MANDADO DE SEGURANÇA com pedido de tutela de urgência … · EXCELENTÍSSIMA SENHORA MINISTRA...
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EXCELENTÍSSIMA SENHORA MINISTRA PRESIDENTE DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
GLAUBER MEDEIROS DE MEDEIROS BRAGA, brasileiro,
casado, Deputado Federal pelo PSOL/RJ, Líder do Partido na Câmara
dos Deputados, CPF nº 097.407.567-19, endereço eletrônico
[email protected], domiciliado em Brasília, em Praça dos Três
Poderes, Palácio do Congresso Nacional, Câmara dos Deputados,
anexo IV, gabinete 362, CEP 70160-900,
por intermédio de seus advogados abaixo subscritos e firmados,
devidamente constituídos, vem perante esse Colendo Supremo
Tribunal Federal, com fundamento nos artigos 5º, LXIX e 102, I, ‘d’,
ambos da Carta Magna/88, assim como na Lei nº 12.016, de 2009,
interpor
MANDADO DE SEGURANÇA com pedido de tutela
de urgência em caráter l iminar
Contra ato coator praticado por
RODRIGO FELINTO IBARRA EPITÁCIO MAIA, brasileiro, casado,
Deputado Federal, Presidente da Câmara dos Deputados, CPF nº
005.900.487-83, com endereço em Praça dos Três Poderes, Palácio do
Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, CEP 70.160-900, com base
nos fatos e fundamentos expostos a seguir.
2
I. DOS FATOS
Em 18/04/2017, foi apresentado, no Plenário da Câmara dos
Deputados, o Requerimento nº 6281/2017, com a finalidade de conferir à
tramitação do Projeto de Lei nº 6787 de 2016 regime de urgência.
Conforme se depreende do sítio eletrônico da Câmara dos Deputados,
onde constam os registros da tramitação do Projeto de Lei nº 6787 de 2017,
referido requerimento foi rejeitado na mesma data1:
18/04/2017 PLENÁRIO ( PLEN )
Apresentação do Requerimento de Urgência (Art. 155 do RICD)
n. 6281/2017, pelo Líderes, que: "Com base no art. 155 do Re-
gimento Interno, requeremos regime de urgência para a apre-
ciação do PL n. 6.787/2016.". Inteiro teor
Rejeitado o Requerimento de Urgência n° 6281/2017 (Art. 155
do RICD) . Sim: 230; não: 163; abstenção: 1; total: 394.
No dia seguinte, 19/04/2017, foi apresentado novamente, no
Plenário da Câmara dos Deputados, o Requerimento nº 6292/2017, com
finalidade exatamente idêntica – e, pasme, idêntico teor – à do
Requerimento nº 6281/2017, rejeitado pela referida Casa Legislativa na
véspera.
O Autor do presente mandado de segurança, Deputado Federal em
pleno exercício de seu mandato, apresentou Questão de Ordem suscitando
a prejudicialidade do Requerimento nº 6292/2017, visto requerimento de
conteúdo idêntico já ter sido deliberado – e rejeitado – no dia anterior.
Em virtude da imensa relevância da referida Questão de Ordem
para caracterização dos fatos, pede-se licença para transcrever parte das
notas taquigráficas da sessão do dia 19/04/2017:2
1 Disponível em
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2122076&ord=1
Acessado em 20/04/2017. 2 Disponível em
http://www.camara.leg.br/internet/sitaqweb/TextoHTML.asp?etapa=3&nuSessao=083.3.55.O&
nuQuarto=19&nuOrador=1&nuInsercao=0&dtHorarioQuarto=17:56&sgFaseSessao=OD%20
%20%20%20%20%20%20%20&Data=19/04/2017&txApelido=GLAUBER%20BRAGA&txE
tapa=Sem%20reda%C3%A7%C3%A3o%20final
3
Hora: 17h56 Fase: OD
Data: 19/04/2017
O SR. GLAUBER BRAGA (PSOL-RJ. Questão de
ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente,
questão de ordem, art. 164, inciso II.
