M Probióticos, prebióticos e simbióticos: mitos e fatos

7
N° 44 / Fevereiro de 2019 M Probióticos, prebióticos e simbióticos: mitos e fatos Microbiota intestinal: uso de probióticos, prebióticos e simbióticos Hania Szajewska (Polônia) Oligossacarídeos do leite materno versus oligossacarídeos prebióticos Clemens Kunz (Alemanha) É realmente necessário que os probióticos estejam "vivos"? Yvan Vandenplas (Bélgica) ©2019, Nestlé Nutrition Institute CH–1800 Vevey Suíça

Transcript of M Probióticos, prebióticos e simbióticos: mitos e fatos

Page 1: M Probióticos, prebióticos e simbióticos: mitos e fatos

N° 44 / Fevereiro de 2019

M Probióticos, prebióticos e simbióticos: mitos e fatosMicrobiota intestinal: uso deprobióticos, prebióticos e simbióticosHania Szajewska (Polônia)

Oligossacarídeos do leite materno versus oligossacarídeos prebióticosClemens Kunz (Alemanha)

É realmente necessário que os probióticos estejam "vivos"?Yvan Vandenplas (Bélgica)

©2019, Nestlé Nutrition Institute CH–1800 Vevey Suíça

Page 2: M Probióticos, prebióticos e simbióticos: mitos e fatos

thenest

2 3

A microbiota intestinal saiu

do esquecimento

O termo “microbiota intestinal” se refere

aos microrganismos (bactérias, vírus ou eu-

cariotos) presentes no intestino. Esse sis-

tema tem impacto significativo nos proces-

sos imunológicos,nutricionais e fisiológicos

[1], além de estar relacionado à saúde e ser

considerado por alguns como um novo

órgão do corpo humano. Embora denomi-

nada com frequência de “o órgão esque-

cido” [2], a microbiota intestinal saiu desse

esquecimento. Ela é hoje, pelo contrário,

assunto de interesse em termos de

pesquisa, conforme demonstram o número

cada vez maior de artigos científicos sobre

o tema e a cobertura da imprensa leiga, re-

presentada por programas de TV e rádio e

pelas mídias sociais.

Disbiose

Disbiose é a alteração da composição e/ou

da atividade da microbiota intestinal. Além

disso, pode-se considerar a baixa di-

versidade microbiana do intestino como um

marcador de disbiose. Além de outros fa-

tores, como aspectos genéticos ou ambien-

tais, a disbiose contribui, pelo menos em

parte, para o desenvolvimento e a pro-

gressão de doenças como alergias, obe-

sidade, síndrome do intestino irritável, en-

terocolite necrosante, diabetes tipo 1 e

autismo [3]. Ainda não está claro, entretanto,

quais são exatamente os mecanismos sub-

jacentes envolvidos nesses processos. As-

sim, ainda não se sabe se as alterações da

microbiota intestinal constituem a causa ou

a consequência desses distúrbios, con-

siderando-se o fato de que não se identifi-

cou uma “assinatura da microbiota” em

nenhuma dessas condições. A falta de

métodos padronizados de avaliação da mi-

crobiota pode ser a responsável pelas incon-

sistências observadas em diversos estudos.

Vários deles, porém, já documentaram a as-

sociação entre a baixa diversidade da micro-

biota intestinal, que pode ser considerada

um marcador de disbiose, e a presença de

doenças. Com base em uma perspectiva

funcional, a baixa diversidade microbiana do

intestino pode associar-se à redução do

número de bactérias produtoras de butirato,

ao aumento do potencial de degradação do

muco, à redução da capacidade de pro-

dução de hidrogênio e de metano (em com-

binação com a elevação do potencial de for-

mação de sulfeto de hi-drogênio) e ao

aumento da condição de lidar com o es-

tresse oxidativo [4].

Modulação da microbiota intestinal

O uso de probióticos, prebióticos ou simbió-

ticos destinados ao microbioma intestinal

pode beneficiar a saúde e reduzir o risco de

doenças em seres humanos. Outros méto-

dos, não abordados aqui, abrangem os anti-

bióticos e os transplantes de microbiota fecal.

Probióticos

Probióticos são “microrganismos vivos que,

quando administrados em quantidades

adequadas, conferem benefício à saúde do

hospedeiro” [5]. Os probióticos mais comu-

mente utilizados são as espécies

Bifidobacterium e Lactobacillus e uma es-

pécie de fungo (Saccharomyces boulardii).

