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MAIO E A LOGOTERAPIA Psi. Me. Pablo Lincoln Sherlock de Aquino O mês em que se comemora o dia internacional do trabalho também é dedicado à luta das mulheres por respeito e igualdade de direitos e oportunidades. Em minhas reflexões, um período de tempo que abarca duas datas desse porte é muito especial. A combinação entre o labor e a figura feminina tem, a cada dia, ensinado a toda a sociedade valores cuja apropriação deve acontecer em cada recanto social. De forma abrangente, relembramos que, historicamente, o mês de maio tem sido marcado por lutas em prol da classe trabalhadora em diversas partes do planeta. Não apenas no tocante à redução da jornada de trabalho, mas das condições nas quais a produtividade é executada. O psiquiatra e logoterapeuta argentino Roberto Almada declara em sua obra, O Cansaço dos Bons, que “(...) a queixa da maioria dos esgotados não se refere tanto à organização institucional, mas a um ambiente de trabalho insano” (ALMADA, 2013, p. 109). O esgotamento ao qual Almada se refere condiz com a perda das energias e pulsões criativas e produtivas do profissional/trabalhador no início de sua rotina laboral. Nessa fase, a pessoa produtiva está imbuída de sonhos, expectativas e anseios de realização de um trabalho que satisfaça sua própria alma – e isso acontece mais pela geração de perspectivas de crescimento social e financeiro do que pela contemplação de um resultado enriquecedor à sociedade, com o sentido de produção de bens e serviços que gerem benefícios mais sociais que estritamente pessoais. Viktor Emil Frankl, pai da Logoterapia e Análise Existencial – a abordagem psicológica que se debruça sobre a busca do sentido da vida – exalta que a valorização do resultado autotranscendente de qualquer trabalho potencializa a possibilidade de satisfação e o aumento da autoestima. Logo, e por uma reação em cadeia, o homem produtivo encontra o cerne da motivação de forma consistente e inabalável, uma vez que as justificativas ou intenções de seu comportamento estão no outro e no mundo, e não em si mesmo. (Frankl, 2013). O foco na recompensa e nos benefícios individuais promovem um perigoso ciclo: quando se faz algo mirando apenas no que se ganhará em troca, nunca haverá satisfação plena, e a pessoa vai sempre voltar à necessidade de busca inicial. O mesmo se dá em relação ao trabalho. A pessoa que trabalha visando apenas o dinheiro, o status ou as promoções (ou seja, formas de poder) tem apenas uma satisfação momentânea, diferente da pessoa que usa a sua força em prol do crescimento da sociedade, de forma livre e responsável, com a possibilidade de deixar um legado tangível, que transcenda gerações. O tal ciclo se torna perigoso pela justificativa de que tanto o prazer como o poder ou, de forma mais geral, a felicidade ou o reconhecimento, jamais devem ser alvo de nossos esforços, mas sim efeitos colaterais da autodoação despretensiosa, do auxílio, da contribuição. (Frankl, 2011).

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MAIO E A LOGOTERAPIAPsi. Me. Pablo Lincoln Sherlock de Aquino

O mês em que se comemora o dia internacional do trabalho também é dedicado à luta das mulheres por respeito e igualdade de direitos e oportunidades. Em minhas re�exões, um período de tempo que abarca duas datas desse porte é muito especial. A combinação entre o labor e a �gura feminina tem, a cada dia, ensinado a toda a sociedade valores cuja apropriação deve acontecer em cada recanto social.

De forma abrangente, relembramos que, historicamente, o mês de maio tem sido marcado por lutas em prol da classe trabalhadora em diversas partes do planeta. Não apenas no tocante à redução da jornada de trabalho, mas das condições nas quais a produtividade é executada. O psiquiatra e logoterapeuta argentino Roberto Almada declara em sua obra, O Cansaço dos Bons, que “(...) a queixa da maioria dos esgotados não se refere tanto à organização institucional, mas a um ambiente de trabalho insano” (ALMADA, 2013, p. 109).

O esgotamento ao qual Almada se refere condiz com a perda das energias e pulsões criativas e produtivas do pro�ssional/trabalhador no início de sua rotina laboral. Nessa fase, a pessoa produtiva está imbuída de sonhos, expectativas e anseios de realização de um trabalho que satisfaça sua própria alma – e isso acontece mais pela geração de perspectivas de crescimento social e �nanceiro do que pela contemplação de um resultado enriquecedor à sociedade, com o sentido de produção de bens e serviços que gerem benefícios mais sociais que estritamente pessoais.

