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1MANCHA DE CAFÉ

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2 OLIVIA MAIA2 OLIVIA MAIA

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3MANCHA DE CAFÉMANCHA DE CAFÉ 3

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4 OLIVIA MAIA

SAOPAULONOI

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5MANCHA DE CAFÉ

SAOPAULONOI

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OLIVIA MAIA

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DESELEGÂNCIADISCRETAParte 1 13––––––––––––––––––––––––––––SÃO PAULO S.A.Parte 2 49––––––––––––––––––––––––––––PAULICEIADESVAIRADAParte 3 125––––––––––––––––––––––––––––RONDAParte 4 201––––––––––––––––––––––––––––

SÃO PAULO

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OLIVIA MAIAMANCHA DE CAFÉ

MARCELINOFREIREQUALQUER SEMELHANÇA NÃO É MERA COINCIDÊNCIA

BEATRIZ BRACHER E MARIA S. CARVALHOSAPANAMERICANA

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FERNANDO BONASSIATENDIMENTO 24 HORAS

MARCELORUBENSPAIVABAIXO AUGUSTA

MARÇALAQUINOCOMO SE O MUNDO FOSSE UM BOM LUGAR

TONY BELLOTTOINTRODUÇÃO

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DESELEGÂNCIA DISCRETA

PARTE 1

Guaianases

Panamericana

Mooca, Morumbi, Tatuapé, Bela Vista

Baixo Augusta

Canindé

PAULICEIADESVAIRADA

PARTE 3

Mooca

Vila Carrão, Jardins

Mandaqui

Bixiga

Extremo sul da Zona Sul

Cidade Jardim

República

SÃO PAULO S.A.PARTE 2

RONDAPARTE 4

11

15

30

35

51

77

95

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JÔ SOARESMEU NOME É NICKY NICOLA

MARIO PRATATERESÃO

VANESSA BARBARACONTAMINAÇÃO CRUZADA

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TONYBELLOTTODIÁRIOINÚTIL

FERRÉZFLUXO

ILANACASOYBONICLAIDEE ELA

DRAUZIOVARELLAMARGOT

SOBRE OS AUTORES

PAULICEIADESVAIRADA

PARTE 3

Mooca

Vila Carrão, Jardins

Mandaqui

Bixiga

Extremo sul da Zona Sul

Cidade Jardim

República

RONDAPARTE 4

127

164

189

203

216

228

244

261

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“Desiludido, e um tanto amargurado por ainda não ter aos trinta e poucos caderneta de poupança, tomei a imprevista decisão de mu-dar-me para São Paulo, o que fiz com o impulso e a dramaticidade de quem se transfere de armas e bagagens para um país distante.”

– Marcos Rey

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Introdução

Enciclopédias dirão que São Paulo é o principal centro finan-ceiro, corporativo e mercantil da América do Sul. O censo demográfico comprovará que São Paulo é a cidade

mais populosa do Brasil, do continente americano, da lusofonia e de todo o hemisfério Sul.

Cálculos indicarão que São Paulo é a sétima cidade mais habi-tada do planeta e que sua população de 20 milhões de indivíduos é a oitava aglomeração urbana da Terra.

Estudos garantirão que São Paulo é a cidade brasileira mais influente no cenário mundial, sendo considerada a décima quarta cidade mais globalizada do mundo.

O Globalization and World Cities Study Group and Network a classificará de cidade global alfa.

Em seu brasão se lerá a frase latina “Non ducor, duco”, que sig-nifica “Não sou conduzido, conduzo”.

Publicitários reafirmarão que São Paulo é a cidade que não pode parar.

Especialistas concluirão que por suas ruas desenrola-se (ou enrola-se) o pior trânsito do mundo.

Estudiosos informarão que São Paulo é a cidade mais mul-ticultural do Brasil, tendo recebido, desde 1870, milhões de imi-grantes de todas as partes do planeta e que é a cidade com maiores populações de origens étnicas italiana, portuguesa, japonesa, es-panhola, libanesa e árabe fora de seus países respectivos.

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12 SÃO PAULO NOIR12

Antropólogos ressaltarão que a cidade é o destino de milhares de migrantes que deixam anualmente as regiões mais pobres do Nor-te e do Nordeste do país em busca de melhores condições de vida, e que mais de 30 por cento de sua população é afrodescendente.

Técnicos assegurarão que São Paulo tem altos índices de cri-minalidade.

Sociólogos afirmarão que a cidade tem uma região batizada de Cracolândia e que, entre as comunidades violentas e desassistidas que se alastram por suas periferias, uma traz o irônico nome de Paraisópolis.

Políticos bradarão que São Paulo é o motor do Brasil. Poetas a intitularão de Pauliceia Desvairada, compositores a

apelidarão de Sampa e nostálgicos lembrarão que já foi chamada de A Terra da Garoa.

Todas essas informações, no entanto, não ajudarão o leitor a compreender a cidade.

Eu mesmo, trazido à luz no Jardim Paulista, pouco sei da gran-de metrópole que o engloba.

Foi com a ajuda de Olivia Maia, Jô Soares, Vanessa Barbara, Drauzio Varella, Bia Bracher, Marçal Aquino, Maria Carvalhosa, Mario Prata, Ilana Casoy, Marcelo Rubens Paiva, Ferréz, Marcelino Freire e Fernando Bonassi que tentei entender melhor a cidade em que nasci.

Mais do que historiadores e sociólogos, escritores sempre fo-ram capazes de transformar cidades em grandes personagens. É a maneira que encontramos de decifrar esfinges devoradoras.

