latir, ' ~ i . .piar, t il intar _: para usar exemplos portugueses e Uqogregos -', :.'quenum ou noutro.grau erarn "imitativas" dos sons que elesdesig- ;navam.j S Uma categoria diferente, embora relacionada, compre-endia palavras (como cuckoo, peewit, etc.) que eram "imitativas" deuma especie.par ticularde som, mas que denotavam antes a sua fontedo que o proprio som. Em ambos os casos ha evidente conexao "na-.tural" entre a forma fisica da palavra e 0 que ela significa.b termotecnieo empregado para palavras.que pertencema essas duas cate-gor ias, ainda usado neste sent ido, era 'onomqtopeia. It simplesrnentea palavra grega que signif ica "criacao de ndmes". 0 fato de os gra-maticos restringirem 0 seu uso a palavras que "imitam" os sonsque elas denotam, reflete a concepcao dos "naturalistas" gregos - . tespecialmente dos filosofos estoicos - de que tais palavras formam . 1 . J - " , I.a serie fundamental de "nomes" dos quais e,vol.uia lingua. A rel~

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    ficados duas palavras.trolado desta segunda'se'rie'd~' . .... . .... '. .ma duma palavra que' oferecia "'elementos aos "natural istas" paramanterem a sua posicao, achando que era possivel derivarem todas 'as palavras de uma serie primaria de termos de .origem "natural".

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    1.2.3 - Analogistas e anomalistas, A disputa entre os "naturalistas" e os "convencional istas' devia

    prolongar-se por seculos, dorninando toda a especulacao acerca daorigem da lingua e da relacao entre as paIavras e 0 seu significado.Sua importancia para a evolucao de teoria gramatieal esta em queela deu origem a investigacoes "etimologicas" que estimularam emantiveram 0 interes.se dos estudiosos n;;t.classificacao das rela.;o:~ , - r :1 r ) r- . ' ~entre as palavras. Bem-an .mal, ela estabeleceu 0 estudo da Gr~1.~t~ ~matica de~tro do ~ O U 2 ? ~~~-i~dagacfi? ~ros_-ofic~-eral. -" i.{ptrEm virtude de razoes que nao e necessano discutir aqui, a con-'troversia entre os "naturalistas" e os "convencionalistas" evoluiumais tarde,a partir do sec. IIa.c., paraa discussao sobre ate queponto a lingua era "regular". No grego, como no ingles e no portu-gues, embora haja rnuitos exemplos evidentes de estruturas "re-gulares" na l ingua, ha tambem numerosas excecees. Como exemplode estrutura "regular" temos ingl. boy, boys, port. menino, meninos;ingl. 'girl, girls, port. meninac meninas; ingl. cow, cows, port. vaca,vacas, etc. Ai esta urn' exemplo da especie de "regularidade" nalingua, discutida peJos fundadores da gramatica tradieional. Outrostipos serao ilustrados adiante. As palavras gregas para "regulari-dade" e "irregularidade", no sentido que nos' ocupa, eram analoqiae anomalia. Dai, os que sustentavam que a lingua era essencialmentesistematica e regular sao charnados geralmente analoqistas e os quetomavam a posicao oposta, anomalistas.Deve-se observar que 0termo analogia aqui esta sendo tam-bern usado no sentido mais restrito de "proporcao" matematica,de qti'iffilpfo orciop:al" segundo 0 qual se pode dizer, por exemplo,que 6 ': 3 ; :' 4 : 2 : :.2 : 1. Alias, 0 termo proporriio vern do .lat, pro-.portio, que e a traducao do gr. analoqia. 0 raciocinio analogico foilargamente apl icado no estudo das ciencias par PIatao e Aristoteles;e os seus discipulos. Com base na proporcao boy .boys ou minino:6