Viktor Emil Frankl, pai da Logoterapia e Análise Existencial – a abordagem psicológica que se debruça sobre a busca do sentido da vida – exalta que a valorização do resultado autotranscendente de qualquer trabalho potencializa a possibilidade de satisfação e o aumento da autoestima. Logo, e por uma reação em cadeia, o homem produtivo encontra o cerne da motivação de forma consistente e inabalável, uma vez que as justi�cativas ou intenções de seu comportamento estão no outro e no mundo, e não em si mesmo. (Frankl, 2013).

O foco na recompensa e nos benefícios individuais promovem um perigoso ciclo: quando se faz algo mirando apenas no que se ganhará em troca, nunca haverá satisfação plena, e a pessoa vai sempre voltar à necessidade de busca inicial. O mesmo se dá em relação ao trabalho. A pessoa que trabalha visando apenas o dinheiro, o status ou as promoções (ou seja, formas de poder) tem apenas uma satisfação momentânea, diferente da pessoa que usa a sua força em prol do crescimento da sociedade, de forma livre e responsável, com a possibilidade de deixar um legado tangível, que transcenda gerações. O tal ciclo se torna perigoso pela justi�cativa de que tanto o prazer como o poder ou, de forma mais geral, a felicidade ou o reconhecimento, jamais devem ser alvo de nossos esforços, mas sim efeitos colaterais da autodoação despretensiosa, do auxílio, da contribuição. (Frankl, 2011).

O que se vê nas organizações, de forma progressiva, é o adoecimento epidêmico de pro�ssionais cuja etiologia está no vazio existencial, ou seja, na ausência de sentido de vida em suas tarefas ou práticas pro�ssionais. A total falta de perspectiva de uma missão como um legado exclusivo para o benefício de uma causa ou de alguém que não de si próprio. Em muitos casos, as intenções estão no lucro, no status ou em qualquer retorno ou mérito que a excelência na produção ou em um serviço pode dispensar, quase nunca os objetivos e intenções estão no benefício que o produto ou serviço vai gerar para a sociedade. Isso, em termos intencionais, intrínsecos, pois o comportamento por si só pode ser enganador e não revelar o que diz o íntimo intencional.

Costumo dizer que o ambiente organizacional é um microcosmo da vida social. Os fenômenos e emoções possíveis no mundo fora das premissas da organização também ocorrem dentro delas. Não podemos deixar de considerar que lá, assim como em toda esfera social, existem ação e interação humana.

Tomemos por exemplo o acometimento da neurose existencial no seio familiar. Um caso muito comum é a transferência dos anseios, expectativas e frustrações dos pais para seus �lhos. Como o pai bem-sucedido em sua pro�ssão que direciona e, muitas vezes, obriga o �lho a seguir a mesma carreira, como uma rea�rmação egoica de suas escolhas por meio das escolhas do �lho. Essa é uma expectativa de recompensa estritamente egoísta e pouquíssimo autotranscendente.

Esse fenômeno parece ser muito comum entre os pais (homens), e devem existir estudos a esse respeito que permeiam questões sociais, como a cultura do machismo, por exemplo, que é repassada de pai para �lho. Mas é importante aqui registrar uma percepção muito pessoal: o fenômeno citado parece ocorrer com menos frequência entre as mães, ou seja, a aceitação das matriarcas quanto à decisão de seus �lhos é mais comum nelas do que nos patriarcas. Por outro lado, é sensato considerar que há uma frequente confusão de sentimentos maternos entre o amor e a posse, entre o criar para o mundo e o criar para si, para o atendimento de sua vaidade e reconhecimento. Para esses casos, a orientação é a mesma. A busca do reconhecimento pelo reconhecimento é efêmera e frágil. Ele (o reconhecimento) deve ser considerado como um efeito colateral, como diria Frankl, como um bumerangue que atinge seu alvo e, por isso, não tem necessidade de voltar.

Em suma, o que o mês de maio nos inspira é que, seja no ambiente laboral ou no ambiente familiar, é salutar considerar a possibilidade de quebra de paradigmas, a ampliação da consciência para novas percepções, a contundente e incessante busca de uma razão para viver – sempre para alguém, seja seu cliente, seu colega de trabalho, seu cônjuge ou seu �lho, sem visar louros e condecorações, que virão naturalmente. O importante é sentir-se livre para agir, criar e vivenciar o mundo sob o amparo da consciência responsável, que conduz ao sentido e à plenitude da vida, colaborando para o desenvolvimento humano como uma herança da própria existência. Referências:

ALMADA, Roberto. O Cansaço dos bons: a logoterapia como alternativa ao desgaste pro�ssional. São Paulo: Cidade Nova, 2013.

FRANKL, Viktor Emil. A vontade de sentido: fundamentos e aplicações da logoterapia. São Paulo: Paulus, 2011.

__________. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. Editora Sinodal, 2013.