Os possíveis mecanismos de ação mais

importantes dos probióticos são:

• produção de metabólitos, como ácidos

graxos de cadeia curta, cuja maioria é com-

posta de acetato, propionato e butirato;

• modulação da composição e/ou da ativi-

dade da microbiota do hospedeiro (por

meio de colonização, por exemplo);

• melhora da integridade da barreira epitelial

do intestino;

• modulação do sistema imune do hospe-

deiro;

• adesão à mucosa e ao epitélio intestinal,

com inibição da adesão e/ou do cresci-

mento de patógenos;

• produção de enzimas (como a lactase, que

promove a digestão da lactose);

• produção de bacteriocinas.

A Tabela 1 mostra um resumo dos efei-

tos clínicos dos probióticos em crianças [6].

Considerando-se o fato de que muitos dos

efeitos dos probióticos são específicos de

cada cepa, deve-se focar as cepas indivi-

duais, e não os probióticos em geral. Não

se deve extrapolar os efeitos clínicos nem

a segurança de um probiótico individual

nem de uma combinação de probióticos

para outros produtos da mesma classe. A

Tabela 2 apresenta um guia sobre a melhor

escolha de um probiótico.

Mensagens principais

• Uma microbiota intestinal saudável é es-

sencial para a saúde. Por outro lado, a

alteração da composição e/ou da ativi-

dade da microbiota intestinal (disbiose)

contribui para o desenvolvimento de

doenças.

• O uso de probióticos e/ou de prebióticos

destinados à microbiota intestinal pode

prevenir doenças.

• Nem todos os probióticos e/ou prebióti-

cos são iguais. Deve-se avaliar separa-

damente os efeitos clínicos e a segu-

rança de cada um deles antes de usá-los

de forma isolada ou em combinação.

• Não se deve encorajar o uso de probió-

ticos nem de prebióticos sem evidên-

cias de seus benefícios à saúde.

Microbiota intestinal: uso de probióticos, prebióticos e simbióticos

H a n i a S z a j e w s k a , M D

Departamento de Pediatria, The Medical University of Warsaw Varsóvia, Polônia

[email protected] Tabela 1: Efeitos dos probióticos em crianças [6]

Condição Exemplos de probióticos com evidências de eficácia

Tratamento da gastroenterite aguda ESPGHAN, WGO LGG*; S. boulardii (recomendação forte) L. reuteri DSM 17938 (recomendação fraca)

Prevenção da diarreia associada ao uso de antibióticos

ESPGHANLGG; S. boulardii (recomendação forte)

Prevenção da diarreia nosocomial ESPGHAN LGG (recomendação forte)

Prevenção das infecções do trato respiratório

LGG

Prevenção do eczema A WAO sugere o uso de probióticos em populações de alto risco específicas. Não há, entretanto, indicação clara sobre que cepa(s) deve(m) ser utilizada(s)[recomendação condicional].

Desenvolvimento de tolerância em lactentes com alergia ao leite de vaca

LGG

Prevenção da enterocolite necrosante Não há indicações claras sobre que cepa(s) deve(m) ser utilizada(s)

Infecção por H. pylori ESPGHAN: não recomendado

Cólica infantil (tratamento) L. reuteri DSM 17938 (uso bem docu-mentado em lactentes amamentados)

Cólica infantil (prevenção) L. reuteri DSM 17938

Dor abdominal funcional LGG

Manutenção da remissão na colite ulcerativa

E. coli Nissle 1917; VSL#3

Indução de remissão na doença de Crohn ECCO/ESPGHAN: não recomendado

Constipação funcional ESPGHAN/NASPGHAN: não recomendado

ECCO: European Crohn’s and Colitis Organization; ESPGHAN: European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition; LGG: Lactobacillus rhamnosus GG; NASPGHAN: North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition; WAO: World Allergy Organization; WGO: World Gastroenterology Organization. * Novos dados questionam a eficácia de LGG [16].

www.nnibrasil.com.br

Page 3: M Probióticos, prebióticos e simbióticos: mitos e fatos

Tabela 2: Como escolher um probiótico [15]

Gênero, espécie, cepa

• Deve-se utilizar somente cepas de probióticos com iden-tidade e estabilidade genética já demonstradas • Exemplo de identificação: Lactobacillus (gênero) rhamnosus (espécie) GG (cepa) ATCC 53103 (coleção de culturas microbiológicas)

Produtos com cepas múltiplas versus cepa única

• Um probiótico com cepas múltiplas não garante maior benefício. O efeito de cada produto deve ser documentado em ECRCs de delineamento adequado

Data de validade • O fabricante deve garantir:• o número mínimo de células vivas durante o prazo de validade do produto ou

• o número máximo de células vivas no momento da fabricação (sem garantia de viabilidade no fim do prazo de validade)

Requerimentos de armazenamento

• Deve-se obedecer aos requisitos de armazenamento recomendados pelos fabricantes

