Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento - Cabo Verde
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MANUAL DE COERÊNCIA DAS POLÍTICAS PARA O DESENVOLVIMENTO
CABO VERDE
Estudo promovido pelo Instituto Marquês de Valle Flôr e Plataforma das ONG’s de Cabo Verde
Fevereiro de 2015
FICHA TÉCNICA
Título: Manual de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento: Cabo Verde
Edição: Instituto Marquês de Valle Flôr e Plataforma das ONG’s de Cabo Verde
Autor: Patrícia Magalhães Ferreira
Financiamento: União Europeia e Camões - Instituto da Cooperação e da Língua, I.P.
Data: Fevereiro de 2015
Esta publicação está escrita segundo o Acordo Ortográfico.
Esta publicação foi produzida com o apoio da União Europeia. O conteúdo desta publicação é
da exclusiva responsabilidade da autora e não pode, em caso algum, ser tomada como
expressão das posições da União Europeia.
“O problema da descentralização, isto é, da aproximação cada vez
maior das instâncias de decisão política às comunidades; o problema
da proteção do ambiente; o problema da participação das
comunidades nos processos de decisão política, na participação em
orçamentos; nas escolhas fundamentais que o país tem, através de
referendos, por exemplo; mas sobretudo através da afirmação
crescente daquilo a que chamamos de sociedade civil. Deve haver um
esforço para que cada vez mais os cidadãos possam ter instrumentos
de influenciação do poder político, produzindo fluxos de ideias, de
propostas, para o interior do Estado e dos próprios partidos políticos,
assegurando em permanência a própria democraticidade do Estado”.
Entrevista de Jorge Carlos Fonseca, Presidente da República,
ao Expresso das Ilhas, 14 de Janeiro de 2015
ÍNDICE
INTRODUÇÃO............................................................................................................................ 7
Parte I - A CPD enquanto conceito e instrumento em prol do Desenvolvimento ..................... 10
1.1. A CPD como princípio, abordagem e instrumento .................................................... 10
1.2. A CPD no plano internacional e na Agenda Global de Desenvolvimento ................... 14
1.3. A CPD enquanto compromisso europeu ....................................................................... 18
1.3.1 A CPD na União Europeia ........................................................................................ 18
1.3.2. A CPD nos países europeus .................................................................................... 21
Parte II - A CPD em Cabo Verde ............................................................................................... 27
2.1 A CPD em África ............................................................................................................ 27
2.2. Os desafios do desenvolvimento em Cabo Verde e a relevância da CPD........................ 30
2.3. As políticas de cooperação e os instrumentos de CPD dos parceiros externos de Cabo
Verde: oportunidades para a participação da sociedade civil ............................................... 36
2.3.1. A Dependência externa e europeia ........................................................................ 36
2.3.2. A Ajuda ao Desenvolvimento ................................................................................. 37
2.3.3. Os mecanismos de CPD dos doadores e oportunidades para a sociedade civil cabo-
verdiana .......................................................................................................................... 43
2.4. A coerência das políticas públicas e a participação da sociedade civil cabo-verdiana .... 50
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES .......................................................................................... 63
BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................................... 70
Entrevistas/Reuniões realizadas em Cabo Verde: .................................................................... 74
LISTA DE TABELAS E FIGURAS
Figura 1: Dificuldades e Obstáculos à CPD
Figura 2: A evolução do conceito de CPD: marcos internacionais
Figura 3: A transformação e os motores de crescimento
Figura 4: Ajuda ao Desenvolvimento a Cabo Verde e Maiores Doadores
Figura 5: Desembolsos de Ajuda Orçamental
Figura 6: Intervenções dos Parceiros de Desenvolvimento por Setor (julho 2013)
Figura 7: A CPD no plano nacional
Figura 8: Visão Integrada e multissetorial da construção de barragens
Tabela 1: Instrumentos de promoção da CPD na OCDE
Tabela 2. Um exemplo de boas práticas: A Abordagem Global de Desenvolvimento – Suécia
Caixa 1. A Implementação da Agenda pós-2015: Desafios no plano nacional e subnacional, do
ponto de vista da CPD
Caixa 2. Indicadores (selecionados) de Desenvolvimento em Cabo Verde
Caixa 3. Boas Práticas a potenciar: Energias Renováveis
Caixa 4. O DECRP III como instrumento de promoção da CPD
Caixa 5. Um exemplo a analisar: AS BARRAGENS. Coerência ou Incoerência?
ACRÓNIMOS
ACP África, Caraíbas e Pacífico
ANMCV Associação Nacional de Municípios de Cabo Verde
APD Ajuda Pública ao Desenvolvimento
BCV Banco de Cabo Verde
CEDEAO Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental
CPD Coerência das Políticas para o Desenvolvimento
DECRP Documento de Estratégia de Crescimento e Redução da Pobreza
GAO Grupo de Apoio Orçamental
IDE Investimento Direto Estrangeiro
MAHOT Ministério do Ambiente, Habitação e Ordenamento do Território
MARP Mecanismo Africano de Revisão pelos Pares
MIREX Ministério das Relações Exteriores
OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico
ODM Objetivos de Desenvolvimento do Milénio
ODS Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
OMC Organização Mundial do Comércio
ONG Organização Não-Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
OSC Organizações da Sociedade Civil
PAC Política Agrícola Comum (União Europeia)
PALOP Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa
PCP Política Comum de Pescas (União Europeia)
PED Países em Desenvolvimento
PIB Produto Interno Bruto
PMA País Menos Avançado
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PRM País de Rendimento Médio
RNB Rendimento Nacional Bruto
RUP Regiões Ultraperiféricas
SEAE Serviço Europeu de Ação Externa (União Europeia)
TIC Tecnologias da Informação e Comunicação
UA União Africana
UE União Europeia
UNECA Comissão Económica das Nações Unidas para África
ZEE Zona Económica Exclusiva
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INTRODUÇÃO
Âmbito e Objetivos do estudo
Tendo por base duas constatações fundamentais – por um lado o alheamento da população
cabo-verdiana relativamente ao diálogo político e aos temas do desenvolvimento e, por outro
lado, o défice de monitorização das políticas de desenvolvimento dos vários doadores em
Cabo Verde -, o projeto “A Coerência das Políticas para o Desenvolvimento (CPD) - O desafio
para uma cidadania ativa em Cabo Verde” centra-se na introdução, promoção, análise e
aplicação da CPD enquanto instrumento de monitorização dos resultados alcançados pelos
doadores e como mecanismo de ligação entre os cidadãos e o poder político, em prol de um
desenvolvimento mais integrado e abrangente.
É neste âmbito que se insere a elaboração deste estudo, o qual tem por objetivo analisar o
impacto de várias políticas em termos de desenvolvimento, identificando incoerências e boas
práticas, de forma a contribuir para uma definição, monitorização e avaliação da coerência das
Políticas para o Desenvolvimento no contexto cabo-verdiano. Pretende-se nomeadamente,
verificar interações entre as políticas nacionais, as políticas da União Europeia e de outros
doadores, no sentido de analisar o seu conteúdo, o processo de decisão do país doador, o
papel dos vários níveis de governação em Cabo Verde e dos vários intervenientes (atores
públicos, deputados, sociedade civil). O objetivo final é contribuir para a capacitação e
mobilização da sociedade civil cabo-verdiana para uma maior monitorização da Ajuda Pública
ao Desenvolvimento (APD) e o seu impacto no desenvolvimento local, através da Coerência
das Políticas para o Desenvolvimento.
Metodologia
A metodologia seguida para elaboração deste estudo assentou em três princípios
fundamentais:
• A participação dos vários stakeholders, através da recolha das perceções dos vários
atores (nacionais e internacionais presentes no país) e numa perspetiva de garantir a
utilidade dos resultados do produto final para os diferentes intervenientes.
• O conhecimento e investigação sobre a temática central (CPD), o mais aprofundada
possível no limite de tempo disponível, e que englobou as várias vertentes deste
instrumento, as dificuldades e potencialidades da sua aplicação, as áreas setoriais mais
relevantes no contexto cabo-verdiano e as várias políticas dos doadores. Pretende-se
assim avançar um pouco mais na identificação das dificuldades e potencialidades de
desenvolvimento deste instrumento, com base numa recolha de informação
aprofundada e em evidências concretas, que possam alimentar o processo de tomada
de decisão.
• A independência da análise, uma vez que a documentação e informação recolhida é
diversificada e engloba várias perspetivas sobre o mesmo assunto. Valoriza-se assim a
perceção de cada interveniente, sem abordagens pré-concebidas ou tomadas prévias
de posição, assegurando a transparência e independência da investigação.
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A metodologia desenvolveu-se em três componentes ou fases:
− Análise documental. Recolha a análise de informação sobre o projeto (documento de
formulação do projeto, os relatórios das atividades, os estudos e outros materiais
produzidos); sobre Coerência das Políticas para o Desenvolvimento, quer no geral,
quer com especial enfoque nos relatórios e estudos existentes sobre Cabo Verde e
sobre outros países que já têm experiência com o instrumento CPD, nomeadamente os
principiais parceiros externos do país; documentação específica sobre áreas sectoriais,
como a Pesca, Agricultura e Ambiente, na perspetiva da CPD.
− Realização de entrevistas/reuniões em Cabo verde. Esta fase incluiu trabalho
preparatório (com a elaboração da lista de atores-chave, nacionais e internacionais,
para realização de entrevistas, contactos com o apoio da Plataforma das ONG de Cabo
Verde para marcação das mesmas, e a elaboração de um guião de entrevista semi-
dirigida, para aplicação no terreno, para assegurar uma recolha de informação
comparável, completa e diversificada), seguido da realização de entrevistas individuais
com um leque diversificado de intervenientes que inclui representantes dos parceiros
internacionais (essencialmente europeus), ministérios, deputados e representantes da
sociedade civil. Foram também realizados alguns questionários escritos, para incluir as
respostas de entidades fora da Cidade da Praia ou para as quais não tenha sido
possível realizar uma entrevista presencial. A lista de entidades entrevistadas
encontra-se em anexo.
− A redação do estudo, incluindo uma análise dos dados recolhidos, quer por via
primária (reuniões/entrevistas) quer secundária (fontes documentais), segundo uma
metodologia de triangulação de componentes de análise empírica e reflexão.
Devido ao caráter abrangente do tema em que se centra o estudo, bem como aos objetivos do
mesmo, a metodologia de análise centra-se essencialmente nos níveis Macro e Meso
(internacional e nacional), não havendo lugar a uma análise detalhada ao nível Micro
(nomeadamente municipal, local e comunitário).
Limitações da análise
A principal limitação encontrada está ligada à natureza e conteúdo da temática abordada, uma
vez que a CPD é, numa primeira abordagem, um conceito complexo, de difícil entendimento e
aplicação.
A análise efetuada poderia ter-se dispersado numa multiplicidade de abordagens e de grupos-
alvo, o que geraria uma fragmentação com pouca relevância e utilidade para o resultado final,
que se pretende claro, objetivo, conciso e direcionado. Isto porque a coerência das políticas
para o desenvolvimento é constituída por “camadas” que se sobrepõem, tornando o estudo da
mesma mais complexo – por exemplo, a coerência ao nível dos instrumentos internacionais, a
coerência no seio dos países doadores e entre estes, a coerência entre o plano formal/retórico
e a aplicação prática do instrumento, a coerência entre parceiros internacionais e governo
cabo-verdiano, a coerência entre os vários níveis de governação em Cabo Verde, a coerência
entre as políticas setoriais no país, a coerência entre atores governamentais e não
governamentais, e assim por diante. A análise aprofundada da maior parte destas “camadas”
consumiria tempo e recursos que não existem. Assim, este estudo constitui inevitavelmente
uma análise parcial da realidade, uma vez que foca apenas alguns aspetos da CPD, numa ótica
de poderem ser relevantes para a compreensão deste conceito e para a sua aplicação em Cabo
Verde, por parte de diversos atores.
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Uma outra dificuldade tem a ver com a identificação de boas práticas. As evidências de
incoerências são sempre muito mais claras e visíveis do que os exemplos positivos, até porque
normalmente não é realçada a existência de “coerências”. As avaliações do impacto das
políticas são ainda escassas e os inputs de conhecimento dados pela CPD são também raros ou
pouco conhecidos. Para além disso, o impacto noutras áreas é bastante mais simples e
objetivo de avaliar (p.ex. impacto ao nível ambiental) do que na área do desenvolvimento.
Não existe uma única abordagem válida para a CPD, ou seja, os sistemas e instrumentos
implementados nesta área variam bastante em função do contexto local, do ator que
implementa esse sistema, ou da política setorial que está a ser tratada. O estudo centra-se,
portanto, na identificação de alguns exemplos e pistas de atuação que possam ser relevantes
para o seu objetivo último, que é contribuir para a capacitação e mobilização da sociedade civil
cabo-verdiana para uma maior monitorização do desenvolvimento.
Estrutura
Para além da Introdução e das Conclusões/Recomendações, o manual encontra-se estruturado
em duas partes principais.
A Parte I é dedicada à Coerência das Políticas para o Desenvolvimento (CPD) enquanto
conceito e instrumento, tal como tem sido utilizado para promover o desenvolvimento à
escala global. Está dividida em três capítulos: um capítulo que explica a evolução da
abordagem teórica do conceito e da sua operacionalização prática; um segundo capítulo sobre
a CPD no plano internacional, nomeadamente analisando as suas potencialidades no âmbito
da Agenda Global para o Desenvolvimento pós-2015; e um terceiro capítulo focado na CPD na
União Europeia, fazendo uma análise de como a CPD é aplicada no quadro das políticas da
União Europeia e também no contexto nacional dos Estados Membros da UE.
A Parte II aborda a CPD na sua aplicação em Cabo Verde. Nesse âmbito, é feita uma breve
referência aos instrumentos que podem promover da CPD em África, de âmbito continental
(primeiro capítulo). São depois analisados desafios do desenvolvimento em Cabo Verde e a
relevância da CPD na conjuntura atual do país (segundo capítulo). O terceiro capítulo dedica-se
às políticas de cooperação e os instrumentos de CPD dos parceiros externos de Cabo Verde,
analisando a dependência externa e europeia do arquipélago, as tendências da ajuda ao
desenvolvimento em Cabo Verde, e os mecanismos existentes ao nível dos doadores, que
promovem a CPD e que constituem oportunidades para a participação da sociedade civil cabo-
verdiana. Por fim, aborda-se de forma geral a coerência das políticas públicas e a participação
da sociedade civil cabo-verdiana nesse contexto.
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Parte I - A CPD enquanto conceito e instrumento em prol do Desenvolvimento
1.1. A CPD como princípio, abordagem e instrumento
A Coerência das Políticas para o Desenvolvimento (CPD) baseia-se no reconhecimento de que
várias políticas setoriais - como a política agrícola, comercial, de segurança e defesa, de
alterações climáticas ou de migrações – têm um profundo impacto nos objetivos que se
pretendem atingir em termos de desenvolvimento.
Isto significa que todos os esforços em prol do Desenvolvimento, da luta contra a pobreza e da
melhoria das condições de vida das populações podem ser em vão, se forem prejudicados ou
contrariados por outras políticas com efeitos adversos. Nesse sentido, o princípio da CPD diz-
nos que as políticas nos vários setores devem contribuir ativamente para os objetivos de luta
contra a pobreza e de promoção do desenvolvimento ou, pelo menos, não prejudicarem esses
objetivos.
Isto é aplicável aos vários níveis de governação, nomeadamente:
Ao nível global
É hoje reconhecido que os benefícios da globalização estão repartidos de forma muito
desigual e que são necessários novos padrões de consumo, produção e utilização dos
recursos disponíveis no planeta. O facto de as arquiteturas mundiais em termos de
comércio, finanças e ambiente serem atualmente incoerentes em muitas das suas
dimensões, não ajuda a um aproveitamento justo e equitativo desses benefícios.
A existência de políticas globais mais justas e favoráveis aos países em desenvolvimento
poderia gerar ganhos consideráveis para o desenvolvimento mundial. Vejamos o exemplo
da política comercial: as barreiras protecionistas ao comércio continuam a distorcer as
regras da Organização Mundial de Comércio (OMC); calcula-se que as barreiras comerciais
custem a África, anualmente, cerca de 500 mil milhões de dólares, o que é cerca de dez
vezes o montante de ajuda ao desenvolvimento atribuído ao continente. Sabemos que
comércio e desenvolvimento nem sempre são absolutamente compatíveis, mas podem ser
mais coerentes através de várias medidas. Nomeadamente, a liberalização do comércio
deve respeitar as condições sociais e ambientais estabelecidas, por exemplo, nas normas da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) e estas referências devem ser incluídas nos
acordos da OMC, para evitar o dumping social e ambiental.
O mesmo pode ser analisado no que respeita às políticas globais sobre alterações
climáticas, sobre segurança internacional, sobre fluxos ilícitos de capital, sobre agricultura,
sobre biocombustíveis e energia, entre outras. Num mundo globalizado e interdependente,
a composição do sistema de governação global, a participação nos fóruns de alcance global
e as políticas aí definidas são fundamentais para influenciar os resultados no plano do
Desenvolvimento.
Ao nível das relações entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento
Se os fluxos de ajuda ao desenvolvimento têm por objetivo a promoção do
desenvolvimento nos países a que se destinam, eles não são suficientes, por si só, para
acabar com a pobreza e gerar crescimento, podendo esses esforços serem potenciados ou
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anulados por outros interesses sectoriais. Um exemplo de uma política incoerente, neste
caso, é um país conceder ajuda ao desenvolvimento para apoiar o reforço do setor agrícola
num pais em desenvolvimento, enquanto, simultaneamente, existem barreiras à
exportação dos produtos agrícolas desse país, e/ou esses agricultores têm de competir com
uma produção agrícola fortemente subsidiada no país doador.
No âmbito do Desenvolvimento, os países doadores serão cada vez mais avaliados não
apenas pela ajuda ao desenvolvimento, mas principalmente pelo seu contributo mais
alargado para esse objetivo1, o que implica uma análise das suas políticas e acordos
celebrados em matérias tão diversas como as pescas, as migrações, o ambiente, a energia,
entre outros. Este aspeto será aprofundado no capítulo seguinte, no que respeita às
políticas europeias.
Ao nível local/nacional
A promoção da coerência entre políticas públicas deve ser, em primeiro lugar,
responsabilidade nacional. No entanto, para os países e os seus governos, a redução da
pobreza é um entre muitos outros objetivos – tais como melhorar a segurança, aumentar a
competitividade nacional, etc. – que podem ser considerados prioritários. O equilíbrio entre
os interesses de vários grupos de interesse, internos e externos, nem sempre é fácil ou
simples.
Dentro dos países, as políticas públicas prosseguidas podem ser guiadas por outros
interesses que prejudicam o objetivo de Desenvolvimento, podendo existir ações
claramente incoerentes que acabam por ter custos importantes e impactos negativos nas
condições de vida das populações. As várias políticas setoriais ao nível nacional devem, por
isso, ser avaliadas numa ótica de terem contribuído – ou não – para o desenvolvimento do
país e das populações.
Isto é ainda mais relevante nos países onde vigoram programas de ajuda internacional ao
desenvolvimento, já que os decisores políticos têm a responsabilidade acrescida de
negociar acordos e aprovar programas dos “doadores” que contribuam efetivamente para
o desenvolvimento do seu país e não tenham impactos negativos nos beneficiários dessa
ajuda. Para além disso, as políticas nacionais devem ser consistentes com os compromissos
assumidos por cada país no plano internacional.
A CPD pode ser, assim, uma abordagem que ajuda a integrar as várias dimensões do
desenvolvimento sustentável – económica, social, ambiental – em todas as fases do processo
de decisão das políticas, seja ao nível nacional, regional ou internacional.
Tal como definido pela OCDE, a coerência é um ciclo que envolve 3 níveis:
(i) Definição dos objetivos e compromissos políticos;
(ii) Implementação através de mecanismos de coordenação e de identificação
sistemática das incoerências;
(iii) Monitorização e análise do impacto que as várias políticas têm no
desenvolvimento, através do seguimento, informação e comunicação.
1 Um exemplo de instrumento de medição desse contributo alargado para o desenvolvimento é o Índice de Compromisso para o Desenvolvimento, elaborado pelo Center for Global Development desde 2003, que publica anualmente um ranking onde quantifica sete áreas de intervenção dos países desenvolvidos que afetam o bem-estar das pessoas em todo o mundo: quantidade e qualidade da ajuda ao desenvolvimento, comércio, finanças, migrações, ambiente, segurança e tecnologia. Mais informações em: http://www.cgdev.org/initiative/commitment-development-index/index
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Significa isto que os países devem tomar medidas para melhorar a coerência em cada um
destes pilares.
No âmbito do compromisso político, incluem-se medidas legislativas ou conceção de
estratégias de desenvolvimento que promovam ativamente a CPD. Relativamente aos
mecanismos de coordenação, são exemplos a criação de grupos interministeriais e fóruns
técnico-políticos, de mecanismos de financiamento que agregam várias áreas, ou a
constituição de uma rede de pontos focais para a CPD nos vários setores. No terceiro pilar,
sobre os sistemas de acompanhamento, análise e comunicação da informação, são exemplos a
existência de relatórios anuais dos Parlamentos nacionais sobre CPD, a elaboração de
indicadores e ferramentas de avaliação das ações, ou a parceria com instituições académicas e
da sociedade civil para a procura de dados e evidências e para a realização de estudos de
impacto.
Vários estudos têm apontado para a existência de dificuldades e obstáculos em cada um deste
níveis, os quais estão resumidos na Figura seguinte.
Figura 1: Dificuldades e Obstáculos à CPD
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Entre os obstáculos identificados estão, assim, a fraca visibilidade ou atenção pública que é
conferida a esta temática, os recursos insuficientes (humanos e materiais), a existência de
interesses divergentes, a dispersão por várias políticas, ou a inexistência de estruturas
adequadas para veicular e integrar os conhecimentos adquiridos – e assim poder ter uma real
influência nas tomadas de decisão e na promoção da coerência.
O maior obstáculo à promoção da CPD, que está subjacente a todo este enquadramento, é a
falta de vontade política. Ou seja, é errado abordar a Coerência como se fosse uma questão
meramente técnica, que se concretizará se existirem os mecanismos e instrumentos
adequados, sem equacionar a variável política. Ao exigir a conciliação de interesses, muitas
vezes divergentes ou em competição entre si, a Coerência normalmente implica soluções de
compromisso e é uma questão de natureza eminentemente política, que não avança se não
existir uma vontade e liderança fortes, no sentido de direcionar as políticas e ações para que
sejam coerentes com o processo de Desenvolvimento. Se isso acontecer, as soluções técnicas
serão mais facilmente encontradas e libertados os recursos adequados; não o contrário2.
Essa falta de vontade e liderança políticas pode resultar de estratégias ou escolhas
deliberadas, pelo facto de o desenvolvimento estar subordinado a outros interesses. Como
refere uma expressão conhecida em inglês, “a política interessa mais do que as políticas”
(politics matters more than policies). Mas pode também derivar da simples falta de
conhecimento e sensibilização. Muitas vezes, apenas os meios ligados à cooperação e à ajuda
ao desenvolvimento estão conscientes do que é a CPD e da necessidade de a promover,
enquanto nos outros setores há um grande desconhecimento sobre o que significa. Nesse
sentido, é necessário criar uma verdadeira pedagogia sobre o modo de integrar a CPD nos
diferentes domínios da ação política, junto de vários setores e intervenientes.
Enquanto instrumento, a CPD dá-nos a oportunidade de compreender melhor as barreiras ao
desenvolvimento, bem como as implicações que os desafios globais têm nos planos
económicos, social e ambiental e as interligações entre estas áreas. No plano operacional, a
CPD permite analisar e verificar se as diversas medidas políticas são concebidas e
implementadas de uma forma harmonizada e coerente com o Desenvolvimento, e se os
resultados obtidos não lesam o processo de desenvolvimento ou, pelo contrário, criam efeitos
que impactam negativamente na prossecução dos objetivos desejados. Ou seja, a CPD deve
servir para prevenir incoerências, detetá-las quando acontecem, e reverte-las ou resolvê-las
em prol do desenvolvimento.
Para que seja utilizada como instrumento útil para a mudança, são essenciais três passos:
Conhecer. É preciso ter um conhecimento aprofundado do contexto local e das
temáticas que se pretendem abordar, para que seja possível fazer um trabalho
objetivo e independente de análise das coerências e incoerências. Essas coerências e
incoerências devem ser baseadas em provas e dados concretos, focados nos
resultados.
