MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Execução Fiscal e Reforma Do CPC. RDDT

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A REFORMA NO CPC E A SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL PELA OPOSIÇÃO DOS EMBARGOS Hugo de Brito Machado Segundo Advogado, Mestre em Direito pela UFC Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor) Membro do ICET – Instituto Cearense de Estudos Tributários Professor de Processo Tributário da pós-graduação da Unifor Professor da Faculdade Christus, e da Faculdade Farias Brito Raquel Cavalcanti Ramos Machado Advogada, Mestra em Direito pela UFC Membro do ICET – Instituto Cearense de Estudos Tributários Professora da Faculdade Sete de Setembro, e da Faculdade Farias Brito 1. Introdução Tão logo publicada a Lei 11.382/2006, que veiculou importante reforma no processo de execução de título extrajudicial, disciplinado pelo Código de Processo Civil (CPC), cogitamos de escrever artigo sobre suas repercussões no processo tributário, notadamente no processo de execução fiscal. Leitura atenta das modificações, porém, fez-nos desistir. Tais reflexos não teriam tanta expressividade; seriam diminutos, em face da existência de disciplinamento próprio, na Lei 6.830/80, com o qual a maior parte das modificações havidas no CPC não seria compatível. Entretanto, iniciada a vigência da lei, logo surgiram decisões judiciais nas quais se consideram aplicáveis essas substanciais alterações à execução fiscal. Sobretudo no que toca à ausência de efeito suspensivo ex lege dos embargos à execução. 1 Resolvemos, por isso, retomar nossas reflexões e elaborar este texto, no qual, dos vários aspectos da reforma que poderiam ser examinados, colhemos para análise apenas esse: a ausência de efeito suspensivo ex lege dos embargos à execução disciplinados pelo CPC, e a possível aplicabilidade dessa modificação ao processo executivo fiscal. 2. Embargos do executado e suspensão da execução no âmbito do CPC No que diz respeito aos efeitos, sobre o curso da execução, causados pela oposição dos embargos, a modificação trazida pela Lei 11.382/2006 consistiu na revogação do § 1.º do art. 1 Cf., v.g., decisões monocráticas de Desembargadores do TRF da 1.ª Região (RDDT 148:166), do TRF da 3.ª Região (RDDT 148:180), do TRF da 4.ª Região (RDDT 145:193), e do TRF da 5.ª Região (RDDT 145:196). MACHADO SEGUNDO, Hugo de brito. ; MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos . A reforma do CPC e a suspensão da execução fiscal pela oposição dos embargos. Revista Dialética de Direito Tributário, v. 151, p. 59-66, 2008.

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Artigo sobre a (não) aplicabilidade de algumas das alterações feitas no processo de execução regido pelo CPC às execuções fiscais.

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A REFORMA NO CPC E A SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL PELA OPOSIÇÃO DOS EMBARGOS

Hugo de Brito Machado SegundoAdvogado, Mestre em Direito pela UFC

Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor)Membro do ICET – Instituto Cearense de Estudos TributáriosProfessor de Processo Tributário da pós-graduação da UniforProfessor da Faculdade Christus, e da Faculdade Farias Brito

Raquel Cavalcanti Ramos MachadoAdvogada, Mestra em Direito pela UFC

Membro do ICET – Instituto Cearense de Estudos TributáriosProfessora da Faculdade Sete de Setembro, e da Faculdade Farias Brito

1. IntroduçãoTão logo publicada a Lei 11.382/2006, que veiculou importante reforma no processo

de execução de título extrajudicial, disciplinado pelo Código de Processo Civil (CPC), cogitamos de escrever artigo sobre suas repercussões no processo tributário, notadamente no processo de execução fiscal. Leitura atenta das modificações, porém, fez-nos desistir. Tais reflexos não teriam tanta expressividade; seriam diminutos, em face da existência de disciplinamento próprio, na Lei 6.830/80, com o qual a maior parte das modificações havidas no CPC não seria compatível.