    . .boy: boys: : cow: xou: b b . . .,,'oy: oys .. x ....ow s

    meninos, podemos formar 'analogicamente milhares de outras pala-v r ~ . e J n i J jg J .e s o u portugues: c ow , : cows, girl: girls; vaca : vacas;menina :meninas, etc; Dado urn dos termos, podemos estabelecere resolver as equacoes:

    m enin o :meninos : : vaca : xm enin o :meninos : : x : vacas.Os analogistas esforcaram-se por estabelecer os varios model os

    com' referencia aos quais se podi am c la ss if ic ar as palavras regularesda lingua: 0 termo tradicional paradigm a e simplesmente a pala-vra grega para "modelo" ou "exemplo't.]? Os anomalistas nao ne-gavam a existencia de regularidades na formacao de palavras nalingua, mas apontavarn 0 inumeros casos de palavras irregularespara cuja formacao razoes de analogia nada valem (p. ex., 0 ingl.child: children, etc.) e tambem a multiplicidade de diferentes "ana-logias" quedeviam ser reconhecidas em palavras da mesma classe(isso e mais notavel em grego ou latim do que e m ingles), Eles tam-bern, chamaram a atencao para 0 fato de ser freqiientemente "ano-mala" a relacao entre a forma de uma palavra e 0 seu significado:porexemplo, osnornes das cidades Tebas e Atel1as sao plurais emgrego, embora denotern uma so cid ad e cad a u rn; um a das palavrasgregas que significam "crianca" (paidiotl) e neutra, embora a criancapossa ser masculina ou feminina (cf. 0 at. Kind , tambern neutro:exemplos desse tipo de "anomalia" poderiamos dar de muitas lin-guas) . Outro exemplo de "anornal ia" e dado pela sinonimia (duasou mais palavras com 0mesmo sentido) e pela homonimia (uma soforma com dois ou mais significados). Se a lingua fosse realmenteproduto de uma "convencao" humana, era' d e esperar que naoencontrassemos "irregularidades" desses varies tipos; e, se existis-sem, seriam corrigidas. Os anomalistas sustentavam quea lingua,produto da "natureza", era, apenas em parte, suscetivel de umadescricao sob pad roes analogicos de formacao e que se devia daratencao ao "uso", por mais "irracional" que este possa ser.

    Nao surpreende que a discussio entre os "analogistas" e os"anornalistas" nunea tenha sido decidida em definit ive pelos gregos.Em primeiro lugar, a dist incao entre gramatica descritiua e prescri-tioa (ou normativa) nao estava estabelecida de modo claro (querdizer , a dist incao entre descrever como 0 povo Iala e escreve real-mente e prescrever como deveria falar. e escrever: discutiremoscom alguns detalhes essa dist incao em 1.4.3). Em conseqiiencia, 0"analogista" tentaria antes "corrigir" qualquer aparente "anorna-lia", que ele pudesse eneontrar, do que mudar suas ideias acerca da

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    9Semdntica. Principios gerais (1)

    9.1 - Introducao9.1.1 - 0 termo "semdntica"

    Pode-se, para xomecar e provisoriarnente, definir semantlcacomo "0 estudo do significado". Q_terB!_9_~_manlicQ e de origem re-lativamente recente: foi criado no sec. XIX, a part ir de um__y'erb_Qgrego que guer dizer"sigEi[icar". Mas isso nao quer dizer que sono seculo passado se tenham voltado os especialistas para a inves-tigacao do significado das palavras. Desde os primeiros tempos se :interessaram os gramaticos pelo estudo do significado das palavras,e mais ate do que pela sua funcao sintatica. Sao manifestacao pra-tica desse interesse as inumeraveis dicionarios que se vern elabo-rando, nao s o no Ocidente como em todas as partes do mundoonde se estuda a linguagem. Como vimos, as categorias da gramaticatradicional forarn, ate certo ponto, determinadas par seus "modesde significacao" caracteristicos (cf. 1.2.7)(2).9.1.2 - A semdntica posta de lado pela LingiiisticaModerna

    A maioria das obras mais import antes publicadas sobre Lin-gii istica, nes tes ult imos trinta anos , deram pouca ounenhurna aten-cao a semantica, A razao disso e que, pelo menos no presente, rnuitoslingii istas chegaram a duvidar da possibilidade de 0 significado'poder ser estudado objetiva e rigorosamente como a Gramatica ea Fonologia. Alern disso, enquanto estas estao clara e inteiramenteno terreno da Lingtiistica - embora a maneira pela qual uma criancaaprende a estrutura fonologica e a estrutura gramatical (= morfo-

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    '~,:~'si.~J~tic~J:da,sllaIinguaseja de interesse consideravel para 0 psi-, c6logp -; i)q!le-err1:geraI se denomina 0"problema do significado"'pode set de inieresse igual,' se nao maior, pari! a Filosofia, a L6gicae a Psicologia, e talvez tam bern para outras disciplinas como a An-tropologia e a Sociologia.I401' Os filosofos, especialmente, semprese interessaram pelo significado, uma vez que ele esta necessaria-mente envolvido em questoes filosoficas vi tais e notoriamente con-trovertidas, tais como a natureza da verdade, 0status de conceitosuniversais, 0 problema do conhecimento e a analise da "realidade".