Dose • Não se deve presumir que determinada dose é eficaz em relação a todas as cepas

• Nem sempre uma dose maior é melhor • Deve-se utilizar regime de tratamento comprovadamente eficaz com base em ECRCs de delineamento e execução adequados à mesma indicação

Formulação • Podem ser adicionados a fórmulas infantis, alimentos, suplementos dietéticos ou medicamentos

Qualidade • Cada formulação deve ser submetida a distintos processos de controle de qualidade

Evidências • Consulte a Tabela 1 • As leis em vigor podem limitar a natureza das alegações permitidas em produtos alimentares e suplementos dietéticos

thenest

4 5

ATCC: American Type Culture Collection; ECRCs: estudos clínicos randomizados e controlados.

7 Gibson GR, Hutkins R, Sanders ME, Prescott SL, Reimer RA, Salminen SJ, et al. Expert consensus document: The International Scientific Association for Probiotics and Prebiotics (ISAPP) consensus statement on the definition and scope of prebiotics. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2017 Aug;14(8):491–502.

8 Puccio G, Alliet P, Cajozzo C, Janssens E, Corsello G, Sprenger N, et al. Effects of infant formula with human milk oligosac-charides on growth and morbidity: a randomized multicenter trial. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2017 Apr;64(4):624–31.

9 Marriage BJ, Buck RH, Goehring KC, Oliver JS, Williams JA. Infants fed a lower calorie formula with 2 FL show growth and 2 FL uptake like breast-fed infants. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2015 Dec;61(6):649–58.

10 Skórka A, Piescik-Lech M, Kołodziej M, Szajewska H. Infant formulae supplemented with prebiotics: are they better than unsupplemented formulae? An updated systematic review. Br J Nutr. 2018 Apr;119(7):810–25.

11 Lohner S, Küllenberg D, Antes G, Decsi T, Meerpohl JJ. Prebiotics in healthy infants and children for prevention of acute infectious diseases: a systematic review and meta-analysis. Nutr Rev. 2014 Aug;72(8):523–31.

12 Cuello-Garcia CA, Fiocchi A, Pawankar R, Yepes-Nuñez JJ, Morgano GP, Zhang Y, et al. World Allergy Organization-McMaster University Guidelines for Allergic Disease Prevention (GLAD-P): Prebiotics. World Allergy Organ J. 2016 Mar 1;9:10.

13 Panigrahi P, Parida S, Nanda NC, Satpathy R, Pradhan L, Chandel DS, et al. A randomized synbiotic trial to prevent sepsis among infants in rural India. Nature. 2017 Aug 24;548(7668):407–12. Erratum in: Nature. 2017 Nov 29.

14 Chang YS, Trivedi MK, Jha A, Lin YF, Dimaano L, García-Romero MT. Synbiotics for prevention and treatment of atopic dermatitis: a meta-analysis of randomized clinical trials. JAMA Pediatr. 2016 Mar;170(3):236–42.

15 https://isappscience.org16 Schnadower D, Tarr PI, Casper TC,

Gorelick MH, Dean JM, O'Connell KJ, et al. Lactobacillus rhamnosus GG versus placebo for acute gastroenteritis in children. N Engl J Med. 2018 Nov 22;379(21):2002–2014.

Quais são os próximos passos?

É necessário entender melhor a relação

entre microbiota, saúde e doença para de-

senvolver moduladores da microbiota in-

testinal de última geração. Depois de de-

senvolvidos, será preciso avaliar esses

agentes em estudos randomizados e con-

trolados de delineamento e execução ade-

quados, além de desfechos clinicamente

relevantes. Em pediatria, tais desfechos

envolvem risco de alergias, infecções

gastrointestinais e respiratórias, so-

brepeso/obesidade e neurodesenvolvi-

mento. Deve-se, no momento, recomen-

dar apenas o uso de probióticos e/ou de

prebióticos com eficácia e segurança do-

cumentadas e de regimes (dose, formu-

lação e duração do tratamento) que se

mostraram comprovadamente eficazes

em estudos bem delineados sobre a

mesma indicação.

Prebióticos

Prebiótico é “um substrato utilizado de

forma seletiva por microrganismos hospe-

deiros que promove benefício à saúde” [7].

Um exemplo de prebióticos naturais são os

oligossacarídeos do leite materno. Certos

oligossacarídeos selecionados do leite

materno, como 2-fucosilactose e lac-

to-N-neotetraose, são atualmente adicio-

nados a algumas fórmulas infantis [8,9].

Outros exemplos de prebióticos comu-

mente utilizados e estudados são inulina,

oligofrutose, fruto-oligossacarídeos, ga-

lactofrutose e galacto-oligossacarídeos,

uma vez que aumentam as contagens fe-

cais de bifidobactérias ou de certos pro-

dutores de butirato.

