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2019 revista, atualizada e ampliada 5 a edição Manual de Direito Econômico Fabio Guimarães Bensoussan Marcus de Freitas Gouvêa

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2019

revista, atualizada e ampliada

5 a edição

Manual deDireito

Econômico

Fabio Guimarães BensoussanMarcus de Freitas Gouvêa

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CAPÍTULO 1

NOÇÕES ESSENCIAIS DE DIREITO ECONÔMICO

1. INTRODUÇÃO

Vamos iniciar este livro destacando a importância daquelas partes históricas ou in-trodutórias, muitas vezes chatas, dos livros de direito, mas que podem ajudar mais do que imaginamos.

Para reduzir o fator sorte nos concursos, precisamos substituir a memorização, de curto prazo, pela compreensão e pela assimilação, de longo prazo, e precisamos substi-tuir o conhecimento fragmentado pelo conhecimento global e unitário.

E os elementos necessários para compreender e assimilar as matérias, inclusive as jurídicas, estão na introdução, no capítulo mais geral, às vezes um tanto abstrato.

É claro que não vamos estudar, aqui, história, filosofia ou política. Vamos estudar o direito! E, para isso, vamos procurar o que há de importante na história, na filosofia, na economia e na política para a compreensão desse direito, sempre que possível fazendo a ligação desses conhecimentos pré-jurídicos com as questões jurídicas positivas.

Queremos passar, aqui, a informação de que a introdução fornece o conhecimento básico para entender o restante do livro e as relações entre seus capítulos, os sub-ramos do direito econômico.

No nosso tema, vamos estudar a CIDE e agências reguladoras. As duas matérias, bastante distintas, tratam de intervenção do estado na economia. A CIDE atua basi-camente por indução e as agências por regulação da atividade econômica. Fica muito mais fácil, pois, compreender a CIDE e as agências, se entendemos as regras gerais de intervenção do estado na economia. Esta intervenção, por sua vez, é definida e condicio-nada por fatores históricos, políticos, ideológicos etc. e positivada de maneira progressiva nas Constituições e nas leis. Dessa forma, seu eu compreendo bem essa história e essas ideologias, tendo a compreender melhor a própria intervenção do estado na economia.

Esse tipo de exercício é válido para qualquer ramo do direito. É muito mais fácil compreender as regras e os institutos jurídicos quando temos noção dos fatos sociais e das circunstâncias políticas que levaram a sua criação.

Contudo, no direito econômico, isso é especialmente importante. A realidade fáti-ca sobre a qual incide o direito econômico não é tão intuitiva quanto aquela do direito penal ou do direito civil. O fato econômico é, certamente, muito mais complexo – o que nos exige abordar, ainda que sem maiores aprofundamentos, noções essenciais de economia.

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Não é possível estudar o direito econômico sem entender como surgiram as preo-cupações com a intervenção do estado na economia, qual era o pensamento econômi-co antes dessas preocupações interventivas, sem saber o que é o liberalismo e porque este pensamento deixou de explicar a realidade econômica, sem estudar como evoluiu a Constituição econômica.

Num nível mais específico, não podemos estudar o direito econômico sem enten-der as razões que tornam ilícitas, por exemplo, condutas anticoncorrenciais. Além de a concorrência ser, por si só, um valor jurídico, atrelado à livre-iniciativa e à liberdade de profissão, ela é um valor instrumental, pois a economia mostra que os mercados com baixa competitividade praticam preços elevados, limitam a oferta de bens e pagam salá-rios mais baixos que os mercados competitivos – provocando, pois, perda na qualidade de vida da sociedade.

São essas questões básicas, necessárias à compreensão de todo o livro, que trataremos na introdução, o que torna este o capítulo mais importante do trabalho.

Mas não é só! Alguns conhecimentos introdutórios também podem ser cobrados diretamente em questões de concursos.

Passemos logo aos trabalhos!

2. DIREITO ECONÔMICO: ORIGENS HISTÓRICAS

O direito, como método de regulação de condutas, existe desde a antiguidade. Como ciência e como forma pela qual o estado e a sociedade se organizam, é fenômeno bem mais recente. Da mesma forma, pode-se falar de economia desde que o primeiro indivíduo superou a produção de subsistência e deu os primeiros passos geração de exce-dentes, destinados à troca. Por outro lado, é bem mais recente a economia no sentido de modo de produção de uma coletividade organizada e ainda mais moderna a concepção de economia como ciência.

Raciocínio similar se passa com o direito econômico. As regras que procuram disci-plinar fenômenos relacionados à economia são bastante antigas, mas a preocupação de se regular sistematicamente a atividade econômica das nações e a política econômica dos estados existe a pouco mais de um século.

De fato, no transcorrer da história, no pensamento – ou ideologia dominante – não se concebia a intervenção do estado na economia, não fazendo sentido falar-se em um ramo do direito que cuidasse da matéria.

