MANIFESTAÇÕES DE 2013: QUAIS FORAM AS IMAGENS NA … · Kubitschek, quando um refrão cedeu ao...

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MANIFESTAÇÕES DE 2013: QUAIS FORAM AS IMAGENS NA INSTÂNCIA DA IMAGEM AO VIVO? Karina Leal Yamamoto 1 Resumo: A proposta dessa pesquisa é buscar as imagens das manifestações de 2013 imagens que, nas perspectivas teóricas estudadas nesse trabalho, são mais que fotos, registros em vídeo ou memes. Elas surgem no contexto da sociedade do espetáculo (DEBORD, 1992), do mundo acústico da era da eletricidade (McLUHAN, 1994) e da instância da imagem ao vivo (BUCCI, 2002). São sociais (dependem do olhar social para chegar à existência), precisam circular (para adquirir valor e significado) e fundam uma nova visibilidade (THOMPSON, 2014). O método utilizado deverá ser a análise de conteúdo com diversas categorias a serem estudadas. Palavraschave: Imagem. Manifestações de 2013. Instância da imagem ao vivo. Valor de gozo. Visibilidade Introdução São Paulo, 17 de junho de 2013. Já era noite. Milhares de pessoas caminhavam no silêncio possível, que era interrompido vez ou outra por alguma estrofe de protesto. Vinham do Largo da Batata e passavam pela avenida Faria Lima, quase altura da Juscelino Kubitschek, quando um refrão cedeu ao espanto. Em efeito dominó, um a um, os participantes começaram a apontar com as mãos e os celulares para um prédio ainda inacabado, cuja fachada era um espelho perfeito. “Ó!”, diziam claramente uma contração de “olha!”. Impossível conter qualquer tipo de interjeição . Foto alguma, vídeo algum poderia reproduzir. 2 Refletida como multidão, a passeata se (re)conhecia. Traduzida em imagem, que mostrava a força da correnteza de gente movida por uma diversidade de insatisfações. Se não acordou, o gigante se viu. A manifestação acontecia em imagem. Naquela noite, cerca de 65 mil pessoas foram às ruas para protestando também contra o aumento da tarifa de ônibus, mas, principalmente, contra a truculência da polícia em outra manifestação, há três dias. Antes desse 5º Grande Ato contra o Aumento, apenas o Fora 1 Mestranda no Programa de PósGraduação da ECAUSP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Pualo. Email:[email protected] . 2 A autora deste trabalho participou do 5º Grande Ato contra o Aumento, em 17 de junho de 2013.

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MANIFESTAÇÕES DE 2013: QUAIS FORAM AS IMAGENS NA INSTÂNCIA DA IMAGEM AO VIVO? Karina Leal Yamamoto 1

Resumo: A proposta dessa pesquisa é buscar as imagens das manifestações de 2013 ­­ imagens que, nas perspectivas teóricas estudadas nesse trabalho, são mais que fotos, registros em vídeo ou memes. Elas surgem no contexto da sociedade do espetáculo (DEBORD, 1992), do mundo acústico da era da eletricidade (McLUHAN, 1994) e da instância da imagem ao vivo (BUCCI, 2002). São sociais (dependem do olhar social para chegar à existência), precisam circular (para adquirir valor e significado) e fundam uma nova visibilidade (THOMPSON, 2014). O método utilizado deverá ser a análise de conteúdo com diversas categorias a serem estudadas. Palavras­chave: Imagem. Manifestações de 2013. Instância da imagem ao vivo. Valor de gozo. Visibilidade Introdução

São Paulo, 17 de junho de 2013. Já era noite. Milhares de pessoas caminhavam no

silêncio possível, que era interrompido vez ou outra por alguma estrofe de protesto. Vinham

do Largo da Batata e passavam pela avenida Faria Lima, quase altura da Juscelino

Kubitschek, quando um refrão cedeu ao espanto. Em efeito dominó, um a um, os participantes

começaram a apontar com as mãos e os celulares para um prédio ainda inacabado, cuja

fachada era um espelho perfeito. “Ó!”, diziam ­­ claramente uma contração de “olha!”.