O art. 164 diz:
Art. 164. O Presidente da Câmara ou de Comissão,
de ofício ou mediante provocação de qualquer
Deputado, declarará prejudicada matéria
pendente de deliberação:
...............................................................................
II - em virtude de prejulgamento pelo Plenário ou
Comissão, em outra deliberação.
Já se deliberou sobre essa matéria. No dia de
ontem, a Câmara dos Deputados disse não a essa
matéria, não a essa urgência. Como é que a gente
agora vai refazer uma votação simplesmente porque
parcela da Câmara, ligada ao Governo, não foi
vitoriosa no requerimento de urgência. Isso não é
razoável. Tivermos quórum, se deliberou sobre a
matéria, ela foi rejeitada pelo Plenário. Então, quer
dizer que se for rejeitada agora, de novo, coloca em
votação, de novo, amanhã; se for rejeitada amanhã,
é terça-feira; se for rejeitada na terça-feira, coloca
na quarta, na quinta, até que seja aprovada? O
nome disso é Regimento Eduardo Cunha. Quem
fazia isso era Cunha: colocava a matéria em
votação, e quando não conseguia a aprovação da
Acessado em 20/04/2017.
4
matéria, colocava em votação novamente. E está aí,
deu no que deu: Eduardo Cunha. A gente não pode
permitir que isso aconteça novamente na Câmara
dos Deputados.
Os Parlamentares, na sua maioria, não querem uma
votação de urgência que retira direitos dos
trabalhadores brasileiros, que faz com que o
negociado prevaleça sobre o legislado, colocando,
sim, em risco férias, 13º salário, Fundo de Garantia,
porque, abrindo as portas, você tem todos esses
direitos sendo colocados em risco.
Então, Sr. Presidente, eu gostaria de solicitar a
V.Exa. — eu sei que essa é a posição de diversos
Líderes partidários e essa matéria já passou por
deliberação — que retirasse esta matéria da pauta
neste momento.
Essa história de que o jogo só vale quando o
resultado é favorável a determinados segmentos e à
base do Governo não é razoável. Nós não vamos
aceitar isso e pedimos a retirada de imediato desta
matéria da pauta, de acordo com o que determina o
art. 164, II, do Regimento Interno da Câmara dos
Deputados.
Não vamos ressuscitar o padrão Eduardo Cunha no
Plenário da Câmara dos Deputados.
(Original sem grifos)
De maneira arbitrária e ao arrepio das normas regimentais, a
autoridade coatora indeferiu a Questão de Ordem. Assim, o Requerimento
nº 6292/2017 foi colocado em votação e, aprovado, conforme se
depreende da tramitação do Projeto de Lei nº 6787 de 20163:
3 Disponível em
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2122076&ord=1
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19/04/2017 PLENÁRIO ( PLEN )
Apresentação do Requerimento de Urgência (Art. 155 do RICD)
n. 6292/2017, pelo Líderes, que: "Com base no art. 155 do Re-
gimento Interno, requeremos regime de urgência na apreciação
do PL n° 6.787/2016 , que altera o Decreto-Lei n° 5.452, de 1°
de maio de 1943 - Consolidação das Leis do Trabalho, e a Lei nº
6.019, de 3 de janeiro de 1974, para dispor sobre eleições de
representantes dos trabalhadores no local de trabalho e sobre
trabalho temporário, e dá outras providências.". Inteiro teor
Aprovado requerimento do Líderes que com base no art. 155 do
Regimento Interno, requeremos regime de urgência na apreci-
ação do PL n° 6.787/2016 , que altera o Decreto-Lei n° 5.452,
de 1° de maio de 1943 - Consolidação das Leis do Trabalho, e a
Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, para dispor sobre eleições
de representantes dos trabalhadores no local de trabalho e so-
bre trabalho temporário, e dá outras providências.
Alteração do Regime de Tramitação desta proposição em virtude
da Aprovação do REQ 6292/2017 => PL 6787/2016.
