Manual de Direito Processual Civil - Vol. 1 - Darlan Barroso

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vo l|me Manual de Direito 1 Processual Civil teoria geral e processo de conhecimento Darlan Barroso 2- edição atualizada  . Manole

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vol|me Manual de Direito 1 Processual Civil

teoria geral e processo de conhecimento

Darlan Barroso

2- edição atualizada

 .

Manole

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M a n u a l d e D i r e i t o

P r o c e s s u a l C i v i l

V o l u m e I - T e o r i a G e r a l e

p r o c e s s o d e C o n h e c i m e n t o

2 a E d i ç ã o A t u a l i z a d a

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M a n u a l d e D i r e i t o

P r o c e s s u a l C i v i l

V o l u m e l - T e o r i a G e r a l e P r o c e s s o d e C o n h e c i m e n t o

2 a E d i ç ã o A t u a l i z a d a

D a r l a n B a r r o s o

Advogado em São Paulo, mestrando em Direitos Difusos e Coletivos e especialista em Direito Processual Civil pela

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor de Direito Processual Civil e Prática Jurídica

na Universidade Paulista (UNIP), em cursos de pós-graduação e nos Cursos RCD

e Proordem, na preparação para o Exame de Ordeme concursos públicos. Co-autor do livro

Prática jurídica civil, publicado pela Editora Manole.

A .Manole

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Copyright © 2007 Editora Manole Ltda., por meio de contrato com o autor.

Projeto GráficoNelson Mielnik e Sylvia Mielnik

Editoração Eletrônica Acqua Estúdio Gráfico

CapaEduardo Bertolini

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Barroso, Darlan Manual de direito processual civil, volume 1:

teoria geral e processo de conhecimento / Darlan Barroso. - 2. ed. ampl. e atual. - Barueri, SP : Manole, 2007

BibliografiaISBN: 978-85-204-2455-1

1. Processo civil. 2. Processo civil - BrasilI. Título. II. Série.

Todos os direitos reservados.Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, por qualquer processo, sem a permissão expressa dos editores.É proibida a reprodução por xerox.

1J edição - 2003 2J edição - 2007

Direitos adquiridos pela:Editora Manole Ltda.

06-7976 CDU-347.9índice para catálogo sistemático:1. Direito processual civil 347.9

2. Processo c iv il: Direito civil 347.9

Avenida Ceei, 672 - Tamboré 06460-120 - Barueri - SP - Brasil Fone: (11) 4196-6000 - Fax: (11) 4196-6021 www.manole.com.br [email protected]

ASSOQACÀO K A S & W A 0€ M M 7C Ô tt»O O G C A »C O S

Impresso no Brasil Prlnted in Brazil

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À minha mãe Neide e à Sandra, mulheres que ocupam lugar especial na minha vida,

não apenas pelos laços que nos unem, mas também pelo constante exemplo de

fortaleza e determinação.

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S u m á r i o

Apresentação ...................................................................................... XIX

Nota da 2a edição .............................................................................. XXIN otada Ia edição .............................................................................. XXIII

Agradecimentos ................................................................................. XXV

Abreviaturas .........................................................................................XXVII

1. DIREITO PROCESSUAL CIV IL....................................................... 1

1.1 Conceito e natureza ju ríd ica ....................................... 1

1.2 Evolução histórica ........................................................ 4

1.2.1 Processo romano ............................................. 5

1.2.2 Processo rom ano-barbárico ........................... 8

1.2.3 O direito processual civil brasileiro ............ 9

1.3 Fontes do direito processual ....................................... 111.3.1 A Constituição da República e a

lei processual.................................................... 12

1.3.2 Jurisprudência e súmulas (vinculantes e

não-vinculantes).............................................. 161.3.3 Regimentos e atos internos dos tribunais .. 19

1.4 Direito processual e direito material ........................ 22

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V I I I MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL DARLAN BARROSO

1.5 A lei processual no tempo e no espaço ........................................... 24

1.6 Princípios ............................................................................................... 271.6.1 Princípios constitucionais................................................... 271.6.2 Princípios internos do processo civ il................................. 39

2. JURISDIÇÃO.................................................................................................. 492.1 Conceito ................................................................................................ 492.2 Características....................................................................................... 512.3 Poderes da ju risd ição ........................................................................... 552.4 Espécies de prestações da tutela jurisdicional................................ 56

2.4.1 Jurisdição comum ou especializada................................... 562.4.2 Jurisdição voluntária ou contenciosa ................................ 572.4.3 Jurisdição individual ou coletiva ....................................... 582.4.4 Jurisdição inferior e su p e r io r .............................................. 59

2.5 Substitutivos da jurisdição ................................................................. 602.6 O Poder Judiciário brasileiro ............................................................. 62

2.6.1 Ingresso na m agistra tu ra ...................................................... 622.6.2 As garantias do Poder Judiciário e da

m agistra tu ra ........................................................................... 652.6.3 As vedações impostas aos membros do

Judiciário ................................................................................. 682.6.4 Órgãos do Poder Judiciário ................................................. 69

2.7 Atividade descentralizada dos tribunais........................................... 782.8 Órgãos com funções administrativas ou fiscalizadoras................. 79

2.8.1 Conselho Nacional de Justiça............................................... 792.8.2 Conselho da Justiça Federal e Escola Nacional de

Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados................. 82

3. AÇÂO................................................................................................................. 853.1 Conceito ................................................................................................. 853.2 Teorias da a ç ã o ...................................................................................... 873.3 Condições da ação ................................................................................ 90

3.3.1 Legitimidade ad causam ....................................................... 913.3.2 Interesse de agir ..................................................................... 933.3.3 Possibilidade jurídica do p e d id o ........................................ 933.3.4 Carência de a ç ã o .................................................................... 95

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SUMÁRIO IX

3.4 Elementos da ação ................................................................................ 963.4.1 As partes da ação ................................................................... 963.4.2 Causa de pedir ........................................................................ 973.4.3 O pedido .................................................................................. 98

3.5 Classificação das ações ........................................................................ 993.5.1 Ação de conhecimento ......................................................... 993.5.2 Ação de execução................................................................... 1033.5.3 Ação cau te lar........................................................................... 1043.5.4 Ação m andam enta l................................................................ 1053.5.5 Outras classificações.............................................................. 107

4. PROCESSO ..................................................................................................... 1094.1 Definição e natureza ju r íd ic a ............................................................. 1094.2 Elementos do processo ........................................................................ 1124.3 Espécies de processos .......................................................................... 1134.4 Pressupostos processuais..................................................................... 114

4.4.1 Pressupostos subjetivos ........................................................ 1154.4.2 Pressupostos objetivos........................................................... 116

5. PARTES E PROCURADORES..................................................................... 1215.1 Partes ....................................................................................................... 121

5.1.1 Capacidade de ser parte ....................................................... 1235.1.2 Capacidade processual.......................................................... 1235.1.3 Capacidade postu la tória ....................................................... 129

5.2 A advocacia ........................................................................................... 1325.2.1 Dos direitos e deveres básicos do advogado .................... 1325.2.2 Do instrumento de mandato .............................................. 137

5.3 Deveres gerais das partes e dos p rocuradores................................ 1425.3.1 Deveres das partes e dos procuradores.............................. 1435.3.2 Obrigações das partes: despesas processuais.................... 146

5.4 A advocacia p ú b lica ............................................................................. 1515.5 Substituição das p a r te s ........................................................................ 152

5.5.1 Substituição por morte ou perda da capacidadeprocessual da parte ............................................................... 153

5.5.2 Substituição decorrente da alienação do bemlitig ioso .................................................................................... 154

5.5.3 Intervenção de terceiros ....................................................... 154

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X MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

6. LITISCONSÓRCIO ...................................................................................... 1576.1 Definição de litisconsórcio................................................................ 1576.2 Espécies de litisconsórcio .................................................................. 1596.3 Posição dos litisconsortes.................................................................. 162

7. INTERVENÇÃO DE TERCEIROS............................................................. 1657.1 Definição .............................................................................................. 1657.2 Assistência............................................................................................ 167

7.2.1 Definição e cab im ento .......................................................... 1677.2.2 Espécies de assistência ........................................................... 1687.2.3 Poderes do assistente ............................................................. 1697.2.4 Efeitos da sentença................................................................. 1707.2.5 Procedimento da assistência ................................................ 171

7.3 Oposição .............................................................................................. 1727.3.1 C abim ento ................................................................................ 1727.3.2 Procedimentos e efeitos da oposição ................................. 173

7.4 Nomeação à autoria ........................................................................... 1747.4.1 Definição e hipóteses de cabimento .................................. 1747.4.2 Procedim ento .......................................................................... 176

7.5 Denunciação da lide ........................................................................... 1787.5.1 Definição .................................................................................. 1787.5.2 Hipóteses de cabimento ....................................................... 1807.5.3 Obrigatoriedade da denunciação da lide .......................... 1827.5.4 Procedimentos ........................................................................ 183

7.6 Chamamento ao processo ................................................................. 1857.6.1 Definição e cab im ento ........................................................... 1857.6.2 Procedim ento.......................................................................... 186

8. O JUIZ E OS AUXILIARES DA JUSTIÇA .............................................. 1898.1 Função do m ag istrado ................................................................... 1898.2 Responsabilidades do juiz ............................................................ 1918.3 Imparcialidade: impedimento e suspeição ................................ 1928.4 Auxiliares da jurisdição ................................................................. 195

9. O MINISTÉRIO PÜBLICO ......................................................................... 1999.1 A função do Ministério Público no Estado Democrático

de D ire ito ......................................................................................... 199

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SUMÁRIO X I

9.2 Características e garantias ............................................................. 1999.3 Estrutura do Ministério P ú b lico .................................................. 200

9.3.1 Ministério Público da União...................................... 2019.3.2 Ministério Público dos Estados.................................. 201

9.4 Atribuições do Ministério Público .............................................. 2019.4.1 O Ministério Público como p a r te ............................ 2029.4.2 O Ministério Público como fiscal da lei ............. 204

9.5 Poderes na atuação do Ministério P úb lico ................................. 2089.6 Controle externo do Ministério Público..................................... 208

10. COMPETÊNCIA .......................................................................................... 21110.1 Definição ........................................................................................... 21110.2 Competência interna e internacional ......................................... 21210.3 Critérios de distribuição de competência .................................. 21410.4 Competência funcional da Justiça Federal e das Justiças

dos E stados...................................................................................... 21810.5 Competência te rr ito ria l................................................................. 222

10.5.1 Regra comum de f o r o ................................................. 22210.5.2 Foros especiais ou privilegiados................................ 225

10.6 Terminologias em pregadas............................................................ 22810.7 Competência em razão do valor da c a u sa .................................. 22810.8 Competência no Estado de Sào Paulo e na cap ita l.................. 22910.9 Fórmula prática para verificação da com petência ................... 23510.10 Competência absoluta e relativa .................................................. 23710.11 Modificação da competência ........................................................ 241

10.11.1 Conexão e continência ............................................... 24210.11.2 Foro de eleição ............................................................. 24410.11.3 Modificação da competência na fase executória.... 24610.11.4 Modificação da competência nas ações relativas aos

direitos hum anos............................................................ 24610.12 Declaração e conflito de com petência ........................................ 247

10.12.1 Procedimento da solução do conflitode competência .............................................................. 249

10.12.2 Incidente de conflito de competência e exceçãode incompetência............................................................ 252

10.13 Perpetuatio jurisdictionis................................................................ 253

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

11. ATOS PROCESSUAIS.................................................................................. 25511.1 Definição ........................................................................................... 25511.2 Classificação e sujeitos dos atos processuais ............................. 256

11.2.1 Atos de pronunciamento do juiz ................................ 25711.2.2 Atos dos serventuários da ju s tiça ................................ 26111.2.3 Atos do Ministério Público .......................................... 262

11.3 Forma dos atos processuais........................................................... 26211.4 Do tempo e lugar dos atos processuais ...................................... 265

11.4.1 Transmissão de petições por meios eletrônicos........ 26711.4.2 Uso de meios eletrônicos nos processos..................... 269

11.5 Prazos processuais........................................................................... 26911.5.1 Espécies ou classificação dos p ra z o s ........................... 27011.5.2 Contagem dos prazos .................................................... 27211.5.3 Prerrogativas de prazos ................................................. 27511.5.4 Preferência nos julgamentos ........................................ 276

11.6 Comunicação dos atos processuais............................................. 27911.6.1 C artas ................................................................................. 28011.6.2 Citações ............................................................................ 28411.6.3 In tim ações........................................................................ 296

11.7 Nulidade dos atos processuais....................................................... 298

12. ASSISTÊNCIAS JURÍDICA E JUDICIÁRIA GRATUITAS................. 30112.1 A gratuidade como acesso à jurisdição ...................................... 30112.2 A gratuidade processual: “assistência judiciária gratuita” ......... 303

12.2.1 Cabimento e abrangência da gratuidadeprocessual ........................................................................ 303

12.2.2 Requerimento e apreciação jud ic ia l............................ 30512.2.3 Impugnação e e fe itos ..................................................... 308

13. FORMAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO ............ 31113.1 Formação do p rocesso .................................................................... 311

13.1.1 Distribuição....................................................................... 31213.2 Suspensão do processo .................................................................. 31313.3 Extinção do p rocesso ...................................................................... 317

13.3.1 Extinção do processo sem resolução do m é rito ....... 31813.3.2 Extinção do processo com resolução do mérito ...... 327

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SUMÁRIO XI I I

14. PROCEDIMENTOS DO PROCESSO DE CONHECIMENTO ......... 33114.1 Definição ........................................................................................... 33114.2 Procedimento ordinário ................................................................ 333

14.2.1 Fases do procedimento c o m u m ................................. 33314.3 Procedimento sumário .................................................................. 335

14.3.1 Definição e características do rito su m á rio .............. 33514.3.2 Hipóteses de cabimento ................................................ 33614.3.3 Peculiaridades do rito sumário ................................... 341

14.4 Procedimentos especiais................................................................ 344

15. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA ...................................... 34715.1 Definição ........................................................................................... 34715.2 Distinção entre antecipação da tutela, cautelares e

lim inares ........................................................................................... 34815.3 Características da antecipação dos efeitos da tutela ............... 352

15.3.1 Antecipação dos efeitos da tu te la ................................ 352

15.3.2 Satisfatividade ................................................................. 35315.3.3 Utilidade contra abuso do direito de defesa ............ 35315.3.4 Provisoriedade ................................................................ 353

15.4 Requisitos de cab im en to ................................................................ 35415.4.1 Prova inequívoca da verossimilhança das

alegações.......................................................................... 354

15.4.2 Reversibilidade................................................................ 355

15.4.3 Perigo de dano ................................................................ 35515.4.4 Abuso do direito de defesa ........................................... 35615.4.5 Pedido incontroverso..................................................... 357

15.5 Legitimidade para o requerim ento ............................................. 357

15.6 Momento para requerimento e concessão ................................ 35815.7 Execução da decisão an tecipatória .............................................. 36115.8 Questões polêmicas acerca da tutela antecipada ..................... 363

15.8.1 Possibilidade de antecipação contra as Fazendas

Públicas ........................................................................... 36315.8.2 Fungibilidade entre a tutela antecipada e medida

cautelar ............................................................................ 366

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XIV MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL DARLAN BARROSO

16. PETIÇÃO INICIAL E O PEDIDO ......................................................................... 36916.1 Definição ........................................................................................... 36916.2 Estrutura e requisitos...................................................................... 371

16.2.1 Endereçamento ............................................................... 37116.2.2 Preâmbulo da petição inicial........................................ 37216.2.3 Fatos e fundamentos ju ríd ico s ..................................... 374

16.2.4 P ed id o ................................................................................ 37616.2.5 R equerim entos................................................................ 37616.2.6 Valor da causa ................................................................. 37716.2.7 Documentos indispensáveis......................................... 381

16.3 O p e d id o ............................................................................................ 38116.3.1 Definição ........................................................................... 38116.3.2 Requisitos do pedido ...................................................... 38416.3.3 Espécies de pedidos especiais....................................... 385

16.3.4 Vícios e alteração do pedido ........................................ 39016.4 Juízo de admissibilidade da petição inicial ............................... 392

17. DEFESAS DO R É U .................................................................................................... 39517.1 O contraditório e o ônus da resposta do ré u ............................. 39517.2 Prazo para resposta ......................................................................... 39617.3 C ontestação ....................................................................................... 397

17.3.1 Revelia (contumácia do ré u ) ......................................... 40117.4 Exceções............................................................................................. 404

17.4.1 Exceção de incompetência .............................................. 40517.4.2 Exceção de impedimento ou suspeição ........................ 407

17.5 Reconvenção...................................................................................... 40917.5.1 Prazo e forma de propositura da reconvenção .......... 41017.5.2 Procedimento da reconvenção..................................... 41117.5.3 Reconvenção e pedido contraposto ............................ 41217.5.4 Distinção entre reconvenção e ação declaratória

incidental.......................................................................... 41317.6 Outras modalidades de respostas do réu ................................... 416

17.6.1 Impugnação ao valor da cau sa ..................................... 41617.6.2 Impugnação à concessão da justiça gratuita ............. 417

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SUMÁRIO X V

18. FASE DO SANEAiMENTO E O JULGAMENTO CONFORME OESTADO DO PROCESSO........................................................................... 42118.1 Providências preliminares ............................................................. 42218.2 Audiência preliminar de conciliação .......................................... 42218.3 Despacho san e ad o r ......................................................................... 42618.4 Julgamento conforme o estado do processo ............................. 428

18.4.1 Extinção sem julgamento do mérito ......................... 42918.4.2 Julgamento antecipado do mérito ............................. 430

19. INSTRUÇÃO DO PROCESSO.................................................................. 43319.1 Teoria geral da prova ...................................................................... 433

19.1.1 Definição e objeto da prova ......................................... 43619.1.2 Ônus probatório ............................................................ 43819.1.3 Requerimento e admissão da p ro v a ........................... 44119.1.4 Produção da p ro v a ......................................................... 44319.1.5 Valoração da prova ........................................................ 44719.1.6 Espécies de p rovas.......................................................... 449

19.2 Confissão ........................................................................................... 44919.2.1 Espécies de confissão ..................................................... 45019.2.2 Cabimento e efeitos da confissão................................ 451

19.3 Depoimento pessoal e in terrogatório ......................................... 45219.4 Exibição de documentos ou coisas ............................................ 455

19.4.1 Definição e finalidade da exib ição .............................. 45519.4.2 Procedimento do incidente de exibição .................... 45619.4.3 Justificativas para a recusa ............................................ 458

19.5 Prova docum en ta l............................................................................ 46119.5.1 Definição de documento .............................................. 46119.5.2 A prova documental no Código Civil de 2002 ........ 46219.5.3 Espécies de d o cu m en to s ............................................... 46419.5.4 Produção da prova docum en ta l.................................. 46519.5.5 Argüição de falsidade..................................................... 46819.5.6 Reproduções dos docum entos..................................... 471

19.6 Prova testemunhai .......................................................................... 47219.6.1 Definição e cabimento da prova testem unhai.......... 47219.6.2 Quem pode ser testemunha ......................................... 47419.6.3 Contradita ....................................................................... 47819.6.4 Produção da prova testemunhai ................................. 480

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X V I MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

19.7 Prova pericial ................................................................................... 48319.7.1 Admissão da prova pericial .......................................... 48419.7.2 Nomeação do perito e indicação dos assistentes

técn icos............................................................................ 48519.7.3 Recusa de submissão à perícia ..................................... 487

19.8 Inspeção judicial .............................................................................. 48919.9 Audiência de in s tru ção ................................................................... 490

19.9.1 Decisões proferidas em audiência................................ 49319.10 Encerramento da in s tru ção ........................................................... 493

20. SENTENÇA E A COISA JULGADA.......................................................... 49520.1 Sentença............................................................................................. 498

20.1.1 Conceituação.................................................................... 49820.1.2 Espécies de sentenças e tutelas prestadas no

processo de conhecimento .......................................... 49920.1.3 Requisitos formais das sen tenças................................. 50220.1.4 Limites da sentença......................................................... 50420.1.5 Tutelas específicas das obrigações de fazer e

não fa z e r .......................................................................... 50520.1.6 Modificação das sentenças pelo próprio ju iz ............. 507

20.2 Coisa ju lg ad a .................................................................................... 50820.2.1 Espécies de coisa julgada ............................................... 50920.2.2 Extensão ou limites da coisa julgada .................. 510

21. LIQUIDAÇÃO DE SEN TEN ÇA................................................................. 51521.1 Sentenças ilíqu idas.......................................................................... 51621.2 Sentença anterior à reforma da Lei n. 11.232/2005 .................. 51721.3 Espécies de liquidação .................................................................... 518

21.3.1 Liquidação por cálculos.................................................. 51821.3.2 Liquidação por a rb itram en to ....................................... 52221.3.3 Liquidação por artigos.................................................... 522

21.4 Recurso cabível na liquidação........................................................ 52421.4.1 Liquidação na pendência de recurso........................... 52421.4.2 Citação do devedor na liquidação .............................. 525

22. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA .......................................................... 52722.1 Títulos judiciais................................................................................ 528

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SUMÁRIO XVII

22.2 Reforma introduzida pela Lei n. 11.232/2005 ........................... 53222.3 Modos de cumprimento das sentenças ...................................... 53322.4 Execução provisória e execução definitiva do ju lgado.............. 53422.5 Cum prim ento das sentenças de quantia .................................... 536

22.5.1 Competência jurisdicional para ocumprimento da sen ten ça ........................................... 536

22.5.2 Cumprimento voluntário............................................... 53822.5.3 Efeitos do não cumprimento vo lun tário .................... 54022.5.4 Impugnação contra o cumprimento da sentença ....... 541

ANEXO 1 ................................................................................................................... 547

ANEXO 2 ................................................................................................................... 551

ANEXO 3 .................................................................................................................... 557

BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................... 567

ÍNDICE REMISSIVO 573

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A p r e s e n t a ç ã o

Fiquei muito feliz e honrada ao receber o convite para prefaciar a obra M anual de Direito Processual Civil, cio p ro ­fessor Darlan Barroso, jovem processualista que vem se destacando como professor de Direito Processual Civil na Universidade Paulista (Unip), respeitado e querido por seus alunos.

Quanto à obra, acompanhei de perto sua elaboração e vi a dedicação do professor Darlan, seu empenho em elaborar um trabalho que, com objetividade e clareza, abordasse o Pro­cesso de Conhecimento em todas as suas peculiaridades.

Trata-se de trabalho minucioso ao qual o autor procurou dar cunho prático, sem, contudo, esquecer os aspectos teóri­cos que foram, também, examinados com profundidade e senso crítico invejável.

É obra que se destaca, igualmente, pela preocupação didática do autor, fruto, com certeza, de sua vitoriosa expe­riência como docente, de seu empenho em desvendar para seus alunos os meandros do Processo Civil, tão misterioso e árduo para aqueles que se iniciam na carreira jurídica.

XIX

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

O Processo Civil é abordado como meio pelo qual os direitos po­dem ser plenamente assegurados e não como um fim em si mesmo. E essa é a missão mais nobre do Processo.

Afinal, de que valem os direitos se não tivermos um instrumento eficaz para garanti-los? E de que vale termos instrumentos se não sou­bermos manuseá-los? O livro do professor Darlan Barroso é um manual hábil sobre a utilização do Processo Civil como instrumento na proteção dos direitos.

Por tudo isso, e por muito mais, é obra importante e que, com cer­teza, terá grande aceitação por parte de todos os estudiosos do Direito Processual Civil.

Somente me resta agora desejar sucesso ao autor e à obra e dizer: Darlan, sua dedicação valeu a pena e você pode sentir o justo orgulho da missão bem cumprida.

Leda Pereira da Mota (in memoriam)

Advogada em Sào Paulo, professora de Direito Constitucional na

Pontifícia Universidade Católica de Sào Paulo (PUC-SP), na Universidade Paulista (Unip) e no Curso Robortella.

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N o t a d a 2 a E d i ç ã o

A segunda edição tardou a ser publicada em decorrência do grande número de reformas introduzidas no ordenamen­to jurídico brasileiro.

Primeiro veio a Emenda Constitucional n. 45/2004, que, com o objetivo de fazer a "reforma do Judiciário", alterou sen­sivelmente a estrutura deste Poder, e criou novos instrumen­tos na realidade processual, como o princípio constitucional da eficiência, a criação do Conselho Nacional de Justiça, a per­missão para o Supremo Tribunal Federal editar súmulas vin- culantes, as modificações de competências, enfim, uma série de novos institutos que passamos a comentar nesta obra.

Posteriormente à "reforma do Judiciário", veio a reforma infraconstitucional, com grandes alterações do Código de Processo Civil, em especial pela modificação introduzida no sistema do cumprimento das sentenças (o que anteriormente fazia parte do processo de execução), com a Lei n. 11.232/2005, e nas regras dos recursos, entre outras matérias, pelas Leis ns. 11.187/2005,11.276/2006,11.277/2006 e 11.280/2006.

Assim, com as reformas, uma dura decisão nos foi im­posta, qual seja, a de alterar a formatação original dos volu­mes do Manual de Direito Processual Civil.

XXI

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XXI I MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

A matéria que antes seria objeto de estudo no volume II, ao se analisar o processo de execução, passou, por imposição legislativa (Lei n. 11.232/2005), a ser um atributo das sentenças e, conseqüentemente, melhor seria para a didática estudar o cumprimento e a liquidação das sentenças quando do estudo de tal matéria, e não separadamente no v. II. Desta forma, inserimos os capítulos 21 e 22 para atender à nova realidade do instituto do cumprimento das sentenças.

Por outro lado, resolvemos passar para o v. II todos os capítulos relativos aos recursos, tratando com mais vagar tais tópicos que demandam grande atenção pelos profissionais e estudantes do Direito, com inclusão da reforma citada.

Procuramos, quando da atualização e ampliação, incluir toda a reforma processual até então vigente, inclusive com a inserção de novas jurisprudências, súmulas e manifestações da doutrina processual.

Como na primeira edição, esperamos que nossos leitores tenham acesso a um material objetivo, didático e atualizado, para que possam desvendar as armadilhas e regras do jogo processual.

Brincamos em nossas aulas de processo que o bom processualista nada mais é do que aquele profissional que conhece as regras do jogo, aquele que sabe a hora exata e o modo de, dentro dos limites legais e éticos, atacar para sair vencedor.

Os passos lentos da reforma não colaboraram para a celeridade na atualização do livro, já que, de 2004 a 2007, nosso sistema processual sofreu grandes alterações, muitas delas capazes de modificar os con­ceitos mais tradicionais acerca de alguns temas (por exemplo, com a dispensa da citação introduzida no art. 285-A).

Em relação a muitos temas novos, dada a ausência de jurisprudência, restou-nos apenas trazer os comentários da doutrina e tecer nossos simples entendimentos, ficando para o futuro conhecermos o que os tribunais falarão acerca dos tópicos mais polêmicos tratados nesta edição.

Que o tempo nos permita continuar no estudo do processo e a cada dia de magistério e advocacia, na troca de experiências com alunos, colegas professores e advogados, aumentar nossa paixão em desvendar as regras do jogo na aplicação do Direito ao caso concreto.

Darlan Barroso

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N o t a d a I a E d i ç ã o

A idéia de elaborar um Manual de Direito Processual Civil surgiu ao percebermos, nos cursos universitários cie direito e nos preparatórios para concursos públicos, uma dificuldade muito grande dos estudantes em iniciar seus estudos direta­mente pelas obras clássicas do Direito Processual Civil.

Por essa razão, nosso objetivo - também manifestado pela Editora Manole - era o da concepção de um livro obje­tivo e didático, que tivesse por fim introduzir o aluno no campo do Processo Civil.

Assim, este trabalho não teve a pretensão de equiparar-se às brilhantes obras do Processo Civil, mas a de conferir ao estudante e ao profissional do direito um conhecimento objetivo, fácil e prático dessa matéria tão relevante para o direito brasileiro.

Procuramos aqui, de forma sintética, abordar as princi­pais manifestações doutrinárias sobre os temas do Processo de Conhecimento e da Teoria Geral do Processo, com citações dos processualistas que se tornaram mitos na matéria e outros também muito respeitados na atualidade.

X X I I I

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X X IV MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL DARLAN BARROSO

Tentamos estampar neste trabalho a filosofia que desenvolvemos na docência do Processo Civil nos cursos universitários e preparató­rios, segundo a qual nenhum estudo de direito é completo sem a aná­lise conjunta da legislação, da doutrina e da jurisprudência.

Por essa razão, as notas (de rodapé) desenvolvidas neste livro têm grande importância para a completa compreensão do tema, já que ten­tamos trazer as diversas posições doutrinárias e a manifestação, quase sempre, da jurisprudência predominante.

O projeto original tem como objetivo três manuais: I - Teoria Geral e Processo de Conhecimento, II - Processo de Execução e Pro­cesso Cautelar e III - Procedimentos Especiais no CPC e na legislação extravagante. Estes dois últimos esperamos editar em breve.

Desde logo, pedimos desculpas pelos desacertos ou discordâncias com as quais, eventualmente, se deparem nossos leitores. Ficaremos gratos pelas sugestões e críticas que queiram externar, já que temos o compromisso de aprimoramento constante desta obra e de nossos conhecimentos acerca do Processo Civil, que tanto nos seduz.

Certamente, a vida ficará muito sem graça quando acharmos que “sabemos tudo” e que não nos resta mais nada para aprender. Sinto- me feliz de ser considerado jovem e por ter muita coisa ainda para conhecer.

Darlan Barroso

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A g r a d e c i m e n t o s

Não posso deixar de iniciar este trabalho agradecendo, sobretudo, a Deus, pela presença constante em minha vida e pela força nos momentos difíceis, quando pensei em desistir.

Escrever este livro e ser professor são coisas que devo à Leda Pereira da Mota, de quem tive a honra de me conside­rar amigo. Apesar de não estar mais entre nós, Leda ainda per­manece em nossas lembranças pelos testemunhos que deixou. Mestra de quem, infelizmente, não tive o privilégio de ser aluno nos bancos da universidade, mas serei eternamente seu discípulo nos exemplos de amor e dedicação ao magistério, pelo qual eu também fui seduzido.

Ao amigo Roberto Baptista Dias da Silva, por um dia ter acreditado no potencial do meu trabalho e pela compreensão e incentivo sempre presentes.

À querida Stella Kuhlmann, amiga filosofadom, que em­baralha minha cabeça com os porquês da filosofia, mas que me tem ajudado a entender um pouco mais o mundo, as pessoas e a mim mesmo.

Aos meus alunos e ex-alunos, pelo conhecimento que adquiri tentando transmitir-lhes o Processo Civil e por terem sido a motivação deste trabalho.

xxv

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A b r e v i a t u r a s

§ - parágrafo a.C. - antes de Cristo ac. - acórdãoADC - ação declaratória de constitucionalidadeADI - ação declaratória incidentalADIn - ação direta de inconstitucionalidadeAGU - Advocacia-Geral da UniãoAI - agravo de instrumentoAg. Reg. - agravo regimentalart. - artigoBAASP - Boletim da Associação dos Advogados do Estado de

São Paulo CC - Código Civil cit. - citação, citadoCDC - Código de Defesa do Consumidor CF - Constituição Federal CLT — Consolidação das Leis do Trabalho CNJ - Conselho Nacional de Justiça

XXVII

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X X V I I I MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL DARLAN BARROSO

CNMP - Conselho Nacional do Ministério PúblicoCPC - Código de Processo CivilCPI - Comissão Parlamentar de Inquéritod.C. - depois de CristoDes. - desembargadorDJ - Diário da Justiça (União)DOE - Diário Oficial do EstadoEAOAB - Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do BrasilEC - emenda constitucionalEDcl - embargos declaratóriosH C - habeas corpusj. - julgado emm.v. - maioria de votosMC - medida cautelar (ação cautelar)Min. - ministro MP - Ministério Público MS - mandado de segurança n. - númeroOAB - Ordem dos Advogados do Brasil ob. - obraop. cit. - na obra anteriormente citada p. - página Pet. - petiçãoRBDP - Revista Brasileira de Direito Processual RDA - Revista de Direito Administrativo RE - recurso extraordinário Rel. - relatorRePro - Revista de Processo (RT)REsp - recurso especialRISTF - Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal RISTJ - Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça RJTJSP - Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de

São PauloRMS - recurso em mandado de segurança ROC - recurso ordinário constitucional RSTJ - Revista do Superior Tribunal de Justiça

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ABREVIATURAS X X IX

RT - Revista dos TribunaisRTJ - Revista Trimestral de JurisprudênciaSS - suspensão de segurançaSTF - Supremo Tribunal FederalSTJ — Superior Tribunal de JustiçaSTM - Superior Tribunal MilitarT. - TurmaTFR - Tribunal Federal de RecursosTJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São PauloTRF - Tribunal Regional FederalTRT - Tribunal Regional do TrabalhoTSE - Tribunal Superior EleitoralTST - Tribunal Superior do Trabalhov.u. - votação unânime

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d i r e i t o

P r o c e s s u a l C i v i l 1

1.1 Co n c e i t o e N a t u r e z a J u r í d i c a

A vida em sociedade, como bem conhecemos, é repleta de conflitos entre os particulares ou entre estes e o próprio Estado. Assim, ocorrendo disputa sobre os bens da vida, o Estado intervém nesse conflito de interesses para manifestar a vontade da lei ao caso concreto.

A história demonstra que os indivíduos, freqüentemen­te, entram em conflito entre si pela disputa de bens que im­portam para a vida humana: a propriedade, a moral, a liber­dade, a segurança, as relações de parentesco etc.

As contendas existentes na sociedade são resolvidas por intermédio do Poder Judiciário com a finalidade de fazer prevalecer o império da ordem jurídica e a paz social sobre a vontade privada ou particular dos litigantes, evitando com isso que os indivíduos exerçam a “justiça privada” ou “justi­ça pelas próprias mãos”, meios que, quase sempre, conduzem à vingança e à vitória do mais forte sobre o mais fraco, inde­pendentemente de quem tenha razão no conflito.

t

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Por sua vez, para a efetivação da atividade jurisdicional - dizer o direito ao caso concreto - , o Estado se vale do processo. O estudo das normas, o modo de procedimento dos atos e os princípios que regem o exercício desse Poder do Estado são abrangidos pelo campo jurídico denominado direito processual.

O direito processual representa o ramo da ciência jurídica destinado ao estudo e ã regulamentação da atividade jurisdicional do Estado e da relação jurídica que se desenvolve, por meio do processo, entre as partes, seus procuradores e os agentes do Poder Judiciário, na busca de aplicar o direito ao caso concreto e pôr fim às lides existentes na sociedade.

Atualmente, o Direito Processual goza de autonomia legislativa e científica, revelando-se verdadeiro ramo do direito público destinado ao estudo e à sistematização das regras que norteiam a atividade do Es­tado na solução dos conflitos.

A autonomia se verifica pelo fato de o Direito Processual gozar de instrumentos normativos próprios e independentes do direito m a­terial. O legislador separou o direito material do direito processual, criando instrumentos próprios para cada ramo. Por exemplo, para a definição do direito material criou os Códigos Civil e Penal; para a via­bilização dos processos, o Código de Processo Civil e o Código de Pro­cesso Penal, além das diversas leis processuais extravagantes.

No entanto, nem sempre o direito processual foi autônomo, sendo certo que no princípio era visto apenas como um acessório do direito material (civil ou penal). Mais adiante, desenvolveu-se a idéia de “di­reito judiciário” ou “praxe forense”, terminologias estas que, equivoca- damente, contemplavam a ciência processual com base apenas na figu­ra do juiz e na atividade do Poder Judiciário.

As denominações referidas receberam inúmeras críticas, pois basea­vam a conceituação restritamente sobre um dos sujeitos do processo, qual seja o juiz, esquecendo-se dos demais elementos que o integram, como as partes, seus procuradores e os demais agentes da jurisdição.

Finalmente, por influência da doutrina alemã,1 posteriormente seguida pela italiana, passou-se a denominar a referida ciência como

' Antonio Carlos de Araújo Cintra; Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel Dinamar- co, Teoria geral do processo.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

direito processual, respectivamente penal e civil para cada área do di­reito posto em juízo.

Além disso, não se pode deixar de afirmar que o direito processual é uno,2 mas, considerando-se a natureza do conflito, é classificado ou subdividido em dois grandes ramos, ou seja, tratando-se de lides rela­cionadas aos crimes e ao direito do Estado de punir o infrator (crimi­noso), esta atividade jurisdicional será regida pelo Direito Processual Penal. Em sentido diverso, e também por um critério de exclusão, não versando o conflito sobre matéria penal, a atividade jurisdicional será regulada pelo Direito Processual Civil.

Portanto, demandas relacionadas com direito empresarial (do comércio), civil, administrativo, tributário etc., excluindo as lides de natureza criminal, também terão seus processamentos regidos pelo Direito Processual Civil.

A esse respeito, o ilustre professor José Frederico Marques conceitua:3

0 Direito Processual Civil é, grosso modo, o ramo da Ciência Jurídi­

ca que tem por objeto a regulamentação do processo pertinente à juris­

dição civil. Assim sendo, cabe-lhe sistematizar os princípios e regras sobre

o processo da jurisdição ordinária em que se procura a composição de lití­

gios não-penais.

É importante ressaltar, também, que o Direito Processual tem na­tureza de direito público pelo fato de referir-se, basicamente, a um a das atividades de poder do Estado, sendo responsável pela imposição das normas de atuação do Poder Judiciário no processo.

A verificação da natureza do Direito Processual é relevante em ra­zão dos efeitos que advêm dessa característica pública. Como bem sa­bemos, o direito público se opõe ao direito privado, ao passo que este

2 Idem. "Como é una a jurisdição, expressão do poder estatal igualmente uno é o Direi­to Processual, como sistema de princípios e normas para o exercício da jurisdição. 0 Direito Processual como um todo decorre de grandes princípios e garantias constitucionais pertinen­tes e a grande bifurcação entre processo civil e processo penal corresponde apenas a exigên­cias pragmáticas relacionadas com o tipo de normas jurídico-substanciais a atuar".

3 Manual de direito processual civil, v. 1, p. 44.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

é de interesse apenas dos particulares envolvidos no conflito; no direi­to público o interesse é coletivo ou da sociedade.

O direito público não é passível de ser dispensado sobre qualquer forma, sendo direito da coletividade e não do particular.

De fato, o exercício da jurisdição não interessa apenas aos particu­lares envolvidos na questão litigiosa, mas influencia a vida de toda a sociedade, que tem interesse na regular atuação do Estado na compo­sição da controvérsia para garantir, com isso, a paz social.

São do interesse coletivo a fiel aplicação da justiça, a regularidade das funções dos magistrados e a honradez no exercício de todas as ati­vidades do Judiciário, que dão aos administrados (toda a sociedade) a segurança jurídica e a confiança no referido Poder Judiciário.

1.2 Ev o l u ç ã o H i s t ó r i c a

Ao longo da história da humanidade, o direito processual evoluiu par­tindo de um período primitivo, em que a justiça era realizada pelos pró­prios litigantes e sem a intervenção do Estado, até o momento contempo­râneo, no qual a atividade jurisdicional se tornou monopólio do Estado.

No princípio, segundo relatos contidos no Livro Sagrado,1 a orga­nização social existente na época limitava-se à outorga de direitos às pessoas, como a proteção do direito à vida, o direito sobre os bens (in­clusive escravos), restrições morais e religiosas, mas não estabelecia meios de garantia desses direitos, conferindo aos próprios titulares do suposto direito a possibilidade de fazer a sua justiça privada.

Em período primitivo as organizações sociais limitavam-se à pres­crição de direitos, sem o estabelecimento de mecanismos que garantis­sem a imposição da norma ao caso concreto por pessoa alheia e desin­teressada no conflito, a fim de dar cabo à contenda. Pelo contrário, a fraca organização social admitia a forma de justiça privada, o que conhecemos como “olho por olho, dente por dente”. A aplicação da justiça era realizada na forma de verdadeira vingança.

4 Bíblia Sagrada, Livro do Êxodo, Capítulo 22: "Direitos que implicam indenização", "Vio­lação de uma virgem", "Leis morais e religiosas" e "Os deveres para com os inimigos".

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL 5

O poder de aplicação da “justiça” também já foi exclusividade do chefe de família, o patriarca - do latim patriarcha-, a quem estavam sub­metidos todos os demais membros do núcleo familiar. O pai podia dis­por sobre a vida do filho, rejeitar a paternidade no momento do nasci­mento, vendê-lo como escravo em praça pública e decidir sobre suas relações conjugais, sem a intervenção de terceiro nas questões da família.

■ i 1 . 2 . 1 P r o c e s s o R o m a n o

Com a evolução social e especialmente visando o fortalecimento do Império Romano, esse Estado percebeu que não poderia deixar que a justiça fosse realizada pelos próprios particulares, mas que a aplica­ção das normas sociais aos conflitos concretos deveria submeter-se ao próprio poder soberano.

Dessa forma, na evolução do Império Romano, vislumbramos as seguintes fases do direito processual:

a) Período primitivo. Período da fundação de Roma em 754 a.C. até o ano 149 a.C., também denominado de legis actiones (ações da lei), no qual o Estado previa a manipulação de cinco modalidades de ações legais, com procedimentos orais extremamente solenes, ao passo que um simples erro no uso das palavras poderia acarre­tar a invalidade de todo o processo.

As ações da lei,5 previstas na Lei das XII Tábuas,6 consistiam em: legis actio per sacramentum, que era o processo comum e geral quando não havia uma ação específica; legis actio per conditionem, que tinha por finalidade a defesa do credor contra o devedor; legis actio per iudicis arbitrive postulationem, para a obtenção de inde­nizações; legis actio per pignoris, com natureza de ação executiva; e actio per manus iniectionem, quando o devedor confessava a dívi­da, facultando ao credor dispor sobre a pessoa do devedor como forma de satisfação do crédito.

No período primitivo, os processos se desenvolviam em duas fa­ses: a primeira, denominada de in iure, era realizada perante o fun­

5 Luiz Fux, Curso de direito processual civil, p. 30.6 450 a.C.

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cionário do Estado (magistrado ou pretor), que conferia a ação ao autor, e a outra fase chamada de in iudicio, perante um árbitro (um particular), que decidia o conflito. Nesse período as partes compare­ciam pessoalmente em juízo, não havendo a figura do advogado.

Ressalte-se que a jurisdição romana somente se aplicava aos cidadãos de Roma, já que apenas eles estavam subordinados à lei (ius civile), os estrangeiros estavam excluídos da garantia de jurisdição.

b) Período formulário. Período do ano 149 a.C. até o século III da era cristã, no qual foram abolidas as ações do período primitivo, fican­do facultada aos magistrados (funcionários do Estado Romano - pretores) a concessão de fórmulas para a solução dos conflitos. O pretor possuía o poder de conceder à parte uma fórmula processual para a solução do litígio. O magistrado conferia um modelo abstra­to de procedimento,7 desprendendo-se das ações previstas na lei como no período anterior.

Com o crescimento do Império Romano e a necessidade de uma jurisdição que atendesse inclusive aos estrangeiros, surgiu a figura do pretor peregrino , 8 que aplicava o direito ao caso concreto segundo novas fórmulas, já que os estrangeiros não estavam sujei­tos às legis actiones e ao ius civile (ações das leis do período ante­rior e a lei dos cidadãos de Roma, respectivamente).

Nessa fase do processo romano, o procedimento também se dividia em duas fases distintas: a primeira, desenvolvida peran­te o pretor (fase in iure), tinha por finalidade a verificação do direito de ação do autor. Assim, após verificar a pretensão do autor e a defesa do réu, o pretor concedia uma fórmula9 às par­tes. Concedida a fórmula, iniciava-se a segunda fase do proces­so ( in iudicio). Os litigantes compareciam diante do magistrado (árbitro), que tinha por atribuição julgar o conflito proferindo uma sentença.

7 Jônatas Luiz Moreira de Paula, História do direito processual brasileiro, p. 49.8 Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, v. 1, p. 40.9 Escrita em tábua de madeira, compreendia um modelo de procedimento, com a indi­

cação da litiscontestatio (pretensão do autor e defesa do réu).

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Não se pode deixar de dizer, também, que no período formulário era facultado às partes comparecer em juízo acompanhadas de juristas e assis­tidas por procuratores ou cognitores,'0 surgindo aí a figura do advogado.

c) Período cognitio e x tr a o r d in a r ia Período que se desenvolveu do ano 294 d.C até 534 d.C, no qual a atividade jurisdicional passou a ser exercida exclusivamente pelo Estado,12 sem a participação de particulares na condição de magistrados ou árbitros, e não mais havia a submissão às fórmulas.

As características predominantes deste período do processo ro­mano são: a) o monopólio do Estado na solução dos conflitos, sen­do que os magistrados eram exclusivamente funcionários do Esta­do e não particulares; b) a abolição das fórmulas, atribuindo ao magistrado o poder de conhecer do litígio, verificar as provas, pro­ferir sentença e executar a medida, sem a divisão do procedimen­to em duas fases, como ocorria nos sistemas anteriores; c) a pre­tensão do autor, quando apresentada oralmente, era reduzida à escrita, depois, citava-se o réu para a apresentação de sua defesa;d) o não-comparecimento do réu permitia a imposição da revelia;e) a possibilidade de a parte vencida interpor recurso contra a sen­tença do magistrado (apelação); f) os magistrados eram organiza­dos em graus de hierarquia;13 e g) a execução da sentença, visando a satisfação do direito do autor, se realizava por meios coercitivos do Estado, inclusive com a penhora de bens.

De fato, o sistema processual brasileiro da atualidade guarda grande semelhança com o processo romano ocorrido no período da cognitio extraordinaria.

10 Moacyr Amaral Santos, op. c/f., v. 1, p. 43." Denominado cognitio extraordinaria pelo fato de se opor ao período da cognitio ordo

(cognição ordinária), que caracterizava o período formulário.12 Luiz Fux (op. c/f., p. 31), afirma que é no período cognitio extraordinaria que surge o

"embrião da jurisdição", fazendo referência ao modelo de jurisdição que conhecemos atual­mente, cuja atividade é monopólio do Estado.

13 Jônatas Luiz Moreira de Paula, op. cit., p. 29.

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m 1 . 2 . 2 P r o c e s s o r o m a n o - b a r b á r i c o

Com a queda do Império Romano do Ocidente, provocada pelas invasões dos povos germânicos, passou-se à utilização dos costumes bárbaros nas soluções dos conflitos, com a aplicação de técnicas jurí­dicas rudimentares e com grande perda das técnicas processuais até então desenvolvidas pelos romanos.

O processo bárbaro-germânico foi marcado por procedimentos fundados em exagerado fanatismo religioso, duelos judiciais, jogos de azar, bruxarias, exorcismo e a crença na intervenção divina nos julga­mentos (“juízo de Deus”).H

A colheita da prova processual poderia basear-se apenas no jura­mento das partes ou, ainda, em torturas que colocavam o litigante sob prova da intervenção divina, como a prova do fogo, da água fer- vente ou fria, do cadáver, da serpente, entre outros meios cruéis. Quando o indivíduo suportava a tortura ou a prova era absolvido e considerado inocente dos fatos que lhe eram imputados, chegando- se, até mesmo, a submissão das provas ao julgamento por assem­bléias populares.

A partir do século XI, com a criação da Universidade de Bolonha, deu-se início ao que se denominou de processo comum, consubstan­ciado em uma mistura do processo germânico, romano e canônico, em­pregando práticas processuais com exacerbado formalismo, obrigato­riamente escrito, lento e complicado, e com admissão da tortura como meio de obtenção da prova. O processo comum expandiu-se por gran­de parte da Europa.

Não obstante o processo bárbaro , que pe rd u ro u du ran te grande parte da Idade Média, a Igreja Católica conseguiu co n ­servar antigos institu tos do processo rom ano, inclusive fo rm u ­lando o direito canônico com base nessas técnicas, o que p e rm i­tiu o resgate e a influência rom ana no direito de grande parte dos países da Europa e, conseqüentem ente , no atual direito p ro ­cessual brasileiro.

14 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, p. 45 apud Jeremias Ben- tham. Tratado de Ias pruebas.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

h 1 . 2 . 3 O D i r e i t o P r o c e s s u a l C i v i l B r a s i l e i r o

Durante o tempo em que o Brasil foi colônia de Portugal, apli- cavam-se na colônia todas as norm as vigentes na Corte. Inicial­mente eram as Ordenações Afonsinas,15 elaboradas com forte influência do direito rom ano e canônico, seguidas pelas O rdena­ções M anuelinas16 (do ano de 1521), que m antinham o espírito do velho processo comum difundido por toda a Europa (formalista, lento e complicado).

Com a subida ao trono de Portugal do monarca Filipe II, foi ela­borado novo Código, então denominado Ordenações Filipinas17 (conhecidas também como Ordenações do Reino) com grande in­fluência do processo canônico, pelas quais o processo se desenvolvia de forma escrita, os atos eram realizados em segredo, o processo se movi­mentava apenas por provocação das partes e no fim de cada fase pro­cessual havia uma paralisação até que a parte interessada impulsionas­se o seu curso novamente.

Quando da independência do Brasil, por decreto imperial, deter­minou-se a continuidade da aplicação do direito português ao novo País, sendo certo que na época encontravam-se vigentes as Ordenações Filipinas, que continuaram a ter aplicabilidade até o advento do Códi­go Comercial, isto em 1850.

Com o advento do Código Comercial, foi editado o Regulamento n.737, a princípio disciplinando o processo apenas para as causas de natu­reza comercial, sendo posteriormente editado o Regulamento n. 763, que estendeu o Regulamento n. 737 também às causas cíveis, dando início ao direito processual brasileiro, marcado pela simplicidade dos atos, economia e liberdade ao juiz para apreciação das provas colhidas na demanda.

A Constituição de 1891, por sua vez, foi promulgada com a procla­mação da República. Previa em seu texto a dualidade de justiça e de processos, criando a Justiça Federal e a Estadual e outorgando aos esta­dos o poder de legislar sobre matéria processual para criação de seus próprios códigos.

15 Eram divididas em cinco livros, sendo o terceiro dedicado ao processo civil.,6 Editadas no reinado de D. Manuel, no ano de 1521.'7 Editadas no reinado de D. Filipe I em 1595, entrou em vigor em 1603, no reinado de

D. Filipe II.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

De fato isso ocorreu, sendo editado um Código de Processo fede­ral para a Justiça Federal e aplicável em todo o território nacional. Além disso, cada estado criou o seu próprio Código de Processo Civil (grande parte desses códigos eram cópias do Código federal).

Mais uma vez, com a promulgação de uma nova Constituição, em 1934, foi modificado o sistema legislativo processual brasileiro, resta­belecendo a Carta Maior o sistema de “código unitário”, ou seja, um único Código de Processo Civil para todo o território nacional e, con­seqüentemente, revogando todos os Códigos dos estados. Assim, em 18 de setembro de 1939, foi promulgado um novo Código de Processo Civil, em parte moderno, por influência dos processos italiano e ale­mão, e em outra parte fiel ao sistema antigo português.

Finalmente, após trabalhos realizados pelos juristas Alfredo Bu- zaid, José Frederico Marques, José Carlos Moreira Alves e Luís Antônio de Andrade, entre outros, em 11 de janeiro de 1973 foi publicado o Código de Processo Civil, até hoje em vigor, seguido de inúmeras “re­formas” que em muito modificaram o código original.

Em síntese, o processo civil brasileiro foi regido pelos seguintes instrumentos normativos:

L e i / O r d e n a m e n t o P e r ío d o

Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas

Todo o período em que o Brasil foi colônia de Portugal, com manutenção após a independência

Regulamentos ns.737 e 763De 1850 (Código Comercial) a 1891

(promulgação da Constituição e divisão em Códigos estaduais e federal)

Códigos estaduais Código federal

Constituição de 1891 até edição do

Código unitário em 1939Código de Processo Civil (unitário)

Publicado em 18 de setembro de 1939, em vigor até 12 de janeiro de 1973

Código de Processo Civil

(atual), Lei n. 5.869/73

Publicado em 13 de janeiro de 1973,

atualmente em vigor

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

1.3 Fo n t e s do D i r e i t o Pr o c e s s u a l

O Direito Processual Civil, enquanto ciência jurídica autônoma, encontra seus fundamentos e regras que norteiam sua aplicabilidade em fontes imediatas e mediatas, estas constituídas pelas leis e aquelas pela jurisprudência e pela doutrina.

Não se pode negar que a lei, na qualidade de instrumento norm a­tivo emanado do Poder Legislativo competente, é fonte direta (media- ta) e principal do direito processual.

Também não se pode deixar de considerar os usos e costumes (re­sultantes da prática forense), a jurisprudência e a doutrina como meios de influência na formação do direito processual, inclusive como inspi­ração para a elaboração da lei.

Em relação à importância da doutrina e da jurisprudência como fontes do Direito Processual Civil, o ilustre mestre Humberto Theodo- ro Júnior ensina:18

A incoerência do legislador, a obscuridade dos textos normativos, a

imprecisão terminológica, como falhas naturais de toda criação humana,

são freqüentemente superadas pelo trabalho criativo e aperfeiçoador da

doutrina e da jurisprudência.

Costumamos dizer no magistério de Direito que nenhum estudo desta ciência - principalmente do direito processual - poderá ser con­siderado completo e eficaz se não for baseado na legislação, na juris­prudência e na doutrina, uma vez que é da união destes três institutos que se forma a ciência jurídica e a sua aplicabilidade. O estudo da lei em abstrato nem sempre conduzirá o intérprete ao entendimento uni­ficado pelos tribunais ou fixado pela doutrina. A doutrina, por sua vez, nem sempre manifestará posição convergente com a manifestação dos órgãos do Judiciário, razão pela qual a legislação, a doutrina e a juris­prudência não podem ser estudadas separadamente.

Dessa forma, citaremos, a seguir, as fontes do direito processual civil.

18 Moacyr Amaral Santos, op. c/f., v. 1, p. 18.

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■■ 1 . 3 . 1 A C O N S T I T U I Ç Ã O D A R E P Ú B L I C A

e a L e i p r o c e s s u a l

| A Constituição do República

A Constituição Federal é o documento que organiza politicamen­te o Estado brasileiro, segundo o princípio do Estado Democrático de Direito.1’ É instrumento soberano que rege a atuação e os limites do poder, a estruturação dos órgãos (Judiciário, Executivo e Legislativo), atribui competências e, principalmente, estabelece as garantias funda­mentais do indivíduo e os deveres do Estado.

Assim, sendo o processo puro instrumento de atividade da função jurisdicional do Estado, diga-se que, por intermédio do Poder Judiciá­rio, a primeira fonte legal do Direito Processual Civil não poderia dei­xar de ser a Constituição da República.

A esse respeito, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, em brilhante obra, explicam:20

Em face da clássica dicotomia que divide o direito em público e priva­

do, o direito processual está claramente incluído no primeiro, uma vez que

governa a atividade jurisdicional do Estado. Suas raízes principais prendem-

se estreitamente ao tronco do direito constitucional, envolvendo-se as suas

normas com as de todos os demais campos do direito. 0 direito constitu­

cional deita as bases do direito processual ao instituir o Poder Judiciário,

criar os órgãos (jurisdicionais) que o compõem, assegurar as garantias da

Magistratura e fixar aqueles princípios de ordem política e ética que con­

substanciam o acesso à justiça ("acesso à ordem jurídica justa") e a chama­

da "garantia do devido processo legal" {dueprocess o f Iaw).

O direito processual (ou mesmo o Poder Judiciário) não existiria sem o consentimento da Constituição da República, estando todas as bases da processualística previstas na Carta Maior, como a estrutura­ção do Poder Judiciário e sua competência funcional (arts. 92 a 126), as garantias da Magistratura, a função do Ministério Público e cios ad­

19 Leda Pereira Mota & Celso Spitzcovsky, Curso de direito constitucional, p. 15.20 Op. cit., p. 47.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

vogados (arts. 127 a 135) e as garantias e os princípios constitucionais relacionados à atividade jurisdicional (art. 5o e incisos).

Além disso, é a Constituição que outorga a competência legislati­va para a edição de leis versando sobre matérias processuais e procedi­mentais, como será visto a seguir.

Código de Processo e Legislação Extravagante

A Lei n. 5.869/73, denominada de Código de Processo Civil,21 formula­da antes da promulgação da Constituição de 1988 (mas que foi recepciona­da por ela), é o principal instrumento normativo que regula a existência, a constituição e o desenvolvimento do processo no âmbito da jurisdição civil.

O Código de Processo Civil foi dividido nos seguintes livros:

a) Livro I - dispõe acerca da teoria geral do processo e do proces­so de conhecimento;

b) Livro II - processo de execução;c) Livro III - processo cautelar;d) Livro IV - procedimentos especiais;e) Livro V - disposições finais e transitórias.

Além do Código de Processo Civil, para oferecer tutelas diferencia­das e eficientes a determinadas lides, o legislador editou inúmeras leis que contêm norma de natureza processual, não incluídas no corpo do Código, mas firmadas na finalidade de regular a atividade processual; por exemplo: a Lei de Locações (Lei n. 8.245/91), que disciplina o di­reito material e processual acerca das relações decorrentes da locação de imóveis; as leis que regulam os procedimentos do mandado de segu­rança (Leis ns. 1.533/51 e 4.348/64), a ação popular (Lei n. 4.717/65), ação civil pública (Lei n. 7.347/85), ação de alimentos (Lei n. 5.478/68), ação de separação e divórcio (Lei n. 6.515/77), ações de defesa do con­sumidor (Lei n. 8.078/90), ações diretas de inconstitucionalidade (Lei n. 9.868/99), entre muitas outras.

71 Alterado inúmeras vezes em razão de "reformas" que introduziram e/ou modificaram institutos do direito processual.

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Ressalte-se, ainda, que a Constituição da República, em seu art. 22, I, determina que compete exclusivamente à União - por meio do Con­gresso Nacional - legislar sobre o direito processual. Portanto, os demais entes da federação brasileira - estados, Distrito Federal e os municípios - não gozam de competência legislativa para edição de normas versan­do acerca de direito processual, sob pena de inconstitucionalidade.

Leis estaduais e leis de organização judiciária

Como mencionamos anteriormente, os estados e o Distrito Fede­ral não possuem competência legislativa sobre matérias processuais; no entanto, o art. 24 da Carta Maior confere competência concorren­te22 a estes entes da Federação para a edição de normas acerca de:

a) custas dos serviços forenses - no âmbito de sua jurisdição, os esta­dos podem dispor acerca das taxas devidas ao Poder Judiciário pelos serviços forenses;

b) organização dos juizados especiais;c) procedimentos em matéria processual - a Constituição outorga aos

estados o poder de legislarem, concorrentemente com a União, so­bre os procedimentos forenses, regulamentando a forma de ativi­dade dos órgãos do Poder Judiciário, como: horários, locais, orga­nização dos departamentos, cartórios etc.;

d) assistência jurídica e defensoria pública - incumbe aos estados a criação e a organização de órgão que ofereça a assistência jurídica integral às pessoas que não disponham de recursos financeiros.

Ao dispor sobre os órgãos do Poder Judiciário, a Constituição de­terminou que cada estado-membro organizaria a sua “Justiça” - o Poder Judiciário de cada estado - , podendo assim, com observância da Constituição Federal e da Constituição de cada estado-membro, editar normas de criação e regulamentação dessa descentralização do Judiciá­rio conforme o princípio maior do pacto federativo (art. Io da CF).

22 Na competência concorrente, a União edita normas gerais e os estados, normas espe­cíficas sobre a mesma matéria.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Assim, com base na Constituição e em leis de organização judiciária, cada estado-membro cria, organiza e atribui competências aos órgãos do Poder Judiciário local. Por exemplo, no estado de São Paulo, a Constitui­ção estadual dispõe, em seu art. 54, sobre os órgãos que integram o Poder Judiciário do estado (Tribunal de Justiça, Tribunais de Alçada23, Juizes de Direito etc.), sendo a lei de organização judiciária o instrumento para criação de cargos de juizes e servidores, com a definição das funções de cada um deles, a criação das varas e ofícios judiciais e a divisão da juris­dição no território estadual (em graus de jurisdição e em comarcas).

Ê importante ressaltar que a competência legislativa dos estados- membros é muito restrita,24 dada a competência exclusiva da União para legislar acerca de matéria processual (art. 22 da CF), cabendo aos estados tão-somente a edição de normas sobre procedimentos e orga­nização da justiça local.

| Tratados internacionais

O sistema constitucional brasileiro impõe como condição para eficácia interna dos tratados internacionais a sua submissão ao C on­gresso Nacional e a aprovação deste. Dessa maneira, sendo assinado um tratado pela autoridade competente - presidente da República ou quem tenha delegação para tanto - , este será votado no Poder Legis­lativo federal e ratificado, em caso de aprovação, por meio de um de­creto legislativo, para que tenha força de lei.25

Importante tratado internacional para o direito processual brasi­leiro é o Pacto de São José da Costa Rica, denominado também Con­venção Americana de Direitos Humanos,26 que inseriu no sistema pro­

23 A EC n. 45/2004 extinguiu os Tribunais de Alçada.24 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, v. 1, p. 79.25 A EC n. 45/2004 autoriza o recebimento dos tratados internacionais relativos a direi­

tos humanos com eficácia de Emenda Constitucional, ou seja, com o poder reformador para alterar a própria Constituição. A esse respeito, o § 3o do art. 5o da Constituição da Repúbli­ca passou a determinar: "Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quin­tos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais".

26 Decreto legislativo n. 678, de 6 de novembro de 1992 - Anexo 2.

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cessual brasileiro consideráveis garantias aos litigantes como: o direito ao contraditório, a competência e investidura prévia do órgão jurisdi- cional (princípio do juiz natural), o direito de prova processual, tempo para defesa, assistência por defensor, gratuidade e acessso à Justiça, direito de garantia do mínimo grau de Jurisdição (recurso de senten­ça), conforme arts. 8o e 25 da referida Convenção.

mm 1 . 3 . 2 J u r i s p r u d ê n c i a e S ú m u l a s

( V i n c u l a n t e s e N ã o - v i n c u l a n t e s )

A palavra jurisprudência,27 derivada do latim jus (direito) e pru- dentia (sabedoria), corresponde ao conjunto de decisões dos tribunais acerca de uma matéria, ou, ainda, pode ser definida como o entendi­mento manifestado pelos tribunais, de forma reiterada, sobre determi­nado assunto.

A princípio, a lei apenas existe no plano abstrato e é interpretada à luz de si mesma. Todavia, no julgamento dos casos concretos, quan­do a lei é confrontada com o problema apresentado pelas partes (a lide), o magistrado tem de dar uma interpretação ao direito com base em situações da vida real, não mais abstratamente. Assim, nesse traba­lho de interpretação da lei, os tribunais firmam seus entendimentos, suas teses jurídicas acerca de matérias específicas, formando a juris­prudência em relação aos assuntos reiteradamente julgados.28

Por tais razões, entendemos que a jurisprudência não pode ser excluída do rol das fontes do direito (inclusive do direito processual), pois a interpretação dada à lei pelos tribunais influencia os próximos julgamentos de casos semelhantes.29 Além disso, a jurisprudência, mui­

27 De Plácido e Silva, Vocabulário jurídico, v. II, p. 34.28 A jurispudência não é, obrigatoriamente, unânime.

25 A jurisprudência não tem efeito vinculante, ou seja, proferida uma tese jurídica por

qualquer tribunal, não estão obrigados os demais órgãos jurisdicionais à observância da

mesma tese anteriormente acolhida, salvo no caso de edição de súmula vinculante, confor­me admite o art. 103-A da Constituição.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

tas vezes, tem a proeza de suplementar as lacunas e imperfeições dei­xadas pelo legislador. Como temos visto, o processo legislativo brasi­leiro tem lançado no ordenamento jurídico leis defeituosas e com redações ambíguas, cabendo às decisões dos tribunais a determinação da interpretação correta do ato normativo.

Outro instituto importante para o estudo das fontes do direito processual e que também decorre da jurisprudência são as denomina­das súmulas dos tribunais, que compreendem resumos ou ementas extraídas quando da uniformização da jurisprudência. Em outras pa­lavras, havendo divergência na jurisprudência interna de um tribunal, mediante votação qualificada,30 poderá ser proferida uma súmula pa­cificando ou confirmando o entendimento do tribunal acerca da m a­téria controvertida. Normalmente, havendo reiterados casos versando sobre a mesma matéria e encontrando-se pacífico o entendimento, o tribunal edita uma súmula acerca da matéria pacificada, isso para ser­vir de orientação para os demais casos semelhantes.

Com o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, passamos a ter duas modalidades de súmulas: a vinculante e a não-vinculante.

Como regra, as súmulas têm por finalidade apenas orientar os jul­gamentos futuros sobre a mesma matéria. Os magistrados inferiores ou mesmo do tribunal não estão obrigados a respeitar o seu conteúdo, ou seja, como regras as súmulas não são vinculantes.

Mesmo sem o poder de obrigar os magistrados à sua observância, as reformas introduzidas no Código de Processo Civil, especialmente pelas Leis n. 8.950/94, n. 9.756/98 e atualmente pela Lei n. 10.352/2001, atribuí­ram grande importância às súmulas e à jurisprudência dominante (entendida como aquela majoritária no tribunal), chegando ao ponto de ser a jurisprudência, dominante ou sumulada, óbice para o conhecimen­to de recursos, autorização para julgamentos monocráticos nos tribunais31

30 As súmulas são obtidas em julgamentos realizados pelo órgão pleno (todos os magis­trados do tribunal) ou por órgão especial (magistrados mais antigos do tribunal).

31 Nesse sentido, os julgamentos proferidos pelos tribunais são sempre por meio de órgãos colegiados, ou seja, por mais de um magistrado. No entanto, havendo súmula ou jurisprudência dominante, como será tratado no capítulo destinado aos recursos no proces­so civil, o relator poderá proferir julgamento monocrático.

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ou para desnecessidade do reexame necessário (art. 475, § 3o, do CPC).32

Podem os citar o exemplo do art. 544, que a tr ibu i ao m agis­trado incum bido de relatar um recurso o poder de deixar de conhecê-lo (não será levado a ju lgam ento) por existir súm ula ou ju risp rudênc ia dom inan te em sentido con trá r io à sua fu n d a ­m entação. A existência de súm ula ou ju risp rudênc ia dom inan te pode ser im ped im en to para o ju lgam ento de um recurso - por questão de econom ia processual, o legislador im pôs situações em que a existência de um a súm ula poderá ser óbice para o conhecim ento de um recurso ou m esm o razão para lhe negar provim ento .

No exercício de sua sabedoria, o mestre Barbosa Moreira tinha ra­zão quando afirmava33 que o legislador estava “comendo pelas bor­das”, no intuito de introduzir aos poucos no ordenamento brasileiro o sistema da súmula vinculante, pelo qual todos os membros do Poder Judiciário estariam obrigados a respeitar o comando contido na inter­pretação pacificada do tribunal.

E foi exatamente isso que ocorreu com o advento da Reforma do Poder Judiciário. A EC n. 45/2004 introduziu à Constituição da Repú­blica o art. 103-A que admitiu a criação de súmulas vinculantes pelo Supremo Tribunal Federal.

Assim, permanecem nos sistemas as súmulas não-vinculantes, que são aquelas editadas pelos Tribunais Superiores, Tribunais Estaduais ou Tribunais Regionais Federais, e foi criada a súmula com efeito vin­culante: apenas aquela aprovada pelo Supremo Tribunal Federal após a observância da forma prevista na Constituição, como se verá a seguir no Capítulo 22, item 22.2, destinado ao estudo da uniformização da jurisprudência.

32 O art. 475 determina que as sentenças proferidas contra pessoas jurídicas de direito público sejam submetidas a reexame pelo tribunal competente, sob pena de não-produção de eficácia.

33 Luiz Rodrigues Wambier & Teresa Arruda Alvim Wambier, Breves comentários à 2" fase da reforma do Código de Processo Civil, apud José Carlos Barbosa Moreira, Aspectos polêmi­cos e atuais dos recursos eiveis de acordo com a Lei n. 9.756/98, p. 329.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Dessa forma, não podemos negar que a jurisprudência e as súm u­las são importantes fontes do direito.

Todavia, grande controvérsia se estabeleceu na doutrina acerca do enquadramento da jurisprudência no campo das fontes do direito, en­tendendo alguns que o juiz não é legislador para editar leis3'1 e que a jurisprudência é apenas uma fonte secundária.

Sem dúvida, a jurisprudência não ocupa, no concurso com as demais fontes do direito, lugar superior à Constituição e às leis (Códigos e legislações extravagantes). De fato, seria absurdo afir­m ar que a ju risprudência poderia contrariar, m anifestam ente, o texto do ato normativo. Contudo, diante da im portância dada pelo sistema processual às súmulas não-vinculantes e à ju r isp ru ­dência dom inante , em especial pelas recentes reformas, não há com o negar que as manifestações dos tribunais se encontram entre as fontes do direito processual, mesmo que seja um a fonte secundária.

Quanto às súmulas vinculantes, conforme a previsão dada pela EC n. 45/2004, podemos enquadrá-las como verdadeiras fontes primárias do direito, uma vez que todos os magistrados brasileiros e órgãos da administração pública deverão observá-las em seus atos.

Nesse sentido, Marcus Vinicius Rios Gonçalves, em manifestação anterior ao advento da EC n. 45/2004, ensinava35 que: a eventual ado­ção do sistema de súmulas vinculantes tornará a jurisprudência fonte formal do direito.

Portanto, não podemos deixar de reconhecer as súmulas e a jurisprudência como fonte do Direito Processual Civil.

m 1 . 3 . 3 R e g i m e n t o s e A t o s I n t e r n o s d o s T r i b u n a i s

A Constituição da República, em seu art. 99, conferiu a todos os tri­bunais o poder de auto-organização, outorgando-lhes competência

3,1 O ilustre doutor Cândido Rangel Dinamarco (Instituições do direito processual civil, v. I), após negar a jurisprudência como fonte do direito, afirma: "A influência que os precedentes jurisprudenciais exercem sobre os juizes é somente um fato e não vincula. O máximo a que se poderia chegar é a afirmação da jurisprudência como fonte informativa ou intelectual do direito (Caio Mário)".

35 Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo curso de direito processual civil, p. 13.

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20 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

para a edição de normas denominadas regimentos internos, destinadas tanto à regulamentação do funcionamento, da competência e das atri­buições internas, quanto à divisão dos magistrados em câmaras ou gru­pos, dispondo sobre as funções de seu presidente e demais magistrados.

Assim, cada tribunal edita o seu próprio regimento interno como forma de auto-organização.

Nesse ponto, é importante ressaltar que a competência dos tribu­nais não abrange o poder de editar normas acerca de matéria proces­sual ou procedimental - que deverão ser obrigatoriamente objeto de lei - , mas tão-somente de tratar da organização interna do órgão juris­dicional.

Os regimentos internos não são leis em sentido estrito, são normas internas dos tribunais, que não podem contrariar, em hipótese algu­ma, a Constituição da República, a lei processual ou as leis estaduais que versam sobre procedimentos.

Acerca da autonomia dos tribunais, o professor Arruda Alvim comenta:36 os regimentos internos dos tribunais - além de outras ga­rantias - são necessários à autonomia da magistratura, dado que, sem autogoverno, não se pode falar em autonomia.

A independência e a autonomia entre os Poderes do Estado - Exe­cutivo, Legislativo e Judiciário - , com previsão no art. 2o da Constitui­ção, representam garantias de existência do próprio Estado Democrá­tico de Direito, sendo indispensável que cada órgão do Poder goze de autonomia administrativa e funcional (inclusive orçamentária) para que possa exercer livremente e com independência as funções que lhes são atribuídas pela Carta Maior.

Imaginem se o Poder Executivo tivesse competência para editar normas de estruturação dos tribunais. Com toda a certeza, os magis­trados não teriam isenção e liberdade para proferir decisões contra o Poder Executivo e mesmo contra o Poder Legislativo do Estado, isto pelo receio de sofrer represálias dos demais Poderes.

36 Manual de direito processual civil, c i t . , p . 1 4 1 .

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Dessa forma, os tribunais possuem competência de auto-organi- zação e utilizam-se de seus regimentos internos, provimentos, porta­rias e outros atos previstos na sua estrutura para exercer esse direito constitucional de independência funcional, nos termos do art. 96 da Constituição da República.

Outra característica relevante acerca da independência do Poder Judiciário é que as leis - ou demais atos normativos - relativas à es­tru tura e organização do referido Poder são de sua exclusiva iniciati­va. Em outras palavras, a edição de lei versando acerca de organiza­ção e estrutura do Poder Judiciário apenas desencadeará o regular processo legislativo e, conseqüentemente, terá validade, quando for de iniciativa do próprio Poder Judiciário. Assim, é o tribunal que deve encaminhar ao Poder Legislativo competente o projeto de lei a ser aprovado.37

Para toda criação, modificação ou extinção de tribunais, de cargos, ofícios, varas, bem como organização das carreiras, mesmo que depen­dam da edição de leis - isso com observância de processo no Poder Legislativo - , a iniciativa sempre competirá privativamente ao tribunal competente no âmbito de atividade jurisdicional, conforme determi­nam os arts. 96 e 125 da Constituição da República.38

Ressalte-se que a competência é dada ao Poder Judiciário para auto-organização e não para regulamentação ou edição de normas de direito processual ou material.

É muito comum encontrarmos nos regimentos internos (STF, STJ, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo etc.) a previsão de um re­curso denominado “agravo regimental” (porque previsto no regimen­to). Nota-se, evidentemente, tratar-se de uma invenção contrária à Constituição da República, já que o Judiciário não detém competência legislativa para a criação de instituto de natureza processual. Ressalte- se que apenas a lei federal é que pode tratar de matéria processual (civil

37 O art. 93 da Constituição da República determina: "Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura [...]".

38 "Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1o A competência dos tribunais será definida na Constituição do Esta­do, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça."

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ou penal);39 a competência dos tribunais limita-se à organização interna.

Outras anomalias vêm surgindo nos tribunais por meio dos deno­minados provimentos ou instruções, como a criação de requisitos para as petições ou regras que determinam a autenticação de documentos. Temos a certeza de que todo provimento, regimento ou quaisquer nor­mas internas são inconstitucionais quando tratam de matéria proces­sual, uma vez que a Constitucição da República outorgou com exclusi­vidade tal competência à União (por meio do Congresso Nacional).

1 . 4 D I R E I T O P R O C E S S U A L E D I R E I T O M A T E R I A L

No ordenamento jurídico brasileiro existem normas de natureza material e outras de cunho processual, não havendo identidade entre elas quando se tem por base o objeto de cada uma.

O Direito Material é o conjunto'10 de instrumentos normativos (leis em sentido lato) que disciplinam os bens da vida e a sua utiliza­ção: por exemplo, direito civil, comercial, administrativo, tributário, trabalhista etc.

Em sentido diverso, o Direito Processual caracteriza-se pelas nor­mas que regulam a atividade jurisdicional do Estado na aplicação do Direito Material ao caso concreto. O Direito Processual é instrumento ou meio de aplicação do direito material ao caso concreto. Basicamen­te, são normas que regulam o processo de solução dos conflitos.

Por exemplo, prevê o Código Civil o direito do filho de receber ali­mentos de seu genitor, notoriamente, uma norma de natureza exclusiva­mente material, já que dispõe acerca de um direito relativo ao bem da vida do indivíduo. Por sua vez, o direito processual disciplinará os meios

39 Em sentido contrário, o ilustre professor Arruda Alvim, em obra citada, admite a pos­sibilidade de criação de recursos pelos regimentos internos, em especial citando o agravo regimental.

40 Antonio Carlos de Araújo Cintra; Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel Dinamar- co, op. c/f., p. 40.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

necessários para a obtenção de uma tutela jurisdicional que garanta o resultado do direito material, ou seja, uma ação de alimentos para com­pelir o genitor (ou genitora) ao cumprimento de sua obrigação.

Em brilhante trabalho, ao referir-se ao direito processual, Cândido Rangel Dinamarco esclarece:11

Ele não cuida de ditar normas para adequar a atribuição de bens da

vida aos indivíduos, nem de disciplinar o convívio em sociedade, mas de or­

ganizar a realização do processo em si mesmo. A técnica da solução de con­

flitos pelo Estado - ou seja, o processo - está definida nas normas integran­

tes de um específico ramo jurídico, que é o direito processual civil. Ao

estabelecer como o juiz deve exercer a jurisdição, como pode ser exercida

a ação por aquele que pretende alguma providência do juiz e como pode­

rá ser a defesa do sujeito trazido ao processo pela citação, o direito proces­

sual não estabelece norma alguma destinada a definir o teor dos julgamen­

tos; nem fixa critérios capazes de definir qual dos litigantes tem direito ao

bem da vida pretendido (direito à tutela jurisdicional) e qual deles há de

suportar a derrota.

O Direito Processual não se destina à proteção dos bens da vida - a propriedade, as obrigações civis e contratuais, as relações de parentes­co, as disposições sobre as sucessões (por falecimentos) etc. - , mas tão- somente a disciplinar a atividade do Estado na solução dos conflitos.

Assim, as normas processuais serão as responsáveis pela regula­mentação da atividade jurisdicional: as espécies de processos, os atos processuais, os recursos, os deveres e prerrogativas das partes em juízo, a função dos magistrados, os meios de satisfação dos direitos reconhe­cidos (a execução de sentenças e de títulos extrajudiciais), as medidas acautelatórias etc.

Alguns Códigos ou instrumentos nomativos contêm natureza mis­ta, ou seja, em parte versam sobre o direito material e, em outra, asse­guram regras quanto ao processo para defesa daquele direito, como ocorre com o Código de Defesa do Consumidor, a Lei de Locações e a Consolidação das Leis de Trabalho.

41 Instituições de direito processual civil, c i t .

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É exatamente por isso que afirmamos que o direito processual não encontra fim em si mesmo, caracterizando apenas um instrumento de realização do direito material. A finalidade do processo é a realização do direito material, perdendo sua razão de existir quando não exerci­do para esse fim.

1.5 A L ei Pr o c e s s u a l

no T e m p o e no Es p a ç o

O direito acompanha a evolução da sociedade, mostrando-se uma ciência não estática no tempo e diante das inovações do Estado. Cons­tantemente são introduzidas novas leis ao sistema jurídico com a fina­lidade de adaptá-lo às realidades contemporâneas e às necessidades dos administrados.

Por essa razão, incumbe ao intérprete da lei processual a função de identificar a sua aplicabilidade no tempo e no espaço.

Em relação ao espaço, é regra do direito brasileiro a aplicação do princípio da territorialidade, pelo qual as normas federais têm aplica­bilidade dentro de todo o território nacional, conforme preceitua o art. Io do Código de Processo Civil.42 Portanto, o atual ordenamento pro­cessual tem vigência em todo o território nacional.

Contudo, a compreensão da lei processual no tempo parte do seguin­te questionamento: quando uma lei é eficaz para a produção de efeitos?

A regra do direito, introduzida pela Constituição da República, é no sentido de que toda lei federal, para ser válida, passa por um pro­cesso legislativo perante o Congresso Nacional, é submetida à aprecia­ção do presidente da República para sanção ou veto e, sendo sanciona­da, é promulgada e publicada no Diário Oficial da União, conforme dispõem os arts. 59. e segs. da Carta Constitucional.

Publicada a lei, será ela submetida ao período de vacatio legis, que vai da data da publicação até o início de sua efetiva vigência, para pos­sibilitar que todos tenham conhecimento da nova legislação.

47 "Art. 1o A jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juizes, em todoo território nacional, conforme as disposições que este Código estabelece."

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

As regras relativas à vacatio legis estão previstas na Lei de Introdu­ção ao Código Civil, que dispõe o seguinte:

Art. 1o Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em to ­

do o País 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialm ente pu­

blicada.

Nota-se que, ao dispor acerca da vacatio legis, o legislador impri­miu no artigo anteriormente transcrito as seguintes possibilidades:

a) a lei pode entrar em vigor na data da própria publicação, não sendo obrigatória a vacatio legis, contendo a nova lei a seguinte expressão: “Esta lei entra em vigor na data de sua publicação”;

b) a lei pode conter a previsão de vacatio legis, com indicação expres­sa do período: “Esta lei entrará em vigor após “X” dias da data de sua publicação”;

c) a lei pode ser omissa em relação ao período de vacatio legis, neste caso, será de 45 dias.

Entrando em vigor a lei processual (após o período denominado de vacatio legis), terá ela aplicação imediata, inclusive aos processos ainda em andamento, conforme dispõe o art. 6o da Lei de Introdução do Código Civil.

Nesse ponto, é importante ressaltar que a lei processual nova tem aplicação aos processos em curso, mas sem influir nos atos processuais já praticados ou perfeitos. Ao discorrer acerca das reformas do Código de Processo Civil, Cândido Rangel Dinamarco inicia seu trabalho com as seguintes observações acerca do direito intertemporal:'13

Daí decorre que, em princípio, toda lei tem aplicação imediata, dis­

ciplinando fatos e situações jurídicas a partir de quando entra em vigor.

Fatos ocorridos e situações já consumadas no passado não se regem pela

lei que entra em vigor, nem pelos fatos ou situações que venham a ocor­

rer depois da revogação da lei.

43 A reforma do Código de Processo Civil, p . 3 6 .

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Imaginemos a seguinte situação: quando da propositura da ação a lei processual previa a possibilidade da interposição do recurso A con­tra a sentença. No entanto, no curso do processo e antes da prolação da sentença, foi editada lei substituindo o recurso A por outro recurso denominado B. Posteriormente, já no tempo de vigência da lei que ins­tituiu o novo recurso, foi proferida a sentença. Nesse caso, qual recur­so deverá interpor a parte prejudicada pela decisão?

Obviamente, a parte deverá interpor o recurso vigente na época da prolação da sentença e não aquele que existia quando da propositura da ação (recurso "B"). O ato processual deve ser praticado com obser­vância da lei processual em vigor, pois essa nova lei terá aplicação ime­diata aos atos processuais ainda não praticados.44

Como veremos nos próximos capítulos, o processo é composto por uma série de atos processuais, atos estes que são dispostos em uma seqüência lógica, um ato após o outro na relação jurídica. Dessa forma, se no curso de um processo foi editada uma nova lei processual, essa lei terá aplicação apenas em relação aos atos processuais ainda não praticados no processo, ou seja, terá efeito sobre os atos processuais que serão realizados já no tempo da lei nova.

Isso não poderia ser diferente, já que a admissão da retroatividade da lei em matéria processual importaria ofensa ao disposto no art. 5o, inc. XXXVI, da Constituição Federal, que considera institutos intangí­veis o ato jurídico (aquele que se encontra completamente praticado), a coisa julgada (decorrente de uma sentença transitada em julgado) e o direito adquirido. Portanto, na eventualidade da edição de uma nova lei processual, esse instrumento nunca terá o poder de atingir os atos já praticados no processo, mas, tão-somente, será aplicado aos atos

44 "Processo civil. Agravo regimental. Agravo de instrumento. Direito intertemporal. Lei vigente à época da publicação da sentença (Lei n. 6.835/80). Reexame necessário. Matéria de cunho constitucional. Ausência de pré-questionamento. I - É entendim ento pacífico nesta Corte que a lei vigente à data da publicação da sentença é a que rege a interposição dos recursos" (STJ, Ag. Reg. 5J T., no Al 391.043-RJ, rel. Min. Felix Fischer; j. 18.12.2001, v.u.) [grifo do autor]. Em decorrência desse entendimento, podemos afirmar que, ao propor a ação, a parte não terá direito adquirido sobre o processo (atos processuais) existente naque­le momento da relação jurídica, mas poderá sofrer a influência de novas leis. No entanto, um mês iniciado o ato processual, a parte tem direito adquirido sobre ele, não podendo a lei nova influir no referido ato pendente (em curso) de realização.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

pendentes. Da mesma forma, não há que se falar em modificação de uma sentença transitada em julgado quando do advento de um novo instrumento normativo.

O entendimento do direito intertemporal é extremamente rele­vante, ao passo que o processo civil vem sendo - e sempre será - alvo de inúmeras reformas e modificações legislativas introduzidas no sis­tema processual por novas leis que passam a ser aplicadas imediata­mente aos processos em curso quando entram em vigor.

No Direito Processual Civil não vigora a regra do Direito Penal pela qual a lei retroagirá em benefício do réu. Para o processo civil, a lei nova nunca terá efeito retroativo, sob pena de ofender o ato jurídi­co perfeito e a coisa julgada.

1 . 6 P R I N C Í P I O S

Como ocorre em todos os ramos do direito, o processo civil tam ­bém sofre influência de princípios, alguns positivados (com previsão expressa da lei) e outros decorrentes de uma interpretação sistemáti­ca de todo ordenamento jurídico e de tradições, princípios que estão arraigados ao sistema como preceitos basilares do direito.

A doutrina muito diverge acerca da classificação e sistematização dos princípios que norteiam o processo civil. No entanto, por uma ques­tão de lógica e didática, preferimos classificar essas normas elementa­res'15 do direito em princípios constitucionais e princípios internos do processo civil, como será visto a seguir.

m 1 . 6 . 1 P r i n c í p i o s C o n s t i t u c i o n a i s

A Constituição da República, como vimos anteriormente, é a pri­meira fonte do Direito Processual Civil, sendo a Carta Maior a respon­sável pela organização do Poder Judiciário e pela outorga de garantias fundamentais ao indivíduo quando da atividade jurisdicional.

45 De Plácido e Silva (op. c/f., p. 447) define princípios desta forma: "No sentido jurídi­co, notadamente no plural, quer significar as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa".

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Toda a atividade do Estado, incluindo o poder de jurisdição, é regi­da pelo princípio maior do Estado Democrático de Direito, e pelas leis editadas pelos representantes do povo. Assim, sob a influência desse princípio supremo, prevê a Constituição os seguintes princípios que norteiam o processo:

Princípio do amplo acessoao Poder Judiciário ou do direito de ação

O princípio do acesso ao Poder Judiciário, tam bém chamado de direito de ação ou da inafastabilidade do controle jurisdicional, compreende o direito fundamental de todo indivíduo, previsto no inc. XXXV do art. 5o da Carta Maior, de que a lei não poderá afas­tar da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito.

Por esse princípio, o Estado deve facilitar e permitir o acesso ao Poder Judiciário para que nenhuma lesão ou ameaça de lesão fique desprotegida de uma tutela do Estado a fim de resolver o conflito.

Nota-se que a jurisdição, o poder de resolver os conflitos, é con­siderada pela Constituição monopólio do Estado. Dessa forma, in- cumbe-lhe oferecer aos jurisdicionados amplo e irrestrito acesso ao Judiciário, com a prestação de uma tutela jurisdicional eficiente (aquela entendida como rápida, econômica e eficaz para a solução do conflito).

A Constituição garante que a tutela jurisdicional deve ser eficien­te para evitar a “ameaça de lesão”. Como veremos mais adiante, a tutela jurisdicional pode ser: preventiva (acautelatória), para evitar a lesão, ou ainda reparadora, para indenizar o indivíduo pela lesão experimentada.

Como é óbvio, mais eficiente será para o jurisdicionado receber uma tutela preventiva - que faça cessar a ameaça ao direito - do que um a tutela reparatória para indenizá-lo da lesão já ocorrida.

Outra conotação que se extrai do dispositivo constitucional mencionado é a proibição ao legislador de editar leis que impliquem restrições de acesso ao Judiciário. O legislador infra-constitucional deve abster-se de editar leis que reduzam o acesso ao Poder Judi­ciário, sob pena de lançar no ordenamento normas inconstitu­cionais.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Curiosamente, um argumento muito utilizado antes do advento da atual Constituição - e ainda empregado por alguns que não assimi­laram o novo sistema constitucional - é de que o ingresso de uma ação contra o Poder Judiciário dependeria do esgotamento das vias admi­nistrativas. Por exemplo, se alguém tivesse negado um pedido de bene­fício previdenciário por parte do INSS, deveria, antes de propor a ação perante o Poder Judiciário, promover todos os recursos cabíveis den­tro da própria administração pública para ver seu pedido aceito; ape­nas depois que o pedido fosse negado totalmente o cidadão poderia ingressar com a medida judicial.

O referido argumento é absolutamente contrário ao texto consti­tucional, especialmente em face do disposto no art. 5o, inc. XXXV, não tendo qualquer cabimento exigir como condição para a propositura de uma ação o esgotamento das vias administrativas.

Importante ressaltar que a própria Constituição, em seu art. 217, § Io, estabeleceu uma exceção à regra, prevendo que, em casos de direito des­portivo, o acesso ao Poder Judiciário fica condicionado ao esgotamento das vias administrativas perante a justiça desportiva. Assim, havendo lití­gio sobre questões disciplinares de esportes, este conflito deverá ser apre­ciado previamente pela justiça desportiva para que depois seja proposta ação perante o Poder Judiciário.

Outra exceção verificamos no disposto no art. 8o da Lei n. 9.507/97, que impõe como condição para a impetração de habeas data a comprovação de que houve recusa administrativa na concessão das informações requeridas pelo interessado. Em outras palavras, o habeas data apenas poderá ser impetrado após a formulação de um pedido administrativo.'16

46 Entendemos que tal dispositivo é inconstitucional, uma vez que não tem o legislador ordinário o poder de restringir ou condicionar o acesso ao Judiciário ao prévio requerimento administrativo. No entanto, a jurisprudência tem firmado entendimento no sentido contrário, afirmando que a condição é legítima e não ofende o texto constitucional, já que para a impe­tração do habeas data depende a comprovação da recusa administrativa como forma de implementar o interesse de agir na obtenção da tutela jurisdicional. Nesse sentido: Súmula n. 2 do STJ, RTJ 162/805 e RDA 204/214 do STF.

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Princípio do devido processo legal - art. 5o, LIV

O devido processo legal, expressão de origem inglesa - due process o f l a w - para o direito processual,'17 importa na previsão de que toda atividade jurisdicional deve ser pautada no processo previsto na lei, nestes termos:

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o

devido processo legal.

A previsão do devido processo legal impõe, especialmente para o processo civil, a obrigatoriedade de que a atividade jurisdicional no processo seja desenvolvida com absoluto respeito à lei, preservando o livre acesso à justiça, o juiz competente para o julgamento da causa, a forma de processamento da ação e a seqüência dos atos processuais, tudo na forma prevista no ordenamento jurídico.

O devido processo legal opõe-se ao processo arbitrário, que é aquele realizado com base na vontade humana (particular) e não nas determinações do sistema legal. Por exemplo, é muito comum o fato de alguns juizes modificarem a seqüência da realização dos atos pro­cessuais, ou ainda criarem institutos processuais, caracterizando ver­dadeira afronta ao princípio do devido processo legal. O magistrado não tem competência para inventar um procedimento, mas deve se­guir precisamente o que a lei prevê para a sua atividade.

Pelo princípio do devido processo legal, a imposição de medidas restritivas de direitos, sejam elas sobre as espécies de liberdades ou quaisquer outros bens, apenas pode ocorrer quando observado o pro­cesso previsto na lei para tais restrições; caso contrário, estaríamos diante de processos arbitrários.

Um exemplo muito comum se verifica quando algumas institui­ções se recusam a entregar documentos dos clientes inadimplentes. Nesse caso, obviamente, está havendo supressão do processo legal em

47 Como afirma o professor Nelson Nery Junior, Princípios do processo civil na Constitui­ção Federal, p. 34, o princípio do devido processo legal se aplica a todos os campos do direi­to, em seu aspecto substancial. De fato, toda e qualquer restrição de direito deve ser basea­da no processo legal previsto na lei.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

favor do processo privado e arbitrário, pois deveria o credor propor ação para obter a satisfação de seu crédito, e não reter documentos do devedor como forma de coação ao cumprimento da obrigação.

O devido processo legal é o processo justo, realizado com base nos princípios e dispositivos da Constituição e da lei processual que regem o exercício da jurisdição.

Princípio do juiz natural - art. 5o, LIII e XXXVII

A Constituição determina que todos os processos - e as decisões que deles emanarem - apenas serão válidos quando conduzidos pela autoridade competente, que é aquela investida de jurisdição e atribui­ções pelo Estado para dizer a vontade da lei, na forma prevista na pró­pria Constituição e na lei processual, nestes termos:

Llll - ninguém será processado nem sentenciado senão pela auto­

ridade competente;

A esse respeito, Cândido Rangel Dinamarco enfatiza:48 “A garantia do juiz natural consiste em exigir que os atos de exercício da função estatal da jurisdição sejam realizados por juizes instituídos pela pró­pria Constituição e competentes segundo a lei”.

Com efeito, a garantia do juiz natural impõe que os processos, obrigatoriamente, sejam realizados por: a) autoridades investidas de jurisdição, conforme previsto no texto constitucional; e b) juizes competentes na forma da lei, temas que abordaremos nos próximos capítulos.

Por outro lado, a Constituição veda expressamente a existência de tribunais ou juízos de exceção, que são órgãos julgadores não comuns ou ordinários, aqueles que se estabelecem em caráter especial ou de exceção para conhecer e julgar questões determinadas. Os tribunais e juízos de exceção se opõem ao princípio do juiz natural.

XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;

118 Instituições de direito processual civil, c i t . , p . 2 0 3 .

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Os tribunais ou juízos de exceção são instituídos para julgamento de casos específicos, após a ocorrência do fato. Por exemplo, vamos supor que um determinado prefeito pratique irregularidades em sua administração e, em razão de sua conduta, o Poder Legislativo local decida criar um órgão jurisdicional específico para julgamento daque­le caso. Obviamente, teríamos um tribunal ou juízo de exceção, o que é vedado pela Constituição.

Assim, o órgão jurisdicional deve preexistir aos fatos e ao litígio, e não ser criado especialmente para aquele fato já ocorrido.

Em síntese, os tribunais de exceção não são instrumentos do Esta­do Democrático de Direito, pois impedem que os jurisdicionados co­nheçam previamente os órgãos e as autoridades investidos de poder para julgamento, bem como possibilita a formação de juízos impar­ciais conforme a vontade e os interesses do poder dominante que ins­tituiu o juízo não natural.

Particularmente, entendemos que as Comissões Parlamentares de Inquérito, CPIs, apesar de não constituírem órgãos de julgamento, mas por estarem investidas de poderes próprios dos juizes,49 guardam se­melhança aos juízos de exceção, pois são criadas após determinados fatos ocorridos especificamente para a sua apuração. No entanto, trata-se de um juízo de exceção instituído e autorizado pela própria Constituição da República, portanto, absolutamente permitido.

Princípio do contraditório e da ampla defesa - art. 5o, LV

O contraditório é a garantia, decorrente do devido processo legal, pela qual deve ser assegurada às partes litigantes oportunidade de se manifestar acerca dos fatos que lhes são imputados pela parte adversa; é direito da parte de dizer a sua versão e se opor contra os fatos afir­mados pela outra parte litigante.

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos

acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla de­

fesa, com os meios e recursos a ela inerentes; [grifo do autor]

49 Apesar de não exercerem função de julgadoras, as C Pis possuem poderes próprios das autoridades judiciárias, podendo inquirir pessoas, requisitar documentos etc.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Não se admite a existência do processo sem a formação do con­traditório, sem que seja dada a oportunidade à parte demandada de se opor (de se defender) contra os fatos apresentados pela parte auto­ra. Assim, proposta uma ação, o réu será citado para exercer o contra­ditório, expondo a sua versão acerca dos fatos alegados pelo autor, bem como terá a prerrogativa de manifestar-se sobre todos os atos processuais.

O contraditório é assegurado durante todo o processo, sendo certo que, havendo manifestação de uma parte ou ato do juiz (alegações, juntada de novos documentos no processo, requerimentos gerais, interposição de recursos, decisões etc.), será sempre garantido o direi­to do contraditório à parte adversária ou para ambas.

Nesse sentido, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco ensinam:50

0 juiz, por força de seu dever de imparcialidade, coloca-se entre as

partes, mas eqüidistante delas: ouvindo uma, não pode deixar de ouvir a

outra; somente assim se dará a ambas a possibilidade de expor suas razões,

de apresentar suas provas, de influir sobre o convencimento do juiz.

Em alguns casos, como forma de harmonização com outros prin­cípios - como o da tutela eficiente - , o contraditório pode ser poster­gado para momento mais adiante do processo, mas nunca suprimido.

É, por exemplo, o que ocorre com as liminares concedidas inaudita altera pars,51 quando o juiz, sem ouvir a parte contrária, dá um provi­mento de urgência para evitar a lesão de um direito. Nesse caso, o pro­cesso não ficará sem o contraditório: o juiz concede a tutela de urgência e depois ouve a parte contrária, isso para prevenir a lesão ao direito.

Não obstante o direito de contraditório - pelo qual a parte pode contradizer o alegado pela outra - , é assegurado aos litigantes o direi­to amplo de realização e apresentação das provas necessárias à de­monstração dos fatos que alegaram em seu favor.

50 Op. c/f., p. 55.51 Sem a oitiva da parte contrária.

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Deve ser garantido às partes o direito de ampla defesa, com a produção de todas as provas lícitas admitidas pelo ordenamento ju rí­dico, sob pena de ocorrer o cerceamento de defesa e a conseqüente invalidade da decisão judicial que deixou de ser firmada na prova não produzida.

O magistrado deve assegurar a ambas as partes o direito amplo e irrestrito de trazer ao processo todos os elementos necessários para a formação da verdade. Obviamente, a realização da instrução proces­sual deve ser harmonizada com outros princípios do direito, no sen­tido de que a prova seja produzida no momento oportuno, de modo a ser útil para a solução do conflito e obtida por meios lícitos.

Na mesma intensidade com que a Constituição assegura o direito de ampla defesa, tam bém repudia a utilização de provas obtidas por meios ilícitos;52 ou seja, a prova produzida de forma contrária às garantias constitucionais ou à lei não pode ser aceita na formação da convicção do julgador. O meio empregado para a colheita das provas deve ser legítimo, sob pena de a prova ser des­prezada no processo.

Oportuno, a esse respeito, salientar que a colheita das provas deve respeitar as proteções contidas no benfazejo art. 5o da Consti­tuição da República, que garante a inviolabilidade da intimidade da pessoa (inc. X), inviolabilidade da casa (inc. XI), do sigilo de corres­pondência, de comunicações telegráficas, de dados e de com uni­cações telefônicas (inc. XII), admitindo, apenas para o sigilo telefô­nico e para a casa,53 a quebra da inviolabilidade autorizada por ordem judicial.

Na verdade o direito ao contraditório e à ampla defesa decorrem das premissas do devido processo legal, que assegura aos litigantes a garantia de um processo justo e com respeito das bases do Estado Democrático de Direito.

52 Constituição da República, art. 5o, "LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos".

53 Durante o dia (período que vai da aurora até o crepúsculo), a violação do domicílio poderá ocorrer em razão de flagrante delito, desastre, prestação de socorro ou ordem judi­cial. No período da noite, apenas em flagrante delito, desastre ou prestação de socorro.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Princípio do duplo grau de jurisdição

Muita controvérsia se estabeleceu na doutrina e na jurisprudência acerca do princípio do duplo grau de jurisdição.

Para esse princípio vige a regra decorrente do devido processo legal e do direito de ampla defesa, para assegurar o direito ao recurso contra os atos judiciais.

A controvérsia existente paira na dúvida de ser o duplo grau de jurisdição um princípio constitucional.

A Constituição de 1824 (Constituição do Império) tratava expres­samente do princípio do duplo grau de jurisdição, assegurando às partes a garantia absoluta ao recurso.54 No entanto, as demais Consti­tuições não trataram expressamente do princípio.

Assim, parte da doutrina se posicionou pelo entendimento de que o duplo grau de jurisdição estaria implícito na Constituição, já que a Carta Maior teria organizado o Poder Judiciário em graus de hierar­quia, ou seja, órgãos de primeira instância, órgão de segunda instância e tribunais superiores, tudo isso para permitir que os órgãos hierar­quicamente superiores pudessem reapreciar os atos dos inferiores.

Além disso, a própria Constituição teria criado recursos (arts. 102 e 105), o que admitiria a existência do princípio no plano constitu­cional.

54 Nelson Nery Junior, Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, 4a ed, p. 164.I. Duplo grau de jurisdição no Direito brasileiro, à luz da Constituição e da Convenção

Americana de Direitos Humanos. 1. Para corresponder à eficácia instrumental que lhe costu­ma ser atribuída, o duplo grau de jurisdição há de ser concebido, à moda clássica, com seus dois caracteres específicos: a possibilidade de um reexame integral da sentença de primeiro grau e que tal reexame seja confiado à órgão diverso do que a proferiu e de hierarquia supe­rior na ordem judiciária. 2. Com esse sentido próprio - sem concessões que o desnaturem - não é possível, sob as sucessivas Constituições da República, erigir o duplo grau em princípio e garantia constitucional, tantas são as previsões, na própria Lei Fundamental, do julgamen­to de única instância ordinária, já na área cível, e, particularmente, na área penal. 3. A situ­ação não se alterou, com a incorporação ao Direito brasileiro da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José), na qual, efetivamente, o art. 8o, 2, h, consagrou, como garantia, ao menos na esfera processual penal, o duplo grau de jurisdição, em sua acepção mais própria: o direito de "toda pessoa acusada de delito", durante o processo, "recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior". 4. Prevalência da Constituição, no Direito brasileiro, sobre quaisquer convenções internacionais, incluídas as de proteção aos direitos humanos, que impede, no caso, a pretendida aplicação da norma do Pacto de São José: motivação.

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Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal - a quem restou a incumbência de guardar a Constituição - proferiu diversos julgados no sentido de a Constituição afirmar que o duplo grau de jurisdição não se trata de uma garantia constitucional. Para o Supremo, existe tão somente o direito mínimo de se recorrer de uma sentença desfavorá­vel, com observância dos requisitos previstos na Lei Processual.

Apesar do julgado do Supremo - que um dia poderá rever sua posição - nos filiamos à doutrina segundo a qual o duplo grau de jurisdição é um princípio que decorre do direito de defesa. Princípio constitucional que assegura às partes o direito mínimo de ter revisto um ato judicial, que lhe prejudique, por outro órgão jurisdicional, hierarquicamente superior.

A existência do duplo grau de jurisdição não significa dizer que tal direito é absoluto, mesmo porque, como salientou o Supremo, alguns atos judiciais são irrecorríveis pela própria Constituição e mais, a definição da amplitude do direito de recorrer é da competência da norma processual.

Como sabemos, o Estado Democrático de Direito não comparti­lha da possibilidade de atos arbitrários do Poder sem a existência de remédios legais para impugná-los. É inconcebível em um Estado de Direito a existência de atos judiciais decisórios que não possam ser impugnados por recursos, se tal fato ocorresse facilitaria a aplicação errada do direito posto, a corrupção e o autoritarismo dos magistra­dos, que estariam certos de que suas decisões não seriam revistas.

Ademais, o art. 8o, h, do Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil foi signatário e os preceitos foram introduzidos em nosso ordenamento, prevê o direito de recurso contra sentença como uma modalidade de garantia judicial mínima.

Assim, é possível concluir que o duplo grau de jurisdição repre­senta o direito de recurso, o direito de defesa contra o ato judicial, que será regido pela legislação processual (infraconstitucional).

Princípio da fundamentação das decisões judiciais

Como conseqüência do princípio do contraditório e da ampla defesa, a Constituição impõe aos magistrados, sob pena de nulidade, o dever de motivação ou fundamentação de todas as decisões judiciais,

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

de forma a permitir a compreensão das razões que levaram ao conven­cimento quando da interpretação da lei ao caso concreto, nos seguin­tes termos:

Art. 93. [...]

[...]IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públi­

cos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade,

podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias

partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais

a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não

prejudique o interesse público à informação; [grifo do autor]

Assim, quando da prolação de qualquer decisão,55 o magistrado deverá fundamentá-la, expondo de forma clara e precisa as razões de seu convencimento, sob pena de nulidade do referido ato.

O dever de fundamentação das decisões judiciais também surge como meio de assegurar o contraditório recursal, pois é praticamente impossível que a parte prejudicada pela decisão interponha um recurso sem saber quais os motivos que levaram o magistrado àquela solução.

Além disso, temos nesse princípio a preocupação do Estado em coi­bir atos arbitrários, em desconformidade com a vontade da lei, sendo certo que é incompatível com o Estado Democrático de Direito a exis­tência de atos que não comportem o controle pela sociedade em geral.

Princípio da publicidade dos atos

Pela regra exposta no inc. IX do art. 93 da Constituição, toda ati­vidade jurisdicional é pública, podendo ser controlada por qualquer pessoa.

Com efeito, qualquer pessoa - mesmo que não seja parte no pro­cesso ou procurador da parte - tem o direito de tomar conhecimento dos atos processuais praticados, inclusive lhe sendo facultado assistir aos julgamentos e às audiências.

55 Entendendo-se as decisões interlocutórias, sentenças e acórdãos, não incluindo os despachos de mero expediente.

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No entanto, a regra do art. 93 comporta algumas exceções, nas quais o processo será desenvolvido sobre “segredo de justiça”, hipóte­ses em que a publicidade dos atos será limitada às partes e aos seus procuradores, ou somente a estes (com previsão também no art. 155 do CPC).

O segredo de justiça, como exceção ao princípio da publicidade dos atos processuais, se impõe nos casos em que exista a necessidade de pre­servação da intimidade da pessoa, como nas causas de alimentos (pedi­dos de pensão a parentes), investigação de paternidade, fixação de guar­da de menores, divórcio e separação. Nesses casos citados, os fatos expostos em juízo importam apenas às partes, não havendo interesse da coletividade ou de pessoa estranha ao conflito. A norma visa a impedir que a parte seja prejudicada pela publicidade dos atos, a evitar discrimi­nações ou divulgação de fatos que apenas interessam à sua vida privada.

Não podemos deixar de afirmar que tal previsão de segredo de jus­tiça, previsto no art. 93 da Carta Maior, vem ao encontro do direito fundamental previsto no art. 5o, inc. X, que garante a inviolabilidade da intimidade, da vida privada e da honra do indivíduo.

A Constituição também prevê, no inc. XXXIII do art. 5o, o direito de todos receberem dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, coletivo ou geral, representando verdadeiro direito líquido e certo de qualquer pessoa à obtenção de certidões.56

Princípio da celeridade - art. 5o, LXXVIII

A Emenda Constitucional n. 45/2004 introduziu no art. 5o o inc. LXXVIII, que assim determina:

LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegu­

rados a razoável duração do processo e os meios que garantam a

celeridade de sua tramitação.

A princípio, nos parece que tal comando é absolutamente ineficaz, pois traz uma regra meramente principiológica sem aplicação ou re­

S6 Alexandre de Moraes, Constituição do Brasil interpretada, p. 286.

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sultado prático imediato. O princípio da celeridade apenas servirá como norte às futuras reformas da legislação processual.

Além disso, esse princípio representa redundância daquilo que já estava entendido como princípio da efetividade na prestação da tutela jurisdicional, que pode ser obtido pela interpretação do direito de ação (art. 5o, inc. XXXV, da CF), ou ainda, do que chamamos princípio da economia processual (princípio interno do processo civil).

Na verdade, não é a inserção de um inciso no art. 5o da Constitui­ção que tornará o processo mais rápido, mas sim a adoção de medidas de estruturação do Judiciário, aumento do número de magistrados, fornecimento de equipamentos e melhores condições de trabalho aos servidores, enfim, medidas práticas que garantam uma tutela jurisdi­cional rápida.

E mais, trata-se de um princípio vago, de conceitos indetermina­dos e subjetivos.

Que significa razoável duração do processo? Qual é esse prazo? De fato, incumbe ao legislador infraconstitucional e às normas de organi­zação judiciária criar os mecanismos previstos no dispositivo mencio­nado (como a simplificação dos atos processuais, a facilitação de atos por meios eletrônicos, redução de prazos privilegiados das pessoas de direito público etc.).

■ I 1 . 6 . 2 P R I N C Í P I O S I N T E R N O S D O P R O C E S S O C I V I L

Os princípios internos do processo civil, alguns expressos no Có­digo e outros decorrentes da interpretação sistemática do direito pro­cessual, são institutos relevantes ao intérprete do direito, que, muitas vezes, na falta de clareza da própria lei, ou na dúvida sobre qual tese deve prevalecer, deverá aplicar os seguintes princípios:

Princípio da igualdade e imparcialidade

A igualdade, direito fundamental que decorre do caput do art. 5o da Constituição, representa um princípio geral do direito, aplicado com significado especial ao processo, inclusive sendo previsto no Código de Processo Civil, em seu art. 125, como dever do magistrado de assegu­rar às partes o seu efetivo respeito:

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Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste

Código, competindo-lhe:

I - assegurar às partes igualdade de tratamento.

É própria da atividade jurisdicional a imparcialidade no conflito posto em discussão, sendo o magistrado pessoa desinteressada no resultado do litígio para que possa garantir às partes do processo tratamento igualitário.

Nota-se que o magistrado deve manter-se eqüidistante das partes, no sentido de guardar a mesma distância da parte autora como m an­tém da ré, sem comprometimento com qualquer um dos litigantes, assegurando a isonomia de tratamento. O juiz que mantém interesse na causa está impedido de nela atuar, sob pena de gerar nulidade do processo, já que a imparcialidade representa pressuposto para que o processo se constitua validamente.

A inobservância da imparcialidade gera absoluto desvirtuamento do fim a que se destina a jurisdição, que é concebida como substituto das partes para, como órgão alheio ao conflito, aplicar o direito ao caso concreto de forma desapaixonada e com retidão. Um exemplo muito simples é capaz de vislumbrar o efeito drástico que a parcialidade gera ao processo: imaginem as conseqüências de se entregar um estuprador para ser julgado pela família da vítima. Com toda certeza, a aplicação do direito estaria preterida pela imposição da vontade de vingança.

O direito à igualdade e à imparcialidade na condução dos proces­sos (civis e penais) é garantia assegurada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos,57 ratificada pelo Brasil, com a seguinte redação:

Toda pessoa tem direito, em condições de plena igualdade, de ser

ouvida publicamente e com justiça por um tribunal independente e im­

parcial, para a determinação de seus direitos e obrigações ou para o exa­

me de qualquer acusação contra ela em matéria penal.

Em relação ao princípio da igualdade, os professores Leda Pereira Mota e Celso Spitzcovsky esclarecem58 que este princípio

57 Assembléia Geral das Nações Unidas, Paris, 1948.58 Op. cit., p. 325.

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consiste em tra tar de forma igual os iguais e desigualmente os que se encontram em situações desiguais, na medida de suas desigual­dades.

De fato, a intenção do constituinte ao garantir a isonomia foi a de proibir o tratamento desigual em relação às pessoas que se encontram na mesma situação, por isso afirmando, por outro lado, que não have­rá igualdade se aplicarmos a mesma medida às pessoas que se encon­trem em situações distintas.

À primeira vista, por exemplo, poderíamos dizer que as normas que concedem isenção de custas e despesas processuais às pessoas pobres caracterizariam tratamento não isonômico em relação àquelas que têm condições de arcar com as custas do processo. É óbvio que tra­tar o pobre igualmente ao rico, impondo a ambos o pagamento idên­tico de custas, oferecerá negativa de acesso ao Judiciário para os desa­fortunados, implicando ofensa ao princípio da isonomia, pois dá o mesmo tratamento a pessoas que se encontram em situações fáticas absolutamente distintas.59

A efetiva isonomia impõe ao magistrado (e ao legislador) dar tra­tamento igualitário aos litigantes que se encontrem na mesma situa­ção, e tratamento diferenciado àqueles que são diferentes para equili­brar as desigualdades.

A efetividade dos princípios de igualdade e imparcialidade é fun­damental para a manutenção da autoridade da jurisdição, caracteri­zando garantia do jurisdicionado da fiel aplicação do direito ao caso concreto, sem qualquer interesse pessoal do magistrado no deslinde da causa, e oferecendo segurança e confiabilidade nos atos emanados do Poder Judiciário.

59 Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel Dinamar- co, op. c/f., p. 53, ensinam que "a absoluta igualdade jurídica não pode, contudo, eliminar a desigualdade econômica; por isso, do primitivo conceito de igualdade, formal e negativa (a lei não deve estabelecer qualquer diferença entre os indivíduos), clamou-se pela passagem à igualdade substancial. E hoje, na conceituação positiva da isonomia (iguais oportunidades para todos, a serem propiciadas pelo Estado), realça-se o conceito realista, que pugna pela igualdade proporcional, a qual significa, em síntese, tratamento igual aos substancialmente iguais. A aparente quebra do princípio da isonomia, dentro e fora do processo, obedece exa­tamente ao princípio da igualdade real e proporcional, que impõe tratamento desigual, jus­tamente para que, supridas as diferenças, se atinja a igualdade substancial".

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Princípios do dispositivo e do inquisitivo

O princípio do dispositivo decorre da regra pela qual a jurisdição é inerte, sendo indispensável a iniciativa e a provocação das partes para que o Poder Judiciário, no processo civil, possa proclamar a vontade da lei ao conflito. No processo civil, a jurisdição nunca age de ofício, mas sempre depois de provocada pela parte interessada no provimento do Estado.

Nesse sentido, determina o art. 2o do Código de Processo Civil:

Art. 2o Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando

a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais.

Com efeito, a essa inércia do órgão jurisdicional é que se denomi­na princípio do dispositivo, observando-se que o direito de propor ação e praticar os atos processuais próprios dos litigantes é absoluta­mente vedado aos órgãos do Poder Judiciário.