Na população pediátrica, alguns prebió-

ticos específicos têm o potencial de:

• amolecer as fezes, o que pode ser benéfico

para alguns lactentes e foi documentado

de forma consistente com o uso de fórmu-

las infantis com suplemento de prebióticos

(principalmente mistura de galacto-oligos-

sacarídeos de cadeia curta e fruto-oligos-

sacarídeos de cadeia longa) [10];

• reduzir as taxas de infecções gastrointesti-

nais ou respiratórias (com evidências em

apenas alguns estudos) [11];

• reduzir a ocorrência de alergias (a Organi-

zação Mundial de Alergia recomenda o uso

de prebióticos em lactentes que não re-

cebem amamentação exclusiva; não há,

entretanto, recomendações específicas

sobre a escolha dos prebióticos a serem

utilizados) [12].

Simbióticos

“Simbióticos” é a denominação dada

à combinação de probióticos e prebióti-

cos que atuam de forma sinérgica. Os

simbióticos podem exercer efeitos mais

potentes na microbiota intestinal em com-

paração ao uso isolado de probióticos ou

de prebióticos. Há, entretanto, apenas da-

dos limitados sobre a eficácia dos simbió-

ticos em relação aos probióticos e aos

prebióticos.

Na população pediátrica, os simbióti-

cos têm o potencial de:

Referências1 Lynch SV, Pedersen O. The human intestinal

microbiome in health and disease. N Engl J Med. 2016 Dec 15;375(24):2369–79.

2 Marchesi JR, Adams DH, Fava F, et al. The gut microbiota and host health: a new clinical frontier. Gut. 2016;65:330–9.

3 Gilbert JA, Blaser MJ, Caporaso JG, Jansson JK, Lynch SV, Knight R. Current understanding of the human microbiome. Nat Med. 2018 Apr 10;24(4):392–400.

4 WGO Handbook on Gut Microbes. http://www.worldgastroenterology.org.

5 Hill C, Guarner F, Reid G, Gibson GR, Merenstein DJ, Pot B, et al. Expert consensus document. The International Scientific Association for Probiotics and Prebiotics consensus statement on the scope and appropriate use of the term probiotic. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2014 Aug;11(8):506–14.

6 Szajewska H. What are the indications for using probiotics in children? Arch Dis Child. 2016 Apr;101(4):398–403.

• reduzir o risco de sepse (a combinação

de L. plantarum ATCC 202195 com fru-

to-oligossacarídeos demonstrou ca-

pacidade de reduzir o risco de sepse

neonatal em um país em desenvolvi-

mento) [13];

• contribuir para o tratamento de dermatite

atópica em crianças com idade ≥1 ano,

com a utilização de cepas mistas de bac-

térias probióticas (que, entretanto, não po-

dem ser usadas para prevenção) [14].

www.nnibrasil.com.br

Page 4: M Probióticos, prebióticos e simbióticos: mitos e fatos

thenest

6 7

Mensagens principais

• Os oligossacarídeos do leite materno

(HMOs, do inglês human milk oligossa-

charides) e os oligossacarídeos prebióti-

cos (PBOs, do inglês prebiotic oligossa-

charides) pertencem à ampla classe dos

carboidratos, mas apresentam estrutu-

ras completamente diferentes.

• Os HMOs e os PBOs têm alto potencial

para desempenhar diversas funções.

• Até o momento, entretanto, não há es-

tudos com seres humanos que demons-

trem funções similares nem comparáveis.

Introdução

O conceito de prebiótico recebeu muita

atenção na última década. Postula-se a teo-

ria de que os oligossacarídeos prebióticos

fornecem diversos benefícios à saúde, prin-

cipalmente devido a uma influência na com-

posição ou na atividade da microbiota intes-

tinal [1-3].

Durante os últimos cinco anos, a

pesquisa sobre os oligossacarídeos do leite

materno se tornou um dos principais assun-

tos de interesse em nutrição infantil, espe-

cialmente devido ao enorme progresso na

escala de produção de alguns de seus com-

ponentes (Fig. 1). É possível, hoje, a adição

de alguns tipos de HMOs às fórmulas in-

fantis ou sua utilização para outros fins, o

que significa que estamos no início de uma

nova era da nutrição infantil [4].

Abordaremos, a seguir, algumas per-

guntas básicas.

O que são prebióticos?