Entretanto, iniciada a vigência da lei, logo surgiram decisões judiciais nas quais se consideram aplicáveis essas substanciais alterações à execução fiscal. Sobretudo no que toca à ausência de efeito suspensivo ex lege dos embargos à execução.1 Resolvemos, por isso, retomar nossas reflexões e elaborar este texto, no qual, dos vários aspectos da reforma que poderiam ser examinados, colhemos para análise apenas esse: a ausência de efeito suspensivo ex lege dos embargos à execução disciplinados pelo CPC, e a possível aplicabilidade dessa modificação ao processo executivo fiscal.

2. Embargos do executado e suspensão da execução no âmbito do CPCNo que diz respeito aos efeitos, sobre o curso da execução, causados pela oposição dos

embargos, a modificação trazida pela Lei 11.382/2006 consistiu na revogação do § 1.º do art.

1 Cf., v.g., decisões monocráticas de Desembargadores do TRF da 1.ª Região (RDDT 148:166), do TRF da 3.ª Região (RDDT 148:180), do TRF da 4.ª Região (RDDT 145:193), e do TRF da 5.ª Região (RDDT 145:196).

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739 do CPC, segundo o qual os embargos do executado deveriam ser sempre recebidos no efeito suspensivo. Mas não só: a Lei inovou com a inclusão de um art. 739-A, que dispõe:

“Art. 739-A. Os embargos do executado não terão efeito suspensivo.

§ 1o O juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando, sendo relevantes seus fundamentos, o prosseguimento da execução manifestamente possa causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação, e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes.

§ 2o A decisão relativa aos efeitos dos embargos poderá, a requerimento da parte, ser modificada ou revogada a qualquer tempo, em decisão fundamentada, cessando as circunstâncias que a motivaram.

§ 3o Quando o efeito suspensivo atribuído aos embargos disser respeito apenas a parte do objeto da execução, essa prosseguirá quanto à parte restante.

§ 4o A concessão de efeito suspensivo aos embargos oferecidos por um dos executados não suspenderá a execução contra os que não embargaram, quando o respectivo fundamento disser respeito exclusivamente ao embargante.

§ 5o Quando o excesso de execução for fundamento dos embargos, o embargante deverá declarar na petição inicial o valor que entende correto, apresentando memória do cálculo, sob pena de rejeição liminar dos embargos ou de não conhecimento desse fundamento.

§ 6o A concessão de efeito suspensivo não impedirá a efetivação dos atos de penhora e de avaliação dos bens.”

Suscita-se, então, o questionamento em torno da aplicabilidade desse artigo à execução fiscal, sobretudo de seu caput e § 1o. O que significa indagar: mesmo tendo garantido a satisfação do débito e embargado a execução questionando-a integralmente, ainda teria o contribuinte de pleitear a atribuição de efeito suspensivo aos embargos? Indeferido esse pleito, a execução poderia continuar, de forma definitiva, com a alienação dos bens dados em garantia, ou a conversão em renda da quantia depositada, independentemente do processamento dos embargos?

Para responder a essa questão, tem-se afirmado ser preciso saber apenas se a lei de execuções fiscais possui dispositivo que atribua expressamente efeito suspensivo ex lege aos embargos. Se não possuir – e muitos não vêem nela essa disposição (talvez por não terem sequer procurado) – a aplicação subsidiária do CPC seria decorrência lógica.

Consideramos, porém, que é importante examinar, além do que literalmente dispõe a Lei 6.830/80, eventuais características que diferenciem essencialmente a execução fiscal, disciplinada por essa lei, da execução dos demais títulos executivos extrajudiciais, regulada pelo CPC. Afinal, para que se verifique se a norma é a mesma, ou se é diversa, para as duas execuções, é importante constatar se os mesmos são os fatos, e os valores que se lhes devem atribuir.

