Maçonaria e Política No Brasil 1822.2012

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MAÇONARIA E POLÍTICA NO BRASIL DA INDEPENDÊNCIA AO CENÁRIO ATUAL. UMA ANÁLISE COMPARATIVA (1822-2012). Muito já se escreveu a respeito dos luminares maçons que atuaram no cenário político brasileiro às vésperas da independência do Brasil, agindo, do interior dos templos maçônicos no sentido de elaborar articulações que terminaram por levar a colônia brasileira à sua emancipação de Portugal. Nomes como Gonçalves Ledo, José Bonifácio, Clemente Pereira e Moniz Barreto são recorrentes neste tipo de análise, sendo, portanto, de ciência geral tais episódios. Desta forma, passaremos ao largo desta abordagem, que cremos já ser de amplo conhecimento. Outros dois importantes pontos de esclarecimento prévio são relativos ao Art. 2°, item VII da Constituição do Grande Oriente do Brasil, que estabelece: “a proibição de discussão ou controvérsia sobre matéria políico-partidária, religiosa e racial, dentro dos templos ou fora deles, em seu nome.” 1 , e à fonte deste, as Old Charges, em especial o seu Capítulo II, Da autoridade civil, superior e inferior, onde se estabelece que: o maçom deve ser pessoa pacífica, submeter-se às leis do país onde estiver e não deve tomar parte nem deixar-se arrastar nos motins ou conspirações deflagradas contra a paz e a prosperidade do povo.2 É pressuposto norteador deste artigo a equivocada interpretação dada a estes dois extratos, pela maçonaria brasileira em geral, que redunda na atualidade, em uma postura que renega as ações dos citados maçons do passado, revolucionários de primeira linha e hora, construtores de um novo modelo político que fundou a pátria brasileira. Feitas estas observações introdutórias, passamos ao objetivo precípuo deste trabalho: a análise da conjuntura política e do sistema social vigente à época do nascimento da nação, suas transformações ao longo dos séculos XIX e XX e a comparação com o cenário político-social vigente na atualidade. No tocante a este primeiro ponto, clarificamos que o ideario político da maçonaria brasileira em 1822 era pautado nos pressupostos da filosofia do Iluminismo. Tais ideias, entretanto, não se restringiam às discussões teóricas nos salões literários, mas, dentro das lojas maçônicas, eram aplicadas na efetiva ação política. Conforme CARVALHO (2007) assinala: Os philosophes não estavam engajados em filosofia especulativa ou pensamento altamente abstrato; teorizaram e lutaram para o melhoramento da sociedade e do ser humano, pois seu foco era eminentemente pragmático. Seu interesse estava focado na reforma dos seres individuais humanos, e, reformar, para os mais radicais, era revolucionar as ultrapassadas instituições humanas e os sistemas de crenças dogmáticos. 3 1 GRANDE ORIENTE DO BRASIL. Título I. Da maçonaria e seus princípios. Cap. I. Dos princípios gerais da maçonaria e dos postulados universais da instituição. In: Constituição do Grande Oriente do Brasil . Brasília – DF, Ed. GOB, 2007. p. 11. 2 ANDERSON, James. O Livro das Constituições de Anderson (1723) . Cf. tradução de VALADARES, Henrique. O aprendiz- maçom . RJ, Edições GOB, 1966. pp. 74-75. 3 CARVALHO, William Almeida de. Simbologia maçônica. Uma proposta de abordagem. In: I concurso anual de monografias maçônicas do Grande Oriente do Brasil . Brasília – DF, Ed. GOB, 2007. p. 95. AAug RResp GGr BBen GGr BBenf LLoj SSimb COMÉRCIO E ARTES 1 UNIÃO E TRANQÜILIDADE 2 ESPERANÇA DE NICTHEROY 3 FUNDADORAS DO GRANDE ORIENTE DO BRASIL Criadas em 21 de junho de 1822

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MAGALHÃES, Fernando da Silva. MAÇONARIA E POLÍTICA NO BRASIL DA INDEPENDÊNCIA AO CENÁRIO ATUAL.UMA ANÁLISE COMPARATIVA (1822-2012).Muito já se escreveu a respeito dos luminares maçons que atuaram no cenário político brasileiro às vésperas da independência do Brasil, agindo, do interior dos templos maçônicos no sentido de elaborar articulações que terminaram por levar a colônia brasileira à sua emancipação de Portugal. Nomes como Gonçalves Ledo, José Bonifácio, Clemente Pereira e Moniz Barreto são recorrentes neste tipo de análise, sendo, portanto, de ciência geral tais episódios. Desta forma, passaremos ao largo desta abordagem, que cremos já serde amplo conhecimento.