O direito líquido e certo do Autor, Deputado Federal em pleno
exercício de seu mandato, ao devido processo legislativo foi
profundamente violado, conforme os fatos acima narrados. Em um
primeiro momento, ao ver indeferida sua Questão de Ordem. A dois, ao
ver o Requerimento nº 6292/2017 ser deliberado – e aprovado – em
completa desconformidade com o Regimento Interno da câmara dos
Deputados, visto que a matéria – conferir urgência à tramitação do Projeto
de Lei nº 6787 de 2016 – já havia sido prejulgada pelo Plenário, em outra
deliberação (quando da rejeição do Requerimento nº 6281/2017, rejeitado
pela Câmara dos Deputados na véspera), configurando clara hipótese de
prejudicialidade do Requerimento nº 6292/2017, nos termos do art. 164,
II do RICD.
Acessado em 20/04/2017.
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Há evidente ilegalidade na conduta da autoridade coatora, ao
indeferir a Questão de Ordem do Autor, não declarando prejudicado o
Requerimento nº 6292/2017 e colocando este em deliberação.
Assim, o não restou ao Autor outra opção que não se socorrer ao
Poder Judiciário para ver sanada a lesão a seu direito.
II. DO DIREITO
II.1 CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS
II.1.1 DA LEGITIMIDADE ATIVA
. Conforme jurisprudência sedimentada deste Supremo
Tribunal Federal, o Parlamentar no exercício do mandato possui
legitimidade ativa para interpor mandado de segurança em caso de
violação do devido processo legislativo. Em brilhante lição do Ministro
Nelson Jobin, os membros do Congresso Nacional têm legitimidade ativa
para impetrar mandado de segurança com o objetivo de ver observado o
devido processo legislativo constitucional. Com esse entendimento, o
Tribunal, reconheceu o direito público subjetivo de deputado federal à
correta observância das regras da Constituição4.
Assim, por ser o impetrante Deputado Federal em pleno
exercício do seu mandato, comprova-se a legitimidade ativa da demanda.
II.1.2 DA TEMPESTIVIDADE
Nos termos do art. 23 da Lei nº 12.016/2009, que disciplina
o mandado de segurança individual e coletivo, o direito de requerer
mandado de segurança é extinto após decorridos cento e vinte dias a partir
da ciência, pelo interessado, do ato impugnado.
4 MS 24.041-DF, rel. Min. Nelson Jobim, 29.8.2001.(MS-24041)
7
Conforme aduzido alhures, tomou-se conhecimento do ato a
ser combatido em 19.04.2017. Comprovada, portanto, a tempestividade da
demanda.
II.1.3 DA LEGITIMIDADE PASSIVA
Nos termos do art. 1º da já mencionada Lei nº 12.016/2009,
será concedido mandado de segurança para proteger direito líquido e certo,
não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente
ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação
ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que
categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.
O ato impugnado é de autoria do Presidente da Câmara dos
Deputados, autoridade para os fins determinados pelo supracitado
dispositivo legal.
De acordo com o art. 17, I, ‘n” do Regimento Interno da
Câmara dos Deputados, é competência do Presidente da Câmara dos
Deputados decidir as Questões de Ordem.
Demonstrada, portando, a legitimidade passiva da
autoridade coatora.
II.1.3 DA COMPETÊNCIA
Consoante art. 102, I, “d” da Constituição da República,
compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar originariamente
o mandado de segurança contra atos do Presidente da Câmara dos
Deputados.
Por conseguinte, demonstrada está a competência do foro
elegido para propositura da presente ação.
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II.2 DA ILEGALIDADE DO ATO IMPUGNADO
O Regimento Interno da Câmara dos Deputados, ao dispor sobre a
prejudicialidade de proposições, determina ao Presidente da Casa que
declare a prejudicialidade de matéria que já tenha sido julgada pelo
Plenário anteriormente:
Art. 164. O Presidente da Câmara ou de Comissão,
de ofício ou mediante provocação de qualquer
Deputado, declarará prejudicada matéria pendente
de deliberação:
I - por haver perdido a oportunidade;
II - em virtude de prejulgamento pelo Plenário ou
Comissão, em outra deliberação.