Monitorizar. É preciso fazer um seguimento continuado e sistemático das políticas
públicas, para que se possam ir analisando as coerências e incoerências ao longo do
tempo, o que também permite ter uma perspetiva mais de médio e longo prazo, que é
essencial para criar um corpo crítico de conhecimento sobre as incoerências (por
2 Keijzer, N. (2012).
14
exemplo identificando a repetição de erros, a duplicação de iniciativas, etc.) e extrair
lições aprendidas.
Agir. É preciso que a identificação de incoerências resulte numa postura ativa de
debater as questões, de tentar incluir os assuntos nas agendas políticas, e de
denunciar, numa ótica construtiva de contribuir para melhorar as políticas e ações em
prol do desenvolvimento. Os passos anteriores – conhecer e monitorizar – só fazem
sentido se forem traduzidos em ações, em fazer passar as mensagens e ter alguma
capacidade de influência.
Estes passos só são concretizáveis se existirem, por um lado, vontade e capacidade dos atores
se mobilizarem - para conhecer, monitorizar e agir -, e, por outro lado, mecanismos e
instrumentos adequados para veicular esse conhecimento e ação, influenciando e alimentando
as decisões políticas.
1.2. A CPD no plano internacional e na Agenda Global de Desenvolvimento
A CPD é atualmente reconhecida como uma necessidade, considerada como um instrumento
de política global, e encarada como processo que visa integrar as várias dimensões do
desenvolvimento no processo de conceção e implementação das políticas. Este conceito tem
vindo a ganhar relevo nos debates internacionais, essencialmente devido a 4 fatores:
a) As mudanças na arquitetura mundial em termos económicos e de
desenvolvimento. Por um lado, as alterações nos polos de crescimento trazem
novos atores, novas fontes de financiamento, de crescimento e de inovação,
aumentando a complexidade e fragmentação do sistema internacional. Por outro
lado, o aumento das desigualdades, dentro e entre países, alerta para a
necessidade de repensarmos as abordagens convencionais ao Desenvolvimento.
Neste contexto, não faz sentido “dar com uma mão e tirar com a outra”, já que
essa contradição acaba por se verificar nas incoerências entre políticas: as
incoerências têm custos, nomeadamente custos económicos.
b) O reconhecimento de que a promoção do Desenvolvimento vai muito para além
da luta contra a pobreza e que outros desafios – demográficos, de segurança, de
ambiente – são eles próprios desafios de Desenvolvimento, cada vez mais globais
e interdependentes. As múltiplas crises da última década – financeira, económica,
alimentar, energética – demonstraram que os desafios de desenvolvimento têm
implicações para todos, sejam países desenvolvidos ou em desenvolvimento. As
incoerências significam que a resposta a esses desafios é desadequada; a
coerência é, portanto, uma necessidade.
c) O contexto internacional de globalização, em que se esbate a distinção entre a
dimensão interna e externa das políticas, ou seja, em que as políticas locais,
internas ou nacionais têm cada vez mais impacto no plano externo e global e vice-
versa. A procura de respostas mais coerentes e coordenadas assume-se como uma
necessidade para os países a múltiplos níveis: local, nacional, regional, global.
d) O enfoque acrescido na qualidade e eficácia do Desenvolvimento, numa altura em
que os orçamentos destinados à cooperação para o desenvolvimento, dos
chamados “doadores tradicionais” (ocidentais, e particularmente europeus),
sofrem uma pressão considerável. Se procuramos cada vez mais a eficácia das
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ações, é preciso ser mais coerente, já que as políticas incoerentes são ineficientes
e ineficazes.
Alguns dos principais marcos da adoção da CPD no plano internacional são apresentados
na Figura seguinte:
Figura 2: A evolução do conceito de CPD: marcos internacionais
Como ilustrado pela cronologia, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Económico (OCDE) tem liderado, em boa medida, os esforços de inclusão da CPD como fator-
chave de promoção do Desenvolvimento. Os principais instrumentos desenvolvidos por esta
instituição estão resumidos na tabela seguinte.
Tabela 1: Instrumentos de promoção da CPD na OCDE
Ação para uma
Agenda de
Desenvolvimento
Comum (2002)
Declaração que apela a OCDE a “reforçar o entendimento das dimensões de
desenvolvimento das políticas dos países membros e dos seus impactos nos países em
desenvolvimento (…)” e encoraja uma maior coerência das políticas para apoiar os
objetivos de desenvolvimento acordados pela comunidade internacional.
http://www.oecd.org/dac/oecdactionforashareddevelopmentagenda.htm
Revisão pelos
Pares – CAD/OCDE
(desde 2002)
CPD é parte integrante das Peer Reviews do CAD, ou seja, da avaliação periódica que é
feita da política de cooperação para o desenvolvimento de cada país membro do CAD.
http://www.oecd.org/dac/peer-reviews/
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Declaração
Ministerial sobre
CPD (2008)
Esta declaração é um compromisso político e reforça a CPD enquanto componente
chave na promoção do desenvolvimento à escala mundial para o alcance dos ODM.
Reitera a necessidade de diálogo com os países em desenvolvimento e apela a uma
maior coordenação internacional para assegurar que os benefícios da globalização são
amplamente partilhados.
http://www.oecd.org/officialdocuments/publicdisplaydocumentpdf/?doclanguage=en&cote
=C/MIN(2008)2/FINAL
Recomendação do
Conselho sobre
Boas Práticas
Institucionais na
Promoção da CPD
(2010)
A Recomendação encoraja os Estados membros da OCDE a promoverem a CPD e
traduz um compromisso político relativamente a tornar a CPD uma prática,
desenvolvendo-se trabalho para analisar os impactos das políticas nacionais nos
esforços de desenvolvimento globais.
https://community.oecd.org/docs/DOC-32778
Enquadramento
Político para a CPD
(2010)
Uma ferramenta de auto-avaliação que fornece orientações aos decisores políticos no
que respeita a promoção e avaliação/ análise da CPD.
https://community.oecd.org/docs/DOC-32662
Estratégia de
desenvolvimento
(2012)
A CPD é um dos principais objetivos desta Estratégia, aprovada a nível ministerial.
Enfatiza a necessidade de fortalecer as capacidades dos Estados membros no que toca
o desenvolvimento de políticas consistentes com o desenvolvimento. Define 3 áreas
prioritárias: segurança alimentar, fluxos financeiros ilícitos, e “crescimento verde”.
http://www.oecd.org/pcd/OECD_Strategy_on_Development.pdf
Fonte: Adaptado a partir de “Ferramentas de Promoção e Avaliação da CPD, Ebba Dohlman – OCDE,
Conselheira Sénior da Coerência das Políticas para o Desenvolvimento.
Sendo a OCDE encarada, em grande medida, como “o Clube dos Ricos”, no sentido em que
agrega as economias mais desenvolvidas, corre-se o risco de pensar que a CPD é um conceito
promovido apenas pelos países doadores e cuja aplicação só a estes diz respeito. No entanto,
mesmo dentro da OCDE, o pensamento sobre a CPD tem evoluído no sentido de envolver cada
vez mais os países em desenvolvimento e alargar a aplicação da CPD nestes países. Assim, o
entendimento é que, cada vez mais, a participação dos países em desenvolvimento é essencial
quer no diálogo internacional sobre esta matéria, quer para veicularem a sua própria
experiência com as incoerências ou boas práticas existentes.
Isto interliga-se com o debate global sobre a Eficácia do Desenvolvimento. A “Parceria de
Busan para uma Cooperação para o Desenvolvimento Eficaz” (2011) foi assinada pelos
membros da OCDE, por países em desenvolvimento, doadores privados e por países influentes
que não são membros da OCDE, como a China e o Brasil, e reconhece a importância da
coerência: “() é essencial examinar a interdependência e coerência de todas as políticas
públicas – não apenas das políticas de desenvolvimento – para que os países possam
aproveitar totalmente as oportunidades disponibilizadas pelo comércio e investimento
internacionais, e expandir os seus mercados internos de capitais.” Embora países como a China
se tenham vinculado apenas parcialmente aos acordos feitos em Busan (a declaração salienta
que estes países implementarão os acordos numa base voluntária), Busan é encarado por
17
muitos como um passo importante numa transição gradual da eficácia da ajuda para a eficácia
do desenvolvimento.
A CPD tem feito também o seu caminho de afirmação na Agenda Global para o
Desenvolvimento. No quadro dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), apenas o
ODM 8 – implementar uma Parceria Global para o Desenvolvimento, salientava a necessidade
de ter em conta, por exemplo, as questões comerciais e de abertura dos mercados, ou os
compromissos internacionais em matéria de ajuda ao desenvolvimento. Foram afetados
recursos para monitorizar os progressos das políticas e programas nos países em
desenvolvimento, mas não foi feito um esforço similar para monitorizar a melhoria das
políticas dos países desenvolvidos.
Na negociação de uma nova Agenda Global para o Desenvolvimento pós-2015, que será
previsivelmente aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Setembro de 2015, o
processo e os assuntos abordados têm sido substancialmente diferentes.
Em primeiro lugar, a definição dos novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) tem
sido um processo muito mais alargado e participado do que tinham sido os ODM. Através de
um processo longo de consultas e debates, tentou-se recolher e integrar as perspetivas dos
mais variados atores, governamentais e não governamentais, para que a agenda seja
efetivamente apropriada por diversos setores das sociedades.
Em segundo lugar, a agenda assume o objetivo de ser transformadora e abrangente, incluindo
aqueles que se consideram ser, no mundo de hoje, os principais desafios ao Desenvolvimento
nas suas três dimensões: económica, social e ambiental. Isto significa que, nos 17 ODS
propostos, estão presentes questões tão variadas como a agricultura sustentável, a energia, o
trabalho digno, os padrões sustentáveis de produção e consumo, as alterações climáticas, a
preservação dos ecossistemas e a biodiversidade, a paz e o Estado de Direito3. Nesse sentido, a
própria agenda será a expressão de uma maior coerência para o desenvolvimento, assumindo
o contributo de várias áreas para esse objetivo. A sua implementação também exigirá uma
maior consistência e coordenação entre várias áreas setoriais, uma vez que as diferentes
políticas e objetivos estão interligados e implicam abordagens mais integradas e abrangentes.
Em terceiro lugar, a melhoria da CPD constitui mesmo uma meta específica, dentro do ODS 17:
“Reforçar os meios de implementação e revitalizar a parceria global para um desenvolvimento
sustentável”. Isto vai de encontro ao que tem sido defendido, por exemplo, pela União
Europeia, nas suas posições sobre o pós-2015, onde afirma a necessidade de intensificar
esforços para levar a cabo políticas coerentes a todos os níveis (nacional, regional e mundial)4.
Em quarto lugar, a nova agenda de desenvolvimento será de aplicação universal, o que
significa que todos os países, desenvolvidos e em desenvolvimento, terão de a implementar
consoante o seu nível de desenvolvimento e realidades nacionais, definindo prioridades,
medidas e indicadores para atingir os objetivos e metas propostas. Nesse sentido, cada país
terá de investir em melhorar a coerência de um conjunto de políticas, práticas, instituições e
recursos, para criarem o ambiente nacional propício para implementarem a Agenda de
3 Ver a proposta dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 2015-2030 em https://sustainabledevelopment.un.org/focussdgs.html .
4 Na Comunicação “Uma Vida Digna para Todos: Passar da Visão à Ação Coletiva”, afirma-se, por exemplo, que “Todos os parceiros dos países desenvolvidos e em desenvolvimento são incentivados a promover uma ação coerente e a rever, se necessário, as suas políticas, a fim de assegurar a sua compatibilidade com os esforços em matéria de erradicação da pobreza e de desenvolvimento sustentável enquanto contributo importante para a concretização do quadro mundial”.
18
Desenvolvimento Global. A CPD poderá ser aqui um instrumento importante, utilizado pelos
diversos intervenientes (incluindo a sociedade civil) na discussão, aprovação e implementação
dos planos nacionais e subnacionais, em todos os países.
Relativamente à sociedade civil, é importante referir o facto de várias redes e organizações da
sociedade civil do chamado “Norte”, nomeadamente na Europa, utilizarem já a CPD para
monitorização das políticas. Um dos exemplos mais evidentes é a Confederação Europeia de
ONG de Emergência e Desenvolvimento - CONCORD5, que desenvolve um trabalho sistemático
de monitorização do impacto das políticas europeias nos países em desenvolvimento. No
entanto, existem também oportunidades importantes para a sua aplicação deste instrumento
no chamado “Sul”. Nos países em desenvolvimento, em geral, há um crescimento da classe
média e dos níveis educacionais, as pessoas estão a ficar mais sensibilizadas para os seus
direitos e a sociedade civil começa a ter maior capacidade de reivindicação e de
responsabilização dos decisores políticos, assumindo um papel mais ativo de “watchdog” no
sentido de contrabalançar o exercício do poder.
1.3. A CPD enquanto compromisso europeu
1.3.1 A CPD na União Europeia
A União Europeia é a única região do mundo onde há uma obrigação legal de
responsabilização pelo impacto das políticas europeias nos países em desenvolvimento. A CPD
é simultaneamente uma obrigação legal e um compromisso político dos Estados-membros:
Para além dos “3C” – Coordenação, Coerência e Complementaridade - reconhecidos
logo em 1992 no Tratado de Maastricht (artº. 130v), o Tratado de Lisboa (2009) afirma
que “a União tomará em consideração os objetivos da cooperação para o
desenvolvimento nas políticas que são implementadas que podem afetar os países em
desenvolvimento” (artº.188D). Mais especificamente, afirma que “a política da União
em matéria de cooperação para o desenvolvimento e as políticas dos Estados-
Membros no mesmo domínio completam-se e reforçam-se mutuamente”, e que “na
execução das políticas suscetíveis de afetar os países em desenvolvimento, a União
tem em conta os objetivos da cooperação para o desenvolvimento” (art.208, alínea 1 e
2).
A CPD é um compromisso assumido perante os parceiros de desenvolvimento, já que
o Acordo de Cotonou (2000) entre a União Europeia e os Estados de África, Caraíbas e
Pacífico (ACP) refere a coerência das políticas comunitárias e o seu impacto na
execução do Acordo de Parceria (art.12). É introduzido um procedimento de consulta
sobre a coerência das políticas comunitárias, em que a Comunidade europeia é
convidada a informar ‘atempadamente’ os Estados ACP sobre as medidas que
5 Mais informações em http://www.concordeurope.org/coherent-policies. A CONCORD publica um relatório bienal neste âmbito: o relatório de 2013, que aborda especificamente o financiamento do desenvolvimento, a segurança alimentar, as alterações climáticas e os recursos naturais, pode ser consultado em http://www.concordeurope.org/publications/item/259-spotlight-on-eu-policy-coherence-for-development
19
pretende tomar “que possam afetar os interesses dos Estados ACP”; tal solicitação de
informação poderá também ser feita pelos próprios países ACP.
Várias resoluções do Conselho de Ministros para as Relações Externas da União
Europeia insistem na relevância da CPD para afirmar a credibilidade da UE enquanto
ator global, salientam a necessidade de discussões políticas regulares sobre o tema e
apelam a uma abordagem de CPD mais direcionada, operacional e centrada nos
resultados (Conclusões do Conselho em 2009, 2012, 2013). Por exemplo, as
Conclusões do Conselho sobre o apoio a países em desenvolvimento para lidarem com
a crise económica e financeira global, sublinham a importância da CPD e a importância
de assegurar que as medidas tomadas pela Europa para combater à crise têm em
consideração o impacto nos países em desenvolvimento.
A Agenda para a Mudança (2011), que é o documento político de orientação da
Política Europeia de Desenvolvimento, refere a necessidade das relações externas da
UE reforçarem a CPD, nomeadamente através de novos programas temáticos que
criem sinergias entre os interesses globais e a redução da pobreza.
A posição europeia para a agenda de desenvolvimento pós-2015 (aprovada pelo
Conselho em Dezembro de 2014) salienta a CPD como fundamental para a promoção
do desenvolvimento, nomeadamente as sinergias e interligações entre objetivos e
metas. Apela a todos os países que analisem e avaliem as suas políticas, salientando
em particular a importância de políticas adequadas nos setores do comércio, ciência,
migrações, tecnologia e inovação e partilha de conhecimento.
Relativamente à monitorização, o programa de trabalho sobre CPD (2010-2013) é uma
base de trabalho e os relatórios de acompanhamento são publicados com
periodicidade bienal desde 20076. O Parlamento Europeu tem, desde 2010, um
Relatório Permanente sobre CPD. A Comissão Europeia tem a obrigação de realizar
avaliações prévias de impacto sobre os regulamentos ou políticas da EU em termos
económicos, sociais e ambientais, incluindo desde 2009 os impactos nos países em
desenvolvimento.
A CPD passou a ser um elemento fundamental da programação da cooperação da UE
com os países parceiros, no período 2014-2020, segundo as instruções de
programação do Fundo Europeu para o Desenvolvimento (FED) e do Instrumento de
Cooperação para o Desenvolvimento, as quais devem ser aplicadas pelas Delegações
da União Europeia no mundo.
Em 2005, o Consenso Europeu para o Desenvolvimento definiu 12 áreas sectoriais onde se
devem centrar os esforços de coerência7, tendo posteriormente sido estabelecido um enfoque
especial em cinco setores: alterações climáticas, comércio e finanças, segurança alimentar,
migrações e segurança.
Praticamente todas as políticas da UE têm uma dimensão externa, pelo que devem ser
concebidas e implementadas tendo em consideração esses impactos. Em termos formais e
concetuais, isto é algo consensual nos meios europeus, mas na prática são evidentes os
desafios e dificuldades em ultrapassar os conflitos de interesses entre as diferentes políticas da
6 O último relatório foi publicado em 2013, estando disponível em: https://ec.europa.eu/europeaid/sites/devco/files/pcd-report-2013_en.pdf
7 As 12 áreas são: comércio; ambiente; alterações climáticas; segurança; agricultura; pescas; dimensão
social da globalização; migrações; inovação e pesquisa; sociedade da informação; transportes; energia.
20
União, as contradições destas com as políticas bilaterais dos Estados Membros, e ainda em
conciliar essas políticas com as necessidades de desenvolvimento.
Assim, apesar de evoluções ao nível concetual, muito há ainda a fazer para potenciar as boas
práticas e para que exista uma resposta efetiva às incoerências identificadas. Essas
incoerências e inconsistências da política externa europeia em diversos setores são cada vez
mais reconhecidas, incluindo em vários estudos europeus ou promovidos pela União Europeia.
Em termos de mecanismos e instrumentos europeus, se analisarmos o enquadramento
institucional da CPD, facilmente se conclui pela inexistência de uma real capacidade de
prevenir, detetar e corrigir políticas que sejam incoerentes com o objetivo de erradicação da
pobreza no mundo8. Das avaliações prévias de impacto das regulamentações ou políticas
europeias, efetuadas pela Comissão Europeia, só uma pequena minoria inclui alguma
referência ao impacto nos países em desenvolvimento.
O próprio Parlamento Europeu salienta, a este propósito, que “o atual quadro europeu do
desenvolvimento carece de mecanismos eficazes na prevenção ou correção das incoerências
resultantes das políticas prosseguidas pela União” e, nesse sentido formula recomendações
concretas para melhoria da CPD no âmbito das políticas europeias, cujo conhecimento é
importante também para os atores dos países em desenvolvimento:
− Recorda a importância do papel do Serviço Europeu para a Ação Externa na aplicação
da CPD, em particular o papel das delegações da UE na supervisão, no
acompanhamento e na promoção de consultas e do diálogo com as partes
interessadas e os países parceiros sobre os impactos das políticas da UE nos países em
desenvolvimento; salienta que é necessário um debate mais alargado com todas as
partes interessadas relevantes, tais como as ONG e as organizações da sociedade civil
(OSC);
− Insta a Comissão Europeia a realizar regularmente avaliações ex post independentes
do impacto do desenvolvimento das principais políticas, tal como solicitado pela
Comissão; salienta a necessidade de melhorar o sistema de avaliação de impacto da
Comissão, visando explicitamente a CPD e garantindo que o desenvolvimento
constitua o quarto elemento central da análise, juntamente com os impactos
económicos, sociais e ambientais;
− Chama a atenção para a necessidade da criação de um mecanismo independente no
seio da União que recolha e analise formalmente as queixas apresentadas por
cidadãos ou comunidades afetados pelas políticas da UE.
Para além destas recomendações, também o exame à Cooperação Europeia para o
Desenvolvimento, efetuado pelo Comité de Ajuda ao Desenvolvimento da OCDE em 2012,
conclui pela necessidade de um envolvimento sistemático e de alto-nível, no Conselho, no
Parlamento Europeu, na Comissão Europeia e no Serviço Europeu de Ação Externa. Por
exemplo, o novo Relator para a CPD, criado recentemente pelo Parlamento Europeu, pode
identificar incoerências nas políticas europeias e assegurar que os efeitos da legislação
europeia nos países em desenvolvimento são devidamente tidos em consideração no processo
legislativo. Para melhorar a coerência, a OCDE recomenda também que sejam simplificados
procedimentos e que as delegações da UE nos países em desenvolvimento tenham um poder
8 Isto é reconhecido nos vários relatórios bienais sobre Coerência das Políticas para o Desenvolvimento (2007, 2009, 2011, 2013), nas Resoluções do Parlamento Europeu sobre CPD, nas análises efetuadas por organismos independentes ou em estudos promovidos pela UE (p.ex. ECDPM) e nos relatórios de diversas organizações da sociedade civil europeia (p.ex. CONCORD)
21
de decisão cada vez mais reforçado. Estas delegações têm atualmente competências na área
da CPD, mas o seu papel na monitorização dos compromissos europeus está ainda
subvalorizado.
Um dos aspetos também a salientar é a dificuldade da coerência entre as políticas
comunitárias, assumidas pela União Europeia, e as políticas bilaterais prosseguidas pelos
Estados-Membros. É de referir, por exemplo, que a adesão ao programa de trabalho sobre
CPD, da Comissão Europeia, é feita numa base voluntária e depende das prioridades políticas
dos Estados Membros.
Por outro lado, em termos de divisão de competências, enquanto a UE tem competências
exclusivas em determinadas áreas que afetam os países em desenvolvimento (p.ex. Comércio),
noutras áreas setoriais as competências são partilhadas entre a UE e os seus Estados Membros
(p.ex. ambiente, agricultura, energia). As posições negociais e os contributos dos Estados
Membros também influenciam os processos de decisão na UE e, em última análise, as políticas
europeias. Assim, o sistema legal e institucional europeu tem uma grande complexidade, pelo
que é essencial assegurar uma maior coesão entre as instituições europeias e os Estados-
membros, sob pena de a ação europeia para o desenvolvimento global ser fragmentada,
incoerente e com poucos reflexos positivos na melhoria das condições de vida das populações
mais desfavorecidas.
1.3.2. A CPD nos países europeus
A agenda global de Desenvolvimento para o pós-2015 abrangerá uma grande variedade de
políticas setoriais e terá previsivelmente com um carácter universal. Isto significa que os países
europeus (e todos os países) terão também de trabalhar no sentido de conceber e
implementar planos nacionais de implementação dessa agenda, tentando coordenar da
melhor forma as políticas, instituições, capacidades e recursos para avançar nas metas de
desenvolvimento. Tal implica, necessariamente, melhorias na governação e uma promoção
mais sistemática da coerência entre políticas. A Caixa seguinte reproduz o texto da recente
Comunicação da Comissão Europeia sobre a Agenda pós-2015, no que tem a ver com o
contexto nacional de cada país.
Caixa 1
A Implementação da Agenda pós-2015: Desafios no plano nacional e subnacional, do ponto
de vista da CPD9
“Ao nível nacional, todos os governos, em consulta com os cidadãos, terão de decidir como contribuirão
para a realização dos objetivos e metas, tendo em consideração a necessidade de abranger todos os
membros da sociedade, particularmente os mais vulneráveis. É essencial o envolvimento pleno da
sociedade civil (…).
9 Este texto é aqui reproduzido por se considerar que tem aspetos relevantes também para o contexto nacional cabo-verdiano, uma vez que todos os países terão de tomar medidas para implementarem a Agenda pós-2015 no plano nacional, sendo a CPD um instrumento útil nesse sentido. A tradução do texto citado para português é da responsabilidade da autora.