Transcript of Maçonaria e Política No Brasil 1822.2012

  • MAONARIA E POLTICA NO BRASIL DA INDEPENDNCIA AO CENRIO ATUAL. UMA ANLISE COMPARATIVA (1822-2012).

    Muito j se escreveu a respeito dos luminares maons que atuaram no cenrio poltico brasileiro s vsperas da independncia do Brasil, agindo, do interior dos templos manicos no sentido de elaborar articulaes que terminaram por levar a colnia brasileira sua emancipao de Portugal. Nomes como Gonalves Ledo, Jos Bonifcio, Clemente Pereira e Moniz Barreto so recorrentes neste tipo de anlise, sendo, portanto, de cincia geral tais episdios. Desta forma, passaremos ao largo desta abordagem, que cremos j ser de amplo conhecimento. Outros dois importantes pontos de esclarecimento prvio so relativos ao Art. 2, item VII da Constituio do Grande Oriente do Brasil, que estabelece: a proibio de discusso ou controvrsia sobre matria polico-partidria, religiosa e racial, dentro dos templos ou fora deles, em seu nome. 1, e fonte deste, as Old Charges, em especial o seu Captulo II, Da autoridade civil, superior e inferior, onde se estabelece que: o maom deve ser pessoa pacfica, submeter-se s leis do pas onde estiver e no deve tomar parte nem deixar-se arrastar nos motins ou conspiraes deflagradas contra a paz e a prosperidade do povo.2 pressuposto norteador deste artigo a equivocada interpretao dada a estes dois extratos, pela maonaria brasileira em geral, que redunda na atualidade, em uma postura que renega as aes dos citados maons do passado, revolucionrios de primeira linha e hora, construtores de um novo modelo poltico que fundou a ptria brasileira. Feitas estas observaes introdutrias, passamos ao objetivo precpuo deste trabalho: a anlise da conjuntura poltica e do sistema social vigente poca do nascimento da nao, suas transformaes ao longo dos sculos XIX e XX e a comparao com o cenrio poltico-social vigente na atualidade. No tocante a este primeiro ponto, clarificamos que o ideario poltico da maonaria brasileira em 1822 era pautado nos pressupostos da filosofia do Iluminismo. Tais ideias, entretanto, no se restringiam s discusses tericas nos sales literrios, mas, dentro das lojas manicas, eram aplicadas na efetiva ao poltica. Conforme CARVALHO (2007) assinala:

    Os philosophes no estavam engajados em filosofia especulativa ou pensamento altamente abstrato; teorizaram e lutaram para o melhoramento da sociedade e do ser humano, pois seu foco era eminentemente pragmtico. Seu interesse estava focado na reforma dos seres individuais humanos, e, reformar, para os mais radicais, era revolucionar as ultrapassadas instituies humanas e os sistemas de crenas dogmticos. 3

    1 GRANDE ORIENTE DO BRASIL. Ttulo I. Da maonaria e seus princpios. Cap. I. Dos princpios gerais da maonaria e dos postulados universais da instituio. In: Constituio do Grande Oriente do Brasil. Braslia DF, Ed. GOB, 2007. p. 11. 2 ANDERSON, James. O Livro das Constituies de Anderson (1723). Cf. traduo de VALADARES, Henrique. O aprendiz-maom. RJ, Edies GOB, 1966. pp. 74-75. 3 CARVALHO, William Almeida de. Simbologia manica. Uma proposta de abordagem. In: I concurso anual de monografias manicas do Grande Oriente do Brasil. Braslia DF, Ed. GOB, 2007. p. 95.

    AAug RResp GGr BBen GGr BBenf LLoj SSimb

    COMRCIO E ARTES 1 UNIO E TRANQILIDADE 2

    ESPERANA DE NICTHEROY 3 FUNDADORAS DO GRANDE ORIENTE

    DO BRASIL Criadas em 21 de junho de 1822

  • Outro importante ponto a esclarecer sobre a atuao e a relevncia poltica das lojas manicas de ento, concerne , naquele momento, revolucionria caracterstica que a maonaria representava para a sociedade do sculo XIX, que o conceito pelo qual esta ordem analisada pelos atuais pesquisadores acadmicos nas universidades de todo o mundo: um relevante e estratgico espao de Sociabilidade. O mesmo CARVALHO (2007) esclarece que:

    Essa sociabilidade urbana, manica, tambm chamada de sociabilidade em mutao, ser o apangio da maonaria no sculo XVIII europeu. No Brasil, esse conceito buscar orientar as pesquisas de nossos historiadores, agora no incio do sculo XIX, de como essa nova forma de sociabilidade concorreu para a independncia do pas, as novas pautas polticas, o constitucionalismo no primeiro e segundo imprio, a luta contra os monoplios eclesisticos dos cemitrios, a filantropia, a nova educao mais laica, etc. 4

    Podemos a partir destas colocaes, perceber que os maons fundadores da Ordem no Brasil, longe de seguir de forma irrefletida as Old Charges, consideravam dever precpuo contribuir para as mudanas sociais necessrias construo do novo pas que emergia no concerto das naes. Suas atividades pautavam-se pela firme atuao no mbito poltico, com base no ideario iluminista, no sentido de transformar o sistema. Esta postura revolucionria de vanguarda das ideias, no entanto, ao longo do sculo XX modificou-se substancialmente. senso comum a percepo de que a maonaria deixou de atuar como liderana social, e, mais do que isso, adquiriu aspecto profundamente conservador, parte de manter-se ainda como espao de sociabilidade, atualmente dividindo esta caracterstica com outras instituies semelhantes, que atuam de forma mais eficiente no debate e propagao das novas ideias polticas e sociais que grassam pelo planeta. A ordem dos pedreiros-livres, auto-intitulados livres-pensadores, definitivamente, perdeu o bonde da histria. Quais as transformaes sociais e ideolgicas que a maonaria deixou de analisar nos ltimos cem anos? Que ideias passaram ao largo das lojas manicas, alienando assim seus obreiros do cenrio da vanguarda dos acontecimentos poltico-sociais brasileiros? Tentaremos aqui fazer um pequeno resumo, cnscios, entretanto, de que esta uma anlise particular, sendo possveis diversificadas outras anlises, dependendo do ponto de partida do analisador. Neste ponto, utilizamos as reflexes de um pesquisador, FARIA (2012) 5 que, em estudo aparentemente no afeito ao mbito desta pesquisa, de cunho mais amplo, nos esclarece, entretanto, os mecanismos desta passagem de ideias e sistemas polticos ao longo do sculo XX que raramente so discutidas ou mesmo compreendidas pelos maons da atualidade. A crise do sistema capitalista vigente at os anos 1970, inseriu o Brasil e outros pases perifricos, a partir da dcada de 80 em um novo modelo, tanto econmico quanto social, o neoliberalismo. Este representa nova leitura do liberalismo clssico, que elimina o conceito de Welfare State (bem-estar social), que vigorava ao longo do sculo XX. Sob este novo aspecto poltico-econmico, a sociedade experimentou intensa reduo que, segundo HARVEY (1994) 6 rompeu tais aspectos, modificando o equilbrio de poder e alterando a vida social e cultural em todas as classes. Tal se deu atravs da implantao de novas formas organizacionais e novas tecnologias no campo da produo, bem como no mbito das comunicaes, da racionalizao das tcnicas de circulao e distribuio de mercadorias, de servios e at no mercado financeiro, revolucionado pelo surgimento da internet, do dinheiro de plstico e da larga oferta de crdito pessoal. Para a massa de trabalhadores, tais fatores refletiram-se numa intensificao da explorao e requalificao das formas de trabalho. Outra fundamental transformao social se deu na passagem do consumo de bens para o consumo de servios, sejam individuais, comerciais, educacionais, de lazer ou de sade. O mesmo autor nos diz que:

    No domnio da produo de mercadorias, o efeito primrio foi a nfase nos valores e virtudes da instantaneidade e da descartabilidade (...). A dinmica da sociedade do descarte significa mais que jogar fora bens produzidos; significa tambm ser capaz de atirar fora valores, estilos de vida, relacionamentos estveis, apego a coisas, edifcios, lugares, pessoas e modos de ser e agir (HARVEY, 1994, p. 258).

    Assim, a atual social-democracia, brao da poltica vigente, acopla-se ao sistema econmico neoliberal para abandonar a ideia de justia social que at ento pregava a igualdade econmica e social. Abandona a ideia de trabalho, substituindo-a pela de emprego; abandona a ideia de pleno emprego, substituindo-a pela ideia de eficincia e produtividade; todas estas, alcanveis por meio da Educao que, sob estes novos moldes, enfatiza as novas tecnologias, eliminando o livre-pensar humanista de seus currculos escolares.

    4 CARVALHO. Op.cit. p.100. 5 FARIA, Roberto. Educao municipal, a interveno das polticas federais: reflexos na regio serrana do Estado do Rio de Janeiro. RJ, Quartet/Cesgranrio, 2012. 6 HARVEY, David. Condio ps-moderna. So Paulo, Loyola, 1994.