3. Algumas notas sobre as particularidades da execução fiscal

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Eventualmente, verifica-se a tendência de transplantar para o processo de execução fiscal novidades surgidas em outras espécies de processo de execução. Foi o que aconteceu com a impropriamente chamada “penhora on-line”, de que cuida o art. 185-A do CTN, inicialmente utilizada no âmbito da Justiça do Trabalho. E, agora, é o que ocorre com as alterações levadas a efeito no CPC pela Lei 11.382/2006.

É preciso notar, porém, que a execução de uma sentença envolve a satisfação de um direito reconhecido por uma decisão judicial. Vale dizer, trata-se da deliberação de um terceiro, em tese imparcial, em relação à qual as partes implicadas puderam interferir, produzir provas, argumentar, recorrer etc. Em suma: uma decisão que se legitima pelo procedimento que a antecede, o qual é construído de forma a reduzir, na máxima medida possível, a possibilidade de erros ou excessos.

As coisas não acontecem do mesmo modo na formação dos títulos executivos extrajudiciais, razão pela qual a execução destes últimos deve considerar de forma mais intensa a possibilidade de ser indevido o valor cuja satisfação se requer. Não é por outra razão, aliás, que são muito mais amplas, nesses casos, as possibilidades de oposição por parte daquele apontado como devedor.

A propósito, quando se analisam os títulos executivos extrajudiciais, verifica-se que, em regra, são eles formados pela vontade do devedor. Afinal, é dele a assinatura no cheque, na nota promissória, ou no contrato. Foi sua manifestação de vontade que fez nascer a relação jurídica obrigacional, e o título no qual está representada com força executiva. No caso da execução fiscal, não. O título é originado no âmbito da chamada autotutela vinculada de que a Administração Pública é dotada. Por outras palavras: a Administração constitui seus próprios títulos executivos, unilateralmente.2

Por outro lado, se um credor privado age com excesso e recebe quantia superior à devida por seu devedor, este último poderá, com os mesmos instrumentos, obter o devido ressarcimento. Tem igualdade de instrumentos processuais. No caso da Fazenda Pública, não. Satisfeito o crédito tributário por meio de expedientes açodados, a posterior constatação de que o mesmo não era devido impõe ao contribuinte o manejo de ação de conhecimento, cuja efetividade submete-se aos seguintes óbices: (i) a execução da sentença somente pode ocorrer após o trânsito em julgado do processo de conhecimento; (ii) caso haja embargos à execução de sentença, a satisfação da parte embargada há de aguardar o trânsito em julgado da sentença de rejeição dos embargos (e não só a sentença de improcedência em primeira instância); (iii) depois de tudo isso, a satisfação do crédito ainda depende da sistemática de precatórios, eventualmente submetida a emendas constitucionais que os parcelam em até 10 anos, ou a leis que condicionam o seu pagamento à apresentação de toda a sorte de certidões negativas de débito.

Está claro, nesse contexto, que eventual excesso na cobrança de um crédito tributário não é reparado da mesma forma que o excesso na cobrança de um crédito executado, por um particular contra outro, nos moldes do CPC. Isso recomenda, no primeiro caso, cautela ainda maior que no segundo, aspecto que se soma à já mencionada forma, também diferenciada, por meio da qual se dá a unilateral constituição do crédito tributário.

2 Nesse sentido: Igor Mauler Santiago e Frederico Menezes Breyner, “Eficácia suspensiva dos Embargos à execução fiscal em face do art. 739-A do Código de Processo Civil”, em Revista Dialética de Direito Tributário n.º 145, p. 54 e ss.

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Assim, ainda que o regramento da questão pela lei de execuções fiscais permitisse o avanço da Fazenda exeqüente no patrimônio do executado, para que esta obtivesse a satisfação da quantia por ela própria apurada e tida como devida, isso não poderia ocorrer, sob pena de violação ao substantive due process of law (CF/88, art. 5.º, LIV), e aos princípios da ampla defesa e do amplo acesso ao judiciário (CF/88, art. 5.º, XXXV e LV). De fato, permitir-se-ia, com tal sistemática, que um credor obtivesse a quantia considerada devida, diretamente de quem apontasse como seu devedor, sem qualquer possibilidade de um controle jurisdicional prévio, o que implicaria o retorno, na prática, da odiosa regra do solve et repete.

