Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

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MANUAL DE COERÊNCIA DAS POLÍTICAS PARA O DESENVOLVIMENTO CABO VERDE Estudo promovido pelo Instituto Marquês de Valle Flôr e Plataforma das ONG’s de Cabo Verde Fevereiro de 2015

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Este manual tem por objetivo analisar o impacto de várias políticas em termos de desenvolvimento, identificando incoerências e boas práticas, de forma a contribuir para uma definição, monitorização e avaliação da Coerência das Políticas para o Desenvolvimento no contexto cabo-verdiano. Este estudo foi elaborado no âmbito do projeto "A Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - O Desafio para uma Cidadania Ativa em Cabo Verde" e tem como objetivo introduzir esta metodologia de debate político e cidadania em Cabo Verde. Este projeto é implementado pelo IMVF em parceria com a Plataforma das ONG de Cabo Verde e conta com o cofinanciamento da União Europeia e do Camões - Instituto da Cooperação e da Língua, I.P. Patrícia Magalhães Ferreira, fevereiro de 2015

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MANUAL DE COERÊNCIA DAS POLÍTICAS PARA O DESENVOLVIMENTO

CABO VERDE

Estudo promovido pelo Instituto Marquês de Valle Flôr e Plataforma das ONG’s de Cabo Verde

Fevereiro de 2015

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FICHA TÉCNICA

Título: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento: Cabo Verde

Edição: Instituto Marquês de Valle Flôr e Plataforma das ONG’s de Cabo Verde

Autor: Patrícia Magalhães Ferreira

Financiamento: União Europeia e Camões - Instituto da Cooperação e da Língua, I.P.

Data: Fevereiro de 2015

Esta publicação está escrita segundo o Acordo Ortográfico.

Esta publicação foi produzida com o apoio da União Europeia. O conteúdo desta publicação é

da exclusiva responsabilidade da autora e não pode, em caso algum, ser tomada como

expressão das posições da União Europeia.

Page 3: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

“O problema da descentralização, isto é, da aproximação cada vez

maior das instâncias de decisão política às comunidades; o problema

da proteção do ambiente; o problema da participação das

comunidades nos processos de decisão política, na participação em

orçamentos; nas escolhas fundamentais que o país tem, através de

referendos, por exemplo; mas sobretudo através da afirmação

crescente daquilo a que chamamos de sociedade civil. Deve haver um

esforço para que cada vez mais os cidadãos possam ter instrumentos

de influenciação do poder político, produzindo fluxos de ideias, de

propostas, para o interior do Estado e dos próprios partidos políticos,

assegurando em permanência a própria democraticidade do Estado”.

Entrevista de Jorge Carlos Fonseca, Presidente da República,

ao Expresso das Ilhas, 14 de Janeiro de 2015

Page 4: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

ÍNDICE

INTRODUÇÃO............................................................................................................................ 7

Parte I - A CPD enquanto conceito e instrumento em prol do Desenvolvimento ..................... 10

1.1. A CPD como princípio, abordagem e instrumento .................................................... 10

1.2. A CPD no plano internacional e na Agenda Global de Desenvolvimento ................... 14

1.3. A CPD enquanto compromisso europeu ....................................................................... 18

1.3.1 A CPD na União Europeia ........................................................................................ 18

1.3.2. A CPD nos países europeus .................................................................................... 21

Parte II - A CPD em Cabo Verde ............................................................................................... 27

2.1 A CPD em África ............................................................................................................ 27

2.2. Os desafios do desenvolvimento em Cabo Verde e a relevância da CPD........................ 30

2.3. As políticas de cooperação e os instrumentos de CPD dos parceiros externos de Cabo

Verde: oportunidades para a participação da sociedade civil ............................................... 36

2.3.1. A Dependência externa e europeia ........................................................................ 36

2.3.2. A Ajuda ao Desenvolvimento ................................................................................. 37

2.3.3. Os mecanismos de CPD dos doadores e oportunidades para a sociedade civil cabo-

verdiana .......................................................................................................................... 43

2.4. A coerência das políticas públicas e a participação da sociedade civil cabo-verdiana .... 50

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES .......................................................................................... 63

BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................................... 70

Entrevistas/Reuniões realizadas em Cabo Verde: .................................................................... 74

Page 5: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

LISTA DE TABELAS E FIGURAS

Figura 1: Dificuldades e Obstáculos à CPD

Figura 2: A evolução do conceito de CPD: marcos internacionais

Figura 3: A transformação e os motores de crescimento

Figura 4: Ajuda ao Desenvolvimento a Cabo Verde e Maiores Doadores

Figura 5: Desembolsos de Ajuda Orçamental

Figura 6: Intervenções dos Parceiros de Desenvolvimento por Setor (julho 2013)

Figura 7: A CPD no plano nacional

Figura 8: Visão Integrada e multissetorial da construção de barragens

Tabela 1: Instrumentos de promoção da CPD na OCDE

Tabela 2. Um exemplo de boas práticas: A Abordagem Global de Desenvolvimento – Suécia

Caixa 1. A Implementação da Agenda pós-2015: Desafios no plano nacional e subnacional, do

ponto de vista da CPD

Caixa 2. Indicadores (selecionados) de Desenvolvimento em Cabo Verde

Caixa 3. Boas Práticas a potenciar: Energias Renováveis

Caixa 4. O DECRP III como instrumento de promoção da CPD

Caixa 5. Um exemplo a analisar: AS BARRAGENS. Coerência ou Incoerência?

Page 6: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

ACRÓNIMOS

ACP África, Caraíbas e Pacífico

ANMCV Associação Nacional de Municípios de Cabo Verde

APD Ajuda Pública ao Desenvolvimento

BCV Banco de Cabo Verde

CEDEAO Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental

CPD Coerência das Políticas para o Desenvolvimento

DECRP Documento de Estratégia de Crescimento e Redução da Pobreza

GAO Grupo de Apoio Orçamental

IDE Investimento Direto Estrangeiro

MAHOT Ministério do Ambiente, Habitação e Ordenamento do Território

MARP Mecanismo Africano de Revisão pelos Pares

MIREX Ministério das Relações Exteriores

OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico

ODM Objetivos de Desenvolvimento do Milénio

ODS Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

OMC Organização Mundial do Comércio

ONG Organização Não-Governamental

ONU Organização das Nações Unidas

OSC Organizações da Sociedade Civil

PAC Política Agrícola Comum (União Europeia)

PALOP Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa

PCP Política Comum de Pescas (União Europeia)

PED Países em Desenvolvimento

PIB Produto Interno Bruto

PMA País Menos Avançado

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PRM País de Rendimento Médio

RNB Rendimento Nacional Bruto

RUP Regiões Ultraperiféricas

SEAE Serviço Europeu de Ação Externa (União Europeia)

TIC Tecnologias da Informação e Comunicação

UA União Africana

UE União Europeia

UNECA Comissão Económica das Nações Unidas para África

ZEE Zona Económica Exclusiva

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INTRODUÇÃO

Âmbito e Objetivos do estudo

Tendo por base duas constatações fundamentais – por um lado o alheamento da população

cabo-verdiana relativamente ao diálogo político e aos temas do desenvolvimento e, por outro

lado, o défice de monitorização das políticas de desenvolvimento dos vários doadores em

Cabo Verde -, o projeto “A Coerência das Políticas para o Desenvolvimento (CPD) - O desafio

para uma cidadania ativa em Cabo Verde” centra-se na introdução, promoção, análise e

aplicação da CPD enquanto instrumento de monitorização dos resultados alcançados pelos

doadores e como mecanismo de ligação entre os cidadãos e o poder político, em prol de um

desenvolvimento mais integrado e abrangente.

É neste âmbito que se insere a elaboração deste estudo, o qual tem por objetivo analisar o

impacto de várias políticas em termos de desenvolvimento, identificando incoerências e boas

práticas, de forma a contribuir para uma definição, monitorização e avaliação da coerência das

Políticas para o Desenvolvimento no contexto cabo-verdiano. Pretende-se nomeadamente,

verificar interações entre as políticas nacionais, as políticas da União Europeia e de outros

doadores, no sentido de analisar o seu conteúdo, o processo de decisão do país doador, o

papel dos vários níveis de governação em Cabo Verde e dos vários intervenientes (atores

públicos, deputados, sociedade civil). O objetivo final é contribuir para a capacitação e

mobilização da sociedade civil cabo-verdiana para uma maior monitorização da Ajuda Pública

ao Desenvolvimento (APD) e o seu impacto no desenvolvimento local, através da Coerência

das Políticas para o Desenvolvimento.

Metodologia

A metodologia seguida para elaboração deste estudo assentou em três princípios

fundamentais:

• A participação dos vários stakeholders, através da recolha das perceções dos vários

atores (nacionais e internacionais presentes no país) e numa perspetiva de garantir a

utilidade dos resultados do produto final para os diferentes intervenientes.

• O conhecimento e investigação sobre a temática central (CPD), o mais aprofundada

possível no limite de tempo disponível, e que englobou as várias vertentes deste

instrumento, as dificuldades e potencialidades da sua aplicação, as áreas setoriais mais

relevantes no contexto cabo-verdiano e as várias políticas dos doadores. Pretende-se

assim avançar um pouco mais na identificação das dificuldades e potencialidades de

desenvolvimento deste instrumento, com base numa recolha de informação

aprofundada e em evidências concretas, que possam alimentar o processo de tomada

de decisão.

• A independência da análise, uma vez que a documentação e informação recolhida é

diversificada e engloba várias perspetivas sobre o mesmo assunto. Valoriza-se assim a

perceção de cada interveniente, sem abordagens pré-concebidas ou tomadas prévias

de posição, assegurando a transparência e independência da investigação.

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A metodologia desenvolveu-se em três componentes ou fases:

− Análise documental. Recolha a análise de informação sobre o projeto (documento de

formulação do projeto, os relatórios das atividades, os estudos e outros materiais

produzidos); sobre Coerência das Políticas para o Desenvolvimento, quer no geral,

quer com especial enfoque nos relatórios e estudos existentes sobre Cabo Verde e

sobre outros países que já têm experiência com o instrumento CPD, nomeadamente os

principiais parceiros externos do país; documentação específica sobre áreas sectoriais,

como a Pesca, Agricultura e Ambiente, na perspetiva da CPD.

− Realização de entrevistas/reuniões em Cabo verde. Esta fase incluiu trabalho

preparatório (com a elaboração da lista de atores-chave, nacionais e internacionais,

para realização de entrevistas, contactos com o apoio da Plataforma das ONG de Cabo

Verde para marcação das mesmas, e a elaboração de um guião de entrevista semi-

dirigida, para aplicação no terreno, para assegurar uma recolha de informação

comparável, completa e diversificada), seguido da realização de entrevistas individuais

com um leque diversificado de intervenientes que inclui representantes dos parceiros

internacionais (essencialmente europeus), ministérios, deputados e representantes da

sociedade civil. Foram também realizados alguns questionários escritos, para incluir as

respostas de entidades fora da Cidade da Praia ou para as quais não tenha sido

possível realizar uma entrevista presencial. A lista de entidades entrevistadas

encontra-se em anexo.

− A redação do estudo, incluindo uma análise dos dados recolhidos, quer por via

primária (reuniões/entrevistas) quer secundária (fontes documentais), segundo uma

metodologia de triangulação de componentes de análise empírica e reflexão.

Devido ao caráter abrangente do tema em que se centra o estudo, bem como aos objetivos do

mesmo, a metodologia de análise centra-se essencialmente nos níveis Macro e Meso

(internacional e nacional), não havendo lugar a uma análise detalhada ao nível Micro

(nomeadamente municipal, local e comunitário).

Limitações da análise

A principal limitação encontrada está ligada à natureza e conteúdo da temática abordada, uma

vez que a CPD é, numa primeira abordagem, um conceito complexo, de difícil entendimento e

aplicação.

A análise efetuada poderia ter-se dispersado numa multiplicidade de abordagens e de grupos-

alvo, o que geraria uma fragmentação com pouca relevância e utilidade para o resultado final,

que se pretende claro, objetivo, conciso e direcionado. Isto porque a coerência das políticas

para o desenvolvimento é constituída por “camadas” que se sobrepõem, tornando o estudo da

mesma mais complexo – por exemplo, a coerência ao nível dos instrumentos internacionais, a

coerência no seio dos países doadores e entre estes, a coerência entre o plano formal/retórico

e a aplicação prática do instrumento, a coerência entre parceiros internacionais e governo

cabo-verdiano, a coerência entre os vários níveis de governação em Cabo Verde, a coerência

entre as políticas setoriais no país, a coerência entre atores governamentais e não

governamentais, e assim por diante. A análise aprofundada da maior parte destas “camadas”

consumiria tempo e recursos que não existem. Assim, este estudo constitui inevitavelmente

uma análise parcial da realidade, uma vez que foca apenas alguns aspetos da CPD, numa ótica

de poderem ser relevantes para a compreensão deste conceito e para a sua aplicação em Cabo

Verde, por parte de diversos atores.

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Uma outra dificuldade tem a ver com a identificação de boas práticas. As evidências de

incoerências são sempre muito mais claras e visíveis do que os exemplos positivos, até porque

normalmente não é realçada a existência de “coerências”. As avaliações do impacto das

políticas são ainda escassas e os inputs de conhecimento dados pela CPD são também raros ou

pouco conhecidos. Para além disso, o impacto noutras áreas é bastante mais simples e

objetivo de avaliar (p.ex. impacto ao nível ambiental) do que na área do desenvolvimento.

Não existe uma única abordagem válida para a CPD, ou seja, os sistemas e instrumentos

implementados nesta área variam bastante em função do contexto local, do ator que

implementa esse sistema, ou da política setorial que está a ser tratada. O estudo centra-se,

portanto, na identificação de alguns exemplos e pistas de atuação que possam ser relevantes

para o seu objetivo último, que é contribuir para a capacitação e mobilização da sociedade civil

cabo-verdiana para uma maior monitorização do desenvolvimento.

Estrutura

Para além da Introdução e das Conclusões/Recomendações, o manual encontra-se estruturado

em duas partes principais.

A Parte I é dedicada à Coerência das Políticas para o Desenvolvimento (CPD) enquanto

conceito e instrumento, tal como tem sido utilizado para promover o desenvolvimento à

escala global. Está dividida em três capítulos: um capítulo que explica a evolução da

abordagem teórica do conceito e da sua operacionalização prática; um segundo capítulo sobre

a CPD no plano internacional, nomeadamente analisando as suas potencialidades no âmbito

da Agenda Global para o Desenvolvimento pós-2015; e um terceiro capítulo focado na CPD na

União Europeia, fazendo uma análise de como a CPD é aplicada no quadro das políticas da

União Europeia e também no contexto nacional dos Estados Membros da UE.

A Parte II aborda a CPD na sua aplicação em Cabo Verde. Nesse âmbito, é feita uma breve

referência aos instrumentos que podem promover da CPD em África, de âmbito continental

(primeiro capítulo). São depois analisados desafios do desenvolvimento em Cabo Verde e a

relevância da CPD na conjuntura atual do país (segundo capítulo). O terceiro capítulo dedica-se

às políticas de cooperação e os instrumentos de CPD dos parceiros externos de Cabo Verde,

analisando a dependência externa e europeia do arquipélago, as tendências da ajuda ao

desenvolvimento em Cabo Verde, e os mecanismos existentes ao nível dos doadores, que

promovem a CPD e que constituem oportunidades para a participação da sociedade civil cabo-

verdiana. Por fim, aborda-se de forma geral a coerência das políticas públicas e a participação

da sociedade civil cabo-verdiana nesse contexto.

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Parte I - A CPD enquanto conceito e instrumento em prol do Desenvolvimento

1.1. A CPD como princípio, abordagem e instrumento

A Coerência das Políticas para o Desenvolvimento (CPD) baseia-se no reconhecimento de que

várias políticas setoriais - como a política agrícola, comercial, de segurança e defesa, de

alterações climáticas ou de migrações – têm um profundo impacto nos objetivos que se

pretendem atingir em termos de desenvolvimento.

Isto significa que todos os esforços em prol do Desenvolvimento, da luta contra a pobreza e da

melhoria das condições de vida das populações podem ser em vão, se forem prejudicados ou

contrariados por outras políticas com efeitos adversos. Nesse sentido, o princípio da CPD diz-

nos que as políticas nos vários setores devem contribuir ativamente para os objetivos de luta

contra a pobreza e de promoção do desenvolvimento ou, pelo menos, não prejudicarem esses

objetivos.

Isto é aplicável aos vários níveis de governação, nomeadamente:

Ao nível global

É hoje reconhecido que os benefícios da globalização estão repartidos de forma muito

desigual e que são necessários novos padrões de consumo, produção e utilização dos

recursos disponíveis no planeta. O facto de as arquiteturas mundiais em termos de

comércio, finanças e ambiente serem atualmente incoerentes em muitas das suas

dimensões, não ajuda a um aproveitamento justo e equitativo desses benefícios.

A existência de políticas globais mais justas e favoráveis aos países em desenvolvimento

poderia gerar ganhos consideráveis para o desenvolvimento mundial. Vejamos o exemplo

da política comercial: as barreiras protecionistas ao comércio continuam a distorcer as

regras da Organização Mundial de Comércio (OMC); calcula-se que as barreiras comerciais

custem a África, anualmente, cerca de 500 mil milhões de dólares, o que é cerca de dez

vezes o montante de ajuda ao desenvolvimento atribuído ao continente. Sabemos que

comércio e desenvolvimento nem sempre são absolutamente compatíveis, mas podem ser

mais coerentes através de várias medidas. Nomeadamente, a liberalização do comércio

deve respeitar as condições sociais e ambientais estabelecidas, por exemplo, nas normas da

Organização Internacional do Trabalho (OIT) e estas referências devem ser incluídas nos

acordos da OMC, para evitar o dumping social e ambiental.

O mesmo pode ser analisado no que respeita às políticas globais sobre alterações

climáticas, sobre segurança internacional, sobre fluxos ilícitos de capital, sobre agricultura,

sobre biocombustíveis e energia, entre outras. Num mundo globalizado e interdependente,

a composição do sistema de governação global, a participação nos fóruns de alcance global

e as políticas aí definidas são fundamentais para influenciar os resultados no plano do

Desenvolvimento.

Ao nível das relações entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento

Se os fluxos de ajuda ao desenvolvimento têm por objetivo a promoção do

desenvolvimento nos países a que se destinam, eles não são suficientes, por si só, para

acabar com a pobreza e gerar crescimento, podendo esses esforços serem potenciados ou

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anulados por outros interesses sectoriais. Um exemplo de uma política incoerente, neste

caso, é um país conceder ajuda ao desenvolvimento para apoiar o reforço do setor agrícola

num pais em desenvolvimento, enquanto, simultaneamente, existem barreiras à

exportação dos produtos agrícolas desse país, e/ou esses agricultores têm de competir com

uma produção agrícola fortemente subsidiada no país doador.

No âmbito do Desenvolvimento, os países doadores serão cada vez mais avaliados não

apenas pela ajuda ao desenvolvimento, mas principalmente pelo seu contributo mais

alargado para esse objetivo1, o que implica uma análise das suas políticas e acordos

celebrados em matérias tão diversas como as pescas, as migrações, o ambiente, a energia,

entre outros. Este aspeto será aprofundado no capítulo seguinte, no que respeita às

políticas europeias.

Ao nível local/nacional

A promoção da coerência entre políticas públicas deve ser, em primeiro lugar,

responsabilidade nacional. No entanto, para os países e os seus governos, a redução da

pobreza é um entre muitos outros objetivos – tais como melhorar a segurança, aumentar a

competitividade nacional, etc. – que podem ser considerados prioritários. O equilíbrio entre

os interesses de vários grupos de interesse, internos e externos, nem sempre é fácil ou

simples.

Dentro dos países, as políticas públicas prosseguidas podem ser guiadas por outros

interesses que prejudicam o objetivo de Desenvolvimento, podendo existir ações

claramente incoerentes que acabam por ter custos importantes e impactos negativos nas

condições de vida das populações. As várias políticas setoriais ao nível nacional devem, por

isso, ser avaliadas numa ótica de terem contribuído – ou não – para o desenvolvimento do

país e das populações.

Isto é ainda mais relevante nos países onde vigoram programas de ajuda internacional ao

desenvolvimento, já que os decisores políticos têm a responsabilidade acrescida de

negociar acordos e aprovar programas dos “doadores” que contribuam efetivamente para

o desenvolvimento do seu país e não tenham impactos negativos nos beneficiários dessa

ajuda. Para além disso, as políticas nacionais devem ser consistentes com os compromissos

assumidos por cada país no plano internacional.

A CPD pode ser, assim, uma abordagem que ajuda a integrar as várias dimensões do

desenvolvimento sustentável – económica, social, ambiental – em todas as fases do processo

de decisão das políticas, seja ao nível nacional, regional ou internacional.

Tal como definido pela OCDE, a coerência é um ciclo que envolve 3 níveis:

(i) Definição dos objetivos e compromissos políticos;

(ii) Implementação através de mecanismos de coordenação e de identificação

sistemática das incoerências;

(iii) Monitorização e análise do impacto que as várias políticas têm no

desenvolvimento, através do seguimento, informação e comunicação.

1 Um exemplo de instrumento de medição desse contributo alargado para o desenvolvimento é o Índice de Compromisso para o Desenvolvimento, elaborado pelo Center for Global Development desde 2003, que publica anualmente um ranking onde quantifica sete áreas de intervenção dos países desenvolvidos que afetam o bem-estar das pessoas em todo o mundo: quantidade e qualidade da ajuda ao desenvolvimento, comércio, finanças, migrações, ambiente, segurança e tecnologia. Mais informações em: http://www.cgdev.org/initiative/commitment-development-index/index

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12

Significa isto que os países devem tomar medidas para melhorar a coerência em cada um

destes pilares.

No âmbito do compromisso político, incluem-se medidas legislativas ou conceção de

estratégias de desenvolvimento que promovam ativamente a CPD. Relativamente aos

mecanismos de coordenação, são exemplos a criação de grupos interministeriais e fóruns

técnico-políticos, de mecanismos de financiamento que agregam várias áreas, ou a

constituição de uma rede de pontos focais para a CPD nos vários setores. No terceiro pilar,

sobre os sistemas de acompanhamento, análise e comunicação da informação, são exemplos a

existência de relatórios anuais dos Parlamentos nacionais sobre CPD, a elaboração de

indicadores e ferramentas de avaliação das ações, ou a parceria com instituições académicas e

da sociedade civil para a procura de dados e evidências e para a realização de estudos de

impacto.

Vários estudos têm apontado para a existência de dificuldades e obstáculos em cada um deste

níveis, os quais estão resumidos na Figura seguinte.

Figura 1: Dificuldades e Obstáculos à CPD

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Entre os obstáculos identificados estão, assim, a fraca visibilidade ou atenção pública que é

conferida a esta temática, os recursos insuficientes (humanos e materiais), a existência de

interesses divergentes, a dispersão por várias políticas, ou a inexistência de estruturas

adequadas para veicular e integrar os conhecimentos adquiridos – e assim poder ter uma real

influência nas tomadas de decisão e na promoção da coerência.

O maior obstáculo à promoção da CPD, que está subjacente a todo este enquadramento, é a

falta de vontade política. Ou seja, é errado abordar a Coerência como se fosse uma questão

meramente técnica, que se concretizará se existirem os mecanismos e instrumentos

adequados, sem equacionar a variável política. Ao exigir a conciliação de interesses, muitas

vezes divergentes ou em competição entre si, a Coerência normalmente implica soluções de

compromisso e é uma questão de natureza eminentemente política, que não avança se não

existir uma vontade e liderança fortes, no sentido de direcionar as políticas e ações para que

sejam coerentes com o processo de Desenvolvimento. Se isso acontecer, as soluções técnicas

serão mais facilmente encontradas e libertados os recursos adequados; não o contrário2.

Essa falta de vontade e liderança políticas pode resultar de estratégias ou escolhas

deliberadas, pelo facto de o desenvolvimento estar subordinado a outros interesses. Como

refere uma expressão conhecida em inglês, “a política interessa mais do que as políticas”

(politics matters more than policies). Mas pode também derivar da simples falta de

conhecimento e sensibilização. Muitas vezes, apenas os meios ligados à cooperação e à ajuda

ao desenvolvimento estão conscientes do que é a CPD e da necessidade de a promover,

enquanto nos outros setores há um grande desconhecimento sobre o que significa. Nesse

sentido, é necessário criar uma verdadeira pedagogia sobre o modo de integrar a CPD nos

diferentes domínios da ação política, junto de vários setores e intervenientes.