Impossível conter qualquer tipo de interjeição . Foto alguma, vídeo algum poderia reproduzir. 2

Refletida como multidão, a passeata se (re)conhecia. Traduzida em imagem, que mostrava a

força da correnteza de gente movida por uma diversidade de insatisfações. Se não acordou, o

gigante se viu. A manifestação acontecia em imagem.

Naquela noite, cerca de 65 mil pessoas foram às ruas para protestando também contra

o aumento da tarifa de ônibus, mas, principalmente, contra a truculência da polícia em outra

manifestação, há três dias. Antes desse 5º Grande Ato contra o Aumento, apenas o Fora

1 Mestranda no Programa de Pós­Graduação da ECA­USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Pualo. E­mail:[email protected]. 2 A autora deste trabalho participou do 5º Grande Ato contra o Aumento, em 17 de junho de 2013.

Collor, que pedia o impeachment do presidente em 1992, havia reunido tanta gente na capital 3

paulista, 350 mil. Houve quem chamasse as manifestações de “Jornadas de Junho” , 4

comparando­as àquelas da França revolucionária de 1848. Revolucionário ou reformista, o

conjunto de protestos ­­ passeatas em sua maioria ­­ mexeu com o país, inaugurando uma

série de outras manifestações com outras pautas e outras demandas. Um rio de pessoas

transbordou por São Paulo. A multidão inundou as ruas, criando no sistema viário um outro

tipo de circulação ­­ ao mesmo tempo em que obstruía as artérias urbanas da insalubre São

Paulo. As manifestações de 2013 também aconteceram como imagem.

Ao usar os próprios corpos para criar essa imagem, os manifestantes foram para o 5

embate político com o Poder Público para além do nível da representação (DEBORD, 1992, 6

p. 13). Queriam a revogação do aumento da tarifa de ônibus que passaria de R$ 3 a R$ 3,20,

um pedido pontual que resumia sua discordância com as políticas de mobilidade urbana e, em

última instância, do capital que privilegia acordos com os donos das frotas ao conforto dos

trabalhadores usuários do serviço. Naquele 17 de junho, o ato também era de repúdio à ação

violenta e desproporcional da Polícia Militar do Estado de São Paulo nos protestos do dia 13.

Esse balé foi coreografado pelo MPL (Movimento Passe Livre), cuja bandeira é a

gratuidade do transporte público. Eles “articulam­se em rede, em relações de poder mais

3Fonte: Folha de S. Paulo: Protesto em São Paulo é o maior desde manifestação contra Collor. Acesso em 23/5/2015 <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/06/1296834­protesto­em­sao­paulo­e­o­maior­desde­manifestacao­contra­collor.shtml> 4“A série de protestos que ocorreram em junho de 2013 foi denominada por alguns de "Jornadas de Junho". Segundo o cientista político André Singer, em um artigo da revista Novos Estudos, pode haver uma discussão sobre o uso do termo “jornada”, uma vez que no caso brasileiro o conjunto das manifestações não provocou a mesma turbulência política que as jornadas “originais”. A expressão jornadas de junho se refere historicamente às manifestações na França, no contexto da Revolução de 1848. Para ele, talvez fosse melhor não relacionar o termo jornadas com as manifestações brasileiras.” SILVA, Andreia. Manifestações de junho: qual é o saldo dos protestos um ano depois? Conteúdo do UOL Educação, editado pela autora desta dissertação. Acesso em 23/5/2015 <http://vestibular.uol.com.br/resumo­das­disciplinas/atualidades/manifestacoes­de­junho­de­2013­qual­e­o­saldo­dos­protestos­um­ano­depois.htm> 5 “Mas hoje o tema da ocupação ­ no sentido do controle do espaço, mesmo que por um certo período, e, a partir daí, a ação direta na gestão de seus fluxos ­ tem forte ressonância no sentido, que parece generalizado, do alheamento em relação aos processos decisórios na política e da falta de expressão pública de parte significativa da população. Ocupando as ruas, reorganizando os espaços e reapropriando suas formas, seguindo a linha teórica avançada por David Harvey em seu artigo, aqueles que são alijados do poder de decisão sobre seu destino tomam esse destino com seu próprio corpo, por meio da ação direta.” (ROLNIK, 2013, p. 10) 6 “A sociedade que modela tudo o que cerca construiu uma técnica especial para agir sobre o que dá sustentação a essas tarefas: o próprio território. O urbanismo é a tomada de posse do ambiente natural e humano pelo capitalismo que, ao desenvolver sua lógica de dominação absoluta, pode e deve agora refazer a totalidade do espaço como seu próprio cenário.” (DEBORD, 1992, p. 112)