§ 1º Em qualquer caso, a declaração de
prejudicialidade será feita perante a Câmara ou
Comissão, sendo o despacho publicado no Diário da
Câmara dos Deputados.
§ 2º Da declaração de prejudicialidade poderá o
Autor da proposição, no prazo de cinco sessões a
partir da publicação do despacho, ou imediatamente,
na hipótese do parágrafo subseqüente, interpor
recurso ao Plenário da Câmara, que deliberará,
ouvida a Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania. (Parágrafo com redação adaptada à
Resolução nº 20, de 2004)
§ 3º Se a prejudicialidade, declarada no curso de
votação, disser respeito a emenda ou dispositivo de
matéria em apreciação, o parecer da Comissão de
Constituição e Justiça e de Cidadania será proferido
oralmente. (Parágrafo com redação adaptada à
Resolução nº 20, de 2004)
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§ 4º A proposição dada como prejudicada será
definitivamente arquivada pelo Presidente da
Câmara.
(Original sem grifos)
Os Requerimentos de Urgência nºs 6281/2017 e 6292/2017 não só
possuem idênticos objetivos, qual seja, conferir regime de urgência para a
tramitação do PL 6787/2016, como também possuem exatamente o
mesmo teor. É notório o caráter impositivo da regra do dispositivo supra
colocado, o qual vincula diretamente a ação do Presidente ao
prejulgamento da matéria, sem dar margem a qualquer eventual
discricionariedade no ato. Ainda, se não o fizer ex officio, deve fazê-lo se
provocado, como foi no caso em tela, por meio da Questão de Ordem
levantada pelo Autor e indeferida de pronto, com base na Questão de
Ordem nº 275/2013, único precedente do caso, que não é prática
costumeira da Casa.
Vale salientar que as Questões de Ordem não têm efeito vinculante.
São meras respostas do Presidente, efetivo ou em exercício, a dúvidas
regimentais levantadas pelos deputados. Tanto não se consubstanciam em
normas, que o próprio Regimento Interno determina que a Mesa proponha
as alterações regimentais delas decorrentes, se for o caso, para que, assim,
tenham força normativa5.
Note-se que um projeto em regime de urgência tem a sua discussão
encurtada, tanto em número de debatedores quanto em tempo de fala para
cada um deles 6 . Ademais, a apresentação de emendas também fica
5 Art. 95. Considera-se questão de ordem toda dúvida sobre a interpretação deste Regimento, na
sua prática exclusiva ou relacionada com a Constituição Federal.
...................................................................................................................................................
§ 10. As decisões sobre questão de ordem serão registradas e indexadas em livro especial, a que
se dará anualmente ampla divulgação; a Mesa elaborará projeto de resolução propondo, se for o
caso, as alterações regimentais delas decorrentes, para apreciação em tempo hábil, antes de findo
o biênio. 6 Art. 157. Aprovado o requerimento de urgência, entrará a matéria em discussão na sessão
imediata, ocupando o primeiro lugar na Ordem do Dia.
§ 1º Se não houver parecer, e a Comissão ou Comissões que tiverem de opinar sobre a matéria
não se julgarem habilitadas a emiti-lo na referida sessão, poderão solicitar, para isso, prazo
conjunto não excedente de duas sessões, que lhes será concedido pelo Presidente e comunicado
ao Plenário, observando-se o que prescreve o art. 49.
§ 2º Findo o prazo concedido, a proposição será incluída na Ordem do Dia para imediata
10
dificultada, pois o prazo é bem menor e exige-se o apoiamento de 103
deputados para cada emenda, que ordinariamente poderia ser apresentada
por um deputado individualmente7.