22
Para a implementação ao nível nacional e subnacional, cada país necessita de um quadro legislativo e
regulamentar eficaz para atingir os objetivos das políticas definidas. Os países devem promover
instituições eficazes e com capacidade de resposta, sistemas e políticas transparentes, e prestação de
contas aos seus cidadãos através de processos democráticos, baseados no Estado de Direito. Isto
engloba quadros legais previsíveis e justos, que promovam e protejam os direitos humanos, as normas
laborais fundamentais e o ambiente, e assegurem a gestão sustentável dos recursos naturais. Requer,
igualmente, um ambiente estável e propício ao setor privado, incluindo condições equitativas de
concorrência e investimentos sustentáveis. A implementação e cumprimento das leis é crucial,
nomeadamente no combate a atividades ilegais, remoção de barreiras à implementação, reforçar a
capacidade de fazer cumprir a lei, e aumentar a sensibilização pública, para que os vários atores possam
exigir responsabilidades ao governo e às autoridades. (…)
A boa governação requer sistemas eficazes de orçamentação, afetação de recursos e monitorização da
despesa. Estes sistemas devem ser totalmente transparentes e abertos ao público em geral, para
encorajar uma tomada participativa de decisões e o envolvimento do setor privado, e para combater a
corrupção. Políticas macroeconómicas eficazes são essenciais para assegurar que os recursos
necessários são angariados e gastos efetivamente de acordo com os objetivos dos ODS. (…)
A coerência das políticas está no centro de um ambiente realmente favorável ao desenvolvimento. Para
que a parceria global tenha sucesso, todas as políticas ao nível nacional e subnacional devem
contribuir de forma coerente para a realização dos ODS, tanto no plano interno, como internacional.
Deve ser tido em conta o papel preponderante de vários setores, como a agricultura, a energia ou a
saúde, no contributo para uma série de objetivos e metas. As medidas políticas que ajudem a criar e
promover o acesso ao trabalho digno, com proteção social adequada e sustentável, bem como as
medidas de facilitação do investimento em capital humano por via da educação e da formação, são
especialmente relevantes. Continua a ser fundamental uma resposta à desigualdade e à exclusão social,
particularmente entre os mais vulneráveis, como as mulheres, crianças, idosos e pessoas com
deficiência. (…) a coerência das políticas implica também a existência de mecanismos de coordenação
adequados, para o diálogo entre vários atores, bem como a monitorização e avaliação das políticas e
dos seus resultados.”
Comissão Europeia, A Global Partnership for Poverty Eradication and Sustainable Development after
2015, Fevereiro de 2015.
No que respeita aos Estados Membros da União Europeia, importa também analisar as boas
práticas na implementação da CPD, nomeadamente nos países europeus que são também os
principais parceiros externos de Cabo Verde em termos de ajuda ao desenvolvimento10.
É necessário salientar que não existe uma abordagem única ou que funcione em todos os
países. “A natureza única do processo político e de tomada de decisão em cada país excluem a
possibilidade de copiar as experiências bem sucedidas de um país para outro. Mecanismos
com sucesso na Alemanha não funcionam na França e vice-versa”11.
10 Este estudo foca apenas alguns exemplos de como os países europeus estão a implementar a CPD. Para uma análise aprofundada e completa de vários países, ver por exemplo OCDE (2014): Better Policies for Development; Jeske van Seters et al (2015): Use of PCD indicators by a selection of EU Member States; ECDPM (2012): Measuring Policy Coherence for Development; ou Instituto Marquês de Valle Flor (2012): EU member states on the road towards more Policy Coherence for Development.
11 Keijzer, N. (2012).
23
No essencial, muitos países reconhecem a importância da CPD ao nível político e público, mas
existem problemas na tradução destes acordos em resultados concretos. Isto pode ser
explicado, principalmente, pelos obstáculos políticos e pela importância atribuída ao
desenvolvimento global e à cooperação para o desenvolvimento na hierarquia das políticas
públicas, competindo com outros interesses nacionais e de política externa. No geral, as
dificuldades são similares às já enunciadas para a União Europeia, como o facto de a CPD ser
identificada com os atores do desenvolvimento, havendo ainda muito a fazer para chegar aos
intervenientes de outras áreas setoriais que têm grande influência no desenvolvimento.
Os sistemas de CPD e a forma como são operacionalizados variam consideravelmente. Em
vários países europeus, a CPD continua a ser encarada como um conceito complexo, que diz
respeito apenas aos que trabalham na área do desenvolvimento, não existindo qualquer
mecanismo que permita reportar à Assembleia da República ou analisar de forma sistemática
os impactos que as várias políticas podem ter no desenvolvimento global. Noutros países,
foram já desenvolvidos esforços mais concretos para integrar a CPD nos processos de tomada
de decisão, nas políticas setoriais e na cooperação para o desenvolvimento. Assim, são
apresentados aqui alguns exemplos de como a CPD tem sido incorporada por alguns países
europeus, nos três níveis/pilares da CPD:
Nível/Pilar 1: Compromisso político e documentos de orientação
Os principais avanços são ao nível do compromisso político e legal com a CPD. Um número
crescente de países europeus, a maioria dos Estados Membros da UE, aprovou documentos
oficiais onde se comprometem a melhorar a coerência e a ter em consideração os objetivos de
Desenvolvimento nas outras áreas setoriais. Esses objetivos são, frequentemente,
incorporados em documentos estratégicos, mas principalmente na área da cooperação para o
desenvolvimento: p.ex. o Livro Branco sobre a Ajuda ao Desenvolvimento da Irlanda (2006 e
2012); a Estratégia para a Política de Desenvolvimento da Áustria (2013-2015); a Estratégia de
Cooperação para o Desenvolvimento da Dinamarca - The right to a better life (2012), entre
outros. No Reino Unido, a erradicação da pobreza em termos globais é um objetivo expresso
de todo o Governo, desde o Livro Branco de 2000. Na Holanda, a CPD é um objetivo específico
da política externa holandesa.
Em vários países europeus, a CPD passou a ser uma obrigação legal, com a introdução desse
compromisso na legislação interna, pelo que o governo e a administração pública passam a
estar obrigados a promover a CPD. Na maior parte dos casos, isto acontece pelo facto de a
Cooperação para o Desenvolvimento ser objeto de uma Lei ou Decreto governamental,
incluindo nesse caso um compromisso com a CPD. É o caso do Luxemburgo, Dinamarca,
Bélgica, Portugal, Espanha, entre outros. Por exemplo na Bélgica, a CPD é um dos seis objetivos
gerais da sua Política de Cooperação para o Desenvolvimento (2013).
Em menor número de países existe mesmo um compromisso legal específico com a CPD. É o
caso de Portugal, onde a Resolução do Conselho de Ministros de 4 de Novembro de 201012
"reconhece que a coerência das políticas para o desenvolvimento é um instrumento essencial
para a promoção dos objetivos da política externa portuguesa", salienta "a necessidade de
estabelecer mecanismos formais de coordenação e de acompanhamento", reforça o diálogo
12
Resolução do Conselho de Ministros 82/2010, de 4 de novembro, disponível em http://www.coerencia.pt/_files/ResolucaodoConselhodeMinistros82-2010.pdf
24
interministerial e constitui um "grupo de trabalho interministerial, coordenado pelo membro
do Governo responsável pela área dos negócios estrangeiros, responsável pelo
desenvolvimento de um programa de trabalho interno sobre CPD (...) e pela elaboração de um
relatório sobre CPD, a cada dois anos".
Nível/Pilar 2: Mecanismos de Coordenação de políticas
A criação de mecanismos institucionais no âmbito de um quadro integrado de promoção da
CPD está, na maior parte dos países europeus, ainda numa fase embrionária ou experimental.
Em alguns casos, os compromissos do Pilar 1 são traduzidos em tentativas de implementar
abordagens conjuntas intersectoriais (“whole-of-Government”). Alguns países europeus
elaboraram planos de ação para implementar os compromissos – como é o caso da Dinamarca,
Finlândia, Suécia, Bélgica – e/ou identificaram quais os seus setores prioritários para
monitorizarem a CPD.
Esses planos de ação podem ter um enfoque interno (nas políticas nacionais dos vários setores
contribuírem para o desenvolvimento global), ou focarem-se na atuação externa para
promover a melhoria da CPD ao nível multilateral e da União Europeia. Esta é a perspetiva do
Plano de Ação para a CPD, da Dinamarca (2014)13 e da Agenda para os Bens Públicos Globais,
da Holanda (2011), que se focam no contributo que a Dinamarca e a Holanda podem dar para
melhorar a CPD ao nível da União Europeia.
Em termos internos/nacionais, é raro existir um exame obrigatório sobre o impacto que as
várias políticas têm nos países em desenvolvimento. A lei belga sobre Cooperação para o
Desenvolvimento exige que esse impacto seja avaliado. Já a Alemanha estabeleceu a
obrigatoriedade do Parlamento escrutinar os efeitos de cada lei no desenvolvimento global, ou
seja, quando é apresentada uma proposta legislativa no Parlamento, são analisados vários
critérios: o critério orçamental (se há fundos para implementar a lei), o critério ambiental (se a
lei tem impactos nefastos no ambiente), e a CPD (se aquela lei tem efeitos negativos no
desenvolvimento global). Este é um exemplo concreto de como o Parlamento pode ter um
papel ativo e preponderante na promoção da coerência entre politicas e do impacto do seu
trabalho legislativo no Desenvolvimento.
Os mecanismos de coordenação entre políticas e interministeriais existem em vários países,
embora mais ligados à cooperação para o desenvolvimento no geral. Outros países estão em
processo de colocar em funcionamento Comissões interdepartamentais ou interministeriais
específicas sobre CPD, como é o caso da Bélgica.
Alguns países preferem a criação de equipas e departamentos específicos sobre CPD: na
Holanda, por exemplo, foi criada uma Unidade de Coerência das políticas no seio do Ministério
dos Negócios Estrangeiros, com o objetivo de (i) escrutinar toda a legislação europeia, (ii)
influenciar ativamente as políticas nacionais em setores específicos, e (iii) sensibilizar e
aumentar o conhecimento sobre a CPD tanto ao nível nacional como internacional. Outros,
como a Irlanda ou Portugal, pretendem identificar pontos focais em cada ministério setorial,
para promoção da coordenação e da coerência numa base intergovernamental. No entanto,
em muitos destes casos, o que se verifica é que não há uma concretização prática destes
mecanismos, que acabam por não trabalhar de forma sistemática, quer porque não têm
13
Disponível em http://um.dk/da/~/media/UM/Danish-site/Documents/Danida/Nyheder_Danida/2013/2%20Handlingsplan%20PCD.PDF
25
indicadores definidos para monitorização das coerências e incoerências, quer por outras
dificuldades inerentes à coordenação interministerial.
Nível/Pilar 3: Sistemas de acompanhamento, análise e comunicação
Vários países europeus criaram sistemas de monitorização, que na maior parte das vezes têm a
ver com a produção de relatórios anuais ou bienais, nomeadamente para reportar aos
Parlamentos respetivos. Na sua maioria, são relatórios sobre a implementação da Política de
Cooperação para o Desenvolvimento, que incorporam uma secção ou capítulo sobre CPD.
Poucos países definiram indicadores concretos que guiem este acompanhamento e análise;
apenas a Dinamarca, Holanda e Suécia têm indicadores intergovernamentais e oficiais
aprovados sobre CPD.
Estes sistemas de acompanhamento e análise sofrem, frequentemente, da falta de
capacidades ou recursos para assegurar uma recolha completa e sistemática de informação
sobre o impacto das suas políticas nos países parceiros. Outra dificuldade tem a ver com a falta
de informação e comunicação entre os diferentes atores da cooperação, sobre as políticas de
desenvolvimento em geral, e a CPD em particular, verificando-se ainda um grande
desconhecimento em alguns países.
Em alguns países europeus, a sociedade civil e as ONG desempenham um papel ativo de
monitorização em colaboração com os governos. No Luxemburgo, o governo colabora com
uma coligação não-governamental sobre CPD, que publica o Barómetro “Fair Politics” sobre a
coerência das políticas para um desenvolvimento justo e sustentável. Embora o relatório não
seja governamental, inclui textos de atores governamentais e conta com o apoio do governo.
Na Finlândia, na Holanda e no Luxemburgo, existem organizações não-estatais que fazem um
trabalho estruturado sobre CPD – como o Programa “Fair Politics” da Fundação Max van der
Stoel14 ou o Fair Politics Luxemburgo, da Cercle de Coopération des ONG de Développement15,
em estreita colaboração com os deputados do Parlamento e outros organismos do governo.
Na Suécia, existe uma coligação de ONG que publica um “relatório-sombra” sobre CPD após a
publicação do relatório bienal por parte do governo sueco. Isto permite cruzar informações,
ter perspetivas diferentes sobre os mesmos assuntos e, em última análise, um trabalho mais
completo de monitorização.
Para aumentar o conhecimento sobre CPD, a Irlanda utiliza o seu “Conselho Consultivo” sobre
a Ajuda Irlandesa ao Desenvolvimento, tendo apoiado várias ONG (como a Trocaire) e feito
parceria com uma Universidade para a produção de estudos sobre esta matéria. Tal tem-se
revelado muito útil, com a produção de estudos sobre vários setores e a elaboração de
indicadores concretos16, os quais têm sido utilizados pelas entidades governamentais para
informar a decisão política e melhorar a atuação irlandesa em termos de CPD.
Para aumentar o conhecimento e as evidências sobre a CPD, alguns países têm levado a cabo
estudos sobre países ou setores específicos, por vezes em parceria com instituições de
14 http://www.fairpolitics.eu/
15 http://fairpolitics.lu/, com o relatório da CPD no Luxemburgo, 2014, disponível em http://fairpolitics.lu/files/2014/09/barom%C3%A8tre2014low_res-copie.pdf
16 Ver, por exemplo, Institute for International Integration Studies (2012); PCD:Indicators for Ireland
http://www.tcd.ie/iiis/assets/doc/IIIS%20PCD%20Indicator%20Report%202012.pdf
26
investigação ou académicas. A Holanda, por exemplo, analisou o impacto das políticas
holandesas e europeias no Gana e no Bangladesh17. A Finlândia está envolvida num estudo-
piloto para avaliar as incoerências das políticas dos membros da OCDE na Tanzânia, em
particular no setor da segurança alimentar (estudo em parceria com o Secretariado da OCDE, o
ECDPM e a Economic and Social Research Foundation – ESRF). Outro estudo-piloto similar vai
ser realizado no Burkina Faso, com apoio da Suíça. Portugal, em parceria com a União Europeia
financiou em 2011 um estudo sobre a coerência no setor das pescas e migrações, em Cabo
Verde, e financia também agora o presente estudo, em parceria com organizações da
sociedade civil, portuguesas e cabo-verdianas. Estes estudos são importantes para avaliar o
papel que as incoerências têm em determinados países e assim identificar estratégias de
resposta que sejam mais adequadas às realidades concretas.
Tabela 2. Um exemplo de boas práticas: A Abordagem Global de Desenvolvimento - Suécia
Nível/Pilar 1: Compromisso
político e documentos de
orientação
Nível/Pilar 2: Mecanismos de
coordenação de políticas
Nível/Pilar 3: Sistemas de
acompanhamento, análise e
comunicação
2003 – O Projeto de lei
“Responsabilidade partilhada
para o desenvolvimento
mundial” integrou os
objetivos de
desenvolvimento global
como uma responsabilidade
de todos os departamentos
governamentais
2008 – Relançamento da
Política sueca para o
Desenvolvimento Global,
com objetivos definidos em
termos internos e da política
externa sueca, bem como
indicadores de
monitorização. Todos os
departamentos
governamentais têm a
responsabilidade de
assegurar que a sua política
setorial está de acordo com a
abordagem conjunta do
governo para a CPD.
Coordenação estratégica de 6
desafios globais e dos seus 18
domínios de intervenção;
Rede de pontos focais de
CPD, interministerial
Direção formal; são
elaboradas cartas anuais das
agências. Há uma unidade de
CPD no Ministério dos
Negócios Estrangeiros
A “Equipa Suécia” e
“Conselho do Comércio e do
Desenvolvimento” são
exemplos concretos de
grupos que agregam atores e
recursos de vários setores.
O Governo apresenta um
relatório bienal ao
Parlamento, com
indicadores de resultados
para cada Ministério e área
setorial.
Relatórios focados nos
resultados, segundo um
modelo de desempenho
estabelecido em 2009
Elaboração de indicadores e
ferramentas de avaliação
para avaliação de impacto
Parcerias com organizações
independentes (ex. o ECDPM
e o Centro para o
Desenvolvimento Global)
para realização de estudos,
investigação e recolha de
evidências.
17 Ver, por exemplo, o estudo sobre o Gana, em http://www.government.nl/documents-and-publications/reports/2014/07/24/iob-autonomy-partnership-and-beyond-a-counterfactual-analysis-of-policy-coherence-for-ghana.html
27
Parte II - A CPD em Cabo Verde
2.1 A CPD em África
Tal como referido na Parte I, a CPD - enquanto conceito e instrumento - tem sido desenvolvido
e aplicado essencialmente nos países desenvolvidos, nomeadamente no quadro da OCDE e da
União Europeia. No entanto, esse quadro está a mudar, já que se considera que é cada vez
mais necessário envolver os países em desenvolvimento, quer através da sua participação no
diálogo internacional e na divulgação de incoerências ou boas práticas segundo a sua própria
experiência, quer através do alargamento da aplicação da CPD nos próprios países em
desenvolvimento, para monitorização das políticas dos parceiros externos e das políticas
públicas.
Em África, embora não exista um quadro sistemático de análise e avaliação das políticas
públicas, existem já instrumentos e avaliações que incorporam análises relacionadas com a
CPD, mesmo que não sejam assim denominadas. Referimos aqui alguns desses quadros
continentais, dos quais Cabo Verde faz parte:
O Mecanismo Africano de Revisão pelos Pares (MARP)18
Lançado em 2003 pela União Africana, o MARP é um instrumento de adesão voluntária e
aberto a todos os Estados-Membros da União Africana. É um mecanismo de auto-
monitorização, ou seja, desenhado e implementado por africanos, cujo objetivo é promover a
adoção de políticas, regras e práticas que contribuam para a estabilidade política, o
crescimento económico, o desenvolvimento sustentável e a aceleração da integração
continental e regional. Isto é feito através de “revisões” dos países que se submetem
voluntariamente a essa análise, pelos seus pares.
Nesse quadro, pretendem-se partilhar experiências e reforçar as boas práticas,
nomeadamente pela identificação de deficiências/incoerências e pela análise de quais os
requisitos e medidas necessárias para melhorar as capacidades dos países. O desempenho e a
evolução são medidos em quatro grandes áreas: (i) Democracia e Governação Política; (ii)
Governação Económica; (iii) Governação corporativa e (iv) Desenvolvimento socioeconómico,
cada uma das quais com um guião específico.
Os peritos do MARP trabalham com os governos e com os grupos da sociedade civil para
avaliar o desempenho do país nestas áreas, sendo produzido um relatório com recomendações
concretas e instrumentos de seguimento. Espera-se que os países objeto desta revisão
implementem as recomendações, o que nem sempre acontece, nomeadamente por falta de
capacidade, incluindo financeira (uma vez que algumas recomendações podem envolver
despesas não previstas no orçamento nacional).
Estas análises, sendo feitas por outros peritos e países africanos, são úteis por fornecerem
uma perspetiva africana, ainda que externa, aos problemas e desafios de um determinado país
em vários setores, até porque na maioria dos países este tipo de avaliações do desempenho
18
http://aprm-au.org/
28
não são feitas com frequência. Até Dezembro de 2013, 33 países tinham aderido ao MARP, dos
quais 17 foram já objeto de uma revisão pelos seus pares. Cabo Verde aderiu ao mecanismo
em 2009, mas não assinou ainda o Memorando de Entendimento que oficializa essa adesão,
como previsto em 2010.
O Índice Ibrahim sobre Governação em África19
Este índice, promovido pela Fundação Mo Ibrahim, tem ganho grande notoriedade na
avaliação do desempenho dos países africanos em matéria de governação. Pretende ser uma
ferramenta para ajudar a avaliar e debater o desempenho dos governos e, simultaneamente,
um instrumento para a decisão política e para a governação. Fornece um enquadramento para
os cidadãos, os governos, as instituições e o setor privado avaliarem o fornecimento de bens e
serviços públicos e os resultados das políticas em várias dimensões, ao nível nacional, regional
e continental (uma vez que permite comparações entre países e regiões africanas).
O Índice analisa a situação e progresso dos países africanos em quatro categorias principais:
Segurança e Estado de Direito, Participação e Direitos Humanos, Oportunidades Económicas
Sustentáveis, Desenvolvimento Humano. Estes pilares são alimentados com dados
quantitativos e qualitativos, que englobam elementos variados – desde as infraestruturas à
liberdade de expressão, do saneamento aos direitos de propriedade. As pontuações e
classificações têm sido publicadas desde 2000, o que permite uma análise das tendências ao
longo do tempo.
Os instrumentos da Comissão Económica das Nações Unidas para África20
Com 54 países membros, a Comissão Económica das Nações Unidas para África (UNECA) é
simultaneamente o braço regional da ONU em África e um elemento importante do cenário
institucional africano ao nível continental. Tem dado contributos muito relevantes para
compreender e responder aos desafios do Desenvolvimento em África, prestando serviços de
aconselhamento e de apoio ao desenvolvimento de capacidades dos países africanos em várias
áreas prioritárias: promoção da industrialização; elaboração e aplicação da política
macroeconómica; conceção e articulação do planeamento de desenvolvimento; apoio a
negociações no âmbito dos recursos minerais; promoção de uma gestão adequada dos recursos
naturais para a transformação de África. Também promove programas de cooperação para o
desenvolvimento e é agência executora de alguns projetos. No âmbito da CPD, destacam-se os
centros de análise específica sobre algumas áreas setoriais: African Minerals Development Centre,
African Climate Policy Centre, African Trade Policy Centre.
A UNECA realiza ainda, em conjunto com a OCDE, e mediante um pedido dos países africanos em
2003, uma “Avaliação Mútua da Eficácia do Desenvolvimento”. Este exercício analisa o que tem sido
feito por África e pelos seus parceiros externos para cumprir os compromissos assumidos em relação
ao desenvolvimento africano, quais os resultados atingidos, e quais as prioridades de ação para o
futuro21.
19 http://www.moibrahimfoundation.org/interact/
20 http://www.uneca.org/
21 O relatório de 2014 está disponível em http://www.uneca.org/publications/2014-mutual-review-
development-effectiveness-africa
29
A Agenda 206322
A Agenda 2063 pode vir a ser um instrumento relevante para a promoção da CPD em África. É
a visão do desenvolvimento para o continente a longo-prazo (50 anos) e a sua definição foi um
processo participado de debates e consultas, ao nível regional e continental. Para além de
definir as principais “aspirações” africanas, identifica também metas específicas (p.ex. reduzir
a dependência da ajuda ao desenvolvimento, em 50%). Se forem definidos indicadores claros
de monitorização, e se a Agenda for devidamente apropriada pelos países e regiões africanas,
poderá constituir um bom enquadramento para a promoção da CPD. Está ainda por definir
como é que esta Agenda será coordenada com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
para o período 2015-2030 e a nova Agenda Global de Desenvolvimento, a ser aprovada nas
Nações Unidas em Setembro de 2015.
Existem também alguns enquadramentos que incluem o continente africano e os países
doadores, e que englobam trabalho conjunto de implementação e de avaliação em várias
áreas setoriais. É o caso da Estratégia Conjunta UE-África (2007), que se materializa num
diálogo político entre os dois blocos, europeu e africano, em várias áreas setoriais como a
promoção da paz, segurança e estabilidade em África e na Europa; a governação e direitos
humanos; o comércio e integração regional; acelerar a progressão para os ODM; a
sustentabilidade ambiental e alterações climáticas; a migração e desenvolvimento; a
agricultura e segurança alimentar; infraestruturas, água e saneamento básico, energia; ou o
desenvolvimento de sociedades do conhecimento 23 . Esta Estratégia, cuja arquitetura
institucional se desdobra num conjunto de mecanismos e grupos de trabalho liderados por
países europeus e africanos, pretende ser o “chapéu” que enquadra todas as relações entre os
dois continentes.