2.1. Evolução histórica relevante para o surgimento do direito econômico

Numa visão resumida, a história econômica de origem europeia, que resultou no modo de produção capitalista vigente, passou por etapas como a do mercantilismo, da fisiocracia, das corporações de ofício e do liberalismo, fases em que era o estado,

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CAPÍTULO 2

FONTES DO DIREITO ECONÔMICO E COMPETÊNCIA LEGISLATIVA

1. FONTES DO DIREITO ECONÔMICO

Sob o ponto de vista formal, de competência e hierarquia das leis, as normas de di-reito econômico recebem o mesmo tratamento de qualquer outro ramo do direito.

Assim, a principal fonte do direito econômico é a Constituição Federal, norma de hierarquia superior, lhe devendo obediência todas as demais normas.

Seguem-lhe as leis complementares, a leis ordinárias, os tratados internacionais, os decretos, as portarias ministeriais e as normas emitidas por órgãos ou agências reguladoras.

1.1. A Constituição

A Constituição de 1988 é farta em normas de conteúdo econômico, que pertencem tanto ao próprio direito econômico quanto a outros ramos do direito.

O art. 24, I, da Carta, ao tratar da competência legislativa concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, mencionou expressamente o direito econômico. Vejamos:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concor-rentemente sobre:

I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

[...]

Embora este dispositivo seja expresso em identificar o direito econômico, em di-versas outras passagens, a Constituição trata da matéria, seja estabelecendo regras ou expressando princípios jurídicos.

No art. 3°, a Constituição estabelece os objetivos fundamentais da República Fe-derativa do Brasil, incluindo a construção de uma sociedade livre justa e solidária (inciso I) e, em termos especialmente importantes para o direito econômico, a garantia do desen-volvimento nacional (inciso II), a erradicação da pobreza, da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais (inciso III), objetivos estes que somente podem ser alcançados por meio de políticas econômicas, das quais se ocupa o direito econômico.

Vários dos direitos sociais, tratados nos arts. 6° e seguintes da Constituição, consti-tuem objeto do direito econômico, a exemplo do art. 7°, incisos I, IV, VI, XI, XXVII e XXXII. Vejamos:

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Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa cau-sa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;

[...]

IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de aten-der a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, ali-mentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

[...]

VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

[...]

XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;

[...]

XXVII – proteção em face da automação, na forma da lei;

[...]

XXXII – proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos;

[...]

Os dispositivos do art. 7°, da Constituição visam, em regra, a proteção de direitos individuais subjetivos do trabalhador. Contudo, algumas normas do artigo que definem direito subjetivos também possuem efeitos que transcendem a esfera jurídica do indiví-duo, para alcançar os interesses da coletividade e outras normas se dirigem ao mercado de trabalho em geral, como elemento definidor da política econômica do país.

A proteção contra a despedida sem justa causa (inciso I) contribui para a manu-tenção do nível de emprego, enquanto a previsão do salário mínimo (inciso IV) e da irredutibilidade de salários (inciso VI) contribui na preservação dos níveis de salários pra-ticados na economia. A seu turno, a previsão de participação do trabalhador no lucro e na própria gestão das empresas (inciso XI) constitui norma programática voltada a novos rumos da economia, com maior integração entre os fatores produtivos capital e trabalho.

A norma do inciso XXVII, de proteção do trabalhador face a automação do processo produtivo, a seu turno, distancia-se da pretensão de proteger direitos individuais, consti-tuindo verdadeira fim a ser atingido pela política econômica. De outro lado, a norma do inciso XXXII, que proíbe distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre

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Cap. 3 • A ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 143

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Este modelo entrou em crise no final da década de 80 e início da de 90, com a dis-solução do estado soviético e a queda dos regimes comunistas do leste europeu. Mesmo países que oficialmente ainda permanecem sob o regime comunista, como a China, vem adotando modelo diverso daquele originalmente concebido.

Mas o Estado social também passou a ser fortemente criticado, em especial a partir dos anos 70, o que o levou a remodelar sua forma de atuação na esfera econômica.

1.3. Ordem econômica constitucional brasileira:A Constituição de 1934 dedica um capítulo à Ordem Econômica e Social. Seus mo-

delos de inspiração – alemão e mexicano – não adotaram a expressão, que sobrevive na ordem constitucional brasileira até hoje. O contexto histórico deste texto constitucional explica a opção. O momento é de crítica e mesmo descrença em relação ao liberalismo. O direito à propriedade é garantido, desde que não exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar – art. 113, XVII. Como bem observa Geraldo Vidigal, o regime jurídico da propriedade e do contrato constitui o núcleo das condições para a atividade econômica54. E o artigo 115, por seu turno, prescrevia que:

Art. 115. A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica.