Ora, alterar o regime de tramitação de uma proposição,
transformando-a em urgente, significa, como se percebe, restringir o
debate acerca do tema ali disciplinado, em prol de um possível
encurtamento do prazo de tramitação. Não se pode, portanto, tratar um
requerimento de urgência da mesma forma que os chamados
“requerimentos procedimentais”, como de retirada de pauta, adiamento de
discussão, adiamento de votação, entre outros, os quais, por sua vez,
aumentam as oportunidades de se debater uma matéria na Casa. Estes
podem ser reapresentados em diferentes sessões. Àqueles, no entanto, pela
excepcionalidade dos efeitos gerados na apreciação, em especial pelo
prejuízo causado à oportunidade de amadurecimento do texto de um
projeto de lei na Casa, não se aplica, nem se poderia aplicar, a mesma regra.
É cristalino, portanto, que a segunda votação de um requerimento
de urgência para a tramitação do PL 6787/2016 afronta a regra do art. 164,
II, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Tal atitude do
Presidente da Casa, além de desrespeitar o devido processo legislativo, é
antirrepublicana e antidemocrática.
discussão e votação, com parecer ou sem ele. Anunciada a discussão, sem parecer de qualquer
Comissão, o Presidente designará Relator que o dará verbalmente no decorrer da sessão, ou na
sessão seguinte, a seu pedido.
§ 3º Na discussão e no encaminhamento de votação de proposição em regime de urgência, só o
Autor, o Relator e Deputados inscritos poderão usar da palavra, e por metade do prazo previsto
para matérias em tramitação normal, alternando-se, quanto possível, os oradores favoráveis e
contrários. Após falarem seis Deputados, encerrar-se-ão, a requerimento da maioria absoluta da
composição da Câmara, ou de Líderes que representem esse número, a discussão e o
encaminhamento da votação.
§ 4º Encerrada a discussão com emendas, serão elas imediatamente distribuídas às Comissões
respectivas e mandadas a publicar. As Comissões têm prazo de uma sessão, a contar do
recebimento das emendas, para emitir parecer, o qual pode ser dado verbalmente, por motivo
justificado.
§ 5º A realização de diligência nos projetos em regime de urgência não implica dilação dos prazos
para sua apreciação. 7 Art. 120. As emendas de Plenário serão apresentadas:
..................................................................................................................................................
§ 4º As proposições urgentes, ou que se tornarem urgentes em virtude de
requerimento, só receberão emendas de Comissão ou subscritas por um quinto dos membros
da Câmara ou Líderes que representem este número, desde que apresentadas em Plenário até
o início da votação da matéria.
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Pode-se argumentar que se trata de matéria interna corporis, e, por
consequência, imune ao escrutínio judicial. Tal juízo não poderia estar
mais errado, visto que normas regimentais também são normas jurídicas e,
como tais, em respeito ao direito fundamental à inafastabilidade da
jurisdição, devem ter sua inobservância corrigida pelo Poder Judiciário.
Tal foi o entendimento do eminente Ministro Luiz Fux no MS
34530. Em virtude do imenso valor e clareza que caracterizam a
manifestação do referido Magistrado, mais uma vez, pede-se licença para
transcrever:
“Considerada a análise conglobante entre as normas
constitucionais e as contidas no Regimento Interno das
Casas Legislativas, é de se ressaltar a impropriedade da
visão atávica que qualifica as discussões sobre
transgressões a normas regimentais como questões
interna corporis, imunes ao controle judicial. Subjacente
a tal orientação encontra-se um resquício da concepção
ortodoxa do princípio da separação de poderes, que, de
certa forma, ainda visualiza a existência de domínios
infensos à intervenção judicial, reservados que seriam à
instituição parlamentar, responsável pela solução final de
toda e qualquer matéria emergente no seu interior.
Tal concepção, todavia, não é a mais adequada. Em um
Estado Democrático de Direito, como o é a República
Federativa do Brasil (CF, art. 1 º, caput), é paradoxal
conceber a existência de campos que estejam blindados
contra a revisão jurisdicional, adstritos tão somente à
alçada exclusiva do respectivo Poder. Insulamento de tal
monta é capaz de comprometer a própria higidez do
processo legislativo e, no limite, o adequado
funcionamento das instituições democráticas. Daí por
que se impõe revisitar esta atávica jurisprudência do
Tribunal.