Enquanto instrumento, a CPD dá-nos a oportunidade de compreender melhor as barreiras ao

desenvolvimento, bem como as implicações que os desafios globais têm nos planos

económicos, social e ambiental e as interligações entre estas áreas. No plano operacional, a

CPD permite analisar e verificar se as diversas medidas políticas são concebidas e

implementadas de uma forma harmonizada e coerente com o Desenvolvimento, e se os

resultados obtidos não lesam o processo de desenvolvimento ou, pelo contrário, criam efeitos

que impactam negativamente na prossecução dos objetivos desejados. Ou seja, a CPD deve

servir para prevenir incoerências, detetá-las quando acontecem, e reverte-las ou resolvê-las

em prol do desenvolvimento.

Para que seja utilizada como instrumento útil para a mudança, são essenciais três passos:

Conhecer. É preciso ter um conhecimento aprofundado do contexto local e das

temáticas que se pretendem abordar, para que seja possível fazer um trabalho

objetivo e independente de análise das coerências e incoerências. Essas coerências e

incoerências devem ser baseadas em provas e dados concretos, focados nos

resultados.

Monitorizar. É preciso fazer um seguimento continuado e sistemático das políticas

públicas, para que se possam ir analisando as coerências e incoerências ao longo do

tempo, o que também permite ter uma perspetiva mais de médio e longo prazo, que é

essencial para criar um corpo crítico de conhecimento sobre as incoerências (por

2 Keijzer, N. (2012).

Page 14: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

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exemplo identificando a repetição de erros, a duplicação de iniciativas, etc.) e extrair

lições aprendidas.

Agir. É preciso que a identificação de incoerências resulte numa postura ativa de

debater as questões, de tentar incluir os assuntos nas agendas políticas, e de

denunciar, numa ótica construtiva de contribuir para melhorar as políticas e ações em

prol do desenvolvimento. Os passos anteriores – conhecer e monitorizar – só fazem

sentido se forem traduzidos em ações, em fazer passar as mensagens e ter alguma

capacidade de influência.

Estes passos só são concretizáveis se existirem, por um lado, vontade e capacidade dos atores

se mobilizarem - para conhecer, monitorizar e agir -, e, por outro lado, mecanismos e

instrumentos adequados para veicular esse conhecimento e ação, influenciando e alimentando

as decisões políticas.

1.2. A CPD no plano internacional e na Agenda Global de Desenvolvimento

A CPD é atualmente reconhecida como uma necessidade, considerada como um instrumento

de política global, e encarada como processo que visa integrar as várias dimensões do

desenvolvimento no processo de conceção e implementação das políticas. Este conceito tem

vindo a ganhar relevo nos debates internacionais, essencialmente devido a 4 fatores:

a) As mudanças na arquitetura mundial em termos económicos e de

desenvolvimento. Por um lado, as alterações nos polos de crescimento trazem

novos atores, novas fontes de financiamento, de crescimento e de inovação,

aumentando a complexidade e fragmentação do sistema internacional. Por outro

lado, o aumento das desigualdades, dentro e entre países, alerta para a

necessidade de repensarmos as abordagens convencionais ao Desenvolvimento.

Neste contexto, não faz sentido “dar com uma mão e tirar com a outra”, já que

essa contradição acaba por se verificar nas incoerências entre políticas: as

incoerências têm custos, nomeadamente custos económicos.

b) O reconhecimento de que a promoção do Desenvolvimento vai muito para além

da luta contra a pobreza e que outros desafios – demográficos, de segurança, de

ambiente – são eles próprios desafios de Desenvolvimento, cada vez mais globais

e interdependentes. As múltiplas crises da última década – financeira, económica,

alimentar, energética – demonstraram que os desafios de desenvolvimento têm

implicações para todos, sejam países desenvolvidos ou em desenvolvimento. As

incoerências significam que a resposta a esses desafios é desadequada; a

coerência é, portanto, uma necessidade.

c) O contexto internacional de globalização, em que se esbate a distinção entre a

dimensão interna e externa das políticas, ou seja, em que as políticas locais,

internas ou nacionais têm cada vez mais impacto no plano externo e global e vice-

versa. A procura de respostas mais coerentes e coordenadas assume-se como uma

necessidade para os países a múltiplos níveis: local, nacional, regional, global.

d) O enfoque acrescido na qualidade e eficácia do Desenvolvimento, numa altura em

que os orçamentos destinados à cooperação para o desenvolvimento, dos

chamados “doadores tradicionais” (ocidentais, e particularmente europeus),

sofrem uma pressão considerável. Se procuramos cada vez mais a eficácia das

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ações, é preciso ser mais coerente, já que as políticas incoerentes são ineficientes

e ineficazes.

Alguns dos principais marcos da adoção da CPD no plano internacional são apresentados

na Figura seguinte:

Figura 2: A evolução do conceito de CPD: marcos internacionais

Como ilustrado pela cronologia, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Económico (OCDE) tem liderado, em boa medida, os esforços de inclusão da CPD como fator-

chave de promoção do Desenvolvimento. Os principais instrumentos desenvolvidos por esta

instituição estão resumidos na tabela seguinte.

Tabela 1: Instrumentos de promoção da CPD na OCDE

Ação para uma

Agenda de

Desenvolvimento

Comum (2002)

Declaração que apela a OCDE a “reforçar o entendimento das dimensões de

desenvolvimento das políticas dos países membros e dos seus impactos nos países em

desenvolvimento (…)” e encoraja uma maior coerência das políticas para apoiar os

objetivos de desenvolvimento acordados pela comunidade internacional.

http://www.oecd.org/dac/oecdactionforashareddevelopmentagenda.htm

Revisão pelos

Pares – CAD/OCDE

(desde 2002)

CPD é parte integrante das Peer Reviews do CAD, ou seja, da avaliação periódica que é

feita da política de cooperação para o desenvolvimento de cada país membro do CAD.

http://www.oecd.org/dac/peer-reviews/

Page 16: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

16

Declaração

Ministerial sobre

CPD (2008)

Esta declaração é um compromisso político e reforça a CPD enquanto componente

chave na promoção do desenvolvimento à escala mundial para o alcance dos ODM.

Reitera a necessidade de diálogo com os países em desenvolvimento e apela a uma

maior coordenação internacional para assegurar que os benefícios da globalização são

amplamente partilhados.

http://www.oecd.org/officialdocuments/publicdisplaydocumentpdf/?doclanguage=en&cote

=C/MIN(2008)2/FINAL

Recomendação do

Conselho sobre

Boas Práticas

Institucionais na

Promoção da CPD

(2010)

A Recomendação encoraja os Estados membros da OCDE a promoverem a CPD e

traduz um compromisso político relativamente a tornar a CPD uma prática,

desenvolvendo-se trabalho para analisar os impactos das políticas nacionais nos

esforços de desenvolvimento globais.

https://community.oecd.org/docs/DOC-32778

Enquadramento

Político para a CPD

(2010)

Uma ferramenta de auto-avaliação que fornece orientações aos decisores políticos no

que respeita a promoção e avaliação/ análise da CPD.

https://community.oecd.org/docs/DOC-32662

Estratégia de

desenvolvimento

(2012)

A CPD é um dos principais objetivos desta Estratégia, aprovada a nível ministerial.

Enfatiza a necessidade de fortalecer as capacidades dos Estados membros no que toca

o desenvolvimento de políticas consistentes com o desenvolvimento. Define 3 áreas

prioritárias: segurança alimentar, fluxos financeiros ilícitos, e “crescimento verde”.

http://www.oecd.org/pcd/OECD_Strategy_on_Development.pdf

Fonte: Adaptado a partir de “Ferramentas de Promoção e Avaliação da CPD, Ebba Dohlman – OCDE,

Conselheira Sénior da Coerência das Políticas para o Desenvolvimento.

Sendo a OCDE encarada, em grande medida, como “o Clube dos Ricos”, no sentido em que

agrega as economias mais desenvolvidas, corre-se o risco de pensar que a CPD é um conceito

promovido apenas pelos países doadores e cuja aplicação só a estes diz respeito. No entanto,

mesmo dentro da OCDE, o pensamento sobre a CPD tem evoluído no sentido de envolver cada

vez mais os países em desenvolvimento e alargar a aplicação da CPD nestes países. Assim, o

entendimento é que, cada vez mais, a participação dos países em desenvolvimento é essencial

quer no diálogo internacional sobre esta matéria, quer para veicularem a sua própria

experiência com as incoerências ou boas práticas existentes.

Isto interliga-se com o debate global sobre a Eficácia do Desenvolvimento. A “Parceria de

Busan para uma Cooperação para o Desenvolvimento Eficaz” (2011) foi assinada pelos

membros da OCDE, por países em desenvolvimento, doadores privados e por países influentes

que não são membros da OCDE, como a China e o Brasil, e reconhece a importância da

coerência: “() é essencial examinar a interdependência e coerência de todas as políticas

públicas – não apenas das políticas de desenvolvimento – para que os países possam

aproveitar totalmente as oportunidades disponibilizadas pelo comércio e investimento

internacionais, e expandir os seus mercados internos de capitais.” Embora países como a China

se tenham vinculado apenas parcialmente aos acordos feitos em Busan (a declaração salienta

que estes países implementarão os acordos numa base voluntária), Busan é encarado por

Page 17: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

17

muitos como um passo importante numa transição gradual da eficácia da ajuda para a eficácia

do desenvolvimento.

A CPD tem feito também o seu caminho de afirmação na Agenda Global para o

Desenvolvimento. No quadro dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), apenas o

ODM 8 – implementar uma Parceria Global para o Desenvolvimento, salientava a necessidade

de ter em conta, por exemplo, as questões comerciais e de abertura dos mercados, ou os

compromissos internacionais em matéria de ajuda ao desenvolvimento. Foram afetados

recursos para monitorizar os progressos das políticas e programas nos países em

desenvolvimento, mas não foi feito um esforço similar para monitorizar a melhoria das

políticas dos países desenvolvidos.

Na negociação de uma nova Agenda Global para o Desenvolvimento pós-2015, que será

previsivelmente aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Setembro de 2015, o

processo e os assuntos abordados têm sido substancialmente diferentes.

Em primeiro lugar, a definição dos novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) tem

sido um processo muito mais alargado e participado do que tinham sido os ODM. Através de

um processo longo de consultas e debates, tentou-se recolher e integrar as perspetivas dos

mais variados atores, governamentais e não governamentais, para que a agenda seja

efetivamente apropriada por diversos setores das sociedades.

Em segundo lugar, a agenda assume o objetivo de ser transformadora e abrangente, incluindo

aqueles que se consideram ser, no mundo de hoje, os principais desafios ao Desenvolvimento

nas suas três dimensões: económica, social e ambiental. Isto significa que, nos 17 ODS

propostos, estão presentes questões tão variadas como a agricultura sustentável, a energia, o

trabalho digno, os padrões sustentáveis de produção e consumo, as alterações climáticas, a

preservação dos ecossistemas e a biodiversidade, a paz e o Estado de Direito3. Nesse sentido, a

própria agenda será a expressão de uma maior coerência para o desenvolvimento, assumindo

o contributo de várias áreas para esse objetivo. A sua implementação também exigirá uma

maior consistência e coordenação entre várias áreas setoriais, uma vez que as diferentes

políticas e objetivos estão interligados e implicam abordagens mais integradas e abrangentes.

Em terceiro lugar, a melhoria da CPD constitui mesmo uma meta específica, dentro do ODS 17:

“Reforçar os meios de implementação e revitalizar a parceria global para um desenvolvimento

sustentável”. Isto vai de encontro ao que tem sido defendido, por exemplo, pela União

Europeia, nas suas posições sobre o pós-2015, onde afirma a necessidade de intensificar

esforços para levar a cabo políticas coerentes a todos os níveis (nacional, regional e mundial)4.

Em quarto lugar, a nova agenda de desenvolvimento será de aplicação universal, o que

significa que todos os países, desenvolvidos e em desenvolvimento, terão de a implementar

consoante o seu nível de desenvolvimento e realidades nacionais, definindo prioridades,

medidas e indicadores para atingir os objetivos e metas propostas. Nesse sentido, cada país

terá de investir em melhorar a coerência de um conjunto de políticas, práticas, instituições e

recursos, para criarem o ambiente nacional propício para implementarem a Agenda de

3 Ver a proposta dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 2015-2030 em https://sustainabledevelopment.un.org/focussdgs.html .

4 Na Comunicação “Uma Vida Digna para Todos: Passar da Visão à Ação Coletiva”, afirma-se, por exemplo, que “Todos os parceiros dos países desenvolvidos e em desenvolvimento são incentivados a promover uma ação coerente e a rever, se necessário, as suas políticas, a fim de assegurar a sua compatibilidade com os esforços em matéria de erradicação da pobreza e de desenvolvimento sustentável enquanto contributo importante para a concretização do quadro mundial”.

Page 18: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

18

Desenvolvimento Global. A CPD poderá ser aqui um instrumento importante, utilizado pelos

diversos intervenientes (incluindo a sociedade civil) na discussão, aprovação e implementação

dos planos nacionais e subnacionais, em todos os países.

Relativamente à sociedade civil, é importante referir o facto de várias redes e organizações da

sociedade civil do chamado “Norte”, nomeadamente na Europa, utilizarem já a CPD para

monitorização das políticas. Um dos exemplos mais evidentes é a Confederação Europeia de

ONG de Emergência e Desenvolvimento - CONCORD5, que desenvolve um trabalho sistemático

de monitorização do impacto das políticas europeias nos países em desenvolvimento. No

entanto, existem também oportunidades importantes para a sua aplicação deste instrumento

no chamado “Sul”. Nos países em desenvolvimento, em geral, há um crescimento da classe

média e dos níveis educacionais, as pessoas estão a ficar mais sensibilizadas para os seus

direitos e a sociedade civil começa a ter maior capacidade de reivindicação e de

responsabilização dos decisores políticos, assumindo um papel mais ativo de “watchdog” no

sentido de contrabalançar o exercício do poder.

1.3. A CPD enquanto compromisso europeu

1.3.1 A CPD na União Europeia

A União Europeia é a única região do mundo onde há uma obrigação legal de

responsabilização pelo impacto das políticas europeias nos países em desenvolvimento. A CPD

é simultaneamente uma obrigação legal e um compromisso político dos Estados-membros:

Para além dos “3C” – Coordenação, Coerência e Complementaridade - reconhecidos

logo em 1992 no Tratado de Maastricht (artº. 130v), o Tratado de Lisboa (2009) afirma

que “a União tomará em consideração os objetivos da cooperação para o

desenvolvimento nas políticas que são implementadas que podem afetar os países em

desenvolvimento” (artº.188D). Mais especificamente, afirma que “a política da União

em matéria de cooperação para o desenvolvimento e as políticas dos Estados-

Membros no mesmo domínio completam-se e reforçam-se mutuamente”, e que “na

execução das políticas suscetíveis de afetar os países em desenvolvimento, a União

tem em conta os objetivos da cooperação para o desenvolvimento” (art.208, alínea 1 e

2).

A CPD é um compromisso assumido perante os parceiros de desenvolvimento, já que

o Acordo de Cotonou (2000) entre a União Europeia e os Estados de África, Caraíbas e

Pacífico (ACP) refere a coerência das políticas comunitárias e o seu impacto na

execução do Acordo de Parceria (art.12). É introduzido um procedimento de consulta

sobre a coerência das políticas comunitárias, em que a Comunidade europeia é

convidada a informar ‘atempadamente’ os Estados ACP sobre as medidas que

5 Mais informações em http://www.concordeurope.org/coherent-policies. A CONCORD publica um relatório bienal neste âmbito: o relatório de 2013, que aborda especificamente o financiamento do desenvolvimento, a segurança alimentar, as alterações climáticas e os recursos naturais, pode ser consultado em http://www.concordeurope.org/publications/item/259-spotlight-on-eu-policy-coherence-for-development

Page 19: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

19

pretende tomar “que possam afetar os interesses dos Estados ACP”; tal solicitação de

informação poderá também ser feita pelos próprios países ACP.

Várias resoluções do Conselho de Ministros para as Relações Externas da União

Europeia insistem na relevância da CPD para afirmar a credibilidade da UE enquanto

ator global, salientam a necessidade de discussões políticas regulares sobre o tema e

apelam a uma abordagem de CPD mais direcionada, operacional e centrada nos

resultados (Conclusões do Conselho em 2009, 2012, 2013). Por exemplo, as

Conclusões do Conselho sobre o apoio a países em desenvolvimento para lidarem com

a crise económica e financeira global, sublinham a importância da CPD e a importância

de assegurar que as medidas tomadas pela Europa para combater à crise têm em

consideração o impacto nos países em desenvolvimento.

A Agenda para a Mudança (2011), que é o documento político de orientação da

Política Europeia de Desenvolvimento, refere a necessidade das relações externas da

UE reforçarem a CPD, nomeadamente através de novos programas temáticos que

criem sinergias entre os interesses globais e a redução da pobreza.

A posição europeia para a agenda de desenvolvimento pós-2015 (aprovada pelo

Conselho em Dezembro de 2014) salienta a CPD como fundamental para a promoção

do desenvolvimento, nomeadamente as sinergias e interligações entre objetivos e

metas. Apela a todos os países que analisem e avaliem as suas políticas, salientando

em particular a importância de políticas adequadas nos setores do comércio, ciência,

migrações, tecnologia e inovação e partilha de conhecimento.

Relativamente à monitorização, o programa de trabalho sobre CPD (2010-2013) é uma

base de trabalho e os relatórios de acompanhamento são publicados com

periodicidade bienal desde 20076. O Parlamento Europeu tem, desde 2010, um

Relatório Permanente sobre CPD. A Comissão Europeia tem a obrigação de realizar

avaliações prévias de impacto sobre os regulamentos ou políticas da EU em termos

económicos, sociais e ambientais, incluindo desde 2009 os impactos nos países em

desenvolvimento.

A CPD passou a ser um elemento fundamental da programação da cooperação da UE

com os países parceiros, no período 2014-2020, segundo as instruções de

programação do Fundo Europeu para o Desenvolvimento (FED) e do Instrumento de

Cooperação para o Desenvolvimento, as quais devem ser aplicadas pelas Delegações

da União Europeia no mundo.

Em 2005, o Consenso Europeu para o Desenvolvimento definiu 12 áreas sectoriais onde se

devem centrar os esforços de coerência7, tendo posteriormente sido estabelecido um enfoque

especial em cinco setores: alterações climáticas, comércio e finanças, segurança alimentar,

migrações e segurança.

Praticamente todas as políticas da UE têm uma dimensão externa, pelo que devem ser

concebidas e implementadas tendo em consideração esses impactos. Em termos formais e

concetuais, isto é algo consensual nos meios europeus, mas na prática são evidentes os

desafios e dificuldades em ultrapassar os conflitos de interesses entre as diferentes políticas da

6 O último relatório foi publicado em 2013, estando disponível em: https://ec.europa.eu/europeaid/sites/devco/files/pcd-report-2013_en.pdf

7 As 12 áreas são: comércio; ambiente; alterações climáticas; segurança; agricultura; pescas; dimensão

social da globalização; migrações; inovação e pesquisa; sociedade da informação; transportes; energia.

Page 20: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

20

União, as contradições destas com as políticas bilaterais dos Estados Membros, e ainda em

conciliar essas políticas com as necessidades de desenvolvimento.

Assim, apesar de evoluções ao nível concetual, muito há ainda a fazer para potenciar as boas

práticas e para que exista uma resposta efetiva às incoerências identificadas. Essas

incoerências e inconsistências da política externa europeia em diversos setores são cada vez

mais reconhecidas, incluindo em vários estudos europeus ou promovidos pela União Europeia.

Em termos de mecanismos e instrumentos europeus, se analisarmos o enquadramento

institucional da CPD, facilmente se conclui pela inexistência de uma real capacidade de

prevenir, detetar e corrigir políticas que sejam incoerentes com o objetivo de erradicação da

pobreza no mundo8. Das avaliações prévias de impacto das regulamentações ou políticas

europeias, efetuadas pela Comissão Europeia, só uma pequena minoria inclui alguma

referência ao impacto nos países em desenvolvimento.

O próprio Parlamento Europeu salienta, a este propósito, que “o atual quadro europeu do

desenvolvimento carece de mecanismos eficazes na prevenção ou correção das incoerências

resultantes das políticas prosseguidas pela União” e, nesse sentido formula recomendações

concretas para melhoria da CPD no âmbito das políticas europeias, cujo conhecimento é

importante também para os atores dos países em desenvolvimento:

− Recorda a importância do papel do Serviço Europeu para a Ação Externa na aplicação

da CPD, em particular o papel das delegações da UE na supervisão, no

acompanhamento e na promoção de consultas e do diálogo com as partes

interessadas e os países parceiros sobre os impactos das políticas da UE nos países em

desenvolvimento; salienta que é necessário um debate mais alargado com todas as

partes interessadas relevantes, tais como as ONG e as organizações da sociedade civil

(OSC);

− Insta a Comissão Europeia a realizar regularmente avaliações ex post independentes

do impacto do desenvolvimento das principais políticas, tal como solicitado pela

Comissão; salienta a necessidade de melhorar o sistema de avaliação de impacto da

Comissão, visando explicitamente a CPD e garantindo que o desenvolvimento

constitua o quarto elemento central da análise, juntamente com os impactos

económicos, sociais e ambientais;

− Chama a atenção para a necessidade da criação de um mecanismo independente no

seio da União que recolha e analise formalmente as queixas apresentadas por

cidadãos ou comunidades afetados pelas políticas da UE.

Para além destas recomendações, também o exame à Cooperação Europeia para o

Desenvolvimento, efetuado pelo Comité de Ajuda ao Desenvolvimento da OCDE em 2012,

conclui pela necessidade de um envolvimento sistemático e de alto-nível, no Conselho, no

Parlamento Europeu, na Comissão Europeia e no Serviço Europeu de Ação Externa. Por

exemplo, o novo Relator para a CPD, criado recentemente pelo Parlamento Europeu, pode

identificar incoerências nas políticas europeias e assegurar que os efeitos da legislação

europeia nos países em desenvolvimento são devidamente tidos em consideração no processo

legislativo. Para melhorar a coerência, a OCDE recomenda também que sejam simplificados

procedimentos e que as delegações da UE nos países em desenvolvimento tenham um poder

8 Isto é reconhecido nos vários relatórios bienais sobre Coerência das Políticas para o Desenvolvimento (2007, 2009, 2011, 2013), nas Resoluções do Parlamento Europeu sobre CPD, nas análises efetuadas por organismos independentes ou em estudos promovidos pela UE (p.ex. ECDPM) e nos relatórios de diversas organizações da sociedade civil europeia (p.ex. CONCORD)

Page 21: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

21

de decisão cada vez mais reforçado. Estas delegações têm atualmente competências na área

da CPD, mas o seu papel na monitorização dos compromissos europeus está ainda

subvalorizado.

Um dos aspetos também a salientar é a dificuldade da coerência entre as políticas

comunitárias, assumidas pela União Europeia, e as políticas bilaterais prosseguidas pelos

Estados-Membros. É de referir, por exemplo, que a adesão ao programa de trabalho sobre

CPD, da Comissão Europeia, é feita numa base voluntária e depende das prioridades políticas

dos Estados Membros.

Por outro lado, em termos de divisão de competências, enquanto a UE tem competências

exclusivas em determinadas áreas que afetam os países em desenvolvimento (p.ex. Comércio),

noutras áreas setoriais as competências são partilhadas entre a UE e os seus Estados Membros

(p.ex. ambiente, agricultura, energia). As posições negociais e os contributos dos Estados

Membros também influenciam os processos de decisão na UE e, em última análise, as políticas

europeias. Assim, o sistema legal e institucional europeu tem uma grande complexidade, pelo

que é essencial assegurar uma maior coesão entre as instituições europeias e os Estados-

membros, sob pena de a ação europeia para o desenvolvimento global ser fragmentada,

incoerente e com poucos reflexos positivos na melhoria das condições de vida das populações

mais desfavorecidas.

1.3.2. A CPD nos países europeus

A agenda global de Desenvolvimento para o pós-2015 abrangerá uma grande variedade de

políticas setoriais e terá previsivelmente com um carácter universal. Isto significa que os países

europeus (e todos os países) terão também de trabalhar no sentido de conceber e

implementar planos nacionais de implementação dessa agenda, tentando coordenar da

melhor forma as políticas, instituições, capacidades e recursos para avançar nas metas de

desenvolvimento. Tal implica, necessariamente, melhorias na governação e uma promoção

mais sistemática da coerência entre políticas. A Caixa seguinte reproduz o texto da recente

Comunicação da Comissão Europeia sobre a Agenda pós-2015, no que tem a ver com o

contexto nacional de cada país.

