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MACONHA — DR. DRAUZIO VARELLA
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MACONHA
Embora do ponto de vista científico não esteja claro que a
maconha possa provocar dependência química, não existe
consenso popular da existência ou não dessa dependência.
Muitos defendem tratar-se de uma droga que não vicia e que a
dependência é meramente psicológica. Outros asseguram que
vicia sim e, por isso, deve ser mantida na ilegalidade.
Há os que acreditam não ter cabimento prender um adolescente por estar portando um cigarro
de maconha o que no Brasil, assim como em muitos outros países, é considerado crime.
Desse modo, certas correntes advogam que a maconha deve ser descriminalizada, mas não
legalizada, enquanto outras defendem sua legalização, baseando-se no fato de que drogas
como o álcool e a nicotina são utilizadas e vendidas com total liberdade, apesar de ninguém
ignorar que causam mal à saúde.
É importante, então, esclarecer como a maconha age no organismo. Assim que a fumaça é
aspirada, cai nos pulmões que a absorvem rapidamente. De seis a dez segundos depois, levados
pela circulação, seus componentes chegam ao cérebro e agem sobre os mecanismos de
transmissão do estímulo entre os neurônios, células básicas do sistema nervoso central. Os
neurônios não se comunicam como os fios elétricos, encostados uns nos outros. Há um espaço
livre entre eles, a sinapse, onde ocorrem a liberação e a captação de mediadores químicos. Essa
transmissão de sinais regula a intensidade do estímulo nervoso: dor, prazer, angústia,
tranquilidade.
As drogas chamadas de psicoativas interferem na liberação desses mediadores químicos,
modulam a quantidade liberada ou fazem com que eles permaneçam mais tempo na conexão
entre os neurônios. Isso gera uma série de mecanismos que modificam a forma de enxergar o
mundo.
O INTRIGANTE PROBLEMA DA DEPENDÊNCIA
Drauzio – Considerando sua larga experiência sobre o tema, qual sua opinião sobre a
capacidade de a maconha causar dependência?
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Elisaldo Carlini – Quanto ao problema da dependência, é importante considerar as conclusões
de alguns estudos sobre o fenômeno da dependência. Pode parecer incrível, mas há trabalhos
descritos na literatura sobre a dependência, por exemplo, da cenoura. As pessoas comem tanta
cenoura que ficam com a pele amarelada e, por alguma razão, impedidas de comer, entram em
crise de abstinência. Há também descrição de dependência, inclusive com síndrome de
abstinência, entre pessoas que tomam placebo, substância inócua que não deveria causar
alteração nenhuma nesse mecanismo.
Em relação à maconha, há casos registrados de dependência, mas eles não são freqüentes, se
considerarmos a imensa população mundial de usuários. Além disso, comparada com outras
drogas, a maconha é muito menos indutora de dependência química.
Drauzio – Não será esse o ponto? Fala-se que a maconha não induz dependência porque se
compara com outras drogas mais indutoras?
Elisaldo Carlini – Pode ser o ponto, mas se colocarmos a maconha no mesmo saco que as
outras drogas, corremos o risco de desacreditar as mensagens de alerta em relação à cocaína,
heroína, etc. “Ah, já fumei maconha várias vezes e está tudo bem comigo. Se é tudo igual,
posso usar as outras sem preocupação”.
LEGALIZAÇÃO E DESCRIMINALIZAÇÃO DA MACONHA
Drauzio – Como você encara a legalização da maconha?
Elisaldo Carlini – Sou totalmente contra o uso e a legalização da maconha. No entanto, é
necessário distinguir legalização de descriminalização. Quando falo em descriminalizar, não
estou me referindo à droga. Estou me referindo a um comportamento humano, individual, que
atinge o social. Quando falo em legalizar, falo de um objeto. Posso legalizar, por exemplo, o uso
de determinado medicamento clandestino ou de um alimento qualquer desde que prove que
eles não são prejudiciais à saúde.
Como a maconha faz mal para os pulmões, acarreta problemas de memória e, em alguns casos,
leva à dependência, não deve ser legalizada. O que defendo é a descriminalização de uma
conduta. Veja o seguinte exemplo: se alguém atirar um tijolo e ferir uma pessoa, não posso
culpar o tijolo. Só posso criminalizar a conduta de quem o atirou. A mesma coisa acontece com
a maconha. O problema é criminalizar seu uso e assumir as consequências da aplicação dessa
lei.
