Manifesto Neoconcreto

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1) Referência bibliográfica completa GULLAR, Ferreira et al. “Manifesto Neoconcreto”. Jornal do Brasil (“Suplemento Dominical”), Rio de Janeiro, p. 4 e 5, 23 de março. 1959. 2) Ementa O manifesto é a tomada de uma posição de oposição ao movimento concreto, considerado exageradamente racionalista pelo grupo de artistas participantes da I Exposição Neoconcreta. O texto acusa incoerências na ideologia mecanicista, revela suas posições confusas e denuncia a maneira limitada com que este pensamento encara a obra de arte. Em paralelo, e alinhado a movimentos como o Neoplasticismo e o Construtivismo, o grupo propõe uma retomada da expressividade na arte em direção a um novo “universo de significações existenciais”. 3) Tese central O excesso racionalismo e a abstração mecanicista limitam as capacidades da obra de arte. Isso se dá por uma falha no entendimento de como o pensamento objetivo influencia o processo de criação artístico. Esse erro desconsidera o aspecto transcendente e fenomenológico da obra de arte esvasiando o seu potencial expressivo. A Arte Neoconcreta busca retomar o conceito de espacialização da obra por meio da superação de relações meramente mecânicas no trabalho do espaço gráfico (gestalt), reposicionando-a em sua “realidade” plena. Esta nova forma de concepção amplia o vocabulário “geométrico” incluindo a dimensão tempo e considerando as complexas relações de significação contidas na obra de arte. 4) Trechos mais significativos “propomos uma reinterpretação do neoplasticismo, do construtivismo e dos demais movimentos afins, na base de suas conquistas de expressão e dando prevalência à obra sobre a teoria.” “Não importa que equações matemáticas estejam na raiz de uma escultura ou de um quadro de Vantongerloo, desde que só à experiência direta da percepção a obra entrega a “significação” de seus ritmos e de suas cores”. “Mas, do ponto de vista estético, a obra começa a interessar precisamente pelo que nela há que transcende essas aproximações exteriores: pelo universo de significações existenciais que ela a um tempo funda e revela”. “O racionalismo rouba à arte toda a autonomia e substitui as qualidades intransferíveis da obra de arte por noções da objetividade científica: assim os conceitos de forma, espaço, tempo, estrutura – que na linguagem das artes estão ligados a uma significação existencial, emotiva, afetiva – são confundidos com a aplicação teórica que deles faz a ciência”. “Não concebemos a obra de arte nem como “máquina” nem como “objeto”, mas como um quasi- corpus, isto é, um ser cuja realidade não se esgota nas relações exteriores de seus elementos; um ser que, decomponível em partes pela análise, só se dá plenamente à abordagem direta, fenomenológica”. “É por que a obra de arte não se limita a ocupar um lugar no espaço objetivo – mas o transcende ao fundar nele uma significação nova – que as noções objetivas de tempo, espaço, forma, estrutura, cor etc, não são suficientes para compreender a obra de arte, para dar conta de sua ‘realidade’”. “Os poetas concretos racionalistas também puseram como ideal de sua arte a imitação da máquina”. “No tempo e não no espaço a palavra desdobra sua complexa natureza significativa”.

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Page 1: Manifesto Neoconcreto

1) Referência bibliográfica completa   GULLAR, Ferreira et al. “Manifesto Neoconcreto”. Jornal do Brasil (“Suplemento Dominical”), Rio de Janeiro, p. 4 e 5, 23 de março. 1959.

2) Ementa   O manifesto é a tomada de uma posição de oposição ao movimento concreto, considerado exageradamente racionalista pelo grupo de artistas participantes da I Exposição Neoconcreta. O texto acusa incoerências na ideologia mecanicista, revela suas posições confusas e denuncia a maneira limitada com que este pensamento encara a obra de arte. Em paralelo, e alinhado a movimentos como o Neoplasticismo e o Construtivismo, o grupo propõe uma retomada da expressividade na arte em direção a um novo “universo de significações existenciais”.