Caixa 1

A Implementação da Agenda pós-2015: Desafios no plano nacional e subnacional, do ponto

de vista da CPD9

“Ao nível nacional, todos os governos, em consulta com os cidadãos, terão de decidir como contribuirão

para a realização dos objetivos e metas, tendo em consideração a necessidade de abranger todos os

membros da sociedade, particularmente os mais vulneráveis. É essencial o envolvimento pleno da

sociedade civil (…).

9 Este texto é aqui reproduzido por se considerar que tem aspetos relevantes também para o contexto nacional cabo-verdiano, uma vez que todos os países terão de tomar medidas para implementarem a Agenda pós-2015 no plano nacional, sendo a CPD um instrumento útil nesse sentido. A tradução do texto citado para português é da responsabilidade da autora.

Page 22: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

22

Para a implementação ao nível nacional e subnacional, cada país necessita de um quadro legislativo e

regulamentar eficaz para atingir os objetivos das políticas definidas. Os países devem promover

instituições eficazes e com capacidade de resposta, sistemas e políticas transparentes, e prestação de

contas aos seus cidadãos através de processos democráticos, baseados no Estado de Direito. Isto

engloba quadros legais previsíveis e justos, que promovam e protejam os direitos humanos, as normas

laborais fundamentais e o ambiente, e assegurem a gestão sustentável dos recursos naturais. Requer,

igualmente, um ambiente estável e propício ao setor privado, incluindo condições equitativas de

concorrência e investimentos sustentáveis. A implementação e cumprimento das leis é crucial,

nomeadamente no combate a atividades ilegais, remoção de barreiras à implementação, reforçar a

capacidade de fazer cumprir a lei, e aumentar a sensibilização pública, para que os vários atores possam

exigir responsabilidades ao governo e às autoridades. (…)

A boa governação requer sistemas eficazes de orçamentação, afetação de recursos e monitorização da

despesa. Estes sistemas devem ser totalmente transparentes e abertos ao público em geral, para

encorajar uma tomada participativa de decisões e o envolvimento do setor privado, e para combater a

corrupção. Políticas macroeconómicas eficazes são essenciais para assegurar que os recursos

necessários são angariados e gastos efetivamente de acordo com os objetivos dos ODS. (…)

A coerência das políticas está no centro de um ambiente realmente favorável ao desenvolvimento. Para

que a parceria global tenha sucesso, todas as políticas ao nível nacional e subnacional devem

contribuir de forma coerente para a realização dos ODS, tanto no plano interno, como internacional.

Deve ser tido em conta o papel preponderante de vários setores, como a agricultura, a energia ou a

saúde, no contributo para uma série de objetivos e metas. As medidas políticas que ajudem a criar e

promover o acesso ao trabalho digno, com proteção social adequada e sustentável, bem como as

medidas de facilitação do investimento em capital humano por via da educação e da formação, são

especialmente relevantes. Continua a ser fundamental uma resposta à desigualdade e à exclusão social,

particularmente entre os mais vulneráveis, como as mulheres, crianças, idosos e pessoas com

deficiência. (…) a coerência das políticas implica também a existência de mecanismos de coordenação

adequados, para o diálogo entre vários atores, bem como a monitorização e avaliação das políticas e

dos seus resultados.”

Comissão Europeia, A Global Partnership for Poverty Eradication and Sustainable Development after

2015, Fevereiro de 2015.

No que respeita aos Estados Membros da União Europeia, importa também analisar as boas

práticas na implementação da CPD, nomeadamente nos países europeus que são também os

principais parceiros externos de Cabo Verde em termos de ajuda ao desenvolvimento10.

É necessário salientar que não existe uma abordagem única ou que funcione em todos os

países. “A natureza única do processo político e de tomada de decisão em cada país excluem a

possibilidade de copiar as experiências bem sucedidas de um país para outro. Mecanismos

com sucesso na Alemanha não funcionam na França e vice-versa”11.

10 Este estudo foca apenas alguns exemplos de como os países europeus estão a implementar a CPD. Para uma análise aprofundada e completa de vários países, ver por exemplo OCDE (2014): Better Policies for Development; Jeske van Seters et al (2015): Use of PCD indicators by a selection of EU Member States; ECDPM (2012): Measuring Policy Coherence for Development; ou Instituto Marquês de Valle Flor (2012): EU member states on the road towards more Policy Coherence for Development.

11 Keijzer, N. (2012).

Page 23: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

23

No essencial, muitos países reconhecem a importância da CPD ao nível político e público, mas

existem problemas na tradução destes acordos em resultados concretos. Isto pode ser

explicado, principalmente, pelos obstáculos políticos e pela importância atribuída ao

desenvolvimento global e à cooperação para o desenvolvimento na hierarquia das políticas

públicas, competindo com outros interesses nacionais e de política externa. No geral, as

dificuldades são similares às já enunciadas para a União Europeia, como o facto de a CPD ser

identificada com os atores do desenvolvimento, havendo ainda muito a fazer para chegar aos

intervenientes de outras áreas setoriais que têm grande influência no desenvolvimento.

Os sistemas de CPD e a forma como são operacionalizados variam consideravelmente. Em

vários países europeus, a CPD continua a ser encarada como um conceito complexo, que diz

respeito apenas aos que trabalham na área do desenvolvimento, não existindo qualquer

mecanismo que permita reportar à Assembleia da República ou analisar de forma sistemática

os impactos que as várias políticas podem ter no desenvolvimento global. Noutros países,

foram já desenvolvidos esforços mais concretos para integrar a CPD nos processos de tomada

de decisão, nas políticas setoriais e na cooperação para o desenvolvimento. Assim, são

apresentados aqui alguns exemplos de como a CPD tem sido incorporada por alguns países

europeus, nos três níveis/pilares da CPD:

Nível/Pilar 1: Compromisso político e documentos de orientação

Os principais avanços são ao nível do compromisso político e legal com a CPD. Um número

crescente de países europeus, a maioria dos Estados Membros da UE, aprovou documentos

oficiais onde se comprometem a melhorar a coerência e a ter em consideração os objetivos de

Desenvolvimento nas outras áreas setoriais. Esses objetivos são, frequentemente,

incorporados em documentos estratégicos, mas principalmente na área da cooperação para o

desenvolvimento: p.ex. o Livro Branco sobre a Ajuda ao Desenvolvimento da Irlanda (2006 e

2012); a Estratégia para a Política de Desenvolvimento da Áustria (2013-2015); a Estratégia de

Cooperação para o Desenvolvimento da Dinamarca - The right to a better life (2012), entre

outros. No Reino Unido, a erradicação da pobreza em termos globais é um objetivo expresso

de todo o Governo, desde o Livro Branco de 2000. Na Holanda, a CPD é um objetivo específico

da política externa holandesa.

Em vários países europeus, a CPD passou a ser uma obrigação legal, com a introdução desse

compromisso na legislação interna, pelo que o governo e a administração pública passam a

estar obrigados a promover a CPD. Na maior parte dos casos, isto acontece pelo facto de a

Cooperação para o Desenvolvimento ser objeto de uma Lei ou Decreto governamental,

incluindo nesse caso um compromisso com a CPD. É o caso do Luxemburgo, Dinamarca,

Bélgica, Portugal, Espanha, entre outros. Por exemplo na Bélgica, a CPD é um dos seis objetivos

gerais da sua Política de Cooperação para o Desenvolvimento (2013).

Em menor número de países existe mesmo um compromisso legal específico com a CPD. É o

caso de Portugal, onde a Resolução do Conselho de Ministros de 4 de Novembro de 201012

"reconhece que a coerência das políticas para o desenvolvimento é um instrumento essencial

para a promoção dos objetivos da política externa portuguesa", salienta "a necessidade de

estabelecer mecanismos formais de coordenação e de acompanhamento", reforça o diálogo

12

Resolução do Conselho de Ministros 82/2010, de 4 de novembro, disponível em http://www.coerencia.pt/_files/ResolucaodoConselhodeMinistros82-2010.pdf

Page 24: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

24

interministerial e constitui um "grupo de trabalho interministerial, coordenado pelo membro

do Governo responsável pela área dos negócios estrangeiros, responsável pelo

desenvolvimento de um programa de trabalho interno sobre CPD (...) e pela elaboração de um

relatório sobre CPD, a cada dois anos".

Nível/Pilar 2: Mecanismos de Coordenação de políticas

A criação de mecanismos institucionais no âmbito de um quadro integrado de promoção da

CPD está, na maior parte dos países europeus, ainda numa fase embrionária ou experimental.

Em alguns casos, os compromissos do Pilar 1 são traduzidos em tentativas de implementar

abordagens conjuntas intersectoriais (“whole-of-Government”). Alguns países europeus

elaboraram planos de ação para implementar os compromissos – como é o caso da Dinamarca,

Finlândia, Suécia, Bélgica – e/ou identificaram quais os seus setores prioritários para

monitorizarem a CPD.

Esses planos de ação podem ter um enfoque interno (nas políticas nacionais dos vários setores

contribuírem para o desenvolvimento global), ou focarem-se na atuação externa para

promover a melhoria da CPD ao nível multilateral e da União Europeia. Esta é a perspetiva do

Plano de Ação para a CPD, da Dinamarca (2014)13 e da Agenda para os Bens Públicos Globais,

da Holanda (2011), que se focam no contributo que a Dinamarca e a Holanda podem dar para

melhorar a CPD ao nível da União Europeia.

Em termos internos/nacionais, é raro existir um exame obrigatório sobre o impacto que as

várias políticas têm nos países em desenvolvimento. A lei belga sobre Cooperação para o

Desenvolvimento exige que esse impacto seja avaliado. Já a Alemanha estabeleceu a

obrigatoriedade do Parlamento escrutinar os efeitos de cada lei no desenvolvimento global, ou

seja, quando é apresentada uma proposta legislativa no Parlamento, são analisados vários

critérios: o critério orçamental (se há fundos para implementar a lei), o critério ambiental (se a

lei tem impactos nefastos no ambiente), e a CPD (se aquela lei tem efeitos negativos no

desenvolvimento global). Este é um exemplo concreto de como o Parlamento pode ter um

papel ativo e preponderante na promoção da coerência entre politicas e do impacto do seu

trabalho legislativo no Desenvolvimento.

Os mecanismos de coordenação entre políticas e interministeriais existem em vários países,

embora mais ligados à cooperação para o desenvolvimento no geral. Outros países estão em

processo de colocar em funcionamento Comissões interdepartamentais ou interministeriais

específicas sobre CPD, como é o caso da Bélgica.

Alguns países preferem a criação de equipas e departamentos específicos sobre CPD: na

Holanda, por exemplo, foi criada uma Unidade de Coerência das políticas no seio do Ministério

dos Negócios Estrangeiros, com o objetivo de (i) escrutinar toda a legislação europeia, (ii)

influenciar ativamente as políticas nacionais em setores específicos, e (iii) sensibilizar e

aumentar o conhecimento sobre a CPD tanto ao nível nacional como internacional. Outros,

como a Irlanda ou Portugal, pretendem identificar pontos focais em cada ministério setorial,

para promoção da coordenação e da coerência numa base intergovernamental. No entanto,

em muitos destes casos, o que se verifica é que não há uma concretização prática destes

mecanismos, que acabam por não trabalhar de forma sistemática, quer porque não têm

13

Disponível em http://um.dk/da/~/media/UM/Danish-site/Documents/Danida/Nyheder_Danida/2013/2%20Handlingsplan%20PCD.PDF

Page 25: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

25

indicadores definidos para monitorização das coerências e incoerências, quer por outras

dificuldades inerentes à coordenação interministerial.

Nível/Pilar 3: Sistemas de acompanhamento, análise e comunicação

Vários países europeus criaram sistemas de monitorização, que na maior parte das vezes têm a

ver com a produção de relatórios anuais ou bienais, nomeadamente para reportar aos

Parlamentos respetivos. Na sua maioria, são relatórios sobre a implementação da Política de

Cooperação para o Desenvolvimento, que incorporam uma secção ou capítulo sobre CPD.

Poucos países definiram indicadores concretos que guiem este acompanhamento e análise;

apenas a Dinamarca, Holanda e Suécia têm indicadores intergovernamentais e oficiais

aprovados sobre CPD.

Estes sistemas de acompanhamento e análise sofrem, frequentemente, da falta de

capacidades ou recursos para assegurar uma recolha completa e sistemática de informação

sobre o impacto das suas políticas nos países parceiros. Outra dificuldade tem a ver com a falta

de informação e comunicação entre os diferentes atores da cooperação, sobre as políticas de

desenvolvimento em geral, e a CPD em particular, verificando-se ainda um grande

desconhecimento em alguns países.

Em alguns países europeus, a sociedade civil e as ONG desempenham um papel ativo de

monitorização em colaboração com os governos. No Luxemburgo, o governo colabora com

uma coligação não-governamental sobre CPD, que publica o Barómetro “Fair Politics” sobre a

coerência das políticas para um desenvolvimento justo e sustentável. Embora o relatório não

seja governamental, inclui textos de atores governamentais e conta com o apoio do governo.

Na Finlândia, na Holanda e no Luxemburgo, existem organizações não-estatais que fazem um

trabalho estruturado sobre CPD – como o Programa “Fair Politics” da Fundação Max van der

Stoel14 ou o Fair Politics Luxemburgo, da Cercle de Coopération des ONG de Développement15,

em estreita colaboração com os deputados do Parlamento e outros organismos do governo.

Na Suécia, existe uma coligação de ONG que publica um “relatório-sombra” sobre CPD após a

publicação do relatório bienal por parte do governo sueco. Isto permite cruzar informações,

ter perspetivas diferentes sobre os mesmos assuntos e, em última análise, um trabalho mais

completo de monitorização.

Para aumentar o conhecimento sobre CPD, a Irlanda utiliza o seu “Conselho Consultivo” sobre

a Ajuda Irlandesa ao Desenvolvimento, tendo apoiado várias ONG (como a Trocaire) e feito

parceria com uma Universidade para a produção de estudos sobre esta matéria. Tal tem-se

revelado muito útil, com a produção de estudos sobre vários setores e a elaboração de

indicadores concretos16, os quais têm sido utilizados pelas entidades governamentais para

informar a decisão política e melhorar a atuação irlandesa em termos de CPD.

Para aumentar o conhecimento e as evidências sobre a CPD, alguns países têm levado a cabo

estudos sobre países ou setores específicos, por vezes em parceria com instituições de

14 http://www.fairpolitics.eu/

15 http://fairpolitics.lu/, com o relatório da CPD no Luxemburgo, 2014, disponível em http://fairpolitics.lu/files/2014/09/barom%C3%A8tre2014low_res-copie.pdf

16 Ver, por exemplo, Institute for International Integration Studies (2012); PCD:Indicators for Ireland

http://www.tcd.ie/iiis/assets/doc/IIIS%20PCD%20Indicator%20Report%202012.pdf

Page 26: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

26

investigação ou académicas. A Holanda, por exemplo, analisou o impacto das políticas

holandesas e europeias no Gana e no Bangladesh17. A Finlândia está envolvida num estudo-

piloto para avaliar as incoerências das políticas dos membros da OCDE na Tanzânia, em

particular no setor da segurança alimentar (estudo em parceria com o Secretariado da OCDE, o

ECDPM e a Economic and Social Research Foundation – ESRF). Outro estudo-piloto similar vai

ser realizado no Burkina Faso, com apoio da Suíça. Portugal, em parceria com a União Europeia

financiou em 2011 um estudo sobre a coerência no setor das pescas e migrações, em Cabo

Verde, e financia também agora o presente estudo, em parceria com organizações da

sociedade civil, portuguesas e cabo-verdianas. Estes estudos são importantes para avaliar o

papel que as incoerências têm em determinados países e assim identificar estratégias de

resposta que sejam mais adequadas às realidades concretas.

Tabela 2. Um exemplo de boas práticas: A Abordagem Global de Desenvolvimento - Suécia

Nível/Pilar 1: Compromisso

político e documentos de

orientação

Nível/Pilar 2: Mecanismos de

coordenação de políticas

Nível/Pilar 3: Sistemas de

acompanhamento, análise e

comunicação

2003 – O Projeto de lei

“Responsabilidade partilhada

para o desenvolvimento

mundial” integrou os

objetivos de

desenvolvimento global

como uma responsabilidade

de todos os departamentos

governamentais

2008 – Relançamento da

Política sueca para o

Desenvolvimento Global,

com objetivos definidos em

termos internos e da política

externa sueca, bem como

indicadores de

monitorização. Todos os

departamentos

governamentais têm a

responsabilidade de

assegurar que a sua política

setorial está de acordo com a

abordagem conjunta do

governo para a CPD.

Coordenação estratégica de 6

desafios globais e dos seus 18

domínios de intervenção;

Rede de pontos focais de

CPD, interministerial

Direção formal; são

elaboradas cartas anuais das

agências. Há uma unidade de

CPD no Ministério dos

Negócios Estrangeiros

A “Equipa Suécia” e

“Conselho do Comércio e do

Desenvolvimento” são

exemplos concretos de

grupos que agregam atores e

recursos de vários setores.

O Governo apresenta um

relatório bienal ao

Parlamento, com

indicadores de resultados

para cada Ministério e área

setorial.

Relatórios focados nos

resultados, segundo um

modelo de desempenho

estabelecido em 2009

Elaboração de indicadores e

ferramentas de avaliação

para avaliação de impacto

Parcerias com organizações

independentes (ex. o ECDPM

e o Centro para o

Desenvolvimento Global)

para realização de estudos,

investigação e recolha de

evidências.

17 Ver, por exemplo, o estudo sobre o Gana, em http://www.government.nl/documents-and-publications/reports/2014/07/24/iob-autonomy-partnership-and-beyond-a-counterfactual-analysis-of-policy-coherence-for-ghana.html

Page 27: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

27

Parte II - A CPD em Cabo Verde

2.1 A CPD em África

Tal como referido na Parte I, a CPD - enquanto conceito e instrumento - tem sido desenvolvido

e aplicado essencialmente nos países desenvolvidos, nomeadamente no quadro da OCDE e da

União Europeia. No entanto, esse quadro está a mudar, já que se considera que é cada vez

mais necessário envolver os países em desenvolvimento, quer através da sua participação no

diálogo internacional e na divulgação de incoerências ou boas práticas segundo a sua própria

experiência, quer através do alargamento da aplicação da CPD nos próprios países em

desenvolvimento, para monitorização das políticas dos parceiros externos e das políticas

públicas.

Em África, embora não exista um quadro sistemático de análise e avaliação das políticas

públicas, existem já instrumentos e avaliações que incorporam análises relacionadas com a

CPD, mesmo que não sejam assim denominadas. Referimos aqui alguns desses quadros

continentais, dos quais Cabo Verde faz parte:

O Mecanismo Africano de Revisão pelos Pares (MARP)18

Lançado em 2003 pela União Africana, o MARP é um instrumento de adesão voluntária e

aberto a todos os Estados-Membros da União Africana. É um mecanismo de auto-

monitorização, ou seja, desenhado e implementado por africanos, cujo objetivo é promover a

adoção de políticas, regras e práticas que contribuam para a estabilidade política, o

crescimento económico, o desenvolvimento sustentável e a aceleração da integração

continental e regional. Isto é feito através de “revisões” dos países que se submetem

voluntariamente a essa análise, pelos seus pares.

Nesse quadro, pretendem-se partilhar experiências e reforçar as boas práticas,

nomeadamente pela identificação de deficiências/incoerências e pela análise de quais os

requisitos e medidas necessárias para melhorar as capacidades dos países. O desempenho e a

evolução são medidos em quatro grandes áreas: (i) Democracia e Governação Política; (ii)

Governação Económica; (iii) Governação corporativa e (iv) Desenvolvimento socioeconómico,

cada uma das quais com um guião específico.

Os peritos do MARP trabalham com os governos e com os grupos da sociedade civil para

avaliar o desempenho do país nestas áreas, sendo produzido um relatório com recomendações

concretas e instrumentos de seguimento. Espera-se que os países objeto desta revisão

implementem as recomendações, o que nem sempre acontece, nomeadamente por falta de

capacidade, incluindo financeira (uma vez que algumas recomendações podem envolver

despesas não previstas no orçamento nacional).

Estas análises, sendo feitas por outros peritos e países africanos, são úteis por fornecerem

uma perspetiva africana, ainda que externa, aos problemas e desafios de um determinado país

em vários setores, até porque na maioria dos países este tipo de avaliações do desempenho

18

http://aprm-au.org/

Page 28: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

28

não são feitas com frequência. Até Dezembro de 2013, 33 países tinham aderido ao MARP, dos

quais 17 foram já objeto de uma revisão pelos seus pares. Cabo Verde aderiu ao mecanismo

em 2009, mas não assinou ainda o Memorando de Entendimento que oficializa essa adesão,

como previsto em 2010.

O Índice Ibrahim sobre Governação em África19

Este índice, promovido pela Fundação Mo Ibrahim, tem ganho grande notoriedade na

avaliação do desempenho dos países africanos em matéria de governação. Pretende ser uma

ferramenta para ajudar a avaliar e debater o desempenho dos governos e, simultaneamente,

um instrumento para a decisão política e para a governação. Fornece um enquadramento para

os cidadãos, os governos, as instituições e o setor privado avaliarem o fornecimento de bens e

serviços públicos e os resultados das políticas em várias dimensões, ao nível nacional, regional

e continental (uma vez que permite comparações entre países e regiões africanas).

O Índice analisa a situação e progresso dos países africanos em quatro categorias principais:

Segurança e Estado de Direito, Participação e Direitos Humanos, Oportunidades Económicas

Sustentáveis, Desenvolvimento Humano. Estes pilares são alimentados com dados

quantitativos e qualitativos, que englobam elementos variados – desde as infraestruturas à

liberdade de expressão, do saneamento aos direitos de propriedade. As pontuações e

classificações têm sido publicadas desde 2000, o que permite uma análise das tendências ao

longo do tempo.

Os instrumentos da Comissão Económica das Nações Unidas para África20

Com 54 países membros, a Comissão Económica das Nações Unidas para África (UNECA) é

simultaneamente o braço regional da ONU em África e um elemento importante do cenário

institucional africano ao nível continental. Tem dado contributos muito relevantes para

compreender e responder aos desafios do Desenvolvimento em África, prestando serviços de

aconselhamento e de apoio ao desenvolvimento de capacidades dos países africanos em várias

áreas prioritárias: promoção da industrialização; elaboração e aplicação da política

macroeconómica; conceção e articulação do planeamento de desenvolvimento; apoio a

negociações no âmbito dos recursos minerais; promoção de uma gestão adequada dos recursos

naturais para a transformação de África. Também promove programas de cooperação para o

desenvolvimento e é agência executora de alguns projetos. No âmbito da CPD, destacam-se os

centros de análise específica sobre algumas áreas setoriais: African Minerals Development Centre,

African Climate Policy Centre, African Trade Policy Centre.

A UNECA realiza ainda, em conjunto com a OCDE, e mediante um pedido dos países africanos em

2003, uma “Avaliação Mútua da Eficácia do Desenvolvimento”. Este exercício analisa o que tem sido

feito por África e pelos seus parceiros externos para cumprir os compromissos assumidos em relação

ao desenvolvimento africano, quais os resultados atingidos, e quais as prioridades de ação para o

futuro21.

19 http://www.moibrahimfoundation.org/interact/

20 http://www.uneca.org/

21 O relatório de 2014 está disponível em http://www.uneca.org/publications/2014-mutual-review-

development-effectiveness-africa

Page 29: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

29

A Agenda 206322

A Agenda 2063 pode vir a ser um instrumento relevante para a promoção da CPD em África. É

a visão do desenvolvimento para o continente a longo-prazo (50 anos) e a sua definição foi um

processo participado de debates e consultas, ao nível regional e continental. Para além de

definir as principais “aspirações” africanas, identifica também metas específicas (p.ex. reduzir

a dependência da ajuda ao desenvolvimento, em 50%). Se forem definidos indicadores claros

de monitorização, e se a Agenda for devidamente apropriada pelos países e regiões africanas,

poderá constituir um bom enquadramento para a promoção da CPD. Está ainda por definir

como é que esta Agenda será coordenada com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

para o período 2015-2030 e a nova Agenda Global de Desenvolvimento, a ser aprovada nas

Nações Unidas em Setembro de 2015.

Existem também alguns enquadramentos que incluem o continente africano e os países

doadores, e que englobam trabalho conjunto de implementação e de avaliação em várias

áreas setoriais. É o caso da Estratégia Conjunta UE-África (2007), que se materializa num

diálogo político entre os dois blocos, europeu e africano, em várias áreas setoriais como a

promoção da paz, segurança e estabilidade em África e na Europa; a governação e direitos

humanos; o comércio e integração regional; acelerar a progressão para os ODM; a

sustentabilidade ambiental e alterações climáticas; a migração e desenvolvimento; a

agricultura e segurança alimentar; infraestruturas, água e saneamento básico, energia; ou o

desenvolvimento de sociedades do conhecimento 23 . Esta Estratégia, cuja arquitetura

institucional se desdobra num conjunto de mecanismos e grupos de trabalho liderados por

países europeus e africanos, pretende ser o “chapéu” que enquadra todas as relações entre os

dois continentes.