4. A evolução histórica da reforma do CPCA aplicação direta do art. 739-A do CPC à execução fiscal implica desprezo à lógica

da evolução pela qual tem passado o Código, bem como à evolução específica do processo tributário. E isso pode levar a grave desequilíbrio entre o direito das partes no processo de execução fiscal.

Realmente, desde a modificação do art. 273 no CPC, autorizando a antecipação dos efeitos da tutela, o processo de conhecimento vem passando por constantes alterações para possibilitar a efetivação da prestação jurisdicional. Agora, essa busca chega ao processo de execução.

De um modo geral, as alterações operadas no Código no processo de conhecimento trouxeram vantagens e sacrifícios para os jurisdicionados como um todo, já que, via de regra, qualquer pessoa pode ser autora ou ré, dependendo apenas das circunstâncias. É como se a legislação e doutrina estivessem buscando incentivar o julgador a atuar com coragem de concretizar o princípio da efetividade da tutela jurisdicional, como que a dizer: entregue ao jurisdicionado tudo aquilo a que ele tem direito, do modo mais célere possível, ainda que para isso tenha que ultrapassar uma garantia processual, antes tida como insuperável.

Ocorre que no processo tributário, apesar de a necessidade de tornar as decisões finais efetivas ser a mesma, e de a Fazenda, como qualquer outro sujeito processual, também praticar atos que põem em risco essa efetividade, várias outras normas foram publicadas especificamente com o fim de impedir a aplicação de normas reformadoras que poderia tornar o processo de conhecimento mais efetivo. Para conseguir validar raciocínios dessa natureza, por exemplo, o Poder Executivo criou todo um marketing anti-liminar, contra o contribuinte, como se o julgador que concedesse pedido dessa natureza estivesse a fazer um desfavor para a sociedade. O marketing realmente surtiu efeito, vários juízes ficaram temerosos e a Fazenda Pública tornou-se uma parte com privilégios inaceitáveis. Isso para não referir o esvaziamento da tutela coletiva em matéria tributária (através de ação civil pública), e, o pior, a figura da suspensão da liminar, e de segurança, que, não bastasse já autoritária em seu nascedouro, foi ainda assaz hipertrofiada por leis (e medidas provisórias “tornadas definitivas” pela EC 32/2001) que, paralelamente à reforma que fizeram para tornar efetiva a tutela jurisdicional entre particulares, levaram a efeito uma “contra-reforma” visando a aniquilar essa efetividade quando a parte demandada for a Fazenda Pública.

Mas bem. Depois de orientado o julgador, no processo de conhecimento, para agir em favor daquele que realmente necessitava, o legislador entendeu ser necessário orientá-lo para agir, em algumas situações, de forma semelhante no processo de execução, com mais vigor. Esse o espírito das mais recentes reformas.

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E no processo tributário o que ocorre? Em nome da efetividade da tutela, há quem pretenda aplicar os dispositivos reformados do CPC ao processo de execução, ignorando que outrora, diante da reforma do processo de conhecimento feita também em nome da efetividade, algumas dessas mudanças legislativas foram afastadas sob o argumento de que à Fazenda deve ser dispensado tratamento específico. Veja-se: ao contribuinte é negado ou restringido o direito à efetividade no processo de conhecimento, e no processo de execução (contra a Fazenda), mas, no processo de execução contra ele, é assegurado ao credor, no caso o Estado, toda a efetividade – situação desigual e, por isso mesmo, inteiramente discorde com o Estado de Direito.

5. O disciplinamento da Lei 6.830/80 e os limites da aplicação subsidiária do CPCOs apontamentos dos itens anteriores já demonstram que a execução fiscal não

necessariamente deve submeter-se ao mesmo rito previsto para as demais execuções, nas quais se busca a satisfação de direito reconhecido em sentença, ou pressuposto em título formado pela vontade do executado. São aspectos que, evidentemente, devem ser levados em consideração, pelo intérprete, no momento de atribuir sentido aos textos normativos e, assim, determinar a norma jurídica aplicável a cada caso concreto.