Por outro lado, não obstante a dependência gerada pelo princí­pio do dispositivo, a própria legislação processual, em seus arts. 125, 128, 130 e 26260 do Código de Processo Civil, impõe ao magistrado o dever de impulsionar o processo ao seu objetivo, qual seja, a solu­ção da lide, impulso este que denominamos de princípio do inqui­sitivo.

O processo apenas tem início por iniciativa das partes (princípio do dispositivo - art. 2o do CPC), mas se desenvolve por impulso ofi­cial (princípio do inquisitivo - art. 262 do CPC).

Dessa form a, é dever do juiz, um a vez p roposta a ação por iniciativa da parte, tom ar as providências adm inistra tivas do processo para que este não fique parado, im puls ionando a so lu ­ção da lide.

Inclui-se no princípio do dispositivo o poder conferido ao magis­trado de determinar as provas que entender necessárias para o esclare­cimento dos fatos alegados pelas partes, conforme dispõe o art. 130 do Código de Processo Civil.

60 "Art. 262. O processo civil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial."

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| Princípio da verdade formal

A verdade que influencia na convicção do magistrado para a solu­ção do processo é aquela que se encontra nos autos, formalmente do­cumentada no processo.

Pelo princípio da verdade formal, o juiz apenas poderá formar o seu entendimento com os fatos demonstrados no processo, não po­dendo ser aceita a fundamentação das decisões com base em fatos que não estejam devidamente insertos nos autos.61

No processo civil, o juiz apenas poderá formar a sua convicção com base na verdade que foi levada aos outros. A sentença apenas será fundamentada com a verdade documentada nos autos: a verda­de formal.62

Para o processo civil, não se pode admitir a prevalência da verda­de real na convicção do julgador, pois, como vimos anteriormente, o juiz é pessoa estranha ao litígio e mantém contato apenas com os fatos trazidos ao processo; o que não está no processo não existe no mundo jurídico, sob pena de se incorrer em quebra da imparcialidade.

No entanto, os princípios da verdade formal e do dispositivo que impede a iniciativa do magistrado foram abrandados pelas normas do Código de Processo Civil (art. 130), que permitem ao julgador a deter­minação de que as partes realizem provas. Assim, o juiz não é mero espectador dos atos das partes, mas também tem o poder inquisitivo para determinar que se tragam aos autos as provas que entender indis­

61 Nesse sentido, Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado, 3. ed., p. 664, citam: "Juiz que julga conforme conhecimento próprio dos fatos. É nula a sentença em que o juiz se vale de conhecimento próprio dos fatos. Se o fato não é notório e se o juiz não aplica máximas de experiência, julga com base em conhecimento pró­prio e faz as vezes de testemunha extrajudicial, estando impedido de exercer suas funções juris- dicionais, ante a ausência de pressuposto processual de imparcialidade" (RT 630/140).

62 Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel Dinamar- co, op. c/f., p. 65: "No processo penal sempre predominou o sistema da livre investigação de provas. Mesmo quando, no processo civil, se confiava exclusivamente no interesse das partes para o descobrimento da verdade, tal critério não poderia ser seguido nos casos em que o interesse público limitasse ou excluísse a autonomia privada. Isso porque, enquanto no pro­cesso civil em princípio o juiz pode satisfazer-se com a verdade formal (ou seja, aquilo que resulta ser verdadeiro em face das provas carreadas aos autos), no processo penal o juiz deve atender à averiguação e ao descobrimento da verdade real (ou verdade material), como fun­damento da sentença".

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pensáveis para o esclarecimento e a comprovação dos fatos alegados pelas partes.

Princípio da instrumentalidade das formas

O processo civil se desenvolve por meio da prática de atos proces­suais, atos estes realizados pelas partes, pelo juiz e seus auxiliares, sem­pre com a observância da forma prescrita na lei, quando esta a impu­ser, sob pena de nulidade.

Todavia, o ordenamento processual, por questão de economia, pres­tigiou a instrumentalidade das formas ante o rigorismo exacerbado do processo, prevendo que os atos praticados fora da forma legal serão con­siderados válidos desde que atinjam a finalidade essencial a que se des­tinam e quando não ocorrer prejuízo às partes, conforme preceituam os arts. 154 e 244 do Código de Processo Civil, que passamos a transcrever:

Art. 154. Os atos e termos processuais não dependem de forma

determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputan­

do-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a

finalidade essencial.

Art. 244. Quando a lei prescrever determinada forma, sem comi-

nação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de

outro modo, lhe alcançar a finalidade.

Infere-se, assim, que o principal para a existência e a validade do ato processual é a obtenção de sua finalidade essencial, independentemente da forma utilizada, desde que seja lícita e não implique prejuízo a qual­quer uma das partes, afastando o princípio da instrumentalidade das formas o rigoroso formalismo que impede a efetividade do processo.

Como exemplo da aplicabilidade do princípio da instrumentalidade das formas, podemos mencionar a hipótese do réu que, não sendo cita­do,63 comparece espontaneamente no processo. Assim, apesar de a citação ser ato indispensável à existência do processo, o comparecimento espon­

63 A citação é o ato pelo qual, dando ciência da existência de uma ação, chama-se o réu ao processo para se defender.

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tâneo do réu supriu a falta de citação, sendo certo que, com o seu compa- recimento voluntário, foi atingido o final essencial do ato de citação, qual seja, dar ciência ao réu da existência de uma ação em curso contra ele.

É importante lembrar aos profissionais que manipulam o direito a realidade de que o processo é apenas instrumento para a realização do direito material, não encontrando o processo fim em si mesmo. Não há, assim, justificativa para a exigência exagerada do formalismo em detrimento do direito material envolvido, razão pela qual se deve con­siderar válido o ato processual quando atinge sua finalidade, indepen­dentemente da forma empregada.

| Princípio da fungibilidade

A fungibilidade, para o processo civil, carrega o significado de subs- titutibilidade, no sentido de se aceitar um ato processual no lugar de outro como válido (trocar uma coisa por outra).

Podemos citar, por exemplo, a fungibilidade recursal, pela qual, interpondo a parte recurso inadequado à decisão impugnada, poderá o Tribunal receber o recurso errado como o correto, ou, ainda, a fungibi­lidade entre a tutela antecipada e as medidas cautelares. Como precei- tua o art. 273, § 7o, do Código de Processo Civil, caso a parte requeira a antecipação dos efeitos da tutela, e o magistrado entender tratar-se de provimento cautelar, deverá o juiz conceder a medida cautelar, hipóte­ses estas de que trataremos em capítulos próprios adiante.

A fungibilidade também se verifica entre as ações possessórias, nas quais, por expressa previsão legal (art. 920),64 a parte não será prejudi­cada pela propositura de uma medida no lugar da outra, impondo-se ao magistrado o dever de conhecer da medida supostamente errada no lugar da correta.

O princípio da fungibilidade tem como base os princípios da instrumentalidade das formas e da economia processual, vislum­brando a possibilidade de evitar prejuízo à parte litigante pela tom a­da de medidas - que entendia ela como corretas - , enquanto o órgão

6,1 "Art. 920. A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a queo juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela, cujos requisi­tos estejam provados."

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jurisdicional, em sentido diverso, deduz ser adequada outra medida similar.

Como ocorre nas ações possessórias, em tese, é muito simples di­ferenciar cada uma das medidas (interdito proibitório, manutenção e reintegração), mas, quando em confronto com a situação prática, muitas vezes não se sabe se é caso de uma ou outra medida. A dúvida em relação à medida correta não se restringe às possessórias, ocorren­do o mesmo nos recursos, uma vez que, em muitos casos, existe dúvi­da objetiva sobre qual recurso seria o adequado para atacar a decisão desfavorável.

Assim, como meio de garantir às partes o acesso ao Poder Judiciá­rio, dentro de um critério de razoabilidade para afastar a má-fé, haven­do dúvida objetiva sobre adequação de determinado ato, o órgão jul­gador deverá aplicar, de ofício, o princípio da fungibilidade, recebendo o ato da parte - supostamente errado - no lugar daquele que seria o correto.

Princípio da economia processual

A interpretação sistemática do ordenamento processual leva à re­gra segundo a qual o processo deve desenvolver-se de forma mais eco­nômica às partes e ao Estado, ou seja, que o processo se realize no menor tempo possível e com o mínimo de gasto - justiça rápida e ba­rata.65

A prestação da tutela jurisdicional, ao contrário do que muitos pensam, não é atividade gratuita do Estado, mas serviço público con­dicionado ao recolhimento de custas aos órgãos do Poder Judiciário para o processamento da causa, arcando as partes com os honorários de peritos, assistentes técnicos, advogados, condução dos oficiais de justiça, custas ao Poder Judiciário etc.

Dessa forma, a prática dos atos processuais deve ser pautada no objetivo de menor gasto às partes, sendo apenas realizados no proces­so os atos que se revelem úteis à solução do conflito, caracterizando

65 Humberto Theodoro Júnior, op. c/t, p. 28.

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dever do juiz indeferir os atos processuais inúteis ou protelatórios (art. 130) para que o processo não gere despesas desnecessárias.

Princípios da eventualidade e da preclusõo

Todo processo se desenvolve por meio de atos processuais que estão dispostos em uma ordem lógica (um ato após o outro) e com m o­mento certo para serem realizados. Assim, o princípio da eventualida­de prevê que cada ato processual deve ser realizado dentro de seu m o­mento oportuno, conforme previsão legal, esgotando-se totalmente o ato, sob pena de não mais se poder praticá-lo.

Um exemplo clássico do princípio da eventualidade verifica-se no art. 300 do Código de Processo Civil, quando há previsão de que o réu deverá alegar na contestação toda matéria de defesa, pois, um a vez protocolizada a petição, não mais poderá fazer qualquer alegação.

Por outro lado, não praticado o ato no momento oportuno, ocor­rerá o fenômeno da preclusão, que consiste na perda da capacidade para a prática do ato processual pelo decurso do prazo (preclusão tem­poral), pela consumação ou esgotamento do ato (preclusão consuma- tiva), ou pela prática de atos incompatíveis entre si (preclusão lógica), como quando a parte requer a concessão de justiça gratuita e simulta­neamente recolhe custas elevadas.

Princípios da lealdade processual e da boa-fé

A legislação processual impõe às partes o dever de agirem no pro­cesso com lealdade e boa-fé, o que, nos termos dos arts. 14 e 17 do Có­digo de Processo Civil, compreende proceder com urbanidade em relação aos demais sujeitos do processo (magistrados, servidores etc.), expor os fatos conforme a verdade, sem alterá-los ou usar de falsida­des, não empregar meios protelatórios e não proceder de modo teme­rário ou provocar incidentes indevidos.

A violação dos deveres de lealdade e de boa-fé gera ao infrator a penalidade de multa (art. 18 do CPC).

O processo, muitas vezes, leva as partes e seus procuradores a se apaixonarem pela questão litigiosa, fazendo com que intervenham no

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processo de forma desleal ou com má-fé, com o emprego de artifícios ou meios ilegais para obtenção de vantagem na ação.

É muito comum a parte desleal utilizar-se de documentos falsos para alteração da verdade dos fatos, ou ainda a destruição ou o furto de documentos indispensáveis à solução da lide - a parte comparece ao cartório, pede para ver o processo, e arranca a folha que lhe interes­sa, como um cheque. Em certa oportunidade (talvez única na vida), presenciamos a incineração dos autos do processo provocada pela pró­pria parte ré. Em poucos segundos, diante de todos, a parte jogou álcool nos autos e ateou fogo (talvez tenha encontrado ela a forma mais rápida de extinção do processo).

Além disso, é muito comum a falta de respeito e urbanidade entre as partes, ou entre os procuradores e a parte adversa ou órgão jurisdi­cional. Existem registros de advogados que, em petição ou manifesta­ção oral em audiência, lançaram contra a parte adversa e o juiz pala­vras ofensivas e indecorosas, hipótese em que o juiz deve determinar que se risquem dos autos as ofensas.

Princípio da identidade física do juiz

O art. 132 do Código de Processo Civil prevê que o juiz (qualquer magistrado) que concluir a audiência, ou seja, aquele que procedeu à colheita das provas orais, deverá proferir o julgamento, salvo se estiver convocado, licenciado ou afastado do cargo ou função por outros m o­tivos (aposentadoria, férias, promoção etc.).

O presente princípio se justifica pelo fato de que o magistrado que colheu a prova tem maior condição de proferir o julgamento, por ter maior conhecimento dos fatos postos em juízo.66

66 Súmula n. 262 do extinto TFR: "Não se vincula ao processo o juiz que não colheu prova em audiência".

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J u r i s d i ç ã o 2

2.1 Co n c e i t o

Os relatos históricos nos mostram que nem sempre o Estado exerceu o domínio sobre o poder de dizer o direito ao caso concreto; pelo contrário, no período primitivo, a orga­nização social limitava-se a estabelecer os direitos e as obri­gações dos indivíduos nos grupos sociais, sem a existência de uma estrutura organizada capaz de garantir a aplicação efe­tiva da norma abstrata aos problemas reais.

Nesse período, cada indivíduo que se achasse detentor de um direito tinha legitimidade para exercer a justiça contra o seu devedor. Na realidade, a “justiça privada” ou “autotutela” apenas servia como instrumento de vingança, com a qual o mais forte sempre impunha a sua vontade contra o mais fra­co e, conseqüentemente, saía vencedor no conflito.

A autotutela mostrou-se absolutamente contrária à or­ganização social, o poder dominante que não poderia deixar a administração da justiça em poder dos particulares, pois a

49

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

vingança - a imposição da vontade do mais forte - gerava total desar­monia e descontentamento da coletividade.

Na teoria desenvolvida por Aristóteles, posteriormente aperfeiçoa­da e difundida por Montesquieu, o “poder” do Estado deveria ser exer­cido por três funções distintas: a legislativa, para elaboração de normas gerais e abstratas; a executiva, que se destina à administração do Esta­do; e a função judiciária, incumbida de fazer o direito material atuar nos litígios da vida real.

Assim, os Estados modernos passaram a chamar para si o poder de “fazer a justiça”, de aplicar a lei ao caso concreto para solver os confli­tos na busca da paz social, revelando-se esse poder verdadeira demons­tração de soberania do Estado.

Moacyr Amaral Santos, ao discorrer acerca da jurisdição, ensina:1

A jurisdição, portanto, é uma das funções da soberania do Estado.

Função de poder, do Poder Judiciário. Consiste no poder de atuar o direi­

to objetivo, que o próprio Estado elaborou, compondo os conflitos de

interesses e dessa forma resguardando a ordem jurídica e a autoridade

da lei. A função jurisdicional é, assim, como um prolongamento da fun­

ção legislativa, e a pressupõe. No exercício desta, o Estado formula as

leis, que são regras gerais abstratas reguladoras da conduta dos indiví­

duos, tutelares de seus interesses e que regem a composição dos respec­

tivos conflitos; no daquela, especializa as leis, atuando-as em casos ocor-

rentes.

Dessa forma, podemos conceituar a jurisdição como o poder so­berano e atividade do Estado de dizer o direito ao caso concreto, mani­festando a vontade da lei ao caso concreto.2

Com base na etimologia da palavra jurisdição, originada do latim, obtemos o seguinte conceito:

1 Primeiras linhas de direito processual civil, v. I, p. 67.

2 É equivocado o emprego da expressão jurisdição para órgãos estranhos ao Poder Judi­

ciário - por exemplo, é comum encontrarmos jurisdição associada à administração de estra­

das ("trecho sob a jurisdição da empresa [...]"). Apenas o Poder Judiciário exerce jurisdição.

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JURISDIÇÃO

Jurisdição = juris (direito) + dictio (ato de dizer) = dizer o direito ou apli­

car a norma abstrata ao caso concreto.

Assim, a jurisdição caracteriza um poder, uma forma de substitui­ção da ação dos litigantes pela atividade de órgão do Estado alheio ao conflito, pessoa esta que não mantém qualquer interesse no litígio e pode com imparcialidade manifestar a vontade da lei. Aos litigantes pertence o bem da vida disputado.

No Brasil, o exercício da jurisdição é monopólio do Estado, e tal atividade é desempenhada exclusivamente pelo Poder Judiciário, nos termos fixados na Constituição da República (arts. 92 a 135), sendo absolutamente repudiada a justiça privada para prevalência do juiz na­tural e competente nos termos da lei processual.3

Ressalte-se que a manutenção de um Estado democrático de direi­to, cujas obrigações e cujos direitos de todos estão previstos em instru­mentos normativos elaborados por representantes dos próprios cida­dãos, pressupõe a existência de um órgão estatal dotado de força para aplicar o direito às situações reais da vida em sociedade, poder impar­cial para fazer prevalecer o império da lei.

2.2 C a r a c t e r í s t i c a s

a) Substituição. A jurisdição substitui a atividade das partes na solu­ção do litígio. Não são as partes que decidem o conflito, mas o Estado, que, emitindo um provimento jurisdicional - uma tutela

determina qual das partes tem razão. A vontade da lei, manifes­tada pelo Poder Judiciário, substitui a vontade das partes.

b) Imparcialidade. A atividade jurisdicional não tem qualquer inte­resse direto no resultado do conflito, sendo indiferente para o Estado qual das partes será beneficiada com a tutela. O interesse do Estado é estranho à pretensão das partes, e enquanto estas dis­

3 Constituição da República, art. 5o, inc. Llll: "ninguém será processado nem sentencia­do senão pela autoridade competente".

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putam o bem da vida, o Estado objetiva o fim do litígio e a pacifi­cação, não guardando qualquer vínculo com o objeto da ação.

c) Instrumentalidade. A jurisdição é meio e não fim, tendo por esco­po viabilizar a prática do direito, tratando-se de instrumento pú­blico para administração de interesses privados.

d) Existência de lide. Na conceituação dada por Carnelutti, lide sig­nifica o conflito de interesses, qualificado por uma pretensão resis­tida. Em outras palavras, é a disputa do mesmo bem jurídico por mais de uma pessoa, caracterizada pela resistência das partes em ceder o bem aos demais. Assim, como regra, a atividade jurisdicio­nal apenas se justifica quando da existência de lides a serem solvi- das (conflitos a serem pacificados).4

e) Definitividade. Os atos advindos do Poder Judiciário, em espe­cial as sentenças e os acórdãos, uma vez transitado em julgado, são definitivos, não comportando novas discussões.3 Esse fenô­meno é que se denomina de coisa julgada, efeito de imutabilida­de que recai sobre a sentença ou o acórdão capaz de impedir a sua reapreciação, mesmo que sejam atingidos por nova lei.6 Res- salte-se que nem mesmo uma nova lei poderá modificar o que foi decidido pelo Poder Judiciário em relação ao caso posto em juízo.

f) Atividade pública. A jurisdição é típico exercício do Poder do Es­tado brasileiro, e é atividade realizada pelo Poder Judiciário, não se admitindo, como regra, a atuação de particulares na aplicação do direito.

g) Investidura. “Poder que decorre da Constituição da República.” Como salientamos, quando tratamos dos princípios constitucio­nais que regem o processo civil, constitui requisito indispensável para a existência do órgão jurisdicional a investidura de Poder pelo Estado por meio da Constituição. Pelo princípio do juiz natu­

4 Excepcionalmente, o Estado atua em casos em que não se verifica a existência de lide; isso ocorre nos casos de jurisdição voluntária, tema tratado a seguir, no item 2.4.2.

1 Quando da decisão não couber mais nenhum recurso, o processo encontra-se julga­do definitivamente.

6 É garantia fundamental, prevista no inc. XXXVI do art. 5o da Constituição, que a lei não poderá prejudicar a coisa julgada, o ato jurídico perfeito e o direito adquirido.

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JURISDIÇÃO 5 3

ral, apenas os órgãos investidos de poder jurisdicional é que têm autoridade para dizer o direito ao caso concreto.

É a Constituição da República que cria os órgãos jurisdicionais e lhes atribui poderes e competências funcionais, sendo certo que é garantia fundamental o princípio pelo qual ninguém poderá ser julgado ou processado senão pela autoridade investida de poderes pelo Estado para exercer tal função de soberania.

h) Improrrogabilidade e indelegabilidade. Os limites do exercício da jurisdição estão previstos na Carta Maior, não se admitindo modi­ficação dessa competência funcional entre os demais órgãos do Poder (Executivo e Legislativo) ou mesmo dentro do próprio Judi­ciário, seja por lei ou por ato de um dos Poderes. Conseqüente­mente, uma vez que não se admite a modificação das funções pre­vistas na Constituição para cada órgão do Judiciário, também não se admite a delegação de poderes (transferência por manifestação de vontade).

i) Inafastabilidade e inevitabilidade.7 O órgão jurisdicional não pode se recusar a prestar a tutela jurisdicional e o Judiciário nunca poderá se recusar a julgar uma causa, sob pena de negativa do direito fundamental de ação, previsto no inc. XXXV do art. 5o da Constituição. Nem mesmo a existência de lacuna ou falta de lei poderá ser justificativa para que o magistrado deixe de prestar a tutela jurisdicional, afastando a jurisdição das necessidades das partes. Deverá valer-se, então, nos termos do art. 126 do Código de Processo Civil, de normas gerais, analogia, costumes ou princípios gerais do direito, mas nunca se recusar à jurisdição.

Por outro lado, uma vez provocada, a atividade jurisdicional não pode ser afastada pela vontade das partes, sendo certo que elas se obrigam ao cumprimento do provimento jurisdicional, inde­pendentemente de suas vontades.

7 Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel Dinamar- co, Teoria geral do processo, p. 139: "O princípio da inevitabilidade significa que a autorida­de dos órgãos jurisdicionais, sendo uma emanação do próprio poder estatal soberano, impõe-se por si mesma, independentemente da vontade das partes ou de eventual pacto para aceitarem os resultados do processo".

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Em determinado caso, tivemos notícia de um contribuinte que propôs ação em face de um município com a finalidade de modi­ficar a forma de cálculo do tributo devido. Ocorre que o autor foi vencedor na ação, impondo à sentença a modificação do modo de cálculo do referido tributo. Curiosamente, ao realizar os novos cál­culos, o contribuinte percebeu que o débito tributário havia au­mentado - ou seja, ganhou a ação para modificar a forma de cál­culo, mas isso lhe acarretou aumento na carga tributária; assim, muito esperto, o autor pretendeu recusar a utilização da nova ta­bela. Acertadamente, o magistrado determinou, em favor do m u­nicípio, que se executasse a sentença. De fato, uma vez provocada a jurisdição, as partes devem sujeitar-se aos efeitos da tutela ema­nada dessa atividade, não havendo possibilidade de a vontade das partes evitar a eficácia do julgado,

j) Inércia. A jurisdição apenas atua no caso concreto quando provo­cada. O movimento da máquina judiciária depende da provocação- ou ação - da parte interessada na obtenção de um provimento do Estado acerca de uma lide (art. 2o do CPC).

A jurisdição não é espontânea e nem age de ofício, caracteri­zando função do Estado absolutamente inerte.8 Tal característica também está presente no julgamento do processo, pois é vedado ao magistrado proferir sentença além dos limites em que a ação foi proposta.

1) Aderência ao território. Por se tratar de atividade tipicamente do Poder soberano, em primeiro lugar, a jurisdição brasileira é restri­ta ao território nacional.

Dentro do País, a jurisdição é dividida em territórios (comar­cas, distritos, seções judiciárias etc.), nos termos das leis de orga­nização judiciária, sendo defeso aos magistrados o exercício da judicatura fora dos limites territoriais de sua competência.

8 Mesmo em relação às lides penais, a jurisdição apenas age quando provocada - no

caso, pelo Ministério Público ou pela vítima interessada (quando o crime dependa de repre­sentação ou queixa).

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JURISDIÇÃO

2 . 3 P O D E R E S D A J U R I S D I Ç Ã O

Por se tratar de uma atividade do Estado destinada à intervenção nas relações particulares (ou relação dos particulares com o próprio Estado), a jurisdição é dotada de poderes que permitem efetividade e desenvolvimento de suas funções, ou seja:

a) Poder de polícia e de documentação. No exercício da jurisdição, o Estado-juiz tem autoridade institucional para presidir e adminis­trar todo o processo, inclusive poder para documentar nos autos a realização dos atos processuais.

b) Poder de decisão. O magistrado competente para o processamen­to da ação tem poder para formação e imposição de um juízo de mérito sobre o objeto central da lide, bem como em relação às questões incidentes.

c) Poder de coerção. É dever institucional da jurisdição zelar pelo cumprimento de seus atos (decisões, sentenças e acórdãos), tendo autoridade coercitiva para impor às partes e terceiros o efetivo cumprimento das ordens judiciais. O poder de coerção é funda­mental traço distintivo entre o Estado e o particular, sendo certo que apenas aquele pode impor medidas repressivas ante o des- cumprimento de uma ordem.

A força coercitiva é fundamental para o respeito e a efetividade das decisões emanadas do Judiciário. Como sabemos, não interessa para o jurisdicionado que o Estado apenas lhe confira um papel dizendo que ele tem direito, sem que exerça sobre a parte adversa pressão suficiente para im por o respeito à vontade da lei; por essa razão, tem o Judiciário total obrigação (de ofício) de im por m edi­das que obriguem a parte contrária ao cum prim ento de uma ordem judicial, por exemplo, multa, busca e apreensão, requisição de for­ça policial, expropriação de bens (penhora e venda em hasta públi­ca) etc.

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2.4 Es p é c i e s de Pr e s t a ç õ e s

d a T u t e l a J u r i s d i c i o n a l

No estudo das espécies de jurisdição, é necessária a prévia ressalva de que a jurisdição, por se tratar de uma das funções do Estado, é una e não comporta divisões.9 Dentro do Estado brasileiro existe uma única jurisdição, um único Poder Judiciário, estruturado em diversos órgãos, cada um dotado de uma função específica para adequar-se e melhor solucionar as diversas naturezas dos conflitos.

Assim, a classificação a seguir apresentada não se presta para divi­dir o Poder Judiciário ou classificar “jurisdições”, mas tão-somente para analisar as diversas maneiras de atuação do Estado na solução dos conflitos, levando em consideração as especificidades das lides.

■ i 2 . 4 . 1 J u r i s d i ç ã o C o m u m o u e s p e c i a l i z a d a

Em relação à matéria objeto do litígio, o Poder Judiciário, como veremos no próximo capítulo, foi estruturado em órgãos de jurisdição especializada, destinados à solução de lides relacionadas às matérias trabalhista, eleitoral e militar; e outros órgãos destinados à jurisdição comum, aqui por um critério de exclusão, com competência para jul­gamento das causas não especializadas, compreendendo o direito pe­nal e o civil lato sensu (incluindo os demais ramos do direito, como administrativo, comercial, tributário etc.).

A divisão da atividade se dá com o objetivo de melhor prestação da tutela jurisdicional, para que o provimento oferecido pelo Estado- juiz, dentro de cada área, seja diferenciado em relação às naturezas das lides.

Imaginem um único magistrado ter de proferir sentenças sobre todos os ramos do direito. Com toda a certeza, a abrangência de competências geraria provimentos superficiais e inadequados, dada a falta de especialização do julgador nas diversas matérias da ciência jurídica.10

9 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, p. 34.10 É humanamente impossível alguém conhecer tudo da ciência jurídica.

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JURISDIÇÃO

m 2 . 4 . 2 J u r i s d i ç ã o V o l u n t á r i a o u C o n t e n c i o s a

É característica e regra da jurisdição a existência de lides a serem resolvidas pelo Poder Judiciário (conflitos de interesses qualificados por uma pretensão resistida).

No entanto, em hipóteses de grande relevância do bem jurídico ou das condições dos interessados envolvidos, o Estado intervém em relações particulares não litigiosas apenas para administrá-las e zelar pela regulari­dade do negócio, atividade a qual denominamos jurisdição voluntária.

É o que ocorre, por exemplo, com a dissolução amigável do casa­mento. Não obstante a inexistência de lide - já que ambas as partes concordam com o fim da união marital - , o Estado impõe que a for­malização do divórcio consensual se dê diante do Poder Judiciário, em típico caso de jurisdição voluntária.

O mesmo ocorre em relação à alienação de bens de incapazes, alie­nações judiciais, abertura de testamentos, requerimentos de alvarás, separação consensual, administração de bens de ausentes e de coisas vagas, curatela de pessoas interditadas, organização e fiscalização das fundações etc.

Por outro lado, quando se revela a verdadeira jurisdição, vislum­bramos a jurisdição contenciosa, aquela em que existe lide, ou seja, con­trovérsia e disputa entre as partes em relação ao mesmo bem da vida.

Podemos traçar as seguintes diferenças:

J u r i s d i ç ã o V o l u n t á r i a J u r i s d i ç ã o C o n t e n c i o s a

Administração pública de interesses

privados

Solução para conflitos de interesses

Ausência de lide Presença de lide

Requerentes ou interessados Partes (autora e ré)

Sentença meramente homologatória

(o juiz não julga, tão-somente

ratifica a regularidade do ato)

Sentença de mérito (magistrado emite um

juízo de valor decidindo qual das partes tem razão no litígio)

A sentença homologatória pode ser

desconstituída por ação anulatória

(como se anulam os atos jurídicos em geral - art. 486 do CPC)

A desconstituição da sentença depende de acão rescisória - art. 485 do CPC

>

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m 2 . 4 . 3 J u r i s d i ç ã o I n d i v i d u a l o u C o l e t i v a

Algumas lides, ao contrário da grande maioria, ultrapassam o inte­resse individual ou particular das partes, e têm relevância em relação a toda a coletividade ou grupo de pessoas indeterminadas, versando so­bre direito material indivisível. Isso é denominado jurisdição coletiva.

Na jurisdição coletiva, o direito material envolvido pertence à co­letividade e não apenas a pessoas determinadas e individualizadas no processo. Por exemplo, podem ser tuteladas pela jurisdição coletiva as causas que tratam de proteção do meio ambiente e do consumidor, as ações relativas ao patrimônio público ou a direitos pertencentes a cate­gorias ou classes (como a defesa dos direitos dos metalúrgicos etc.).

A jurisdição coletiva se destina à proteção de direitos transindivi- duais, quando, em nome próprio, o legitimado propõe a ação para pleitear direito de pessoas não determinadas no processo, por meio de instrumentos como a ação civil pública, a ação popular e o mandado de segurança coletivo.

Como veremos a seguir, a jurisdição coletiva não é aquela em que figura no pólo da ação mais de uma pessoa, e sim aquela em que o objeto litigioso não pertence unicamente ao autor da ação, mas a toda a coletividade (ou grupo de pessoas indeterminadas). Assim, mesmo que exista mais de uma pessoa na ação, ela será individual desde que esteja pleiteando direito próprio e não de terceiros indeterminados.

É importante consignar, também, que são absolutamente distintos os efeitos gerados pela jurisdição coletiva em relação à individual, no sentido de que enquanto nesta os efeitos da tutela apenas serão perce­bidos pelas partes litigantes (efeito inter partes), na coletiva os efeitos atingirão toda a coletividade (efeito erga omnes), beneficiando-se ou não da tutela até mesmo as pessoas que não integram a lide.

Em brilhante voto lançado pelo ministro Humberto Gomes de Barros, o Superior Tribunal de Justiça proferiu julgamento, cujo trecho transcrevemos:

As ações coletivas foram concebidas em homenagem ao princípio

da economia processual. 0 abandono do velho individualismo que

domina o direito processual é um imperativo do mundo moderno. Atra­

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JURISDIÇÃO 5 9

vés delas, com apenas uma decisão, o Poder Judiciário resolve contro­

vérsia que demandaria uma infinidade de sentenças individuais. Isto faz

o Judiciário mais ágil. De outro lado, a substituição do indivíduo pela

coletividade torna possível o acesso dos marginais econômicos à fun­

ção jurisdicional. Em a permitindo, o Poder Judiciário aproxima-se da

democracia. (STJ, 1a Seção, Mandado de Segurança 5.187/DF, DJU 29.06.1998, v.u.)

Por exemplo, havendo veiculação de publicidade enganosa (ou qual­quer outra lesão ao consumidor), poderá o Ministério Público prom o­ver ação em nome próprio, de natureza coletiva, para exigir a cessação da publicidade e a reparação dos danos causados aos consumidores. Assim, todas as pessoas atingidas pela propaganda (que na ação não foram individualizadas) poderão beneficiar-se da sentença proferida na jurisdição coletiva.

■ i 2 . 4 . 4 J u r i s d i ç ã o I n f e r i o r e S u p e r i o r

Ao criar os órgãos do Poder Judiciário, a Constituição da Repúbli­ca estabeleceu hierarquia entre eles, criando órgãos inferiores (deno­minados de Ia instância) e os superiores (órgãos de 2a instância e Tri­bunais Superiores).

A distribuição hierárquica da atividade jurisdicional se dá em rela­ção às funções dos magistrados, uma vez que, dependendo da im por­tância da matéria ou pessoa que figure no litígio, a Constituição atri­bui competência originária para processamento da ação diretamente nos tribunais. É o que ocorre, por exemplo, com o presidente da Repú­blica, que é julgado exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal, ou, ainda, os governadores dos estados, que apenas são processados pelo Superior Tribunal de Justiça.

Além de competências originárias, a hierarquia jurisdicional tem por finalidade assegurar o duplo grau de jurisdição, organizando o Po­der Judiciário de forma a propiciar que a decisão de um órgão inferior possa ser reexaminada por outro órgão que se encontre hierarquica­mente acima.

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A hierarquia dos órgãos do Judiciário não faz com que as decisões dos magistrados inferiores estejam subordinadas às ordens dos supe­riores. Como ensina José Frederico Marques:11

Na atuação hic et nunc dentro do processo, o juiz não recebe ordens

dos tribunais superiores, visto não existir poder hierárquico de mando

entre os órgãos da magistratura. Vínculos hierárquicos não prendem o

juiz quando este exerce a função jurisdicional. Os graus de jurisdição, a

diferenciar as instâncias, nada mais traduzem, como salienta Adolf Merkl,

que "uma competência de derrogação, e nunca uma competência de

mando do superior sobre a instância inferior".

De fato, os tribunais têm o poder de, em julgamento de recursos, modificar, anular ou substituir os atos praticados pela instância infe­rior, mas nunca poderes para determinar ao magistrado a quo como decidir.

2 . 5 S u b s t i t u t i v o s da J u r i s d i ç ã o

Não obstante a jurisdição ser atividade exclusiva do Estado, em casos excepcionais o próprio Estado autoriza que os conflitos sejam resolvidos por particulares. Nos seguintes casos a atividade privada ou particular substitui a jurisdição do Estado:

a) Transação.12 Representa instituto do direito civil (art. 840 do Código Civil),13 pelo qual os interessados, por concessões recípro­cas, celebram ato jurídico tendente a prevenir ou afastar eventual ou futuro litígio judicial, tratando-se de espécie de acordo realiza­do fora do âmbito do Judiciário. A transação é hipótese de compo­

11 Manual de direito processual civil, p. 208.12 Maria Helena Diniz, Código Civil anotado, p. 733, afirma: "Conceito de transação. A

transação é um negócio jurídico bilateral, pelo qual as partes interessadas, fazendo-se con­cessões mútuas, previnem ou extinguem obrigações litigiosas ou duvidosas".

13 "Art. 840. É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante con­cessões mútuas."

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JURISDIÇÃO

sição amigável entre as partes para solução de conflito sem a inter­venção do Estado.

A transação pode ser negócio realizado para evitar o litígio, ce­lebrado antes de sua ocorrência, ou firmado com o intuito de pôr fim a processo em curso, hipótese em que a transação é levada ao processo e homologada pelo juiz (extinguindo o processo com jul­gamento do mérito, nos termos do art. 269, III, do Código de Pro­cesso Civil).

b) Conciliação. É o acordo realizado no bojo do processo diante da presença do magistrado.

Em ambos os casos, transação e conciliação, a vontade das partes prevalece sobre a vontade da jurisdição, as próprias par­tes resolvem o conflito. Ocorrendo o acordo, o juiz não proferi­rá qualquer juízo de valor, limitando-se à análise das condições do ato jurídico (capacidade das partes, objeto lícito e observân­cia da forma legal) para homologar - ratificar - a vontade das partes.14

c) Juízo arbitrai. Por força da Lei n. 9.307/96, foi regulamentado o juízo arbitrai, pelo qual as partes renunciam à via judiciária para que, no futuro, eventual litígio seja apreciado por um árbitro (um técnico particular). Assim, as partes convencionam que qualquer litígio relacionado ao objeto do negócio deverá ser julgado por um árbitro e não pelo Judiciário.

Ressalte-se que a instituição do compromisso arbitrai apenas é possível em se tratando de direitos patrimoniais, disponíveis e pertencentes a pessoas capazes. Em caso contrário, o litígio deve­rá ser apreciado pelo Poder Judiciário.15 Assim, não poderão ser objeto de arbitragem, por exemplo, os direitos de incapazes (menores, tutelados ou curatelados), os direitos não-patrimoniais como a paternidade, relativos aos deveres do casamento e sua dis­solução etc.

H Sendo as partes capazes, lícito o objeto pactuado e observada a forma legal, o juiz não poderá interferir no acordo celebrado entre as partes, manifestando valores de justiça ou injustiça.

15 Lei n. 9.307/96, art. 1°: "As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbi­tragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis".

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62 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

2.6 O Po d e r J u d i c i á r i o B r a s i l e i r o

No Estado brasileiro, a jurisdição é exercida com exclusividade pelo Poder Judiciário, que desempenha essa atividade típica de sobera­nia por meio de seus órgãos, compostos de magistrados que integram os tribunais e os juízos de primeira instância, nos termos da Constitui­ção da República.

M 2 . 6 . 1 I N G R E S S O N A M A G I S T R A T U R A

A magistratura, por excelência, é a função do servidor do Estado investido de poder de dizer o direito ao caso concreto. Podemos dizer que os juizes constituem a voz e os braços da justiça - vox legis - , sendo por meio deles que a vontade da lei se manifesta para os juris- dicionados.

Em comparação com outros sistemas jurídicos, vislumbramos diversos modos de ingresso dos juizes na função. Nos Estados Unidos da América e na Suíça, por exemplo, os magistrados são escolhidos por meio do instrumento democrático do voto popular, embora, tal­vez, como recrimina Moacyr Amaral Santos,16 a eleição não se m os­tre o instrumento hábil para apuração da competência técnica neces­sária ao exercício da função de magistrado, do valor cultural e da idoneidade moral do candidato ao cargo; o voto ainda gera o com­promisso do eleito com seus eleitores, o que, sem dúvida, com pro­mete a imparcialidade.

Por sua vez, um sistema como o da Inglaterra prevê a nomeação de juizes pelo chefe do Poder Executivo, hipótese esta que pode impor ao Poder Judiciário condição de submisso ao outro Poder, o que não pode existir.

Na França e na Itália, a escolha dos magistrados se faz pelo C on­selho Superior da Magistratura, composto por juizes, professores de direito e advogados, designados pelo Poder Executivo e pelo Poder Legislativo.17

16 Op. c/f., p. 96.17 Idem, p. 99.

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JURISDIÇÃO

No Brasil, o ingresso na magistratura poderá ocorrer das seguintes formas:a) Aprovação do candidato em concurso de provas e títulos.

A regra para o ingresso no cargo de juiz, é de que o candidato deverá submeter-se a concursos públicos contendo provas (em fases eliminatórias) e análise de títulos (em fase classificatória), concurso este que contará obrigatoriamente com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, nos termos do inc. I do art. 93 da Cons­tituição.

Os juizes, quando do ingresso na carreira por concurso, princi­piam suas atividades na qualidade de juizes substitutos, passando, ini­cialmente, por um estágio probatório de dois anos, para depois ga­nharem vitaliciedade18 no cargo de magistrado. Ressalte-se que os magistrados que ingressam diretamente nos tribunais, como tratare­mos a seguir, não estão subordinados ao estágio probatório, adquirin­do a vitaliciedade logo que entram na posse da função pública.

Além do período de estágio probatório, é condição para que o bacharel em direito possa concorrer ao cargo de juiz ter exercido, no mínimo, três anos de atividade jurídica,19 conforme redação dada pela EC n. 45/2004 ao inc. I do art. 93 da Constituição da República.

As promoções dos magistrados dentro da carreira observarão o critério de antigüidade e merecimento,20 sendo eles promovidos de en- trância a entrância,21 e depois para os respectivos tribunais a que este­jam vinculados.

18 Para obter a vitaliciedade, além do cumprimento do prazo, o magistrado deverá par­ticipar dos cursos oficiais de aperfeiçoamento, nos termos do inc. IV, do art. 93 da Constitui­ção da República (EC n. 45/2004).

A definição do termo "atividade jurídica" será dada pelo Estatuto da Magistratura ou, na sua falta, pelo Conselho Nacional da Magistratura ou pelos órgãos competentes pelos concursos nos Tribunais.

20 A alínea e do inc. II do art. 93 da Constituição da República prevê que não poderá figurar nas listas de promoção por merecimento o magistrado que, injustificadamente, reti­ver os autos em seu poder além do prazo legal, bem como devolvê-los sem o pronunciamen­to judicial cabível.

21 As entrâncias são classificações das comarcas, levando-se em consideração as pecu­liaridades locais, como número de habitantes eleitores e movimento forense. No Estado de São Paulo, por força da Lei de Organização Judiciária, a divisão se dá em: Entrância Especial (Capital), 1" Entrância, 2a Entrância, B11 Entrância.

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b) Escolha do candidato entre os membros do Ministério Público eda advocacia, denominado “quinto constitucional”.O art. 94 da Carta Maior estabelece que um quinto das vagas dos

Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais dos Estados será compos­ta por membros do Ministério Público e da advocacia, constituindo uma forma de ingresso na magistratura diversa do concurso público.

Como requisitos para o ingresso na magistratura pelo “quinto cons­titucional”, o candidato, advogado ou membro do Ministério Público deve ter notório saber jurídico, reputação ilibada e exercício efetivo na carreira do Ministério Público ou na advocacia por mais de dez anos.

A indicação pelo Ministério Público ou pela Ordem dos Advoga­dos do Brasil - OAB, dependendo de qual entidade couber a vez na indicação, será feita em lista sêxtupla - com seis nomes - , sendo reme­tida a referida lista ao tribunal a fim de serem escolhidos três nomes. Finalmente, a lista tríplice é encaminhada ao chefe do Poder Executi­vo correspondente,22 para que escolha dentre os nomes apresentados aquele que será nomeado para o cargo.

Cumpre ressaltar ainda que os Tribunais Superiores - Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral e Superior Tribunal Militar - também são compostos por m a­gistrados escolhidos entre advogados e membros do Ministério Públi­co, sem a realização de concurso público, em proporções específicas para cada Tribunal (não necessariamente um quinto).

O acesso de advogados e membros do Ministério Público à magis­tratura, sem o crivo dos concursos, foi criado com o objetivo de car­rear aos tribunais juristas experientes e com vivência nas carreiras a que pertenciam.

c) Escolha pelo Presidente da República.Os ministros do Supremo Tribunal Federal são nomeados pelo

presidente da República, dentre brasileiros natos, maiores de trinta e cinco anos, com notório saber jurídico e reputação ilibada, sem a pré­via elaboração de listas.

22 Se a vaga for em Tribunal Estadual, a escolha competirá ao governador do estado; em caso de Tribunal Regional Federal, ao presidente da República.

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JURISDIÇÃO 6 5

A nomeação dos ministros dos Tribunais Superiores também é prerrogativa concedida ao presidente da República, com observância dos nomes constantes das listas, bem como da proporcionalidade esta­belecida na Constituição entre juizes dos Tribunais Federais, dos Tri­bunais dos Estados, advogados e membros do Ministério Público, como especificaremos no capítulo próprio.

■ i 2 . 6 . 2 A s G a r a n t i a s d o P o d e r J u d i c i á r i o

E D A M A G I S T R A T U R A

É princípio basilar do Estado Democrático de Direito que os Pode­res sejam independentes e harmônicos entre si, para que possam exer­cer suas funções com autonomia e sem qualquer subordinação em relação aos demais Poderes, nos termos estabelecidos no art. 2o da Carta Maior.

Por sua vez, o Poder Judiciário goza de total autonomia e indepen­dência em relação aos demais Poderes da Federação, inclusive sendo- lhe assegurado o poder de auto-organização administrativa (art. 99 da CF),23 para ser gestor de seu orçamento financeiro (com o estabeleci­mento dos gastos com servidores e demais despesas do Poder), e, ainda, o poder de auto-regulamentação, sendo garantida ao Judiciário a autonomia na elaboração de suas normas internas - regimentos dos tribunais, art. 96 da CF - , bem como a prerrogativa de iniciativa dos projetos de lei relacionados com a estrutura do Poder Judiciário.

A autonomia do Poder Judiciário é fundamental para a garantia da imparcialidade da jurisdição. Imaginem as conseqüências de subordi­nar financeiramente o Judiciário ao Poder Executivo ou Legislativo: com toda a certeza as decisões contra o Estado não seriam proferidas de forma livre e independente, mas sim motivadas pelo temor de represálias do outro Poder em caso de decisões desfavoráveis.

A independência do Poder Judiciário, como a de qualquer Poder, não significa dizer que ele não está sujeito a controle ou fiscalização de sua administração pelos demais. Pelo contrário, a própria Constituição

73 Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel Dinamar- co, op. c/f., p. 163.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

da República criou mecanismos pelos quais os Poderes são harm ôni­cos entre si, existindo um sistema de “freios de contrapesos”, pelo qual cada Poder exercerá fiscalização e controle24 sobre os demais, isso sem prejuízo da independência e da autonomia.

Além da independência atribuída ao Poder Judiciário, a Constitui­ção assegura outras garantias aos magistrados (art. 95)25 para que pos­sam exercer com independência e imparcialidade a judicatura que lhes é atribuída funcionalmente, sendo elas:

a) Independência do juiz. Na qualidade de intérprete da lei, o juiz não está subordinado a nenhum outro órgão, nem mesmo em relação ao tribunal a que está vinculado.26 Moacyr Amaral Santos ensina:

No exercício da função jurisdicional o juiz não se subordina a qual­

quer outro órgão judiciário, do qual não recebe ordens ou instruções e

cujas decisões não está obrigado a aceitar como normas de decidir. [...]

Por isso se diz que o juiz não se subordina a ninguém e a nada, senão

à lei.2/

2,1 Alexandre de Moraes, Constituição do Brasil interpretada, p. 1.350, cita a seguinte decisão do Supremo Tribunal Federal: "Poder judiciário: independência, autogoverno e con­trole. A administração financeira do Judiciário não está imune ao controle, na forma da Cons­tituição, da legalidade dos dispêndios dos recursos públicos; se sujeita, não apenas à fiscali­zação do Tribunal de Contas [órgão alheio ao Poder Judiciário, mas vinculado ao Legislativo] e do Legislativo, mas também às vias judiciais de prevenção e repressão de abusos, abertas não só aos governantes, mas a qualquer do povo, incluídas as que dão acesso à jurisdição do Supremo Tribunal (CF, art. 102 ,1, n). O que não admite transigências é a defesa da indepen­dência de cada um dos Poderes do Estado na área que lhe seja constitucionalmente reserva­da, em relação aos demais, sem prejuízo, obviamente, da responsabilidade dos respectivos dirigentes pelas ilegalidades, abusos ou excessos cometidos (RTJ 140/797)".

25 CF:"Art. 95. Os juizes gozam das seguintes garantias:I - vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após 2 (dois) anos de exercí­

cio, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado;

II - inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93, VIII;III - irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39, § 4o, 150,

II, 153, III, e 153, § 2o, I".26 A própria Constituição da República, em vez de utilizar-se do termo subordinado, pre­

feriu, em diversas vezes, empregar a terminologia vinculado, pois, de fato, o magistrado é independente, não estando suas decisões subordinadas ao entendimento do Tribunal.

27 Op. cit., p. 102.

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JURISDIÇÃO 6 7

O juiz tem total liberdade na formação de suas teses jurídicas, não havendo qualquer vinculação ou subordinação em razão das decisões proferidas anteriormente pelos tribunais que se encon­trem acima dele. A independência técnica jurídica é fundamental na interpretação do direito, pois permite que as teses jurídicas se­jam aperfeiçoadas no tempo e com a evolução social.

b) Vitaliciedade. Uma vez investido no cargo de juiz, e superado o pe­ríodo de estágio probatório, o magistrado é vitaliciado na função.

A perda do cargo de juiz, enquanto perdurarem os dois anos de estágio probatório,28 poderá ocorrer por deliberação do próprio tribunal. Todavia, uma vez vitaliciado, a remoção do magistrado de sua função apenas poderá dar-se por sentença com trânsito em julgado, ou seja, após regular processo do qual não caibam mais recursos (art. 9 5 ,1, da CF).

c) Inamovibilidade. Garantia pela qual os juizes não podem ser re­movidos do local onde exerçam a jurisdição, senão pelo seu con­sentimento ou por interesse público, hipótese que dependerá de decisão tomada pela maioria absoluta do tribunal ao qual o magis­trado estiver vinculado ou do Conselho Nacional de Justiça, con­forme estabelece o inc. VIII do art. 93 da Constituição da Repúbli­ca, sempre garantido o direito de ampla defesa.

Em muitas localidades do Brasil, se não fosse pela garantia de inamovibilidade, muitos magistrados seriam “penalizados” com a remoção todas as vezes que aplicassem a lei contra o poder para­lelo dominante, como os poderes e desmandos dos chamados “coronéis”, que acabam influenciando nas transferências dos servi­dores que não se sujeitam as suas ordens. Assim, a inamovibilida­de garante ao magistrado o exercício da jurisdição sem o temor de ser removido como forma de “punição” pelas decisões que emite.

d) Irredutibilidade de vencimento. Os vencimentos dos magistrados não podem sofrer reduções. Os juizes devem contar com seguran­

78 Ressalte-se que os magistrados que ingressam diretamente no tribunal não estão sujei­tos ao estágio probatório, mas tão-somente aqueles que ingressarem na primeira instância.

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ça econômica, sem o receio de represálias, para que possam exer­cer com imparcialidade a sua função.

A única regra imposta aos subsídios dos magistrados - aplicá­vel a todos os servidores públicos - é no sentido de que nenhum magistrado poderá receber subsídios em valor superior àquele estabelecido para os Ministros do Supremo Tribunal Federal. Em outras palavras, a Constituição impôs um teto máximo para os valores pagos aos magistrados.

h 2 . 6 . 3 A s V e d a ç õ e s I m p o s t a s a o s M e m b r o sd o J U D I C I Á R I O

Além das garantias asseguradas ao Poder Judiciário e aos seus mem­bros, a Constituição também impõe as seguintes vedações aos magis­trados (art. 95, parágrafo único):

a) exercer, em conjunto com a magistratura, outro cargo ou função, admitindo-se apenas uma de magistério;

b) receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participações em relação aos processos em que exerce a jurisdição;

c) dedicar-se à atividade político-partidária;d) receber, a qualquer título, auxílios ou contribuições de pessoas físi­

cas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções conti­das em lei;

e) exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentado­ria ou exoneração. A doutrina tem denominado de quarentena ou período de descompatibilização, o período de três anos de impe­dimento do magistrado exonerado ou aposentado para o exercício da advocacia. A finalidade de tal período é evitar que o ex-juiz se utilize indevidamente de seus conhecimentos na magistratura quan­do do exercício da advocacia.

Por outro lado, o Código de Processo Civil, em seus arts. 134 e 135, prevê hipóteses em que os magistrados se encontram impedidos ou suspeitos de exercer a jurisdição no processo, quando houver interesse que prejudique a imparcialidade, tema que estudaremos adiante.

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JURISDIÇÃO 6 9

h 2 . 6 . 4 Ó r g ã o s d o P o d e r J u d i c i á r i o

Com o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, quando do estudo da estrutura do Poder Judiciário, é indispensável a classificação de seus órgãos em:

a) órgãos de função jurisdicional;b) órgãos de função administrativa ou fiscalizadora.

A classificação em função da competência típica ou atípica - res­pectivamente, julgar as lides ou exercer a fiscalização e administração do Poder Judiciário - é necessária em razão da EC n. 45/2004 ter inse­rido ao art. 92 o inc. I-A, que prevê a existência do Conselho Nacional de Justiça.

A EC n. 45/2004 inseriu entre os órgãos que detinham competên­cia jurisdicional, um Conselho que apenas terá a finalidade adminis­trativa ou fiscalizadora dos demais membros do Poder.29

Õrgãos dotados de competência jurisdicional

Com a finalidade de prestar a tutela jurisdicional com maior efi­ciência, a Constituição instituiu o Poder Judiciário e lhe atribuiu diver­sos órgãos, colocando no ápice dessa estrutura o Supremo Tribunal Federal, e, abaixo, quatro Tribunais Superiores, sendo atribuída a juris­dição a cada um deles em razão da matéria, ou seja, Tribunais Superio­res dedicados a matérias especializadas (militar, trabalhista e eleitoral) e um tribunal para as matérias comuns (que não sejam especializadas).

Além disso, em matéria de competência comum, o Poder Judiciá­rio foi dividido em Justiça Federal, com jurisdição em todo o territó­rio nacional, e as Justiças dos Estados, organizadas e com atribuições dentro de cada estado-membro da Federação.

Ao tratar do Poder Judiciário, não se pode deixar de mencionar que existem órgãos colegiados e outros monocráticos. Os órgãos cole- giados de jurisdição, também chamados de tribunais, são aqueles nos

,9 Antes mesmo da Emenda Constitucional, o Supremo já havia editado a Súmula n. 649 no sentido de entender como inconstitucional a instituição por Constituição Estadual de órgãos de controle externo do Poder Judiciário.

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7 0 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL DARLAN BARROSO

quais as decisões são tomadas por mais de um magistrado. Ao contrá­rio, os juízos monocráticos são aqueles singulares, ou seja, nos órgãos de primeira instância as decisões são emitidas pela manifestação de apenas um juiz.

Ressalte-se que nos tribunais, como regra, as decisões são profe­ridas com base na manifestação de mais de um magistrado, denom i­nados de ministros, desembargadores ou mesmo de juizes.30 Nos ju l­gamentos pelos órgãos colegiados são colhidos os votos de cada um dos magistrados que integram o julgamento para a formação do acórdão.31

Os tribunais, por força do disposto no art. 93, inc. XI, da Consti­tuição da República, que contarem com número superior a 25 julga­dores, poderá criar um “órgão especial”, com no mínimo de onze magistrados, para a finalidade de exercer as funções administrativas e jurisdicionais das matérias previstas no regimento do tribunal (com aprovação do tribunal pleno - todos os magistrados).

| Supremo Tribunal Federal - STF

O Supremo Tribunal Federal, investido na qualidade de guardião da Constituição da República, representa o pretório excelso do Poder Judiciário brasileiro, encontrando-se acima de todos os demais órgãos do Judiciário; é a máxima instância de superposição do Judiciário.32

Criado pelo governo republicano provisório, por meio do Decre­to n. 848, de 11.10.1890, o Supremo Tribunal, previsto, primeiro, na Constituição de 1891, foi mantido por todas as demais, sempre como órgão máximo do Poder Judiciário e defensor da Carta Magna. Com a promulgação da Constituição de 1934, o Supremo passou a ser chama­do de “Suprema Corte”, retornando à nomenclatura anterior com a Constituição de 1937.

Dessa forma, na qualidade de guardião da Constituição, é o Su­premo Tribunal Federal o responsável em zelar pelo respeito e pela

30 Excepcionalmente os magistrados dos tribunais poderão proferir decisões monocráticas.31 Resultado do "acordo", conclusão da manifestação da maioria, efeito da concordân­

cia na tese vencedora nos julgamentos dos tribunais.32 Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel Dinamar-

co, op. c/f., p. 179.

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JURISDIÇÃO

interpretação das normas constitucionais, sendo o órgão do Judiciá­rio competente para manifestar-se nas questões em que esteja envol­vida a soberania nacional.

Em voto proferido pelo Ministro Celso de Mello,33 do Supremo Tribunal Federal, comenta-se:

A Constituição não pode submeter à vontade dos Poderes constituí­

dos, nem ao império dos fatos e das circunstâncias. A Supremacia de que

ela se reveste - enquanto for respeitada - constituirá a garantia mais efe­

tiva de que os direitos e liberdades não serão jamais ofendidos. Ao Supre­

mo Tribunal Federal incumbe a tarefa magna e eminente de velar para

que essa realidade não seja desfigurada (RTJ 146/707).

Em atividade jurisdicional originária (art. 102,1, da CF), ou seja, em processos que têm início diretamente no próprio Tribunal, ao Supremo incumbe o julgamento e o processamento das seguintes ações:

a) controle da constitucionalidade;34b) em que Figure como réu o presidente da República, o vice, m em ­

bros do Congresso Nacional, do próprio Tribunal ou procurador- geral da República pela prática de crimes comuns;

c) em que participem os ministros de Estado, os comandantes das Forças Armadas, os ministros dos Tribunais Superiores e os do Tri­bunal de Contas, e os chefes das missões diplomáticas permanen­tes, nos casos de crimes comuns e de responsabilidade;

d) envolvendo estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, os Estados, o Distrito Federal ou territórios;

e) envolvendo litígios entre a União e os estados ou Distrito Federal, ou uns com os outros;

f) de extradição de estrangeiros;g) conflitos de competências entre os Tribunais Superiores;

33 Citado por Alexandre de Moraes, op. c/f., p. 1.359.34 Nas quais se faz a análise de compatibilidade entre as normas infraconstitucionais e

a Constituição, como a ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitu­cionalidade e a argüição de descumprimento de preceito fundamental - art. 102 da CF e Leis ns. 9.868/99 e 9.882/99.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

h) em que seja interessada toda a carreira da magistratura nacional, ou quando mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos de proferir julgamento ou tenham interesse na causa;

i) mandamentais - como habeas corpus, mandado de segurança ou mandado de injunção - contra ato (ou omissão) ou em que esteja envolvido o presidente da República, qualquer uma das Mesas do Congresso Nacional, do Tribunal de Contas, procurador-geral da República, ministros do próprio Supremo (mandado de injunção quando a omissão for de um dos Tribunais Superiores);

j) ações contra o Conselho Nacional de lustiça e contra o ConselhoNacional do Ministério Público.

Não obstante a competência originária, o Supremo Tribunal Fede­ral também é detentor de competência recursal para julgamento dos recursos ordinário (contra decisões denegatórias de habeas corpus ou mandado de segurança pelos Tribunais Superiores) e extraordinário (contra decisão que contraria a Constituição da República), que trata­remos especificamente em capítulo próprio.

O pretório excelso é composto por onze ministros, escolhidos e nomeados pelo Presidente da República, dentre brasileiros natos, maio­res de trinta e cinco anos de idade, com notório saber jurídico e repu­tação ilibada,35 após aprovação por maioria absoluta dos membros do Senado Federal.36

Como é inerente a toda magistratura, os ministros do Supremo Tri­bunal Federal gozam de vitaliciedade, mas o exercício efetivo da função será até os setenta anos de idade, quando o ministro é aposentado com- pulsoriamente, abrindo vaga para nomeação de outro em seu lugar.

Internamente, o Supremo Tribunal Federal se divide em duas tu r­mas ( Ia e 2a), cada uma integrada por cinco ministros, já que o presi­dente do Tribunal é detentor de funções próprias e não integra nenhu­

35 A nomeação como ministro do Supremo Tribunal Federal depende de total integrida­de moral do candidato, reputação e vida sem nenhuma mácula.

36 Até o momento, não há na história nenhum caso em que o Senado não aprovou a escolha realizada pelo presidente da República.

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JURISDIÇÃO 7 3

ma das turmas. Além disso, o Supremo conta com a existência de órgão denominado “Pleno”, o qual é composto por todos os ministros.

Tribunais Superiores e suas Justiças

O Poder Judiciário brasileiro, como já mencionamos, contém qua­tro Tribunais Superiores, cada qual com o seu aparelho judiciário, sen­do eles:

a) Superior Tribunal de Justiça - STJ, tratado a seguir, sendo o que mais interessa no estudo do Direito Processual Civil, por se tratar do Tribunal competente para matérias comuns.

b) Tribunal Superior do Trabalho - TST, constitui o órgão superior da justiça destinado ao julgamento das causas relacionadas às rela­ções de trabalho,37 havendo abaixo do TST os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e as Varas ou Juízos do Trabalho.38

c) Tribunal Superior Eleitoral - TSE, como o próprio nome afirma, trata-se do órgão máximo da Justiça Eleitoral, com competência para dirimir os conflitos relacionados às eleições para preenchi­mento dos cargos públicos, e abaixo do qual se encontram os Tri­bunais Regionais Eleitorais, os juizes e as juntas eleitorais (cartó­rios que organizam os pleitos).

Em relação à Justiça Eleitoral, é importante consignar que ela não tem carreira de juizes (art. 119 da CF), mas é formada por magistra­dos advindos de outros órgãos do Poder Judiciário. O Tribunal Supe­rior Eleitoral é composto por sete ministros, escolhidos mediante eleição por voto secreto: três dentre os ministros do STF; dois entre os ministros do STJ; e os outros dois são nomeados pelo presidente da República dentre seis advogados, de notório saber jurídico e repu­tação ilibada, indicados pelo Supremo Tribunal Federal.

37 A EC n. 45/2004 alterou o termo "relação de emprego", que era restrito aos casos relacionados na legislação trabalhista, à denominação "relação de trabalho".

38 Antes da reforma introduzida pela Emenda Constitucional n. 24/99, as Varas do Traba­lho eram denominadas de Juntas de Conciliação e julgamento, pois, além do juiz togado, exis­tiam dois juizes dassistas: um representante dos empregados e outro dos empregadores. Atual­mente, os juizes são singulares, cada Vara do Trabalho contém apenas um magistrado de carreira.

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A composição dos Tribunais Regionais Eleitorais também se dá com magistrados de outros órgãos do Judiciário, nestas proporções: dois juizes serão escolhidos entre desembargadores do Tribunal de Justiça local; dois juizes serão escolhidos entre os juizes de direito, escolhidos pelo Tribunal de Justiça local; um juiz do Tribunal Regio­nal Federal ou, não havendo tribunal no local, por um juiz federal; dois juizes serão nomeados pelo presidente da República dentre seis advogados de notório saber jurídico e reputação ilibada.

Por sua vez, as funções de juizes eleitorais serão exercidas pelos juizes de direito da localidade (juizes da Justiça dos Estados no local da eleição).

d) Superior Tribunal Militar - STM, composto por quinze ministros, é o órgão máximo da Justiça Militar, estando acima dos tribunais e dos juizes militares, aos quais compete o julgamento dos crimes pratica­dos por militares, nos termos da legislação especial sobre a matéria.39

| Superior Tribunal de Justiça

O Superior Tribunal de Justiça é o órgão do Judiciário que enca­beça a jurisdição comum, com competência para processar e julgar os litígios penais e cíveis não relacionados à justiça especializada (militar, eleitoral e trabalhista). Enquanto o STF se reveste da qualidade de “guardião da Constituição”, o STJ mostra-se o tribunal defensor da lei federal em matéria comum, sendo dele a última palavra quanto à interpretação e à unificação da lei federal no território nacional.

O Superior Tribunal de Justiça é composto por, no mínimo, 33 mi­nistros, nomeados pelo presidente da República, após aprovação pelo Senado Federal, dentre brasileiros com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, com notório saber jurídico e reputação ilibada, sendo a esco­lha submetida à aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal.110

No preenchimento das vagas do Superior Tribunal de Justiça, ao contrário do que ocorre com a nomeação para ministro do Supremo,

33 Lei n. 8.236/91 altera o Código Penal Militar; Lei n. 8.457/92, que dispõe acerca da Justiça Militar da União; Lei n. 9.299/96 dispõe acerca dos crimes submetidos à Justiça Mili­tar (ou de competência da Justiça comum).

40 O quorum de maioria absoluta e a possibilidade de aumento do número de ministros - uma vez que o caput apenas estabelece o mínimo - foram introduzidos pela EC n. 45/2004.

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JURISDIÇÃO 7 5

o presidente da República não goza de total liberdade, pois, para o Tri­bunal Superior, os ministros devem ser nomeados com observância da seguinte proporção: a) um terço pelos desembargadores dos Tribunais Regionais Federais, escolhidos em lista tríplice pelo próprio Tribunal;b) um terço pelos desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Esta­dos e do Distrito Federal, também por meio de lista tríplice; c) um terço por membros do Ministério Público e por advogados, estes indicados na forma do art. 94 da Constituição (como citamos anteriormente).

As competências do Superior Tribunal de Justiça, como também previstas para o Superior Tribunal Federal, são de natureza originária ou recursal.

Nos termos do inc. I do art. 105 da Constituição da República, é certo dizer que compete originariamente ao Superior Tribunal de Justi­ça processar e julgar:

a) os governadores dos estados e do Distrito Federal por crimes comuns;b) os desembargadores dos Tribunais de Justiça, juizes dos Tribunais

Regionais Federais, os membros dos Tribunais de Contas dos Esta­dos, os juizes dos Tribunais Regionais Eleitorais e dos Tribunais Regionais do Trabalho e membros do Ministério Público da União, pela prática de crime comum ou de responsabilidade;

c) os mandados de segurança e habeas data impetrados contra ato de ministro do próprio Tribunal (STJ), de ministro de Estado ou de co­mandante das Forças Armadas;

d) os habeas corpus quando for coatora qualquer pessoa já tratada anteriormente;

e) os conflitos de competência suscitados entre os tribunais, ressalva­da a competência do Supremo Tribunal Federal (conflito de com­petência entre os Tribunais Superiores);

f) conflito de competência entre autoridades da União; reclamações para preservar a competência do próprio Superior Tribunal de Justiça ou o respeito às suas decisões; bem como a revisão crimi­nal e as ações rescisórias dos seus julgados;

g) mandado de injunção, quando o órgão omisso for autoridade ou ente federal, ressalvados os casos de competência dos tribunais es­pecializados ou do Supremo Tribunal Federal;

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h) a homologação de sentenças estrangeiras e a expedição de exequa- tur às cartas rogatórias remetidas ao Brasil.

Como será objeto de estudo em capítulo próprio, as sentenças proferidas por autoridades judiciárias estrangeiras, bem como as cartas rogatórias destinadas ao Brasil, antes de serem executadas, passam por uma análise do Poder Judiciário brasileiro para o fim de se verificar se não há ofensa à nossa soberania ou ordem jurídica.

Até o advento da EC n. 45/2004, tal competência era atribuída ao Supremo Tribunal Federal. No entanto, o constituinte reforma­dor, com a finalidade de desafogar a atividade do Superior Tribu­nal Federal, houve por bem transferir a competência para o Supe­rior Tribunal de Justiça.

Ressalte-se que abaixo do Superior Tribunal de Justiça encontram- se dois aparelhos judiciários, quais sejam, a Justiça Federal e as Justiças dos Estados, conforme organograma da página 84.

| Justiça Federal

A Justiça comum, que se encontra abaixo do Superior Tribunal de Justiça, recebeu da Constituição da República dois aparelhos ou órgãos judiciários: a Justiça Federal e a Justiça dos Estados.

Por sua vez, a Justiça Federal, cuja competência encontra-se expres­sa no art. 109 da Constituição da República, recebeu a função de julgar as lides cíveis nas quais estejam envolvidas pessoas jurídicas de direito público, como a União, suas autarquias (por exemplo, o INSS), empre­sas públicas ou fundações, bem como para o processamento de causas cíveis relacionadas ao direito indígena.

No âmbito da Justiça Federal, a Constituição criou os Tribunais Regionais Federais, órgãos de 2;l instância, que se encontram acima dos juízos e juizados especiais federais.

A Justiça Federal foi dividida dentro do território nacional em cinco regiões (art. 27, § 6o, do ADCT),41 cada uma composta por um Tribunal Regional Federal e seus juízos e juizados, sendo as Regiões

41 Regulamentado pela Lei n. 7.727/89.

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JURISDIÇÃO

divididas em seções judiciárias (cada estado e o Distrito Federal repre­senta uma seção judiciária):42

a) Ia Região: com sede em Brasília, tem jurisdição sobre o Distrito Federal e sobre os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima e Tocantins.

b) 2a Região: com sede no Rio de Janeiro, exerce jurisdição sobre os esta­dos do Rio de Janeiro e Espírito Santo.

c) 3a Região:43 com sede na capital de São Paulo, exerce jurisdição sobre os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul.

d) 4a Região: com sede em Porto Alegre, tem jurisdição sobre os esta­dos do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina.

e) 5a Região: com sede em Recife, tem jurisdição sobre os estados de Pernambuco, Alagoas, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Sergipe.

Na primeira instância, a Justiça Federal é formada por juízos e jui­zados federais, órgãos compostos monocraticamente, ou seja, apenas por um magistrado.44

Importante lembrar que a magistratura da Justiça Federal organi­za-se em carreira, ingressando o juiz na qualidade de substituto, pas­sando pelo estágio probatório de dois anos e, depois de vitaliciado, por critério de antigüidade e merecimento, recebe promoções no cargo, até mesmo podendo chegar a ser desembargador no Tribunal Regional Fe­deral da região correspondente.

Por sua vez, os Tribunais Regionais Federais são compostos por desembargadores45 advindos da primeira instância da Justiça Federal (por promoção), sendo certo que um quinto das vagas desses tribunais

42 Lei n. 7.727/89 e Lei n. 9.967/2000 dispõem acerca da composição e da estruturação dos Tribunais Regionais Federais.

43 Lei n. 8.418/92 e Lei n. 9.968/2000, que dispõem sobre a reestruturação do Tribunal Regional Federal da 3- Região.

44 Lei n. 5.010/66 que dispõe acerca da organização e estrutura da Justiça Federal.45 No âmbito do TRF da 3a Região, por deliberação interna do próprio tribunal, os juizes

que integram o Tribunal passaram a se chamar de desembargadores. No entanto, a Consti­tuição da República os denomina de juizes, e, para não contrariá-los, todos acabamos cha­mando esses magistrados de desembargadores. No âmbito da primeira instância, são deno­minados de juizes federais.

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é reservada para membros do iVlinistério Público e advogados, nos ter­mos do art. 94 da Constituição.

! As Justiças dos Estados e do Distrito FederalAlém da Justiça Federal, a Constituição outorgou aos estados-mem-

bros e ao Distrito Federal o poder de criar e organizar as Justiças dos Estados (e a Distrital), com competência, por um critério de exclusão, para processar e julgar as ações que não sejam de competência da Justi­ça Federal em matéria comum.

Assim, cada estado da federação, por meio de suas Constituições e Leis de Organização Judiciária, nos termos do art. 125 da Constitui­ção, tem o poder de organizar a Justiça local, para julgamento de matérias comuns que não estejam incluídas nas atribuições da Justiça especializada (eleitoral, do trabalho ou militar relativa aos militares federais) ou da Justiça Federal.

Como regra, a Justiça dos Estados é composta por um Tribunal de Justiça, por juizes e juizados especiais, bem como pela Justiça Militar do estado, sobre a qual recai a incumbência de julgar os crimes praticados por militares estaduais. Até o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, conforme art. 4o, os estados detinham competência para criar Tribunais de Alçada; no entanto, a referida Emenda houve por bem extinguir todos os Tribunais de Alçada, sendo os magistrados daqueles tribunais incorporados ao Tribunal de Justiça de seu respectivo estado.46

Em relação à divisão territorial, os estados dividem suas Justiças em Comarcas e Distritos, conforme previsão da legislação local.

A Justiça do Distrito Federal e Territórios é organizada pela Lei Federal n. 8.185/91, uma vez que o art. 22, XVIII da Constituição da República outorgou à União a competência legislativa sobre a matéria.

2.7 A t i v i d a d e De s c e n t r a l i z a d a

dos T r i b u n a i s

A EC n. 45/2004 autorizou aos Tribunais Regionais Federais (§ 3o do art. 107 da CF), Tribunais Regionais do Trabalho (§ 2o do art. 115 da CF)

46 No estado de São Paulo existiam três Tribunais de Alçada: Primeiro e Segundo Tribu­nais de Alçada Civil e o Tribunal de Alçada Criminal. Com a promulgação da Emenda n. 45/2004 todos os juizes dos Tribunais de Alçada foram empossados como desembargadores no Tribunal de Justiça de São Paulo.

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JURISDIÇÃO 7 9

e os Tribunais de Justiça dos Estados (§ 6o do art. 125 da CF) o funcio­namento descentralizado, ou seja, dentro do território de competência do tribunal, poderá ele exercer sua atividade de forma regionalizada.

Note-se que não se trata da criação de novos tribunais, mas, ape­nas, de exercício descentralizado da atividade de sua competência.

Como se não bastasse a descentralização, a Constituição determi­nou aos Tribunais Regionais Federais, Tribunais Regionais do Trabalho e Tribunais dos Estados a instalação da justiça itinerante, ou seja, juí­zos que se desloquem dentro do território de competência do respec­tivo Tribunal, como forma de dar maior acesso à Justiça aos indivíduos que se encontram em locais desprovidos de fórum ou tribunal.

2.8 Or g ã o s com F u n ç õ e s A d m i n i s t r a t i v a s

ou F i s c a l i z a d o r a s

■ i 2 . 8 . 1 C o n s e l h o N a c i o n a l d e J u s t i ç a

Durante a tramitação da PEC que gerou a Emenda da “Reforma do Judiciário” muito se defendia a criação de um organismo de con­trole externo do Poder Judiciário, um órgão, composto por membros da sociedade civil, capaz de exercer a Fiscalização administrativa dos atos do referido Poder.

Assim nasceu o Conselho Nacional de Justiça, órgão que, por força do art. 92, inc. I-A, da Constituição da República, está imediatamente abaixo do Supremo Tribunal Federal. A EC n. 45/2004, de forma equivocada, incluiu o Conselho Nacional de Justiça como verdadeiro órgão do Judiciário.

Na verdade não se trata de órgão de jurisdição, já que não recebeu nenhuma competência ou atribuição típica do Poder Judiciário. Como já tratamos anteriormente, é função típica ou preponderante do Judi­ciário a aplicação da lei ao caso concreto. É função do Judiciário resol­ver as lides com a aplicação da norma abstrata.

Pois bem, tal Conselho não tem nenhuma função jurisdicional, mas, tão-somente, atividade fiscalizadora dos atos do Poder Judiciário. Portanto, errou o constituinte reformador ao incluir o CNJ entre os órgãos do Poder Judiciário.

Ademais, tal órgão não teria sido criado com a função de exercer o “controle externo”? De fato, essa era a intenção, mas, na verdade, foi

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criado um típico órgão de controle interno, já que o CNJ integra a es­trutura do Poder Judiciário.

| Composição do Conselho Nacional de Justiça

O art. 103-B da Constituição da República determina que o Con­selho Nacional de Justiça será formado pelos seguintes membros:

a) um ministro do Supremo Tribunal Federal, que será indicado pelo próprio tribunal e exercerá a presidência do Conselho;

b) um ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelo pró­prio tribunal e que exercerá a função de corregedor-geral;

c) um ministro do Tribunal Superior do Trabalho, também indicado pelo próprio tribunal;

d) um desembargador de Tribunal de Justiça (tribunais dos estados), cabendo a indicação ao Supremo Tribunal Federal;

e) um juiz estadual, cuja escolha caberá ao Supremo Tribunal Federal;f) um desembargador de Tribunal Regional Federal, de escolha do

Superior Tribunal de Justiça;g) um juiz federal, também de escolha do Superior Tribunal de Justiça;h) um desembargador de Tribunal Regional do Trabalho, de escolha

do Tribunal Superior do Trabalho;i) um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho; j) um membro do Ministério Público da União, cuja indicação com­

petirá ao procurador-geral da República (chefe do Ministério Pú­blico da União);

1) um membro de Ministério Público estadual, escolhido pelo procu­rador-geral da República dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição (de cada estado da Federação);

m) dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

n) dois cidadãos, de notório saber jurídico e reputação ilibada, indica­dos um pela Câmara dos Deputados e o outro pelo Senado Federal.

Determina o § 6o que também oficiarão junto ao Conselho Na­cional de Justiça o procurador-geral da República e o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

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JURISDIÇÃO 8 1

Parece-nos que, se não fosse pela participação dos membros do Ministério Público, advogados e cidadãos, seria um verdadeiro “con­trole interno”, já que, na maioria, o Conselho Nacional de Justiça é for­mado por magistrados.

O ministro do Supremo Tribunal Federal que funcionar no CNJ exercerá a sua presidência e, por determinação do § 1° do art. 103-B, ficará excluído da distribuição de processos em seu Tribunal, ou seja, o Ministro do Supremo deixa de receber processos no referido Tribunal. O mesmo será aplicado ao Ministro do Superior Tribunal de Justiça que, ao ingressar no CNJ e exercer a função de ministro-corregedor, deixará de receber processo no tribunal a que pertence.

Cumpre ressaltar, ainda, que a nomeação dos indicados competi­rá ao presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maio­ria absoluta do Senado Federal.

Funções do Conselho Nacional de JustiçaDe plano, é importante frisar que o Conselho Nacional de Justiça

não tem nenhuma função jurisdicional. Não julgará nenhum processo nem decidirá lides, apenas exercerá função fiscalizadora administrati­va, financeira e institucional.

O Conselho Nacional de Justiça, além das atribuições que lhe fo­rem dadas pelo Estatuto da Magistratura, terá como incumbência:

a) zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, com competência para expedir atos re- gulamentares ou recomendar providências;

b) zelar pelo cumprimento do art. 37 da Constituição (que estabele­ce as regras relativas à administração pública), com poder para analisar todos os atos administrativos proferidos pelos órgãos do Judiciário; poderá determinar a remoção, disponibilidade ou apo­sentadoria dos membros do judiciário, aplicar sanções adminis­trativas, assegurada a ampla defesa;'17

c) conhecer e receber as reclamações apresentadas contra os membros do Judiciário (magistrados e auxiliares da jurisdição);

47 O poder de aplicar sanções administrativas é limitado, uma vez que os magistrados vitaliciados apenas poderão perder o cargo mediante sentença transitada em julgado. Portan­to, a aplicação de pena de exoneração apenas se dará mediante processo judicial e não por decisão do Conselho.

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d) representar ao Ministério Público no caso de suspeita de crime no exercício da função pública (crimes contra a administração públi­ca ou abuso de autoridade);

e) rever os processos disciplinares de juizes e membros dos tribunais julgados há menos de um ano;

f) elaborar, semestralmente, relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas;

g) elaborar, anualmente, relatório propondo as providências necessá­rias ao Poder Judiciário, sendo tais relatórios encaminhados ao Congresso Nacional quando da abertura da sessão legislativa.

Além disso, competirá ao ministro-corregedor:

a) receber as reclamações18 e denúncias relativas aos magistrados e auxiliares da jurisdição;

b) exercer funções executivas do Conselho, de inspeção e de correição geral;

c) requisitar e designar magistrados, delegando-lhes atribuições, re­quisitar servidores de juízos ou tribunais, inclusive nos estados, Distrito Federal e Territórios.

■ i 2 . 8 . 2 C o n s e l h o d a J u s t i ç a F e d e r a l e

E s c o l a N a c i o n a l d e f o r m a ç ã o

e A p e r f e i ç o a m e n t o d e M a g i s t r a d o s

O parágrafo único do art. 105 da Constituição da República deter­mina que funcionarão junto ao Superior Tribunal de Justiça o Conse­lho da Justiça Federal e a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoa­mento de Magistrados, cujas atribuições e atividades serão definidas por lei própria.

A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados- Enfam terá como incumbência o oferecimento e regulação dos cursos oficiais para ingresso e promoção nas carreiras da magistratura.

48 A Uniâo e as unidades da federação deverão criar ouvidorias de justiça competentes para receber as reclamações e denúncias de qualquer interessado contra os membros do Poder Judiciário. Denúncias estas que serão encaminhas diretamente ao Ministro-Corregedor do Conselho Nacional de Justiça.

Page 115: Manual de Direito Processual Civil - Vol. 1 - Darlan Barroso

JURISDIÇÃO

Por sua vez, o Conselho da Justiça Federal exerce atribuição de supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal de primei­ra e segunda instâncias. O Conselho exercerá a centralização do siste­ma correicional (relativos à verificação de questões disciplinares dos magistrados federais), e suas decisões terão efeito vinculante, ou seja, todos os magistrados da Justiça Federal serão obrigados a respeitar os atos do Conselho.

Page 116: Manual de Direito Processual Civil - Vol. 1 - Darlan Barroso

STFSupremo Tribunal Federal

ColégiosR ccursa isE s tad u a is

ColégiosR ccursaisFedera is

Ju iz a d o sEspeciais

dosE stados

Ju iz a d o sEspeciaisFedera is

STJSuperior

Tribunal de Justiça

TRFTribunalRegionalFederal

JuizesFederais

Jurisdição em matéria comum

j j JurisdiJurisdição Estadual

T JTribunais

deJustiça

Juizesde

Direito

| | Jurisdi

TJM (ou TJ)Tribunais de Justiça

Militar

Juiz-auditor (juiz de

direito) e Conselhos de J ustiça

Jurisdição Federal

TSTTribunal Superior

do Trabalho

TfTribi

RegioiTrab

ITmais íais do alho

Juizesdo

Trabalho

TSETribunal Superior

Eleitoral

TfTribiRegiiEleil

\Einaismaisorais

Juizes e Juntas Eleitorais

Jurisdição em matéria especializada

Observações: 1) Os Juizados Especiais Federais e dos Estados estão vinculados administrativamente aos Tribunais Regionais Federais, Superior Tribunal de Justiça (Conselho da Justiça Federal) e Tribunais de Justiça, não havendo vinculação recursal entre os Juizados e os referidos Tribunais.2) A EC n. 45/2004, ao dar a redação do art. 125, § 3°, da Constituição da República, permitiu aos estados a criação da Justiça Militar Estadual, constituída, no primeiro grau, pelos Juizes de Direito (Juízes-auditores) e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça ou por Tribu­nal de Justiça Militar, nos estados em que o efetivo militar for superior a vinte mil integrantes.

84 MANUAL DE DIREITO

PROCESSUAL CIVIL - DARLAN

BARROSO

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A ç ã o 3

3.1 Co n c e i t o

A ação constitui o direito de qualquer pessoa de movi­mentar a máquina judiciária (a jurisdição), para que esta lhe ofereça um provimento do Estado acerca de um litígio. A ação representa o poder de exigir do Estado a manifestação da vontade da lei acerca de uma lide.

O direito de ação, enquanto direito de acesso amplo ao Poder Judiciário, é elevado à categoria suprema de direito fundamental do indivíduo, sendo assegurado na Constitui­ção da República, no inc. XXXV do art. 5o, como premissa intangível diante de qualquer outro poder do Estado, consti­tuindo verdadeira cláusula pétrea do Estado Democrático de Direito (art. 60, § 4o, IV, da CF).

A esse respeito, José Frederico Marques conceitua:

8 5

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Existente a lide, cabe ao que sofreu a lesão pedir ao Estado que com­

ponha a situação litigiosa, bem como pedir que imponha a sanctio iuris cabível, a fim de que o ato danoso fique reparado. Em suma: a Constitui­

ção assegura a todo aquele que afirma ter sofrido lesão ou ameaça em

direito individual o direito de invocar a jurisdição, a instaurar processo e a

pedir a tutela jurisdicional, direito esse a que se dá o nome de ação.'

Como bem sabemos, a jurisdição é inerte, agindo na solução dos conflitos apenas quando provocada. Assim, é a ação o instrumento de que dispõe o indivíduo para provocar o Poder Judiciário e obter dele um provimento que faça cessar a ameaça ou repare a lesão ao direito do interessado.

Portanto, a ação sempre é dirigida contra o Estado, que exerce sua atividade em face da parte contrária.

Em contrapartida ao pedido formulado pelo autor, o réu poderá exercer resistência, pois enquanto o autor deseja que o Estado lhe outorgue a tutela jurisdicional, o réu pretende que o Estado recuse a referida prestação em favor do autor, e a essa ação do réu de resistir ao pedido do autor é que se denomina de defesa ou exceção.

0 direito de ação tem natureza de direito2 subjetivo, pois é ineren­te a todas as pessoas, sejam elas pessoas físicas ou jurídicas, entes pri­vados ou públicos, já que o próprio Estado utiliza-se do direito de ação contra o particular ou contra ele mesmo (por exemplo, para cobrar tributos dos contribuintes inadimplentes, para proceder a de­sapropriações, para exigir o cumprimento de contratos, ação do esta- do-m em bro contra a União etc.). Além disso, por decorrer estrita­mente do direito constitucional e do direito processual, o direito de ação recebe a característica de direito público (e não privado). Ade-

1 Manual de direito processual civil, p. 283.2 Parte da doutrina entende tratar-se de um "poder" e não de um "direito" subjetivo.

Tal idéia decorre do fato de que "direito" gera vantagens e desvantagens (direitos e obri­gações), assim, se a parte tem o direito de ação, o Estado teria o dever de prestá-la. Por essa corrente, não há nessa relação entre Estado e parte um conflito de interesses (direitos e obri­gações) e, portanto, seria um poder da parte. Na verdade, ensinam Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, em Teoria geral do processo, que a doutrina dominante é no sentido de considerar a ação como um direito. De fato, existe um direito de ação, já que pela atual norma constitucional o Estado tem o dever de prestá-la com eficiência, sem que essa relação obrigacional entre parte e Estado caracterize um conflito, já que a prestação da tutela jurisdicional, como já tratamos, também é de interesse do Estado.

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ACÃO 8 7

mais, pública é a natureza da atividade jurisdicional pretendida com o direito de ação.3

Dessa forma, tanto a ação como a exceção (defesa ou resposta) constituem direitos públicos subjetivos, decorrentes da garantia cons­titucional do livre acesso ao Poder Judiciário, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

3.2 T e o r i a s d a A ç ã o

Ao longo da evolução da ciência processual, o conceito do institu­to jurídico da ação passou por inúmeras teorias acerca de sua nature­za jurídica, todos esses estudos baseados na busca da formulação de um conceito que mais se adequasse à efetividade do instituto.

Assim, de grande importância para a atual conceituação do direi­to de ação foram as seguintes teorias:

a) Teoria clássica, imanentista ou civilistaNa teoria imanentista ou civilista, originária no direito romano, a

ação e o processo eram concebidos como qualidades ou atributos do próprio direito material. A ação e o direito material não constituíam institutos jurídicos distintos, mas um era conseqüência do outro.

Pela teoria desenvolvida por Savigny, não havia ação sem a existên­cia do direito material, bem como a ação seguia a mesma natureza jurí­dica do direito posto em juízo.

b) Polêmica entre Windscheid e M utherSob a concepção da teoria civilista, Windscheid e Muther travaram

na Alemanha grande discussão na qual se estabelecia uma divisão ou distinção entre o direito lesado e o direito de ação. Na idéia apresentada por Muther, posteriormente acolhida por Windscheid, concluiu-se pela existência de duas relações distintas: a) o direito do ofendido à tutela

3 L u iz F u x , Curso de direito processual civil, p . 1 2 9 .

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

direito este dirigido contra o Estado; b) e o direito do Esta­do de reparar a lesão, direito imposto contra aquele que praticou a lesão.

Desde então, surgiu na doutrina a teoria de que o direito de ação se trata de um direito autônom o em relação ao direito material lesado ou ameaçado.

c) A ação como direito autônom o e concretoNão obstante a aceitação da autonomia do direito de ação em rela­

ção ao direito material, nos estudos de Adolf Wach (acompanhado por Bulow, Schmidt e Hellwing) sustentava-se a tese de que o direito de ação deveria corresponder a uma proteção concreta ou efetiva do Esta­do, segundo a qual apenas existia direito de ação quando houvesse di­reito a uma sentença favorável (de procedência do pedido do autor).'1

Assim, por essa teoria, o direito material e o direito de ação eram autônomos, mas o direito à ação apenas existia quando o autor tivesse razão em sua pretensão.

No mesmo sentido desse pensamento, Chiovenda formulou a teo­ria da ação como direito potestativo,5 pela qual a ação corresponderia ao direito daquele que tem razão contra o indivíduo que não tem, con­cebendo a ação como o direito concreto a uma tutela jurisdicional.

Tanto no conceito de Wach como no de Chiovenda, apenas na pro- lação da sentença final do processo é que se haveria de constatar a exis­tência ou não do direito de ação, já que este direito deveria correspon­der, obrigatoriamente, a uma sentença favorável.6

Assim, caso a sentença fosse de Improcedência, por essa teoria, não existiria direito de ação.

d) A ação como direito autônom o e abstratoPela teoria desenvolvida por Degenkolb (na Alemanha em 1877),

acompanhado de grande parte da doutrina contemporânea, firmou-se

4 Adolf Wach, La pretensión de dedaración apud Arruda Alvim, Manual de direito pro­cessual civil, v. 1, p. 5: "Assim definiu Wach a pretensão de proteção do direito (ação): 'direito relativamente independente, que serve à manutenção da ordem concreta dos direitos privados, em relação aos quais é um direito secundário e independente quanto aos seus requisitos'".

5 Ato cuja prática dependa, simplesmente, da vontade da pessoa, sem a intervenção, ato ou vontade de outrem, segundo De Plácido e Silva, Vocabulário jurídico.

6 Arruda Alvim, op. c/f., p. 400.

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ACÃO 8 9

a idéia do direito de ação como um direito autônom o e abstrato, acei­tando-se a invocação do direito de ação independentemente da exis­tência concreta do direito material invocado, podendo haver ação mesmo com a ocorrência de uma sentença desfavorável.

De fato, a doutrina contemporânea entende como correta a teoria que contempla o direito de ação como autônomo e abstrato,7 inclusive sendo esta a contemplada pelo Código de Processo Civil brasileiro.

É certo que o direito de ação existe mesmo quando o autor não tiver direito ao que pede perante o Judiciário, ou seja, mesmo nos casos de improcedência do direito material invocado pela parte autora, tem ela o direito de movimentar a máquina judiciária e obter um provimento jurisdicional, seja positivo ou negativo, em relação à tutela pretendida.

Assim, mesmo que o indivíduo não tenha razão naquilo que pre­tende, tem ele o direito de movimentar a máquina judiciária para rece­ber uma manifestação do Estado. O direito de ação não está vinculado ao fato de o autor ter ou não razão no que pede.

O direito de ação não se confunde com o mérito da causa: enquan­to este configura a pretensão da parte autora - à tutela jurisdicional desejada contra a parte contrária - , o direito de ação constitui o direi­to de movimentar a jurisdição.

Ora, é absurdo afirmar que alguém apenas poderia entrar com ação caso tivesse razão no que pede. Como bem sabemos, o processo se presta justamente a isso, para que o Estado se manifeste sobre a exis­tência ou não do direito invocado pela parte autora.

A prevalência da teoria imanentista ou da ação como direito con­creto implicaria afirmar que não seria possível a propositura de ação, por exemplo, objetivando a declaração de inexistência de relação jurí­dica. Pela teoria imanentista, não existindo o direito material, também não existiria a ação.

Dessa forma, estando presentes as condições da ação, sempre a ação será procedente, independentemente do pedido do autor, que poderá ser acolhido ou rejeitado.

7 Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, p. 254: "A teoria da ação como direito concreto à tutela jurídica é ina­ceitável; para refutá-la, basta pensar nas ações julgadas improcedentes, onde, pela teoria concre­ta, não seria possível explicar satisfatoriamente os atos processuais praticados até a sentença".

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Por essa razão, entendemos absoluta má técnica - e mais, consa­gração da teoria da ação como direito concreto - a terminologia muito empregada pelos advogados e juristas no sentido de requerer ao juiz que “julgue procedente a ação”. Com base na teoria da ação como direito abstrato, o juiz nunca julga a ação, mas, sim, o pedido dessa ação, julgando-o procedente ou improcedente. O correto é requerer a procedência do pedido e não da ação.

Ressalte-se que, ao afirmar que a ação foi julgada improcedente, pela verdadeira concepção da teoria contemporânea da ação, estaría- mos afirmando que o autor não preenche as condições para movimen­tar a máquina judiciária, e não negando o seu direito material (se tem ele razão ou não no que pede contra o réu).

Portanto, podemos afirmar que o direito de ação consiste no po­der de movimentar a máquina judiciária, com a finalidade de obter do Estado um provimento jurisdicional acerca da existência (ou inexis­tência) de um direito material, independendo o direito de ação da efe­tiva existência do direito pleiteado.

3 . 3 C O N D I Ç Õ E S D A A Ç Ã O

A existência do direito de ação está condicionada à verificação e ao preenchimento das seguintes condições: a) legitimidade; b) interesse de agir; c) possibilidade jurídica do pedido - na ausência de qualquer um desses elementos, o direito de ação simplesmente não existe.

Em princípio pode nos parecer que as condições da ação, enquan­to requisitos para a ação, seriam contrárias à regra prevista no art. 5o, inc. XXXV, da Constituição, pois, aparentemente, dificultam o acesso à justiça, o que seria inconstitucional. No entanto, não se trata de impor requisitos ou restringir o acesso ao Judiciário, mas sim verificar ele­mentos de existência do direito de ação.

Sem a implementação das condições da ação, não existe o direito de movimentar a máquina judiciária na pretensão de um provimento jurisdicional, e assim não estaríamos diante de um obstáculo ao aces­so à Justiça.

São condições da ação:

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3 . 3 . 1 L e g i t i m i d a d e a d c a u s a m

A legitimidade para a propositura da ação8 encontra-se no vínculo jurídico existente entre a parte e o direito material invocado; é a regra pela qual o direito de ação apenas pode ser exercido por aquele indiví­duo que for o titular do direito material litigioso.

O art. 6o do Código de Processo Civil dispõe que ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado pela lei.9 Trata-se da legitimidade ad causam (para a causa) para o exer­cício do direito de ação.

Seria absurdo admitir-se que alguém tivesse direito de ação para ingressar em juízo e, em nome próprio, pleitear em nome próprio direito alheio. O direito de ação apenas é assegurado àquele que pre­tender pleitear direito próprio, ressalvados os casos em que a própria lei admite a chamada legitimidade extraordinária (ou substituição processual), hipóteses em que o detentor do direito da ação não é, necessariamente, o titular do direito material, tema que trataremos quando do estudo das partes do processo.

A legitimidade é condição relacionada a ambas as partes do proces­so; tanto o autor (legitimidade ativa) como o réu (legitimidade passiva) de­vem estar vinculados ao direito material para poderem figurar nos pólos da ação. Caso contrário, a parte será considerada ilegítima (autor ou réu).

O ordenamento processual vislumbrou duas espécies de legitimi­dade, quais sejam:

a) legitimidade ordinária;b) legitimidade extraordinária.

A legitimidade ordinária é aquela segundo a qual a parte apenas será considerada legítima quando estiver vinculada ao direito material posto

8 Não se confunde com legitimidade processual ou adprocessum, instituto que será tra­tado no capítulo destinado às partes e ao processo.

9 Em alguns casos, especialmente na jurisdição coletiva, há previsão legal para a substitui­ção processual (também chamada de legitimidade extraordinária), pela qual o titular do direito de ação poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio. Por exemplo, é o caso dos sindicatos, que propõem ações em nome próprio para invocar direitos da categoria que representam. Nota- se que o direito não pertence ao sindicato, mas aos indivíduos que integram a categoria.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

em juízo. Como se mencionou anteriormente, o art. 6o do Código de Processo Civil apenas outorgou legitimidade à parte para figurar em um dos pólos da ação quando for para requerer ou defender direito próprio.10

Por outro lado, e em casos excepcionais expressamente previstos na lei, admite-se a atuação em juízo para postular ou defender, em no­me próprio, direito alheio, em clássicas hipóteses de substituição pro­cessual," pelas quais o indivíduo que vai a juízo não é o titular do direito material litigioso.

Ressalte-se que não existe no Brasil a chamada substituição processual voluntária12, ou seja, aquela substituição advinda da von­tade das partes. O sistema processual vigente tão-somente admite a substituição decorrente da vontade da lei.

Portanto, podemos afirmar que alguém apenas poderá pleitear em nome próprio direito alheio, exercendo, portanto, atividade de substi­tuto processual, quando houver expressa previsão legal nesse sentido.

É caso de substituição processual, por exemplo, quando um sindi­cato, em nome próprio, promove ação para reclamar ou defender direito de sua categoria,13 ou, ainda, quando uma associação ingressa com ação para defesa de direitos que pertençam aos seus associados. Em ambos os casos, o autor da ação (ou réu) que se encontra no pro­cesso não é o titular do direito material, mas atua tão-somente na qua­lidade de substituto processual em razão de expressa autorização legal.

' “ Waldemar Mariz de Oliveira Júnior, Substituição processual.11 Athos Gusmão Carneiro, Intervenção de terceiros, p. 33, ao discorrer acerca da subs­

tituição processual traça clara diferenciação entre este instituto e a representação processual, nestes termos: " 0 substituto processual é parte, age em juízo em nome próprio, defende em nome próprio o direito do substituído. Já o representante defende 'em nome alheio o inte­resse alheio'. Nos casos de representação, parte em juízo é o representado, não o represen­tante. Assim, o pai ou o tutor representa em juízo o filho ou o tutelado, mas parte na ação é o representado. Dirá a petição: 'Fulano de Tal, menor impúbere, como autor, representado por seu genitor Beltrano, propõe[.

u Arruda Alvim, 'Notas atuais sobre a figura da substituição processual'. In: Revista de Processo, n. 106, p. 18.

13 "Constitucional. Processual civil. Mandado de segurança coletivo. Substituição pro­cessual. Autorização expressa. Objeto a ser protegido pela segurança coletiva. CF, art. 5o, inc. LXX, b. I - A legitimidade das organizações sindicais, entidades de classes ou associações, para a segurança coletiva, é extraordinária, ocorrendo, em tal caso, substituição processual." (STF, Tribunal Pleno, RE n. 193382, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 20.09.96, v.u.)

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ACÃO 9 3

O interesse de agir compreende a necessidade e utilidade do pro­vimento jurisdicional pleiteado.

A atividade jurisdicional, com a movimentação de todo o aparelho judiciário, apenas se justifica quando o autor tem efetiva necessidade de um provimento jurisdicional, necessidade esta que se traduz na in- dispensabilidade da intervenção do Estado para a solução de um con­flito. É óbvio que, não havendo necessidade de um provimento juris­dicional, não existe o direito de movimentar o Judiciário.

Não obstante a necessidade de um provimento do Estado, esse pro­vimento pleiteado deve ser adequado e útil para a solução do conflito. O provimento desejado pela parte deve ser apto para acabar com o litígio.14

Seria o caso, por exemplo, de o credor detentor de cheque com força executiva entrar com ação de conhecimento objetivando que o juiz condene o réu ao pagamento do débito previsto no cheque. Nesse caso, verifica-se absoluta falta de interesse, pois o credor, sendo deten­tor de um cheque, não necessita de um provimento condenatório, uma vez que sendo ele detentor de um título de crédito poderá promover, desde logo, ação de execução, não tendo qualquer utilidade para o cre­dor a ação de conhecimento.15 Assim, a espécie de provimento pleitea­do ao Estado deve ser adequada e útil para a resolução da lide; caso contrário, não existe direito de ação.

M 3 . 3 . 3 P O S S I B I L I D A D E J U R Í D I C A D O P E D I D O

Ao propor uma ação, o interessado manifesta ao Estado-juiz o seu pedido, que eqüivale à tutela pretendida contra o réu, ou, ainda, aqui­lo que efetivamente o autor espera obter com a sua ação.

Assim, para haver o direito de ação, o pedido formulado pelo au­tor, em abstrato, deve ser juridicamente possível. Nota-se que não se

M 3 . 3 . 2 I N T E R E S S E D E A G I R

14 Para Arruda Alvim, op. c/f., p. 411 apud RT254/330: "Não há interesse de agir quan­do do sucesso da demanda não puder resultar nenhuma vantagem ou benefício moral ou econômico para o seu autor".

15 Na ação de conhecimento, o resultado seria a formação de um título judicial que reco­nhece o débito. Neste caso, o credor não necessita do reconhecimento do débito (já reconhe­cido no cheque), mas pretende a satisfação desse crédito, o que deve ser realizado por ação de execução e não de conhecimento.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

faz uma análise em concreto, mas em abstrato, indagando: será que o juiz pode conferir o que é pleiteado pelo autor?

A possibilidade jurídica do pedido não leva em consideração o fato de o autor ter ou não razão naquilo que pede, mas tão-somente se aquela pretensão, em abstrato, pode ser conferida pelo Poder Judiciá­rio. Em outras palavras, podemos dizer que o pedido possível é aque­le que encontra respaldo no ordenamento jurídico.

Imaginemos que, em um contrato de prestação de serviços, as par­tes tenham estabelecido como cláusula penal, em caso de descumpri- mento, o esquartejamento público do devedor. Na hipótese de uma das partes vir a descumprir o contrato, poderá o credor promover ação para exigir a cláusula penal? Certamente que não, pois, apesar de ter razão (já que a outra parte descumpriu o contrato), o Poder Judiciário não poderá conferir esse tipo de tutela.

Outro caso interessante poderia ocorrer antes do advento da Lei do Divórcio. Como bem sabemos, antes da introdução do divórcio no orde­namento jurídico brasileiro, seria impossível a qualquer magistrado do País conferir a dissolução do casamento, mesmo que a parte interessada apresentasse todas as razões plausíveis para isso. Nesse caso, com o casa­mento tido por indissolúvel, seria impossível a apreciação do pedido de divórcio e, conseqüentemente, não estava presente o direito de ação. Em alguns casos, mesmo que o autor tenha razão no que pede, o Poder Judi­ciário não está autorizado a conhecer do pedido por ser ele impossível, dada a falta de previsão no ordenamento objetivo (direito material).

O saudoso mestre Moacyr Amaral Santos, acerca da possibilidade jurídica do pedido, esclarece:

O direito de ação pressupõe que o seu exercício visa à obtenção de

uma providência jurisdicional sobre a pretensão tutelada pelo direito obje­

tivo. Está visto, pois, que para o exercício do direito de ação a pretensão

formulada pelo autor deverá ser de natureza a poder ser reconhecida pelo

juízo. Ou mais precisamente, o pedido deverá constituir uma pretensão

que, em abstrato, seja tutelada pelo direito objetivo, isto é, admitida a

providência jurisdicional solicitada pelo autor.16

15 Primeiras linhas de direito processual civil, v . 1 , p . 1 7 0 .

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ACÃO 9 5

h 3 . 3 . 4 C a r ê n c i a d e a ç ã o

A falta de qualquer uma das condições da ação gera a chamada carência de ação, que significa que o direito de ação não existe para aquele que o invocou.

A constatação efetiva da carência de ação gera conseqüências drásti­cas ao processo, como o indeferimento da petição inicial e a extinção do processo sem apreciação do mérito. Obviamente, não estando o autor assistido pelo direito de movimentar o Poder Judiciário, o seu pedido não poderá ser apreciado pelo magistrado, gerando a extinção do processo sem que o juízo adentre na pretensão formulada pelo autor.17

Não estando presentes as condições da ação, a petição inicial do autor não estará apta para gerar o processamento do feito, impondo ao juiz, mesmo de ofício (independentemente da provocação da parte con­trária), decretar a extinção do processo, sem o julgamento do mérito da lide apresentada.

Humberto Theodoro Júnior comenta que:

[...] à falta de condição da ação, o processo será extinto, prematu­

ramente, sem que o Estado dê resposta ao pedido de tutela jurídica do au­

tor, isto é, sem julgamento do mérito (art. 267, inc. VI). Haverá ausência

do direito de ação, ou na linguagem corrente dos processualistas, ocorre­

rá carência de ação.18

No sistema do Código de Processo Civil, que com toda a certeza adotou a tese de ação como direito autônom o e abstrato, a existência do direito de ação é verificada antes do julgamento do m érito19 (do pedido de tutela jurisdicional requerido pelo autor) e, não havendo as

17 CPC: "Art. 3o Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade"."Art. 267. Extingue-se o processo, sem julgamento do mérito: [...] VI - quando não con­

correr qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das par­tes e o interesse processual".

"Art. 295. A petição inicial será indeferida: (...) II - quando a parte for manifestamente ilegítima: III - quando o autor carecer de interesse processual; [...] Parágrafo único. Conside­ra-se inepta a petição inicial quando: [...] III - o pedido for juridicamente impossível".

18 Curso de direito processual civil. v. 1, p. 47.,9 Ressalte-se que, pela teoria desenvolvida por Wach e por Chiovenda, o direito de ação

apenas seria verificado quando do julgamento do mérito: se a sentença fosse de procedên­cia, existiria direito de ação; caso contrário, o autor era carecedor do direito de movimentar o Judiciário. Como se vê, essa não é a concepção do Código de Processo Civil brasileiro.

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

condições, a ação é extinta sem atingir o seu objetivo - o pronuncia­mento do Estado em relação ao litígio.

3 .4 El e m e n t o s d a A ç ã o

Em toda ação é possível identificar três elementos básicos: as par­tes, a causa de pedir e o pedido (ou objeto), os quais, segundo a dou­trina clássica, compõem a teoria das três identidades, capazes de disso­ciar uma ação da outra.20

A esse respeito, o art. 301, § 2o, do Código de Processo Civil, utili- zando-se da teoria das três identidades, dispõe:

Art. 301. [...]

§ 2o Uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes,

a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.

Nota-se que a distinção entre uma ação e outra se faz sob a análi­se desses elementos identificativos. É por meio dos elementos da ação que se conhecem as partes e a pretensão do autor, havendo, nesse m o­mento, a possibilidade de se constatar a existência de uma ação idênti­ca ainda em curso (o que denominamos de litispendência) e a repeti­ção de uma ação já julgada definitivamente ofendendo a coisa julgada, bem como de se fazer a análise das condições da ação, devendo cons­tar esses elementos logo na petição inicial.

h 3 . 4 . 1 A s P a r t e s d a A ç ã o

As partes são as pessoas, físicas ou jurídicas, que participam do conflito de interesse, indivíduos que irão atuar diante do Estado-juiz para a formação do contraditório.21

20 Em dissertação acerca dos efeitos da tríplice identidade, Araken de Assis, Cumulação de ações, p. 125, assevera: "Mas o efeito principal exsurge do fato de que a alteração de qualquer elemento distinguirá, de uma vez por todas, uma ação da outra; e, destarte, dupli­cado um desses elementos, dentro do mesmo processo, haverá cúmulo de ações".

21 Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel Dinamar- co, op. c/f., p. 261.

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ACÃO 9 7

Como regra, em toda ação haverá uma parte autora, que é aquela que provocou a jurisdição em busca de uma tutela para solução do lití­gio, e outra parte ré, ou seja, aquela contra a qual o Estado-juiz exer­cerá a jurisdição, pessoa que exercerá a resistência contra a pretensão do autor.

Assim, partes são as pessoas que figuram nos pólos da ação, no pólo ativo, na qualidade de autora, ou no pólo passivo, como réu na de­manda.

■ i 3 . 4 . 2 C a u s a d e p e d i r

A causa de pedir ou causa petendi representa os motivos, de fato e de direito, que levam o autor a movimentar a máquina judiciária. Em simples palavras, a causa de pedir é a razão de estar em juízo ou os fun­damentos para a providência requerida ao Estado.

Por sua vez, a causa de pedir se divide em duas: causa de pedir pró­xima e causa de pedir remota.

A causa de pedir remota é o fato que dá origem ao litígio, e a causa de pedir próxima são as conseqüências jurídicas desse fato ou, ainda, a resposta do direito àquele fato narrado pelo interessado.

Por exemplo, imaginemos a ocorrência de um acidente, no qual o veículo da vítima foi totalmente destruído pelo veículo do ofensor em razão de ele estar dirigindo em alta velocidade. Nesse caso, a causa de pedir remota será o acidente, que eqüivale ao fato ocorrido na vida real. Por sua vez, os danos e o dever do ofensor de indenizar a vítima, dever este imposto pela Lei Civil (art. 159, CC/16, atual art. 927 CC/2002), formam a causa de pedir próxima.

Em exposição muito didática, José Carlos Barbosa Moreira expli­ca que:

Todo pedido tem uma causa. Identificar a causa petendi é responder

à pergunta: por que o autor pede tal providência? Ou, em outras pala­

vras: qual o fundamento de sua pretensão?22

22 O novo processo civil brasileiro, p . 1 5 .

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MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Resumidamente: a causa de pedir remota é o fato constitutivo da lide (por exemplo, um contrato e a inadimplência de um contratante), e a causa de pedir próxima são as conseqüências jurídicas do fato (o dever do contratante de cum prir com suas obrigações).

m 3 . 4 . 3 O P E D I D O

O pedido é a tutela jurisdicional pretendida pelo autor da ação. Toda vez que uma ação é proposta, seu autor tem interesse em que o Estado, por meio do juiz, confira-lhe um provimento jurisdicional, que esse ato do Estado lhe outorgue o bem da vida posto em juízo e lhe confira uma tutela contra o réu. Com a procedência do pedido formulado pelo autor, o juiz lhe outorga uma tutela que será imposta contra o réu.

Assim, toda ação, sob pena de não ter o seu processamento deferi­do, deve conter o pedido, que, em poucas palavras, traduz-se na tutela pretendida pelo autor (pedido imediato) e os seus efeitos práticos (pe­dido mediato).

Por exemplo, quando o filho propõe uma ação contra o seu genitor objetivando receber alimentos, formula ele um pedido de tutela ao Estado, qual seja, requer expressamente em sua petição que o juiz condene (pedido imediato) o réu ao pagamento de determ i­nado valor a título de pensão alimentícia (pedido mediato). No m om ento da propositura da ação o autor deverá expor, de forma expressa, clara e precisa, tudo aquilo que ele espera do provim ento jurisdicional; a parte autora tem o dever de form ular pedido quan ­to à espécie de tutela pretendida e aos efeitos práticos que emanarão desse ato judicial.

Como se vê, são esses três elementos - partes, causa de pedir e pedido - que permitem a identificação e diferenciação entre as diver­sas ações, dificultando a repetição de ações em curso ou que já tenham sido julgadas (litispendência e coisa julgada), bem como possibilitam ao magistrado, logo no momento da propositura da ação, averiguar se as partes estão vinculadas ao direito material invocado (se são legíti­mas), se o interesse no provimento jurisdicional e se o pedido form u­lado é juridicamente possível.

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ACÃO 9 9

3.5 C l a s s i f i c a ç ã o d a s A ç õ e s

A doutrina tem classificado as ações em função das modalidades ou espécies de tutelas jurisdicionais pretendidas do Estado-juiz. Assim, conforme a pretensão formulada, levando-se em consideração a causa de pedir e o pedido é que se escolherá a ação adequada à solução do caso concreto.

A adequação na escolha da ação é fundamental para se definir o tipo de processo e o procedimento que serão empregados para a solu­ção da demanda, e mais, a via eleita pelo autor deve condizer com o seu interesse de agir, sob pena de se incorrer em carência de ação.

Dessa forma, as ações podem ser classificadas como: a) ação de co­nhecimento ou ação de cognição; b) ação de execução; e c) ação cautelar.23

■■ 3 . 5 . 1 A ç ã o d e C o n h e c i m e n t o

A ação de conhecimento ou de cognição é destinada à atividade jurisdicional para que, sendo conhecidas a pretensão do autor e a defe­sa do réu, o Estado-juiz possa proferir um julgamento de mérito sobre qual das partes tem razão na disputa sobre o bem da vida. Trata-se de ação com a finalidade de se verificar e, se for o caso, reconhecer a exis­tência ou não do direito material alegado pela parte autora.

Assim, na ação de cognição, a parte autora apresenta sua preten­são (causa de pedir e pedido), o réu apresenta a sua defesa, há oportu­nidade para que as partes produzam as suas provas e, finalmente, após conhecer todo o litígio, o magistrado prolata um a sentença (provi­mento jurisdicional), conferindo ou não a tutela requerida pelo autor.

23 Luiz Fux, Curso de direito processual civil, cit., p. 135, comenta: "Tecnicamente, a 'di- cotomização processual pura' leva em consideração a natureza da prestação jurisdicional in­vocada, classificando as ações em: ação de conhecimento, ação de execução e ação caute­lar. No grupo das ações de cognição, geradoras de uma sentença de definição de direitos, incluem-se como subespécies do gênero as ações declaratõrias, constitutivas, condenatõrias e mandamentais. As referidas ações, quando acolhidas, produzem sentenças da mesma natu­reza. Assim, a sentença de procedência de um pedido declaratória tem natureza declaratória e assim por diante. Desta sorte, o significado desta classificação eminentemente processual das ações está intimamente vinculado ao correspondente das sentenças".

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A ação de conhecimento tem por objeto um provimento jurisdi­cional acerca da existência ou inexistência de um direito, obrigação ou relação jurídica, com a imposição das medidas necessárias à posterior satisfação do reconhecimento obtido na ação.

Na ação de conhecimento, a sentença funcionará como o ato de reconhecimento ou não do direito argüido pela parte autora. Em caso positivo, de deferimento da tutela desejada pelo autor, terá ele um títu­lo executivo judicial que poderá ser oposto contra o réu para cum pri­mento.

Por sua vez, em relação à espécie de tutela jurisdicional pretendi­da, as ações de conhecimento são classificadas em:

a) Declaratórias. As ações de conhecimento que tenham por objeto tutelas declaratórias se prestam à mera manifestação do Estado- juiz acerca da existência ou inexistência de um direito, obrigação ou relação jurídica.2'1

É típica tutela declaratória, por exemplo, aquela proferida em ação de investigação de paternidade; neste caso, o juiz não conde­na o réu a ser pai ou cria a paternidade, mas o Estado-juiz limita- se a constatar e declarar uma realidade já existente. Outra hipóte­se em que verificamos tutela declaratória ocorre quando alguém, entendendo tratar-se de um tributo ilegal, propõe ação visando à declaração de inexistência da relação jurídica tributária.