A Constituição de 1937 é a primeira no Brasil a se referir expressamente à in-tervenção do Estado no domínio econômico. Lembra-nos João Bosco Leopoldino da Fonseca ser também a primeira a distinguir a intervenção mediata da imediata, tratan-do, ainda, das manifestações da atuação do Estado: controle, estímulo e gestão direta (art. 135).

Com o fim do Estado Novo, a nova ordem constitucional explicitou a intervenção do Estado no domínio econômico com um norte – o interesse público – e um limite – os direitos fundamentais. É o que dispôs a Constituição de 1946, art. 146.

Um novo fator será acrescentado a partir da Constituição de 1967: o desenvolvi-mento econômico. Segundo João Bosco Leopoldino da Fonseca:

O Estado passa a figurar, não mais como regulador da atividade econômica a ser desenvolvida pelos particulares (titulares da liberdade de iniciativa), mas como um ator, como empresa a competir com a iniciativa privada (titular também o Estado da liberdade de iniciativa). É verdade que o texto cons-titucional submete essa atuação direta do Estado à condição de indispensa-bilidade, a ser revelada quer pela exigência da segurança nacional, quer pela inexistência de eficiência do setor privado55.

54. VIDIGAL, Geraldo. Teoria Geral do Direito Econômico, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 88.55. FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 264.

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A década de 70 foi marcada, na visão de Celso Bastos, por um excesso de permissivi-dade constitucional que resultou na criação de inúmeras empresas públicas e sociedades de economia mista, que passaram a assumir a princípio, o que seria dos particulares, ou melhor, assumir o serviço público, o que não deixava de ter uma dimensão econômica. Um dirigismo estatal praticado em nome da economia de mercado e da livre-iniciativa56.

2. PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988:

O art. 170 da Constituição de 1988 estabeleceu os valores fundamentais da ordem econômica brasileira:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I – soberania nacional;

II – propriedade privada;

III – função social da propriedade;

IV – livre concorrência;

V – defesa do consumidor;

VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação da EC 42/2003);

VII – redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII – busca do pleno emprego;

IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação da EC 06/1995).

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Além dos princípios fundamentais – livre-iniciativa e valor social da iniciativa humana – enumerados no caput, o art. 170 das Constituição relaciona em seus nove in-cisos os princípios constitucionais da ordem econômica, afirmando que esta tem por fim assegurar a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados por todos os “Poderes”, sob pena de inconstitucionalidade do ato praticado ao arrepio de qualquer deles. Portanto, serão inadmissíveis perante a ordem constitucional as decisões do Poder Judiciário que afrontarem estes princípios, assim como as leis e qualquer outro ato estatal

56. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2003. p.102.

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Cap. 3 • A ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 145

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que estabelecer metas e comandos normativos que, de qualquer maneira, oponham-se ou violem tais princípios.57

A leitura do caput e de seus incisos leva à percepção de que o constituinte adotou princípios liberalizantes e outros intervencionistas: os primeiros, limitando a interven-ção do Estado, como os incisos II e IV; os segundos, determinando a atuação do Poder Público para conformar a realidade econômica e social, como os incisos III e VI, além dos objetivos estabelecidos no caput – dignidade humana – e no art. 3º (erradicação da pobreza, combate às desigualdades regionais).58

Aliás, em relação aos incisos V a VIII, autores como José Afonso da Silva utilizam a expressão “princípios de integração”, porque dirigidos a resolver os problemas da margi-nalização regional ou social59.

Não se trata, propriamente, de uma incoerência, por parte do constituinte, ou de uma postura inviabilizadora do texto constitucional. É clara a opção pela liberdade eco-nômica, apenas não de forma absoluta.

É interessante o posicionamento de autores como Cass Sunstein, segundo o qual o “livre mercado” é, na realidade, fruto de conformação da ordem jurídica. Em outras pala-vras, ele não se constrói espontaneamente, mas por meio de opções políticas – de Estado. Mercados são resultado de intervenção do Estado no domínio econômico.60

Rachel Sztajn explicita essa discussão:

Mercado implica ordem e liberdade. Equívoco é pensar que mercados, or-ganizações ou instituições sociais para alguns, estruturas ou superestruturas para outros, surgem espontânea ou naturalmente nas sociedades, que são simples construções voluntaristas dos agentes econômicos. Ao criticar essa posição, Natalino Irti explica que, ausente o sistema normativo, os mercados não prosperam, pois mercado é a norma que o disciplina e constitui. No mesmo sentido de Irti manifesta-se Cass Sunstein quando afirma que é pre-ciso entender mercados como construção jurídica que se avalia segundo sua aptidão para promover interesses humanos, e não como fruto da natureza ou de uma ordem natural, ou mesmo como forma de promover a interação voluntária61.

É exatamente isso que temos no direito brasileiro: a consagração da liberdade de iniciativa e da propriedade privada, moldadas pela intervenção do Estado.

57. TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p. 134.58. GOMES, Carlos Jacques Vieira. Ordem econômica constitucional e direito antitruste. Porto Alegre:

Fabris, 2004, p. 82 e seg.59. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 774.60. SUNSTEIN, R. Free Markets and social justice. Oxford University Press, 1997. p. 5, apud SZTAIN, Ra-

chel. Teoria Jurídica da Empresa: atividade empresária e mercados. São Paulo: Atlas, 2004, p. 41.61. SZTAJN, Rachel, Teoria Jurídica da empresa. São Paulo: Atlas, 2004, p. 40-41.

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CAPÍTULO 4

POLÍTICAS ECONÔMICAS CONSTITUCIONAIS

1. INTRODUÇÃO

A Constituição de 1988 determina a realização de várias políticas de cunho econô-mico. Os comandos constitucionais são, por vezes denominados literalmente “política” como a política urbana (art. 182, da CF/88) ou a política agrícola e fundiária (art. 184 e seg, da CF/88). Por vezes, a Constituição simplesmente estabelece fins que devem ser al-cançados por meio de ações coordenadas, como é o caso da ciência e tecnologia, quando determina o art. 218, da CF/88 caber ao Estado promove e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas e do meio ambiente.

Estas políticas constitucionais, definem-se por normas constitucionais notadamente programáticas, que estabelecem objetivos e metas que devem ser alcançados pelo Po-der Público mediante a elaboração de leis e a realização de ações concretas coerentes e coordenadas. A Constituição não disciplina exaustivamente os meios necessários para a consecução de tais objetivos. Entretanto, estabelece regras de exceção, para que institutos tradicionais do direito tributário, administrativo ou financeiro possam ser utilizados de maneira específica na condução das políticas, sem o risco de serem considerados incons-titucionais.

São exemplos de institutos tradicionais que ganham perfil constitucional voltado para as políticas públicas o IPTU (progressivo) sanção, a desapropriação sanção e o usu-capião constitucional.

Selecionamos, aqui, por sua conexão com nosso tema, quatro políticas específicas mencionadas pela Constituição no Título da Ordem Econômica, importantes para o direito econômico: a política de redução das desigualdades regionais, a política urbana, política agrícola e fundiária e a política de incentivo a micro e pequenas empresas.

2. POLÍTICA DE REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES REGIONAIS

2.1. Introdução

O desenvolvimento econômico nacional é um dos principais objetivos da política econômica, ao lado da estabilidade de preços e da distribuição da renda. Portanto, é também um dos principais objetos do direito econômico.

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Ainda no âmbito da economia, a conjugação do desenvolvimento econômico com a distribuição da renda e da riqueza aplicada à realidade brasileira, confere à preocupa-ção com o desenvolvimento econômico regional importância elevada.

Isso porque é apenas pela via do desenvolvimento das regiões menos favorecidas que se consegue reduzir as desigualdades, sem prejudicar as regiões mais abastadas.

2.2. Normas constitucionaisNo âmbito do direito, o desenvolvimento regional também se mostra sobremaneira

destacado, erigido, que foi, à qualidade de princípio, positivado no art. 3°, III e 170, VII, da Constituição Federal. Vejamos:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

[...]

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

[...]

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

VII – redução das desigualdades regionais e sociais;

[...]

Ao comentar os dispositivos, leciona Eros Roberto Grau:

O princípio inscrito no art. 3°, III e parcialmente reafirmado no art. 170, VII prospera, assim – ainda que isso não seja compreensível para muitos – no sentido de, superadas as desuniformidades entre os flancos moderno e arcaico do capitalismo brasileiro, atualizá-lo. Aqui também atua como fundamento constitucional de reivindicação, da sociedade, pela realização de políticas pú-blicas145.

A Constituição atribui, a propósito, a promoção do desenvolvimento regional como competência administrativa comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, pela letra do art. 23, X, da CF/88:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

[...]

145. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 200.

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CAPÍTULO 5

AS AGÊNCIAS REGULADORAS

PARTE GERAL

1. REGULAÇÃO: UMA INTRODUÇÃO

Vimos no capítulo sobre a ordem econômica que há duas formas de atuação estatal no meio econômico: a direta, através da qual o Estado atua como agente econômico, por meio de empresas públicas e sociedades de economia mista, e a indireta, por meio da regulação – o Estado deixa a atividade econômica para a exploração pelo particular, reservando-se um papel diferente. Que papel é esse? Como ele é exercido? É o que nos cabe desenvolver no presente capítulo.

Vamos partir de conceitos com os quais estamos mais familiarizados: sabemos que as atividades econômicas podem ser exercidas individualmente ou de forma organizada por empresa. Por que a opção pela empresa?