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Nos Estados Unidos, num único ano, 600.000 pessoas foram detidas e processadas por posse de
maconha e o sistema de justiça americano acabou não fazendo outra coisa do que julgar jovens
que, na maioria das vezes, não haviam cometido nenhum outro deslize e ficavam marcados por
uma ficha criminal que os prejudicava na hora de conseguir um emprego, por exemplo, e de
tocar a vida. Diante disso, vários estados americanos optaram por descriminalizar o uso da
maconha. O mesmo fizeram o Canadá e alguns países da Europa, entre eles Portugal. O
importante não é punir um comportamento. É corrigi-lo. Para tanto, deve existir um programa
eficiente de prevenção e de educação para que a pessoa evite consumir essa ou qualquer outra
droga.
Repetindo, sou contra o uso e a legalização, mas favorável à descriminalização da maconha.
Drauzio – Seguindo essa linha de pensamento, você também é contra a legalização do álcool,
uma droga com impacto social pior do que o da maconha?
Elisaldo Carlini – Não sou contra a legalização do álcool, porque vivemos uma situação de fato
em que seu uso social é aceito e está consagrado. Os resultados da famosa Lei Seca americana
já provaram que é impossível proibir o uso do álcool e que, se o fizermos, o tiro pode sair pela
culatra.
Não acontece o mesmo com a maconha. A não ser em restritas áreas do mundo, seu uso
marginal não é aceito socialmente. Legalizá-la significaria torná-la disponível e sujeita a
campanhas de publicidade que estimulariam seu consumo. No entanto, não tenho dúvida de
que, se ele continuar crescendo, a sociedade terá de enfrentar no futuro o problema da
legalização, porque não adianta lutar contra algo imposto pelo comportamento da população
em geral.
Por isso, no momento, é preciso empenhar todos os esforços para desenvolver um programa
educacional eficiente visando a impedir o aumento do consumo e, quem sabe, até mesmo
baixá-lo, já que muito jovem fuma maconha para transgredir a ordem estabelecida. De certa
forma, parece que a transgressão faz parte da vida dos adolescentes.
Numa conferência a que assisti recentemente na Universidade Federal de São Paulo sobre
descriminalização ou não da maconha, um professor da Bahia colocou a importância da
transgressão na formação da personalidade e citou Adão e Eva, os primeiros transgressores da
lei, que não respeitaram a proibição divina e comeram a maçã proibida.
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AÇÃO DA MACONHA NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
Drauzio – Como age a maconha no sistema nervoso central? O que explica que algumas
pessoas experimentem uma sensação de paz e tranquilidade, enquanto outras se queixem de
delírios persecutórios?
Elisaldo Carlini – As viagens boas predominam sobre as alucinações, delírios persecutórios,
medos avassaladores. Se não fosse assim, o uso da maconha não seria tão difundido.
Até 1964, quando foi encontrado e isolado o tetraidrocanabinol (THC), sequer se conhecia o
princípio ativo dessa planta. Tal descoberta deu lugar a dois questionamentos. Primeiro: se
existe o THC, uma substância pura que age no cérebro, nele deve existir um receptor
programado para recebê-la. Segundo: se esse receptor existe, nós devemos produzir
espontaneamente uma espécie de maconha interna para atuar sobre ele. O passo seguinte foi
descobrir que todos os cérebros fabricam uma substância endógena, uma espécie de maconha
interna que foi chamada de anandamida, palavra que em sânscrito quer dizer bem-
aventurança. Disso resultou uma série enorme de cogitações científicas. Por exemplo: se todos
têm um sistema canabinoide que age no cérebro, será que doenças mentais não poderiam
resultar de alterações no funcionamento desse sistema?
Outro aspecto que está sendo muito discutido é a relação entre esquizofrenia e os grandes
usuários de maconha. Muitos estudiosos levantam a hipótese de que não são as pessoas
comuns que se tornam dependentes. Seriam as portadoras dessa doença que desenvolveriam
extrema dependência da droga na tentativa de automedicar-se sem ter o conhecimento exato
do que estão fazendo.