A primeira definição de prebióticos foi pu-

blicada em 1995, por Gibson e Roberfroid

[5], e dizia que “prebióticos são produtos

alimentares não digeríveis que promovem

benefícios ao hospedeiro porque estimulam,

de forma seletiva, o crescimento e/ou a ati-

vidade de uma bactéria ou de um número

limitado desses microrganismos presentes

no cólon, de modo a melhorar a saúde

desse hospedeiro”. Embora essa definição

tenha sido modificada ao longo dos anos,

ainda não foi possível descrever esses com-

ponentes alimentares de forma mais especí-

fica [2], o que, entretanto, ajudaria a deter-

minar mais claramente o que é “efeito

prebiótico nos lactentes”. A afirmação de

consenso mais recente diz que prebiótico é

“um substrato utilizado de forma seletiva por

microrganismos do hospedeiro que pro-

move benefício à saúde” [3].

O que significa “efeito prebiótico

em lactentes”?

Há, nos estudos que envolvem lac-

tentes humanos, diferentes opiniões sobre

o que é “efeito prebiótico”. Esses estudos

se concentram, com frequência, em diver-

sos objetivos:

a. Determinação do número total de

bifidobactérias. Sabemos hoje, entre-

tanto, que nem todas as bifidobactérias

são capazes de utilizar os HMOs, os ga-

lacto-oligossacarídeos (GOSs) ou os fru-

to-oligossacarídeos (FOSs). É impor-

tante investigar não apenas as

subespécies de bifidobactérias como

também a interação dos diversos micror-

ganismos da microbiota dos lactentes.

b. Caso não se constate efeito na micro-

C l e m e n s K u n z

Institute of Nutritional Sciences, Justus Liebig University, Giessen, Alemanha

[email protected]

biota, os autores focam a produção de áci-

dos graxos de cadeia curta, como butirato,

acetato ou propionato, entre outros.

c. Caso também não se detectem al-

terações nesses metabólitos, os investi-

gadores se concentram no efeito sobre

a consistência das fezes para comparar,

por exemplo, os resultados dos oligos-

sacarídeos galactosilados com os da

amamentação.

Considerando-se que não há definição

Oligossacarídeos do leite materno versus oligossacarídeos prebióticos

HMOs no leite materno

Lactose

• Nível extremamente alto de diversidade estrutural

• Cerca de 150 HMOs diferentes foram identi�cados

• Quantidade total que um lactente recebe por dia: 5-15 g/L

3’SL

6’FL

TS-LNH DS-LNFP I

LNDFHLNFP III3FL

2’FLLNFP I

LNFP II

LNTLnNT

β1–4

β1–3

β1–3

β1–4

β1–3β1–4

β1–4

β1–4

β1–4

β1–4

β1–4

β1–3

β1–3

β1–4β1–4

β1–4

β1–4

β1–3

β1–3

β1–3

β1–3

β1–4

β1–4

β1–4

β1–3

β1–3

β1–3

β1–3

β1–3α1–2

α1–3

α2–6

α2–6

α2–3

α2–6

α2–3

α1–3

α1–2

α1–4

α1–4

α1–3

α1–2

α2–6

α2–3

GlcNAc Glicose Galactose Ácido siálico Fucose

Monossacarídeos

β 4

Figura 1: Exemplos da complexidade dos HMOs individuais de alto potencial para exercer funções específicas devido às diversas ligações entre os monossacarídeos. Não há nenhum outro fluido biológico que contenha tantas variações e estruturas quanto o leite materno [6].

clara do que significa “não se observou

efeito prebiótico”, surge a questão: “Como

é possível concluir que os GOSs, os FOSs

e outros PBOs apresentam o mesmo efeito

prebiótico dos HMOs?”

www.nnibrasil.com.br

Page 5: M Probióticos, prebióticos e simbióticos: mitos e fatos

thenest

8 9

Figura 2: Composição dos monossacarídeos dos oligossacarídeos do leite materno (HMOs) e dos prebióticos (PBOs) (a) e exemplos de ligações específicas (b)

a HMOs PBOs

Glicose traços +

Galactose + +

N-acetilglicosamina + –

Fucose + –

Ácido siálico (Neu5Ac) + –

Frutose – +

Xilose – +

Arabinose – +

Galacto-oligossacarídeos (GOSs)

R

Fruto-oligossacarídeos (FOSs)

HMOs

HMOs versus GOSs/FOSs

LNFP III

3‘SL2‘FL

LNnT

β1–3

α1–2 α2–3

α1–3

β1–4

β1–4β1–4

β1–4β1–4

β1–3

β1–4

Estruturas lineares: cadeiasnão rami�cadas, ligações simples

Estruturas complexas: cadeias lateraisrami�cadas, ligações especí�cas

b

Há alguma similaridade entre

os PBOs e os HMOs?