    9.1.3 - In teresse filoso fico e psicoloqico n o s ig n if ic ad oNao e dificil mostrar por que 0 significado e de interesse para

    filosofos e psicologos, e por que ele e considerado urn "problema"controvertido. Consideremos uma questao aparentemente inocentecomo a seguinte: "Qual e 0 significado do termo vaca?" Nao seracertamente 0 de urn animal determinado. E en tao toda uma classede animais que denominamos vaca? Todas as vacas sao diferentes,de uma maneira au de outra; e, de qualquer modo, ninguem conheceou poderia eonheeer todos os membros de toda a c1asse das vacas,mas, apesar disso, nos gostariamos de dizer que sabemos a signifi-cado da paiavra vaca e somas capazes de usa-la com propriedadeem referencia a determinados animais que nunea vimos antes, Haalguma propriedade ou conjunto de propriedades que distingam asvacas de todos os demais objetos para as quais temos palavras di-ferentes? Achamo-nos logo frente a frente com a controversia filo-sofica entre "norninalistas" e "realist as", que de uma maneira ou deoutra, vern vindo desde PIa tao ate os nossos dias. Teriam as coisasas quais damos 0mesmo nome algumas propriedades "essenciais"comuns pelas quais possamos identifica-las, como diriam os rea-listas ou nao: teriam elas nada em comum a nao ser 0 nome quenor convencao aprendemos a dar-Ihes, como diriam os nominal is-tas? E 0 caso da vaca nao e urn caso particularmente diflcil, Poderia-mos concordar que' as "vacas" sao definiveis com base numa clas-sificacao bioI6gica de generos e especies. Mas que fazer com mesa?As "mesas" sao de varias formas e tamanhos, e variam tambemquanta ao material de que sao feitas e quanto ao fim para que saoconstruidas, Mas podemos dizer que elas sao objetos observaveise tangiveis, pelo menos fisicamente. Poderiamos mesmo pensar emenumerar uma lista de caracteristicas que as definam. E 0 que dizerentao de palavras como verdade, beleza, bondade, etc.? Teriam todasas coisas que definimos como "belas" ou "boas" alguma propriedade426

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    em comum? Se assim e , como e que identif icamos e descrevemos essa 'propriedade? Devernos dizer que Q significado de palavrascomouerdade, beleza e bondade e 0 "conceito" ou "ideia"a elas associadono espirito daqueles que conhecem a lingua a que pertencem essaspalavras? E, generalizando, poderiamos dizer que "significados"sao "conceitos" ou "ideias"? Se dissermos isso, achamo-nos ainda .uma vez em plena con'troversia f ilosofica e psicologica. Alias, mui-tos fil6sofos e psicologos duvidam muito da existencia de "con-ceitos", e mesmo da existencia da "mente": 1402 Mesmo que deixe-mos de lado essas .dificuldades enos recusemos a considera-las,outras ha de natureza mais ou menos filosofica. Teria algum sentidodizermos que alguem usou urna palavra com significado diversodaquele que e 0. seu "verdadeiro significado"? Haveria aquila quese possa chamar 0 "verdadeiro" ou "correto" significado duma pa-lavra? .9.1.4 - Os significados de "significado"

    Ate aqui falamos apenas do significado das palavras. Dizemostambern que as frases tern tu n significado. Siqnificado esta sendoaqui usado no mesmo sentido ? Note-so que freqtientemente dizemosque certas frases e sintagmas tern ou ntlo sentido; mas nao dizemos,em geral, que as palavras nao tern s ntid . E possivel entao esta-belecer uma distincao, talvez, ate, muitas distincoes entre "ter sen-tido" e "ter urn significado", Todas s as qucstoes, e muitas outrassemelhantes, tern sido discutidas 1 '. r fiI s f s e l inguistas. Tornou-seurn lugar-comum da teoria semanti 'a -I : an a r a atencao para asvaries "significados" de significado.Alern das questoes de interesse filosoflco.iha as que dizem res-peito rnais particularmente ao lingilista, Os Iilosofos como 0 hornernda rua, tomam em geral como correntes as noeoes de palavra e frase.o l in g ui st a n a o pode proceder a ssim , A s p ala vr as e a s fra se s sao paraele as primeiras e as mais importantes unidades da descricao grama-tical, mas nao sao as (micas unidades gramaticais que e1ereconhece.Ele deve encarar a questao geral, que e 0 modo pelo qual as unida-des gramaticais de varias especies se relacionam com as da analisesemantica, Deve, particularmente, indagar se ha alguma distincaoa estabelecer entre significado "lexical" e significado "gramatical",9.1.5 - lnadequar;:iio da s teorias semdnticas correntes