Im portante ressaltar que as tutelas declaratórias, como regra, têm efeito ex tunc, o que eqüivale dizer que os efeitos da declara­ção retroagem ao m om ento da ocorrência do fato ou do direito, pois o juiz não cria nova relação jurídica, tão-somente declara algo que já existia. No exemplo da paternidade, o réu será consi­derado pai desde a data em que a criança foi concebida, não ape­nas a partir da sentença declaratória (os efeitos da declaração retroagem).

2i| Araken de Assis, Cumulação de ações, cit., p. 93-94, ensina que nas ações declarató­rias o autor aspira a extirpar a incerteza acerca de um direito ou relação jurídica, citando trecho da seguinte decisão do STJ: "0 exercício da ação declaratória pressupõe a incerteza a ser obvia­da pela sentença" (STJ, 1a T„ REsp n. 39374-8, rel. Min. Gomes de Barros). (RJSTJ 654/354)

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ACÃO 1 0 1

É exatamente isso que explica Cândido Rangel Dinamarco:

Como afirmação que é, toda declaração tem por objeto fatos passa­

dos ou direitos e obrigações também preexistentes a ela (supra, n. 5 e 88),

sendo natural que a eficácia das sentenças declaratórias se reporte à situa­

ção existente no momento em que o fato ocorreu ou seu efeito jurídico

material se produziu. Elas têm eficácia ex tunc, colhendo as realidades desse

passado e assim prevalecendo quanto aos atos e fatos ocorridos depois. Se

o contrato é nulo, ele o é desde quando foi realizado (vício de formação).25

Por fim, cumpre esclarecer que também se revestem da nature­za declaratória os provimentos negativos, como ocorre quando o juízo nega procedência ao pedido formulado pelo autor; nesse ca­so, a sentença será declaratória negativa do direito do pleiteado pelo autor da ação.

b) Condenatórias. A tutela condenatória objetiva a imposição de uma obrigação ou dever à parte adversa. A finalidade das ações conde­natórias é a obtenção de um comando imperativo em face da parte contrária, para que ela cumpra uma determinada obrigação: de pagar quantia em dinheiro, de entregar um a coisa, de fazer uma prestação ou abster-se de um ato.

Evidentemente, toda tutela condenatória prescinde da prévia declaração de existência ou não do direito material, e por essa razão podemos dizer que em toda sentença condenatória encontra-se implícita uma tutela declaratória. Por exemplo, para impor ao réu que pague determinada quantia em dinheiro, implicitamente, o magistrado reconheceu a existência do débito (direito material).

Como regra, as sentenças condenatórias não se prestam à efe­tiva satisfação do direito do autor, mas tão-somente reconhecem o direito e impõem a obrigação contra o demandado, constituindo um título executivo que será submetido a uma futura execução para que a obrigação seja satisfeita.

25 Instituições de direito processual civil, v . 1 , p . 1 6 0 .

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1 0 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Em relação aos efeitos, as tutelas condenatórias também re- troagem no tempo, são de eficácia ex tunc porque a condenação irá se reportar ao momento em que o réu se tornou inadimplente e não apenas ao momento da sentença.

Concedida a tutela condenatória, seja obrigação de quantia, entre­ga de coisa ou de fazer ou não fazer, dentro do próprio processo de conhecimento, como regra, se dará a satisfação do direito do credor.

c) Constitutivas. As ações de conhecimento de tutelas constitutivas se destinam à criação, modificação ou extinção de uma relação jurídica, direito ou obrigação litigiosa. Não se trata de mera decla­ração ou condenação, mas de ato judicial que intervém na relação das partes para modificá-la.

As tutelas constitutivas implicam sempre mudança (criação, modificação ou extinção) da relação jurídica existente entre as partes.26 Por exemplo, quando o juiz decreta um divórcio, não está simplesmente declarando o fim do casamento, mas está pondo fim àquela relação jurídica marital. O mesmo ocorre quando um con­trato é rescindido: com esse ato o magistrado termina as relações existentes entre as partes contratantes. Nesses exemplos, o Estado interveio no conflito para alterar a relação jurídica das partes, não apenas declarando um estado preexistente ou impondo uma obri­gação ao demandado.

Os provimentos constitutivos são de eficácia ex nunc - como regra, eles não retroagem no tempo. Como no exemplo anterior, uma vez decretado o divórcio, o casamento não mais existe daque­le momento em diante, considerando-se válido e eficaz o casa­mento antes da sentença.

Importante mencionar que as tutelas constitutivas podem ser: constitutivas negativas (ou desconstitutivas), que são aquelas des­tinadas à extinção de relações jurídicas ou de obrigações (pode­mos citar o caso do divórcio e da rescisão contratual); e as consti­tutivas positivas, destinadas à criação de novas relações entre as

26A r a k e n d e A s s is , Cumulação de a ç õ e s , c i t . , p . 9 5 .

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ACÃO 103

partes (por exemplo, a sentença de adoção, que cria o estado de parentesco até então não existente).

Após tratarmos de todas as tutelas da ação de conhecimento, não podemos deixar de dizer que o autor poderá cumular pedidos relati­vos a mais de uma espécie de tutela (declaratória, condenatória e constitutiva).27 Por exemplo, poderá requerer a declaração de inexis­tência de relação jurídica tributária (para que o juiz declare que o tri­buto não é devido) e na mesma ação pleitear a condenação da parte ré à devolução de todos os valores recebidos indevidamente.

h 3 . 5 . 2 A ç ã o d e E x e c u ç ã o

Nas ações de execução, a parte autora (denominada exeqüente) é detentora de um título executivo que contém o conhecimento do direito do credor, sendo a ação o instrumento para, por meio da força coercitiva do Estado, obrigar o devedor ao cumprimento dessa obriga­ção contida no título.

Ressalte-se que a ação de execução, ao contrário da ação de cogni- ção, não se presta ao conhecimento e à manifestação sobre a existência ou não de um direito, mas sim à obtenção da satisfação de um direito que já fora reconhecido, como aquele previsto nos títulos de crédito (cheque, nota promissória, duplicata e letra de câmbio), em docum en­tos públicos ou particulares subscritos pelo devedor (na presença de duas testemunhas), etc.

A Lei Processual conferiu eficácia executiva a certos documentos extrajudiciais (que não decorrem de atos do Poder Judiciário), como os títulos de crédito, o documento público assinado pelo devedor, o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas, situações em que é absolutamente desnecessária a prévia ação de conhecimento,28 pois o direito (crédito e débito) já se encontra reco­nhecido no documento, devendo o credor promover, diretamente, ação de execução.

27 Desde que atendidos os requisitos para a cumulação de pedidos, conforme tratare­mos em capítulo próprio.

28 Entendemos que aquele que é detentor de título executivo não tem interesse de agir para propor ação de conhecimento.

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1 0 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

É por meio da ação de execução que o Estado exerce sua força coerci­tiva sobre o devedor - especialmente sobre o seu patrimônio - a fim de compeli-lo ao cumprimento da obrigação não satisfeita espontaneamente.

Com o advento da Lei n. 11.232/2005, o processo de execução ficou restrito aos títulos extrajudiciais e a algumas modalidades de títulos judiciais. Antes da referida lei, a ação de execução era destinada a ambos os títulos (judiciais e extrajudiciais), mas com a reforma e na busca da celeridade, a satisfação das sentenças deverá ser realizada dentro do próprio processo de conhecimento, como se verá no capítu­lo destinado ao "cumprimento da sentença".

■ i 3 . 5 . 3 A ç ã o C a u t e l a r

As ações cautelares, como o próprio nome sugere, são destinadas a dar segurança à eficácia do objeto de uma outra ação, seja ela de conhecimento ou de execução.

Assim, as cautelares são propostas de forma preparatória ou inci- dental com a finalidade de evitar o perecimento do objeto principal da demanda, isso em razão do decurso do tempo, pois, como sabemos, a demora na prestação da tutela jurisdicional poderá implicar perda do bem disputado.

Importante ressaltar que as ações cautelares não se prestam ao reconhecimento de direitos; não têm elas finalidade de julgar qual das partes tem razão no litígio, mas limitam-se a colocar o bem jurídico em segurança para que, no futuro, esse bem possa ser entregue, intac­to, ao vencedor da ação principal (de conhecimento ou de execução).

Vislumbramos o cabimento de ação cautelar, por exemplo, quan­do a mulher está sendo vítima de maus-tratos pelo marido. Nesse caso, a mulher poderá promover um a ação cautelar para afastar o cônjuge do lar, com o intuito de preservar sua integridade física. No entanto, esse provimento cautelar não resolveu a lide, somente deu segurança à pessoa, sendo certo que a lide (dissolução ou separação dos cônjuges) será decidida em uma outra ação (de conhecimento).

Ainda, imaginemos que aquele que é devedor, antes mesmo do ven­cimento do título, esteja dilapidando todos os seus bens com a intenção de frustrar futura ação de execução (ou mesmo de conhecimento para cobrança). Obviamente, não pode o credor assistir a tal fraude sem qual­

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ACÃO 105

quer ação, podendo ele propor uma ação cautelar para preservar o patri­mônio do devedor, resguardando-se, assim, o resultado útil de uma futura ação. Note-se que se o credor não tomar uma medida acautelató- ria, que previna a ocorrência da lesão, no futuro poderá não ter qualquer proveito ou utilidade no resultado da ação principal.

Por tais razões é que afirmamos que as cautelares não são medidas satisfativas, pois apenas colocam o bem jurídico em segurança sem solucionar a lide principal, dependendo para isso de outro processo (de conhecimento ou de execução).

Ao dissertar acerca das tutelas de urgência, das quais faz parte o processo cautelar, o professor Cândido Rangel Dinamarco, citando Car- nelutti, explica:

0 tempo às vezes é inimigo dos direitos e o seu decurso pode lesé-los de modo irreparável ou mesmo comprometê-los insuportavelmente.29

De fato, muitas vezes, o jurisdicionado não pode aguardar o térmi­no de uma ação de conhecimento ou o momento para a propositura de uma ação de execução para obter uma tutela do Estado. Em alguns ca­sos, o indivíduo necessita de um provimento urgente e imediato, sob pena de perecimento do bem jurídico disputado,30 e justamente estes casos de urgência que justificam a propositura de ações cautelares.

H 3 . 5 . 4 A Ç Ã O M A N D A M E N T A L

A Constituição da República, para assegurar respeito aos direitos fundamentais, conferiu ações denominadas mandamentais, já que as tutelas proferidas nesses processos, como regra, im portam em uma ordem judicial para abstenção ou prática de algum ato, fazendo cessar a ameaça ou a lesão ao direito. São elas a ação de mandado de seguran­ça, o habeas corpus, o habeas data e o mandado de injunção.

59 Instituições de direito processual civil, cit., v. 1, p. 160.30 Casos de urgência como: sustação de protestos, obtenção de medicamentos ou trata­

mento médico, guarda provisória de menores, afastamento de cônjuge do lar, medidas para evitar destruição ou alienação de bens, produção antecipada de provas (quando, por exemplo, a testemunha corre risco de vida, ou prova pericial em caso de urgência), para o recebimento de alimentos, conforme previsão dos arts. 796 a 889 do Código de Processo Civil.

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106 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Cada garantia constitucional tem por finalidade a tutela contra lesão ou ameaça a direitos determinados. O habeas corpus é remédio contra ato ofensivo à liberdade de locomoção (direito de ir e vir), o habeas data é instrumento para assegurar direito de informação (ob­tenção de informações perante órgãos públicos e bancos de dados) e o mandado de injunção, para fazer suprir omissão legislativa (a omissão do órgão competente para editar lei regulamentadora)31; já o m anda­do de segurança pode ser impetrado contra ato de autoridade que este­ja ferindo direito líquido e certo, não amparado pelas demais garantias constitucionais.32

No entanto, grande controvérsia se estabeleceu na doutrina acer­ca da classificação e da natureza jurídica das referidas ações manda- mentais. Renomados juristas entendem tratar-se de um quarto gêne­ro de ação,33 estando as ações mandamentais ao lado das ações de conhecimento, da ação cautelar e da ação de execução. Para outros, as ações constitucionais, em especial aquelas que tratam de matéria civil, incluem-se na ação de cognição ou conhecimento.

Para a classificação das ações constitucionais, é importante consig­nar que os provimentos oriundos dessas demandas, com a imposição de uma ordem para fazer cessar lesão ou ameaça, surgem após o conhecimento jurisdicional da violação ao direito líquido e certo. Em outras palavras, antes de o juiz determinar à autoridade que cesse ameaça ou lesão ao direito, deve conhecer da pretensão e manifestar- se acerca da existência ou não do direito sustentado pelo impetrante.

Dessa forma, as ações mandamentais emitem típicas tutelas decla­ratórias e condenatórias, a primeira reconhecendo o direito alegado e a segunda para determinar à autoridade a cessação da lesão ou amea­ça. Em muitos casos, a tutela do mandado de segurança acaba, até mesmo, sendo constitutiva (constitutiva positiva ou negativa), pois poderá determinar que certo ato seja desfeito e coloque fim a uma relação jurídica.

31 Alguns dispositivos constitucionais têm a eficácia condicionada à edição de leis que os regulamentem. A falta ou omissão na edição dessa lei, pelo poder competente, pode ser impugnada via mandado de injunção.

32 Leda Pereira Mota & Celso Spitzcovsky, Curso de direito constitucional, p. 369.33 Araken de Assis, Cumulação de ações, cit., p. 99.

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ACÃO 107

A esse respeito, em obra brilhante acerca do mandado de seguran­ça, Lúcia Valle Figueiredo afirma:

A sentença proferida no mandado de segurança pode ser constituti­

va, condenatória e, até mesmo declaratória, em casos especialíssimos. De

qualquer forma, a declaratividade da certeza ou não do direito será pres­

suposto necessário para sentença constitutiva ou condenatória. Preferi­

mos alinhar-nos àqueles - com a vênia devida ao ilustre Pontes de Miran­

da - que não vêem necessidade de acrescer o tipo mandamental. Na

verdade, o mandamento seria o objeto da própria sentença condenatória

(a ordem emanada à autoridade administrativa).34

Não obstante as demais teses - que incluem a ação mandamental como uma quarta espécie de ação - , parece-nos que maior razão en­contram os autores que dispensam nova classificação, para incluí-la no rol tradicional como ação de conhecimento com rito próprio.35

■■ 3 . 5 . 5 O u t r a s C l a s s i f i c a ç õ e s

Além da classificação anteriormente exposta, outras são formula­das pela doutrina, considerando-se não a espécie de tutela pretendida, mas tendo base no direito material e no objeto postos em juízo, com estigma das teorias que concebiam a ação como direito concreto à tu ­tela jurisdicional.

É comum a classificação das ações em: a) ações patrimoniais, aquelas que se revestem de caráter econômico; b) ações não-patri- moniais, contrario sensu, sem caráter econômico direto ou imediato;c) ações reais, aquelas relacionadas ao direito das coisas (por exem­plo, a discussão da propriedade de um imóvel); d) ação pessoal, quando o litígio versa sobre direitos pessoais (não sobre coisas); e) ação petitória e possessória, a prim eira sendo ação real na qual se dis­cute a propriedade, e a segunda, ação para proteção do direito à posse.

3,1 Mandado de segurança, p. 188.35 Para Luiz Fux, Curso de direito processual civil, cit., p. 135, as ações mandamentais

incluem-se entre as tutelas da ação de conhecimento, sendo um quarto gênero dentre as tutelas declaratórias, condenatórias e constitutivas.

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108 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Também é muito comum verificarmos a adoção de nomes para as ações como: ação de cobrança, ação de indenização, ação reivindicató- ria etc. No entanto, são todas ações de conhecimento, nominadas, com imprecisão, em função do objeto litigioso, como traço marcante das teorias antigas, já superadas, que tratavam o direito de ação como vin­culado ao direito material - o mesmo nome empregado para o direito era empregado para a ação.

O utra classificação também se faz em relação ao rito (que tratare­mos em capítulo próprio): ação comum ou ordinária, sumária ou especial - de qualquer forma, são todas ações de conhecimento, com procedimentos distintos uns dos outros, razão pela qual não se justifi­ca tal classificação.

Parece-nos que a classificação mais adequada à realidade proces­sual contemporânea é aquela que separa as ações em: ação de conheci­mento, ação de execução e ação cautelar, tópicos estes que estudaremos a seguir.

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P r o c e s s o 4

4.1 De f i n i ç ã o e N a t u r e z a J u r í d i c a

Na conceituação dada pela doutrina tradicional, o pro­cesso representa o instrumento pelo qual o Estado exerce a sua atividade jurisdicional para a solução dos conflitos apre­sentados ao Poder Judiciário. Ou, ainda, o processo pode ser definido como a relação jurídica, autônom a da relação de direito material, que se estabelece entre autor e réu, diante da jurisdição, com a finalidade de ser resolvida a lide.1

O processo pode ser concebido como: técnica, meio, método ou instrumento da atividade jurisdicional para apli­cação do direito ao caso concreto.

Da etimologia da palavra processo, derivada do latim pro- cessus (do verbo procedere), verifica-se o significado de “seguir

' Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, p. 12, acerca da conceituação de processo, assevera: "É, na verdade, uma operação, pois consiste num com­plexo de atos combinados para a consecução de um fim. Nos processos se desenvolve um conjunto de atos coordenados, visando à composição da lide".

109

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1 1 o MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

adiante”, “marcha à frente”, “seqüência ou ordem das coisas”. No entan­to, muito mais do que uma mera seqüência de atos que conduzem à sentença, o processo corresponde ao modo como o Estado exerce a ju­risdição intervindo nos litígios.2

Na realidade, o processo constitui uma relação jurídica que se forma pelo impulso do autor contra o Estado para que este exerça a jurisdição e outorgue um provimento contra o réu.3 Ele gera um vínculo jurídico entre as partes litigantes e o Estado-juiz, confere poderes, direitos, deve­res e ônus aos litigantes e membros do órgão jurisdicional, e dessa rela­ção jurídica processual advém um provimento ao qual todos deverão sujeitar-se.

Não se pode deixar de fazer a distinção entre a relação jurídica pro­cessual e a relação jurídica de direito material, já que, sem dúvida, são absolutamente autônomas e distintas entre si. A relação processual é o vínculo existente diante da jurisdição para a solução do conflito, rela­ção esta formada por normas próprias do direito processual. Por sua vez, a relação de direito material é aquela que dispõe sobre os direitos e obrigações acerca dos bens da vida, e não sobre a disciplina do proces­so. Não é na relação jurídica processual que se encontram as normas a respeito, por exemplo, de quem é o devedor ou o credor (o que se veri­ficará no direito material), mas nela estão as regras de como o litígio será resolvido, da forma pela qual o credor poderá exigir a satisfação do crédito e o devedor, por sua vez, apresentar a defesa cabível.

Dessa forma, em relação à natureza jurídica do processo, podemos afirmar tratar-se de uma relação jurídica de direito público:’ firma-se em normas de direito e é capaz de produzir efeitos jurídicos (poderes, direitos, deveres e ônus), sendo de direito público por envolver ativi­dade própria de um dos Poderes do Estado, a jurisdição.

A relação jurídica processual, como regra, é subjetivamente trian­gular: formada por autor, juízo e réu. O autor move a ação contra o

? Para Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel Dinamar- co (Teoria geral do processo, p. 279): "O processo é indispensável à função jurisdicional exercida com vistas ao objetivo de eliminar conflitos e fazer justiça mediante a atuação da vontade con­creta da lei. É, por definição, o instrumento através do qual a jurisdição opera (instrumento para a positivação do poder)".

3 José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, v. 1, p. 250.4 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, v. 1, p. 60.

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PROCESSO 11 1

Estado, que, exercendo a jurisdição no processo, poderá proferir um provimento jurisdicional em face do réu.

JUIZ

AUTOR "----------------" REU

Por se tratar de uma relação triangular, a doutrina tem afirmado que o processo apenas se forma validamente após a citação do réu, ato pelo qual o demandado é chamado a integrar o pólo passivo da ação para que possa exercer o contraditório que lhe é assegurado como princípio basilar do direito processual civil.5

A ação é considerada proposta no momento em que a petição ini­cial é despachada ou distribuída. No entanto, o processo apenas estará completo, capaz de produzir os efeitos mencionados no art. 219 do Código de Processo Civil - tornar a coisa litigiosa, induzir à litispen- dência, constituir o devedor em mora - quando da citação do réu.

Cumpre ressaltar, também, que somente nos processos que se desenvolvem diante da atividade de jurisdição voluntária é que a rela­ção é meramente linear, formada pelo requerente (ou interessado) diante do Estado-juiz, sem haver a figura do réu, por se tratar de pro­cesso em que inexiste conflito (lide).

O processo civil é formado por uma seqüência de atos processuais, dispostos no tempo e logicamente segundo procedimentos ou ritos próprios para cada caso. Assim, processo não se confunde com proce­dimento, pois, enquanto aquele constitui uma relação jurídica que se estabelece entre autor, juiz e réu para a solução da lide, o procedimen­to (também chamado de rito) nada mais é do que a seqüência ou a ordem da prática dos autos dentro do processo.

Processo também não se confunde com autos. Por se tratar de uma relação jurídica, o processo corresponde a um substantivo abstrato, que

5 Idem: "A relação jurídica processual estabelece-se, inicialmente, entre o autor e o juiz. É apenas bilateral nessa fase. Com a citação do réu, este passa também a integrá-la, tornando-a completa e trilateral. Então, estará o Estado habilitado a levar o processo à sua missão pacifica- dora dos litígios e terá instrumento hábil para dar solução definitiva (de mérito) à causa".

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se corporifica nos autos. Em síntese, todos os atos de um processo serão reunidos nos autos (pasta contendo as peças do processo).6 Portanto, o processo é o instrumento de que dispõe o Estado para, quando provo­cado pela parte interessada, manifestar a vontade da lei ao caso concre­to. Assim, os institutos da ação, da jurisdição e do processo, na realida­de, formam uma cadeia no direito processual, já que o conflito de interesses (lide) faz com que a parte autora, por meio da ação, movi­mente a jurisdição para que, utilizando-se do processo, preste o Estado um provimento ou tutela que tenha o poder de pôr fim à lide.

4.2 El e m e n t o s d o Pr o c e s s o

Em se tratando de uma relação jurídica, o processo é formado com base em elementos subjetivos, que se referem aos sujeitos ou a pessoas vinculadas à relação, e outros, denominados objetivos, os quais com­preendem o próprio objeto do processo.

Desse modo, podemos classificar os elementos do processo:

Elementosdo

processo

Subjetivos

Objetivos J

partesórgão jurisdicional e auxiliares

Ministério Público

mérito (pretensão do autor e defesa do réu) atos processuais

provas etc.

Evidentemente, para haver uma relação jurídica é indispensável a existência de sujeitos, e, no caso do processo de conhecimento, esses su-

6 É linguagem corrente entre todos os profissionais do direito a frase: "Vou retirar o pro­c e s s o ! . N a realidade se está falando dos autos do processo.

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PROCESSO 1 1 3

jeitos são denominados partes: autor (aquele que promove a ação) e réu (contra o qual se pede a tutela),7 podendo essa nomenclatura ser altera­da em função da fase ou do ato processual específicos (por exemplo: recorrente e recorrido, agravante e agravado, reconvinte e reconvindo etc.) ou em razão de outras ações (na ação de execução, por exemplo, as partes são denominadas de exeqüente e executado).

Outra condição essencial para a validade do processo é que ele se desenvolva perante órgão do Poder Judiciário, como preceitua a Cons­tituição da República ao instituir o princípio do juiz natural. Nota-se que, além da figura do juiz, o processo é conduzido também por força de atos praticados pelos auxiliares da justiça, como o escrivão, escre­vente, perito, contador, oficial de justiça e depositário.

Em alguns casos, conforme expressa previsão legal, o processo con­tará com a participação do Ministério Público, podendo este atuar na qualidade de parte ou como fiscal da lei e representante da sociedade.

Objetivamente, o processo é composto pelo mérito apresentado pe­las partes, no qual o autor expõe a sua pretensão, e o réu, a resistência. Além disso, como mencionamos anteriormente, o processo se desenvolve por uma série de atos dos sujeitos que o integram, atos estes praticados com a finalidade de se chegar à sentença (provimento final acerca do mérito).

Todos esses temas, por compreenderem institutos complexos do processo civil, serão abordados especificamente nos capítulos seguintes.

4.3 Es p é c i e s de Pr o c e s s o s

A sistematização empregada pelo Código de Processo Civil foi no sentido de enumerar as espécies de processos em conformidade com a pretensão aduzida pela parte autora, correspondendo as espécies de processos às espécies de ações.8

Como a classificação das ações, o Código de Processo Civil confe­riu três tipos de processos: a) processo de conhecimento ou cognição

7 No processo, as partes são denominadas de autor e réu, independentemente do nome que recebam no direito material, como credor e devedor, proprietário, locador e locatário etc.

8 Moacyr Amaral Santos, op. c/f., p. 272.

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(arts. Io a 565); b) processo de execução (arts. 566 a 795); e c) proces­so cautelar (arts. 796 a 889).

4 .4 Pr e s s u p o s t o s Pr o c e s s u a i s

A existência e o desenvolvimento válido da relação jurídica proces­sual estão subordinados à observância de pressupostos legais, indis­pensáveis para que o juízo possa conhecer da lide e proferir uma sen­tença acerca do mérito do litígio.

Assim, os pressupostos processuais são requisitos que estão rela­cionados à própria existência do processo e ao seu desenvolvimento válido, podendo ser classificados em:

Subjetivos

Em relação às partes

Em relação ao juiz ou juízo

a) capacidade de ser parte

b) capacidade processualc) capacidade postulatória

a) órgão investido de jurisdiçãob) competentec) imparcial (não impedido ou

suspeito - arts. 134 e 135)

xtrínsecos à relação

Objetivos

ítrínsecos à relação

v

inexistência de fatos impeditivos como:a) litispendênciab) coisa julgadac) transaçãod) compromissoe) perempçãof) falta de pagamento das custas

previstas no art. 267, § 2o, do Código de Processo Civil

a) petição inicial aptab) citação válidac) procedimento legal (devido

processo legal)

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PROCESSO 1 1 5

m 4 . 4 . 1 P r e s s u p o s t o s S u b j e t i v o s

Em relação aos sujeitos que atuam no processo, a legislação pro­cessual impõe pressupostos para que as partes possam atuar na relação jurídica, como:

a) capacidade de ser parte, que compreende a legitimidade ad causam ou a existência de direito ou obrigação. Toda pessoa que for sujei­to de direitos ou obrigações terá capacidade para estar em juízo na defesa de seus interesses;

b) capacidade processual, aquela inerente à prática de atos da vida civil. A atuação no processo depende de capacidade civil, uma vez que importa na realização de atos ou negócios jurídicos (capacida­de prevista na legislação civil material);

c) capacidade postulatória, segundo a qual a parte deverá estar regu­larmente representada em juízo por advogado, salvo nos casos em que houver dispensa legal (capacidade conferida diretamente à parte), aspectos que serão abordados no capítulo seguinte.

Quanto aos magistrados ou órgãos jurisdicionais, por m andam en­to da Constituição da República, em consagração ao princípio do juiz natural, o processo apenas poderá existir e se desenvolver validamente diante de órgão investido de jurisdição, ou seja, autoridade ou órgão que tenha recebido do próprio Estado poderes para dizer o direito ao caso concreto.

Note-se que não basta a investidura na jurisdição para que o órgão ou a autoridade do Estado possa conduzir o processo; é indispensável, também, que o juízo tenha recebido competência, nos termos fixados na lei, para o processamento e julgamento da causa. Todo juízo é inves­tido de jurisdição, mas a atribuição de competências é restrita a cada órgão do Poder Judiciário.

Não obstante ser o órgão investido de jurisdição e competente nos termos da lei, é pressuposto para a validade do processo - e princípio da jurisdição - que a pessoa do juiz seja imparcial, não guardando qualquer interesse no deslinde da causa.

Todos esses temas - partes, competência e imparcialidade do juiz - serão tratados nos próximos capítulos deste trabalho.

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m 4 . 4 . 2 P r e s s u p o s t o s O b j e t i v o s

Os pressupostos processuais objetivos extrínsecos, entendidos como fatos que se encontram fora do processo, impedem a eficácia e a vali­dade da relação jurídica processual - e são, a seguir, explanados:

a) Litispendência (arts. 267, V, e 301, § 3o)9. Ocorrerá a litispendên- cia quando for repetida ação idêntica - sob a análise dos elemen­tos da ação: partes, causa de pedir e pedido - à outra que ainda se encontre em curso. Obviamente, estando uma ação em curso, não poderá a parte propor nova ação idêntica, constituindo a litispen­dência fato que impede a validade e o desenvolvimento do proces­so que foi repetido.

b) Coisa julgada (arts. 267, V, e 301, § 3o). A coisa julgada compreen­de o efeito de imutabilidade que recai sobre as sentenças de m éri­to das quais não cabe mais nenhum recurso. Em outras palavras, uma vez transitado em julgado o julgamento de mérito da causa, é impossível que tal mérito seja reapreciado em outro processo. Portanto, uma vez existente a coisa julgada, esse fato jurídico im ­pede a propositura de nova ação idêntica àquela que já se encon­tra extinta.

c) Compromisso ou convenção arbitrai (art. 267, VII, do CPC). Como vimos anteriormente ao tratarmos dos substitutos da juris­dição, as partes podem convencionar em submeter o litígio a um árbitro, afastando a atividade jurisdicional do Estado. Nesse caso, em face da existência da cláusula compromissória, aquela que prevê a arbitragem como meio de solução do conflito, não pode­rão as partes valer-se do processo para a obtenção da solução da lide. A existência do compromisso poderá impedir o desenvolvi­mento válido do processo (Lei n. 9.307/96).

d) Transação. As partes têm a liberdade, em se tratando de direitos patrimoniais e disponíveis, de acordarem acerca do litígio sem a intervenção do Estado. Dessa forma, uma vez que as partes cele­

9 "Art. 301. [...]§ 3o Há litispendência, quando se repete ação, que está em curso; há coisa julgada,

quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso."

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PROCESSO 1 1 7

braram acordo para composição amigável do conflito, não poderá existir processo para rediscutir o mérito anteriormente composto.

e) Perempção (arts. 267, V, e 268, parágrafo único). O ordenamento processual civil, em caso de inércia da parte em promover o anda­mento do processo (abandono do processo), penaliza esse ato com a extinção do processo sem o julgamento do mérito. Assim, aque­le que tiver o processo extinto por três vezes, em decorrência de inércia em dar andamento ao processo, não poderá promovê-lo novamente.

f) Falta de pagamento das custas (art. 268). Ocorrida a extinção do processo sem julgamento do mérito, a parte apenas poderá pro­mover nova ação se comprovar o recolhimento das custas e despe­sas processuais da ação idêntica extinta anteriormente.

Como se vê, as causas anteriormente expostas, quando existentes, impedem a eficácia do processo e o seu desenvolvimento válido, bem como que o magistrado emita um julgamento acerca do mérito da causa (extinção sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267).

Por outro lado, verificamos pressupostos processuais intrínsecos - que se encontram dentro do processo - , em especial relacionados à observância do devido processo legal, como:

a) Petição inicial apta.10 A petição inicial é o instrumento pelo qual o autor exerce o seu direito de ação e provoca a atividade jurisdicio­nal, sendo nesse ato que toda a pretensão - partes, pedido e causa de pedir - é colocada diante do Judiciário. Assim, para ensejar o processo, o autor deverá elaborar sua petição inicial nos termos fixados na legislação processual, sob pena de não ser ela apta à for­mação válida do processo. Por exemplo, a falta de pedido impede

10 Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, p. 518, afirma: "Caso a petição ini­cial não apresente os requisitos de sua regularidade, deve ensejar-se ao autor que a conser­te (art. 284), sob pena de, não o fazendo, vê-la indeferida (arts. 284, parágrafo único, e 295, VI); mas, se não tiver aptidão, nem houver possibilidade de emenda, deve ser rejeitada de iní­cio, sem se ordenar a citação da parte contrária, não se instaurando, assim, a relação jurídi­ca processual completa, pois se terá tido exclusivamente uma relação linear entre autor e juiz (art. 295, I)".

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que a petição inicial movimente a jurisdição, pois caracteriza ele­mento indispensável da ação.

b) Citação do réu. Para formação e existência do processo, é impres­cindível a citação válida do réu. O processo é uma relação jurídica triangular e, enquanto o réu não a integrar, o processo encontra- se incompleto e não passível de produzir efeitos.

A reforma introduzida pela Lei n. 11.277, de 07.02.2006, incluiu no Código de Processo Civil o art. 285-A para dispensar a citação do réu em casos excepcionais."

A dispensa da citação, conforme prevê o artigo citado, apenas será possível quando a lide versar exclusivamente sobre questão de direito (não havendo controvérsia sobre os fatos) e havendo no juízo em que tramita o processo sentenças anteriores com o mesmo conteúdo. No entanto, a dispensa da citação apenas poderá ocorrer se for para o juiz proferir sentença de improcedência do pedido do autor, isso com base em sentenças anteriormente prolatadas no mesmo sentido.

Evidentemente, prolatando uma sentença de improcedência, a parte autora poderá recorrer e, se assim o fizer, o réu será citado para responder ao recurso.

Tal dispositivo, vindo no pacote da chamada reforma do Poder Judiciário, acaba por revolucionar o conceito tradicional de processo.

A doutrina clássica define o processo como uma relação trilateral e, portanto, não há como se conceber o processo sem a citação do réu. Com o advento do artigo 285-A do Código de Processo Civil, a citação, naquele caso específico, deixará de ser um pressuposto de existência da relação jurídica processual.

Não sendo citado, o réu não participa da relação processual, e mais, o processo não existe em relação a ele, não podendo sofrer pre­juízos ou benefícios em razão do processo para o qual não foi citado.

11 "Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito, em processo repetitivos e sem qualquer singularidade, e no juízo já houver sentença de total improcedên­cia em caso análogo, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença reproduzindo a anteriormente prolatada."

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PROCESSO 1 1 9

c) Procedimento legal. Em cada espécie de processo, a lei processual se incumbe de estabelecer diversas formas de procedimentos ou ritos, o que eqüivale a dizer que, dependendo da natureza ou do objeto da ação, os atos processuais serão praticados segundo uma determinada ordem lógica prevista na lei (o rito). Por exemplo, no processo de conhecimento, o sistema processual prevê quatro ritos: ordinário, sumário, especial e sumaríssimo (juizados espe­ciais). Dessa forma, o processo deve desenvolver-se segundo o rito ou procedimento previsto na lei, sob pena de afronta ao princípio do devido processo legal, e de conseqüente invalidade dos atos.12

É importante esclarecer que os pressupostos processuais não se confundem com as condições da ação, vez que, enquanto estas repre­sentam requisitos para a existência efetiva do direito de movimentar a jurisdição, aqueles são requisitos para a existência e o desenvolvimen­to válido do processo.

Tanto as condições da ação como os pressupostos processuais cons­tituem sempre elementos preliminares à análise do mérito, já que a falta de qualquer um desses requisitos levará à extinção do processo, sem o julgamento da pretensão formulada pelo autor. A ausência de qualquer um dos pressupostos processuais impede que a jurisdição exer­ça de forma eficaz a sua atividade.

n É muito comum o fato de alguns magistrados determinarem a realização de atos pro­cessuais não existentes na lei ou mesmo fora do momento adequado segundo o rito próprio. Já tivemos a oportunidade de analisar um caso em que, antes de apreciar o pedido de limi­nar, o juiz determinou aos réus que apresentassem defesas prévias (depois seria apresentada a contestação comum). Evidentemente, o magistrado criou um rito não existente na lei, em total desamparo ao princípio do devido processo legal.

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P a r t e s

e P r o c u r a d o r e s 5

5.1 Pa r t e s

Na concepção tradicional exposta por Enrico Tullio Lieb- man, entende-se por partes “os sujeitos do contraditório ins­tituído perante o juiz”.1

De fato, as partes são os indivíduos que integram a rela­ção jurídica processual, diante da jurisdição, a fim de resolve­rem o conflito existente entre eles; são as pessoas que com­põem os pólos da ação.

Como bem sabemos, são elementos subjetivos do pro­cesso o juiz e as partes, estas revestidas de interesse direto no provimento que será emanado pelo Estado, e, conseqüente­mente, parciais no processo; já o juiz, sujeito que se mantém alheio ao resultado da ação, mostra-se sujeito desinteressado e imparcial no processo.2 Dessa forma, é traço característico

' Manual de direito processual civil, p . 8 9 .2 A t h o s G u s m ã o C a r n e i r o , Intervenção de terceiros, p . 3 .

121

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das partes o interesse direto no deslinde da ação, sendo elas absoluta­mente parciais.

O processo é composto por dois pólos: ativo e passivo. Como re­gra, no pólo ativo figurará o autor da ação, aquele que pede a tutela jurisdicional contra a outra parte, inclusive gozando da faculdade de escolher as pessoas que figurarão no lado adverso. Por sua vez, o pólo passivo é ocupado pelo réu, pessoa contra quem se requer a tutela do Estado; trata-se do indivíduo que exercerá, se quiser, o contraditório em face da pretensão formulada pelo autor.

No processo de conhecimento, tecnicamente, as partes são deno­minadas autor e réu. No entanto, dependendo da fase processual, da espécie de processo ou do ato a ser praticado, essa nomenclatura ori­ginal poderá ser substituída por outras, conforme exemplos a seguir relacionados:

A t o , f a s e o u p r o c e s s o N o m e n c l a t u r a s

Processo de conhecimento Autor / réu

Interposto recurso

Recorrente / recorrido,

Apelante / apelado,

Agravante / agravado

Exceções Excipiente / excepto

Reconvenção Reconvinte / reconvindo

Intervenção de terceiros Denunciante / denunciado,

assistente / assistido,

opoente / opostos etc.

Processo de execução (ou fase executiva) Exeqüente / executado

Processo cautelar Requerente / requerido

Embargos de terceiros Embargante / embargado

Ações mandamentais Impetrante / impetrado

No entanto, para que o indivíduo tenha qualidade para ser parte em uma relação jurídica, é fundamental que ele se revista de capacida­de para a causa, capacidade processual e capacidade postulatória, sob pena de não lograr êxito na obtenção do julgamento do mérito da

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PARTES E PROCURADORES 1 2 3

causa ante a ausência de pressupostos processuais (art. 267), temas de que trataremos a seguir.

■ i 5 . 1 . 1 C a p a c i d a d e d e S e r P a r t e

Nos termos fixados no art. 7o do Código de Processo Civil, toda pessoa que se acha no exercício dos seus direitos tem capacidade para estar em juízo.

Dessa forma, toda pessoa física ou jurídica, que se entenda na titu ­laridade de direitos e obrigações na órbita do direito material, tem capacidade para invocar diante do Estado um provimento jurisdicio­nal em defesa desses direitos.

Nota-se aqui que mesmo os incapazes - menores, interditos e curatelados - têm capacidade de ser parte, pois, por serem titulares de direitos e obrigações no campo do direito material como qualquer outra pessoa física ou jurídica, são titulares da aptidão para terem em juízo a defesa de direitos controvertidos.

■ i 5 . 1 . 2 C a p a c i d a d e P r o c e s s u a l

Por sua vez, a capacidade processual, também denominada de legi- timatio ad processum, representa a aptidão para a prática de atos proces­suais ou capacidade de atuação em juízo, observando-se, nesse caso, as normas previstas no Código Civil inerentes à capacidade das pessoas para a prática de atos jurídicos, conforme dispõem os seus arts. 3o a 5o.3

A capacidade de estar em juízo representa pressuposto processual de validade da relação jurídica processual, uma vez que não podem ser tidos por existentes e válidos os atos praticados por indivíduos que não guardam capacidade para o exercício dos atos da vida civil.

Ao comentar o disposto no art. 7o do Código de Processo Civil, Celso Agrícola Barbi explica:

Assim, têm capacidade de ser parte toda pessoa natural, não impor­tando a idade, estado mental, sexo, nacionalidade, estado civil, bem

3 C ó d ig o C iv i l , L e i n . 1 0 . 4 0 6 / 2 0 0 2 , e m v i g o r a p a r t i r d e 1 1 . 0 1 . 2 0 0 3 .

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como as pessoas jurídicas, além de outras a que a lei atribui essa capa­

cidade, como o nascituro e espólio etc. Mas a capacidade de estar em

juízo, também chamada legitimidade, ou legitimação para o processo,

ou legitimatio ad processum, só é atribuída aos que estiverem no exercí­

cio dos seus direitos, excluídos, assim, os menores, os loucos, os silvíco-

las etc.'1

Da conceituação exposta, podemos concluir que a capacidade de ser parte não se confunde com a capacidade de estar em juízo; na pri­meira, a aptidão de figurar em um dos pólos da ação independe da capacidade civil, mas tão-somente de ser o indivíduo sujeito de direi­tos e obrigações, e ao revés, a existência de capacidade para o processo está condicionada à aptidão para o exercício do direito.

Podemos afirmar que o menor tem capacidade de ser parte, não tendo, entretanto, aptidão para, pessoalmente, agir e praticar atos no processo; para tanto, deverá ser representado ou assistido por quem de direito, sob pena de invalidade dos atos praticados.

Em caso de falta de capacidade processual ou defeito de represen­tação, o juiz determinará a suspensão do processo, bem como a inti­mação da parte interessada para que regularize o vício de capacidade, sob pena de:

a) se o defeito for no pólo ativo, o juiz decretar a nulidade dos atos, com a extinção do processo sem julgamento do mérito, pelo fato de o autor não ter regularizado sua capacidade processual;

b) caso o vício seja no pólo passivo, o réu ser considerado revel. A defesa do réu será desconsiderada, já que o ato foi praticado sem capacidade processual, e, conseqüentemente, serão presumidos verdadeiros os fatos afirmados pelo autor (haverá revelia mesmo que o réu ainda não tenha apresentado contestação);

c) em caso de terceiro,3 o juiz determinar a sua exclusão do processo.

4 Comentários ao Código de Processo Civil, p. 115.5 Como será tratado no capítulo destinado á Intervenção de Terceiros, em algumas hipó­

teses, é admitido o ingresso de terceiros no processo para defesa de seus interesses ou auxí­lio a uma das partes.

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PARTES E PROCURADORES 125

| Capacidade plena

Em relação às pessoas físicas, a capacidade plena se verifica quan­do estas se acham no pleno exercício de seus direitos,6 com poderes totais para a prática de atos jurídicos da vida civil.

Nos termos do disposto nos arts. 3o a 5o do Código Civil, podemos dizer que gozam da capacidade plena os maiores de dezoito anos e aqueles que não estejam em circunstâncias que lhes impeçam a livre manifestação da vontade, como os incapazes por enfermidade ou doen­ça mental, assim impedidos de exercer o discernimento, ou as pessoas que, por qualquer causa transitória, estejam impedidas de manifestar a sua vontade.

Os plenamente capazes, conforme previsto na legislação civil, são aptos para atuarem pessoalmente em processos judiciais, podendo outor­gar procurações para propositura da ação, comparecer em audiências, firmar acordos, dispor do direito material para renunciar o direito sobre o qual se funda a ação, ou mesmo, na qualidade de réu, reconhecer a pro­cedência do pedido formulado pelo autor. Enfim, aquele que tem capaci­dade poderá promover todos os atos inerentes às partes do processo.

| Representação e assistência das pessoas naturais

A representação e a assistência são institutos de direito civil, ten­dentes a suprir falta de capacidade do indivíduo para a prática de atos jurídicos (inclusive os processuais).

Em se tratando de incapacidade absoluta, imputada aos menores de dezesseis anos,7 loucos, surdos-mudos e ausentes,8 apenas serão

6 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, v. II, p. 282.7 Nos termos do art. 226, § 5o, da Constituição da República, o pátrio poder é exercido

por ambos os pais, sendo essa regra reafirmada no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), nos seguintes termos: "Art. 2 1 . 0 pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária compe­tente para a solução da divergência".

8 Os ausentes, nos termos da Lei Civil (art. 22 do CC/2002), são as pessoas tidas por desaparecidas, sem que delas haja notícias. Para que exista a ausência civil, necessária se faz a declaração judicial desse estado, sendo nomeado um curador para administração dos bens do ausente. A ausência civil não se confunde com a ausência no processo, visto que esta representa o mero fato de o réu, mesmo citado, deixar de comparecer em juízo.

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admitidos em juízo quando representados por seus genitores, tutores ou curadores, nos termos do art. 8o do Código de Processo Civil. Por outro lado, sendo caso de incapacidade relativa, no qual se incluem os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos, os ébrios habituais, os vi­ciados em tóxicos, os excepcionais e aqueles que, por deficiência mental, tenham discernimento reduzido, e os pródigos, a prática de atos depen­derá da assistência do representante legal, orientação dada pelos arts. 3o e 4o do Código Civil.9

A representação importa a prática de todos os atos pelo represen­tante; quem figura no pólo da ação é o representado, titular do direito material, mas a prática de atos é exclusiva do representante. Na assistên­cia, os atos são praticados pelo incapaz em conjunto com o assistente.10 Exemplo muito claro da distinção na participação dos incapazes se nota quando da outorga de procuração ao advogado: em se tratando de representação, a procuração será assinada apenas pelo representante, e em caso de assistência, o instrumento deverá ser subscrito pelo assistido e por seu representante legal.

É importante ressaltar também que, na hipótese de o incapaz não ter representante legal para assistência ou representação, ou ainda quando os interesses do representante forem contrários aos interesses do incapaz representado," o juiz deverá nomear curador especial para defesa dos interesses do incapaz naquele processo em que ocorreu a nomeação.

O mesmo ocorre em se tratando de réu preso ou citado fictamen- te (não pessoal), hipóteses em que o demandado poderá não ter con­dições de comparecer em juízo (por estar preso) ou não tomar efetiva ciência da ação que corre contra ele, por ter sido citado fictamente. Na hipótese de o réu preso ou citado fictamente comparecer em juízo, por

9 O Código Civil de 2002 determinou no parágrafo único do art. 40 que a capacidade dos índios (até então denominados na lei como silvícolas) será regulada por legislação especial.

10 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. II, p. 283." "Destituição do pátrio poder. Procedência. Falta de nomeação de curador especial ao

incapaz - necessidade em face de colidência de interesses. Inteligência do art. 9o, I, do Códi­go de Processo Civil. Anulação do feito. Recurso provido." (TJSP, Ap. Civ. 42.283-0, Câmara Especial, rel. Des. Djalma Lofrano, j. 15.10.1998, v.u.)

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PARTES E PROCURADORES 1 2 7

meio de advogado regularmente constituído, não haverá a necessidade de nomeação de curador especial.12

Representação das pessoas jurídicas

Em relação às pessoas jurídicas, públicas ou privadas, é relevante para a existência da capacidade processual a verificação dos seus pode­res de representação em juízo. Em outras palavras, a capacidade pro­cessual das pessoas jurídicas estará perfeita quando forem elas repre­sentadas por pessoas com poderes para isso nos termos da lei ou dos instrumentos internos (como estatutos e contratos sociais).

A esse respeito, o art. 12 do Código de Processo Civil estabelece que a representação em juízo, ativa ou passivamente, das seguintes pes­soas jurídicas será realizada:

a) por seus procuradores - no caso da União,13 dos estados e do Dis­trito Federal (inclusive as autarquias);

b) por seus prefeitos ou procuradores - no caso dos municípios;c) pelo síndico - quando se tratar de massa falida;d) por seu curador - para a herança jacente ou vacante;e) pelo inventariante - no caso de espólio;f) por quem os estatutos ou contratos designarem, no caso das pes­

soas jurídicas; se não houver designação, a representação será rea­lizada pelos diretores;

g) pela pessoa a quem couber a administração dos bens, no tocante à sociedade sem personalidade jurídica;

h) pelo síndico - no caso do condomínio;

u Caso haja na localidade judiciária curador de incapazes ou ausentes, a curatela espe­cial será exercida por eles; caso contrário, será nomeado pelo juiz. No estado de São Paulo os curadores especiais são requisitados à Procuradoria-Geral do Estado, que indica um procura­dor do estado ou advogado dativo para atuar na qualidade de curador especial.

13 A União é representada judicialmente pela Advocacia-Geral da União, nos termos da Lei Complementar n. 73/93, que diz em seu art. 1o: "A Advocacia-Geral da União é a insti­tuição que representa a União judicial e extrajudicialmente", e no seu parágrafo único: "À Advocacia-Geral da União cabem as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos ao Poder Executivo, nos termos desta Lei Complementar".

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i) pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal instalada no País - para pessoa jurídica estrangeira.

| Capacidade dos cônjuges

Pela redação original do Código Civil de 1916, a mulher casada era tida como relativamente incapaz, necessitando de outorga ou consen­timento do marido para todos os atos da vida civil, inclusive para a propositura de ações.

Com o advento da Lei n. 4.121/62 e pelo disposto no art. 5o da Constituição da República, homem e mulher são absolutamente capa­zes para a prática de todos os atos jurídicos, não vigorando mais a incapacidade relativa para a mulher casada, podendo qualquer um dos cônjuges ingressar em juízo, independentemente do consentimento do outro.

No entanto, em algumas hipóteses, com a finalidade de proteger o patrimônio da família, a lei processual determina que ambos os cônju­ges devem figurar no pólo da ação, ou haver consentimento mútuo para a propositura da ação.

A esse respeito, o art. 10 do Código de Processo Civil determina que deverão participar da ação, como autores ou réus, ambos os cônjuges nos seguintes casos:

a) ações que versem sobre direitos reais imobiliários;b) ações relativas a fatos que digam respeito a ambos os cônjuges;c) ações fundadas em dívidas contraídas por um cônjuge, mas que

possam afetar o patrimônio do outro (dívidas contraídas por um cônjuge em favor da família);

d) ações que tenham por objeto a constituição, o reconhecimento ou a extinção de ônus sobre imóveis de um ou de ambos os cônjuges;

e) nas ações relativas à posse quando se tratar de composse. Apenas será necessária a inclusão de ambos os cônjuges quando se tratar de composse, ou seja, posse exercida por ambos os cônjuges.

Por sua vez, o Código Civil de 2002, em seu art. 1.647, II, determi­na que um cônjuge dependerá da autorização do outro para pleitear em juízo, como autor ou réu, defesa dos bens do casal, ressalvando, no

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PARTES E PROCURADORES 129

entanto, os casos de casamento contraído sob o regime da separação absoluta de bens.

Portanto, parece-nos que a regra contida no art. 10 do Código de Processo Civil não se aplica às ações cujo bem esteja submetido ao regi­me de separação absoluta, nos termos do art. 1.687 do Código Civil.

A lei não exige modo determinado para a formalização do consen­timento, podendo este, assim, ser realizado por qualquer meio que alcance a finalidade a que se destina, como por instrumento público, particular, procuração ou subscrição da petição inicial por ambos os consortes.1'1

Havendo recusa injustificada ou impossibilidade de qualquer um dos cônjuges em conceder a autorização para a propositura da ação, o consorte prejudicado poderá requerer a supressão judicial, procedi­mento que terá por finalidade averiguar o motivo da recusa na outor­ga levando-se em consideração o interesse da família.15 Todavia, caso o juízo negue a outorga recusada pelo outro cônjuge, faltará a capacida­de processual e o processo será invalidado, conforme preceitua o art.11 do Código de Processo Civil.

Nas hipóteses de litisconsórcio necessário entre os cônjuges, o au­tor deverá, quando da elaboração da petição inicial, ter o cuidado de promover a ação contra ambos os cônjuges, inclusive requerendo expressamente a citação deles para figurarem no pólo passivo da ação, sob pena de o processo não se formar validamente.

■ i 5 . 1 . 3 C a p a c i d a d e P o s t u l a t ó r i a

A capacidade postulatória compreende a aptidão para postular ou agir diante do Poder Judiciário. É a capacidade inerente à pessoa do advogado, que é aquele que representa a parte em juízo, agindo e pos­tulando em nome dela.

1,1 Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comen­tado, p. 275. Esses autores afirmam que o consentimento apenas é exigido em se tratando de pessoas casadas. Em caso de sociedade de fato, não há necessidade de autorização do companheiro(a) para o ajuizamento da ação real imobiliária.

,s Idem, p. 278.

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1 3 0 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

No sistema brasileiro, o ius postulandi é exercido exclusivamente por advogados, pessoalmente; a parte não tem habilidade técnica para dirigir-se ao Poder Judiciário e reclamar a proteção adequada ao seu direito. A advocacia é função indispensável ao Estado Democrático de Direito, elevada pela Constituição da República, nos termos de seu art. 133, à condição de atribuição essencial à administração da justiça, nos seguintes termos:

Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça,

sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da pro­

fissão, nos limites da lei.16

Em razão dessa indispensabilidade do advogado como pressupos­to processual de existência e desenvolvimento válido da ação é que o art. 36 do Código de Processo Civil dispõe que a parte será representa­da no processo por advogado legalmente habilitado, dispensando o patrono quando a parte que tiver habilitação legal postule em causa própria ou na hipótese de não existir advogado na localidade ou esta­rem todos impedidos do exercício da profissão.

A representação da União Federal, como afirmamos anteriormente, é realizada pela Advocacia-Geral da União, composta por advogados admitidos à advocacia pública (art. 131 da CF)17 por meio de concursos. O mesmo ocorre com os estados-membros, o Distrito Federal e os m u­nicípios, sendo seus advogados denominados de procuradores do esta­

16 Alexandre de Moraes, Constituição do Brasil interpretada, p. 1.593. Ao comentar o art. 133 da Carta Maior, o autor cita a seguinte decisão do Supremo Tribunal Federal: "Advo­cacia e defesa das liberdades públicas: STF - 'A presença do advogado no processo constitui fato inequívoco de observância e respeito às liberdades públicas e aos direitos constitucional­mente assegurados às pessoas. É ele instrumento poderoso de concretização das garantias instituídas pela ordem jurídica' (STF. 1” T. Petição 1.127-9/SO. Rel. Min. limar Galvão, DJ, 01.04.1986, p. 9.817)".

,7 "Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo."

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PARTES E PROCURADORES 131

do, do Distrito Federal e assim por diante. A capacidade postulatória dos advogados da União e dos procuradores dos estados e municípios é outorgada por força de lei quando são investidos nos cargos públicos.

Excepcionalmente, com a escusa de facilitar o acesso à “Justiça”, o legislador houve por bem conferir capacidade postulatória às próprias partes, nos processos em trâmite perante os juizados especiais, nos quais é dispensada a presença do advogado nas causas de até vinte salá­rios mínimos (art. 9° da Lei n. 9.099/95); nas ações de alimentos, nas quais o pretendente comparece aos cartórios e formula pretensão diante do escrevente, sendo o pedido reduzido a termo e iniciada a ação sem a presença do advogado (art. 2o da Lei n. 5.478/68);ls para a impetração de habeas corpus; ou em favor do empregado nos proces­sos da Justiça do Trabalho, admitindo-se a reclamação trabalhista ver­bal (art. 791 da CLT).

Com o devido respeito que merecem os entendimentos em senti­do contrário - inclusive a decisão do STF na ADIn 1.127 - , 19 entende­mos que são absolutamente inconstitucionais, por flagrante violação ao preceito contido no art. 133 da Carta Maior, todos os dispositivos que admitem a atuação em juízo da parte sem a presença do advoga­do, salvo a hipótese de dispensa de advogado para a impetração do habeas corpus, vez que a exceção encontra-se na própria Constituição. A esse respeito, a Constituição é incisiva em afirmar que o advogado é indispensável à administração da justiça, sem conter exceção a essa imprescindibilidade.

Nota-se que é a própria Constituição que determina como pressu­posto processual a presença do advogado em juízo, não estando instru­mentos infraconstitucionais autorizados a desobedecer a este coman­

18 "Art. 2o O credor, pessoalmente ou por interm édio de advogado, dirigir-se-á ao

juiz competente, qualificando-se, e exporá suas necessidades, provando, apenas, o parentes­

co ou a obrigação de alimentar do devedor..." [grifo do autor].

19 O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.127, deu a última palavra para declarar constitucionais (em conformidade com a Constituição) os

dispositivos que conferem capacidade postulatória às partes para atuação nos juizados espe­ciais e na Justiça do Trabalho.

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132 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

do supremo para outorgar capacidade postulatória às próprias partes em casos determinados.

5.2 A A d v o c a c i a

Como mencionamos anteriormente, a advocacia é função essen­cial à administração da justiça, atividade essa exercida por bacharéis em direito, regularmente aprovados e inscritos na Ordem dos Advoga­dos do Brasil - OAB (apenas estão habilitados ao exercício da advoca­cia os bacharéis inscritos na OAB, nos termos previstos no art. 3o da Lei n. 8.906/94).

Ressalte-se que são funções exclusivas do advogado a postulação perante os órgãos do Poder Judiciário e as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídica. O advogado atua no processo na qualida­de de representante da parte, para total defesa e cuidado dos direitos e deveres de seu cliente, agindo judicialmente com a finalidade de obter um provimento jurisdicional favorável ao seu constituinte, gozando essa função de natureza pública e social nos termos fixados no Estatu­to da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n. 8.906/94).

Os atos praticados por pessoas não inscritas na Ordem dos Advo­gados do Brasil ou por advogado que esteja suspenso ou impedido de exercer a profissão são considerados nulos.

■ i 5 . 2 . 1 D o s D i r e i t o s e D e v e r e s B á s i c o sd o A d v o g a d o

O Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, ins­tituído pela Lei n. 8.906/94 - que obriga toda a sociedade e não apenas os inscritos na OAB, por se tratar de uma Lei Federal - regula os direi­tos e deveres dos advogados, com a imposição de mecanismos que asse­guram a independência e o efetivo exercício da advocacia, bem como zela pela ética profissional e pelos direitos dos constituintes (partes).

São princípios fundamentais previstos no Estatuto da Advocacia: a independência técnica do advogado e a inexistência de hierarquia ou subordinação entre os advogados, magistrados e membros do Minis­tério Público. Nenhuma dessas funções encontra-se acima das outras,

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PARTES t PROCURADORES 1 3 3

devendo todos - como determina a Lei n. 8.906/94 - tratar-se com urbanidade, respeito e consideração. O dever de consideração e respei­to aos advogados estende-se, inclusive, às demais autoridades do Esta­do (servidores públicos e serventuários da justiça), que devem dispen­sar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia.

Antes mesmo do advento do Estatuto, o art. 40 do Código de Pro­cesso Civil já assegurava alguns direitos aos advogados, como: o de exa­minar os autos em cartório (o que não é diferente para qualquer outra pessoa, já que os processos são públicos); obter, na qualidade de procu­rador nos autos, vistas do processo fora de cartório pelo prazo de cin­co dias; retirar os autos de cartório pelo prazo legal sempre que lhe competir falar nos autos. A retirada dos autos de cartório somente po­derá ocorrer quando o ato competir apenas a uma das partes; em se tra­tando de prazo comum, os autos devem permanecer em cartório para que todos os litigantes a eles tenham acesso, salvo se as partes conven­cionarem em sentido contrário.

Além dos direitos previstos no Código de Processo Civil, o art. 7o da referida Lei n. 8.906/94 dispõe sobre as seguintes prerrogativas da advocacia:

a) exercício da profissão com liberdade em todo o território nacional;b) respeito ao sigilo profissional, com a inviolabilidade do escritório

ou local de trabalho, arquivos e dados, correspondência e comuni­cações (telefônica, fac-símile, e-mail etc.). A inviolabilidade do escritório apenas poderá ser excepcionada mediante ordem judi­cial para busca e apreensão de coisa determinada, devidamente acompanhada de representante da OAB;

c) comunicação pessoal e reservada com o seu cliente, mesmo que se encontre preso;

d) ingresso livre às salas de audiências, às salas de sessões dos tribu­nais (mesmo além dos cancelos que separam a parte reservada aos magistrados), secretarias e cartórios onde deve ser praticado ato processual (dentro ou fora de expediente, e independentemente da presença de seus titulares), em assembléia ou reunião de que possa participar e que interesse ao seu cliente;

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134 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

e) permanecer em pé ou sentado e retirar-se de quaisquer locais indi­cados no item anterior mesmo sem pedir licença;

f) dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas de audiências ou ga­binetes de trabalho, independentemente de horário marcado ou outra condição;

g) usar da palavra para invocar “pela ordem” em qualquer juízo ou tribunal, mediante intervenção breve, para esclarecimento de equí­voco ou dúvida, ou para replicar acusações ou censuras que lhe forem feitas;

h) apresentar reclamações, verbais ou por escrito, contra abuso de poder, inobservância de preceito de lei, de regimento ou estatuto;

i) examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário, Executivo ou Legislativo, autos findos ou em andamento (de processos, flagrantes ou inquéritos), mesmo sem procuração, quando não estejam sujei­tos a sigilo, podendo o advogado tomar notas e requerer cópias;20

j) ter vistas dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, e retirá-los, desde que tenha procuração;

1) retirar autos findos, mesmo sem procuração, pelo prazo de dez dias (nessas duas hipóteses de retiradas dos autos, o direito ficará preju­dicado caso os processos corram sob segredo de justiça, contenham documentos originais de difícil restauração ou quando o advogado tenha deixado de devolver os autos no prazo legal em vez anterior);

20 Sobre direitos e deveres dos advogados, conferir: Marco Antônio Araújo Júnior, Ele­mentos do direito: ética profissional.

"Constitucional. Administrativo. Apelação em mandado de segurança. Cópia de docu­mento de interesse pessoal. Direito do advogado à extração de cópias. Direito líquido e certo. Recusa. Ilegalidade. 1 - Nos termos do art. 5o, XXXIII e XXXIV, da Constituição Federal de 1988, é assegurado a todos a obtenção de cópias de documentos mantidos em repartições públicas necessários à defesa de seus direitos e ao esclarecimento de situações pessoais, sendo ilegal a recusa de seu fornecimento, salvo as hipóteses de sigilo imprescindível à segu­rança da sociedade e do Estado. 2 - São direitos, constitucionalmente assegurados aos advo­gados, 'ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais', bem como, 'mesmo sem pro­curação, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias', nos termos do disposto no art. 7o, incs. XIII e XV, da Lei n. 8.906/94. 3 - Hipótese em que segurado enfrentou a recusa do INSS em fornecer-lhe cópias do processo administrativo, onde pleitea­va a concessão de benefício previdenciário a caracterizar ofensa a direito líquido e certo a ser resguardado através do mandado de segurança [...]." (TRF, 3a Região, 5a T., RE em MS n. 224195, rel. Des. Suzana Camargo, j. 27.05.2003, v.u)

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PARTES E PROCURADORES 1 3 5

m) ser desagravado publicamente quando ofendido no exercício de sua profissão;

n) usar os símbolos privativos da profissão de advogado; o) recusar-se a depor como testemunha em processo em que atuou

ou deva atuar, ou sobre fato relacionado com seus clientes;21 p) retirar-se do recinto onde se encontre aguardando pregão para ato

judicial, após trinta minutos do horário designado, ao qual não tenha comparecido a autoridade que deva presidi-lo, mediante co­municação protocolizada em juízo;

q) imunidade profissional contra os crimes de injúria e difamação,22 quando do exercício da profissão, salvo as sanções disciplinares em caso de excesso;

r) deverão ser instaladas em todos os juizados, fóruns, tribunais, de­legacias de polícia e presídios salas especiais permanentes para os advogados (para uso exclusivo da OAB e de seus inscritos).

Não obstante o extenso rol de direitos e prerrogativas da advoca­cia, os advogados também estão sujeitos a deveres e obrigações de na­tureza processual (art. 14 do CPC, a seguir estudado), ética e discipli­nar (arts. 31 a 34 do Estatuto da Advocacia) e até mesmo de natureza civil (art. 668 do Código Civil de 2002).

O Código de Processo Civil, conforme trataremos no próximo tópico, impõe aos procuradores os mesmos deveres inerentes às partes no que concerne à conduta leal e de boa-fé durante toda a condução do processo.

Por sua vez, o Estatuto da Advocacia determina que o advogado deve proceder sempre de modo “que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia” (art. 31 da Lei n.

21 "Art. 7o. (...) XIX - recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcio­nou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advoga­do, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional. “

22 O crime de desacato foi excluído quando do julgamento da ADIn n. 1.127-8.

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1 3 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

8.906/94), mantendo-se com independência e respeito aos demais pro­fissionais do direito. Além disso, o advogado deve abster-se de: exercer a profissão quando impedido; manter sociedade ou atividade contrária ao Estatuto; utilizar agenciador de causas; assinar escritos ou documentos não produzidos por ele ou com a sua participação; violar o sigilo profis­sional; estabelecer entendimento com a parte contrária (ao advogado é vedado comunicar-se com a parte contrária sem o consentimento do advogado desta); prejudicar por culpa grave interesse que esteja patroci­nando; abandonar a causa sem motivo justo; recusar-se injustificada- mente a prestar assistência jurídica; fazer publicar na imprenssa alega­ções forenses a causas pendentes; interpretar ou citar lei, doutrina, jurisprudência, depoimentos e documentos de forma a deturpá-los para causar confusão no processo; fazer imputação a terceiros de fato tido como crime sem a autorização do cliente; deixar de cumprir os prazos e determinações judiciais; receber ou solicitar importância de cliente para fins desonestos; receber valores da parte contrária ou de terceiros, sem expressa autorização do cliente; enriquecer à custa do cliente ou da parte adversa; recusar-se a prestar contas de - e reter ou extraviar - documen­tos ou autos recebidos com vistas ou em confiança; deixar de pagar as contribuições, multas e taxas devidas à Ordem dos Advogados do Brasil, e incidir em erros reiterados que evidenciem falta de aptidão profissio­nal; manter conduta incompatível com a advocacia (prática de jogos de azar, incontinência pública e escandalosa, embriaguez ou toxicomania habituais); fazer prova falsa para inscrever-se na OAB, tornar-se moral­mente inidôneo; praticar o estagiário atos que excedam aos seus poderes.

A Ordem dos Advogados do Brasil instituiu, por meio de seu Con­selho Federal, o Código de Ética e Disciplina profissional, fixando as condutas fundamentais do advogado (e o dever de urbanidade)23 no exercício da profissão e nas relações com o cliente, e quanto ao sigilo profissional, à publicidade e aos honorários profissionais.

23 Código de Ética e Disciplina: "Art. 44. Deve o advogado tratar o público, os colegas, as autoridades e os funcionários do Juízo com respeito, discrição e independência, exigindo igual tra­tamento e zelando pelas prerrogativas a que tem direito. Art. 45. Impõe-se ao advogado lhaneza [lisura], emprego de linguagem escorreita e polida, esmero e disciplina na execução dos serviços".

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PARTES E PROCURADORES 1 3 7

Além disso, na qualidade de mandatário, o advogado tem a obri­gação de prestar contas aos seus clientes, com a demonstração da ad­ministração e representação dos bens e direitos alheios, repassando ao constituinte o resultado e as vantagens advindos da representação (art. 1.301 do CC/1916) - art. 668 do CC/2002.

M 5 . 2 . 2 D O I N S T R U M E N T O DE M A N D A T O

O advogado atua no processo na qualidade de representante da par­te, praticando atos em nome desta, em típica atividade de representa­ção ou mandato.2'1 Nos termos da legislação civil, o mandato represen­ta o ato jurídico pelo qual alguém recebe poderes de outrem para, em seu nome, praticar atos e administrar interesses.

Assim, o advogado recebe de seu cliente o mandato para agir em juízo ou fora dele, mas sempre na condição de representante do cons­tituinte e em defesa de seus interesses.

O ingresso do advogado na ação, na qualidade de mandatário da parte, necessita da comprovação efetiva do mandato outorgado, sendo indispensável a juntada da procuração aos autos do processo para fazer prova dos poderes recebidos do constituinte,25 como determina o art. 37 do Código de Processo Civil.

24" Procuração. Advogado. Ausência de exibição do mandato. Fato que torna inexisten­

tes todos os atos praticados pelo causídico. Inteligência do art. 37 do CPC. A exibição pelo ad­vogado do instrumento de procuração [de mandato] é indispensável sob pena de serem con­

siderados inexistentes todos os atos por ele já praticados." (STF, 1aT., AR em Al n. 419.395-5, rel. Min. limar Galvão, j. 11.03.2003, v.u.)

"Processo civil. Recurso de apelação subscrito por advogado sem procuração nos autos.

Concessão de prazo para regularização nas instâncias ordinárias. Possibilidade. 1 - A jurispru­dência iterativa do STJ aponta no sentido de que nas instâncias ordinárias, diante da ausên­

cia do instrumento de procuração [de mandato] do subscritor do recurso de apelação, deve ser concedido prazo razoável para regularização da representação processual. [...]" (STJ, 4" T.,

REsp n 594.426, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 06.04.2004, v.u.). No mesmo sentido: STJ, 3“ T., REsp n 555.561, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 14.06.2004, v.u.

25 A procuração é o meio pelo qual o mandato se concretiza. O ato jurídico é o manda­

to, mas a sua efetivação se faz por meio da procuração. A procuração é o instrumento de mandato (não é correto falar-se em instrumento de procuração).

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138 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

O referido art. 37, cumulado com o art. 5o, § Io, do Estatuto da Advocacia,26 autoriza ao advogado praticar no processo atos que repu­tar urgentes mesmo sem a exibição do instrumento de mandato, obri­gando-se a apresentá-lo no prazo de quinze dias, prorrogáveis por mais quinze dias mediante decisão judicial.

O protesto pela juntada de instrumento de procuração nos pri­meiros quinze dias que sucedem ao ato independe de demonstração da urgência ou decisão judicial. No entanto, caso o advogado não prom o­va a exibição da procuração (ou não requeira a prorrogação), todos os atos praticados serão tidos como inexistentes.27

Necessariamente, as procurações deverão conter: a qualificação completa do outorgante; os nomes e as qualificações dos outorgados e os poderes transmitidos no instrumento.

O mandato conferido ao advogado pode conter poderes gerais, que o habilitam para a prática dos atos comuns do processo, e poderes especiais, que admitem a realização de atos que, a princípio, seriam de competência da própria parte.

A procuração conferida aos advogados habilita-os para atuação em juízo ou fora deste, denominada de procuração ad judicia (para representação em juízo) ou procuração ad judicia et extra (para m an­dato em juízo e fora dele). Como regra, a cláusula ad judicia confere aos advogados poderes para o foro em geral, para que possa ingressar com a ação ou apresentar defesa, realizar atos processuais, enfim, pra­ticar todos os atos processuais que competem aos patronos, exceto aque­les em que a lei exige poderes especiais.

Dada a sua relevância, alguns atos processuais, como receber cita­ção, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir (fazer

26 "Art. 5o 0 advogado postula, em juízo ou fora dele, fazendo prova do mandato. § 1o 0 advogado, afirmando urgência, pode atuar sem procuração, obrigando-se a apresentá-la no prazo de 15 (quinze) dias, prorrogável por igual período."

27 "Postulação sem mandato. É admissível, nas hipóteses do art. 37 do CPC (idem, Lei n. 4.215/63). Compete, todavia, ao advogado exibir o instrumento de mandato no prazo de quin­ze dias, 'independentemente de qualquer ato judicial ou manifestação da autoridade judiciária'. Não o tendo exibido, nem requerido a prorrogação por outros quinze dias (aí sim, exige-se a manifestação do juiz), acertado o acórdão que, neste caso, não conheceu dos embargos de declaração." (STJ, 3a T., REsp n. 23.877-1, rel. Min. Nilson Naves, j. 22.09.1992, v.u.)

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PARTES t PROCURADORES 139

acordo), desistir da ação, renunciar ao direito sobre o qual se baseia a ação, firmar compromisso, receber e dar quitação, dependem de poderes especiais para que possam ser praticados pelo advogado no lugar da parte. Os poderes especiais não estão incluídos na cláusula geral ad judicia.

Dessa forma, para a prática dos atos anteriormente mencionados, o advogado necessita de poderes especiais (os poderes gerais e especiais serão previstos na mesma procuração). Os poderes gerais são implíci­tos e próprios da procuração ad judicia, no entanto, os poderes especi­ais devem constar expressamente no instrumento, caso sejam neces­sários à atuação do profissional.

Ressaltamos que o advogado deve ter cuidado com a inclusão dos poderes especiais nas procurações. Muitos profissionais, fazendo uso de modelos genéricos, recebem os poderes especiais sem necessidade e, no futuro, acabam prejudicando seus clientes por atos desastrosos com tais poderes.

Outra questão relevante acerca da procuração é quanto a sua for­malidade. A lei processual, em seu art. 38, afirma que a procuração pode ser conferida por instrumento público, realizado perante oficial de cartório, ou mesmo por meio de instrumento particular, elaborado e assinado pelos próprios interessados.

Nesse ponto, surgem as seguintes indagações: é necessário o reco­nhecimento da assinatura do outorgante por oficial público (firma reconhecida por oficial de cartório)? Por se tratar de um ato jurídico, deve a procuração ser subscrita por testemunhas?

Certamente a resposta é negativa para as duas indagações. Em primeiro lugar, pelo fato de a procuração ad judicia tratar-se de uma espécie diferenciada de mandato, prevista basicamente no Código de Processo Civil e no Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil - EAOAB, que não prevêem a necessidade de reconhecimen­to de firma ou assinatura de testemunhas.

A esse respeito, a jurisprudência28 do Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento no sentido de que a procuração ad judicia,

28 "Processo civil. Procuração judicial. Poderes gerais para o Foro e Especiais. Art. 38, CPC. Reconhecimento de firma. Desnecessidade. Presunção de veracidade. Precedente da

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1 4 0 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

para poderes gerais e especiais, independe do reconhecimento da assi­natura do outorgante, já que o art. 38 do Código de Processo Civil (com redação alterada pela Lei n. 8.952/94) teria dispensado tal formalidade exacerbada.

O utra formalidade exigida pelo Código Civil de 1916, que tam ­bém não foi contemplada no ordenamento processual, seria a obriga­toriedade de instrum ento público quando o m andato for outorgado por menores púberes (aqueles com idade entre dezesseis e vinte e um anos), que dependem de assistência do representante legal; tanto o outorgante relativamente incapaz como o seu representante legal assi­nam a procuração.

Da mesma forma, entendem os que o Código de Processo Civil, em seu art. 38, ao fixar alternatividade entre o instrum ento público ou particular para o m andato inerente à cláusula ad judicia, não exi­giu que as procurações dos relativamente incapazes fossem conferi­das por meio de instrum ento público,29 não podendo prevalecer o disposto no art. 1.289 do antigo Código Civil, por se tra tar de lei anterior e genérica.

Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça. Recurso desprovido. I - O art. 38, CPC, com a redação dada pela Lei n. 8.952/94, dispensa o reconhecimento de firma nas procurações empregadas nos autos do processo, tanto em relação aos poderes gerais para o foro (cláusu­la ad judicia), quanto em relação aos poderes especiais (et extra) previstos nesse dispositivo. Em outras palavras, a dispensa do reconhecimento de firma está autorizada por lei quando a procuração ad judicia et extra é utilizada em autos do processo judicial. II - A exigência ao advogado do reconhecimento da firma da parte por ele representada, em documento pro­cessual, quando, ao mesmo tempo, se lhe confia a própria assinatura nas suas manifestações sem exigência de autenticação, importa em prestigiar o formalismo em detrimento da pre­sunção de veracidade que deve nortear a prática dos atos processuais e o comportamento dos que atuam em juízo. III - A dispensa da autenticação cartorária não apenas valoriza a atuação do advogado como também representa a presunção, relativa, de que os sujeitos do processo, notadamente os procuradores, não faltarão com os seus deveres funcionais, expres­sos no próprio Código de Processo Civil, e pelos quais respondem." (STJ, 4a T., REsp n. 264228/SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 05.10.2000, v.u.)

79 "Advogado. Procuração ad judicia em que figuram como outorgantes menores púbe­res, com assistência da mãe, lavrada por instrumento particular. Pretendida contrariedade ao art. 1.289 do Código Civil, por inobservância da Exigência de instrumento público. Alegação rejeitada ante a existência de normas específicas, não restritivas, quanto ao mandato ad judi­cia. Recurso especial pela letra a não conhecido." (STJ, 5“ T., REsp n. 25482/SP, rel. Min. Assis Toledo, j. 15.03.1993, v.u.)

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PARTES E PROCURADORES 1 4 1

Todavia, com o advento do novo Código Civil, em especial pela redação do art. 692, acreditamos que a controvérsia anterior não mais prevalece, já que prevê expressamente que o mandato judicial fica su­bordinado às normas especiais sobre a matéria (CPC e EAOAB).

Cumpre observar, ainda, que a transferência a outrem dos poderes recebidos pelo advogado pode ser realizada por meio de substabeleci- mentos. Por exemplo, caso novos advogados ou estagiários necessitem ingressar no processo (seja qual for o motivo), o advogado já consti­tuído substabelecerá poderes aos novos patronos para que possam representar o outorgante.

Assim, podemos afirmar que o substabelecimento é o instrum en­to de transferência dos poderes recebidos por mandato.

O substabelecimento pode ser:

a) com reservas de poderes, pelo qual aquele que substabelece m an­tém os poderes recebidos do cliente constituinte. Com essa modalidade de substabelecimento, aquele que substabelece trans­fere para outrem os poderes que recebeu, mas permanece no processo com os poderes originariamente recebidos;

b) sem reservas de poderes, instrumento pelo qual o advogado que substabelece transfere todos os poderes que recebeu, sem perm a­necer constituído - trata-se de uma espécie de renúncia do advo­gado. O advogado transfere todos os poderes sem resguardá-los para si e, portanto, cessam em relação a ele os poderes originaria­mente outorgados pelo cliente.

Na verdade, o substabelecimento sem reservas eqüivale à renúncia do advogado aos poderes que recebeu, fazendo cessar o mandato origi­nal. Assim, em caso de substabelecimento sem reservas de poderes, o advogado deverá dar ciência prévia e inequívoca ao seu cliente, con­forme determina o art. 24, § Io do Código de Ética e Disciplina.

Além disso, outra questão relevante é a possibilidade de substabe­lecimento conferido aos estagiários. Nesse caso, os advogados apenas poderão conferir aos seus estagiários substabelecimentos com reservas de poderes, para o fim de permitir a atuação desses estudantes com a

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142 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

supervisão e em conjunto com o próprio advogado constituído (§ 2o do art. 3o do EAOAB).

Por fim, o instrumento de mandato pode ser extinto pela renúncia do advogado ou pela destituição ou revogação manifestada pelo clien­te. O advogado pode a qualquer momento e sem justificativa renunciar aos poderes recebidos, bastando dar ciência inequívoca e expressa ao cliente constituinte, e permanecendo no processo pelo prazo de dez dias ou até que seja constituído novo patrono, o que ocorrer primeiro, para o fim de evitar grave prejuízo ao processo (art. 5o, § 3o, do EAOAB). A revogação ou destituição provocada pelo cliente também deverá ocor­rer por manifestação expressa dirigida ao advogado.

5.3 De v e r e s Ge r a i s d a s Pa r t e s

e dos Pr o c u r a d o r e s

A qualidade de parte impõe aos indivíduos que integram o proces­so faculdades, obrigações, ônus e poderes relativos à própria relação jurídica processual e aos demais sujeitos que a integram. Justamente por se tratar de uma relação jurídica, o processo gera efeitos efeitos (direitos e obrigações) em relação aos seus sujeitos.

O professor Humberto Theodoro Junior, ao discorrer30 acerca dos efeitos da relação processual, distingue direitos, obrigações, deveres e ônus processuais. Em relação aos direitos, cita como principais o direi­to de ação e de defesa das partes, decorrendo desses direitos todos aqueles relativos ao devido processo legal.

Por obrigações processuais entende-se o vínculo jurídico que sujeita a parte a arcar com prestações pecuniárias ou de valor econô­mico, como as despesas processuais (custas e taxas judiciárias).

Na distinção traçada por Theodoro Junior31 os deveres processuais compreendem as outras prestações, aquelas desprovidas de natureza

30 Curso de direito processual civil, p. 63-4.31 Idem, p. 63. "A diferença entre ônus, de um lado, e deveres e obrigações, de outro

lado, está em que a parte é livre de adimplir ou não o primeiro, embora venha a sofrer dano

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PARTES E PROCURADORES 143

econômica ou pecuniária, como o dever das partes de agir no proces­so com lealdade e boa-fé.

Por sua vez, os ônus processuais são faculdades atribuídas às par­tes, não obrigam ao efetivo cumprimento, mas, quando da inércia, po­dem acarretar prejuízos à parte, como a perda de uma capacidade processual (uma preclusão). É exemplo clássico de um ônus processual a faculdade que o réu tem de se defender. Nota-se que a lei confere ao demandado a oportunidade para apresentar sua contestação, mas caso não queira ele exercitar esse direito, ninguém poderá forçá-lo a isso. No entanto, o descumprimento desse ônus poderá acarretar prejuízo ao réu, o gravame de ser considerado revel (com a presunção de vera­cidade dos fatos alegados pelo autor).

■ i 5 . 3 . 1 D e v e r e s d a s P a r t e s e d o s P r o c u r a d o r e s

O Código de Processo Civil, ao dispor acerca dos deveres proces­suais - estendendo-se a todos que participam da relação jurídica pro­cessual - em seu art. 14, dispõe que os sujeitos do processo devem:

a) expor os fatos em juízo conforme a verdade, abstendo-se de mali­ciosamente alterarem a verdade dos fatos com o intuito de levarem o juízo e a parte adversa a erro;

b) proceder com lealdade e boa-fé;c) não formular pretensões ou defesas cientes da falta de fundamento;d) abster-se de praticar atos inúteis ou desnecessários no processo;e) cumprir com exatidão os provimentos mandamentais, não criando em­

baraços à efetivação de provimentos judiciais de qualquer natureza.32

O ordenamento processual determina às partes e aos demais sujei­tos do processo que procedam com lealdade e boa-fé, utilizando-se das técnicas jurídicas de forma honesta e para obtenção de fins legais, sem se valerem do processo para protelar ou frustrar direito alheio.

jurídico em relação ao interesse em jogo no processo. Já, com referência às obrigações e de­veres processuais, a parte não tem disponibilidade, e pode ser compelida coercitivamente à respectiva observância, ou sofre uma sanção equivalente".

32 Trata-se do inc. V do art. 14 do CPC acrescentado pela Lei n. 10.358/2001. Entende­mos tratar-se de um comando inerente à própria atividade jurisdicional, pois, como citamos anteriormente, a jurisdição tem poder coercitivo para fazer cumprir as suas decisões, atos estes que devem ser respeitados imediatamente, sem nenhuma oposição ou resistência.

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144 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Por sua vez, o art. 15 do Código de Processo Civil determina que as partes e seus procuradores devem tratar-se com urbanidade e res­peito, sem a utilização de expressões injuriosas ou que comprometam a dignidade da pessoa envolvida no litígio. Em alguns casos, normal­mente quando as partes ou seus procuradores se apaixonam pela causa litigiosa, passam eles a fazer ofensas pessoais uns aos outros, hipóteses em que é dever do magistrado - já que é ele que preside o processo e seus atos - advertir as partes, determinar que se retirem dos autos (se apaguem ou risquem) as ofensas, ou ainda cassar a palavra de parte ou patrono que tornar a perder a civilidade.

Além das repressões processuais à falta de urbanidade, o magistra­do deverá comunicar o fato à entidade de classe ou à autoridade compe­tente (Ordem dos Advogados do Brasil,33 Ministério Público, corregedo- rias etc.) para que promovam as sanções disciplinares administrativas cabíveis ao infrator.

A legislação processual também é cautelosa em dispor acerca das condutas das partes ou dos procuradores que possam importar em deslealdade processual ou litigância de má-fé, nestes termos:

Art. 17. Reputa-se litigância de má-fé aquele que:

I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou

fato incontroverso;

II - alterar a verdade dos fatos;

III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do

processo;

VI - provocar incidentes manifestalmente infundados;

VII - interpuser recurso com intu ito manifestamente protelatório.

Como se vê, a legislação processual relaciona as condutas entendi­das como litigância de má-fé para coibir a errônea e astuta utilização de técnicas e institutos do processo civil para fraudar ou iludir direito

33 O Código de Ética e Disciplina dispõe acerca do procedimento disciplinar: "Art. 51. O processo disciplinar instaura-se de ofício ou mediante representação dos interessados, que não pode ser anônima".

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PARTES E PROCURADORES 1 4 5

alheio, servindo de exemplo, a protelação do processo com a interpo- sição de recursos infundados, formulação de pretensões descabidas ou que não se relacionem com o objeto da demanda, requerimentos para prática de atos inúteis ao fim a que se destina o processo etc.

A prática de ilícitos processuais, como a litigância de má-fé, gera a imposição de multa pela falta de lealdade processual à parte desleal, em valor não excedente a 1% sobre o valor da causa. Além da multa, a parte ou o advogado poderão ser condenados ao pagamento de indenização à parte lesada pela má-fé, sendo essa indenização arbitrada pelo juiz em valor equivalente a até 20% sobre o valor da causa, bem como ao paga­mento dos honorários advocatícios e demais despesas processuais de­sembolsadas pela parte lesada em razão da malícia de seu adversário.

Na reforma introduzida pela Lei n. 10.358/2001, foi introduzido o parágrafo único ao art. 14 para determinar a aplicação de multa, em valor não superior a 20% sobre o valor da causa, às autoridades e aos demais indivíduos (ressalvados os advogados que estão sujeitos ao EAOAB) que descumprirem provimentos mandamentais ou que opuse­rem resistência à efetivação de ordens judiciais, sem prejuízo das sanções penais, civis e processuais cabíveis.

E mais, por se entender que o descumprimento à ordem judicial configura ato atentatório ao exercício da jurisdição - como é óbvio, pois o mínimo que se espera em um Estado Democrático de Direito é que se respeitem as decisões judiciais - , a multa será devida ao final do processo, independentemente de seu resultado, e revertida em favor da União ou dos estados, dependendo do órgão jurisdicional em que se encontrar o processo.

Outras hipóteses de litigância de má-fé, que na prática derivam todas dos arts. 14 e 17 do Código de Processo Civil, estão previstas em outros dispositivos, como é o caso, por exemplo, do art. 538, parágra­fo único, que prevê multa para coibir a oposição de embargos de decla­ração protelatórios, ou ainda a imposição de multa (art. 620 do CPC) para coibir no processo de execução a prática de atos atentatórios à dignidade da justiça (fraude à execução, emprego de meios artificiosos, resistência etc.).

Não obstante a severidade empregada no Código de Processo Ci­vil, na prática forense é muito comum assistirmos aos artifícios das partes para frustrar o resultado útil do processo (recusando-se ao cum ­

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1 4 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

primento de ordens judiciais, interpondo recursos protelatórios, alie­nando ou ocultando bens litigiosos etc.)> sem que o Judiciário aplique as penalidades fixadas na lei.

m 5 . 3 . 2 O b r i g a ç õ e s d a s P a r t e s :

d e s p e s a s p r o c e s s u a i s

Como regra, a atividade jurisdicional não é um serviço público gratuito do Estado, mas, necessariamente, apenas se desenvolve após desembolso de custas e taxas judiciárias pelas partes interessadas em relação aos atos que realizarem no processo.

Dessa forma, quando da realização dos atos processuais, cada par­te antecipará o pagamento das custas e despesas processuais para a efe­tivação dos atos que lhe incumbem.

No processo, a título de exemplo,3'1 a parte autora deverá recolher custas iniciais quando da propositura da ação, taxas pela juntada de procurações aos autos, preparo e porte de remessa e de retorno35 quan­do da interposição de recursos, honorários de perito e assistentes téc­nicos, custas para o transporte dos oficiais de justiça para que possam cumprir suas diligências etc., dependendo do disposto nas Leis de O r­ganização Judiciária de cada estado-membro, normas do Conselho Su­perior da Magistratura ou nos regimentos dos tribunais.

As despesas serão providas, como regra, pela parte que requereu o ato processual. Cada parte deverá adiantar as despesas dos atos que pretender praticar. No entanto, se o ato for determinado de ofício pelo juízo ou por requerimento do Ministério Público, as despesas serão desembolsadas pela parte autora.

A legislação processual utiliza-se do termo “adiantamento” para fazer referência às despesas processuais. Isso ocorre pelo fato de que, no final da ação, a parte vencedora tem o direito de ser reembolsada pela parte vencida por todas as despesas que adiantou no processo (incluindo os gastos nos incidentes processuais, indenizações de via­gens, diárias de testemunhas, remuneração do assistente técnico, con­forme § 2o do art. 20 do CPC), como forma de indenização pelos pre­

3,1 Considerando-se a Justiça do Estado de São Paulo.3'J O preparo representa as custas pela interposição do recurso, e o porte de remessa e

retorno, as despesas com o transporte dos autos ao Tribunal quando este não se encontra na mesma localidade do juízo recorrido (por exemplo, autos remetidos de São Paulo para o STJ em Brasília).

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PARTES E PROCURADORES 147

juízos experimentados em razão da ação ou resistência indevida. O causador do processo indevido ou da resistência infundada deve res­ponder pelas despesas da parte inocente.

Além disso, é importante frisar que a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, nos termos da Lei 1.060/50, isenta a parte de adiantar as despesas processuais.

Em relação às Fazendas Públicas e ao Ministério Público, o art. 27 do Código de Processo Civil prevê que as despesas processuais requeri­das por esses sujeitos serão pagas ao final pela parte vencida. Assim, pela redação do mencionado artigo, o Ministério Público e as Fazen­das Públicas não estão obrigadas ao adiantamento das despesas processuais.

No entanto, o Superior Tribunal de Justiça tem proferido decisões restringindo o alcance do art. 27 do Código de Processo Civil, para limitar a isenção das Fazendas apenas em relação às custas devidas ao próprio Estado (taxas judiciárias), mas impondo o dever de adiantar as despesas com perícia, deslocamento de oficiais de justiça, registros etc.36

Por outro lado, além de impor à parte vencida o dever de inde­nizar a vencedora pelas despesas processuais adiantadas, a sucum- bência tam bém impõe ao vencido a obrigação de pagamento de honorários advocatícios ao patrono da parte vencedora, em valor que será fixado pelo juiz, como determina o art. 20 do Código de Processo Civil.

36 A Súmula n. 178 do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que, nas ações acidentárias (em que se pleiteia benefício em razão de acidente do trabalho), em trâmite na Justiça Estadual, o INSS não goza de isenção das custas e despesas processuais.

Outra exceção foi estabelecida na Súmula n. 190 do Superior Tribunal de Justiça, que admite o dever da Fazenda Pública, nas ações de execução fiscal em trâmite na Justiça Esta­dual, ao adiantamento das despesas com o transporte dos oficiais de justiça.

Reiterados acórdãos também determinam o dever das Fazendas de adiantar as despe­sas com perícias, como se vê: "Processual Civil. Despesas. Perícia. Fazenda Pública. Adian­tamento. Firmou-se entendimento,na egrégia 1a Seção, de que a Fazenda Pública e suas autarquias estão sujeitas ao adiantamento das despesas dos atos processuais, inclusive as re­ferentes a realização de perícia. Recurso Provido." (REsp n. 43.617/SP, rel. Min. Garcia Vieira, j. 09.03.1994)

Súmula n. 232 do Superior Tribunal de Justiça: "A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito” .

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148 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as

despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Essa verba

honorária será devida, também, nos casos em que o advogado

funcionar em causa própria.

O art. 20 impõe ao juiz o dever de incluir na sentença a condenação da parte vencida ao pagamento do reembolso das despesas processuais adiantadas pela vencedora, bem como o pagamento de honorários advocatícios ao advogado vencedor da causa. O juiz deve impor a con­denação mencionada mesmo que a parte não tenha pedido, ou seja, ex officio.

Os honorários de sucumbência são devidos independentemente dos honorários contratados entre a parte e seu procurador, tendo a con­denação arbitrada pelo juiz valor equivalente entre 10 e 20% sobre o valor da condenação imposta à parte vencida, observando-se o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e a im­portância da causa, trabalho realizado pelo advogado e o tempo des­pendido para isso.37

Contudo, em se tratando de causas de pequeno valor (ou valor ines­timável), bem como quando não houver condenação,38 for vencida a Fazenda Pública ou nos processos de execução, o juiz poderá fixar a con­denação de honorários de sucumbência em valor diverso daquele previs­to no § 3o do art. 20 do Código Processual Civil, utilizando-se do bom senso e com observância das condições individuais da causa (como a con­duta profissional do advogado, o grau de complexidade da ação etc.).39

A esse respeito, o art. 23 do EAOAB determina que os honorários advocatícios incluídos na condenação da parte vencida pertencem

37 Quando do julgamento dos incidentes processuais, o juiz condenará o vencido ao pa­gamento das custas, não havendo condenação em honorários (art. 20, § 1o, do CPC).

38 Nas ações meramente declaratórias ou constitutivas; nas ação que tenham por objeto obrigações de fazer ou não fazer, pela natureza do provimento não há condenação em valor pecuniário, portanto, impossível a fixação dos honorários com base nesse critério. Dessa forma, o magistrado deverá estabelecer a condenação de sucumbência fora dos limites estabelecidos no § 3o do art. 20 do CPC (10 a 20%); na prática, é muito comum, nesses casos, o arbitra­mento com base no valor da causa, especialmente quando o pedido do autor é improceden­te e este condenado ao pagamento de honorários advocatícios ao patrono da parte contrária.

39 A Súmula n. 201 do Superior Tribunal de Justiça consolidou a jurisprudência no sen­tido de não ser possível a fixação de honorários advocatícios em salários-mínimos.

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PARTES E PROCURADORES 149

exclusivamente ao advogado, podendo este, inclusive, promover ação de execução para recebimento do referido crédito.

Finalmente, surge a seguinte questão: como serão fixados os hono­rários advocatícios se houver sucumbência recíproca?

Na ocorrência de sucumbência recíproca, quando cada parte for vencida e vencedora na ação em proporções equivalentes (por exem­plo, quando o autor pede cem e o juízo condena o réu a pagar cinqüen­ta, há procedência parcial da pretensão), cada parte arcará propor­cionalmente com as despesas que desembolsou e com o pagamento dos honorários advocatícios. No exemplo citado, cada parte decaiu de metade de sua pretensão, portanto, as depesas serão divididas na mesma proporção. O art. 21 do Código de Processo determina que, no caso de sucumbência de ambas as partes, as despesas e os honorários serão recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados entre as partes.

Todavia, se a sucumbência da parte for mínima em relação àquilo que a parte demandou em juízo, a outra parte continuará obrigada ao pagamento integral de custas e honorários advocatícios, nos termos do parágrafo único do referido artigo.

Por fim, cumpre destacar que o ônus da sucumbência, nos termos do art. 20 do CPC, não se aplica nas seguintes situações:

a) Em favor do segurado, nas ações acidentárias. Nas ações relativas a acidente do trabalho (aquela em que se pleiteia benefício previ- denciário), caso a parte autora seja vencida, não haverá a conde­nação ao pagamento das custas e honorários advocatícios;40

b) Nas ações de mandado de segurança. A Súmula n. 105 do Superior Tribunal de Justiça e a Súmula n. 512 do Supremo Tribunal Federal pacificaram o entendimento no sentido de que não cabe a conde­nação em honorários advocatícios de sucumbência nas ações de mandado de segurança. No entanto, a jurisprudência tem admitido

40 A Súmula n. 110 do Superior Tribunal de Justiça afirma que a isenção apenas se apli­ca ao segurado e não ao INSS.

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150 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

a condenação do vencido ao reembolso das custas processuais adi­antadas pelo vencedor;41

c) Na ação civil pública. O art. 18 da Lei n. 7.347/85 determina que nas ações civis públicas não haverá adiantamento de custas, emo­lumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas pro­cessuais, nem a condenação da associação autora ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, salvo se houver má-fé.'2 A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem se manifes­tado no sentido de que a isenção prevista no referido artigo é restrita à parte autora da ação, não se estendendo ao pólo passi­vo.43 Note-se que a imposição do ônus da sucumbência dependerá da comprovação da má-fé da parte autora (para as entidades asso­ciativas) na propositura da ação civil pública. Comprovada a má- fé, o art. 17 da Lei da Ação Civil Pública determina que a associa­ção autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação, responderão solidariamente pelo pagamento de honorários advo­catícios de sucumbência e ao décuplo das custas processuais, sem prejuízo de responsabilização por perdas e danos;

d) Nas ações populares. O autor da ação popular está isento do paga­mento das custas processuais e honorários advocatícios de sucum-

41 "Mandado de Segurança. Reembolso das Custas com a segurança concedida, a sucumbente está sujeita a devolução das custas antecipadas pelo impetrante. Recurso Improvido." (REsp n. 65.749/SP, rel. Min. Garcia Vieira, j. 14.06.1995)

n "Processo Civil. Ação Civil Pública. Ministério Público. Condenação. Custas. Lei n. 7.347/85 artigos 17 e 18. 1. Em se tratando de ação civil pública, a questão dos ônus da sucum­bência recebe disciplina específica, que afasta a aplicação subsidiária do art. 20 do CPC. 2. A teor do art. 18 da Lei n. 7.347/85, a regra e a isenção de honorários de advogado, custas e despesas processuais, ressalvada apenas a hipótese de má-fé processual da associação autora. 3. Recurso Provido." (REsp n. 47.242/RS, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 19.09.1994)

43 "Processual Civil. Recurso Especial. Preparo. Lei n. 7.347/85. 1. Diz o artigo 18 da Lei 7.347/85: 'Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumen­tos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação auto­ra, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado custas e despesas processuais'. 2. A jurisprudência desta Casa tem oferecido uma interpretação restritiva ao privilégio proces­sual, limitando-o ao autor da ação, tal como ocorre na ação popular. Na verdade, não se mostra razoável estender o benefício àqueles que se encontram no pólo passivo da relação processual. Seria fora de propósito, no caso concreto, dar incentivo àquele que é condenado por improbidade administrativa, causando danos à sociedade. 3. Recurso especial conhecido em parte e improvido." (STJ, REsp n. 193.815/SP, rel. Min. Castro Meira, j. 24.08.2005)

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PARTES E PROCURADORES 1 5 1

bência, salvo se provada a sua má-fé, nos termos do art. 5o, LXXIII da Constituição da República;

e) Nas execuções contra a Fazenda Pública, quando não embargadas, não incidirão honorários advocatícios de sucumbência. Proposta uma execução contra a Fazenda Pública, uma vez que ela está impossibilidade de fazer o pagamento espontaneamente da sen­tença condenatória, não incidirão honorários advocatícios se a Executada não opuser embargos do devedor, nos termos do art. Io-D da Lei n. 9494/97;'1'1

f) Parte beneficiária da Justiça Gratuita. Casa a parte tenha sido favorecida com os benefícios da assistência judiciária gratuita, nos termos da Lei n. 1060/50, ficará isenta de adiantar as despesas processuais que lhe forem incumbidas no processo. No entanto, caso saia vencida na ação, o juiz deverá condenar a parte ao dever de restituir à outra as despesas adiantadas, bem como ao paga­mento dos honorários advocatícios de sucumbência. Todavia, enquanto durar o estado de pobreza ficará suspensa a exigibilidade de tal condenação.

5.4 A A d v o c a c i a p ú b l i c a

A advocacia pública, prevista nos arts. 131 e 132 da Constituição da República, refere-se aos advogados ou procuradores que exercem a defesa das pessoas jurídicas de direito público.

A Advocacia-Geral da União é a instituição de âmbito federal, por­tanto com atuação em todo o território nacional, incumbida da defe­sa judicial ou extrajudicial da União Federal, inclusive com atribuições de consultoria jurídica e prestação de assessoramento ao Poder Execu­

4,1 A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal (RE n. 420816/PR, rel. Min. Sepúlveda Pertence) tem excluído dessa regra as execuções de créditos de pequeno valor. Por esses julgados, cabe a condenação de honorários advocatícios nas exe­cuções contra as Fazendas Públicas nos casos de créditos de pequeno valor, mesmo quando não embargadas. Esse tema será tratado no volume II dessa obra, que aborda o processo de execução.

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1 5 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

tivo. A Advocacia-Geral da União é formada por procuradores admiti­dos por meio de concursos públicos de provas e títulos.45

Por sua vez, determina a Constituição que a Advocacia-Geral da União seja chefiada pelo advogado-geral da União, jurista esse nomea­do livremente pelo presidente da República entre cidadãos maiores de 35 anos, com notório saber jurídico e dotado de reputação ilibada.

A Constituição também conferiu defensores para os estados- membros. Assim, os estados da Federação, nos termos de suas Cons­tituições, terão suas defesas judiciais e consultorias jurídicas realiza­das por procuradores do estado (chefiados pelo procurador-geral do estado).

5.5 S u b s t i t u i ç ã o d a s Pa r t e s

Quando da elaboração da petição inicial e da propositura da ação, é o autor que determina, com observância, na legitimidade ad causam, da capacidade de ser parte e da capacidade processual, os indivíduos que ocuparão os pólos da demanda. Dessa forma, uma vez citado o réu, ocorrerá o denominado “princípio da estabilidade subjetiva da lide (perpetuatio legitimationis)”,46 fixando os elementos subjetivos do pro­cesso, os quais, como regra, figurarão até o encerramento da ação (art.41 do CPC).

No entanto, a regra da perpetuatio legitimationis pode sofrer exce­ções, como ensina José Frederico Marques,47 e a mudança subjetiva na ação pode ser meramente formal ou mesmo material. Havendo mudança formal, a parte continua sendo a mesma, operando-se apenas mudança em seu estado de capacidade, como quando o menor atinge a maioridade, ou cessam a incapacidade e a representação. O contrário ocorre com a mudança material da parte, que na realidade é sucedida por outra pessoa - é o caso, por exemplo, do cessionário que adquiriu

45 A Advocacia-Geral da União foi regulamentada pelos seguintes instrumentos: Lei Com­plementar n. 73/93 (Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União), Lei n. 9.028/95 e Lei n. 9.469/97.

46 Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery, op. c/r., p. 319.47 José Frederico Marques, Manual de direito processual civil.

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PARTES E PROCURADORES 1 5 3

o bem litigioso, que sucederá ao alienante na ação, ocupando o seu lugar.

Assim, podemos afirmar que no processo civil se admitem, excep­cionalmente, as seguintes modalidades de alteração subjetiva da lide:

a) morte ou perda da capacidade processual da parte;b) alienação do bem litigioso;c) intervenção de terceiros.

M 5 . 5 . 1 S U B S T I T U I Ç Ã O P O R M O R T E O U P E R D A

D A C A P A C I D A D E P R O C E S S U A L D A P A R T E

É preceito contido no ordenamento civil a regra segundo a qual a personalidade civil das pessoas físicas inicia-se com o nascimento (ape­sar da proteção legal do nascituro) e extingue-se com a morte. Dessa forma, o falecimento de qualquer uma das partes gera o desapareci­mento de um dos elementos indispensáveis para o prosseguimento válido do feito, importando na obrigatoriedade de sua substituição pelos sucessores indicados na Lei Civil.

Ocorrendo a morte de qualquer uma das partes, o juiz determina­rá a suspensão do processo - já que falta à relação pressuposto de capa­cidade subjetiva - até que o espólio ou os sucessores (herdeiros) da par­te falecida venham integrar a lide, ocupando o lugar da parte morta.

Nesse ponto, é importante consignar que a substituição apenas poderá ocorrer quando o direito litigioso admitir transferência de titu­laridade, pois, em se tratando de direitos personalíssimos e intransmis- síveis por expressa disposição legal, a ação deverá ser extinta sem o jul­gamento do mérito (art. 267, IX, do CPC). Por exemplo, seria o caso da ação de divórcio, pois, falecendo qualquer um dos cônjuges, o direi­to de dissolução do casamento não se transmite aos sucessores, sendo a ação extinta sumariamente.

Por outro lado, verifica-se a substituição em razão da perda da capacidade processual da parte, como citamos anteriormente, hipóte­se de mera substituição formal, já que a parte é mantida no pólo da ação, operando-se tão-somente a regularização de sua representação processual.

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154 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

h 5 . 5 . 2 S u b s t i t u i ç ã o d e c o r r e n t e d a A l i e n a ç ã o

DO B E M L l T I G I O S O

Imaginemos o seguinte exemplo: A promove ação em face de B para reivindicar determinado veículo, e ocorre que, após devidamente citado, o réu resolve vender o referido carro para C. Nota-se que B alie­nou o bem a C, assumindo este a qualidade de cessionário do bem liti- gioso.

Assim, com a alienação do bem litigioso, haverá substituição pro­cessual? O cessionário C poderá ocupar a posição na lide anteriormen­te exercida por B.

Pela regra prevista no art. 42 do Código de Processo Civil, a alie­nação da coisa litigiosa, por ato entre vivos e a título particular, não altera a legitimidade das partes, permanecendo no pólo da ação a parte que alienou o bem litigioso, confirmando a autonomia do processo em relação ao direito material.

Todavia, a regra do caputdo art. 42 é excepcionada pelo comando que admite a substituição da parte alienante pelo adquirente ou ces­sionário do bem litigioso, quando a parte contrária consentir (art. 42, § Io, do CPC). Não havendo a autorização da parte contrária para a substituição, o adquirente apenas poderá intervir no processo na qua­lidade de assistente48 da parte que alienou o bem.

Mesmo que não ocorra a substituição da parte pelo adquirente, este será atingido pelos efeitos da sentença do processo, uma vez que, realizada a citação, o bem jurídico é tido por litigioso e, conseqüente­mente, qualquer ato de alienação da coisa será considerado ineficaz em relação ao processo e às partes originariamente estabelecidas pela per- petuatio legitimationis.

■ I 5 . 5 . 3 I N T E R V E N Ç Ã O DE T E R C E I R O S

Outra forma de alteração nos sujeitos que integram a relação jurí­dica processual ocorre nas hipóteses de intervenção de terceiros que, em alguns casos, têm o poder de substituir a parte ré por pessoa estranha à lide (como ocorre na nomeação à autoria), ou mesmo para admitir no

48 Modalidade de intervenção de terceiros pela qual se admite o ingresso de pessoa estranha à lide para auxiliar uma das partes, desde que demonstre interesse.

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PARTES E PROCURADORES 1 5 5

processo atos de indivíduos que não integravam a lide original (aquela existente quando foi proposta ou no momento da citação do réu), como ocorre com a denunciação da lide, a oposição e o chamamento ao processo, institutos que estudaremos nos capítulos seguintes.

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L i t i s c o n s ó r c i o 6

6.1 De f i n i ç ã o de L i t i s c o n s ó r c i o

Por litisconsórcio entende-se a pluralidade de partes em um ou em ambos os pólos da relação jurídica processual.1

Na realidade, o litisconsórcio revela-se uma verdadeira espécie de cumulação subjetiva de ações,2 já que são reunidas em um único processo diversas ações que poderiam, em tese, ser propostas separadamente. É o caso de um acidente de veí­culo provocado por alguém contra diversas pessoas: cada uma das vítimas poderia promover ação independente em face do causador do dano, mas, se quiserem, será possível a proposi­tura, em um único processo, das pretensões de todos os ofen­didos, no qual atuarão em litisconsórcio no pólo ativo.

’ Para Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel Dina- marco. Teoria geral do processo, o litisconsórcio "é um fenômeno de pluralidade de pessoas, em um só ou em ambos os pólos conflitantes da relação jurídica processual (isto é, ele cons­titui fenômeno de pluralidade de sujeitos parciais do processo".

2 Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 258.

157

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1 5 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

No litisconsórcio haverá multiplicidade de indivíduos em qual­quer dos pólos do processo, cada um defendendo seu próprio direito ou interesse (implementando a legitimidade ad causam).* Havendo mais de um réu ou autor na ação, todos, na qualidade de parte princi­pal, são tratados entre si como litisconsortes, compartilham os mes­mos deveres, ônus e obrigações.'1

O fenômeno processual do litisconsórcio ocorre, como regra, em função da natureza da própria lide que contém mais de um sujeito titular ou vinculado ao direito material objeto da ação. Assim, sendo o bem da vida reclamado pertencente a mais de uma pessoa, poderão figurar no pólo passivo todos os titulares desse direito, ou, sendo mais de uma pessoa obrigada à satisfação da obrigação, teremos a pluralida­de de réus.

Outra razão para que o ordenamento processual permita a con- glomeração de pessoas nos pólos da ação é o princípio da economia processual, pois, com um único processo, a jurisdição resolverá diver­sas lides, e, ainda, justifica-se a cumulação subjetiva como meio de garantir a harmonia entre julgados, evitando-se que causas de pedir idênticas - o mesmo fato ou objeto litigioso - sejam julgadas de forma diferente.5

No exemplo que citamos anteriormente, as vítimas do acidente de veículo poderiam propor diversas ações distintas. Mas, se assim o fizes­sem, teriam que custear inúmeros processos, bem como correriam o ris­co de obter duas decisões diferentes e até mesmo conflitantes. Assim, ao permitir a cumulação subjetiva de ações, o litisconsórcio é medida de economia processual e que favorece a uniformidade dos julgados das causas idênticas ou conexas.

3 O litisconsórcio não se confunde com as ações coletivas. Por mais incrível que possa parecer, alguns chegam a afirmar que se trata de lide coletiva (entendendo coletivo no sen­tido de mais de uma pessoa), pelo fato de haver mais de uma pessoa no pólo ativo ou pas­sivo. Na realidade, as ações coletivas não guardam qualquer identidade com o litisconsórcio, pois a ação será de natureza coletiva quando o autor estiver em juízo para defender em nome próprio direito alheio, e o litisconsórcio se verifica quando houver mais de um indivíduo em um dos pólos da ação.

4 Isso não significa que o resultado será idêntico para todos os litisconsortes.5 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, v. II, p. 333.

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LITISCONSÓRCIO 159

A pluralidade de partes, nos termos do art. 46 do Código de Pro­cesso Civil, poderá ocorrer no processo quando:

a) existir entre os pretensos litisconsortes comunhão de direitos ou de obrigações; o direito ou a obrigação discutidos na lide devem ser comuns aos litisconsortes; ou

b) sejam os direitos e obrigações decorrentes do mesmo fato ou causa de pedir;

c) entre as causas houver conexão pelo objeto ou causa de pedir; como citamos anteriormente, o litisconsórcio não passa de uma espécie de cumulação de ações que poderiam ter sido propostas individualmente. Assim, poderá haver litisconsórcio quando essas ações - que poderiam ser autônomas - forem conexas, isto é, tiverem identidade em relação ao objeto litigioso ou à causa de pedir; ou

d) ocorrer afinidade de questões ligadas por um ponto comum de fato ou de direito.

Em síntese, o litisconsórcio é possível quando se verificar a identi­dade da causa de pedir entre os diversos indivíduos que integrarão um dos pólos do processo; tratando-se de causas absolutamente distintas, não será admitida a cumulação subjetiva.

6.2 Es p é c i e s de L i t i s c o n s ó r c i o

A própria legislação processual é que estabelece as espécies de litiscon­sórcio, levando-se em consideração, para a classificação, o pólo em que se verifica a pluralidade, os efeitos do provimento jurisdicional em rela­ção às partes, o momento em que ele é formado no processo e a sua obrigatoriedade ou não para a constituição válida da relação jurídica processual.

Assim, podemos classificar o fenômeno do litisconsórcio como:

a) Litisconsórcio ativo, passivo ou misto. Notoriamente, temos litis­consórcio ativo quando a demanda é proposta por mais de um

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160 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

autor; litisconsórcio passivo quando a ação é intentada por mais de um réu, ou misto quando a pluralidade de partes ocorrer em ambos os pólos da demanda.

b) Litisconsórcio originário ou ulterior (inicial ou sucessivo, inci- dental). Essa classificação tem por base o momento em que o litis­consórcio se apresenta no processo, sendo inicial quando se verifi­car logo no momento da propositura da ação, constando da petição. Em contrario sensu, o litisconsórcio ulterior é aquele ocor­rido após a propositura da ação, como quando o juiz determina ao autor que adite sua inicial para incluir litisconsórcio necessário, ou ainda quando o próprio réu chama à demanda indivíduo não incluído na inicial mas que tem legitimidade para figurar no pólo passivo em litisconsórcio.

c) Litisconsórcio unitário ou comum. O critério de classificação em litisconsórcio unitário ou comum são os efeitos do processo e da decisão que dele emanar em relação aos litisconsortes. No litis­consórcio unitário, a relação jurídica é incindível,6 não comporta divisão entre os litisconsortes, de modo que todos eles sofrerão o mesmo efeito do processo. Em outras palavras, o juiz deverá pro­ferir decisão uniforme em relação a todos os litisconsortes. Em sentido diverso, podendo o juiz decidir de forma diferente para cada parte, estaremos diante de uma espécie de litisconsórcio sim­ples ou comum.

Podemos citar como modalidade de litisconsórcio unitário, por exemplo, o caso de pluralidade em ação que visa a desconsti- tuição7 (constituição negativa de determinado ato jurídico): nota- se que o juiz não poderá desconstituir o ato em relação a uma parte e mantê-lo válido em relação à outra, devendo a decisão ser idên­tica para todos os litisconsortes.

d) Litisconsórcio necessário ou facultativo. Em determinadas lides, dependendo da natureza do direito material posto em juízo, a rela­ção jurídica processual apenas se forma validamente quando da

6 Idem, p. 347.7 Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comenta­

do, 3. ed., p. 327, comentário n. 6.