E esses textos normativos, conforme será visto a seguir, têm diversas disposições que determinam, de forma clara, o tratamento a ser dado ao processo de execução, nem sempre o mesmo – e nem sempre compatível – com aquele previsto no Código de Processo Civil.

No que mais de perto interessa ao presente texto, colhemos para análise os artigos 18, 19, 24 e 32 da Lei de Execuções Fiscais. O primeiro determina à Fazenda Pública que se manifeste sobre a garantia da execução caso não sejam oferecidos embargos, em nítida afirmação de que a apresentação dos embargos posterga essa discussão até que eles sejam apreciados. Confirmação disso está no art. 19 da LEF, segundo o qual apenas na hipótese de não oferecimento de embargos, ou de rejeição destes, haverá intimação do terceiro para remir o bem ou pagar a dívida, sob pena de prosseguimento da execução contra ele.

É conferir:

“Art. 19 - Não sendo embargada a execução ou sendo rejeitados os embargos, no caso de garantia prestada por terceiro, será este intimado, sob pena de contra ele prosseguir a execução nos próprios autos, para, no prazo de 15 (quinze) dias:

I - remir o bem, se a garantia for real; ou

II - pagar o valor da dívida, juros e multa de mora e demais encargos, indicados na Certidão de Divida Ativa pelos quais se obrigou se a garantia for fidejussória.” (grifou-se a expressão “não sendo embargada a execução ou sendo rejeitados os embargos”)

Ora, em tal disposição parece não apenas implícita, mas claramente explícita a determinação de que os embargos do executado tenham efeito suspensivo. Do contrário, por que esperar pela sua não interposição (com o transcurso in albis do prazo correspondente), ou pela sua rejeição, para que só então se possa intimar o terceiro responsável por garantia real para remir o bem, ou o fiador, para que pague a dívida por ele afiançada, sob pena de contra

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ele prosseguir a execução? Se é necessário que os embargos não sejam opostos, ou que, caso o sejam, venham a ser rejeitados, para que só então a execução siga o seu curso, é claro que os embargos, regularmente opostos e ainda não julgados, suspendem a execução.

Em seguida, o art. 24 é incisivo:

“Art. 24 - A Fazenda Pública poderá adjudicar os bens penhorados:

I - antes do leilão, pelo preço da avaliação, se a execução não for embargada ou se rejeitados os embargos;

(...)” (grifou-se a expressão “se a execução não for embargada ou se rejeitados os embargos”)

Diante do texto legal transcrito, é o caso de se indagar: por que é necessário que a execução não tenha sido embargada, ou que estes tenham sido rejeitados, para que possa a Fazenda adjudicar os bens penhorados? Será porque os embargos suspendem a execução, impedindo-a de adjudicar antes que sejam julgados? Não parece possível outra resposta que não a positiva: sim, os embargos suspendem a execução, nos termos da Lei de Execuções Fiscais.

Mas não só. O art. 32 ainda dispõe:

“Art. 32 - Os depósitos judiciais em dinheiro serão obrigatoriamente feitos:

(...)

§ 2º - Após o trânsito em julgado da decisão, o depósito, monetariamente atualizado, será devolvido ao depositante ou entregue à Fazenda Pública, mediante ordem do Juízo competente.” (destacou-se a expressão “após o trânsito em julgado da decisão, o depósito, monetariamente atualizado, será devolvido ao depositante ou entregue à Fazenda Pública”)

Por que o depósito somente será entregue à Fazenda após o trânsito em julgado da decisão que eventualmente julgar improcedentes os pedidos do embargante? Mais uma vez, resta claro que os embargos têm efeito suspensivo, única explicação para que se espere pelo seu julgamento para que só então se decida em torno do destino a ser dado ao valor depositado.