    Ninguem ate agora apresentou nem mesmo as esbocos de umateoria semantica sat isfatoria e compreensiva. Isso deve ser esclare-

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    , - 1 5 i ~ o ; m'qq.alquer discussao sobre 0 assunto. Contudo, 0 fato de naosi ter desenvolvido, ate agora, nenhurna teoria semantica sistematican[o quer dizerque n ' a O s e teriliafeitonenhum progresso na investi-gacao teorica do significado. Apresentaremos adiante uma breve. resenha das mais irnportantes contribuicoes oferecidas por lingiiistase filosofos nos ultimos anos.Em definicao provisoria, dissemos que semdntica e "0 estudodo significado". Essa definicao reflete 0 unico ponto em que estaode acordo os semanticistas.j dtld Quando examinarmos os trata-mentos especificos do assunto, confrontar-nos-emos com uma de-sorientadora variedade de abordagens para a definicao e a deter-minacao do "significado". Fazem-se distincoes entre significado emo-tivo e coqnitivo, entre significado (ing1. -siqnificancei e significa(:iio,entre significado performat ioo e descritioo, entre sentido e referenda,denotadio e conotadio, signos e simbolos, extensiio e compreensiio,implicadio e vinculaciio logica e pressuposiciio, entre 0 analitico e 0sintetico, e assim por diante'P". A terminologia sobre 0 assuntoe rica, e ate confusa, pois e us ada semqualquer grau de cons lS-tencia ou uniformidade entre os autores. E, pois, inevitavel queos term os introduzidos no presente capitulo nao tragam consigoas mesmas implicacoes que os mesmos termos empregados emoutros tratados de semantica,Comecaremos com uma breve exposicao e alguma critica daabordagern tradicional it definicao do significado.

    9.2 - Semantica tradicional9.2.1 - "Denominar" as coisas

    A gramatica tradicional fundava-se na hipotese de que a pa-lavra (no sentido de "lexerna" cf. 5.4.4) era a unidade basica da sin-taxe e da semantics (cf.tarnbem 1.2.7, 7.1.2), A palavra era um "signo"composto de duas partes: referir-nos-emos a esses dois componentes,nesta discussao, como aforma da palavra e 0 seu significado. Obser-varemos, de passagem, que esse e apenas urn dos sentidos em queo termo forma e usado em Lingiiistica; a forma de uma palavra,vista como "signo", ou unidade lexical, deve distinguir-se das formasespecificas "acidentais" QU das variantes "flexionais" que a palavraassume na frase (cf 4.1.5). Desde epoca antiga, na historia da gra-matica tradicionaJ, levantou-se a questao da relacao entre as pala-vras e as "coisas" a que elas se referiam, ou que elas "signif icavam".428

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    Os filosofos gregos do tempo de Socrates, e, em seguida, Platao,propuser

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    dlci6ni4,a:,R~a.tr~;rsJ,litada combinacaode uma forma especificatofu u r n sigQ.1fi~ago;espec, itico._. . . - ' ,- - ._' : . .. . "'.. ~$i~~ifX~~j~~eitO)

    Palavra ~ . ..,... .F". 23F onna - -' - - - - - - - - - Refrre1Jt~

    9.2.3 - Sinonimia e homonimiaFundados nessa concepcao da natureza da palavra, podemos