  • Outra decorrncia destes ajustes reflete-se nas polticas econmicas internas dos pases, forados a sucessivos ajustes econmicos expressos na queda dos salrios, na terceirizao dos servios e no decorrente aumento do desemprego estrutural. Sob este prisma, COUTINHO (2006)7 defende a tese de que nosso pas atravessa uma crise de Estado desde 1930, momento de sua entrada definitiva no modelo capitalista, assim como do enfraquecimento sucessivo, pelas vias acima assinaladas, dos conceitos de democracia e justia social. Ainda no campo das polticas educacionais, com base em orientaes emanadas do FMI e do Banco Mundial ao longo da dcada de 1990, o governo federal adotou polticas pblicas que efetivaram tais diretrizes neoliberais, distanciando ainda mais a educao das prticas de mediao para a libertao, desprestigiando contedos de formao moral e de construo da cidadania, em prol de uma orientao economicista e funcionalista, com nfase em projetos de incluso tecnolgica. Estas formas de expresso poltico-educacional do modelo neoliberal atualmente em vigor redundaram em um cenrio existencial no qual as referncias tico-polticas perderam sua fora na orientao comportamental dos indivduos, gerando descrdito e desqualificao, tanto na atividade poltica quanto no campo da educao. Esta a crise de paradigmas que a maonaria contempornea enfrenta. Seu despreparo e desateno para tal cenrio flagrante. Necessrio que se volte a discutir amplamente, como faziam os primeiros maons do Brasil, os rumos desejados para a efetivao dos pressupostos filosficos e polticos manicos. Enquanto se voltar solenemente as costas anlise dos atuais discursos vigentes que renegam a orientao do sujeito ao entendimento de seu lugar e funo na vida e na sociedade, manipulando-o ainda, com vista a incutir-lhe a iluso de uma felicidade artificial, baseada em uma prosperidade prometida, mas nunca realizada, levando a um individualismo egosta e narcisista, simulacro do sujeito autnomo e livre, imerso nesta sociedade ps-industrial, que, atualmente resignifica-se at certo ponto ironicamente como uma sociedade de conhecimento, onde o fetiche da cincia e das novas tecnologias conduzem iluso da superao dos conflitos, a maonaria estar deixando de cumprir os objetivos que nortearam sua existncia. No mais aos maons possvel crer que submetem suas vontades individuais a um projeto maior de felicidade coletiva. Tal no ocorre na atual conjuntura. As paixes humanas, expressas na busca pela felicidade oca e artificial de bens, em detrimento da aquisio de conhecimentos, mais exacerbada do que nunca, provocada pela omisso de longas dcadas de alienao poltica. A ideia de progresso, seja no aspecto pessoal, pior ainda no coletivo, deixou de ser tema discutido e estudado h muito na maonaria. Por fim, e em decorrncia de tudo o que aqui foi apresentado, lamentavelmente deve a maonaria admitir: enquanto instituio que tem como um de seus princpios bsicos produzir homens melhores, pelo menos em relao ao fundamental aspecto da construo e do aperfeioamento do edifcio social, h muito ela deixou de ser justa e perfeita, ao abandonar as bandeiras sociais que a caracterizaram nos idos dos sculos XVIII e XIX. No momento em que os maons aqui se renem para celebrar seus feitos do passado, que geraram a independncia deste imenso pas do jugo de antigo opressor, urge que se faa profunda reflexo no sentido de, com base nos exemplos de nossos irmos e Pais Fundadores da Ptria Brasileira, retornemos s nossas gloriosas origens, fazendo novamente de nossos encontros, celeiros de ideias teis, novas e saneadoras, concernentes ao abandonado campo da poltica nacional. S atravs da reativao dos pressupostos tambm expressos em nossa Constituio, de cultuar o permanente exerccio da razo e a salutar prtica da anlise e debate amplo e democrtico das ideias, que levem o ser humano prevalncia do esprito sobre a matria, este retorno ao lugar que nos cabe na sociedade brasileira, do qual jamais deveramos ter sado, poder se efetuar. Perseveremos! Ainda h tempo! Rio de Janeiro, 03 de setembro de 2012.

    _________________ Fernando Magalhes

    MMCIM 245.890

    7 COUTINHO, Carlos Nlson. O Estado Brasileiro: gnese, crise, alternativas. In: LIMA, J., NEVES, L. Fundamentos da educao escolar no Brasil contemporneo. Rio de Janeiro, EPSJV, Fiocruz, 2006.