Cumpre observar que essas disposições, constantes dos arts. 18, 19, 24 e 32 da Lei de Execuções Fiscais, abarcam praticamente todas as formas de garantia da execução fiscal. E afirmam, claramente, que a execução é suspensa pela interposição dos embargos.

É verdade que não está escrito, textualmente, na Lei de Execuções, algo como o que constava do art. 739 do CPC. Mas o que consta dos arts. 18, 19, 24 e 32 é um texto que, embora formado por expressões diferentes, têm o mesmo sentido. Usando um exemplo colhido da ciência médica, pode-se fazer a seguinte analogia: a Lei de Execuções Fiscais não afirma “o homem morreu”, como afirmava o art. 739 do CPC. Mas afirma que seu coração parou de bater, que sua atividade cerebral cessou, e que seu funeral já foi concluído. Expressões distintas que, contudo, têm o mesmíssimo sentido.

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Sabe-se que a execução fiscal pode ser garantida por depósito, fiança ou penhora de bens. No caso de penhora de dinheiro, a mesma será convertida em depósito (LEF, art. 11, § 2.º). Pois bem. Vejamos, então, se há alguma hipótese em que, de acordo com a Lei 6.830/80, a execução pode continuar seu curso a despeito da oposição de embargos.

Caso seja feito o depósito, ou a penhora de dinheiro, e haja a oposição de embargos, a quantia correspondente só pode ser entregue à Fazenda Pública depois do trânsito em julgado da sentença que julgar improcedentes os pedidos do embargante. É o que consta, claramente, do art. 32, § 1.º, da LEF.

Não sendo o caso de depósito, mas de fiança bancária, também só se pode exigir o seu adimplemento por parte da instituição financeira fiadora na hipótese de rejeição ou não interposição de embargos (LEF, art. 19, II).

Finalmente, caso a garantia do juízo tenha sido feita com a penhora de bens, a alienação destes há de aguardar o desfecho dos embargos. É o que consta do art. 24, I, que, além de dever ser interpretado em conjunto com os anteriormente apontados (32, § 1.º e 19), estabelece nitidamente a seguinte ordem cronológica: (1.º) desfecho dos embargos, ou não oposição destes; (2.º) adjudicação antes do leilão, pelo preço da avaliação; (3.º) adjudicação depois do leilão, com igualdade de condições com a melhor oferta. Se a adjudicação, para ocorrer antes do leilão, há de ser posterior ao desfecho dos embargos, é evidente que, a fortiori, o leilão igualmente só há de ser feito depois de rejeitados os embargos.

Diante de tão claras disposições da Lei 6.830/80, que veicula normas mais específicas, evidentemente não se deve cogitar de aplicação “subsidiária” de normas mais gerais, contidas no Código de Processo Civil. Nem é preciso dizer, no caso, que só se cogita de aplicação subsidiária como forma de complementar eventuais omissões da lei a ser “subsidiada”, e não de sorte a contrariar o que nela se acha disposto.

6. Análise de algumas decisões já proferidas a respeito do temaComo sinalizado em nota de rodapé no início deste texto, já foram proferidas diversas

decisões – ainda no âmbito monocrático – em Tribunais Regionais Federais, no sentido de que os embargos à execução não têm efeito suspensivo automático, aplicando-se o art. 739-A do CPC.

Tais decisões, contudo, e com todo o respeito, não trazem fundamentação consistente. Às vezes, afirmam a inexistência de disposição em contrário na Lei de Execução Fiscal (ignorando os arts. 18, 19, 24 e 32, acima examinados). Em outras, nem isso. Limitam-se a invocar a inovação legislativa, sem discorrer uma linha sequer em torno da sua possível incompatibilidade com a sistemática específica das execuções fiscais.

Exemplo emblemático dessa (falta de) fundamentação é a decisão publicada na Revista Dialética de Direito Tributário n.° 148, página 167/168. É conferir:

“(...)