Já sabemos que a Constituição reservou a exploração da atividade econômica para a iniciativa privada (salvo as já destacadas exceções, envolvendo interesse coletivo relevante e segurança nacional). Da mesma forma, o Estado atua na prestação de um serviço pú-blico (art. 175):

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Mas podemos observar, então, que no que diz respeito aos serviços públicos, o Estado os presta direta ou indiretamente, neste caso por meio de concessionárias ou permissionárias. Em outras palavras, por meio de pessoas jurídicas de direito privado – agentes econômicos. Marçal Justen Filho afirma tratar-se de serviço público prestado sob regime de direito privado153.

A partir dos anos 90, observamos no Brasil e em vários países uma forte tendência à prestação de serviços públicos por agentes privados, no contexto do movimento de desestatização. Mas isso não significa – ao menos, não pode significar – o total afasta-mento do Poder Público do serviço em questão. Pelo contrário: a Constituição lhe impõe o papel de regulador e fiscalizador. É o agente normativo e regulador (na concepção de Celso Antônio Bandeira de Mello); é a intervenção por direção, na terminologia usada por Eros Grau:

153. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 108.

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CAPÍTULO 7

POLÍTICAS ECONÔMICAS E ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA

FINANCEIRO NACIONAL

1. INTRODUÇÃO

O sistema financeiro nacional, regido pelo art. 192, da CF/88 e por outros dis-positivos como o art. 53, III, ‘d’, o art. 84, XIV e art. 164, ambos da Constituição, é composto por normas de estrutura, princípios e instituições e também por normas de comportamento, que disciplinam as atividades dos agentes econômicos, notadamente as instituições financeiras e as companhias abertas.

O sistema financeiro nacional se subordina aos princípios da ordem econômica elencados pelo art. 170, da Constituição. Em consonância com tais princípios, o art. 192, da Carta determina que o sistema seja “estruturado de forma a promover o de-senvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade”, impondo, portanto, verdadeiros princípios programáticos ou normas-objetivo, vale dizer, confe-rindo ao sistema financeiro os objetivos de buscar o desenvolvimento equilibrado do país e de servir como instrumento dos interesses da coletividade, não como um fim em si mesmo.

O art. 192, da CF/88, determina que o sistema financeiro nacional, no qual se inclui as cooperativas de crédito, seja regulado por lei complementar. Leia-se:

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a parti-cipação do capital estrangeiro nas instituições que o integram. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003)

O dispositivo teve sua redação atual conferida pela EC 40/2003, mas o texto vigente manteve parte da disciplina da norma original. Embora os incisos do art. 192 tenham sido revogados, persiste a exigência de lei complementar para dispor sobre o sistema financeiro em geral e, em especial, sobre a participação do capital estrangeiro nas insti-tuições que o integram.

A versão original do art. 192 contava ainda com parágrafos, todos revogados, um dos quais, o § 3°, dispunha sobre a limitação dos juros reais a 12% ao ano, matéria que estudamos no capítulo introdutório.

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MANUAL DE DIREITO ECONÔMICO – Fabio Guimarães Bensoussan • Marcus de Freitas Gouvêa386

As principais leis que regem o sistema são as mesmas Lei 4.595/1964 e 6.385/1976, recepcionadas como leis complementares sob a vigência da redação original do art. 192, da CF/88 (ADI 1.376 MC/DF) e que continuaram em vigor após a edição da EC 40/2003, conforme se depreende do julgamento da ADI 2.591/DF e do RE 286.963/MG.

Com base nestas normas, passaremos a estudar as linhas gerais do mercado finan-ceiro e da política (macro) econômica, especialmente as políticas monetária e cambial, a organização do sistema financeiro nacional, no que concerne aos órgãos e instituições que nele atuam, bem como aos títulos que circulam no mercado.

Dedicaremos um tópico específico para o sistema financeiro da habitação e da-remos tratamento separado para o mercado de capitais e ao mercado de títulos pú-blicos. A partir da 2ª edição, acrescentamos dois capítulos, para tratar do mercado de câmbio e do mercado de crédito, típico dos bancos comerciais e de investimento, em que incluiremos o tópico sobre sigilo bancário, que encerrava o título na primeira edição. Acrescentamos, também, um tópico sobre os contratos bancários e a defesa do consumidor, incluindo o tema dos cadastros de inadimplentes e de histórico de crédito.

Abordaremos o regime sancionador do sistema financeiro nacional, em revista aos instrumentos de controle do mercado, às infrações administrativas contra o sistema fi-nanceiro, às penalidades aplicadas por instituições como o BC e a CVM e aos recursos para o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional – CRSFN.

Cuidaremos, também, do regime interventivo das instituições financeiras.

Cabe ressaltar que os tópicos atinentes à política econômica e à organização do sis-tema financeiro nacional são importantes para todos os concursos, especialmente os da área federal.

Os temas do mercado de títulos públicos e de valores mobiliários têm importância maior para os concursos do Banco Central, da Comissão de Valores Mobiliários, bem como de bancos oficiais.