Especificamente em relação à CPD, afirma-se na Estratégia Conjunta que “na aplicação desta

nova parceria, tanto a África como a UE respeitarão o princípio da coerência das políticas de

desenvolvimento, identificando e promovendo interações e complementaridades positivas

entre políticas e estratégias sectoriais, velando por que as medidas adotadas em determinados

domínios de ação não comprometam os resultados noutros domínios”. O Roteiro de Ação UE-

África 2014-2017 concretiza a parceria através de ações, medidas e programas concretos,

sendo sustentado financeiramente pelo Programa Pan-Africano da UE, recentemente criado.

22 http://agenda2063.au.int/. Versão do documento-base, em português: http://agenda2063.au.int/en/sites/default/files/02_agenda2063_popular_version_POs.pdf

23 O texto da Parceria UE-África está disponível em português: http://www.consilium.europa.eu/pt/documents-publications/publications/2011/pdf/qc3111092ptc_pdf/

O Roteiro 2014-2017, em inglês: http://www.africa-eu-partnership.org/sites/default/files/userfiles/2014_04_01_4th_eu-africa_summit_roadmap_en.pdf

Page 30: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

30

2.2. Os desafios do desenvolvimento em Cabo Verde e a relevância da

CPD

Cabo Verde é um pequeno Estado insular, cujas estratégias de desenvolvimento económico e

consolidação democrática têm sido elogiadas por inúmeros relatórios internacionais, como

exemplo para o continente africano e para os Países em Desenvolvimento. Fruto disso é o

facto de se ter tornado num dos 3 países do continente a ter transitado da classificação de País

Menos Avançado (PMA) para País de Rendimento Médio (PRM), a partir de Janeiro de 200824.

No entanto, Cabo Verde registou um abrandamento dos indicadores económicos nos últimos

anos, em parte devido ao impacto da crise financeira e económica internacional, que incidiu

especialmente sobre os principais parceiros externos de Cabo Verde, nomeadamente na

Europa.

Como em todas as análises, os números podem sustentar uma perspetiva mais otimista ou

mais pessimista, consoante o ângulo de análise e os dados utilizados. Nesse sentido, existem

aspetos claramente positivos, que sustentam a perspetiva de que “o copo está meio cheio”,

enquanto outros aspetos e fatores apontam para a perspetiva de que “o copo está meio

vazio”. Alguns dos indicadores mais e menos positivos estão resumidos na Caixa 2.

Caixa 2: Indicadores (selecionados) de Desenvolvimento em Cabo Verde

“O copo meio cheio”

O país está no bom caminho para atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio até 2015, sendo que quatro desses objetivos - atingir o ensino primário universal, promover a igualdade de género, reduzir a mortalidade infantil e melhorar a saúde materna - foram atingidos logo em 2010.25

Na maior dos indicadores sociais, são registados valores bastante acima da média da África Subsaariana, como é o caso de uma esperança média de vida de 75 anos (África: 56), de uma mortalidade infantil de 19 por 1000 nascimentos (África: 64) ou do acesso a uma fonte de água potável melhorada por parte de 89% da população (África: 64%). Se comparado com os países de rendimento médio-baixo, Cabo Verde supera também a média desses países, relativamente à maioria dos indicadores sociais e de desenvolvimento humano26.

Em termos de estabilidade política, o país tem consolidado a sua democracia através da alternância democrática e do reforço das instituições, tendo sido considerado nos últimos anos como o 2º país com melhor governação em África (depois das Maurícias)27 obtendo bons resultados nos índices de liberdades civis e direitos políticos da Freedom House28.

24 Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas A/59/210, de 20 de Dezembro de 2004. Os outros dois países são o Botsuana (1994) e as Maldivas (2010). Cabo Verde foi elegível a graduação pela primeira vez em 1997, mas a decisão foi adiada em 2000 devido à sua vulnerabilidade económica.

25 Segundo o Banco Mundial, só Cabo Verde, a Etiópia, o Gana e o Malawi serão capazes, na África Subsaariana, de conseguir a realização da maioria dos ODM até 2015.

26 Cape Verde at a Glance, World Development Report, Banco Mundial: http://devdata.worldbank.org/AAG/cpv_aag.pdf

27 Índice de Governação em África, Fundação Mo Ibrahim. Nos últimos anos, Cabo Verde tem melhorado

nos indicadores sobre Participação e Direitos Humanos e sobre Oportunidades Económicas, enquanto

Page 31: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

31

O país ocupa o 123º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano 2014 (num total 187 países) e insere-se na categoria de desenvolvimento médio-baixo29. No setor da Educação a evolução é muito positiva: a taxa de analfabetismo decresceu de 63% em 1975 para menos de 18% em 2012 e a taxa bruta de escolarização já atingiu os 100%, em comparação com 5% em 1975.

Cabo Verde é um dos 3 países do sistema das Nações Unidas a alcançar a graduação da lista de Países Menos Avançados (juntamente com o Botsuana em 1994 e as Maldivas em 2011), graduando-se para País de Rendimento Médio em 2008.

“O copo meio vazio”

Cerca de 25% da população cabo-verdiana vive em situação de pobreza, sendo essa percentagem bastante maior nas zonas rurais. Apesar da evolução positiva, o ritmo de decréscimo da pobreza registou um abrandamento nos últimos anos.

A taxa oficial de desemprego é de 16,4% (segundo o Banco de Cabo Verde), mas calcula-se que ultrapasse os 20%, sendo especialmente preocupante entre as camadas mais jovens da população (onde a taxa de desemprego se estima ser o dobro).

As desigualdades são persistentes: territoriais (entre ilhas e entre urbano/rural), sociais e económicas, de género, nas oportunidades de acesso a serviços básicos de qualidade, como a água potável, saúde, energia e saneamento.30 Segundo a Matriz de Convergência dos Municípios para a realização dos Objetivos do Desenvolvimento do Milénio, dos 22 municípios do arquipélago, 7 (Sal, Boa Vista, São Vicente, Praia, Tarrafal e Ribeira Brava de São Nicolau e Maio) estão avançados no cumprimento dos ODM, 5 (São Salvador do Mundo, São Domingos, Brava, São Filipe e Mosteiros) estão em vias de os atingir e os restantes 10 são classificados como de avanço lento.

O crescimento do PIB abrandou consideravelmente desde 2011, ano em que cresceu 4%, atingindo um crescimento mínimo de 0,5% em 201331. A dívida pública é elevada, na ordem dos 107,3% do PIB em 2014, o que reflete uma combinação entre o desempenho mais fraco das receitas e o crescimento das despesas de capital. Cabo Verde ocupa o 112º lugar no indicador de facilidade em fazer negócios do Banco Mundial, Doing Business 2014 (entre 189 economias analisadas), e o 114º lugar no Relatório da Competitividade Mundial 2014-2015 (em 144 economias analisadas)32.

Os financiamentos externos estão a diminuir, nomeadamente a ajuda ao desenvolvimento referente a donativos, o Investimento Direto Estrangeiro (que diminui há 6 anos consecutivos, com exceção e uma ligeira recuperação em 2013), e as remessas dos emigrantes, que estagnaram devido ao declínio das remessas da zona Euro.

piorado nos indicadores sobre Segurança e sobre Desenvolvimento Humano. Ver mais em http://www.moibrahimfoundation.org/interact/

28 Cabo Verde é considerado um modelo no âmbito das liberdades civis e direitos políticos, mas regista fracos resultados no que respeita ao tráfico de droga, violência policial contra os detidos e lentidão do sistema judicial. Freedom in the World 2015, Freedom House, www.freedomhouse.org/

29 PNUD, Relatório de Desenvolvimento Humano 2014, disponível em http://hdr.undp.org/sites/default/files/hdr2014_pt_web.pdf

30 Nações Unidas (2013).

31 http://data.worldbank.org/country/cape-verde

32 Ver os resultados de Cabo verde nos vários indicadores, em http://reports.weforum.org/global-

competitiveness-report-2014-2015/economies/#economy=CPV

Page 32: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

32

Cabo Verde está a viver um período único e crucial no seu processo de desenvolvimento,

podendo mesmo afirmar-se que se encontra numa encruzilhada. Vários constrangimentos

macroeconómicos já identificados, muitos deles fruto do próprio contexto de crise

internacional, têm condicionado a evolução do investimento direto estrangeiro, da ajuda

externa e das remessas dos emigrantes. O país é largamente vulnerável a choques externos e

tem grandes fragilidades estruturais, mas tem tentado criar novas bases de crescimento

sustentável através do desenvolvimento do setor privado, da diversificação da economia, da

melhoria da eficiência das infraestruturas e do aumento da qualidade dos recursos humanos.

Um dos exemplos é o setor do Turismo, que tem crescido a taxa de cerca de 10% em média

anualmente, com o número de chegadas de turistas a triplicar de 2002 e 2011. O governo

contribuiu para este crescimento com uma série de reformas e através de investimento

substancial em infraestruturas (estradas, portos e aeroportos) e atração de IDE, mas estes

resultados derivam também do desvio de turistas de outras zonas do globo, nomeadamente

devido a situações de conflito. Cabo Verde é o 11º país à escala global em termos da

importância relativa do setor do turismo para a sua economia33 (cerca de 22% de contribuição

para o PIB), sendo o 10º no que concerne às expectativas de crescimento para o setor.

Também os investimentos no sector agrícola - mobilização de água, facilitação do acesso dos

agricultores ao crédito através de microfinança, promoção da irrigação gota a gota e apoio à

extensão rural - desempenharam um papel no crescimento dos outputs e rendimentos

agrícolas, embora a taxa de pobreza continue muito alta nas áreas rurais.

Um dos passos importantes para ser possível trabalhar no sentido de maior coerência é a

identificação dos “enablers” e “disablers” , ou seja, fatores que potenciam ou prejudicam a

capacidade do país atingir os seus objetivos de desenvolvimento. Esta análise está feita em

Cabo Verde, e existe um relativo consenso sobre quais são esses fatores, alguns deles

estruturais.

Entre os fatores de vulnerabilidade estrutural, contam-se a vulnerabilidade económica

(ausência de recursos naturais, produção agrícola muito limitada, estrutura produtiva

incipiente, desequilíbrios estruturais da balança de pagamentos, dependência em relação ao

exterior, exposição permanente aos choques externos, limitações orçamentais, total

dependência em relação a recursos para o financiamento do desenvolvimento); a

vulnerabilidade securitária (emergência dos tráficos e da criminalidade conexa e desproporção

entre as ameaças e os meios financeiros, materiais, tecnológicos e humanos disponíveis); a

vulnerabilidade ambiental e insularidade (características geoclimáticas, seca permanente e

ritmos acelerado de desertificação, insuficiência de recursos hídricos, elevados custos da

insularidade e da pequenez, fragmentação do mercado). Uma ilustração das vulnerabilidades é

o facto de, no processo de graduação para País de Rendimento Médio, Cabo Verde cumprir

claramente dois dos três critérios - o do rendimento nacional e do índice de capital humano -

mas ficar muito aquém do nível de saída no índice de vulnerabilidade económica.

Nos últimos anos, há dois marcos que são relevantes para o futuro do desenvolvimento em

Cabo Verde, numa ótica de CPD:

33 Espírito Santo Research (2014); Cabo Verde: Internacionalização e Desenvolvimento, disponível em http://www.portugalglobal.pt/PT/geral/Documents/DOCs2014/InternacionalizacaEconomiasEstudoCaboVerdeElaboradoEspiritoSanto.pdf

Page 33: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

33

a) A graduação para PRM, em 2008, que tem suscitado um repensar do futuro do

desenvolvimento em Cabo Verde. Com efeito, após a transição formal para PRM,

importa concretizar efetivamente essa graduação. No chamado “período de

transição”, que não tem prazo temporal, espera-se “que o país recém-graduado seja

capaz de, com o apoio dos parceiros de desenvolvimento, ascender a uma nova e

sustentável dinâmica de desenvolvimento.”34No entanto, tal tem implicado uma

redução gradual dos donativos e empréstimos concessionais, o que é complicado para

uma economia fortemente dependente dos recursos externos, bem como uma perda

gradual das preferências comerciais. Isto levanta questões de coerência da ação e

mecanismos da Comunidade Internacional, já que o processo de graduação não pode

ser apenas uma validação política mas deve traduzir-se em contribuir para a

viabilização sustentável dessa graduação. Com menos condições para mobilizar

financiamento concessional e donativos que tendem a favorecer os países mais

pobres, Cabo Verde terá também de proceder a um “shift” mental, que parece ser real

no plano formal e estratégico, mas ainda pouco concretizado na prática35.

b) A adesão à Organização Mundial de Comércio (OMC) em 2007 também representou

uma mudança importante, no sentido em impõe a liberalização do regime comercial,

significando que Cabo Verde depende mais da capacidade endógena para competir. As

exigências feitas pelos países desenvolvidos sobre a concessão de mercado, tanto ao

nível da redução de tarifas aduaneiras como a nível do setor dos serviços, têm

implicado (e continuarão a exigir) reformas legislativas e institucionais; uma maior

assertividade na busca de soluções para além da ajuda externa; a modernização das

instituições e melhoria da qualidade dos serviços prestados; a organização e

modernização da classe empresarial; entre outras medidas.

Estes processos encerram contradições e incoerências. Por um lado, a médio prazo, Cabo

Verde deixa de ser elegível para empréstimos concessionais das principais instituições

internacionais, e a janela para aumentar o nível da dívida vai-se fechando. Com a transição

para PRM, o corte nos donativos é inevitável, fazendo o país recorrer aos mercados de capitais,

para evitar diminuição do crédito no setor privado. O recurso a empréstimos tem feito a

dívida pública crescer nos últimos anos. Por outro lado, isto acontece num período em que

existe uma necessidade de investimento volumoso para continuar a melhoria das

infraestruturas; qualificar os recursos humanos e aprofundar e alargar reformas, de forma a

concretizar efetivamente esse “salto” para país de rendimento médio.

Neste contexto, o FMI tem alertado para a necessidade de reforçar a qualidade e eficiência do

investimento público em curso de forma a garantir o necessário retorno associado aos

investimentos realizados, perante uma dívida pública que se mantém num patamar elevado e

os riscos que daí também decorrem para o ambicionado crescimento da economia. As

autoridades de Cabo Verde tem sido aconselhadas a moderarem os gastos do estado e a

adotarem um programa de consolidação orçamental mais ambicioso a médio prazo. Segundo o

relatório da agência de notação financeira Fitch, divulgado em Março de 2014, a dívida pública

cabo-verdiana poderá subir para 115% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015 e, atingir os

120%, em 2017.

34 Pais, Irina (2012).

35 Os fundos são hoje mais escassos, mas as estruturas institucionais continuam a funcionar na lógica anterior, não tendo dado o salto qualitativo para uma política externa diferenciada e para uma situação de PRM. (Entrevistas em Cabo verde)

Page 34: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

34

Isto significa que um país pode ser “vítima” do seu próprio sucesso, enfrenta novos desafios

relacionados com a maior dificuldade de acesso à ajuda externa, a captação de investimento

externo, uma conjuntura orçamental mais restritiva e o conjunto de obstáculos próprios dos

países de rendimento médio. Esta é a chamada “armadilha do rendimento médio”,

caracterizada uma situação em que uma economia em desenvolvimento se encontra numa

situação intermédia associada à perda da sua competitividade face a economias de menor

rendimento e mais baixo nível salarial, e ainda não reúne as condições necessárias para poder

competir com economias mais sofisticadas e inovadoras. Nessa armadilha, Cabo Verde pode

ficar “atado” às consequências do baixo nível de investimento, do lento crescimento, de uma

reduzida diversificação da base produtiva e das limitadas condições do mercado de trabalho.

Existe, portanto, um consenso alargado sobre o facto do modelo de crescimento económico

adotado até agora estar esgotado (altas taxas de investimento público financiados por APD,

financiamento externo concessional e fluxos de IDE e melhoria do capital humano) e que o

país deve construir uma nova base de crescimento, principalmente assente no investimento

privado e na diversificação da economia36. Além do investimento em infraestruturas, há a

necessidade garantir o acesso a financiamento para que os diversos clusters da agenda de

transformação possam ser implementados (ver Figura 3).

Figura 3: A transformação e os motores de crescimento

Fonte: Adaptado de Furtado, Carlos (2014): Modelo de Desenvolvimento para Cabo Verde.

36

Para uma análise muito completa dos setores do comércio, agricultura, pescas e das oportunidades de crescimento económico em Cabo Verde, ver MTIE (2013).

Page 35: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

35

A implementação desta visão de transformação implica o alargamento da base produtiva e a

criação de vantagens competitivas em novos setores, o que por sua vez requer, quer um

reforço do setor privado, quer o empoderamento das camadas mais desfavorecidas da

população, para aumentar a sua capacidade produtiva e a sua participação no mercado. Todas

as reformas estruturais necessárias à promoção de múltiplos motores de crescimento

significam que a Coerência entre Políticas será cada vez mais relevante e fundamental, para

atingir os objetivos de crescimento e para multiplicar os ganhos de desenvolvimento.

Nos últimos anos, os maiores projetos do programa de investimento público têm-se centrado

em infraestruturas, sendo que quase 50% estarão relacionados com os setores da energia, da

água, dos transportes e da logística marítima. Apesar de alguns destes investimentos terem

dado resultados visíveis (p.ex. a melhoria dos portos, o programa “Casa para Todos”, etc.), o

país endivida-se para se financiar e o PIB nacional está hipotecado, pelo que é necessário

encontrar instrumentos alternativos que permitam pagar o serviço da dívida. Poderia ser útil,

neste quadro, ter uma plataforma de ponderação e avaliação dos investimentos públicos,

particularmente aqueles que comprometem o Estado com dívida37.

O desenvolvimento integrado das cadeias de valor quer em agro-negócios, serviços de

transporte aéreo, turismo, TIC, economia cultural, serviços financeiros ou economia marítima,

exige um salto (qualitativo e quantitativo) e investimentos que o sector bancário local não tem

capacidade de financiar. É também um facto que as necessidades de financiamento de muitos

dos projetos públicos estão para além da capacidade financeira do Governo. Nesse quadro, “as

fontes tradicionais de financiamento do desenvolvimento de Cabo Verde não respondem mais

as necessidades do país e é consenso nacional que o país tem de encontrar novas fontes e

novas abordagens para financiar o desenvolvimento”38. A principal questão é: quais são essas

fontes, e de que forma podem ser mobilizadas?

37

Entrevistas em Cabo Verde.

38 II Fórum Nacional de Transformação: Cabo Verde 2030.

Page 36: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

36

2.3. As políticas de cooperação e os instrumentos de CPD dos parceiros externos de Cabo Verde: oportunidades para a participação da sociedade civil

2.3.1. A Dependência externa e europeia

Num contexto de globalização e interdependência crescentes, o espaço político nacional e a

eficácia dos instrumentos disponíveis ao nível de cada país são cada vez mais condicionados

não apenas pelas regras e compromissos internacionais, mas também pela conjuntura global e

pelas condições de mercado em determinado momento, bem como pelas decisões e políticas

implementadas por outros países. Por um lado, isto implica que se tomem medidas de política

externa que reduzam o impacto do contexto internacional/externo no desenvolvimento

interno. Por outro lado, que se forjem alianças internacionais e/ou regionais, procurando

ativamente uma cooperação com outros, para aumentar a capacidade de agir e influenciar.

A dinâmica da economia cabo-verdiana é quase totalmente dependente do comportamento

do sector externo, pelo que é altamente vulnerável a choques externos e depende das

variações na economia dos países com os quais mantém as principais relações económicas. A

dependência de recursos externos é uma característica dos Pequenos Estados Insulares em

Desenvolvimento (PEID)39 reconhecida pela comunidade internacional. No entanto, no caso de

Cabo Verde, isso é particularmente preocupante por dois motivos, que importa salientar.

O primeiro desses fatores é a dependência relativamente ao espaço europeu. A União

Europeia tem surgido como um dos espaços naturais de aproximação para dar resposta às

especificidades e necessidades do país em termos de desenvolvimento e segurança. A

aproximação à União Europeia constituiu, em boa parte, um desígnio de identidade político-

cultural, através da representação social de um país “com os pés em África mas a cabeça na

Europa”. Incluem-se aqui raízes histórico-culturais, como a origem da nação cabo-verdiana, em

parte também europeia, às quais acresce o facto de Cabo Verde ter sempre mantido, ao longo

dos anos, uma estreita cooperação com o conjunto dos arquipélagos que compõem a

Macaronésia (Açores, Madeira e Ilhas Canárias) e que integram, por sua vez, as Regiões

Ultraperiféricas da União Europeia (RUP)40. A isto acresce o facto de a União Europeia ser o

principal parceiro comercial de Cabo Verde, o principal parceiro multilateral de Ajuda ao

Desenvolvimento e de investimento.

No que respeita às exportações, a economia do país parece ter especializado em duas

exportações: turismo e pesca, quase sempre com a Europa como cliente. As exportações de

bens são dominadas por produtos da pesca (mais de 60% do total), na sua maioria para

Espanha e Portugal, e entre 2000 e 2011 não se registou nenhum ano em que a Europa não

recebesse uma quota menor do que 70% das exportações de Cabo Verde. Cabo Verde é

também fortemente dependente da Europa na perspetiva de mercado emissor de turistas uma

39

Ver por exemplo o artigo de Carlos Lopes, “É tempo de resolver o paradoxo dos pequenos Estados Insulares”, com referências a Cabo Verde, disponível em http://ow.ly/JjgNo

40 A Parceria com a UE defende a integração de Cabo Verde nas RUP “através do acesso de Cabo Verde ao mercado interno, bem como da possibilidade de participar progressivamente em certas políticas e programas da UE”. A Estratégia Europeia para a Região Atlântica a partir de 2014 proposta pelo Parlamento Europeu em resolução aprovada em Março de 2011, define o seu alcance a “todas as regiões da EU situadas no litoral atlântico, incluindo as regiões ultraperiféricas da Macaronésia (Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde).

Page 37: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

37

vez que os nacionais deste continente representam cerca de 80% das chegadas. Em termos de

remessas dos emigrantes, cerca de 80% das remessas são provenientes de residentes da

Diáspora na Europa, principalmente Portugal, França e Holanda. Os países europeus são

também os maiores investidores, nomeadamente Espanha, Portugal, Reino Unido e Itália,

existindo também um acordo cambial com a zona Euro. A possibilidade de uma recuperação

contínua mas anémica na Europa coloca, assim, desafios estratégicos para Cabo Verde e

reforça a urgência de acelerar a agenda de transformação económica.

O segundo desses fatores é a tendência para o decréscimo das fontes tradicionais de

financiamento do desenvolvimento cabo-verdiano, que sendo externas, estão também

ligadas ao fator anterior. A ajuda financeira internacional e outros recursos externos financiam

em média 80% do programa de investimentos. Nesse quadro, as remessas tendem a diminuir à

medida que crescem os emigrantes de segunda e terceira geração; as perspetivas da APD são

de diminuição ou estagnação, quer devido às dificuldades financeiras dos países doadores,

quer ao fim do período de transição para PRM; e o IDE diminui há 6 anos consecutivos (com

exceção e uma ligeira recuperação em 2013).

A este propósito, podemos referir como exemplo a intervenção do Secretário Executivo da

UNECA, Carlos Lopes, no II Fórum Nacional de Transformação de Cabo Verde (maio de 2014),

onde resumiu os problemas desta “ancoragem europeia” e a necessidade de uma

diversificação da política externa e do relacionamento económico:

“Em termos de comércio, África representa 1% ou menos. Cabo verde tem mais capacidade de

estender o seu braço até à Ásia, do que de estender a mão até à África. O principal custo é que

Cabo Verde está ancorado a uma zona em recessão. Os problemas são muito profundos e

estruturais, incluindo um de natureza demográfica (são países com um envelhecimento

estrutural que vai afetar a capacidade produtiva) e outro de dívida pública (que é demasiado

elevada e é uma questão que se arrastará no futuro). Cabo Verde vai ficar ancorado a esta

estrutura? Temos de ter uma relação estruturada com África; isto não é ideologia política, é

pragmatismo. A CEDEAO está a crescer 6,3% ao ano, e é uma das regiões a crescer menos em

África; o seu comércio externo aumentou 18% nos últimos 5 anos; os seus investimentos

cresceram 25%; a economia da Nigéria passou a ser a maior do continente. Mas África

continua a ser vista pelo prisma da segurança e pelo prisma da pobreza, o que é um grande

erro estratégico. Durante a última década, o PIB de África duplicou, e dois terços do

crescimento africano vem do consumo interno. A dependência da ajuda passou de uma média

de 6% para menos de 3% no continente. Temos de olhar para esta ancoragem como um

problema estratégico de Cabo Verde. A concorrência vai ser feroz e Cabo Verde vai estar fora

de órbita dos locais com maior crescimento. O que fazer?”