Na esquizofrenia, existem algumas características chamadas de sintomas negativos. Os
pacientes apresentam grande achatamento do afeto. Não vibram com nada. Morrer a mãe ou
ganhar um prêmio na loteria dá no mesmo, pois são incapazes de serem tocados pelas
emoções e isso faz falta para o ser humano que precisa estabelecer relacionamentos afetivos e
experimentar alegrias e tristezas. Parece que a maconha estimula a evocação de sentimentos e
sensações que essas pessoas desconheciam e disso decorreria enorme dependência. Com base
nesses dados, está sendo estabelecida nova teoria sobre os efeitos da maconha.
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GRAU DE DEPENDÊNCIA DA DROGA
Drauzio – Os usuários costumam queixar-se da qualidade da maconha atual. Será que a droga
perdeu realmente a qualidade ou, à medida que vai sendo usada, induz tolerância e são
necessárias doses cada vez mais altas para produzir o mesmo efeito?
Elisaldo Carlini – Isso depende. É verdade que há indivíduos que ficam dependentes da
maconha, mas quero frisar que essa não é a regra geral, não é o que mais preocupa. Fiz parte
de um grupo da Organização Mundial de Saúde que estudou o problema do uso cultural da
maconha e tive a oportunidade de verificar que grande número de pessoas não se torna
dependente. Vi, por exemplo, em Atenas, na Grécia, estivadores saírem do porto no final da
tarde e se reunirem nos bares para fumar haxixe, uma forma concentrada de maconha, como
se estivessem tomando o chá das cinco. Os psiquiatras gregos que nos acompanhavam
comentaram que se tratava de um encontro meramente social repetido todos os dias e que não
havia indicação de dependência da droga nessas pessoas.
Além disso, a maconha foi considerada um medicamento valioso no século XIX e nos primeiros
30 ou 40 anos do século XX. Nas farmacopeias americana, inglesa, brasileira, e nos livros de
medicina dessa época, é possível encontrar receitas de maconha para uma série de distúrbios.
A maconha tem esse lado contraditório. A literatura está repleta de trabalhos sobre as misérias
humanas e sobre os benefícios terapêuticos, que não são poucos, que essa droga produz. Por
exemplo, nos casos de esclerose múltipla e de dores neuropáticas, seu efeito não é desprezível.
MACONHA E MEMÓRIA
Drauzio – E em relação à memória, qual é o efeito da maconha ?
Elisaldo Carlini- Em relação à memória, o efeito da maconha é bastante curioso e foi muito
estudado em nosso departamento. Ela bloqueia a memória de curto prazo, isto é, a memória de
pequena duração da qual precisamos num determinado instante e da qual nos desfazemos em
seguida. Por exemplo: ao ouvir os números de um telefone, se tivermos que procurar papel e
lápis para anotá-los, eles se esvairão de nossa memória e seremos obrigados a pedir que sejam
repetidos, o que não acontecerá se tomarmos nota imediatamente.
No entanto, muitas pessoas costumam queixar-se de lapsos de memória quando fumam
maconha. Foi o que aconteceu com uma moça que trabalhava no PBX de um hotel e não
conseguia completar as transferências de ligação porque se esquecia do número pedido
segundos antes, o que não ocorria se não estivesse sob o efeito da droga, e com o jovem
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bancário que, mal acabava de atender um cliente no balcão, se esquecia do nome que deveria
procurar no arquivo.
Esse efeito, que de fato existe, pode trazer grande prejuízo especialmente para os estudantes.
Quem vive chapado o tempo todo não consolida a memória de longo prazo, uma vez que ela se
solidifica pela repetição do que é registrado na memória de curto prazo. Trata-se, porém, de
um efeito transitório que desaparece quando a pessoa se afasta da droga.
Existe outro efeito curiosíssimo da maconha: ela diminui a taxa de testosterona circulante nos
homens e reduz o número de espermatozoides, embora não os faça desaparecer
completamente. Não interfere na libido, mas, se o homem quiser ter filhos, fumar maconha é
mal negócio. Num congresso nos Estados Unidos, levantou-se até a possibilidade, não
comprovada, de que seu uso constante pudesse representar o primeiro anticoncepcional
masculino. Nesse caso, também, suspendendo-se o uso, a produção de espermatozoides volta
ao normal.
APLICAÇÃO TERAPÊUTICA DA DROGA
Drauzio – Os grandes usos médicos da maconha são inibir o vômito na quimioterapia, reduzir
a pressão intraocular nos casos de glaucoma e melhorar o apetite de doentes com AIDS em
estágio avançado. Com exceção da esclerose múltipla, para todas essas outras situações
existem drogas muito melhores do que a maconha, mais potentes e com eficácia
comprovada. Você não acha que esse uso medicinal amplo exige um conjunto de informações
que ainda não dominamos completamente?