Tony Bellotto

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DESELEGÂNCIA DISCRETA

SAO PAULO NOIR

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Mancha de café

Olivia MaiaSé

O café preto: puro, forte, denso. Misturou umas quatro ou cinco colheres de açúcar e mexeu até que ficasse frio, até que as vozes ao redor penetrassem em seus pensamentos

como se fizessem parte deles, como se surgissem deles. Mais al-guma coisa, senhora? Mero detalhe: de onde vinham as vozes. Era quinta-feira e o restaurante estava lotado. Quais sucos vocês têm? Nunca o café estava forte o suficiente e ela nem gostava de café, muito menos doce. Bebida estúpida, e estúpido o docinho metido ali ao lado da xícara, quase se esfarelando no pires. Vê a conta para mim, por favor? O açúcar é que dava ao líquido aquela consistência pegajosa. Esse prato dá para dois?

Ergueu a colher com um pouco de café e o despejou no guar-danapo sobre a mesa. Depois levantou o papel para ver que tam-bém a toalha absorvia um pouco de líquido numa mancha meio amorfa, meio circular, pequena, sem graça. Dá para matar alguém com essa faca?

Quem estava rindo?Chamava-se Lina, mais porque ninguém a chamasse de coisa

alguma, e quase sempre esquecia seu nome quando calhava de se apresentar a alguém. Chamavam-na cada dia por um nome diferen-te. Dizem que é uma faca de açougue, de fatiar porco, não sei. Senho-rita não gostava, que parecia que lhe diziam incapaz, incompleta,

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16 OLIVIA MAIA16

aguardando o homem de seus sonhos de princesa. Como quem espera a vida começar sem nunca arriscar os primeiros passos. A senhorita aceita um café? Lina era bom, soava como um nome de fada, coisa tirada de livro de fantasia. Não era o nome que havia ouvido durante a maior parte da infância, mas também da infância não lembrava quase nada, senão de uma vontade imensa de rir das vozes alheias. Quem é que carrega uma faca de açougue no bolso?

(E sai andando pela rua.)As vozes todas eram às vezes engraçadas. Lina ergueu a xícara

e a encostou nos lábios, mas desistiu quando sentiu o cheiro doce do açúcar. Deixou que a mão pairasse no ar por um tempo para então derramar parte da bebida sobre o pires e o doce farelento, devagar para não espirrar na roupa, que ninguém gosta de roupa suja de café doce. Apoiou a xícara na mesa e tombou um pouco o pires para que o líquido escapasse e manchasse mais uma vez a toalha da mesa. Passou a unha na mancha pegajosa e havia ali uma nostalgia perdida na memória, o tato do tecido molhado, o atrito na ponta do dedo indicador. São sete centímetros, não são? Acho que li em algum site na internet. Que coisa curiosa: uma redução à mé-trica. Ela nunca havia sido muito boa em matemática. Lembrava-se vagamente do sorriso da professora do primário, uma boca ver-melha, terrivelmente vermelha. Obrigado, volte sempre. De nada. Lina, estão chamando lá fora. Esse homem que saiu agora, terno cinza, grisalho, bigode, cara de deputado. Como pode usar bigode em pleno século vinte e um, meu deus. Deve ser deputado. Ou ele disse que era deputado? Vamos, você nem vai tomar o café. Deixa cinco reais em cima da mesa e levanta.

Quem deixa o dinheiro em cima da mesa e vai embora em pleno século vinte e um? Que aconteceu com os costumes, os me-lhores costumes? Essa atitude tão cinematográfica de já sei quanto tenho que pagar não quero olhar outra vez a cara do garçom.

Vamos, Lina.

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17MANCHA DE CAFÉ

Uma milanesa com batata sauté, por favor.A nota de cinco reais e outra de dois, pelas dúvidas e porque

não ia fazer diferença. Aquele bolo gordo e amassado de dinheiro que ela tinha no bolso, sem carteira. Não lembrava onde tinha per-dido a carteira. Esfriou, não? Mas se era agosto, que se vai esperar de agosto. Alguém tinha dito que ia chover. O deputado de bigode pela rua estreita de pedestres com as mãos nos bolsos da calça e um passo largo e preguiçoso de pés grandes, os sapatos de bico fino que pareciam transatlânticos do século dezenove. Que grande equívoco um transatlântico cruzando o piso encardido de ladrilhos brancos e negros e desviando das poças que sem chuva surgiam das entra-nhas da terra. Mas depende do órgão que atinge, do tamanho do corte. Talvez fosse advogado, que essa região é cheia dos advogados e que raça toda errada, esses advogados. Nunca são deputados. Um café depois do almoço e voltar ao escritório inventar burocracia para adiar por mais um mês qualquer causa que já se sabe perdida desde o início. Onde você ouviu isso, Lina? Desde quando entende de direito?

Esse lugar à noite fica impossível.O olhar da mulher, sabe?, tudo o cimento e o asfalto e o zunido

dos carros. A voz monótona que narrava uma rotina repetida de assinar papéis e copiar peças jurídicas, alterar umas datas, uns no-mes. Sempre a mesma ladainha; para isso havia estudado seis anos? O salário no fim do mês e as contas para pagar e a casa para limpar e as roupas para lavar e

(mas ela havia contado tudo aquilo?)talvez fosse melhor se meter outra vez na universidade e estu-

dar algo menos útil como artes ou letras ou oceanografia(em pé, encostada numa parede suja de algum edifício cinzen-

to depois de perguntar se tem fogo?).Porque às vezes ela se perdia. Traçava caminhos que não

eram dela e seguia passos que se confundiam com os desenhos

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