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horizontais. Dominam novas técnicas, sobretudo associadas à tecnologia, e sua linguagem

política é menos engessada, se comparada aos grupos tradicionais de organizações de

juventudes de esquerda” (JUDENSNAIDER, LIMA, POMAR, ORTELLADO, 2013, p. 15).

A organização, a divulgação e a repercussão dos protestos eram tramadas pela internet:

convocações pelo Facebook, distribuição de fotos e transmissões em tempo real, divulgação

de vídeos pelo YouTube, confecção de memes e registros editados dos acontecimentos

distribuídos pelo Twitter. Em certa medida, o que se viu nas ruas foi um transbordamento

físico de toda essa movimentação virtual. Mas que se diga: o MPL é um grupo de atuação

muito anterior aos protestos de 2013 e tem capilaridade nacional. Esse novo movimento de

juventude parece conhecer bem os mecanismos do espetáculo (DEBORD, 1992, P. 13), mas

não cede a ele. Podemos explicar melhor: ao mesmo tempo em que produziam imagens de

inegável interesse midiático, como queimar catracas de papelão e bloquear ruas e avenidas,

eles não usavam carros de som, valendo­se da estratégia de jogral em que os próprios

manifestantes vão repetindo as palavras de ordem uns aos outros. As passeatas se

apresentavam como escolas de samba, organizadas por alas: na comissão de frente, os black

blocs fazem a segurança, seguidos da bateria para puxar e animar os gritos de guerra, grupos

políticos andavam organizados em blocos e, por todo o cortejo, organizadores ajudam na

condução da passeata.

Um outro aspecto dos protestos de 2013, em que o MPL e o coletivo Mídia N.I.N.J.A

(Narrativas Independentes Jornalismo Ação) tiveram protagonismo, foi seu caráter midiático

­­ não apenas porque a mediatização tenha sido transversal a todo processo, mas também

porque, no pacote de reivindicações, eles pediam democracia nos meios de comunicação e

faziam crítica à mídia ­­ profissionais foram atacados e carros de grandes emissoras foram

queimados. “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”, gritavam. A movimentação foi tão

intensa e a pressão pública tão forte que mesmo a gigante Rede Globo chegou a se render e,

ao menos uma vez, explicou­se no ar, fazendo defesa da própria imparcialidade. William

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Bonner, âncora do principal produto jornalístico da emissora (o Jornal Nacional), disse ao

vivo que a emissora “dava voz” às reivindicações dos manifestantes. 7

Apesar de não ser bobo, o povo não venceu. As pautas ­­ difusas e aparentes em

cartazes escolares de cartolina e canetinha ­­ foram se modificando e o tom dos protestos foi

tomando outros rumos entre 2013 e 2014 numa guinada considerada conservadora. O

estopim, de alguma forma, refletia no Brasil movimentos que ocorriam na Europa (Occupy e

15M da Espanha), no Oriente Médio e norte da África (Primavera Árabe) ­­ parecia o

contágio de um vírus que passou de computador a computador, infestando, na sequência, as

ruas. As narrativas ultrapassaram fronteiras políticas ­­ e foram vistas em todo o mundo, como

a aglomeração da Praça Tahir, no Egito em 2011. Elas foram transmitidas ao vivo ­ tanto por

redes de TV como por cidadãos conectados com material tecnológico de baixo custo.