Esta é, portanto, uma reflexão a fazer no quadro nacional das opções económicas e da política

externa. Note-se que a UE apoia a integração na CEDEAO e que um dos pilares da Parceria

Especial entre a UE e Cabo Verde é precisamente a Integração Regional.

2.3.2. A Ajuda ao Desenvolvimento

Cabo Verde é um dos poucos exemplos em que a ajuda ao desenvolvimento desempenhou um

papel essencial na alavancagem do processo de desenvolvimento do país, sendo fundamental

para prosseguir a estratégia nacional e para a graduação como PRM. Se a APD tem contribuído

para a melhoria das infraestruturas económicas e sociais, para o equilíbrio da balança de

pagamentos, para o desenvolvimento humano e para os resultados positivos das reformas

Page 38: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

38

estruturais realizadas no país, é preciso também reconhecer que tal se deve à utilização

ponderada e à gestão racional desses recursos efetuada pelas autoridades cabo-verdianas ao

longo das últimas décadas41.

Esta boa gestão da ajuda parece ser reconhecida pela generalidade dos parceiros

internacionais presentes em Cabo Verde 42 e traduz-se numa evolução em termos de

modalidades da ajuda (com o aumento da importância da ajuda orçamental) e do

envolvimento dos doadores – nomeadamente, é o primeiro país onde as Nações Unidas

estabeleceram um escritório conjunto, e um dos primeiros oito países onde o mecanismo da

Reforma das Nações Unidas “Delivering as One” foi introduzido. Outro exemplo desse

reconhecimento é a conclusão do primeiro Compacto da Millennium Challenge Corporation

(MCC) – programa dos EUA - e a eleição em 2011, sem precedentes, para um segundo

compacto, acrescido do facto de ter sido o primeiro país a iniciar a gestão direta dos fundos

atribuídos pela MCC.

No entanto, nos últimos anos, a ajuda ao desenvolvimento dos parceiros externos tem

passado por uma reformulação significativa.

Em primeiro lugar, há uma diminuição generalizada da APD, quer no seu total, quer,

particularmente no que diz respeito à componente dos donativos. A APD tem diminuído em

termos absolutos (ver Figuras da página seguinte) e em termos de peso no PIB: se nos anos

1990 representava em média 22% do PIB, na última década parece estagnar-se em torno dos

11-14%.

A diminuição dos donativos (grants) tem sido, em boa medida, contrabalançada com uma

evolução inversa dos empréstimos e da sua parte no financiamento dos programas de

investimento público, não apenas em termos de infraestruturas económicas mas nos próprios

sectores sociais (como a saúde e a educação)43. Neste âmbito, foi possível aceder a diversos

empréstimos concessionais, que são em parte contabilizados como APD, nomeadamente com

Portugal, Espanha, Japão e BAD, aproveitando as condições preferenciais às quais deixará de

poder aceder. Por exemplo, Portugal é o maior doador bilateral de Cabo Verde (e Cabo Verde

nos últimos anos tem também sido o principal destino da APD portuguesa), em grande parte

fruto da utilização de linhas de crédito bonificado, dedicadas na maioria a infraestruturas:

portos e aeroportos, estradas, programa “Casa para Todos”, energias renováveis e captação de

água.44

Este tipo de ajuda ao desenvolvimento45 pode ser criticável pela incoerência que revela ao

permitir, por um lado, a projeção de interesses comerciais e económicos, de

internacionalização das empresas do país doador (constituindo a chamada “ajuda ligada”, que

41

Ferreira (2011)

42 Entrevistas em Cabo Verde.

43 Os dados que temos, sendo referentes ao Orçamento de Estado de 2010, dão uma ideia do cenário

neste âmbito: os empréstimos concessionais representaram, nesse ano, 66,6% do financiamento externo. NU, 2012.

44A linha dos Portos e Aeroportos (200 milhões) e a linha das estradas (100 milhões) estão esgotadas, enquanto a linha Casa para Todos (200 milhões) e a linha de energias renováveis (100 milhões, para construção de barragens e centrais fotovoltaicas) estão perto disso. Entrevistas em Cabo Verde.

45 Importa referir que há exceções, de doadores que optaram por continuar a centrar a sua ajuda em donativos e assumindo uma posição de separação clara entre o que é a ajuda não-ligada, por um lado, e a internacionalização dos interesses empresariais e económicos dos doadores, por outro. É o caso do Luxemburgo.

Page 39: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

39

os países doadores se comprometeram a diminuir, no quadro da OCDE) e ao conduzir, por

outro lado, a um crescimento do endividamento de país recetor, ainda que com condições

mais favoráveis relativamente aos empréstimos “tradicionais”.

A diminuição geral da ajuda ao desenvolvimento está ligada, igualmente, à retirada de alguns

doadores, como é o caso da Holanda, Suécia, Áustria e, mais recentemente, da Espanha46. A

França fechou os escritórios de cooperação, apesar de manter alguns programas. Esta

evolução relaciona-se quer com a graduação de Cabo Verde, que levou a uma reformulação

das prioridades por parte dos doadores, quer com opções de política interna de cooperação

para o desenvolvimento, num contexto europeu em que os princípios da eficácia da ajuda e a

escassez de fundos para a cooperação obrigam a uma racionalização e concentração crescente

da ajuda. Por contraponto, a União Europeia aumentou o pacote bilateral de ajuda ao

desenvolvimento.

Essa escolha é efetuada, normalmente, tendo por base uma análise dos destinos onde o país

doador possua outros interesses (económicos, comerciais, políticos ou de segurança)

associados, conduzindo a um corte da ajuda e da presença enquanto doador numa série de

outros países47. Este é um fenómeno comum a diversas agências bilaterais, nomeadamente o

DFID/reino Unido, a Holanda e outros países nórdicos, que cortaram consideravelmente no

número de países onde estão presentes. A crise financeira é um fator acelerador dessas

opções, como se verifica no caso da Espanha48. Por outro lado, em alguns casos há uma

inflexão dos interesses e modo de atuação, com a diminuição da ajuda a corresponder a uma

atuação mais reforçada em termos de setor privado (Holanda por exemplo através de

“matching grants”, Espanha no setor da transformação de pescado, etc.)

É inegável que uma redução geral da APD põe em causa diversas iniciativas que visam

diretamente a população mais pobre e vulnerável, com efeitos globais sobre a política de

redução da pobreza, num contexto em que a graduação para PRM é em grande medida formal

e em que persistem grandes bolsas de pobreza. Isto interpela a comunidade internacional

sobre qual a continuidade e tipo de apoio que deve ser prestado, bem como sobre qual a

coerência e sustentabilidade dos processos de graduação, tal como são conduzidos a nível

internacional.

Em segundo lugar, verifica-se um pendor mais acentuado da ajuda por via orçamental,

nomeadamente em termos estratégicos. O Grupo de apoio orçamental49 tem cada vez mais

peso no cômputo global da ajuda externa, estando previsto, para 2015, afetar 38 milhões de

euros ao Orçamento do Estado de Cabo Verde para a estratégia de crescimento e redução da

pobreza. Para alguns doadores, esta é a modalidade principal de ajuda a Cabo Verde: é o caso

46

Para assegurar a sustentabilidade de algumas ações, há o recurso à cooperação delegada: por exemplo a Espanha vai delegar a gestão dos centros de formação profissional, da cooperação espanhola, à cooperação luxemburguesa. Apesar da cooperação espanhola estar em “fase de saída”, há a destacar ainda a cooperação regional promovida pelas Canárias, que aproveitam de forma muito ativa os fundos FEDER para a Macaronésia. Cabo verde beneficiou de 62 dos 83 projetos no programa 2007-2013.

47 Ferreira (2011)

48 Entrevistas em Cabo Verde.

49 O Grupo do Apoio ao OE foi formado em Dezembro de 2006 e conta atualmente com as contribuições do Banco Africano de Desenvolvimento, Banco Mundial, União Europeia, Portugal e Luxemburgo. Em 2012, Cabo Verde tornou-se no primeiro país a receber ajuda orçamental do Luxemburgo. A Áustria, a Holanda e a Espanha anunciaram a retirada do grupo, em consonância com a cessação da ajuda ao país.

Page 40: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

40

da União Europeia, cujo pacote 2014-2020 prevê 55 milhões de euros, sendo

aproximadamente 91% para apoio orçamental.

Este modalidade de ajuda ao desenvolvimento faz normalmente parte de uma evolução

natural do desenvolvimento dos países, refletindo a confiança que os doadores depositam na

capacidade de gestão e implementação do Governo cabo-verdiano e os princípios de eficácia

da ajuda aprovados internacionalmente. Tal tem sido a evolução também noutros países com

capacidade própria de aplicarem os seus programas de desenvolvimento, como é o caso de

Moçambique ou da Tanzânia. No entanto, a experiência desses países, que beneficiam de

ajuda orçamental há mais tempo, pode também ser útil no caso cabo-verdiano.

Um aspeto, muito referido nos estudos existentes sobre apoio orçamental, diz respeito ao

“leverage” que os doadores do grupo de apoio orçamental podem passar a ter sobre as opções

do governo do país que recebe os fundos, em termos de políticas e de programas. Outro

aspeto é o facto de a concentração dos fundos dos doadores na ajuda orçamental implicar,

necessariamente, a existência de menos fundos para outros atores importantes para o

desenvolvimento nacional, como é o caso da sociedade civil. Sendo o governo cabo-verdiano

responsável pela distribuição desses fundos, acaba por existir um poder discricionário que não

acautela os interesses de outros intervenientes, cujo papel é igualmente fundamental na

promoção do desenvolvimento.

Page 41: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

41

Figura 4

4.1. Ajuda ao Desenvolvimento a Cabo Verde 2010 2011 2012 2013

APD líquida em milhões USD (a preços 2012) 328 252,2 246,1 243,4

APD líquida em % RNB 20,7 14,1 14,3 13,3

Fluxos privados líquidos -28 -53,5 -357 -1,4

4.2. Maiores Doadores de Cabo Verde APD bruta, média 2012-2013, milhões USD

Portugal 166,4 Luxemburgo 18,6 Instituições da UE 14,3 Japão 14,1

Fonte: CAD/OCDE.

Figura 5: Desembolsos de Ajuda Orçamental (milhões de euros)

Parceiros 2011 2012 2013 2014

Banco Africano de Desenvolvimento 15 10 15 15 Banco Mundial 9 11 União Europeia 7,7 8,77 7,94 Espanha 4,47 3

Holanda 1,7

Luxemburgo 0,5 1,5 0,5 Portugal 2,0 1,2 1,0 0,5 Total 30,87 23,70 26,27 34,94

Fonte: Grupo de Apoio Orçamental Nota: no caso do Banco Mundial, foi feita uma conversão indicativa de dólares para euros As ajudas dos parceiros europeus (Luxemburgo e Portugal) são donativos, enquanto o Banco Mundial e Banco Africano de Desenvolvimento concedem empréstimos concessionais.

Figura 6: Intervenções dos Parceiros de Desenvolvimento por Setor (07/2013)

Parceiro Externo

Setores

Estabilidade Macroeconómica

Gestão das

finanças públicas Procurement Estatística

Setor Privado Segurança

Infra-estruturas

Água e Saneamento Ambiente Energia

Educação e

Formação Profissional Agricultura Saúde

BAfD x x x x x x x x FMI x Banco Mundial x x x x x x x x x

União Europeia x x x x x x Portugal* x x x x x x x x Estados Unidos x x x x x Espanha x x x x x Japão x x x x x x x

Luxemburgo x x x x x x x Holanda x x x França x x x x x Áustria x x x Brasil x x Cuba x x x China x x x

Fonte: Banco Africano de Desenvolvimento, CABO VERDE: COUNTRY STRATEGY PAPER 2014-2018

* Foram acrescentadas a gestão das finanças públicas e as infraestruturas, por se conhecerem intervenções nestas áreas

Page 42: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

42

No âmbito da ajuda ao desenvolvimento, os principais parceiros neste âmbito têm sido, nos

últimos anos, Portugal, União Europeia, Luxemburgo e Japão, distribuindo-se os doadores por

uma multiplicidade de setores (conforme ilustrado pela Figura). No geral, há um esforço de

alinhamento dos parceiros externos em torno das prioridades definidas pelo governo cabo-

verdiano, nomeadamente no âmbito do Documento de Estratégia de Crescimento e Redução

da Pobreza (DECRP).

Ao nível da conceção e implementação das ações concretas, continua a existir uma

fragmentação das intervenções e a coordenação poderia ser melhorada, em todas as áreas

setoriais. Não se pretende que essas falhas e insuficiências contradigam o inegável sucesso

alcançado por Cabo verde em muitas áreas, nem que anulem os efeitos positivos de muitos

projetos e programas implementados em diversos setores, mas simplesmente demonstrar as

possibilidades de melhoria e correção, numa ótica de CPD. Para além disso, refira-se que estes

não são problemas específicos de Cabo Verde, mas comuns a vários dos projetos e ações de

cooperação para o desenvolvimento em vários locais do mundo, que alertam para a

necessidade de maior coordenação, harmonização e coerência.

No contexto cabo-verdiano é usual50 a referência ao facto de haver duplicações de projetos, ou

projetos a decorrerem paralelamente numa mesma área, em setores complementares, sem

concertação prévia, o que origina desajustes e prejudica o resultado que se pretende atingir. É

frequente as ações serem pensadas em separado pelos vários intervenientes, sem uma visão

integrada. Para além disso, existe a perceção de que as comunidades não são suficientemente

envolvidas nos processos de elaboração dos programas e projetos que lhes são destinados.

Muitos projetos não têm assegurada uma sustentabilidade que promova a continuação dos

seus efeitos para além do tempo de vida do projeto em si, existindo vários exemplos de

unidades de produção que faliram com o fim dos financiamentos provenientes da cooperação

internacional, de equipamentos que ficam abandonados após o término dos projetos devido à

impossibilidade de assegurar a sua manutenção (por falta de recursos financeiros ou

logísticos), entre outras incoerências. Isto faz com que não haja uma capitalização e

aproveitamento devido dos resultados dos investimentos, em prol do desenvolvimento.

Há também um longo caminho a percorrer para trabalhar segundo uma lógica de resultados,

sendo que raramente são feitas análises sobre o impacto real, ao nível social e económico, que

as ações e projetos tiveram. Num contexto em que todos os setores já foram apoiados por

algum projeto ou programa de cooperação, seria essencial avaliar sempre o que já foi feito

naquele setor e área geográfica, com aquele parceiro, por outros doadores, o que correu bem

ou mal, os resultados anteriores. Por outras palavras, seria essencial investir mais no

aproveitamento das lições aprendidas. Para além disso, a sustentabilidade não pode ser

pensada apenas quando determinado projeto está a acabar, uma vez que uma reflexão a

montante teria reflexos na forma como as ações são geridas e implementadas51.

50 Todas estas conclusões e exemplos decorrem da investigação realizada, assente numa multiplicidade de estudos e documentos de avaliação de projetos e programas, bem como nas entrevistas feitas em Cabo Verde.

51 Entrevistas em Cabo Verde. Estas são também insuficiências identificadas no âmbito dos estudos de caso promovidos pelo projeto “A Coerência das Políticas para o Desenvolvimento (CPD) - O desafio para uma cidadania ativa em Cabo Verde”, especificamente sobre agricultura, pescas e ambiente.

Page 43: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

43

A responsabilidade é partilhada entre os vários atores, externos e internos. Só com melhorias

nestas áreas será possível aumentar a coerência e transitar de uma perspetiva de eficácia da

ajuda para a eficácia do desenvolvimento.

2.3.3. Os mecanismos de CPD dos doadores e oportunidades para a sociedade civil cabo-

verdiana

A existência de compromissos, mecanismos e instrumentos de CPD nos países doadores –

particularmente nos países europeus – foi analisada na Parte I deste estudo. Uma análise no

contexto cabo-verdiano aponta para uma fraca tradução desses compromissos no terreno,

nomeadamente pelo facto de as delegações/embaixadas serem ainda pouco envolvidas no

processo de decisão política. No caso da União Europeia, a delegação não intervém na

formulação de políticas comunitárias (como a Política Agrícola Comum, a Política Comum de

Pescas, a abordagem Global para as migrações, etc.), estando esses processos centrados em

Bruxelas.

O papel político das Delegações da UE é, no entanto, cada vez maior, tal como previsto pelo

Tratado de Lisboa e no âmbito de um reforço da coerência da ação externa da União. Em Cabo

Verde isto é especialmente relevante, porque para além dos programas ligados à ajuda ao

desenvolvimento, a Delegação atua também no quadro de um instrumento específico para o

caso cabo-verdiano: a Parceria Especial UE-Cabo Verde. Outro aspeto positivo a salientar é, em

comparação com outros países africanos, o grau considerável de coordenação entre os Estados

Membros presentes no terreno e destes com a Delegação, no sentido de assegurar um nível

satisfatório de coordenação, complementaridade e coerência da atuação da União Europeia

como um todo.

No caso dos principais parceiros bilaterais, existe um esforço para transitar de quadros estritos

de ajuda ao desenvolvimento, para enquadramentos mais estratégicos, que agreguem vários

instrumentos e setores. No caso de Portugal, por exemplo, a realização de Cimeiras Portugal-

Cabo Verde 52 pretende instaurar um diálogo estratégico multissetorial para além dos

programas de desenvolvimento; os novos Programas Estratégicos de Cooperação, assinados

com os principais países parceiros da Cooperação Portuguesa, também têm o objetivo

expresso de promover a CPD.

52

A III Cimeira teve lugar em Dezembro de 2014, onde foram assinados 11 instrumentos nas mais variadas áreas.

Page 44: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

44

Caixa 3 Boas Práticas a potenciar: ENERGIAS RENOVÁVEIS

Os países em desenvolvimento, como Cabo Verde, estão grandemente expostos à crise energética, à flutuação e imprevisibilidade dos preços das matérias-primas (em especial o petróleo) e às alterações climáticas, sendo cada vez mais vulneráveis a choques externos, que podem comprometer o alcance dos seus objetivos de desenvolvimento. No setor energético, impõe-se a necessidade de novas alianças, parcerias e mecanismos de financiamento.

Os vários estudos de diagnóstico efetuados no setor da energia na década passada apontavam para problemas derivados da insuficiente capacidade de gestão técnica e financeira da empresa pública produtora e distribuidora de energia, bem como da estruturação do próprio setor. No passado, as sistemáticas e prolongadas falhas no sistema de abastecimento de energia materializam-se em avultados custos nas atividade económicas, sendo um constrangimento quer do crescimento da economia cabo-verdiana quer da atração de IDE. O aumento da pressão do lado da procura, resultante em boa parte da urbanização e do crescimento do turismo53, gerou preocupações com o aumento dos custos com combustíveis fósseis e a procura de novas soluções.

Assim, o Governo de Cabo Verde consagrou como princípio diretor da sua política energética “construir, a longo prazo, um país sem dependência de combustíveis fósseis”, tal como afirmado no Plano Energético Renovável de Cabo Verde (2011). Este Plano estabelece um Programa de Ação, assente em 5 eixos: (i) preparar as infraestruturas, (ii) garantir o financiamento e envolver o setor privado, (iii) implementar os projetos através de um plano de investimentos, (iv) maximizar a eficiência, particularmente reduzindo as perdas, e (v) implementar o Cluster das Energias Renováveis, tornando Cabo verde num exportador de tecnologia e know-how nesta área.

A meta é preencher as suas necessidades de energia através de fontes limpas e renováveis, eólica e solar, ate 2020 (a meta para penetração das energias renováveis é de 50% nesse prazo e de 100% a longo prazo54) O setor privado é um parceiro estratégico neste objetivo, já que o Governo estima que o realização da meta de 50% exigirá um investimento de 300 milhões de euros.

Desde 2008, estas fontes passaram de cerca de 2% para quase 30%. Para isso muito contribuíram os 4 parques eólicos (Santiago, Sal, Boavista, São Vicente) e 2 parques solares fotovoltaicos (Santiago e Sal)55. Para além de isto poder vir a gerar poupanças substanciais e reduzir os custos de produção, poderá também levar Cabo Verde assumir-se como um exemplo na promoção do ambiente e como um laboratório de ideias para a promoção de uma “economia verde”.

Os parceiros externos têm uma oportunidade para implementar estratégias e ações coerentes, em conjunto com os parceiros cabo-verdianos, que agreguem a promoção do ambiente e do desenvolvimento, com efeitos multiplicadores em vários setores e na economia. Entre as áreas com maior potencial, para além da infraestruturação e expansão da cobertura energética, estão a eficiência energética, a exploração de utilização para outros fins (por exemplo dessalinização de

53 O Governo prevê que o consumo de eletricidade duplique até 2020.

54 Esta meta tem por base um estudo alemão. Houve missões de assistência técnica da “Sustainable

Energy for all”, que inclui estudo de viabilidade económica para aumentar a penetração das energias renováveis. Cabo Verde e Samoa são os únicos dois países ACP referenciados como tendo potencial para grande cobertura das energias renováveis. O Conselho Mundial de Energia Eólica (GWEC, sigla inglesa) colocou Cabo Verde, no seu relatório de 2011, em primeiro lugar nos vários índices de cálculo sobre a utilização de energia renovável.

55 Estas estruturas já permitiram uma poupança de 4 milhões de contos, num ano, em importações de

combustível. Entrevistas em Cabo Verde.

Page 45: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

45

água, que representa 20-25% dos custos energéticos do país), a melhoria do quadro legal e de regulação para criar um ambiente favorável ao investimento privado nesta área, entre outras.

A ligação entre energia, ambiente e desenvolvimento poderá ser acautelada nos projetos e programas a implementar, se forem concebidos e implementados numa ótica de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento. Um exemplo concreto: se considerarmos que os resíduos sólidos urbanos podem ser uma fonte de energia competitiva em Santiago e São Vicente (como afirmado pelo Plano Energético Renovável), tal deverá ser tomado em consideração quando avaliada a questão da recolha e tratamento dos resíduos (por exemplo equacionando as vantagens e desvantagens de construção de um aterro face a uma solução mais integrada que seja combinada com uma incineradora, com a reciclagem de resíduos e com a produção de energia e fertilizantes)56.

Deverá ser também feita uma avaliação dos projetos já realizados e das lições a retirar para outras ações no setor. Existem vários projetos de cooperação para o desenvolvimento nesta área, nomeadamente no âmbito da Facilidade Global para o Ambiente (Global Environment Facility – GEF). A União Europeia, através da Facilidade para a Energia UE-ACP e do Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) tem também apoiado alguns programas57. Um desses projetos, o SESAM- ER58, executado através de cofinanciamento com o Município de Porto Novo e por via de um consórcio de empresas portuguesas e cabo-verdianas – liderado pela Águas de Ponta Preta, Lda – pretendeu construir um serviço energético sustentável para as populações rurais isoladas, através da Central fotovoltaica de Monte Trigo, com potenciais lições importantes para outros projetos e locais.

Outros projetos são financiados pelo FEDER no contexto da Macaronésia (ISLAGUA, APRENMAC), pelo Luxemburgo (que apoia o CERMI – Centro de Energias Renováveis e Manutenção Industrial, cuja dimensão regional permite receber técnicos da sub-região que venham formar-se nesta área), por Portugal e Espanha, pelas Nações Unidas, Japão, Banco Africano de Desenvolvimento e Banco Europeu de Investimentos. O Centro da CEDEAO para as energias renováveis e eficiência energética (ECREEE)59, criado em 2010, tem a sua sede regional na Cidade da Praia.

Vários doadores estão a incluir este setor como uma prioridade das suas estratégias de cooperação para Cabo Verde nos próximos anos (Luxemburgo, Portugal), para além do interesse manifestado por outros parceiros (p.ex. Alemanha). No caso da União Europeia, o setor não faz parte do Programa Indicativo Nacional 2014-2020 mas é possível a utilização de outras fontes e instrumentos de financiamento. Em Setembro de 2014, foi assinada uma Declaração Conjunta para reforço da cooperação na área da energia sustentável60, que prevê a elaboração de um Roteiro com a identificação das ações. Em termos do diálogo setorial, prevê-se a criação de um Grupo de Coordenação sobre Energia, para permitir aos doadores e autoridades cabo-verdianas alinharem e complementarem as suas ações, através de uma divisão do trabalho que promova a coerência para o desenvolvimento.