3) Tese central   O excesso racionalismo e a abstração mecanicista limitam as capacidades da obra de arte. Isso se dá por uma falha no entendimento de como o pensamento objetivo influencia o processo de criação artístico. Esse erro desconsidera o aspecto transcendente e fenomenológico da obra de arte esvasiando o seu potencial expressivo. A Arte Neoconcreta busca retomar o conceito de espacialização da obra por meio da superação de relações meramente mecânicas no trabalho do espaço gráfico (gestalt), reposicionando-a em sua “realidade” plena. Esta nova forma de concepção amplia o vocabulário “geométrico” incluindo a dimensão tempo e considerando as complexas relações de significação contidas na obra de arte.

4) Trechos mais significativos   “propomos uma reinterpretação do neoplasticismo, do construtivismo e dos demais movimentos afins, na base de suas conquistas de expressão e dando prevalência à obra sobre a teoria.”

  “Não importa que equações matemáticas estejam na raiz de uma escultura ou de um quadro de Vantongerloo, desde que só à experiência direta da percepção a obra entrega a “significação” de seus ritmos e de suas cores”.

  “Mas, do ponto de vista estético, a obra começa a interessar precisamente pelo que nela há que transcende essas aproximações exteriores: pelo universo de significações existenciais que ela a um tempo funda e revela”.

  “O racionalismo rouba à arte toda a autonomia e substitui as qualidades intransferíveis da obra de arte por noções da objetividade científica: assim os conceitos de forma, espaço, tempo, estrutura – que na linguagem das artes estão ligados a uma significação existencial, emotiva, afetiva – são confundidos com a aplicação teórica que deles faz a ciência”.

  “Não concebemos a obra de arte nem como “máquina” nem como “objeto”, mas como um quasi-corpus, isto é, um ser cuja realidade não se esgota nas relações exteriores de seus elementos; um ser que, decomponível em partes pela análise, só se dá plenamente à abordagem direta, fenomenológica”.

  “É por que a obra de arte não se limita a ocupar um lugar no espaço objetivo – mas o transcende ao fundar nele uma significação nova – que as noções objetivas de tempo, espaço, forma, estrutura, cor etc, não são suficientes para compreender a obra de arte, para dar conta de sua ‘realidade’”.

  “Os poetas concretos racionalistas também puseram como ideal de sua arte a imitação da máquina”.

  “No tempo e não no espaço a palavra desdobra sua complexa natureza significativa”.

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  “... A arte neoconcreta reafirma a independência da criação artística em face do conhecimento objetivo (ciência) e do conhecimento prático (moral, pilítico, indústria etc)”.

5) Palavras-chave   Arte Concreta / Arte Neoconcreta / Expressão Artística / Estética / Arte Não-figurativa / Fenomenologia / Gestalt

6) Conceitos mobilizados / propostos   Racionalismo / “Significação” / Relações mecânicas x Significação Tácita / Espacialização / Sucessão x Duração / Autonomia da Arte /”realidade” da obra de arte

7) Questões para discussão / problemáticas   O concretismo foi um erro de interpretação da arte “geométrica” por ter incorporado teorias científicas indiscriminadamente?

  Seriam as noções objetivas colocadas a priori os elementos limitadores a expressividade da arte concreta?

  A referida linguagem estrutural da nova plástica na qual se insere o homem moderno é integralmente expressa pela arte não-figurativa construtiva?

  O “espaço” expressivo almejado pela arte neoconcreta equipara-se ao “aqui e agora” estabelecido pela arte minimalista?

8) Interlocução   Mondrian / Malevitch / Maurice Merleau Ponty / E. Cassier / S. Langer / W. Wleidlé

9) Fortuna crítica   O manifesto teve um impacto avassalador na arte brasileira dos anos 60, sobretudo por causar o rompimento de artistas ligados às mesmas vanguardas artísticas européias. A arte neoconcreta, em suas posições teóricas, evitou o risco da radicalização do pensamento objetivo e positivista ressaltando a experiência sensorial na arte e abriu o caminho para uma maior autonomia da arte.

10) Estrutura (estratégia discursiva)   O texto coloca em cheque as posições teóricas dos artistas concretos acusando-os de equivocados no entendimento de movimentos artísticos ligados a “geometrização”. Para isso denunciam incoerências e limitações em artistas ligados ao concretismo colocando-os como meros reprodutores de formulações teóricas oriundas do campo científico.