Aconteceram na rede, formando, por alguns momentos, novas configurações de espaços

públicos. O idioma falado não foi limitação: era possível identificar a repressão policial contra

um manifestante desarmado ou a revolta que estilhaça os vidros de uma fachada de instituição

que representa os donos do poder (econômico ou político) ou das marcas (de refrigerantes ou

de rede de lanchonetes), assim como logo se via quem são os simpatizantes da legião

Anonymous com suas máscaras de Guy Fawkes (um herói da cultura hacker). São imagens

que se reconhecem em qualquer tela. Os rios de gente se tornam o signo do descontentamento.

As pautas não são as mesmas, mas estão conectados pelas redes ­­ Facebook, Youtube,

Twitter ­­, que formam uma instância, um receptáculo com um volume tão grande de registros

e informações que a mídia tradicional não consegue ignorar. O indivíduo, que havia se

perdido na massa, se reencontra na multidão em protesto, se reconhece e se identifica. E isso

acontece em imagem. Como imagem.

“Se a multidão do século passado ligava­se à cidade pela atenção dos seus cinco sentidos, começando pela visão e culminando pelo contato físico, o habitante da metrópole global tem seus sentidos expandidos tecnologicamente, ou seja, vê tecnologicamente para ter condições

7 Transcrição de trecho de diálogo entre Bonner e Patrícia Poeta, sua colega de bancada, feita pela autora deste trabalho Bonner: Ainda há pouco você [Patrícia] fazia uma referência a essa cena lamentável de um carro de uma emissora de televisão sendo queimado, já tivemos como você bem lembrou um outro caso esta semana. O que é mais triste nisso é que o trabalho da imprensa é exatamente para dar voz às reivindicações de todos os manifestantes. Patrícia: O que a gente tem feito. Bonner: O que a maioria absoluta dos manifestantes, inclusive, reconhece.

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de apreender uma cidade mais complexa, que exige outra experiência sensível e, sobretudo, visível.” (FERRARA, 2000, p. 93) É com o estudo dessa “outra experiência sensível” ­­ ou sobre o domínio da

representação do visível ­­ que esta dissertação pretende contribuir. Em primeiro lugar,

buscando na análise do material das manifestações de 2013, quais foram as imagens que

circularam. Para alcançar esse objetivo empírico, é necessário um esforço teórico anterior,

compreender que imagem é essa. Essa trajetória começa em busca do conceito de imagem em

três contextos: a sociedade do espetáculo (DEBORD, 1992), o mundo acústico da era da

eletricidade (McLUHAN, 1994) e a instância da imagem ao vivo (BUCCI, 2002). Há nas três

perspectivas teóricas chaves comuns de entendimento do contexto comunicacional que vamos

estudar: o papel central da imagem nas relações sociais, a hegemonia do consumo e a

mudança do estatuto do tempo (que fica instantâneo) e do espaço (que passa a ser ubíquo).

Essa imagem se mostra, pois, social (se não for olhada, não terá valor), itinerante

(precisa circular para ser olhada) e instável (não se prende a um único significado), tendo a

visibilidade como elemento fundante. Para compreender o contexto em que essa nova

visibilidade (THOMPSON, 2014) surgiu, é preciso ponderar sobre a potencialização do

espetáculo (DEBORD, 1992) nos meios (McLUHAN, 1994).

Vivemos entre telas onde piscam imagens de toda sorte: denúnicas, anúncios, sexo

visual. Ao quebrar as barreiras do tempo, que se tornou instantâneo, e do espaço, que ficou

ubíquo, as tecnologias mudaram nossa maneira de viver. O contexto é favorável à circulação

da imagem, que ganha centralidade na Comunicação (COULDRY, 2008; VATTIMO, 1997;

SHIRKY, 2011). Mas não se trata de qualquer imagem ­­ ela é social, circula e precisa ser

vista (DEBORD, 1992; McLUHAN, 1994; BUCCI, 2002; THOMPSON, 2008) . Mais que

isso, ela precisa ser estudada.