Especificamente em relação à CPD, afirma-se na Estratégia Conjunta que “na aplicação desta
nova parceria, tanto a África como a UE respeitarão o princípio da coerência das políticas de
desenvolvimento, identificando e promovendo interações e complementaridades positivas
entre políticas e estratégias sectoriais, velando por que as medidas adotadas em determinados
domínios de ação não comprometam os resultados noutros domínios”. O Roteiro de Ação UE-
África 2014-2017 concretiza a parceria através de ações, medidas e programas concretos,
sendo sustentado financeiramente pelo Programa Pan-Africano da UE, recentemente criado.
22 http://agenda2063.au.int/. Versão do documento-base, em português: http://agenda2063.au.int/en/sites/default/files/02_agenda2063_popular_version_POs.pdf
23 O texto da Parceria UE-África está disponível em português: http://www.consilium.europa.eu/pt/documents-publications/publications/2011/pdf/qc3111092ptc_pdf/
O Roteiro 2014-2017, em inglês: http://www.africa-eu-partnership.org/sites/default/files/userfiles/2014_04_01_4th_eu-africa_summit_roadmap_en.pdf
30
2.2. Os desafios do desenvolvimento em Cabo Verde e a relevância da
CPD
Cabo Verde é um pequeno Estado insular, cujas estratégias de desenvolvimento económico e
consolidação democrática têm sido elogiadas por inúmeros relatórios internacionais, como
exemplo para o continente africano e para os Países em Desenvolvimento. Fruto disso é o
facto de se ter tornado num dos 3 países do continente a ter transitado da classificação de País
Menos Avançado (PMA) para País de Rendimento Médio (PRM), a partir de Janeiro de 200824.
No entanto, Cabo Verde registou um abrandamento dos indicadores económicos nos últimos
anos, em parte devido ao impacto da crise financeira e económica internacional, que incidiu
especialmente sobre os principais parceiros externos de Cabo Verde, nomeadamente na
Europa.
Como em todas as análises, os números podem sustentar uma perspetiva mais otimista ou
mais pessimista, consoante o ângulo de análise e os dados utilizados. Nesse sentido, existem
aspetos claramente positivos, que sustentam a perspetiva de que “o copo está meio cheio”,
enquanto outros aspetos e fatores apontam para a perspetiva de que “o copo está meio
vazio”. Alguns dos indicadores mais e menos positivos estão resumidos na Caixa 2.
Caixa 2: Indicadores (selecionados) de Desenvolvimento em Cabo Verde
“O copo meio cheio”
O país está no bom caminho para atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio até 2015, sendo que quatro desses objetivos - atingir o ensino primário universal, promover a igualdade de género, reduzir a mortalidade infantil e melhorar a saúde materna - foram atingidos logo em 2010.25
Na maior dos indicadores sociais, são registados valores bastante acima da média da África Subsaariana, como é o caso de uma esperança média de vida de 75 anos (África: 56), de uma mortalidade infantil de 19 por 1000 nascimentos (África: 64) ou do acesso a uma fonte de água potável melhorada por parte de 89% da população (África: 64%). Se comparado com os países de rendimento médio-baixo, Cabo Verde supera também a média desses países, relativamente à maioria dos indicadores sociais e de desenvolvimento humano26.
Em termos de estabilidade política, o país tem consolidado a sua democracia através da alternância democrática e do reforço das instituições, tendo sido considerado nos últimos anos como o 2º país com melhor governação em África (depois das Maurícias)27 obtendo bons resultados nos índices de liberdades civis e direitos políticos da Freedom House28.
24 Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas A/59/210, de 20 de Dezembro de 2004. Os outros dois países são o Botsuana (1994) e as Maldivas (2010). Cabo Verde foi elegível a graduação pela primeira vez em 1997, mas a decisão foi adiada em 2000 devido à sua vulnerabilidade económica.
25 Segundo o Banco Mundial, só Cabo Verde, a Etiópia, o Gana e o Malawi serão capazes, na África Subsaariana, de conseguir a realização da maioria dos ODM até 2015.
26 Cape Verde at a Glance, World Development Report, Banco Mundial: http://devdata.worldbank.org/AAG/cpv_aag.pdf
27 Índice de Governação em África, Fundação Mo Ibrahim. Nos últimos anos, Cabo Verde tem melhorado
nos indicadores sobre Participação e Direitos Humanos e sobre Oportunidades Económicas, enquanto
31
O país ocupa o 123º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano 2014 (num total 187 países) e insere-se na categoria de desenvolvimento médio-baixo29. No setor da Educação a evolução é muito positiva: a taxa de analfabetismo decresceu de 63% em 1975 para menos de 18% em 2012 e a taxa bruta de escolarização já atingiu os 100%, em comparação com 5% em 1975.
Cabo Verde é um dos 3 países do sistema das Nações Unidas a alcançar a graduação da lista de Países Menos Avançados (juntamente com o Botsuana em 1994 e as Maldivas em 2011), graduando-se para País de Rendimento Médio em 2008.
“O copo meio vazio”
Cerca de 25% da população cabo-verdiana vive em situação de pobreza, sendo essa percentagem bastante maior nas zonas rurais. Apesar da evolução positiva, o ritmo de decréscimo da pobreza registou um abrandamento nos últimos anos.
A taxa oficial de desemprego é de 16,4% (segundo o Banco de Cabo Verde), mas calcula-se que ultrapasse os 20%, sendo especialmente preocupante entre as camadas mais jovens da população (onde a taxa de desemprego se estima ser o dobro).
As desigualdades são persistentes: territoriais (entre ilhas e entre urbano/rural), sociais e económicas, de género, nas oportunidades de acesso a serviços básicos de qualidade, como a água potável, saúde, energia e saneamento.30 Segundo a Matriz de Convergência dos Municípios para a realização dos Objetivos do Desenvolvimento do Milénio, dos 22 municípios do arquipélago, 7 (Sal, Boa Vista, São Vicente, Praia, Tarrafal e Ribeira Brava de São Nicolau e Maio) estão avançados no cumprimento dos ODM, 5 (São Salvador do Mundo, São Domingos, Brava, São Filipe e Mosteiros) estão em vias de os atingir e os restantes 10 são classificados como de avanço lento.
O crescimento do PIB abrandou consideravelmente desde 2011, ano em que cresceu 4%, atingindo um crescimento mínimo de 0,5% em 201331. A dívida pública é elevada, na ordem dos 107,3% do PIB em 2014, o que reflete uma combinação entre o desempenho mais fraco das receitas e o crescimento das despesas de capital. Cabo Verde ocupa o 112º lugar no indicador de facilidade em fazer negócios do Banco Mundial, Doing Business 2014 (entre 189 economias analisadas), e o 114º lugar no Relatório da Competitividade Mundial 2014-2015 (em 144 economias analisadas)32.
Os financiamentos externos estão a diminuir, nomeadamente a ajuda ao desenvolvimento referente a donativos, o Investimento Direto Estrangeiro (que diminui há 6 anos consecutivos, com exceção e uma ligeira recuperação em 2013), e as remessas dos emigrantes, que estagnaram devido ao declínio das remessas da zona Euro.
piorado nos indicadores sobre Segurança e sobre Desenvolvimento Humano. Ver mais em http://www.moibrahimfoundation.org/interact/
28 Cabo Verde é considerado um modelo no âmbito das liberdades civis e direitos políticos, mas regista fracos resultados no que respeita ao tráfico de droga, violência policial contra os detidos e lentidão do sistema judicial. Freedom in the World 2015, Freedom House, www.freedomhouse.org/
29 PNUD, Relatório de Desenvolvimento Humano 2014, disponível em http://hdr.undp.org/sites/default/files/hdr2014_pt_web.pdf
30 Nações Unidas (2013).
31 http://data.worldbank.org/country/cape-verde
32 Ver os resultados de Cabo verde nos vários indicadores, em http://reports.weforum.org/global-
competitiveness-report-2014-2015/economies/#economy=CPV
32
Cabo Verde está a viver um período único e crucial no seu processo de desenvolvimento,
podendo mesmo afirmar-se que se encontra numa encruzilhada. Vários constrangimentos
macroeconómicos já identificados, muitos deles fruto do próprio contexto de crise
internacional, têm condicionado a evolução do investimento direto estrangeiro, da ajuda
externa e das remessas dos emigrantes. O país é largamente vulnerável a choques externos e
tem grandes fragilidades estruturais, mas tem tentado criar novas bases de crescimento
sustentável através do desenvolvimento do setor privado, da diversificação da economia, da
melhoria da eficiência das infraestruturas e do aumento da qualidade dos recursos humanos.
Um dos exemplos é o setor do Turismo, que tem crescido a taxa de cerca de 10% em média
anualmente, com o número de chegadas de turistas a triplicar de 2002 e 2011. O governo
contribuiu para este crescimento com uma série de reformas e através de investimento
substancial em infraestruturas (estradas, portos e aeroportos) e atração de IDE, mas estes
resultados derivam também do desvio de turistas de outras zonas do globo, nomeadamente
devido a situações de conflito. Cabo Verde é o 11º país à escala global em termos da
importância relativa do setor do turismo para a sua economia33 (cerca de 22% de contribuição
para o PIB), sendo o 10º no que concerne às expectativas de crescimento para o setor.
Também os investimentos no sector agrícola - mobilização de água, facilitação do acesso dos
agricultores ao crédito através de microfinança, promoção da irrigação gota a gota e apoio à
extensão rural - desempenharam um papel no crescimento dos outputs e rendimentos
agrícolas, embora a taxa de pobreza continue muito alta nas áreas rurais.
Um dos passos importantes para ser possível trabalhar no sentido de maior coerência é a
identificação dos “enablers” e “disablers” , ou seja, fatores que potenciam ou prejudicam a
capacidade do país atingir os seus objetivos de desenvolvimento. Esta análise está feita em
Cabo Verde, e existe um relativo consenso sobre quais são esses fatores, alguns deles
estruturais.
Entre os fatores de vulnerabilidade estrutural, contam-se a vulnerabilidade económica
(ausência de recursos naturais, produção agrícola muito limitada, estrutura produtiva
incipiente, desequilíbrios estruturais da balança de pagamentos, dependência em relação ao
exterior, exposição permanente aos choques externos, limitações orçamentais, total
dependência em relação a recursos para o financiamento do desenvolvimento); a
vulnerabilidade securitária (emergência dos tráficos e da criminalidade conexa e desproporção
entre as ameaças e os meios financeiros, materiais, tecnológicos e humanos disponíveis); a
vulnerabilidade ambiental e insularidade (características geoclimáticas, seca permanente e
ritmos acelerado de desertificação, insuficiência de recursos hídricos, elevados custos da
insularidade e da pequenez, fragmentação do mercado). Uma ilustração das vulnerabilidades é
o facto de, no processo de graduação para País de Rendimento Médio, Cabo Verde cumprir
claramente dois dos três critérios - o do rendimento nacional e do índice de capital humano -
mas ficar muito aquém do nível de saída no índice de vulnerabilidade económica.
Nos últimos anos, há dois marcos que são relevantes para o futuro do desenvolvimento em
Cabo Verde, numa ótica de CPD:
33 Espírito Santo Research (2014); Cabo Verde: Internacionalização e Desenvolvimento, disponível em http://www.portugalglobal.pt/PT/geral/Documents/DOCs2014/InternacionalizacaEconomiasEstudoCaboVerdeElaboradoEspiritoSanto.pdf
33
a) A graduação para PRM, em 2008, que tem suscitado um repensar do futuro do
desenvolvimento em Cabo Verde. Com efeito, após a transição formal para PRM,
importa concretizar efetivamente essa graduação. No chamado “período de
transição”, que não tem prazo temporal, espera-se “que o país recém-graduado seja
capaz de, com o apoio dos parceiros de desenvolvimento, ascender a uma nova e
sustentável dinâmica de desenvolvimento.”34No entanto, tal tem implicado uma
redução gradual dos donativos e empréstimos concessionais, o que é complicado para
uma economia fortemente dependente dos recursos externos, bem como uma perda
gradual das preferências comerciais. Isto levanta questões de coerência da ação e
mecanismos da Comunidade Internacional, já que o processo de graduação não pode
ser apenas uma validação política mas deve traduzir-se em contribuir para a
viabilização sustentável dessa graduação. Com menos condições para mobilizar
financiamento concessional e donativos que tendem a favorecer os países mais
pobres, Cabo Verde terá também de proceder a um “shift” mental, que parece ser real
no plano formal e estratégico, mas ainda pouco concretizado na prática35.
b) A adesão à Organização Mundial de Comércio (OMC) em 2007 também representou
uma mudança importante, no sentido em impõe a liberalização do regime comercial,
significando que Cabo Verde depende mais da capacidade endógena para competir. As
exigências feitas pelos países desenvolvidos sobre a concessão de mercado, tanto ao
nível da redução de tarifas aduaneiras como a nível do setor dos serviços, têm
implicado (e continuarão a exigir) reformas legislativas e institucionais; uma maior
assertividade na busca de soluções para além da ajuda externa; a modernização das
instituições e melhoria da qualidade dos serviços prestados; a organização e
modernização da classe empresarial; entre outras medidas.
Estes processos encerram contradições e incoerências. Por um lado, a médio prazo, Cabo
Verde deixa de ser elegível para empréstimos concessionais das principais instituições
internacionais, e a janela para aumentar o nível da dívida vai-se fechando. Com a transição
para PRM, o corte nos donativos é inevitável, fazendo o país recorrer aos mercados de capitais,
para evitar diminuição do crédito no setor privado. O recurso a empréstimos tem feito a
dívida pública crescer nos últimos anos. Por outro lado, isto acontece num período em que
existe uma necessidade de investimento volumoso para continuar a melhoria das
infraestruturas; qualificar os recursos humanos e aprofundar e alargar reformas, de forma a
concretizar efetivamente esse “salto” para país de rendimento médio.
Neste contexto, o FMI tem alertado para a necessidade de reforçar a qualidade e eficiência do
investimento público em curso de forma a garantir o necessário retorno associado aos
investimentos realizados, perante uma dívida pública que se mantém num patamar elevado e
os riscos que daí também decorrem para o ambicionado crescimento da economia. As
autoridades de Cabo Verde tem sido aconselhadas a moderarem os gastos do estado e a
adotarem um programa de consolidação orçamental mais ambicioso a médio prazo. Segundo o
relatório da agência de notação financeira Fitch, divulgado em Março de 2014, a dívida pública
cabo-verdiana poderá subir para 115% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015 e, atingir os
120%, em 2017.
34 Pais, Irina (2012).
35 Os fundos são hoje mais escassos, mas as estruturas institucionais continuam a funcionar na lógica anterior, não tendo dado o salto qualitativo para uma política externa diferenciada e para uma situação de PRM. (Entrevistas em Cabo verde)
34
Isto significa que um país pode ser “vítima” do seu próprio sucesso, enfrenta novos desafios
relacionados com a maior dificuldade de acesso à ajuda externa, a captação de investimento
externo, uma conjuntura orçamental mais restritiva e o conjunto de obstáculos próprios dos
países de rendimento médio. Esta é a chamada “armadilha do rendimento médio”,
caracterizada uma situação em que uma economia em desenvolvimento se encontra numa
situação intermédia associada à perda da sua competitividade face a economias de menor
rendimento e mais baixo nível salarial, e ainda não reúne as condições necessárias para poder
competir com economias mais sofisticadas e inovadoras. Nessa armadilha, Cabo Verde pode
ficar “atado” às consequências do baixo nível de investimento, do lento crescimento, de uma
reduzida diversificação da base produtiva e das limitadas condições do mercado de trabalho.
Existe, portanto, um consenso alargado sobre o facto do modelo de crescimento económico
adotado até agora estar esgotado (altas taxas de investimento público financiados por APD,
financiamento externo concessional e fluxos de IDE e melhoria do capital humano) e que o
país deve construir uma nova base de crescimento, principalmente assente no investimento
privado e na diversificação da economia36. Além do investimento em infraestruturas, há a
necessidade garantir o acesso a financiamento para que os diversos clusters da agenda de
transformação possam ser implementados (ver Figura 3).
Figura 3: A transformação e os motores de crescimento
Fonte: Adaptado de Furtado, Carlos (2014): Modelo de Desenvolvimento para Cabo Verde.
36
Para uma análise muito completa dos setores do comércio, agricultura, pescas e das oportunidades de crescimento económico em Cabo Verde, ver MTIE (2013).
35
A implementação desta visão de transformação implica o alargamento da base produtiva e a
criação de vantagens competitivas em novos setores, o que por sua vez requer, quer um
reforço do setor privado, quer o empoderamento das camadas mais desfavorecidas da
população, para aumentar a sua capacidade produtiva e a sua participação no mercado. Todas
as reformas estruturais necessárias à promoção de múltiplos motores de crescimento
significam que a Coerência entre Políticas será cada vez mais relevante e fundamental, para
atingir os objetivos de crescimento e para multiplicar os ganhos de desenvolvimento.
Nos últimos anos, os maiores projetos do programa de investimento público têm-se centrado
em infraestruturas, sendo que quase 50% estarão relacionados com os setores da energia, da
água, dos transportes e da logística marítima. Apesar de alguns destes investimentos terem
dado resultados visíveis (p.ex. a melhoria dos portos, o programa “Casa para Todos”, etc.), o
país endivida-se para se financiar e o PIB nacional está hipotecado, pelo que é necessário
encontrar instrumentos alternativos que permitam pagar o serviço da dívida. Poderia ser útil,
neste quadro, ter uma plataforma de ponderação e avaliação dos investimentos públicos,
particularmente aqueles que comprometem o Estado com dívida37.
O desenvolvimento integrado das cadeias de valor quer em agro-negócios, serviços de
transporte aéreo, turismo, TIC, economia cultural, serviços financeiros ou economia marítima,
exige um salto (qualitativo e quantitativo) e investimentos que o sector bancário local não tem
capacidade de financiar. É também um facto que as necessidades de financiamento de muitos
dos projetos públicos estão para além da capacidade financeira do Governo. Nesse quadro, “as
fontes tradicionais de financiamento do desenvolvimento de Cabo Verde não respondem mais
as necessidades do país e é consenso nacional que o país tem de encontrar novas fontes e
novas abordagens para financiar o desenvolvimento”38. A principal questão é: quais são essas
fontes, e de que forma podem ser mobilizadas?
37
Entrevistas em Cabo Verde.
38 II Fórum Nacional de Transformação: Cabo Verde 2030.
36
2.3. As políticas de cooperação e os instrumentos de CPD dos parceiros externos de Cabo Verde: oportunidades para a participação da sociedade civil
2.3.1. A Dependência externa e europeia
Num contexto de globalização e interdependência crescentes, o espaço político nacional e a
eficácia dos instrumentos disponíveis ao nível de cada país são cada vez mais condicionados
não apenas pelas regras e compromissos internacionais, mas também pela conjuntura global e
pelas condições de mercado em determinado momento, bem como pelas decisões e políticas
implementadas por outros países. Por um lado, isto implica que se tomem medidas de política
externa que reduzam o impacto do contexto internacional/externo no desenvolvimento
interno. Por outro lado, que se forjem alianças internacionais e/ou regionais, procurando
ativamente uma cooperação com outros, para aumentar a capacidade de agir e influenciar.
A dinâmica da economia cabo-verdiana é quase totalmente dependente do comportamento
do sector externo, pelo que é altamente vulnerável a choques externos e depende das
variações na economia dos países com os quais mantém as principais relações económicas. A
dependência de recursos externos é uma característica dos Pequenos Estados Insulares em
Desenvolvimento (PEID)39 reconhecida pela comunidade internacional. No entanto, no caso de
Cabo Verde, isso é particularmente preocupante por dois motivos, que importa salientar.
O primeiro desses fatores é a dependência relativamente ao espaço europeu. A União
Europeia tem surgido como um dos espaços naturais de aproximação para dar resposta às
especificidades e necessidades do país em termos de desenvolvimento e segurança. A
aproximação à União Europeia constituiu, em boa parte, um desígnio de identidade político-
cultural, através da representação social de um país “com os pés em África mas a cabeça na
Europa”. Incluem-se aqui raízes histórico-culturais, como a origem da nação cabo-verdiana, em
parte também europeia, às quais acresce o facto de Cabo Verde ter sempre mantido, ao longo
dos anos, uma estreita cooperação com o conjunto dos arquipélagos que compõem a
Macaronésia (Açores, Madeira e Ilhas Canárias) e que integram, por sua vez, as Regiões
Ultraperiféricas da União Europeia (RUP)40. A isto acresce o facto de a União Europeia ser o
principal parceiro comercial de Cabo Verde, o principal parceiro multilateral de Ajuda ao
Desenvolvimento e de investimento.
No que respeita às exportações, a economia do país parece ter especializado em duas
exportações: turismo e pesca, quase sempre com a Europa como cliente. As exportações de
bens são dominadas por produtos da pesca (mais de 60% do total), na sua maioria para
Espanha e Portugal, e entre 2000 e 2011 não se registou nenhum ano em que a Europa não
recebesse uma quota menor do que 70% das exportações de Cabo Verde. Cabo Verde é
também fortemente dependente da Europa na perspetiva de mercado emissor de turistas uma
39
Ver por exemplo o artigo de Carlos Lopes, “É tempo de resolver o paradoxo dos pequenos Estados Insulares”, com referências a Cabo Verde, disponível em http://ow.ly/JjgNo
40 A Parceria com a UE defende a integração de Cabo Verde nas RUP “através do acesso de Cabo Verde ao mercado interno, bem como da possibilidade de participar progressivamente em certas políticas e programas da UE”. A Estratégia Europeia para a Região Atlântica a partir de 2014 proposta pelo Parlamento Europeu em resolução aprovada em Março de 2011, define o seu alcance a “todas as regiões da EU situadas no litoral atlântico, incluindo as regiões ultraperiféricas da Macaronésia (Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde).
37
vez que os nacionais deste continente representam cerca de 80% das chegadas. Em termos de
remessas dos emigrantes, cerca de 80% das remessas são provenientes de residentes da
Diáspora na Europa, principalmente Portugal, França e Holanda. Os países europeus são
também os maiores investidores, nomeadamente Espanha, Portugal, Reino Unido e Itália,
existindo também um acordo cambial com a zona Euro. A possibilidade de uma recuperação
contínua mas anémica na Europa coloca, assim, desafios estratégicos para Cabo Verde e
reforça a urgência de acelerar a agenda de transformação económica.
O segundo desses fatores é a tendência para o decréscimo das fontes tradicionais de
financiamento do desenvolvimento cabo-verdiano, que sendo externas, estão também
ligadas ao fator anterior. A ajuda financeira internacional e outros recursos externos financiam
em média 80% do programa de investimentos. Nesse quadro, as remessas tendem a diminuir à
medida que crescem os emigrantes de segunda e terceira geração; as perspetivas da APD são
de diminuição ou estagnação, quer devido às dificuldades financeiras dos países doadores,
quer ao fim do período de transição para PRM; e o IDE diminui há 6 anos consecutivos (com
exceção e uma ligeira recuperação em 2013).
A este propósito, podemos referir como exemplo a intervenção do Secretário Executivo da
UNECA, Carlos Lopes, no II Fórum Nacional de Transformação de Cabo Verde (maio de 2014),
onde resumiu os problemas desta “ancoragem europeia” e a necessidade de uma
diversificação da política externa e do relacionamento económico:
“Em termos de comércio, África representa 1% ou menos. Cabo verde tem mais capacidade de
estender o seu braço até à Ásia, do que de estender a mão até à África. O principal custo é que
Cabo Verde está ancorado a uma zona em recessão. Os problemas são muito profundos e
estruturais, incluindo um de natureza demográfica (são países com um envelhecimento
estrutural que vai afetar a capacidade produtiva) e outro de dívida pública (que é demasiado
elevada e é uma questão que se arrastará no futuro). Cabo Verde vai ficar ancorado a esta
estrutura? Temos de ter uma relação estruturada com África; isto não é ideologia política, é
pragmatismo. A CEDEAO está a crescer 6,3% ao ano, e é uma das regiões a crescer menos em
África; o seu comércio externo aumentou 18% nos últimos 5 anos; os seus investimentos
cresceram 25%; a economia da Nigéria passou a ser a maior do continente. Mas África
continua a ser vista pelo prisma da segurança e pelo prisma da pobreza, o que é um grande
erro estratégico. Durante a última década, o PIB de África duplicou, e dois terços do
crescimento africano vem do consumo interno. A dependência da ajuda passou de uma média
de 6% para menos de 3% no continente. Temos de olhar para esta ancoragem como um
problema estratégico de Cabo Verde. A concorrência vai ser feroz e Cabo Verde vai estar fora
de órbita dos locais com maior crescimento. O que fazer?”