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Há pelo menos quatro razões substantivas para não se
transigir com este entendimento ortodoxo e,
consequentemente, encampar um elastério no controle
jurisdicional nas questões jurídicas porventura existentes
nas vísceras de cada Poder.
Em primeiro lugar, as disposições regimentais
consubstanciam, em tese, autênticas normas jurídicas e,
como tais, são dotadas de imperatividade e de caráter
vinculante. Sua violação, ademais, habilita a pronta e
imediata resposta do ordenamento jurídico. Nesse
cenário, é inconcebível a existência de normas cujo
cumprimento não se possa exigir coercitivamente. Não
há aqui outra alternativa: (i) ou bem as normas
regimentais são verdadeiramente normas e, portanto,
viabilizam sua judicialização, (ii) ou, a rigor, não se
trata de normas jurídicas, mas simples recomendações,
de adesão facultativa pelos seus destinatários. Este
último não parece ser o caso.
Em segundo lugar, conforme assentado supra, o papel das
normas constitucionais é puramente estabelecer balizas
genéricas para a atuação do legislador, sem descer às
minúcias dos diferentes assuntos nela versados. E isso é
verdadeiro também para o processo legislativo
constitucional. Seus detalhes ficam a cargo do próprio
corpo legislativo quando da elaboração dos Regimentos
Internos. A fixação de tal regramento denota
autolimitação voluntária por parte dos próprios
legisladores, enquanto produção normativa endógena,
que traduz um pré-compromisso com a disciplina interna
de suas atividades. Disso decorre que se, por um lado, há
um prévio espaço de conformação na elaboração da
disciplina interna das Casas Legislativas, por outro lado,
não menos certa é a assertiva segundo a qual uma vez
fixadas as disposições regimentais, tem-se o dever de
estrita e rigorosa vinculação dos representantes do povo
13
a tais normas que disciplinam o cotidiano da atividade
legiferante. É dizer, o seu (des)cumprimento escapa à
discricionariedade do legislador.
Em terceiro lugar, como corolário do pré-compromisso
firmado, as normas atinentes ao processo legislativo se
apresentam como regras impessoais que conferem
previsibilidade e segurança às minorias parlamentares,
as quais podem, assim, conhecer e participar do
processo interno de deliberação. Justamente porque
fixadas ex ante, as prescrições regimentais impedem que
as maiorias eventuais atropelem, a cada instante, os
grupos minoritários. As normas de funcionamento
interno das casas legislativas assumem aí colorido novo,
ao consubstanciarem elemento indispensável para a
institucionalização e racionalização do poder,
promovendo o tão necessário equilíbrio entre maioria e
minoria. Similar advertência foi feita pelo i. Ministro
Marco Aurélio, que em lapidar lição assentou que o
desrespeito às regras regimentais "não se faz ao abrigo
de imutabilidade jurisdicional, sob pena de reinar no seio
das Casas Legislativas a babei, passando a maioria a
ditar, para cada caso concreto, o que deve ser observado.
As normas instrumentais, tenham ou não idoneidade
constitucional, conferem a certeza quanto aos meios a
serem utilizados e exsurgem como garantia maior à
participação parlamentar.". (STF, MS nº 22.503/DF, rei.
Min. Marco Aurélio, DJ de 06.06.1997).