Elisaldo Carlini – Na verdade, existem drogas mais modernas e mais ativas para serem
indicadas nesses casos. No entanto, sabemos que não há medicamento eficaz em 100% dos
pacientes. Mesmo a morfina não consegue produzir analgesia suficiente em todos os quadros
dolorosos. Considerando que, no controle da náusea e do vômito resultante da quimioterapia,
o efeito da maconha é digno de nota, não faz sentido restringir seu uso na parcela da população
com câncer que poderia beneficiar-se dela quando não responde satisfatoriamente às outras
drogas.
O efeito da maconha está também descrito e comprovado em relação ao aumento do apetite
dos pacientes caquéticos com AIDS e câncer. Aliás, o poder orexígeno da maconha é
inquestionável. Ela realmente desperta o apetite.
No que se refere à esclerose múltipla, trabalho patrocinado por dois grandes laboratórios e
recém terminado na Inglaterra descreve o bom resultado da indicação da maconha, ministrada
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por via nasal, isto é, por inalação de dois ou três de seus
componentes, no alívio das dores espásticas e neuropáticas.
Isso confirma as observações do passado e abre novas
perspectivas. A Holanda, por exemplo, já comunicou à ONU que
está admitindo a plantação de maconha para fins comerciais e
terapêuticos em fazendas monitoradas pelo governo, uma vez
que doze mil pessoas dependem dela para tratamento médico e
que o país pretende exportar o cigarro no futuro. A propósito, gostaria de citar que, em 1905, a
Gazeta Médica de São Paulo publicava um encarte de propaganda a respeito de cigarros de
maconha importados da França: “Cigarros Índios (outro nome da maconha) importados da
França”.
QUESTIONANDO A METODOLOGIA
Drauzio – Você não acha que do ponto de vista metodológico, esse tipo de trabalho científico
para provar a eficácia da droga fumada não tem paralelo, porque a absorção é muito variável,
depende da profundidade da tragada, do tempo e da quantidade de fumaça que permanece
no pulmão? Por outro lado, quando se usa a maconha em comprimido, que seria a forma de
controlar a dose, sua absorção é errática, varia muito de uma pessoa para outra.
Elisaldo Carlini – Você tem toda a razão, tanto que o que está
para ser aprovado e comercializado em alguns países do mundo
é o princípio ativo da maconha, o THC. Já existe uma substância
comercializada por um laboratório americano, que se toma por
via oral e cuja concentração do princípio ativo pode ser
controlada. Entretanto, parece que essa não faz o mesmo efeito
dos cigarros de maconha. Talvez a explicação para tal resultado esteja na superfície dos
alvéolos pulmonares que mede mais ou menos 80 m², o equivalente a área de uma quadra de
tênis. Consequentemente, a capacidade de absorção nessa região deve ser imensa e justifica a
administração de vários medicamentos por inalação. Quanto ao cigarro de maconha, a
absorção dos componentes deve variar muito, porque depende de sua concentração na fumaça
que se aspira em cada tragada.
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EXPERIÊNCIA EM OUTROS PAÍSES
Drauzio – Fale sobre a experiência holandesa de legalização da maconha, porque na Holanda
pode-se fumar maconha em qualquer lugar.
Elisaldo Carlini – Na Holanda, você pode fumar em qualquer lugar e existem free-shoppings, na
verdade, centros urbanos em que se chega de carro e se compra a droga tranquilamente. Isso
acabou se transformando num problema sério na fronteira da Holanda com a Alemanha,
porque caravanas de outros países se dirigiam a essas cidades atraídas pela facilidade de
obtenção da maconha.
Outro fato interessante é que, nos bares holandeses onde se fuma maconha, são mal recebidos
os usuários de outras drogas, como cocaína ou heroína, por exemplo. Na verdade, o ingresso
dessas pessoas é praticamente proibido pela clientela que freqüenta esses lugares. Além disso,
como já mencionamos, a mensagem de transformar o cigarro de maconha em medicamento
partiu do poder executivo.
Drauzio – Como você vê a situação nos outros países?