Esta é, portanto, uma reflexão a fazer no quadro nacional das opções económicas e da política
externa. Note-se que a UE apoia a integração na CEDEAO e que um dos pilares da Parceria
Especial entre a UE e Cabo Verde é precisamente a Integração Regional.
2.3.2. A Ajuda ao Desenvolvimento
Cabo Verde é um dos poucos exemplos em que a ajuda ao desenvolvimento desempenhou um
papel essencial na alavancagem do processo de desenvolvimento do país, sendo fundamental
para prosseguir a estratégia nacional e para a graduação como PRM. Se a APD tem contribuído
para a melhoria das infraestruturas económicas e sociais, para o equilíbrio da balança de
pagamentos, para o desenvolvimento humano e para os resultados positivos das reformas
38
estruturais realizadas no país, é preciso também reconhecer que tal se deve à utilização
ponderada e à gestão racional desses recursos efetuada pelas autoridades cabo-verdianas ao
longo das últimas décadas41.
Esta boa gestão da ajuda parece ser reconhecida pela generalidade dos parceiros
internacionais presentes em Cabo Verde 42 e traduz-se numa evolução em termos de
modalidades da ajuda (com o aumento da importância da ajuda orçamental) e do
envolvimento dos doadores – nomeadamente, é o primeiro país onde as Nações Unidas
estabeleceram um escritório conjunto, e um dos primeiros oito países onde o mecanismo da
Reforma das Nações Unidas “Delivering as One” foi introduzido. Outro exemplo desse
reconhecimento é a conclusão do primeiro Compacto da Millennium Challenge Corporation
(MCC) – programa dos EUA - e a eleição em 2011, sem precedentes, para um segundo
compacto, acrescido do facto de ter sido o primeiro país a iniciar a gestão direta dos fundos
atribuídos pela MCC.
No entanto, nos últimos anos, a ajuda ao desenvolvimento dos parceiros externos tem
passado por uma reformulação significativa.
Em primeiro lugar, há uma diminuição generalizada da APD, quer no seu total, quer,
particularmente no que diz respeito à componente dos donativos. A APD tem diminuído em
termos absolutos (ver Figuras da página seguinte) e em termos de peso no PIB: se nos anos
1990 representava em média 22% do PIB, na última década parece estagnar-se em torno dos
11-14%.
A diminuição dos donativos (grants) tem sido, em boa medida, contrabalançada com uma
evolução inversa dos empréstimos e da sua parte no financiamento dos programas de
investimento público, não apenas em termos de infraestruturas económicas mas nos próprios
sectores sociais (como a saúde e a educação)43. Neste âmbito, foi possível aceder a diversos
empréstimos concessionais, que são em parte contabilizados como APD, nomeadamente com
Portugal, Espanha, Japão e BAD, aproveitando as condições preferenciais às quais deixará de
poder aceder. Por exemplo, Portugal é o maior doador bilateral de Cabo Verde (e Cabo Verde
nos últimos anos tem também sido o principal destino da APD portuguesa), em grande parte
fruto da utilização de linhas de crédito bonificado, dedicadas na maioria a infraestruturas:
portos e aeroportos, estradas, programa “Casa para Todos”, energias renováveis e captação de
água.44
Este tipo de ajuda ao desenvolvimento45 pode ser criticável pela incoerência que revela ao
permitir, por um lado, a projeção de interesses comerciais e económicos, de
internacionalização das empresas do país doador (constituindo a chamada “ajuda ligada”, que
41
Ferreira (2011)
42 Entrevistas em Cabo Verde.
43 Os dados que temos, sendo referentes ao Orçamento de Estado de 2010, dão uma ideia do cenário
neste âmbito: os empréstimos concessionais representaram, nesse ano, 66,6% do financiamento externo. NU, 2012.
44A linha dos Portos e Aeroportos (200 milhões) e a linha das estradas (100 milhões) estão esgotadas, enquanto a linha Casa para Todos (200 milhões) e a linha de energias renováveis (100 milhões, para construção de barragens e centrais fotovoltaicas) estão perto disso. Entrevistas em Cabo Verde.
45 Importa referir que há exceções, de doadores que optaram por continuar a centrar a sua ajuda em donativos e assumindo uma posição de separação clara entre o que é a ajuda não-ligada, por um lado, e a internacionalização dos interesses empresariais e económicos dos doadores, por outro. É o caso do Luxemburgo.
39
os países doadores se comprometeram a diminuir, no quadro da OCDE) e ao conduzir, por
outro lado, a um crescimento do endividamento de país recetor, ainda que com condições
mais favoráveis relativamente aos empréstimos “tradicionais”.
A diminuição geral da ajuda ao desenvolvimento está ligada, igualmente, à retirada de alguns
doadores, como é o caso da Holanda, Suécia, Áustria e, mais recentemente, da Espanha46. A
França fechou os escritórios de cooperação, apesar de manter alguns programas. Esta
evolução relaciona-se quer com a graduação de Cabo Verde, que levou a uma reformulação
das prioridades por parte dos doadores, quer com opções de política interna de cooperação
para o desenvolvimento, num contexto europeu em que os princípios da eficácia da ajuda e a
escassez de fundos para a cooperação obrigam a uma racionalização e concentração crescente
da ajuda. Por contraponto, a União Europeia aumentou o pacote bilateral de ajuda ao
desenvolvimento.
Essa escolha é efetuada, normalmente, tendo por base uma análise dos destinos onde o país
doador possua outros interesses (económicos, comerciais, políticos ou de segurança)
associados, conduzindo a um corte da ajuda e da presença enquanto doador numa série de
outros países47. Este é um fenómeno comum a diversas agências bilaterais, nomeadamente o
DFID/reino Unido, a Holanda e outros países nórdicos, que cortaram consideravelmente no
número de países onde estão presentes. A crise financeira é um fator acelerador dessas
opções, como se verifica no caso da Espanha48. Por outro lado, em alguns casos há uma
inflexão dos interesses e modo de atuação, com a diminuição da ajuda a corresponder a uma
atuação mais reforçada em termos de setor privado (Holanda por exemplo através de
“matching grants”, Espanha no setor da transformação de pescado, etc.)
É inegável que uma redução geral da APD põe em causa diversas iniciativas que visam
diretamente a população mais pobre e vulnerável, com efeitos globais sobre a política de
redução da pobreza, num contexto em que a graduação para PRM é em grande medida formal
e em que persistem grandes bolsas de pobreza. Isto interpela a comunidade internacional
sobre qual a continuidade e tipo de apoio que deve ser prestado, bem como sobre qual a
coerência e sustentabilidade dos processos de graduação, tal como são conduzidos a nível
internacional.
Em segundo lugar, verifica-se um pendor mais acentuado da ajuda por via orçamental,
nomeadamente em termos estratégicos. O Grupo de apoio orçamental49 tem cada vez mais
peso no cômputo global da ajuda externa, estando previsto, para 2015, afetar 38 milhões de
euros ao Orçamento do Estado de Cabo Verde para a estratégia de crescimento e redução da
pobreza. Para alguns doadores, esta é a modalidade principal de ajuda a Cabo Verde: é o caso
46
Para assegurar a sustentabilidade de algumas ações, há o recurso à cooperação delegada: por exemplo a Espanha vai delegar a gestão dos centros de formação profissional, da cooperação espanhola, à cooperação luxemburguesa. Apesar da cooperação espanhola estar em “fase de saída”, há a destacar ainda a cooperação regional promovida pelas Canárias, que aproveitam de forma muito ativa os fundos FEDER para a Macaronésia. Cabo verde beneficiou de 62 dos 83 projetos no programa 2007-2013.
47 Ferreira (2011)
48 Entrevistas em Cabo Verde.
49 O Grupo do Apoio ao OE foi formado em Dezembro de 2006 e conta atualmente com as contribuições do Banco Africano de Desenvolvimento, Banco Mundial, União Europeia, Portugal e Luxemburgo. Em 2012, Cabo Verde tornou-se no primeiro país a receber ajuda orçamental do Luxemburgo. A Áustria, a Holanda e a Espanha anunciaram a retirada do grupo, em consonância com a cessação da ajuda ao país.
40
da União Europeia, cujo pacote 2014-2020 prevê 55 milhões de euros, sendo
aproximadamente 91% para apoio orçamental.
Este modalidade de ajuda ao desenvolvimento faz normalmente parte de uma evolução
natural do desenvolvimento dos países, refletindo a confiança que os doadores depositam na
capacidade de gestão e implementação do Governo cabo-verdiano e os princípios de eficácia
da ajuda aprovados internacionalmente. Tal tem sido a evolução também noutros países com
capacidade própria de aplicarem os seus programas de desenvolvimento, como é o caso de
Moçambique ou da Tanzânia. No entanto, a experiência desses países, que beneficiam de
ajuda orçamental há mais tempo, pode também ser útil no caso cabo-verdiano.
Um aspeto, muito referido nos estudos existentes sobre apoio orçamental, diz respeito ao
“leverage” que os doadores do grupo de apoio orçamental podem passar a ter sobre as opções
do governo do país que recebe os fundos, em termos de políticas e de programas. Outro
aspeto é o facto de a concentração dos fundos dos doadores na ajuda orçamental implicar,
necessariamente, a existência de menos fundos para outros atores importantes para o
desenvolvimento nacional, como é o caso da sociedade civil. Sendo o governo cabo-verdiano
responsável pela distribuição desses fundos, acaba por existir um poder discricionário que não
acautela os interesses de outros intervenientes, cujo papel é igualmente fundamental na
promoção do desenvolvimento.
41
Figura 4
4.1. Ajuda ao Desenvolvimento a Cabo Verde 2010 2011 2012 2013
APD líquida em milhões USD (a preços 2012) 328 252,2 246,1 243,4
APD líquida em % RNB 20,7 14,1 14,3 13,3
Fluxos privados líquidos -28 -53,5 -357 -1,4
4.2. Maiores Doadores de Cabo Verde APD bruta, média 2012-2013, milhões USD
Portugal 166,4 Luxemburgo 18,6 Instituições da UE 14,3 Japão 14,1
Fonte: CAD/OCDE.
Figura 5: Desembolsos de Ajuda Orçamental (milhões de euros)
Parceiros 2011 2012 2013 2014
Banco Africano de Desenvolvimento 15 10 15 15 Banco Mundial 9 11 União Europeia 7,7 8,77 7,94 Espanha 4,47 3
Holanda 1,7
Luxemburgo 0,5 1,5 0,5 Portugal 2,0 1,2 1,0 0,5 Total 30,87 23,70 26,27 34,94
Fonte: Grupo de Apoio Orçamental Nota: no caso do Banco Mundial, foi feita uma conversão indicativa de dólares para euros As ajudas dos parceiros europeus (Luxemburgo e Portugal) são donativos, enquanto o Banco Mundial e Banco Africano de Desenvolvimento concedem empréstimos concessionais.
Figura 6: Intervenções dos Parceiros de Desenvolvimento por Setor (07/2013)
Parceiro Externo
Setores
Estabilidade Macroeconómica
Gestão das
finanças públicas Procurement Estatística
Setor Privado Segurança
Infra-estruturas
Água e Saneamento Ambiente Energia
Educação e
Formação Profissional Agricultura Saúde
BAfD x x x x x x x x FMI x Banco Mundial x x x x x x x x x
União Europeia x x x x x x Portugal* x x x x x x x x Estados Unidos x x x x x Espanha x x x x x Japão x x x x x x x
Luxemburgo x x x x x x x Holanda x x x França x x x x x Áustria x x x Brasil x x Cuba x x x China x x x
Fonte: Banco Africano de Desenvolvimento, CABO VERDE: COUNTRY STRATEGY PAPER 2014-2018
* Foram acrescentadas a gestão das finanças públicas e as infraestruturas, por se conhecerem intervenções nestas áreas
42
No âmbito da ajuda ao desenvolvimento, os principais parceiros neste âmbito têm sido, nos
últimos anos, Portugal, União Europeia, Luxemburgo e Japão, distribuindo-se os doadores por
uma multiplicidade de setores (conforme ilustrado pela Figura). No geral, há um esforço de
alinhamento dos parceiros externos em torno das prioridades definidas pelo governo cabo-
verdiano, nomeadamente no âmbito do Documento de Estratégia de Crescimento e Redução
da Pobreza (DECRP).
Ao nível da conceção e implementação das ações concretas, continua a existir uma
fragmentação das intervenções e a coordenação poderia ser melhorada, em todas as áreas
setoriais. Não se pretende que essas falhas e insuficiências contradigam o inegável sucesso
alcançado por Cabo verde em muitas áreas, nem que anulem os efeitos positivos de muitos
projetos e programas implementados em diversos setores, mas simplesmente demonstrar as
possibilidades de melhoria e correção, numa ótica de CPD. Para além disso, refira-se que estes
não são problemas específicos de Cabo Verde, mas comuns a vários dos projetos e ações de
cooperação para o desenvolvimento em vários locais do mundo, que alertam para a
necessidade de maior coordenação, harmonização e coerência.
No contexto cabo-verdiano é usual50 a referência ao facto de haver duplicações de projetos, ou
projetos a decorrerem paralelamente numa mesma área, em setores complementares, sem
concertação prévia, o que origina desajustes e prejudica o resultado que se pretende atingir. É
frequente as ações serem pensadas em separado pelos vários intervenientes, sem uma visão
integrada. Para além disso, existe a perceção de que as comunidades não são suficientemente
envolvidas nos processos de elaboração dos programas e projetos que lhes são destinados.
Muitos projetos não têm assegurada uma sustentabilidade que promova a continuação dos
seus efeitos para além do tempo de vida do projeto em si, existindo vários exemplos de
unidades de produção que faliram com o fim dos financiamentos provenientes da cooperação
internacional, de equipamentos que ficam abandonados após o término dos projetos devido à
impossibilidade de assegurar a sua manutenção (por falta de recursos financeiros ou
logísticos), entre outras incoerências. Isto faz com que não haja uma capitalização e
aproveitamento devido dos resultados dos investimentos, em prol do desenvolvimento.
Há também um longo caminho a percorrer para trabalhar segundo uma lógica de resultados,
sendo que raramente são feitas análises sobre o impacto real, ao nível social e económico, que
as ações e projetos tiveram. Num contexto em que todos os setores já foram apoiados por
algum projeto ou programa de cooperação, seria essencial avaliar sempre o que já foi feito
naquele setor e área geográfica, com aquele parceiro, por outros doadores, o que correu bem
ou mal, os resultados anteriores. Por outras palavras, seria essencial investir mais no
aproveitamento das lições aprendidas. Para além disso, a sustentabilidade não pode ser
pensada apenas quando determinado projeto está a acabar, uma vez que uma reflexão a
montante teria reflexos na forma como as ações são geridas e implementadas51.
50 Todas estas conclusões e exemplos decorrem da investigação realizada, assente numa multiplicidade de estudos e documentos de avaliação de projetos e programas, bem como nas entrevistas feitas em Cabo Verde.
51 Entrevistas em Cabo Verde. Estas são também insuficiências identificadas no âmbito dos estudos de caso promovidos pelo projeto “A Coerência das Políticas para o Desenvolvimento (CPD) - O desafio para uma cidadania ativa em Cabo Verde”, especificamente sobre agricultura, pescas e ambiente.
43
A responsabilidade é partilhada entre os vários atores, externos e internos. Só com melhorias
nestas áreas será possível aumentar a coerência e transitar de uma perspetiva de eficácia da
ajuda para a eficácia do desenvolvimento.
2.3.3. Os mecanismos de CPD dos doadores e oportunidades para a sociedade civil cabo-
verdiana
A existência de compromissos, mecanismos e instrumentos de CPD nos países doadores –
particularmente nos países europeus – foi analisada na Parte I deste estudo. Uma análise no
contexto cabo-verdiano aponta para uma fraca tradução desses compromissos no terreno,
nomeadamente pelo facto de as delegações/embaixadas serem ainda pouco envolvidas no
processo de decisão política. No caso da União Europeia, a delegação não intervém na
formulação de políticas comunitárias (como a Política Agrícola Comum, a Política Comum de
Pescas, a abordagem Global para as migrações, etc.), estando esses processos centrados em
Bruxelas.
O papel político das Delegações da UE é, no entanto, cada vez maior, tal como previsto pelo
Tratado de Lisboa e no âmbito de um reforço da coerência da ação externa da União. Em Cabo
Verde isto é especialmente relevante, porque para além dos programas ligados à ajuda ao
desenvolvimento, a Delegação atua também no quadro de um instrumento específico para o
caso cabo-verdiano: a Parceria Especial UE-Cabo Verde. Outro aspeto positivo a salientar é, em
comparação com outros países africanos, o grau considerável de coordenação entre os Estados
Membros presentes no terreno e destes com a Delegação, no sentido de assegurar um nível
satisfatório de coordenação, complementaridade e coerência da atuação da União Europeia
como um todo.
No caso dos principais parceiros bilaterais, existe um esforço para transitar de quadros estritos
de ajuda ao desenvolvimento, para enquadramentos mais estratégicos, que agreguem vários
instrumentos e setores. No caso de Portugal, por exemplo, a realização de Cimeiras Portugal-
Cabo Verde 52 pretende instaurar um diálogo estratégico multissetorial para além dos
programas de desenvolvimento; os novos Programas Estratégicos de Cooperação, assinados
com os principais países parceiros da Cooperação Portuguesa, também têm o objetivo
expresso de promover a CPD.
52
A III Cimeira teve lugar em Dezembro de 2014, onde foram assinados 11 instrumentos nas mais variadas áreas.
44
Caixa 3 Boas Práticas a potenciar: ENERGIAS RENOVÁVEIS
Os países em desenvolvimento, como Cabo Verde, estão grandemente expostos à crise energética, à flutuação e imprevisibilidade dos preços das matérias-primas (em especial o petróleo) e às alterações climáticas, sendo cada vez mais vulneráveis a choques externos, que podem comprometer o alcance dos seus objetivos de desenvolvimento. No setor energético, impõe-se a necessidade de novas alianças, parcerias e mecanismos de financiamento.
Os vários estudos de diagnóstico efetuados no setor da energia na década passada apontavam para problemas derivados da insuficiente capacidade de gestão técnica e financeira da empresa pública produtora e distribuidora de energia, bem como da estruturação do próprio setor. No passado, as sistemáticas e prolongadas falhas no sistema de abastecimento de energia materializam-se em avultados custos nas atividade económicas, sendo um constrangimento quer do crescimento da economia cabo-verdiana quer da atração de IDE. O aumento da pressão do lado da procura, resultante em boa parte da urbanização e do crescimento do turismo53, gerou preocupações com o aumento dos custos com combustíveis fósseis e a procura de novas soluções.
Assim, o Governo de Cabo Verde consagrou como princípio diretor da sua política energética “construir, a longo prazo, um país sem dependência de combustíveis fósseis”, tal como afirmado no Plano Energético Renovável de Cabo Verde (2011). Este Plano estabelece um Programa de Ação, assente em 5 eixos: (i) preparar as infraestruturas, (ii) garantir o financiamento e envolver o setor privado, (iii) implementar os projetos através de um plano de investimentos, (iv) maximizar a eficiência, particularmente reduzindo as perdas, e (v) implementar o Cluster das Energias Renováveis, tornando Cabo verde num exportador de tecnologia e know-how nesta área.
A meta é preencher as suas necessidades de energia através de fontes limpas e renováveis, eólica e solar, ate 2020 (a meta para penetração das energias renováveis é de 50% nesse prazo e de 100% a longo prazo54) O setor privado é um parceiro estratégico neste objetivo, já que o Governo estima que o realização da meta de 50% exigirá um investimento de 300 milhões de euros.
Desde 2008, estas fontes passaram de cerca de 2% para quase 30%. Para isso muito contribuíram os 4 parques eólicos (Santiago, Sal, Boavista, São Vicente) e 2 parques solares fotovoltaicos (Santiago e Sal)55. Para além de isto poder vir a gerar poupanças substanciais e reduzir os custos de produção, poderá também levar Cabo Verde assumir-se como um exemplo na promoção do ambiente e como um laboratório de ideias para a promoção de uma “economia verde”.
Os parceiros externos têm uma oportunidade para implementar estratégias e ações coerentes, em conjunto com os parceiros cabo-verdianos, que agreguem a promoção do ambiente e do desenvolvimento, com efeitos multiplicadores em vários setores e na economia. Entre as áreas com maior potencial, para além da infraestruturação e expansão da cobertura energética, estão a eficiência energética, a exploração de utilização para outros fins (por exemplo dessalinização de
53 O Governo prevê que o consumo de eletricidade duplique até 2020.
54 Esta meta tem por base um estudo alemão. Houve missões de assistência técnica da “Sustainable
Energy for all”, que inclui estudo de viabilidade económica para aumentar a penetração das energias renováveis. Cabo Verde e Samoa são os únicos dois países ACP referenciados como tendo potencial para grande cobertura das energias renováveis. O Conselho Mundial de Energia Eólica (GWEC, sigla inglesa) colocou Cabo Verde, no seu relatório de 2011, em primeiro lugar nos vários índices de cálculo sobre a utilização de energia renovável.
55 Estas estruturas já permitiram uma poupança de 4 milhões de contos, num ano, em importações de
combustível. Entrevistas em Cabo Verde.
45
água, que representa 20-25% dos custos energéticos do país), a melhoria do quadro legal e de regulação para criar um ambiente favorável ao investimento privado nesta área, entre outras.
A ligação entre energia, ambiente e desenvolvimento poderá ser acautelada nos projetos e programas a implementar, se forem concebidos e implementados numa ótica de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento. Um exemplo concreto: se considerarmos que os resíduos sólidos urbanos podem ser uma fonte de energia competitiva em Santiago e São Vicente (como afirmado pelo Plano Energético Renovável), tal deverá ser tomado em consideração quando avaliada a questão da recolha e tratamento dos resíduos (por exemplo equacionando as vantagens e desvantagens de construção de um aterro face a uma solução mais integrada que seja combinada com uma incineradora, com a reciclagem de resíduos e com a produção de energia e fertilizantes)56.
Deverá ser também feita uma avaliação dos projetos já realizados e das lições a retirar para outras ações no setor. Existem vários projetos de cooperação para o desenvolvimento nesta área, nomeadamente no âmbito da Facilidade Global para o Ambiente (Global Environment Facility – GEF). A União Europeia, através da Facilidade para a Energia UE-ACP e do Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) tem também apoiado alguns programas57. Um desses projetos, o SESAM- ER58, executado através de cofinanciamento com o Município de Porto Novo e por via de um consórcio de empresas portuguesas e cabo-verdianas – liderado pela Águas de Ponta Preta, Lda – pretendeu construir um serviço energético sustentável para as populações rurais isoladas, através da Central fotovoltaica de Monte Trigo, com potenciais lições importantes para outros projetos e locais.
Outros projetos são financiados pelo FEDER no contexto da Macaronésia (ISLAGUA, APRENMAC), pelo Luxemburgo (que apoia o CERMI – Centro de Energias Renováveis e Manutenção Industrial, cuja dimensão regional permite receber técnicos da sub-região que venham formar-se nesta área), por Portugal e Espanha, pelas Nações Unidas, Japão, Banco Africano de Desenvolvimento e Banco Europeu de Investimentos. O Centro da CEDEAO para as energias renováveis e eficiência energética (ECREEE)59, criado em 2010, tem a sua sede regional na Cidade da Praia.
Vários doadores estão a incluir este setor como uma prioridade das suas estratégias de cooperação para Cabo Verde nos próximos anos (Luxemburgo, Portugal), para além do interesse manifestado por outros parceiros (p.ex. Alemanha). No caso da União Europeia, o setor não faz parte do Programa Indicativo Nacional 2014-2020 mas é possível a utilização de outras fontes e instrumentos de financiamento. Em Setembro de 2014, foi assinada uma Declaração Conjunta para reforço da cooperação na área da energia sustentável60, que prevê a elaboração de um Roteiro com a identificação das ações. Em termos do diálogo setorial, prevê-se a criação de um Grupo de Coordenação sobre Energia, para permitir aos doadores e autoridades cabo-verdianas alinharem e complementarem as suas ações, através de uma divisão do trabalho que promova a coerência para o desenvolvimento.
56 Entrevistas em Cabo Verde.
57 Segundo o quadro financeiro europeu 2014-2020, a UE vai disponibilizar neste período 2 mil milhões
de euros para financiar projetos ligados às energias renováveis em África.