O tópico referente ao sistema financeiro da habitação é exigido especialmente nos concursos para a magistratura federal.

Os regimes regulador, sancionador e interventivo do sistema financeiro nacional também são importantes para qualquer concurso, mas ganham mais relevância nos concursos do Banco Central e das carreiras da AGU, enquanto o tema do sigilo ban-cário, também exigido na maioria dos concursos, inclusive no âmbito estadual, é espe-cialmente importante nos concursos da área fiscal, como o de Procurador da Fazenda Nacional.

Com estas observações, passemos, ao estudo do sistema financeiro nacional.

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CAPÍTULO 8

MERCADOS DO SISTEMA FINANCEIRO

1. MERCADO DE TÍTULOS PÚBLICOS

No capítulo anterior, tratamos do sistema financeiro e do mercado financeiro, afir-mando que este se divide em quatro seguimentos inter-relacionados: o mercado monetá-rio, o mercado de crédito, o mercado cambial e o mercado de capitais.

Cuidamos, também, do mercado monetário, ao definirmos moeda, estudarmos as regras de sua emissão e apresentarmos os principais instrumentos de política monetá-ria.

Trataremos, neste capítulo, dos demais seguimentos do mercado, de crédito, de câmbio e de capitais. Não obstante, cabe observar que esta classificação é eminentemente econômica e, para estudarmos algumas especificidades jurídicas, vamos expor a matéria em cinco tópicos, subdividindo o mercado de crédito em mercado de títulos públicos, mercado de crédito (bancário) e Sistema Financeiro da Habitação.

1.1. Introdução

O endividamento é uma das formas de custeio da administração pública, maté-ria que interessa tanto o direito financeiro quanto ao direito econômico. No âmbito do sistema financeiro nacional, nos interessa o endividamento realizado pela emissão de títulos, que consiste na dívida mobiliária, especialmente aqueles emitidos pelo Tesouro Nacional e não a dívida fundada, vale dizer, aquela decorrente de contratos de financiamentos de longo prazo, superior a doze meses, para contratação de bens e serviços específicos.

A distinção é dada pelo art. 29, da LC 101/2000:Art. 29. Para os efeitos desta Lei Complementar, são adotadas as seguintes definições:

I – dívida pública consolidada ou fundada: montante total, apurado sem du-plicidade, das obrigações financeiras do ente da Federação, assumidas em vir-tude de leis, contratos, convênios ou tratados e da realização de operações de crédito, para amortização em prazo superior a doze meses;

II – dívida pública mobiliária: dívida pública representada por títulos emitidos pela União, inclusive os do Banco Central do Brasil, Estados e Municípios;

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CAPÍTULO 9

REGIME PRUDENCIAL, INTERVENTIVO

E SANCIONADOR DO SFN

1. REGIME PRUDENCIAL DO MERCADO FINANCEIRO

1.1. Introdução

A atividade financeira proporciona ganhos para a economia, na medida em que organiza e viabiliza o fluxo do capital. As instituições financeiras captam recursos da eco-nomia popular e os disponibilizam para investimentos públicos e privados. Elas também desenvolvem ativos novos que permitem a diversificação de investimentos, criando assim mecanismos de proteção ao risco e de melhoria de liquidez.

Com esta atividade, as instituições também criam inter-relações entre o mercado físico e o mercado financeiro e entre mercados financeiros diversos, além de reforçar as inter-relações entre mercados físicos. De fato, a atividade financeira liga o poupador ao tomador de recursos, a empresa emissora de títulos aos fundos de previdência que os adquire, o governo investidor que adquire títulos públicos, o exportador aos bancos, ao receber destes valores em antecipação ao pagamento que será feito pelo importador e, por sua, vez, liga o banco aos adquirentes dos títulos emitidos a partir desta operação etc.

Por isso, eventuais crises do sistema não se limitam às instituições financeiras, mas po-dem afetar toda a cadeia de inter-relações econômicas por elas criadas, vale dizer, toda a economia.

Para se ter uma ideia, basta imaginar a notícia de que um banco irá quebrar. Ainda que a notícia seja falsa, todos os seus clientes ficam com medo correm para resgatar seus depósitos. Como vimos, não há papel-moeda suficiente em poder dos bancos para fazer frente a todos os depósitos. O resultado é a quebra do banco, sem falar de todos os efeitos negativos em terceiros, instituições financeiras ou não, que tenham relações com o banco.

O sistema financeiro, portanto, depende de uma rede de instrumentos que permi-tam seu bom funcionamento, evitem crises e garanta o patrimônio e a confiança das pessoas, sejam investidores, tomadores de recursos ou poupadores.

Com vistas nisso, tomam-se medidas preventivas, para evitar crises de instituições financeiras e medidas interventivas, tomadas para que a crise de instituições financeiras isoladas não afete todo o sistema.