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LITISCONSÓRCIO 1 6 1

citação de todos os litisconsortes necessários. Dessa forma, o litis­consórcio será obrigatório ou necessário quando a lei exigir ou quando, pela natureza da relação de direito material, for necessá­ria a presença em juízo de todos os interessados, sob pena de não formação da relação jurídica processual.

São casos de litisconsórcio necessário, por expressa previsão legal, por exemplo, as ações de usucapião, nas quais devem figurar no pólo passivo o proprietário que consta no registro e todos os confrontantes (vizinhos); a ação popular, para a qual a lei exige a participação como réus da pessoa pública lesada e da autoridade que praticou o ato; os casos dispostos no art. 10 do Código de Processo Civil, pelo qual de­vem ser citados obrigatoriamente como réus, ambos os cônjuges.

Em se tratando de litisconsórcio necessário, a parte é obrigada a demandar contra todos os interessados, sob pena de faltar pressupos­to processual de existência do processo, razão pela qual, na ausência ou irregularidade do litisconsórcio obrigatório, o juiz deverá determinar à parte que promova a citação de todos os interessados, sob pena de extinção do processo sem julgamento do mérito.

O fato de ser necessário o litisconsórcio não faz com que seja tam ­bém unitário. Não significa que a obrigatoriedade da presença da parte no processo importe em uma única sentença para todos os litisconsor­tes (ser ou não unitário dependerá da relação jurídica de direito mate­rial litigioso). Da redação do art. 47 do Código de Processo Civil apa­rentemente se obtém a idéia de que todo litisconsórcio unitário é obrigatoriamente necessário, o que não é verdade, já que o litisconsór­cio unitário também pode ser facultativo.

Por outro lado, vislumbramos o litisconsórcio facultativo, ou seja, aquele que se forma ou se constitui tão-somente pela vontade e conve­niência da parte autora; a parte tem a faculdade de promover a ação contra um, alguns ou todos os vinculados ao direito material, sem que essa escolha afete a integridade subjetiva da relação jurídica processual. É o caso, por exemplo, do acidente de veículo provocado por mais de um condutor: a parte autora não está obrigada a promover a ação con­tra todos os condutores que causaram o acidente, mas ela poderá, se­gundo a sua conveniência, formar ou não o litisconsórcio.

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1 6 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Em caso de litisconsórcio facultativo, o juiz poderá limitar o número de litisconsortes no pólo da ação,8 isso como medida para evi­tar prejuízo à defesa ou ao andamento do processo (parágrafo único do art. 46 do CPC). Ocorrendo a limitação, o magistrado poderá de­terminar o desmembramento das ações, tempo em que ficará suspen­so o prazo para a defesa do réu.

Muitas vezes, a pluralidade de partes, ao invés de permitir a eco­nomia do processo, faz com que ocorra verdadeiro tumulto processual, tornando o desenvolvimento do processo muito mais moroso e com­plexo. Como é óbvio, a multiplicidade de partes importa em maior número de manifestações e atos processuais em geral, razão pela qual o magistrado poderá limitar o número de pessoas em litisconsórcio facultativo.9

6.3 Po s i ç ã o dos L i t i s c o n s o r t e s

A regra prevista no art. 48 do Código de Processo Civil dispõe no sentido de que cada litisconsorte será considerado, em relação à parte contrária, como litigante distinto, e entre si, os atos e omissões de cada um não poderão prejudicar os demais litisconsortes.

Nesse sentido, o art. 350 determina que a confissão - ato pelo qual a parte reconhece fatos contrários à sua pretensão ou defesa - manifes­tada por um litisconsorte não prejudicará os demais. Assim, pela inter­pretação do referido artigo, se um dos litisconsortes confessar algo contra o direito por ele alegado, esse ato não acarretará prejuízo em relação aos outros litisconsortes.

No entanto, essa “autonomia” prevista no art. 48 do Código citado não prevalece quando se tratar de litisconsórcio unitário, pois, tendo o juiz que proferir sentença uniforme para todos os litisconsortes, não

8 A lei não fixa um número para a limitação, ficando tal ato a critério do magistrado, que restringirá o número de litigantes por um critério de razoabilidade, verificando a nature­za da causa e a complexidade dos atos processuais.

9 Obviamente, em se tratando de litisconsórcio necessário, não poderá haver limitação de litigantes, já que a existência e a validade da relação jurídica processual dependem da cita­ção válida de todos os interessados ou vinculados à relação jurídica de direito material.

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LITISCONSÓRCIO 1 6 3

terá condições para separar os atos de cada um dos litisconsortes para efeito de prolação da sentença.

Seria uma incoerência admitir a autonomia dos litigantes no litis­consórcio unitário. Imaginemos que um dos réus confesse fatos con­trários à sua defesa e o outro réu não. Nesse caso, como procederá o juiz em caso de litisconsorte unitário? Obviamente não terá ele como distinguir os atos de cada uma das parte para tomar sua decisão. A decisão deverá ser uniforme, independentemente de qual das partes ou litisconsorte praticou o ato.

Ao tratar da matéria, Cândido Rangel Dinamarco faz observação no seguinte sentido:10

A dicção do art. 48 é no entanto portadora de um exagero que o

próprio sistema processual desmente. São tantas as disposições em con­

trário e tão fortes as razões pelas quais um dos litisconsortes se beneficia

pelas condutas do outro, que a autonomia dos litisconsortes é relativa e

está muito longe de ser absoluta.

Como não poderia deixar de ser, total razão encontra o respeitado doutrinador ao afirmar que a denominada “autonomia” entre os litis­consortes é relativa, pelo fato de admitir muitas exceções no próprio ordenamento processual.

O art. 509 do Código de Processo Civil determina que o recurso interposto por um litisconsorte aproveita aos demais, ou, nos termos do art. 320, I, havendo pluralidade de réus, não ocorrerá o efeito da revelia se qualquer um deles contestar, desde que os fatos sejam comuns aos litisconsortes.

Infere-se, portanto, que o art. 48 do Código de Processo Civil pre­vê a autonomia entre os litisconsortes de forma relativa e mínima, exis­tindo exceções no próprio Código que admitem a influência dos atos de um litigante em relação aos seus litisconsortes.

10 Instituições de direito processual civil, c i t . , v. II, p . 3 4 4 .

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I n t e r v e n ç ã o

d e T e r c e i r o s 7

7 . 1 D E F I N I Ç Ã O

O conceito de terceiro para o direito processual corres­ponde ao indivíduo que é estranho à relação jurídica p ro ­cessual na qualidade de parte, mas é pessoa que pode ter interesse no objeto litigioso ou nos reflexos do provimento jurisdicional. De modo muito simplificado, considera-se ter­ceiro todo aquele que não for parte no processo.

O terceiro é pessoa que não se encontra na relação jurí­dica processual, não participa do contraditório, tampouco é sujeito de direito, deveres, obrigações e ônus no campo do direito processual, por se tratar de pessoa estranha ao proces­so, mesmo que tenha interesse no seu resultado.

Em razão desse interesse ou vínculo que o terceiro guar­da com a relação jurídica (material), pode ele vir a ingressar no processo.

Por mais incrível que possa parecer, o terceiro é consi­derado “terceiro” até que venha a ser admitido como parte

165

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166 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

ou coadjuvante da parte no processo pendente,1 ao passo que, ingres­sando na relação, terá ele as mesmas prerrogativas e deveres ineren­tes às partes.

A intervenção de terceiros é o fenômeno processual pelo qual, mes­mo depois de formada a relação jurídica processual pelos elementos subjetivos mínimos (autor-juiz-réu), admite-se o ingresso de terceiros no processo,2 seja para substituir o réu (nomeação à autoria), para auxílio de uma das partes (assistência), para que o estranho possa reclamar o bem litigioso para si (oposição), ou mesmo para possibili­tar às partes invocar a responsabilidade do terceiro (como na denun- ciação da lide e no chamamento ao processo).

Intervindo no processo, o terceiro irá se sujeitar aos efeitos diretos do provimento jurisdicional; caso contrário, a sentença não fará coisa julgada contra aquele que não participou da relação processual (art. 472 do CPC).

Assim, o ordenamento processual contempla as seguintes espécies de intervenção de terceiros:

• assistência (arts. 50 a 55);3• oposição (arts. 56 a 61);• nomeação à autoria (arts. 62 a 69);• denunciação da lide (arts. 70 a 76);• chamamento ao processo (arts. 77 a 80);• recurso de terceiro prejudicado (art. 499), tratado no capítulo

destinado à legitimidade nos recursos.

' Athos Gusmão Carneiro, Intervenção de terceiros, p. 45. Para José Frederico Marques (Manual de direito processual civil, v. 1, p. 442): "Intervenção de terceiro é o ingresso de alguém, como parte, em processo pendente entre outras". Luiz Fux, Curso de direito proces­sual civil, p. 246: "Os terceiros mantêm essa qualidade, até que intervenham, quando, então, assumem a condição jurídica de parte, secundária ou principal, conforme o caso".

2 Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel Dinamar- co, Teoria geral do processo, p. 296.

3 Na sistematização do Código de Processo Civil, o instituto da assistência ficou fora do capítulo destinado às modalidades ou espécies de intervenção de terceiros. No entanto, a assistência é verdadeira forma de ingresso de pessoa estranha à lide original, na qualidade de coadjuvante de uma das partes.

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INTERVENÇÃO DE TERCEIROS 167

7.2 A s s i s t ê n c i a

■■ 7 . 2 . 1 D e f i n i ç ã o e C a b i m e n t o

A assistência constitui modalidade de intervenção de terceiros em processo pendente, pela qual o estranho à relação jurídica processual, demonstrando interesse na solução do conflito, requer o seu ingresso na causa para atuar como coadjuvante ou assistente de uma das par­tes, nos termos do art. 50 do Código de Processo Civil.

O ingresso do terceiro, que sempre será espontâneo, dá-se com o objetivo de auxiliar a parte assistida para que lhe seja favorável o pro­vimento jurisdicional, e os reflexos deste ato também serão percebi­dos pelo assistente, de forma indireta. O terceiro apenas será admiti­do no processo se demonstrar interesse jurídico no auxílio da parte litigante.4

Na assistência, o terceiro não ocupa lugar de parte no processo, tampouco defende direito próprio na relação processual;5 ele somente atua na posição de auxiliar de uma das partes para que esse auxílio colabore na obtenção de uma sentença favorável ao assistido.

O assistente atua no intuito de que a parte assistida saia vencedo­ra na demanda e, conseqüentemente, tenha o assistente benefício indi­reto no resultado da ação. Ressalte-se que, como regra, o assistente não terá em seu favor um título judicial, uma vez que a sentença atingirá diretamente apenas as partes (autor e réu).

A título de exemplo, podemos dizer ser cabível a assistência em ação que o locador pretende o despejo do locatário e, por sua vez, existem sublocações no imóvel objeto da ação. Nesse caso, os sublo- catários têm interesse jurídico em auxiliar o locatário na ação de des­pejo, vez que, caso este seja determinado, por via reflexa, os subloca- tários também serão prejudicados; assim, para que o réu vença a demanda, os sublocatários poderão requerer o ingresso como seus assistentes.

4 Não é qualquer interesse que autoriza o ingresso do terceiro como assistência, mas simo interesse jurídico. O interesse jurídico surge quando o provimento do processo influenciar na órbita jurídica do assistente.

5 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, v. 1, p. 124.

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168 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

A assistência tem cabimento em todas as espécies de processos ou de procedimentos, bem como é admitido o ingresso do terceiro em qualquer fase em que o processo se encontrar (obviamente antes do seu encerramento ou coisa julgada), ressalvando que o assistente rece­berá o processo no estado em que se encontrar, não podendo requerer a repetição de atos já encerrados.6

■ i 7 . 2 . 2 E s p é c i e s d e A s s i s t ê n c i a

O Código de Processo Civil aponta duas formas de assistência, sen­do elas:

a) assistência simples;b) assistência litisconsorcial.

É denominada de assistência simples ou adesiva a intervenção do terceiro para auxiliar a parte assistida, atuando o assistente exclusiva­mente em defesa dos direitos do assistido. Na assistência simples, o terceiro não defende direito próprio, mas apenas interesses diretos do assistido.

Em sentido contrário, na assistência litisconsorcial, o assistente in­gressa no processo para defesa de direito próprio, já que se encontra legitimado para atuar na qualidade de parte na relação jurídica proces­sual; nesse caso, o terceiro está diretamente vinculado ao direito mate­rial posto em juízo7 (legitimidade ad causam).

O terceiro assistente, em se tratando de assistência litisconsor­cial (art. 54 do CPC), m antém relação jurídica própria com o adver­

6Os arts. 7o e 18. da Lei n. 9.868/99 - que regula a Ação Direta de Inconstitucionalida- de (ADIn) e a Ação Declaratória de Constitucionalidade (Adecon ou ADC) - determinam que na ADIn e na Adecon não será admitida a intervenção de terceiros. No entanto, o § 2o do art.7o estabelece que, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulan­tes, o relator poderá admitir nos processos a manifestação de outros órgãos ou entidades além daqueles já envolvidos nas ações. A tal manifestação de terceiros é denominada de ami- cus curiae. A atividade do amicus curíae não representa modalidade típica de intervenção de terceiros (assistência), conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal (Pleno, ADIn n. 748-4, rel. Min. Celso de Mello, j. 01.08.1994, v.u.).

7 Athos Gusmão Carneiro, op. c/f., p. 107.

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INTERVENÇÃO DE TERCEIROS 169

sário da parte que pretende assistir (se o assistente pretende auxiliar o réu, isso significa dizer que ele também tem direitos contra o autor, e vice-versa).8

O assistente litisconsorcial poderia, desde o momento da proposi­tura da ação, estar inserido na relação jurídica processual na qualida­de de parte, mas, por qualquer motivo, isso não ocorreu, podendo ele, posteriormente, ingressar na qualidade própria de parte (litisconsórcio ulterior).

No capítulo anterior, tratamos do litisconsórcio facultativo, aque­le em que é conferida à parte autora a possibilidade de optar pela plu­ralidade ou não de partes no pólo da ação. Pois bem, é exatamente nos casos em que não ocorreu o litisconsórcio facultativo que poderá haver assistência litisconsorcial. Certamente, aquele que não figurou como parte no momento da propositura da ação, seja como autor ou réu, mas tem legitimidade para isso, poderá ingressar na qualidade de assis­tente litisconsorcial mesmo depois de a ação estar em curso.

Humberto Theodoro Júnior conceitua:9

O assistente litisconsorcial é aquele que mantém relação jurídica pró­

pria com o adversário da parte assistida e que assim poderia, desde o iní­

cio da causa, figurar como litisconsorte facultativo. Seu ingresso posterior,

como assistente, assegura-lhe, assim, o status processual de litisconsorte.

■ i 7 . 2 . 3 P o d e r e s d o A s s i s t e n t e

O art. 52 do Código de Processo Civil prevê que o assistente atua­rá no processo para auxiliar a parte assistida, cabendo-lhe todos os direitos, poderes, deveres, ônus e obrigações atribuídos à parte a quem assiste.

No entanto, na assistência simples, a atuação do assistente sempre estará subordinada à do assistido, não podendo o coadjuvante praticar

8 Em caso de morte do assistente simples, nâo ocorrerá a sua substituição pelos suces­sores, mas se a perda da capacidade ocorrer com o assistente litisconsorcial, por ser parte no processo, deve ser procedida a sua substituição pelos sucessores legais.

9 Curso de direito processual civil, cit., v. 1, p. 125.

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17 0 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

atos contrários às manifestações ou ao interesse da parte principal.10 O assistente age no processo para complementar a atividade processual do assistido, e nunca em antagonismo com a posição deste."

Por outro lado, tratando-se de assistência litisconsorcial, o assis­tente ocupará o lugar de parte, aplicando-se a ela tudo o que já afirma­mos em relação aos poderes e posição dos litisconsortes no processo (ver o capítulo anterior, item 6.3).

O ingresso do assistente no processo não impede que o assistido (ainda que sem a autorização do coadjuvante), na posição de parte principal, reconheça a procedência do pedido, desista da ação ou mes­mo formalize acordo com a parte contrária, hipóteses em que cessará a intervenção do assistente (art. 53 do CPC).

mm 7 . 2 . 4 E f e i t o s d a S e n t e n ç a

Admitido o assistente simples no processo, não poderá ele, em outra ação, discutir a “justiça da decisão” proferida no processo em que interveio. O comando previsto no art. 55 do Código de Processo Civil não impõe ao assistente simples o efeito da coisa julgada, mesmo por­que ele não é parte no processo, mas veda que sejam rediscutidos os fundamentos e fatos abordados na sentença proferida no processo em que participou como assistente.

Em outras palavras, o assistente simples até poderá promover ou­tra ação, mas não poderá discutir os fatos e fundamentos (justiça da decisão) tratados no processo em que atuou como assistente.

Excepcionalmente, a regra prevista no caput do art. 55 poderá ser violada quando:

a) pelo estado em que recebeu o processo ou pelas declarações e atos do assistido, o assistente tenha sido impedido de produzir provas passíveis de influenciar a sentença;

10 "Processual civil. Assistente simples. Interposição de recurso. Possibilidade. CPC, art. 52. 0 assistente é auxiliar da parte principal, dispondo dos mesmos poderes e sujeitando-se aos mesmos ônus processuais. Ao assistente simples é permitido interpor recurso, desde que não haja manifestação do assistido em sentido contrário. Recurso provido." (STJ, 5'1 T., REsp n. 146482/PR, rel. Min. Felix Fischer, DJU 31.05.1999, v.u.)

11 Athos Gusmão Carneiro, op. cit., p. 108.

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INTERVENÇÃO DE TERCEIROS 171

b) o assistente desconhecia a existência de alegações ou provas, de que o assistido, por dolo ou culpa, não se valeu.

Nota-se que as hipóteses que admitem a rediscussão da “justiça da decisão” em processo futuro pelo assistente são de casos em que ele ficou impedido de exercer, com amplitude, o contraditório e o direito de defesa. O ordenamento processual permite o ingresso do assistente no processo em qualquer fase em que se encontre, e, por essa razão, dependendo da fase em que o terceiro for aceito na relação, já se terão esgotados e praticados atos fundamentais para a formação da convic­ção do magistrado, não sendo justo - nem mesmo respeitando o devi­do processo legal - impor ao assistente os fatos e fundamentos de uma sentença da qual não pôde participar.

E mais, não seria lógico admitir-se a eficácia da sentença sobre o terceiro quando a parte assistida tenha ocultado informações, provas ou fatos capazes de influenciar no julgamento. Assim, demonstrando a ocorrência das hipóteses mencionadas, o terceiro poderá rediscutir, em outro processo, os fatos e fundamentos já decididos no processo ante­rior em que interveio.

Em relação ao assistente litisconsorcial, por ser parte no processo (e não terceiro), estará ele sujeito a todos os efeitos da sentença, inclu­sive o da coisa julgada (que impede a repetição de ação já julgada e extinta).

m 7 . 2 . 5 P r o c e d i m e n t o d a A s s i s t ê n c i a

O pretenso assistente deverá formular ao juízo o seu pedido de in­gresso na ação, demonstrando o interesse jurídico que justifique e au­torize a sua intervenção no processo, seja como assistente simples ou como parte na qualidade de assistente litisconsorcial.

Recebido o requerimento, o magistrado intimará ambas as partes para que, no prazo de cinco dias, manifestem-se em termos de aceita­ção ou impugnação do requerimento do terceiro. Não havendo im­pugnação e verificada a existência de interesse jurídico, o terceiro será admitido no processo (como assistente simples ou parte).

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17 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Em caso de impugnação de qualquer uma das partes, o requeri­mento será autuado em apartado,12 formando-se um incidente proces­sual (sem a suspensão do processo principal), no qual serão colhidas as provas acerca da existência ou inexistência do interesse jurídico do candidato a assistente, ao final, proferindo o juízo decisão admitindo ou não o assistente na relação jurídica processual.13

7 . 3 O p o s i ç ã o

m 7 . 3 . 1 C a b i m e n t o

A oposição é uma espécie de intervenção na qual o terceiro, por sua iniciativa e em nome próprio, postula, no todo ou em parte, o objeto ou bem jurídico litigioso entre autos e réu. O terceiro ingressa no processo opondo-se a ambas as partes para reclamar o bem para si, nestes termos:

A rt. 56. Quem pretender, no todo ou em parte, a coisa ou o direi­

to sobre que controvertem autor e réu, poderá, até ser proferida

a sentença, oferecer oposição contra ambos.

Por exemplo, imaginemos a demanda em que autor e réu dispu­tam a propriedade de um determinado bem móvel e, por sua vez, um terceiro ingressa na ação afirmando não ser a coisa nem do autor nem do réu. A esse respeito, o professor Arruda Alvim explica:14

0 instituto da oposição, disciplinado nos arts. 56 ao 61 (Capítulo VI,

"Da intervenção de terceiros", do Livro I), regula o ingresso de terceiro,

em processo pendente, nos casos em que este terceiro tenha pretensão

12 Recebe uma nova autuação (capa dos autos) e será apensado ao processo principal, isso para não suspender ou prejudicar o andamento do referido processo.

13 Como será visto nos próximos capítulos deste estudo, trata-se de decisão interlocu- tória passível de ser impugnada por meio do recurso de agravo de instrumento.

14 Manual de direito processual civil, v. 2, p. 142.

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INTERVENÇÃO DE TERCEIROS 173

excludente da do autor e da defesa do réu, e objetive excluir o autor e o

réu - acerca do direito ou coisa do litígio. Dessa forma, os interesses do

terceiro colidem, necessariamente, com os do autor e do réu e não

somente com um deles.

Na realidade, o opoente, ao ser admitido no processo, encontra-se em condição de parte autora contra ambas as partes da relação origi­nária; obrigatoriamente, a oposição deve ser dirigida contra autor e réu da ação principal,15 pretendendo o opoente que o juízo lhe outor­gue o bem jurídico litigioso entre aquelas partes. Pelo fato de caracte­rizar verdadeiro direito de ação, a oposição se formaliza por meio de petição inicial, com a observância de todos os requisitos necessários para o exercício do direito de movimentar o Judiciário.

Por essa razão, para ocupar a qualidade de parte no processo (contra o autor e o réu), devem estar presentes as condições da ação - legitimida­de ad causam, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido - , bem como o oponente deve preencher os requisitos processuais subjetivos ine­rentes às partes do processo e os objetivos quanto a sua propositura por meio de petição inicial apta (elaborada nos termos do art. 282 do CPC).

A oposição apenas será admitida no processo de conhecimento pelo rito ordinário (ou especial quando adotar subsidiariamente o rito ordinário), não sendo cabível no processo de execução, cautelar ou no processo de conhecimento pelo rito sumário (art. 280 do CPC).

É importante consignar, também, que a oposição pode ser propos­ta até a prolação da sentença; depois desse ato, o terceiro apenas pode­rá reivindicar a coisa por intermédio de processo autônomo.

h 7 . 3 . 2 P r o c e d i m e n t o s e E f e i t o s d a O p o s i ç ã o

O Código de Processo, com a finalidade de melhor adequar a oposi­ção ao andamento do processo principal, de forma a não prejudicar ou tumultuar o seu curso, estabelece duas espécies de procedimentos, ou seja:

15 "Intervenção de terceiro. Oposição. Interesse colidente apenas contra um dos litigan­tes. Inadequacidade. A incompatibilidade ou não coerência é que caracteriza a pretensão exclusiva do opoente, pois o seu direito colide com o direito alegado pelo autor e o deduzi­do pelo réu." (II TACSP, Ap. n. 288.330, rel. Juiz Magno Araújo, j. 28.04.1992, v.u.)

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17 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

a) procedimento para oposição apresentada antes da audiência de instrução e julgamento;16

b) procedimento para oposição proposta após o início da audiência de instrução.

Apresentada a oposição antes de iniciada a audiência de instrução, a petição inicial do opoente será autuada em apartado, processada em apenso aos autos principais. Com efeito, por se tratar de uma verdadei­ra ação, estando apta a petição inicial, o juiz mandará citar os opostos (autor e réu da ação principal que serão considerados litisconsortes em relação à oposição), para que possam contestar a pretensão do tercei­ro no prazo de quinze dias.

As ações, principal e oposição (secundária), correrão simultanea­mente e serão julgadas pela mesma sentença, nos termos do art. 59 do Código de Processo Civil.

Todavia, sendo a oposição apresentada após o início da audiência de instrução, será autuada separadamente e prosseguirá pelo rito ordinário, independentemente da ação principal. Nesse caso, o juiz poderá determi­nar a suspensão do processo, até o prazo máximo de noventa dias, para que as ações sejam julgadas simultaneamente (ação principal e oposição).

7.4 N o m e a ç ã o à A u t o r i a

■ I 7 . 4 . 1 D E F I N I Ç Ã O E H I P Ó T E S E S DE C A B I M E N T O

A nomeação à autoria é hipótese de intervenção de terceiros que tem por finalidade regularizar defeito de legitimidade no pólo passivo da ação, e pela qual o réu indica (ou nomeia) o verdadeiro indivíduo que deveria figurar no pólo passivo.

Em outras palavras, o réu nomeia o verdadeiro legitimado ad cau­sam com o objetivo de ser excluído da ação e substituído pelo terceiro, que ocupará o lugar da parte ré.

16 Audiência em que são colhidas as provas orais do processo e, após o encerramento da fase destinada à colheita das provas (instrução), é dada oportunidade às partes para que promovam suas alegações finais e, por fim, é proferido o julgamento (sentença).

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INTERVENÇÃO DE TERCEIROS 175

Dessa forma, o réu tem o ônus de promover a nomeação à autoria toda vez que (arts. 62 e 63):

a) for demandado em nome próprio, mas detiver a coisa litigiosa em no­me alheio: ele deverá nomear o verdadeiro possuidor ou proprietário;

b) for demandado em ação de indenização proposta pelo proprietá­rio ou titular do direito sobre a coisa, toda vez que o ato tiver sido praticado por ordem ou instruções de terceiro.

No primeiro caso, previsto no art. 62 do Código de Processo Civil, o réu se encontra na qualidade de mero detentor da coisa, sendo deman­dado pelo autor como se fosse dono ou possuidor. Nota-se que o réu não é parte legítima para figurar no pólo passivo, razão pela qual deve nomear o verdadeiro proprietário ou possuidor do bem. Como exem­plo, podemos citar o caso do administrador ou caseiro de um imóvel que é demandado na qualidade de proprietário; nesse caso, deverá o caseiro nomear à autoria o dono do imóvel que ele administra.

Em relação à outra hipótese de cabimento, disposta no art. 63 do Código de Processo Civil, Cândido Rangel Dinamarco explica que:17

Cuida da nomeação a ser feita pelo réu de demanda de condenação

de indenizar. Admite-se que ele a faça, quando tiver agido em situação

de dependência a outrem, de quem haja recebido ordens ou instruções

para o ato que realizou. Mas é necessário que se trate de ordens ou ins­

truções, técnicas inclusive, que o réu não pudesse deixar de atender: se

ele tivesse poder de decisão e houvesse participado com parcela de sua

vontade, não será parte ilegítima ad causam e, por isso, falecer-lhe-ia o

poder de nomear o responsável à autoria.

A nomeação à autoria é ônus que recai sobre o réu, pois, deixando de indicar o verdadeiro proprietário ou possuidor, ou ainda, caso no­meie pessoa errada, arcará com perdas e danos em favor das partes e ter­ceiro lesados pela sua omissão, nos termos fixados no art. 69 do Código de Processo Civil.

17 Instituições de direito processual civil, v . II, p . 3 9 2 .

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17 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

h 7 . 4 . 2 P r o c e d i m e n t o

Como afirmamos anteriormente, a nomeação à autoria será sem­pre ato do demandado, devendo ser realizado no prazo assinalado para a sua defesa (quinze dias). Assim, citado o réu, verificando ele estar sendo demandado na qualidade de proprietário ou possuidor quando na realidade é mero detentor da coisa, deverá, no prazo de que dispõe para a contestação, apresentar petição nomeando aquele que deve fi­gurar no pólo passivo em seu lugar.

Apresentada a nomeação, o juiz determinará a suspensão do pro­cesso para, primeiro, decidir o incidente processual acerca da nomeação do terceiro, procedendo à intimação da parte autora para se manifestar no prazo de cinco dias sobre o requerimento formulado pelo réu.

Duas alternativas surgem para o autor: aceitar a nomeação, para que o terceiro seja citado para substituir o réu, já que este se encontra na condição de mero detentor da coisa litigiosa, ou recusar a indicação do terceiro, por entender que o réu tem legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo por ser o verdadeiro proprietário ou possuidor da coisa.

Costumamos afirmar que o autor apenas deverá recusar a nomea­ção à autoria quando tiver absoluta certeza do seu descabimento, e total convicção de que o réu é a pessoa certa para figurar no pólo da ação. Nota-se que a injustificada recusa do autor em aceitar a nomea­ção poderá acarretar-lhe sérias conseqüências no futuro do processo, pois, se de fato o réu for mero detentor da coisa ou cumpridor de ordens de terceiro, portanto parte ilegítima, quando da prolação da sentença o juiz poderá reconhecer a falta de condição da ação e extin- guir o processo sem julgamento do mérito. Portanto, é prudente ao autor apenas recusar a nomeação à autoria quanto tiver absoluta cer­teza da qualidade do réu para figurar no pólo passivo.

Em caso de recusa do autor, a ação prosseguirá exclusivamente contra o réu nomeante, ficando sem efeito a indicação do terceiro.

Ao contrário, havendo a aceitação da intervenção, o terceiro será citado para manifestar-se acerca de sua indicação para substituir o réu no pólo passivo da demanda.

Novamente, a intervenção dependerá da aceitação ou recusa, desta vez, do nomeado. Se o nomeado concordar ou não se pronunciar (ou

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INTERVENÇÃO DE TERCEIROS 177

manifestar-se fora do prazo),18 a nomeação será deferida, com a exclu­são do nomeante e o ingresso do nomeado como parte passiva no pro­cesso. Na hipótese de o nomeado negar a qualidade afirmada pelo nomeante - condição de proprietário ou possuidor da cousa, ou de pes­soa que tenha dado a ordem ao réu - , o processo continuará apenas contra o réu nomeante, sem a intervenção do terceiro.

O ingresso do terceiro ao processo depende, inicialmente, da acei­tação do autor, e, depois, de concordância do próprio nomeado. O autor poderá insistir que o réu é parte legítima para figurar no pólo passivo, recusando-se à substituição pelo nomeado; já o terceiro, por sua vez, poderá negar a “qualidade pessoal” necessária para a ocorrên­cia da substituição, ou seja, de verdadeiro senhor ou possuidor sobre a coisa, ou de quem tenha determinado que o réu praticasse o ato cau­sador do dano.

Em síntese, podemos resumir o procedimento da nomeação à au­toria com o seguinte esquema:

18 "Processual civil. Nomeação à autoria. Silêncio do autor no qüinqüídio que tem para se manifestar. Aceitação da nomeação. Citação dos nomeados. Recurso provido. Ante o silêncio

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17 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

7.5 De n u n c i a ç ã o d a L id e

■■ 7 . 5 . 1 D E F I N I Ç Ã O

A denunciação da lide é modalidade de intervenção de terceiros pela qual se admite a propositura de ação regressiva incidente e no mesmo processo ( in simultaneus processus),19 por qualquer uma das par­tes, contra o terceiro para exigir eventual indenização ou ressarcimen­to pelo que vier a sucumbir no processo.

Em outras palavras, podemos dizer que, em um único processo, teremos duas ações: uma do autor contra o réu, e outra de qualquer uma das partes (autor ou réu) contra o terceiro, objetivando a parte ser ressarcida pelos prejuízos que experimentar com o provimento juris­dicional. Por questão de economia processual, a parte poderá chamar ao processo o seu garantidor para, na eventualidade de perder a ação, poder cobrar essa perda do terceiro.

Vejamos o seguinte exemplo:

1a Relação jurídica 2a Relação jurídica(au tor e réu) (réu c terceiro denunciado)

Repita-se que no mesmo processo teremos duas relações jurídi­cas distintas, uma do autor contra o réu, e outra da parte contra o terceiro, para exigir do denunciado que arque com o ressarcimento

do autor sobre o pedido de nomeação à autoria feito pelo réu, presume-se aceita aquela, devendo os nomeados serem citados para manifestar-se sobre o pedido, podendo, além de impugnar a nomeação propriamente dita, discutir sobre possível ilegitimidade passiva ad cau­sam." (STJ, 4a T., REsp n. 104206/SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 12.11.1996, v.u.)

19 Athos Gusmão Carneiro, op. c/f., p. 67.

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INTERVENÇÃO DE TERCEIROS 179

pelas despesas (condenação e despesas processuais) que experimen­tar em decorrência de ser vencida na primeira relação jurídica.20 O vencedor da ação deverá exigir o cumprimento da obrigação em rela­ção à parte adversa, e esta exigirá o ressarcimento diante do denun­ciado. A parte vencedora não poderá, em hipótese alguma, exigir a satisfação de seu direito diretamente diante do denunciado, já que não guarda qualquer relação jurídica com ele (a relação de garantia existe entre denunciante e denunciado, sem nenhum vínculo com a outra parte).

A denunciação da lide é medida típica de economia processual, visto que em um único processo são resolvidas duas lides distintas, processadas simultaneamente. Caso a parte não requeira o ingresso do denunciado ao processo, terá ela que promover ação de regresso (em outro processo autônomo). Ao contrário, havendo a admissão do de­nunciado, o direito de regresso será exercido no próprio processo, ou seja, a parte condenada cumprirá a obrigação em favor da parte ven­cedora e, no mesmo processo, poderá exigir do seu garantidor o res­sarcimento da condenação.21

70 Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, p. 27, ensina que: "Denunciação da lide é o ato pelo qual o autor ou o réu chama a juízo terceira pessoa, que seja garantia do seu direito, a fim de resguardá-lo no caso de ser vencido na demanda em que se encontram".

21 Como regra, compete, primeiro, ao denunciante (quando vencido) cumprir a obriga­ção em favor da parte vencedora e, depois, exigir a restituição do denunciado. Nesse senti­do: "Seguro. Denunciação da lide feita à seguradora. Acolhida. Prévia comprovação de desembolso feito pela denunciada ao autor da ação. Em princípio, para haver a indenização da denunciada, deve o denunciante comprovar o pagamento feito ao primitivo credor, o autor da ação. Possibilidade de que o denunciante venha aparelhar a execução contra a denunciada. Caso não comprovado o desembolso a que está obrigado o denunciante, cabe ao denunciado, na execução, colocar numerário à disposição do Juízo, a fim de que este oportunamente proceda ao ressarcimento a que faz jus a vítima" (STJ, 4* T., REsp n. 115046/RS, rel. Min. Barros Monteiro, j. 25.08.1998, v.u.). Em sentido contrário: "Processo civil. Execução de sentença. Denunciação da lide. A sentença que julga procedente a denun­ciação da lide vale como título executivo (CPC, art. 76); o aparelhamento deste independe do andamento da execução da sentença proferida na ação principal, podendo o denunciado à lide ser obrigado a cumprir sua obrigação, antes de que o réu o faça" (STJ, 3d T., AGA n. 247761/DF, rel. Min. Ari Pargendler, j. 08.02.2000, v.u.).

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180 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

m 7 . 5 . 2 H i p ó t e s e s d e C a b i m e n t o

O Código de Processo Civil, em seu art. 70, enumera as seguintes hipóteses de cabimento da denunciação da lide:

Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:

I - ao alienante, na ação em que o terceiro reivindica a coisa, cujo

domínio foi transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o

direito que da evicção lhe resulta;

II - ao proprietário ou ao possuidor indireto quando, por força de

obrigação ou direito, em casos como o do usufrutuário, do credor

pignoratício, do locatário, o réu, citado em nome próprio, exerça

a posse direta da coisa demandada;

III - àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a inde­

nizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.

Em síntese, todas as hipóteses de denunciação da lide versam sobre direito de regresso do denunciante diante do garantidor legal ou con­tratual.

O inc. I do art. 70, anteriormente transcrito, prevê o cabimento da denunciação da lide quando da ocorrência da evicção,22 caracterizada pela perda do bem alienado em decorrência de ordem judicial, geran­do o dever legal do alienante de ressarcir o adquirente pela perda da coisa. Em outras palavras, ocorrendo a evicção, aquele que alienou a coisa tem o dever de indenizar o adquirente pela perda do bem.

Por exemplo:

Autor Propõe ação em face do réu para

reivindicar a propriedade de imóvel que se encontra com

o réu

RéuSe o réu perder o

imóvel para o autor (por força da decisão

judicial), terá direito de ser ressarcido por

aquele que lhe vendeu indevidamente o bem

Réu deverá denunciar à

lide o alienante

(aquele que lhe vendeu o bem

indevidamente), para responder

pela evicção

Denunciado Alienante

Caso o autor seja vencedor

da açào, terá de ressarcir o réu pela perda do

imóvel (evicção)

22 Código Civil de 1916: "Art. 1.107. Nos contratos onerosos, pelos quais se transfereo domínio, posse ou uso, será obrigado o alienante a resguardar o adquirente dos riscos da evicção, toda vez que se não tenha excluído expressamente esta responsabilidade". O atual Código Civil de 2002, em seu art. 456, prevê: "Para poder exercitar o direito que da evicção

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INTERVENÇÃO DE TERCEIROS 181

A parte também poderá denunciar à lide o proprietário ou possui­dor indireto (como o locador), quando tiver o direito de indenização em razão da perda da posse direta (art. 70, II, do CPC). Por exemplo, quando o locatário for demandado em ação em que o autor deseje ser reintegra­do na posse (seja a posse retirada do réu e devolvida ao autor), terá aque­le o direito de ser ressarcido pelo locador (que será o denunciado), caso venha a perder para o autor da ação o direito de uso do imóvel locado.

Além disso, cabe a denunciação da lide daquele que estiver obriga­do, por força de lei ou contrato, a indenizar a parte conforme o prejuí­zo que experimentar na demanda. Na prática forense, é muito comum a denunciação da lide das seguradoras que, por força de contrato, te­nham a obrigação de ressarcir os prejuízos experimentados pela parte. Por exemplo, o réu está sendo demandado em razão de ter colidido com o veículo do autor: o réu poderá denunciar à lide a sua seguradora para que, caso seja condenado ao pagamento de indenização ao autor (víti­ma do acidente), seja ressarcido pela seguradora denunciada.

A denunciação da lide é cabível, em síntese, nas vezes em que for possível ação regressiva, como forma da parte vencida poder reaver ou ser ressarcida do cumprimento da obrigação, perante a outra parte leitigante (vencedora), cuja responsabilidade principal ou subsidiária lhe pertencia.23

Importante ressaltar que a denunciação da lide é cabível no pro­cesso de conhecimento, como regra pelo rito ordinário, admitindo-se excepcionalmente a intervenção no rito sumário se o direito de regres­so for fundado em contrato de seguro, conforme alteração introduzi­da pela Lei n. 10.444/2002.24

lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anterio­res, quando e como lhe determinarem as leis do processo".

23 De Plácido e Silva, Vocabulário jurídico v. I, p. 60.7A A reforma introduzida pela Lei n. 10.444/2002, que alterou o art. 280 do CPC, trou­

xe maior aplicabilidade ao instituto da denunciação da lide, já que permitiu a intervenção deterceiro no rito sumário quando o direito de regresso for decorrente de contrato de seguro. Em ações relacionadas a acidentes de veículos, o que representa a maioria dos casos envol­vendo direito de regresso contra seguradoras, não se admitia a denunciação da lide pelo fato de ser processada pelo rito sumário. Portanto, é cabível a denunciação da lide no rito sumá­rio, nos termos do art. 70, III, do Código de Processo Civil, quando se pretende trazer ao pro­cesso o garantidor por força de contrato de seguro.

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1 8 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

h 7 . 5 . 3 O b r i g a t o r i e d a d e d a d e n u n c i a ç ã o d a L i d e

O caput do art. 70 do Código de Processo Civil, ao estabelecer as hipóteses de denunciação da lide, emprega a expressão obrigatória em relação à ocorrência da intervenção de terceiros.

O efeito dessa obrigatoriedade estampada no dispositivo legal con­duz à idéia de que, não sendo manipulada a intervenção de terceiros, a parte vencida na demanda perderia o direito de regresso contra aque­le que deveria ter sido denunciado. Nesse caso, por exemplo, restaria impedido o adquirente de cobrar indenização do alienante em caso de evicção, o locatário não poderia exigir ressarcimento perante o locador em razão da perda da posse do imóvel, ou ainda não se poderia exigir da seguradora que arcasse com os prejuízos experimentados pela parte na ação.

No entanto, a redação do art. 70 do Código de Processo Civil induz a uma interpretação falsa,25 já que a obrigatoriedade não se impõe a todos os casos de denunciação da lide.

Na realidade, a obrigatoriedade de proceder à denunciação da lide, sob pena de perda do direito de regresso, ocorre apenas na hipótese do inc. I do referido dispositivo, já que, por força do art. 456 do atual Código Civil, para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente deverá notificar o alienante (terceiro a ser denunciado), na forma prevista na lei processual, que determina como sabemos, que se faça a denunciação da lide.

Por essa razão, a doutrina majoritária já firmou entendimento no sentido de que apenas na hipótese de evicção é que se revela obrigató­ria a denunciação da lide, como forma de resguardar o direito de re­gresso da parte contra o alienante denunciado.26

25 Cândido Rangel Dinamarco, Intervenção de terceiros, p. 138.26 Para Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery (Código de Processo Civil comen­

tado, p. 348): "Nada obstante a letra da lei, a denunciação somente é obrigatória no caso do CPC, art. 7 0 ,1, sendo facultativa nos demais". No mesmo sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem se manifestando: "Processo civil. Denunciação da lide. Direito de regres­so. Fundamento jurfdico novo. Inadmissibilidade. Obrigatoriedade. Inocorrência. Precedentes - Recurso não conhecido. [...] III - Segundo entendimento doutrinário predominante, somente nos casos de evicção e transmissão de direitos (garantia própria) é que a denunciação da lide se faz obrigatória" (STJ, 3a T„ REsp n. 157147/MG, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 04.03.1999, v.u.).

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INTERVENÇÃO DE TERCEIROS 183

A denunciação da lide pode ser manifestada pelo autor ou pelo réu, desde que a parte se enquadre em uma das hipóteses do art. 70 do Código de Processo Civil.

O pedido deve ser formulado no primeiro momento em que competir à parte falar no processo, ou seja, se a denunciação for for­mulada pelo autor, deverá ele fazê-la na própria petição inicial, reque­rendo, nesta peça processual, a citação do denunciado juntamente com a citação do réu da ação. Por outro lado, caso seja apresentada pelo réu, deverá esta parte deduzir o seu pedido de intervenção no prazo previsto para a contestação,27 nos termos do art. 71.

Recebido o pedido de denunciação, o magistrado apreciará o seu cabimento (art. 70 e incisos do CPC) e, em caso positivo, ordenará a citação do denunciado, ficando suspenso o processo até que o terceiro seja devidamente citado. Deixando a parte denunciante de oferecer os meios necessários à citação do denunciado no prazo legal (dez dias se residir na mesma comarca; caso contrário, o prazo será de trinta dias), a ação terá seu curso retomado exclusivamente entre as partes, ficando sem efeito a denunciação apresentada.

Por fim, tendo sido admitido o denunciado, o juiz deverá, na sen­tença que julgar a ação procedente, conforme o caso, indicar a respon­sabilidade do denunciado em relação ao denunciante, para que essa sentença sirva como título executivo e o denunciante possa ser ressar­cido pelos danos que experimentar em razão do cumprimento da sen­tença em favor da parte adversa.

Da citação do denunciado poderão advir as seguintes situações e efeitos (arts. 74 e 75 do CPC):

m 7 . 5 . 4 P r o c e d i m e n t o s

27 "Embargos infringentes. Evicção. Denunciação à lide. Impossibilidade. Adquirente que

somente é chamada a integrar a lide na fase executória de sentença anteriormente proferi­

da. Descabimento da denunciação em tal fase processual. Direito à indenização decorrente

dos princípios gerais de direito. Embargos rejeitados." (TJSP, El n. 87.239-4/3, rel. Arthur Del Guércio, j. 15.03.2000, m.v.)

Page 216: Manual de Direito Processual Civil - Vol. 1 - Darlan Barroso

1 8 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Denunciação pelo Autor

Comparece o denunciado em juízo

Assumirá a posição de litisconsorte do

autor denunciante e poderá aditar a

petição inicial, procedendo-se, em seguida, à citação do réu (art. 74)

Denunciação pelo Réu

Terceiro aceita a denunciação e

apresenta contestação ao pedido do autor

0 processo continuará entre as partes

originárias, formando-se uma relação jurídica processual secundária entre o

denunciante e o denunciado, que serão tidos por litisconsortes (assistente

simples)28

Terceiro denunciado é revel (citado deixa de apresentar resposta

em juízo) ou comparece apenas

para negar a qualidade atribuída

como causa da intervenção

0 denunciante continuará na defesa

até o final

O denunciado confessa os fotos

alegados pela parte autora (isso contra o interesse do denunciante)

Poderá o denunciante continuar na

defesa de seus interesses

Nota-se aqui uma espécie de responsabilidade subsidiária e não solidária. O denunciante é condenado em face do seu adversário na ação principal e o denunciado é condenado em favor do denunciante sobre as quantias ou obrigações que este tiver que arcar em relação à outra parte. Não pode o magistrado condenar solidariamente denun­ciante e denunciado, pois não existe relação jurídica entre o denuncia­do e a parte adversa do denunciante.

28 Conforme ensina Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery (op. cit., p. 356), apesar de a lei utilizar-se do termo litisconsorte, o caso é de assistência simples, isso pelo fato de que o denunciado não pode ser considerado litisconsorte da outra parte por não ter com ela qualquer relação jurídica (a relação é entre o denunciante e o denunciado); além disso, o denunciado atuará no interesse do denunciante, já que quer que ele vença a demanda e não seja o terceiro obrigado a ressarcir o que eventualmente poderia haver de condenação.

Page 217: Manual de Direito Processual Civil - Vol. 1 - Darlan Barroso

INTERVENÇÃO DE TERCEIROS 185

Assim, a parte vencedora executará a sentença contra o denun­ciante e, posteriormente, este cobrará do denunciado aquilo que pagou para a outra parte.

7.6 C h a m a m e n t o a o Pr o c e s s o

■■ 7 . 6 . 1 D e f i n i ç ã o e C a b i m e n t o

O chamamento ao processo, conforme previsão do art. 77 do Códi­go de Processo Civil, é modalidade de intervenção de terceiros pela qual o devedor, sendo demandado a pagar a integralidade do débito, tem o direito de chamar à lide os demais co-devedores, para que seja declara­da na mesma sentença a responsabilidade dos demais devedores. Seria a hipótese, por exemplo, do fiador que é demandado para pagamento da dívida do seu afiançado. Nesse caso, poderá o réu (fiador) promover o chamamento ao processo para que o devedor principal seja obrigado a ressarci-lo caso tenha que cumprir qualquer obrigação.

Em síntese, o chamamento ao processo é típica modalidade de intervenção de terceiros para se invocar a responsabilidade de co-deve- dores, quando o réu tiver sido demandado sozinho.

Nos casos de obrigações solidárias, ao credor é facultado prom o­ver ação contra qualquer um dos devedores. Cada devedor é responsá­vel pela totalidade do débito e, em caso de pagamento integral, ficará sub-rogado ao recebimento das cotas-partes dos demais devedores. Assim, o chamamento ao processo é medida cabível para a atribuição da responsabilidade dos devedores solidários em razão de suas cotas- partes na obrigação.

Nesse sentido, Athos Gusmão Carneiro assevera:29

Pelo chamamento ao processo, ao réu assiste a faculdade (não a

obrigação) de, acionado pelo credor em ação de cobrança, fazer citar os

coobrigados, a fim de que estes ingressem na relação jurídica processual

como litisconsortes, ficando destarte abrangidos pela eficácia da coisa ju l­

gada material resultante da sentença.

29 Op. cit., p . 9 5 .

Page 218: Manual de Direito Processual Civil - Vol. 1 - Darlan Barroso

18 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Como se vê, ainda segundo as lições do referido autor, são pressu­postos para o cabimento do chamamento ao processo:

a) a existência de outros devedores da mesma obrigação, sejam solidá­rios ou não, responsáveis parcial ou integralmente pelo débito exi­gido (o fiador, por exemplo, pode ser solidário e ter de responder pela integralidade do débito, mas, na realidade, toda a obrigação deverá, no futuro, ser suportada pelo devedor afiançado);

b) a existência do direito de reembolso (direito de regresso) do réu em relação aos demais devedores (no caso, co-devedores). Obvia­mente, caso o réu não tenha direito de regresso em relação aos ter­ceiros, não há que se falar em chamamento ao processo por abso­luta falta de interesse na medida.

■ i 7 . 6 . 2 P r o c e d i m e n t o

Como se deduz das hipóteses de cabimento, o chamamento ao processo é uma espécie de intervenção de terceiros cuja legitimidade ativa é exclusiva do sujeito passivo da ação. Apenas o réu, quando de­mandado isoladamente para cumprimento de uma obrigação, poderá chamar ao processo os demais co-devedores.

Por essa razão, a lei processual impõe como oportuna para tal requerimento de intervenção de terceiros a formulação dentro do prazo que o demandado tem para a apresentação de sua defesa (con­testação).

O art. 78 do Código de Processo Civil determina que o réu deve­rá, no prazo da contestação, requerer a citação dos co-devedores. Por­tanto, deverá o réu apresentar petição, fundamentando o cabimento da intervenção, e requerendo a citação dos demais co-devedores para que venham a ocupar o pólo passivo da ação na qualidade de verdadeiros litisconsortes.30

30 Esse artigo cria uma situação processual, no mínimo, estranha. A lei dá a entender que o réu teria poder de modificar o pólo passivo da ação proposta pelo autor, modificação esta que se daria para a inclusão de novos réus (litisconsortes passivos). Nesse caso, estaría- mos diante de uma situação em que o réu pudesse alterar o direito de ação do autor, direi­to este que compreende a prerrogativa de escolher contra quem pretende demandar.

Page 219: Manual de Direito Processual Civil - Vol. 1 - Darlan Barroso

INTERVENÇÃO DE TERCEIROS 187

Assim, admitido pelo magistrado o chamamento (uma vez que poderá indeferir liminarmente caso não se encontrem as hipóteses de cabimento do art. 77 do CPC), será realizada a citação dos chamados, que passarão a ocupar o pólo passivo da ação, gozando das mesmas prerrogativas típicas dos sujeitos passivos das ações.

O maior benefício do chamamento ao processo é que, na mesma sentença em que julgar procedente a ação do autor (credor) contra o réu (devedor originariamente demandado), o juiz fixará a responsa­bilidade dos demais co-devedores, revestindo-se essa sentença do ca­ráter de título executivo em favor daquele que satisfizer integralmen­te a dívida, para que possa ser restituído (integral ou parcialmente, dependendo da relação material) do valor pago no lugar dos demais co-devedores.

Note-se que a sentença não alterará o direito do credor (autor) de exigir o cumprimento integral da obrigação daquele contra o qual a ação foi proposta; a intervenção tão-somente permitirá o oferecimento de uma tutela condenatória em favor do réu contra os demais devedores.

Por fim, é importante esclarecer que o não requerimento do cha­mamento ao processo pelo réu não lhe gera qualquer prejuízo quanto ao direto material que supostamente possa ter em relação aos co-deve- dores. Obviamente, caso o réu não apresente o chamamento, poderá ele, no futuro, se condenado ao pagamento de valor ao autor da ação (credor), promover ação autônoma para ser ressarcido pelos outros co-devedores.

Page 220: Manual de Direito Processual Civil - Vol. 1 - Darlan Barroso

C OMP A R A Ç Ã O E N T R E AS M O D A L I D A D E S DE I N T E R V E N Ç Ã O DE T E R C E I R O S

Assistência Art. 50

Oposição Art. 56

Nomeação à autoria Art. 62

D enunciação da lide Art. 70 Cham am ento ao processo

Finalidade

Ingresso do terceiro para auxiliar uma elas partes para que a sentença lhe

seja favorável

Instrumento para que o terceiro reivindique para si a coisa

litigiosa entre autor e réu. É verdadeira ação do terceiro

contra as partes da ação principal. É admitida no

processo de conhecimento pelo rito ordinário (não se admite no

rito sumário)

A nomeação à autoria tem por finalidade corrigir erro no pólo passivo da ação. Tem por objetivo substituir o réu (mero detentor da coisa ou

pessoa que tenha praticado o ato a mando de terceiro),

pelo verdadeiro proprietário, possuidor da coisa ou

mandante do ato, sujeito que é parte passiva legítima.

A nomeação é dever do réu, pois, caso não o faça,

responderá pelos danos que a outra parte ou terceiros sofre­rão em razão de sua omissão

Invocar a responsabilidade do garantidor, para que este seja

condenado a ressarcir o denunciante caso sai vencido

na ação, ressarcimento este que poderia ser exercício cm ação

regressiva autônoma.É meio de obter a condenação

do terceiro (denunciado) à restituição do que for prejudicado na ação.

As hipóteses de cabimento estão previstas no art. 70 do CPC (evicção, garantia da

posse e nos casos de obrigação legal ou contratual de

ressarcimento.Tem cabimento no rito sumário

apenas quando versar sobre contrato de seguro

É o instrumento colocado a disposição do devedor (réu) para

chamar ao processo os demais co- devedores solidários, quanto aquele

tiver sido demandado sozinho.O devedor, demandado sozinho,

exerce o chamamento dos demais co-devedores, para que na mesma ação, sejam todos condenados ao

ressarcimento daquilo que ele tiver que pagar em nome dos chamados

por força da obrigação solidária (art. 77 cita o chamamento do devedor pelo fiador, de outros

fiadores pelo fiador, ou dos do- devedores solidários quando

demandado isoladamente. Tem cabimento no processo de

conhecimento pelo rito ordinário

Requisitos e cabim ento

O assistente (terceiro) deve dem onstrar interesse jurídico no resultado favorável em favor da

parte assistida.Tem cabimento em

qualquer processo ou procedimento, inclusive no

rito sumário

a) pressupostos processuais econdições da ação

b) a oposição seja relativa ao objeto litigioso entre autor e

réu (conexão) c) o mesmo juízo seja competente para a ação e

oposição d) que a ação principal esteja

em curso (litispendência)

Iniciativa (leg itim idade)

A iniciativa é do terceiro Iniciativa do terceiro Apenas do réuAutor ou réu da ação

principal

Exclusiva do réu (devedor demandado sozinho quando existir

outros co-devedores)

Prazo(m om ento

processual)

O terceiro poderá requerer sua admissão como assistente

a qualquer momento do processo (enquanto não

ocorrer o trânsito em julgado). O terceiro recebe o processo no estado em que se

encontrar

Pode ser exercida até que seja proferida sentença de mérito na

ação principal: a) se for apresentada antes da

audiência de instrução do processo principal, será

apensada a oposição e julgada na mesma sentença;

b) oferecida depois de iniciada a audiência de

instrução, a oposição terá seu curso como ação autônoma

pelo rito ordinário. Neste caso, poderá o juiz determinar a

suspensão do processo principal, até 90 dias, para que

as ações sejam julgadas em conjunto.

A nomeação deverá ser exercida no prazo para a

defesa do réu

Pelo autor: o pedido deve ser formulado na petição

inicial.Polo réu: no prazo da

contestação

Prazo para a contestação (art. 78)

Efeitos

Havendo impugnação pelas partes, o pedido de

intervenção será autuado em apartado para decisão acerca

da existência ou não de interesse jurídico. Não há suspensão do processo durante a apreciação do

incidente

Deferido o processamento da nomeação, ficará suspenso o

processo.Havendo recusa da nomeação

pelo autor ou quando o terceiro negar a qualidade que lhe é imputada, será deferido

novo prazo para o réu contestar (art. 67)

Deferido o processamento da denunciação, com a

determinação de citação do denunciado, ficará suspenso

o processo até que seja aceito ou não o ingresso do

terceiro denunciado

Deferido o processamento do chamamento, o juiz suspenderá

o processo c determinará a citação dos demais co-

devedores

1 88 MANUAL DE DIREITO

PROCESSUAL CIVIL - DARLAN

BARROSO

Page 221: Manual de Direito Processual Civil - Vol. 1 - Darlan Barroso

O Juiz e o s

A u x i l i a r e s d a J u s t i ç a

8.1 F u n ç ã o do Ma g i s t r a d o

A terminologia magistrado deriva do latim magistratus, magister, decorrente da raiz mag, relacionada à idéia de gran­de. O título de magistrado sempre foi conferido às autorida­des do Estado que estivessem investidas de poder jurisdicio­nal, ou seja, do poder para dizer o direito ao caso concreto e solucionar os conflitos de interesses; o julgador, o adminis­trador da justiça: “Magistratus est lex loquens; lex autem est mutus magistratus ’, ou seja, o “magistrado é a lei, que fala; a lei é o magistrado, quando não fala”.1

Os magistrados são os responsáveis pela condução dos processos, zelando pela administração da Justiça e pela apli­cação do direito dentro da função jurisdicional do Estado.

De fato, o Código de Processo Civil, orientado pela Cons­tituição da República, prevê que é conferida aos magistrados, incluídos todos os juizes que integram o Poder Judiciário -

1 De Plácido e Silva, Vocabulário jurídico, v. III, p. 126, citando Cícero, orador romano.

189

Page 222: Manual de Direito Processual Civil - Vol. 1 - Darlan Barroso

1 9 0 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

juizes de primeira instância, juizes de tribunais, desembargadores e ministros - a atribuição de presidência dos processos, com observân­cia dos seguintes princípios (art. 125 do CPC):

a) Igualdade entre as partes. O juiz é pessoa estranha ao litígio, mas sujeito do processo que deve zelar pela garantia de tratamento iso- nômico em relação aos litigantes. O magistrado deve fazer com que as partes tenham as mesmas oportunidade em juízo, para que tenham as mesmas condições para a prática dos atos processuais.

Nesse ponto, é fundamental relembrarmos o conceito de igual­dade, já tratado anteriormente. Garantir a isonomia é tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais, na medida de suas diferenças. Dar igualdade, como já tratamos, é respeitar as diferen­ças. O magistrado deve manter-se eqüidistante das partes, uma vez que ele é sujeito desinteressado do processo.

b) Velar pela rápida solução do conflito. Os atos do magistrado de­vem pautar-se no objetivo de fazer com que o processo chegue à sua solução da forma mais rápida possível. O magistrado tem o dever de impedir a procrastinação ou o retardamento injustifica­do do processo, e por essa razão se lhe impõe a obrigação de inde­ferir todos os atos inúteis ao deslinde da causa.

c) Coibir os atos contrários à dignidade da justiça. É dever do magis­trado exortar as partes e terceiros para que respeitem a autoridade do Poder Judiciário, reprimindo todo e qualquer ato tendente ao desmerecimento e à desonra do referido Poder do Estado.

O art. 129 determina que o juiz deverá, de ofício, inclusive, re­primir a atividade das partes que, utilizando-se do processo, visam à prática de atos simulados ou para fins de obtenção de objeto contrário à lei.

d) Tentar a conciliação.2 É função do juiz, sempre que possível e a qualquer momento processual, levar as partes à composição ami­gável do conflito.

2 A conciliação ou a transição apenas são possíveis quando se tratar de direito disponí­vel, que pode ser definido como aquele de natureza patrimonial e privada. Em se tratando de direito indisponível, o juiz está desobrigado da tentativa de acordo entre as partes.

Page 223: Manual de Direito Processual Civil - Vol. 1 - Darlan Barroso

0 JUIZ E OS AUXILIARES DA JUSTIÇA 1 9 1

e) Inafastabilidade do dever de julgar (art. 126 do CPC). Os magis­trados não se eximem de proferir julgamento na ação, mesmo quando houver lacuna ou omissão da lei. Ressalte-se que, estando presentes todas as condições da ação e os pressupostos processuais- não havendo qualquer causa de extinção do processo sem julga­mento do mérito, nos termos do art. 267 do CPC - , o juiz é obri­gado a proferir uma sentença acerca do mérito da causa (preten­são do autor e defesa do réu).

O juiz não pocierá se recusar a proferir um julgamento de mérito sob o argumento de inexistência de regras no direito posi­tivo. Não havendo norma escrita acerca da matéria, deverá o juiz se valer da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do direi­to para solucionar a lide que lhe fora apresentada.

Na qualidade de espectador do processo - colhendo informações e conhecendo a lide para possibilitar a prolação de um veredicto - , o juiz tem o poder de determinar as provas que entender necessárias para esclarecimento dos fatos e formação do seu convencimento.

É o que denominamos de poder instrutório do juiz, que, dentro dos limites em que a lide foi proposta, poderá determinar, indepen­dentemente de provocação das partes, as provas que julgar pertinentes ao deslinde da causa (art. 130 do CPC).

8.2 Re s p o n s a b i l i d a d e s do J u i z

Não obstante todos os poderes e deveres conferidos ao magistra­do, o Código de Processo Civil também prevê a sua responsabilização civil por perdas e danos quando (art. 133):

a) proceder com dolo ou fraude no exercício de suas funções;b) recusar, omitir ou retardar, sem motivo justificado, as providências

que lhe competem.

Nota-se que a responsabilização pessoal do magistrado apenas se configurará quando ficar provada a existência de dolo ou fraude em

Page 224: Manual de Direito Processual Civil - Vol. 1 - Darlan Barroso

1 9 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

sua conduta funcional, não bastando as hipóteses de culpa (negligên­cia, imprudência ou imperícia), portanto, tratando-se de modalidade de responsabilidade subjetiva.

Não se incluiu nesse dispositivo legal o denominado erro judiciá­rio (erro in judicando ou erro in procedendo),3 quando o juiz age de boa-fé; a responsabilização só ocorrerá se a parte provar que ocorreu a intenção de causar o prejuízo ou que o juiz recebeu vantagens para a prática do ato ilícito, circunstâncias em que as partes prejudicadas po­derão ser indenizadas pelos danos experimentados, indenização paga pela pessoa do magistrado.

8.3 I m p a r c i a l i d a d e : I m p e d i m e n t o e

S u s p e i ç ã o

O juiz é pessoa estranha ao litígio, sujeito do processo que não tem nenhum interesse direto na solução do conflito. Repita-se que o juiz é sujeito do processo e não parte, assim o seu único interesse é fazer atuar a vontade da lei ao caso concreto, sem receber para isso qualquer vantagem com o resultado do conflito.

A imparcialidade é, para a relação jurídica, um pressuposto de validade e desenvolvimento regular. Ensina José Frederico Marques que:'1

É imprescindível à lisura e prestígio das decisões judiciais a inexistên­

cia de m enor dúvida sobre motivos de ordem pessoal que possam influ ir

no ânim o do julgador.

De fato, a certeza da imparcialidade do magistrado é que confere legitimidade e autoridade às decisões do Poder Judiciário, ou seja, é a

3 Ocorrendo erro judiciário sem demonstração de dolo ou culpa do magistrado, poderá haver apenas a responsabilização civil do Estado em razão do ato do agente, mas não a res­ponsabilização pessoal do juiz.

4 José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, 1974, apud Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, v. I, p. 237.

Page 225: Manual de Direito Processual Civil - Vol. 1 - Darlan Barroso

0 JUIZ E OS AUXILIARES DA JUSTIÇA 193

garantia de que a pessoa do juiz não será influenciada por interesses particulares quando da prolação do julgamento. A parcialidade afasta­ria a vontade da lei para fazer prevalecer o interesse particular do juiz.

Por essa razão, a fim de afastar a parcialidade, o Código de Proces­so Civil prevê os casos de impedimento e suspeição da pessoa do juiz- todo e qualquer magistrado, art. 137 do CPC - , hipóteses em que, a princípio, o magistrado está impossibilitado de exercer a função juris­dicional.

As hipóteses de impedimento referem-se às situações de certeza da parcialidade do juiz (parcialidade absoluta). Ao descrever os casos de impedimento, em circunstâncias objetivas, no art. 134, o Código dá pre­sunção absoluta, iuris et de jure (que não admite prova em contrário), da parcialidade do magistrado.5

Configura-se, nos termos do art. 134, o impedimento quando:

a) o juiz for parte;b) interveio o magistrado na qualidade de mandatário (procurador)

da parte ou de perito, funcionou como órgão do Ministério Públi­co ou prestou depoimento na qualidade de testemunha;

c) o juiz conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe profe­rido sentença ou decisão. Uma vez que o magistrado funcionou no processo quando este tramitava na primeira instância, não poderá ele exercer função quando o mesmo processo se encontrar no tri­bunal;

d) estiver postulando como advogado da parte o cônjuge ou qualquer parente do juiz, em linha reta ou na colateral até o segundo grau (irmão ou cunhado);

e) o juiz for cônjuge, parente de alguma das partes, em linha reta, ou na colateral, até o terceiro grau;

f) o juiz for (ou tiver sido) diretor ou administrador de pessoa jurí­dica que seja parte na causa;

g) dois ou mais juizes forem parentes, em linha reta e no segundo grau na linha colateral; o primeiro, que conhecer da causa no tri­bunal, impede que o outro participe do julgamento; o segundo irá

5 C e ls o A g r í c o la B a r b i , Comentários ao Código de Processo Civil, p . 7 1 8 / 3 3 5 .

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194 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

se escusar e remeter o processo ao seu substituto legal (art. 136 do CPC). Seria o caso de juizes parentes que atuam no mesmo tribu­nal. Assim, o primeiro afasta a possibilidade do segundo de atuar na relação jurídica processual.

O impedimento previsto no item d (inc. IV do art. 134) apenas se verifica quando o advogado já estava atuando na causa. Ao contrário, é vedado ao advogado ingressar na causa em que já atue como juiz pes­soa que é seu cônjuge, ou parente, em linha reta, ou na colateral até o segundo grau (parágrafo único do art. 134).

Imaginemos que, em certo processo em curso, encontra-se atuan­do determinado juiz - neste caso, o seu cônjuge ou irmão não poderá ingressar na qualidade de advogado de qualquer uma das partes. Se o juiz já funcionava no processo, o advogado que for seu cônjuge ou irmão é que ficará impedido de ingressar no feito.

Por outro lado, vislumbramos as hipóteses de suspeição, circunstân­cias em que ocorre a parcialidade relativa do magistrado (circunstâncias subjetivas), que pode ser ilidida por provas em sentido contrário, por se tratar de uma presunção iures tantum.

Conforme dispõe o art. 135, há casos de suspeição quando:

a) o juiz for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer uma das partes;

b) alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, na linha reta ou colateral até o terceiro grau;

c) o juiz for herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de algu­ma das partes;

d) o juiz receber dádivas (presentes, donativos, ofertas etc.) antes ou depois de iniciado o processo, aconselhar as partes acerca do obje­to da causa ou conferir meios para que a parte arque com as des­pesas do litígio;

e) tiver o juiz interesse no julgamento da causa em favor de uma das partes; e

f) o juiz alega motivo íntimo.6

6 Comum ocorrência, por exemplo, nos procedimentos que visam autorização para a rea­lização de abortamento nos casos em que a criança não sobreviverá (aborto eugenésico). Mui-

Page 227: Manual de Direito Processual Civil - Vol. 1 - Darlan Barroso

0 JUIZ E OS AUXILIARES DA JUSTIÇA 195

Nota-se que o rol do art. 135 é meramente exemplifkativo (ao contrário dos casos de impedimento), pois, em qualquer circunstância em que ficar provado o interesse direto do magistrado no resultado da causa, seja para benefício próprio, de seus parentes ou de qualquer ou­tra pessoa, estará suspeito para prosseguir no julgamento da causa.

O juiz tem o dever de, mesmo de ofício, conhecer e declarar o impedimento e a suspeição. Caso não o faça, a parte interessada pode­rá fazê-lo por meio de exceção de impedimento ou de suspeição. Note- se que o impedimento, por se tratar de parcialidade absoluta, pode ser alegado em qualquer momento ou fase processual, pois não é passível de preclusão. Ao contrário, a suspeição deve ser argüida pela parte in­teressada ou pelo Ministério Público no prazo da defesa ou, quando superveniente à defesa, no primeiro momento em que competir à parte falar no processo, sob pena de preclusão.

Reconhecido o impedimento ou a suspeição, os autos serão reme­tidos ao substituto legal do magistrado que foi afastado em razão da parcialidade.

Por fim, é imperioso esclarecer que as hipóteses de impedimento e suspeição são aplicáveis também aos membros do Ministério Público (promotores e procuradores de justiça, procuradores da República etc.) e aos auxiliares da jurisdição, ao perito e ao intérprete.

8.4 A u x i l i a r e s d a J u r i s d i ç ã o

Para o exercício da atividade jurisdicional, o magistrado se vale de auxiliares - servidores do Estado ou terceiros, que atuam no processo para a consecução de seu objetivo: o oferecimento da tutela jurisdicio­nal. Cada vara ou juízo será dotado de um ofício de justiça (cartório), com atribuições definidas pelas leis de organização judiciária (art. 140 do CPC) para, em síntese, a coordenação e a realização dos atos pro­cessuais determinados pelos juizes, a guarda dos autos dos processos, e os demais atos de auxílio à atividade jurisdicional.

tos magistrados, em razão de convicções pessoais ou religiosas, declaram-se suspeitos, por motivo íntimo, para atuação nesses casos.

Page 228: Manual de Direito Processual Civil - Vol. 1 - Darlan Barroso

196 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Assim, podemos dizer que são auxiliares da jurisdição:

a) Escrivão. O art. 141 do Código de Processo Civil define como atri­buições do escrivão: redigir os ofícios, mandados, cartas e demais atos; executar as ordens judiciais; comparecer à audiência para lavra- tura do termo (ou designar substituto); ter sob sua guarda e conser­vação os autos dos processos de competência do juízo; remeter os autos à conclusão (ao juiz); abrir vistas aos advogados e membros do Ministério Público; fornecer certidões; e todos os demais atos previs­tos na lei de organização judiciária do âmbito em que atua.

b) Oficial de justiça. O oficial de justiça é responsável, principalmen­te, pelos atos de comunicação do processo, como o de citação e de intimações pessoais. Além disso, é o oficial de justiça o responsá­vel pelo cumprimento dos demais mandados judiciais (penhora, arresto, seqüestro, constatações etc.). O Código de Processo prevê também como função do oficial de justiça, o auxílio ao escrivão nas audiências, em especial para a manutenção da ordem e para apregoar as partes e testemunhas.

c) Perito (do latim expertu). O perito é o auxiliar da justiça com co­nhecimentos técnicos ou científicos que assiste o juiz na aprecia­ção de fatos que dependerem de habilidade específica, havendo, por exemplo, o contador, o médico, o engenheiro etc. A regra é no sentido de que os peritos são escolhidos entre profissionais com formação universitária, com inscrição no órgão de classe e com es­pecialidade na matéria em que atuarão, admitindo-se, todavia, a indicação livre pelo juiz quando na localidade não existir técnico com as qualificações anteriores.

d) Depositário e administrador judicial. O depositário é o auxiliar incumbido da guarda e da conservação de bens colocados à dispo­sição do juízo (decorrentes da consignação judicial, da penhora, do arresto, da arrecadação etc.). Já o administrador é o auxiliar designado pelo magistrado para dirigir ou fazer gestão de coisa alheia confiada ao juízo. O depositário e o administrador podem ser particulares no exercício de uma função pública (não são necessariamente servidores do Estado), sendo esta atividade remunerada.

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0 J U I Z t O S A U X I L I A R t S D A J U S T I Ç A 197

e) Intérprete. O intérprete ou o tradutor são necessários para a aná­lise e o entendimento de documentos redigidos em língua estran­geira, para traduzir em português as declarações das partes ou tes­temunhas que não souberem o idioma oficial e traduzir a língua mímica dos surdos-mudos, quando não possível a manifestação da vontade pelo modo escrito.

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O M i n i s t é r i o P ú b l i c o 9

9.1 A F u n ç ã o do M i n i s t é r i o Pú b l i c o

no Es t a d o De m o c r á t ic o de D ir e it o

A Constituição da República definiu o Ministério Público como instituição essencial ao Estado Democrático de Direito e à administração da Justiça, representando órgão independen­te e autônomo em relação aos demais Poderes do Estado, com atribuições constitucionais de defesa do interesse social, da or­dem jurídica e dos direitos indisponíveis.

O Ministério Público ocupa a atribuição excelsa de de­fensor da sociedade e da República brasileira, zelando pela integralidade do Estado Democrático e pela manutenção da ordem jurídica, como verdadeiro fiscal da lei.

9.2 C a r a c t e r í s t i c a s e Ga r a n t i a s

Em razão da própria natureza de sua função, o Ministério Público é instituição que goza das seguintes características:

199

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200 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

a) Autonomia e independência. O Ministério Público é instituição absolutamente independente e desvinculada de qualquer um dos Poderes do Estado brasileiro. O promotor exerce sua atividade sem qualquer grau de subordinação em relação aos magistrados, advo­gados ou quaisquer outras autoridades do Estado.1 Além disso, a instituição tem autonomia administrativa, financeira e de auto-regu­lamentação, não se sujeitando ao controle direto de outro órgão.

b) Órgão permanente e essencial. A Constituição da República elege o Ministério Público como órgão imprescindível à guarda do or­denamento jurídico, dos interesses da sociedade como um todo e dos interesses indisponíveis. O parquet é instituição vital para a manutenção da ordem jurídica.

9.3 Es t r u t u r a do M i n i s t é r i o Pú b l i c o

A unidade e a indivisibilidade são características marcantes do Mi­nistério Público brasileiro, já que, apesar de existir estruturação orgâ­nica e funcional da instituição, todos os seus membros integram um só órgão. Além disso, os membros do Ministério Público não se vinculam aos processos em que atuam, sendo absolutamente possível a substitui­ção, na forma da lei, de um membro por outro.2

No entanto, não obstante a unicidade, o Ministério Público é es­truturado da seguinte forma:

a) Ministério Público da União, que abrange: o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Mili­tar e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. O Mi­nistério Público da União é chefiado pelo Procurador-Geral da Re­pública.

b) Ministério Público dos estados, com atribuição para funcionar no âmbito da Justiça dos estados, cabendo a chefia ao Procurador-Ge­ral de Justiça de cada estado-membro.

1 Alexandre de Moraes, Constituição do Brasil interpretada, p. 1.517.? Leda Pereira Mota & Celso Spitzcovsky, Curso de direito constitucional, p. 176.

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0 MINISTÉRIO PÚBLICO 201

A estrutura do Ministério Público gera as seguintes denominações de seus membros:

■ I 9 . 3 . 1 M I N I S T É R I O P Ú B L I C O D A U N I Ã O

Procurador-Geral da República - chefe do Ministério Público da União;

Procuradores da República - membros do Ministério Público.

■ i 9 . 3 . 2 M i n i s t é r i o P ú b l i c o d o s E s t a d o s

Procurador-Geral de Justiça - chefe do Ministério Público do es­tado;

Procuradores de justiça3 - membros do Ministério Público que atuam na segunda instância de jurisdição (nos tribunais);

Promotores de justiça - membros do Ministério Público que fun­cionam nos órgãos jurisdicionais de primeira instância da Justiça dos estados.

9.4 A t r i b u i ç õ e s do M i n i s t é r i o Pú b l i c o

A Constituição da República, em seu art. 129, atribui ao Ministé­rio Público as seguintes funções institucionais:

a) a promoção da ação penal pública;b) o zelo pelo efetivo respeito aos Poderes e serviços de relevância

pública;c) promoção do inquérito civiP e da ação civil pública, para defesa de

todo patrimônio público e coletivo;

3 Não se confundem com os procuradores dos estados, uma vez que, enquanto os pro­curadores de justiça são membros do Ministério Público, os procuradores dos estados são advogados do estado-membro, portanto, vinculados ao Poder Executivo daquele ente da fe­deração.

4 Trata-se de procedimento administrativo preparatório à propositura de ação pelo Ministério Público, sendo realizado com o objetivo de apurar fatos e colher provas para a ins­trução da ação civil pública.

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2 0 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

d) propositura das ações diretas de inconstitucionalidade e a repre­sentação para intervenção da União nos estados-membros.

Com efeito, ressalvada a atuação do Ministério Público nas ações penais - nas quais sua participação é mais marcante e ampla - , como desdobramento do mandamento constitucional anteriormente referi­do, no âmbito da jurisdição civil podemos definir a atuação do Minis­tério Público como:

a) parte autora; eb) fiscal da lei (custos legis).

m 9 . 4 . 1 O M i n i s t é r i o p ú b l i c o c o m o P a r t e

Em conformidade com o disposto no art. 129 da Constituição, nos casos expressos em lei e para a defesa de interesses metaindividuais - entendidos como aqueles relevantes para a coletividade - , o Ministério Público tem legitimidade para propor ações em defesa desses direitos que vão além do interesse meramente individual.

Assim, podemos afirmar que os membros do Ministério Público, dentro de suas competências e atribuições internas, têm legitimidade para a propositura das seguintes ações:

a) Ação civil pública. Nos termos da Lei n. 7.347/85, trata-se de ação destinada à responsabilização civil pelos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, esté­tico, histórico, turístico, e paisagístico, por infração à ordem eco­nômica ou a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.

Como se vê, em todas as hipóteses de cabimento da ação civil pública existe a defesa de um interesse social ou coletivo, direitos transindividuais que pertencem a toda a sociedade e não compor­tam divisão. Como exemplo, podemos citar a agressão ao meio am ­biente: nesse caso, o direito lesado pertence à sociedade como um todo, não sendo possível determinar-se a parcela de cada indiví­duo no direito lesado (por isso, indivisível).

Obviamente, o Ministério Público, como guardião dos interes­ses da coletividade, tem absoluta legitimidade para a propositura

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0 MINISTÉRIO PÚBLICO 2 0 3

de ação para responsabilização e prevenção de lesão aos bens jurí­dicos a ela pertencentes.

b) Ações coletivas em defesa do consumidor. O art. 82 do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) confere legitimidade con­corrente aos membros do Ministério Público para a propositura de ações coletivas em defesa dos direitos dos consumidores.

c) Ações diretas de controle da constitucionalidade. Ação direta de inconstitucionalidade (ADIn), Ação Declaratória de Constitu­cionalidade (Adecon) e Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) - são todas ações que objetivam o controle em abstrato da constitucionalidade, e se destinam à verificação de compatibilidade das normas inferiores em face da Constituição da República.

Nota-se que a legitimidade do Ministério Público para a pro­positura de ações de controle da constitucionalidade é típica ati­vidade de defesa da supremacia da Constituição da República, relevante para a defesa do Estado Democrático de Direito e de interesse de toda a coletividade.

Cumpre observar que a legitimidade conferida ao Ministério Público para a propositura de ações para o controle da constitu­cionalidade - de forma concorrente com outras pessoas5 - deve ser exercida pelo Procurador-Geral da República (chefe do Ministério Público da União), não sendo possível aos demais promotores e procuradores a manipulação das referidas ações.

d) Ação rescisória. A ação rescisória é o instrumento para descons- tituição de uma sentença transitada em julgado; portanto, o Ministério Público tem legitimidade para a propositura dessa ação, nos termos do art. 487, III, do Código de Processo Civil, quando ele não foi ouvido em processo em que deveria intervir obrigatoriamente como fiscal da lei ou quando a sentença foi proferida sob efeito de pacto ou ajuste entre as partes com o objetivo de fraudar a lei.

5 Além do procurador-geral da República, há outros legitimados à propositura das ações de controle da constitucionalidade, nos termos do art. 103 da Constituição da República.

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2 0 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Por fim, é importante esclarecer que os membros do Ministério Público, além de legitimidade para figurarem como autores das ações anteriormente mencionadas, também são detentores do ius postulandi necessário à propositura da ação. Portanto, o Ministério Público não necessita de advogado para a propositura das ações de que é titular; os seus próprios membros exercem o ius postulandi.

mm 9 . 4 . 2 O M i n i s t é r i o p ú b l i c o c o m o F i s c a l d a L e i

Não obstante a atuação dos membros do Ministério Público como autores de ações em defesa do interesse coletivo, nos casos expressa­mente previstos na lei, a sua intervenção é obrigatória na qualidade de fiscal da lei ou custos legis, situações em que a Instituição assistirá ao litígio não na qualidade de sujeito parcial, mas de crítico sem compro­metimento direto na solução do conflito.

Na qualidade de custos legis, os promotores ou procuradores do Ministério Público funcionam no processo civil como verdadeiros fis­cais da correta aplicação do direito ao caso concreto e do regular pro­cessamento do feito, sendo justificada a sua intervenção nos casos envolvendo o interesse coletivo ou individual de natureza indisponível postos em juízo.

A esse respeito, o art. 82 do Código de Processo Civil dispõe que o Ministério Público intervirá nas seguintes situações:

a) na ação que versar sobre interesses de incapazes; é o caso, por exemplo, das ações em que figuram como parte (autora ou ré) menores de idade ou interditos (por exemplo, ações de alimentos, investigação de paternidade ou da guarda envolvendo menores de idade);

b) nas ações que versarem sobre estado ou capacidade das pessoas, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposição de última vontade (testamentos);

c) nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural;d) nas causas em que, pela natureza do bem litigioso ou pessoa que

figure em um dos pólos, houver interesse público. O interesse público não se confunde com o interesse da Fazenda Pública, por­tanto, nem sempre que a pessoa jurídica de direito público for

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0 MINISTÉRIO PÚBLICO 2 0 5

parte na demanda, o Ministério Público deverá intervir como fis­cal da lei. A participação do Ministério Público, no caso em análi­se, depende da comprovação de lide acerca do interesse público ou coletivo.6

Além disso, há intervenção do Ministério Público:

e) nos incidentes de conflito de competência (art. 116 do CPC);f) nos incidentes de uniformização de jurisprudência (parágrafo úni­

co do art. 478 do CPC);g) nos incidentes de argüição de inconstitucionalidade7 (art. 480 do

CPC);h) nas ações cautelares (de justificação) quando os interessados não

puderem ser citados pessoalmente ou forem desconhecidos (pará­grafo único do art. 862 do CPC);

i) na ação de usucapião de terras particulares (art. 944 do CPC);j) nas ações de inventário (art. 999 do CPC);k) nas ações de abertura e cumprimento de testamento (art. 1.126 do

CPC);1) quando de arrecadação de herança jacente8 (§ 2o do art. 1.145 do

CPC);

6 "Processual civil. Ação de cobrança movida contra ente público. Intervenção do Minis­tério Público. Desnecessidade. Precedentes. 1. Não se confunde o interesse patrimonial da Fazenda Pública com o interesse público, capaz de legitimar a intervenção do Ministério Públi­co, nos termos do art. 82, inc. III, do CPC, ainda que de elevada importância o valor da con­denação. 2. Precedentes desta Corte. 3. Agravo regimental improvido." (STJ, 2à T., Ag. Reg. no REsp n. 278.770, rel. Min. Eliana Calmon, j. 17.10.2002, v.u.)

"Nem sempre o interesse da Fazenda Pública se constitui em interesse público convo- cador do Ministério Público, como custos legis. Agravo denegado" (STJ, 3a Seção, AE REsp n. 236.853, rel. Min. Fontes de Alencar, j. 12.09.2001, v.u.). No mesmo sentido REsp ns. 137.186, 108.232 e 263.447.

7 Não se trata aqui de ação direta de controle da constitucionalidade, mas sim de mero incidente processual. Nas ações diretas, o controle da constitucionalidade é realizado em abs­trato (lei em tese); já o incidente se realiza tendo por base um caso concreto - temas que tra­taremos em capítulo próprio a seguir.

8 Quando o falecido não deixa herdeiros ou sucessores, sendo os bens arrecadados pelo Estado.

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2 0 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

m) em procedimento de arrecadação de coisas vagas9 (art. 1.172 do CPC);

n) nas ações civis públicas (quando o Ministério Público não for par­te autora) (art. 5o e § Io da Lei n. 7.347/85);

o) nas ações diretas de controle da constitucionalidade (mesmo que sejam promovidas pelo Procurador-Geral da República) (art. 8o da Lei n. 9.868/99);

p) nas ações populares10 (art. 7o, I, a, da Lei n. 4.717/65); q) nas ações de desapropriação de imóvel rural (art. 6o, § 3o, da Lei

Complementar n. 76/93); r) nas ações que versarem sobre improbidade administrativa (art. 17,

§ 4° da Lei n. 8.429/92); s) nos mandados de segurança, quando houver interesse público (art.

10 da Lei n. 1.533/51); t) no habeas data (art. 12 da Lei n. 9.507/97).

Não obstante a enumeração das hipóteses anteriores, o Ministério Público intervirá sempre que o litígio versar sobre interesse público, como preceitua o art. 82, III, do Código de Processo Civil.

O interesse público é aquele pertencente à coletividade, à sociedade e não ao particular. O interesse público não se confunde com interesse da fazenda pública (da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios).11

9 Procedimento de jurisdição voluntária utilizado para a entrega em juízo de coisa acha­d a -a r t. 1.170 do CPC.

10 Pode ser proposta por qualquer cidadão com a finalidade de anular e obter a repa­ração por atos lesivos ao patrimônio público como um todo (qualquer bem público).

" “ Processual Civil. Recurso Especial. Intervenção do Ministério Público em Ação Reparatória de Danos Morais. Desnecessidade. 1. Tratando-se de ação indenizatória por danos morais promovida em face do Estado por abuso de autoridade em face de denún­cia promovida pelo Minitério Público, não se impõe a atuação do Parquet como custos legis, consoante jurisprudência da E. Corte. (REsp n. 327.288/DF, 4a T., rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 17/11/2003; Ag. Reg. no REsp n. 449.643/SC, rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 28.06.2004; AgRg no REsp n. 258.798, rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 1 1.11.2002; REsp n. 137.186, rel. Min. José Delgado, DJ de 10/09/2001). 2. O artigo 82, inciso III, do CPC, dispõe que compete ao Ministério Público intervir: 'III - em todas as demais causas em que há interesse público, evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.' 3. A escor- reita exegese da dicção legal impõe a distinção jus-filosófica entre o interesse público primário e o interesse da administração, cognominado 'interesse público secundário'.

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0 MINISTÉRIO PÚBLICO 207

Nas hipóteses em que a lei impõe a intervenção do Ministério Público na qualidade de custos legisy essa participação é pressuposto de desenvolvimento válido do processo, já que a ausência do parquet, quando necessário, gerará nulidade absoluta dos atos processuais pra­ticados, nos termos do art. 84 do Código de Processo Civil.12

No entanto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem se manifestado no sentido de que a intervenção do Ministério Público na segunda instância, mesmo que não tenha integrado a relação no primeiro grau de jurisdição, poderá suprimir o defeito processual.

A regra é no sentido de que não se decreta a nulidade dos atos processuais se não houver a demonstração de prejuízo às partes ou à regular administração do Poder Judiciário.13

Lições de Carnelutti, Renato Alessi, Celso Antônio Bandeira de Mello e Min. Eros Roberto Grau. 4. 0 Estado, quando atestada a sua responsabilidade, revela-se tendente ao adim- plemento da correspectiva indenização, coloca-se na posição de atendimento ao 'interesse público'. Ao revés, quando visa a evadir-se de sua responsabilidade no afã de minimizar os seus prejuízos patrimoniais, persegue nítido interesse secundário, subjetivamente perti­nente ao aparelho estatal em subtrair-se de despesas, engendrando locupletamento à custa do dano alheio. 5. Deveras, é assente na doutrina e na jurisprudência que indisponí­vel é o interesse público, e não o interesse da administração. Nessa última hipótese, não é necessária a atuação do Parquet no mister de custos legis, máxime porque a entidade pública empreende a sua defesa através de corpo próprio de profissionais da advocacia da União. Precedentes jurisprudenciais que se reforçam, na medida em que a atuação do Mi­nistério Público não é exigível em várias ações movidas contra a administração, como, v.g., só ocorre com a ação de desapropriação prevista no Decreto-lei n.3.365/41 (Lei de Desapropriação). 6. In genere, as ações que visam ao ressarcimento pecuniário contêm interesses disponíveis das partes, não necessitando, portanto, de um órgão para fiscalizar a boa aplicação das leis em prol da defesa da sociedade. 7. Hipótese em que se revela evi­dente a ausência de interesse público indisponível, haja vista tratar-se de litígio travado entre o Estado de Rondônia e INSS e o Procurador de Estado Beniamine Gegle de Oliveira Chaves, onde se questiona a reparação por danos morais, tendo em vista ter sido injustamente denunciado pelo crime tipificado no art. 89, da lei 8.666/93. 8. Ademais, a suposta nulidade somente pode ser decretada se comprovado o prejuízo para os fins de justiça do processo, em razão do Princípio de que 'não há nulidade sem prejuízo' (*pas des nullités sans grief'). 9. Recurso especial desprovido." (STJ, REsp n. 303.806/R0, rel. Min. Luiz Fux, j. 22.03.2005)

12 "Ação. Nulidade. Promovida em face de espólio. Existência de herdeiro incapaz. Falta de participação do Ministério Público. Processo anulado de ofício, a partir do despacho sanea- dor. Exames dos recursos prejudicados. Imprescindível a intervenção do Ministério Público em demanda promovida em face de espólio no qual figura incapaz como herdeiro, uma vez que o seu resultado poderá repercutir em seu patrimônio." (TJSP, Ap. n 254.794-1, rel. Des. Rui- ter Oliva, 20.08.1996, v.u.)

13 "Com relação à preliminar de nulidade do feito por ausência da intervenção do Minis­tério Público, considero irretocável a r. decisão agravada, porquanto além dos pais do menor

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2 0 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

9 . 5 P O D E R E S N A A T U A Ç Ã O D O M I N I S T É R I O

P Ú B L I C O

Atuando o Ministério Público como parte autora do processo, ele gozará de todas as prerrogativas, direitos e obrigações inerentes à qua­lidade de parte; promoverá todos os atos concernentes ao pólo da ação que ocupa: petição inicial, manifestação acerca dos autos da parte ré, requerimento de provas, recurso como parte sucumbente etc.

Por outro lado, agindo como fiscal da lei, os membros do Ministé­rio Público oferecerão seus pareceres acerca do mérito do litígio e do processamento do feito, com prerrogativa de ser intimado e ter vistas dos autos do processo sempre após as manifestações das partes.

Além disso, também na qualidade de fiscal da lei, o Ministério Público poderá requerer e produzir provas no processo (como juntar documentos, arrolar e ouvir testemunhas, requerer perícia etc.), bem como recorrer das decisões proferidas no processo, nos termos do art. 499 do Código de Processo Civil.

Por derradeiro, é importante esclarecer que os pareceres (cotas) apresentados pelo Ministério Público na qualidade de fiscal da lei não obrigam o magistrado; trata-se tão-somente da intervenção de um fis­cal que opina sobre os fatos e direitos do processo, sem que tais m ani­festações tenham efeito vinculante sobre o órgão jurisdicional.

9.6 Co n t r o l e Ex t e r n o do M i n i s t é r i o

Pú b l i c o

A Emenda Constitucional n. 45/2004, nos mesmos moldes estabe­lecidos para a Magistratura, acrescentou o art. 130-A à Constituição da República como forma de criar o Conselho Nacional do Ministério Público.

integrarem o pólo ativo da lide, esta Corte firmou o entendimento segundo o qual não há nuli­dade na ausência de intervenção do Ministério Público quando inocorrem prejuízos ao menor incapaz, (cf.: AGA n. 423.153/RS, rel Ministro Aldir Passarinho Junior, DJU de 16/09/2002).“ (STJ, Ag. Reg. no Ag. n. 498.192/RJ, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 05.10.2004).

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0 MINISTÉRIO PÚBLICO 209

Tal Conselho, é composto por quatorze membros nomeados pelo presidente da República, depois de aprovado o nome pela maioria absoluta do Senado Federal. A escolha deverá observar a seguinte com­posição:

a) procurador-geral da República, que exercerá a presidência do Con­selho Nacional do Ministério Público;

b) quatro membros do Ministério Público da União, com respeito à representação de cada uma das carreiras (Ministério Público Fede­ral, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Militar e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios);

c) três membros do Ministério Público dos estados;d) dois juizes, um indicado pelo Supremo Tribunal Federal e outro

pelo Superior Tribunal de Justiça;e) dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos

Advogados do Brasil;f) dois cidadãos de notório saber jurídico e reputação ilibada, indica­

do um pelo Senado Federal e o outro pela Câmara dos Deputados.

Os membros do Conselho Nacional do Ministério Público exerce­rão mandato de dois anos, admitida uma recondução.

Por fim, cumpre-nos ressaltar que as funções do Conselho Nacio­nal do Ministério Público são de mera fiscalização administrativa (dis­ciplinar) e financeira, não havendo nenhuma atribuição típica do Mi­nistério Público, nos termos do § 2o do art. 130-A da Constituição da República.

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C o m p e t ê n c i a IO

10.1 De f i n i ç ã o

Ao estudarmos a atividade jurisdicional, constatamos que o Estado exerce essa função por meio de diversos órgãos do Poder Judiciário, órgãos estes investidos de poder para dizer o direito ao caso concreto e solucionar os conflitos existentes na sociedade. Dessa forma, podemos definir competência co­mo a divisão ou delimitação da jurisdição entre os diversos órgãos do Poder Judiciário brasileiro, podendo também ser conceituada como a medida de atribuições jurisdicionais conferidas a cada órgão do Judiciário.1

Ao propor uma ação, diante de todos os órgãos do Poder Judiciário, surge para o patrono da causa a seguinte questão: para qual juízo devo dirigir o processo? A ação deve ser pro­posta na Justiça Federal ou na Estadual? Ou ainda: a deman-

' Para José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, p. 330: "Competên­cia é a medida da jurisdição, uma vez que determina a esfera de atribuições dos órgãos que exercem as funções jurisdicionais".

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2 1 2 MAtJUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

da será processada em qual localidade? Em São Paulo (domicílio do réu) ou no Rio de Janeiro (domicílio do autor)?

Todas essas questões são resolvidas pelas regras de competência.A jurisdição confere a todos os seus membros a investidura para

manifestação do direito aos casos concretos, mas nem todos têm com­petência para julgar qualquer ação. A cada órgão da jurisdição é atri­buída uma função específica sobre determinado território, tendo o juízo competência para atuar dentro desses limites. Por exemplo, um magistrado da Justiça do Trabalho não tem competência para atuar em processo cível comum, bem como um juízo de família não tem com­petência para o processamento de uma demanda de natureza penal.

10.2 Co m p e t ê n c i a I n t e r n a e I n t e r n a c i o n a l

O estudo da competência inicia-se com a verificação deste institu­to no âmbito internacional, na tentativa de, diante de todos os órgãos jurisdicionais do mundo (Poder Judiciário de cada Estado soberano), apurar se a competência para processamento da causa é do Poder Judi­ciário brasileiro - competência interna - ou se pode ser exercida por órgão de outro país - competência internacional.

O crescimento das relações internacionais entre os particulares, ou mesmo entre estes e outros Estados, traz a essa matéria grande relevân­cia para o aplicador do direito.

Imaginemos o caso em que uma empresa brasileira contrata outra nos Estados Unidos para a realização de determinado trabalho em Por­tugal. Nesse caso, surgindo controvérsia ou lide entre as partes contra­tantes, em qual órgão jurisdicional será promovida a ação? As partes devem utilizar-se da competência interna (do Poder Judiciário brasi­leiro) ou poderão valer-se do aparelho judicial dos Estados Unidos ou de Portugal?

A solução dessas dúvidas se faz por meio do disposto nos arts. 88 e 89 do Código de Processo Civil, que assim classifica:

a) Competência interna exclusiva. Hipóteses em que, para garantiade soberania, é excluída a jurisdição de qualquer outro país. Con-

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COMPETÊNCIA 2 1 3

forme dispõe o art. 89 do Código de Processo Civil, a Justiça bra­sileira é exclusivamente competente para as seguintes ações:• relativas a imóveis situados no Brasil;• de inventário de bens (móveis ou imóveis) situados no territó­

rio brasileiro, mesmo que o autor da herança (o falecido) seja estrangeiro ou tenha residido fora do país.2

b) Competência concorrente. Não sendo caso de competência inter­na exclusiva, o art. 88 do ordenamento processual estabelece situa­ções em que a ação poderá ser proposta tanto diante do Poder Judiciário brasileiro quanto da autoridade estrangeira competente segundo as normas de seu país. Admite-se a competência concor­rente:• quando o réu tiver domicílio no Brasil, seja qual for a sua na­

cionalidade, incluindo-se as pessoas jurídicas estrangeiras que tenham agência ou filial no País;

• quando a obrigação tiver de ser cumprida no Brasil;• quando a ação tiver por causa fato ocorrido ou praticado den­

tro do território nacional.

Cumpre salientar que a propositura de ação perante autoridade estrangeira, nos casos em que o Brasil admite a competência concor­rente, não impede a propositura de ação idêntica diante do Poder Judi­

2 Nos casos de competência interna exclusiva, não poderá ser homologada a sentença estrangeira ou deferido pedido de execução ou realização de atos processuais oriundos de autoridade judiciária estrangeira. Seria o caso, por exemplo, de ter sido realizado em outro país processo de inventário de bens situados no território brasileiro. Nesse caso, a sentença pro­ferida pela autoridade estrangeira não terá qualquer validade no Brasil, não podendo ser exe­cutada essa ordem judicial advinda de autoridade não competente.

É importante consignar que não se confunde a competência exclusiva para inventários de bens situados no Brasil com o disposto constitucional que permite a aplicação da lei pes­soal do falecido (no caso a lei do país do falecido) quando esta for mais benéfica aos suces­sores (art. 10 da Lei de Introdução ao Código Civil). O comando constitucional é entendido no sentido de permitir a aplicação da lei sucessória do estrangeiro quando esta for mais favo­rável aos herdeiros, não alterando em nada a competência exclusiva interna, ou seja, sempre a ação de inventário de bens situados no Brasil será feita no Poder Judiciário brasileiro, podendo ser invocada a lei pessoal do falecido (lei estrangeira).

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ciário brasileiro, conforme preceitua o art. 90 do Código de Processo Civil, ou, em outras palavras, a propositura de ação idêntica perante tribunal ou órgão judiciário do estrangeiro não induz litispendência.

Por outro lado, proferida sentença por órgão estrangeiro e, sendo ela homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (conforme determi­na o art. 105, inc. I, alínea i, da CF), caso exista processo em curso no Brasil, deverá este ser extinto, pois, uma vez homologada a sentença estrangeira, fica determinada a coisa julgada e a matéria não poderá ser discutida novamente.

No entanto, devemos lembrar que o Superior Tribunal de Justiça está impedido de homologar sentenças proferidas por órgãos estran­geiros quando a matéria estiver inclusa naquelas em que o Brasil reser­va para si a competência interna exclusiva (art. 89 e incs. do CPC). Por exemplo, imaginemos que seja proferida em Portugal sentença acerca da partilha de bens situados no Brasil. Nesse caso, o Superior Tribunal de Justiça não poderá homologar a sentença estrangeira, vez que o inc.II do art. 89 determina a competência da Justiça brasileira com exclu­sividade.

10.3 C r i t é r i o s de D i s t r i b u i ç ã o de

C o m p e t ê n c i a

Em se tratando de competência interna (processo que tramitará no Poder Judiciário brasileiro), a divisão da atividade jurisdicional entre os diversos órgãos do Judiciário se dá segundo os seguintes cri­térios:

a) Funcional. Ao criar um órgão do Judiciário, a Constituição da Re­pública ou a Carta estadual que o criou atribui a esse juízo funções específicas e determinadas segundo: a) a matéria posta em confli­to, b) a hierarquia do órgão jurisdicional ou c) a pessoa que figu­ra em um dos pólos da demanda.

A Constituição da República estabeleceu quatro aparelhos ju ­diciários, determinando a competência de cada um, de forma pre­ponderante, em razão da matéria a ser julgada, sendo eles: a Justi-

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COMPETÊNCIA 2 1 5

ça do Trabalho (Tribunal Superior do Trabalho, Tribunais Regio­nais do Trabalho e Juízos do Trabalho); a Justiça Eleitoral (Tribu­nal Superior Eleitoral, Tribunais Regionais Eleitorais e Juízos Elei­torais); a Justiça Militar e a comum (Superior Tribunal de Justiça, Tribunais Regionais Federais, Tribunais de Justiça dos Estados e os Juízos de primeira instância).

Por sua vez, dentro da própria Justiça comum, os juízos são or­ganizados por áreas de especialização, levando-se em consideração, nos termos das normas de organização judiciária, as diversas maté­rias e ramos do direito, havendo, por exemplo, na Justiça do estado de São Paulo, juízos cíveis, juízos da família, juízos criminais etc.

Outro fator determinante da competência funcional é a hierar­quia do órgão jurisdicional. Como bem sabemos, os órgãos da juris­dição são organizados em graus de hierarquias (primeira, segunda instância e tribunais superiores), conferindo a cada um competên­cias originárias (atribuição para conhecer em primeiro lugar de um processo) e competências recursais (julgamento em fase de recurso com a revisão de uma decisão proferida em competência originária ou mesmo recursal).

A regra é no sentido de a competência originária para o conhe­cimento das ações ser da primeira instância (instância inferior) e dos tribunais para o julgamento em recursos. No entanto, em ca­sos excepcionais e expressamente previstos na legislação, os tribu­nais exercem competências originárias, ou seja, algumas ações são propostas diretamente no tribunal competente, não havendo a participação do juízo de primeira instância. É o caso, por exemplo, das ações rescisórias, das ações diretas de controle da constitucio­nalidade (competência do STF), da homologação de sentença es­trangeira (STJ), situações, entre muitas outras, em que a ação é proposta diretamente no tribunal competente nos termos da lei.

Exemplos de competências originárias dos Tribunais em maté­ria civil:

i) Supremo Tribunal Federal - Art. 102, inc. I da Constituição Federal:

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• ações de controle concentrado da constitucionalidade: ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de cons­titucionalidade e a argüição de descumprimento de precei­to fundamental;

• mandado de segurança e habeas data, quando a autoridade coatora for o presidente da República, presidentes das Mesas do Congresso Nacional, do Tribunal de Contas da União, procurador-geral da República ou ministro do pró­prio Supremo;

• litígios entre Estado estrangeiro ou organismo internacio­nal e a União, estado, Distrito Federal ou território;

• litígios entre a União e os estados, União e o Distrito Fede­ral ou territórios, ou entre uns e outros, inclusive em se tra­tando de pessoas da administração indireta (como as au­tarquias);

• extradição solicitada por Estado estrangeiro;• ações em que todos os membros da magistratura sejam

direta ou indiretamente interessados;• ações em que mais da metade dos membros de tribunal

inferior estejam impedidos ou estejam direta ou indireta­mente interessados;

• conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Jus­tiça e outros tribunais;

• ações contra o Conselho Nacional de Justiça ou o Conselho Nacional do Ministério Público;

ii) Superior Tribunal de Justiça - Art. 105, inc. I, da ConstituiçãoFederal:

• mandados de segurança e habeas data quando a autorida­de coatora for ministro de Estado, dos comandantes da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica;

• ações relativas a conflitos de atribuições entre autoridades administrativas e judiciárias da União, ou entre autorida­des judiciárias de um estado e as administrativas de outro ou do Distrito Federal, ou entre as deste e as da União;

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COMPETÊNCIA 2 1 7

• a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias destinadas ao Brasil;3

iii) Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Art. 74 da Cons­tituição do Estado:

• ações mandamentais contra atos do governador do estado, da Mesa e da presidência da Assembléia Legislativa do Esta­do, de desembargador do Tribunal de Justiça, dos presiden­tes do Tribunal de Contas do Estado e do Município de São Paulo, do procurador-geral de Justiça, do prefeito e do pre­sidente da Câmara Municipal da Capital;

• ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normati­vo estadual ou municipal, contestados em face da Consti­tuição Estadual;

• ações ou representações de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal contestado em face da Constitui­ção da República;

• pedido de intervenção estadual no município;• as ações rescisórias dos julgados do próprio Tribunal de

Justiça;• conflitos de atribuições entre as autoridades administrati­

vas e judiciárias do estado.

Além disso, a competência funcional também poderá ser fixa­da em razão da pessoa que figura em um dos pólos da ação. É a hipótese, por exemplo, do disposto no art. 109 da Constituição da República que determina serem da competência da Justiça Federal as ações em que figurem como parte a União ou qualquer outro ente pút>lico federal.

b) Territorial. Além do critério funcional, o exercício da atividade jurisdicional é dividido entre os juízos dentro do próprio territó­

3 A EC n. 45/2004 transferiu a competência para a homologação da sentença estrangei­ra e a concessão de exequatur do Supremo Tribunal Federal para o Superior Tribunal de Justiça.

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rio nacional. Cada órgão jurisdicional exerce suas funções dentro de determinadas porções de territórios (por exemplo: dentro da comarca, da seção judiciária etc.), cujos detalhes serão abordados no item 10.5.

c) Valor da causa. Alguns juízos recebem competência para o processa­mento de causas segundo o valor atribuído à causa pelo autor (art. 258 do CPC). É o que acontece com os Juizados Especiais dos estados ou federais, os quais têm competência para o julgamento de causas que não excedam a determinado valor, como será visto no item 10.7.

10.4 C o m p e t ê n c i a F u n c i o n a l d a J u s t i ç a

F e d e r a l 4 e d a s J u s t i ç a s dos Es t a d o s

Ao tratarmos da organização judiciária brasileira, afirmamos que a jurisdição comum é dividida em dois aparelhos judiciários: a Justiça Federal e a Justiça dos Estados.

A Justiça Federal tem sua competência estabelecida no art. 109 da Constituição da República, para em matéria civil, em síntese, proces­sar as seguintes causas:

a) em que figure como parte (autora ou ré) ou interessada (na quali­dade de terceiro) a União, autarquia ou empresa pública federal (não se incluem as empresas federais de economia mista).5 Em situações excepcionais, que trataremos a seguir, mesmo que tenha interesse no conflito ente público federal, a Constituições exclui a competência da Justiça Federal;

b) entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e município ou pessoa domiciliada no Brasil (art. 109, II);

4 Raquel Fernandes Perrini, Competências da justiça federal comum. s Súmulas ns. 517 do Supremo Tribunal Federal: "As sociedades de economia mista só

têm foro na Justiça Federal quando a União intervém como assistente ou opoente" e 42 do Superior Tribunal de Justiça.

"Conflito de competência. Justiça Federal e Estadual. Concorrência pública. Sociedade de eco­nomia mista. Light Serviços de Eletricidade S/A. 1. As sociedades de economia mista são pessoas jurí­dicas de direito privado, não dispõem de foro especial. 2. Conflito conhecido para declarar compe­tente o juízo de direito da 13a Vara Cível do Rio de Janeiro, o suscitado [Justiça Estadual]." (STJ, 1a Seção, Conflito de Competência n. 13620/RJ, rel. Min. Peçanha Martins, DJ 28.08.1995, v.u.)

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COMPETÊNCIA 2 1 9

c) fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangei­ro ou organismo internacional (art. 109, III);

d) mandado de segurança e habeas data impetrados contra ato de autoridade federal (art. 109, VIII);

e) execução de cartas rogatórias6 e de sentenças estrangeiras, após a homologação pelo Superior Tribunal de Justiça (art. 109, X);

f) referentes à nacionalidade e à naturalização (art. 109, X);g) acerca de direitos de indígenas;h) relativas a direitos humanos, após o deslocamento de competência

da Justiça Estadual para a Justiça Federal, nos termos do § 5o do art. 109.

A Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Constituição da República tem competência para processar e julgar as causas em que figurar como parte ou interveniente pessoa jurídica federal de direito público ou seus agentes (União, INSS, Caixa, Banco Central etc.). No entanto, a própria Constituição exclui dessa competência as seguintes hipóteses:

a) as ações de falência, mesmo que a União, suas autarquias ou em ­presas públicas tenham interesse em algum processo de falência, essa ação não será deslocada para a Justiça Federal, mas terá seu trâmite perante a Justiça Estadual;

b) as ações de benefícios de acidente do trabalho serão processadas pela Justiça dos Estados. É o caso, por exemplo, do empregado que se feriu em razão de acidente do trabalho, hipótese em que a ação contra o INSS, objetivando a percepção de benefício previdenciá- rio de acidente do trabalho, será proposta na própria Justiça do Estado (art. 109,1, da CF);

c) ações de competência das Justiças do Trabalho. Os empregados federais, ou seja, aqueles que exercem trabalho para entes federais (União, autarquias ou empresas públicas), contratados segundo o

6 Pedidos formulados por autoridades estrangeiras para a prática de atos processuais dentro do território brasileiro.

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2 2 0 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

regime da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, serão proces­sados na Justiça dos Estados.

Por outro lado, as causas relativas aos servidores estatutários da União ou das autarquias - que são regidos pelo Estatuto do Servidor Público e não pela CLT - continuam a ser processadas e julgadas na Justiça Federal, sendo afastada a competência da Justiça do Trabalho.7

Assim, em relação aos empregados e servidores públicos esta­tutários, podemos definir as seguintes regras:

i) empregados da União, autarquia ou empresa pública (Regidos pela CLT e não pela Lei n. 8.112/90) = as ações relativas à rela­ção de emprego serão processadas na Justiça do Trabalho;8

ii) servidores públicos federais - regime estatutário da Lei n. 8.112/90 = as ações relativas ao serviço público serão proces­sadas na Justiça Federal comum;

d) demandas relativas a direito eleitoral (art. 109,1, da CF), que serão processadas pela Justiça Eleitoral;

e) as ações propostas pelos segurados contra o instituto de previdên­cia social (INSS) serão processadas pela Justiça Estadual quando o

7 Com o advento da EC n. 45/2004 grande controvérsia foi firmada em relação à compe­tência da Justiça do Trabalho para o julgamento dos servidores públicos federais. A princípio, a EC n. 45/2004 teria aumentado a competência da Justiça do Trabalho para todas as causas rela­tivas às relações de trabalho, nas quais se incluem os servidores públicos. Na redação anterior do art. 114 da CF, a Justiça do Trabalho apenas detinha competências para as causas oriundas da relação de emprego, portanto, estavam excluídos os servidores estatutários.

Ocorre que a Associação dos Juizes Federais do Brasil - AJUFE ajuizou a ADIn n. 3395, com a finalidade de obter a declaração de inconstitucionalidade por vício formal na EC n. 45/2004 na parte que alterou o art. 114, inc. I, para incluir no âmbito de competência da Justiça do Traba­lho os servidores estatutários. Assim, o Presidente do Supremo Tribunal Federal concedeu liminar para suspender, com efeito ex tunc, a interpretação do referido artigo que inclua na competên­cia da Justiça do Trabalho a apreciação de "causas que sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico- administrativo". Portanto, os servidores da União e Autarquias continuam a ser julgados e pro­cessados na Justiça Federal nas causas relativas ao referido vínculo estatutário.

8 "Constitucional. Conflito de competência. Reclamação trabalhista. Servidor. Contratação irregular. Pleito de reconhecimento de vínculo empregatício. Compete à Justiça do Trabalho pro­cessar e julgar ação postulatória de reconhecimento de relação de emprego derivada de irregu­lar contratação nominada de cargo em comissão, porém as características desta situação funcio­nal. Conflito conhecido. Competência da Justiça do Trabalho." (STJ, 3a Seção, Conflito de Competência n. 34649, rel. Min. Vicente Leal, j. 12.06.2002, v.u.)

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COMPETÊNCIA 2 2 1

local de domicílio do autor não for sede de Juízo Federal. Assim, nas pequenas localidades em que não houver Justiça Federal, os segurados poderão propor ação contra o INSS na própria Justiça Estadual, prerrogativa essa necessária para facilitar o acesso à juris­dição (§ 3o do art. 109 da CF). Nesse caso, exercendo a Justiça Esta­dual competência própria da Justiça Federal, havendo a interposi- ção de recurso, este será julgado pelo Tribunal Regional Federal competente (§ 4o do art. 109 da CF).

Por outro lado, a Justiça dos estados é detentora de competência residual, ou seja, no âmbito da Justiça comum, o que não for de com­petência da Justiça Federal (nos termos do art. 109 da Constituição da República) será atribuição da Justiça dos estados, observando-se as regras previstas nas Constituições Estaduais e nas Leis de Organização Judiciária de cada unidade da Federação.

Note-se que não há hierarquia jurisdicional entre as Justiças dos Estados e a Justiça Federal, mas mera divisão de competências funcionais (em razão da pessoa ou da matéria) pela Constituição da República.

Por fim, cumpre-nos destacar que, sendo a pessoa federal excluída da ação, no caso da competência estabelecida com base no inciso I, do art. 109 da Constituição da República, não se justifica a permanência do processo na Justiça Federal. Assim, se o processo for iniciado na Justiça Federal por conter em um dos pólos a pessoa federal (União, Autarquia Federal, etc.) e no curso do processo essa parte for excluída e permanecer o processo com pessoas comuns, o juiz federal deverá remeter os autos à Justiça do Estado, para que o processo lá prossiga entre as partes que restaram.9

9 A Súmula n. 224 do Superior Tribunal de Justiça trata da seguinte situação: imaginemos que um processo tendo como parte a União e outras pessoas comuns (no mesmo pólo) seja proposto na Justiça Estadual. Neste caso o juiz estadual determinará a remessa à Justiça Federal. Já na Justiça Federal, o magistrado, por razões de ilegitimidade, exclui a União (ou o ente federal) do processo, com isso o processo estaria na Justiça Federal, mas sem a presença do ente federal, não justifican­do mais a competência da Justiça Federal. Neste caso como deve proceder o juiz federal?