Na maioria das publicações científicas,

os PBOs são comparados e considerados

similares ou até idênticos aos HMOs, inclu-

sive nas avaliações de seus aspectos fun-

cionais. Alguns fabricantes de fórmulas in-

fantis chegam até mesmo a alegar, nas

informações ao consumidor, que ambos os

grupos de carboidratos compartilham simi-

laridades em termos de estrutura e função.

Entretanto, embora os PBOs e os

HMOs pertençam à mesma classe química

dos carboidratos, não compartilham as simi-

laridades estruturais necessárias à especu-

lação sobre funções biológicas similares. Se

houvesse similaridades estruturais, seriam

necessários estudos com seres humanos

para demonstrar definitivamente: (i) o sig-

nificado específico de “efeito prebiótico”; e

(ii) o fato de que os PBOs, assim como os

GOSs e os FOSs, apresentam os mesmos

efeitos dos HMOs entre os lactentes.

Deve-se considerar dois aspectos im-

portantes para demonstrar a diferença entre

GOSs/FOSs e HMOs: (i) a composição de

monossacarídeos; e (ii) a ligação entre eles.

O segundo aspecto é especialmente impor-

tante, uma vez que essas ligações exercem

grande influência sobre algumas pro-

priedades específicas, como mecanismos

Referências1 Hill C, Guarner F, Reid G, Gibson GR,

Merenstein DJ, Pot B, et al. Expert consensus document. The International Scientific Association for Probiotics and Prebiotics consensus statement on the scope and appropriate use of the term probiotic. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2014 Aug;11(8):506–14.

2 Hutkins RW, Krumbeck JA, Bindels LB, Cani PD, Fahey G Jr, Goh YJ, et al. Prebiotics: why definitions matter. Curr Opi Biotechnol. 2016 Feb;37:1–7.

3 Gibson GR, Hutkins R, Sanders ME, Prescott SL, Reimer RA, Salminen SJ, et al. Expert consensus document: The International Scientific Association for Probiotics and Prebiotics (ISAPP) consensus statement on the definition and scope of prebiotics. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2017 Aug;14(8):491–502.

de defesa, funções imunes e efeitos anti-in-

flamatórios.

Entre os prebióticos adicionados às

fórmulas infantis, os principais monos-

sacarídeos abrangem, por exemplo, galac-

tose, glicose, frutose, xilose e arabinose.

À exceção da glicose e da galactose, es-

ses monossacarídeos não estão pre-

sentes no leite materno (Fig. 2). Nos

HMOs, os monossacarídeos específicos

são N-acetilglicosamina, fucose e ácido

N-acetilneuramínico (ácido siálico), que não

são encontrados nos PBOs.

De onde vêm os HMOs?

Na natureza, os HMOs são produzidos ex-

clusivamente nas glândulas mamárias nos

períodos de lactação. Apenas recente-

mente se tornou possível, por diversos

meios, a produção em larga escala de al-

guns HMOs. Para diferenciar os HMOs pro-

venientes da glândula mamária dos HMOs

produzidos tecnicamente, deve-se denom-

inar os HMOs sintéticos de “HMOs idênti-

cos” (iHMOs, do inglês identical human

milk oligossacharides), considerando-se o

fato de que são iguais aos produzidos pelas

mães em período de lactação.

Os GOSs e os FOSs podem ser encon-

trados no leite materno?

Os GOSs e os FOSs não estão presentes no

leite materno. Por motivos comerciais, algu-

mas empresas concluíram que a adição de

GOSs e FOSs às fórmulas infantis as tornaria

mais parecidas com o leite materno. Não há,

entretanto, similaridade estrutural entre os

PBOs e os HMOs. Esse também é o caso

dos “oligossacarídeos galactosilados do

leite” (termo que pode ser encontrado no

rótulo de alguns produtos comerciais). Esses

GOSs do leite são formados a partir da lac-

tose, que é clivada em glicose e galactose,

ou através do alongamento da própria lac-

tose, pela adição de moléculas de galactose

em quantidades diversas. Ainda assim, es-

ses GOSs lineares curtos ou mais longos

tampouco compartilham similaridades es-

truturais com os HMOs. Não se realizou, até

o momento, nenhum estudo para comprovar

que os efeitos dos GOSs/FOSs no sistema

imune, por exemplo, são comparáveis aos

dos HMOs.

Quais são os próximos passos?

Houve, nos últimos anos, avanços impor-

tantes na área dos prebióticos, principal-

mente devido ao progresso da compreensão

do papel da microbiota na saúde e na doença.

São definitivamente necessárias estratégias

eficazes para garantir a saúde da microbiota.

Nesse contexto, seria adequada a utilização

precisa do termo “prebióticos”, mas isso

também requer definição mais específica.