56 Entrevistas em Cabo Verde.

57 Segundo o quadro financeiro europeu 2014-2020, a UE vai disponibilizar neste período 2 mil milhões

de euros para financiar projetos ligados às energias renováveis em África.

58 O SESAM-ER (Serviço Energético Sustentável para as populações rurais isoladas mediante Micro-Redes com Energias Renováveis na ilha de Santo Antão) foi implementado entre Março de 2008 e Junho de 2013.

59 www.ecreee.org

60 Declaração subscrita por Cabo verde e pela União Europeia, Luxemburgo, Espanha, Portugal e Áustria.

Page 46: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

46

No geral, existem dois mecanismos importantes para a promoção da CPD entre os parceiros

externos e o governo cabo-verdiano, e com oportunidades para a participação da sociedade

civil.

a) Grupo de Apoio Orçamental (GAO)

O Grupo de apoio orçamental tem cada vez mais peso no cômputo global da ajuda externa e

uma maior influência em termos políticos no que respeita ao diálogo entre parceiros externos

e destes com as autoridades cabo-verdianas. Um exemplo deste facto está no aumento da

importância do GAO face a outros mecanismos existentes de coordenação da ajuda mais

alargados, como o Grupo de Parceiros do Desenvolvimento.

O Quadro de Parceria subscrito por Cabo Verde e pelos parceiros internacionais estabelece

mecanismos de acompanhamento e avaliação que implicam reuniões regulares e trabalho

preparatório, quer ao nível do diálogo político ao mais alto-nível, quer com reuniões técnicas

exigentes e de debate aprofundado das temáticas61. Tem lugar um diálogo contínuo de política

sectorial com a administração cabo-verdiana no âmbito dos grupos temáticos permanentes

que foram criados, nomeadamente nos sectores da água e saneamento e da formação

profissional. É efetuada uma análise da execução da Estratégia de Crescimento e Redução da

Pobreza, seja a nível macroeconómico, seja a nível sectorial, com base numa Matriz Geral de

seguimento comum, e em Matrizes sectoriais. É também analisada a execução do apoio e

avaliadas as reformas em curso.

No entanto, ainda não existe um mecanismo formal e independente ou um acordo de

avaliação de execução dos compromissos assumidos entre Cabo Verde e os seus parceiros de

desenvolvimento que possa refletir uma verdadeira avaliação mútua (de Cabo Verde e dos

parceiros internacionais), como existe noutros países que beneficiam desta modalidade de

ajuda.

Está a ser equacionada a participação activa da sociedade civil no GAO, embora segundo

moldes ainda a definir (com que estatuto? com que representatividade? quais os direitos e

deveres?). Esta possível abertura à sociedade civil é uma iniciativa da União Europeia, subscrita

por todos os membros do GAO, e que será proposta ao governo cabo-verdiano.

Isto é tanto mais importante pelo facto de existir um grande desconhecimento por parte da

sociedade civil sobre a ajuda orçamental, sobre os seus mecanismos e monitorização, podendo

assim haver um envolvimento real e não uma sensação de exclusão face a um grupo

considerado “fechado e desconhecido”. Para além disso, a participação da sociedade civil

permitiria também veicular algumas preocupações destes atores relativamente à ajuda ao

desenvolvimento em geral e à ajuda orçamental em particular, uma vez que existe a perceção

de que a ajuda ao orçamento contribuiu negativamente para o acesso dos atores não-estatais

aos financiamentos externos.62

b) Parceria Especial UE-Cabo Verde

Desde 2007, Cabo Verde e a UE tentam dar uma nova orientação ao relacionamento, para

ultrapassar a tradicional relação doador-beneficiário e abarcarem interesses comuns, em

matéria de segurança e desenvolvimento. Do lado cabo-verdiano, tal foi prosseguido com o

61

Entrevistas em Cabo Verde.

62 Entrevistas em Cabo Verde.

Page 47: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

47

objetivo de possibilitar o acesso a normas, mecanismos e instrumentos que aproximem mais o

seu sistema económico do europeu e que aumentem a sua participação em programas e

políticas da UE, nomeadamente no âmbito das regiões ultraperiféricas (RUP) - Madeira, Açores

e Canárias.

A Parceria UE-Cabo Verde assenta em 6 pilares: boa governação; segurança e estabilidade;

integração regional (RUP e CEDEAO); convergência técnica e normativa; sociedade do

conhecimento e da informação; e luta contra a pobreza e desenvolvimento. O caráter inédito,

e por conseguinte indefinido, desta Parceria Especial tem vantagens e riscos: se por um lado, é

um “chapéu” que pode enquadrar toda a cooperação em várias áreas, produzindo assim

sinergias e complementaridades importantes em termos da CPD, por outro lado, a inexistência

de outros exemplos similares pode levar mais tempo a consolidar os processos e resultados.

Entre os pilares que têm apresentado alguns resultados concretos estão a Governação (com a

implementação de projetos de melhoria institucional e e-government) e a Segurança (que tem

sido construída mais ao nível bilateral – com Espanha, Portugal, Itália – e que está a ser

reforçada e estruturada num plano mais europeu, passando a ser uma parceria autónoma para

a Estabilidade e Segurança).

Um dos setores fundamentais para a CPD é a Convergência Técnica e Normativa, no sentido

em que reforçará a capacidade institucional e governação do setor económico, facilitando as

exportações dos bens e serviços cabo-verdianos através da convergência técnica e normativa

entre a UE e CV. No seguimento da adoção do Livro Branco para a Convergência Técnica e

Normativa, tem-se registado um progresso notável e um intenso intercâmbio sobretudo a

nível de 3 Sectores prioritários: Alimentar, dos Produtos Farmacêuticos e da Qualidade.

Para a gestão da Parceria, Cabo Verde possui um Secretariado Permanente, sob a direção do

Ministério das Relações Exteriores (MIREX), que tem por finalidade assegurar o funcionamento

regular dos mecanismos bilaterais de seguimento, que são: o grupo local de seguimento, o

grupo técnico de seguimento e o grupo Ministerial.

A participação da sociedade civil está prevista no texto da Parceria. Logo na Introdução, n.6:

“Ela estará aberta à participação ativa dos atores não estatais de Cabo Verde e de todos os

Estados-Membros, destacando-se o papel da sociedade civil e do sector privado, bem como o

da diáspora cabo-verdiana no reforço do desenvolvimento e na diminuição da pobreza”, e

depois, nos Mecanismos de Monitoria da Implementação, ponto 55. “Ao nível consultivo,

funcionará uma Comissão Nacional de Coordenação que integrará um representante da

Administração Pública para cada pilar, um representante da Sociedade Civil, um representante

dos Municípios e um representante das ONGs. (…) Esta Comissão funcionará com base no seu

regimento interno e emitirá o seu parecer sobre os planos a implementar e os respetivos

relatórios, e será assessorada pela Unidade Técnica”. Esta disposição não foi ainda

implementada, no entanto, e além da interação com a sociedade civil que tem tido lugar

principalmente através do pilar do desenvolvimento e luta contra a pobreza, têm sido

organizados vários eventos de informação e debate com a participação da sociedade civil

relativamente a vários pilares da Parceria Especial como o da Sociedade da Informação e do

Conhecimento ou da Integração Regional. No âmbito das celebrações da "Semana da Parceria

Especial"”63, são anualmente organizadas iniciativas de divulgação, debate e reflexão com a

participação de vários actores da sociedade civil Cabo Verdiana.

63

A “Semana da Parceria Especial” teve lugar em Maio de 2014, concentrada em São Vicente, com iniciativas junto de universitários, e em concertação com a União Europeia. Houve uma deslocação de

Page 48: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

48

Este importante diálogo é igualmente desenvolvido através de outras linhas temáticas de

financiamento especialmente dedicadas a apoiar à Sociedade Civil e Autoridades Locais que

são descritas mais à frente.

Ainda relativamente à sociedade civil, a sua participação nas políticas dos doadores é

promovida em especial pela União Europeia e pelas Nações Unidas.

É reconhecido que estes atores não têm sido suficientemente envolvidos no diálogo,

limitando-se muitas vezes esse envolvimento à participação em sessões de informação e

consulta, com poucos resultados práticos em termos de influenciar concretamente o processo

de decisão. O Quadro de Assistência das Nações Unidas para o Desenvolvimento em Cabo

Verde (2012-2016), na sua Matriz de Resultados e no que respeita ao Pilar de “consolidação

das instituições, democracia e cidadania”, estabelece como um dos objetivos garantir o

diálogo e participação dos diferentes atores sociais e dos cidadãos no processo de

desenvolvimento. Entre os indicadores para avaliar o seu cumprimento estão:

• o número de mecanismos que facilitem a participação da sociedade civil no

planeamento e avaliação das políticas;

• a % da sociedade civil organizada que está satisfeita com o facto de a sua voz ser

reconhecida pelas instituições públicas nacionais;

• o número de relatórios alternativos aos documentos de planeamento e avaliação das

políticas elaborados pela sociedade civil.

Relativamente ao diálogo entre a União Europeia e as autoridades cabo-verdianas, a UE

equaciona, segundo o Programa Indicativo Nacional Cabo Verde-União Europeia 2014-2020, a

constituição de um grupo de diálogo mais inclusivo, que envolva a sociedade civil e o

Parlamento. Para além do apoio a projetos, a sociedade civil é também consultada no quadro

da definição de prioridades para as linhas de financiamento que lhes estão destinadas, como a

Linha de apoio à Sociedade Civil e Autoridades Locais no Desenvolvimento.

Foi realizada uma consulta pública e elaborado um Roteiro da UE para um Compromisso com

a Sociedade Civil (para o período 2014-2017), no qual se afirma que “as OSC poderiam

desempenhar um papel significativo no acompanhamento e monitorização das políticas das

autoridades centrais e locais, a fim de garantir os necessários controlos e equilíbrios na vida

política de Cabo Verde”. Nesse quadro, teve lugar uma Missão de Assistência Técnica da UE

(Setembro de 2014) que procedeu a sessões de consulta e identificação de necessidades bem

como a formações, identificando áreas prioritárias para futuras iniciativas e modalidades de

apoio ao reforço das capacidades técnicas das organizações da sociedade civil (OSC) e

autoridades locais (AL) em Cabo Verde. Está também prevista para 2015, a elaboração de um

Mapeamento da Sociedade Civil, incluindo uma lista atualizada de todas as organizações por

temática e escala de intervenção.

O Roteiro da UE define 3 níveis de atuação com várias prioridades, para os quais a UE e os

Estados Membros se comprometem a contribuir, seja a nível de financiamento direto, apoio

através de assistências técnicas, diálogo político ou promoção de sinergias:

Nível 1: Ambiente Favorável

− Melhor conhecimento do contexto nacional da sociedade civil

− Sustentabilidade Financeira das OSC e AL

− Adaptação do Quadro legal às necessidades das OSC e AL

jornalistas a Bruxelas, para tomarem contacto com as instituições europeias (Set.2014), e a vinda do Comissário Europeu para a Ciência e Tecnologia a Cabo Verde.

Page 49: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

49

Nível 2: Participação Ativa

− Participação das OSC e AL na elaboração e tomada de decisão de políticas publicas

− Melhorar contribuições das OSC e AL nos processos de governação e

desenvolvimento a nível local

− Incluir sectores da população e da economia diretamente relacionados com a luta

contra a pobreza e outros sectores identificados pelas OSC e AL

Nível 3: Reforço de Capacidades

− Apoio às OSC e AL para a melhoria dos seus mecanismos de autonomia,

governação interna e transparência

− Melhoria das capacidades técnicas das OSC e AL

Page 50: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

50

2.4. A coerência das políticas públicas e a participação da sociedade civil

cabo-verdiana

Em todos os países, a tomada de decisão política é complexa e sujeita a interesses variados e,

por vezes, contraditórios. A CPD reconhece estes conflitos e pode ser um incentivo para

abordar os interesses de vários intervenientes e interessados, na medida em que confere voz

àqueles que são afetados pelas políticas e encoraja tomadas de decisão mais participativas e

informadas. Ao permitir a expressão de várias perspetivas, permite também ter conhecimento

de novas propostas e opções, que de outra forma não seriam sequer equacionadas. No

entanto, mobilizar a atenção e apoio político para a CPD não é fácil, devido à competição entre

interesses e a dificuldade dos mais pobres projetarem a sua voz nos contextos de cada país.

Os objetivos de promoção da CPD, em Cabo Verde, são facilmente replicáveis do que a OCDE

considera os objetivos gerais da CPD:

explorar o potencial de sinergias positivas entre várias políticas, para promover o

desenvolvimento e tentar atingir benefícios mútuos;

aumentar a capacidade do governo equilibrar interesses divergentes em termos das

várias políticas, bem como de conciliar os objetivos de política interna com os

compromissos e objetivos no plano global;

evitar ou minimizar os impactos e efeitos negativos de várias políticas no

desenvolvimento (incoerências).

Nesse sentido, a CPD deve ser promovida, no contexto cabo-verdiano, nos 3 níveis de

operacionalização: Compromissos Políticos / Mecanismos institucionais / monitorização

através de análises, informação e comunicação, conforme a figura seguinte.

Figura 7: A CPD no plano nacional

Page 51: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

51

Como analisado nos capítulos anteriores, a coerência entre políticas, permitindo um impacto

mais positivo na promoção do desenvolvimento em Cabo Verde, é especialmente importante

na conjuntura atual do país, quer em termos do seu processo de desenvolvimento, quer no

que respeita às atuais tendências das políticas de cooperação e ajuda ao desenvolvimento dos

principais parceiros externos.

Várias políticas públicas, concebidas através de estratégias e planos de ação decorrentes da

Estratégia de Transformação definida em 2003, estão atualmente em fase de revisão e de

formulação de novos Planos, mais adequados às dinâmicas e desafios atuais do país em cada

setor. No que respeita às áreas setoriais priorizadas por este estudo, é o caso, nomeadamente,

do Plano Estratégico para o Desenvolvimento Agrícola (2005, com horizonte temporal de 2015)

e respetivo Plano Nacional de Investimento Agrícola (de 2010), Plano de Ação Nacional para o

Ambiente (PANA II, 2004-2014), e do Plano de Gestão dos Recursos da Pesca (2004-2014). O

Documento de Estratégia para o Crescimento e Redução da Pobreza em Cabo Verde (DECRP III)

tem como horizonte temporal 2016, havendo a intenção de fazer uma revisão intercalar, em

2015.

No plano internacional, Cabo Verde será também chamado a operacionalizar, em termos

nacionais e locais, uma agenda global para o desenvolvimento pós-2015, o que implicará

reinventar formas de promover políticas mais coerentes e consentâneas com os futuros

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Estamos, portanto, num período muito

específico de revisão de estratégias e reformas, com grande oportunidades e desafios para a

promoção da CPD.

Caixa 4

O DECRP III como instrumento de promoção da CPD

O Documento de Estratégia para o Crescimento e Redução da Pobreza em Cabo Verde

(DECRP)64 é o instrumento de planeamento de longo-prazo em Cabo Verde65

O DECRP é um dos principais documentos enquadradores da promoção da CPD em Cabo

Verde, ao assumir a política de combate à pobreza como parte integrante da globalidade das

políticas públicas. Ou seja, é suposto que todas as políticas, objetivos e ações ali identificados,

pertencendo a uma multiplicidade de áreas setoriais, contribuam para o fim último de redução

da pobreza. Este documento passou a constituir o quadro de referência para as intervenções

dos vários parceiros na definição e implementação das políticas públicas, sendo o suporte para

a afetação de recursos internos e externos.

O DECRP III (2012-2016), ao contrário dos dois anteriores, foi um exercício de integração, no

sentido em que contou com os contributos e articulação efetiva entre vários setores, o que

permitiu trabalhar a coerência, pelo menos na sua formulação. Assenta em cinco eixos

fundamentais de atuação: (i) infraestruturas, (ii) capital humano, (iii) boa governação, (iv)

reforço do setor privado e (v) afirmação do país a nível global, sendo que a concretização

destes eixos passam pela execução de investimentos por setores, pela melhoria de serviços

públicos prestados aos cidadãos e pela otimização de atividades de natureza burocrática.

64

DECRP I (2004-2007), DECRP II (2008-2011); DECRP III (2012-2016)

65 Lei de bases do Sistema Nacional de Planeamento: Lei n.º72/VIII/2014, de 19 de Setembro de 2014

Page 52: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

52

Os programas de investimento e planos de ação setoriais têm feito um exercício de

alinhamento com o DECRP, que serve de “chapéu” para as intervenções nas várias áreas. São

definidos Quadros Lógicos dos Programas do DECRP, por eixo, incluindo indicadores e meios

de verificação. Os Parceiros externos fazem também, no geral, um esforço de alinhamento

com as prioridades definidas nesse quadro.

Desta forma, o reforço dos mecanismos de seguimento do DECRP, quer com uma

monitorização mais sistemática e participada dos indicadores, quer com uma comunicação e

informação mais eficaz (nomeadamente para a opinião pública e para a sociedade civil),

poderia traduzir-se em ganhos efetivos na promoção da coerência.

A coerência aplica-se, em primeiro lugar aos atores públicos, que têm a responsabilidade de

conceber, organizar e implementar as políticas públicas. Em Cabo Verde, razões históricas

reforçaram a perceção sobre o papel central e responsabilidade do Estado66. Os cabo-

verdianos, em geral, “responsabilizam os resultados até agora alcançados em Cabo Verde, à

boa governação dos sucessivos governos pós independência, assim como responsabilizam o

Estado pelas mazelas que afetam a sociedade, nomeadamente o desemprego, a falta de

segurança social e a violência. Nota-se que existe uma ideia de Estado-providência a quem

atribuem a competência para definir as metas que sociedade deseja alcançar, cabendo a ele

planificar, orientar e criar as condições para a materialização dos objetivos”67

Neste âmbito, a experiência cabo-verdiana não é diferente de outros locais, no sentido em que

a coerência é muito mais fácil de assegurar ao nível das declarações e compromissos políticos,

do que depois nos níveis de coordenação institucional e de monitorização. Ou seja, existem

incoerências entre as orientações dadas pelos documentos ou planos de orientação

estratégica e depois a implementação concreta dos acordos e políticas68.

A coordenação institucional e a monitorização tem registado algumas melhorias nos últimos

anos. Por exemplo, o DECRP III introduziu inovações para melhorar a monitorização da

despesa pública nas várias áreas setoriais, para avaliar as reformas definidas (com matriz de

seguimento e indicadores, sendo que cada projeto tem de ter um quadro lógico feito e

atualizado pelos Ministérios setoriais) e para realizar uma gestão mais baseada nos resultados,

como aliás foi aplicado à abordagem programática do Orçamento de Estado dos últimos anos.

Neste quadro, é importante reforçar, cada vez mais, o envolvimento e a capacidade das

autoridades estatísticas nacionais – particularmente o INE – para possibilitar um seguimento e

avaliação contínua dos indicadores e metas da estratégia.

A gestão dos fundos públicos também sofreu alterações, com a introdução do SIGOF69 e de

reformas nos processos de planeamento, orçamentação e gestão. No entanto, as avaliações

66 Entrevistas em Cabo Verde.

67 Nações Unidas (2013).

68 Isto foi já evidenciado pelos estudos de caso realizados no âmbito do projeto: agricultura, pescas e ambiente.

69 O Sistema Integrado de Gestão Orçamental e Financeira (SIGOF) é o instrumento informático de suporte do Sistema Nacional de Planeamento, que organiza e integra os instrumentos de planeamento de longo, médio e curto prazo, e permite o respetivo seguimento e avaliação. Este instrumento permite “a programação, execução, seguimento e avaliação dos Programas e respetivos Projetos de Investimento, Unidades de Gestão e Apoio Administrativos, tanto nos aspetos financeiros como físicos”.

Page 53: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

53

feitas sobre as políticas públicas centram-se quase exclusivamente na gestão financeira e nos

resultados em termos de resultados imediatos - “outputs” (p.ex. foram construídas X

barragens, foram melhorados X portos, etc.), sendo ainda escassa a avaliação do impacto e

dos resultados alargados - “outcomes” (ex: qual o impacto das barragens nas condições de

vida das populações? Os portos traduziram-se num aumento da atividade económica por via

marítima?). Isto significa que a promoção da CPD requer uma visão integrada dos problemas e

das soluções, ao nível político e técnico – ver Caixa sobre o exemplo das barragens.

Por outro lado, os mecanismos institucionais por vezes até existem, mas em certos casos não

são utilizados ou dinamizados. Damos apenas um exemplo: no caso específico do setor

pescas, o diálogo entre os vários intervenientes no setor é irregular e não existe uma

verdadeira concertação, que poderia ser incentivada no quadro da Comissão Nacional de

Pesca, criada exatamente para o efeito70. Isto faz com que haja a perceção de que as partes

interessadas e os beneficiários finais de determinada política setorial – neste caso pescadores

artesanais – não são devidamente ouvidas nas negociações dos acordos que o Estado Cabo-

verdiano celebra, ou que não são devidamente formados e informados sobre esses acordos ou

sobre as decisões tomadas. Assim, a dinamização desses espaços de diálogo, comunicação e

informação, que já existem no enquadramento institucional, seria importante para avançar no

sentido de maior coerência.

O défice generalizado de conhecimento sobre as políticas públicas e privadas implementadas

em Cabo Verde, bem como em relação aos compromissos que o governo cabo-verdiano

assumiu no plano internacional, dificulta uma ação sustentada de exigência de prestação de

contas e de responsabilização. Importa, por isso, melhorar a estratégia de comunicação e

divulgação entre as instituições, bem como com a população em geral.

No entanto, é também preciso dizer que, apesar da constatação inicial sobre o “alheamento

generalizado da população”, verifica-se um nível maior de envolvimento, de organização, de

empoderamento e de menor dependência das populações. Ou seja, as populações estão

interessadas em participar na vida das suas comunidades, em resolver os problemas e

enfrentar os desafios com que a sua comunidade se defronta, e têm normalmente uma

opinião formada sobre o que deve ser feito, sobre a atuação do poder central e local, sobre o

que tem corrido mais e menos bem. Como referia o Fórum 2030, realizado em Maio de 2014

para refletir sobre a transformação do país, “this is also facilitating mental change. People are

become less dependent and the focus is now more on empowerment and capacity building to

participate in the economy as opposed to waiting for hand out”. A questão é melhorar o

exercício dessa cidadania: terem os canais adequados para veicularem essas opiniões,

estarem dispostas a fazê-lo no espaço público, e serem efetivamente ouvidas.

Todos esses programas e projetos devem obrigatoriamente constar do SIGOF, conforme estabelecido pela Lei de Bases do Sistema Nacional de Planeamento (Lei .º71/VIII/2014, de 19 de Setembro)

70 A política de pescas não é objeto de análise específica neste estudo. Para uma análise aprofundada,

ver Ferreira, Patrícia (2011) e Silva, Damaris (2013).

Page 54: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

54

Caixa 5 Um exemplo a analisar: AS BARRAGENS. Coerência ou Incoerência? Com a variabilidade climática e os frequentes anos secos, associados a uma crescente população e a práticas humanas que exigem cada vez um maior volume de água, Cabo Verde é um arquipélago cada vez mais vulnerável no que respeita à disponibilidade e gestão dos recursos hídricos. A mobilização de recursos hídricos em Cabo Verde corresponde a um imperativo, quer para melhoria das condições de vida das populações, quer para melhoria da produtividade agrícola. A estratégia de crescimento do país, nomeadamente o DECRP (em consonância com o Plano Nacional de Investimento Agrícola de 2010) prevê a construção de 17 barragens abrangendo a maioria das ilhas – para além de dezenas de diques e de cinco sistemas de bombagem de água -, das quais já foram construídas sete (5 em Santiago, 1 em Santo Antão e 1 em São Nicolau). A construção das barragens e outras infraestruturas contou com um consenso alargado em termos políticos, pela sua necessidade.

O crescimento da produção e produtividade de algumas zonas rurais é evidente nos últimos anos, como resultado da construção das barragens e reservatórios de água, da gestão da irrigação e expansão da irrigação gota-a-gota, da introdução de novas tecnologias, construção de estradas rurais e aumento do acesso à microfinança. Como resultado, a área irrigada duplicou, entre 2003 e 2012 (na irrigação gota-a-gota o crescimento foi 6x maior, segundo dados do Ministério da Agricultura) e a produção agrícola de alguns produtos hortícolas aumentou bastante, o que levou a um decréscimo das importações alimentares em algumas zonas do arquipélago. Os efeitos positivos começaram a sentir-se logo a partir de 2010, com maior abundância de produtos hortícolas e diminuição dos preços destes produtos na Ilha de Santiago.