    estabelecer a classificacao semantics das palavras em funcao da s!~nonimia e da homonimia. Poder-se-ia dizer com os anomalistas (cf.i . 2 : 3 ) que a lingua "ideal" seria aquela em que cada forma tivesseapenas urn significado e cada significado fosse associado apenas auma forma. Mas esse "ideal" provavelmente nunea foi realizado pornenhuma lingua natural. buas ou mais formas podern associar-seao mesmo significado - p. ex. hide x conceal J esconder e ocultar,.ou ingl. bi g x large (= grande) e.0 port. comprid o )( _longo, admi-tindo-se que os pares tenham 0mesmo significado. Nesse caso essespares de palavras iio sinonimos. Dois ou mais significados podemassociar-se a uma mesma forma: p. ex. bank I banco; 1) "de areia":2) "para deposito de dinheiro"; 3) (so e~ port.) "assento". Nesse casoas palavras sao homonimas. Nas.Iinguas em que a ortografia nao ternbase fonologica, pode-se, evidentemente, distinguir a homoqrcfia -como 0 ingl. lead, 1)em d og 's l ea d, "correia de cachorro", 2) madeof lead, "fei to de chumbo", ou 0 port. sede (e) e sede (e), "assento",e "secura" (alem de pI. imp. de ser) ~ e a homofonia. como 0 ing!.meat, "carne", e meet, "encontro'' , e 0 port. oes (2.a pes. do pres. ind.de ver) e vez; no s (pI. de no e pron. pes.) e nozipasso e paco. 0 quee importante notar aqui e que os homonimos, na concepcao tradi-cional, sao palavras distintas; homonimia nao e . diferenca de signifi-cado interno na palavra. Em principio, a associacao de dois au maissignificados a. uma forma e suf iciente para justificar 0 reconheci-mento de duas ou mais palavras; e essa, pelo menos, a conseqiienciateorica da concepcao tradicionaI da palavra,9.2.4 - Polissemia .

    o reconhecimento da distincao entre a identidade e a dife-renca de significado nao nos leva muito longe na semant ica. Parece430

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    claro que .~lguns significados estao "relacionados" entre si de umamaneira em que outros nao estao relacionados.j-usi Esse fato des-troi a simetria da oposicao simples entre sinonimos e homonimos.Qual. deve ser a diferenca dos significados associ ados a uma de-terminada forma para que se decida que eles sao suficientementediversos para justificar 0 reconhecimento de duas, ou mais palavras?Nas suas tentativas para demonstrar a origem "natural" dalinguagern,os gregos introduziram varies principios que abrangessem a extensaoda area recoberta pelo significado de umapalavra alern do seu,significado "natural" ou "verdadeito'' (1.2.2.). 0 mais importantedesses principios era a metafora ("transferencia"), baseada na cone-xao "natural'l'entre 0 referente prirnario e 0 secundario de uma pa-lavra . Poder-se-iam encontrar exemplos de extensao "metaforica"na apl icacao de palavras como mouth I boca, head I cabeca.foot / pe,le g / p ern a a "esgotos", "pessoas que ocuparn posicao de autoridade","rnorros" e "mesas", respectivamente, Em cada caso pode-se discerniralguma semelhanca de forma ou funcao entre os referentes. Variesoutros tipos de "extensao" ou "transferencia" de significados foramreconhecidos pelos gramaticos gregos e passaram para os trabalhostradicionais de retor ica, de logica e de semantica, Assim, significadosmais ou menos c1aramente "relacionados" de acordo com tais prin-cipios nao sao vistos tradicionalmente como suflcienternente dife-rentes para justificar 0 reconhecimento de palavras distintas. 0 se-rnanticista tradicional nao diria que boca em "boca de urn esgoto" .e boca como "parte da cabeca" _~.~Q.hpm6nimos; diria antes que apalavra boca tem dois significados relacionados. Acrescenta-se assimit sinonimia e it homonimia 0 que, nos tratados mais recentes desemantica tradicional, se tern denominado significado multiplo ou_zzqjissemia. A distincao entre homonimia e po1issemia e evidente naorganizacao dos dicionarios que costumamos usar: 0 que 0 lexi-cografo classifica como "homonimos" sera al istado como palavrasdiferentes, ao passo que os signifieados multiples duma palavraterao uma unica entrada no dicionario.A distincao entre homonimia e polissemia e indeterminada earbitraria. Depende, em ultima analise, do juizo do lexicografo sobrea plausibilidade da "extensao" do significado, au de alguma provahistorica de ter ocorrido particular extensao. A arbitrariedade dadistincao entre homonimia e polissemia se reflete nas discrepanciasde classificacao entre di ferentes dicionarios: no sec. XIX, essa arbi-trariedade nao diminuiu, antes aumentou, com 0 aperfeicoamentodos metodos para 0 estudo da etimologia, Eis urn exemplo: os maismodernos dicionarios do Ingles reeonhecem como duas palavras

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