O STJ firmou entendimento, na Súmula n. 224, no sentido de que o juiz federal deve devolver os autos ao juiz estadual, não havendo justificativa para suscitar o conflito de competên­cia, nos seguintes termos: "Excluído do feito o ente federal, cuja presença levara o Juiz Estadual a declinar da competência, deve o Juiz Federal restituir os autos e não suscitar conflito".

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2 2 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

10.5 Co m p e t ê n c i a T e r r i t o r i a l

Para a verificação da competência, não basta a definição da função de cada órgão jurisdicional, mas é necessária, também, a localização da competência dentro do território brasileiro. Aqui, não se trata da fun­ção do juízo, mas do local em que a demanda será proposta.

A Justiça Federal tem competência sobre todo o território nacio­nal, sendo dividida em cinco regiões. Por sua vez, cada região é dividi­da em seções judiciárias (a Justiça Federal da terceira região, com sede na Capital de São Paulo, é composta pelas seções judiciárias de São Paulo e do Mato Grosso do Sul). Já as seções judiciárias são divididas em subseções judiciárias (na seção judiciária de São Paulo: subseção da Capital, subseções de São Bernardo do Campo, Santos, Campinas, Franca, Ribeirão Preto etc.).

No âmbito dos estados, é comum a divisão do território em co­marcas e distritos (distrito é a menor porção territorial e pertence a uma comarca). Nota-se que a divisão territorial da atuação da justiça não se dá por municípios, mas sim por comarcas, território este que pode agrupar mais de uma cidade ou região.

■ i 1 0 . 5 . 1 R e g r a C o m u m d e F o r o

O Código de Processo Civil, em seus arts. 94 e 95, estabelece uma regra geral ou comum para a competência territorial, que, em síntese, pode ser definida como:

N a tu r e z a d a a ç ã o C o m p e tê n c ia t e r r i t o r i a l

Fundada em direito pessoal; direito real sobre coisas móveis

Local de domicílio do réu

(art. 94 do CPC)

Fundada em direito real sobre bens imóveis

Local de situação da coisa

(art. 95 do CPC)

O art. 94 do Código de Processo Civil estabelece que, nas ações pessoais e nas demandas relativas a direitos reais sobre bens móveis, a demanda deverá ser proposta no local de domicílio do réu.

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COMPETÊNCIA 2 2 3

Por sua vez, a Lei Civil define como domicílio o local em que o indivíduo fixa a sua residência ou exerce de forma duradoura as suas principais atividades.

A regra parece muito simples, mas, em algumas hipóteses, o domi­cílio do réu pode não ser conhecido, ou ainda não ter ele um domicí­lio certo ou residência dentro do território nacional capaz de determi­nar o local de propositura da ação, aplicando-se as seguintes regras:

a) caso o réu tenha mais de um domicílio, será ele demandado em qualquer um deles, cabendo a escolha ao autor da ação (art. 94, § Io, do CPC);

b) na hipótese de ser desconhecido ou incerto o domicílio do réu, a ação será proposta no local em que ele for encontrado ou no domicílio do autor (art. 94, § 2o, do CPC);

c) quando o réu não tiver domicílio no Brasil, a ação será proposta no domicílio do autor (art. 94, § 3o, do CPC);

d) caso autor e réu não tenham domicílio no território nacional, a ação poderá ser proposta em qualquer lugar (art. 94, § 3o, do CPC);

e) na hipótese de haver mais de um réu e com domicílios diferentes, a ação será proposta em qualquer um deles, cabendo a escolha ao autor (art. 94, § 4°, do CPC);

f) na ação em que for réu pessoa incapaz, a competência será do local de domicílio de seu representante legal (art. 98 do CPC);

g) nas ações em que for demandada pessoa ausente (aquela entendi­da como desaparecida), a ação deverá ser proposta no local de seu último domicílio ou, na falta deste, no local onde foi encontrada pela última vez (art. 97 do CPC);

h) nas ações em que for ré pessoa jurídica (e a ação tenha de ser pro­posta no seu “domicílio”), a ação será proposta no local de sua sede. Na hipótese de a obrigação ter sido contraída por agência, sucursal ou filial da pessoa jurídica, a ação será proposta no local onde estas se encontrarem.10

10 Imaginemos uma empresa que tenha sede na capital do Pais, mas agências em diver­sas localidades no território nacional. Como regra, quando a competência territorial indicar o local de situação do réu, deverá ser proposta a demanda no local da sede da pessoa jurídica,

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2 2 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Nas ações de inventário, o art. 96 do Código de Processo Civil de­termina que a competência será a do local do último domicílio no Bra­sil do autor da herança (do falecido). Caso o falecido não tivesse dom i­cílio certo, a ação será proposta no local em que se encontrarem os bens e, na hipótese de haver bens em mais de uma localidade, o inven­tário será processado no local do óbito.

Por outro lado, em se tratando de ação fundada em direito real sobre bens imóveis, entendendo-se como aquela em que o objeto do litígio é o direito sobre uma coisa (e não uma mera obrigação de natu­reza pessoal), a ação será proposta, obrigatoriamente, no local em que se encontrar o bem imóvel litigioso. Nota-se que nas ações em que há disputa ou discussão sobre a coisa, em especial de uma coisa imóvel, é indiferente o domicílio do réu ou do autor, vez que o objeto central da demanda é a própria coisa e não uma das partes.

O objetivo da regra que determina a competência forum rei sitae é de aproximar o juízo da realidade da coisa, permitindo o melhor conhecimento da lide." Além disso, é forma de resguardar o direito de terceiros interessados no imóvel, os quais terão a garantia de que todas as demandas relacionadas com aquela coisa determinada estarão sen­do processadas em um único local, facilitando o acesso e o conheci­mento das ações.

É o que acontece, por exemplo, quando há alienação de imóveis, circunstância que leva as partes ao requerimento de certidões forenses (do cartório distribuidor do foro) para verificação de eventual ação sobre o bem objeto do negócio jurídico, como ações reivindicatórias, de usucapião, possessórias (reintegração, manutenção ou interdito proibitório), de direito de vizinhança etc.

ressalvando que a propositura poderá ocorrer no local em que se encontrar a agência, caso a obrigação reclamada tenha sido contraída por ela. A regra que determina como local de competência o da sede da pessoa jurídica ou de sua filial não caracteriza foro privilegiado, apesar de constar no art. 100 do Código de Processo Civil. Trata-se de regra comum de com­petência de local, segundo a qual o legislador apenas substituiu o termo "domicílio" por "sede da pessoa jurídica". Portanto, na hipótese de foro privilegiado ou mesmo aquele da situação do bem imóvel, não prevalecerá o foro do local da sede da pessoa jurídica, mas a competência especial.

" Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, v. I.

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COMPETÊNCIA 2 2 5

H 1 0 . 5 . 2 F O R O S E S P E C I A I S O U P R I V I L E G I A D O S

Não obstante a regra geral, a lei processual civil estabelece situa­ções em que há prevalência do foro especial sobre o foro comum, prer­rogativas12 estas que visam a facilitar o acesso à justiça ou a melhor compreensão e julgamento da lide.

São casos de foro especial:

N a tu r e z a d a a ç ã o L o ca l d e c o m p e tê n c i a

Divórcio, separação ou anulação

de casamento

Domicílio da mulher

(art. 100,1, do CPC)

Alimentos (pensão) Domicílio do alimentado

(art. 100, II, do CPC)13

Anulação de títulos extraviados ou

destruídos

Domicílio do devedor

(art. 100, III, do CPC)

Para exigir cumprimento de obrigação Local onde a obrigação deve ser

satisfeita (art. 100, IV, c/, do CPC)

Reparação de danos (geral) Lugar do ato ou fato

(art. 100, V, rt, do CPC)14

12 As hipóteses tratadas neste capítulo versam sobre prerrogativas de foro (local) e não de juízo. Há grande confusão acerca desse assunto, sendo comum ouvirmos notícias de que deter­minado governador, por exemplo, tem prerrogativa de foro para ser julgado pelo Superior Tri­bunal de Justiça, afastando-se a competência da justiça comum. Nesse caso, não se trata de prer­rogativa de foro (de local de propositura da ação), mas sim de verdadeira prerrogativa de juízo (de órgão jurisdicional). Quando se afirma que o governador é julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, não se discute o local da ação, mas o órgão investido de competência para o pro­cesso considerando a pessoa envolvida no litígio (competência funcional em razão da pessoa).

13 "Conflito de competência. Alimentos. Cumulação com investigação de paternidade. Prevalência do foro especial do domicílio do alimentando. Precedente. Em se tratando de cumulação de ações de alimentos e investigação de paternidade, mais razoável e adequa­do se mostra o entendimento de que a regra especial do foro do domicílio do alimentando (CPC, art. 100, II) deva prevalecer sobre a regra geral do art. 94, CPC." (STJ, 2ò Seção, Con­flito de Competência n. 683/SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 04.12.1989, v.u.)

14 "Processual civil. Ação de cancelamento de protesto cumulada com indenização por perdas e danos. Competência. CPC, art. 100, V, a. Lei n. 5.474/68, art. 17 .1 - Tratando-se de ação que visa o cancelamento do título protestado cumulada com indenização ao devedor pelos prejuízos decorrentes daquele ato, aplicável à espécie a regra do art. 100, V, a, do Códi­go de Ritos, que, na espécie, leva a coincidir, em termos práticos, com a mesma competên­cia fixada no art. 17 da Lei n. 5.474/68, fosse a demanda exclusivamente cingida à primeira

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2 2 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

N a tu r e z a d a a ç ã o L o ca l d e c o m p e tê n c i a

Reparação de danos ocorridos em

razão de delito (crime) ou acidente

de veículo

Domicílio do autor ou local dos fatos

(art. 100, parágrafo único, do CPC)

Ação em que o réu for administrador

ou gestor de negócios alheios

Local do ato ou do fato

(art. 101, V, b, do CPC)

Defesa individual do consumidor Local de domicílio do consumidor

(art. 100,1, do CDC)'3

Ação civil pública16 Local onde ocorreu ou deva ocorrer

o dano (art. 2o da Lei n. 7.347/85)

Ações decorrentes de locação de

imóveis urbanos (despejo, consignação

de aluguéis e acessórios, revisional e

renovatória)

Local da situação do imóvel ou de

eleição17 (art. 58, II, da Lei n.

8.245/91)

Como regra, as hipóteses de foros especiais são prerrogativas con­cedidas à parte autora, prerrogativas estas que podem ser renunciadas pelo interesse da parte. Seria o caso, por exemplo, do alimentado que, ao invés de propor a ação em seu domicílio, conforme lhe faculta o art. 100, inc. II, do Código de Processo Civil, em razão de sua conveniên­cia, resolve promover a medida no domicílio de seu alimentante.

Por se tratar de uma prerrogativa inerente a uma das partes do processo, a parte detentora do privilégio de foro especial poderá

parte do pedido. II - Inaplicabilidade ao caso do art. 100, IV, a, do CPC." (STJ, 4* T., REsp n. 194040, rel. Min. Aldair Passarinho Junior, DJ 18.09.2000, v.u.)

15 "Seguro. Competência. Ação de cobrança de indenização. Código de Defesa do Con­sumidor. O descumprimento da obrigação de indenizar é fato ilícito contratual e gera a res­ponsabilidade civil do infrator. Ocorrendo na relação de consumo (serviço de seguros), pode a ação dela derivada ser proposta no domicílio do autor, nos termos do art. 101, I, do Códi­go de Defesa do Consumidor." (STJ, 4á T., REsp n. 193327/MT, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 10.05.1999, v.u.)

16 Não obstante referir-se ao local de propositura da ação, trata-se de uma competência funcional, nos termos do art. 2o da Lei n. 7.347/85, caracterizando espécie de competência abso­luta que não admite modificação ou prorrogação (tema tratado a seguir).

17 Foro escolhido contratualmente pelas partes.

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COMPETÊNCIA 2 2 7

renunciar a este benefício em favor da utilização da regra geral de foro (arts. 94 e 95), sem que contra isso possa se insurgir a parte contrária.18 Seria, por exemplo, o caso da mulher que propõe ação de separação no domicílio do marido, ou quando o marido propõe a ação de dissolu­ção da sociedade conjugal em seu domicílio e a mulher não excepcio­na tal incompetência, renunciando ao benefício que lhe garante a lei processual.19

Cumpre esclarecer que o disposto nas alíneas a, b e c do inc. IV do art. 100 do Código de Processo Civil não caracteriza espécie de com­petência de foro privilegiado, mas tão-somente regra de competência comum que estabelece como local de situação das pessoas jurídicas o local de sua sede, filial, sucursal ou, quando desprovidas de personali­dade jurídica, o local onde exercem a atividade principal.

O local de sede da pessoa jurídica apenas é considerado quando a ação deve ser proposta em seu “domicílio”, segundo a regra comum de competência prevista nos arts. 94 e 96 do Código de Processo Civil.

Outra questão relevante para o tema ora tratado é a delimitação da competência quando figurar, como parte no processo, pessoa jurídica de direito público.

A esse respeito, a Constituição da República, em seu art. 109, §§ Io e 2o, determina que nas hipóteses em que a União figurar como parte autora, a ação deverá ser proposta na seção judiciária do domicílio da parte contrária (parte ré). Por sua vez, as causas propostas contra o ente público federal deverão ser promovidas, considerando-se a esco­lha do autor, na seção judiciária do domicílio do autor da ação, na seção judiciária onde ocorreu o fato ou ato que deu causa à demanda, na seção judiciária do local onde se encontrar a coisa litigiosa ou, ainda, no Distrito Federal.

18 No VI Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada, por unanimidade, extrai-se a con­clusão n. 7, no seguinte sentido de que o foro especial é típica competência relativa, "Ao autor é dado renunciar ao foro especial".

19 "Se a mulher não oferece exceção de incompetência do juízo em tempo hábil, a com­petência territorial estará prorrogada por vontade das partes" (RSTJ 95/195). Nota-se que, se a mulher não reclama o foro privilegiado, gera a renúncia da prerrogativa prevista no inc. I do art. 100 do Código de Processo Civil.

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2 2 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

10.6 T e r m i n o l o g i a s Em p r e g a d a s

Nesse ponto do estudo da competência, é possível o esclarecimen­to das diversas terminologias relacionadas com o tema, cabendo as se­guintes distinções:

JUÍZO - terminologia que representa o próprio órgão jurisdicional, devendo ser empregada apenas em relação à competência funcional.

FORO - termo empregado para delimitação de competência territorial. Por

exemplo, foro da comarca da capital de São Paulo.

FÓRUM - expressão que representa o prédio no qual está instalado o juízo. Por­tanto, este termo não deve ser utilizado em relação à competência.

10.7 C o m p e t ê n c i a em Ra z ã o do Va l o r d a

C a u s a

O ordenamento processual civil estabeleceu a regra segundo a qual a toda causa, ainda que seja ela sem conteúdo econômico direto, deve o autor atribuir um valor certo, nos termos do art. 258 do Código de Processo Civil.

Dessa forma, o “valor da causa” também figura como critério determinante da competência de atuação da jurisdição civil.

A aplicabilidade do valor da causa como fator de determinação da competência pode ser verificada no âmbito de atuação dos Juizados Especiais Cíveis, nas esferas das jurisdições estadual e federal.

A Lei n. 9.099/95, ao criar o Juizado Especial Cível de atuação na esfera da Justiça dos estados, conferiu competência a este órgão juris­dicional para processar, julgar e executar as causas cujo valor não exce­da a quarenta vezes o salário mínimo vigente na data da propositura da ação, entre outros critérios.20

20 Além do valor da causa, a competência dos Juizados Especiais também pode ser fixada em relação a determinadas matérias, conforme preceitua o art. 3o da Lei n. 9.099/95: "Art. 3o0 Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas: I - as causas cujo valor não exceda a 40 (qua­renta) vezes o salário mínimo; II - as enumeradas no art. 275, inc. II, do Código de Processo Civil

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COMPETÊNCIA 2 2 9

Com o advento da Lei n. 10.259/2001, foram criados os Juizados Especiais para atuação perante a Justiça Federal, o que não era possível pela Lei n. 9.099/95, fixada a competência para as ações não exceden­tes ao valor de sessenta vezes o salário mínimo vigente, excluindo-se dessa competência determinadas matérias.21

Ressalte-se que a utilização da competência dos Juizados Especiais Estaduais é faculdade da parte autora, podendo ela escolher entre pro­por a ação no juizado ou na jurisdição comum.22 Nos Juizados Espe­ciais Federais a competência, por determinação legal, é de natureza absoluta e, portanto, as partes não terão disponibilidade na escolha.

10.8 C o m p e t ê n c i a no Es t a d o de S ã o Pa u l o

e n a C a p i t a l

Ao organizar a sua justiça, por meio da Constituição Estadual e das Leis de Organização Judiciária, o Estado de São Paulo criou pecu­liaridades de juízos e foros que são relevantes ao estudo e para a defi­nição da competência.

(ação de conhecimento pelo rito sumário); III - a ação de despejo para uso próprio; IV - as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inc. I deste artigo".

21 Lei n. 10.259/2001: "Art. 3o Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de 60 (sessenta) salá­rios mínimos# bem como executar as suas sentenças. § 1o Não se incluem na competência do Juizado Especial Cível as causas: I - referidas no art. 109, incs. II, III e XI, da Constituição Fede­ral, as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, popu­lares, execuções fiscais e por improbidade administrativa e as demandas sobre direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos; II - sobre bens imóveis da União, autarquias e fundações públicas federais; III - para a anulação ou cancelamento de ato admi­nistrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal; IV - que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou de sanções disciplinares aplicadas a militares. § 2o Quando a pretensão versar sobre obri­gações vincendas, para fins de competência do Juizado Especial, a soma de 12 (doze) parce­las não poderá exceder o valor referido no art. 3°, caput” .

22 "Juizado Especial. Facultatividade. Ainda que a ação tenha valor inferior a quarenta vezes o salário mínimo, a parte não está obrigada a ingressar perante o Juizado Especial, uma vez que se trata de faculdade da parte. Extinção da ação afastada. Recurso provido para este fim " (I TAC, Ap. n. 850.947-9, rel. Juiz Térsio José Negrato, j. 06.11.2001, v.u.). De fato, a orientação não poderia ser outra, já que toda competência fixada em razão do valor da causa é de natureza relativa; portanto, as partes podem dispor da regra fixada na lei.

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2 3 0 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Inicialmente, é importante ressaltar que foram instituídos diversos juí­zos (também denominados “varas”), criados em razão de matérias especí­ficas a serem solucionadas no Poder judiciário, divisão funcional que busca maior eficiência na prestação da tutela jurisdicional. A primeira divisão funcional se dá em função dos dois ramos básicos do direito: penal e civil.

No âmbito da jurisdição civil, existem os seguintes juízos na capi­tal do Estado de São Paulo:

a) Cível. Com competência para processamento de todas as causas não incluídas nas competências de outros juízos especializados ou de natureza criminal.

b) Família e Sucessões. Juízos especializados em litígios relacionados ao direito de família (casamento, parentesco etc.) e sucessões (lití­gios decorrentes de causa mortis, como inventários e partilhas).

c) Infância e Juventude.23 Processamento e julgamento das causas relacionadas à criança ou ao adolescente envolvendo atos infracio- nais, adoção, medidas promovidas pelo Conselho Tutelar, irregu­laridades em entidades de atendimento, pedidos de guarda e tutela, destituição do pátrio poder, supressão de capacidade ou consenti­mento para casamento, conhecimento da emancipação nos casos previstos na Lei Civil, nos termos do art. 148 do Estatuto da Crian­ça e do Adolescente.

d) Registros Públicos. Juízo especializado destinado ao conhecimento de causas relativas a registros públicos, como a ação para retificação de registro ou escritura. Na capital de São Paulo, inclui-se na competência das varas de registro público o processamento da ação de usucapião.

e) Fazenda Pública. Varas destinadas ao processamento de ações em que figure como parte ou interessado ente público estadual ou m u­nicipal, inclusive entes da administração pública indireta (como as autarquias), não sendo cabíveis quando se tratar de empresa de economia mista ou empresa pública, nos termos do § l°do art. 173 da Constituição da República.24

23 Lei n. 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente: "Art. 145. Os Estados e o Distrito Federal poderão criar varas especializadas e exclusivas da infância e da juventude, cabendo ao Poder Judiciário estabelecer sua proporcionalidade por número de habitantes, dotá-las de infra-estrutura e dispor sobre o atendimento, inclusive plantões".

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COMPETÊNCIA 231

f) Execuções Fiscais. Trata-se de desdobramento do juízo da Fazenda Pública, representando a vara especializada para a promoção de ações de execução de tributos devidos pelos contribuintes do estado ou município (quando na localidade existir o juízo especializado).

g) Acidente do Trabalho. As varas de acidente do trabalho possuem competência para as ações relativas a benefícios previdenciários requeridos com fundamento em acidente do trabalho. Como já tratamos anteriormente, a Constituição da República, no art. 109, inc. I, outorga à Justiça Estadual a competência para o processa­mento das causas relativas à referida matéria, mesmo que figure no pólo pessoa jurídica de direito público federal (como o Institu­to Nacional do Seguro Social - INSS).

h) Falência e Recuperação Judicial.

A criação de juízos especializados dependerá de previsão nas Leis de Organização Judiciária, que fixarão tais juízos considerando a ne­cessidade de cada localidade (comarca) do estado, utilizando-se para essa fixação de índices relacionados ao número de habitantes e de pro­cessos existentes.

Portanto, pode ocorrer de em uma pequena localidade (comarca de 3a entrância) haver um único juízo para processamento de todas as causas cíveis e criminais; já em outras maiores, em atenção às necessi­dades regionais, são instalados juízos especializados. Na capital de São Paulo, que acreditamos ter uma das maiores atuações judiciárias do mundo, a Lei de Organização Judiciária prevê a existência de todos os juízos anteriormente relacionados.

É unânime o surgimento da seguinte dúvida: qual a competência de juízo para a propositura de ação em face do estado de São Paulo (na qualidade de pessoa jurídica de direito público) caso não haja na co­marca (foro competente) vara especializada da Fazenda Pública?

Obviamente, a ação deverá ser proposta nos juízos existentes na­quela localidade, e, não havendo juízo especializado, a demanda será

24 "Competência. Foro. CET. Empresa paraestatal que se sujeita ao regime jurídico de empresas provadas. Art. 173 da CF. Circunstância que não lhe confere foro privilegiado. Recur­so improvido." (ITACSP, Al n. 1002728-2, rel. Juiz Márcio Franklin Nogueira, j. 04.04.2001, v.u.)

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2 3 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

encaminhada para a vara comum cível. Ressalte-se que todas as varas especializadas são desdobramentos do juízo comum cível (excluindo- se a matéria penal); assim, não havendo órgão especializado, a ação será processada pelo juízo comum cível.25

Por outro lado, além de criar juízos comuns e outros especializa­dos, na capital de São Paulo a atividade jurisdicional funcional foi divi­dida em um juízo central e outros regionais, nesta ordem:

• Foro Central: comportando Juízos Cíveis, Família e Sucessões, Registros Públicos, Fazenda Pública, Acidente do Trabalho, Execução Fiscal e Falência e Recuperação Judicial.

• Foros Regionais: I - Santana, II - Santo Amaro, III - Jabaqua- ra, IV - Lapa, V - São Miguel Paulista, VI - Penha de França, VII - Itaquera, VIII - Tatuapé, IX - Vila Prudente, X - Ipiran­ga, XI - Pinheiros, e Varas Distritais de Parelheiros, como regra, funcionando Juízos Cíveis, Família e Sucessões e da Infância e Juventude.26

Curiosamente, a competência interna na Comarca de São Paulo se dá com observância de todos os critérios de competência, ou seja, para a Fixação das atribuições do “Foro Central” e dos “Foros Regionais”, a Lei de Organização Judiciária utilizou-se dos fatores território (dividiu

25 Súmula 206 do STJ: "A existência de vara privativa, instituída por lei estadual, não altera a competência territorial resultante das leis de processo".

"Competência. Foro privilegiado. Hipótese em que a Companhia... não o possui, go­zando apenas de juízo privativo nas varas especializadas da capital do Estado, do que resul­ta a impossibilidade de deslocamento da competência nas causas em trâmite nas comarcas do interior. Inteligência da Súmula n. 206 do Superior Tribunal de Justiça. Exceção de incom­petência improcedente. Agravo improvido" (TACSP, Al n. 1010933-8, rel. Juiz Itamar Gaino, j. 24.04.2001, v.u.). A redação da ementa nos leva à conclusão de que a referida pessoa jurí­dica de direito público, quando demandada em uma das comarcas do interior de São Paulo, pretendia o deslocamento do processo para a capital, alegando ter direito de juízo especiali­zado (Vara das Fazendas Públicas). De fato, não tem esse direito, apenas sendo de compe­tência da Vara da Fazenda Pública caso a ação tivesse sido proposta na capital, onde existe a vara especializada, caso contrário, o processo tramitará na vara existente na localidade em que a ação deveria ter sido proposta em razão das regras de competência de local, regras pre­vistas no Código de Processo Civil.

26 Existem, ainda, os Foros Regionais XII - Freguesia do Ó e XIII - Ermelino Matarazzo, que se encontram em fase de instalação.

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COMPETÊNCIA 2 3 3

geograficamente a capital de São Paulo); valor da causa, uma vez que os foros regionais têm competência para causas até quinhentos salários mínimos; e critério material, já que determinadas matérias são de competência exclusiva do Foro Central e outras podem ser promovi­das nos Foros Regionais, independentemente do valor da causa.

A competência dos Foros Regionais é fixada pela Lei de Organiza­ção Judiciária do Estado de São Paulo (Decreto-lei Complementar n. 3/69), que, em seu art. 25,27 impõe função para os referidos Foros em razão do valor da causa e de determinadas matérias.

Em razão do valor da causa, a competência dos Foros Regionais limitava-se ao teto de cinqüenta salários mínimos (o que quase não era observado na prática); posteriormente, por determinação de provimen­to do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, esse limite foi esten­dido para quinhentos salários mínimos (Resolução n. 148).

Quanto às matérias, independentemente do valor, podemos dizer que são de competência dos Foros Regionais, dentro de seus limites territoriais:

a) as ações de despejo ou relativas à locação de imóvel que esteja em sua jurisdição;28

b) as ações de alimentos;c) os inventários, seja qual for o rito (inventário comum, arrolamen-

to ou arrolamento sumário), das pessoas falecidas que tinham domicílio em seu território (ou outro critério local determinado pelo CPC), quando não deixaram testamentos;

d) as medidas cautelares ou preparatórias às ações de sua compe­tência;

27 Originariamente previa a competência das Varas Distritais. No entanto, por força do art. 4o da Lei Estadual n. 3.947/83, foram atribuídos aos Foros Regionais as mesmas compe­tências definidas no art. 25 para as Varas Distritais, com a inclusão de algumas especificações e novas causas em relação à matéria.

78 "Competência. Conflito. Ação de despejo. Imóvel situado em jurisdição de Foro Regional, onde também fica o domicílio do réu. Inteligência do art. 58 da Lei Federal n. 8.241/91. Incompetência absoluta do Foro Central que, por isso mesmo, poderia ter sido argüida de ofício. Eleição de juízo. Inadmissibilidade. Conflito julgado procedente e compe­tente o juízo suscitado." (TJSP, Conflito de Competência n. 40.797-0, Câmara Especial, rel. Des. Oetterer Guedes, j. 18.06.1998, v.u.)

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2 3 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

e) causas relativas a suprimento de idade ou consentimento, nomea­ção de tutor ou curador de incapazes domiciliados no território; alienação de bens de incapazes, interdição, extinção de usufruto ou fideicomisso.

Ressalte-se que, por expressa determinação legal, são excluídas da competência dos Foros Regionais ações de competência das varas es­pecializadas do Foro Central, como Registros Públicos, Fazenda Públi­ca, Acidentes do Trabalho e Falência e Recuperação Judicial. Assim, quando o autor reside na capital e pretende a propositura de uma ação contra o estado de São Paulo, ou mesmo contra a Prefeitura de São Paulo, deverá propô-la obrigatoriamente em uma das Varas da Fazen­da Pública localizadas no Foro Central, e nunca nos Foros Regionais.29

Por sua vez, determina a Lei Estadual n. 3.947/83, em seu art. 4o (acrescentando matérias ao rol de competências dos Foros Regionais), que, independentemente do valor, compete aos Foros Regionais, em matéria cível, as ações:

a) reais30 ou possessórias sobre bens imóveis e as de nunciação de obra nova, excluídas as ações de usucapião e de retificação de área, que são de competência das varas de Registros Públicos do Foro Central;

b) de rescisão ou adjudicação, referentes a contratos de compromis­so de compra e venda de imóvel;

c) de procedimento sumário, salvo as de acidente do trabalho e as de in­teresse de entes públicos estaduais ou municipais (que serão de com­

29 "Companhia Metropolitana de Habitação. COHAB/SP. Ação de rescisão de compro­misso de compra e venda cumulada com reintegração de posse do imóvel respectivo. Ajuizamento perante Vara Cível central, declinando o Juízo de ofício para Vara de Foro Regio­nal, onde situado o imóvel. Agravo da autora insistindo na competência da Vara Cível Cen­tral. Recurso que se julga prejudicado, determinada de ofício a redistribuição do feito a uma das Varas da Fazenda Pública da Comarca da Capital, ante a competência absoluta destas." (TJSP, Al n. 117.932-4, rel. Des. Marco César, j. 20.05.1999, v.u.)

30 "Competência. Foro Regional e Central. Imissão de posse. Ação que se enquadra dentre aquelas elencadas no art. 4o, I, a, da Lei n. 3.947/83 como sendo de competência dos foros regionais independentemente do valor da causa. Exceção rejeitada. Recurso improvi­do." (TJSP, Al n. 164.491-4, rel. Des. De Santi Ribeiro, j. 20.09.2000, v.u.)

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COMPETÊNCIA 2 3 5

petência, respectivamente, das varas de Acidentes do Trabalho e Fazenda Pública, ambas no Foro Central);

d) as ações fundadas em direito securitário (seguros), quando rela­cionadas com as matérias ou procedimentos de competência dos Foros Regionais.

10.9 Fó r m u l a Pr á t i c a p a r a V e r i f i c a ç ã o

d a Co m p e t ê n c i a 31

Após o estudo de todos os critérios de fixação da competência, aparentemente surge um sistema muito complexo para, em um caso concreto, encontrar-se o órgão jurisdicional e o local competentes para o processamento de uma demanda.

No entanto, tal verificação é muito simples se utilizada a seguinte regra e questionamentos:

a) O primeiro ponto a ser levantado refere-se à competência interna e internacional: a ação é de competência exclusiva interna ou po­derá ser proposta perante jurisdição de outro Estado soberano?

b) Caso a resposta da primeira questão seja de utilização da compe­tência interna, o próximo passo será estabelecer a competência em relação aos diversos órgãos jurisdicionais brasileiros, distinguin- do-se entre jurisdição comum ou especializada. A ação será pro­posta na jurisdição comum ou especializada (Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral ou Justiça Militar)?

c) Constatando-se que se trata de competência da justiça comum, deve­rá ser verificada a competência entre Justiça Estadual ou Federal: a ação deve ser proposta na Justiça Federal ou na Justiça dos Estados?

d) Encontrado o órgão jurisdicional, a verificação será feita em rela­ção à hierarquia: trata-se de ação de competência originária da primeira instância ou do tribunal? Como sabemos, algumas ações são propostas diretamente na segunda instância.

3' Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comen­tado, 7. ed„ p. 471.

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2 3 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

e) Sabendo-se que a ação deve ser proposta na instância inferior, a próxi­ma pergunta é em relação ao foro: qual o local de propositura da ação? Nesse caso, a constatação da competência será feita com base nas nor­mas de competência territorial previstas no Código de Processo Civil.

f) Após a verificação do foro, a apuração da competência será em relação ao juízo: qual o juízo competente? A ação deve ser proposta na vara cível comum ou em juízos especializados existentes na localidade?

Nota-se que primeiro é verificada a competência de foro e depois a de juízo (varas), isto pelo fato de cada localidade ter juízos próprios e especializados. Seguindo a referida regra, a verificação da competên­cia se dá com a exclusão de órgãos jurisdicionais, encontrando-se, após a análise dos critérios funcionais e materiais, aquele competente para o processamento da demanda.

Vejamos os exemplos a seguir:Uma criança, residente na capital de São Paulo, devidamente re­

presentada por sua genitora, pretende promover ação de alimentos em face de seu pai, que reside em Fortaleza. Nesse caso, qual a competên­cia? Em primeiro lugar, sabemos tratar-se de competência interna, não havendo que se falar de competência internacional por não haver hi­pótese do art. 88 do Código de Processo Civil, que admite a competên­cia concorrente. Por outro lado, trata-se de matéria comum, não se sujeitando às Justiças especializadas (militar, trabalhista ou eleitoral). Na jurisdição comum, a ação será proposta na Justiça estadual, uma vez que não tem a intervenção de ente público federal, nos termos do art. 109 da Constituição Federal.

Resta-nos, agora, saber o foro de propositura da ação, regra esta que será encontrada no Código de Processo Civil. Em especial, por se tratar de ação de alimentos, o ordenamento processual confere foro pri­vilegiado ao alimentado, nos termos do art. 100, inc. I, do Código de Processo Civil. Portanto, a ação será proposta no local de domicílio do alimentado, ou seja, na capital de São Paulo.

Encontrado o foro para a propositura da ação, verifica-se o juízo competente para a causa. Nesse caso, a ação será proposta no juízo (vara) da Família e Sucessões do Foro Central ou Regional, dependendo do domicílio do autor.

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COMPETÊNCIA 2 3 7

10.10 C o m p e t ê n c i a A b s o l u t a e Re l a t i v a

Como vimos anteriormente, a competência é estabelecida segundo os critérios funcionais, territoriais e valor da causa, fatores estes deter­minados em razão do interesse público envolvido, como aqueles con­cernentes à estrutura e ao funcionamento dos órgãos do Poder Judiciá­rio, e outros que se fundam apenas na conveniência das partes, como as regras que estabelecem o local (foro) da propositura das ações.

Assim, a competência é classificada em absoluta e relativa, advindo dessa conceituação inúmeras conseqüências relevantes para a verifica­ção e a determinação da competência das ações, como se vê a seguir:

A b s o lu ta R e la t iv a

Estabelecida em função do interesse

público (interesse de toda a

sociedade)

Estabelecida em razão do interesse das

partes. Apenas importa à conveniência

das partes litigantes, sem interesse para

a coletividade

Fixada pelo critério funcional (em

razão da matéria, da hierarquia ou

da pessoa que figura no pólo

da ação). Nos Juizados Especiais

Federais, apesar de ser fixada a

competência em razão do valor da causa,

a Lei afirma ser espécie de competência

absoluta

Estabelecida pelos critérios

territoriais ou de valor da causa

(Juizados Especiais dos Estados -

Lei n. 9.099/95)

Não admite modificação ou

prorrogação

Admite modificação ou prorrogação

Em caso de erro na competência

(incompetência do juízo), gera

nulidade absoluta dos atos

processuais (vício insanável)

Não gera nulidade

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2 3 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

A b s o lu ta R e la t iv a

A incompetência pode ser alegada

em qualquer momento ou fase

processual, inclusive após o trânsito

em julgado (por ação rescisória),

não havendo preclusão sobre a

referida matéria

A incompetência deve ser alegada no

prazo da defesa do réu, sob pena de

modificação da competência (o foro

incompetente passa a ser competente

pelo fato de não haver manifestação do

interessado. Portanto, há preclusão)

Pode ser conhecida de ofício pelo

magistrado ou alegada pela parte

Não admite conhecimento de ofício;

para que ocorra a apreciação da

incompetência, deve haver

requerimento expresso da parte

interessada na correção do erro de

escolha na competência

Pode ser alegada pelo réu em

preliminar de contestação (na

própria contestação), ou em qualquer

outro momento do processo

Deve ser alegada por meio de exceção

de incompetência (petição diversa da

contestação que gerará um incidente

processual apartado)32

A respeito da classificação da competência, Cândido Rangel Di- namarco ensina33 que as regras que dispõem acerca da competência absoluta são normas de natureza cogente, em razão do grau de impe- ratividade do comando legal, não admitindo qualquer modificação de­corrente da vontade das pessoas sujeitas ao seu império. Outras, por sua vez, de natureza dispositiva, são previstas para a escolha e conse­qüentes rejeições por parte dos sujeitos do processo.

De fato, as regras que dispõem acerca de espécies de competências funcionais não admitem modificação ou desrespeito em razão da von­tade das partes, estando estas obrigadas a respeitar a competência fixa­da pelo interesse público, sob pena de total nulidade da demanda pro­cessada por órgão não investido de função para isso.

32 Temas que serão tratados no capítulo destinado à resposta do réu.33 Instituições de direito processual civil, cit., v. I, p. 566.

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COMPETÊNCIA 2 3 9

Já as competências fixadas com base no território ou valor da causa apenas importam às conveniências das partes litigantes, não prejudicando em nada o interesse da sociedade. Para o Estado, não importa se a ação será proposta na capital de São Paulo ou no Rio de Janeiro, ou se a parte optou pelo Juizado Especial ou pela atividade jurisdicional comum; por se tratar de interesses exclusivos dela tem o poder de escolher a competência.

No entanto, há que se ressaltar situações específicas em que exis­tem exceções acerca da relatividade da competência territorial e em razão do valor da causa.

A primeira exceção que podemos citar ocorre em relação aos Jui­zados Especiais Federais, os quais, dentro dos casos de cabimento, têm competência absoluta, conforme comando expresso no § 3o do art. 3o da Lei n. 10.259/2001,34 apesar de se tratar de competência fixada em razão do valor da causa. Portanto, nesse caso, não há faculdade da parte em escolher entre o Juizado Especial Federal e a Justiça comum Federal, sendo obrigatória a propositura da medida no Juizado, na hipótese de a ação enquadrar-se na sua competência.

Também caracteriza competência absoluta aquela que estabelece o foro para propositura de ações em face da União e demais entes públi­cos federais, nos termos do art. 109, §§ Io e 2o, por se tratar de compe­tência funcional prevista na Constituição da República. Além disso, caracteriza competência funcional, portanto absoluta, aquela que se estabelece em relação à divisão das seções judiciárias federais em sub­seções judiciárias, com a instalação de varas federais em diversos juí­zos da seção judiciária.35

Outra exceção se verifica na competência para a propositura da ação civil pública que, nos termos do art. 2° da Lei n. 7.347/85,36 deverá ser pro­posta no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer o dano objeto da ação;

34 "§ 3o No foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial [federal], a sua compe­tência é absoluta."

35 "A competência entre varas instaladas na Capital e as no interior do Estado, na mesma seção judiciária, dispostas em provimento do Tribunal, tem natureza funcional e, por isso abso­luta. Precedentes dos TRFs da 1a e 2a Regiões." (TRF, 3a Região, Conflito de Competência n. 93030801989, rel. Juiz Theotonio Costa, decisão de 03.11.1993, v.m.)

36 "Art. 2o As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa."

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2 4 0 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

nesse caso, apesar de a fixação da competência ter por base o território, a referida lei determina tratar-se de uma espécie de competência funcional.

Em relação aos foros regionais, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo firmou entendimento no sentido de se tratar de espécie de competência funcional, em qualquer hipótese,37 aplicando-se as regras da competência absoluta, sob a fundamentação de que essa divisão territorial interna da comarca está prevista na Lei de Organização Judiciária, representando divisão funcional da ativida­de jurisdicional.

No entanto, com o devido respeito às decisões do Tribunal de Jus­tiça, não concordamos inteiramente com essa afirmação.

A competência dos Foros Regionais é fixada segundo diversos cri­térios, utilizando-se da matéria, do território e do valor da causa como fatos discriminantes da atribuição da jurisdição.

37 "Competência. Foro regional. Natureza absoluta face às atribuições fixadas pela Lei de Organização Judiciária para os Foros Regionais e Varas Centrais prevalecendo as razões de or­dem pública. Inteligência do disposto no art. 411 do Decreto-lei n. 3/69, art. 26, inc. 1, a, da Resolução n. 1/71, Lei n. 3.947/83. Superado o valor da indenização ao limite da competência do foro para julgar as causas cíveis e comerciais, limitadas a cinqüenta vezes o salário mínimo vigente na Capital, justifica a redistribuição da ação a uma das Varas Cíveis do Foro Central. Recurso desprovido." (TJSP, Al n. 163.511-4, rel. Des. Júlio Vidal, j. 16.08.2000, v.u.)

"Competência. Conflito. Foro regional e Foro central. Competência de natureza abso­luta ditada pelo interesse público. Possibilidade de declinação de ofício. A cláusula contratual de eleição do foro não há de prevalecer em face da indeclinabilidade da competência abso­luta - O ajuizamento da medida cautelar preparatória deve vincular-se à do órgão competen­te para a futura demanda principal. Art. 800 do Código de Processo Civil. Competência do Juízo suscitante." (TJSP, Conflito de Competência n. 64.604-0, Câmara Especial, rel. Des. Fon­seca Tavares, j. 16.12.1999, v.u.)

"Competência. Compromisso de compra e venda de imóvel. Pedidos cumulados, de rescisão e de indenização por perdas e danos. Natureza pessoal. Competência de Foro Regio­nal, local de domicílio da ré. Eleição do Foro Central pelas partes. Inadmissibilidade, por carac­terizar escolha de juízo e não de foro. Recurso improvido." (TJSP, Al n. 128.836-4, rel. Des. Carlos Roberto Gonçalves, j. 09.11.1999, v.u.)

"Competência. Conflito entre juízos do Foro Central e de Foro Regional da Comarca da Capital versando sobre execução por quantia certa, contra devedor solvente, fundada em título executivo extrajudicial. Natureza absoluta dos critérios definidores da competência dos Juízos de uma mesma comarca previstos nas normas estaduais de organização judiciária. Competência do juízo do Foro Regional determinada pelo critério do domicílio do executa­do. Decreto-lei Complementar n. 3/69, art. 41, 1, a; Resolução n. 1/71 do Tribunal de Justi­ça, art. 26, 1, a; Resolução n. 2/76 do Tribunal de Justiça, art. 54, II, b. " (TJSP, Conflito de Competência n. 34.025-0, Câmara Especial, rel. Des. Luís de Macedo, j. 19.12.1996, v.u.)

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COMPETÊNCIA 2 4 1

A esse respeito, bem esclarece Cândido Rangel Dinamarco, apenas haverá competência absoluta do Foro Central em relação aos Foros Regionais quando o critério de discriminação estiver fundado na m a­téria ou na pessoa que ocupa um dos pólos da demanda.38 Por exem­plo, seria o caso de competência absoluta (por ser funcional) a compe­tência do Foro Central para processamento das ações de falência ou naquelas em que figure como parte a pessoa jurídica de direito públi­co, pois, nesses casos, é excluída a competência dos Foros Regionais em favor, respectivamente, das varas cíveis e da Fazenda Pública do Foro Central.

Entendemos, em sentido contrário da jurisprudência dominante, que é relativa a competência dos Foros Regionais e Central quando a divisão da jurisdição se dá exclusivamente segundo conceitos geográ­ficos. Nesse caso, não havendo discussão acerca da matéria ou da pes­soa que ocupa um dos pólos da ação, bem como sendo a causa de menor complexidade considerando-se o valor fixado na Lei de Orga­nização Judiciária, o juiz não poderia conhecer de ofício o erro na escolha de competência territorial, devendo ser respeitada a vontade das partes. No entanto, encontra-se pacificada na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, como citamos em notas, que se trata de espécie de competência absoluta, dado o interesse público na divisão interna da jurisdição na comarca.

10.11 M o d i f i c a ç ã o d a C o m p e t ê n c i a

Em se tratando de competência relativa, como tratamos anterior­mente, é possível a modificação ou prorrogação da competência legal, situações geradas em razão da vontade das partes ou imposições legais em que há a alteração da competência prevista na lei, com a prevalên­cia de outra.

Ressalte-se que, como regra, apenas nas modalidades de compe­tência relativa é que se admite a modificação ou prorrogação da com­petência legal.

38 Instituições de direito processual civil, c i t . , v . I, p . 6 3 7 - 9 .

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2 4 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

A modificação da competência pode ser:

a) Legal. Em razão de circunstâncias previstas na própria lei, a com­petência da ação é alterada. É caso de modificação legal da compe­tência quando se verifica o fenômeno processual da conexão ou continência;

b) Convencional. As partes têm o poder de dispor acerca da compe­tência relativa, sendo possível a fixação em contrato da competên­cia territorial escolhida pelas partes, o que se denomina de foro de eleição, ou, ainda, a renúncia ao foro privilegiado, ocorrendo, por exemplo, quando a parte ré deixa de impugnar erro de compe­tência territorial. Como tratamos anteriormente, nas espécies de competência relativa, a não-argüição da incompetência acarreta a preclusão da matéria, tornando competente o foro em que foi pro­posta a ação. Vamos imaginar, por exemplo, que ao invés de promo­ver a ação no domicílio do réu, tenha o autor distribuído a ação em seu próprio domicílio. Nesse caso, o réu deverá, no momento de sua resposta, apresentar exceção de incompetência, sob pena de prorrogação da competência; não havendo impugnação do réu, presume-se que ele renunciou ao foro que a lei determina em seu favor.

■ i 1 0 . 1 1 . 1 C o n e x ã o e C o n t i n ê n c i a

A conexão existe no processo civil quando há identidade de obje­to ou causa de pedir entre duas ou mais ações. Por sua vez, verifica-se a continência quando, entre duas ou mais ações, houver identidade de partes e causa de pedir, sendo o objeto de uma das ações mais amplo que os das demais.

Há conexão, por exemplo, entre ação proposta pelo locador para obter o despejo do locatário e a ação deste contra o locador em relação ao pagamento dos aluguéis. Nesse caso, nota-se a existência de duas ações versando sobre o mesmo objeto, qual seja, o contrato de locação e o cumprimento de suas cláusulas.

Para a existência de continência, o que não se exige para a cone­xão, deve haver identidade de partes e da causa de pedir, sendo o obje­to de uma ação mais amplo que o da outra. Seria o caso, por exemplo,

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COMPETÊNCIA 2 4 3

de continência entre a ação para a exigência das prestações vencidas e outra ação para cobrança dos juros ou prestações vincendas - nota-se, no exemplo, que o objeto da primeira é mais amplo e compreende o objeto da segunda demanda.

Assim, para evitar decisões conflitantes em relação às demandas conexas, determina o art. 102 do Código de Processo Civil que, de ofí­cio ou a requerimento das partes, essas ações afetadas por conexão ou continência deverão ser reunidas em um único órgão jurisdicional.

Havendo conexão ou continência, os processos que, a princípio, tramitavam segundo a regra de competência legal originária sofrerão modificação da competência, pela qual um órgão jurisdicional deverá remeter o processo a outro.

A modificação da competência ocorrerá sempre em favor do juízo prevento, considerando-se para esse fim:

• processos que tramitam na mesma base territorial (mesma comarca ou seção judiciária): será prevento o juízo que primei­ro despachou no processo, nos termos do disposto no art. 106 do Código de Processo Civil;

• processos que tramitam em bases territoriais distintas: será con­siderado prevento o juízo que primeiro realizar a citação válida, conforme determina o art. 219 do Código de Processo Civil.

Finalmente, é importante esclarecer que a reunião dos processos, com a conseqüente modificação da competência, apenas será possível quando as ações se encontrarem na mesma fase processual, não sendo possível, por exemplo, a reunião de processo que já se encontra senten­ciado com outro em fase de instrução (colheita de provas).39

Na verdade, a reunião dos processos por conexão ou continência, com a conseqüente modificação da competência, apenas se justifica

39 A Súmula n. 235 do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de vedar a reunião de processos por conexão se um deles já houver sido julgado, nestes termos: "A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado".

"Art. 112. (...) Parágrafo único. A nulidade da cláusula de eleição de foro, em contrato de adesão, pode ser declarada de ofício pelo juiz, que declinará de competência para o juízo de domicílio do réu."

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2 4 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

como medida de economia processual (com o aproveitamento dos atos processuais) e para evitar decisões conflitantes, mas, se os proces­sos estiverem em fases processuais muito distintas, a reunião terá o efeito inverso ao objetivo do instituto processual.

m 1 0 . 1 1 . 2 F o r o d e E l e i ç ã o

O foro de eleição representa a cláusula contratual pela qual as partes convencionam acerca da competência territorial para conhe­cimento de eventual litígio envolvendo o objeto do pacto. A eleição, como o próprio nome ressalta, apenas se pode dar em relação ao foro, ou seja, em relação ao território, e nunca acerca do juízo ou órgão jurisdicional, já que estes representam espécie de competência absoluta.

A jurisprudência firmou entendimento no sentido de não ser pos­sível a eleição de Foro Regional, por entender tratar-se de competência absoluta de juízo.40

Não se admite, também, a eleição de foro quando a ação versar sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão ou demarcação de terras e nunciação de obra nova, hipóteses em que deve prevalecer o foro de situação da coisa imóvel, nos termos do art. 95 do Código de Processo Civil.

Nas relações de consumo, em especial nos contratos de adesão, é m uito com um a imposição, pelos fornecedores, de cláusulas con­tratuais prevendo a eleição de foro que, afastando o disposto no

40 "Competência. Conflito. Foro Regional e Foro Central. Competência de natureza absoluta ditada pelo interesse público. Possibilidade de declinação de ofício. A cláusula con­tratual de eleição do foro não há de prevalecer em face da indedinabilidade da competência absoluta. 0 ajuizamento da medida cautelar preparatória deve vincular-se a órgão competen­te para a futura demanda principal. Art. 800 do Código de Processo Civil. Competência do juízo suscitante." (TJSP, Conflito de Competência n. 64.604-0, Câmara Especial, rel. Des. Fon­seca Tavares, j. 16.12.1999, v.u.)

"Exceção. Incompetência. Rescisão contratual. Alegada a prevenção do Foro Regional do Jabaquara. Admissibilidde. Inaplicabilidade da cláusula contratual de eleição do Foro Cen­tral para as ações dele decorrentes. Agravo provido. O foro da Capital é um só, com inúme­ras Varas, inclusive distritais. A eleição do Foro João Mendes é destituída de validade, por importar em escolha de Juízo e não de Foro." (TJSP, Al n. 14.064-0, rel. Des. Torres de Car­valho, j. 16.01.1992, v.u.)

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COMPETÊNCIA 2 4 5

art. 101, I, do Código de Defesa do Consum idor (que prevê como competente o foro do domicílio do autor), atribui outra com pe­tência que dificulte a defesa dos direitos do consumidor. A esse res­peito, a jurisprudência vem, reiteradamente, declarando a nulida­de das cláusulas de foro de eleição que impliquem prejuízo ao consumidor, para ser m antido o foro legal (m encionado art. 101 do CD C).41

Por outro lado, a reforma introduzida pela Lei n. 11.280, de 16.02.2006, inseriu ao art. 112 o parágrafo único,'12 para admitir que o juiz, de ofício, possa reconhecer da nulidade da cláusula contratual abusiva que estabeleça como foro de eleição o domicílio do autor. Note-se que tal previsão não se restringe aos contratos regidos pelo Código de Defesa do Consumidor, mas refere-se a toda e qualquer modalidade de contrato de adesão.

Portanto, havendo foro de eleição em contrato de adesão, o juiz poderá declinar da competência, reconhecendo a abusividade da cláusula para determinar a remessa dos autos ao foro de domicílio do réu, aplicando a regra comum de competência em prejuízo à cláusula contratual.

O dispositivo prevê que o juiz poderá reconhecer da nulidade da cláusula de eleição para modificar a competência. Assim, a princípio, a letra do referido parágrafo daria a idéia de tratar-se de uma faculdade do juiz.

Na verdade, esse poder do juiz deverá se pautar nas regras que garantem a defesa da parte contratante considerada como a mais fraca na relação jurídica, nesse caso, a parte aderente. Essa interpretação deve ser realizada pelo magistrado nos termos do art. 424 do Código Civil vigente.'13

41 "Conflito de competência. Foro de eleição. Relação de consumo. Se o foro eleito difi­culta a defesa do consumidor, o Juiz pode, de ofício, declarar-lhe a nulidade. Conflito conheci­do para declarar competente o MM. Juiz de Direito da 2Ò Vara Cível de São Gonçalo, RJ." (STJ, 2a Seção, Conflito de Competência n. 26.354/RJ, rel. Min. Ari Pargendler, j. 25.08.1999, v.u.)

42 "Art. 112. (...) Parágrafo único. A nulidade da cláusula de eleição de foro, em con­trato de adesão, pode ser declarada de ofício pelo juiz, que declinará de competência para o juízo de domicílio do réu.”

43 “Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.”

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2 4 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

A inovação trouxe uma nova exceção à regra da competência rela­tiva. Como sabemos, a competência fixada em razão do território (o que é objeto do foro de eleição) é de natureza relativa e, por conse­qüência, não poderia ser conhecida de ofício pelo magistrado. No entanto, mesmo se tratando de competência relativa, o juiz poderá reconhecer ex officio a nulidade da cláusula de foro de eleição em con­tratos de adesão.

■ I 1 0 . 1 1 . 3 M O D I F I C A Ç Ã O D A C O M P E T Ê N C I A N A F A S E

E x e c u t ó r i a

A reforma do processo de execução trouxe a possibilidade de m o­dificação da competência na fase executória do processo, permitindo, com isso, que na fase de conhecimento o processo tramite em um foro, e em outro no momento da execução.

O art. 475-P, parágrafo único, estabelece que a parte exeqüente poderá, no momento da execução, requerer ao juiz a remessa dos autos ao foro do novo endereço do executado ou do foro em que se encon­trem os bens que estarão sujeitos à execução.

A modificação da competência na fase executória, provocada pela vontade do exeqüente, visa a dar maior efetividade ao processo de exe­cução, já que, estando o devedor ou os bens da execução em outra comarca, seria necessária a expedição de cartas (precatória ou de ordem) para a satisfação do crédito. Com a modificação da competên­cia, em se tratando da remessa dos autos ao foro do local dos bens ou do domicílio do devedor, estariam dispensados os atos de comuni­cação entre magistrados (as cartas).

M 1 0 . 1 1 . 4 M O D I F I C A Ç Ã O D A C O M P E T Ê N C I A N A S A Ç Õ E S

R E L A T I V A S A O S D I R E I T O S H U M A N O S

A EC n. 45/2004, em exceção à regra que anteriormente comenta­mos, criou hipótese de cabimento da modificação de competência de natureza absoluta. Na verdade, o art. 109, § 5o, da Constituição da República admite o deslocamento de processos ou inquéritos da Justi­ça Estadual para a Justiça Federal.

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COMPETÊNCIA 2 4 7

A princíp io a dou tr ina tem denom inado tal institu to de “federalização dos crimes contra direitos h u m an o s”; no entanto, en tendem os possível de ocorrer tam bém na área civil, como exemplo, nas ações coletivas ou públicas de defesa de direitos hum anos.

Por força da EC n. 45/2004, o deslocamento da competência ocor­rerá mediante requerimento do procurador-geral da República ao Superior Tribunal de Justiça que, verificada a relevância e a grave vio­lação de direitos humanos, com a finalidade de resguardar o cumpri­mento de obrigações decorrentes de tratados internacionais do qual o Brasil seja parte, deferirá o encaminhamento do processo ou inquéri­to à Justiça Federal.

1 0 . 1 2 D E C L A R A Ç Ã O E C O N F L I T O D E

C o m p e t ê n c i a

A competência representa, para o processo, requisito de regulari­dade e admissão da tutela jurisdicional conferida,44 pois, como já tra­tamos anteriormente, é direito fundamental previsto na Constituição da República que a intervenção do Estado nos conflitos apenas ocorre­rá por meio da autoridade competente, autoridade esta dotada de investidura e atribuição legal para processar e julgar a demanda.

Podemos afirmar que a incompetência absoluta - erro na escolha da competência em razão da função do órgão jurisdicional - equipara-se à ausência de pressuposto de existência da relação jurídica processual, com a ineficácia de todos os atos praticados pelo órgão incompetente. Em se tratando de incompetência relativa, a relação processual se forma valida­mente, padecendo, no entanto, de pressuposto de desenvolvimento válido.

Por essa razão, ao receber a petição inicial, o primeiro ato do m a­gistrado será a verificação da competência e, caso constate ser absolu­tamente incompetente, deverá, independentemente de provocação das partes, declarar o vício e determinar a imediata remessa dos autos ao órgão jurisdicional competente.

44 J o s é F r e d e r ic o M a r q u e s , op. c / t , p . 2 3 3 .

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2 4 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

O reconhecimento da incompetência absoluta não gera a extinção do processo, mas a determinação de sua remessa ao órgão competente (§ 2o do art. 113 do CPC).

Nota-se que o reconhecimento da incompetência absoluta gera a nulidade de todos os atos decisórios produzidos no processo, conside- rando-se válidos apenas os atos processuais que não dependerem da validade da competência do órgão jurisdicional.

É importante consignar que, em relação à incompetência absolu­ta, não há falar-se em preclusão (mesmo porque não há preclusão pro iudicato); assim, conforme prevê o art. 113 do Código de Processo Civil, poderá ela ser alegada, conhecida e declarada a qualquer tempo do processo e grau de jurisdição.

Por outro lado, em se tratando de incompetência relativa - ofensa aos critérios de valor e território - , a declaração do defeito dependerá de manifestação da parte ré, manifestação esta que será formalizada por meio do incidente de exceção de incompetência relativa. Caso a parte interessada não promova o referido incidente processual, ocorre­rá a preclusão da matéria com a conseqüente prorrogação da compe­tência, ou seja, o órgão que era relativamente incompetente passa a ser dotado de atribuição para o processamento do feito (art. 114 do CPC).

Diante da diversidade de órgãos jurisdicionais existentes na estru­tura do Poder Judiciário brasileiro, quando da verificação da competên­cia, poderá ocorrer o denominado conflito de competência, que, nos termos do art. 115 do Código de Processo Civil, se estabelece quando:

a) Dois ou mais órgãos jurisdicionais se declaram competentes. Trata- se de hipótese de conflito positivo de competência, no qual mais de um órgão jurisdicional reclama para si a atribuição para o proces­samento da causa. Seria o caso, por exemplo, de ser proposta ação em duplicidade e ambos os juízos praticarem atos processuais na ação, reconhecendo, implicitamente, os seus poderes para isso;45

45 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, v. I, p. 170."Havendo dois inventários sobre os mesmos bens, caracteriza-se, em princípio, o conflito

positivo de competência, que, entretanto, deixa de existir se sobrevêm sentença terminativa [sem julgamento do mérito] por um dos juizes, ainda que pendente de recurso." (STJ, 2a Seção, Con­flito de Competência n. 18.479, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 12.11.1997, v.u.)

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COMPETÊNCIA 2 4 9

b) Dois ou mais órgãos jurisdicionais se declaram incompetentes. Nesse caso, verifica-se o conflito negativo de competência, circunstância em que todos os órgãos aos quais foi submetido o processo afastam a sua competência. É o que ocorre, por exemplo, quando o juiz esta­dual se declara incompetente para determinada ação e a remete para a Justiça Federal, que, por sua vez, também se declara incompetente, por entender que a competência é da jurisdição do estado;

c) Entre dois ou mais órgãos surge controvérsia acerca da reunião ou separação de processos. Em determinadas situações, como ocorre com a conexão e a continência, há previsão legal da reunião dos processos para que sejam julgados em conjunto. Nesse caso, por óbvio, um órgão jurisdicional deverá remeter os autos ao juízo prevento, em razão da modificação ou prorrogação da competên­cia. No entanto, pode ocorrer de um dos órgãos jurisdicionais se recusar à reunião ou separação dos processos, caso em que caberá a suscitação do conflito de competência.'16

Por outro lado, cumpre destacar que não há conflito de competên­cia quando um órgão estiver vinculado hierarquicamente ao outro, por exemplo, não há que se falar em conflito de competência entre um juiz de direito (de primeiro grau) e o Tribunal de Justiça do Estado, ou ainda, entre um juiz federal e o Tribunal Regional Federal.'17

■ i 1 0 . 1 2 . 1 P r o c e d i m e n t o d a S o l u ç ã o d o C o n f l i t o

d e C o m p e t ê n c i a

O conflito de competência pode ser suscitado pelas partes, pelo juiz ou pelo iMinistério Público, conforme legitima o art. 116 do Código de

46 "Conflito negativo de competência. Mandado de segurança. Conexão. Matéria de ordem pública. Exame ex offido. 1- A conexão é causa de modificação de competência, não um critério de fixação de competência. Envolve, pois, matéria de ordem pública, examinável de ofí­cio, nos moldes da autorização legal contida no art. 301, § 4o. 2 - Embora não seja cogente a regra do art. 105 do CPC, uma vez oportuna a reunião dos processos conexos e havendo possi­bilidade de grave incidência de contradição dos julgados, deve o juiz reunir as ações, ligadas pelo objeto ou pela causa de pedir, para julgamento conjunto. 3 - Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 18J Vara da Seção Judiciária de São Paulo." (STJ, 1" Seção, Con­flito de Competência n. 25735/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07.04.2000, v.u.)

47 Comentário de Patrícia Miranda Pizzol, Código de Processo Civil interpretado, p. 336.

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2 5 0 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Processo Civil. Na hipótese de o incidente não ter sido promovido pelo Ministério Público, este deverá intervir, obrigatoriamente, na qualidade de fiscal da lei.

O incidente deve ser apresentado perante o presidente do tribunal que estiver hierarquicamente superior aos órgãos jurisdicionais causa­dores do conflito de competência,'18 que promoverá o processamento do incidente conforme dispuser a legislação local ou normas internas do tribunal.

Evidentemente, o incidente deverá ser instaurado perante órgão jurisdicional que tenha poder para estabelecer a competência entre os conflitantes.19 Assim, podemos citar os seguintes exemplos:

Ó rgãos c o n f l i ta n te s Ó rg ão c o m p e te n te p a ra ju lg a r o c o n fli to

Juiz de direito X juiz de

direito (dos Estados)

Tribunal de Justiça do estado ao qual estiverem

vinculados os juizes de direito

Juiz federal X juiz federal Tribunal Regional Federal ao qual estiverem

vinculados os juizes federais (art. 108,1, e, da CF)

Juiz federal X juiz de direito

(ou vice e versa)

Superior Tribunal de Justiça, nos termos

do art. 105,1, d, da CF

Tribunal Regional Federal

X Tribunal de Justiça do estado

(ou entre tribunal e órgão

de primeira instância)

Superior Tribunal de Justiça

Juiz federal X juiz de direito,

quando este estiver no exercício

de competência de juiz federal

(art. 109, § 3o, da CF)

Tribunal Regional Federal ao qual estiver

vinculado o juiz federal (Súmula n. 3 do STJ)d0

48 Súmula n. 236 do STJ. "Não compete ao Superior Tribunal de Justiça dirimir conflitos de competência entre juízos trabalhistas vinculados a Tribunais do Trabalho diversos".

Súmula n. 180 do STJ. "Na lide trabalhista, compete ao Tribunal Regional do Trabalho dirimir conflito de competência verificado, na respectiva Região, entre Juiz Estadual e Junta de Conciliação e Julgamento [atualmente varas do trabalho]".

49 José Manuel de Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, v. 1, p. 317.“ Súmula n. 3 do STJ: "Compete ao Tribunal Regional Federal dirimir conflito de competên­

cia verificado, na respectiva região, entre juiz federal e estadual investido de jurisdição federal".

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COMPETÊNCIA 2 5 1

Ó rgãos c o n f l i ta n te s Ó rg ão c o m p e te n te p a ra ju lg a r o c o n fli to

Juiz estadual ou federal

(ou tribunal) X juiz do trabalho

(ou tribunal)

Supremo Tribunal Federal'1

Juiz estadual (no exercício

de atribuição de juiz

do trabalho - art. 112 da CF)

X juiz do trabalho

Tribunal Regional do Trabalho

(Súmula n. 180 do STJ)32

Superior Tribunal

de Justiça X outros

Tribunais Superiores

Supremo Tribunal Federal

Para o processamento do incidente, será designado (por distribui­ção ou sorteio) um relator, magistrado este que intimará os juizes en­volvidos no conflito para que prestem suas informações. Prestadas ou não as informações, os autos serão remetidos ao Ministério Público para que este possa apresentar seu parecer no prazo de cinco dias, sen­do, posteriormente, apresentado o conflito para julgamento pelo órgão competente do tribunal, nos termos de seu regimento interno.

A decisão que julgar o conflito de competência declarará o órgão competente para o processamento da causa em questão, inclusive, ma­nifestando-se o acórdão acerca da validade dos atos processuais prati­cados pelo juízo declarado incompetente.53

51 "Conflito Negativo de Competência. Reclamação Trabalhista. Tribunal Superior do Trabalho em Face de Juiz Estadual. 1. Nos termos do art. 102, inciso I, alínea o, da Constitui­ção Federal, compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer do conflito envolvendo Juiz Estadual em face do Tribunal Superior do Trabalho. Precedentes do STJ e do STF. 2. Conflito não conhecido. Remessa dos autos para a Suprema Corte." (Conflito de Competência n. 52.871/AM, rel. Min. Laurita Vaz, 3a Seção, j. 09.11.2005, DJ 23.11.2005, p. 157)

57 Na lide trabalhista, compete ao Tribunal Regional do Trabalho dirimir conflito de com­petência verificado, na respectiva região, entre Juiz Estadual e Junta de Conciliação e Julga­mento (agora Juízo do trabalho).

S3 O ato judicial que determina a citação do réu será considerado válido mesmo que ordenado por um juízo incompetente, nos termos do art. 219 do Código de Processo Civil. Portanto, no julgamento do conflito de competência, o Tribunal não poderá invalidar o ato citatório, para garantir a interrupção da prescrição e da constituição do devedor em mora.

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2 5 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Como regra, o julgamento do conflito dar-se-á por órgão colegia- do do tribunal, nos termos de seu regimento interno. Contudo, caso haja jurisprudência dominante do próprio tribunal acerca da matéria a ser decidida, poderá o relator proferir decisão monocrática sobre o mérito do incidente.54

A apresentação do conflito negativo gera, automaticamente, o sobrestamento do processo, ou seja, a sua paralisação até que o inci­dente seja julgado. Por outro lado, sendo o conflito positivo, a suspen­são dos processos dependerá de decisão do relator que, de ofício ou a requerimento das partes, determinar que se aguarde a solução do con­flito para que tenham prosseguimento as demandas.

No entanto, prevendo a legislação que em algumas lides poderá haver a necessidade de provimentos de urgência - que não podem aguardar a solução do conflito - , é permitido ao relator do incidente designar um dos magistrados envolvidos no conflito para o conheci­mento, em caráter provisório, de medidas de urgência.

■ I 1 0 . 1 2 . 2 I N C I D E N T E D E C O N F L I T O D E C O M P E T Ê N C I A E

E X C E Ç Ã O D E I N C O M P E T Ê N C I A

O artigo 115 prevê que na hipótese de dois ou mais órgãos juris­dicionais se declararem competentes (conflito positivo) ou incompe­tentes (conflito negativo), qualquer uma das partes, o próprio juiz ou o Ministério Público poderão apresentar o incidente para julgamento pelo tribunal.

Por sua vez, o art. 307 estabelece que o réu, por meio de uma petição denominada de exceção de incompetência, poderá argüir a incompetência relativa, a fim de que os autos sejam remetidos ao local correto.

Assim, o art. 117 determina que a parte (no caso o réu) que hou­ver apresentado a exceção de incompetência, não poderá suscitar o conflito de competência.

54 Em caso de decisão singular (monocrática) pelo relator acerca do mérito do conflito de competência, caberá agravo interno, recurso que será julgado pelo órgão colegiado com­petente para o julgamento do conflito.

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COMPETÊNCIA 2 5 3

Na verdade, se a parte se utilizar da exceção de incompetência, o art. 117 prevê uma renúncia ou preclusão à utilização do incidente de conflito de competência, visando, até mesmo, a coibir a suspensão repetida do processo (se a parte ré pudesse se utilizar de ambos os instrumentos, poderia obter a suspensão do processo por duas vezes, procrastinando o processo).

10.13 P e r p e t u a t i o J u r i s d i c t i o n i s

O art. 87 do Código de Processo Civil55 dispõe que a fixação da competência é determinada no momento da propositura da ação, con­siderando irrelevantes as mudanças supervenientes, relativas a territó­rio ou valor, capazes de modificar a competência.

Pela referida regra, por exemplo, caso qualquer uma das partes venha a alterar o seu domicílio ou sede (em especial em relação à parte que tem a prerrogativa do foro), após proposta a ação, a competência já fixada quando da propositura da demanda não sofrerá qualquer modificação.56

Em simples palavras, uma vez proposta a ação, a competência é fixada em caráter permanente.

55 "Art. 87. Determina-se a competência no momento em que a ação é proposta. São irre­levantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia."

56 "Falência. Foro competente. Mudança da sede social após a distribuição do pedido de falência. Irrelevância. Aplicação do art. 87 do Código de Processo Civil, que trata da perpetua­tio jurisdictionis. Recurso provido para que os autos retornem para o juízo da distribuição." (TJSP, 4a Câmara de Direito Privado, Al n. 003.007-4, rel. Des. Cunha Cintra, j. 14.03.1996, v.u.)

"Competência. Execução fiscal.Transferência da sede da executada. Remessa dos autos para outro foro. Inadmissibilidade. Indeferimento. Arts. 87 e 578, parágrafo único, do CPC e Súmula n. 58 do STJ. Proposta a execução fiscal, a posterior mudança de domicílio do executa­do não desloca a competência já fixada." {TJSP, Al n. 226914-2, rel. Des. Vallim Bellochi, j. 29.11.1993, v.u.)

"Competência. Foro regional. Alteração do valor da causa. Não modificação da compe­tência para uma das varas centrais. Perpetuatio jurisdictionis. Art. 87 do Código de Processo Civil. Preliminar rejeitada." (TJSP, 4° Câmara de Direito Privado, Al n. 149.938-4, rel. Des. Cunha Cintra, j. 24.02.2000, v.u.)

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2 5 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Evidentemente, essa regra apenas se aplica à competência relativa, pois, como excepciona o próprio art. 87 do Código citado, havendo supressão, criação ou alteração de órgãos jurisdicionais ou qualquer outra alteração em razão da matéria ou hierarquia posteriores à pro­positura da ação, poderá haver o deslocamento da competência para o novo órgão jurisdicional.

É o que acontece, por exemplo, quando da criação de varas espe­cializadas, hipótese em que os processos serão remetidos da vara comum para o novo órgão jurisdicional criado, não se aplicando a regra da perpetuatio jurisdictionis.

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A t o s P r o c e s s u a i s 11

11.1 De f i n i ç ã o

O processo, na qualidade de relação jurídica que se de­senvolve entre autor, juiz e réu, é composto por uma série de atos processuais dispostos em uma forma lógica na relação, sendo ele capaz de conduzir a demanda para a manifestação do Estado e a conseqüente composição da lide.

Conforme ensinamento de Humberto Theodoro Júnior:1

0 processo apresenta-se, no mundo do direito, como

uma relação jurídica que se estabelece entre as partes e o juiz

e se desenvolve, através de sucessivos atos de seus sujeitos,

até o provimento final destinado a dar solução ao litígio.

O processo apenas se desenvolve se impulsionado pelos atos de seus sujeitos. São as partes, os magistrados, os auxi-

' Curso de direito processual civil, v. I, p . 1 9 2 .

2 5 5

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2 5 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

liares da jurisdição e os membros do Ministério Público que praticam atos no processo visando ao oferecimento de uma tutela jurisdicional pelo Estado. O terceiro, enquanto ostenta apenas essa qualidade e não é admitido ã relação processual, não pratica qualquer ato processual.2 A esse respeito, poderia surgir a seguinte pergunta: o depoimento da testemunha não caracterizaria ato de terceiro no processo? Na realida­de, a testemunha não pratica o ato processual, o ato processual prati­cado é da parte ou do juízo que requereu a prova, sendo a testemunha mera fonte de prova (ou a própria prova).

Dessa forma, dependendo da natureza da relação posta em juízo, a jurisdição exercerá sua atividade por meio de um procedimento ou rito específico, regra esta que disciplinará toda a lógica para a prática do ato processual, como a seqüência lógica e o momento oportuno para a sua prática, os prazos processuais e os sujeitos aos quais é im­posto o dever ou ônus de realizá-los.

1 1.2 C l a s s i f i c a ç ã o e S u j e i t o s dos A tos

Pr o c e s s u a i s

O processo é conduzido pelos atos praticados por todos os seus sujeitos, que, com suas funções, conduzem o processo ao seu objetivo. Assim, podemos classificar os atos processuais em:

a) atos das partes;b) atos do juiz;c) atos dos serventuários da justiça;d) atos do Ministério Público;e) atos de terceiros.

As partes atuam no processo apresentando suas manifestações de vontade, declarações praticadas por meio de petições ou manifestações orais em audiência (transcritas no respectivo termo), tudo com o obje­tivo de obtenção de êxito na pretensão posta em juízo.

2 C â n d i d o R a n g e l D in a m a r c o , Instituições de direito processual civil, v . III, p . 4 6 7 .

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ATOS PROCESSUAIS 2 5 7

Ressalte-se que é vedado às partes e a seus procuradores o lança­mento de cotas marginais ou interlineares nos próprios autos, ou seja, as partes não podem lançar anotações ou escritos nos espaços deixa­dos entre os atos processuais (entre as linhas ou nos espaços em bran­co de outro ato).3

■ ■ 1 1 . 2 . 1 A t o s d e P r o n u n c i a m e n t o d o J u i z

Além das partes, o processo também se desenvolve por meio de atos dos magistrados. Assim, podemos afirmar que são atos de pro­nunciam ento1 do juiz (art. 162 do CPC):

a) Despachos. Os despachos, também conhecidos como despachos de mero expediente ou despachos ordinatórios, são atos de admi­nistração do processo, pelos quais o juiz impulsiona a relação jurí­dica processual adiante, sem que tal ato importe em qualquer juízo de valor acerca das questões litigiosas (questão principal da lide ou incidentais). Os despachos, como regra, são atos processuais que não geram prejuízos às partes (a qualquer uma delas), já que são desprovidos de carga decisória. São despachos, por exemplo, as decisões que designam audiência, determinam a citação do réu,5

3 "Processo civil. Mandado de segurança. Ato judicial. Cotas marginais e interlineares. Segurança denegada. Recurso desprovido. I - Não merece censura o ato judicial de comuni­cação à OAB, em decorrência de anomalias inseridas nos autos do inventário pelo procura­dor da parte." (STJ, 4" T„ Recurso Ordinário no MS n. 698/SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 26.02.1991, v.u.)

"Advogado. Lançamento nos autos de cotas marginais. Magistrado que aplicou ao advogado as penas do art. 161 do CPC. Hipóteses em que bastaria, na espécie, a recomen­dação para que não procedesse desta forma." (TJSP, Al n. 220529-2, rel. Des. Mohamed Amaro, j. 22.12.1993, v.u.)

4 Decisões em sentido lato da palavra. Além dos pronunciamentos, os magistrados pra­ticam outros atos no processo.

5 Como regra, o ato judicial que determina a citação do réu - "cite-se" - não possui carga decisória, razão pela qual é considerado despacho. Em sentido contrário, caso o magistrado faça juízo negativo de admissão da inicial ou determine o seu aditamento, estaremos diante, respectivamente, de uma sentença e de uma decisão interlocutória. Nesse sentido: "Execução de obrigação de fazer. Citação do devedor. Ausência de carga decisória. Despacho de mero expediente. Irrecorribilidade. Arts. 504 e 522 do Código de Processo Civil. O provimento judi­cial que simplesmente ordena a citação do devedor em execução de obrigação de fazer não contém carga decisória sendo, portanto, irrecorrível via do agravo de instrumento. Recurso

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2 5 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

abrem vistas para manifestações das partes, remetem os autos ao Ministério Público para manifestações em geral, ou seja, atos me­ramente de impulso processual.

Por determinação da EC n. 45/2004, que acrescentou o inc. XIV ao art. 93 da Constituição, com o intuito de dar maior celeri­dade aos processos, os atos processuais de administração ou de mero expediente, sem caráter decisório (ou seja, os despachos), poderão ser delegados aos servidores do cartório judicial. Portan­to, os magistrados poderão delegar aos serventuários o poder de proferir despachos.6

b) Decisões interlocutórias. As decisões interlocutórias são atos do juiz destinados à solução de questões incidentais do processo. Co­mo bem sabemos, além da questão central da relação processual - a lide - surgem, no curso do processo, questões periféricas ou inci­dentais, às quais é instado o magistrado a decidir antes da aprecia­ção da controvérsia central. As decisões interlocutórias têm a prin­cipal característica de não importar em extinção do processo na primeira instância de jurisdição, como a apreciação da pertinência das provas requeridas pelas partes, o pedido de assistência judiciá­ria gratuita, os requerimentos de liminares etc.

As decisões interlocutórias também podem ser proferidas nos tri­bunais, nas situações em que podem os magistrados proferir decisões monocráticas. É o caso, por exemplo, da decisão do relator, que mono- craticamente nega seguimento a um recurso, ou quando é apreciado o pedido de liminar ou o efeito suspensivo pelo relator do recurso.

c) Sentenças. As sentenças são atos típicos dos magistrados de pri­meira instância de jurisdição, pronunciamentos pelos quais é en­

especial conhecido pelo dissídio, mas desprovido" (STJ, 4a T„ REsp n. 141592, rel. Min. César Asfor Rocha, j. 04.10.01, v.u.). No entanto, caso a determinação contenha caráter decisório, por exemplo, com a imposição de multa, determinação de obrigação liminar etc, terá natu­reza de decisão interlocutória.

6 Na verdade, tal prática já existia na vida forense. No entanto, o ato era assinado pelo juiz. Agora, com a autorização constitucional, o próprio serventuário que receber a delega­ção poderá subscrever o despacho.

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ATOS PROCESSUAIS 2 5 9

cerrada prestação jurisdicional neste grau, com ou sem resolução do mérito do processo. A sentença é o ato extremo e culminante da relação jurídica, uma vez que, após sua publicação, o juízo de primeira instância entrega a tutela jurisdicional à parte investida do direito e encerra a sua função no processo.

A prolação da sentença não implica encerramento definitivo do processo, mas tão-somente a decisão da tutela requerida pela parte autora no processo de conhecimento na primeira instância. Após a prolação da sentença, o processo poderá ter seu curso con­tinuado, isso para o processamento de eventual recurso da parte vencida ou mesmo em razão das medidas necessárias ao cum pri­mento da sentença (isso na primeira instância).

O processo de execução também é encerrado por uma senten­ça, no entanto, com caráter meramente formal e de declaração de extinção da obrigação (art. 794 do CPC).

d) Acórdãos. São as decisões tomadas por órgãos colegiados dos tribu­nais em sede de julgamento de recursos ou de processos de compe­tência originária, nos termos do art. 163 do Código de Processo Civil. Ressalte-se que os acórdãos sempre serão tomados em votações de órgãos colegiados dos tribunais (quando do julgamento de um recurso, por exemplo).

É importante esclarecer que os atos dos magistrados não se limi­tam àqueles decisórios ou de pronunciamentos, sendo certo que o juiz também é responsável por outros atos que não necessariamente im portam em uma decisão,7 como a prática do magistrado de presidir as audiências, ouvir as testemunhas e os depoimentos das partes, rea­lizar inspeções judiciais etc.

No estudo do processo civil, a verificação da espécie ou natureza dos atos do juízo assume fundamental relevância para a determinação do ins­trumento adequado de impugnação desse ato, bem como para a apuração dos efeitos relativos ao andamento do processo e da situação das partes.

7 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., p. 488, deno­mina os demais atos do magistrado de "atos materiais", atos estes diversos dos pronuncia­mentos: decisões, sentenças e despachos.

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2 6 0 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Como se verifica nos parágrafos do art. 162 do Código de Proces­so Civil, os atos de pronunciamento dos magistrados são classificados em função da finalidade8 e efeitos de sua decisão. A espécie do ato é definida em razão de sua finalidade, objetivo e efeitos advindos ao pro­cesso. Portanto, sendo ato de mero impulso processual, sem carga deci­sória ou sem que importe em prejuízo a qualquer uma das partes, esta­remos diante de um despacho. Caso o ato seja de decisão de questões incidentais, sem gerar o fim do processo, o ato caracterizará típica decisão interlocutória. Por fim, havendo extinção do processo no pri­meiro grau de jurisdição, certamente, o ato é sentença.

A observância da finalidade do ato é fundamental para a defini­ção de sua natureza. Note-se que, para se definir a espécie de ato, pou­co importa a nomenclatura dada pela lei ou pela prática forense, pois, muitas vezes, elas atribuem natureza e classificação erradas ao ato judicial.

No processo de execução por quantia certa contra devedor insol­vente, por diversas vezes, a lei processual afirma que o juiz proferirá sentença. No entanto, se verificada a finalidade desses atos, a conclusão conduzirá à definição de típica decisão interlocutória. O mesmo ocor­re, por exemplo, com o chamado “despacho saneador”, que, como vere­mos adiante, é o pronunciamento do juízo em relação à regularidade da relação processual, pronunciamento sobre os requerimentos de provas requeridas pelas partes e do julgamento das questões penden­tes; obviamente, o “despacho saneador” é típica decisão interlocutória, uma vez que decide questões incidentais e pode gerar prejuízo às par­tes (ou pelo menos a uma delas).

Outro exemplo curioso verificamos na lei que trata da assistência judiciária gratuita que denomina de sentença a decisão do juiz que julga a impugnação à concessão do benefício de gratuidade. Nesse caso, também, estamos diante de típica decisão interlocutória e não de sentença. Apesar de a Lei n. 1.060/50 denominar o ato de sentença, a sua finalidade indica que é ato de apreciação de questão incidental, ato este que não põe fim ao processo.

8 Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comenta­do, 3. ed., p. 466.

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ATOS PROCESSUAIS 2 6 1

h 1 1 . 2 . 2 A t o s d o s S e r v e n t u á r i o s d a J u s t i ç a

A atividade da jurisdição é exercida, também, com auxílio dos ser­ventuários da justiça, que, dependendo de suas funções, exercem atosprocessuais relevantes ao deslinde da causa.

Podemos citar os seguintes atos:

a) Autuação. Ato pelo qual o escrivão (chefe do ofício ou outro ser­vidor designado) põe capa à petição inicial e a documentos que a instruem, consistindo no ato de formação dos autos do processo. Com a autuação, o serventuário descreve na capa dos autos o ju í­zo, a natureza do feito, o número de registro do processo, os nomes das partes e a data de início da demanda.

b) Vistas. Representa a viabilização do acesso aos autos pelos advoga­dos e partes a fim de que possam praticar atos processuais ou tomar ciência de atos praticados pelos demais sujeitos da relação processual.

c) Conclusão. É o ato de remessa dos autos ao magistrado para que esse possa lançar decisão.

d) Certidões (termos ou auto). São declarações firmadas pelos ser­ventuários no processo. Como bem sabemos, os serventuários da justiça são sujeitos do processo cujos atos gozam de presunção de veracidade. Assim, é o serventuário incumbido de lançar nos autos certidões acerca dos atos processuais. Por exemplo, a certidão de decurso do prazo para manifestação da parte, a certidão do oficial de justiça quando da realização de uma diligência, a certidão de abertura de vistas, de juntada ou conclusão etc.

e) Juntada. A juntada constitui ato de anexar ao processo petições e documentos em geral. Nota-se que, quando as partes se manifes­tam no processo, o que fazem por meio de petição, esse docum en­to é encartado aos autos, sendo certificada pelo serventuário a data dessa juntada.

f) Desentranhamento. É a retirada de documentos ou petições dos autos. O desentranhamento é ato contrário ao de juntada.

g) Distribuição. Havendo mais de um juízo competente dentro do mesmo foro, a petição inicial será submetida à distribuição, ato de sorteio que determina a competência interna.

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2 6 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Nos tribunais, pelo fato de haver mais de um magistrado, os processos também ficarão sujeitos à distribuição. Nesse caso, por força da EC n. 45/2004, a distribuição deverá ser imediata,

h) Intimação e citação. São atos de comunicação do processo, atos pelos quais é dada ciência às partes, a seus procuradores ou a ter­ceiros acerca de outros atos processuais.

■ i 1 1 . 2 . 3 A t o s d o M i n i s t é r i o P ú b l i c o

Atuando o Ministério Público como fiscal da lei, terá o seu represen­tante a faculdade de se manifestar no processo sempre depois das mani­festações das partes, podendo requerer a juntada de documentos, reali­zação de provas e outros atos necessários à comprovação dos fatos (art. 83 do CPC). Nas hipóteses previstas no art. 82, o Ministério Público não está autorizado a praticar atos que sejam privativos das partes, como, por exemplo, a apresentação de reconvenção, propositura de ação decla­ratória incidental, requerer a denunciação da lide, oposição, chamamen­to ao processo, opor exceção de incompetência (incompetência relativa), renunciar, desistir da ação ou reconhecer a procedência do pedido.9

Todavia, mesmo atuando como custos legis, o Ministério Público poderá interpor recursos (art. 499 do CPC), opor exceções de impedi­mento ou suspeição e suscitar conflito de competência, já que há auto­rização legal expressa para isso.

Por outro lado, figurando o Ministério Público como parte no processo, os seus representantes exercerão todas as faculdades e atos processuais típicos e inerentes aos litigantes da relação jurídica.

1 1.3 Fo r m a dos A tos Pr o c e s s u a i s

O processo representa para o Estado o modo ou o instrumento de manifestação da vontade da lei ao caso concreto, atuação que sempre tem como objetivo supremo conferir uma tutela jurisdicional capaz de outor­gar o bem da vida à parte assistida pelo direito material posto em juízo.

9 N e ls o n N e r y J u n io r & R o s a M a r ia d e A n d r a d e N e ry , o b . c i t . , p . 3 7 8 .

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ATOS PROCESSUAIS 2 6 3

Por essa razão, ao discorrer acerca da forma dos atos processuais, Moacyr Amaral Santos leciona:10

A doutrina contemporânea (Chiovenda, Carnelutti, Redenti, Gold-

schmidt, Jaeger, Liebman, Furno), considerando o ato processual e a

finalidade deste, demonstrou que os atos processuais são privados de

autonomia. Os atos processuais são meios de que se servem os sujeitos

da relação processual para atingir um fim, que é o fim do processo, ou

seja, a sua definição pela atuação da vontade da lei ao caso concreto.

Com base nessa filosofia - de que o processo é meio e não fim - , o ordenamento processual foi concebido com a prevalência do princípio da instrumentalidade das formas, pelo qual, apesar da existência de uma formalidade legal para a prática do ato, mesmo que não se tenha observado tal forma prevista na lei, o ato será considerado válido quando alcançada a finalidade a que se destina (art. 154 do CPC).

O processo é instrumento de realização do direito, razão pela qual não se prestigia a forma em detrimento do fim almejado.

Exemplo de aplicabilidade do princípio da instrumentalidade das formas verificamos em relação ao ato de citação do réu. A lei proces­sual prevê um procedimento extremamente formal para que o réu seja integrado à lide, no entanto, admite a supressão da forma quando o réu comparece espontaneamente no processo.

No entanto, o Código de Processo Civil impõe as seguintes regras genéricas de forma dos atos processuais:

a) Uso obrigatório do vernáculo (art. 156 do CPC). Os atos proces­suais serão escritos obrigatoriamente em língua portuguesa.

b) Numeração e rubrica em todas as folhas dos autos. Ao proceder a juntada aos autos de qualquer escrito, o serventuário competente deverá rubricar e num erar todas as folhas, seguindo a seqüência da autuação.

c) Vedado o uso de abreviaturas pelos serventuários da justiça (pará­grafo único do art. 169 do CPC).

10 Primeiras linhas de direito processual civil, p . 6 3 .

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2 6 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

d) Permitido o uso de taquigrafía, estenotipia ou outros métodos de gravação ou escrita, inclusive o uso de sistemas de áudio para a gravação dos atos processuais, posteriormente havendo a transcri­ção dos sinais.

e) Os documentos ou atos praticados em língua estrangeira deverão ser traduzidos por intérprete ou tradutor juramentado (espécie de serventuário da justiça, cujas traduções gozam de fé pública).11

f) Os atos processuais devem ser praticados dentro do tempo e dos prazos previstos pela legislação processual.

g) Publicidade. Como regra, por força de mandamento constitucio­nal, os atos processuais são públicos e podem ser compulsados por qualquer pessoa, independentemente de ser parte ou procurador constituído nos autos do processo. Contudo, havendo interesse público justificado ou necessidade de preservação da intimidade da parte (anulação de casamento, ação de alimentos, divórcio, se­paração, guarda de menores, investigação de paternidade etc.), o processo correrá sob segredo de justiça, sendo o acesso aos autos restrito às partes e a seus procuradores (art. 155 do CPC).

h) Os atos de pronunciamento do magistrado devem ser datados e assinados pela autoridade (art. 164 do CPC). A sentença deverá seguir a estrutura e os requisitos previstos no art. 458 do ordena­mento processual civil.

i) Protocolos. As partes poderão exigir recibo (ou protocolo) de todas as petições ou documentos que apresentarem em juízo (art. 160 do CPC), isso como forma de prova do cumprimento do ato processual, bem como para eventual restauração dos autos em caso de extravio.

j) Autenticação das cópias pelo advogado. O art. 365, inc. IV, do Código de Processo Civil autoriza que o advogado autentique as cópias reprográficas das peças do próprio processo. Evidente­mente, tal declaração é feita na responsabilidade do profissional e é presumida verdadeira se não houver impugnação pela parte adversa.

11 Súmula n. 259 do STF: "Para produzir efeito em juízo não é necessária a inscrição, no Registro Público, de documentos de procedência estrangeira, autenticados por via consular".

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ATOS PROCESSUAIS 2 6 5

A regra prevista no art. 172 do Código de Processo Civil é no sen­tido de que os atos processuais devem ser praticados nos dias úteis, no horário das seis às vinte horas. Nos casos em que o ato processual deva ser praticado por petição, esta deverá ser apresentada ao serviço de protocolo12 dentro do horário de expediente do fórum .13

No entanto, a própria legislação processual prevê hipóteses de pror­rogação ou modificação do tempo ordinário para a prática dos atos processuais, as quais podemos citar:

12 0 Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de não admitir a con­tagem do prazo de protocolo a partir da apresentação da petição no serviço de correios, mas apenas considera o prazo quando da apresentação da petição no protocolo judicial. Súmula n. 216 do STJ: "A tempestividade de recurso interposto no Superior Tribunal de Justiça é aferi- da pelo registro no protocolo da secretaria e não pela data da entrega na agência do correio".

13 A jurisprudência firmou entendimento no sentido de que é considerado válido o ato de protocolo fora do horário de expediente do fórum, mas dentro do horário do art. 172 do Código de Processo Civil, se o interessado se encontrava dentro do prédio quando este foi fechado. De fato, é muito comum que, após o horário de fechamento do fórum, ainda exis­tam pessoas nas filas dos protocolos, não podendo a parte ser prejudicada em função da espera, quando ela já se encontrava no fórum antes do seu fechamento. Nesse sentido:

"Recurso. Apelação. Interposição no último dia do prazo recursai, e passados dezoito minutos do término do horário de funcionamento do protocolo. Irrelevância. Protocolização que se deu dentro do horário, foi estendido para atender às pessoas que encontravam-se na fila do protocolo. Tempestividade caracterizada. Preliminar rejeitada. Recurso conhecido." (TACSP, 4a Câm., rel. Juiz Oséas Davi Viana, j. 08.08.2001, v.u.)

"Processual civil. Protocolo de petições. Prazo. Expediente forense. Lei Estadual e ato normativo de Tribunal não podem alterar o horário de expediente forense previsto no art. 172, § 3o do CPC e determinar prazo mais curto para o protocolo de petições. Ocorrendo o fechamento do protocolo antes do término do expediente forense, o prazo para interposição de petição fica prorrogado para o dia seguinte." (STJ, 1dT., REsp n. 263222/RJ, rel. Min. Gar­cia Vieira, j. 16.11.2000, v.u.)

"Processual civil. Prática de ato processual pela parte. Encerramento das atividades forenses antes das dezoito horas. Lei Estadual n. 7.297/80. Código de Processo Civil, arts. 172 e 184, § 1o, II - A prática de ato processual pela parte (ajuizamento de recurso) encerrava-se ao tempo, às 18 horas. Lei Estadual autorizando o fechamento do protocolo e cartório da Comarca às 17 horas. Além de cercear o direito da parte, contraria a Lei Federal e faz incidir a regra do art. 184, § 1o, II, do Código de Processo Civil." (STJ, 1a I , REsp n. 67781/PR, rel. Min. César Asfor Rocha, j. 08.11.1995, v.u.)

Em sentido contrário: "Processual civil. Apelação intempestiva. Entrega da petição apóso horário de expediente forense. Fechamento do protocolo. Art. 172, § 3o, do CPC. Lei Esta­dual. Os atos processuais devem ser praticados no curso do horário regular, não podendo ser recebida apelação após o fechamento do protocolo geral. As leis de organização judiciária

1 1 . 4 D O T E M P O E L U G A R D O S A T O S P R O C E S S U A I S

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2 6 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

a) É permitido que o ato seja praticado após as vinte horas quando tiver sido iniciado antes desse horário e o adiamento ou a inter­rupção possam importar em prejuízo.

b) A parte poderá requerer e o juízo deferir que a citação e a penho­ra (ato de constrição dos bens do devedor) sejam realizadas fora do tempo ordinário, inclusive em domingos e feriados, fora do ho­rário comum. Em ambos os casos - citação e penhora - , muitas vezes há necessidade de que a diligência seja efetuada fora do tempo comum, em especial para que seja encontrada a pessoa ob­jeto da diligência ou para não frustrar o próprio ato (como ocor­re com a penhora).

Para o tempo da prática dos atos processuais, também é necessá­rio observar os períodos de férias forenses e os feriados, assim consi­derados os domingos e os dias definidos por lei ou pelas regras de organização judiciária (art. 175 do CPC). Nos períodos de férias foren­ses ou de feriados, como regra, não são praticados atos processuais.

Todavia, com o objetivo de não impedir o acesso à Justiça nos casos de necessidade de tutelas de urgência, os arts. 173 e 174 admitem a realização de atos processuais e o curso de ações durante as férias ou feriados, nos seguintes casos:1'1

a) Produção antecipada de provas. Trata-se de medida destinada à realização de prova processual em caráter de urgência, isso com a finalidade de evitar o perecimento da prova em razão do decurso do tempo. É o caso, por exemplo, da testemunha que se encontra

devem obedecer ao limite previsto no caput do art. 172 do CPC na fixação do horário para a realização dos atos processuais, seja, de seis às vinte horas, não se admitindo, todavia, o recebimento de petição fora do horário de funcionamento do protocolo, ainda que em horá­rio de expediente, sob pena de violação ao preceito contido no § 3o do mesmo dispositivo" (STJ, ô'1 T„ REsp n. 299509/RS, rel. Min. Vicente Leal, j. 10.04.2001, v.u.).

54 "Férias. Prazo de recurso. Arbitramento de honorários. Distingue o Código de Proces­so Civil atos que podem ser praticados nas férias e causas que nelas têm curso. Nos termos do art. 173, II, do CPC, as férias não obstam a prática de atos urgentes. Não se segue daí, entretanto, que nela tenham curso as causas em que efetivadas. O Processo de Arbitramen­to de Honorários, malgrado preparatório, sequer visa a assegurar direito ameaçado pelopen- culum in mora. Não tem andamento nas férias, razão por que flui o prazo de recurso." (STJ, 3a T„ REsp n. 27854/SP, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 30.10.1992, v.u.)

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ATOS PROCESSUAIS 2 6 7

no “leito de morte”, situação em que não se pode aguardar o m o­mento próprio do processo, tampouco o fim das férias forenses para que a testemunha seja ouvida, sob pena da perda da prova.

b) Citação para evitar o perecimento do direito (para evitar a prescrição), ou ainda os atos processuais de arresto, seqüestro, busca e apreensão, depósito, prisão civil (alimentante ou depositário infiel), penhora, arrecadação, separação de corpos, abertura de testamentos, os embar­gos de terceiros, a nunciação de obra nova, e outros atos de urgência.

c) Ações cautelares. São ações, preparatórias ou incidentais, destina­das à proteção imediata de um bem jurídico; como regra, visam a uma tutela de urgência (art. 799 do CPC).

d) Ações fundadas em locação (Lei n. 8.245/91 - art. 58 ,1): ação de des­pejo, de consignação de aluguéis e acessórios, revisional e renovatória.

e) Procedimentos de jurisdição voluntária (dispostos nos arts. 1.103 a 1.210 do Código de Processo Civil).

f) Ação de alimentos (ação cautelar de alimentos provisionais ou ação especial de alimentos), as causas de fixação ou remoção de tutores ou curadores.

g) Ação pelo rito sumário (art. 275 do CPC).h) Outras ações cujo curso a lei federal autorizar o trâmite durante as

férias, como a ação de falência e a de desapropriação.

Por fim, é importante mencionar que os atos processuais, como regra, são praticados na sede do juízo, admitindo-se, excepcionalmen­te, que sejam efetuados em outros locais, dependendo das peculiarida­des do caso concreto e dos interesses da justiça.

■ i 1 1 . 4 . 1 T r a n s m i s s ã o d e P e t i ç õ e s p o r M e i o s

E l e t r ô n i c o s

A Lei n. 9.800/99 autorizou a transmissão de petições por meio da utilização de sistemas de transmissão de dados e imagens, como, por exemplo, o fac-símile. Evidentemente, a lei foi exemplificativa, pois autoriza aos tribunais a utilização de qualquer sistema de transmissão de dados, sendo certo que, atualmente, encontra-se em funcionamen­to a recepção de petições por fac-símile ou correspondência eletrônica (e-mail ou remessa pelos sites dos tribunais).

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2 6 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

No entanto, apesar de admitir a transmissão da petição por fac-símile ou outro meio eletrônico, a lei não dispensa a apresentação da via original.

O art. 2o da lei determina que, no prazo de cinco dias contados da data da prática do ato,15 os originais deverão ser apresentados no pro­tocolo do juízo ou tribunal (ou integrado), se houver no âmbito do órgão jurisdicional).

E mais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem afir­mado que o prazo de cinco dias para a apresentação do original no protocolo é contínuo e, portanto, não se interrompe ou suspende nos sábados e feriados.16

Por certo, aquele que transmitiu a petição de forma eletrônica é responsável pelo conteúdo e veracidade, e eventual discordância ou fal­sidade poderá acarretar a imposição de multa por litigância de má-fé.

15 O prazo para apresentação do original tem início no dia seguinte àquele em que foi transmitido via fac-símile. Caso a remessa via fac-símile tenha sido antes do último dia, o prazo para protocolo do original será considerado a patir do dia seguinte à transmissão, e não do encerramento do prazo. "Processo Civil. Recurso Especial. Agravo Regimental. Petição via fax. Juntada extemporânea do original. Prazo previsto no Art. 2o da Lei n. 9.800/99. Iní­cio da contagem. Primeiro dia útil após o envio, ainda que antes do término do prazo recur- sal. Intempestividade. Não conhecimento. 1 - Segundo entendimento desta Corte, o prazo para encaminhamento dos originais da petição via fac-símile, encaminhada antes do término do prazo recursal, começa a fluir do dia seguinte ao do envio, ainda que antes do término do prazo recursal, em observância ao princípio da consumação. 2 - In casu, tendo a petição recursal sido apresentada, via fax, no dia 17.10.2005 (segunda-feira), o prazo para encaminhamento do original teve início em 18.10.2005 (terça-feira), encerrando-se em 22.10.2005 (sábado), prorrogado para o dia 24.10.2005 (segunda-feira). Havendo este últi­mo sido protocolizado somente em 07.11.2005 (segunda-feira), encontra-se o presente Agravo Regimental intempestivo, já que ultrapassado o prazo de cinco dias previsto no art. 2o, da Lei n. 9.800/99. 3 - Precedentes (AgRg Ag ns. 481.341/RS e 434.407/RS). 4 - Agravo regimental não conhecido." (STJ, 4a T., Ag. Reg. no REsp n. 747.672/RS, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 29.11.2005)

16 "Processual Civil. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. Interposição via "fax". Original. Intempestividade. Lei n. 9.800/99. Art. 2o. Preclusão Consumativa. I. É intem­pestivo o agravo regimental interposto via fac-símile, se o original é apresentado após o trans­curso do prazo estabelecido no art. 2o da Lei n. 9.800/99, contado da protocolização do fax, pelo princípio da preclusão consumativa. II. O prazo previsto nesse dispositivo é contínuo, tratando-se de simples prorrogação para a apresentação do original da petição recur­sal, razão pela qual não é suspenso aos sábados, domingos ou feriados. Precedentes do STJ e do STF. III. Agravo regimental não conhecido." (4a T., Ag. Reg. no Ag. n. 705.680/GQ, rel. Min. Aldair Passarinho Junior, j. 08.11.2005) [grifo do autor].

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ATOS PROCESSUAIS 2 6 9

m 1 1 . 4 . 2 U s o d e M e i o s E l e t r ô n i c o s n o s

p r o c e s s o s

A reforma advinda com a Lei n. 11.419/2006 alterou o Código de Processo Civil para autorizar a informatização dos processos judiciais e, na busca de maior celeridade, admitir o uso de meios eletrônicos para a prática dos atos processuais (comunicação dos atos e transmis­são de petições por meio da internet).

A aplicação imediata da lei dependerá da regulamentação pelos órgãos dos tribunais, já que o uso do meio eletrônico exige a existên­cia de assinatura eletrônica.

A inovação foi introduzida no sentido de admitir a transmissão eletrônica de petições até às 24h do dia final do prazo (art. 3o, pará­grafo único), modificando a sistemática anterior pela qual o protoco­lo apenas poderia se dar dentro do horário de expediente do fórum. A íntegra da lei está no Anexo 3.

1 1.5 Pr a z o s Pr o c e s s u a i s

O processo se desenvolve por meio de diversos atos processuais, dispostos em uma seqüência lógica, uns após os outros.

Dessa forma, as normas de processo estabelecem períodos ou es­paços de tempo para que os sujeitos do processo realizem, de forma válida, os atos processuais que lhes incumbe a relação. Podemos dizer que todo ato processual tem um momento oportuno e certo de existir no processo, fixando o interregno entre os termos inicial e final para a sua realização eficaz.

O prazo sempre será fixado entre dois termos: o inicial (dies a quo) e o final (dies ad quem),17 ou seja, o momento de início da contagem do prazo e o momento de encerramento da oportunidade da prática do ato processual.

Para tanto, como leciona Moacyr Amaral Santos,18 o ordenamento pro­cessual estabelece os prazos processuais em função dos seguintes princípios:

17 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, cit., p. 213.18 Op. cit., p. 304.

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2 7 0 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

a) utilidade, para garantir às partes um período razoável de tempo para a prática do ato;

b) inalterabilidade, como regra os prazos são fixados pela lei e não pela vontade das partes;

c) peremptoriedade e preclusão, o não cumprimento do prazo po­derá gerar a perda da capacidade para a prática do ato processual;

d) brevidade, com a finalidade de que o processo se desenvolva com celeridade e não se arraste no tempo.

Os principais prazos do Código de Processo Civil foram elencados no Anexo I deste livro.

m 1 1 . 5 . 1 E s p é c i e s o u C l a s s i f i c a ç ã o d o s p r a z o s

Considerando as características e os efeitos dos prazos em rela­ção ao processo e às partes, podemos m encionar as seguintes classi­ficações:

a) Prazos legais, judiciais ou convencionais. Os prazos legais são aque­les fixados na lei processual especificamente para o ato processual. Por exemplo, é um prazo legal o tempo para a apresentação de contestação ou para a interposição de recurso.

Por outro lado, em alguns casos, a lei deixa a fixação do prazo ao arbítrio do magistrado, que o fará sempre observando os princípios norteadores dos prazos processuais, em especial a complexidade do ato a ser realizado. É o caso, por exemplo, do prazo para o ofereci­mento do rol de testemunhas, que, como regra, é fixado pelo juiz; caso isso não ocorra, é aplicado o prazo legal (dez dias antes da audiência). Estas hipóteses são denominadas prazos judiciais.

O art. 177 do Código de Processo Civil determina que os atos processuais serão praticados dentro do prazo legal ou, quando for omissa a lei, o juiz fixará o prazo, sempre considerando a natureza da causa e a complexidade do ato a ser praticado.

Contudo, não havendo prazo legal, tampouco interregno fixa­do pelo juiz, o prazo será considerado de cinco dias para a prática do ato, como prevê o art. 185 do Código de Processo Civil.

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ATOS PROCESSUAIS 2 7 1

Além disso, certos prazos (os dilatórios) admitem que sejam convencionados pelas partes; como exemplo, podemos citar o pra­zo de suspensão do processo por vontade das partes (art. 181 do CPC). Em se tratando de prazos dilatórios, as partes podem con­vencionar pela prorrogação (ou mesmo pela diminuição) do refe­rido prazo, requerendo a alteração ao juiz sempre antes do venci­mento do prazo legal ou judicial.

b) Dilatórios e peremptórios. Os prazos dilatórios são aqueles que admitem modificação por vontade das partes ou decisão judicial. Nota-se que, mesmo sendo o prazo fixado pela lei, em se tratando de um prazo dilatório, poderão as partes e o juiz, de ofício e aten­dendo à natureza do ato (complexidade), alterar o prazo.

Por sua vez, os prazos peremptórios são aqueles que não adm i­tem modificação pela vontade das partes ou por inteligência do juízo; são prazos considerados fatais, cuja inobservância gera a perda da capacidade para a prática do ato (preclusão).

Como regra, os prazos peremptórios são improrrogáveis, salvo nas comarcas onde for difícil o transporte ou o acesso à sede do juízo, inclusive na ocorrência de calamidade pública. Nesses casos, é facultado ao juiz estender qualquer prazo processual até sessen­ta dias, podendo ser excedido esse limite em caso de calamidade pública.

Nesse ponto, um cuidado deve ser observado: a prorrogação de prazo não se confunde com a sua restituição. Os prazos para a apresentação da resposta do réu e para a interposição de recursos são espécies de prazos peremptórios que não admitem modifica­ção pela vontade das partes ou judicial. No entanto, provando-se que não houve a citação ou a intimação do recurso, o juiz poderá restituir o prazo à parte que mostrar ter sido prejudicada pela falta da comunicação.

c) Próprios e impróprios. Os prazos próprios são entendidos como aqueles que devem ser praticados pelas partes sob pena de um pre­juízo processual, ou seja, a preclusão.

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2 7 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Por outro lado, a lei especifica prazos que, caso sejam descum- pridos, não acarretam nenhum gravame processual, mas somente sanções de ordem disciplinar. Podemos afirmar que são im pró­prios os prazos estabelecidos ao juiz, aos serventuários da justiça, aos membros do Ministério Público na atuação como fiscais da lei e para o curador especial (art. 198° do CPC).

A título de exemplo, o Código de Processo Civil determina que o juiz deverá proferir sentença quando do encerramento da ins­trução processual em audiência ou no prazo de dez dias; no entan­to, o referido prazo é meramente de orientação para a prática do ato processual, pois, caso o juiz não o faça no tempo legal, não ocorrerá qualquer sanção processual. Seria absurdo falar que ocor­reu preclusão temporal para o ato do juiz.

d) Comuns, individuais e sucessivos. A presente classificação se faz em função do modo de concessão e exercício dos prazos pelas par­tes. Os prazos comuns são aqueles exercidos em conjunto por to­das as partes do processo, ou seja, é estabelecido prazo único para as partes do processo realizarem o ato. Ao contrário, os prazos podem ser individuais (particulares), concedidos unicamente em favor de uma das partes, ou sucessivos, concedidos em favor de uma parte e, na seqüência, à outra.

Por exemplo, sendo juntado aos autos laudo pericial, o juiz concederá prazo para que as partes se manifestem, prazo único que será exercido em conjunto por elas. Também será comum o prazo para que os litisconsortes pratiquem seus atos no processo.

Agora, é particular, por exemplo, o prazo para o réu (único réu) apresentar contestação, ou para a parte totalmente vencida no processo interpor recurso - nesses casos, o prazo corre unicamen­te em favor de uma das partes.

■ i 1 1 . 5 . 2 C o n t a g e m d o s p r a z o s

Como ressaltamos anteriormente, os prazos são considerados em relação a dois termos: o termo inicial (dies a quo) e o termo final (dies ad quem).

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ATOS PROCESSUAIS 2 7 3

O início da contagem dos prazos - dies a quo - tem como causa a ciência da parte em relação ao ato processual anterior (a intimação pessoal ou pelo diário oficial, a juntada aos autos do mandado de cita­ção etc.), podendo a lei determinar, em casos específicos, o momento de início de contagem do prazo.

A regra é no sentido de que o curso dos prazos processuais se dê de forma contínua, ou seja, uma vez iniciada a sua contagem, não ha­verá paralisação da fluência do tempo em razão da superveniência de feriados (ou dias não úteis).

No entanto, em sede do estudo dos prazos processuais não se pode deixar de mencionar a existência de hipóteses de interrupção e suspen­são do curso da contagem dos prazos, institutos estes que não se con­fundem. Em ambos os casos, o efeito direto será o de paralisação da contagem dos prazos, mas, havendo a interrupção, quando cessar a causa de paralisação, o prazo é restituído integralmente, sendo descon­siderado o tempo anterior à paralisação.

Ao contrário, sendo hipótese de suspensão - assim determinada na lei - , uma vez cessada a paralisação, a contagem do prazo recome­çará a correr de onde parou, considerando-se, na referida contagem, o tempo anterior à suspensão. Por exemplo, podemos afirmar que, em um prazo de quinze dias, advindo qualquer uma das causas de suspen­são no décimo dia, quando for restabelecida a contagem, a parte goza­rá apenas dos cinco dias restantes.

O Código de Processo Civil prevê os seguintes casos de suspensão do processo:19

a) obstáculos criados por uma das partes;b) hipóteses previstas no art. 265, incs. I e II (suspensão do processo

em razão da perda da capacidade processual da parte, do represen­tante ou do procurador, ou ainda pela convenção das partes);

c) eventual paralisação do Poder judiciário, como recessos.

10 Até o advento da EC n. 45/2004 as férias forenses eram consideradas como causa de suspensão dos processos e, conseqüentemente, dos prazos processuais, No entanto, a refe­rida Emenda determinou que a atividade jurisdicional seja ininterrupta, sem a possibilidade de férias coletivas ou forenses.

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2 7 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Por sua vez, são hipóteses de interrupção dos prazos:

a) a oposição do recurso de embargos de declaração, que interrompe o prazo para a interposição de qualquer outro recurso. Por exem­plo: caso haja oposição de embargos de declaração no prazo de cinco dias, após a sua intimação, após a intimação do julgamento do referido recurso de embargos, a parte vencida terá ainda o pra­zo de quinze dias para a interposição de apelação (ou seja, o prazo da apelação foi restituído integralmente quando cessada a causa da interrupção);

b) a citação do réu que interrompe o curso do prazo prescricional, recomeçando a fluir integralmente, conforme previsão do art. 219 do Código de Processo Civil;

c) a interposição de recurso de embargos infringentes contra parte do acórdão não unânime que também interrompe o prazo para a interposição do recurso especial ou recurso extraordinário contra a parte unânime (tema tratado adiante).20

| Regras de contagem de prazos

De forma simplificada, podemos afirmar que os prazos proces­suais são contados da seguinte forma:

a) Exclui-se o dia de início (dies a quó) e inclui-se o dia final (dies ad quem) ou de vencimento (art. 184 do CPC). Por exemplo, sendo a parte intimada no dia Io para a prática de um determinado ato processual em dez dias, a contagem deverá ser realizada com exclu­são do primeiro dia (dia Io), iniciando-se no dia seguinte (dia 2), considerando-se o último dia para a prática do ato o dia 11 (dia do vencimento).

b) O início da contagem do prazo sempre será em dia útil (§ 2o do art. 184 do CPC). Portanto, caso o dia seguinte ao da intimação (ou do dies a quo) seja feriado, a contagem do prazo terá início no próxi­mo dia útil. É o caso da intimação que ocorreu na sexta-feira: nes­

20 Não obstante a lei referir-se ao termo sobrestamento do prazo, deve-se entender uma forma de interrupção, já que não tem início o curso do prazo para os demais recursos.