58 O SESAM-ER (Serviço Energético Sustentável para as populações rurais isoladas mediante Micro-Redes com Energias Renováveis na ilha de Santo Antão) foi implementado entre Março de 2008 e Junho de 2013.
59 www.ecreee.org
60 Declaração subscrita por Cabo verde e pela União Europeia, Luxemburgo, Espanha, Portugal e Áustria.
46
No geral, existem dois mecanismos importantes para a promoção da CPD entre os parceiros
externos e o governo cabo-verdiano, e com oportunidades para a participação da sociedade
civil.
a) Grupo de Apoio Orçamental (GAO)
O Grupo de apoio orçamental tem cada vez mais peso no cômputo global da ajuda externa e
uma maior influência em termos políticos no que respeita ao diálogo entre parceiros externos
e destes com as autoridades cabo-verdianas. Um exemplo deste facto está no aumento da
importância do GAO face a outros mecanismos existentes de coordenação da ajuda mais
alargados, como o Grupo de Parceiros do Desenvolvimento.
O Quadro de Parceria subscrito por Cabo Verde e pelos parceiros internacionais estabelece
mecanismos de acompanhamento e avaliação que implicam reuniões regulares e trabalho
preparatório, quer ao nível do diálogo político ao mais alto-nível, quer com reuniões técnicas
exigentes e de debate aprofundado das temáticas61. Tem lugar um diálogo contínuo de política
sectorial com a administração cabo-verdiana no âmbito dos grupos temáticos permanentes
que foram criados, nomeadamente nos sectores da água e saneamento e da formação
profissional. É efetuada uma análise da execução da Estratégia de Crescimento e Redução da
Pobreza, seja a nível macroeconómico, seja a nível sectorial, com base numa Matriz Geral de
seguimento comum, e em Matrizes sectoriais. É também analisada a execução do apoio e
avaliadas as reformas em curso.
No entanto, ainda não existe um mecanismo formal e independente ou um acordo de
avaliação de execução dos compromissos assumidos entre Cabo Verde e os seus parceiros de
desenvolvimento que possa refletir uma verdadeira avaliação mútua (de Cabo Verde e dos
parceiros internacionais), como existe noutros países que beneficiam desta modalidade de
ajuda.
Está a ser equacionada a participação activa da sociedade civil no GAO, embora segundo
moldes ainda a definir (com que estatuto? com que representatividade? quais os direitos e
deveres?). Esta possível abertura à sociedade civil é uma iniciativa da União Europeia, subscrita
por todos os membros do GAO, e que será proposta ao governo cabo-verdiano.
Isto é tanto mais importante pelo facto de existir um grande desconhecimento por parte da
sociedade civil sobre a ajuda orçamental, sobre os seus mecanismos e monitorização, podendo
assim haver um envolvimento real e não uma sensação de exclusão face a um grupo
considerado “fechado e desconhecido”. Para além disso, a participação da sociedade civil
permitiria também veicular algumas preocupações destes atores relativamente à ajuda ao
desenvolvimento em geral e à ajuda orçamental em particular, uma vez que existe a perceção
de que a ajuda ao orçamento contribuiu negativamente para o acesso dos atores não-estatais
aos financiamentos externos.62
b) Parceria Especial UE-Cabo Verde
Desde 2007, Cabo Verde e a UE tentam dar uma nova orientação ao relacionamento, para
ultrapassar a tradicional relação doador-beneficiário e abarcarem interesses comuns, em
matéria de segurança e desenvolvimento. Do lado cabo-verdiano, tal foi prosseguido com o
61
Entrevistas em Cabo Verde.
62 Entrevistas em Cabo Verde.
47
objetivo de possibilitar o acesso a normas, mecanismos e instrumentos que aproximem mais o
seu sistema económico do europeu e que aumentem a sua participação em programas e
políticas da UE, nomeadamente no âmbito das regiões ultraperiféricas (RUP) - Madeira, Açores
e Canárias.
A Parceria UE-Cabo Verde assenta em 6 pilares: boa governação; segurança e estabilidade;
integração regional (RUP e CEDEAO); convergência técnica e normativa; sociedade do
conhecimento e da informação; e luta contra a pobreza e desenvolvimento. O caráter inédito,
e por conseguinte indefinido, desta Parceria Especial tem vantagens e riscos: se por um lado, é
um “chapéu” que pode enquadrar toda a cooperação em várias áreas, produzindo assim
sinergias e complementaridades importantes em termos da CPD, por outro lado, a inexistência
de outros exemplos similares pode levar mais tempo a consolidar os processos e resultados.
Entre os pilares que têm apresentado alguns resultados concretos estão a Governação (com a
implementação de projetos de melhoria institucional e e-government) e a Segurança (que tem
sido construída mais ao nível bilateral – com Espanha, Portugal, Itália – e que está a ser
reforçada e estruturada num plano mais europeu, passando a ser uma parceria autónoma para
a Estabilidade e Segurança).
Um dos setores fundamentais para a CPD é a Convergência Técnica e Normativa, no sentido
em que reforçará a capacidade institucional e governação do setor económico, facilitando as
exportações dos bens e serviços cabo-verdianos através da convergência técnica e normativa
entre a UE e CV. No seguimento da adoção do Livro Branco para a Convergência Técnica e
Normativa, tem-se registado um progresso notável e um intenso intercâmbio sobretudo a
nível de 3 Sectores prioritários: Alimentar, dos Produtos Farmacêuticos e da Qualidade.
Para a gestão da Parceria, Cabo Verde possui um Secretariado Permanente, sob a direção do
Ministério das Relações Exteriores (MIREX), que tem por finalidade assegurar o funcionamento
regular dos mecanismos bilaterais de seguimento, que são: o grupo local de seguimento, o
grupo técnico de seguimento e o grupo Ministerial.
A participação da sociedade civil está prevista no texto da Parceria. Logo na Introdução, n.6:
“Ela estará aberta à participação ativa dos atores não estatais de Cabo Verde e de todos os
Estados-Membros, destacando-se o papel da sociedade civil e do sector privado, bem como o
da diáspora cabo-verdiana no reforço do desenvolvimento e na diminuição da pobreza”, e
depois, nos Mecanismos de Monitoria da Implementação, ponto 55. “Ao nível consultivo,
funcionará uma Comissão Nacional de Coordenação que integrará um representante da
Administração Pública para cada pilar, um representante da Sociedade Civil, um representante
dos Municípios e um representante das ONGs. (…) Esta Comissão funcionará com base no seu
regimento interno e emitirá o seu parecer sobre os planos a implementar e os respetivos
relatórios, e será assessorada pela Unidade Técnica”. Esta disposição não foi ainda
implementada, no entanto, e além da interação com a sociedade civil que tem tido lugar
principalmente através do pilar do desenvolvimento e luta contra a pobreza, têm sido
organizados vários eventos de informação e debate com a participação da sociedade civil
relativamente a vários pilares da Parceria Especial como o da Sociedade da Informação e do
Conhecimento ou da Integração Regional. No âmbito das celebrações da "Semana da Parceria
Especial"”63, são anualmente organizadas iniciativas de divulgação, debate e reflexão com a
participação de vários actores da sociedade civil Cabo Verdiana.
63
A “Semana da Parceria Especial” teve lugar em Maio de 2014, concentrada em São Vicente, com iniciativas junto de universitários, e em concertação com a União Europeia. Houve uma deslocação de
48
Este importante diálogo é igualmente desenvolvido através de outras linhas temáticas de
financiamento especialmente dedicadas a apoiar à Sociedade Civil e Autoridades Locais que
são descritas mais à frente.
Ainda relativamente à sociedade civil, a sua participação nas políticas dos doadores é
promovida em especial pela União Europeia e pelas Nações Unidas.
É reconhecido que estes atores não têm sido suficientemente envolvidos no diálogo,
limitando-se muitas vezes esse envolvimento à participação em sessões de informação e
consulta, com poucos resultados práticos em termos de influenciar concretamente o processo
de decisão. O Quadro de Assistência das Nações Unidas para o Desenvolvimento em Cabo
Verde (2012-2016), na sua Matriz de Resultados e no que respeita ao Pilar de “consolidação
das instituições, democracia e cidadania”, estabelece como um dos objetivos garantir o
diálogo e participação dos diferentes atores sociais e dos cidadãos no processo de
desenvolvimento. Entre os indicadores para avaliar o seu cumprimento estão:
• o número de mecanismos que facilitem a participação da sociedade civil no
planeamento e avaliação das políticas;
• a % da sociedade civil organizada que está satisfeita com o facto de a sua voz ser
reconhecida pelas instituições públicas nacionais;
• o número de relatórios alternativos aos documentos de planeamento e avaliação das
políticas elaborados pela sociedade civil.
Relativamente ao diálogo entre a União Europeia e as autoridades cabo-verdianas, a UE
equaciona, segundo o Programa Indicativo Nacional Cabo Verde-União Europeia 2014-2020, a
constituição de um grupo de diálogo mais inclusivo, que envolva a sociedade civil e o
Parlamento. Para além do apoio a projetos, a sociedade civil é também consultada no quadro
da definição de prioridades para as linhas de financiamento que lhes estão destinadas, como a
Linha de apoio à Sociedade Civil e Autoridades Locais no Desenvolvimento.
Foi realizada uma consulta pública e elaborado um Roteiro da UE para um Compromisso com
a Sociedade Civil (para o período 2014-2017), no qual se afirma que “as OSC poderiam
desempenhar um papel significativo no acompanhamento e monitorização das políticas das
autoridades centrais e locais, a fim de garantir os necessários controlos e equilíbrios na vida
política de Cabo Verde”. Nesse quadro, teve lugar uma Missão de Assistência Técnica da UE
(Setembro de 2014) que procedeu a sessões de consulta e identificação de necessidades bem
como a formações, identificando áreas prioritárias para futuras iniciativas e modalidades de
apoio ao reforço das capacidades técnicas das organizações da sociedade civil (OSC) e
autoridades locais (AL) em Cabo Verde. Está também prevista para 2015, a elaboração de um
Mapeamento da Sociedade Civil, incluindo uma lista atualizada de todas as organizações por
temática e escala de intervenção.
O Roteiro da UE define 3 níveis de atuação com várias prioridades, para os quais a UE e os
Estados Membros se comprometem a contribuir, seja a nível de financiamento direto, apoio
através de assistências técnicas, diálogo político ou promoção de sinergias:
Nível 1: Ambiente Favorável
− Melhor conhecimento do contexto nacional da sociedade civil
− Sustentabilidade Financeira das OSC e AL
− Adaptação do Quadro legal às necessidades das OSC e AL
jornalistas a Bruxelas, para tomarem contacto com as instituições europeias (Set.2014), e a vinda do Comissário Europeu para a Ciência e Tecnologia a Cabo Verde.
49
Nível 2: Participação Ativa
− Participação das OSC e AL na elaboração e tomada de decisão de políticas publicas
− Melhorar contribuições das OSC e AL nos processos de governação e
desenvolvimento a nível local
− Incluir sectores da população e da economia diretamente relacionados com a luta
contra a pobreza e outros sectores identificados pelas OSC e AL
Nível 3: Reforço de Capacidades
− Apoio às OSC e AL para a melhoria dos seus mecanismos de autonomia,
governação interna e transparência
− Melhoria das capacidades técnicas das OSC e AL
50
2.4. A coerência das políticas públicas e a participação da sociedade civil
cabo-verdiana
Em todos os países, a tomada de decisão política é complexa e sujeita a interesses variados e,
por vezes, contraditórios. A CPD reconhece estes conflitos e pode ser um incentivo para
abordar os interesses de vários intervenientes e interessados, na medida em que confere voz
àqueles que são afetados pelas políticas e encoraja tomadas de decisão mais participativas e
informadas. Ao permitir a expressão de várias perspetivas, permite também ter conhecimento
de novas propostas e opções, que de outra forma não seriam sequer equacionadas. No
entanto, mobilizar a atenção e apoio político para a CPD não é fácil, devido à competição entre
interesses e a dificuldade dos mais pobres projetarem a sua voz nos contextos de cada país.
Os objetivos de promoção da CPD, em Cabo Verde, são facilmente replicáveis do que a OCDE
considera os objetivos gerais da CPD:
explorar o potencial de sinergias positivas entre várias políticas, para promover o
desenvolvimento e tentar atingir benefícios mútuos;
aumentar a capacidade do governo equilibrar interesses divergentes em termos das
várias políticas, bem como de conciliar os objetivos de política interna com os
compromissos e objetivos no plano global;
evitar ou minimizar os impactos e efeitos negativos de várias políticas no
desenvolvimento (incoerências).
Nesse sentido, a CPD deve ser promovida, no contexto cabo-verdiano, nos 3 níveis de
operacionalização: Compromissos Políticos / Mecanismos institucionais / monitorização
através de análises, informação e comunicação, conforme a figura seguinte.
Figura 7: A CPD no plano nacional
51
Como analisado nos capítulos anteriores, a coerência entre políticas, permitindo um impacto
mais positivo na promoção do desenvolvimento em Cabo Verde, é especialmente importante
na conjuntura atual do país, quer em termos do seu processo de desenvolvimento, quer no
que respeita às atuais tendências das políticas de cooperação e ajuda ao desenvolvimento dos
principais parceiros externos.
Várias políticas públicas, concebidas através de estratégias e planos de ação decorrentes da
Estratégia de Transformação definida em 2003, estão atualmente em fase de revisão e de
formulação de novos Planos, mais adequados às dinâmicas e desafios atuais do país em cada
setor. No que respeita às áreas setoriais priorizadas por este estudo, é o caso, nomeadamente,
do Plano Estratégico para o Desenvolvimento Agrícola (2005, com horizonte temporal de 2015)
e respetivo Plano Nacional de Investimento Agrícola (de 2010), Plano de Ação Nacional para o
Ambiente (PANA II, 2004-2014), e do Plano de Gestão dos Recursos da Pesca (2004-2014). O
Documento de Estratégia para o Crescimento e Redução da Pobreza em Cabo Verde (DECRP III)
tem como horizonte temporal 2016, havendo a intenção de fazer uma revisão intercalar, em
2015.
No plano internacional, Cabo Verde será também chamado a operacionalizar, em termos
nacionais e locais, uma agenda global para o desenvolvimento pós-2015, o que implicará
reinventar formas de promover políticas mais coerentes e consentâneas com os futuros
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Estamos, portanto, num período muito
específico de revisão de estratégias e reformas, com grande oportunidades e desafios para a
promoção da CPD.
Caixa 4
O DECRP III como instrumento de promoção da CPD
O Documento de Estratégia para o Crescimento e Redução da Pobreza em Cabo Verde
(DECRP)64 é o instrumento de planeamento de longo-prazo em Cabo Verde65
O DECRP é um dos principais documentos enquadradores da promoção da CPD em Cabo
Verde, ao assumir a política de combate à pobreza como parte integrante da globalidade das
políticas públicas. Ou seja, é suposto que todas as políticas, objetivos e ações ali identificados,
pertencendo a uma multiplicidade de áreas setoriais, contribuam para o fim último de redução
da pobreza. Este documento passou a constituir o quadro de referência para as intervenções
dos vários parceiros na definição e implementação das políticas públicas, sendo o suporte para
a afetação de recursos internos e externos.
O DECRP III (2012-2016), ao contrário dos dois anteriores, foi um exercício de integração, no
sentido em que contou com os contributos e articulação efetiva entre vários setores, o que
permitiu trabalhar a coerência, pelo menos na sua formulação. Assenta em cinco eixos
fundamentais de atuação: (i) infraestruturas, (ii) capital humano, (iii) boa governação, (iv)
reforço do setor privado e (v) afirmação do país a nível global, sendo que a concretização
destes eixos passam pela execução de investimentos por setores, pela melhoria de serviços
públicos prestados aos cidadãos e pela otimização de atividades de natureza burocrática.
64
DECRP I (2004-2007), DECRP II (2008-2011); DECRP III (2012-2016)
65 Lei de bases do Sistema Nacional de Planeamento: Lei n.º72/VIII/2014, de 19 de Setembro de 2014
52
Os programas de investimento e planos de ação setoriais têm feito um exercício de
alinhamento com o DECRP, que serve de “chapéu” para as intervenções nas várias áreas. São
definidos Quadros Lógicos dos Programas do DECRP, por eixo, incluindo indicadores e meios
de verificação. Os Parceiros externos fazem também, no geral, um esforço de alinhamento
com as prioridades definidas nesse quadro.
Desta forma, o reforço dos mecanismos de seguimento do DECRP, quer com uma
monitorização mais sistemática e participada dos indicadores, quer com uma comunicação e
informação mais eficaz (nomeadamente para a opinião pública e para a sociedade civil),
poderia traduzir-se em ganhos efetivos na promoção da coerência.
A coerência aplica-se, em primeiro lugar aos atores públicos, que têm a responsabilidade de
conceber, organizar e implementar as políticas públicas. Em Cabo Verde, razões históricas
reforçaram a perceção sobre o papel central e responsabilidade do Estado66. Os cabo-
verdianos, em geral, “responsabilizam os resultados até agora alcançados em Cabo Verde, à
boa governação dos sucessivos governos pós independência, assim como responsabilizam o
Estado pelas mazelas que afetam a sociedade, nomeadamente o desemprego, a falta de
segurança social e a violência. Nota-se que existe uma ideia de Estado-providência a quem
atribuem a competência para definir as metas que sociedade deseja alcançar, cabendo a ele
planificar, orientar e criar as condições para a materialização dos objetivos”67
Neste âmbito, a experiência cabo-verdiana não é diferente de outros locais, no sentido em que
a coerência é muito mais fácil de assegurar ao nível das declarações e compromissos políticos,
do que depois nos níveis de coordenação institucional e de monitorização. Ou seja, existem
incoerências entre as orientações dadas pelos documentos ou planos de orientação
estratégica e depois a implementação concreta dos acordos e políticas68.
A coordenação institucional e a monitorização tem registado algumas melhorias nos últimos
anos. Por exemplo, o DECRP III introduziu inovações para melhorar a monitorização da
despesa pública nas várias áreas setoriais, para avaliar as reformas definidas (com matriz de
seguimento e indicadores, sendo que cada projeto tem de ter um quadro lógico feito e
atualizado pelos Ministérios setoriais) e para realizar uma gestão mais baseada nos resultados,
como aliás foi aplicado à abordagem programática do Orçamento de Estado dos últimos anos.
Neste quadro, é importante reforçar, cada vez mais, o envolvimento e a capacidade das
autoridades estatísticas nacionais – particularmente o INE – para possibilitar um seguimento e
avaliação contínua dos indicadores e metas da estratégia.
A gestão dos fundos públicos também sofreu alterações, com a introdução do SIGOF69 e de
reformas nos processos de planeamento, orçamentação e gestão. No entanto, as avaliações
66 Entrevistas em Cabo Verde.
67 Nações Unidas (2013).
68 Isto foi já evidenciado pelos estudos de caso realizados no âmbito do projeto: agricultura, pescas e ambiente.
69 O Sistema Integrado de Gestão Orçamental e Financeira (SIGOF) é o instrumento informático de suporte do Sistema Nacional de Planeamento, que organiza e integra os instrumentos de planeamento de longo, médio e curto prazo, e permite o respetivo seguimento e avaliação. Este instrumento permite “a programação, execução, seguimento e avaliação dos Programas e respetivos Projetos de Investimento, Unidades de Gestão e Apoio Administrativos, tanto nos aspetos financeiros como físicos”.
53
feitas sobre as políticas públicas centram-se quase exclusivamente na gestão financeira e nos
resultados em termos de resultados imediatos - “outputs” (p.ex. foram construídas X
barragens, foram melhorados X portos, etc.), sendo ainda escassa a avaliação do impacto e
dos resultados alargados - “outcomes” (ex: qual o impacto das barragens nas condições de
vida das populações? Os portos traduziram-se num aumento da atividade económica por via
marítima?). Isto significa que a promoção da CPD requer uma visão integrada dos problemas e
das soluções, ao nível político e técnico – ver Caixa sobre o exemplo das barragens.
Por outro lado, os mecanismos institucionais por vezes até existem, mas em certos casos não
são utilizados ou dinamizados. Damos apenas um exemplo: no caso específico do setor
pescas, o diálogo entre os vários intervenientes no setor é irregular e não existe uma
verdadeira concertação, que poderia ser incentivada no quadro da Comissão Nacional de
Pesca, criada exatamente para o efeito70. Isto faz com que haja a perceção de que as partes
interessadas e os beneficiários finais de determinada política setorial – neste caso pescadores
artesanais – não são devidamente ouvidas nas negociações dos acordos que o Estado Cabo-
verdiano celebra, ou que não são devidamente formados e informados sobre esses acordos ou
sobre as decisões tomadas. Assim, a dinamização desses espaços de diálogo, comunicação e
informação, que já existem no enquadramento institucional, seria importante para avançar no
sentido de maior coerência.
O défice generalizado de conhecimento sobre as políticas públicas e privadas implementadas
em Cabo Verde, bem como em relação aos compromissos que o governo cabo-verdiano
assumiu no plano internacional, dificulta uma ação sustentada de exigência de prestação de
contas e de responsabilização. Importa, por isso, melhorar a estratégia de comunicação e
divulgação entre as instituições, bem como com a população em geral.
No entanto, é também preciso dizer que, apesar da constatação inicial sobre o “alheamento
generalizado da população”, verifica-se um nível maior de envolvimento, de organização, de
empoderamento e de menor dependência das populações. Ou seja, as populações estão
interessadas em participar na vida das suas comunidades, em resolver os problemas e
enfrentar os desafios com que a sua comunidade se defronta, e têm normalmente uma
opinião formada sobre o que deve ser feito, sobre a atuação do poder central e local, sobre o
que tem corrido mais e menos bem. Como referia o Fórum 2030, realizado em Maio de 2014
para refletir sobre a transformação do país, “this is also facilitating mental change. People are
become less dependent and the focus is now more on empowerment and capacity building to
participate in the economy as opposed to waiting for hand out”. A questão é melhorar o
exercício dessa cidadania: terem os canais adequados para veicularem essas opiniões,
estarem dispostas a fazê-lo no espaço público, e serem efetivamente ouvidas.
Todos esses programas e projetos devem obrigatoriamente constar do SIGOF, conforme estabelecido pela Lei de Bases do Sistema Nacional de Planeamento (Lei .º71/VIII/2014, de 19 de Setembro)
70 A política de pescas não é objeto de análise específica neste estudo. Para uma análise aprofundada,
ver Ferreira, Patrícia (2011) e Silva, Damaris (2013).
54
Caixa 5 Um exemplo a analisar: AS BARRAGENS. Coerência ou Incoerência? Com a variabilidade climática e os frequentes anos secos, associados a uma crescente população e a práticas humanas que exigem cada vez um maior volume de água, Cabo Verde é um arquipélago cada vez mais vulnerável no que respeita à disponibilidade e gestão dos recursos hídricos. A mobilização de recursos hídricos em Cabo Verde corresponde a um imperativo, quer para melhoria das condições de vida das populações, quer para melhoria da produtividade agrícola. A estratégia de crescimento do país, nomeadamente o DECRP (em consonância com o Plano Nacional de Investimento Agrícola de 2010) prevê a construção de 17 barragens abrangendo a maioria das ilhas – para além de dezenas de diques e de cinco sistemas de bombagem de água -, das quais já foram construídas sete (5 em Santiago, 1 em Santo Antão e 1 em São Nicolau). A construção das barragens e outras infraestruturas contou com um consenso alargado em termos políticos, pela sua necessidade.
O crescimento da produção e produtividade de algumas zonas rurais é evidente nos últimos anos, como resultado da construção das barragens e reservatórios de água, da gestão da irrigação e expansão da irrigação gota-a-gota, da introdução de novas tecnologias, construção de estradas rurais e aumento do acesso à microfinança. Como resultado, a área irrigada duplicou, entre 2003 e 2012 (na irrigação gota-a-gota o crescimento foi 6x maior, segundo dados do Ministério da Agricultura) e a produção agrícola de alguns produtos hortícolas aumentou bastante, o que levou a um decréscimo das importações alimentares em algumas zonas do arquipélago. Os efeitos positivos começaram a sentir-se logo a partir de 2010, com maior abundância de produtos hortícolas e diminuição dos preços destes produtos na Ilha de Santiago.