As manifestações de 2013 produziram uma grande gigantesca massa de registros

(fotos, vídeos, memes), além de uma agitação sem precedentes no cenário político. Houve

quem as chamasse de Jornadas de Junho, fazendo parelelo com as famosas jornadas da

Revolução de 1848 na França (LINCOLN, 2013), mas não há unanimidade a esse respeito

(SINGER, 2013). Algumas de suas características a tornam momento interessante de

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observação: nasceram nas redes sociais, foram transmitidas em tempo real, geraram muitos

memes. Aconteceram na instância da imagem ao vivo.

OBJETO DE PESQUISA, QUADRO TEÓRICO E OBJETIVO

Partindo da ideia de que há um novo modo de produção que atinge o imaginário

(BUCCI, 2002), a proposta desta pesquisa é refletir sobre o conceito dessa imagem que

impera na instância da imagem ao vivo(BUCCI, 2002). O contexto comunicacional em que o

fenômeno ocorre é a sociedade do espetáculo (DEBORD, 1992) e, em outra perspectiva, o

mundo acústico da era da eletricidade (McLUHAN, 1994).

Para compreender essa imagem ­ que pode vir a ser também áudio ou palavras escritas

­­, é preciso aproximar o conceito de visibilidade (THOMPSON) ao de sociedade do

espetáculo. Também é pertinente investigar se, diante disso, um outro tipo de letramento para

a mídia (LIVINGSTONE, 2003) se faz necessário para o exercício pleno da cidadania.

A pergunta de pesquisa é: no período analisado, quais foram as imagens das

manifestações de 2013? Imagem compreendida aqui como imagem social que circula e que

pode pleitear um lugar na comunicação como imagem palavra. Portanto, reconhecimento

social, visibilidade e circulação são elementos constituintes.

PESQUISA BIBLIOGRÁFICA: construção do quadro teórico de referência, hipóteses

O ponto de partida para a construção desta pesquisa foram os conceitos de instância da

imagem ao vivo (BUCCI, 2002) e valor de gozo (BUCCI, 2002). Ambos os fenômenos estão

localizados no paradigma da sociedade do espetáculo (DEBORD, 1992), um paradigma em

que considerei relevante aprofundar o debate.

Havia, desde a proposta do projeto para a aprovação neste programa de

pós­graduação, uma preocupação em ter uma abordagem que incluísse o uso da tecnologia na

construção das narrativas jornalistícas sobre as manifestações de 2013. As elaborações sobre

mundo acústico e os meios como extensão do homem (McLUHAN, 1994) se mostraram

pertinentes uma vez que essa perspectiva é ponto de partida para alguns teóricos mais

contemporâneos, como Nicholas Carr e Jaron Lanier que estudei em uma das disciplinas.

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Durante as leituras para as disciplinas, outros autores foram surgindo como referência

para complementar o quadro teórico, como John Thompson (visibilidade), Sonia Livingstone

(letramento para mídia), Clay Shirky (mídia e excedente cognitivo). Vale uma observação: a

leitura de Pierre Bordieu (campo, habitus) na disciplina de metodologia contribuiu para o

exercício da reflexividade durante todo o percurso de pesquisa.

A presente pesquisa tem comohipótese principal que a imagem social da sociedade do

espetáculo, da instância da imagem ao vivo e do mundo acústico é mais que elemento visual ­

ela pode ser áudio, palavra ou outros elementos desde que esteja ou tenha estado em uma tela.

Como desenvolvimento dessa hipótese, parece haver a necessidade de se pensar um outro tipo

de educação para enfrentar o desafio dessa nova ordem comunicacional.

METODOLOGIA

O objeto empírico foi sendo lapidado conforme foi sendo construído o objeto teórico

desta pesquisa. Por causa a abundância de material, era necessário delimitar o período e o

veículo a ser estudado para que a pesquisa fosse viável no tempo regulamentar. Como nos

alertou a professora Maria Immacolata, o principal limitador e editor da pesquisa é o tempo.