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ATOS PROCESSUAIS 2 7 5

se exemplo, o dies a quo é a própria sexta-feira, mas o primeiro dia de contagem seria o sábado, no entanto, como o sábado e o do­mingo não são considerados como dias úteis para efeito forense, o início da contagem do prazo se dará na segunda-feira seguinte (se esta não for feriado).

c) Iniciada a contagem do prazo (sempre em dia útil), o seu curso será contínuo, independentem ente da existência de feriados no seu decorrer. Assim, se a publicação ocorreu na quinta-feira, o início da contagem do prazo será no dia seguinte (sexta-feira), com putando-se no cálculo dos dias o sábado e o domingo seguintes.

d) Na hipótese de o dia do vencimento cair em dia não útil, em dia em que for determinado o fechamento do fórum, ou no dia em que este tiver o seu expediente encerrado antes do horário habi­tual, o vencimento é prorrogado automaticamente para o dia útil seguinte (§ Io do art. 184 do CPC).

e) Não havendo prazo legal ou fixado pelo magistrado, o prazo será de cinco dias.

■ I 1 1 . 5 . 3 P R E R R O G A T I V A S D E P R A Z O S

O legislador conferiu às Fazendas Públicas21 e ao Ministério Públi­co prazo em dobro para recorrer e em quádruplo para contestar. Ape­sar de a lei utilizar a expressão contestar, a jurisprudência tem afirmado que o prazo em quádruplo se estende a todas as espécies de respostas do réu (reconvenção, exceções e contestação).22

Outro caso de aumento do prazo para a prática de atos processuais verificamos na hipótese de haver na demanda litisconsortes com pro­curadores diferentes. Nesse caso, os litisconsortes terão prazo em do­

21 Ente público ou administração pública. São beneficiárias as seguintes pessoas: União, estados, Distrito Federal e os municípios. Por força do Decreto-lei n. 7.659/45, aplica-se a prerrogativa de prazo do art. 188 do Código de Processo Civil às autarquias públicas (admi­nistração pública indireta).

22 "Processual civil. Exceção de incompetência. Prazo, art. 188, CPC. I. Esta colenda corte, ratificando entendimento do extinto TFR decidiu que a Fazenda Pública tem direito de opor exceção de incompetência no prazo que tem para contestar (art. 188, do CPC)." (STJ, 2-T., REsp n. 24.055/RJ, rel. Min. José de Jesus Filho, j. 14.04.1993, v.u.)

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2 7 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

bro para a prática de qualquer (de todo) ato processual. Ressalte-se que é requisito para essa prerrogativa que os litisconsortes sejam represen­tados por advogados distintos.23

À primeira vista, os benefícios previstos no art. 188 do Código de Processo Civil poderiam ser entendidos como privilégios processuais, como vantagens em favor de uma das partes em prejuízo da outra, induzindo até mesmo à idéia de violação ao princípio da igualdade ou isonomia, previsto tanto na Constituição da República (caput do art. 5o), como no Código de Processo Civil (art. 125,1).

Na verdade, a intenção do legislador não foi a de conferir um pri­vilégio, mas dar prazo maior a essas pessoas especiais - considerando o interesse público representado pelas Fazendas ou pelo Ministério Público - , a fim de garantir a equiparação entre as partes, já que os advogados do Estado, procuradores e promotores de Justiça não podem dispor ou recusar as demandas que lhes são impostas, certamente, são profissionais que não dispõem de liberdade na escolha dos trabalhos.

Por outro lado, é justificado o prazo em dobro aos litisconsortes representados por procuradores diferentes, isto como medida de asse­gurar acesso igualitário aos autos, e a possibilidade da prática dos atos processuais.

m 1 1 . 5 . 4 P r e f e r ê n c i a n o s j u l g a m e n t o s

O disposto no art. 1.211-A do Livro das Disposições Finais e Tran­sitórias do Código de Processo Civil, introduzido pela Lei n. 10.173 de 9 de janeiro de 2001, garantiu aos maiores de 65 anos de idade a pre­ferência no julgamento dos processos em que figuram como parte ou interessado.

No entanto, com o advento do Estatuto do Idoso - Lei n. 10.741/2003- a idade foi reduzida para sessenta anos, conforme determina o seu art. 71.

Para o exercício de tal direito de preferência, o beneficiário deverá requerer a concessão à autoridade em que tramita o feito e fazer prova

23 O Supremo Tribunal Federal firmou sua jurisprudência no sentido de que o prazo em dobro não se aplica ao recurso quando apenas um litisconsorte houver sido sucumbente (tenha interesse no recurso). Súmula n. 641 do STF: "Não se conta em dobro o prazo para recorrer, quando só um dos litisconsortes haja sucumbido".

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ATOS PROCESSUAIS 2 7 7

do requisito para tanto, ou seja, juntar ao requerimento cópia de docu­mento que comprova a idade igual ou superior a sessenta anos.

Em caso de falecimento ou exclusão do beneficiário do processo, o benefício não se estenderá aos seus sucessores, salvo se algum deles tam ­bém for maior de 65 anos de idade, conforme determina o art. 1.211 -C do Código de Processo.

Em princípio, esses dispositivos legais poderiam dar a impressão de que estaria havendo privilégio indevido em favor da parte idosa e conseqüentemente, uma aparente afronta ao princípio da igualdade ou de isonomia entre os litigantes.

No entanto, isso não ocorre. Na realidade, ao deferir a preferência no julgamento dos processos para os maiores de sessenta anos, o legis­lador nada mais fez do que aplicar o princípio da isonomia, já que tra­tar os idosos como as pessoas mais jovens seria dar tratamento idênti­co às pessoas que se encontram em situações distintas e, assim, gerar quebra da igualdade constitucional. Devemos sempre lembrar que igualdade significa tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais, na medida de suas desigualdades, respeitando as diferenças de cada pessoa.

Como bem sabemos, os idosos não têm expectativa de vida capaz de suportar a longa espera no julgamento de um processo. É realidade muito conhecida por nós o tempo necessário à satisfação de um direi­to em juízo, tempo esse que não têm grande parte das pessoas idosas.

Curiosamente, em razão de pedido de preferência formulado por pessoa idosa, o magistrado de primeira instância negou tal requeri­mento por entender tratar-se de prerrogativa inconstitucional, pois, segundo ele, estar-se-ia ofendendo o princípio da igualdade, afirman­do que a Lei n. 10.173/2001 “trata desigualmente os iguais”.

Com efeito, em sede do julgamento de recurso interposto contra tal decisão esdrúxula, assim se pronunciou o Egrégio Tribunal de Jus­tiça do Estado de São Paulo:2'1

Ao prestar as informações de fls. 136/137, o magistrado argumentou

que: "Assim como as agravantes, pessoas idosas, têm urgência na resolução

2i Jurisprudência publicada no AASP n. 2.295/2.489.

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2 7 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

dos conflitos a que estão sujeitas, outras pessoas também o têm. Não é

razoável que elas tenham tratamento prioritário, pelo fato de terem nascido

primeiro do que as partes de outros feitos que tramitam por este Juízo".

E acrescenta: "Dar tratamento prioritário para as agravantes, pes­

soas idosas, enseja a obrigação moral, ética e jurídica de dar-se o mesmo

tratamento prioritário aos doentes, aos incapazes, aos pobres, aos defi­

cientes físicos etc., inclusive até com a criação de varas especializadas e

ritos processuais especiais para o atendimento dessas pessoas".

3. Tem-se, no entanto, que não pode prevalecer o entendimento

esposado pelo MM. Juiz.

Com efeito, o fato de existirem outras classes ou grupos de pessoas

que por suas peculiares condições também estariam a fazer jus ao mesmo

tratamento prioritário, não tem o condão de torná-las iguais aos idosos

que foram contemplados com o benefício legal negado pelo magistrado.

A circunstância de o legislador não ter estendido o benefício a outras

pessoas que, ao sentir do magistrado, também estariam a merecer trata­

mento idêntico, não importa em violação ao princípio da igualdade ins­

culpido no art. 5o da Constituição Federal.

Na verdade, o propósito da Lei n. 10.173/2001 ao tutelar pessoas

que, por sua idade avançada, normalmente se encontram em posição de

inferioridade em relação aos mais jovens, foi justamente realizar o princí­

pio de igualização, concedendo ao idoso tratamento mais digno e com­

patível com a sua situação peculiar de fragilidade inerente à própria con­

dição da velhice.

Como destacado nas razões recursais, a Lei n. 10.173/2001 estabele­

ce em favor da pessoa idosa uma prioridade necessária, absolutamente

conforme o princípio da isonomia, porque o fator de discrimen é justificá­

vel em seu próprio enunciado: os idosos têm menor expectativa de sobre-

vida e, portanto, sofrem consideravelmente mais efeitos negativos da deli­

cada equação tempo/processo, podendo-se dizer mesmo que o periculum in mora, para eles, é pressuposição lógica e status permanente. (TJSP, Al

197.733-4/3, rel. Des. Carlos Augusto De Santi Ribeiro, j. 06.06.2001, v.u.)

Por fim, resta-nos indagar: no que consiste a preferência no julga­mento? Qual a diferença em relação aos processos que não gozam de tal prerrogativa?

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ATOS PROCESSUAIS 2 7 9

Na realidade, o legislador limitou-se a prever o benefício, sem in­dicar, na prática, quais os efeitos decorrentes desse direito de preferên­cia. Entendemos que nos processos em que estejam figurando pessoas maiores de sessenta anos deve ser dada prioridade no julgamento em relação aos demais feitos, não devendo submeter à longa demora para distribuição nos tribunais, ou seja, devem ser distribuídos incontinen- te a um relator, gozam de preferência nas publicações, realização de to­dos os atos processuais por parte dos serventuários, designação de au­diências etc.

1 1.6 Co m u n i c a ç ã o dos A to s Pr o c e s s u a i s

Como regra, os atos processuais são praticados no bojo dos autos do processo e dentro da sede do juízo. No entanto, em determinados casos, há necessidade de exteriorização desses atos além dos limites dos autos ou do âmbito de jurisdição do magistrado. Por essa razão, o or­denamento processual criou instrumentos de comunicação entre os diversos órgãos do Poder Judiciário, bem como entre o juízo e as par­tes litigantes ou terceiros.

Freqüentemente, surge no processo a necessidade da prática de atos processuais fora dos limites impostos à jurisdição, como a ouvida de uma testemunha que resida em outra comarca, o que demanda a comunicação entre os órgãos do Poder Judiciário como forma de pos­sibilitar a realização dos referidos atos.

Além disso, como observa Humberto Theodoro Júnior,25 o proces­so se desenvolve segundo os princípios do contraditório e da publici­dade, princípios que impõem a necessidade da transmissão de ciência às partes e a terceiros de todos os atos ocorridos na relação processual.

Dessa forma, podemos afirmar que o Código de Processo Civil prevê as seguintes modalidades de comunicação dos atos processuais:a) cartas; b) citações; e c) intimações.

25 Curso de direito processual civil, c i t . , p . 2 2 4 .

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2 8 0 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

■ i 1 1 . 6 . 1 C a r t a s 26

As cartas são instrumentos de comunicação entre órgãos de juris­dição, ou seja, representam meio de comunicação e cooperação entre magistrados, e pelo qual um órgão pleiteia a outro a realização de ato processual em sua base territorial de jurisdição ou no âmbito de sua competência funcional.

Como vimos anteriormente, é obrigatório que o processo se de­senvolva perante o órgão jurisdicional competente segundo as funções e a base territorial conferidas pela lei. Assim, são utilizadas as cartas todas as vezes em que houver necessidade da prática de ato processual fora do âmbito de jurisdição em que tramita o processo.

É comum, por exemplo, a necessidade da realização de citações e intimações de pessoas que se encontram em comarcas - bases territo­riais de jurisdição - diversas daquela em que tramita o processo, ou ainda para a oitiva de testemunhas que também não residam na mes­ma localidade. Em ambos os exemplos, o juízo do processo não tem competência para a realização do ato fora de sua base territorial, de­vendo valer-se das cartas para obter a providência pretendida pelo órgão competente.

Portanto, todas as vezes em que houver a necessidade da prática de atos processuais fora dos limites da jurisdição, o magistrado requererá a realização do ato ao órgão competente, por meio das seguintes car­tas (art. 201 do CPC):

a) Carta precatória. As cartas precatórias são aquelas utilizadas entre órgãos do Poder Judiciário brasileiro que se encontram dentro da mesma hierarquia funcional ou grau de jurisdição. Por meio da car­ta precatória um juízo solicita a outro - do mesmo grau de juris­dição e com a mesma competência em relação à matéria - a reali­zação de determinado ato processual em sua jurisdição.

Por exemplo, um juiz de uma das varas cíveis de São Paulo necessita ouvir uma testemunha que reside na comarca de Fortale­za: assim, será expedida uma carta precatória do juízo de São Paulo

26 Para o processo civil, o termo carta não é sinônimo de correspondência (correio), mas assume significado próprio relativo ao ato de comunicação entre órgãos de jurisdição.

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ATOS PROCESSUAIS 2 8 1

para uma das varas cíveis da referida comarca de Fortaleza (carta que será cumprida por órgão de primeira instância) para que o juiz desta jurisdição realize o referido de oitiva da testemunha.

O órgão remetente da carta precatória é denominado de juízo deprecante; já ao órgão destinatário atribui-se a nomenclatura de juízo deprecado.

b) Carta de ordem. As cartas de ordem são expedidas por órgãos ju ­risdicionais hierarquicamente superiores àqueles que cumprirão o ato requerido na carta.

Por exemplo, sendo proposta uma ação diretamente no Supe­rior Tribunal de Justiça, sediado em Brasília, este tribunal expedi­rá uma carta de ordem para que seja realizada a citação do réu pelo órgão jurisdicional de primeira instância do local de domicí­lio da parte ré.

Nota-se que a ordem decorre de um órgão superior àquele que realizará o ato processual. Portanto, as cartas de ordem sempre serão oriundas de um tribunal para um órgão inferior, constituin­do verdadeiro comando e não um mero pedido (como ocorre com as rogatórias).27

c) Carta rogatória. As cartas rogatórias têm por finalidade a realiza­ção de atos processuais por autoridades judiciárias estrangeiras - são instrumentos para solicitação, perante autoridade de outro país, de realização de atos dentro de seu território.

As referidas cartas são remetidas aos seus destinos por meio de vias diplomáticas e observando os termos de convenções e tratados internacionais de cooperação judiciária (art. 210 do CPC), deno­minando-se rogante o juízo remetente e rogado o destinatário.

No entanto, quando o Brasil for o destinatário de uma rogató­ria, haverá necessidade de tal pleito de autoridade estrangeira pas­sar pelo crivo do Superior Tribunal de Justiça, que, após a verifica­ção da adequação do objeto da carta ao sistema jurídico nacional— se não há ofensa à soberania e à Constituição —, se for o caso, expedirá o exequatur, determinando ao juízo federal competente

27 C â n d id o R a n g e l D in a m a r c o , Instituições de direito processual civil, c i t . , p . 5 1 6 .

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2 8 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

que realize o ato requerido pela autoridade judiciária estrangeira — art. 109, X, da Constituição da República.

Em se tratando de carta rogatória, a parte sobre a qual recai a responsabilidade pela prática do ato processual deverá providenciar a tradução do conteúdo da carta para a língua oficial do país desti­natário, bem como fornecer os meios e acompanhar o ato no local de cumprimento, promovendo o recolhimento de eventuais despe­sas e outras informações requeridas pela autoridade rogada.

| Requisitos das cartas

A validade e a eficácia das cartas estão condicionadas à observân­cia dos requisitos previstos nos arts. 202 e 203 do Código de Processo Civil, que estabelecem como conteúdo obrigatório:

indicação dos juízos de origem e de cumprimento; o inteiro teor da petição (ou cópia), da decisão judicial e do ins­trum ento de mandato conferido ao advogado; indicação do ato processual requerido, com suas especificações; encerramento com assinatura do juiz e reconhecimento de sua assi­natura por escrivão autorizado; prazo para cumprimento;documento original quando se tratar de perícia sobre documento (ficando nos autos da ação apenas a fotocópia).

E, facultativamente, as cartas podem ser instruídas com outras peças necessárias para que o juízo destinatário possa realizar com uti­lidade o ato requerido, tais como: desenhos, mapas, laudos etc., tudo que for imprescindível para o entendimento dos fatos e a execução do ato processual.

Recusa judicial no cumprimento da carta

A regra é no sentido de que o juízo destinatário da carta não tem competência para proceder à análise da conveniência ou legalidade28

28 "Processual. Carta precatória. Descumprimento pelo juiz deprecado. Incompetência do deprecante. Impossibilidade. CPC/art. 2 0 9 .1. É defeso ao juiz deprecado negar cumprimento

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ATOS PROCESSUAIS 2 8 3

do ato processual requerido, tampouco tem poder para recusar o seu cumprimento.

No entanto, excepcionalmente, nos termos do art. 209 do Código de Processo Civil, o juízo destinatário da carta poderá opor-se ao cum ­primento do pedido formulado pelo órgão remetente quando: a) não estiver revestida dos requisitos legais (requisitos previstos no art. 202 do CPC); b) quando lhe faltar competência em razão da matéria ou hierarquia;29 c) quando tiver dúvida sobre a autenticidade da carta.

As cartas devem ser remetidas às autoridades judiciárias com com­petência para a prática do ato solicitado, observando-se, para isso, as regras de competência territorial e funcional. Evidentemente, caso o juí­zo destinatário da carta entenda não gozar de competência para o seu cumprimento, terá absoluta legitimidade para proceder à sua devolu­ção ao órgão remetente sem a realização do ato requerido.

A esse respeito, surge a seguinte pergunta: o juízo deprecado pode­rá recusar o cumprimento de carta quando carecer de competência territorial? Não obstante a lei prever como hipótese de recusa apenas a incompetência funcional (segundo critérios decorrentes de matéria e hierarquia), entendemos que a incompetência territorial do juízo de­precado também justifica a recusa e a devolução da carta sem o cum ­primento. Nota-se que a incompetência territorial do juízo deprecado gera total impossibilidade material de cumprimento da carta precató­ria ou de ordem. Imaginemos remeter uma carta para a Comarca de Santos, quando na realidade o local da prática do ato encontra-se na

a precatória, sob o argumento de que o deprecante é incompetente e de ser inconstitucional o ato requerido. II. Em se julgando originariamente competente para adotar originariamente o ato deprecado, cumpre ao juiz suscitar conflito de competência. III. A argüição de inconsti­tucionalidade do ato deprecado haverá de ser examinada na sede do deprecante, observando o devido processo legal. IV. Não pode o tribunal a que se vincula o juízo deprecado cassar, por afirmada inconstitucionalidade, decisão tomada por juiz vinculado a outro tribunal." (STJ, 1“ T., REsp n. 174.529/PES, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 13.10.1998, v.u.)

29 "Processo civil. Conflito de competência. Cumprimento de carta precatória. Recusa do juízo deprecado. O juízo deprecado apenas pode descumprir a ordem contida na carta precatória caso esta não possua algum requisito legal, quando carecer de competência em razão da matéria ou da hierarquia ou, ainda, por motivo de dúvida sobre a autenticidade da carta. Conflito conhecido a fim de declarar-se a competência do juiz deprecado para o cum­primento da carta precatória." (STJ, 2a T., Conflito de Competência n. 318.86/RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 26.09.2001, v.u.)

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2 8 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Comarca do Rio de Janeiro. Obviamente, o juízo deprecado não terá condições de realizar o ato requerido, muito menos, o que seria absur­do, poderá expedir outra carta precatória.30

Além das hipóteses de recusa, havendo necessidade, poderá o juízo destinatário requisitar ao juízo remetente, às partes ou a terceiros as informações complementares indispensáveis ao cumprimento e à reali­zação do ato requerido, como a remessa de cópias do processo, informa­ções das partes, recolhimento de custas e demais despesas processuais etc.

■ i 1 1 . 6 . 2 C i t a ç õ e s

O termo técnico processual citação, conforme previsão do art. 213 do Código de Processo Civil, corresponde ao ato pelo qual se chama a juízo o réu - pessoa que ocupa o pólo passivo da ação - para o fim de que possa apresentar defesa e formar o contraditório da relação jurídi­ca processual.

Como já tratamos anteriormente, o processo é uma relação jurídi­ca trilateral, razão pela qual o ato de citação é indispensável para a pró­pria formação e existência da relação jurídica. Em outras palavras, sem a citação não existe processo válido.

O Estado Democrático de Direito, sob a égide da Constituição da República, estabelece como direito fundamental do indivíduo o direito de contraditório - art. 5o, inc. LV - , pelo qual é assegurado aos litigan­tes, em processo judicial ou administrativo, o direito de apresentação de suas versões acerca dos fatos que lhes são imputados pela outra parte.

Em todo e qualquer processo, deverá ser promovida a citação da parte ré para que possa apresentar sua resposta (contestação, recon-

30 Em sentido contrário, Humberto Theodoro Júnior (Curso de direito processual civil, cit., p. 225) afirma que: "Por questão apenas de incompetência relativa, o ato não poderá ser recusado".

Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. II, p. 347, em relação à recusa por incompetência relativa (como no caso da territorial), sustenta: "A incom­petência relativa não comporta exame sem provocação da parte [...] e por isso a eventual incompetência territorial do juízo deprecado deve ser argüida perante o juízo deprecante, cumprindo a este e não àquele o exame da matéria; mas o cumprimento será impossível, não obstante relativa a incompetência territorial, quando se tratar de ato a ser realizado sobre coi­sas situadas no foro deprecado ou inquirição de testemunhas ali encontradas etc.".

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ATOS PROCESSUAIS 2 8 5

venção ou exceções) e acompanhar o seu desenvolvimento até a extin­ção regular.

Nesse sentido, o professor Arruda Alvim ensina:31

Não podemos dizer que há processo íntegro, como relação trilateral,

e no sentido prático real, se não houver citação da parte contrária; afir­

mação diversa seria baseada em conceito estritamente técnico (desligado

do Direito positivo brasileiro), e seria válida apenas considerando o pro­

cesso como relação bilateral entre autor e juiz. O que se poderia dizer é

que há, com a só propositura da ação, apenas um início do processo, pois

há relação jurídica entre o juiz e o autor. Concluímos, portanto, que a

citação é o terceiro requisito para que se forme integralmente a relação

jurídica processual.

A citação é ato fundamental do processo, pois é por meio desse ato de comunicação que se implementa pressuposto objetivo de existên­cia, constituição e desenvolvimento válido do processo.32 A falta de citação gera a nulidade de todos os atos processuais praticados na rela­ção jurídica.

Legitimação para recebimento da citação e local

Como afirmamos anteriormente, a citação é o ato pelo qual se obje­tiva dar ciência ao réu da ação que foi proposta contra ele, ato destina­do a possibilitar o exercício do amplo direito de defesa do demandado.

Por essa razão - para alcançar a finalidade a que se destina o ato de citação deve ser realizado na pessoa do réu. De fato, o art. 215 do Código de Processo Civil dá prioridade à citação pessoal do demandado ou na pessoa de seu procurador, quando este estiver investido, por meio de instrumento de mandato, de poderes33 para o recebimento da citação.

3' Manual de direito processual civil, v. I, p. 513.32 Moacyr Amaral Santos, op. cit., p. 329.33 Apenas o mandato com a cláusula ad judicia (para agir em juízo em geral) não habi­

lita o advogado para o recebimento de citação. A citação poderá ser realizada por procura­dor quando constar do instrumento poderes expressos para o ato. Nesse sentido: "Processual civil. Liquidação de sentença. Execução. Citação pessoal. Art. 611 do CPC. Juntada de pro­curação pelo réu sem poderes especiais. Comparecimento espontâneo. Inocorrência. Prece­dente. Recurso desacolhido. I. Nos termos do art. 611 do CPC, 'julgada a liquidação, a parte

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2 8 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Na hipótese de o réu ser incapaz, a citação deverá ocorrer na pes­soa de seu representante legal, e, em se tratando de pessoa jurídica, o ato deve ser recebido por pessoa habilitada no estatuto ou contrato social, detentora de poderes de representação da personalidade jurídi­ca.31 A citação realizada perante pessoa sem poderes para esta repre­sentação constitui ato nulo.

Por outro lado, em situações especiais em que a pessoa jurídica detém filiais ou sucursais, deve-se admitir a citação na pessoa do geren­te ou de quem represente a empresa naquela localidade. É o que ocor­re, por exemplo, com as instituições bancárias, situações em que, sendo a ação decorrente de ato praticado por uma agência, deve ser admitida como válida a citação realizada na pessoa de seu gerente ou diretor.35

Ao tratar da citação das pessoas jurídicas no âmbito de atuação dos jui­zados Especiais, a Lei n. 9.099/95, art. 18, inc. II houve por bem determinar

promoverá a execução, citando pessoalmente o devedor'. Logo, apenas ao réu pode ser di­recionada, salvo se outorgados poderes especiais. II. No caso, a procuração anexada aosautos não conferia esses poderes ao advogado para receber citação. Assim, não estando o advogado habilitado a praticar o ato em nome do mandante, a juntada da procuração não teve a pretendida eficácia." (STJ, 4à I , REsp n. 213.063/SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Tei­xeira, j. 10.08.1999, v.u.)

34 "Processo civil. Citação. Nulidade. A citação não pode ser presumida, porque constitui o ato mais importante do processo. Hipóteses em que, tratando-se de pessoa jurídica, ela se deu em funcionário que não tinha poderes de representação legal ou judicial. Recurso especial conhecido e provido." (STJ, 3a T., REsp n. 65.372/SP, rel. Min. Ari Pargendler, j. 19.08.1999, v.u.)

"Citação. Pessoa jurídica. Teoria da aparência. 1. Comprovado nos autos, como afirma­do pelo Acórdão recorrido, que a pessoa que recebeu a citação não tinha poderes para tanto, não se pode apontar peculiaridade alguma para justificar a aplicação da teoria da aparência. 2. Não se trata de apego ao formalismo porque a citação é de fundamental importância para o processo, que aperfeiçoa a relação processual, instalando o contraditório." (STJ, 3a T., REsp n. 182.874/SC, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 06.05.1999, v.m.)

"Recurso especial. Processual civil. Pessoa jurídica. Citação. Teoria da aparência. A cita­ção constitui ato essencial para a formação do processo, e eventual inobservância na sua con­cretização implica violação ao princípio do contraditório. Daí o Poder Judiciário cercar-se de muita cautela na adoção da teoria da aparência. Invalidade da citação feita em pessoa que, malgrado ostente parentesco com o detentor da representação da pessoa jurídica, não pos­sui poderes para representá-la. As pessoas jurídicas são representadas por quem os estatutos ou contrato social as designam." (STJ, 5a T., REsp n. 156.970/SP, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 27.10.1998, v.u.)

35 "Citação. Pessoa jurídica. Gerente. Agência. Admissibilidade de que se faça na pessoa do gerente, quando o litígio se refira a contratos firmados na agência ou sucursal em que exer­ce suas funções, encontrando-se em outra comarca a sede da empresa. Revisão do entendimen­to da Turma." (STJ, 3*’ T., REsp n. 254.424/TO, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 29.06.2000, v.u.)

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ATOS PROCESSUAIS 2 8 7

que a citação pode ser realizada na pessoa do “encarregado da recepção”, dis­pensando com isso que a citação seja realizada na pessoa com poderes de representação da empresa. Ressalte-se que tal permissão apenas se aplica nos processos de competência dos Juizados Especiais (dos Estados ou Federais).

Por fim, é importante ressaltar que a citação será realizada no local onde se encontrar o demandado (art. 216, do CPC).

Juntada de procuração antes da citação

Após definirmos quem tem legitimidade para receber citação, sur­gem os seguintes questionamentos: a juntada de procuração aos autos pelo advogado faz presumir a citação? E a juntada da procuração antes da citação do réu dá início ao curso do prazo para resposta do demandado?

Entendemos que a juntada de procuração aos autos antes da cita­ção apenas terá o poder de suprir o referido ato citatório quando os advogados outorgados tiverem poderes especiais para receber citação; caso contrário, estaríamos admitindo o recebimento de citação por pessoa estranha à lide, violando a regra segundo a qual o ato de cita­ção deve ser pessoal.36

Assim, a simples juntada de procuração aos autos sem poderes especiais para receber citação não dá início ao prazo para a apresenta­ção de resposta pelo réu.

36 "Direito processual civil. Pedido de vista. Procuração sem poderes especiais. Compa- recimento espontâneo do réu. Inocorrência. Monitoria. Prazo para embargos. Termo a quo. CPC art. 241, II. I. A juntada de procuração e requerimento de vista dos autos por advogado sem poderes especiais para receber citação não constitui, em princípio, comparecimento espontâneo do réu, hábil a suprir a ausência do chamamento (CPC, art. 214, § 1o). II. O prazo para oferecimento de embargos à ação monitoria se inicia, em regra, na data da juntada aos autos do mandado de citação devidamente cumprido. III. Ainda que se considere iniciado o prazo para oferecimento de embargos com a concessão de vista dos autos antes da juntada do mandado de citação, a contagem só pode se dar a partir da real disponibilização dos autos, não do simples requerimento. Recurso a que se dá provimento." (STJ, REsp n. 249.769/AC, rel. Min. Castro Filho, j. 12.03.2002, v.u.)

"Citação. Irregularidade. Insurgência contra decisão que deu por citada a agravante em face da juntada de procuração aos autos. Admissibilidade. Inaplicabilidade do art. 214, § 1o, da Lei de Rito, tendo em vista que no instrumento de mandato não constam poderes expres­sos para receber citação. Direito garantido ao advogado de examinar o processo em cartório ou fora dele, além de requerer vistas dos autos pelo prazo de cinco dias, como procurador, nos termos do inc. XV, do art. 7°, da Lei n. 8.906/94 (Estatuto do Advogado) e art. 40, inc. II, do Código de Processo Civil. Decisão reformada. Recurso provido." (I TACSP, Al n. 981806-8, rel. Juiz Roque Mesquita, j. 06.02.2001, v.u.)

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2 8 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Não obstante a presente posição e as manifestações dos tribunais,37 aconselhamos, na prática forense, muito cuidado com a questão, visto que é freqüente o entendimento em sentido contrário de alguns m a­gistrados de primeira instância, sob a alegação de que a juntada de procuração aos autos configuraria comparecimento espontâneo do réu, nos termos do art. 214 do Código de Processo Civil, portanto, ato que teria o efeito de suprir a citação pessoal. Tal entendimento pode gerar grave prejuízo à defesa do demandado, já que o prazo teria início quando da juntada da procuração e não da posterior citação pessoal.

Formalidades do ato de citação

Em casos excepcionais, descritos no art. 217 do Código de Proces­so Civil, o legislador relacionou circunstâncias provisórias impeditivas da realização do ato de citação do réu, sendo elas:

a) enquanto o demandado estiver participando de culto ou celebra­ção religiosa;

b) do cônjuge ou qualquer parente do morto, em linha reta ou cola­teral em segundo grau (irmão), no dia do falecimento e nos sete dias subseqüentes;

c) dos noivos, nos três primeiros dias de casamento;d) de doentes, enquanto estiverem em grave estado de saúde.

Ressalte-se que, em casos especiais, para evitar o perecimento de direito, o juiz poderá deferir a citação do réu mesmo na ocorrência das circunstâncias anteriormente mencionadas.

37 "Processo civil. Comparecimento espontâneo. Não se assimila ao comparecimento espontâ­neo, a que alude o art. 214, § 1o, do Código de Processo Civil, a petição em que o advogado, sem poderes para receber citação, requer, simplesmente, a juntada de procuração aos autos. Recurso espe­cial conhecido e provido." (STJ, 3âT., REsp n. 193.106-DF, rel. Min. Ari Pargendler, j. 15.10.2001, v.u.)

"Processual civil. Comparecimento espontâneo da ré mediante juntada de procuração de advogado com poderes expressos para receber citação. Citação válida. Contagem do prazo para defesa a partir daquela data. Contestação. Intempestividade. CPC, art. 214, § 1o.I. A juntada de procuração, pela ré, onde consta poder expresso a seu advogado para rece­ber citação, implica comparecimento espontâneo, como previsto no art. 214, § 1o, da Lei Adjetiva Civil, computando-se a partir de então o prazo para o oferecimento da contestação.II. Defesa intempestiva. Desentranhamento. III. Recurso especial conhecido e provido." (STJ,4,i T., REsp n. 173.299/SP, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 29.06.2000, v.u.)

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ATOS PROCESSUAIS 2 8 9

Além disso, é de se observar que a citação se faz por meio de um mandado, ordem esta expedida pelo órgão jurisdicional e que deve conter (art. 225 do CPC): os nomes das partes e endereços; a finalidade da citação, bem como as especificações da petição inicial e advertên­cias; cominação, quando houver (por exemplo, a existência de multa em caso de descumprimento de obrigação); dia e horário de compare­cimento; a cópia do despacho que determinou a citação; advertência do prazo para defesa; a assinatura do escrivão e a declaração de que subscreve o mandado por ordem do juiz.

Não obstante toda a formalidade que recai sobre o ato processual de citação - legitimidade, momento, mandado etc. - prevê o § Io do art. 214 do Código de Processo Civil que o comparecimento espontâ­neo do demandado supre a falta de citação, inclusive, no caso de o réu comparecer em juízo apenas para alegar falta ou nulidade de citação anterior, considerar-se-á citado o réu na data em que for publicada a decisão acerca da argüição de nulidade.

Por exemplo, seria o caso do réu que vem a juízo para alegar que a citação foi realizada em relação à pessoa que não detinha poderes de representação da pessoa jurídica. Nesse caso, havendo o acolhimento da nulidade da citação, o comparecimento espontâneo do demandado supre o vício da citação, não sendo necessária a repetição do ato além disso; a partir da intimação da decisão que declarou o vício de citação, terá início novo prazo para apresentação de defesa.

| Efeitos da citação válida

A citação válida, nos termos do art. 219 do Código de Processo Civil, gera os seguintes efeitos:

a) Torna prevento o juízo. A prevenção constitui o fenômeno processual de fixação da competência em relação aos demais órgãos jurisdicionais- o órgão prevento exclui a competência de qualquer outro. Estando o réu citado, o juízo fixou sua competência em relação aos demais.

b) Litispendência. Uma vez realizada a citação, considera-se penden­te a lide de julgamento, sendo vedada às partes a propositura de outra ação idêntica àquela que se encontra em curso.

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290 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

c) Torna litigiosa a coisa. Isso significa dizer que o bem jurídico está sendo disputado judicialmente, gerando a ineficácia de sua even­tual alienação ou oneração para caracterizar fraude.

d) Interrom pe a prescrição. Paralisa o curso do prazo prescricional, como será objeto de estudo no próximo tópico.

e) Constitui o devedor em mora. Não havendo outra causa de cons­tituição em mora (protesto, ação cautelar preparatória, notificação etc.), a citação tem efeito de oficializar o inadimplemento do réu.

f) Estabilização objetiva da demanda. A citação também gera o efeito de estabilizar a demanda (estabilização objetiva), uma vez que, pelo disposto no artigo 264 do Código de Processo Civil, a citação impede o autor de modificar o pedido e a causa de pedir, salvo com a anuência do réu.

Interrupção da prescrição pela citação

O Código Civil de 2002 conceitua a prescrição como a perda do poder de reclamar contra a violação de um bem jurídico. A regra é no sentido de que o detentor de um direito tem um prazo legal para reclamá-lo em juízo, para exercer a pretensão ao gozo do direito, sob pena de seu perecimento.38

A prescrição representa uma sanção pelo descumprimento do ônus de promover a ação. Ninguém está obrigado a demandar, mas, se não o fizer durante o prazo legal, verá perecido o direito de receber a tutela jurisdicional. Ademais, a parte contrária não poderia ficar pela eternidade vinculada à outra.

O instituto da prescrição, portanto, assunto atrelado ao direito material, fixa o prazo pelo qual o indivíduo pode exercer a pretensão a um direito.39

Assim, o art. 202 ,1 do Código Civil determina que o despacho do juiz que, mesmo considerado incompetente, determinar a citação do réu, tem o efeito de interromper o curso do prazo prescricional. Mas,

38 “Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.“

39 A prescrição em favor das Fazendas Públicas está regulamentada no Decreto n. 20.910/32.

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ATOS PROCESSUAIS 2 9 1

para a interrupção ocorrer, o referido artigo condiciona o cum pri­mento dos prazos e da forma prevista na lei processual. Aqui, portan­to, estamos diante do conflito entre dois dispositivos: o § Io do art. 219 do Código de Processo Civil afirma que a interrupção retroage à data da propositura da ação, já o art. 202 ,1 do Código Civil estabelece que o início da interrupção será do despacho do juiz que ordenar a citação.

A doutrina,40 por uma interpretação sistemática do Código Civil e Código de Processo Civil, tem se manifestado no sentido de que a interrupção da prescrição retroage à data da propositura da ação (com a distribuição), pois é nesse momento que a parte autora exerce efeti­vamente a pretensão e rompe com a inércia geradora da prescrição, prevalecendo a regra do artigo 219, § Io do CPC.

Tal posição se deve ao fato do Código Civil, no próprio art. 202,1, remeter a interrupção da prescrição ao cumprimento da forma e pra­zos previstos na legislação processual, no caso, o art. 219 do Código de Processo.

A esse respeito, o professor Marcus Vinicius Rios Gonçalves ensi­na que:

Pelo sistema do CPC, pois, a prescrição considera-se interrompida na

data da distribuição, mas não é esta que a interrompe, mas sim a citação,

cuja eficácia retroage àquela data.

Ressalte-se que a interrupção da prescrição se efetiva com a citação válida, mas a contagem do prazo retroage à data da propositura (dis­tribuição).

Pedro da Silva Dinamarco comenta que:'11

Note-se que conclusão diversa, no sentido de que a interrupção da

prescrição retroagiria à data do despacho do juiz que ordenar a citação,

poderia conduzir a grave prejuízo ao autor, na medida em que possibili­

40 Flávio Luiz Yarshell, A interrupção da prescrição pela citação: confronto entre o Novo Código Civil e o Código de Processo Civil.

Carlos Roberto Gonçalves. ‘Prescrição: questões relevantes e polêmicas', Novo Código Civil: questões controvertidas, v. I.

41 Código de Processo Civil interpretado, p. 586.

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taria que a prescrição se consumasse entre a data da propositura da

demanda e a data do despacho inicial. Ou seja, possibilitaria que a parte

fosse penalizada pela eventual demora do juiz em proferir o "cite-se", ou

seja, pela falha do próprio mecanismo judiciário, o que é inaceitável (art.

219, § 2o).

Portanto, mesmo que o réu seja citado após a ocorrência da pres­crição, sua contagem retroagirá à data da propositura. É necessário, assim, propor a ação antes do prazo prescricional, pois, mesmo que a prescrição venha a ocorrer antes da citação, a interrupção retroagirá ao momento da distribuição do feito.

Para a interrupção em razão de citação, o parágrafo único do art. 202 do Código Civil estabelece que a prescrição interrom pida recomeça a correr (pelo mesmo prazo e integralmente) do último ato do processo que a interrompeu. A prescrição permanece interrompida durante todo o curso do processo.'12

Caso a prescrição tenha se consumado antes da propositura da ação - e portanto não há que se falar em sua interrupção - o juiz poderá reconhecer tal matéria de ofício, ou seja, mesmo sem a provo­cação da parte ré, já que o § 5o do art. 219 do Código de Processo Civil (introduzido pela Lei n. 11.280/2006), passou a autorizar a iniciativa do juiz para conhecer da prescrição.

| Formas de citação - art. 221 do Código de Processo Civil

a) Pelo correio. A citação pelo correio consiste na remessa do m an­dado ao réu por meio de correspondência com retorno de com­provante de recebimento (aviso de recebimento - AR), para fazer prova nos autos da validade do ato.

Tal forma de citação pode ser realizada para qualquer comarca do País, salvo nas ações de estado, quando for ré pessoa incapaz, pessoa de direito público, nos processos de execução, para as loca­lidades não atendidas pelo serviço de correspondência ou quando o autor requerer outra forma.

42 Súmula n. 150 do STF: "Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação".

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ATOS PROCESSUAIS 2 9 3

Todavia, há que se consignar que a citação por correio deve ser pessoal, ou seja, o aviso de recebimento deve retornar assinado pelo próprio demandado,43 sob pena de invalidade absoluta da citação.

b) Oficial de justiça. Nesta forma de citação, o oficial de justiça do juízo se dirige ao domicílio do réu ou a qualquer lugar em que ele se encontre e realiza o ato de citação, entregando-lhe o mandado e a contrafé (cópia da petição inicial e eventuais aditamentos).

Realizada ou não a citação, o oficial certificará o ocorrido, dan­do fé se o réu recebeu ou se recusou a contrafé.

c) Citação por hora certa. O art. 227 do Código de Processo Civil estabelece que na hipótese de o oficial de justiça comparecer, por três vezes, sem encontrar o devedor e haver suspeita de ocultação, deverá intimar qualquer pessoa da família ou vizinho que voltará no dia seguinte, em horário determinado, para realizar a citação.

Com efeito, no dia seguinte, o oficial retornará ao local para proceder à citação. Não encontrando o réu, o oficial de justiça pro­cederá à citação, entregando o mandado e a contrafé a qualquer pessoa da família ou vizinho.

Essa forma de citação tem por finalidade coibir a má-fé do de­mandado que, utilizando-se da ocultação, pretenda retardar a cita­ção e seus efeitos.

43 "Processual civil e civil. Citação. Via Postal. Pessoa Física. Procedimento. Interpretação do art. 223, parágrafo único, CPC. Entrega pessoal ao citando. Necessidade. Ônus do autor de provar, no caso, a validade da citação. Precedente da turma. Legislação anterior. Irrelevân­cia. Condomínio. Convenção aprovada e não registrada. Obrigatoriedade para as partes sig­natárias. Legitimidade do condomínio. Recurso especial. Prequestionamento. Ausência. Recurso acolhido. I - Na citação de pessoa física por via postal, é indispensável a entrega dire­tamente ao citando, devendo o carteiro colher seu ciente. II - Se o aviso de recebimento da carta citatória for assinado por outra pessoa, que não o próprio citando, e não houver con­testação, o autor tem o ônus de demonstrar que o réu, ainda que não tenha assinado o aviso, teve conhecimento da demanda que lhe foi ajuizada. III - A convenção de condomínio regis­trada, como anota a boa doutrina, tem validade erga omnes, em face da publicidade alcan­çada. Não registrada, mas aprovada, faz ela 'lei entre os condôminos, passando a disciplinar as relações internas do condomínio'. IV - Não se conhece do recurso especial quando a maté­ria, embora invocada pela parte nas instâncias ordinárias, não mereceu apreciação do Tribu­nal. Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, tem-se por prequestionada determinada matéria, a ensejar o acesso à instância especial, quando a mesma é debatida e efetivamente decidida pelas instâncias ordinárias." (STJ, 4a T„ REsp n. 164.661/SP, rel. Min. Sálvio de Figuei­redo Teixeira, j. 03.12.1998, v.u.)

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d) Citação por edital. A citação por edital tem cabimento quando:

• desconhecido ou incerto o réu: hipótese em que é desconheci­da a personalidade certa do réu; nesse caso o autor não sabe quem são os interessados, é ignorada a própria pessoa do réu"14 (por exemplo, na ação de usucapião não se tem conhecimento de todos os réus ou pessoas interessadas no imóvel);

• ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar o réu: nessa hipótese o réu é conhecido, mas não se sabe onde ele está ou o lugar é de difícil acesso. Considera-se inacessível, tam ­bém, o país que se recusar ao cumprimento de carta rogatória;

• nos casos previstos em lei, em procedimentos especiais, a pró­pria lei, prevendo a existência de possíveis interessados incertos (pessoas desconhecidas), determina a realização da citação por edital, como já citamos o caso da usucapião.

A jurisprudência dominante tem firmado entendimento no senti­do de que não basta a simples alegação de desconhecimento do ende­reço do réu para o deferimento da citação por edital.

Essa forma de citação constitui meio excepcional, vez que o Códi­go de Processo Civil dá preferência à citação pessoal e, como sabemos, na citação por edital há apenas presunção de ciência da ação em trâ­mite; trata-se de citação ficta, não havendo certeza de que o réu teve efetiva ciência da ação que lhe foi proposta.

Por essa razão, o entendimento jurisprudencial45 se consolidou no sentido de que o autor deve diligenciar para localizar o endereço do réu, re­

44 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, cit., p. 233.45 "Processo civil. Recurso especial. Ação de execução hipotecária. Citação pessoal ante­

rior à citação por edital. Princípio da ampla defesa. O princípio da ampla defesa assegura que, em ação de execução hipotecária proposta contra devedor que não mais reside no imóvel objeto do contrato, a citação por edital somente tenha cabimento quando frustradas todas as tentativas com o objetivo de citá-lo pessoalmente." (STJ, 3J T„ REsp n. 208.338A50, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 19.06.2001, v.u.)

"Deve ser deferida a expedição de ofícios ao TRE, à Secretaria da Receita Federal e a outros órgãos públicos, para que informem o endereço do citando, se o autor não conseguiu localizá-lo" {RJTJESP n. 124/46, AASP n. 1.387/176).

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ATOS PROCESSUAIS 2 9 5

querendo ao magistrado a expedição de ofícios a órgãos que mantenham banco de dados com possível endereço do demandado (por exemplo, Tri­bunal Regional Eleitoral, Receita Federal, Banco Central, Serasa etc.).

Com relação ao meio de realização, a legislação processual civil, em seu art. 232, § 2o, prevê que o edital será realizado no Diário Ofi­cial, na hipótese de a parte autora ser beneficiária da justiça gratuita, e, caso contrário, em jornal de grande circulação local.

Além da publicação em jornal (ao menos duas publicações em órgão de grande circulação local e uma no Diário Oficial, dentro do período de quinze dias - art. 232, inc. III do CPC), o edital deverá ser afixado na sede do juízo (art. 232, inc. II).

| Dispensa de citação

A Lei n. 11.277/2006, ao acrescentar o art. 285-A no Código de Processo Civil, passou a admitir uma aberração processual: processo sem a citação do réu, ferindo toda teoria clássica de que o processo é uma relação jurídica trilateral e só se forma, integralmente, com a for­mação do contraditório.

Mas, a referida lei possibilita que o juiz, sem citar o réu, profira sentença de improcedência do pedido do autor, quando:

a) a matéria for apenas de direito;b) no juízo houver um precedente acerca da mesma matéria de direi­

to, ou seja, quando no juízo em que tram ita o processo, o magis­trado já tenha proferido sentença de total improcedência em casos idênticos.

Na verdade, o artigo chega ao ponto de afirmar que o juiz poderá reproduzir a sentença anteriormente prolatada, evidentemente, apenas alterando o nome e qualificação das partes.

No entanto, caso o autor (prejudicado pela sentença de im pro­cedência) não se conformar com a referida sentença, poderá interpor recurso de apelação. Interposto o recurso de apelação, o juiz poderá:

a) manter a sentença;b) reconsiderar-se para determinar o prosseguimento do feito.

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2 9 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Em ambos os casos, seja para m anter a sentença e, conseqüente­mente, remeter os autos ao tribunal para julgamento da apelação, ou ainda, para reconsiderar-se determ inar o prosseguimento do feito, daí em diante o juiz deverá determ inar obrigatoriam ente a citação do réu.

m 1 1 . 6 . 3 I n t i m a ç õ e s

A intimação constitui comunicação de ato ou termo do processo a qualquer pessoa (partes ou terceiros) com a finalidade de dar ciência ou determinar a realização de um ato ou abstenção.

Formas de intimação:

a) por correio;b) por oficial ou escrivão;c) pela imprensa oficial;d) por termo em audiência.

O parágrafo único do art. 238 do Código de Processo Civil estabelece que serão presumidas válidas as comunicações e intimações dirigidas ao endereço residencial ou profissional previsto nas petições do advogado. Assim, é ônus das partes e seus procuradores a atualização dos endereços

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ATOS PROCESSUAIS 2 9 7

quando houver modificação, sob pena de ser considerado válido o ato de comunicação remetido para o endereço constante nos autos.

Nas comarcas atendidas pela imprensa oficial, as intimações serão realizadas pelo referido órgão, devendo constar na publicação, sob pena de nulidade, o nome das partes, de seus advogados16 e do teor da ciência.

Não havendo serviço de imprensa oficial, os advogados das partes serão intimados pessoalmente ou por carta registrada com aviso de recebimento, nos termos do art. 237 do Código de Processo Civil.

| Efeitos da intimação

A intimação produz efeito de início do curso do prazo para a prá­tica de ato processual, observando-se:

a) citação ou intimação pelo correio: prazo inicia-se na data de jun ­tada aos autos do aviso de recebimento;

b) citação ou intimação por oficial de justiça: prazo tem início na data da juntada aos autos do mandado devidamente cumprido;

c) quando houver vários réus: o prazo tem início na data da juntada do último aviso de recebimento ou mandado cumprido;

d) carta de ordem, precatória ou rogatória: o prazo terá início após o retorno da carta e conseqüente juntada aos autos principais;

e) citação por edital: no prazo fixado pelo juiz;f ) as decisões proferidas em audiência: o prazo terá início neste ato.

Tratando-se de intimação para cumprimento de ordem judicial, como de uma liminar, o ato tem efeito de obrigar a pessoa intimada ao imediato respeito à ordem judicial (independentemente da juntada aos autos do mandado cumprido).

4G "Intimação. Advogado. Ato que deve ser realizado na pessoa do procurador substa- belecido. Requerimento expresso nesse sentido. Irrelevância se a nota do expediente já tenha sido encaminhada à Imprensa Oficial. Ato considerado nulo se feito na pessoa do causídico anterior" (STJ, 3JT„ REsp n. 490.832, rel. Min. Ari Pargendler, j. 01.04.03, v.u.). (A4SP2404)

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11.7. N u l i d a d e dos A to s Pr o c e s s u a i s

O sistema de invalidades do Código de Processo Civil, conforme ensinam os professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery,'17 não coincide com o sistema do Código Civil. No ordenamento material, os vícios podem gerar nulidades (vício de ordem absoluta e que não admitem convalidação) e anulabilidades (vícios de ordem relativa e que podem ser convalidados).

Os princípios da instrumentalidade das formas e da economia processual admitem, em certos casos, que sejam sanados os vícios pro­cessuais, inclusive aqueles acometidos por nulidades absolutas, razão pela qual é irrelevante a classificação em nulidade ou anulabilidade no âmbito processual civil.

Na maioria dos casos, a norma processual determina uma forma e, imediatamente, determina a solenidade cabível para aquele ato, inclusi­ve impondo a modalidade de sanção para a inobservância da forma.

Todavia, como já ressaltamos, o princípio da instrumentalidade das formas, positivado no art. 244 do Código de Processo Civil, determina que o ato será considerado válido, mesmo quando não observada a solenidade legal, caso tenha alcançado a sua finalidade. Em simples palavras, o Código supracitado prestigiou a finalidade ou o objetivo do ato em detrimento da solenidade.

Além disso, não haverá decretação de nulidade quando não se cons­tatar a existência de prejuízo a alguma das partes ou à prestação da tutela jurisdicional.48

O juiz, ao reconhecer uma nulidade, declarará quais os atos que serão atingidos, determinando as providências para a correção ou exclusão dos atos invalidados. A regra é no sentido de que devem ser aproveitados todos os atos do processo, desde que isso não acarrete prejuízo à parte.

47 Código de Processo Civil comentado, 8. ed, p. 688.48 "Processual civil. Perícia. Nulidade. 1 - Só se decreta nulidade do ato processual quan­

do a sua prática evidenciar prejuízo evidente para uma das partes. 2 - Perícia realizada sem qualquer vício, haja vista intimação regular das partes para acompanhá-la (...)." {STJ, 1a T., REsp n. 463.388, rel. Min. José Delgado, j. 03.12.2002, v.u.)

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A reforma introduzida pela Lei n. 11.276/2006 autoriza que sejam sanadas nulidades até mesmo quando do julgamento de recursos pelo tribunal, evitando, quando possível, a decretação da nulidade de todo o processo.49

ATOS PROCESSUAIS

49 "Art. 515 (...) § 4o Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação."

2 9 9

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A s s i s t ê n c i a s J u r í d i c a

e J u d i c i á r i a G r a t u i t a s

12.1 A G r a t u i d a d e c o m o

A c e s s o À J u r i s d i ç ã o

O acesso à justiça, como tratamos anteriormente, repre­senta direito fundamental previsto na Constituição da Repú­blica, elevado à categoria de alicerce do próprio Estado Demo­crático de Direito.

Assim, com o intuito de evitar que a insuficiência de re­cursos financeiros seja óbice ao acesso à justiça, a própria Constituição prevê a garantia da concessão de Assistência Ju­rídica gratuita àqueles que necessitarem, nestes termos:

Art. 5o (...)

LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e

gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.

Por assistência jurídica entende-se todo auxílio necessá­rio à preservação e orientação de direitos do indivíduo. Na

301

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3 0 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

realidade, a assistência prevista no texto constitucional deve ser inter­pretada da forma mais ampla possível para englobar não só a assistên­cia judiciária - prestada no âmbito da jurisdição - , mas, também, para assegurar a consultoria e o auxílio extrajudicial.1

No entanto, a Constituição não se limitou a conceder o direito fundamental de gratuidade processual como forma de acesso à justiça. O constituinte houve por bem instituir órgãos de defensoria pública, entidades do Estado destinadas ao oferecimento da assistência jurídica (e judiciária) àqueles que não puderem arcar com as despesas advin­das dessa necessidade, nos termos do art. 134 da Carta Maior.2

A Defensoria Pública da União, destinada à atuação no âmbito das lides e matérias relacionadas à jurisdição federal e pessoas jurídicas de direito público de âmbito federal, foi instituída e regulamentada pela Lei Complementar n. 98/99, atuando em todo o território nacional.

Por sua vez, cada estado da Federação detém competência para instituir e organizar suas defensorias públicas. Na maioria dos estados- membros, o serviço de assistência judiciária vem sendo prestado pelas próprias procuradorias dos estados.

Assim, os defensores públicos (ou procuradores dos estados nos locais onde não houver defensoria) poderão atuar na defesa dos direi­tos das pessoas acometidas pela pobreza, gozando de todos os meios legítimos da advocacia para o exercício dessa função.3

Não obstante a existência de defensores públicos, a assistência ju ­diciária gratuita também contempla o benefício da gratuidade na prá­tica dos atos processuais, conforme disposto na Lei n. 1.060/50.1

' Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comenta­do, 3. ed., p. 29.

2 "Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Esta­do, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5o, LXXIV."

3 "Se a Constituição outorga ao defensor público poderes para defender necessitados, implicitamente lhe atribui todos os meios legítimos para tornar efetiva a sua atuação, inclu­sive legitimidade para propor ações, visando à obtenção de documentos com aquele objeti­vo." (STJ, RSTJ n. 43/149)

4 Os benefícios da Lei n. 1.060/50 aplicam-se mesmo que a parte não esteja assistida por defensor público. A parte patrocinada pelo advogado pode requerer a gratuidade pro­cessual.

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ASSISTÊNCIAS JURÍDICA E JUDICIÁRIA GRATUITAS 3 0 3

1 2 . 2 A G r a t u i d a d e P r o c e s s u a l :

“ A s s i s t ê n c i a J u d i c i á r i a G r a t u i t a ”

A atuação do Estado na solução dos conflitos, como regra, não é uma atividade gratuita, pois, durante todo o curso do processo, as partes têm a obrigação de arcar com as despesas processuais, dispêndios econômi­cos necessários à própria propositura da ação, quando do recolhimento das custas iniciais, para a prática de atos processuais - como o pagamen­to dos honorários do perito, as custas de preparo dos recursos, as custas de transporte dos serventuários da justiça (oficial de justiça) etc.

Além disso, há previsão no sentido de que a parte vencida deverá arcar com o reembolso de todas as despesas experimentadas à parte adversa, bem como com o pagamento de honorários advocatícios ao patrono vencedor.

Como se vê, o desenvolvimento de um processo é atividade m ui­to cara.

Por essa razão, para preservar o direito de acesso ao Judiciário - já que as despesas processuais poderiam gerar o desestímulo ou mesmo a impossibilidade da propositura da ação - , é que foi concebida a assis­tência judiciária gratuita, conforme critérios e abrangência estabeleci­dos pela Lei n. 1.060/50.

h 1 2 . 2 . 1 C a b i m e n t o e A b r a n g ê n c i a

d a G r a t u i d a d e P r o c e s s u a l

A primeira questão que surge nesse momento é: quem tem direito à assistência judiciária gratuita?

A Constituição da República garante a assistência jurídica (que engloba a judiciária) a todas as pessoas com insuficiência de recursos. Por sua vez, a Lei n. 1.060/50 - que foi recepcionada pela Carta de 1988- assegurou a gratuidade processual aos indivíduos entendidos como pobres na acepção jurídica do termo.

Para os fins de concessão da gratuidade processual, conforme a previsão da Lei n. 1.060/50, deve-se aferir se a parte requerente tem condições de arcar com as custas e demais despesas do processo sem que sofra comprometimento de seu sustento próprio ou familiar.

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3 0 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Ressalte-se que a acepção jurídica do termo “pobreza” não coinci­de, necessariamente, com a terminologia comum de pessoa pobre. Para a concessão da justiça gratuita, deve-se levar em consideração se a pes­soa tem ou não condições de arcar com as despesas do processo, inde­pendentemente de estar ela empregada ou não, residindo em favelas ou na rua, ter ou não veículo etc.5 A definição de pobreza deverá levar em conta as circunstâncias do processo em que está envolvido o requeren­te da gratuidade.

O utra polêmica que surge a respeito: a pessoa jurídica pode ser beneficiária da justiça gratuita? A nossa resposta é no sentido posi­tivo, já que nem a Constituição da República, tam pouco a Lei n. 1.060/50 excluíram a pessoa jurídica do benefício da gratuidade processual. Na realidade, a regra é a mesma para qualquer pessoa, qual seja o estado de pobreza que impossibilita o pagamento das custas e despesas do processo, entendim ento este já aceito pela ju ris­prudência.6

Por outro lado, resta-nos saber quais as despesas abrangidas pela assistência judiciária gratuita.

Nos termos dos arts. 3o e 9° da Lei n. 1.060/50, a gratuidade pro­cessual atinge todos os atos do processo, desde a propositura da ação até o seu trânsito em julgado, em todas as instâncias de jurisdição, por exemplo, abrangendo todas as custas (iniciais, despesas com locomo­

5 "O simples fato de ser o autor proprietário de um apartamento de cobertura no litoral não constitui motivo bastante para a revogação do benefício. Vencimentos líquidos por ele percebidos que permitem o enquadramento na situação prevista no art. 2o, pará­grafo único, da Lei n. 1.060/50, de n. 05.02.1950" (STJ, 4a T., REsp n. 168.618/SP, rel. Min. Barros Monteiro, j. 09.11.1998, v.u.). No mesmo sentido: JTA 118/406, RJTJESP 101/276 e R J 544/103.

6 "Processo civil. Pessoa jurídica. Assistência judiciária. Cabimento. Orientação atual. Recurso desprovido. Nos termos da jurisprudência atual da Segunda Seção, é possível a con­cessão do benefício da assistência judiciária à pessoa jurídica que demonstre a impossibilida­de de arcar com as despesas do processo." (STJ, 4a T., AGRESP n. 325.583/RS, rel. Min. Sál- vio de Figueiredo Teixeira, j. 20.11.2001, v.u.)

"Administrativo. Assistência judiciária gratuita. Sindicato. Pessoa jurídica. Carência de recursos. Comprovação. Súmula 7/STJ. Dissídio jurisprudencial não demonstrado. 1 - É ad­missível a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita à pessoa jurídica, desde que demonstrada a impossibilidade de suportar os encargos do processo. Precedentes." (STJ, 6a T., REsp n. 414.049/RS, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 22.10.2002, v.u.)

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ASSISTÊNCIAS JURÍDICA E JUDICIÁRIA GRATUITAS 305

ção de serventuários etc.), honorários advocatícios de sucumbência, honorários dos peritos, inclusive para a realização de exame de DNA,7 as publicações de editais em órgão de imprensa oficial etc.

A responsabilidade pelo pagamento das despesas da parte benefi­ciária da justiça gratuita ficará a cargo da parte vencida, que fará o pagamento ao final, ou do próprio Estado, quando a parte vencida for beneficiária da gratuidade processual.

É importante ressaltar que, mesmo sendo beneficiária da assistên­cia judiciária gratuita, a parte sucumbente será condenada ao reembol­so das despesas processuais e honorários advocatícios à parte vencedo­ra, no entanto, a execução dessa condenação ficará suspensa até cessar o estado de pobreza, conforme prevê o art. 12 da Lei n. 1.060/50.8

■ i 1 2 . 2 . 2 R e q u e r i m e n t o e A p r e c i a ç ã o J u d i c i a l

Os benefícios da assistência judiciária gratuita podem ser requeri­dos e concedidos em qualquer momento ou fase do processo, desde que, quando do pedido, esteja presente o estado de pobreza.

Determina o art. 4o da referida Lei que a assistência judiciária será deferida mediante simples afirmação do requerente de que não tem condições financeiras de arcar com as despesas processuais sem prejuí­zo alimentar próprio ou de sua família, declaração esta que pode ser realizada, sem muita formalidade, por instrumento particular (declara­ção da parte) ou por afirmação do advogado na própria petição inicial.

A regra é no sentido de que a mera declaração tem presunção de veracidade do estado de pobreza (art. 4o, § Io da Lei n. 1.060/50). Dessa forma, não é ônus da parte requerente fazer prova do estado de pobre­za, basta, tão-somente, a afirmação para fazer presumir a impossibili­dade de pagamento das despesas processuais.

7 A Lei n.10.317/2001 introduziu o inc. VI ao art. 3o da Lei n. 1.060/50, para determi­nar a gratuidade dos exames de DNA. Na realidade, entendemos que esse novo inciso não acrescentou nada à gratuidade, já que tal benefício sempre existiu. No entanto, teve efeito de compelir os órgãos da administração pública à realização gratuita do referido exame.

8 "Art. 12. A parte beneficiada pela isenção do pagamento das custas ficará obrigada a pagá-las, desde que possa fazê-lo sem prejuízo do sustento próprio ou da família. Se, den­tro de 5 (cinco) anos, a contar da sentença final, o assistido não puder satisfazer tal paga­mento, a obrigação ficará prescrita."

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3 0 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Nesse ponto, poderíamos ter a falsa idéia de que a Constituição da República, no inc. LXXIV do art. 5o, teria imposto ao requerente da jus­tiça gratuita o ônus de provar o seu estado de pobreza, contrariando a presunção contida no § Io do art. 4o da Lei n. 1.060/50.

Na realidade, a Lei n. 1.060/50 foi totalmente recepcionada pela atual Constituição da República, não havendo que se falar em dever do requerente de provar o fato de não ter condições de arcar com as des­pesas do processo.

A afirmação apresentada pelo requerente, seja na petição inicial ou por instrumento próprio, tem o poder de gerar a presunção de veraci­dade do estado de pobreza, cabendo à parte contrária o ônus de im­pugnar e provar a inverdade da declaração. A esse respeito, o Supremo Tribunal Federal já proferiu entendimento no sentido de que não há nenhum a incompatibilidade entre o art. 5o da Constituição da Repú­blica e a Lei n. 1.060/50.9

Por tais razões, entendemos que o magistrado não tem o poder de exigir, como condição para concessão do benefício, que a parte reque­rente prove que é carecedora de recursos financeiros. Não havendo nos autos indícios de que a parte esteja faltando com a verdade, deve pre­valecer a presunção de veracidade da declaração de pobreza.10

9 "Agravo regimental em agravo de instrumento. Assistência judiciária gratuita. Incom­patibilidade entre o texto legal e o preceito constitucional. Simples declaração na petição ini­cial. A declaração de insuficiência de recursos é documento hábil para o deferimento do benefício da assistência judiciária gratuita, mormente quando não impugnada pela parte con­trária, a quem cumpre o ônus da prova capaz de desconstituir o direito postulado. Incompa­tibilidade entre o texto legal e o preceito constitucional. Inexistência. [...]"

Neste ponto é perfeito o parecer da representante do Ministério Público Federal exa­rado às fls. 72/76, demonstrando que não há qualquer incompatibilidade entre o texto legal e o preceito constitucional, verificando-se que num primeiro momento a forma ade­quada para se requerer o benefício da justiça gratuita é por simples declaração na petição inicial, sendo presumidas verdadeiras as questões apontadas. Caso seja necessário, a forma adequada para se contestar o benefício será através da impugnação ao mesmo, quando ambas as partes terão oportunidade para provar o alegado. Desta forma, verifica-se que não há contrariedade entre a norma legal e o disposto constitucional inserto no art. 5o, LXXIV.

10 "Processual civil. Assistência judiciária gratuita. Comprovação da hipossuficiência. Desnecessidade. Lei n. 1.060/50, arts. 4° e 7o. [...] Esta Corte, interpretando tais dispositivos consolidou o entendimento de que a simples afirmação da necessidade da Justiça Gratuita é suficiente para o deferimento do benefício, visto que o mencionado art. 4o foi recepcionado

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ASSISTÊNCIAS JURÍDICA E JUDICIÁRIA GRATUITAS 3 0 7

Ademais, a prova do estado de pobreza pelo próprio requerente é ato praticamente impossível. Como a parte poderia provar ser pessoa pobre? Com a juntada de carteira de trabalho sem registro de emprego? Com a apresentação de extratos bancários? Com declarações de órgãos públicos?

Evidentemente, a prova de fato negativo - não ter condições finan­ceiras - pode ser praticamente impossível, pois não gera qualquer cer­teza dos fatos. Por exemplo, o fato de o requerente não ter registro em carteira não prova que ele não tem renda e que não pode arcar com as despesas do processo, e assim por diante.

Nota-se que a afirmação do requerente tem o poder de gerar a pre­sunção de veracidade, e não a certeza absoluta dos fatos. Assim, caso o contexto dos autos demonstre realidade diversa daquela afirmada pelo requerente, na hipótese de existir indícios em sentido contrário ao es­tado de pobreza, poderá o magistrado negar o benefício, cabendo à parte provar o seu estado de pobreza.

Aqui não se trata de exigir que a parte comprove previamente o estado de pobreza como condição para a apreciação do requerimento, mas verdadeira hipótese de negativa do benefício por constar do pro­cesso elementos que levem o magistrado à certeza de que a parte tem condições de arcar com as custas, elementos estes capazes de infirmar a presunção da declaração (art. 7° da Lei n. 1.060/50).

Finalmente, cumpre esclarecer que os benefícios da assistência judiciária não são concedidos em caráter definitivo - para todo o pro-

pela Constituição Federal" (STJ, 5-* T., REsp n. 200.390/SP, rel. Min. Edson Vidigal, j. 24.10.2000, v.u.); no mesmo sentido: REsp n. 253.528/RJ, REsp n. 121.799/RS.

"Assistência judiciária. Benefício postulado na inicial, que se fez acompanhar por decla­ração firmada pela autora. Inexigibilidade de outras providências. Não revogação do art. 4o da Lei n. 1.060/50 pelo disposto no inc. LXXIV do art. 5o da Constituição. Precedentes. Recur­so conhecido e Provido. I - Em princípio, a simples declaração firmada pela parte que reque­rer o benefício da assistência judiciária gratuita, dizendo-se pobre nos termos da lei, despro­vida de recursos para arcar com as despesas do processo e com o pagamento dos honorários de advogado, é na medida em que dotada de presunção iures tantum de veracidade, sufi­ciente à concessão do benefício legal." (STJ, 4°T„ REsp n. 38124, rel. Min. Sálvio de Figuei­redo Teixeira, j. 29.11.1993, v.u.)

"Agravo de instrumento contra decisão que determinou a comprovação documental para a apreciação do benefício da assistência judiciária gratuita à agravante. Declaração de pobreza suficiente. Dá-se provimento ao recurso para concessão da assistência judiciária." (TJSP, Al n. 248012-5/2, rel. Des. Peiretti de Godoy, j. 19.02.2002, v.u.)

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3 0 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

cesso - , já que o art. 8o da mencionada Lei possibilita a revogação da gratuidade quando ficar demonstrado que a parte não se encontra mais no estado de pobreza.

M 1 2 . 2 . 3 I M P U G N A Ç Ã O E E F E I T O S

Como tratamos anteriormente, a Lei dá à declaração da parte pre­sunção de veracidade da existência do estado de pobreza, restando à parte adversa o ônus de impugnar o benefício concedido, sob pena de preclusão.

O requerimento de revogação ou impugnação dos benefícios da assistência judiciária gratuita deve ser formalizado em petição autô­noma em relação à contestação ou demais espécies de defesas ou m a­nifestações das partes, isso pelo fato de que a impugnação gerará um incidente processual que será autuado em apartado (em apenso ao processo principal).

A parte que apresentar a impugnação terá o ônus de provar que a parte adversa detém condições econômicas para arcar com as despesas do processo, levando ao incidente processual elementos probatórios capazes de infirmar a declaração de pobreza.

Instaurado o incidente, o magistrado dará o direito de contraditó­rio e ampla defesa para ambas as partes, inclusive, concedendo opor­tunidade para ouvida de depoimentos pessoais e de testemunhas, ju n ­tada de documentos ou qualquer outro meio de prova pertinente à demonstração da verdade dos fatos.

Encerrada a instrução do incidente de impugnação, o Juízo pro­ferirá decisão" m antendo ou revogando os benefícios da assistência judiciária gratuita. Na hipótese de acolhimento da impugnação, com

" 0 art. 17 da Lei n. 1.060/50 afirma que caberá apelação da decisão que julgar o incidente de impugnação à justiça gratuita, levando à presunção de tratar-se de uma sen­tença. No entanto, pela finalidade do pronunciamento jurisdicional, o ato se equipara à verdadeira decisão interlocutória, e não à sentença. A sentença, nos termos do art. 162 do CPC, é ato pelo qual o magistrado põe fim ao processo e, neste caso, trata-se de deci­são que aprecia incidente processual, enquadrando-se, perfeitamente, na definição dada pelo CPC às decisões interlocutórias. A importância dessa classificação: sentença ou deci­são interlocutória, dá-se especialmente pela necessidade de escolha do recurso cabível para impugnar o ato. Grande parte da jurisprudência entende ser caso de recurso de ape-

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a conseqüente revogação do benefício, o magistrado deverá impor sobre a parte o pagamento no décuplo das custas judiciais (§§ 1° e 2° do art. 4o da Lei n. 1.060/50),12 como forma de punição pela desleal­dade processual.

ASSISTÊNCIAS JURÍDICA E JUDICIÁRIA GRATUITAS 3 0 9

lação (nesse sentido: REsp n. 256.281 -1/AM, RSTJ 40/563), como determina a Lei. Por outro lado, existe decisão no sentido de que o recurso cabível seria o de agravo, vez que a decisão é típica decisão interlocutória e não sentença (nesse sentido: RSTJ, REsp n. 27.034-4/MG).

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se firmou no sentido de afirmar ser cabível o recurso de apelação.

"Processual Civil. Pedido de assistência judiciária gratuita. Autos apartados. Impug­nação. Indeferimento. Apelação. 1. O recurso cabível contra a decisão que indefere impugnação ao pedido de assistência judiciária gratuita, realizada em autos apartados, é a apelação. Precedentes. 2. Recurso especial provido." (STJ, REsp n. 772.860/RN, rel. Min. Castro Meira, j. 14.03.2006, v.u.)

"Processual Civil. Recurso especial. Omissão no julgado recorrido. Inexistência de impugnação à concessão de assistência judiciária gratuita. Procedência. Agravo de instru­mento. Não reconhecimento. Erro grosseiro. Cabimento de apelação (art. 17 da Lei n. 1.060/50). Inaplicabilidade do princípio da fungibilidade recursal. (...) Esta Corte de Uni­formização Infraconstitucional firmou entendimento no sentido do cabimento do recurso de apelação contra sentença que acolhe impugnação ao deferimento de assistência judi­ciária gratuita, processada em autos apartados aos da ação principal, não se aplicando o princípio da fungibilidade recursal na hipótese de interposição de agravo de instrumento. Isso porque inadmissível referido princípio 'quando não houver dúvida objetiva sobre qual o recurso a ser interposto, quando o dispositivo legal não for ambíguo, quando não hou­ver divergência doutrinária ou jurisprudencial quanto à classificação do ato processual recorrido e a forma de atacá-lo. (Corte Especial, EDcl no AgRg na Rel n. 1.450/PR, rel. Min. Edson Vidigal, DJ 29.08.2005) (cf. AgRg no MS n. 9.232/DF e AgRg na SS n. 416/BA). Incidência do art. 17 da Lei n. 1.060/50. Precedentes (Ag n. 631.148/MG; REsp ns. 256.281/AM, 453.817/SP e 175.549/SP). 3. Recurso conhecido e provido para, anulando o v. acórdão recorrido, não conhecer do agravo de instrumento restabelecendo a r. sen­tença de primeira instância." (STJ, REsp n. 780.637/MG, rel. Min. Jorge Scartezzini, j.08.1 1.2005, por maioria)

12 A interpretação deve ser restrita para que a condenação no pagamento em décuplo seja apenas às custas judiciais, excluindo-se os honorários advocatícios de sucumbência.

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F o r m a ç ã o , S u s p e n s ã o

e E x t i n ç ã o d o P r o c e s s o

1 3 . 1 F O R M A Ç Ã O D O P R O C E S S O

O processo representa o instrumento pelo qual o Estado viabiliza a prestação da tutela jurisdicional na composição de conflitos de interesses subjetivos. No entanto, como sabemos, a jurisdição apenas atua, por meio do processo, após a pro­vocação do interessado ao exercer o seu direito de ação (art. 5o, inc. XXXV, da CF e art. 2o do CPC).

O processo civil sempre terá início por provocação da parte autora, que, por intermédio de uma petição inicial, pro­voca a jurisdição e pleiteia uma resposta do Estado ao confli­to posto em juízo. Não obstante o processo ter início por provocação da parte interessada, o seu desenvolvimento se dá por impulso oficial (art. 262 do CPC).

Dessa forma, podemos considerar proposta a ação com o despacho do magistrado na petição inicial ou, nas comarcas em que houver mais de um juízo competente, considerar-se-á pro­posta a demanda com a simples distribuição (art. 263 do CPC).

13

3 1 1

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3 1 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

No entanto, a mera propositura da ação não eqüivale ao efeito de formação plena do processo. Como sabemos, o processo é uma relação trilateral, formada por autor, juiz e réu. Portanto, a formação plena da relação jurídica processual apenas se completa com a citação válida do réu, até então, há somente um início de processo, no qual a relação ainda é bilateral.

■ i 1 3 . 1 . 1 D i s t r i b u i ç ã o

A petição inicial (tema que será tratado nos próximos capítulos), nas comarcas em que houver mais de um juízo competente, é apresen­tada ao cartório distribuidor para realização do sorteio.

A distribuição (com o sorteio) visa a impedir a remessa interessa­da ao magistrado, evitando que a parte venha a se valer da escolha do juiz que irá processar o feito, com isso garantindo a imparcialidade.

Assim, a regra é no sentido de distribuição livre para qualquer juízo do foro. Evidentemente, podem ser excluídos da distribuição aqueles magistrados que, antecipadamente, tenham declarado impedi­mento ou suspeição (arts. 134 e 135 do CPC).

Todavia, em alguns casos o Código de Processo Civil determina a distribuição por dependência, ou seja, o processo é encaminhado a juí­zo determinado pela existência de algum vínculo existente com o pro­cesso.

São causas para a distribuição por dependência (art. 253 do CPC):

a) quando houver conexão ou continência. Havendo outra ação ajuizada previamente, o processo que for conexo será encaminha­do em favor do juízo prevento, por dependência;

b) quando a parte autora tiver desistido de processo idêntico propos­to anteriormente. Havendo a desistência do processo (com sua conseqüente extinção sem julgamento do mérito), a parte autora poderá promover a ação novamente, no entanto, caso o faça, a nova ação será encaminhada ao mesmo juízo do processo ante­riormente extinto pela desistência. Tal regra visa a impedir que a parte se valha da desistência para ficar escolhendo o magistrado favorito para a ação;

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FORMAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO 3 1 3

c) quando houver ajuizamento de ações idênticas, os processos serão encaminhados ao juízo prevento. Nesse caso, para detectar se uma ação é idêntica a outra, o operador do direito deverá se valer da teoria da tríplice identidade, ou seja, uma ação será idêntica a outra quando houver entre elas coincidência dos elementos da ação (mesmas partes, causa de pedir - próxima e remota - e pedi­do - mediato e imediato).

1 3 . 2 S u s p e n s ã o d o P r o c e s s o

Após a formação e início da relação jurídica processual, como regra, o processo tem sua marcha sempre contínua, com a prática de um ato processual após o outro sem solução de continuidade, prevendo a lei atos subseqüentes até se chegar ao oferecimento de uma tutela jurisdicional.

No entanto, conforme dispõe o art. 265 do Código de Processo Civil, algumas causas podem gerar a suspensão ou paralisação tem po­rária do curso do processo.

Ressalte-se que a suspensão do processo não gera, como regra, qualquer alteração na relação jurídica processual; durante a suspensão nenhum ato processual é praticado, salvo aqueles considerados urgen­tes e necessários para evitar perecimento de direito (art. 266 do CPC).

Com a suspensão do processo, os prazos também permanecem paralisados e a sua fluência será restabelecida após cessada a causa da suspensão - são computados os dias anteriores à data da suspensão.

São casos de suspensão do processo:

Art. 265. Suspende-se o processo:

I - pela morte ou perda da capacidade processual de qualquer das

partes, de seu representante legal ou de seu procurador;

A primeira hipótese de suspensão do processo verifica-se quando do falecimento da parte autora ou ré. Como sabemos, as partes repre­sentam elementos subjetivos indispensáveis para a existência da rela­ção jurídica processual, e a ausência de qualquer uma delas, ocasiona­da pelo falecimento, deve ser sanada por meio da substituição pelo

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3 1 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

espólio correspondente, nos termos do art. 43 do Código de Processo Civil, salvo quando se tratar de direito intransmissível, hipótese em que a ação será extinta por falta de legitimidade.

Da mesma forma, haverá a suspensão do processo quando ocorrer a perda de capacidade processual da parte ou de seu representante legal, circunstâncias em que o processo ficará paralisado até que a capacidade processual da parte seja regularizada.

Exemplo comum de perda de capacidade processual ocorre com a interdição de pessoa durante o curso de processo.

O mesmo ocorre com o falecimento do procurador (advogado) da parte, pois, nos termos do art. 36 do Código de Processo Civil, os liti­gantes serão representados em juízo (capacidade postulatória) por advogado devidamente habilitado, e a falta de advogado impede o curso válido da ação.

Havendo a substituição da parte por seu espólio, ingresso de novo representante legal ou advogado, o substituto recebe o processo na fase e no estado em que se encontrar, não sendo possível a repetição ou nova concessão de prazo acerca dos atos já praticados ou cujo tempo já tenha expirado.

Em síntese, podemos afirmar que:

Morte da parte ou perda da capacidade processual:

Antes da audiência

Iniciada a audiência

Morte do advogado:

O juiz suspenderá o processo assim que tiver

notícia do fatoAdvogado continua até o final da audiência, ea suspensão será iniciadaapós a publicação da sentença ou acórdão

Mesmo após iniciada a audiência de instrução

O juiz suspenderá o processo e concederá à parte o prazo de vinte dias para que constitua novo advogado; caso o autor não indique novo advogado, o processo será extinto sem julgamento do mérito, ou, caso venha o réu a não constituir novo patrono, o processo prosseguirá à sua revelia (art. 265, § 2o, do CPC)

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FORMAÇÃO,SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO 3 1 5

II - pela convenção das partes;

As partes podem convencionar acerca da paralisação do processo. Trata-se de acordo entre as partes, submetido à apreciação e hom olo­gação judicial, para gerar a suspensão do curso do processo pelo prazo máximo de seis meses (art. 265, § 3o, do CPC).

III - quando fo r oposta exceção de incompetência do juízo, da câ­

mara ou do tribunal, bem como de suspeição ou impedimento do

juiz;

As exceções são espécies de defesas contra o juízo, no caso de incompetência relativa, ou contra a própria pessoa do magistrado, na ocorrência das hipóteses de suspeição ou impedimento. Em todos os casos, a manifestação da parte é contra a aptidão do órgão jurisdicio­nal para o processamento do feito.

Nesses casos, o curso do processo é interrompido até que sejam julgados os incidentes de exceção de incompetência, de impedimento ou suspeição, afastando o vício relativo ao fato cie o órgão jurisdicio­nal se encontrar inabilitado, pelo menos enquanto não for julgado o incidente, para prosseguir no processo principal.

Quanto à exceção de incompetência, observa-se que a suspensão ocorre até o julgamento em primeiro grau, não havendo necessidade de se aguardar julgamento de eventual recurso. No entanto, para as demais espécies de exceção, a suspensão durará até que sejam julgadas definitivamente.

IV - quando a sentença de mérito:

a) depender do julgam ento de outra causa, ou da declaração da

existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o ob­

jeto principal de outro processo pendente;

b) não puder ser proferida senão depois de verificado determina­

do fato, ou de produzida certa prova, requisitada a outro juízo;

c) tiver por pressuposto o julgam ento de questão de estado, re­

querido como declaração incidente;

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3 1 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

As hipóteses anteriormente previstas são questões prejudiciais, ou seja, questões incidentes de mérito que antecedem ao julgamento da lide principal, uma vez que terão influência sobre o julgamento.

As prejudiciais poderão ser:

• internas: relativas àquelas questões incidentais que serão julga­das pelo próprio juízo da causa, como a ação declaratória inci- dental e a oposição;

• externas: são aquelas que existem fora do processo e são solu­cionadas por outro juízo (o competente). Podemos citar: pro­cesso criminal versando sobre os fatos, cujo resultado poderá influenciar no processo civil de indenização pelo ato ilícito.

A suspensão do processo, em razão de questão prejudicial, justifi­ca-se como forma de evitar a existência de decisões conflitantes. Como exemplo, podemos pensar em um processo em que se discute a pater­nidade e outro em que o filho pede os alimentos: por óbvio, a senten­ça acerca da paternidade será questão decisiva para a ação de alimen­tos (questão prejudicial).

Em se tratando de suspensão pela existência de questão prejudicial,o processo poderá ficar suspenso pelo prazo máximo de um ano (art. 265, § 5o, do CPC). Findo esse prazo, independentemente de soluciona­da a questão prejudicial, o processo terá o seu curso restabelecido.

V - por motivo de força maior;

A suspensão do processo também poderá ocorrer em decorrência de evento inevitável e imprevisível que torne impossível a prática dos atos processuais pelas partes ou pelo órgão jurisdicional, como o incêndio no fórum, alagamento, guerras etc.

VI - nos demais casos, que este Código regula.

No Código de Processo Civil existem outras causas de suspensão do processo, como:

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FORMAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO 317

a) Intervenção de terceiros. Nas modalidades de intervenção de ter­ceiros por nomeação à autoria (art. 64), na denunciação da lide (art. 72), chamamento ao processo (art. 79) e na oposição (art. 60), haverá a suspensão do processo quando da instauração da intervenção.

b) Incidente de falsidade documental. Após o encerramento da ins­trução processual, a apresentação de incidente gerará a suspensão do processo (art. 394).

c) Embargos à execução. A oposição de embargos à execução poderá ter o efeito de gerar a suspensão do processo de execução até o seu julgamento (art. 791 ,1).

d) Falta de bens na execução. Não havendo bens passíveis de serem penhorados para satisfação do crédito executado, o processo de exe­cução será suspenso até que sejam encontrados bens (art. 791, III).

e) Embargos de terceiro (art. 1.052).

Além das disposições relativas à suspensão previstas no Código de Processo Civil, a paralisação do processo também poderá advir do dis­posto na Lei n. 11.101/2005 (Lei de Falências), já que o art. 6o da referi­da lei determina a suspensão de todas ações e execuções (salvo as exe­cuções fiscais) em trâmite contra o devedor, quando da decretação da falência ou do deferimento da recuperação judicial.

1 3 . 3 E X T I N Ç Ã O D O P R O C E S S O

A relação processual tem seu início com a propositura da ação e o seu término, em primeira instância, com a prolação de uma sentença.

Os arts. 267 e 269 do Código de Processo Civil dão conta dos fun­damentos para o encerramento do processo, hipóteses em que o m a­gistrado extingue a relação processual com ou sem apreciação do mé­rito da demanda.

Assim, podemos dizer que o processo pode ser extinto:'

' A redação dos artigos 267 e 269 foi alterada pela Lei n. 11.232/2005.

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3 1 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

• com julgamento do mérito: o que eqüivale dizer que houve apre­ciação do pedido formulado pelo autor (resolução do mérito ou do conflito). O julgamento do mérito corresponde à manifestação do Estado-juiz sobre qual das partes tem razão no conflito; com o julgamento do mérito, a jurisdição atribui o bem jurídico litigio- so a uma das partes, julgando procedente ou improcedente o pedido formulado pelo autor;

• sem julgamento do mérito: nesse caso não há solução da lide. Em determinadas circunstâncias, o Estado-juiz fica impedido de apreciar o mérito da ação, extinguindo o processo sem se manifestar acerca do pedido formulado pela parte autora. Na extinção sem julgamento do mérito, a jurisdição não atinge a sua finalidade de solução do conflito, apenas confere o encerra­mento formal da relação jurídica processual.

■■ 1 3 . 3 . 1 E x t i n ç ã o d o P r o c e s s o s e m R e s o l u ç ã o

d o M É R I T O

O processo é concebido com a finalidade de dar a resposta do Esta­do sobre a lide apresentada pelas partes. O objetivo da atuação do Esta­do nos conflitos é justamente conferir uma tutela capaz de impor a von­tade da lei em relação a qual das partes tem direito ao bem jurídico postulado.

Contudo, em determinadas situações, essa finalidade do processo é frustrada e o seu fim se dá sem que o Estado imponha a vontade da lei ao conflito.

As hipóteses de extinção do processo, sem apreciação do mérito pelo juiz, que estão previstas no art. 267 do Código de Processo Civil, são as seguintes:

Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:

I - quando o juiz indeferir a petição inicial;

A petição inicial é o instrumento pelo qual o autor exerce o seu direito de ação. É o meio de provocação da jurisdição para a formação do processo, ato da parte autora no qual são denominadas as partes e a pretensão: causa de pedir e o pedido. Por essa razão, a aptidão da

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FORMAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO 3 1 9

petição inicial representa verdadeiro pressuposto processual de exis­tência e desenvolvimento válido do processo. Dada essa importância conferida à petição exordial, o ordenamento processual cuidou de impor inúmeros requisitos em relação a esse ato, requisitos esses rela­cionados à forma e ao conteúdo.

Assim, a inobservância dos requisitos impostos à petição inicial poderá gerar o seu indeferimento, hipótese em que o processo será extinto sem a apreciação do mérito.

Os casos de indeferimento da petição inicial estão previstos no art. 295 do Código de Processo Civil que, em síntese, prevê as seguintes situações:

a) Inépcia. A inépcia é caracterizada pelo vício no pedido2 ou na causa de pedir da ação, ou seja, quando o pedido for inexistente, da causa de pedir não decorrer logicamente o pedido, for o pedi­do juridicamente impossível ou houver cumulação indevida de pedidos.

b) Ilegitimidade de parte. A ilegitimidade de parte representa hipótese de carência de ação, na qual a parte não está vinculada ao direito posto em juízo. Como determina o art. 6o do Código de Processo Ci­vil, os indivíduos apenas são admitidos como partes no processo, seja como autor ou réu, para postularem direitos próprios.

c) Autor carecer de interesse processual. A falta de interesse ocorre quando há ausência de necessidade e adequação do provimento jurisdicional requerido.

d) Juiz verificar decadência ou prescrição. A decadência é a perda do direito material em razão do decurso de determinado prazo, já a prescrição é relativa à perda da capacidade para exercício do direi­to de ação, também em razão do decurso de lapso temporal.

e) Erro na escolha do procedimento. Para que a ação gere uma tute­la adequada ao conflito posto em juízo, deverá o autor utilizar-se do procedimento próprio previsto na lei, sob pena de ter a sua petição inicial indeferida pelo erro na eleição do rito.

2 0 pedido representa a espécie de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e os seus efeitos práticos (pedido imediato e pedido mediato).

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3 2 0 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

f) Quando o autor não cumprir determinação de aditamento da pe­tição inicial (arts. 284 e 39, parágrafo único, do CPC). Alguns de­feitos da petição inicial são passíveis de correção. Assim, nessas hipóteses, o magistrado deverá conceder à parte oportunidade de aditar a sua petição para corrigir o referido vício. No entanto, caso o autor seja instado ao aditamento e, mesmo assim, não proceda ao saneamento do defeito, a petição inicial será indeferida e o pro­cesso será extinto sem o julgamento do mérito.

As hipóteses previstas no art. 295 do Código de Processo Civil, e que tratam dos motivos para o indeferimento da inicial, são meramen­te exemplificativas, pois, em ações não sujeitas ao processo de conhe­cimento, a elaboração da petição inicial deverá observar os requisitos específicos para o procedimento especial escolhido, também sob pena de indeferimento.

A esse respeito Marcus Vinicius Rios Gonçalves ensina3 que o indeferimento da petição inicial, com a conseqüente extinção do pro­cesso, deve ocorrer antes da citação do réu. Todavia, nada impede que após a citação o juiz reconheça causas de indeferimento da inicial, no entanto, a extinção se dará com fundamento na ausência de pressupos­to processual:

II - quando ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligên­

cia das partes;

III - quando, por não promover os atos e diligências que lhe com­

petir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias;

Os incs. II e III do art. 267 tratam das hipóteses de inércia das par­tes em praticar atos que lhes competem no processo; caracterizam situações de abandono da causa que fazem presumir a falta de interes­se na tutela pleiteada.

O processo se inicia pela provocação da parte interessada, mas o seu desenvolvimento não pode ficar à mercê de sua vontade, uma vez

3 Novo curso de direito processual civil, v . 1 , p . 2 7 7 .

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FORMAÇÃO,SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO 3 2 1

que, iniciada a atividade jurisdicional, o Estado e a parte adversa têm interesse no oferecimento da tutela.

Aqui são necessárias algumas distinções:

a) Caso o abandono seja por parte do autor, ocorrendo antes da cita­ção do réu, de ofício, o juiz deverá decretar a extinção do proces­so, evidentemente, após intimar pessoalmente a parte para dar andamento ao feito no prazo de 48 horas.

b) Na hipótese de o réu ter sido citado, e o autor abandonar a causa, a extinção do processo dependerá de seu requerimento, conforme prevê a Súmula n. 240’ do STJ.

c) Após a citação do réu, a inércia das partes em praticar atos p ro ­cessuais poderá gerar conseqüências específicas e relevantes ao julgamento do mérito da causa, razão pela qual, se o réu ou au­tor deixarem de dar andam ento ao processo, tais omissões pode­rão ser consideradas na sentença em favor de uma ou de outra parte.5

Em muitos casos, os atos das partes são considerados como ônus processuais, ou seja, a lei lhe confere uma faculdade na prática do ato, mas, sua inobservância poderá acarretar um prejuízo processual. Assim, não se falará em extinção do processo por inércia, após a cita­ção do réu, toda vez que a omissão contiver uma conseqüência legal para o processo.

IV - quando se verificar a ausência de pressupostos de constitui­

ção e de desenvolvimento válido e regular do processo;

Os pressupostos processuais são:

4 "A extinção do processo, por abandono de causa pelo autor, depende de requerimen­to do réu.”

5 Por exemplo, a ausência da parte na audiência de instrução e julgamento, após inti­mada para tanto, poderá acarretar a confissão. Outro exemplo, verificamos no caso do rito sumário, quando o réu deixa de comparecer à audiência de conciliação. Nesse caso, a lei determina a aplicação da revelia.

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3 2 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

a) Subjetivos. Aqueles relativos aos sujeitos do processo.• Partes. As partes devem ter capacidade processual e estar em juí­

zo regularmente representadas por advogado (capacidade pos- tulatória).

• Órgão jurisdicional. É pressuposto de validade e desenvolvi­mento da relação processual que o órgão jurisdicional seja competente e imparcial (não impedido ou suspeito).

b) Objetivos. São aqueles relativos à regularidade dos atos proces­suais em relação ao rito previsto na lei e à ausência de fatos impe­ditivos do desenvolvimento regular do processo, como a existência de coisa julgada, litispendência e perempção.

Os pressupostos processuais são elementos de ordem pública, que podem ser alegados ou conhecidos pelo juiz de ofício e em qual­quer fase do processo, ensejando a sua extinção, sem o julgamento do mérito.

V - quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendên­

cia ou de coisa julgada;

A perempção, litispendência e coisa julgada são institutos do pro­cesso civil que não se confundem. Vejamos.

A perempção constitui a perda do direito de ação do autor que dá causa, por três vezes, à extinção do processo, sem julgamento do méri­to, em razão do abandono ou inércia previsto no inc. III do art. 267 do Código de Processo Civil.

Como regra, a extinção do processo, sem julgamento do mérito, não impede que o autor promova outra ação idêntica, mas, caso tenha ele dado causa à extinção do processo por três vezes em razão de sua inércia, ocorrerá a perempção e não poderá propor novamente a ação, nos termos do art. 268 do Código de Processo Civil.6

6 "Art. 268. [...]Parágrafo único. Se o autor der causa, por três vezes, à extinção do processo pelo fun­

damento previsto no inc. III do artigo anterior, não poderá intentar nova ação contra o réu com o mesmo objeto, ficando-lhe ressalvada, entretanto, a possibilidade de alegar em defe­sa o seu direito."

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FORMAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO 323

Quanto à litispendência, o próprio termo reflete o seu significado, qual seja, o de uma lide pendente de julgamento pelo Poder Judiciário. Dessa forma, existindo uma ação em curso, é vedada a qualquer uma das partes a propositura de outra ação idêntica, levando-se em consi­deração, para a verificação da identidade entre as ações, os elementos que a compõem: partes, causa de pedir e pedido.

É certo que, após proposta uma determinada ação, não poderá ser repetida uma nova (idêntica); se isso ocorrer, a segunda ação deverá ser extinta sem julgamento do mérito por já haver uma lide pendente de julgamento (continuará em curso aquela que tiver citado o réu em primeiro lugar, conforme previsão do art. 219 do CPC).

A coisa julgada (res judicata) é o efeito de imutabilidade que recai sobre as decisões definitivas de mérito transitadas em julgado (que não comportam mais recursos). Tal efeito impede que seja proposta e apre­ciada nova ação idêntica àquela já julgada. Sobre a lide que se operou a coisa julgada, não se admite nova discussão judicial.

Portanto, sendo proposta ação idêntica àquela acobertada pela autoridade da coisa julgada, a nova ação deverá ser extinta, sem julga­mento do mérito, como forma de evitar qualquer lesão à sentença pro­ferida na ação já decidida definitivamente. Uma vez apreciado o méri­to de uma ação e havendo o trânsito em julgado, não se pode admitir o processamento de uma nova ação idêntica.

VI - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como

a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse pro­

cessual;

Como tratamos anteriorm ente, o direito de ação previsto na Constituição da República, no inc. XXXV, do art. 5o, está subordi­nado à existência de determinados elementos ou condições, que são eles:

a) Possibilidade jurídica do pedido. A possibilidade jurídica do pedi­do representa a formulação pelo autor de pedido que, em abstra­to, seja possível de ser conferido pelo Poder Judiciário. Tal condi­ção não está, necessariamente, vinculada ao direito do autor, não

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3 2 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

se cogita se ele tem ou não razão na tutela pretendida, somente é indagado se o pedido poderá ser concedido pelo juízo.

Como vimos, a impossibilidade jurídica do pedido também enseja a extinção do processo por inépcia da petição inicial, nos termos do art. 295 do Código de Processo Civil.

b) Legitimidade das partes. A legitimidade de ser parte é o vínculo existente entre o litigante igualar e o direito material pleiteado. Como regra, as partes apenas podem postular em nome próprio direito que lhes pertença, conforme prevê o art. 6o do Código de Processo Civil.

c) Interesse processual (ou de agir). É a necessidade e utilidade do provimento jurisdicional, ou seja, para estar em juízo a parte deve possuir necessidade do que pede, e mais, o que pleiteia deve ser útil para resolver o conflito de interesse.

Ninguém pode ir ao Poder Judiciário sem que tenha necessida­de do que pede, ou para pedir provimento inútil.

Assim, faltando qualquer uma das condições da ação - que devem ser implementadas no momento da sua propositura - , o processo deverá ser extinto, sem julgamento do mérito, uma vez que o autor não preenche os requisitos mínimos para o exercício do direito de movimentar o Poder Judiciário.

É importante mencionar, também, que, em alguns casos, as condições da ação se confundem com o mérito da própria deman­da, situações estas em que o magistrado não extinguirá o processo sem julgamento do mérito.

Como exemplo, podemos citar a ação de investigação de pater­nidade proposta contra pessoa que, após a instrução probatória, obteve confirmação de que não era o pai do autor. Assim, por ób­vio, temos um caso de ilegitimidade de parte (já que o réu não é pai e não é parte legítima). No entanto, neste caso, a ilegitimidade se confunde com o próprio mérito da ação, não caracterizando causa de extinção sem julgamento do mérito, mas razão para se conhecer do mérito e negar-se a paternidade.

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FORMAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO 3 2 5

VII - pela convenção de arbitragem;

Em se tratando de conflitos de natureza patrimonial e privada, as partes podem afastar a atuação do Poder Judiciário em eventual litígio pela atividade de um árbitro.

Assim, se as partes firmaram cláusula compromissória de arbitra­gem, não poderão elas reclamar diante do Poder Judiciário a prestação de uma tutela jurisdicional para o conflito. A arbitragem impede que o Judiciário aprecie o mérito da lide sujeita ao árbitro, sendo caso de extinção do processo da ação proposta nesta situação.

VIII - quando o autor desistir da ação;

O autor tem a faculdade de abrir mão da ação que propôs, não im­pedindo essa desistência que ele proponha outra (idêntica) no futuro.

Até a apresentação da contestação pelo réu, o autor poderá desis­tir da ação sem qualquer restrição, bastando a formalização desse pedi­do e a homologação judicial. Todavia, esgotado o prazo da contestação, o autor dependerá da anuência do réu para desistir da ação, isto por­que o réu poderá ter interesse na obtenção do provimento jurisdicio­nal negativo contra a pretensão do autor (ou reconvenção e ação decla­ratória incidental).

IX - quando a ação fo r considerada intransmissível por disposição

legal;

A morte de uma das partes, como vimos, gera o dever de substi­tuí-la por seu espólio. No entanto, tal substituição apenas se revela possível quando o direito material litigioso for considerado transmis­sível aos seus herdeiros.

A transmissibilidade ou não do direito é regulada pelo direito material, no caso pelo direito civil e não pelas regras de processo, pois há dependência direta da análise da natureza do direito em questão.

Assim, podemos concluir que, em caso de morte do titular do di­reito intransmissível, não poderão seus herdeiros assumir o direito do de cujus por ser este personalíssimo (como exemplo, citamos as ações de

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3 2 6 M A N U A L D E D I R E I T O P R O C E S S U A L C I V I L - D A R L A N B A R R O S O

separação, divórcio e anulação de casamento), razão pela qual a ação será extinta sem o julgamento do mérito.7

X - quando ocorrer confusão entre autor e réu;

A relação jurídica processual, como regra, pressupõe a existência de autor e réu para haver litígio e contraditório. Assim, quando autor e réu passam a ser a mesma pessoa, notando-se a confusão entre eles, desaparece o interesse no provimento pleiteado.

É o caso, por exemplo, do filho único que propõe ação contra seu pai pedindo determinada condenação. No curso da ação, o réu (pai) vem a falecer, tendo o filho que assumir o pólo passivo da ação. Evi­dentemente, autor e réu se tornaram a mesma pessoa na relação jurí­dica processual, o que seria absurdo tolerar.

Efeitos da extinção do processo sem resolução do mérito

O efeito mais relevante da extinção do processo sem o julgamento do mérito é que não induz à coisa julgada material, razão pela qual, como regra, a sentença de extinção do processo não impede que a parte promova ou repita nova ação idêntica, cujo processamento fica­rá condicionado à prova de que a parte arcou com as custas e honorá­rios advocatícios da ação anteriormente extinta (art. 268 do CPC).

Tal regra, no entanto, não se aplica aos casos de extinção do pro­cesso sem julgamento do mérito com fundamento no inc. V do art. 267 do Código de Processo Civil, o qual prevê o encerramento do proces­so em caso de litispendência, coisa julgada ou perempção.

Além disso, a parte que deu causa à extinção do processo sem o julgamento do mérito não terá o direito de ser reembolsada pelas cus­tas que adiantou, bem como será condenada ao pagamento de hono­rários advocatícios ao patrono da outra parte. Caso o réu ainda não tenha integrado à lide ou apresentado contestação, o autor deverá ser dispensado do pagamento dos honorários.

7 Caso a ação tenha parte do pedido direito intransmissível e outra parte transmissível, a ação continuará em relação à parte transmissível.

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FORMAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO 3 2 7

Iniciativa e momento processual da extinção

As matérias previstas nos incisos IV, V e VI do art. 267 do Código citado são de ordem pública, interessando não só às partes, mas, tam ­bém, à atividade do Estado, pois são relativas às condições da ação e pressupostos processuais. Portanto, nesses casos, o magistrado poderá, em qualquer grau de jurisdição ou fase processual e mesmo sem pro­vocação da parte interessada, apreciar a causa de extinção do processo (art. 267, § 3o, do CPC).

Além disso, é importante consignar que, por se tratar de questão de ordem pública, as hipóteses anteriormente mencionadas não estão sujeitas a qualquer forma de preclusão.

Nas demais hipóteses do art. 267 do Código de Processo Civil, o conhecimento da causa extintiva da relação apenas será apreciado quando houver provocação da parte interessada. Em relação ao m o­mento, aplica-se o entendimento segundo o qual se admite a alegação em qualquer fase ou momento processual. Todavia, caso o réu não a faça na primeira oportunidade que tiver, responderá ele pelas despesas do retardamento (art. 267, § 3o, do CPC).

■ i 1 3 . 3 . 2 E x t i n ç ã o d o p r o c e s s o c o m r e s o l u ç ã o

DO M É R I T O

Ao propor uma ação, o autor tem por objetivo o julgamento de uma lide ou mérito (um conflito de interesses); pretende ele que lhe seja atribuído, por meio de uma sentença de procedência, o bem jurí­dico objeto do conflito.

Assim, há extinção do processo, com julgamento do mérito, como regra, quando o juízo profere uma sentença apreciando qual das par­tes tem direito sobre o bem jurídico em questão.

A esse respeito, o art. 269 do Código de Processo Civil, determina:

Art. 269. Haverá resolução de mérito:

I - quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor;

É a forma de extinção do processo pela qual o juiz acolhe ou nega o pedido formulado pelo autor da ação; nessa hipótese, a extinção ocorre com declaração de quem tem razão no conflito de interesse.

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3 2 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

II - quando o réu reconhecer a procedência do pedido;

Nesse caso, ao invés de se opor à pretensão do autor, o réu mani­festa-se favorável ao pedido formulado na petição inicial. Concordan­do o réu com o pedido do autor, não há motivo para o prosseguimen­to da ação, sendo ela extinta, com julgamento do mérito, acolhendo-se a pretensão inicial.

A presente hipótese não se confunde com o instituto da revelia (falta de contestação) ou da confissão, pois em ambos os institutos a inércia ou a manifestação da parte apenas têm o poder de gerar a pre­sunção de veracidade dos fatos alegados pela parte adversa. Quando o réu deixa de contestar a ação, essa inércia não conduz automatica­mente à procedência do pedido do autor, sendo certo que o juiz po­derá negar a pretensão da inicial ao aplicar o direito. Por sua vez, o reconhecimento pelo réu da procedência do pedido é a própria ade­são do demandado à vontade do autor, fazendo com que o pedido seja procedente.

III - quando as partes transigirem;

A hipótese versa sobre a conciliação, ou seja, o acordo celebrado pelas partes durante o curso do processo, constituindo forma de com­posição amigável do litígio.

Dessa forma, havendo acordo entre as partes, o juiz não proferirá uma sentença de procedência ou de Improcedência, mas sim homolo- gatória da vontade externada pelos litigantes, ora conciliados. A hom o­logação é o ato pelo qual o magistrado limita-se a apreciar a existência das condições do ato jurídico (capacidade para a prática do ato, objeto lícito e forma prescrita na lei) para ratificar a vontade das partes.

Repita-se que na homologação de acordos judiciais o magistrado não aprecia a “justiça” da vontade das partes, somente se limita a veri­ficar as condições do ato jurídico civil.

De fato, não há julgamento do mérito da ação pelo magistrado - o juiz apenas homologa a vontade das partes. Mas, em tal caso, com­preende-se a inserção da homologação de acordo, nas hipóteses do art. 269 do Código de Processo Civil (com julgamento do mérito), a fim de

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FORMAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO 329

se fazer recairem sobre a sentença homologatória os efeitos da coisa julgada material, o que evita a propositura de nova demanda para dis­cussão de questão idêntica.

IV - quando o juiz pronunciar a decadência ou prescrição;

Ao conhecer da prescrição e decadência, temas tratados anterior­mente, o juízo extingue o processo com o julgamento do mérito da ação (art. 269, IV, do CPC) a fim de evitar que a parte autora possa propor novamente outra ação idêntica.

O reconhecimento da decadência não depende de provocação das partes, no entanto, a prescrição deve ser invocada pela parte que a be­neficia, não podendo o juiz conhecê-la de ofício (art. 193 do Código Civil/2002).

V - quando o autor renunciar ao direito sobre o qual se funda a

ação.

A presente hipótese não se confunde com a desistência da ação (art. 267, inc. VIII, do CPC), já que, com a renúncia, o autor abre mão do direito material de que é titular, ou seja, o autor rejeita o seu direi­to pondo fim à lide. Na desistência há mera disponibilidade do direito de ação, e não do direito material discutido na lide.

Além disso, ao contrário do que ocorre com a desistência, a renún­cia do direito impede a propositura de nova ação, bem como não de­pende (seja qual for o momento processual) de qualquer anuência da parte adversa.

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P r o c e d i m e n t o s d o

P r o c e s s o d e

C o n h e c i m e n t o 14

14.1 D E F I N I Ç Ã O

Como tratamos anteriormente, o processo é uma relação jurídica que se desenvolve entre autor, juiz e réu, formada por uma série de atos processuais de seus sujeitos, atos estes que são dispostos em uma forma lógica e tendente ao oferecimento de uma tutela específica para a solução do conflito apresentado.

Assim, não há que se confundir a terminologia “proces­so” com “procedimento”.

Enquanto o processo representa a própria relação jurídi­ca processual, o procedimento (ou rito) é o modo como se determina a prática dos atos processuais, ou seja, é o proce­dimento responsável pela determinação da seqüência dos atos, o momento oportuno, os sujeitos titulares para a prática, os efeitos etc.

A esse respeito, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelle- grini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco ensinam que:1

' Teoria geral do processo, p . 2 7 8 e 3 2 1 .

331

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3 3 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

A noção de procedimento é puramente formal, não passando da

coordenação de atos que se sucedem. Conclui-se, portanto, que o proce­

dimento (aspecto formal do processo) é o meio pelo qual a lei estampa

os atos e fórmulas da ordem legal do processo.

Mais adiante, continuam os professores:

A soma dos atos do processo, vistos pelo aspecto de sua interligação

e combinação e de sua unidade teleológica, é o procedimento. Dentro

deste, cada ato tem o seu momento oportuno e os posteriores dependem

dos anteriores para a sua validade, tudo porque o objetivo com que todos

são preparados é um só: preparar o provimento final.

A escolha do procedimento dependerá, principalmente, da nature­za da causa posta em juízo, contribuindo para essa definição a espécie de pretensão perseguida pelo autor, a natureza do direito material e o valor da causa, tudo isso vislumbrando a adequada prestação da tute­la jurisdicional.

A existência de diversos ritos apenas se justifica para que o Estado atue de forma eficaz na prestação jurisdicional e possa conferir uma tu ­tela adequada (rápida e célere) para a solução do conflito apresentado.

Dessa forma, o atual ordenamento processual prevê para o proces­so de conhecimento as seguintes espécies de ritos ou procedimentos:

a) procedimento ordinário;b) procedimento sumário;c) procedimentos especiais.

Alguns doutrinadores têm aplicado a terminologia rito sumaríssi- mo à atividade jurisdicional dos juizados especiais, terminologia esta que acreditamos não ser a correta. Não obstante a celeridade e con­centração dos atos processuais - que podem presumir um procedi­mento sumaríssimo - , que os juizados especiais, nos termos das Leis ns. 9.099/95 (juizados no âmbito das Justiças dos Estados) e 10.259/2001 (que trata dos Juizados Especiais Federais), realizam pro­cessos de conhecimento ou executório, com procedimentos próprios

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PROCEDIMENTOS DO PROCESSO DE CONHECIMENTO 3 3 3

para cada um deles, sem justificativa legal para se denominar procedi­mento sumaríssimo.

14.2 Pr o c e d i m e n t o Or d i n á r i o

O procedimento ordinário é o denominado rito comum do pro­cesso de conhecimento. Na realidade, o procedimento ordinário pode ser considerado o rito geral pelo fato de ser aplicável a todas as causas, salvo quando se tratar de rito sumário ou especial.

Além disso, o rito ordinário é disciplinado de forma completa e exaustiva pelo Código de Processo Civil, característica que permite afirmar, como preferia o mestre Pontes de Miranda, serem as normas do procedimento ordinário “enchedoras das lacunas da lei no trato de outros processos”, ou seja, surgindo omissões ou lacunas nos demais procedimentos (sumário ou especial) ou mesmo em outras espécies de processo (execução e cautelar), aplicam-se subsidiariamente as regras concernentes ao rito comum ordinário.2

mm 1 4 . 2 . 1 F a s e s d o p r o c e d i m e n t o C o m u m

O procedimento ordinário é marcado pela sua extensão e pela comple­xidade dos atos processuais, que, em síntese, se dividem nas seguintes fases:

a) Fase postulatória. A fase postulatória representa o início do pro­cesso de conhecimento, cujo ato inaugural é a petição inicial do autor, instrumento pelo qual são manifestados o direito de ação e seus elementos essenciais (partes, pedido e causa de pedir). Por sua vez, a petição inicial é submetida a um juízo de admissibilidade, no qual o magistrado verificará se estão preenchidos os requisitos legais de aptidão dessa petição, bem como as condições da ação e demais pressupostos processuais. Assim, sendo positivo o juízo de admissibilidade da inicial ou corrigido eventual vício, o juiz deter­

2 Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, v. III, 1974, p. 466, apud Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, v. 1, p. 292.

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3 3 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

minará a citação do réu para integrar a relação processual. Por fim, nessa fase, é dada a oportunidade para o réu apresentar a sua res­posta à ação (contestação, reconvenção, exceções e impugnações).

b) Fase saneadora. Encerrada a fase postulatória, com a apresentação da resposta do demandado, o juiz dará oportunidade ao autor para manifestação acerca dessa resposta, bem como verificará a regularidade formal do processo, determinando o saneamento de eventuais vícios ou mesmo decretando a extinção sumária do pro­cesso por estar presente qualquer hipótese do art. 267 do Código de Processo Civil.

Apurada a regularidade formal, tratando-se de direito disponí­vel, o magistrado designará audiência para tentativa de conciliação das partes, que, se obtida, será tomada por termo e homologada por sentença, gerando a extinção do processo com julgamento do mérito (art. 269, inc. III, do CPC). Todavia, não sendo caso de au­diência de conciliação, ou restando esta infrutífera, o juiz dará prosseguimento ao feito, proferindo o despacho saneador (que na realidade é uma decisão interlocutória).

c) Fase instrutória. Como regra, é a fase destinada à colheita de pro­vas. É o momento processual em que são realizadas a prova técnica (pericial) e as provas orais em audiência de instrução (como a ouvi­da dos depoimentos pessoais das partes, das testemunhas, dos escla­recimentos dos expertos, acareações etc.). Nota-se que, do sanea­mento, o juiz poderá passar de imediato para a fase decisória - tal supressão ocorrerá quando não houver a necessidade de dilação probatória ou quando o juiz verificar a existência de causa para a ex­tinção do processo sem o julgamento do mérito (art. 267 do CPC).

d) Fase decisória. Finda a instrução processual (ou não sendo dis­pensada), o juiz proferirá a sentença.

e) Fase recursal. Dos atos dos magistrados, no exercício de uma ga­rantia constitucional, e quando sucumbentes e inconformadas com a decisão proferida no processo, as partes poderão interpor recur­

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PROCEDIMENTOS DO PROCESSO DE CONHECIMENTO 3 3 5

sos próprios para a impugnação de cada ato jurisdicional, cada qual em um momento do processo. Quando a sentença (ou acór­dão) não comportar mais recurso, isso pelo esgotamento das espé­cies recursais ou pelo fim do prazo para a interposição do recurso, ocorrerá o trânsito em julgado.

f) Fase executória (ou de cumprimento da sentença). Havendo uma sentença (ou acórdão) que importe em condenação de alguma das partes, esse provimento será executado, ou seja, o juiz deverá dar seguimento ao processo para o cumprimento da sentença. Pelo sistema anterior aquele introduzido pela Lei n. 11.232/05, a exe­cução representada um verdadeiro processo. O juiz proferia a sen­tença e, após o trânsito em julgado, a parte credora daria início ao processo de execução. Com a reforma, como regra, a execução dos títulos judiciais perdeu autonomia processual, passando a ser con­siderada como mera fase do processo de conhecimento.