Em quarto lugar, há um argumento de cidadania para
admitir a sindicabilidade judicial nas hipóteses de estrito
descumprimento das disposições regimentais. Trata-se
de zelar pelo cumprimento das regras do jogo
democrático, de modo a assegurar o pluralismo
necessário e exigido constitucionalmente no processo de
elaboração das leis. Por oportuno, vale transcrever a
percuciente análise do professor da Faculdade de Direito
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da Universidade de Minas Gerais Marcelo Andrade
Cattoni de Oliveira, em sua tese de doutoramento
intitulada Devido Processo Legislativo, quando afirma
que "( .. .) esses requisitos formais são, de uma
perspectiva normativa, condições processuais que devem
garantir um processo legislativo democrático, ou seja, a
institucionalização jurídica de formas discursivas e
negociais que, sob condições de complexidade da
sociedade atual, devem garantir o exercício da
autonomia jurídica - pública e privada – dos cidadãos. O
que está em questão é a própria cidadania em geral e não
o direito de minorias parlamentares ou as devidas
condições para a atividade legislativa de um parlamentar
"X" ou "Y". Não se deve, inclusive, tratar o exercício de
um mandato representativo como questão privada, ainda
que sob o rótulo de 'direito público subjetivo' do
parlamentar individualmente considerado, já que os
parlamentares, na verdade, exercem função pública e
representação política; e é precisamente o exercício
necessariamente público, no mínimo coletivo ou
partidário, dessa função que se encontra em risco. Trata-
se da defesa da garantia do pluralismo no processo de
produção legislativa, na defesa da própria democracia
enquanto respeito às regras do jogo ( ... )". (OLIVEIRA,
Marcelo Andrade Cattoni de. Devido Processo
Legislativo. Belo Horizonte: Mandamentos, 2001, p. 25-
26).” (original sem grifos)
O ato ora impugnado, qual seja, a colocação em pauta do
Requerimento de Urgência nº 6292/2017 e sua consequente votação, após
a rejeição do Requerimento de Urgência nº 6281/2017 de igual teor, fere
de morte o direito líquido e certo do Autor, Deputado Federal em pleno
exercício do mandato, à observância do devido processo legislativo.
15
III. DOS PEDIDOS
Diante de todo o exposto, é patente a violação do direito líquido e
certo à observância do devido processo legislativo. Assim, requer-se desde
já seja concedida ordem para reconhecer a ilegalidade do ato impugnado,
suspendendo-se os efeitos da deliberação do Requerimento de
Urgência nº 6292/2017 até que o julgamento definitivo do mérito.
III.1 DA TUTELA DE URGÊNCIA EM CARÁTER
LIMINAR
Presentes estão os requisitos para a concessão da medida liminar,
nos termos do art. 7º, III da Lei nº 12.016/2009, assim como do art. 300
do Código de Processo Civil.
A evidência da probabilidade do direito está suficientemente
caracterizada pelos argumentos deduzidos até aqui.
O perigo de dano resta evidente do fato de que, conferido regime
de urgência à tramitação do Projeto de Lei nº 6787 de 2016, este pode ser
deliberado na próxima semana pelo Plenário da Câmara dos Deputados. O
Projeto em questão consta como único item da pauta prevista para o dia
26 de abril de 2017.
A deliberação do referido Projeto de Lei pelo Plenário da Câmara
dos Deputados em regime de urgência gerará consequências de difícil
reversibilidade caso este mandamus seja posteriormente deferido, com
grave ameaça à segurança jurídica.
É urgente tutelar o interesse defendido.
Por tais razões, requer-se, liminarmente, seja suspensa a eficácia do
ato lesivo impugnado, até o julgamento definitivo da ação, suspendendo-
se os efeitos da deliberação do Requerimento nº 6292/2017 até
julgamento definitivo do mérito.
16
III.2 PEDIDOS FINAIS
Tendo em vista os fundamentos fáticos e jurídicos expostos, requer
o Autor:
a) Seja deferido pedido de suspensão liminar dos efeitos da
deliberação do Requerimento de Urgência nº 6292/2017 até o
julgamento definitivo do mérito;
b) No mérito, seja concedida a ordem para reconhecer a ilegalidade
do ato colocação em deliberação do Requerimento de Urgência
nº 6292/2017, em virtude de sua prejudicialidade;
c) Seja notificada a autoridade coatora para prestar informações no
prazo legal, nos termos do art. 7º, I da Lei nº 12.016/2009;
d) Seja dada ciência do feito à Advocacia Geral da União, nos
termos do art. 7º, II da Lei nº 12.016/2009;
e) Seja notificado o ilustre representante do Ministério Público,
para, nos termos do artigo 12 da Lei nº 12.016/2009, opinar
acerca da presente demanda.
Termos em que
pede deferimento
Brasília, 20 de abril de 2017.
ANDRÉ MAIMONI
OAB/DF nº 29.498