Entre a aprovação no programa e o estágio atual da pesquisa, o viés de análise do

material e o corpus em si mudou ao menos duas vezes. A primeira proposta era analisar se a

atuação da Mídia N.I.N.J.A interferiu nas narrativas do Jornal Nacional e do Jornal da Band.

Na segunda versão do projeto, ao final do primeiro semestre de 2014, a ideia ainda era buscar

se a Mídia N.I.N.J.A havia influenciado a produção jornalística da TV aberta, mas apenas do

Jornal Nacional ­­ e, como parâmetro, seria feita uma investigação do mesmo telejornal no

período das Diretas Já.

Com o desenvolvimento das leituras e com a evidência de que a imagem é elemento

central nas discussões do campo da Comunicação, a preocupação teórica ­­ definir e

identificar essa imagem ­­ foi refletida na escolha do material de análise.

Se a intenção era buscar as imagens que caracterizaram as manifestações, o corpus

precisava tentar abarcar a instância da imagem ao vivo para além da televisão. Por isso, a

decisão por reunir uma amostra da televisão, representante tradicional da mídia, uma amostra

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de um grande site da internet e por manter a Mídia N.I.N.J.A, que se apresenta como mídia. O

corpus da pesquisa será o conjunto de imagens das manifestações de 2013, colhidas em três

fontes: o Jornal Nacional da TV Globo, o UOL Notícias e a página do Facebook do coletivo

Mídia N.I.N.J.A (Narrativas Independentes Jornalismo e Ação) durante a semana entre 13 e

20 de junho, auge das manifestações (JUDENSNAIDER, LIMA, POMAR, ORTELLADO,

2013).

A data de início do período se refere ao dia em que os grandes jornais paulistas, Folha

de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, amanheceram com editoriais questionando a falta de

pulso da Polícia Militar do Estado de São Paulo ­­ ao que segue o aumento da repressão e

violência da PM, com agressão a não manifestantes e jornalistas no próprio dia 13. O protesto

marcado na sequência, no dia 17 de junho, reuniu mais manifestantes que os protestos “Fora

Collor” nos anos 1990. E em 20 de junho, mais de 1 milhão foram às ruas . 8 9

O problema da pesquisa no atual estágio é como aferir as características dessa

imagem. Que tipo de análise pode ser realizada? O que é possível quantificar? Vamos

contabilizar número de compartilhamentos nas redes sociais, frequência de repetição para se

referir às manifestações, circulação de um lugar para outro (rede social para TV ou

vice­versa)?

DIFICULDADES ENCONTRADAS

Até o momento não foi possível decidir qual será o método para análise das imagens

uma vez que elas provém de três tipos diferentes de “veículos”, a saber: televisão, rede social

e site de notícias. A melhor opção parece ser combinar diferentes categorias utilizando­se a

análise de conteúdo.

Também se apresentou uma dificuldade a lacuna de conhecimento da pesquisadora

sobre teoria psicanalítica e sobre teorias da educação sobre alfabetização e letramento ­talvez

8Matéria da Folha de S. Paulo: “Protesto em São Paulo é o maior desde manifestação contra Collor”. Acesso em 19/5/2015 <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/06/1296834-protesto-em-sao-paulo-e-o-maior-desde-manifestacao-contra-collor.shtml> 9 Matéria do UOL: Em dia de maior mobilização, protestos levam mais de 1 milhão de pessoas às ruas no Brasil. Acesso em 19/5/2015 <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/06/20/em-dia-de-maior-mobilizacao-protestos-levam-centenas-de-milhares-as-ruas-no-brasil.htm>

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seja necessário algum estudo sistematizado (curso regular da graduação ou pós­graduação)

sobre os assuntos.

COMO PRETENDE CONTINUAR

A partir das observações e críticas da banca de qualificação, a ideia é voltar aos

capítulos já preparados para mudanças e prosseguir com as leituras para elaboração dos

próximos. É necessário também reunir o corpus e encontrar um método comum de análise.

Também é preciso pontuar que os capítulos apresentados para a qualificação não estão

em sua versão final. Ainda há muito o que melhorar na redação deles.

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