4 Kunz C, Kuntz S, Rudloff S. Bioactivity of human milk oligosaccharides. In Moreno FJ, Sanz ML (eds). Food Oligosaccharides: Production, Analysis, and Bioactivity. Chichester; John Wiley & Sons, Inc. 2014. p 5–17. ISBN: 978–1–118–42649–4.

5 Gibson GR, Roberfroid MB. Dietary modulation of the human colonic microbiota: introducing the concept of prebiotics. J Nutr. 1995 Jun;125(6):1401–12.

6 Morozov V, Hansmann G, Hanisch FG, Schroten H, Kunz C. Human milk oligosaccharides as promising antivirals. Mol Nutr Food Res. 2018 Mar;62(6): e1700679.

www.nnibrasil.com.br

Page 6: M Probióticos, prebióticos e simbióticos: mitos e fatos

thenest

10 11

Mensagens principais

• Os potenciais efeitos benéficos de

saúde dos microrganismos “não vivos”

merecem estudos mais acurados, con-

siderando-se o fato de que é muito mais

fácil produzi-los e preservá-los em com-

paração aos organismos vivos.

• Alguns dados sugerem que partículas de

microrganismos e/ou seus metabólitos

podem ser suficientes para induzir efei-

tos imunológicos.

• São necessárias mais evidências sobre

os benefícios potenciais dos micror-

ganismos não viáveis.

O que significa “probiótico”? Alguns

pesquisadores conferem à palavra uma eti-

mologia completamente grega; ela, entre-

tanto, parece composta da preposição la-

tina pro (“em favor de”) e do adjetivo grego

βιωτικός (biōtikos, “adequado para a vida,

vivo”), que deriva do substantivo βίος (bíos,

“vida”). Os probióticos são definidos como

microrganismos vivos que, quando utiliza-

dos em quantidades adequadas, pro-

movem benefícios à saúde do hospedeiro.

Embora a definição de “probiótico” des-

creva microrganismos ingeridos “vivos”, é

importante perguntar se os microrganis-

mos mortos também podem fornecer

benefícios à saúde. Há, obviamente, evi-

dências muito maiores e mais fortes dos

efeitos benéficos à saúde ligados a bac-

térias “vivas” em relação às “mortas”. O

principal motivo dessa diferença se deve

ao simples fato de que as bactérias vivas

foram muito mais amplamente estudadas

do que as mortas. O que se sabe sobre

“bactérias não vivas”?

A literatura sobre a eficácia dos micror-

ganismos probióticos mortos por calor é

crescente. Um exemplo: Lactobacillus LB

são utilizados no tratamento de gastroen-

terite aguda [1]. Outros produtos demons-

traram eficácia no tratamento de cólica in-

fantil [2]. Os probióticos baseados em

esporos, ou esporobióticos, consistem na

parede celular de microrganismos Bacillus.

A publicidade leiga e as alegações a favor

dos esporobióticos são impressionantes:

“Considerando-se as capacidades únicas

dos esporobióticos, os cientistas acreditam

que esses microrganismos podem benefi-

ciar indivíduos com problemas de saúde,

como autismo, distúrbios neurológicos e

doenças relacionadas ao sistema imune.

Além disso, os probióticos baseados em

esporos podem ajudar a fortalecer o or-

ganismo contra agressores ambientais,

como campos eletromagnéticos, pesti-

cidas e poluição do ar”. Há, entretanto,

muito poucas informações na literatura

científica. O termo “pós-biótico” foi intro-

duzido para descrever um produto que

contém microrganismos mortos e seus

metabólitos: fatores solúveis (produtos ou

subprodutos metabólicos) secretados por

bactérias vivas ou liberados após lise bac-

teriana, como enzimas, peptídeos, ácidos

teicoicos, polissacarídeos, proteínas de su-

perfície celular e ácidos orgânicos. Demons-

trou-se que alguns probióticos mortos são

capazes de modular o sistema imune (com-

postos da parede celular podem fortalecer

o sistema imune) e apresentam maior

adesão às células intestinais, de modo a fa-

vorecer a inibição de patógenos (Tabela 1).

Y v a n V a n d e n p l a s

Departamento de Pediatria, Vrije Universiteit Brussel, Bruxelas, Bélgica

[email protected]

Já há algumas décadas é possível en-

contrar fórmulas infantis fermentadas em

muitos países. Essas fórmulas contêm bac-

térias “assassinadas” durante o processo

de produção/fermentação, o que resulta na

presença de bactérias mortas e de seus

metabólitos no produto final [3]. Cinco en-

saios randomizados e controlados que en-

volveram 1.326 lactentes e compararam

fórmulas fermentadas com fórmulas de

rotina não fermentadas demonstraram que

o ganho de peso e de estatura durante o

período de estudo foi similar. Além disso,

as fórmulas infantis fermentadas podem re-

duzir alguns sintomas digestivos. As evi-

dências atuais, entretanto, não corroboram

o uso de fórmulas fermentadas na pre-

venção de alergia ao leite de vaca [3].