Em síntese, podemos esquematizar o procedimento ordinário daseguinte forma:

Fasepostulatória

Fasesaneadora

Faseinstrutória

Fasedeàscria

Faserecursal

Lide (conflito)

Tutela e satisfação

(bem da vida)

Petição Citação Resposta inicial do réu do réu

Saneamento: manifestação do autor

acerca da resposta do réu, julgam ento conlorm e

estado do processo, audiência de conciliação

e despacho saneador

Colheita de provas: perícia e

audiência de instrução e

julgam ento para real i/ação de provas orais

SentençaTUTELA

Recursos

Kxigível o títu lo judicial, o credor

dará início à fase do cum prim ento da

sentença

14.3 Pr o c e d i m e n t o S u m á r i o

1 4 . 3 . 1 D e f i n i ç ã o e C a r a c t e r í s t i c a s d o R i t o

S u m á r i o

O rito sumário sofreu grande alteração com o advento da Lei n. 9.245/95. Até então chamado de procedimento sumaríssimo, teve o seu

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3 3 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

âmbito de cabimento reduzido e modificada a sistemática na prática dos atos processuais para permitir maior celeridade na prestação da tutela.

Trata-se de espécie de rito do processo de conhecimento pelo qual, nas causas de seu cabimento, busca-se o oferecimento da tutela jurisdicional de forma mais célere, com a predominância de um pro­cedimento enxuto e com marcante concentração de atos processuais. Nota-se no rito sumário que o legislador preferiu concentrar inúme­ros atos processuais em um mesmo momento do processo para asse­gurar economia processual e rapidez no oferecimento da tutela juris­dicional.3

Além disso, o legislador houve por bem reduzir a possibilidade de incidentes processuais, como a maioria das modalidades de inter­venção de terceiros e respostas do réu, que quase sempre contribuem, no rito ordinário, para o alongamento e a demora do processo, bem como limitou a realização da prova pericial em função da complexida­de demandada.

M 1 4 . 3 . 2 H I P Ó T E S E S D E C A B I M E N T O

O cabimento do rito sumário foi fixado no art. 275 do Código de Processo Civil por meio dos seguintes critérios:

a) valor da causa;b) natureza da ação (independentemente do valor da causa).

Cabimento do rito sumário em razão do valor da causa

No art. 258 do Código de Processo Civil, encontra-se estampada a regra segundo a qual toda causa deverá conter um valor determinado, mesmo que a ação não tenha natureza econômica direta. Dessa forma,

3 Para Cândido Rangel Dinamarco (Instituições de direito processual civil, v. III, p. 341), quanto ao procedimento sumário: "O que o caracteriza é a cognição limitada que nele tem lugar (conhecimento incompleto no plano horizontal) e que se manifesta mediante a concen­tração de atos procedimentais, redução das possíveis respostas do réu e alguma restrição à admissibilidade da prova (infra, n. 1.243). 0 objetivo do Código, ao instituir o procedimento então denominado sumaríssimo e agora sumário (Lei n. 8.952, de 13.12.1994), foi imprimir maior celeridade ao procedimento em relação a certas causas".

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PROCEDIMENTOS DO PROCESSO DE CONHECIMENTO 3 3 7

considerando a vantagem econômica pretendida na ação, o autor lan­çará em sua petição inicial um valor para a causa.

Por sua vez, o art. 275, inc. I, do Código citado determina ser cabí­vel o procedimento do rito sumário às causas não excedentes ao valor de sessenta salários mínimos vigentes no país na data da propositura da demanda.'1

Ressalte-se que o valor do salário m ínimo é verificado quando da propositura da ação, e eventuais alterações não terão o poder de modificar o rito. Todavia, caso haja acolhimento de eventual im pug­nação do valor da causa formulada pela parte contrária e, conse­qüentemente, a modificação do valor exceder ao limite estabelecido acima, o rito sumário será convertido pelo juiz para o rito ordiná­rio.5

| Cabimento em razão da matéria

Não obstante o cabimento do rito sumário para as causas não ex­cedentes a sessenta salários mínimos, o inc. II do art. 275 do Código de Processo Civil prevê determinadas matérias sujeitas ao referido rito, independentemente do valor dado à causa. Aplica-se, também, o pro­cedimento sumário às causas relativas a:

a) arrendamento rural6 ou parceria agrícola;b) cobrança ao condômino de qualquer valor devido ao condomínio;c) ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico (rural),

abrangendo as ações de responsabilidade civil pelos danos causa­dos em imóveis rurais ou urbanos;

d) ressarcimento por danos causados em acidente de veículos;

4 O art. 275 foi alterado pela Lei n. 10.444/2002, que aumentou o valor de vinte para sessenta salários mínimos.

5 "Indenização. Dano moral. Impugnação ao valor da causa. Procedência. Elevação para valor superior a vinte vezes o maior salário mínimo vigente no País. Necessidade de se deter­minar a conversão do rito sumário em ordinário. Recurso provido para esse fim." (TJSP, Al n. 155.856-4, rel. Des. Carlos Roberto Gonçalves, j. 13.06.2000, v.u.)

6 Decreto n. 59.566/66.

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3 3 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

e) cobrança de seguro relacionada com acidente de veículos;f) cobrança de honorários de profissionais liberais, como de advoga­

dos, médicos, dentistas etc.;g) outros casos previstos na lei. Podemos citar: as ações de acidente

do trabalho, as ações entre o representante comercial e o represen­tado (Lei n. 6.197/74, art. 10), ações para retificação de registrospúblicos (Lei n. 6.015/73, art. 4o), as ações revisionais de aluguéis (Lei n. 8.245/91, art. 68).

Importante consignar que a previsão de cabimento do rito sumá­rio para as ações de cobranças, previstas nas alíneas do inc. II do art. 275 do Código de Processo Civil, não substitui ou exclui a possibilida­de da propositura de ação de execução quando o credor for detentor de título executivo, ou seja, o procedimento sumário apenas será utili­zado nas hipóteses de cobrança quando não for possível a propositura de execução.

Seria o caso, por exemplo, do advogado que possui contrato escri­to com o seu constituinte (cliente), contrato este revestido das forma­lidades necessárias à caracterização de um título executivo. Nessa hi­pótese, o credor (advogado) não terá interesse na propositura de uma ação de conhecimento pelo rito sumário, pois já é detentor de um títu­lo executivo, e poderá promover de imediato a competente ação exe­cutória.

Além disso, o rito sumário não é aplicável, ainda que nas causas cujo valor não exceda a sessenta salários mínimos, quando a ação ver­sar sobre estado ou capacidade das pessoas (art. 275, parágrafo único, do CPC) - são as ações concernentes ao casamento (anulação, divór­cio, separação e de requerimento judicial de supressão da vontade dos pais), filiação (ações de investigação de paternidade ou negativas), pá­trio poder (adoção, destituição do pátrio poder).

As hipóteses previstas no artigo citado são absolutamente exausti­vas, não admitindo, salvo por expressa determinação legal, a utilização do procedimento sumário nos casos ali não arrolados. Por essa razão, adota-se um sistema de exclusão, pelo qual as causas não sujeitas ao rito sumário ou especial terão seu curso determinado pelo rito ordiná­rio comum.

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PROCEDIMENTOS DO PROCESSO DE CONHECIMENTO 3 3 9

Em relação à escolha do rito sumário ou ordinário, nesse ponto do estudo, pode surgir a seguinte dúvida: o autor tem a faculdade de optar pelo rito sumário ou ordinário? Há possibilidade de a parte dispor acerca do procedimento?

A esse respeito, Humberto Theodoro Júnior7 expressa manifestação contrária à disponibilidade da escolha do rito ordinário ao invés do rito sumário, por entender que a forma de prestação da tutela jurisdicional- o procedimento - não é posta em razão do interesse das partes, mas é questão de ordem pública, de relevância para a própria justiça.

No entanto, não compactuamos integralmente com essa afirma­ção do respeitável mestre.

Em primeiro lugar, entendemos que o rito sumário pode ser subs­tituído pelo rito ordinário sempre quando aquele puder gerar prejuí­zo ao exercício do direito de ampla defesa de ambas as partes. Como sabemos, o rito sumário é caracterizado pela concentração de atos pro­cessuais, fator este responsável pela diminuição da oportunidade de defesa e prova no processo.

A jurisprudência tem firmado entendimento no sentido de que a escolha do rito errado - ordinário em vez de sumário - não induz vício do processo quando não causar prejuízo à defesa do demandado.

No mesmo sentido, existem decisões que afirmam ser possível a manutenção do rito errado - sem a decretação de nulidade dos atos processuais, desde que não exista prejuízo para a parte adversa.8

7 Curso de direito processual civil, cit., p. 301.8 "Recurso especial. Processo civil. Dissídio jurisprudencial. Comprovação. Modo de pro­

cessamento. Adoção do ritmo sumário no lugar do ordinário. Tentativa de conciliação. Ausência. Inocorrência de prejuízo às partes. Nulidade do processo inexistente (...). II - No moderno direi­to processual pátrio, a teoria das nulidades orienta-se pelo princípio da instrumentalidade das formas, não se decretando a nulidade sem que tenha havido prejuízo para a parte, pelo que se justifica a declaração de nulidade do processo em razão da adoção do rito sumário em lugar do ordinário nas hipóteses em que não se demonstrou a existência de qualquer prejuízo às partes e em que houve a dilação da instrução probatória de modo a propiciar a ampla defesa." (STJ, 3a T„ REsp n. 268.696/MT, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 03.04.2001, v.u.)

"Processual civil. Cobrança de despesas de condomínio. Art. 275, II, b do CPC. Procedi­mento monitório ou sumário. Faculdade do credor. II - A ação monitoria tem a natureza de processo cognitivo sumário e a finalidade de agilizar a prestação jurisdicional, sendo faculta­da a sua utilização, em nosso sistema, ao credor que possuir prova escrita do débito, sem

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3 4 0 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

De fato, parece-nos que a atividade jurisdicional e seus instrumen­tos - processo e procedimento - são questões de natureza pública, não estando à disposição das partes. Mas devemos compatibilizar este pre­ceito com a idéia maior de que o processo é apenas o meio de realiza­ção do direito, devendo haver a possibilidade de escolha do rito para facilitar a defesa de tal direito e permitir a ampla defesa das partes. Como sabemos, o processo não se presta para inviabilizar o direito, mas para ser verdadeiro caminho de sua realização.9

Todavia, em havendo absoluto flagrante de erro na escolha do rito- sumário ao invés do ordinário - , o juiz deverá, mesmo de ofício, determinar a conversão para o rito correto, a fim de determinar o prosseguimento da ação, com a citação do réu já na forma do rito determinado pela lei, evitando-se, com isso, prejuízo à defesa do de­mandado.

Por outro lado, considerando a característica do rito sumário de prestígio à conciliação entre as partes - já que o primeiro ato é a au­diência de conciliação, mesmo antes da apresentação da defesa - , como justificar a observância do rito sumário nos casos de direitos indispo­níveis que não são passíveis de conciliação?

Muitos magistrados, na prática, ao receber a petição inicial e vis­lumbrando a impossibilidade material da composição amigável do conflito, dada a indisponibilidade do bem da vida posto em juízo, de­termina, de ofício, o prosseguimento da demanda pelo rito ordinário.

De fato, se há impossibilidade material de conciliação, não se jus­tifica a adoção do procedimento, pois os juízos terão de disponibilizar dia e horário na pauta, audiências, para a suposta tentativa de conci­liação já tão assoberbada, ato este que será inútil ao processo. Assim, não sendo possível a composição consensual entre as partes, por ques­tão de economia processual, deve-se dar preferência à adoção do rito ordinário.

força de título executivo, nos termos do art. 1.102-A, CPC." (STJ, 4a T„ REsp n. 208870/SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 08.06.1999, v.u.)

9 Kazuo Watanabe, apud William Santos Ferreira, Tutela antecipada no âmbito recur­sal, p. 26, em brilhante dissertação afirma: "Procura-se atribuir ao processo o seu verda­deiro escopo: ser faticamente o caminho, e não o obstáculo, à obtenção do bem da vida almejado".

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PROCEDIMENTOS DO PROCESSO DE CONHECIMENTO 3 4 1

Por fim, é imperioso asseverar que segundo o Código de Processo Civil, em seu art. 277, § 4o, o juiz deverá, na própria audiência de con­ciliação (quando frustrada), decidir sobre eventual controvérsia acerca da natureza da demanda ou do valor da causa e, se for o caso, determi­nar a conversão do rito. Além disso, a conversão também poderá ocor­rer quando o deslinde de causa depender de prova técnica de maior complexidade.10

■ i 1 4 . 3 . 3 P e c u l i a r i d a d e s d o R i t o S u m á r i o

Os atos processuais, no rito sumário, são praticados de forma con­centrada, ou seja, a legislação determina a reunião de diversos atos processuais no mesmo momento da relação jurídica, bem como pres­tigia a conciliação entre as partes. O réu não é citado para a apresenta­ção de defesa ou resposta, mas para comparecer à audiência de tenta­tiva de conciliação.

Além disso, no rito sumário há diminuição dos incidentes proces­suais e formas de respostas do réu, inclusive sendo vedada a apresenta­ção de algumas modalidades de intervenção de terceiros, o que faz com que se chegue de maneira mais célere ao provimento final almejado.

Com relação à instrução probatória, verifica-se que o legislador também previu o não-prolongamento dessa fase processual, impondo a possibilidade de realização de prova técnica (pericial) somente quan­do se tratar de ato não complexo.

A documentação dos atos orais também é simplificada, devendo ser utilizados, desde que possível, métodos mecânicos e eletrônicos de transcrição das manifestações orais em audiência (como os depoimen­tos das testemunhas, das partes etc.), citando a lei os métodos de taqui- grafia, estenotipia, ou outro meio existente (parágrafo único do art. 279 do CPC).

Em síntese, podemos definir as seguintes peculiaridades do proce­dimento sumário:

10 No procedimento sumário apenas se admite a prova pericial para a realização de perí­cia simples (que se opõe à complexa), entendida como aquela que pode ser realizada no prazo de quinze dias.

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3 4 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

a) Petição inicial (art. 276 do CPC). Da petição inicial do rito sumá­rio deve constar a especificação e a indicação da pertinência das provas. Nota-se que, no procedimento ordinário, a especificação das provas poderá ocorrer quando do saneamento do processo, constando da petição inicial apenas o conhecido “protesto genéri­co por todos os meios em direito admitidos”. No rito sumário, é na própria petição inicial que o autor apresenta o rol de testemunhas, requer a perícia, indica o seu assistente técnico e formula os que­sitos que pretende que sejam respondidos pelos técnicos, sob pena de, não o fazendo, ocorrer a preclusão.

b) Audiência de conciliação (art. 277, caput, do CPC). Admitida a petição inicial, o juízo determinará a citação do réu para que com­pareça à audiência de tentativa de conciliação. A audiência de con­ciliação antecede à própria apresentação da resposta do réu. A esse respeito, a lei determina que a audiência de conciliação deve ocor­rer no prazo de trinta dias da decisão que determinou a citação do réu, sendo certo que a citação do demandado deva ocorrer com uma antecedência mínima de dez dias da audiência," isso para que possa haver tempo hábil para a elaboração da defesa.

O réu deverá comparecer pessoalmente à audiência de conci­liação ou se fazer representar por procurador com poderes espe­ciais para transigir (fazer acordo em juízo), sob pena de aplicação dos efeitos da revelia.

" No caso de o réu ser a Fazenda Pública o prazo será dobrado. Caso exista litisconsór­cio passivo - mais de um réu - o prazo também será dobrado, conforme dispõe o art. 191 do Código de Processo Civil.

A doutrina e a jurisprudência divergem em relação à forma de contagem do referido prazo. Para alguns, o prazo de dez dias é contado retroativamente da data da juntada aos autos do mandado de citação ou AR cumpridos, enquanto, para outros, a contagem tem iní­cio na data da efetiva citação independentemente da data de juntada aos autos do manda­do. Temos que a melhor resposta é aquela que conta o prazo a partir da data da efetiva cita­ção e não da juntada aos autos do mandado ou AR cumpridos. A finalidade do prazo de dez dias é a de propiciar ao réu o direito de defesa, pois, no rito sumário, a contestação é apre­sentada em audiência e, assim, a antecedência de dez dias seria hábil para a contratação de um advogado e a elaboração da defesa. Dessa forma, com a efetiva citação, o prazo cum­priu a sua finalidade e, pelo princípio da instrumentalidade das formas, previsto no art. 244 do Código de Processo Civil, será considerado válido o ato processual quando for alcançada a sua finalidade. No entanto, a questão ainda é controvertida na jurisprudência.

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PROCEDIMENTOS DO PROCESSO DE CONHECIMENTO 3 4 3

c) Resposta do réu. Restando infrutífera a conciliação, o réu apresen­tará sua contestação na própria audiência, que poderá ser oral ou escrita (se for oral, será reduzida a termo). Em razão da concentra­ção dos atos processuais, a lei determina que o réu deverá especi­ficar suas provas na contestação, indicando as testemunhas que pretende ouvir, o requerimento de perícia, a apresentação do assis­tente técnico e os quesitos.

No rito sumário não se admite a propositura de reconvenção pelo réu, que, como veremos em capítulo próprio, é a ação do réu contra o autor nos mesmos autos do processo. No entanto, apesar da impossibilidade de reconvenção, prevê o § Io do art. 278 do Código de Processo Civil que o réu poderá formular pedido con­tra o autor na própria contestação (pedido contraposto).12 No rito ordinário não é permitida a formulação de pedidos pelo réu con­tra o autor no bojo da contestação. Caso o réu pretenda algum provimento contra o autor, deverá manejar a competente recon­venção ou então se valer de ação autônoma.

d) Revelia. No procedimento ordinário, a revelia compreende a falta de contestação, representa a inércia ou omissão do demandado em apresentar a sua defesa contra a pretensão do autor, contumácia esta que induz à presunção de veracidade dos fatos apresentados pela parte contrária. No entanto, no rito sumário, a revelia se veri­fica pela falta de contestação, ou ainda, pela simples ausência do réu na audiência de conciliação (§ 2o do art. 277 do CPC).

e) Incidentes processuais. Os incidentes processuais, como impugna­ção ao valor da causa, impugnação à justiça gratuita, requerimentos de provas e a divergência acerca da natureza da causa para efeito de conversão do rito, serão apreciados de plano na própria audiência de conciliação quando as partes se mantiverem intransigentes.

f) Intervenção de terceiros (art. 280 do CPC). A regra é no sentido de que não se admite intervenção de terceiros no procedimento sumário, excepcionando a lei para autorizar a intervenção por

12 Pedido no sentido estrito do termo processual. O réu poderá formular o chamado pedido contraposto em face do autor da ação, requerendo o juiz uma tutela (condenatória, declaratória ou constitutiva) contra o autor da ação.

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3 4 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

assistência, o recurso de terceiro prejudicado e a intervenção fun­dada em contrato de seguro.13

É muito comum nas ações de acidente de veículo - que, como regra, tramitam pelo rito sumário - a necessidade da apresenta­ção de denunciação da lide para invocar eventual direito de re­gresso contra a seguradora. No entanto, antes do advento da Lei n. 10.444/2002, não havia tal possibilidade de intervenção.

No rito sumário também não se admite a ação declaratória incidental.

g) Perícia. Admite-se no procedimento sumário apenas a prova téc­nica simples, concebida como aquela que não demanda muito tempo e que possa ser realizada no prazo de quinze dias. Em caso de necessidade de perícia complexa, o juiz deverá determinar a conversão do rito sumário para ordinário, sob pena de cerceamen­to do direito de defesa da parte à qual incumbe o ônus da referida prova.

h) Sentença. Ao prolatar a sentença condenatória, o juiz deverá, obri­gatoriamente, proferir sentença líquida, isto é, sentença que con­tenha o valor exato da condenação ou a delimitação precisa do bem jurídico conferido (art. 475-A, § 3o do CPC). Tal previsão evita que, quando da execução, o credor tenha que promover um incidente de liquidação da sentença.

1 4 . 4 P R O C E D I M E N T O S E S P E C I A I S

Além dos procedimentos ordinário e sumário (comuns), o Códi­go de Processo Civil contempla as hipóteses de procedimentos espe­ciais, que são divididos em procedimentos especiais de jurisdição voluntária e procedimentos especiais de jurisdição contenciosa.

Tais ritos possuem peculiaridades próprias e o cabimento predomi­na sobre os procedimentos ordinário e sumário, já que são concebidos para o oferecimento de uma tutela específica em relação à natureza do

13 A possibilidade de intervenção de terceiro no rito sumário, com fundamento em con­trato de seguro, foi acrescentada pela Lei n. 10.444/2002.

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PROCEDIMENTOS DO PROCESSO DE CONHECIMENTO 3 4 5

bem da vida posto em juízo. São ritos que possuem características pró­prias em relação à natureza e à seqüência dos atos processuais.

Enquanto os ritos sumário e ordinário são considerados como pro­cedimentos comuns e, portanto, ações de natureza genérica e inomi- nadas, os especiais são cabíveis para a solução de lides específicas e os ritos são nominados pela própria lei processual.

Como exemplo: as ações possessórias, a ação monitoria, o inven­tário, o divórcio e a separação, o usucapião, a nunciação de obra nova, a ação de depósito, de consignação em pagamento, de prestação de contas etc., temas que serão tratados, no futuro, em outra edição, em razão da complexidade.

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A n t e c i p a ç ã o d o s

E f e i t o s d a T u t e l a 15

15.1 DEFINIÇÃO

Na busca de maior efetividade na prestação da tutela juris­dicional, por meio da reforma realizada pela Lei n. 8.952/94, foi introduzido no sistema processual civil o instituto da an­tecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, disciplinado pelo art. 273 do Código de Processo Civil.

Para o estudo da antecipação dos efeitos da tutela, é im­prescindível uma retrospectiva ao sistema anterior ao ad­vento da Lei n. 8.952/94. Antes da reforma introduzida pela referida Lei, as tutelas de urgência ou as denominadas limi­nares (em sentido lato da palavra), restringiam-se às medi­das cautelares ou às liminares previstas nos procedimentos especiais, como no mandado de segurança, nas ações pos­sessórias etc.

Assim, o Código de Processo Civil previa as ações caute­lares, destinadas a dar segurança ao objeto de outro processo (de conhecimento ou execução), no qual se concedia uma

3 4 7

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3 4 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

medida de urgência para colocar o bem jurídico em segurança e, em outro processo (futuro ou já em curso), era discutida a lide principal.

Por outro lado, já havia previsão de liminares em procedimentos especiais, medidas estas com requisitos próprios, dependendo da natu­reza do procedimento envolvido.

No entanto, não havia a possibilidade da concessão de uma medi­da antecipatória (liminar) dentro do próprio processo de conhecimen­to de rito ordinário ou sumário, ou seja, ou a parte se utilizava de uma cautelar preparatória ou incidental, como medida de urgência para dar proteção ao bem jurídico colocado em situação de risco, ou então, se fosse o caso, manipularia uma ação especial e beneficiar-se-ia da limi­nar ali prevista.

Na realidade, o que fez a reforma introduzida pela Lei n. 8.952/94 foi permitir a concessão de uma medida liminar ou antecipatória, de natureza satisfativa, dentro do próprio processo de conhecimento, des­de que preenchidos os requisitos previstos no art. 273 do Código de Processo Civil.

A tutela antecipada se presta ao oferecimento imediato dos efei­tos almejados no provimento jurisdicional, cujo direito se mostra evidente (tutela da evidência). A tutela antecipada foi concebida se­gundo o princípio da efetividade esculpido no art. 5o, XXXV, da Constituição da República, pois garantir o acesso à justiça não signi­fica apenas dar o direito de ação aos jurisdicionados, mas conferir uma tutela eficiente (rápida e útil) para a solução do conflito, visan­do, especialmente, a evitar que a lesão ocorra. A tutela antecipada é medida que coaduna com os ensinamentos recitados por Rui Bar­bosa: “A justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”

15.2 D i s t i n ç ã o e n t r e A n t e c i p a ç ã o d a

T u t e l a , Ca u t e l a r e s e L i m i n a r e s

As terminologias “antecipação de tutela”, “cautelares” e “liminares” são objeto de grande confusão pelos aplicadores e estudantes do direito.

Inicialmente, cumpre definir o significado lato da palavra liminar.

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ANTECIPACÃO DOS EFEITOS DA TUTELA 349

No processo, como regra, o autor apenas se beneficia do provi­mento jurisdicional após o trânsito em julgado (quando a tutela não comportar mais recurso). Tal regra decorre da filosofia de que alguém somente poderia ser compelido ao respeito do mandamento judicial quando contra tal ato não fosse possível nenhuma forma de impugna­ção, quando a tutela jurisdicional se tornasse definitiva.

No entanto, em determinadas situações, seja pela circunstância de urgência ou mesmo pela natureza da relação material, o legislador houve por bem prever a possibilidade de concessão de medida judicial antes do trânsito em julgado da ação de conhecimento. Assim, pode­mos definir liminar, em sentido genérico da palavra, como sendo todo o provimento jurisdicional concedido antes do momento oportuno.

De fato, no sentido lato da palavra, liminar é todo provimento judi­cial que se concede de forma prévia. Portanto, no sentido mais amplo, tanto a antecipação dos efeitos da tutela, as cautelares, como as liminares previstas nos procedimentos especiais, são formas de medidas liminares.

Todavia, stricto sensu, cada um desses institutos processuais possui características, finalidades e requisitos próprios.

A ação cautelar é verdadeira ação autônoma - ao lado da ação de conhecimento e da ação de execução - cuja finalidade é dar segurança ao objeto de um processo futuro ou em andamento. Nota-se que as cautelares não são medidas satisfativas,1 pois não resolvem a lide, mas somente colocam o bem jurídico em estado de segurança, sendo a lide resolvida em outra ação (de conhecimento ou de execução).

Vamos imaginar que alguém receba aviso de protesto de um títu­lo de crédito que nunca emitiu. Nesse caso, dada a urgência da neces­sidade da medida judicial, o “devedor” poderá promover ação cautelar para obstar a lavratura do protesto. Nota-se que na cautelar não se dis­cutirá se o débito existe ou não, se o título é perfeito ou não, apenas se

' Piero Calamandrei, tntroduzione alio studio sistemático dei prowedimenti cautelari, p. 21, apud Humberto Theodoro Júnior, Processo cautelar, p. 42: "É verdade proclamada pelo direito positivo (art. 796) e reconhecida pela melhor doutrina que o processo cautelar, embo­ra autônomo por seu objeto, não justifica sua existência por si mesmo, mas pela relação que guarda com outro processo principal, isto é, de cognição ou de execução, ao qual serve como instrumento de eficaz atuação".

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3 5 0 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

apreciará a plausibilidade do direito apresentado e se colocará o bem jurídico em segurança - evitando o protesto e a lesão à imagem do in­divíduo. Posteriormente, em uma ação de conhecimento, a lide con­cernente ao débito da cártula será resolvida.

A concessão de medidas cautelares inominadas depende da com­provação do periculum in mora, ou seja, a necessidade de um provi­mento de urgência sob pena de perecimento do bem jurídico, e, ainda, o fum us boni juris,2 que corresponde à demonstração da aparência ou plausibilidade do direito apresentado.

Por outro lado, as liminares são medidas antecipatórias concedi­das em procedimentos especiais e com a observância de requisitos pró­prios de cada procedimento. Por exemplo: as liminares em ações pos­sessórias, concedidas quando a ação for proposta contra força nova;3 os alimentos provisórios, concedidos nas ações de alimentos quando hou­ver prova do parentesco e do dever alimentar; a liminar em ação de nunciação de obra nova; nos embargos de terceiro; no mandado de se­gurança; entre outras.

Ressalte-se que as liminares são satisfativas, pois são concedidas no bojo do procedimento especial e não dependem da propositura ou an­damento de outra ação, como ocorre com as cautelares.

Já a antecipação dos efeitos da tutela são medidas liminares ou antecipatórias concedidas em qualquer processo de conhecimento, quando presentes os requisitos previstos no art. 273 do Código de Pro­cesso Civil. É medida de natureza absolutamente satisfativa, já que é deferida dentro do próprio processo de conhecimento e independe da propositura de outra ação para a solução da lide. De fato, a medida é a antecipação da própria satistação que a parte apenas experimentaria no final da ação, ou seja, após o trânsito em julgado.

Observa-se como grande diferença entre a ação cautelar e a ante­cipação da tutela o fato de que a tutela antecipada tem efeito satisfa- tivo, já que adianta os efeitos do provimento definitivo que coincide

2 Traduzido como: fumaça do bom direito, ou seja, a aparência de existência do direito (onde há fumaça, há fogo).

3 0 termo força pode ser compreendido como o ato de lesão ou tentativa de lesão à posse: esbulho, turbação ou ameaça.

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ANTECIPACÃO DOS EFEITOS DA TUTELA 3 5 1

com o bem da vida pretendido.'1 As liminares satisfativas não depen­dem de um processo futuro para pôr fim ao conflito; ao contrário da cautelar, o provimento liminar apenas tem a função de conferir segu­rança ao objeto do litígio, cujo mérito será discutido em ação p ró ­pria, e a cautelar não soluciona a lide, mas tão-somente concede uma cautela.

Vejamos os exemplos:

1) “A” propõe ação em face de “B” pretendendo a reparação de de­terminados danos; para tanto, requer a antecipação dos efeitos da tutela para que, desde logo, o réu forneça o tratamento neces­sário - nesse caso, foram antecipados os efeitos do próprio julga­mento do mérito da ação, satisfazendo as necessidades do de­mandante sem a necessidade de uma ação futura para discussão do direito.

2) “C” propõe ação cautelar de seqüestro em face de “D”, pois, credor de título não vencido, tem notícia de que o devedor está tentando destruir a coisa que deverá ser entregue a ele no futuro - nesse caso, a ação cautelar de seqüestro tem por finalidade evitar o pere- cimento da coisa, para que, no futuro, ela possa ser entregue ao credor, por meio de ação própria, sem qualquer dano, ou seja, a cautelar apenas serviu para dar segurança a um processo futuro, não foi satisfativa.

A antecipação da tutela não substitui a ação cautelar. Cada uma delas possui finalidade e requisitos próprios. Quando da análise dos requisitos da antecipação da tutela, veremos que esse instituto exige, para a sua concessão, a prova inequívoca da verossimilhança das alega­ções, e as cautelares, como vimos, dependem da presença de fum us boni juris. Notadamente, o requisito para a concessão da antecipação da tutela é muito mais rígido do que para a cautelar: enquanto na pri­meira é necessária a demonstração inequívoca do direito, na outra bas­ta a aparência ou mera plausibilidade.

4 W i l l i a m S a n to s F e r r e ir a , Tutela antecipada no âmbito recursal, p . 1 3 2 .

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3 5 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

1 5 . 3 C a r a c t e r í s t i c a s d a A n t e c i p a ç ã o

dos Ef e it o s d a T u t e l a

Acerca do instituto da antecipação dos efeitos da tutela, conceitua o art. 273 do Código de Processo Civil:

Art. 273. 0 Juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, to ­

tal ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido

inicial [...].

m 1 5 . 3 . 1 A n t e c i p a ç ã o d o s E f e i t o s d a T u t e l a

Da leitura do dispositivo legal colacionado, verifica-se que o legis­lador previu a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela juris­dicional pretendida pelo autor. De fato, o legislador foi muito feliz ao inserir a expressão “efeitos”.

Nesse ponto temos que perquirir o significado dos termos tutela jurisdicional e efeitos da tutela. A tutela é a providência jurisdicional pretendida pelo autor contra o réu, e que, na ação de conhecimento, pode ser condenatória, declaratória ou constitutiva. Já os efeitos po­dem ser definidos como o resultado prático da tutela jurisdicional, equivalente ao próprio bem da vida pretendido. Por exemplo, quando o autor pretende a condenação do réu (tutela pretendida), deseja ele a condenação ao pagamento de determinada quantia, à entrega de uma coisa ou a uma obrigação de fazer ou não fazer.

Nota-se que o legislador determinou que a antecipação é dos efei­tos práticos da tutela e não apenas da tutela condenatória, constitutiva ou declaratória.

Assim, podemos concluir que a antecipação oferecida não é pro­priamente da sentença (ou da tutela), mas, sim, dos efeitos práticos advindos do provimento jurisdicional. O que se antecipa em favor do autor são os efeitos que ele apenas receberia no final da ação, após o trânsito em julgado e quando da execução da sentença.

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ANTECIPACÃO DOS EFEITOS DA TUTELA 353

Outra característica do instituto em estudo é a satisfatividade. Como salientamos anteriormente, a antecipação prevista no art. 273 é medida satisfativa, pois antecipa os efeitos da tutela pretendidos pela parte autora; é provimento liminar que atende às necessidades do re­querente de forma antecipada, sem a necessidade de outra ação para discussão da lide.

Na concepção herdada do direito romano, a satisfação do direito apenas poderia ocorrer com a existência de um título executivo defini­tivo. No entanto, o instituto da antecipação da tutela, divergindo de tal pensamento, adianta, em decisão interlocutória, efeitos que apenas seriam percebidos no final do processo e com a execução.

O instituto do art. 273 antecipa os efeitos para, provisoriamente, resolver a lide total ou parcialmente.

■ I 1 5 . 3 . 3 U T I L I D A D E C O N T R A A B U S O

D O D I R E I T O D E D E F E S A

A tutela antecipada também tem por objeto prevenir dano ou coi­bir o abuso de direito de defesa e o propósito protelatório do deman­dado. A antecipação dos efeitos da tutela tem por finalidade evitar a ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação, prestando ao jurisdicionado uma tutela eficaz.

Não obstante a natureza de tutela de urgência (para evitar dano), a antecipação da tutela também tem a finalidade de repelir a demora na prestação jurisdicional motivada pela má-fé do demandado, segun­do o entendimento de que não é justo que o demandante seja afastado de seu direito pela demora acarretada pelo abuso do direito de defesa ou protelação nos atos da outra parte.

M 1 5 . 3 . 4 P R O V I S O R I E D A D E

Não obstante a natureza satisfativa, a antecipação da tutela é me­dida provisória conferida por meio de uma decisão interlocutória e que pode ser alterada ou revogada a qualquer momento do processo. A definitividade, como sabemos, é característica inerente às sentenças transitadas em julgado, podendo o magistrado, de ofício ou a requeri­

H 1 5 .3 . 2 SATISFATIVIDADE

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3 5 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

mento da parte contrária, cassar ou modificar a liminar concedida, nos termos do § 4o do art. 273 do Código de Processo Civil.

15.4 Re q u i s i t o s de C a b i m e n t o

O art. 273 do Código de Processo Civil determina os seguintes requisitos para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela:

Cumulativamente(Obrigatórios)

a) Prova inequívoca da verossimilhança das alega­ções (caput do art. 273 do CPC)b) Reversibilidade da medida concedida

f c) Perigo de dano irreparável ou de difícil reparaçãoAlternativamente | d) Abuso do direito de defesa ou manifesto interes-

• /

| se protelatório do réu L e) Pedido incontroverso

Ressalte-se que, para a concessão da tutela antecipada, é necessária a implementação de ambos os requisitos obrigatórios e um dos três alternativos. A prova inequívoca da verossimilhança das alegações e a reversibilidade sempre devem estar presentes; além disso, deve haver, pelo menos, um dos alternativos.

A Lei n. 10.444/2002 acrescentou o § 6o ao art. 273 para admitir, também, a concessão da antecipação dos efeitos da tutela do pedido incontroverso na demanda, ou seja, é possível a antecipação daquilo que não sofreu impugnação pela parte ré. Havendo cumulação de pedidos pelo autor, deixando o réu de contestar algum deles, o juiz poderá antecipar aqueles incontroversos.

■ ■ 1 5 . 4 . 1 P r o v a I n e q u í v o c a d a V e r o s s i m i l h a n ç a

d a s A l e g a ç õ e s

O requisito prova inequívoca da verossimilhança das alegações não se confunde com o fw nus boni iuris, pois, enquanto neste a cognição é apenas de aparência da existência do bom direito (juízo de plausibilida-

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ANTECIPACÃO DOS EFEITOS DA TUTELA 355

de), na antecipação é necessária prova robusta que dê ao magistrado, em sede de cognição sumária, a certeza da existência do direito reclamado.

A prova inequívoca da verossimilhança das alegações impõe ao requerente a necessidade de demonstrar, de forma a dar certeza ou não deixar dúvidas, em cognição sumária, que o autor tem direito ao que pleiteia.

Por óbvio, a cognição realizada no momento da apreciação da ante­cipação da tutela não é a mesma realizada quando da prolação da sen­tença. Ao analisar o pedido antecipatório, o magistrado apenas detém os elementos trazidos pelo autor até aquele momento (geralmente no iní­cio da ação), devendo conceder a antecipação caso se convença das pro­vas e direito apresentados.

A certeza advinda da cognição sumária é superficial e relativa, razão pela qual, no decorrer do processo - quando aprofundar o co­nhecimento da causa - , o magistrado poderá revogar ou modificar a antecipação da tutela.

■ I 1 5 . 4 . 2 R E V E R S I B I L I D A D E

A norma processual veda a concessão da antecipação da tutela quando os efeitos do provimento antecipado forem irreversíveis em caso de revogação ou modificação da decisão.

Tal requisito ocorre pelo fato de a decisão ter natureza provisória, e, em caso de modificação, as partes têm o direito de retornar ao esta­do em que se encontravam antes de sua concessão.

O ilustre Professor Nelson Nery Junior5 ensina que a irreversibili- dade não é óbice intransponível à concessão da liminar, pois, em caso de revogação da decisão, o beneficiário da decisão liminar deve inde­nizar a parte contrária pelos prejuízos que sofreu com a execução da antecipação da tutela.

■ i 1 5 . 4 . 3 P E R I G O d e D a n o

Justifica-se a concessão da antecipação dos efeitos da tutela quan­do verificado potencial perigo de dano irreparável ou de difícil repara-

5 Código de Processo Civil comentado, 3 . e d . , p . 5 5 1 , n o t a 2 9 a o a r t . 2 7 3 .

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3 5 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

ção ao bem jurídico reclamado pela parte autora. Nesse ponto, a tute­la antecipada revela-se medida de urgência, destinada a evitar a lesão do bem jurídico.

Como já citamos, é dever institucional do Poder Judiciário, em razão de expressa previsão constitucional, conceder medidas eficazes e com capacidade para evitar que a lesão ao direito se concretize. O pro­cesso de conhecimento, como regra, é uma espécie de demanda m oro­sa, e o tempo necessário para a prestação da tutela jurisdicional pode ser motivo de perecimento de direito (periculum in mora). Dessa for­ma, havendo indícios de que o direito corre risco de perecer em razão da demora na atividade jurisdicional, é cabível a concessão de anteci­pação da tutela.

O atual ordenamento jurídico brasileiro dá preferência à preven­ção da lesão, com a concessão de uma tutela eficaz em favor do juris- dicionado, em vez do oferecimento de tutelas compensatórias, medi­das estas que apenas indenizam a lesão já ocorrida.

■ i 1 5 . 4 . 4 A b u s o d o d i r e i t o d e d e f e s a

Não obstante a previsão da tutela antecipada como medida de ur­gência para evitar o dano, pode ser ela concedida, também, quando ficar evidenciado nos autos que o réu está abusando do seu direito de defesa ou que vem empregando meios protelatórios na demanda.

Nesse caso não se evidencia um perigo de dano, mas, sim, repúdio à má-fé da parte ré.6

Tal hipótese não é de grande aplicação prática, pois demanda com­provação da explícita má-fé da parte contrária em proceder a atos meramente protelatórios. A doutrina cita exemplos como: nas hipóte­ses do art. 17 (litigante de má-fé), contestação sem consistência, defe­sa instruída com documentos falsos, recursos protelatórios e sem fun­damentação lógica, atos atentatórios à dignidade da justiça etc.

6 0 abuso do direito de defesa não se confunde com litigância de má-fé, nos termos do art. 17 do Código de Processo Civil (Luiz Guilherme Marinoni, A antecipação da tutela, p. 146). De fato, não é necessária a caracterização das hipóteses dos arts. 14 e 17 do Código de Processo Civil para que se conceda a antecipação da tutela pelo abuso do direito de defe­sa do réu; basta, para tanto, que o réu apresente defesas explicitamente inconsistentes ou sem utilidade para o deslinde do processo.

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ANTECIPACÃO DOS EFEITOS DA TUTELA 357

O ordenamento processual impõe à parte demandada o dever de impugnar, de forma específica, todos os fatos e pedidos apresentados pelo autor na petição inicial.

Dessa forma, pode ocorrer de o réu, quando da apresentação da contestação, deixar de impugnar total ou parcialmente o pedido for­mulado pelo autor. Nesse caso, o pedido não impugnado pelo réu será considerado incontroverso.

Assim nos termos previstos no § 6o do art. 273 do Código de Pro­cesso Civil, poderá haver a antecipação dos efeitos da tutela em relação aos pedidos incontroversos da ação.

m 1 5 . 4 . 5 P e d i d o I n c o n t r o v e r s o

15.5 L e g i t i m i d a d e p a r a o R e q u e r i m e n t o

A antecipação do efeito da tutela apenas poderá ser apreciada me­diante requerimento da parte. A tutela antecipada não poderá ser con­cedida ex officio.

Ordinariamente, a legitimidade para requerer a antecipação dos efeitos da tutela é da parte autora, nos termos expressos no art. 273 do Código de Processo Civil.

De fato, a lógica não permite outra conclusão. O instituto em estudo destina-se à antecipação de efeitos do mérito do pedido da ação, conseqüentemente, apenas a parte que faz pedido na ação é que tem legitimidade para o requerimento da antecipação de seus efeitos.

Como regra, o ordenamento processual outorga ao autor a obriga­toriedade de formular pedido na petição inicial.7

No entanto, o próprio Código prevê situações em que é permitida a formulação de pedido pelo sujeito passivo da lide, como em recon­venção, na contestação do rito sumário (art. 278, § Io, do CPC) e nas ações de força dúplice (ação possessória, etc.). Nesses casos, o réu tam ­

7 "Art. 286. 0 pedido corresponde à providência jurisdicional imediata e mediata pre­tendida pelo autor da ação, ou seja, a condenação, declaração ou constituição, com aponta­mento dos efeitos práticos dessa tutela, o que difere absolutamente dos demais requerimen­tos passfveis de serem formulados por qualquer das partes."

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3 5 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

bém poderá requerer a antecipação dos efeitos da tutela do pedido que apresentou em juízo.

Ressalte-se que, nesses casos, o réu pleiteia a antecipação dos efeitos da tutela do pedido que ele formulou contra o autor e não do pedido do autor.

15.6 Mo m e n t o p a r a Re q u e r i m e n t o

e Co n c e s s ã o

As disposições do Código de Processo Civil que disciplinam a con­cessão da tutela antecipada não impõem, de forma expressa, um m o­mento certo e determinado para sua formulação e concessão do refe­rido requerimento antecipatório (liminar).

Dessa forma, observada a sistemática de competência do juízo em razão do grau de jurisdição, entendemos que a antecipação da tutela pode ser requerida e concedida em qualquer momento do processo, inclusive durante a fase recursal, desde que implementados os requisi­tos contidos no art. 273 do Código de Processo Civil.

Enquanto o processo encontra-se na primeira instância, podemos afirmar que a antecipação pode ocorrer em qualquer momento, inclu­sive quando da prolação da sentença.

Apesar de não ser a melhor técnica8 - uma decisão interlocutória inserida dentro da sentença - , a legislação processual não veda tal con­cessão, bem como a jurisprudência9 vem confirmando a possibilidade de o juiz conceder a liminar no bojo da própria sentença.

8 Para o professor Marcus Vinícius Rios Gonçalves, Novo curso de direito processual civil, v. 1, p. 300: "Uma cautela, porém, deve orientar o juiz que a queira conceder nesse momen­to: ao fazê-lo, não deve apreciar o pedido de antecipação no bojo da própria sentença, mas por meio de decisão em separado. A razão é que, se ele o fizer, por força do princípio da unir- recorribilidade das decisões judiciais, trará grande dificuldades para a impugnação da decisão concessiva da medida. Como ela é proferida no bojo da sentença, caberá apenas apelação, e esta não tem o condão de suspender o cumprimento da tutela antecipada. A apelação sus­pende o cumprimento da sentença, mas não o da antecipação, de forma que daí poderão advir graves prejuízos para o réu. Já, se a medida for concedida por decisão em separado, contra ela caberá o recurso de agravo de instrumento, com a possibilidade de requerimento de efeito suspensivo ao relator do recurso".

9 "Tutela antecipada. Possibilidade de concessão por ocasião da sentença. Momen­to em que a verossimilhança atinge seu maior grau. Convicção plena do magistrado ba-

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ANTECIPACÃO DOS EFEITOS DA TUTELA 359

Para muitos, tal possibilidade caracterizaria ato esdrúxulo, já que supõem ser a antecipação dos efeitos da tutela a concessão liminar da sentença. Na realidade, como já vimos, o que se antecipa não é a sen­tença em si, mas os seus efeitos práticos.

Por essa razão, prevendo o magistrado que os efeitos da sentença ficarão suspensos pela interposição de recurso de apelação, poderá conceder a antecipação para que a parte autora vencedora possa gozar, de imediato, do bem da vida que lhe foi conferido. A tutela antecipada concedida dentro da sentença eqüivale ao ato de afastar o efeito sus- pensivo de eventual recurso de apelação (art. 520 do CPC).

Além disso, não seria lógico consentir apenas a tutela antecipada decorrente de uma cognição sumária (como é a regra, já que é conce­dida na fase inicial do processo), e negar a possibilidade de concessão em sede de um conhecimento exaurente, como se dá no momento da prolação da sentença.10

No entanto, admitir a concessão da tutela antecipada no bojo da própria sentença gera a seguinte problemática: qual o recurso cabível

seada no quadro probatório. Existência de dano irreparável e provimento reversível. Providência não atingida pelo efeito suspensivo do recurso de apelação interposto. Recurso provido, em parte, para determinar a caução e afastar a aplicação de pena de desobediên­cia." (TJSP, Al n. 53.317-4/SP, 4a Câmara de Direito Privado, rel. Des. Cunha Cintra, j. 09.10.1997, v.m.)

"Tutela antecipada. Concessão concomitante com a sentença. Requisitos legais satis­feitos. Possibilidade enquanto não finda a função jurisdicional. Afronta aos princípios consti­tucionais ou legais. Inocorrência. O art. 273 do diploma processual, ao autorizar que o juiz, satisfeitos os requisitos legais e o requerimento da parte, antecipe, parcial ou totalmente, os efeitos da tutela jurisdicional buscada com o pedido inicial, não fixa ou delimita o momento em que tal possa ser realizado, bastando, para tanto, que ele ainda esteja no exercício de sua função jurisdicional naquele caso concreto. E, se o legislador não distingue, vedado é que o intérprete faça-o. A contraposição do princípio constitucional e processual da ampla defesa com aquele também assegurado na Carta Magna do efetivo acesso à Justiça decorre do pró­prio instituto da antecipação da tutela, independentemente da oportunidade em que venha ela a ser outorgada. E hão tais princípios de ser interpretados hierárquica e harmonicamen- te, concedendo-se ao segundo - de efetivo acesso à Justiça - primazia quando restar eviden­ciado que a eficácia da tutela futura esteja posta a risco, se vier apenas depois de guardadas todas as solenidades decorrentes do contraditório e da ampla defesa." (2o Tribunal de Alça­da Civil do Estado de São Paulo, Al n. 532.215, 1a Câm. Cív., rel. Juiz Vieira de Moraes, j. 31.07.1998 v.u.)

10 Arruda Alvim, Liminares, p. 25, apud William Santos Ferreira, op. cit., p. 299: "Se o juiz, antes do possível julgamento antecipado, pode conceder a antecipação da tutela, nada impede que o faça simultaneamente, no mesmo ato formal de julgamento".

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3 6 0 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

contra essa decisão? Agravo de instrumento (por se tratar de uma in­terlocutória) ou apelação (por ser uma sentença)?

Nesse caso, a sentença terá uma parte dedicada à solução da questão incidental, qual seja a tutela antecipada, e outra parte para o julgamen­to do mérito da causa. Assim, estaremos diante de um pronunciamento judicial objetivamente complexo, devendo prevalecer o recurso relativo à parte mais abrangente da decisão, que no caso seria o recurso de ape­lação.

Portanto, concedida a antecipação dos efeitos da tutela na senten­ça, mesmo com a interposição de recurso de apelação, a parte poderá promover a execução da antecipação deferida, sem a aplicabilidade do efeito suspensivo próprio do recurso de apelação (art. 520, V, do CPC).

Podemos citar outra questão relevante: é possível a concessão da tutela antecipada em fase recursal (enquanto o recurso estiver aguar­dando julgamento pelo tribunal)?

Entendemos que a antecipação pode ser requerida e deferida em qualquer momento do processo de conhecimento, inclusive na fase recursal.

Não obstante as espécies de provimentos de urgência e efeitos pró­prios dos recursos, como a antecipação dos efeitos da tutela recursal do agravo de instrumento (art. 527 do C PC )11 e efeito suspensivo (arts. 520 e 558 do CPC), a parte poderá requerer ao relator do recurso (na sua falta, ao presidente do tribunal) que antecipe os efeitos da tutela pretendida, desde que preenchidos os requisitos do art. 273 do Código de Processo Civil, para permitir a imediata execução da tutela conce­dida, sem prejuízo do prosseguimento do recurso.

Por derradeiro, em sede de estudo da apreciação jurisdicional da tutela antecipada e diante do termo “poderá” estampado no art. 273 citado acima, resta-nos a seguinte dúvida: é faculdade do juiz conceder ou não a tutela antecipada? Existe discricionariedade nessa apreciação jurisdicional?

" A reforma trazida pela Lei n. 10.352/2001 alterou o art. 527 do Código de Processo Civil, para permitir ao relator do recurso de agravo de instrumento a concessão da antecipa­ção da tutela recursal (espécie de efeito suspensivo ativo), que trataremos a seguir (capítulo destinado ao agravo de instrumento).

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ANTECIPACÃO DOS EFEITOS DA TUTELA 361

Entendemos que não. Estando presentes os requisitos previstos no art. 273 do Código de Processo Civil, o autor tem o direito de rece­ber e o juiz o dever de conceder a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional. O magistrado não tem liberdade para conceder ou não a liminar.

Nesse sentido, William Santos Ferreira,12 citando o discurso da pro­fessora Teresa Arruda Alvim Wambier, opondo-se às teses que admi­tem a discricionariedade do juiz quando da apreciação das liminares, disserta:

[...] ao se chegar neste ponto se compromete a própria noção que

se tem hoje de Estado de Direito. O magistrado tem liberdade, mas para

chegar à decisão correta, que é única.

Infere-se, assim, que, quando da análise do requerimento de tutela antecipada, é vedado ao magistrado proceder à apreciação da conve­niência ou oportunidade da medida (para efeito de discricionariedade), mas tão-somente verificar o preenchimento ou não dos requisitos pre­vistos no art. 273 do Código de Processo Civil, para proferir sua deci­são. Em caso positivo, o juiz estará obrigado à concessão da liminar.

15.7 Ex e c u ç ã o d a De c i s ã o A n t e c i p a t ó r i a

Por expressa determinação legal (§ 3o do art. 273 do CPC), a exe­cução da decisão que antecipa os efeitos da tutela jurisdicional deverá respeitar, no que couber, as regras concernentes à execução provisória, nos termos ora estabelecidos no art. 475-0 do Código de Processo Civil (reforma da Lei n. 11.232/05), mas, podendo se valer das prer­rogativas dos artigos 461 e 461-A.

v Teresa Arruda Alvim Wambier, Da liberdade do juiz, p. 485, apud op. cit., p. 229-30.

Para Luiz Fux, Tutela de segurança e tutela da evidência, p. 339: "Observa-se, de iní­

cio, o caráter discricionário da regra, tanto que a lei utiliza-se da dicção 'poderá', no senti­

do de que o juiz dispõe desse poder avaliatório da situação de segurança e da situação de

evidência".

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3 6 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Em primeiro lugar, é importante observar que a execução da tute­la antecipada não depende da prestação de caução.13

Além disso, por se tratar de uma decisão (ou tutela) de natureza provisória, já que pode ser modificada ou revogada a qualquer m o­mento, a execução ocorre por conta exclusiva do credor exeqüente, bem como o levantamento de quantias depositadas ou a alienação de bens dependem do oferecimento de caução idônea (redação anterior do art. 588, incs. I e II, do CPC). Nos casos de tutelas de natureza ali­mentar (destinadas à sobrevivência da pessoa) até o limite de sessenta salários mínimos e encontrando-se o credor em situação de pobreza, poderá ser dispensada a caução (§ 2o do art. 475-0).

Nota-se que a execução provisória sempre é realizada por conta e risco do exeqüente (credor da tutela), que, em caso de revogação ou modificação da tutela exeqüenda, ficará obrigado a indenizar a parte contrária pelos prejuízos experimentados em razão da execução da liminar injusta ou cassada,14 indenização esta que será exigida nos mesmos autos da ação em que foi deferida e executada a tutela ante­cipada.

Por outro lado, não se pode deixar de dizer que a decisão que ante­cipa os efeitos da tutela jurisdicional tem natureza “executiva lato sensu”, ou seja, dispensa a propositura de uma ação executiva para a efetivação da decisão, uma vez que basta expedir mandato, nos pró­prios autos, para cumprimento da tutela antecipada.

Em grande parte dos casos, a antecipação dos efeitos da tutela con­siste em uma obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa, aplican­do-se o disposto nos arts. 461 e 461-A do Código de Processo Civil, pelo qual o magistrado concederá uma tutela específica à situação con­creta, podendo impor multa pelo descumprimento, bem como se uti­lizar de medidas de apoio como: busca e apreensão, força policial,

,3 "Tutela antecipada. Caução. Dispensa. Art. 273, § 3o, do Código de Processo Civil.

Na execução da tutela antecipada, não se exige, em princípio, a prestação de caução." (TJSP, Al n. 109.565-4, 6a Câmara de Direito Privado, rel. Ernani de Paiva, j. 24.06.1999, v.u.)

u Típica espécie de responsabilidade civil objetiva, pela qual a parte fica obrigada à indenização independentemente de culpa. Uma vez revogada ou modificada a limi­

nar, as partes retornarão ao status quo, ou seja, ao estado em que se encontrava antes

da decisão.

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ANTECIPACÃO DOS EFEITOS DA TUTELA 3 6 3

remoção de pessoas, impedimento de atividade, ou outras que enten­der necessárias à efetivação da tutela in natura, como se houvesse o adimplemento voluntário da obrigação.

1 5 . 8 Q U E S T Õ E S P O L Ê M I C A S A C E R C A

d a T u t e l a A n t e c i p a d a

■ i 1 5 . 8 . 1 P o s s i b i l i d a d e d e A n t e c i p a ç ã o c o n t r a a s

F a z e n d a s p ú b l i c a s

A antecipação dos efeitos da tutela contra as Fazendas Públicas é tema muito controvertido e, principalmente, não compreendido pelos aplicadores do direito. Alguns, de forma totalmente equivocada, che­gam a dizer não ser possível a concessão de tutela antecipada contra as pessoas jurídicas de direito público, sob os argumentos de que tal medida seria incompatível com o disposto no art. 475 do Código de Processo Civil, bem como dada a expressa previsão contida na Lei n. 9.494/97.

Inicialmente, é importante esclarecer que a lei processual, ao dis­ciplinar a antecipação dos efeitos da tutela no art. 273 do Código de Processo Civil, não excluiu qualquer pessoa da incidência de tal insti­tuto. Como bem ressalta Luiz Guilherme Marinoni:15 “Se é possível a tutela antecipatória contra o particular, nada deve impedir a tutela antecipatória contra a Fazenda Pública”.

Além disso, entendemos ser inconstitucional (ou não recepciona­do), por ofensa ao disposto no inc. XXXV do art. 5o da Carta Maior, todo instrumento normativo que impeça a concessão de liminar ou qualquer espécie de provimento de urgência.

O acesso ao Judiciário revela-se verdadeiro direito fundamental, incluída nesse direito a garantia à obtenção de uma tutela eficaz para evitar a ocorrência da lesão, para concessão de medida inibitória do gravame ao bem da vida pleiteado pela parte. Nossa ordem constitu­cional prefere a prevenção da lesão à reparação do bem já lesado (com­pensatória).

,5 Op. cit., p . 2 1 6 .

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3 6 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

A concessão de liminar é típica garantia de tutela jurisdicional eficaz, e a supressão desse direito conduz à absoluta inconstitucionalidade.16

No entanto, são cogitados os seguintes argumentos para a denega- ção da antecipação dos efeitos da tutela contra as Fazendas, que ora debatemos e impugnamos:

a) Da suposta vedação da concessão da antecipação dos efeitos da tutela por incompatibilidade com o disposto no art. 475 do Código de Processo Civil. Parte da jurisprudência tem firmado entendimento no sentido de que o instituto da antecipação da tutela é incompatível com o disposto no art. 475, inc. II, do Códi­go de Processo Civil, o qual determina o reexame obrigatório das sentenças proferidas contra as Fazendas Públicas como condição de eficácia.

Contudo, entendemos que tal entendimento é absolutamente equivocado, uma vez que a antecipação prevista no art. 273 do Código citado não é propriamente do ato jurisdicional sentença, mas, como determina a própria lei, o que se verifica é a antecipa­ção dos efeitos da tutela.

Ressalte-se que o que se adianta na liminar não é o ato senten­ça, mas a satisfação do bem da vida, que só ocorreria no m om en­to da execução dessa sentença. Ademais, o art. 475 do Código de Processo Civil prevê a obrigatoriedade do reexame necessário às sentenças e não às decisões interlocutórias, como são as decisões que antecipam os efeitos da tutela.

15 Em Ação Direta de Inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal deferiu medida liminar para suspender a eficácia de previsões contidas na Medida Provisória n. 375/93, que restringia a concessão de liminares, nestes termos: "Constitucional. Medidas cautelares e li­minares. Suspensão. Medida Provisória n. 375, de 23.11.1993.1 - Suspensão dos efeitos e da eficácia da Medida Provisória n. 375, que, a pretexto de regular a concessão de medidas cau­telares inominadas(CPC, art. 798) e de liminares em mandado de segurança (Lei n. 1.533/51, art. 7o, II) e em ações civis públicas (Lei n. 7.347/85, art. 12), acaba por vedar a concessão de tais medidas, além de obstruir o serviço da Justiça, criando obstáculos à obtenção da presta­ção jurisdicional e atentando contra a separação dos poderes, porque sujeita o Judiciário aoPoder Executivo. II - Cautelar, deferida, integralmente, pelo Relator. III - Cautelar deferida, em parte, pelo Plenário" (STF, ADIn n. 975 MC, rel. Min. Carlos Velloso, j. 09.12.1993 pelo Tribunal Pleno).

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ANTECIPACÃO DOS EFEITOS DA TUTELA 3 6 5

A esse respeito, o ilustre Desembargador Torres de Carvalho, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferiu voto de acórdão no seguinte sentido:17

O art. 475 do CPC refere-se ao reexame necessário de sentenças,

não de despachos (como se caracteriza aquele que antecipa a tutela).

Nenhuma ressalva foi feita na lei que introduziu essa novidade processual

e a LF n. 9.494/97 disciplinou tal antecipação contra a Fazenda Pública,

deixando certo sua possibilidade. Nem toda decisão contra a Fazenda

Pública se submete ao reexame necessário; assim são as liminares e as

decisões interlocutórias em geral. A alegação da Fazenda, quanto ao des-

cabimento da tutela antecipada, fica rejeitada.

Portanto, podemos afirmar com absoluta certeza que o art. 475 do Código de Processo Civil não é óbice para a concessão da ante­cipação dos efeitos da tutela contra as Fazendas Públicas. Atual­mente, a jurisprudência encontra-se pacificada no sentido de admitir a tutela antecipada contra as Fazendas Públicas.

b) Das vedações contidas na Lei n. 9.494/97.18 O art. Io da Lei n. 9.494/97 faz remissão às hipóteses de vedação à concessão de liminar em man­dado de segurança, ou seja, é vedada a concessão de antecipação dos efeitos da tutela, nas mesmas circunstâncias em que são defesas as liminares em mandado de segurança, quais sejam, liminares em favor de servidor público que objetive a concessão de equiparação, aumen­to ou extensão de vantagens (art. 5o da Lei n. 4.348/64).19

17 Tribunal de Justiça de São Paulo, Agravo de Instrumento 202.669.5/3, 7a Câm. de Di­reito Público, rel. Des. Torres de Carvalho, j. 12.02.2001, v.u., no mesmo sentido: "Tutela ante­cipada. Concessão contra a Fazenda Pública. Admissibilidade. Instituto diverso da sentença que não se submete ao regime do reexame necessário. Caso em que se mostra a possibilida­de de ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação. Recurso [da Fazenda] não pro­vido" (TJSP, Al 191197-5, rel. Des. Gonzaga Franceschini, j. 25.10.2000, v.u.).

18 "Art. 1o. Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Pro­cesso Civil o disposto nos arts. 5o e seu parágrafo único e I o da Lei n. 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1o e seu § 4o da Lei n. 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1o, 3°e 4o da Lei n. 8.437, de 30 de junho de 1992."

19 "Art. 5o. Não será concedida a medida liminar de mandados de segurança impetra-

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3 6 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Também é caso de proibição de tutela antecipada contra auto­ridade pública e, conseqüentemente, contra as pessoas jurídicas de direito público.

Ressalte-se que, fora das situações previstas no art. 5o da Lei n. 1.533/50, não há que se falar em impossibilidade de concessão de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional.

Sob a mesma fundamentação já exposta, entendemos que a vedação contida na Lei n. 9.494/97 é inconstitucional, pois afasta o jurisdicionado do direito de receber do Estado uma tutela eficaz. No entanto, o Supremo Trubunal Federal, ao julgar a ADC n. 4, entendeu pela constitucionalidade das vedações referidas.

m 1 5 . 8 . 2 F u n g i b i l i d a d e e n t r e a T u t e l a

A n t e c i p a d a e M e d i d a C a u t e l a r

Com o advento da Lei n. 10.444/2002, foi introduzido o § 7o ao art. 273 do Código de Processo Civil, para prever a possibilidade de fungi­bilidade entre a tutela antecipada e as medidas cautelares.

Assim, determina o referido dispositivo que, caso o autor pleiteie tutela antecipada no lugar de medida de natureza cautelar (observan­do-se as características anteriormente mencionadas), poderá o juiz deferir a medida cautelar incidental, quando presentes os requisitos para tanto.

Fungibilidade, em sentido processual, significa aceitar um ato em lugar de outro. De fato, o § 7o permite o deferimento de medida cau­telar no lugar da antecipação da tutela, caso entenda o magistrado que a medida correta, dada a natureza do caso, assemelha-se mais à providência cautelar de segurança do que à medida satisfativa ante- cipatória.

Assim comentam os professores Nelson Nery lunior e Rosa Maria de Andrade Nery:20

dos visando à redassificação ou equiparação de servidores públicos, ou à concessão de au­mento ou extensão de vantagens."

20 Op. c/f., adendo à 6. ed., p. 16.

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ANTECIPACÃO DOS EFEITOS DA TUTELA 3 6 7

Quando o autor fizer pedido de antecipação da tutela, mas a provi­

dência tiver natureza cautelar, não se pode indeferir o pedido de tutela

antecipada por ser inadequado. Nesse caso, o juiz poderá adaptar o

requerimento e transformá-lo de pedido de tutela antecipada em pedi­

do cautelar incidental. [...] Anote-se que os requisitos para a obtenção

de tutela antecipada são mais rígidos que os necessários para a obten­

ção de tutela cautelar. Assim, só poderá ser deferida a medida cautelar,

se estiverem presentes os requisitos para tanto (fumus boni iuris e peri- culum in mora).

A fungibilidade entre a tutela antecipada e a medida cautelar é pre­visão que prestigia o princípio pelo qual deve o Judiciário conferir à parte provimento eficaz para evitar a lesão (art. 5o, inc. XXXV, da CF), bem como o princípio que prestigia a economia processual.

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P e t i ç ã o I n i c i a l

e o P e d i d o 16

1 6 . 1 D E F I N I Ç Ã O

A petição inicial é o instrumento pelo qual o autor exer­ce o seu direito de ação, provocando o Poder Judiciário à prestação da tutela desejada para a solução do conflito.1

Podemos dizer ser o ato processual do autor capaz de dar impulso à atividade jurisdicional do Estado; a petição inicial é o meio de indicação dos sujeitos da relação processual, bem como da apresentação da própria pretensão do autor: causa de pedir e pedido.2

1 Na definição de José Frederico Marques (Manual de direito processual civil, p. 76): "Petição inicial é o ato processual com que se inicia a ação e em que se formaliza o pedido de prestação jurisdicional formulado pelo autor. Nela contêm os elementos discriminados no art. 282 do Código de Processo Civil".

2 J. J. Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 184, ressalta que: "Importância da inicial - Por força do princípio dispositivo, que impede ao juiz proceder de ofício no campo da jurisdição contenciosa, cumpre ao interessado provocar o Estado no sen­tido de que preste sua atividade jurisdicional, vale dizer: cumpre ao interessado exercitar o seu direito público subjetivo de ação. A figura típica construída pelo legislador para esse fim

3 6 9

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370 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

O saudoso mestre Moacyr Amaral Santos, analisando o processo como um todo, assevera a importância do ato inicial, nestes termos:

Petição inicial e sentença são os atos extremos do processo. Aquela

determina o conteúdo desta. Sententia debetesse tibello conformis. Aquela, o ato mais importante da parte, que reclama a tutela jurídica do

juiz; esta, o ato mais importante do juiz, a entregar a prestação jurisdicio­

nal que lhe é exigida.

De fato, é absolutamente feliz a assertiva poética de Amaral San­tos. A petição inicial e a sentença são os atos mais relevantes do pro­cesso em primeira instância, e se encontram nos extremos da relação jurídica.

A petição inicial assume fundamental relevância ao processo pelo fato de ser o instrumento que conduz e guia a atividade do magistrado. Ela estabelece os limites da lide, é a responsável por definir a extensão de conhecimento do juiz, os limites da intervenção do Estado no conflito.

Como sabemos, a jurisdição é inerte e apenas age quando provo­cada. Assim, como corolário do princípio do dispositivo, o ordena­mento processual firmou a regra segundo a qual o juiz decidirá a lide nos limites em que ela foi proposta. Pois bem, é a petição inicial o sina- lizador da abrangência de conhecimento do juiz.

Na brilhante lição de J. J. Calmon de Passos:3 “a petição inicial é o projeto da sentença que o autor pretende do juiz”, sendo elevada à con­dição de verdadeiro pressuposto de instauração e desenvolvimento válido da relação jurídica processual, pois, sem ela (e petição inicial apta), não há que se falar em processo e a prestação de um movimen­to jurisdicional.

é a petição inicial. Peça básica, ela não só é o instrumento para constituição e desenvolvimen­to do processo, mas, por igual, a delimitação da extensão em que se efetivará o poder de jul­gar do magistrado. Porque o juiz não deve decidir nem aquém, nem além, nem fora do que foi posto para sua decisão pelo pedido formulado na petição inicial. A importância de que se reveste reclama cuidado na sua formulação. Não só quanto ao atendimento das exigências enunciadas pelo art. 282, mas também quanto à precisão, clareza e simplicidade da lingua­gem a ser empregada".

3 Idem, p. 185.

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PETIÇÃO INICIAL EO PEDIDO 3 7 1

Dada a importância da petição inicial para o processo, o legislador a concebeu como ato processual extremamente formal, já que a lei imprime requisitos indispensáveis para que ela possa instaurar valida­mente a relação jurídica processual.

Na maioria dos procedimentos - como ocorre no processo de conhecimento - , a petição inicial deve ser apresentada de forma escrita, elaborada por profissional habilitado para isso (dotado de capacidade postulatória). No entanto, existem espécies de procedimentos - por exemplo, perante os Juizados Especiais e na Justiça do Trabalho - em que é facultado à própria parte deduzir oralmente a sua pretensão diante de um serventuário da justiça, agente este que reduzirá as decla­rações da parte em um termo e com ele dará início ao processo.

Nota-se que a regra impõe que a petição inicial seja escrita. Nos Juizados Especiais admite-se que o autor proponha oralmente a sua pretensão, sendo reduzida a termo pelos serventuários da Justiça. Não obstante os requisitos externos (ou extrínsecos) anteriormente citados, assumem principal relevância os requisitos previstos nos arts. 282 e 283 do Código de Processo Civil. São requisitos internos (intrínsecos ou de conteúdo) da petição inicial:

a) o juiz ou tribunal a que é dirigida;b) qualificação completa das partes;c) os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido;d) o pedido (tratado em tópico adiante em razão da sua relevância);e) o valor da causa;f) as provas que pretende produzir;g) o requerimento de citação do réu;h) os documentos indispensáveis à propositura da ação.

■ I 1 6 . 2 . 1 E N D E R E Ç A M E N T O

O endereçamento é a primeira parte da petição inicial, com a fina­lidade de indicar o juiz ou tribunal ao qual a ação é dirigida.

Note-se que o autor da ação é responsável pela verificação e apon­tamento da competência do órgão jurisdicional. Assim, o autor deverá

16.2 Es t r u t u r a e Re q u is it o s

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3 7 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

endereçar a sua petição inicial ao órgão competente do Poder Judiciá­rio para o processamento da causa, fazendo constar na petição o juízo e o foro escolhidos segundo os critérios legais.

O costume forense firmou a seguinte forma de endereçamento (exemplos):4

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR IUIZ DE DIREITO D A ___aVARA CÍVEL DO FORO DA COMARCA DE SANTOS NO ESTADO DE SÃO PAULO

competência competênciade juízo de foro (local)

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR IUIZ FEDERAL DA 11 VARA

CÍVEL DA SUBSEÇÃO IUDICIÁRIA DE CAMPINASou

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR IUIZ FEDERAL DA a VARACÍVEL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO

m 1 6 . 2 . 2 P r e â m b u l o d a p e t i ç ã o i n i c i a l

São elementos do preâmbulo da petição inicial:

a) o nome e a qualificação completa das partes;b) a espécie de processo e o procedimento cabível e escolhido pelo autor.

Após formulado o endereçamento, a petição inicial indicará os no­mes das partes e as suas respectivas qualificações - nome completo,

4 Havendo mais de uma vara no foro, portanto, ficando o feito sujeito à distribuição, o autor deixará apenas o espaço relativo ao número da vara.

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PETIÇÃO INICIAL E 0 PEDIDO 3 7 3

estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu. Tal re­quisito tem por finalidade a individualização absoluta das pessoas das partes.5

Note-se que é imprescindível a individualização completa das par­tes para que se possa determinar no futuro as pessoas que estarão sujeitas à coisa julgada e à execução da sentença.

Não obstante a omissão do art. 282 do Código de Processo Civil, também deve constar do preâmbulo da petição inicial a espécie de pro­cesso e de procedimento escolhidos pelo autor da ação. O rito deve ser indicado na petição inicial pelo próprio autor.

Como já tratamos anteriormente, existem três modalidades de processo: de conhecimento, cautelar e de execução. Além disso, cada processo contém ritos próprios, como, no processo de conhecimento, os procedimentos sumário e ordinário.

Nesse ponto é relevante uma advertência técnica: as ações de conhecimento não são nominadas pela lei processual, sendo permiti­do ao autor que indique apenas o rito. Por exemplo: ação pelo rito ordinário ou ação pelo rito sumário, assim, o juiz identificará de plano tratar-se de ação de conhecimento comum. Por outro lado, sendo uma ação de conhecimento de rito especial, a própria legislação (Código de Processo Civil ou legislação especial) dará o nome dado ao procedi­mento, como ação possessória, ação monitoria, ação de alimentos, ação de inventário etc.

Dessa forma, sugerimos o seguinte modelo:6

5 Pode ocorrer de o autor não conhecer a qualificação da parte contrária. Nesse caso, como nas ações possessórias, o direito de ação do autor não ficará prejudicado em razão do desconhecimento da qualificação da parte. Assim, poderá promover a individualização da pessoa do réu com os elementos que possui e, no decorrer do processo, serem apuradas as demais qualificações da parte. Nas ações possessórias é muito comum que o autor desconhe­ça até mesmo o nome dos réus, situação em que colocará um nome fictício e, quando da citação, requererá que o oficial de justiça colha os nomes dos ocupantes da coisa, permitin­do, assim, a retificação do pólo passivo.

6 Quando da elaboração de petições em exames, não aconselhamos que o candidato crie dados não constantes do problema, pois, na maioria dos editais (como ocorre na OAB), há previsão de que a prova será anulada em caso de conter dados que possam identificar o aluno. Assim, sugerimos que as informações não constantes do problema sejam informadas pelo aluno entre parênteses, sem a criação de dados, como no exemplo mostrado.

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3 7 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA »VARA

DA CÍVEL DO FORO DA COMARCA DA CAPITAL DE SÃO PAULO

FULANO DE TAL, (nacionalidade), (estado civil), (profissão), porta­

dor do documento de identidade (n.) e inscrito no CPF sob o n. (n.), domi­ciliado na capital de São Paulo, onde reside na rua (endereço completo),

vem, por seu procurador (doc. n.), propor a presente AÇÃO7 PELO RITO ORDINÁRIO, em face de BELTRANO DE TAL, (nacionalidade), (estado

civil), (profissão), portador do documento de identidade (n.) e inscrito no CPF sob o n. (n.), domiciliado na capital de São Paulo, onde reside na rua

(endereço completo), pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos.

■ i 1 6 . 2 . 3 F a t o s e F u n d a m e n t o s J u r í d i c o s

O autor deve expor na petição inicial os fatos que motivaram a propositura da ação, bem como os fundamentos jurídicos da sua pre­tensão. Em outras palavras, deve estar expressa na petição inicial a causa de pedir.

A petição inicial é o instrumento pelo qual o autor apresenta ao Judiciário a sua pretensão, devendo fazer constar nela as razões pelas

7 É absolutamente desnecessária a indicação de um nome não previsto na Lei à ação. Devemos lembrar que para o Código de Processo Civil não existe ação de cobrança, ação de indenização, ação de ressarcimento, ou outras, mas, tão-somente, ação de conhecimento (ritos comuns e ritos especiais nominados), ação de execução e cautelares. Note-se que, em muitos casos, sem qualquer utilidade ou técnica, o autor acaba colocando no preâmbulo da inicial não a ação, mas o pedido da petição, por exemplo, ação de indenização por lucros ces­santes, danos morais e estéticos etc. Nesse caso, a ação é de conhecimento (rito sumário ou ordinário) e o pedido é a condenação em indenização. O termo indenização por danos não precisa constar do preâmbulo.

Page 407: Manual de Direito Processual Civil - Vol. 1 - Darlan Barroso

PETIÇÃO INICIAL EO PEDIDO 3 7 5

quais pretende a intervenção do Estado no conflito de interesses, e res­ponde às seguintes indagações:*5 por que o autor pretende tal provi­mento? Qual o fundamento jurídico para a sua pretensão?

Na inicial, o autor deve narrar os fatos ao juiz e justificar as razões pelas quais entende ter direito à procedência de seu pedido.

A causa de pedir compreende: a) causa de pedir próxima; b) causa de pedir remota.

A causa de pedir remota corresponde ao fato que dá origem à ação. Por sua vez, a causa próxima é a conseqüência jurídica do fato; eqüivale, na visão do autor, à resposta que o direito dá ao fato narra­do, é o fundamento jurídico da petição inicial. Por exemplo, em uma ação promovida para a obtenção de indenização por danos materiais em razão de acidente de veículo, podemos dizer que a causa de pedir remota é o próprio acidente (o fato), já a causa próxima corresponde ao dever do agente de indenizar os danos experimentados pela vítima (a resposta jurídica ao fato).

É exatamente a causa de pedir - próxima e remota - que o autor deve demonstrar na petição inicial como forma de implementação do requisito previsto no inc. III do art. 282 do Código de Processo Civil.

Cumpre esclarecer que fundamentação jurídica não se equipara a fundamento legal. A fundamentação jurídica do autor corresponde ao raciocínio lógico do direito que leva à conclusão de que ele tem razão no seu pedido, já a fundamentação legal importa na mera menção do texto da lei, do número do artigo etc. Para a petição inicial, não basta a fundamentação legal - diga-se que pode até ser dispensada - , mas é imprescindível a demonstração lógica do direito reclamado.

Além disso, a ausência da narrativa dos fatos e do fundamento jurídico do pedido gera a absoluta impossibilidade do desenvolvimen­to da ação, pelo fato de prejudicar o direito de contraditório e de am ­pla defesa da parte contrária. Como o réu poderá defender-se da ação sem conhecer a íntegra dos fatos? Como poderá argumentar em senti­do contrário se não conhece os fundamentos jurídicos que embasam a pretensão do autor?

8 J o s é C a r lo s B a r b o s a M o r e i r a , O novo processo civil brasileiro, p . 1 5 .

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3 7 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

M 1 6 . 2 . 4 P E D I D O

O pedido corresponde à providência jurisdicional que o autor pre­tende que o Estado imponha contra o réu. É a tutela jurisdicional preten­dida e seus efeitos práticos em relação ao bem da vida litigioso.

Na técnica processual, o pedido assume significado próprio que não se confunde com simples requerimento. O pedido é a providência ju ­risdicional pretendida pelo autor para solução da lide da ação, enquan­to os requerimentos podem ser considerados como quaisquer outras solicitações formuladas no processo (e não diferente da pretensão rela­tiva à tutela da ação).

Por acreditarmos que o pedido é parte fundamental da petição ini­cial, dedicaremos um tópico exclusivo ao seu estudo.

■ i 1 6 . 2 . 5 R e q u e r i m e n t o s

O primeiro requerimento obrigatório é relativo às provas que o autor pretende produzir para demonstração dos fatos que alega e den­tro do ônus que lhe é incumbido. Na própria petição inicial, deverá a parte autora indicar as provas que deseja realizar para a comprovação dos fatos.

No rito ordinário, o requerimento de provas pode ser formulado de forma genérica, e por ele a parte protesta provar o alegado por todos os meios admitidos em direito, já que, em momento posterior à fase postu­latória - quando já se conhece toda a pretensão e defesa - , terá a opor­tunidade de especificar e individualizar as provas que produzirá.

A ausência de requerimento de provas na petição do rito comum não gera prejuízo à parte, já que terá ela a oportunidade de, no futuro, especi­ficá-las.9 Quando do saneamento do processo, antes do despacho sanea- dor, o juiz concederá às partes momento para especificação das provas.

Acreditamos ser, de fato, o momento mais adequado para tal indi­cação das provas, já que apenas após o encerramento da fase postula­tória - inicial e defesa do réu - é que há condições de se definir quais

9 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, v. III, p. 377, asse­vera: "Trata-se de mero protesto, que não passa do anúncio de uma intenção. O requerimen­to de provas será feito mais tarde, pelo autor e pelo réu, quando chamados pelo juiz a fazê-lo já na fase ordinatória do procedimento (art. 324). Por isso é que, como sugestivamente disse a doutrina, essa falsa exigência não passa de uma ridícula inutilidade {supra, n. 806)".

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PETIÇÃO INICIAL EO PEDIDO 3 7 7

fatos restaram contraditórios na demanda e que, conseqüentemente, serão objeto da colheita de provas.

Em se tratando de rito sumário, dadas a concentração dos atos processuais e a busca da celeridade, como já estudamos, o autor deve­rá especificar e demonstrar a pertinência das provas na petição inicial, indicando, desde logo, o rol de testemunhas, o requerimento de perí­cia, a nomeação de seu assistente técnico e os quesitos da prova técni­ca, sob pena de, não o fazendo, ocorrer a preclusão.

Outro requerimento incumbido ao autor é o de citação do réu. Determina o inc. VII do art. 282 do Código de Processo Civil que o autor deverá formular requerimento de citação para que o demanda­do venha integrar o pólo passivo da ação.

A norma imprime uma obrigação que é conseqüência óbvia do processo. Trata-se de outro comando inútil, já que a ação do autor faz presumir pretender ele a instauração de uma relação jurídica em face de alguém (do réu). Cândido Rangel Dinamarco afirma que:10 Esse dispositivo é no entanto um daqueles com os quais ou sem os quais o processo seria tal e qual.

Dependendo da natureza da causa," o autor poderá formular ou­tros requerimentos para atender a suas necessidades, como a solicita­ção dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a antecipação dos efeitos da tutela, a preferência no julgamento em razão da idade da parte, entre outros facultativos.

■ i 1 6 . 2 . 6 V a l o r d a C a u s a

O art. 258 do Código de Processo Civil determina que a toda causa deverá o autor atribuir um valor certo, mesmo que a ação não tenha fim econômico direto.

A regra é no sentido de que o valor da causa corresponderá ao bene­fício econômico pretendido pelo autor na ação e, não havendo objeto econômico certo, deverá estimar um valor para efeito de valor da causa.

"> Idem, p. 330." O art. 1.050 do CPC determina que, na ação de embargos de terceiros, o autor deverá

indicar as provas (testemunhas, perícia etc.) na própria petição inicial, sob pena de preclusão.

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3 7 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Por sua vez, em rol exemplificativo, o art. 259 do Código de Pro­cesso Civil determina que o valor da causa será:

a) a soma do principal, juros vencidos e multa quando a ação for de cobrança de quantias;

b) em caso de cumulação de pedidos, será correspondente à soma dos valores de todos eles;

c) em se tratando de pedidos alternativos, será considerado o maior valor;

d) havendo pedido principal e pedido subsidiário, deverá ser o valor do principal;

e) quando o litígio versar sobre existência, validade, cumprimento, modificação ou extinção de negócio jurídico, considerar-se-á o valor do contrato;

f) nas ações de alimentos, a soma de doze prestações mensais, pedi­das pelo autor;

g) na ação de divisão, demarcação e reivindicação de bens imóveis, prevalecerá o valor da estimativa oficial constante do lançamento tributário;

h) em caso de prestações vencidas e vincendas (ainda não vencidas), serão consideradas ambas, feita a soma das vencidas com o valor correspondente a uma anuidade em relação às vincendas, isso se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a um ano; todavia, se as prestações vincendas forem por tempo infe­rior a um ano, será considerada a totalidade dessas prestações (art. 260 do CPC).

Após a análise da regra contida no art. 259, pode surgir a seguinte dúvida: qual o valor da causa em ações que não têm fins econômicos diretos (investigação de paternidade, retificação de registro público, divórcio e separação sem a discussão do patrimônio)? Nesses casos o autor deverá estimar um valor que corresponda à vantagem esperada na ação.

Note-se que a estimativa deve ter por consideração um critério de razoabilidade com o pedido, não podendo servir como meio astucio­so para prejudicar a parte contrária ou burlar o recolhimento das des­

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PETIÇÃO INICIAL EO PEDIDO 3 7 9

pesas judiciais.12 Nas circunstâncias em que o pedido for genérico (não estiver individualizado o efeito da tutela pretendida) ou a condenação depender de arbitramento judicial, como ocorre quando o autor não formula pedido certo de dano moral, o valor da causa também poderá ser estimado.13

O valor da causa é requisito obrigatório da petição inicial, pois tem relevância processual para:

a) Custas e despesas processuais. A maioria das taxas judiciárias tem como base de incidência o valor atribuído à causa, bem como a condenação ao pagamento de multas processuais.

b) Definição do rito. O valor da causa também se reflete no cabi­mento do rito, pois, como já tratamos, é base para a escolha entre o rito sumário (até sessenta salários mínimos) e o rito ordinário.

c) Fixação da competência. Por exemplo, os foros regionais da capi­tal de São Paulo têm sua competência fixada também em razão do valor das ações. A competência dos juizados Especiais também tem como um dos critérios o valor da causa.

d) Fixação de honorários para a parte vencedora (art. 20, § 4o, do CPC). Como regra, a verba honorária será fixada com base no valor da condenação. Contudo, como fazer quando não há condenação

12 "Impugnação ao valor da causa. Ação de indenização por dano moral. Valor da causa fixado em excesso que dificultaria o exercício de eventual recurso, mormente quando a auto­ra goza dos benefícios da assistência judiciária. Recurso parcialmente provido para fixar o valor da causa em 50 salários mínimos, sem prejulgamento da retribuição do dano, se exis­tente." (TJSP, Al n. 117.181-4, rel. Des. Toledo César, j. 22.06.1999, v.u.)

"Em ação de indenização por dano moral, o valor da causa não encontra parâmetros no elenco do art. 259 do CPC, mas, sim, no disposto no art. 258 do mesmo estatuto." (RSTJ 109/227)

"Objetivando-se a reparação por danos morais, só fixado o 'quantum' se procedente a ação, ao final, lícita a estimativa feita pelo autor, posto que de caráter provisório, podendo ser modificada quando da prolação da decisão de mérito." (777 203/241)

"Tendo o autor indicado na petição inicial o valor da indenização por danos morais que pretende, deve esse 'quantum' ser utilizado para fixar-se o valor da causa." (STJ, 43 T., rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, REsp. n. 120151 -RS, j. 24.06.1998, v.u.)

’3 Nas ações em que não se verifica conteúdo econômico direto, é muito comum a prática de valores estimados (o que é certo) acrescidos da informação: "para efeito de alçada" ou ainda "para efeitos fiscais". Nota-se que o valor da causa não tem apenas relevância para a definição da alçada (competência) ou recolhimento de tributos, mas, sim, como critério determinante de rito, competência, recolhimento das custas e até mesmo para a fixação dos honorários advocatícios.

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3 8 0 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

(pedido do autor improcedente ou a tutela não corresponde à quan­tia)? Nesses casos, o magistrado poderá fixar os honorários devidos ao advogado da parte vencedora com base no valor da causa.

Assim, podemos elaborar o pedido e requerimentos da petição ini­cial da seguinte forma:14

após os fatos e fundamento...

PEDIDOS E REQUERIMENTOS

Por todo o exposto, requer a Vossa Excelência a procedência do pedido de condenação do rcu ao pagamento do valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) a título de indenização pelos danos materiais sofridos pelo Autor, bem como ao pagamento das custas e honorários advocatícios, nos termos do art. 20 do Código de Processo Civil.

Requer, também, a concessão dos benefícios da Assistência Judiciária Gratuita ao Autor, nos termos da Lei n. 1.060/50, por se tratar de pessoa pobre na acepção jurídica do termo, não podendo arcar com as custas e despesas processuais sem prejuízo alimentar próprio ou de sua família.

Requer, outrossim , a citação do réu para que, querendo, possa apresentar resposta e acom panhar o feito até a sua extinção.

O autor protesta provar o alegado por todos os meios em direito admitidos, em especial, pela juntada de documentos, ouvida do depoimento pessoal do réu, de testemunhas e perícia, tudo para a comprovação dos fatos alegados.

Dá à causa o valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).

* \

PEDIDOS

> REQUERIMENTOS

J

VALOR DA CAUSA

Termos em que pede deferimento.

Local e data.

NOME E ASSINATURA DO ADVOGADO N úm ero de inscrição na OAB

Endereço completo do advogado para intimações

14 Em caso de exames (OAB ou concursos), o candidato não deve colocar nome ou números no final da petição (a menos que assim determine a prova), pois tal ato caracteriza­ria identificação, e a prova poderá ser anulada.

O art. 14 da Lei n. 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, prevê: "Art. 14. É obrigatória a indicação do nome e do número de ins­crição em todos os documentos assinados pelo advogado, no exercício de sua atividade".

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PETIÇÃO INICIAL E 0 PEDIDO 381

A petição inicial deve ser acompanhada dos documentos indispensá­veis à sua propositura, nos termos do art. 283 do Código de Processo Civil.

Resta-nos saber o que é documento indispensável.A regra é no sentido de que o autor deve instruir a inicial com

todos os documentos de que dispõe naquele momento, tudo que entender necessário à comprovação dos fatos que alegar.

No entanto, por indispensável podemos entender o documento fundamental à prova de determinado ato jurídico; por exemplo, para a prova da efetiva propriedade, é indispensável a exibição da escritura pública devidamente registrada; para a prova de óbito, nascimento (filiação)15 ou casamento, é imprescindível o respectivo registro civil.

A importância do documento para a petição inicial dependerá de cada ação. Por exemplo, para a propositura de uma ação de alimentos, o autor deverá instruir sua petição inicial com prova do parentesco, prova documental esta que se faz por meio de certidão de registro público.

Além disso, nota-se que o instrumento de mandato conferido ao advogado é documento fundamental para a validade e o início da ação, nos termos do art. 37 do Código de Processo Civil.

M 1 6 .2 .7 DOCUMENTOS INDISPENSÁVEIS

16.3 O P E D I D O

■ i 1 6 . 3 . 1 D e f i n i ç ã o

No direito processual, o termo pedido assume um significado pró­prio e estrito. O pedido é a tutela jurisdicional invocada ao Estado con­tra o sujeito passivo da relação processual.

Além disso, cumpre observar que é tecnicamente errado o uso da expressão "p.p." (por procuração), quando da assinatura pelo advogado. Ao assinar a petição inicial (ou qualquer outra), o advogado não está agindo por procuração, mas sim em ato que é próprio do advo­gado no exercício de sua capacidade postulatória.

Nas petição de exames, é prudente ao candidato, no final da peça, fazer a justificativa com relação à competência, valor da causa, ou outros elementos que não teve a oportunida­de de dizer no corpo do texto.

,5 A esse respeito, o novo Código Civil dispõe: "Art. 1.603. A filiação prova-se pela cer­tidão do termo de nascimento registrada no Registro Civil".

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3 8 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

O pedido constitui o provimento jurisdicional desejado pelo autor e os efeitos práticos causados por esse comando do juiz. É no pedido que o autor identifica e limita a espécie de tutela almejada na ação, in­dicando os efeitos advindos dessa tutela.16

Podemos dizer que o pedido é o núcleo da petição inicial e da demanda, sem ele a petição é considerada inepta e o processo não tem pressuposto processual de desenvolvimento válido, sendo a ação extin­ta sem julgamento do mérito.

Não há como se confundir pedido com requerimento. Enquanto o primeiro é a tutela reclamada pelo autor contra o réu, como regra na petição inicial, o segundo pode ser toda e qualquer solicitação formu­lada no curso do processo por qualquer uma das partes. Sempre que no direito processual for utilizada a terminologia pedido significará a espécie de provimento e efeitos em relação ao bem da vida pleiteados pelo autor da ação na petição inicial.

Nota-se que o pedido do autor sempre se referirá à obtenção de uma tutela jurisdicional e seus efeitos práticos. Assim, podemos dizer que, no processo de conhecimento, o pedido deverá ser composto pelo:

a) Pedido imediato. Correspondente à espécie de tutela jurisdicional pretendida: condenatória, declaratória ou constitutiva.

b) Pedido mediato. Relativo aos efeitos práticos da tutela jurisdicio­nal, é o bem da vida almejado pelo autor.

Não basta ao autor pleitear uma tutela jurisdicional; deverá, tam ­bém, expor os efeitos dessa tutela em função do bem da vida.

Com efeito, é correta a formulação do pedido da seguinte forma:

,6 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. III, p. 363, define da seguinte forma o pedido: "Pedido é a manifestação da vontade de obter do Estado- juiz um provimento jurisdicional de determinada natureza, sobre determinado bem da vida".

Para J. J. Calmon Passos (op. cit., p. 202) "O pedido constitui o objeto da ação, aquilo que se pretende obter com a prestação da tutela jurisdicional reclamada".

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PETIÇÃO INICIAL EO PEDIDO 3 8 3

P or to d o o exposto , re q u e r a Vossa Excelência a p ro ced ên c ia d o p e d i­

d o de declaração de q u e o autor é filho do réu.

O u:

Pelo exposto, req uer a Vossa Excelência a p rocedência d o ped id o de con­

denação d o réu ao pagam en to da quantia de R$ 10.000.00 (dez m il reais 1 a

títu lo de inden ização p o r d an o s m orais. j jP ed ido m e d ia to P ed ido im ed ia to

(efeitos) (tu te la )

Nesse ponto, também é importante esclarecer que pedido não se confunde com ação. A procedência pretendida pelo autor é sempre relativa ao pedido, e nunca à ação. Como já tratamos anteriormente, a ação é o direito de movimentar o Judiciário, o direito de provocar a jurisdição para que seja proferido um provimento. Por sua vez, o pedi­do é a tutela deseja pelo autor no provimento jurisdicional.

Na realidade, ao proferir sua sentença (dar o provimento), o magistrado não julga a ação, mas o pedido que nesta foi formulado.

Portanto, a utilização da expressão “procedência da ação” é abso­lutamente incorreta, demonstrando o desconhecimento total da dife­rença entre os dois institutos do processo: pedido e ação. E pior, ao requerer a procedência da ação, estar-se-ia admitindo a teoria civilista ou imanetista da ação (abordada no capítulo 3), pensamento este que apenas concebia a existência do direito de ação se estivesse presente o direito à sentença procedente (filosofia há muito superada).17

Felizmente, até mesmo o legislador empregou boa técnica ao im­primir os termos pedido e ação no Código de Processo Civil, afirmando:

17 A distinção que se faz, em princípio, pode parecer culto ao formalismo exacerbado, não se justificando na prática. Todavia, não se trata de mero formalismo, mas de respeito ao significado científico de cada um dos termos do processo civil.

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3 8 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Art. 269. Haverá resolução de mérito:

I - quando juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor (e não a ação do autor)]

Ou ainda:

Art. 459. O juiz proferirá a sentença, acolhendo ou rejeitando, no

todo ou em parte, o pedido form ulado pelo autor. [...]

Sem dúvida, ao apreciar o mérito da causa, o magistrado julga o pedido e não a ação do autor.

Então sempre estaríamos diante do julgamento do pedido e não da ação?

Na realidade, quando o juiz reconhece a carência da ação (decor­rente da falta das suas condições: legitimidade, interesse e pedido pos­sível), estamos diante de uma situação em que o julgamento é da ação ao invés do pedido, tanto que a ação é extinta sem a apreciação do mérito (ou pedido).

H 1 6 . 3 . 2 R E Q U I S I T O S D O P E D I D O

O art. 286 do Código de Processo Civil determina que o pedido deve ser certo e '8 determinado.

A certeza relaciona-se ao pedido imediato, ou seja, à espécie de tutela jurisdicional pretendida. Certo é o pedido formulado expressa­mente quanto ao tipo de tutela desejada pelo autor, no processo de co­nhecimento: condenação, declaração ou constituição.

Por outro lado, o pedido mediato deve, obrigatoriamente, ser de­terminado em relação aos efeitos práticos que se objetivam da tutela. Não é completo o pedido que apenas prevê de forma certa a espécie de tutela (pedido imediato). O autor também deverá, de forma determi­nada, requerer o bem da vida litigioso, expondo, de forma expressa, os limites e a extensão da sua pretensão.

18 Não obstante a letra da lei utilizar-se da conjunção ou, sugerindo certa alternativida- de, entende-se como sendo e, já que o pedido sempre deve ser certo e determinado, é neces­sário precisar tanto o objeto imediato como o mediato. Nesse sentido, José Carlos Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, p. 11.

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PETIÇÃO INICIAL EO PEDIDO 3 8 5

Não basta, por exemplo, que o autor da ação pleiteie a condenação do réu (pedido imediato), mas deverá também expor a extensão dessa condenação: a especificação completa da obrigação que se espera: o quantum, a obrigação de entregar determinada coisa, de fazer certo ato ou abster-se de uma prática.

Além disso, não se pode deixar de dizer que, como regra, o pedido deve ser sempre expresso ou explícito, pois o magistrado apenas aprecia­rá aquilo que foi pedido pelo autor em sua petição inicial, sob pena de estar julgando fora dos limites da lide e causar a nulidade da decisão.19

Outro requisito necessário ao pedido é que ele seja concludente,20 ou seja, da narrativa dos fatos e dos fundamentos jurídicos deve decor­rer logicamente a pretensão, sob pena de inépcia da petição inicial (art. 295, parágrafo único, inc. III, do CPC).

■ i 1 6 . 3 . 3 E s p é c i e s d e P e d i d o s e s p e c i a i s

a) Pedido genérico. Não obstante a imposição legal de que o pedi­do mediato deve ser determinado, a própria lei prevê a possibilidade de o autor formular um pedido genérico (art. 286 do CPC), ou seja, aquele em que os efeitos da tutela não são determinados no momento da proposi­tura da ação (porém, passíveis de determinação no futuro). Ressalte-se que o pedido imediato sempre será certo (quanto ao tipo de tutela alme­jada), mas poderá ser indeterminado em relação aos seus efeitos.

O pedido genérico revela-se verdadeira exceção ao comando que impõe o requisito de determinação do pedido mediato.

Assim, em rol taxativo, o art. 286 do Código de Processo Civil prevê as situações em que se admite a indeterminação do pedido mediato:

a) nas ações universais, se não for possível ao autor individualizar os bens demandados na inicial;

b) quando não for possível determinar, de modo definitivo, as conse­qüências do ato ou do fato jurídico;

'9 "Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado". Em outras palavras, o juiz apenas poderá julgar aquilo que consta do pedi­do (pedido mediato + imediato).

20 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, p. 319.

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c) quando a determinação do valor da condenação depender de atoque deva ser praticado pelo réu.

Tratando-se de ação universal - aquela que tem por objeto uma coletividade de direitos ou bens é dispensada a individualização de cada bem pretendido pelo autor; basta, para a propositura da ação, o pedido formulado a título universal.

É permitida a formulação de pedido genérico quando os efeitos do ato se prolongam no tempo e, no momento da propositura da ação, ainda não se tenha conhecimento exato da extensão do que se preten­de. Vamos imaginar que alguém se envolva em um acidente de veícu­los e, em razão do desastre, sofra inúmeras lesões físicas que dependam de tratamento médico. Nesse caso, sendo a ação proposta imediata­mente, não teria o autor como precisar o quantum seria despendido no futuro (ou mesmo no curso da ação) com o tratamento necessário para o seu restabelecimento. Assim, a ação é proposta sem que seja defini­do, de imediato, o valor pretendido a título de indenização; o pedido mediato da petição inicial é indeterminado (mas será determinado em momento processual próprio), sabe-se que pretende a condenação, mas o quantum ainda é desconhecido.

Cabível, também, o pedido genérico quando a definição do pedi­do mediato (efeitos da tutela) depender de ato que deva ser praticado pela parte contrária (no caso, o réu). Em princípio, parece muito difí­cil vislumbrar uma situação prática a respeito. Mas podemos citar o seguinte exemplo: imaginemos que seu cliente exerceu representação comercial para uma empresa de produtos alimentícios, cujo âmbito de atuação lhe é assegurado com exclusividade. Em um dado m o­mento o seu cliente descobre que a empresa está distribuindo direta­mente o produto, sem que ele receba as comissões devidas em razão do contrato. Assim, o representante o procura e deseja a propositura de ação para cobrar as comissões devidas. Pergunta-se: qual o valor que será colocado no pedido mediato? Quanto o seu cliente pretende receber na ação? Quais os efeitos práticos esperados do provimento jurisdicional?

Nota-se que, naquele momento, o autor desconhece o quantum que lhe é devido e, conseqüentemente, o que teria a receber em uma

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PETIÇÃO INICIAL EO PEDIDO 3 8 7

ação judicial. As informações necessárias à delimitação desse pedido apenas poderão ser obtidas se o réu exibir em juízo os seus registros contábeis ou documentos fiscais (notas). Como se vê, quando da pro­positura da ação, se o autor não tiver condições de formular um pedi­do mediato determinado, poderá fazê-lo de maneira genérica, pois apenas sabe que deseja a condenação do réu (pedido imediato), mas desconhece o valor que lhe é devido (o pedido mediato).21

Por fim, resta-nos consignar que, além das hipóteses do art. 286 do Código de Processo Civil, os arts. 949 e 950 e parágrafo único do atual Código Civil também acabam por permitir outra modalidade de pedi­do genérico.

Prevêem os referidos dispositivos que a parte pode promover ação para o recebimento de indenização, motivada em obrigação decorrente de ato ilícito, e requerer ao juiz o arbitramento do valor da condenação, ou seja, permite que o autor formule um pedido mediato determinado para que, na sentença, o valor da condenação seja fixado pelo juiz.22

b) Pedido cominatório. No atual sistema processual, conforme Humberto Theodoro Junior:23

[...] há dois meios de realizar a sanção jurídica, quando o devedor

deixa de cumprir a prestação a que se obriga, que são meios de sub-roga-

ção, e os meios de coação.

A sub-rogação consiste no ato de o Estado substituir a ação do réu para ser cumprida a obrigação não adimplida voluntariamente pelo devedor (por exemplo, na execução, pelo fato de o Estado invadir seu patrimônio e satisfazer o credor). Por outro lado, em alguns casos, a

21 Caso como este segue em curso sob o nosso patrocínio, e qualquer identidade com exemplo de outro doutrinador é mera coincidência.

22 Maria Helena Diniz, Código Civil anotado, p. 892-3, comenta no seguinte sentido o art. 1.553 CC/16: "Há danos que podem ser avaliados por mera operação aritmética; outros, principalmente os não previstos legalmente, requerem, para tanto, o arbitramento, ante a impossibilidade de avaliar matematicamente o quantitativo pecuniário que tem direito o ofendido. Deveras, há casos, principalmente de dano moral, em que a liquidação se faz mediante arbitramento".

23 Curso de direito processual civil, cit., p. 320.

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sub-rogação não tem o poder de satisfazer o direito do credor, como nas obrigações de fazer. Por essa razão, em vez da substituição, o Esta­do exerce coação sobre o devedor para que ele cumpra, pessoalmente, a obrigação, na forma como foi convencionada (in natura).

Nesses casos, o art. 287 do Código de Processo admite a formula­ção de pedido cominatório, para que seja imposta uma pena pecuniá­ria ao réu no caso de descumprimento da sentença que tenha por obje­to uma obrigação de fazer, não fazer ou de entrega de coisa. Trata-se de meio de coação sobre o devedor para que respeite a decisão.

Importante consignar que, mesmo não havendo pedido de caráter cominatório expresso, o juiz poderá fixá-lo de ofício, conforme deter­mina o art. 461 do Código de Processo Civil.

c) Pedido alternativo. A alternatividade está relacionada com a própria obrigação assumida pelo réu no campo do direito material (Direito Civil). Nesse caso, o pedido é certo e determinado, mas o autor pretende uma prestação ou outra.

Art. 288. O pedido será alternativo, quando, pela natureza da

obrigação, o devedor puder cumprir a prestação de mais de um

modo.

d) Pedidos sucessivos. Por sua vez, o art. 289 do Código de Pro­cesso Civil faculta ao autor formular pedidos em ordem sucessiva, objetivando que o juiz conheça do posterior em caso de não-acolhi- mento do pedido anterior. Em simples palavras, eqüivaleria dizer: eu quero “x”, mas se não for possível então que me seja concedido “y”.

Por exemplo, a parte promove a ação objetivando a rescisão do contrato, mas, não sendo possível o acolhimento de tal pedido, requer, sucessivamente, que seja realizada a revisão de uma das cláu­sulas contratuais.

O pedido sucessivo apenas será apreciado em caso de negativa do pedido principal. Não se trata aqui de pedidos alternativos, mas, sim, de preferência do autor pelo acolhimento do pedido principal; no entan­to, caso este não seja possível, consola-se com o pedido secundário.

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PETIÇÃO INICIAL EO PEDIDO 3 8 9

e) Pedidos cumulados. Não obstante a possibilidade de o autor formular pedidos sucessivo e alternativo (em que se pretende uma coisa ou outra), há também a possibilidade de cumulação de pedidos. No primeiro caso, o pedido sucessivo apenas será apreciado quando nega­do o principal, já na cumulação, todos os pedidos deverão ser aprecia­dos pelo magistrado, representando a soma das pretensões do autor.

A cumulação pode ser tanto de pedidos imediatos, quando o autor pleiteia mais de uma espécie de tutela jurisdicional, como de pedidos mediatos. Por exemplo, o pedido de declaração de inexistência do dé­bito tributário (de relação jurídica tributária) cumulado com o pedi­do de condenação do réu à devolução de todos os valores que recebeu em razão daquela relação declarada inexistente. Ou, ainda, o autor requer a condenação do réu ao pagamento de determinada quantia e à realização de uma obrigação de fazer, de forma simultânea.

Para que seja admitida a cumulação de pedidos, são necessários os seguintes requisitos (art. 292 do CPC):

a) compatibilidade entre os pedidos cumulados;b) que o mesmo juiz seja competente para conhecer de todos os pedi­

dos;c) que o rito seja adequado para o processamento de todos os pedi­

dos, caso contrário, poderá o autor optar pela utilização do rito ordinário como forma de admitir a cumulação.

f) Pedidos implícitos. A regra é no sentido de que os pedidos de­vem ser formulados de forma expressa, e a sua interpretação é realiza­da de forma restritiva - só se considera pedido o que estiver contido na petição - , nos termos do art. 293 do Código de Processo Civil.

Todavia, a própria lei prevê a existência de pedidos implícitos, espécies de pedidos cuja falta de formulação expressa não prejudica a sua apreciação. Mesmo que não sejam realizados expressamente pelo autor, o juiz estará obrigado a apreciar os pedidos implícitos, sem que isso configure julgamento fora dos limites da lide (art. 460 do CPC).

São casos de pedidos implícitos:

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390 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

a) Acréscimo dos juros legais de mora24 (arts. 219 e 293 do CPC) (devidos desde a constituição em mora: citação, art. 219 do CPC, ou protesto anterior).

b) Correção monetária sobre o valor da condenação (Lei n. 6.899/81).c) Honorários advocatícios de sucumbência e reembolso das despe­

sas processuais adiantadas pela parte vencedora (art. 20 do CPC).d) Prestações periódicas vincendas25 (art. 290 do CPC). Em se tratan­

do de pedido relacionado a prestações periódicas, consideram-se incluídas as prestações que vencerem durante o curso da ação e até quando perdurar a obrigação, mesmo que o autor não tenha for­mulado pedido expresso a respeito.

e) Pena cominatória e tutela específicas. Mesmo que a parte não for­mule pedido expresso com relação ao pedido cominatório ou à fixa­ção de medidas de apoio (como multas, busca e apreensão, força policial etc.), deverá o juiz, de ofício, impor nas sentenças que tive­rem por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer e para entrega de coisa, nos termos dos arts. 461, § 4o, e 461-A.

m 1 6 . 3 . 4 V í c i o s e A l t e r a ç ã o d o p e d i d o

Dada a importância do pedido para a petição inicial - por que não dizer, para o desenvolvimento da própria ação - , os vícios no pedido podem gerar a inépcia da petição do autor e a conseqüente extinção do processo sem o julgamento do mérito, conforme determina o inc. I do art. 267 do Código de Processo Civil.

O art. 295 parágrafo único do Código de Processo Civil estabelece como causas de inépcia da petição inicial:

24 Súmula n. 254 do STF: "Incluem-se os juros moratórios na liquidação, embora omis­so o pedido inicial ou a condenação".

25 "Tratando-se de prestações periódicas, consideram-se elas incluídas no pedido, sem mais formalidades, enquanto durar a obrigação. O princípio, entretanto, não é absoluto, sen­do aplicável quando conhecidos os valores; não quando discutível o valor das prestações, sujeito a constantes alterações." (STJ, 2a Turma, REsp n. 31.164, Rel. Min. Hélio Mosimann, j. 20.11.1995, v.u.)

Essa regra é aplicável, também, ao processo de execução, sendo muito comum a ocor­rência em ações de alimentos e acordos que prevêem pagamento em parcelas - a execução de uma parcela inclui as prestações que vencerem no curso da demanda.

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PETIÇÃO INICIAL EO PEDIDO 3 9 1

a) ausência de pedido ou de causa de pedir;b) falta de conclusão lógica entre a narrativa dos fatos e o pedido for­

mulado, ou seja, da narração da causa de pedir deve decorrer logi­camente o pedido da ação;

c) pedido juridicamente impossível de apreciação e concessão pelo Poder Judiciário {supra, condições da ação);

d) quando o autor cumular pedidos incompatíveis entre si ou con­correr qualquer outra causa que impeça a cumulação de pedidos.

Das hipóteses previstas nos incs. I e II, recebida a petição inicial, o juiz poderá determinar que o autor proceda ao aditamento da peti­ção para correção do vício, sob pena de, não o fazendo, ser decretada a extinção sumária do processo sem o julgamento do mérito. Em rela­ção às demais modalidades de vícios, resta inviável a determinação do aditamento, pois, em caso de impossibilidade jurídica do pedido (hipótese de carência de ação) ou cumulação indevida, não há como o vício ser sanado, cabendo tão-somente a extinção do processo em razão do pedido impossível ou do pedido que foi indevidamente cumulado (o juiz deverá excluir o pedido que for incompatível com o principal).

Com relação à modificação do pedido, seja pela existência de vício ou conveniência da parte, ela somente poderá ocorrer até a efetivação da citação, conforme dispõe o art. 294 do Código de Processo Civil, já que esse ato gera a estabilização da relação jurídica processual.26 Após o ingresso da parte demandada no processo, a modificação do pedido apenas ocorrerá mediante o seu consentimento (art. 264 do CPC), si­tuação que, certamente, será muito difícil de acontecer.

Mas, ficamos diante da seguinte indagação: até quando poderá ocorrer a modificação do pedido se houver a anuência do réu?

Não obstante a possibilidade de modificação do pedido com a anuência do réu, essa alteração apenas poderá ser realizada até o m o­mento do saneamento do processo, oportunidade em que serão fixa­dos, para fins de instrução processual, o objeto controvertido da ação e as provas que serão colhidas no processo. Depois de realizado o sa-

26 H u m b e r t o T h e o d o r o J ú n io r , Curso de direito processual civil, c i t . , p . 3 2 5 .

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3 9 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

neamento do processo e iniciada a fase de instrução, não há mais que se falar em modificação do pedido, pois ocorreu a estabilização abso­luta da demanda.

16.4 Juízo de A d m is s ib i l id a d e da P e t i ç ã o

I n i c i a l

Proposta a ação e distribuída ao juízo competente, a petição inicial será submetida ao crivo do magistrado para verificação do preenchi­mento dos requisitos previstos no art. 282 do Código de Processo Ci­vil, bem como para a análise das condições da ação e dos demais pres­supostos processuais.

Com efeito, constatada a ausência de qualquer um dos requisitos impressos no art. 282, o juiz deverá dar oportunidade para o autor emendar ou aditar sua petição inicial, no prazo de dez dias a partir da competente intimação.

Não sendo caso de aditamento, por se tratar de vício insanável (como a falta de condições da ação etc.) ou não cumprindo o autor a determinação de aditamento da inicial, o juiz proferirá, desde logo, sentença de extinção do processo sem o julgamento do mérito, nos ter­mos do art. 267 do Código de Processo Civil.

Estando a petição inicial processualmente completa, o magistrado emitirá um juízo positivo de admissibilidade, determinando, conse­qüentemente, que seja realizada a citação do réu.

É importante ressaltar que os requisitos formais de admissão da petição inicial são aqueles estampados no art. 282 do Código de Pro­cesso Civil, não havendo qualquer norma processual que disponha acer­ca de medidas, tipos de letras ou qualquer outra característica de apre­sentação do texto.

Entendemos que a petição inicial, pela função que exerce no pro­cesso, deve ser redigida de forma clara, com precisão, com ampla fun­damentação, de modo a permitir o convencimento do magistrado de que aquela causa de pedir conduz à procedência do pedido. Nota-se que a petição inicial (como qualquer outra petição) é o meio mais comum de comunicação entre a parte (por meio de seu advogado) e o

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PETIÇÃO INICIAL E 0 PEDIDO 3 9 3

juiz; portanto, deve ser elaborada com o intuito de formar o convenci­mento em favor dos interesses defendidos.

A petição inicial é o ato mais importante do autor no processo e a sua má formação poderá conduzir ao insucesso do pleito. Por isso, sempre aconselhamos que seja ela elaborada da maneira mais clara, precisa e fun­damentada possível, com cuidado especial na formulação do pedido.

Não obstante a má técnica flagrante que alguns advogados exibem na prática forense, entendemos não serem lícitas aos magistrados a criação e a imposição de normas formais concernentes à elaboração da petição inicial.

Temos acompanhado em alguns juízos a existência de portarias internas que dispõem sobre medidas, espaços, tamanhos de letras, es­pécies de papéis, furos etc. da petição inicial, como verdadeira condi­ção de admissão das petições.

Não temos dúvida de que o juiz não está autorizado a impor requi­sitos diversos daqueles contidos nos arts. 282 e 283 do Código de Proces­so Civil, pois tais atitudes atentariam contra a liberdade e a autonomia conferidas à advocacia, além de criar pressuposto não previsto na lei.27

27 No âmbito do Tribunal Regional Federal da Terceira Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul), existe provimento determinando que as petições iniciais apenas poderão ser recebidas pelo cartório distribuidor quando acompanhadas de cópias autenticadas dos documentos pes­soais das partes (identidade e CPF), bem como todos os documentos acostados à inicial deve­rão estar autenticados, cuja autenticação poderá ser realizada pelo próprio advogado.