No entanto, é preciso não esquecer que as barragens são estruturas de grande impacte ambiental e socioeconómico. Ao nível ambiental, contam-se a o chamado efeito de barreira, a alteração paisagística, a destruição de habitats, a existência de materiais sobrantes, a alteração ambiental nas áreas de acesso e circulação, entre outros. Considera-se muito pertinente a opção pela construção das barragens planeadas e projetadas em Cabo Verde, porém, estas devem ser acompanhadas de uma rigorosa avaliação e monitorização em todo o seu processo. Neste âmbito, salientam-se vários pontos:
- As barragens tiveram algum impacto na produção agrícola, mas há outras questões não acauteladas, como falhas ao nível do acondicionamento e transporte dos produtos, da certificação de produtos e de qualidade, etc. Num quadro em que as ilhas onde estão instalados os maiores empreendimentos turísticos não produzem horticultura – Boavista e Sal -, estas questões são especialmente relevantes.
- É necessária uma gestão participativa da água da barragem após a sua construção, em que todos os agricultores se sintam parte integrante do coletivo, pois, para muitos, a gestão da barragem é feita de costas viradas aos interesses dos agricultores.
- Apesar dos avanços no sistema de rega, a maioria dos agricultores utiliza a rega por alagamento, desperdiçando grande quantidade de água e promovendo uma sobre-exploração e concomitante desperdício da água da barragem.
- Muitos agricultores consideram que o preço estipulado pela água é demasiado caro (admitem que o que ganham da venda os produtos agrícolas só dá para pagar a água que deveria ter um preço muito menor, uma vez que a água da albufeira é proveniente da chuva a custo zero)
- Há todo um trabalho de capacitação e mobilização, a fazer com os agricultores, para: determinar o que plantar, para desenvolver cooperativas que resolvam o problema da pequena escala, para facilitar o processamento dos produtos e sua distribuição, para aumentar a qualidade, para facilitar a ligação entre os produtores e o mercado.
55
Assim, têm surgido algumas incoerências na medida em que ocorrem “cenários de produtos hortícolas serem vendidos a baixos preços, ou mesmo estragarem na ilha de Santiago, enquanto os empreendimentos hoteleiros importam do exterior e a população local compra produtos agrícolas e preços exorbitantes nas ilhas não produtoras”71. A conclusão principal é que as barragens foram concebidas para resolver um problema específico e muito premente para o desenvolvimento de Cabo Verde – a escassez de água -, mas, para terem efeitos coerentes e sustentáveis no processo de desenvolvimento a médio e longo-prazo, têm de fazer parte de uma visão integrada que englobe sinergias entre vários setores (e para as quais contribuem vários fatores, tal como a figura seguinte).
Figura 8: Visão Integrada e multissetorial da construção de barragens
Infraestrutura: BARRAGENS
MELHORIA NA DISPONIBILIDADE E ABASTECIMENTO DE ÁGUA
Capacitação e formação
Agricultura
Comércio Transportes
Inovação
Incentivos à fixação das populações
Respeito pelo meio ambiente
Certificação e Qualidade
Crescimento do turismo
Para potenciar boas práticas de CPD, é essencial promover um diálogo multi-atores sobre as
várias políticas, para identificar os obstáculos e os catalisadores da mudança. Em Cabo
Verde, a partidarização e politização das opiniões é um obstáculo concreto à obtenção de
resultados positivos no diálogo entre atores. No entanto, podem ser feitas melhorias para
potenciar o importante papel que a sociedade civil tem aqui a desempenhar, no seu diálogo
com o governo central, com os municípios e com Parlamento.
− Sociedade Civil /ONG e diálogo com o governo
Existem inúmeras associações e organismos da sociedade civil que atuam em diversos campos
e níveis, desde as pequenas organizações comunitárias às associações e ONG com um carácter
nacional. Estas organizações têm também uma capacidade de trabalhar em rede, sendo a
maioria das ONG membro de uma rede ou comité de debate e investigação. Ao nível nacional,
71
Estudo de Caso: Agricultura
56
a Plataforma das ONG de Cabo Verde tem grande representatividade e evoluiu no sentido de
representar organizações diversas da sociedade civil (não só ONG), tendo quase 300 membros,
embora se pense que o universo das organizações não-estatais em Cabo Verde possa atingir as
3 mil organizações. Isto é um número muito considerável, em comparação com outros países
africanos, e particularmente tendo em conta a dimensão do país.
O trabalho desenvolvido por estas organizações é reconhecido como fundamental para o
desenvolvimento do país, quer pelos atores públicos e governamentais, quer pelos parceiros
externos. No geral, o seu trabalho tem credibilidade junto das instituições e das populações,
pelo tipo de atividades desenvolvidas (muitas vezes colmatando necessidades as quais a
atuação governamental não consegue responder) e pelos resultados alcançados.
Relativamente à participação na definição e implementação de políticas, a Lei de bases do
Sistema Nacional de Planeamento, de Setembro de 2014, estabelece que “no âmbito do
sistema nacional de planeamento, os órgãos consultivos de planeamento são responsáveis
pela viabilização da participação do setor privado e de organizações da sociedade civil nos
processos e instrumentos do sistema nacional de planeamento”72.
Algumas OSC são consultadas pelo Governo no âmbito do Conselho de Concertação Social, o
que é um caso relativamente raro comparativamente a outros países africanos. São também
consultadas quando da formulação de estratégias nacionais ou planos setoriais, normalmente
para socialização e validação dos documentos. Algumas ONG com trabalho reconhecido em
setores específicos (p.ex. ambiente) funcionam como uma ponte entre os organismos
governamentais e as associações comunitárias. A Plataforma das ONG é reconhecida como
principal interlocutor da sociedade civil, dando pareceres nas mais variadas áreas e estando
presente num grande número de comités e grupos de trabalho governamentais (o que levanta
questões de capacidade e competências – ver pontos seguintes).
No entanto, a sensação geral é de que esse diálogo é desigual e que essa consulta é
frequentemente efetuada para cumprir calendário, ou que as contribuições e opiniões não
são devidamente tidas em consideração e integradas nessas políticas. Muitas vezes, a
consulta é efetuada na altura da elaboração e validação de um documento, mas depois não há
uma continuidade desse trabalho ao nível do seguimento da sua implementação e
monitorização. Para além disso, embora as mais-valias técnicas de algumas ONG, em áreas
setoriais específicas, sejam reconhecidas, isso não se traduz ainda numa delegação efetiva em
termos de implementação de projetos73. Em suma, “a participação das OSC em geral limita-se
a um nível de informação e consulta das OSC por parte das instituições públicas, mas não
atinge graus mais elevados de delegação de poder, empoderamento, controle, influência e
decisão nos processos de políticas públicas. Neste sentido, há uma necessidade de reforço da
capacidade organizativa e institucional das próprias OSC, mas também de uma revisão dos
mecanismos de participação pública previstos no sistema político e ordenamento jurídico
cabo-verdiano, na tomada de decisões, no processo legislativo, na formulação de políticas
públicas, na orçamentação e na prestação de serviços sociais”74
No que se refere às organizações, as suas capacidades de advocacia e influência são limitadas
devido aos seguintes fatores:
72 Artº. 12: Órgãos Consultivos de Planeamento
73 Entrevistas em Cabo Verde.
74 Roteiro da UE para um Compromisso com a Sociedade Civil 2014-2017
57
AS OSC estão muito vocacionadas para a prestação de serviços básicos e sociais –
como educação, saúde, intervenções de base comunitária, etc. – estando pouco
sensibilizadas para o papel que podem e devem ter no âmbito mais político e de
advocacia.
Há uma fragmentação do conhecimento e experiência, ou seja, as competências
técnicas e setoriais das OSC são normalmente limitadas e específicas do setor em que
intervêm, pelo que estão dispersas por muitas organizações, existindo poucos recursos
humanos com capacidade técnica de uma reflexão estratégica abrangente e de
dominar vários assuntos e tecnicismos.
As OSC são absorvidas pela gestão diária do seu trabalho, tendo pouca capacidade
real, em termos de recursos humanos, financeiros, de tempo, etc., para participarem
mais ativamente noutros processos;
Há uma grande dependência dos financiamentos, o que faz com que certas
organizações sejam apenas sazonais (quando têm um determinado financiamento ou
projeto) e funcionem em boa medida com base no voluntariado, pelo que os seus
recursos humanos não se podem dedicar a esse trabalho de forma plena e
permanente.
Existe uma grande dificuldade de “falar a uma só voz”, ou pelo menos, de coordenar
posições sobre determinado tema - o que é natural dada a fragmentação e diversidade
das OSC, mas enfraquece a capacidade negocial e de influência, prejudicando também
a coerência do contributo das OSC para o processo de desenvolvimento.
Apesar de haver uma evolução no diálogo e reflexão interna às próprias OSC, é ainda
difícil fazer análises independentes e profundas sobre as questões de governação
destas organizações, sendo ainda pouco aplicado o Código de Ética promovido pela
Plataforma das ONG em conjunto com as associadas.
Há uma dispersão geográfica que advém da descontinuidade territorial, dificultando as
deslocações e participação no diálogo sobre políticas, que é muito centralizado devido
à concentração das autoridades governamentais na capital.
Existe, assim, todo um trabalho a fazer ao nível das próprias OSC, para aumentar a sua
capacidade de identificar incoerências, veicular as suas posições e proporem soluções. O
reforço dessa capacidade de influência pode passar por dois caminhos em simultâneo. Por um
lado, a aposta na criação de redes da sociedade civil sobre temas específicos, nomeadamente
promovidas pela Plataforma das ONG, que permitam a várias organizações ter uma
intervenção mais ativa e permanente no debate nacional sobre certos temas. Isto já está a ser
feito, por exemplo, através da rede da sociedade civil para a segurança alimentar e nutricional,
e pode ser potenciado noutros setores. Tal permitiria que as organizações concertassem
posições para depois aproveitarem melhor a sua participação em redes e organismos
governamentais (no exemplo referido, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional, também recentemente criado e onde a sociedade civil tem assento como
conselheira). O fomento de uma cultura de produzir relatórios e documentos de posição da
sociedade civil sobre temas específicos também contribuiria para esse objetivo.
Por outo lado, o reforço dessa capacidade pode passar igualmente pela constituição de um
Observatório de CPD, que pudesse organizar todo esse trabalho de forma mais sistemática e
58
sustentada, consolidando e dando seguimento às dinâmicas de diálogo e de monitorização
iniciadas já com o projeto “A CPD - O desafio para uma cidadania ativa em Cabo Verde”75.
No que se refere ao diálogo Governo-OSC, a promoção da CPD teria a beneficiar com a
constituição de espaços e órgãos de consulta e de acompanhamento de políticas, e
particularmente de espaços e mecanismos onde a sociedade civil seja um parceiro à mesa.
Vimos que a sociedade civil é consultada de forma ad-hoc e consoante as prioridades políticas
de cada momento, mas poderia ser útil a dinamização de alguns espaços de concertação, em
temáticas selecionadas, onde a sociedade civil fosse um parceiro efetivo e onde se fizesse uma
monitorização de forma mais estruturada, regular e sistemática.
No enquadramento cabo-verdiano, compete ao Ministério do Ambiente, Habitação e
Ordenamento do Território (MAHOT): (i) Acompanhar as ONG e as Associações Comunitárias
de Desenvolvimento local em termos de informação e facilitação nas suas relações com o
Estado, em particular, no que respeita ao apoio institucional a dispensar pelo Governo; (ii)
Propor e adotar medidas de política, estratégias e metodologias de enquadramento da
atividade das ONG e o quadro legal de relacionamento com o Estado; (iii) Acompanhar e
avaliar o impacto da ação das OSC no desenvolvimento local e regional; (iv) Incentivar a
parceria entre as autarquias locais e as organizações da sociedade civil na conceção e
implementação de programas e projetos de desenvolvimento com impacto positivo na vida
das comunidades locais e regionais; e (v) Assegurar apoio técnico-institucional às organizações
da sociedade civil nos domínios da abordagem participativa dos projetos de desenvolvimento
de cariz local e regional, formação dos seus agentes e dirigentes e mobilização de recursos e
parcerias no plano interno e externo.
O MAHOT é, assim, o ponto focal mais importante para a promoção da interação entre a
sociedade civil e o poder central. Nesse quadro, várias ações podem ser reforçadas, como a
aposta num esforço conjunto de informação e sensibilização, para dar a conhecer melhor o
trabalho das OSC e os resultados alcançados. Existe, junto de alguns atores, a ideia de que há
uma falta de rigor e transparência na atuação das OSC, que deriva em boa medida do
desconhecimento sobre o seu trabalho e sobre os resultados atingidos em prol das
comunidades e do desenvolvimento76. É certo que existe alguma desregulação, pelo que é
necessário definir e clarificar alguns critérios, requisitos formais, direitos e deveres. Nesse
quadro, seria importante um trabalho conjunto para aprovação do pacote legislativo que está
há vários anos no prelo, e que inclui (i) o Estatuto das OSC; (ii) o registo das organizações e
prestação de contas; (iii) a criação de um fundo de apoio às OSC.
− Diálogo e Coerência com os Municípios
Os poderes democraticamente eleitos ao nível subnacional têm uma vasta experiência
adquirida na resolução de problemas ligados ao desenvolvimento, bem como na formulação
75 Vários entrevistados referiram como mais-valias do projeto: (i) ter ajudado a sistematizar conceitos e instrumentos (uma vez que a coerência já era trabalhada, mas ser assim denominada e sem haver essa reflexão e debate); (ii) ter dado oportunidade a vários atores de se formarem nesta área (líderes associativos, jornalistas, etc); e (iii) ter desmistificado o diálogo entre atores, nomeadamente com decisores políticos, autarcas e deputados, através de reuniões conjuntas sobre temas específicos, onde se exprimiram livremente diversas opiniões.
76 Entrevistas em Cabo Verde.
59
de respostas locais aos problemas globais77. A sua proximidade com as populações e o seu
papel na articulação entre vários tipos de atores regionais e locais conferem-lhe uma mais-
valia inegável na promoção de um desenvolvimento mais participativo e inclusivo. A evolução
do pensamento e das práticas sobre esta matéria salienta a importância de as autoridades
locais serem encaradas não apenas como prestadores de serviços, mas como intervenientes
ativos na política de desenvolvimento e como elementos catalisadores da mudança.
O processo de descentralização em Cabo Verde foi recentemente objeto de uma análise e
balanço, consubstanciada no Relatório de Diagnóstico dos 20 anos de Descentralização em
Cabo Verde78. Das dezenas de conclusões formuladas, reproduzimos deste relatório algumas
das conclusões, com interesse para a CPD e para o diálogo com a sociedade civil:
Regista-se um acentuado défice democrático, no que concerne à desconcentração dos
serviços municipais, descentralização administrativa e institucional para as
organizações da sociedade civil e comunidades locais e à participação – democracia
participativa – dos cidadãos na gestão e controlo da coisa pública local;
Os cidadãos não se apropriaram ainda dos institutos e dispositivos que a Constituição
e a lei colocam à sua disposição no exercício da sua cidadania e participação;
O quadro legal vigente necessita de uma melhor sistematização, tornando-o, de um
lado, mais coerente, evitando, deste modo, repetições, incongruências, disfunções,
contradições e, por outro, expurgando determinados dispositivos que colidem com o
princípio da autonomia municipal;
O quadro normativo e legal atual reclama pela regulamentação de alguns institutos e
dispositivos, designadamente o refendo local, ação popular, iniciativa popular e a
participação de particulares, a fim de assegurar a participação efetiva dos cidadãos na
gestão da coisa pública local e no processo de formação das decisões;
Há ainda muitas zonas de sombra, sobreposição e conflito entre as áreas de atuação
da administração central e do Poder Local, designadamente em matéria de promoção
social, educação e formação profissional, juventude, saúde, transporte coletivo
urbano, vias de comunicação, gestão local do território autárquico, investimentos
públicos locais, etc.;
As autarquias locais não dispõem efetivamente de recursos humanos, organizacionais,
materiais e financeiros necessários para realizarem as atribuições e exercerem as
competências que a lei lhes comete e confere, com eficácia e eficiência;
A orientação no sentido da democracia participativa a nível local não tem sido seguida
e concretizada;
Subsistem ainda muitos constrangimentos à plena assunção das competências e
atribuições e à boa governação local, estritamente relacionados com as insuficiências
decorrentes da fraca capacidade institucional, técnica e de gestão municipal. Os
Municípios de Cabo Verde continuam, na sua grande maioria, estruturalmente débeis
77 Por exemplo, uma análise dos resultados relativamente aos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio revela que há uma forte correlação entre o progresso na redução da pobreza, no acesso à saúde e à educação, por um lado, e a descentralização do poder, das políticas, dos recursos e das competências, por outro lado.
78 MAHOT (2013). Pode acompanhar este assunto em: http://www.regionalizacaocv.org/
60
e desprovidos de recursos financeiros, técnicos, materiais e humanos necessários e
adequados à realização das suas tarefas.
Podemos, assim, considerar que não existe ainda um sistema equilibrado de governação
multiníveis e com muitos aspetos a melhorar na interação entre o poder central e local. A
partidarização do diálogo é um problema, tal como a escassez de recursos, sendo o poder
central e local frequentemente concorrentes relativamente aos fundos da cooperação
internacional. Existe, em certos setores, a perceção de que o poder local perdeu protagonismo
no processo de desenvolvimento, nomeadamente com a preponderância da ajuda orçamental:
por um lado há dificuldades em identificar os interlocutores certos em termos de doadores,
por outro lado os projetos têm de ser aprovados pelos ministérios setoriais respetivos, de
acordo com as suas prioridades e interesses. Nesse sentido, parece existir quase uma
“centralização da cooperação descentralizada”. 79
Esta competição acontece também na relação com sociedade civil organizada, pois embora
as autoridades locais sejam frequentemente parceiras de OSC na implementação de projetos
de desenvolvimento, não é invulgar uma relutância das Câmaras Municipais em que as ONG
implementem projetos locais, financiados pelo Governo ou pelos parceiros internacionais80.
É igualmente necessário promover uma maior democratização das relações entre as
comunidades e as administrações municipais na concretização das políticas de
desenvolvimento ao nível local, pela via da participação. Um instrumento com grande
potencial na promoção da CPD são os orçamentos locais participativos, que pressupõem uma
participação alargada dos cidadãos, a prestação de contas e a transparência da definição de
prioridades e ações. A cultura do orçamento participativo é inovadora no plano da governação
local, não só porque é contribui para desenvolver relações institucionais colaborativas das
instâncias de poder local, como confere aos participantes um papel preponderante na
definição das regras do processo e no influenciar de decisões, sendo por isso uma verdadeira
ferramenta de monitorização, transparência e responsabilização.
No caso cabo-verdiano, das 4 experiências-piloto existentes (Santa Cruz, São Miguel, Paul e
Mosteiros), só Paul se manteve engajado no processo, existindo dificuldades na sensibilização
dos autarcas e na apropriação local desta metodologia. Com efeito, a aplicação deste
instrumento é totalmente voluntária e depende da vontade política dos municípios, não
existindo qualquer obrigatoriedade legal ou incentivo para a sua promoção.
Mais recentemente, o Maio tornou-se num dos exemplos da aplicação desta ferramenta,
integrando o orçamento participativo no seu plano de atividades. Este processo envolve várias
fases: na primeira fase, faz-se um diagnóstico socioeconómico das principais atividades a
serem desenvolvidas, na segunda, a formação dos líderes associativos sobre o orçamento
participativo e na terceira fase realiza-se reuniões em cada comunidade, com o objetivo de
fazer o levantamento das necessidades da população e a eleição dos delegados.
A quarta etapa incidiu na análise técnica das propostas apresentadas ao nível de cada
comunidade, após uma análise da viabilidade financeira, ambiental e social de cada uma, de
modo a que na quinta fase sejam apresentados os resultados da apreciação técnica das
propostas efetuadas e priorização dos investimentos a incluir na proposta orçamental para o
79 Uma das ações em “contra-corrente” é a intenção da Cooperação Luxemburguesa criar um fundo de descentralização e desenvolvimento local integrado, através de uma parceria entre o Luxemburgo, o Governo e a ANMCV, englobando 5 milhões de euros para pequenos projetos.
80 Entrevistas em Cabo Verde.
61
ano seguinte. Este é um exemplo a seguir de perto, que pode permitir retirar lições sobre a
promoção da CPD a nível local.
− Diálogo e Coerência com o Parlamento
O debate político é, naturalmente monopolizado pelos partidos, que acabam por deixar pouco
espaço à participação dos eleitores e da sociedade civil, incluindo no âmbito parlamentar. Por
um lado, a polarização do debate político está em linha com os ciclos eleitorais e interesses
eleitoralistas dos partidos, marcando os trabalhos parlamentares e gerando pouco interesse
pela “coisa política” por parte de largos setores da população, em especial dos jovens. Por
outro lado, o Parlamento é pouco aberto à sociedade civil, o que poderia ser colmatado com
uma ação mais sistemática de consulta e envolvimento dos cidadãos nos projetos de lei e nas
temáticas que são debatidas, por exemplo aproveitando as novas tecnologias (TIC).
A sensibilização do Parlamento para a CPD é ainda escassa e limitada a um pequeno grupo de
deputados, pelo que é essencial que se promova esse conhecimento e consciencialização, de
forma a que estes integrem cada vez mais essa perspetiva nas suas interpelações ao governo
(que podem incidir sobre “qualquer questão de interesse político, económico, social ou
cultural relevante”) na proposta de debates, e noutros instrumentos que têm ao seu dispor. O
diálogo intersectorial é limitado no Parlamento e não existe grande mobilização e organização
dos deputados, de forma estruturada, em torno de temáticas específicas (a não ser através das
Comissões Especializadas). Há, no entanto, exceções, que são exemplos importantes para a
promoção da CPD.
Uma é a Rede das Mulheres Parlamentares Cabo-Verdianas, que tem desenvolvimento um
trabalho interessante no seguimento das políticas de promoção da igualdade de género, da
luta contra a discriminação e violência contra as mulheres, e da ligação entre género e
desenvolvimento.
Outro exemplo é a Rede Parlamentar para o Ambiente, Luta contra a Desertificação e
Pobreza, que existe desde 2004 e congrega 46 dos 72 deputados à Assembleia Nacional81,
tendo por objetivos, entre outros, “contribuir para que as matérias do ambiente, do
ordenamento do território, da luta contra a desertificação e contra a pobreza figurem, com a
prioridade devida, na agenda parlamentar, através de iniciativas legislativas, de debates,
audições e controlo da atividade governativa”. Refira-se que, segundo a Constituição de Cabo
Verde, cabe à Assembleia Nacional a competência exclusiva para fazer leis de bases sobre “o
sistema de proteção da natureza, dos recursos naturais e do património histórico e cultural”82.
A Rede tem conseguido assumir-se como um espaço de informação, formação e debate sobre
estas temáticas, consultando e envolvendo regularmente algumas organizações da sociedade
civil com grande experiência no setor do Ambiente. No entanto, há ainda um caminho a
percorrer para que o Parlamento cabo-verdiano assuma plenamente as suas competências em
matéria de definição da política ambiental, de luta contra a desertificação e de redução e
eliminação da pobreza no país. Nomeadamente, há espaço para reforçar o trabalho da Rede
no que respeita à fiscalização e monitorização da atuação governamental nesta área.
Refira-se ainda que o trabalho do Parlamento em termos de fiscalização das contas públicas
tem sido apoiado por alguns projetos da cooperação internacional. Salienta-se, a decorrer, o
Projeto "(Pro PALOP-TL ISC) Projeto para o Reforço das Competências Técnicas e Funcionais
81
Dados de Julho de 2014.
82 Art.º 187 n.º2 da Constituição, 1992. Ver o artigo de Januário Nascimento (2006).
62
das Instituições Superiores de Controlo (ISC), Parlamentos Nacionais e Sociedade Civil para o
controlo das finanças públicas nos PALOP e em Timor-Leste" financiado pela União Europeia a
administrado pelo PNUD83, visando o reforço das capacidades de controlo externo dos
Tribunais de Contas e de fiscalização parlamentar das contas públicas, bem como a promoção
da participação pública mais informada no processo orçamental.
Para além deste papel de fiscalização e monitorização, a CPD passa também por assegurar que
o impacto no desenvolvimento é devidamente tido em conta nas propostas de lei e na
aprovação de instrumentos legislativos, tal como compete ao Parlamento. Ou seja, a
aprovação de leis poderia incluir como critérios prévios de justificação não apenas o critério
orçamental (se existem recursos financeiros para a aplicar), mas também um critério sobre
Desenvolvimento – isto é, a análise sobre se determinada lei tem um impacto positivo ou
negativo no desenvolvimento local e nacional.