Em conclusão, os potenciais efeitos

benéficos de saúde dos microrganismos

mortos merecem estudos mais acurados,

considerando-se o fato de que é muito mais

fácil produzi-los e preservá-los em relação

aos organismos vivos. Embora pareça

provável a necessidade de microrganismos

vivos para restaurar ou influenciar a com-

posição da microbiota intestinal, também

parece provável que as partículas dos mi-

crorganismos e/ou de seus metabólitos se-

jam suficientes para induzir efeitos imu-

nológicos. São, entretanto, necessárias

mais evidências sobre os benefícios poten-

ciais dos microrganismos não viáveis. No

momento atual, a legislação e as alegações

estão muito aquém da imaginação dos mar-

queteiros.

É realmente necessário que os probióticos estejam "vivos"?

Referências1 Salazar-Lindo E, Figueroa-Quintanilla D,

Caciano MI, Reto-Valiente V, Chauviere G, Colin P; Lacteol Study Group. Effectiveness and safety of Lactobacillus LB in the treatment of mild acute diarrhea in children. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2007 May;44(5):571–6.

2 Vandenplas Y, Bacarea A, Marusteri M, Bac-area V, Constantin M, Manolache M. Efficacy and safety of APT198K for the treatment of infantile colic: a pilot study. J Comp Eff Res. 2017 Mar;6(2):137–44.

3 Szajewska H, Skórka A, Piescik-Lech M. Fermented infant formulas without live bacteria: a systematic review. Eur J Pediatr. 2015 Nov;174(11):1413–20.

Tabela 1: Principais características de probióticos e pós-bióticos

Probióticos Pós-bióticos

Definição Microrganismos vivos que, quando consumi-dos em quantidades adequadas, promovem benefício à saúde do hospedeiro

Microrganismos mortos e seus metabólitos: fatores solúveis secretados por bactérias vivas ou liberados após lise bacteriana

Exemplos Espécies Bifidobacterium e Lactobacillus Saccaromyces boulardii (uma espécie de fungo)

Enzimas, peptídeos, ácidos teicoicos, muro-peptídeos derivados de peptidoglicano, proteínas de superfície celular e ácidos orgânicos

Comentários adicionais • Alguns benefícios para a saúde promovidos por cepas específicas são bem documentados (consulte também a Tabela 1, no artigo de H. Szajewska, nesta publicação)

• Nem todos os probióticos são iguais; benefícios à saúde específicos de cada cepa

• Alguns benefícios potenciais podem ser atribuídos aos pós-bióticos, mas são necessárias mais evidências

• É necessário entender melhor o impacto dos diversos metabólitos produzidos por bactérias específicas

www.nnibrasil.com.br

Page 7: M Probióticos, prebióticos e simbióticos: mitos e fatos

To learn more about the Nestlé Nutrition Institute and Wyeth Nutrition Science Center resources, visit: www.nestlenutrition-institute.orgwww.wyethnutritionsc.org

Este impresso é protegido por copyright. Pode, entretanto, ser reproduzido sem permissão prévia por escrito do Nestlé Nutrition Institute ou de S. Karger AG,mas se deve incluir uma referência à publicação original.

O conteúdo deste impresso não foi publicado anteriormente, exceto nas situações em que foram dados os devidos créditos à fonte de onde se obtiveram alguns dos materiais ilustrativos.

Além disso, as informações contidas neste impresso foram preparadas com diligência para garantir sua precisão. Entretanto, nem o Nestlé Nutrition Institute nem S. Karger AG poderão ser responsabilizados por erros ou qualquer consequência decorrente do uso das informações contidas neste material.

Publicado por S. Karger AG, Suíça

© Copyright 2019 de Nestlé Nutrition Institute, Suíça

ISSN 1270 – 9743

Para saber mais sobre os recursos do Nestlé Nutrition Institute e do Wyeth Nutrition Science Center, acesse:

No. 44 / February 2019

M Pro-, Pre-, and Synbiotics:

Myths and Facts

Gut Microbiota and Probiotics,

Prebiotics, and Synbiotics

Hania Szajewska (Poland)

Human Milk Oligosaccharides

versus Prebiotic Oligosaccharides

Clemens Kunz (Germany)

Do Probiotics Really Need

to Be "Alive"?

Yvan Vandenplas (Belgium)

©2019, Nestlé Nutrition Institute

CH–1800 Vevey

Switzerland