No entanto, é preciso não esquecer que as barragens são estruturas de grande impacte ambiental e socioeconómico. Ao nível ambiental, contam-se a o chamado efeito de barreira, a alteração paisagística, a destruição de habitats, a existência de materiais sobrantes, a alteração ambiental nas áreas de acesso e circulação, entre outros. Considera-se muito pertinente a opção pela construção das barragens planeadas e projetadas em Cabo Verde, porém, estas devem ser acompanhadas de uma rigorosa avaliação e monitorização em todo o seu processo. Neste âmbito, salientam-se vários pontos:

- As barragens tiveram algum impacto na produção agrícola, mas há outras questões não acauteladas, como falhas ao nível do acondicionamento e transporte dos produtos, da certificação de produtos e de qualidade, etc. Num quadro em que as ilhas onde estão instalados os maiores empreendimentos turísticos não produzem horticultura – Boavista e Sal -, estas questões são especialmente relevantes.

- É necessária uma gestão participativa da água da barragem após a sua construção, em que todos os agricultores se sintam parte integrante do coletivo, pois, para muitos, a gestão da barragem é feita de costas viradas aos interesses dos agricultores.

- Apesar dos avanços no sistema de rega, a maioria dos agricultores utiliza a rega por alagamento, desperdiçando grande quantidade de água e promovendo uma sobre-exploração e concomitante desperdício da água da barragem.

- Muitos agricultores consideram que o preço estipulado pela água é demasiado caro (admitem que o que ganham da venda os produtos agrícolas só dá para pagar a água que deveria ter um preço muito menor, uma vez que a água da albufeira é proveniente da chuva a custo zero)

- Há todo um trabalho de capacitação e mobilização, a fazer com os agricultores, para: determinar o que plantar, para desenvolver cooperativas que resolvam o problema da pequena escala, para facilitar o processamento dos produtos e sua distribuição, para aumentar a qualidade, para facilitar a ligação entre os produtores e o mercado.

Page 55: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

55

Assim, têm surgido algumas incoerências na medida em que ocorrem “cenários de produtos hortícolas serem vendidos a baixos preços, ou mesmo estragarem na ilha de Santiago, enquanto os empreendimentos hoteleiros importam do exterior e a população local compra produtos agrícolas e preços exorbitantes nas ilhas não produtoras”71. A conclusão principal é que as barragens foram concebidas para resolver um problema específico e muito premente para o desenvolvimento de Cabo Verde – a escassez de água -, mas, para terem efeitos coerentes e sustentáveis no processo de desenvolvimento a médio e longo-prazo, têm de fazer parte de uma visão integrada que englobe sinergias entre vários setores (e para as quais contribuem vários fatores, tal como a figura seguinte).

Figura 8: Visão Integrada e multissetorial da construção de barragens

Infraestrutura: BARRAGENS

MELHORIA NA DISPONIBILIDADE E ABASTECIMENTO DE ÁGUA

Capacitação e formação

Agricultura

Comércio Transportes

Inovação

Incentivos à fixação das populações

Respeito pelo meio ambiente

Certificação e Qualidade

Crescimento do turismo

Para potenciar boas práticas de CPD, é essencial promover um diálogo multi-atores sobre as

várias políticas, para identificar os obstáculos e os catalisadores da mudança. Em Cabo

Verde, a partidarização e politização das opiniões é um obstáculo concreto à obtenção de

resultados positivos no diálogo entre atores. No entanto, podem ser feitas melhorias para

potenciar o importante papel que a sociedade civil tem aqui a desempenhar, no seu diálogo

com o governo central, com os municípios e com Parlamento.

− Sociedade Civil /ONG e diálogo com o governo

Existem inúmeras associações e organismos da sociedade civil que atuam em diversos campos

e níveis, desde as pequenas organizações comunitárias às associações e ONG com um carácter

nacional. Estas organizações têm também uma capacidade de trabalhar em rede, sendo a

maioria das ONG membro de uma rede ou comité de debate e investigação. Ao nível nacional,

71

Estudo de Caso: Agricultura

Page 56: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

56

a Plataforma das ONG de Cabo Verde tem grande representatividade e evoluiu no sentido de

representar organizações diversas da sociedade civil (não só ONG), tendo quase 300 membros,

embora se pense que o universo das organizações não-estatais em Cabo Verde possa atingir as

3 mil organizações. Isto é um número muito considerável, em comparação com outros países

africanos, e particularmente tendo em conta a dimensão do país.

O trabalho desenvolvido por estas organizações é reconhecido como fundamental para o

desenvolvimento do país, quer pelos atores públicos e governamentais, quer pelos parceiros

externos. No geral, o seu trabalho tem credibilidade junto das instituições e das populações,

pelo tipo de atividades desenvolvidas (muitas vezes colmatando necessidades as quais a

atuação governamental não consegue responder) e pelos resultados alcançados.

Relativamente à participação na definição e implementação de políticas, a Lei de bases do

Sistema Nacional de Planeamento, de Setembro de 2014, estabelece que “no âmbito do

sistema nacional de planeamento, os órgãos consultivos de planeamento são responsáveis

pela viabilização da participação do setor privado e de organizações da sociedade civil nos

processos e instrumentos do sistema nacional de planeamento”72.

Algumas OSC são consultadas pelo Governo no âmbito do Conselho de Concertação Social, o

que é um caso relativamente raro comparativamente a outros países africanos. São também

consultadas quando da formulação de estratégias nacionais ou planos setoriais, normalmente

para socialização e validação dos documentos. Algumas ONG com trabalho reconhecido em

setores específicos (p.ex. ambiente) funcionam como uma ponte entre os organismos

governamentais e as associações comunitárias. A Plataforma das ONG é reconhecida como

principal interlocutor da sociedade civil, dando pareceres nas mais variadas áreas e estando

presente num grande número de comités e grupos de trabalho governamentais (o que levanta

questões de capacidade e competências – ver pontos seguintes).

No entanto, a sensação geral é de que esse diálogo é desigual e que essa consulta é

frequentemente efetuada para cumprir calendário, ou que as contribuições e opiniões não

são devidamente tidas em consideração e integradas nessas políticas. Muitas vezes, a

consulta é efetuada na altura da elaboração e validação de um documento, mas depois não há

uma continuidade desse trabalho ao nível do seguimento da sua implementação e

monitorização. Para além disso, embora as mais-valias técnicas de algumas ONG, em áreas

setoriais específicas, sejam reconhecidas, isso não se traduz ainda numa delegação efetiva em

termos de implementação de projetos73. Em suma, “a participação das OSC em geral limita-se

a um nível de informação e consulta das OSC por parte das instituições públicas, mas não

atinge graus mais elevados de delegação de poder, empoderamento, controle, influência e

decisão nos processos de políticas públicas. Neste sentido, há uma necessidade de reforço da

capacidade organizativa e institucional das próprias OSC, mas também de uma revisão dos

mecanismos de participação pública previstos no sistema político e ordenamento jurídico

cabo-verdiano, na tomada de decisões, no processo legislativo, na formulação de políticas

públicas, na orçamentação e na prestação de serviços sociais”74

No que se refere às organizações, as suas capacidades de advocacia e influência são limitadas

devido aos seguintes fatores:

72 Artº. 12: Órgãos Consultivos de Planeamento

73 Entrevistas em Cabo Verde.

74 Roteiro da UE para um Compromisso com a Sociedade Civil 2014-2017

Page 57: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

57

AS OSC estão muito vocacionadas para a prestação de serviços básicos e sociais –

como educação, saúde, intervenções de base comunitária, etc. – estando pouco

sensibilizadas para o papel que podem e devem ter no âmbito mais político e de

advocacia.

Há uma fragmentação do conhecimento e experiência, ou seja, as competências

técnicas e setoriais das OSC são normalmente limitadas e específicas do setor em que

intervêm, pelo que estão dispersas por muitas organizações, existindo poucos recursos

humanos com capacidade técnica de uma reflexão estratégica abrangente e de

dominar vários assuntos e tecnicismos.

As OSC são absorvidas pela gestão diária do seu trabalho, tendo pouca capacidade

real, em termos de recursos humanos, financeiros, de tempo, etc., para participarem

mais ativamente noutros processos;

Há uma grande dependência dos financiamentos, o que faz com que certas

organizações sejam apenas sazonais (quando têm um determinado financiamento ou

projeto) e funcionem em boa medida com base no voluntariado, pelo que os seus

recursos humanos não se podem dedicar a esse trabalho de forma plena e

permanente.

Existe uma grande dificuldade de “falar a uma só voz”, ou pelo menos, de coordenar

posições sobre determinado tema - o que é natural dada a fragmentação e diversidade

das OSC, mas enfraquece a capacidade negocial e de influência, prejudicando também

a coerência do contributo das OSC para o processo de desenvolvimento.

Apesar de haver uma evolução no diálogo e reflexão interna às próprias OSC, é ainda

difícil fazer análises independentes e profundas sobre as questões de governação

destas organizações, sendo ainda pouco aplicado o Código de Ética promovido pela

Plataforma das ONG em conjunto com as associadas.

Há uma dispersão geográfica que advém da descontinuidade territorial, dificultando as

deslocações e participação no diálogo sobre políticas, que é muito centralizado devido

à concentração das autoridades governamentais na capital.

Existe, assim, todo um trabalho a fazer ao nível das próprias OSC, para aumentar a sua

capacidade de identificar incoerências, veicular as suas posições e proporem soluções. O

reforço dessa capacidade de influência pode passar por dois caminhos em simultâneo. Por um

lado, a aposta na criação de redes da sociedade civil sobre temas específicos, nomeadamente

promovidas pela Plataforma das ONG, que permitam a várias organizações ter uma

intervenção mais ativa e permanente no debate nacional sobre certos temas. Isto já está a ser

feito, por exemplo, através da rede da sociedade civil para a segurança alimentar e nutricional,

e pode ser potenciado noutros setores. Tal permitiria que as organizações concertassem

posições para depois aproveitarem melhor a sua participação em redes e organismos

governamentais (no exemplo referido, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e

Nutricional, também recentemente criado e onde a sociedade civil tem assento como

conselheira). O fomento de uma cultura de produzir relatórios e documentos de posição da

sociedade civil sobre temas específicos também contribuiria para esse objetivo.

Por outo lado, o reforço dessa capacidade pode passar igualmente pela constituição de um

Observatório de CPD, que pudesse organizar todo esse trabalho de forma mais sistemática e

Page 58: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

58

sustentada, consolidando e dando seguimento às dinâmicas de diálogo e de monitorização

iniciadas já com o projeto “A CPD - O desafio para uma cidadania ativa em Cabo Verde”75.

No que se refere ao diálogo Governo-OSC, a promoção da CPD teria a beneficiar com a

constituição de espaços e órgãos de consulta e de acompanhamento de políticas, e

particularmente de espaços e mecanismos onde a sociedade civil seja um parceiro à mesa.

Vimos que a sociedade civil é consultada de forma ad-hoc e consoante as prioridades políticas

de cada momento, mas poderia ser útil a dinamização de alguns espaços de concertação, em

temáticas selecionadas, onde a sociedade civil fosse um parceiro efetivo e onde se fizesse uma

monitorização de forma mais estruturada, regular e sistemática.

No enquadramento cabo-verdiano, compete ao Ministério do Ambiente, Habitação e

Ordenamento do Território (MAHOT): (i) Acompanhar as ONG e as Associações Comunitárias

de Desenvolvimento local em termos de informação e facilitação nas suas relações com o

Estado, em particular, no que respeita ao apoio institucional a dispensar pelo Governo; (ii)

Propor e adotar medidas de política, estratégias e metodologias de enquadramento da

atividade das ONG e o quadro legal de relacionamento com o Estado; (iii) Acompanhar e

avaliar o impacto da ação das OSC no desenvolvimento local e regional; (iv) Incentivar a

parceria entre as autarquias locais e as organizações da sociedade civil na conceção e

implementação de programas e projetos de desenvolvimento com impacto positivo na vida

das comunidades locais e regionais; e (v) Assegurar apoio técnico-institucional às organizações

da sociedade civil nos domínios da abordagem participativa dos projetos de desenvolvimento

de cariz local e regional, formação dos seus agentes e dirigentes e mobilização de recursos e

parcerias no plano interno e externo.

O MAHOT é, assim, o ponto focal mais importante para a promoção da interação entre a

sociedade civil e o poder central. Nesse quadro, várias ações podem ser reforçadas, como a

aposta num esforço conjunto de informação e sensibilização, para dar a conhecer melhor o

trabalho das OSC e os resultados alcançados. Existe, junto de alguns atores, a ideia de que há

uma falta de rigor e transparência na atuação das OSC, que deriva em boa medida do

desconhecimento sobre o seu trabalho e sobre os resultados atingidos em prol das

comunidades e do desenvolvimento76. É certo que existe alguma desregulação, pelo que é

necessário definir e clarificar alguns critérios, requisitos formais, direitos e deveres. Nesse

quadro, seria importante um trabalho conjunto para aprovação do pacote legislativo que está

há vários anos no prelo, e que inclui (i) o Estatuto das OSC; (ii) o registo das organizações e

prestação de contas; (iii) a criação de um fundo de apoio às OSC.

− Diálogo e Coerência com os Municípios

Os poderes democraticamente eleitos ao nível subnacional têm uma vasta experiência

adquirida na resolução de problemas ligados ao desenvolvimento, bem como na formulação

75 Vários entrevistados referiram como mais-valias do projeto: (i) ter ajudado a sistematizar conceitos e instrumentos (uma vez que a coerência já era trabalhada, mas ser assim denominada e sem haver essa reflexão e debate); (ii) ter dado oportunidade a vários atores de se formarem nesta área (líderes associativos, jornalistas, etc); e (iii) ter desmistificado o diálogo entre atores, nomeadamente com decisores políticos, autarcas e deputados, através de reuniões conjuntas sobre temas específicos, onde se exprimiram livremente diversas opiniões.

76 Entrevistas em Cabo Verde.

Page 59: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

59

de respostas locais aos problemas globais77. A sua proximidade com as populações e o seu

papel na articulação entre vários tipos de atores regionais e locais conferem-lhe uma mais-

valia inegável na promoção de um desenvolvimento mais participativo e inclusivo. A evolução

do pensamento e das práticas sobre esta matéria salienta a importância de as autoridades

locais serem encaradas não apenas como prestadores de serviços, mas como intervenientes

ativos na política de desenvolvimento e como elementos catalisadores da mudança.

O processo de descentralização em Cabo Verde foi recentemente objeto de uma análise e

balanço, consubstanciada no Relatório de Diagnóstico dos 20 anos de Descentralização em

Cabo Verde78. Das dezenas de conclusões formuladas, reproduzimos deste relatório algumas

das conclusões, com interesse para a CPD e para o diálogo com a sociedade civil:

Regista-se um acentuado défice democrático, no que concerne à desconcentração dos

serviços municipais, descentralização administrativa e institucional para as

organizações da sociedade civil e comunidades locais e à participação – democracia

participativa – dos cidadãos na gestão e controlo da coisa pública local;

Os cidadãos não se apropriaram ainda dos institutos e dispositivos que a Constituição

e a lei colocam à sua disposição no exercício da sua cidadania e participação;

O quadro legal vigente necessita de uma melhor sistematização, tornando-o, de um

lado, mais coerente, evitando, deste modo, repetições, incongruências, disfunções,

contradições e, por outro, expurgando determinados dispositivos que colidem com o

princípio da autonomia municipal;

O quadro normativo e legal atual reclama pela regulamentação de alguns institutos e

dispositivos, designadamente o refendo local, ação popular, iniciativa popular e a

participação de particulares, a fim de assegurar a participação efetiva dos cidadãos na

gestão da coisa pública local e no processo de formação das decisões;

Há ainda muitas zonas de sombra, sobreposição e conflito entre as áreas de atuação

da administração central e do Poder Local, designadamente em matéria de promoção

social, educação e formação profissional, juventude, saúde, transporte coletivo

urbano, vias de comunicação, gestão local do território autárquico, investimentos

públicos locais, etc.;

As autarquias locais não dispõem efetivamente de recursos humanos, organizacionais,

materiais e financeiros necessários para realizarem as atribuições e exercerem as

competências que a lei lhes comete e confere, com eficácia e eficiência;

A orientação no sentido da democracia participativa a nível local não tem sido seguida

e concretizada;

Subsistem ainda muitos constrangimentos à plena assunção das competências e

atribuições e à boa governação local, estritamente relacionados com as insuficiências

decorrentes da fraca capacidade institucional, técnica e de gestão municipal. Os

Municípios de Cabo Verde continuam, na sua grande maioria, estruturalmente débeis

77 Por exemplo, uma análise dos resultados relativamente aos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio revela que há uma forte correlação entre o progresso na redução da pobreza, no acesso à saúde e à educação, por um lado, e a descentralização do poder, das políticas, dos recursos e das competências, por outro lado.

78 MAHOT (2013). Pode acompanhar este assunto em: http://www.regionalizacaocv.org/

Page 60: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

60

e desprovidos de recursos financeiros, técnicos, materiais e humanos necessários e

adequados à realização das suas tarefas.

Podemos, assim, considerar que não existe ainda um sistema equilibrado de governação

multiníveis e com muitos aspetos a melhorar na interação entre o poder central e local. A

partidarização do diálogo é um problema, tal como a escassez de recursos, sendo o poder

central e local frequentemente concorrentes relativamente aos fundos da cooperação

internacional. Existe, em certos setores, a perceção de que o poder local perdeu protagonismo

no processo de desenvolvimento, nomeadamente com a preponderância da ajuda orçamental:

por um lado há dificuldades em identificar os interlocutores certos em termos de doadores,

por outro lado os projetos têm de ser aprovados pelos ministérios setoriais respetivos, de

acordo com as suas prioridades e interesses. Nesse sentido, parece existir quase uma

“centralização da cooperação descentralizada”. 79

Esta competição acontece também na relação com sociedade civil organizada, pois embora

as autoridades locais sejam frequentemente parceiras de OSC na implementação de projetos

de desenvolvimento, não é invulgar uma relutância das Câmaras Municipais em que as ONG

implementem projetos locais, financiados pelo Governo ou pelos parceiros internacionais80.

É igualmente necessário promover uma maior democratização das relações entre as

comunidades e as administrações municipais na concretização das políticas de

desenvolvimento ao nível local, pela via da participação. Um instrumento com grande

potencial na promoção da CPD são os orçamentos locais participativos, que pressupõem uma

participação alargada dos cidadãos, a prestação de contas e a transparência da definição de

prioridades e ações. A cultura do orçamento participativo é inovadora no plano da governação

local, não só porque é contribui para desenvolver relações institucionais colaborativas das

instâncias de poder local, como confere aos participantes um papel preponderante na

definição das regras do processo e no influenciar de decisões, sendo por isso uma verdadeira

ferramenta de monitorização, transparência e responsabilização.

No caso cabo-verdiano, das 4 experiências-piloto existentes (Santa Cruz, São Miguel, Paul e

Mosteiros), só Paul se manteve engajado no processo, existindo dificuldades na sensibilização

dos autarcas e na apropriação local desta metodologia. Com efeito, a aplicação deste

instrumento é totalmente voluntária e depende da vontade política dos municípios, não

existindo qualquer obrigatoriedade legal ou incentivo para a sua promoção.

Mais recentemente, o Maio tornou-se num dos exemplos da aplicação desta ferramenta,

integrando o orçamento participativo no seu plano de atividades. Este processo envolve várias

fases: na primeira fase, faz-se um diagnóstico socioeconómico das principais atividades a

serem desenvolvidas, na segunda, a formação dos líderes associativos sobre o orçamento

participativo e na terceira fase realiza-se reuniões em cada comunidade, com o objetivo de

fazer o levantamento das necessidades da população e a eleição dos delegados.

A quarta etapa incidiu na análise técnica das propostas apresentadas ao nível de cada

comunidade, após uma análise da viabilidade financeira, ambiental e social de cada uma, de

modo a que na quinta fase sejam apresentados os resultados da apreciação técnica das

propostas efetuadas e priorização dos investimentos a incluir na proposta orçamental para o

79 Uma das ações em “contra-corrente” é a intenção da Cooperação Luxemburguesa criar um fundo de descentralização e desenvolvimento local integrado, através de uma parceria entre o Luxemburgo, o Governo e a ANMCV, englobando 5 milhões de euros para pequenos projetos.

80 Entrevistas em Cabo Verde.

Page 61: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

61

ano seguinte. Este é um exemplo a seguir de perto, que pode permitir retirar lições sobre a

promoção da CPD a nível local.

− Diálogo e Coerência com o Parlamento

O debate político é, naturalmente monopolizado pelos partidos, que acabam por deixar pouco

espaço à participação dos eleitores e da sociedade civil, incluindo no âmbito parlamentar. Por

um lado, a polarização do debate político está em linha com os ciclos eleitorais e interesses

eleitoralistas dos partidos, marcando os trabalhos parlamentares e gerando pouco interesse

pela “coisa política” por parte de largos setores da população, em especial dos jovens. Por

outro lado, o Parlamento é pouco aberto à sociedade civil, o que poderia ser colmatado com

uma ação mais sistemática de consulta e envolvimento dos cidadãos nos projetos de lei e nas

temáticas que são debatidas, por exemplo aproveitando as novas tecnologias (TIC).

A sensibilização do Parlamento para a CPD é ainda escassa e limitada a um pequeno grupo de

deputados, pelo que é essencial que se promova esse conhecimento e consciencialização, de

forma a que estes integrem cada vez mais essa perspetiva nas suas interpelações ao governo

(que podem incidir sobre “qualquer questão de interesse político, económico, social ou

cultural relevante”) na proposta de debates, e noutros instrumentos que têm ao seu dispor. O

diálogo intersectorial é limitado no Parlamento e não existe grande mobilização e organização

dos deputados, de forma estruturada, em torno de temáticas específicas (a não ser através das

Comissões Especializadas). Há, no entanto, exceções, que são exemplos importantes para a

promoção da CPD.

Uma é a Rede das Mulheres Parlamentares Cabo-Verdianas, que tem desenvolvimento um

trabalho interessante no seguimento das políticas de promoção da igualdade de género, da

luta contra a discriminação e violência contra as mulheres, e da ligação entre género e

desenvolvimento.

Outro exemplo é a Rede Parlamentar para o Ambiente, Luta contra a Desertificação e

Pobreza, que existe desde 2004 e congrega 46 dos 72 deputados à Assembleia Nacional81,

tendo por objetivos, entre outros, “contribuir para que as matérias do ambiente, do

ordenamento do território, da luta contra a desertificação e contra a pobreza figurem, com a

prioridade devida, na agenda parlamentar, através de iniciativas legislativas, de debates,

audições e controlo da atividade governativa”. Refira-se que, segundo a Constituição de Cabo

Verde, cabe à Assembleia Nacional a competência exclusiva para fazer leis de bases sobre “o

sistema de proteção da natureza, dos recursos naturais e do património histórico e cultural”82.

A Rede tem conseguido assumir-se como um espaço de informação, formação e debate sobre

estas temáticas, consultando e envolvendo regularmente algumas organizações da sociedade

civil com grande experiência no setor do Ambiente. No entanto, há ainda um caminho a

percorrer para que o Parlamento cabo-verdiano assuma plenamente as suas competências em

matéria de definição da política ambiental, de luta contra a desertificação e de redução e

eliminação da pobreza no país. Nomeadamente, há espaço para reforçar o trabalho da Rede

no que respeita à fiscalização e monitorização da atuação governamental nesta área.

Refira-se ainda que o trabalho do Parlamento em termos de fiscalização das contas públicas

tem sido apoiado por alguns projetos da cooperação internacional. Salienta-se, a decorrer, o

Projeto "(Pro PALOP-TL ISC) Projeto para o Reforço das Competências Técnicas e Funcionais

81

Dados de Julho de 2014.

82 Art.º 187 n.º2 da Constituição, 1992. Ver o artigo de Januário Nascimento (2006).

Page 62: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

62

das Instituições Superiores de Controlo (ISC), Parlamentos Nacionais e Sociedade Civil para o

controlo das finanças públicas nos PALOP e em Timor-Leste" financiado pela União Europeia a

administrado pelo PNUD83, visando o reforço das capacidades de controlo externo dos

Tribunais de Contas e de fiscalização parlamentar das contas públicas, bem como a promoção

da participação pública mais informada no processo orçamental.

Para além deste papel de fiscalização e monitorização, a CPD passa também por assegurar que

o impacto no desenvolvimento é devidamente tido em conta nas propostas de lei e na

aprovação de instrumentos legislativos, tal como compete ao Parlamento. Ou seja, a

aprovação de leis poderia incluir como critérios prévios de justificação não apenas o critério

orçamental (se existem recursos financeiros para a aplicar), mas também um critério sobre

Desenvolvimento – isto é, a análise sobre se determinada lei tem um impacto positivo ou

negativo no desenvolvimento local e nacional.