83
O projeto envolve um montante total de 6,400,000 EUR com ações a realizar em todos os PALOP e em Timor-Leste, entre Janeiro de 2014 e Dezembro de 2016.
63
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
A CPD começou por ser um conceito e abordagem promovidos pelo “Norte desenvolvido” para
avaliar o impacto que as suas políticas nas várias áreas setoriais têm no “Sul em
desenvolvimento”. No entanto, o paradigma doador-beneficiário tem-se diluído de várias
formas ao nível internacional, com o esbatimento da distinção entre Norte e Sul e entre países
desenvolvidos e em desenvolvimento, bem como com a integração de uma multiplicidade de
desafios multidimensionais naquilo que se considera ser hoje o “Desenvolvimento”.
A incoerência entre políticas é hoje um problema de todos os países, com custos económicos
e de ineficácia, e a prossecução de abordagens mais integradas e abrangentes é um desafio
para todos os governos e intervenientes no processo de Desenvolvimento. A CPD consiste,
assim, em analisar as várias políticas “pelas lentes” do desenvolvimento, identificando
incoerências e possibilidades de sinergias, para integrar devidamente todas as dimensões do
Desenvolvimento: económica, ambiental e social.
Com a previsível adoção de uma Agenda Global de Desenvolvimento pós-2015 e a definição de
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e relativas metas de aplicação universal (em
Setembro de 2015), tal significa que todos os países, desenvolvidos e em desenvolvimento,
terão de a implementar consoante o seu nível de desenvolvimento e realidades nacionais,
definindo prioridades, medidas e indicadores para atingir os objetivos e metas propostas.
Nesse sentido, cada país terá de investir em melhorar a coerência de um conjunto de políticas,
práticas, instituições e recursos. A CPD poderá ser aqui um instrumento importante, utilizado
pelos diversos intervenientes (incluindo a sociedade civil) na discussão, aprovação e
implementação dos planos nacionais e subnacionais.
Ao nível da União Europeia, a CPD é um compromisso político e uma obrigação legal,
conforme analisado no capítulo 1.3.1. Praticamente todas as políticas da UE têm uma
dimensão externa, pelo que devem ser concebidas e implementadas tendo em consideração
esses impactos. Em termos formais e concetuais, isto é algo consensual nos meios europeus,
mas na prática são evidentes os desafios e dificuldades em ultrapassar os conflitos de
interesses entre as diferentes políticas da União, as contradições destas com as políticas
bilaterais dos Estados Membros, e ainda em conciliar essas políticas com as necessidades de
desenvolvimento.
Apesar dos progressos na apropriação deste instrumento nos países europeus, o estudo
concluiu que a sua aplicação em muitos países europeus está ainda pouco sistematizada, nos 3
pilares de aplicação da CPD (capítulo 1.3.2). Entre as boas práticas, no âmbito das declarações
e compromissos políticos (pilar 1), incluem-se medidas legislativas ou conceção de estratégias
de desenvolvimento que promovam ativamente a CPD. Relativamente à institucionalização de
mecanismos de coordenação (pilar 2), são exemplos a criação de grupos interministeriais e
fóruns técnico-políticos, de mecanismos de financiamento que agregam várias áreas setoriais,
ou a constituição de uma rede de pontos focais para a CPD nos vários setores. Em relação aos
sistemas de acompanhamento, análise e comunicação da informação (pilar 3), são exemplos
em vários países a existência de relatórios anuais dos Parlamentos nacionais sobre CPD, a
elaboração de indicadores e ferramentas de avaliação das ações, ou a parceria com
instituições académicas e da sociedade civil para a procura de dados e evidências e para a
realização de estudos de impacto.
64
No caso de Cabo Verde, a procura de maior eficácia e coerência é especialmente relevante no
contexto atual do país. Salientam-se dois marcos recentes, importantes para o futuro do
desenvolvimento em Cabo Verde, numa ótica de CPD: a graduação para País de Rendimento
Médio e a adesão à Organização Mundial de Comércio, com todas as mudanças que tal tem
implicado. O país vive uma conjuntura única e importante para o seu processo de
desenvolvimento, com os efeitos da crise económica europeia, o esgotamento do modelo
económico até agora prosseguido, a diminuição das receitas fiscais e aumento da dívida, o
decréscimo das fontes tradicionais de financiamento externo enquanto os investimentos feitos
tardam em dar frutos. Isto exprime uma mudança de paradigma, em que o país terá de atraír
mais investimento para promover o crescimento económico, o que permitirá financiar o
estado e as políticas sociais, sendo para tal importante a melhoria do ambiente de negócios. É
assim necessário, por um lado, encontrar novas soluções de financiamento e inovação,
procurar de forma mais sistemática novos parceiros e instrumentos e, por outro lado, apostar
na eficácia, no impacto e na coerência das políticas em termos de desenvolvimento. Todas as
reformas estruturais necessárias à promoção de múltiplos motores de crescimento significam
que a coerência entre políticas será cada vez mais relevante e fundamental, numa altura em
que estão em revisão também vários documentos e planos estratégicos setoriais.
No âmbito da ajuda ao desenvolvimento, verifica-se uma diminuição geral dos donativos (não
obstante ter aumentado ligeiramente no caso da União Europeia), o aumento do peso da
ajuda orçamental e uma reorientação das prioridades dos doadores. No geral, há um esforço
de alinhamento dos parceiros externos em torno das prioridades definidas pelo governo cabo-
verdiano, nomeadamente no âmbito do DECRP. Já ao nível da implementação das ações
concretas, continua a existir uma fragmentação das intervenções e a coordenação e
sustentabilidade dos projetos poderia ser melhorada, em todas as áreas setoriais. Muito há
ainda a fazer para transitar de uma perspetiva de eficácia da ajuda para a eficácia do
desenvolvimento.
Na atuação dos parceiros externos, verifica-se um esforço para transitar de quadros estritos de
ajuda ao desenvolvimento, para enquadramentos mais estratégicos, que agreguem vários
instrumentos e setores. O setor das energias renováveis é um exemplo com grandes
potencialidades para implementação de uma lógica de CPD, entre os parceiros externos e os
atores cabo-verdianos, conforme analisado no ponto 2.3.3.
No geral, existem dois mecanismos importantes para a promoção da CPD entre os parceiros
externos e o governo cabo-verdiano, e com oportunidades para a participação da sociedade
civil: o Grupo de Apoio Orçamental (onde essa participação está a ser desenvolvida) e a
Parceria Especial UE-Cabo Verde (onde pode ainda ser melhorada). A implementação das
medidas previstas no Roteiro da UE para um Compromisso com a Sociedade Civil (para o
período 2014-2017) poderão também ser um catalisador para melhorar o diálogo entre os
parceiros externos e a sociedade civil cabo-verdiana.
Ao nível nacional, mobilizar a atenção e apoio político para a CPD não é fácil, devido à
competição entre interesses por vezes contraditórios e pela dificuldade dos setores mais
pobres e vulneráveis da população projetarem a sua voz. Existem, no entanto, diversas
oportunidades para explorar o potencial de sinergias positivas entre várias políticas, aumentar
a capacidade de equilibrar interesses divergentes, e evitar ou minimizar os impactos e efeitos
negativos de várias políticas no desenvolvimento.
A coerência aplica-se, em primeiro lugar aos atores públicos e decisores políticos, que têm a
responsabilidade de conceber, organizar e implementar as políticas públicas. A coordenação
institucional e a monitorização têm registado algumas melhorias nos últimos anos: por
65
exemplo, o DECRP III introduziu inovações para melhorar a monitorização da despesa pública
nas várias áreas setoriais, para avaliar as reformas definidas (com matriz de seguimento e
indicadores) e para realizar uma gestão mais baseada nos resultados. A gestão dos fundos
públicos também sofreu alterações, com a introdução do SIGOF e de reformas nos processos
de planeamento, orçamentação e gestão, embora as avaliações feitas sobre as políticas
públicas se centrem quase exclusivamente na gestão financeira e nos resultados em termos de
resultados imediatos - “outputs”, sendo ainda escassa a avaliação do impacto e dos
resultados alargados - “outcomes”. Isto significa que a promoção da CPD requer uma visão
integrada dos problemas e das soluções, ao nível político e técnico, tal como ilustrado do
estudo através do exemplo das Barragens. Por outro lado, os mecanismos institucionais, os
comités multissetoriais ou multi-atores, por vezes até existem, mas em certos casos não são
utilizados ou dinamizados, devendo ser melhor aproveitados (conforme exemplificado no caso
das Pescas).
Para potenciar boas práticas de CPD, é essencial promover um diálogo multi-atores sobre as
várias políticas, para identificar os obstáculos e os catalisadores da mudança. A cultura de
participação cívica é ainda limitada, mas pode ser impulsionada: as pessoas têm opinião sobre
os assuntos e falta terem os canais adequados para veicularem essas opiniões, estarem
dispostas a fazê-lo no espaço público, e serem efetivamente ouvidas. Apesar da partidarização
e politização das opiniões e do diálogo, há também espaço para potenciar o importante papel
que a sociedade civil tem a desempenhar, no seu diálogo com o governo central, com os
municípios e com Parlamento, como analisado no capítulo 2.4.
A Plataforma das ONG dá pareceres nas mais variadas áreas e está presente num grande
número de comités e grupos de trabalho governamentais, as OSC são usualmente consultadas
quando da formulação de estratégias nacionais ou planos setoriais, para socialização e
validação dos documentos, e algumas ONG com trabalho reconhecido em setores específicos
(p.ex. ambiente) funcionam como uma ponte entre os organismos governamentais e as
associações comunitárias. No entanto, a sensação geral é de que esse diálogo é desigual e que
as contribuições e opiniões não são devidamente tidas em consideração e integradas nessas
políticas. Embora as mais-valias técnicas de algumas ONG sejam reconhecidas, isso não se
traduz ainda numa delegação efetiva em termos de implementação de projetos, ou numa
parceria sistemática para o seguimento da implementação e monitorização de políticas. As
responsabilidades são mútuas, uma vez que a capacidade de coordenação e concertação de
posições das OSC é fraca (devido a vários fatores referidos no estudo), o que acaba por se
refletir negativamente na sua capacidade de influência e advocacia.
O mesmo se passa em relação aos municípios e ao poder local, ainda que com fatores e
contornos diferentes. A partidarização do diálogo é um problema, tal como a escassez de
recursos, sendo o poder central e local frequentemente concorrentes relativamente aos
fundos da cooperação internacional. Esta competição acontece também na relação com
sociedade civil organizada, pois embora as autoridades locais sejam frequentemente parceiras
de OSC na implementação de projetos de desenvolvimento, não é invulgar uma relutância das
Câmaras Municipais em que as ONG implementem projetos locais, financiados pelo Governo
ou pelos parceiros internacionais. É igualmente necessário promover uma maior
democratização das relações entre as comunidades e as administrações municipais na
concretização das políticas de desenvolvimento ao nível local, pela via da participação.
Outro interveniente fundamental na promoção de maior CPD é o Parlamento. A sensibilização
do Parlamento para a CPD é ainda escassa e limitada a um pequeno grupo de deputados, pelo
que é essencial que se promova esse conhecimento e consciencialização, de forma a que estes
integrem cada vez mais essa perspetiva nas suas interpelações ao governo e noutros
66
instrumentos que têm ao seu dispor, bem como na fiscalização e monitorização das políticas
públicas. Alguns exemplos referidos no estudo, de mobilização e organização dos deputados
em torno de temáticas específicas – como o género ou o ambiente – são exemplos
importantes a replicar, para a promoção da CPD.
RECOMENDAÇÕES
O estudo conclui com três recomendações principais de carácter geral, válidas para todos os
atores – parceiros externos e doadores, governo e decisores políticos, autoridades nacionais e
locais, Parlamento e atores da sociedade civil:
− Que passem a analisar as suas políticas, medidas, ações e projetos na ótica da
Coerência das Políticas para o Desenvolvimento, no sentido de capitalizarem
sinergias e minimizarem os efeitos negativos que as incoerências podem significar
para os beneficiários e para as populações-alvo.
− Que fomentem, de todas as formas aos seu alcance a “cultura de cidadania”, uma
vez que os cidadãos têm de ser empoderados para exigirem mais na monitorização
da aplicação dos fundos públicos e privados.
− Que seja identificado um número restrito de setores fundamentais para o
desenvolvimento do país e onde é especialmente relevante monitorizar a
Coerência. Nessas áreas, o quadro de monitorização pode abranger um trabalho
mais sistemático de diálogo multi-atores, centrado nos resultados e impactos, de
produção de soluções (jurídicas, administrativas, financeiras, etc.), de formulação
de propostas, etc.
Outras recomendações são dirigidas a categorias específicas de intervenientes, sem prejuízo
de existirem cruzamentos e sinergias entre elas:
Parceiros externos/doadores:
1. Equilibrar as modalidades e instrumentos para apoiar os vários atores. Num contexto em
que o governo, os municípios e as OSC são frequentemente competidores entre si, os
fundos externos devem ter em consideração o perigo de exclusão e a necessidade de
diversificarem parcerias.
2. Fazer um uso estratégico dos fundos de desenvolvimento: nomeadamente, a ajuda ao
desenvolvimento tem sido utilizada para apoiar objetivos noutras áreas setoriais, que
contribuem para o desenvolvimento (p.ex. estudos sobre os stocks de pescado, reforço
institucional local em vários setores), e isso deve ser potenciado. Isto significa utilizar a
ajuda como catalisadora da CPD, colmatando, por exemplo, necessidades em termos de
infraestruturas e reforço de capacidades.
3. Aumentar o seu nível de conhecimento e entendimento sobre a CPD: Associar a população
e as entidades cabo-verdianas à discussão sobre CPD e apostar no aumento do
conhecimento local sobre interação entre políticas, nomeadamente através da
investigação e recolha de informação, que permita aos doadores presentes no terreno
(Delegação da UE, Embaixadas) sensibilizar e informar as “sedes” sobre exemplos
concretos e sobre a importância da CPD.
4. Melhorar as estratégias de comunicação e informação para os beneficiários, parceiros,
atores políticos e da sociedade cabo-verdiana.
67
5. Dedicar recursos adequados – materiais e humanos – para analisar a coerência entre
políticas no âmbito da sua atuação, recorrendo a parcerias com a sociedade civil e
instituições académicas, tanto ao nível nacional como internacional, para identificação de
incoerências, boas práticas, evidências e análises de impacto.
6. Envolver efetivamente a sociedade civil nos processos e mecanismos já existentes e que
têm grande potencial de promoção da CPD, como é o caso do Grupo de Apoio Orçamental
e da Parceria UE-Cabo Verde.
Entidades governamentais, responsáveis públicos e decisores políticos:
7. Objetivos nacionais e internacionais. Reconhecer a importância da CPD através de
compromissos públicos ao mais alto nível, interligados com os objetivos nacionais de
redução da pobreza e com os compromissos internacionais da Agenda Global para o
Desenvolvimento. Nesse âmbito, definir uma agenda e objetivos claros para a promoção
da coerência entre políticas. Nomeadamente, pode ser elaborada uma matriz que permita
identificar e compreender melhor as articulações e sinergias entre várias políticas
públicas. Essa agenda pode ser alinhada com a implementação da Agenda pós-2015 e dos
seus 17 ODS ao nível nacional.
8. Política Externa. Melhorar a sua projeção e a capacidade negocial com grandes blocos
(como a UE) através do reforço da coordenação e coerência de posições com outros
países africanos em determinadas áreas e políticas, nomeadamente no quadro da
CEDEAO. Para além disso, desenvolver posições para exigir programas compensatórios
quando existem consequências negativas das várias políticas dos parceiros externos (ex:
medicamentos subsidiados, compensações climáticas, fundos da “ajuda ao comércio”).
9. Coordenação. Estabelecer mecanismos de consulta interministerial, formais ou informais,
que permitam assegurar que as políticas prosseguidas estão em consonância com os
compromissos assumidos pelo governo cabo-verdiano. Nesta área, assegurar que as
práticas de trabalho favorecem uma comunicação eficaz entre os ministérios e
organismos públicos das várias áreas setoriais, melhorando a coordenação
interministerial.
10. Impactos. Estabelecer mecanismos para avaliar de forma sistemática de que forma as
opções e medidas tomadas impactam no desenvolvimento do país, a médio e longo-
prazo. Nomeadamente, criar uma plataforma de ponderação e avaliação dos
investimentos públicos, que avalie quer a viabilidade económica e efeitos em termos de
contração de dívida, quer os impactos dos investimentos em termos de coerência com o
desenvolvimento (enquadrar cada investimento numa visão integrada e multissetorial).
11. DECRP. Alinhar todas as políticas e decisões setoriais com os objetivos em termos de
desenvolvimento e o DECRP, levando a cabo uma monitorização sistemática dessas metas
e divulgando amplamente esses resultados. Desenvolver um novo DECRP tendo em conta
o instrumento de CPD.
12. Planos setoriais. Adaptar as estratégias, planos e estruturas de decisão e implementação
de políticas à atual fase do desenvolvimento do país. Garantir que os planos estratégicos
dos vários setores são acompanhados por um quadro orçamental claro e por um quadro
de seguimento e avaliação, que permita a monitorização por vários atores. Começar a
utilizar indicadores de CPD nos documentos de estratégia e política para os vários setores,
assegurando o seu seguimento.
68
13. Capacidades. Investir na capacidade dos departamentos dos vários setores, quer em
termos de conhecimento sobre a importância da CPD quer relativamente à capacidade de
análise e monitorização. Contar com as instâncias políticas e técnicas para identificar e
resolver conflitos de interesse e propor soluções (técnicas, jurídicas, administrativas, de
financiamento): ao nível político (ministerial), de direção (secretários de Estado, direções
gerais) e técnico (representantes dos ministérios, de organismos de áreas técnicas
específicas, etc.)
14. Conhecimento. Melhorar o conhecimento, independente e aprofundado, sobre as
incoerências, para que as políticas sejam cada vez mais baseadas em factos e análises
concretas, em dados atualizados e pertinentes. Realizar análises de impacto no
desenvolvimento (assim como já existem análises de impacto ambiental, p.ex.)
15. Municípios. Equacionar a criação de algum tipo de obrigatoriedade legal ou incentivo ao
desenvolvimento de orçamentos locais participativos, enquanto uma verdadeira
ferramenta de reforço democrático, de monitorização, transparência e responsabilização
do poder local.
16. Diálogo com as OSC. Passar de uma postura de consulta ad-hoc das organizações da
sociedade civil, normalmente para socialização ou validação de um documento, para um
trabalho de continuidade ao nível do seguimento da sua implementação e avaliação, em
que as OSC sejam parceiras efetivas nessa monitorização.
Organizações da Sociedade Civil:
17. Não apostar apenas na denúncia de incoerências e dos impactos negativos de algumas
ações ou políticas, mas também na identificação de soluções comuns, de sinergias que
podem ser promovidas entre ações e setores, de cenários com benefícios mútuos. Essa
ótica construtiva pode traduzir-se em propostas concretas para resolução dos problemas,
que certamente abrem canais de diálogo e podem melhorar a capacidade de influenciar a
decisão política.
18. Assumir uma postura mais pró-ativa, com a elaboração de relatórios e documentos de
posição sobre várias temáticas, cartas aos decisores políticos com objetivos claros de
advocacia, concertação de posições comuns, etc. Nomeadamente, produzir regularmente
relatórios em setores relevantes para o desenvolvimento do país, que contraponham e
complementem os relatórios apresentados pelo poder central
19. Produzir conhecimento e evidências, de forma mais sistemática, estruturada e organizada,
que permita identificar incoerências e propor soluções, através da criação de um
Observatório da CPD.
20. Em termos setoriais, apostar na criação de redes da sociedade civil sobre temas
específicos, nomeadamente promovidas pela Plataforma das ONG, que permitam a várias
organizações ter uma intervenção mais ativa e permanente no debate nacional sobre
certos temas (à semelhança da rede da sociedade civil para a segurança alimentar e
nutricional).
21. Apostar numa maior transparência e credibilidade das OSC, melhorando a sua
comunicação e informação com os decisores políticos e a população em geral.
22. Pressionar as entidades públicas para a aprovação do pacote legislativo que está há vários
anos no prelo, e que inclui o Estatuto das OSC; o registo das organizações e prestação de
contas; a criação de um fundo de apoio às OSC.
69
Parlamento:
23. Criar canais de comunicação mais estreitos com a sociedade civil, nomeadamente
aproveitando as TIC (emails, redes sociais, etc.). Isto pode ser promovido em diversos
momentos: numa participação pública mais alargada no processo orçamental, na
discussão parlamentar de leis importantes para o contexto de desenvolvimento do país,
no âmbito dos debates parlamentares, etc.
24. Criar dinâmicas de debate e promoção da CPD, quer em várias áreas setoriais
(potenciando e replicando as experiências de redes já existentes sobre algumas temáticas
e reforçando a mobilização de grupos de deputados sobre assuntos específicos), quer
através do da realização de debates específicos sobre CPD.
25. Encetar um diálogo regular e fazer parcerias com organizações da sociedade civil com
reconhecidas mais-valias e conhecimentos técnicos em áreas setoriais específicas.
26. Reforçar a atuação de fiscalização e monitorização da atuação governamental, utilizando
plenamente os vários instrumentos ao seu dispor.
27. Assegurar que o impacto no desenvolvimento é devidamente tido em conta nas propostas
de lei e na aprovação de instrumentos legislativos (equacionar a introdução desse critério
na formulação das leis).
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Governo de Cabo Verde: http://www.governo.cv/
Ministério do Desenvolvimento Rural: http://www.mdr.gov.cv/
Ministério das Relações Exteriores (MIREX): http://www.mirex.gov.cv/
Assembleia Nacional: http://www.parlamento.cv/
Plataforma das ONG de Cabo Verde: http://www.platongs.org.cv/
Delegação da UE em Cabo Verde: http://www.eeas.europa.eu/delegations/cape_verde/index_pt.htm
Links úteis sobre CPD:
União Europeia https://ec.europa.eu/europeaid/policies/policy-coherence-development_en
OCDE - Plataforma sobre CPD http://www.oecd.org/pcd/
Confederação Europeia das ONG de Emergência e Desenvolvimento (CONCORD) http://www.concordeurope.org/coherent-policies
Coerência das Políticas para o Desenvolvimento www.coerencia.pt
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Entrevistas/Reuniões realizadas em Cabo Verde:
Adelina Vicente, Diretora de Cooperação, Ministério do Desenvolvimento Rural
Ana Silva e Irani Pereira, Membros dos Grupos de Trabalho do Projeto, Plataforma das ONG de Cabo Verde
António Lima e Rosário Gomes, Associação para a Defesa do Ambiente e o Desenvolvimento (ADAD) e Rede de Organizações da Pesca Artesanal (ROPA-CV)
Arnaldo Andrade, Deputado, Grupo Parlamentar PAICV
Avelino Bonifácio, Sociedade para o Desenvolvimento Turístico das Ilhas de Boavista e Maio
Eduardo Jorge Silva, Diretor de Gabinete do Ministro, Ministério das Relações Exteriores (MIREX)
Felipe Furtado, Deputado, Grupo Parlamentar MDP - por questionário escrito
Fernando Jorge, Associação Nacional de Municípios de Cabo Verde (ANMCV)
Francisca Inês dos Santos, Diretora Geral da Descentralização e Administração Local, Ministério do Ambiente, Habitação e Ordenamento do Território
Guilherme Bragança, Encarregado de Programas, Delegação da União Europeia na República de Cabo Verde
Irina Pais, Adida da Cooperação, Embaixada de Portugal em Cabo Verde
Jaime Puyoles Garcia, Coordenador Geral de Cooperação, AECID, Embaixada de Espanha em Cabo Verde
Manuel Barreto, Presidente, Associação Jovens Empreendedores de Santa Cruz
Marc de Bourcy, Encarregado de Negócios, Embaixada do Luxemburgo em Cabo Verde
Maria da Luz Monteiro, Deputada, Grupo Parlamentar PAICV - por questionário escrito
Maria Goretti Lima, Gabinete da Parceria Especial União Europeia-Cabo Verde, MIREX
Mário Moniz, Secretário Executivo, Plataforma das ONG de Cabo Verde
Tatiana Neves, Diretora Geral de Cooperação, Ministério do Ambiente, Habitação e Ordenamento do Território