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MANUAL DE DIREITO ECONÔMICO – Fabio Guimarães Bensoussan • Marcus de Freitas Gouvêa628

São medidas preventivas a exigência de requisitos para o funcionamento das ins-tituições financeiras, a exigência de boas práticas bancárias, a política de redesconto de liquidez, para ajudar instituições em dificuldades momentâneas, os limites de endivida-mento e de posições em ativos, a exigência de reservas de capital, a existência de fundo garantidor dos créditos e a instituição de sistemas eficientes e transparentes de pagamen-tos. Também podemos incluir a possibilidade de aquisição de instituições financeiras por bancos oficiais.

São medidas interventivas, tomadas face a instituições com problemas mais sérios, a administração temporária, a intervenção e a liquidação das instituições financeiras, que têm a finalidade de sanear instituições mal administradas ou mesmo extingui-las, com a responsabi-lização de seus gestores, para que não continuem a afetar o andamento da economia.

São medidas sancionadoras as aplicações de penalidades aos participantes do mercado que realizem práticas indesejáveis, previstas na lei como ilícitos.

Trataremos agora do Sistema Brasileiro de Pagamentos, do Fundo Garantidor de Créditos, Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Fi-nanceiro Nacional, e da aquisição de participação em instituições financeiras por bancos oficiais, como medidas preventivas, adotadas para aprimorar o Sistema Financeiro Na-cional, para fortalecer as instituições financeiras, garantir os investidores e proporcionar confiança ao sistema.

Em seguida, trataremos de medidas interventivas do Banco Central, tomadas em caráter cautelar ou saneador de instituições em crise ou que se encontrem em situações de risco elevado.

1.2. Medidas preventivas1.2.1. Sistema de pagamentos brasileiro – SPB

1.2.1.1. IntroduçãoO funcionamento do sistema financeiro bem como a eficácia das medidas pruden-

ciais voltadas à manutenção da liquidez do sistema depende, em boa medida, da eficiên-cia do sistema de pagamentos.

De fato, há um hiato entre as negociações e sua liquidação e quanto maior a dis-tância temporal entre o encontro das contas, maior será a incerteza quanto à capacidade de pagamento das negociações realizadas e um bom sistema de pagamentos é capaz de conferir segurança a toda a economia.

E o que é um sistema de pagamentos?

No mundo moderno, estamos acostumados a fazer compras em lojas físicas e vir-tuais, contratar os mais diversos serviços, realizar investimentos bem como a efetuar os pagamentos por múltiplos meios, como transferências bancárias, cartões de débito e crédito, ordens de pagamento etc., no Brasil e no exterior, fazendo uso cada vez menor do papel-moeda. Entretanto, pouco pensamos do que é preciso para que um pagamento chegue ao seu destinatário.

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CAPÍTULO 10

INTRODUÇÃO AO DIREITO DA CONCORRÊNCIA (OU DIREITO

ANTITRUSTE)

1. INTRODUÇÃO1.1. A concorrência no direito econômico

O direito antitruste ou o direito da concorrência talvez seja o ramo mais relevante do direito econômico.

Esta importância, que se percebe inclusive nas questões de concursos, deve-se a diversos fatores.

Um destes fatores, aplicável ao Brasil, é a exclusividade da concorrência como objeto de estudo. Em geral, o direito econômico compartilha seus objetos com outros ramos do direito, a exemplo do Mercosul e outros organismos internacionais (estudados pelo direito econômico e direito internacional), a CIDE (estudada pelo direito econômi-co e pelo direito tributário), as agências reguladoras (estudadas pelo direito econômico e pelo direito administrativo) e o sistema financeiro (estudado pelo direito econômico e pelo direito empresarial).

A concorrência, ao revés, não é objeto de nenhum outro ramo do direito brasileiro, salvo do direito penal (econômico), mais especificamente o art. 4º, da Lei 8.137/1990, pouco aplicado no país.

Nos Estados Unidos, por exemplo, esta argumentação não faz sentido, pois lá não há um direito econômico amplo. Naquele país se fala em “antitrust law”, equivalente ao nosso direito antitruste ou direito da concorrência e em “law and economics” (expressão traduzida no Brasil como análise econômica do direito) que é um método de análise jurídica, não um ramo autônomo do direito.

Outro fator que destaca a importância da matéria é o combate aos cartéis e aos monopólios na história do direito e da economia mundiais, especialmente dos países desenvolvidos, como os Estados Unidos (onde nasceu o direito antitruste), mas também no Brasil.

Nos dias de hoje, o direito da concorrência também tem ganhado destaque na mídia brasileira tanto em decorrência das investigações de cartel na “operação lava jato”420, es-

420. “CADE deve multar AG e Odebrecht”. Valor Econômico, 22/6/2015.