2 - Alega a Agravante que a diferença no regime jurídico dos títulos negociais e títulos da dívida fiscal impõe a adoção de ritos executivos distintos, o que impede a aplicação do art. 739-A do Código de Processo Civil às execuções fiscais, sob pena de violação aos dispositivos da Lei 6.830/80.

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3 – Afirma que a Lei n.° 6.830/80 determina que a Execução somente tenha curso após a rejeição dos embargos (arts. 17, 18, 19 e 24, I), restando inaplicável o art. 739-A do CPC.

4 – Sustenta que os embargos à execução fiscal suspendem o curso da execução, sendo vedada a prática de atos de alienação dos bens penhorados antes da eventual rejeição dos embargos.

5 – A decisão agravada não merece reparo.

6 – Prescreve o art. 739-A, e § 1.°, do Código de Processo Civil, com redação dada pela Lei 11.382/2006:

‘Art. 739-A. Os embargos do executado não terão efeito suspensivo.

§ 1.° O juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando, sendo relevantes seus fundamentos, o prosseguimento da execução manifestamente possa causar ao executado grave dano de difícil e incerta reparação, e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes.’

7 – Verifica-se, pela leitura do dispositivo transcrito no item anterior, que a Lei n.º 11.382/2006, ao incluir o art. 739-A ao Código de Processo Civil, retirou o efeito suspensivo dos embargos do executado, condicionando-o aos requisitos previstos no parágrafo primeiro desse mesmo artigo.

8 – Dessa forma, considerando-se que a Lei 6.830/80 não prevê a atribuição de efeito suspensivo aos Embargos à Execução Fiscal e que o CPC é aplicável subsidiariamente às execuções fiscais (art. 1.º da Lei 6.830/80), não há mais que se falar em atribuição de efeito suspensivo aos embargos à execução fiscal, a menos que presentes os requisitos do parágrafo primeiro do art. 739-A do CPC...

(...)”

A decisão, como se vê, não abordou nenhum dos aspectos suscitados pelo próprio agravante, referidos em seu relatório mas inteiramente ignorados em sua fundamentação. De fato, conquanto tenha dito que a agravante apontara artigos na LEF que preconizam a atribuição de efeito suspensivo aos embargos, não aduz uma única palavra, mais adiante, para explicar por que não considerou tais artigos como determinantes desse efeito suspensivo.

Fundamentação semelhante se acha nas demais decisões que negam o efeito suspensivo aos embargos. Afirmam simplesmente que a LEF “não trata dos efeitos decorrentes da propositura dos embargos”3, ou que “o próprio efeito suspensivo era buscado, anteriormente, em aplicação subsidiária do CPC”4.

Não é verdade. O efeito suspensivo está muito claro nos artigos 18, 19, 24 e 32, acima transcritos. Se antes ele era buscado com apoio no art. 739 do CPC, talvez por conta de sua redação mais explícita, isso não significa que não pudesse ser encontrado na própria LEF, como acima se demonstrou.

3 RDDT 145:195.4 RDDT 145:193/194.

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Espera-se, de decisões que insistam na aplicabilidade do art. 739-A do CPC às execuções fiscais, que pelo menos expliquem por que um artigo que condiciona a continuidade da execução ao julgamento dos embargos – tanto no caso de depósito, como fiança ou penhora – não implica a atribuição de efeitos suspensivos a estes.

7. ConclusãoEm razão do que foi visto, não nos parece correto aplicar subsidiariamente à execução

fiscal a regra do art. 739-A do CPC, devendo os embargos do executado ser recebidos sempre no efeito suspensivo. Primeiro, porque a realidade em face da qual se aplica a norma oriunda da reforma no processo executivo, e que inspirou essa reforma, não é a mesma no âmbito da execução fiscal, cujo título não é formado pela vontade do executado. Segundo, porque a sistemática prevista na Lei 6.830/80 é incompatível com essa modificação, como se depreende de seus arts. 18, 19, 24, I e 32, § 2.º, não se lhe podendo aplicar de forma subsidiária o que lhe é contrário.

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