83

O projeto envolve um montante total de 6,400,000 EUR com ações a realizar em todos os PALOP e em Timor-Leste, entre Janeiro de 2014 e Dezembro de 2016.

Page 63: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

63

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

A CPD começou por ser um conceito e abordagem promovidos pelo “Norte desenvolvido” para

avaliar o impacto que as suas políticas nas várias áreas setoriais têm no “Sul em

desenvolvimento”. No entanto, o paradigma doador-beneficiário tem-se diluído de várias

formas ao nível internacional, com o esbatimento da distinção entre Norte e Sul e entre países

desenvolvidos e em desenvolvimento, bem como com a integração de uma multiplicidade de

desafios multidimensionais naquilo que se considera ser hoje o “Desenvolvimento”.

A incoerência entre políticas é hoje um problema de todos os países, com custos económicos

e de ineficácia, e a prossecução de abordagens mais integradas e abrangentes é um desafio

para todos os governos e intervenientes no processo de Desenvolvimento. A CPD consiste,

assim, em analisar as várias políticas “pelas lentes” do desenvolvimento, identificando

incoerências e possibilidades de sinergias, para integrar devidamente todas as dimensões do

Desenvolvimento: económica, ambiental e social.

Com a previsível adoção de uma Agenda Global de Desenvolvimento pós-2015 e a definição de

Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e relativas metas de aplicação universal (em

Setembro de 2015), tal significa que todos os países, desenvolvidos e em desenvolvimento,

terão de a implementar consoante o seu nível de desenvolvimento e realidades nacionais,

definindo prioridades, medidas e indicadores para atingir os objetivos e metas propostas.

Nesse sentido, cada país terá de investir em melhorar a coerência de um conjunto de políticas,

práticas, instituições e recursos. A CPD poderá ser aqui um instrumento importante, utilizado

pelos diversos intervenientes (incluindo a sociedade civil) na discussão, aprovação e

implementação dos planos nacionais e subnacionais.

Ao nível da União Europeia, a CPD é um compromisso político e uma obrigação legal,

conforme analisado no capítulo 1.3.1. Praticamente todas as políticas da UE têm uma

dimensão externa, pelo que devem ser concebidas e implementadas tendo em consideração

esses impactos. Em termos formais e concetuais, isto é algo consensual nos meios europeus,

mas na prática são evidentes os desafios e dificuldades em ultrapassar os conflitos de

interesses entre as diferentes políticas da União, as contradições destas com as políticas

bilaterais dos Estados Membros, e ainda em conciliar essas políticas com as necessidades de

desenvolvimento.

Apesar dos progressos na apropriação deste instrumento nos países europeus, o estudo

concluiu que a sua aplicação em muitos países europeus está ainda pouco sistematizada, nos 3

pilares de aplicação da CPD (capítulo 1.3.2). Entre as boas práticas, no âmbito das declarações

e compromissos políticos (pilar 1), incluem-se medidas legislativas ou conceção de estratégias

de desenvolvimento que promovam ativamente a CPD. Relativamente à institucionalização de

mecanismos de coordenação (pilar 2), são exemplos a criação de grupos interministeriais e

fóruns técnico-políticos, de mecanismos de financiamento que agregam várias áreas setoriais,

ou a constituição de uma rede de pontos focais para a CPD nos vários setores. Em relação aos

sistemas de acompanhamento, análise e comunicação da informação (pilar 3), são exemplos

em vários países a existência de relatórios anuais dos Parlamentos nacionais sobre CPD, a

elaboração de indicadores e ferramentas de avaliação das ações, ou a parceria com

instituições académicas e da sociedade civil para a procura de dados e evidências e para a

realização de estudos de impacto.

Page 64: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

64

No caso de Cabo Verde, a procura de maior eficácia e coerência é especialmente relevante no

contexto atual do país. Salientam-se dois marcos recentes, importantes para o futuro do

desenvolvimento em Cabo Verde, numa ótica de CPD: a graduação para País de Rendimento

Médio e a adesão à Organização Mundial de Comércio, com todas as mudanças que tal tem

implicado. O país vive uma conjuntura única e importante para o seu processo de

desenvolvimento, com os efeitos da crise económica europeia, o esgotamento do modelo

económico até agora prosseguido, a diminuição das receitas fiscais e aumento da dívida, o

decréscimo das fontes tradicionais de financiamento externo enquanto os investimentos feitos

tardam em dar frutos. Isto exprime uma mudança de paradigma, em que o país terá de atraír

mais investimento para promover o crescimento económico, o que permitirá financiar o

estado e as políticas sociais, sendo para tal importante a melhoria do ambiente de negócios. É

assim necessário, por um lado, encontrar novas soluções de financiamento e inovação,

procurar de forma mais sistemática novos parceiros e instrumentos e, por outro lado, apostar

na eficácia, no impacto e na coerência das políticas em termos de desenvolvimento. Todas as

reformas estruturais necessárias à promoção de múltiplos motores de crescimento significam

que a coerência entre políticas será cada vez mais relevante e fundamental, numa altura em

que estão em revisão também vários documentos e planos estratégicos setoriais.

No âmbito da ajuda ao desenvolvimento, verifica-se uma diminuição geral dos donativos (não

obstante ter aumentado ligeiramente no caso da União Europeia), o aumento do peso da

ajuda orçamental e uma reorientação das prioridades dos doadores. No geral, há um esforço

de alinhamento dos parceiros externos em torno das prioridades definidas pelo governo cabo-

verdiano, nomeadamente no âmbito do DECRP. Já ao nível da implementação das ações

concretas, continua a existir uma fragmentação das intervenções e a coordenação e

sustentabilidade dos projetos poderia ser melhorada, em todas as áreas setoriais. Muito há

ainda a fazer para transitar de uma perspetiva de eficácia da ajuda para a eficácia do

desenvolvimento.

Na atuação dos parceiros externos, verifica-se um esforço para transitar de quadros estritos de

ajuda ao desenvolvimento, para enquadramentos mais estratégicos, que agreguem vários

instrumentos e setores. O setor das energias renováveis é um exemplo com grandes

potencialidades para implementação de uma lógica de CPD, entre os parceiros externos e os

atores cabo-verdianos, conforme analisado no ponto 2.3.3.

No geral, existem dois mecanismos importantes para a promoção da CPD entre os parceiros

externos e o governo cabo-verdiano, e com oportunidades para a participação da sociedade

civil: o Grupo de Apoio Orçamental (onde essa participação está a ser desenvolvida) e a

Parceria Especial UE-Cabo Verde (onde pode ainda ser melhorada). A implementação das

medidas previstas no Roteiro da UE para um Compromisso com a Sociedade Civil (para o

período 2014-2017) poderão também ser um catalisador para melhorar o diálogo entre os

parceiros externos e a sociedade civil cabo-verdiana.

Ao nível nacional, mobilizar a atenção e apoio político para a CPD não é fácil, devido à

competição entre interesses por vezes contraditórios e pela dificuldade dos setores mais

pobres e vulneráveis da população projetarem a sua voz. Existem, no entanto, diversas

oportunidades para explorar o potencial de sinergias positivas entre várias políticas, aumentar

a capacidade de equilibrar interesses divergentes, e evitar ou minimizar os impactos e efeitos

negativos de várias políticas no desenvolvimento.

A coerência aplica-se, em primeiro lugar aos atores públicos e decisores políticos, que têm a

responsabilidade de conceber, organizar e implementar as políticas públicas. A coordenação

institucional e a monitorização têm registado algumas melhorias nos últimos anos: por

Page 65: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

65

exemplo, o DECRP III introduziu inovações para melhorar a monitorização da despesa pública

nas várias áreas setoriais, para avaliar as reformas definidas (com matriz de seguimento e

indicadores) e para realizar uma gestão mais baseada nos resultados. A gestão dos fundos

públicos também sofreu alterações, com a introdução do SIGOF e de reformas nos processos

de planeamento, orçamentação e gestão, embora as avaliações feitas sobre as políticas

públicas se centrem quase exclusivamente na gestão financeira e nos resultados em termos de

resultados imediatos - “outputs”, sendo ainda escassa a avaliação do impacto e dos

resultados alargados - “outcomes”. Isto significa que a promoção da CPD requer uma visão

integrada dos problemas e das soluções, ao nível político e técnico, tal como ilustrado do

estudo através do exemplo das Barragens. Por outro lado, os mecanismos institucionais, os

comités multissetoriais ou multi-atores, por vezes até existem, mas em certos casos não são

utilizados ou dinamizados, devendo ser melhor aproveitados (conforme exemplificado no caso

das Pescas).

Para potenciar boas práticas de CPD, é essencial promover um diálogo multi-atores sobre as

várias políticas, para identificar os obstáculos e os catalisadores da mudança. A cultura de

participação cívica é ainda limitada, mas pode ser impulsionada: as pessoas têm opinião sobre

os assuntos e falta terem os canais adequados para veicularem essas opiniões, estarem

dispostas a fazê-lo no espaço público, e serem efetivamente ouvidas. Apesar da partidarização

e politização das opiniões e do diálogo, há também espaço para potenciar o importante papel

que a sociedade civil tem a desempenhar, no seu diálogo com o governo central, com os

municípios e com Parlamento, como analisado no capítulo 2.4.

A Plataforma das ONG dá pareceres nas mais variadas áreas e está presente num grande

número de comités e grupos de trabalho governamentais, as OSC são usualmente consultadas

quando da formulação de estratégias nacionais ou planos setoriais, para socialização e

validação dos documentos, e algumas ONG com trabalho reconhecido em setores específicos

(p.ex. ambiente) funcionam como uma ponte entre os organismos governamentais e as

associações comunitárias. No entanto, a sensação geral é de que esse diálogo é desigual e que

as contribuições e opiniões não são devidamente tidas em consideração e integradas nessas

políticas. Embora as mais-valias técnicas de algumas ONG sejam reconhecidas, isso não se

traduz ainda numa delegação efetiva em termos de implementação de projetos, ou numa

parceria sistemática para o seguimento da implementação e monitorização de políticas. As

responsabilidades são mútuas, uma vez que a capacidade de coordenação e concertação de

posições das OSC é fraca (devido a vários fatores referidos no estudo), o que acaba por se

refletir negativamente na sua capacidade de influência e advocacia.

O mesmo se passa em relação aos municípios e ao poder local, ainda que com fatores e

contornos diferentes. A partidarização do diálogo é um problema, tal como a escassez de

recursos, sendo o poder central e local frequentemente concorrentes relativamente aos

fundos da cooperação internacional. Esta competição acontece também na relação com

sociedade civil organizada, pois embora as autoridades locais sejam frequentemente parceiras

de OSC na implementação de projetos de desenvolvimento, não é invulgar uma relutância das

Câmaras Municipais em que as ONG implementem projetos locais, financiados pelo Governo

ou pelos parceiros internacionais. É igualmente necessário promover uma maior

democratização das relações entre as comunidades e as administrações municipais na

concretização das políticas de desenvolvimento ao nível local, pela via da participação.

Outro interveniente fundamental na promoção de maior CPD é o Parlamento. A sensibilização

do Parlamento para a CPD é ainda escassa e limitada a um pequeno grupo de deputados, pelo

que é essencial que se promova esse conhecimento e consciencialização, de forma a que estes

integrem cada vez mais essa perspetiva nas suas interpelações ao governo e noutros

Page 66: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

66

instrumentos que têm ao seu dispor, bem como na fiscalização e monitorização das políticas

públicas. Alguns exemplos referidos no estudo, de mobilização e organização dos deputados

em torno de temáticas específicas – como o género ou o ambiente – são exemplos

importantes a replicar, para a promoção da CPD.

RECOMENDAÇÕES

O estudo conclui com três recomendações principais de carácter geral, válidas para todos os

atores – parceiros externos e doadores, governo e decisores políticos, autoridades nacionais e

locais, Parlamento e atores da sociedade civil:

− Que passem a analisar as suas políticas, medidas, ações e projetos na ótica da

Coerência das Políticas para o Desenvolvimento, no sentido de capitalizarem

sinergias e minimizarem os efeitos negativos que as incoerências podem significar

para os beneficiários e para as populações-alvo.

− Que fomentem, de todas as formas aos seu alcance a “cultura de cidadania”, uma

vez que os cidadãos têm de ser empoderados para exigirem mais na monitorização

da aplicação dos fundos públicos e privados.

− Que seja identificado um número restrito de setores fundamentais para o

desenvolvimento do país e onde é especialmente relevante monitorizar a

Coerência. Nessas áreas, o quadro de monitorização pode abranger um trabalho

mais sistemático de diálogo multi-atores, centrado nos resultados e impactos, de

produção de soluções (jurídicas, administrativas, financeiras, etc.), de formulação

de propostas, etc.

Outras recomendações são dirigidas a categorias específicas de intervenientes, sem prejuízo

de existirem cruzamentos e sinergias entre elas:

Parceiros externos/doadores:

1. Equilibrar as modalidades e instrumentos para apoiar os vários atores. Num contexto em

que o governo, os municípios e as OSC são frequentemente competidores entre si, os

fundos externos devem ter em consideração o perigo de exclusão e a necessidade de

diversificarem parcerias.

2. Fazer um uso estratégico dos fundos de desenvolvimento: nomeadamente, a ajuda ao

desenvolvimento tem sido utilizada para apoiar objetivos noutras áreas setoriais, que

contribuem para o desenvolvimento (p.ex. estudos sobre os stocks de pescado, reforço

institucional local em vários setores), e isso deve ser potenciado. Isto significa utilizar a

ajuda como catalisadora da CPD, colmatando, por exemplo, necessidades em termos de

infraestruturas e reforço de capacidades.

3. Aumentar o seu nível de conhecimento e entendimento sobre a CPD: Associar a população

e as entidades cabo-verdianas à discussão sobre CPD e apostar no aumento do

conhecimento local sobre interação entre políticas, nomeadamente através da

investigação e recolha de informação, que permita aos doadores presentes no terreno

(Delegação da UE, Embaixadas) sensibilizar e informar as “sedes” sobre exemplos

concretos e sobre a importância da CPD.

4. Melhorar as estratégias de comunicação e informação para os beneficiários, parceiros,

atores políticos e da sociedade cabo-verdiana.

Page 67: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

67

5. Dedicar recursos adequados – materiais e humanos – para analisar a coerência entre

políticas no âmbito da sua atuação, recorrendo a parcerias com a sociedade civil e

instituições académicas, tanto ao nível nacional como internacional, para identificação de

incoerências, boas práticas, evidências e análises de impacto.

6. Envolver efetivamente a sociedade civil nos processos e mecanismos já existentes e que

têm grande potencial de promoção da CPD, como é o caso do Grupo de Apoio Orçamental

e da Parceria UE-Cabo Verde.

Entidades governamentais, responsáveis públicos e decisores políticos:

7. Objetivos nacionais e internacionais. Reconhecer a importância da CPD através de

compromissos públicos ao mais alto nível, interligados com os objetivos nacionais de

redução da pobreza e com os compromissos internacionais da Agenda Global para o

Desenvolvimento. Nesse âmbito, definir uma agenda e objetivos claros para a promoção

da coerência entre políticas. Nomeadamente, pode ser elaborada uma matriz que permita

identificar e compreender melhor as articulações e sinergias entre várias políticas

públicas. Essa agenda pode ser alinhada com a implementação da Agenda pós-2015 e dos

seus 17 ODS ao nível nacional.

8. Política Externa. Melhorar a sua projeção e a capacidade negocial com grandes blocos

(como a UE) através do reforço da coordenação e coerência de posições com outros

países africanos em determinadas áreas e políticas, nomeadamente no quadro da

CEDEAO. Para além disso, desenvolver posições para exigir programas compensatórios

quando existem consequências negativas das várias políticas dos parceiros externos (ex:

medicamentos subsidiados, compensações climáticas, fundos da “ajuda ao comércio”).

9. Coordenação. Estabelecer mecanismos de consulta interministerial, formais ou informais,

que permitam assegurar que as políticas prosseguidas estão em consonância com os

compromissos assumidos pelo governo cabo-verdiano. Nesta área, assegurar que as

práticas de trabalho favorecem uma comunicação eficaz entre os ministérios e

organismos públicos das várias áreas setoriais, melhorando a coordenação

interministerial.

10. Impactos. Estabelecer mecanismos para avaliar de forma sistemática de que forma as

opções e medidas tomadas impactam no desenvolvimento do país, a médio e longo-

prazo. Nomeadamente, criar uma plataforma de ponderação e avaliação dos

investimentos públicos, que avalie quer a viabilidade económica e efeitos em termos de

contração de dívida, quer os impactos dos investimentos em termos de coerência com o

desenvolvimento (enquadrar cada investimento numa visão integrada e multissetorial).

11. DECRP. Alinhar todas as políticas e decisões setoriais com os objetivos em termos de

desenvolvimento e o DECRP, levando a cabo uma monitorização sistemática dessas metas

e divulgando amplamente esses resultados. Desenvolver um novo DECRP tendo em conta

o instrumento de CPD.

12. Planos setoriais. Adaptar as estratégias, planos e estruturas de decisão e implementação

de políticas à atual fase do desenvolvimento do país. Garantir que os planos estratégicos

dos vários setores são acompanhados por um quadro orçamental claro e por um quadro

de seguimento e avaliação, que permita a monitorização por vários atores. Começar a

utilizar indicadores de CPD nos documentos de estratégia e política para os vários setores,

assegurando o seu seguimento.

Page 68: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

68

13. Capacidades. Investir na capacidade dos departamentos dos vários setores, quer em

termos de conhecimento sobre a importância da CPD quer relativamente à capacidade de

análise e monitorização. Contar com as instâncias políticas e técnicas para identificar e

resolver conflitos de interesse e propor soluções (técnicas, jurídicas, administrativas, de

financiamento): ao nível político (ministerial), de direção (secretários de Estado, direções

gerais) e técnico (representantes dos ministérios, de organismos de áreas técnicas

específicas, etc.)

14. Conhecimento. Melhorar o conhecimento, independente e aprofundado, sobre as

incoerências, para que as políticas sejam cada vez mais baseadas em factos e análises

concretas, em dados atualizados e pertinentes. Realizar análises de impacto no

desenvolvimento (assim como já existem análises de impacto ambiental, p.ex.)

15. Municípios. Equacionar a criação de algum tipo de obrigatoriedade legal ou incentivo ao

desenvolvimento de orçamentos locais participativos, enquanto uma verdadeira

ferramenta de reforço democrático, de monitorização, transparência e responsabilização

do poder local.

16. Diálogo com as OSC. Passar de uma postura de consulta ad-hoc das organizações da

sociedade civil, normalmente para socialização ou validação de um documento, para um

trabalho de continuidade ao nível do seguimento da sua implementação e avaliação, em

que as OSC sejam parceiras efetivas nessa monitorização.

Organizações da Sociedade Civil:

17. Não apostar apenas na denúncia de incoerências e dos impactos negativos de algumas

ações ou políticas, mas também na identificação de soluções comuns, de sinergias que

podem ser promovidas entre ações e setores, de cenários com benefícios mútuos. Essa

ótica construtiva pode traduzir-se em propostas concretas para resolução dos problemas,

que certamente abrem canais de diálogo e podem melhorar a capacidade de influenciar a

decisão política.

18. Assumir uma postura mais pró-ativa, com a elaboração de relatórios e documentos de

posição sobre várias temáticas, cartas aos decisores políticos com objetivos claros de

advocacia, concertação de posições comuns, etc. Nomeadamente, produzir regularmente

relatórios em setores relevantes para o desenvolvimento do país, que contraponham e

complementem os relatórios apresentados pelo poder central

19. Produzir conhecimento e evidências, de forma mais sistemática, estruturada e organizada,

que permita identificar incoerências e propor soluções, através da criação de um

Observatório da CPD.

20. Em termos setoriais, apostar na criação de redes da sociedade civil sobre temas

específicos, nomeadamente promovidas pela Plataforma das ONG, que permitam a várias

organizações ter uma intervenção mais ativa e permanente no debate nacional sobre

certos temas (à semelhança da rede da sociedade civil para a segurança alimentar e

nutricional).

21. Apostar numa maior transparência e credibilidade das OSC, melhorando a sua

comunicação e informação com os decisores políticos e a população em geral.

22. Pressionar as entidades públicas para a aprovação do pacote legislativo que está há vários

anos no prelo, e que inclui o Estatuto das OSC; o registo das organizações e prestação de

contas; a criação de um fundo de apoio às OSC.

Page 69: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

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Parlamento:

23. Criar canais de comunicação mais estreitos com a sociedade civil, nomeadamente

aproveitando as TIC (emails, redes sociais, etc.). Isto pode ser promovido em diversos

momentos: numa participação pública mais alargada no processo orçamental, na

discussão parlamentar de leis importantes para o contexto de desenvolvimento do país,

no âmbito dos debates parlamentares, etc.

24. Criar dinâmicas de debate e promoção da CPD, quer em várias áreas setoriais

(potenciando e replicando as experiências de redes já existentes sobre algumas temáticas

e reforçando a mobilização de grupos de deputados sobre assuntos específicos), quer

através do da realização de debates específicos sobre CPD.

25. Encetar um diálogo regular e fazer parcerias com organizações da sociedade civil com

reconhecidas mais-valias e conhecimentos técnicos em áreas setoriais específicas.

26. Reforçar a atuação de fiscalização e monitorização da atuação governamental, utilizando

plenamente os vários instrumentos ao seu dispor.

27. Assegurar que o impacto no desenvolvimento é devidamente tido em conta nas propostas

de lei e na aprovação de instrumentos legislativos (equacionar a introdução desse critério

na formulação das leis).

Page 70: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde

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Websites para consulta de documentos oficiais:

Governo de Cabo Verde: http://www.governo.cv/

Ministério do Desenvolvimento Rural: http://www.mdr.gov.cv/

Ministério das Relações Exteriores (MIREX): http://www.mirex.gov.cv/

Assembleia Nacional: http://www.parlamento.cv/

Plataforma das ONG de Cabo Verde: http://www.platongs.org.cv/

Delegação da UE em Cabo Verde: http://www.eeas.europa.eu/delegations/cape_verde/index_pt.htm

Links úteis sobre CPD:

União Europeia https://ec.europa.eu/europeaid/policies/policy-coherence-development_en

OCDE - Plataforma sobre CPD http://www.oecd.org/pcd/

Confederação Europeia das ONG de Emergência e Desenvolvimento (CONCORD) http://www.concordeurope.org/coherent-policies

Coerência das Políticas para o Desenvolvimento www.coerencia.pt

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Entrevistas/Reuniões realizadas em Cabo Verde:

Adelina Vicente, Diretora de Cooperação, Ministério do Desenvolvimento Rural

Ana Silva e Irani Pereira, Membros dos Grupos de Trabalho do Projeto, Plataforma das ONG de Cabo Verde

António Lima e Rosário Gomes, Associação para a Defesa do Ambiente e o Desenvolvimento (ADAD) e Rede de Organizações da Pesca Artesanal (ROPA-CV)

Arnaldo Andrade, Deputado, Grupo Parlamentar PAICV

Avelino Bonifácio, Sociedade para o Desenvolvimento Turístico das Ilhas de Boavista e Maio

Eduardo Jorge Silva, Diretor de Gabinete do Ministro, Ministério das Relações Exteriores (MIREX)

Felipe Furtado, Deputado, Grupo Parlamentar MDP - por questionário escrito

Fernando Jorge, Associação Nacional de Municípios de Cabo Verde (ANMCV)

Francisca Inês dos Santos, Diretora Geral da Descentralização e Administração Local, Ministério do Ambiente, Habitação e Ordenamento do Território

Guilherme Bragança, Encarregado de Programas, Delegação da União Europeia na República de Cabo Verde

Irina Pais, Adida da Cooperação, Embaixada de Portugal em Cabo Verde

Jaime Puyoles Garcia, Coordenador Geral de Cooperação, AECID, Embaixada de Espanha em Cabo Verde

Manuel Barreto, Presidente, Associação Jovens Empreendedores de Santa Cruz

Marc de Bourcy, Encarregado de Negócios, Embaixada do Luxemburgo em Cabo Verde

Maria da Luz Monteiro, Deputada, Grupo Parlamentar PAICV - por questionário escrito

Maria Goretti Lima, Gabinete da Parceria Especial União Europeia-Cabo Verde, MIREX

Mário Moniz, Secretário Executivo, Plataforma das ONG de Cabo Verde

Tatiana Neves, Diretora Geral de Cooperação, Ministério do Ambiente, Habitação e Ordenamento do Território