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CAPÍTULO 11

SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA

1. ÓRGÃOS DO SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊN-CIA E SUAS ATRIBUIÇÕES

Lançamos na parte geral as noções básicas do direito da concorrência.

A partir de agora, vamos analisar mais detidamente a estrutura e os procedimentos dos entes que compõem o sistema brasileiro de defesa da concorrência.

1.1. O SBDC

Parcela significativa da Lei Antitruste cuida do Sistema Brasileiro de Defesa da Con-corrência – SBDC, dos órgãos que o compõem e da competência de cada um deles, mostrando-se de suma importância a leitura dos arts. 1° a 20 do diploma normativo.

O art. 3°, da Lei 12.529/2011 enuncia os órgãos que formam o SDBC. Leia-se:Art. 3º O SBDC é formado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econô-mica – CADE e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministé-rio da Fazenda, com as atribuições previstas nesta Lei.

O SBDC, portanto, é composto pelo Conselho Administrativo de Defesa da Con-corrência, o CADE, vinculado ao Ministério da Justiça (valendo lembrar, desde logo, que atuam perante o Conselho membros do Ministério Público Federal e órgão especializado da Procuradoria Federal) e a Secretaria de Acompanhamento Econômico, órgão per-tencente ao Ministério da Fazenda.

A Lei 12.529/2011 é aplicada em todo o território nacional. Leia-se o art. 2º, da lei:Art. 2º Aplica-se esta Lei, sem prejuízo de convenções e tratados de que seja signatário o Brasil, às práticas cometidas no todo ou em parte no território nacional ou que nele produzam ou possam produzir efeitos.

§ 1º Reputa-se domiciliada no território nacional a empresa estrangeira que opere ou tenha no Brasil filial, agência, sucursal, escritório, estabelecimento, agente ou representante.

§ 2º A empresa estrangeira será notificada e intimada de todos os atos proces-suais previstos nesta Lei, independentemente de procuração ou de disposição contratual ou estatutária, na pessoa do agente ou representante ou pessoa res-ponsável por sua filial, agência, sucursal, estabelecimento ou escritório insta-lado no Brasil.

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A existência de infrações que cruzam fronteiras exige, porém, a cooperação de ór-gãos de proteção da concorrência, para a eficaz aplicação da lei.

1.2. O CADE

Nos termos do art. 4°, da Lei 12.529/2011, o CADE é autarquia judicante signi-ficando dizer que possui personalidade jurídica própria e competência para decidir questões no âmbito administrativo. Suas decisões sempre podem ser revistas pelo Poder Judiciário, tendo em vista os princípios do controle do ato administrativo e da inafasta-bilidade da jurisdição. A vinculação ao Ministério da Justiça decorre do próprio ordena-mento jurídico pátrio, que exige a vinculação de toda autarquia a algum Ministério, in-clusive das agências regulatórias independentes. A este propósito, veremos adiante que o CADE possui independência relativa, calcada na estabilidade de seus membros, malgra-do a autarquia não possua autonomia financeira. Por hora, cabe a leitura do dispositivo:

Art. 4º O Cade é entidade judicante com jurisdição em todo o território na-cional, que se constitui em autarquia federal, vinculada ao Ministério da Jus-tiça, com sede e foro no Distrito Federal, e competências previstas nesta Lei.

É muito comum a menção ao CADE apenas como o órgão judicante. Contudo, o CADE é constituído por três órgãos: o Tribunal Administrativo de Defesa Econômi-ca, com competência decisória destacada, a Superintendência-Geral, que possui diver-sas atribuições administrativas, mas também possui algumas competências decisórias, e o Departamento de Estudos Econômicos, com função precípua de assessoramento. Veja o que dispõe o art. 5°, da Lei 12.529/2011:

Art. 5º O Cade é constituído pelos seguintes órgãos:

I – Tribunal Administrativo de Defesa Econômica;

II – Superintendência-Geral; e

III – Departamento de Estudos Econômicos.

Já é possível notar algumas alterações institucionais do SBDC, face a legislação revo-gada. No regime da Lei 8.884/1994 o CADE era autarquia que não se dividia em órgãos, e as funções hoje desempenhadas pela Superintendência-Geral eram divididas entre os conselheiros e a Secretaria de Direito Econômico – SDE, vinculada ao Ministério da Jus-tiça. A propósito, a SDE foi extinta e seu patrimônio incorporado ao CADE, por força do art. 30, da Lei 12.529/2011.

1.3. A composição do Tribunal da Concorrência

O art. 6°, da Lei 12.529/2011, disciplina a composição do Tribunal Administrativo do CADE, que tem como membros um presidente e seis conselheiros (mantida a no-menclatura anterior, malgrado a utilização do termo Tribunal, para o órgão judicante).

Os membros do Tribunal são escolhidos pelo Presidente da República, após apro-vados pelo Senado Federal, entre cidadãos com mais de 30 anos de idade, de notório