Elisaldo Carlini – No Canadá, aconteceu o contrário. O parlamento recomendou ao governo
central não só a descriminalização, mas também a legalização da maconha, argumentando que
ela faz menos mal do que o álcool e o cigarro e que o judiciário está sobrecarregado atendendo
a enorme população de jovens usuários dessa droga que ficam marcados por possuir uma ficha
criminal.
Se a polícia, no Brasil, tivesse a mesma eficiência da canadense, por exemplo, o número de
prisões e processos envolvendo usuários de maconha seria surpreendentemente assustador.
Levando em consideração que numa rave dance na periferia de São Paulo – e esse não é o
único estado da federação em que isso acontece – milhares de pessoas se reúnem para
consumir ecstasy, pode-se concluir que nossas estatísticas estão subestimadas. No entanto, os
profissionais que discutem essa realidade não têm vivência prática para entender a magnitude
do problema. O parlamento peruano enviou recentemente para o executivo um projeto
legalizando o uso da folha de coca. O governo do Peru, incomodado com a deliberação,
comunicou-a às Nações Unidas que vai ter de pronunciar-se sobre o assunto.
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RELAÇÃO ENTRE MACONHA E VIOLÊNCIA
Drauzio – Na Casa de Detenção, os guardas de presídio lembravam com saudade do tempo
em que só a maconha circulava pela cadeia porque o pessoal era menos agressivo e violento.
Como se explicam, então, esses casos de violência familiar atribuídos ao uso da maconha?
Elisaldo Carlini – A imprensa tem falado muito sobre o assunto e, às vezes refere-se à maconha,
às vezes, à cocaína. No entanto, não acredito sob hipótese alguma que essas drogas sejam
capazes de gerar violência patológica, violência assassina, se a tendência já não existir dentro
do usuário. A droga irá possibilitar, apenas, que determinadas características pessoais aflorem e
se manifestem.
No livro “Casa Grande e Senzala”, que comenta a formação socioeconômica do nordeste, o
autor Gilberto Freire relata que os donos de engenho davam bastante maconha para os
escravos porque sob sua ação a senzala ficava em paz. Isso não vai contra o que sabemos hoje
sobre maconha e violência: aparentemente a relação, se houver, é negativa, isto é, as pessoas
não se tornam mais agressivas do que naturalmente são.
THC MIMETIZA A ANANDAMIDA
Drauzio – O que acontece quando os componentes ativos da maconha chegam ao cérebro?
Elisaldo Carlini – Em várias áreas do nosso cérebro existem
os chamados receptores para a maconha, localizados na
superfície dos neurônios sobre os quais a droga irá atuar.
Observando a imagem do cérebro (figura 1) em que as linhas
azuis representam um sistema de neurônios que fabrica uma
substância chamada dopamina, isto é, um neurotransmissor
que nosso cérebro produz e está representado pelas
bolinhas localizadas dentro do neurônio (em vermelho na
figura 2). Quando se processa o estímulo nervoso, as
moléculas do
s neurotransmissores são liberadas e vão atuar no neurônio receptor (em amarelo na figura 2).
Se substituirmos a dopamina citada como exemplo pelo neurotransmissor anandamida,
teremos idéia do processo de funcionament
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o dos componentes ativos da
maconha no cérebro, pois o THC
existente no cigarro de maconha
faz as vezes da anandamida e age
diretamente sobre seus receptores
em diferentes áreas cerebrais.
No sistema límbico, que controla a
emoção e funções psíquicas superiores, pode provocar sonhos, alucinações ou sensação de paz
e de angústia.
PLANTA ORIGINÁRIA DA ÁFRICA
Drauzio – De onde é originária a maconha?
Elisaldo Carlini – A maconha é originária da África. No entanto, talvez a mais antiga referência à
planta e a seu uso como medicamento esteja no primeiro herbário construído no mundo, uma
coleção de plantas de um imperador chinês, e num livro de Medicina escrito na China no ano
7000 aC.
Na época das Cruzadas, espalhou-se a crença de que a maconha ou haxixe que os muçulmanos
fumavam geraria a agressividade com que combatiam os cristãos que queriam libertar
Jerusalém.
O primeiro registro sobre o uso da maconha em nossa língua data de 1564 e foi escrito por um
português. Um sultão, parece que amigo de Martin Afonso de Souza, contou-lhe que, quando
queria ir à Pérsia, à China ou ao Brasil, fumava um pouco dessa droga.