Com toda certeza, trata-se de comando Inconstitucional e ilegal.Inconstitucional, primeiro, pelo fato de que um mero provimento de Tribunal não tem

o condão de criar norma de natureza processual, pois, como já tratamos, a edição de normas processuais, conforme o art. 22, inc. I, da Constituição da República, é competência exclusi­va da União, por meio do Congresso Nacional. Evidentemente, tal provimento implica aumento do rol de requisitos do art. 282 do Código de Processo Civil e é, portanto, incons­titucional por ausência de competência legislativa para tanto. Ademais, as normas internas dos Tribunais não tem força de lei e, assim, servem apenas para auto-regulamentação ou organização interna. Inconstitucional, também, pelo fato de quebrar a isonomia entre as par­tes: o provimento determina apenas ao autor a apresentação de cópias autenticadas, isen­tando o réu de tal providência na contestação.

Como se não bastasse, o provimento também é ilegal, ao passo que fere o Código Civil e o ordenamento processual. O Código de Processo Civil, ao tratar da prova documental, determina que a cópia simples do documento particular é considerada verdadeira até que a parte contrária apresente impugnação.

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D e f e s a s d o R é u 17

1 7 . 1 O C O N T R A D I T Ó R I O E O

Ô n u s d a Re s p o s t a do r é u

O processo civil contencioso, em especial o de conheci­mento, é relação jurídica que se justifica no contraditório,1 oriundo da resistência existente entre a pretensão formula­da pelo autor em sua petição inicial e a resposta oferecida pe­lo réu.2

A Constituição da República, em seu art. 5o, garante aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, o direito de contraditório e ampla defesa, direito este que consiste na faculdade da parte demandada em juízo de apresentar a sua versão contra aquela exposta pelo autor. E além disso lhe é

' No mesmo sentido, José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, v. I, p. 114.2 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, v. III, p. 444, asse­

vera que: "Resposta é a reação a um estímulo externo. Resposta à demanda inicial é a rea­ção do demandado, em processo de conhecimento, ao estímulo feito pela citação, a qual o tornou parte e deu-lhe ciência dos termos da demanda do autor".

3 9 5

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3 9 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

assegurado o direito de provar da forma mais abrangente possível os fatos que alega em sua defesa.

Com a citação válida, surge para o demandado o ônus3 de apresen­tar sua resposta ou defesa, sob pena de, não o fazendo, poder sofrer os efeitos dessa inércia processual, ou seja, a revelia, a preclusão, a prorro­gação de competência etc., o que será tratado oportunamente.

A citação gera para o réu o ônus de se defender. Não se trata de uma obrigação ou dever processual, mas, sim, de uma faculdade que, quando dispensada, pode ocasionar um prejuízo processual à parte.

Com efeito, poderá o réu vir a juízo para reconhecer a procedên­cia do pedido, manter-se inerte, ou, ainda, utilizar-se das modalidades de resposta previstas no art. 297 do Código de Processo Civil, quais sejam: a) contestação; b) exceções; c) reconvenção - cada qual com a sua finalidade específica.

1 7 . 2 P R A Z O P A R A R E S P O S T A

A regra do rito ordinário é no sentido de que a resposta do réu (seja contestação, reconvenção ou exceções) deve ser apresentada no prazo de quinze dias, contados na forma do art. 241 do Código de Pro­cesso Civil.

Em se tratando de citação por oficial de justiça, o prazo terá início na data da juntada aos autos do mandado de citação devidamente cumprido. Sendo o ato citatório procedido pelo correio, a defesa deve­rá ser apresentada no prazo de quinze dias contados da data da junta­da aos autos do comprovante de recebimento do ato (aviso de recebi­mento - AR). Na citação editalícia, o prazo para a resposta será aquele fixado pelo magistrado no edital.

Na hipótese de litisconsórcio passivo, o prazo para a defesa terá início após a citação do último réu, ou seja, da data de juntada aos au­tos do último mandado ou aviso de recebimento cumpridos.

No rito sumário, como já tratamos, a defesa não é apresentada no prazo de quinze dias, contados a partir da citação, mas apresentada em

3 Não caracteriza dever ou obrigação, o demandado não está obrigado a apresentar defesa.

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DEFESAS DO RÉU 3 9 7

audiência de conciliação, caso esta seja infrutífera (caso não haja acor­do entre as partes). Mas, no rito sumário, o réu deve ser citado com antecedência de pelo menos de 10 dias, isso para que possa ser consti­tuído advogado e elaborada a defesa a tempo de ser levada à audiência preliminar de conciliação.

Oportuno relembrar que o prazo para a defesa das Fazendas Pú­blicas e do Ministério Público é contado em quádruplo, portanto, te­rão sessenta dias para o oferecimento de suas respostas. Além disso, tratando-se de litisconsórcio no pólo passivo, cujos réus são defendi­dos por procuradores diferentes, o prazo será contado em dobro, ou seja, deverá ser considerado o prazo comum de trinta dias.

1 7 . 3 C O N T E S T A Ç Ã O

A contestação é o instrumento de oposição do réu à ação propos­ta pelo autor; podemos dizer que é o direito de ação do réu contra o direito de ação do autor, ou a resistência do demandado contra a pre­tensão do demandante.

A esse respeito, Moacyr Amaral Santos assevera as diferenças entre a ação e a defesa, nestes termos:'

Distinguem-se, entretanto, a ação e a defesa quanto ao objeto ma­

terial. Na ação o autor formula uma pretensão, faz um pedido. Diversa­

mente, na defesa não se contém nenhuma pretensão [ou pedido], mas

resistência à pretensão e ao pedido do autor. Defendendo-se, o réu não

pretende nada de quem aciona, apenas resiste à sujeição processual a

que o submete o órgão jurisdicional.

De fato, na defesa do rito ordinário,5 o réu não apresenta qualquer pedido, mas limita-se a oferecer resistência ou oposição àquilo que é pretendido pelo autor da ação.

4 Prim eiras linhas de direito processual civil, v. 2, p. 185.5 No rito sumário, é permitida a formulação de pedido pelo réu contra o autor na pró­

pria contestação.

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3 9 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

É na contestação, pelo princípio da eventualidade, que o réu deve­rá alegar toda matéria de defesa contra a pretensão do autor, seja ela processual ou de mérito, sob pena de, não o fazendo, ocorrer a preclu­são (art. 300 do CPC). Por essa razão, afirmamos que a contestação pode ter as seguintes manifestações:

a) defesa processual (preliminares);b) defesa de mérito.

Determina o art. 301 do Código de Processo Civil que, antes de dis­cutir o mérito da ação - por isso denominadas de preliminares - , o réu poderá argüir:

a) Inexistência ou nulidade da citação. Como vimos anteriormente, sem citação não existe processo, sendo certo que o réu poderá com­parecer em juízo apenas para suscitar o vício do ato citatório, situa­ção em que o seu prazo para a apresentação da defesa de mérito será devolvido, contando-se a partir da data da intimação da decisão que acolheu e decretou o defeito na citação (art. 214 do CPC).

b) Incompetência absoluta. É aquela decorrente de violação aos cri­térios concernentes à função do órgão jurisdicional (matéria, hie­rarquia e pessoa). A incompetência relativa (territorial ou de valor da causa) deverá ser alegada por meio de exceção de incompetên­cia (petição autônoma).

c) Inépcia da petição inicial. A inépcia se verifica quando existir vício no pedido da petição inicial, ou seja, quando faltar pedido ou causa de pedir, da narração dos fatos não decorrer logicamente o pedido, quando o pedido for juridicamente impossível ou quando os pedidos cumulados forem incompatíveis entre si (art. 295, parágrafo único, do CPC).

d) Perempção. Fenômeno processual que ocorre quando a ação é extinta, sem julgamento do mérito, por mais de três vezes, em razão da inércia da parte autora em dar andamento ao feito (art. 268, parágrafo único, do CPC). Nesse caso, sendo proposta pela quarta vez, o réu poderá alegar que ocorreu a perempção, conseqüente­mente, a ação deverá ser extinta sem o julgamento do mérito.

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DEFESAS DO RÉU 3 9 9

e) Litispendência. Ocorre quando houver em curso outra ação idên­tica (mesmas partes, causa de pedir e pedido), quando se repete ação que ainda está em trâmite ou pendente de julgamento (art. 301, §3°, do CPC).

f) Coisa julgada. Poderá ser alegada quando o autor estiver repetin­do ação idêntica a outra já transitada em julgado, decidida por sentença definitiva (da qual não caibam mais recursos).

g) Conexão ou continência. Quando, por identidade de causa de pedir ou objeto do processo, é necessária a reunião do processo com outro já em curso, para que sejam julgados simultanea­mente.

h) Incapacidade da parte, defeito de representação processual ou falta de autorização.

i) Convenção de arbitragem. O réu poderá alegar a existência de com­promisso arbitrai que impede a discussão judicial do litígio.

j) Carência de ação. Impossibilidade jurídica do pedido, falta de legi­timidade e interesse de agir.

k) Falta de caução ou outra prestação, que a lei exige como requisito para a propositura da ação - hipótese, por exemplo, da ação resci­sória, que determina a prestação de caução pelo autor como pres­suposto da ação.

As preliminares de contestação são questões processuais que, quan­do reconhecidas, impedem o magistrado de conhecer do mérito da ação. São questões de ordem pública que podem ser conhecidas de ofí­cio, salvo a hipótese de compromisso arbitrai (art. 301, § 4o, do CPC), e sobre elas não ocorre a preclusão, permitindo-se a apreciação em qualquer fase do processo ou grau de jurisdição.

O acolhimento das preliminares poderá gerar ao processo os se­guintes efeitos:

a) Extinção do processo sem o julgamento do mérito (art. 267 do CPC), nos casos de: inépcia da inicial (extinção por indeferimen­to - art. 267, inc. I, do CPC); perempção; litispendência; coisa jul­gada; incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização (após o juiz determinar que seja sanada a irregulari­

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4 0 0 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

dade e a parte manter-se inerte); convenção de arbitragem; carên­cia de ação ou falta de caução ou outra prestação que a lei deter­mine necessária à propositura da ação.

b) Deslocamento da competência. Caso seja acolhida a preliminar de incompetência absoluta, o juiz deverá determinar a remessa dos autos ao órgão competente (art. 113, § 2o, do CPC). O acolhimen­to da incompetência absoluta não é causa de extinção do proces­so, mas sim de deslocamento da competência. A competência tam ­bém poderá ser modificada em favor do órgão prevento no caso em que se verifique a conexão ou a continência, conforme já tra­tamos no item 10.11.1 deste trabalho.

c) Concessão de novo prazo para resposta do réu ou de realização de novo ato citatório. Na hipótese de ser acolhida a preliminar de ine­xistência ou nulidade de citação, o magistrado deverá:• determinar que seja realizado novo ato citatório, na hipótese de

o réu não ter comparecido espontaneamente. Tal situação é comum quando, sendo o réu citado fictamente, a contestação for apresentada por curador especial (art. 9o do CPC). Assim, sendo acolhida a preliminar de nulidade de citação, deverá ser tentada novamente a localização do réu;

• conceder novo prazo para contestação, na hipótese de o réu ter comparecido espontaneamente e ter sido reconhecida a inexis­tência ou nulidade da citação, caso em que o juiz devolverá o prazo para a defesa (art. 214 e § 2o do CPC).

Não obstante a apresentação da defesa processual preliminar, em observância ao princípio da eventualidade (art. 300 do CPC), deverá o réu deduzir também sua defesa de mérito, opondo-se de forma espe­cífica às pretensões manifestadas pelo autor na inicial.

É na defesa de mérito que o réu deverá impugnar, de forma espe­cífica, todos os fatos argüidos pelo autor, sob pena de preclusão e presunção de veracidade. Em outras palavras: os fatos não contesta­dos são tidos por incontroversos, gerando a confissão do réu em fa­vor do autor.

A falta de impugnação específica (ou a contestação genérica) gera uma presunção iuris tantum, por isso relativa, de veracidade dos fatos

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DEFESAS DO REU 4 0 1

não contraditados. Assim, podemos afirmar que o conjunto probató­rio levado aos autos pode ilidir a referida presunção.6

Todavia, não se aplica a regra da impugnação específica nos se­guintes casos (art. 302 e parágrafo único do CPC):

a) Quando não for admissível a confissão. Não há indução à confis­são quando a discussão versar sobre bens indisponíveis, entendi­dos como aqueles não passíveis de transação (bens não patrimo­niais e públicos).

b) Caso a petição inicial não estiver instruída com o documento públi­co que a lei obrigar para validade e prova do ato. Por exemplo, não gera a presunção de veracidade da existência ou não do direito à pro­priedade o autor deixar de apresentar a escritura pública registrada.

c) Quando na inteligência do conjunto da defesa for possível com­preender a contradição contra a pretensão do autor, ou seja, a pre­sunção de veracidade é ilidida pelo conjunto lógico da contestação.

d) Quando a defesa estiver sendo patrocinada por advogado dativo ou curador especial (nomeados nas hipóteses do art. 9o do CPC), bem como pelo órgão do Ministério Público.

Dá-se na contestação o momento oportuno para que o réu apre­sente toda a sua defesa, expondo todos os fatos capazes de contradizer a pretensão do autor. Após a apresentação da contestação, o demanda­do não poderá mais deduzir novas alegações de defesa, salvo quando relativas a direito superveniente (advindo após o oferecimento da con­testação), quando competir ao juiz conhecer a matéria de ofício (ques­tão de ordem pública) ou puderem ser alegadas a qualquer tempo por expressa previsão legal (art. 303 do CPC).

■ i 1 7 .3 .1 R e v e l i a ( C o n t u m á c i a d o R é u )

Como regra, o sentido técnico-processual do termo revelia corres­ponde à ausência de contestação no processo. Configura-se pela inér­cia do demandado em apresentar sua resposta à pretensão do autor. A

6 N e ls o n N e r y J u n io r & R o s a M a r ia d e A n d r a d e N e ry , Código de Processo Civil comenta­do, 8 . e d . , p . 7 6 3 , n o t a a o a r t . 3 0 2 .

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4 0 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

revelia representa a recusa do réu em comparecer em juízo para apre­sentar sua defesa.

Registre-se que ocorre a revelia quando, citado pessoalmente, seja por oficial de justiça ou correio, o réu não contesta a ação contra ele proposta, omitindo-se, portanto, no cumprimento do ônus processual de responder.7 Podemos afirmar que não há revelia quando o réu não é citado pessoalmente.

Assim, como regra, citado o réu, a sua contumácia tem o poder de fazer gerar o efeito da revelia, que nada mais é do que a presunção de ve­racidade dos fatos alegados pelo autor, conforme dispõe o art. 319 do Código de Processo Civil, a seguir reproduzido:

Art. 319. Se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadei­

ros os fatos afirmados pelo autor.

Por expressa determinação legal, no rito sumário, a revelia não ocorrerá apenas pela falta de contestação, mas também quando o réu deixar de comparecer à audiência (de conciliação).

A imposição dos efeitos da revelia torna os fatos da ação incontro­versos; conseqüentemente, como regra, as alegações do autor não mais dependerão de provas.

Cumpre-nos, todavia, esclarecer que a incidência dos efeitos da revelia sobre o processo não conduz à automática procedência do pe­dido do autor. Isso significa que, mesmo havendo a decretação dos efeitos da revelia, poderá o magistrado julgar improcedente a preten­são da ação quando, mesmo presumindo verdadeiros os fatos narrados na inicial, àqueles fatos não corresponder nenhum direito material.

A omissão no cumprimento de dever de contestar faz presumir verdadeiros os fatos articulados pelo autor em sua inicial, mas essa pre­sunção refere-se tão-somente aos fatos e não ao direito. Pode ocorrer de o réu não contestar e, mesmo assim, o juiz entender que não há nenhum direito que tutele a pretensão do autor. Mesmo considerando verdadeiro o fato, àquele fato não corresponde um direito no ordena­mento jurídico.

7 J o s é F r e d e r ic o M a r q u e s , op. cit., p . 1 1 7 .

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DEFESAS DO RÉU 4 0 3

Nesse ponto difere a revelia do reconhecimento da procedência do pedido pelo réu. Enquanto esta conduz obrigatoriamente ao acolhi­mento da pretensão do autor, aquela apenas gera a presunção de que os fatos são verdadeiros, não vinculando o magistrado à procedência.

Por outro lado, o art. 320 do Código de Processo Civil determina situações em que, mesmo havendo a revelia - tecnicamente pela falta de contestação - , não serão aplicados os efeitos previstos no art. 319, ou seja:

a) Quando, havendo pluralidade de réus, algum deles contestar.Em relação a essa previsão legal, surge a seguinte indagação: a con­testação de um réu sempre aproveitará aos demais co-réus? Entendemos que apenas haverá aproveitamento da contestação de um réu aos demais litisconsortes quando o fato for comum a eles. Caso contrário, deixando um réu de contestar, mesmo havendo contestação de outro litisconsorte, o fato não comum (aquele re­lativo apenas a um dos réus) ficará sem impugnação; conseqüen­temente, é tido por fato incontroverso e presumidamente verda­deiro.

b) Quando o litígio versar sobre direitos indisponíveis, assim enten­didos aqueles de natureza não patrimonial e pública. Apenas os direitos patrimoniais e privados é que admitem disposição pelo seu titular, assim, também, apenas quando a ação versar sobre esses direitos é que se admitirá a incidência dos efeitos da revelia.

c) Caso a petição inicial não esteja instruída com o documento pú­blico que a lei considere indispensável para a prova do ato jurídi­co (por exemplo, a escritura pública registrada, a certidão do regis­tro civil etc.). A contumácia do réu não gera a presunção de veracidade se o autor deixou de apresentar documento público indispensável à prova de seu direito.Vejamos o exemplo: na petição inicial, o autor alega propriedade de imóvel, mas deixa de apresentar o competente registro no Cartório de Registro de Imóveis; nesse caso, mesmo que o réu seja revel, não há que se falar em presunção de veracidade da pro­priedade, pois esse fato deveria ter sido provado por documento público.

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4 0 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Nos casos anteriores, é importante ressaltar que o réu é revel, no entanto não serão aplicados os efeitos da revelia a ele. Nesse ponto, não podemos deixar de mencionar que poderá existir a revelia (pela ausên­cia de contestação), mas sem que sejam aplicados os efeitos da revelia (que eqüivalem à presunção de veracidade dos fatos articulados pelo autor).

Por outro lado, não há que se falar em revelia (ou mesmo os efeitos da revelia), quando o réu tiver sido citado fictamente ou, ainda, quan­do se tratar de réu preso; hipóteses em que, nos termos do art. 9o do Código de Processo Civil, deverá o juiz nomear um curador especial para apresentação de defesa em nome dessas pessoas. Evidentemente, sendo nomeado o curador especial e apresentando ele a defesa, não haverá que se falar em revelia ou efeitos da revelia.

Cumpre observar que, ocorrendo a revelia, os atos processuais e prazos correrão contra o revel independentemente da intimação,8 podendo ele, a qualquer tempo, intervir no processo, o qual é recebido no estado em que se encontrar, sendo vedada a repetição de atos pro­cessuais cujo momento oportuno já tenha expirado.

17.4 Ex c e ç õ e s

No sentido genérico da palavra, o termo exceção compreende sig­nificado semelhante ao de exclusão, salvo desvio da regra. Contudo, para o processo civil, a referida terminologia exceção eqüivale ao ter­mo defesa.

No campo das respostas do réu, as exceções assumem caráter de defesa em relação ao órgão jurisdicional ou contra a própria pessoa do magistrado. Ao contrário da contestação, as exceções não se prestam para que o demandado ataque a pretensão formulada pelo autor, mas sim para argüir eventual vício na competência relativa do órgão juris­dicional ou quanto à imparcialidade da pessoa do juiz.

8 Art. 322 com redação dada pela Lei n. 11.280/2006: "Contra o revel que não tenha patrono nos autos, correrão os prazos independentemente da intimação, a partir da publi­cação de cada ato decisório".

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DEFESAS DO RÉU 405

O art. 304 do Código de Processo Civil admite as seguintes moda­lidades de exceção pelo réu:

a) exceção de incompetência (relativa);b) exceção de impedimento ou suspeição.

A apresentação de qualquer uma das exceções gera a imediata sus­pensão do processo principal, conforme determina o art. 306 do Códi­go de Processo Civil.

De fato, as exceções de incompetência ou de parcialidade do m a­gistrado colocam em discussão a própria validade da atividade jurisdi­cional. Seja em razão da competência relativa ou da parcialidade, não poderão ser praticados atos processuais enquanto o incidente não for decidido e não houver sido afastada a sombra de inaptidão do órgão jurisdicional ou do juiz para prosseguir no feito.

m 1 7 . 4 . 1 E x c e ç ã o d e I n c o m p e t ê n c i a

Para o estudo da exceção de incompetência, é imprescindível o re­torno aos conceitos de competência absoluta e de competência relativa.

Como já tratamos anteriormente, a competência absoluta é ques­tão de interesse público, pois diz respeito à própria função do órgão jurisdicional. Assim, a incompetência absoluta (vício na competência absoluta) poderá ser conhecida de ofício e a qualquer momento do processo, inclusive é matéria que pode ser argüida em preliminar de contestação (art. 301 do CPC).

Por sua vez, a competência relativa, aquela decorrente dos crité­rios territoriais e de valor da causa, existe no ordenamento proces­sual em função do interesse das partes. Portanto, eventual erro na escolha da competência relativa depende de provocação da parte interessada para que possa ser conhecida e declarada pelo órgão jurisdicional.

É exatamente para isso que se presta a exceção de incompetência. É o instrumento hábil para que o réu alegue eventual vício ou erro na escolha da competência relativa. A legitimidade para a exceção de incompetência, como regra, é exclusiva do sujeito passivo da ação, já que seria o autor o responsável por eventual erro na competência.

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4 0 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

O instituto denominado exceção de incompetência constitui ver­dadeiro incidente processual, que é autuado em apartado e apenso aos autos do processo principal, no qual o magistrado decidirá se é ou não competente para o processamento da causa, observando, para tanto, os fatores território (foro) e valor da causa.

Nas hipóteses de violação à competência absoluta, como vimos anteriormente, esta incompetência deverá ser alegada em preliminar de contestação, nos termos do art. 301, inc. II, do Código de Processo Civil.

Apesar de o disposto no art. 305 do Código de Processo Civil suge­rir a possibilidade de a exceção de incompetência poder ser alegada em qualquer momento, na realidade isso não ocorre, já que a incompetên­cia relativa deve ser argüida, obrigatoriamente, no prazo para a resposta do réu, sob pena de ocorrer a preclusão e a conseqüente prorrogação da competência (o foro que era incompetente passa a ser o competente).

A reforma trazida pela Lei n. 11.280/2006 acrescentou parágrafo único ao art. 305 do Código de Processo Civil para permitir que a petição de exceção de incompetência seja protocolizada no juízo de domicílio do réu ou naquele em que se encontrar o processo. Caso a ex­ceção seja apresentada no juízo do foro do réu, o excepto requererá a remessa dos autos ao juízo em que se encontra o processo.

Argüida a incompetência por exceção, o processo principal ficará suspenso, devendo o juiz intimar o excepto (parte contrária: autor) para que se manifeste no incidente processual dentro do prazo de dez dias, podendo, inclusive, designar audiência para oitiva de testemu­nhas quando necessário.

Ressalte-se que, recebida a exceção, o processo ficará suspenso até o seu julgamento, nos termos dos arts. 306 e 265, inc. III, do Código de Processo Civil. Essa suspensão do processo principal perdurará até que o incidente seja julgado em primeira instância.

Encerrada a instrução do incidente, ou não sendo necessária a dilação probatória, o próprio juiz da ação principal proferirá decisão no incidente processual,9 acolhendo ou não a alegação de incompetên­cia relativa.

9 Trata-se de típica decisão interlocutória, portanto, impugnável por meio de recurso de agravo.

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DEFESAS DO RÉU 4 0 7

Na hipótese de procedência da exceção, o juiz determinará a re­messa dos autos ao juízo (foro) entendido como o competente (outro local); caso contrário, o processo permanecerá no mesmo juízo. O ato judicial proferido no incidente de exceção tem natureza de decisão interlocutória, portanto, desafia recurso de agravo de instrumento.

m í 1 7 . 4 . 2 E x c e ç ã o d e I m p e d i m e n t o o u S u s p e i ç ã o

O impedimento e a suspeição (arts. 134 e 135 do CPC) constituem hipóteses de parcialidade do juiz, situações que levam ao entendimen­to de que a pessoa do magistrado é interessada na conclusão do pro­cesso.

Assim, quando a parte tiver ciência (e prova) de que o juiz está impedido ou suspeito, poderá manejar a exceção como forma de fazer deslocar o processo do juiz parcial para o seu substituto legal; magis­trado esse que não tenha interesse no feito.

Essa modalidade de exceção, apesar de ser uma espécie de respos­ta do réu, pode ser utilizada por qualquer uma das partes. Tanto o au­tor como o réu têm legitimidade para a exceção de impedimento ou suspeição, afinal, a parcialidade pode revelar-se em favor de qualquer uma das partes.

A exceção de impedimento ou suspeição deve ser alegada no pri­meiro momento que a parte tiver para falar nos autos após o conheci­mento da parcialidade.

Com relação à exceção de suspeição, por se tratar de parcialidade relativa, caso não seja ela apresentada no momento próprio, ocorrerá a preclusão para a parte e a matéria não mais poderá ser alegada no futuro.10

O contrário ocorre com a exceção de impedimento, que pode ser argüida em qualquer momento do processo, até mesmo em sede de ação rescisória após o trânsito em julgado da ação, pelo fato de que o impedi­mento gera nulidade absoluta de todos os atos praticados, não havendo que se falar de preclusão quando da não alegação pela parte interessada.

' “ N e ls o n N e r y J u n io r & R o s a M a r ia d e A n d r a d e N e ry , op. cit., p . 5 8 9 , n o ta s 1 e 2 a o a r t . 3 1 2 .

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4 0 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

No entanto, caso a parte não alegue o impedimento no primeiro momento que for possível, deverá responder pelos prejuízos decorren­tes da demora da argüição da parcialidade.

Procedimento da exceção de impedimento ou suspeição

A exceção de impedimento ou suspeição deverá ser apresentada por meio de petição fundamentada e autônoma das demais modalida­des de defesa, sendo endereçada ao próprio juízo da causa.

A primeira pergunta que surge: mesmo sendo o juiz impedido ou suspeito, a exceção é dirigida a ele?

Na realidade, a exceção é dirigida ao próprio juiz suspeito de par­cialidade para que lhe seja dada a oportunidade de reconhecer tal ale­gação espontaneamente. Assim, caso ele aceite a alegação do excepto, declarará ser impedido ou suspeito e determinará a remessa dos autos ao seu substituto legal.

Porém, caso negue a argüição de parcialidade, o magistrado terá o prazo de dez dias para apresentar suas razões, podendo inclusive indi­car testemunhas e juntar documentos e, imediatamente, remeterá o processo ao tribunal para que este julgue a exceção de impedimento ou suspeição.

Ressalte-se que a competência para julgar a exceção de suspeição ou impedimento não é do juiz supostamente parcial (como ocorre na exceção de incompetência), mas concerne ao tribunal proceder ao jul­gamento da alegação suscitada pela parte.

Caso o tribunal acolha a exceção, o juiz será condenado ao paga­mento das custas despendidas no incidente e os autos serão remetidos ao substituto legal; caso contrário, os autos retornarão ao próprio m a­gistrado suscitado e a exceção será arquivada.11

" O acórdão proferido pelo tribunal no julgamento do incidente de exceção poderá ser

impugnado, observados os requisitos próprios dos recursos, por meio dos recursos especial e

extraordinário.

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DEFESAS DO RÉU 4 0 9

17.5 Re c o n v e n ç ã o

A reconvenção é a ação do réu contra o autor, nos mesmos autos do processo da ação que este move contra aquele. É o instrumento colocado à disposição do réu para que ele possa formular pedido con­tra o autor da ação principal. Mais do que uma forma de defesa, a re­convenção se mostra uma forma de ataque contra o autor, de verdadei­ra ação para a obtenção de uma tutela jurisdicional.12

Cândido Rangel Dinamarco (Instituições de direito procesual civil, v. III) assim define a reconvenção:

Reconvenção é a demanda de tutela jurisdicional proposta pelo réu

em face do autor, no processo pendente entre ambos e fora dos limites

da demanda inicial. Com ela, o réu introduz no processo uma nova pre­

tensão, a ser julgada em conjunto com a do autor.

Na realidade, como medida de economia processual e no espírito de evitar decisões conflitantes, a reconvenção nada mais é do que a permissão de cumulação de ações no mesmo processo. Com a propo­situra da reconvenção, o processo proposto pelo autor prosseguirá com duas ações: a ação do autor contra o réu, entendida como a prin­cipal, e a ação do réu contra o autor, denominada reconvencional.

Ordinariamente, a defesa do réu não tem o poder de gerar nova ação, já que a contestação somente visa atacar a pretensão do autor. Todavia, caso tenha ele o desejo de obter uma tutela contra o autor, observadas as hipóteses de cabimento, poderá demandar uma tutela jurisdicional contra o autor no próprio processo.

Esse direito de ação incidental apenas se verifica no processo pelo rito ordinário, já que, por expressa determinação legal, não é cabível a reconvenção no rito sumário (neste se permite a formula­ção de pedido na própria contestação - denominado de pedido con­traposto - , o que não existe no rito ordinário).

'2 N a d e f i n i ç ã o d e J o s é C a r lo s B a r b o s a M o r e i r a , O novo processo civi! brasileiro, p . 4 4 .

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4 1 0 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Vamos imaginar que o autor tenha promovido ação contra o réu para ser ressarcido por danos experimentados em razão do descumpri- mento de determinado contrato. Citado, o réu apresenta contestação, mas, defendendo seu direito, além disso, deseja obter a condenação do autor ao recebimento da multa contratual. Nesse caso, a simples con­testação não terá o condão de obter a condenação do autor; para isso o réu deverá valer-se de uma reconvenção.

Mas, nesse ponto, advém a seguinte indagação: poderá o réu pro­mover reconvenção sobre qualquer fundamento? Poderá pedir contra o autor qualquer espécie de tutela ou bem da vida?

A abrangência não é tão ampla assim.A esse respeito, o art. 315 do Código de Processo Civil dá os se­

guintes requisitos de cabimento da reconvenção:

a) quando a ação reconvencional for conexa com a ação principal, ou seja, entre elas houver identidade de pedido, causa de pedir ou ob­jeto litigioso;

b) quando houver conexão entre a reconvenção e o objeto da defesa.

M 1 7 . 5 . 1 P R A Z O E F O R M A D A P R O P O S I T U R A D A

R e c o n v e n ç ã o

A reconvenção deve ser apresentada no prazo de quinze dias, e si­multaneamente com a contestação. Ressalte-se que nada impede a apre­sentação de reconvenção sem contestação, ou seja, a parte poderá ape­nas reconvir sem contestar. No entanto, se desejar utilizar ambas as respostas, deverá protocolizar as duas, em petições autônomas, mas no mesmo momento processual.

O entendimento majoritário é no sentido de que a contestação e a reconvenção devem ser apresentadas simultaneamente (no mesmo ato processual e no mesmo dia), sob pena de, protocolizada a contes­tação sem a reconvenção, ocorrer a preclusão consumativa para a re­convenção.

Por outro lado, por se tratar de uma verdadeira ação, a reconven­ção deverá seguir todos os requisitos próprios para o eficaz exercício desse direito, inclusive formulando o réu (autor da reconvenção) peti-

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DEFESAS DO RÉU 411

ção inicial com observância dos pressupostos previstos no art. 282 do Código de Processo Civil, bem como da implementação das condições da ação e demais pressupostos processuais.

Além disso, para ser cabível a reconvenção, o autor deverá observar:

a) a competência do juiz para conhecimento da reconvenção - o juízo da ação principal também deve ser competente para o julga­mento da reconvenção;

b) compatibilidade entre os ritos ou procedimentos (ação e recon­venção);

c) simultaneidade na apresentação (contestação e reconvenção);d) a ação principal deve admitir a reconvenção - uma vez que alguns

procedimentos admitem pedidos na própria contestação, não ha­vendo necessidade de reconvenção; por exemplo, rito sumário e ações possessórias (ações de força dúplice).

m t 1 7 . 5 . 2 P r o c e d i m e n t o d a R e c o n v e n ç ã o

Conforme dispõe o art. 299 do Código de Processo Civil, apresen­tada a reconvenção simultaneamente com a contestação, em petições autônomas, será a nova ação distribuída por dependência ao mesmo juízo da ação principal. A reconvenção é juntada aos autos da própria ação, não havendo que se falar em autuação do processo em apartado ou apensado.

Com a propositura da reconvenção, as partes continuarão a ser autor e réu na ação principal, mas denominadas de autor reconvindo (réu na reconvenção e autor da ação principal) e réu reconvinte (sujei­to ativo da reconvenção e passivo da ação principal) na ação recon- vencional.13

Recebida a reconvenção, o magistrado procederá ao mesmo juízo de admissibilidade tipicamente destinado às petições iniciais e, em

13 É muito comum ouvirmos a seguinte expressão: "a reconvenção faz o autor virar réu e o réu virar autor". Na realidade, não há qualquer modificação de posição nos pólos da ação principal. Essa afirmação pode conduzir à falsa idéia de que o autor não ocupa mais o pólo ativo. Na realidade, as partes serão autor e réu, cada qual na ação que propôs; o autor con­tinuará sendo o sujeito ativo da ação principal e o réu será o autor da ação reconvencional (ainda passivo na principal).

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412 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

caso positivo, determinará a intimação do autor reconvindo, na pessoa de seu advogado, para que apresente contestação à reconvenção no prazo de quinze dias.

Com efeito, a ação reconvencional seguirá o seu curso em conjun­to com a ação principal, aproveitando-se os mesmos atos processuais (audiências, perícias etc.) para ambas ações. Até que, finalmente, após regular instrução das ações, serão julgadas a ação principal e a recon­venção na mesma sentença, conforme determina o art. 318 do Código de Processo Civil.

M 1 7 . 5 . 3 R E C O N V E N Ç Ã O E P E D I D O C O N T R A P O S T O

Como tratamos, a reconvenção é a ação do réu em face do autor, nos mesmos autos, ou seja, a reconvenção tem natureza de verdadeira ação.

Todavia, em casos excepcionais, a própria lei autoriza o réu a for­mular pedido dentro da contestação, o que é denominado pedido con­traposto (ações de caráter ou força dúplice). Havendo a possibilidade de ser formulado pedido contraposto, o réu não terá interesse na pro­positura de reconvenção, já que o pedido contraposto é forma mais simples de o réu formular pedido em face do autor. Enquanto a recon­venção demanda uma petição inicial, o pedido contraposto será inser- to na própria petição de defesa.

É admitido o pedido contraposto, por exemplo, nas seguintes hi­póteses:

a) Ações de conhecimento pelo rito sumário - art. 278, § Io,14 do Código de Processo Civil.

b) Determinadas ações de conhecimento por rito especial com natureza de força dúplice: ação possessória (art. 922 do CPC), pres­tação de contas, consignação em pagamento, demarcatórias etc.

c) Nos procedimentos dos Juizados Especiais (Lei n. 9.099/95).

1“ "Art. 278, § 1o. É lícito ao réu, na contestação, formular pedido em seu favor, desde que fundado nos mesmos fatos referidos na inicial."

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DEFESAS DO RÉU 4 1 3

H 1 7 . 5 . 4 D I S T I N Ç Ã O E N T R E R E C O N V E N Ç Ã O E A Ç Ã O

D E C L A R A T Ó R I A I N C I D E N T A L

Inicialmente, cumpre definir o que vem a ser ação declaratória incidental.

Os arts. 5o e 325 do Código de Processo Civil definem ação decla­ratória incidental da seguinte forma:

Art. 5o Se, no curso do processo, se tornar litigiosa a relação ju rí­

dica de cuja existência ou inexistência depender o julgam ento da

lide, qualquer das partes poderá requerer que o juiz a declare por

sentença.

Art. 325. Contestando o réu o direito que constitui fundam ento

do pedido, o autor poderá requerer, no prazo de 10 (dez) dias,

que sobre ele o juiz profira sentença incidente, se da declaração

da existência ou da inexistência do direito depender, no todo ou

em parte, o julgam ento da lide (art. 5o).

Como se vê, há a denominação de ação declaratória incidental pelo simples fato de ser ela proposta em um processo já em curso. E mais, essa ação tem por único objetivo a obtenção de uma declaração, portanto, uma tutela jurisdicional acerca da existência ou inexistência de fato controvertido entre as partes, fato este surgido como questão prejudicial.

A ação declaratória incidental é proposta para o julgamento de questões prejudiciais que surgem no curso do processo em relação ao mérito da causa principal. A questão prejudicial é o fato apresentado no processo com o objetivo de afastar a pretensão principal; no entan­to, tal fato, que é fundamento do processo, em princípio, não será deci­dido no dispositivo da sentença, pois a tutela pretendida é outra.

Assim, para que a questão prejudicial seja declarada na sentença, e sobre essa declaração recaiam os efeitos da coisa julgada, qualquer uma das partes poderá promover ação declaratória incidental.

Como exemplo, podemos citar: o autor promoveu ação para obter a condenação do réu ao pagamento de determinada quantia devida a títu­lo de juros e multas contratuais. Na contestação, o réu apresentou a ale­

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4 1 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

gação de que a cláusula contratual relativa aos juros e às multas é abusi­va e ilegal. Nota-se que o réu trouxe na contestação uma questão preju­dicial ao direito e à pretensão do autor (a nulidade da cláusula contra­tual), questão esta que, em princípio, não será declarada na sentença (o juiz apenas apreciará a questão na sua fundamentação, para o fim de aco­lher ou não a pretensão do autor). Assim, caso uma das partes tenha inte­resse na obtenção de uma tutela declaratória acerca da ilegalidade ou não da cláusula contratual, poderá promover a ação declaratória incidental (dentro da própria ação de cobrança, por isso incidental).

Nesse caso, quando da prolação da sentença, além de julgar a ques­tão principal (o pedido de condenação do réu), o juiz também deverá apreciar o pedido declaratório incidental, para, se for o caso, declarar expressamente na sentença (como tutela jurisdicional) a questão rela­tiva à nulidade da cláusula contratual. Caso não seja proposta a ação declaratória, a sentença limitar-se-á a dar um provimento acerca da procedência ou não da cobrança (mesmo tomando como fundamen­to a questão prejudicial), mas não declarará a questão prejudicial com força de coisa julgada.15

Evidentemente, tanto autor como réu poderão se valer da ação declaratória incidental. Sendo proposta pelo autor, deverá fazê-la no prazo de dez dias contados da data em que for intimado para manifes­tar-se acerca da contestação.

Por outro lado, pretendendo o réu apresentar ação declaratória incidental, deverá fazer no prazo da resposta (da contestação).

Assim, muitos autores denominam a ação declaratória incidental do réu como uma verdadeira espécie de reconvenção específica.16

Dessa forma, por se tratar também de uma cumulação de ações no mesmo processo (ação principal e ação declaratória incidental), há aparente confusão entre a ação declaratória e a reconvenção. No entan­to, sob a análise técnico-processual, existem relevantes distinções entre os institutos, como se vê no quadro a seguir.

15 João Batista Lopes, Ação declaratória, p. 117, define: "A finalidade da ação declaratória incidental é estender a autoridade da coisa julgada também às questões prejudiciais que, de outra forma, seriam apreciadas incidenter tantum".

16 Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo curso de direito processual civil, v. 1, p. 392.

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DEFESAS DO RÉU 4 1 5

Reconvenção Ação declaratória incidental

Dispositivo legal Art. 315 Arts. 5o e 325Legitimidade Apenas do réu Autor e réu

Relação com o contraditório

A reconvenção pode ser admitida mesmo que o réu não apresente contestação

A existência de contestação é requisito para o cabimento da ação declaratória incidental, já que apenas com a contestação

é que surge a questão prejudicialDependência em relação à ação principal

Em caso de extinção da ação principal, permanece em curso a reconvenção

A extinção da ação principal gera a extinção da ação declaratória incidental

Tutelajurisdicional

Tem cabimento para a obtenção de qualquer espécie de tutela jurisdicional: declaratória, condenatória ou constitutiva

Tem cabimento apenas para a obtenção de

tutela declaratória

Cognição

Há aumento na carga de

conhecimento da lide. A reconvenção traz ao processo novos elementos que terão de ser apreciados

pelo magistrado

Não há aumento da carga cognitiva da lide. Com ou sem a ação declaratória, a questão

prejudicial seria apreciada (com a ação, a questão prejudicial é declarada na sentença)

Prazo Quinze dias Dez diasContestação Não havendo contestação

da reconvenção, haverá

revelia

Não havendo contestação da ação declaratória, poderá

não haver revelia, uma vez que os fatos já estão controversos

Page 448: Manual de Direito Processual Civil - Vol. 1 - Darlan Barroso

4 1 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

17.6 Ou t r a s Mo d a l id a d e s de Re s p o s t a s

do RÉU

Além da contestação, reconvenção e exceções, o sujeito passivo da relação processual poderá apresentar:

a) impugnação ao valor da causa (art. 260 do CPC);b) impugnação à concessão da justiça gratuita (art. 6o da Lei n. 1.060/50).

■ I 1 7 . 6 . 1 I M P U G N A Ç Ã O A O V A L O R D A C A U S A

Como já tratamos no capítulo destinado ao estudo da petição ini­cial, incumbe obrigatoriamente ao autor atribuir um valor certo à causa, segundo os critérios estabelecidos nos arts. 258 e 259, valor este que terá por função servir como base para o recolhimento das custas, definição de competência, cabimento do rito, fixação dos honorários advocatícios etc.

Por sua vez, o art. 261 incumbe ao réu o ônus de impugnar o valor atribuído pelo autor na petição inicial, caso sua fixação não tenha observa­do os critérios legais e, em razão disso, possa lhe acarretar - ou já lhe este­ja acarretando - prejuízo processual. O réu deverá demonstrar em sua im­pugnação o interesse jurídico na modificação do valor constante da inicial.

O valor da causa é extremamente relevante na questão atinente às despesas processuais, já que a maioria das custas dos recursos é calculada com base nesse valor, e mais, em caso de inexistência de valor de conde­nação, os honorários advocatícios poderão ser arbitrados pelo juiz sobre o valor da causa. Assim, como forma de garantir o acesso ao duplo grau de jurisdição e prevenir-se contra eventual condenação ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, grande interesse poderá ter o réu para alterar o valor dado à causa pelo autor.

Dessa forma, dispõe o art. 261 que, no prazo da contestação, (portan­to, quinze dias), por meio de petição fundamentada, poderá o réu impugnar o valor atribuído à causa na petição inicial.

No rito ordinário, a impugnação gerará um incidente processual que, autuado em apartado, terá o seu curso regular sem a suspensão do pro­cesso principal. Após a manifestação da parte contrária e, se for o caso, a

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DEFESAS DO RÉU 4 1 7

instrução do processo com a realização de prova técnica (por exemplo, contábil), o juiz proferirá sua decisão,17 acolhendo ou não a impugnação.

Não havendo impugnação ao valor da causa, presume-se que o réu aceitou o valor atribuído pelo autor na petição inicial (parágrafo único do art. 261 do CPC).

wm 1 7 . 6 . 2 I m p u g n a ç ã o à C o n c e s s ã o d a J u s t i ç a

G r a t u i t a

Os benefícios da justiça gratuita são concedidos, quando não houver indícios em sentido contrário, pela simples declaração de pobreza firma­da pela parte requerente, autor ou réu, declaração esta capaz de gerar pre­sunção iuris tantum de que a parte não tem condições de arcar com as custas e despesas do processo (ver Capítulo 12,12.2.3).

Assim, como já tratamos, a parte contrária poderá impugnar os be­nefícios concedidos à outra, requerendo a revogação da gratuidade me­diante a demonstração de que a declaração de pobreza não condiz com a realidade.

A impugnação poderá ser formulada por qualquer uma das partes, em repúdio à concessão deferida à adversa; portanto, não obstante ser uma espécie de defesa do réu, também pode ser exercida pelo autor quan­do este pretender impugnar os benefícios concedidos àquele.

Essa impugnação não pode ser formulada no corpo da contestação (ou qualquer outra espécie de defesa), pois dará causa a um incidente processual que é autuado em apartado e, sem a suspensão do processo principal, será instruído no sentido de colher provas para a apuração da existência ou não do estado de pobreza da parte beneficiada.

,7 Decisão interlocutória que comporta ser impugnada por meio de recurso de agravo de instrumento.

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QUADR O 17.1 - S Í N T E S E DE F E S A S DO RÉU

Contestação Reconvenção Exceção de incompetência Exceção de suspeição ou impedimento

Objeto

Exercício do contraditório contra a pretensão do autor. A contestação contempla a defesa processual (preliminares previstas no art. 301 e a defesa do m érito) contra o pedido e a causa de pedir da ação

É a ação do réu em face do autor, proposta no mesmo processo que este move contra aquele. É a forma de cumulação de ações: a) a ação principal do au tor contra o réu, e b) ação reconvencional de réu (reconvite) contra o autor (reconvido)

Tem por finalidade a argüição de incompetência relativa (decorrente de erro na competência em razão do território ou valor da causa).A incompetência absoluta deve ser alegada em prelim inar de contestação

Tem por objetivo a argüição do im pedim ento (art. 134) ou suspeição (art. 135) da pessoa do magistrado

M omentoprocessual

Deve ser apresentada, como regra, no processo de conhecimento, o prazo é de 15 dias, contados da data da juntada aos autos dos comprovantes de citação (mandado ou AR). Para as Fazendas Públicas, o prazo é em quádruplo (60 dias) e em dobro quando os réus tiverem procuradores diferentes (art. 191)

A reconvenção deve ser apresentada sim ultaneamente à contestação, sob pena de preclusão consumativa.A reconvenção deve ser apresentada na forma de petição inicial, por se tratar de verdadeira espécie de ação

Deve ser apresentada no prazo para a resposta do réu (15 dias)

As exceções devem ser argüidas no prazo de 15 dias, contados do fato que ocasionou a suspeição ou im pedim ento (art. 305)

Procedi­mento

A contestação é juntada aos autos Admitida a reconvenção, a parte reconvida será intimada, na pessoa de seu procurador, para apresentar contestação. Ambas as ações serão julgadas na mesma sentença

A exceção será autuada em apenso e causará a automática suspensão do processo. A exceção de incompetência é julgada pelo próprio juízo. Acolhida a exceção, os autos serão remetidos ao juízo competente

Recebida a exceção, terá o magistrado a oportunidade de acolhê-la de plano, hipótese em que os autos serão remetidos ao seu substituto legal. Caso não reconheça, terá o juiz prazo de 10 dias para juntar as provas que entende necessárias,

418 MANUAL DE DIREITO

PROCESSUAL CIVIL - DARLAN

BARROSO

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QU A D R O 17. 1 - S Í N T E S E DE F E S A S DO RÉU ( c o n t i n u a ç ã o )

Contestação Reconvenção Exceção de incompetência Exceção de suspeição ou impedimento

remetendo os autos ao Tribunal para o julgam ento da exceção (art. 313)

Efeitos pela omissão da parte

A falta de contestação gerará a revelia, que, por sua vez, produzirá o efeito de presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor. Não ocorrerão os efeitos da revelia quando se tratar de direito indisponível, se algum dos réus litisconsortes contestar ou se a petição inicial não estiver acom panhada dos docum entos indispensáveis à propositura da ação ( a r t 320)

Nenhum prejuízo, já que o réu poderá promover ação contra o autor fora do processo

Preclusão. 0 juízo incompetente passará a ser competente, uma vez que a omissão do réu acarreta a modificação e prorrogação da competência.O processo ficará suspenso até o julgamento da exceção

Em relação ao im pedim ento não há preclusão, podendo ser alegado em qualquer m om ento por se tratar de questão de ordem pública. Em relação à suspeição, a omissão da parte em argüir o incidente gera preclusão da matéria, ficando afastada a suspeição e m antendo-se o juiz da causa.0 processo ficará suspenso até o julgamento da exceção

Observações

Princípio da eventualidade, pelo qual o réu deve fazer todas as alegações de fato e de direito na contestação, sob pena de preclusão, salvo se ocorrer qualquer das hipóteses do art. 303 (direito superveniente ou questões de ordem pública)

A reconvenção não tem cabim ento no rito sumário (no rito sum ário o réu poderá form ular pedido contraposto dentro da própria contestação)

Deferido o processamento da exceção, o juiz determ inará a oitiva do excepto, no prazo de 10 dias, podendo, inclusive, determ inar a realização de audiência de instrução para a ouvida de testemunhas, se for o caso

Caso o tribunal acolha a exceção de suspeição ou impedimento, condenará o juiz ao pagamento das custas, determ inando a remessa dos autos ao substituto legal.Caso contrário, determinará o arquivamento do incidente

DEFESAS DO RÉU

419

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F a s e d o S a n e a m e n t o

e o J u l g a m e n t o

C o n f o r m e o E s t a d o

d o P r o c e s s o 18

Encerrada a fase postulatória, inicia-se o que denomina­mos fase saneadora do processo, momento em que o magis­trado determina as providências preliminares, realiza a au­diência de conciliação (se for o caso), profere o despacho saneador e, até mesmo, pode proferir o julgamento, caso o processo se encontre em situação para tanto.

É o momento em “que se põe ordem no processo”.1 É a fase em que o magistrado torna a verificar a regularidade do processo, o preenchimento das condições da ação, dos pres­supostos processuais, se existem vícios que podem ser sana­dos, ou, ainda, defeitos graves que possam gerar a extinção sumária do feito.

Com o encerramento da fase postulatória e a plena satis­fação do contraditório, tem o juiz a possibilidade de fazer uma cognição mais eficaz quanto à regularidade de toda a relação jurídica, para o fim de se definir quais serão as provi­dências ou atos tomados dali em diante.

1 C â n d i d o R a n g e l D in a m a r c o , Instituições de direito processual civil, v . III, p . 5 4 8 .

421

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4 2 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Portanto, podemos dizer que, nessa fase processual, revelam-se de grande importância: a) as providências preliminares; b) a audiência preliminar de conciliação; c) o despacho saneador; e d) o julgamento conforme o estado do processo.

18.1 PROVIDÊNCIAS PRELIMINARES

Apresentada ou não a resposta pelo réu, determina o art. 323 que o escrivão remeterá os autos conclusos ao juiz para que proceda às providências preliminares.

Compete ao magistrado, em sede de providências preliminares:

a) dar oportunidade ao autor para se manifestar acerca da contesta­ção apresentada pelo réu (réplica), nos termos previstos nos arts. 323, 326 e 327, cujo prazo, como regra, será de dez dias;

b) determinar a citação do réu para contestar ação declaratória inci­dental (réu da ADIn), observando-se o prazo ordinário de respos­ta do réu;

c) determinar a intimação do autor para contestar eventual recon­venção (art. 316 do CPC);

d) verificar a ocorrência de revelia e, se for o caso, decretar a imposi­ção de seus efeitos (art. 319 do CPC);

e) determinar a especificação das provas pelo autor, caso não se veri­fiquem os efeitos da revelia;

f) designar audiência de conciliação, se for possível o acordo (art. 331 do CPC).

18.2 A u d i ê n c i a Pr e l i m i n a r de Co n c i l i a ç ã o

O ordenamento processual civil, com as modificações que lhe foram introduzidas pela Lei n. 8.952/94, contempla o princípio segun­do o qual é dever do magistrado, sempre que possível, levar as partes à composição amigável do conflito posto em juízo.

Por essa razão, é cogente a imposição de que seja designada au­diência preliminar à de instrução e julgamento para a tentativa de

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FASE DO SANEAMENTO E O JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO 4 2 3

composição das partes, nos casos em que é cabível e obrigatória a designação de audiência de conciliação, mesmo que as partes tenham manifestado previamente má vontade na realização do acordo. Para Nelson Nery e Rosa Maria, com os quais concordamos, “não pode o juiz consultar as partes, indagando se têm interesse na realização da audiência que a lei impõe que seja realizada”.2 De fato, o interesse na composição consensual não é apenas das partes, mas também do Esta­do - segundo o espírito da lei na tentativa de realização do acordo; por isso é exatamente no sentido da obrigatoriedade da audiência pre­liminar que se manifesta a jurisprudência.3

Ressalte-se que, pelo sistema introduzido pela Lei n. 10.444/2002, que modificou a redação do art. 331 do Código de Processo, a audiên­cia de conciliação, também denominada audiência preliminar, quando for caso de direito disponível e não estiverem presentes as situações que autorizem o julgamento antecipado (hipóteses em que o juiz po­derá desde logo proferir sentença), será sempre obrigatória. Não há que se falar em facultatividade na realização da audiência preliminar, já que, cabendo a composição amigável do litígio, o magistrado estará obrigado a sua realização.

Em outras palavras, a audiência preliminar é obrigatória ou não é cabível no processo. Sempre que possível a conciliação, é dever do ma­gistrado designar a audiência preliminar, mesmo que as partes mani­festem prévio desinteresse no referido ato processual.

A conciliação entre as partes é possível a todo o tempo, em qualquer fase do processo ou grau de jurisdição, mesmo após a prolação da sen­tença. Todavia, a audiência de conciliação apenas é realizada uma vez no processo, isso quando ele se encontrar no primeiro grau de jurisdição.

2 Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo C ivil comenta­do, 3. ed., p. 608, comentário ao art. 331.

3 "Audiência preliminar. Art. 331 do Código de Processo Civil. Tríplice finalidade. Obri­gatoriedade, seja quando se discutam direitos disponíveis, seja mesmo quando verse a demanda direitos indisponíveis. Particularidade acrescida, na espécie, de a ação, de que se cuida, ser de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato, com partilha de bens, maté­ria evidentemente suscetível de transação e, bem por isso, de conciliação. Nulidade configu­rada em haver sido o feito saneado por escrito, sem a designação de audiência preliminar. Agravo provido" (TJSP, Al n. 224.323-4/2, rel. Des. Quaglia Barbosa, j. 20.11.2001, v.u.). (BAASP 2284)

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Por outro lado, questionamos: sempre é cabível a audiência preli­minar de conciliação?

Considerando a finalidade a que se destina esse ato processual - tentar compor consensualmente a lide - , é certo que apenas terá cabi­mento a audiência preliminar quando o litígio versar sobre direitos disponíveis, ou seja, aqueles passíveis de serem transacionados.

Por direitos disponíveis, como regra, podemos conceber os direi­tos relativos aos bens de natureza patrimonial, aqueles com repercus­são direta no patrimônio da pessoa, e que sejam de natureza privada, já que os bens públicos são inalienáveis e indisponíveis por expressa previsão constitucional.

Todavia, existem exceções a essa regra. Alguns direitos não patri­moniais são passíveis de disposição e, conseqüentemente, de serem objeto de acordo em audiência ou no curso do processo. É o caso, por exemplo, da dissolução do casamento ou separação dos cônjuges, que, apesar da natureza não patrimonial, é passível de acordo, já que a pró­pria lei do divórcio (Lei n. 6.515/77) admite a forma de composição consensual. O mesmo se diga dos alimentos que, pela natureza, são irrenunciáveis, mas a lei de alimentos autoriza o acordo judicial, inclu­sive determina a realização de audiência própria para a tentativa da composição amigável.

Ainda, impõe-se destacar que a lei instituidora dos juizados Espe­ciais Federais permite a conciliação em relação a bens públicos, con­fiando aos procuradores competentes autorização para a realização de acordos nos processos que tramitam no âmbito daquele juizado, o que até então não existia em hipótese alguma (Lei n. 10.259/01).

E na ação de investigação de paternidade, podemos falar na possi­bilidade de audiência de conciliação? Como se vê pela natureza pura da ação, desconsiderando-se as questões de herança e alimentos, que são patrimoniais, a ação de investigação de paternidade tem natureza pura­mente não patrimonial, o que em princípio levaria à conclusão de que não seria cabível a conciliação, por se tratar de direito indisponível.

No entanto, a própria Lei Civil, em seu art. 1.609, incs. II a IV, autoriza o reconhecimento da paternidade em juízo ou mesmo extra- judicialmente por meio de escritura pública ou testamento, razão pela qual entendemos ser obrigatória a audiência preliminar nessa espécie

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FASE DO SANEAMENTO E O JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO 4 2 5

de ação, já que o demandado poderá aceitar em juízo, pessoal e expres­samente, a paternidade que lhe é imputada pelo autor da ação.'1

Pela atual redação do art. 331 do Código de Processo Civil5 (Lei n. 10.444/2002), conclui-se que a audiência preliminar de conciliação deve ocorrer antes do início da fase instrutória do processo, ou seja, antes mesmo da audiência de instrução, isso como medida de econo­mia processual.

Por fim, resta-nos saber o funcionamento e os efeitos da audiência preliminar.

Designada a audiência,6 comparecerão as partes no dia e no horá­rio marcados, pessoalmente ou representadas por procurador com poderes especiais para transigir, na presença de seus advogados. Ini­ciada a audiência, o magistrado deverá advertir às partes das vanta­gens da realização do acordo, sem que tal exortação importe em pre- julgamento.

Obtida a conciliação, suas cláusulas serão transcritas nos termos de audiência e, ao final, o magistrado proferirá uma sentença homolo- gatória da vontade manifestada pelas partes, provimento este que terá efeito de julgamento do mérito, nos termos do art. 269, inc. III, do Código de Processo Civil.

Há limite para o acordo entre as partes? O juiz poderá recusar-se à homologação da vontade manifestada pelas partes?

As partes poderão realizar livremente os seus acordos, sem que tal avença seja limitada pelo pedido ou objeto da ação. Tal permissão

4 Código Civil de 2002: "Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casa­mento é irrevogável e será feito: I - no registro do nascimento; II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório; III - por testamento, ainda que incidentalmen- te manifestado; IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhe­cimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém".

5 "Art. 331. Se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes, e versar a causa sobre direitos que admitam transação, o juiz designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo de 30 (trinta) dias, para a qual serão as partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto, com poderes para transigir."

6 Não é conveniente que a audiência de conciliação seja designada para o mesmo dia que a audiência de instrução e julgamento, pois tal concentração atenta contra os possíveis atos subseqüentes à audiência preliminar, como o despacho saneador, as providências que antecedem à audiência de instrução etc.

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legal vem prevista no art. 475-N, III do Código de Processo Civil, que estabelece como título executivo judicial a sentença homologatória de conciliação ou transação, ainda que inclua matéria não posta em juízo.

Da mesma forma, o magistrado não tem o poder ou direito de se envolver no acordo, de retrucar a vontade manifestada pelas partes. Ha­vendo a conciliação, o juiz se limita à homologação, não profere qual­quer juízo de valor sobre a lide.

A conciliação, como já tratamos, é forma de afastar a atividade ju ­risdicional. Ao chegarem ao acordo, as partes afastam a vontade do Es­tado, para fazer prevalecer a vontade comum por elas ali manifestada.

As partes podem incluir na conciliação até mesmo matéria não posta em juízo (que não constou da inicial ou contestação), já que o artigo 475-N é expresso nesse sentido.

A homologação judicial representa o ato de confirmação, de rati­ficação, para dar à vontade das partes autoridade de título executivo judicial. Note-se que, quando da homologação de um acordo, o juiz limita-se a verificar a presença dos requisitos para a existência e vali­dade do ato jurídico civil, quais sejam: a capacidade para o ato, se o objeto é lícito e se está sendo observada a forma prescrita ou não proi­bida pela lei.

Assim sendo, estando presentes os pressupostos do ato jurídico civil e sendo a matéria de sua competência, o magistrado encontra-se obrigado à homologação do acordo.

18.3 De s p a c h o S a n e a d o r

Não havendo a conciliação, pela intransigência das partes ou por indisponibilidade do bem litigioso, o juiz dará prosseguimento ao pro­cesso, proferindo o julgamento conforme o estado do processo ou o despacho saneador.

Na própria audiência de conciliação, se isso já não tiver ocorrido anteriormente, poderá o magistrado determinar às partes que especi­fiquem as provas que pretendem produzir, indicando, também, a per­tinência de cada uma para a solução do conflito.

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FASE DO SANEAMENTO E O JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO 4 2 7

Chega-se ao momento do saneamento do processo, no qual será proferido o despacho saneador.

A finalidade e o conteúdo dessa decisão serão:7

a) A fixação dos pontos controvertidos. É na decisão saneadora que o magistrado indica quais os pontos controvertidos na ação - resultado do que foi pedido pelo autor e recusado ou infirmado pelo réu. A fixação tem a finalidade de estabelecer, de forma pre­paratória à fase de instrução, os fatos que serão objeto de prova (apenas os fatos controvertidos, pois o que não foi contestado é tido por verdadeiro).

b) Apreciar os requerimentos de provas formulados pelas partes. É no despacho saneador que são apreciados os requerimentos de provas apresentados pelas partes, provas que, segundo critério de utilida­de e Iicitude do meio de obtenção, serão deferidas ou indeferidas pelo magistrado (tema que será abordado no próximo capítulo).

c) Decidir as questões processuais pendentes de julgamento. Por exem­plo, o julgamento das impugnações, dos requerimentos diversos formulados pelas partes, etc. É também no despacho saneador que serão apreciadas as preliminares argüidas pelo réu na contestação, pois, em caso de acolhimento, poderão gerar a extinção sumária do processo (art. 267 do CPC).

d) A determinação das providências para prosseguimento do feito. Dependendo da situação, o despacho saneador promoverá a reali­zação das provas deferidas, designará audiência de instrução (para colheita de provas orais) ou, estando o feito pronto para julgamen­to, chamará os autos conclusos para a prolação da sentença (julga­mento conforme o estado do processo).

Importante consignar, ainda, que é absolutamente imprópria a terminologia despacho saneador.

7 "Processual. Despacho saneador. Fundamentação. Preliminar. Mérito. Exame. O des­pacho saneador não é nulo só por estar sucintamente fundamentado. Se a preliminar se con­funde com o mérito, pode o julgador deixar para examiná-la com a questão de fundo. Embar­gos rejeitados." (STJ, 1a T„ rel. Min. Garcia Vieira, j. 22.06.1998, v.u.)

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4 2 8 M A N U A L D E D I R E I T O P R O C E S S U A L C I V I L - D A R L A N B A R R O S O

Ao discorrermos acerca dos pronunciamentos judiciais, constata­mos existir nos arts. 162 e 163 do Código de Processo Civil quatro espécies de atos jurisdicionais: despachos ordinatórios, decisões inter­locutórias, sentenças e acórdão, cada qual denominado em função da finalidade e efeitos que emprestam ao processo.

Segundo o conceito tradicional de despacho, é ele ato ordinatório do processo, ato de mera administração e impulso processual. Será que o despacho saneador se enquadra nessa definição?

Obviamente que não. O despacho saneador é pronunciamento jurisdicional revestido de alta carga cognitiva e decisória; não se trata de mero ato de impulso processual, mas de verdadeira decisão interlo­cutória que aprecia diversas questões processuais incidentes (como: a delimitação do fato controvertido, a apreciação das provas, o julga­mento dos incidentes etc.). É decisão que, como regra, poderá impor­tar em prejuízo às partes.

Portanto, apesar de ser denominado como despacho saneador pela prática forense, na realidade, estamos diante de uma decisão tipica­mente interlocutória.8

1 8 . 4 J U L G A M E N T O C O N F O R M E O E S T A D O

D O P R O C E S S O

O processo é concebido sob um espírito da dialética em que o autor apresenta a sua pretensão, o réu contesta, abre-se oportunidade para a colheita de provas, tudo isso até que se chegue ao conhecimen­to pleno da lide, a ponto de ser possível a prolação de um julgamento fundado na prévia cognição de toda a controvérsia posta em juízo.

Como regra, o processo apenas é julgado quando o magistrado já procedeu a uma cognição exaurente sobre a lide.

Em alguns casos, esse m om ento de plenitude do conhecimento da lide é alcançado logo após o encerramento da fase postulatória,

8 0 esclarecimento é relevante para que se possa determinar o cabimento ou não de recurso contra a decisão. Se afirmássemos tratar-se de despacho, alguns poderiam dizer que contra o ato não caberia nenhum recurso. Já as decisões interlocutórias podem ser impugna­das por meio do recurso de agravo.

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FASE DO SANEAMENTO E O JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO 4 2 9

não havendo necessidade da dilação probatória; ou pode ocorrer de o processo não ter condições de julgamento do mérito, circunstân­cia em que tam bém pode haver a antecipação do m om ento do ju l­gamento.

Acerca do julgamento conforme o estado do processo, o mestre Cândido Rangel Dinamarco disserta o seguinte:

Julgar conform e o estado do processo significa dar a este uma solu­

ção ou encam inham ento segundo a situação que se apresenta diante do

ju iz ao cabo das providências preliminares. Esse ju lgam ento varia entre o

ótim o, consistente em conceder desde logo a tute la jurisdicional median­

te sentença de mérito, e o péssimo, que é a extinção do processo sem ju l­

gar a causa.

Portanto, o julgamento conforme o estado do processo significa dizer que, em momento anterior ao que seria o ordinário, o processo já se encontra perfeito para a prolação de sentença, tendo completa a cog- nição para o provimento de mérito ou descoberto vício insanável, que conduz à extinção sumária. O julgamento conforme o estado do proces­so pode ser definido, grosso modo, como o parto prematuro do provi­mento jurisdicional (da sentença).

O julgamento conforme o estado do processo pode dar-se:

a) pela extinção do processo sem resolução do mérito (art. 267 do CPC);b) pelo julgamento antecipado do mérito.

■■ 1 8 .4 .1 E x t i n ç ã o s e m J u l g a m e n t o d o M é r i t o

Como já tratamos, o processo depende do preenchimento de pres­supostos mínimos para que o órgão julgador possa apreciar o mérito da lide, requisitos estes relacionados às condições da ação e aos pró­prios pressupostos processuais.

Assim, ocorrendo qualquer das hipóteses do art. 267, o juiz pode­rá proferir, a qualquer momento, sentença de extinção do processo sem o julgamento do mérito da ação.

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4 3 0 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

■ i 1 8 . 4 . 2 J u l g a m e n t o A n t e c i p a d o d o m é r i t o

O julgamento conforme o estado do processo não se dá apenas sem julgamento do mérito; pode ocorrer, também, de o processo ser extinto, prematuramente, mas com a apreciação do mérito (art. 269, inc. I, do CPC), ou, pelo menos, por uma sentença que eqüivale ao jul­gamento do mérito, como ocorre com as hipóteses dos incs. II a V do art. 269 do Código de Processo, conforme orientação do art. 329.

Inicialmente, cumpre consignar que o processo pode ser extinto, com julgamento do mérito, em razão das causas previstas nos incs. II a V do art. 269, ou seja, quando o réu reconhecer a procedência do pedido, quando as partes transigirem (fizerem acordo), quando o juiz reconhecer a decadência ou a prescrição ou quando o autor renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação.

Por outro lado, poderá haver o julgamento antecipado, hipótese em que, sendo dispensada a dilação probatória, o magistrado conhece­rá diretamente do pedido. Nos termos do art. 330 do Código de Pro­cesso Civil, ocorrerá o julgamento antecipado:

a) quando a questão de mérito for unicamente de direito;b) quando a questão de mérito for de direito e de fato, mas os fatos

não dependerem mais de provas;c) quando forem aplicados os efeitos da revelia.

Em todas as hipóteses do art. 330, vislumbra-se que o processo se encontra pronto para o julgamento, isso por não haver a necessidade de dilação probatória. Em se tratando de questão unicamente de direi­to, torna-se evidente a desnecessidade de dilação probatória, já que o direito, como regra, independe de prova, ou, ainda, sendo a questão de fato, os fatos já estarem totalmente provados.

Por fim, aplicando-se ao réu os efeitos da revelia, os fatos alegados pelo autor serão presumidos como verdadeiros, portanto, estando todos eles incontroversos, o processo encontra-se absolutamente pronto para receber o provimento judicial com a aplicação do direito.

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FASE DO SANEAMENTO E O JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO 4 3 1

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I n s t r u ç ã o

d o P r o c e s s o 19

19.1 T e o r i a Ge r a l d a Pr o v a

O termo instrução do processo refere-se à produção e colheita de provas, e à preparação do processo para permitir o julgamento do mérito. O processo de conhecimento pres­supõe que as partes levem ao Judiciário os seus fatos, de­monstrem a veracidade de suas alegações, comprovem suas afirmações, para que sobre esses fatos o magistrado possa aplicar o direito ao caso concreto.

A instrução é típica atividade dos três sujeitos da relação processual, cada qual agindo conforme seus interesses: as partes visam a convencer o magistrado de suas versões, en­quanto esse tenta conhecer do litígio para sobre ele proferir o julgamento.

Na realidade, a instrução do processo não se limita ao momento denominado “fase instrutória” ou “dilação proba­tória” (que se desenvolve após o saneamento), mas podemos constatar atividade probatória durante todo o curso do pro-

4 3 3

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4 3 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

cesso em primeira instância: na petição inicial e na contestação, res­pectivamente, o autor e o réu trazem ao processo os documentos de que dispõem naquele momento processual; a prova poderá ter sido colhida (por meio de procedimento preparatório, que visa a evitar o seu perecimento) antes mesmo da propositura da ação etc.

Como ensina Barbosa Moreira, os atos probatórios não se concen­tram, de modo exclusivo, em uma única fase ou momento processual.1 Assim, os atos probatórios podem ser realizados durante todo o curso do processo e não apenas na fase do processo de conhecimento deno­minada instrutória.

No entanto, não se pode negar que é após o saneamento do pro­cesso, quando não há conciliação, ou não sendo caso de julgamento conforme o estado do processo, que se realiza a maior parte dos atos típicos da instrução do feito. É nessa fase de dilação probatória que é dada a oportunidade às partes de levar ao processo elementos que for­mem a convicção do magistrado, obviamente, cada parte dentro de seu interesse no deslinde da demanda.

A prerrogativa ao exercício da prova no processo representa direi­to fundamental previsto no art. 5o da Constituição da República, o qual não se limitou a assegurar aos litigantes o direito de contraditó­rio, mas também garantiu a faculdade de ampla defesa dos fatos que alegam em favor da sua pretensão em juízo.

Acerca da fase instrutória, José Frederico Marques ensina:

Os fatos afirmados pelas partes precisam ser demonstrados para que

sobre eles form e o juiz sua convicção.[...] Com a prova, há uma recons­

trução histórica dos acontecimentos, episódios e fatos concernentes ao

litíg io .2

Dessa forma, podemos entender as provas como sendo todo e qualquer elemento levado ao processo para demonstração da verdade dos fatos afirmados pelas partes. No processo, como regra, as partes devem comprovar os fatos que alegam, devem levar aos autos todos os

1 O novo processo civil brasileiro, p. 55.? Manual de direito processual civil, vol. I, p. 255.

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 4 3 5

elementos que convençam o magistrado de que ocorreram ou são da forma narrada na petição inicial ou na contestação.

Na lição de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Carlos de Araújo Cintra e Cândido Rangel Dinamarco,“a prova constitui, pois, o instru­mento por meio do qual se forma a convicção do juiz a respeito da ocorrência ou corrência dos fatos controvertidos no processo”.3

O direito à prova no processo é garantia constitucional e encontra fundamento no próprio Estado Democrático de Direito, impedindo-se a utilização no processo das provas obtidas por meios ilícitos.

A colheita das provas deve ser pautada com a observância de todas as garantias constitucionais relativas à inviolabilidade do sigilo de cor­respondência, de dados de comunicações telegráficas e telefônicas;4 à inviolabilidade da casa;5 e ao respeito da intimidade e da vida privada.6

Nesse ponto, há que se fazer uma distinção entre prova ilegítima e prova obtida por meio ilícito. A prova ilegítima é aquela cujo conteú­do ou cuja forma não correspondem à verdade. Por sua vez, a prova obtida por meio ilícito é aquela em que o método empregado na sua ob­tenção operou-se ao arrepio da lei ou do ordenamento jurídico como um todo.

Essa diferença é substancial para a definição dos efeitos em relação ao processo.

A prova obtida por meio ilícito não pode, sequer, ser admitida no processo, e caso seja constatada a ilicitude do meio, o elemento probató­rio deverá ser desentranhado do processo. Da mesma forma, ela não pode servir como fundamentação da sentença do juiz - seja para deferir ou indeferir o pedido, pois é considerada inexistente para o processo.7

3 Teoria gerai do processo, p. 348.4 Art. 5o, inc. XII, da Constituição Federal. O referido artigo admite a quebra do sigilo

telefônico apenas para a instrução do processo ou investigação criminal, e mediante ordem judicial. Nos demais casos - sigilo de correspondência, de dados ou telegráficos não se admite a violação mesmo com autorização judicial.

5 Art. 5o, inc. XI, da CF.6 Art. 5o, inc. X, da CF.7 Há manifestações doutrinárias no sentido de se dar admissão relativa à prova obtida

por meio ilícito quando se tratar do único meio de prova disponível à segurança do direito da parte, levando-se em consideração, para essa interpretação, a proporcionalidade entre as garantias constitucionais do direito de ação e da proibição da prova ilícita.

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Por sua vez, a prova ilegítima é admitida no processo e, inclusive, poderá fazer parte da fundamentação da sentença - como análise dos fatos ou argumento para a concessão ou negativa da tutela às partes.

Vamos imaginar que é juntada ao processo uma gravação de con­versa telefônica colhida sem a autorização de um dos interlocutores: nesse caso, apesar de o conteúdo da prova ser verdadeiro (de fato, a conversa é das partes e legítimo o conteúdo), o meio utilizado na sua obtenção é absolutamente contrário à garantia constitucional de in­violabilidade da conversa telefônica, portanto, uma prova que não pode ser admitida no processo por ter sido obtida por meio ilícito.

Em relação às provas obtidas por meios ilícitos, o Supremo Tribu­nal Federal adotou a teoria dos frutos da árvore contaminada, pela qual, se o meio usado para a obtenção da prova foi em violação ao ordenamento jurídico, todos os frutos ou resultados advindos dessa prática ilícita estarão contaminados e, portanto, inadmissíveis para o processo.

■ i 1 9 . 1 . 1 D e f i n i ç ã o e O b j e t o d a P r o v a

A prova pode ser definida como todo e qualquer elemento capaz de representar um fato e auxiliar na convicção do juiz quando do jul­gamento do mérito da causa.

Portanto, podemos dizer que o destinatário da prova sempre será o magistrado, que, dentro de uma percepção lógica, se utilizará desses elementos levados ao processo para outorgar o bem jurídico a uma ou outra parte na demanda.

Assim, considerando a finalidade da prova, perguntamos: qual o objeto da prova?

A regra é no sentido de que a prova deve recair sobre os fatos con­trovertidos, ou seja, os fatos afirmados por uma parte e impugnados pela outra. Como já tratamos, a omissão do réu em contradizer as ale­gações do autor gera o efeito de presunção de veracidade dos fatos não impugnados, os quais não serão objeto da prova.

Podemos afirmar categoricamente que apenas os fatos litigiosos serão objeto da instrução processual.

No processo, podemos verificar a controvérsia entre as partes so­bre a existência ou não de fatos, ou, ainda, divergências acerca do direi­

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 4 3 7

to, da interpretação da lei.8 O litígio sempre será consubstanciado na ocorrência de um fato da vida real dos litigantes, por exemplo, um aci­dente, o descumprimento dos deveres do casamento etc., ou, ainda, na interpretação que cada parte espera que seja dada ao direito, por exem­plo, se um tributo é ou não inconstitucional, se o companheiro tem direito à herança etc.

Assim, nesse ponto surge a indagação: o que será objeto de prova? A parte deve provar o direito ou o fato?

Ordinariamente, apenas os fatos serão objeto da prova processual, pois há presunção legal de que o magistrado conhece o direito, que o juiz tem conhecimento do texto da lei. Portanto, a regra é no sentido de que a parte deva fazer prova dos fatos que alega para que, sobre esses fatos provados, o magistrado possa aplicar o direito.

No entanto, essa regra comporta exceções. Alegando a parte legis­lação municipal, estadual, estrangeira (internacional: tratados, leis de outros países etc.) ou direito consuetudinário, é facultado ao magistra­do determinar, à parte que alegou, a comprovação de existência e vigência do direito invocado.

Como regra, o juiz tem o dever de conhecer a legislação federal, po­dendo exigir da parte a demonstração do direito municipal, estadual, estrangeiro ou costumeiro.

Como conseqüência lógica da finalidade da prova no processo, o art. 334 expõe os fatos que independem de prova, quais sejam:

a) os fatos notórios, entendidos como aqueles que podem ser consi­derados como públicos e de conhecimento geral, como, por exem­plo, as datas festivas, ou fatos que aconteçam em determinada re­gião (enchentes, trânsito ou violência);9

b) os fatos afirmados por uma parte e confessados ou admitidos pela parte contrária, ou seja, quando o fato for tido por incontro­verso, dada a admissão (tácita ou expressa) pelas partes. Como regra, as partes têm o ônus de se contrapor aos fatos apresenta­dos pela parte adversa, pois, se assim não o fizerem, poderão

8 João Batista Lopes, A prova no direito processual civil, p. 25.9 Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo curso de direito processual civil, v. I. p. 421.

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4 3 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

sofrer o prejuízo de admissão dos fatos como verdadeiros (efeitos da revelia ou confissão);

c) aqueles fatos em cujo favor há presunção legal de existência ou veracidade. Seria o caso, por exemplo, das certidões que gozam de fé pública. As presunções legais podem ser relativas (juris tantum) ou absolutas (jures et de jure),'0 as primeiras admitindo prova em sentido contrário, enquanto as outras não.

Ainda, não obstante a falta de previsão legal, podemos dizer que os fatos considerados irrelevantes para o deslinde da causa também não serão objeto da prova11 (a relevância será apreciada em função da impor­tância do fato para o julgamento e o resultado da causa). Por exemplo, em uma ação de alimentos entre pai e filho, não há razão para que se dis­cuta e se realize prova acerca dos motivos pelos quais os pais se separa­ram; é comum que as partes (e seus patronos) abarrotem os processos com fatos absolutamente estranhos à pretensão. A prova sempre terá como escopo o fato que tenha importância para o julgamento da causa.

Por essa razão, ao requerer e especificar as provas que pretendem produzir, as partes deverão considerar o objeto dessa instrução, qual seja, o fato controvertido no processo, visando a praticar apenas atos úteis e necessários à formação da convicção do magistrado.

m 1 9 . 1 . 2 Ô n u s P r o b a t ó r i o

O exercício do direito de prova é prerrogativa da parte, mas os liti­gantes não estão obrigados à produção da prova dos fatos que alegam. Nesse sentido, bem conceitua o art. 333 do Código de Processo Civil, que atribui às partes o ônus processual de instrução da causa.

Por ônus, contemplamos uma faculdade para a prática de um ato processual, e cuja inobservância poderá acarretar uma conseqüência

10 Quando a Lei determina no art. 134 as hipóteses de impedimento, trata de circuns­tâncias em que a presunção de parcialidade do magistrado é absoluta, e, portanto, compro­vada a hipótese legal, não haverá a necessidade de demonstração de que o juiz tem interes­se no caso, pois a Lei dá a presunção.

" Antonio Carlos de Araújo Cintra; Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel Dinamar- co, op. cit., p. 349.

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processual, como regra, prejudicial à pretensão da parte. Portanto, as partes não podem ser coagidas à produção da prova, mas têm elas o ônus de demonstrar ao magistrado a veracidade daquilo que alegam, e, desincumbindo-se desse encargo processual, com grande probabili­dade, não lograrão êxito em seus pedidos ou defesa.

Ao tratar do ônus probatório, discorre Humberto Theodoro jú ­nior que:

Não há um dever de provar, nem à parte contrária assiste o direito

de exigir a prova do adversário. Há um simples ônus, de m odo que o liti­

gante assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados

dos quais depende a existência do direito subjetivo que pretende resguar­

dar através da tutela jurisdicional. Isto porque, segundo máxima antiga,

fa to alegado e não provado é o mesmo que fa to inexistente.12

Em princípio, não compete ao órgão jurisdicional advertir os liti­gantes sobre a qual das partes recai igualar o ônus da prova, pois cada um deve conhecer esse encargo. No entanto, quando ocorrer a inver­são do ônus da prova, nada obsta que o magistrado, quando da prola­ção da decisão saneadora, indique a referida inversão.

Como regra geral, quando da exposição dos fundamentos que for­maram a sua convicção, na sentença, o magistrado apreciará (e dará valor) às provas produzidas pelas partes e, aí sim, verificará se o ônus foi ou não cumprido.

Os critérios de definição do ônus probatório estão dispostos da seguinte forma no art. 333 do Código de Processo Civil:

a) Ônus do autor. Ao autor incumbe a prova dos fatos que consti­tuem o seu direito. Por exemplo, quando o autor pretende que o réu lhe pague determinada quantia, deverá provar a existência da obrigação (a obrigação e o conseqüente crédito representam o fato constitutivo do seu direito).

b) Ônus do réu. É encargo do réu a produção de prova relativa à exis­tência de fato modificativo, impeditivo ou extintivo do direito pre­

12 Curso de direito processual civil, vol. I, p. 373.

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tendido pelo autor. Ainda dentro do exemplo anterior, seria ônus do réu provar já ter efetuado o pagamento, fato esse que represen­ta alegação extintiva do direito do autor, ou, ainda, que o débito não existe, que foi realizada transação a respeito (fato impeditivo ou modifkativo) etc.

Em síntese, a norma determina que cada parte deverá provar os fatos relativos à sua pretensão no processo.

Por outro lado, devemos perguntar: podem as partes pactuar sobre o ônus da prova? É possível que a vontade comum das partes altere o disposto no art. 333 do Código de Processo Civil?

A resposta é positiva, no sentido de que a lei processual admite como válido o acordo entre as partes (em contrato, por petição etc.) de alteração ou inversão do ônus probatório previsto no art. 333 do Códi­go de Processo Civil. No entanto, será considerada nula a convenção toda vez que gerar a impossibilidade de produção da prova ou torná- la excessivamente difícil de realização.

Além disso, não se admite a convenção sobre o ônus da prova quando a lide versar sobre direitos indisponíveis, hipótese em que, caso exista o acordo que altera a regra comum, deverá prevalecer o dis­posto no art. 333 do Código de Processo Civil.

Outra questão relevante acerca do ônus probatório é a possibilida­de de sua inversão, em face da regra contida no art. 6o do Código de Defesa do Consumidor,13 pelo qual, sendo hipossuficiente o consumi­dor litigante ou verossímeis as suas alegações, poderá o magistrado inverter o ônus da realização da prova no processo.M

Fundamental relevância tem essa previsão para a defesa do consu­midor em juízo. Normalmente, considerando a posição do fornecedor,

15 "Art. 6o [...]VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova,

a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências."

14 "Processo Civil. Agravo no Agravo de Instrumento. Inversão do ônus da prova. Caracterizada a relação de consumo, sendo hipossuficiente o consumidor, poderá o julga­dor inverter o ônus da prova." (STJ, 3a T„ AGA n. 331.442/RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 29.05.2001, v.u.)

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o consumidor será a parte mais fraca da relação jurídica processual, fato esse que diminui (ou até impede) o acesso à justiça. Grande van­tagem prática dessa inversão é, também, a transferência da obrigação do pagamento das despesas com a realização da prova, como indeniza­ções às testemunhas, honorários de peritos15 etc.

Poderíamos, à primeira vista, pensar tratar-se de previsão legal que dá privilégio ao consumidor, benefício que estaria ferindo o princípio da igualdade entre as partes. No entanto, tal ofensa não se verifica.

É justamente para garantia da igualdade entre as partes que se admite a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, já que ele é, presumidamente pela lei (art. 4o, inc. I, do Código de Defesa do Consumidor), reconhecido como a parte mais fraca do litígio. Portan­to, a inversão seria meio de tentar equilibrar essa desigualdade decor­rente da própria relação, fazendo, assim, prevalecer a igualdade entre elas. O que o art. 6o do CDC faz é tão-somente fazer incidir sobre a relação processual o princípio constitucional da isonomia.16

■ i 1 9 . 1 . 3 R e q u e r i m e n t o e A d m i s s ã o d a p r o v a

O art. 282, inc. VI do Código de Processo Civil determina que o autor deverá, na própria petição inicial, requerer as provas com que pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados. Da mesma forma, é na contestação que o demandado formula o seu requerimento de provas.

Ressalte-se que, no procedimento ordinário, as partes apenas for­mulam requerimentos genéricos de provas na inicial e na contestação e, quando das providências preliminares, terão a oportunidade para especificá-las e indicar a pertinência de cada meio pretendido.

Assim, no rito ordinário, a proposição da prova passa por dois momentos: um primeiro em que a parte formula um requerimento

15 "Código de Defesa do Consumidor. Leasing. Inversão do ônus da prova. Perícia. Ante­cipação de despesas. Aplica-se o CDC às operações de leasing. A inversão do ônus da prova significa também transferir ao réu o ônus de antecipar as despesas de perícia tida por impres­cindível ao julgamento da causa." (STJ, 4a T„ REsp n. 383.276/RJ, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 12.08.2002, v.u.)

,6 Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comen­tado, p. 1354.

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genérico17 e, em momento posterior, terá a oportunidade de especifi­car as provas, ou seja, informar precisamente qual meio será utilizado (testemunha, perícia etc.).

Para o rito sumário, não se admite tal requerimento genérico de provas, sendo certo que as partes deverão desde logo, na petição inicial ou contestação, indicar com precisão as provas que almejam produzir no processo: com a apresentação do rol de testemunhas, requisição de perícia, indicação do assistente técnico e os quesitos que esperam ser res­pondidos na perícia, sob pena de, não o fazendo, ocorrer a preclusão.

Devemos lembrar que, para garantir a celeridade, no rito sumário é prevista maior concentração de atos processuais.

O protesto geral permitido no rito ordinário decorre do fato de, na fase postulatória do processo (petição inicial e contestação), não exis­tir ainda a fixação dos pontos controvertidos da demanda, não se sa­bendo, portanto, quais serão o objeto e o ônus da prova. Apenas com o advento da contestação é que as partes e o magistrado terão condi­ções de aferir quais fatos são controvertidos e, conseqüentemente, poderão ser objeto da dilação probatória.

Com o saneamento do feito (art. 331, § 2o, do CPC), o magistrado levantará os pontos controvertidos que serão objeto de instrução, e, conseqüentemente, determinará às partes a especificação das provas.

É importante consignar que, antes da contestação, não há como se especificar - com precisão - as provas que serão realizadas, pois não existe ainda a formação do contraditório e, como sabemos, o objeto da prova (fato controvertido) ainda não está definido.

Especificadas as provas pelas partes, o juízo deverá proceder a uma análise de utilidade e pertinência dos atos requeridos, lembrando que, pelo princípio da utilidade e economia processual, o juiz tem o dever de indeferir os atos desnecessários à lide, nestes termos do Código de Processo Civil:

Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte,

determinar as provas necessárias à instrução do processo, indefe­

rindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

17 Requer o autor (ou réu) a produção de todas as provas em direito admitidas.

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Toda e qualquer prova é submetida à apreciação do magistrado, que, pela utilidade e licitude do meio, defere ou indefere o requeri­mento da parte.

Com base nos critérios de utilidade da prova para o processo e a licitude do meio de obtenção, o magistrado apreciará os requerimen­tos, podendo indeferir as provas que entender desnecessárias ao resul­tado da lide ou cuja forma de obtenção importar em violação do orde­namento legal. O indeferimento da prova apenas pode ocorrer nos casos mencionados, pois, caso contrário, caracterizará cerceamento do direito constitucional de ampla defesa.

Por outro lado, não obstante a predominância, no processo civil, do princípio do dispositivo pelo qual a jurisdição age quando provo­cada, a lei concede ao magistrado o poder de determinar as provas que entender necessárias, prerrogativa essa que também se estende ao Ministério Público, quando integra a relação processual na qualidade de custos legis (art. 83, inc. II, do CPC). Tal previsão legal pode ser con­siderada como típico indício de aplicação do princípio da verdade real no processo civil.

M l 1 9 . 1 . 4 P R O D U Ç Ã O D A P R O V A

A colheita das provas no processo civil observa o princípio da ime­diação, pelo qual é o juiz quem mediará a realização da prova, e todo elemento probatório passa pela pessoa do magistrado. Por exemplo, quando da realização das perguntas às testemunhas, os advogados de­verão fazê-las ao magistrado que, entendendo serem elas pertinentes, dirigi-las-á ao depoente.

Obviamente, por ser o magistrado o destinatário da prova, a regra é no sentido de que a sua realização deverá ocorrer diante do julgador, ou levada diretamente a ele, para que possa formar a sua convicção.

Como ensina Francesco Carnelutti,18 em obra-prima do Processo Civil, a prova pode ser direta ou indireta.

Por prova direta entende-se aquela cujo fato é levado diretamente ao magistrado, para que ele, com seus próprios sentidos, conheça da

18 A prova civil, p. 81, edição traduzida por Lisa Pary Scarpa.

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realidade e sobre ela profira um julgamento; por exemplo, podemos dizer ser prova direta a verificação de um documento, a inspeção judi­cial (pela qual o juiz se dirige ao local), o depoimento pessoal das par­tes para a obtenção da confissão etc. Na prova direta, o juiz exerce sua percepção diretamente sobre o fato.

Ao contrário, vislumbramos provas indiretas, caracterizadas pelos elementos levados ao processo e que são percebidos, pelo magistrado, por meio de outro sujeito. O juiz não mantém contato direto com o fato, mas o faz por meio de outra pessoa. É o que ocorre, por exemplo, em nosso sistema, com a prova testemunhai ou a prova pericial, pelas quais o juiz aprecia o fato sob o prisma da percepção realizada por outros sujeitos. Na prova indireta da percepção de outrem, o juiz deduz o fato.19

No que se refere ao momento de produção da prova, seja ela dire­ta ou indireta, podemos afirmar não existir uma regra a respeito. Cada espécie de prova tem o momento próprio de ser praticada com eficácia.

O art. 336 do Código de Processo Civil estabelece que, salvo dispo­sição em contrário, as provas são produzidas em audiência. Na verda­de, o referido artigo não reflete a regra acerca do momento da produ­ção da prova, mas somente reforça a idéia do princípio da imediação, segundo o qual a prova deve ser produzida diante do magistrado.

Na realidade, apenas serão praticadas em audiência as provas orais, como os depoimentos das partes, a oitiva das testemunhas, a ouvida dos esclarecimentos dos peritos e assistentes técnicos, ficando as de­mais dispensadas de produção em audiência, mesmo porque há im­possibilidade material para tanto (perícias, juntadas de documentos, exibição etc.).

Como se vê, cada espécie de prova é praticada em um momento próprio dentro do processo. Todavia, não se pode deixar de asseverar

19 Para Carnelutti (op. cit., p. 96): "O tipo simples da prova direta apresenta o contato imediato entre o juiz e o fato a provar; nele, o meio de conhecimento se limita a uma ativi­dade do juiz, ou seja, a dirigida à percepção do fato a provar. 0 tipo complexo da prova indi­reta mostra, entretanto, a separação entre o juiz e o fato a provar, uma vez que é estabele­cido por um fato intermediário, que forma elo de conjunção entre aqueles dois termos: aquio conhecimento não se obtém unicamente mediante a atividade do juiz, senão também por meio de um fato exterior, a respeito do qual se exercita a atividade perceptiva e dedutiva".

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que a prova também pode ser colhida fora do processo, ou seja, produ­zida antecipadamente à propositura da ação de conhecimento ou, ainda, emprestada de outro feito ou requisitada a outro órgão jurisdicional.

a) Prova emprestada. A prova emprestada é aquela produzida em outro processo e trazida aos autos da ação em que se pretende de­monstrar o fato já constatado na outra ação.

Obviamente, a prova colhida em um processo - como depoimen­to de testemunhas, documentos juntados, laudos periciais - pode, per­feitamente, fazer prova em outro processo que trate do mesmo objeto ou tenha os mesmos fatos a provar.

No entanto, deve-se sempre respeitar o direito de contraditório das partes,20 inclusive admitindo a repetição da prova emprestada para dar à parte a oportunidade do contraditório não exercido no m om en­to em que a prova foi produzida no processo de origem.

Além disso, quando da valoração da prova (com observância do poder de livre convencimento do magistrado), o juiz deverá conside­rar o fato de a prova ter sido produzida em outro processo, isso de for­ma a não prejudicar a sua percepção direta acerca do fato litigioso.21

20 "Prova. Emprestada do Juízo Criminal. Aproveitamento. Cabimento. Jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Princípio do contraditório observado. Fatos em ques­tão são os mesmos. Arrolamento fora do prazo. Irrelevância. Justificativa satisfatória. Identi­dade de partes nos processos. Inexigibilidade. Recurso provido." (TJSP, Al n. 136.633-4, rel. Des. Sousa Lima, j. 23.02.2000, v.u.)

"Compromisso de Compra e Venda. Imóvel. Reintegração de posse. Improcedência. Posse não comprovada. Impossibilidade, ademais, de acolhimento de peças extraídas de inquérito policial como prova emprestada, eis que produzidas sem contraditório. Recurso pro­vido para esse fim. Sempre que o autor não demonstra o fato constitutivo do seu alegado direito, a única solução possível é a Improcedência de sua pretensão." (TJSP, Apelação n. 209.106-2, rel. Des. Laerte Nordi, j. 27.05.1993, v.u.)

21 "Ação Civil Pública. Rodeios. Uso do 'sedém' - Pretensão que visava à condenação da municipalidade na proibição desses eventos. Prova emprestada de outro processo que não possibilita a avaliação do caso posto em julgamento. Sentença de procedência. Recurso pro­vido." (TJSP, Apelação n. 164.518-5, rel. Des. Rui Cascaldi, j. 09.05.2001, v.u.)

"Ação Civil Pública. Patrimônio Público. Provas. A ação civil pública pode ser entendi­da ampla. Tratando-se de prova documental pode ela ser emprestada, cabendo ao réu pro­duzir a contraprova. Não se desincumbindo de tal mister, tem-se por provados os fatos demonstrados pelos documentos." (TJSP, Apelação n. 67.531-5, rel. Des. Lineu Peinado, j. 22.06.1999, v.u.)

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b) Produção antecipada de prova. Ordinariamente, a prova é pro­duzida no processo de conhecimento, no momento oportuno para isso. Determinadas provas podem ser produzidas de imediato com a propo­situra da ação ou apresentação da contestação, como ocorre com a prova documental, e outras espécies de provas são produzidas dentro da fase de dilação probatória, como a perícia e a ouvida de testemunhas.

Todavia, nem sempre a constatação do fato pode aguardar o m o­mento oportuno do processo de conhecimento. Em determinadas si­tuações, não se pode retardar a colheita da prova, sob pena de pereci- mento dessa e de inviabilidade de comprovação dos fatos em juízo.

Imaginemos que a possível testemunha esteja em seu leito de m or­te, ou, ainda, que o fato seja passível de desaparecer com o tempo; nes­ses casos, evidentemente, não há como se esperar a audiência de instru­ção ou a perícia do processo de conhecimento para a colheita da prova.

Por essa razão, o ordenamento processual concebeu duas modali­dades de ações cautelares nominadas destinadas à colheita antecipada ou preparatória de provas, com a finalidade de evitar que a prova pere­ça e não possa ser utilizada em juízo.

Assim, presta-se a cautelar de produção antecipada de provas (art. 846 do CPC) para a colheita do interrogatório ou depoimento das partes, inquirição de testemunhas ou exame pericial, bem como tem natureza acautelatória e preparatória a ação cautelar de exibição de documentos (art. 844 do CPC); ação essa que visa trazer a juízo docu­mentos ou coisas em poder da parte contrária ou de terceiros.

Nota-se que, em ambos os casos, as cautelares apenas se destinam á colheita da prova processual; prova essa que, futuramente, será utili­zada no processo principal (processo de conhecimento). Na ação cau­telar não haverá valoração da prova, mas a sua produção em juízo, como forma de evitar que pereça e cause prejuízo à pretensão da parte.

A antecipação da prova se distingue da prova emprestada; essa é produzida em juízo alheio àquele que julgará a ação principal de conhecimento, e pode ser decorrente de qualquer processo, inclusive os que tramitam fora da jurisdição civil comum (como processo cri­minal, trabalhista, eleitoral etc.). Já a produção antecipada de provas

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 4 4 7

em sede de ação cautelar é realizada pelo mesmo magistrado que co­nhecerá da ação principal22 - em outras palavras, é competente para a ação principal o mesmo juízo que conheceu da ação cautelar, fato que garante o princípio da imediação.

c) Instrução por carta. Como já tratamos anteriormente, havendo a necessidade da prática de atos processuais fora da competência do magistrado (local ou função pela hierarquia), deverá ele requerer a realização do ato ao magistrado competente, por meio das denomina­das cartas (precatória, rogatória e de ordem).

Assim, quando da produção da prova, o juiz poderá se valer das cartas quando houver de colher ou produzir provas além dos limites de sua competência. Nesse ponto, podemos citar o exemplo da teste­munha que reside fora da comarca, o que permitiria a sua ouvida por meio de carta precatória no juízo de seu domicílio; ou ainda, seria o caso do juiz necessitar de uma perícia em coisa que esteja fora de sua competência territorial.

Em se tratando de instrução por carta, o art. 338 do Código de Processo Civil disciplina a regra de suspensão do processo enquanto o ato é praticado. O artigo determina que apenas haverá a suspensão do processo, para que se aguarde o retorno da carta, quando a prova hou­ver sido requerida antes do despacho saneador; em caso contrário, o processo poderá ser julgado mesmo sem o retorno da carta (podendo a carta ser juntada aos autos a qualquer momento, mas correndo o risco de ser atrasada para a solução da lide).

mm 1 9 . 1 . 5 V a l o r a ç ã o d a P r o v a

Admitida e realizada a prova no processo, o juízo terá livre poder para sua apreciação, podendo formar sua convicção sem observância de uma ordem legal de valoração da prova, como preceitua o disposi­tivo do Código de Processo Civil a seguir:

22 Em se tratando de cautelar preparatória (proposta antes da ação principal), finda a ação, essa permanecerá arquivada em juízo, devendo a futura ação principal ser distribuída por dependência à ação cautelar preparatória para que seja julgada pelo mesmo juízo. Ao contrário, em caso de cautelar incidental (ação principal já em curso), seguirá a produção antecipada em apenso ao processo principal.

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Art. 131.0 juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos

e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados

pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe

formaram o convencimento.

Obviamente, em consonância com o princípio da fundamentação dos atos judiciais, previsto no inc. IX do art. 93 da Constituição da República, e mesmo para garantir o direito de contraditório, o juízo deverá expor, na sentença, os motivos e provas que formaram o seu convencimento, apresentando a valoração dada aos elementos trazidos pelas partes ao processo.

Nenhuma prova, por mais contundente que seja, é interpretada isoladamente. É dever do juiz, ao proferir sentença, apreciar a prova em relação a todo o conjunto probatório, em função de todas as pro­vas colhidas no processo, já que um elemento poderá servir como re­forço para o outro, ou mesmo para desmenti-lo.

A processualística tem vislumbrado três espécies de valoração da prova. A primeira delas eqüivale à teoria da prova legal, segundo a lei que atribui um valor específico para cada modalidade de prova. Outro sistema é o da valoração segundo a consciência do magistrado, que deixa ao livre-arbítrio do juiz a avaliação das provas trazidas aos autos. Por fim, contempla-se o princípio do livre convencimento motivado do juiz ou da persuasão racional, método que permite ao magistrado, dentro de uma lógica, formar a sua convicção, mas com o dever de fundamentar ou justificar tal raciocínio lógico.23

Foi positivado no Brasil o sistema da persuasão racional (livre convencimento motivado), conforme o art. 131 do Código de Proces­so Civil.

Outro aspecto relevante no momento da valoração da prova é o fato de que, uma vez levado ao processo, o elemento probatório pode beneficiar ou prejudicar a pretensão de qualquer uma das partes. Não importa quem carreou a prova aos autos, os efeitos advindos do seu conteúdo serão comuns a ambas.

73 Antonio Carlos de Araújo Cintra; Ada Pellegrini Grinover & Cândido Rangel Dinamar- co, op. cit., p. 351.

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 4 4 9

O magistrado sempre será o destinatário da prova, pois é a ele que interessa a demonstração da verdade dos fatos, para o conhecimento da lide e formação da sua convicção acerca da pretensão.

Finalmente, não se pode deixar de dizer que o magistrado, apesar de ter poder e liberdade para determinar as provas de ofício, apenas poderá formar a sua convicção com base nas provas levadas aos autos; poderá considerar apenas a verdade que estiver documentada no pro­cesso.

m 1 9 . 1 . 6 E s p é c i e s d e P r o v a s

O ordenamento processual admite de forma ampla o direito de exercício de prova no processo, concebendo que todos os meios legíti­mos, entendidos como aqueles não contrários à lei, são hábeis para provar a verdade dos fatos apresentados na inicial ou na defesa (art. 332 do CPC).

Não obstante a ampla admissão, o Código prevê as seguintes espé­cies de provas:

a) Provas documentais. Relacionadas à apresentação de documentos ou coisas como forma de demonstração da verdade dos fatos (arts. 364 a 399 do CPC).

b) Provas técnicas. Constatação do fato por profissional habilitado na área ou matéria (prova pericial); previstas nos arts. 420 a 439 do CPC.

c) Provas orais. Consistentes nos depoimentos das partes, ouvida de testemunhas e acareações (arts. 342 a 354 e 400 a 419 do CPC).

d) Constatação ou inspeção. É a prova por mera inspeção judicial (arts. 440 a 443 do CPC) ou constatações realizadas por auxiliares do juízo, sem a necessidade de conhecimentos técnicos específicos.

1 9 . 2 C O N F I S S Ã O

A confissão é a admissão, pela própria parte, de fatos contrários à sua pretensão, nos termos definidos no art. 348 do Código de Proces­so Civil, com natureza civil de negócio jurídico unilateral.

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Assim, quando de suas manifestações, sejam orais ou por petição, as partes poderão reconhecer fatos contrários àquilo que desejam na ação ou tenham afirmado anteriormente em sua defesa, gerando com isso a confissão.

Nota-se que a confissão é sempre prova que beneficia a parte con­trária e nunca aquela que confessou. Diante da sua natureza, Theodo- ro Junior afirma que a confissão é conhecida como sendo a “rainha das provas”, pela força que tem na convicção do magistrado.24

De qualquer forma, como já afirmamos quando do estudo da apre­ciação das provas, a confissão não é uma espécie de prova absoluta (não gera uma presunção al^soluta do fato), mas, como qualquer outra prova, deve ser analisada dentro do conjunto probatório levado aos autos.

Vamos imaginar que o réu compareça em juízo e admita ser o cau­sador do acidente. Mais adiante, é realizada prova pericial e o experto conclui que o acidente ocorreu em razão de defeito no veículo do autor. Nesse caso, deverá o magistrado condenar o réu apenas pelo fato de ele ter confessado? Obviamente que não. A decisão deverá tomar em consi­deração todas as provas levadas aos autos, podendo o juiz, dentro do sis­tema de persuasão racional, aplicar o julgamento que entender cabível em razão da análise do conjunto probatório (condenando ou não o réu).

■i 1 9 . 2 . 1 E s p é c i e s d e C o n f i s s ã o

A confissão pode ser classificada como:

a) Judicial ou extrajudicial. A confissão judicial é aquela que ocorre dentro do processo quando das manifestações ou atos das partes. Ao contrário, a confissão extrajudicial é aquela gerada fora do âmbito do Poder Judiciário, mas que pode ser levada aos autos. Temos uma confissão extrajudicial quando a parte firma declara­ções por instrumentos particulares ou mesmo públicos.

b) Espontânea ou provocada (art. 349 do CPC). Nesse ponto, o crité­rio considerado para a classificação tem como base a iniciativa para a confissão. Partindo a confissão de iniciativa da própria par-

M Curso de direito processual civil, cit., p. 383.

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 4 5 1

te, estaremos diante de caso de modalidade espontânea; no entan­to, caso a parte tenha sido incitada ou estimulada por terceira pes­soa a confessar (pelo advogado, pela parte contrária, pelo próprio juiz etc.)> temos a forma provocada. Seria caso de confissão provo­cada, por exemplo, a parte comparecer em juízo para prestar depoimento e, nesse ato, admitir fatos contrários à sua pretensão. A confissão é ato que pode ser realizado por procurador ou m an­datário, desde que tenha ele poderes especiais para isso (art. 349, parágrafo único, do CPC).

c) Ficta ou real. A confissão ficta ou presumida é aquela que decorre de uma omissão ou inércia da parte. Como regra, o não-cumpri- mento do ônus processual poderá gerar a presunção de veracida­de em relação ao fato pretendido com o ato processual. Por exem­plo, se a parte é intimada a comparecer em audiência para prestar depoimento e não comparece, sobre ela recairão os efeitos da con­fissão presumida. Já a real ou expressa é aquela manifestada de forma inequívoca pelas partes, de forma verbal ou escrita.

■ ■ 1 9 . 2 . 2 C a b i m e n t o e e f e i t o s d a c o n f i s s ã o

A confissão apenas será admitida quando se tratar de direito dis­ponível,25 conforme preceitua o art. 351 do Código de Processo Civil, bem como o art. 213 do novo Código Civil.26

A regra é no sentido de que a confissão é manifestação irrevogável da vontade, no entanto, poderá ser anulada quando tal manifestação decorreu de um vício do ato jurídico (erro ou coação), nos termos do art. 214 do Código Civil.

Ressalte-se que a revogação da confissão em razão do vício na manifestação da vontade não é procedida nos próprios autos da ação em que foi realizada, mas por meio de ação anulatória (ação de conhe­cimento comum que visa a declaração de nulidade do ato), se a ação

25 Lembrando que a regra é no sentido de que é disponível o direito privado e patrimo­nial, ao revés, são indisponíveis os direitos relativos a bens públicos ou não patrimoniais, com­portando exceções.

26 "Art. 213. Não tem eficácia a confissão se provém de quem não é capaz de dispor do direito a que se referem os fatos confessados."

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ainda estiver em curso, ou, após o trânsito em julgado, será fundamen­to para ação rescisória (ação própria para a desconstituição de senten­ças, que será tratada em capítulo próprio).

A confissão, como regra, tem o seu conteúdo considerado indivi­sível, ou seja, não podem os litigantes pretender utilizar-se apenas da parte da confissão que lhes favoreça e desconsiderar as demais que lhes prejudiquem. Todavia, poderá ser dividida ou considerada em parte quando o litigante que confessou (confitente) apresentar outras provas ou elementos capazes de constituir ou infirmar parcialmente a confis­são (art. 354 do CPC).

Por fim, resta-nos indagar: a confissão de um litisconsorte preju­dica os demais?

A regra é no sentido de que a confissão de um dos litisconsortes não prejudica os demais, conforme prevê o art. 350 do Código de Pro­cesso Civil.

No entanto, essa regra tem de ser analisada com certa cautela, devendo ser interpretada em face das normas próprias que regem os efeitos da ação em relação aos litisconsortes.

A regra contida no art. 350 do Código do Processo Civil é plena­mente aplicável nas hipóteses de litisconsórcio simples, no qual é pos­sível ao magistrado dar na sentença pronunciamento distinto para cada um dos litisconsortes, ou seja, poderá julgar o pedido procedente em relação a um deles e improcedente em relação ao outro litisconsorte.

Agora, em caso de litisconsórcio unitário, a confissão de um litis­consorte causará efeito indireto sobre os demais, já que, nessa espécie de pluralidade de partes, o juiz está obrigado a dar uma sentença uni­forme para todos os litisconsortes. Nesse caso, não poderia condenar um réu em razão da confissão e absolver o outro, já que devem com­partilhar os mesmos efeitos da sentença.

1 9 . 3 D E P O I M E N T O P E S S O A L E I N T E R R O G A T Ó R I O

O depoimento pessoal e o interrogatório representam espécie de prova oral, pela qual as partes são chamadas à presença do magistrado para serem ouvidas acerca dos fatos da causa.

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 4 5 3

O interrogatório é ato de iniciativa do magistrado em ouvir as par­tes em audiência a fim de obter esclarecimento sobre os fatos manifesta­dos anteriormente por elas ou acerca da própria lide. Já o depoimento pessoal é provocado pela parte contrária, com o objetivo de ouvir o depoimento do litigante adverso, com a finalidade de extrair dele a con­fissão em juízo. No entanto, nada impede que, em interrogatório, a parte venha a confessar.

Ressalte-se que o requerimento de depoimento pessoal sempre se refere à parte contrária, já que o objetivo dessa prova é a obtenção da confissão. Em simples palavras, podemos afirmar que a parte não tem legitimidade - nem mesmo interesse - para requerer o seu próprio depoimento.

Sendo a parte intimada a comparecer em juízo para prestar depoi­mento pessoal, estará ela diante de um ônus processual, cuja inobser­vância gerará a confissão ficta, ou seja, o não-comparecimento implica presunção de veracidade dos fatos imputados contra ela (art. 343, § 2o, do CPC).

O depoimento pessoal e o interrogatório são atos personalíssimos das partes ou de seus representantes legais (nos casos de menores, interditados, das pessoas jurídicas etc.).

Para que ocorra aplicação da pena de confissão à parte deverá ter sido intimada pessoalmente para a audiência, sendo requisito, tam ­bém, que conste dessa intimação a advertência quanto ao prejuízo advindo em razão da ausência (art. 343, § Io do CPC). A ausência à audiência sem que tenha ocorrido intimação pessoal da parte não acarretão confissão tácita.

Comparecendo à audiência de instrução, as partes serão ouvidas em depoimento pessoal (ou interrogatório) antes da ouvida das teste­munhas, e a inquirição das partes será feita da mesma forma que para as testemunhas. É vedado às partes o uso de escritos ou textos anterior­mente preparados para o depoimento, admitindo-se, somente, que consultem notas breves para auxílio e complemento das informações prestadas (art. 346 do CPC).

Como regra, o juiz é o primeiro a formular as perguntas à parte depoente e, em seguida, pelo sistema de reperguntas - pergunta é feita ao juiz que, se entender útil, irá transmiti-la à parte - , são apresenta­das as questões da parte contrária (por seu advogado, é lógico). Obser­

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4 5 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

va-se que o advogado da parte depoente não tem a possibilidade de formular perguntas a seu cliente, já que a finalidade dessa prova é a obtenção da confissão.

O que a parte fala em seu favor não tem grande relevância. Inte­ressa para essa modalidade de prova a obtenção da confissão, portan­to, contra os interesses do depoente, razão pela qual não se justifica a inquirição pelo próprio advogado da parte que depõe.

Quando do depoimento da parte, como regra, não poderá ela dei­xar de responder às perguntas que lhe são apresentadas pelo juiz (mes­mo as formuladas pelo advogado) nem dar respostas evasivas, sob pena de ser aplicada a confissão ao depoente (art. 345 do CPC).

Excepcionalmente, a parte poderá recusar-se a depor quando (art. 347 do CPC):

a) se tratar de fatos criminosos ou torpes que lhe forem imputados;b) a parte tiver o dever de guardar sigilo do fato em razão de estado

particular ou profissão - por exemplo, o que ocorre em conse­qüência do segredo profissional dos médicos, advogados, ou esta­do assumido pelos padres em confiança de sigilo religioso.

Por fim, surge a seguinte pergunta: poderia a parte requerer o depoimento pessoal do seu próprio litisconsorte? Em depoimento pes­soal, poderia um litisconsorte formular pergunta ao outro?

A jurisprudência e a doutrina têm-se pronunciado em ambos os sentidos de forma radical: alguns entendem que sim, e outros, pela não-admissão.27

Para nós a questão demanda maior análise da finalidade da prova denominada depoimento pessoal. Mais do que a posição dos indiví­duos no pólo da ação (passivo ou ativo e os litisconsortes), a resposta

11 Existem manifestações doutrinárias e jurisprudenciais no dois sentidos:Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (op. cit., p. 707) sustentam ser cabí­

vel o pedido do litisconsorte para a oitiva do outro colitigante (R T J107/729, RJTJSP139/198, R T581/235). Em sentido contrário, Theotonio Negrão (Código de Processo C ivile legislação processual em vigor, p. 404) afirma: "Não cabe à parte requerer o próprio depoimento pes­soal (R T722/238, RJTJESP118/247)\ nem pode o litisconsorte pedir o depoimento pessoal do seu colitigante (RTJ 107/729 e STf-RT587/235)".

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 4 5 5

aos questionamentos anteriores depende da verificação da pretensão ou defesa das partes e litisconsortes.

Entendemos que, como regra, não se admite o requerimento de um litisconsorte para a oitiva do depoimento pessoal do outro, pois, figurando eles no mesmo pólo da ação, presume-se que tenham os mes­mos interesses em relação ao deslinde da causa, portanto, não haveria interesse de um litisconsorte para obter a confissão do outro. Se estão no mesmo pólo, como regra, defendem os mesmos interesses.

Todavia, pode não haver coincidência entre as pretensões ou defe­sas dos litisconsortes.

Nesse caso, quando os colitigantes defendem fatos contrários entre si, um imputando ao outro fatos divergentes, entendemos ser perfeita­mente cabível o requerimento (e admissão) do depoimento pessoal do litisconsorte como forma de obtenção da confissão. Seria o caso, por exemplo, de ação de indenização proposta contra dois réus, na qual afirma o autor que ambos causaram o fato gerador do prejuízo inde- nizável. Por sua vez, nas contestações, cada réu atribui ao outro a culpa pelo dano - nessa hipótese, verifica-se que os fatos são contrários, e é perfeitamente possível a obtenção da confissão de um dos litisconsor­tes, confissão essa que poderia favorecer a defesa do outro.

Portanto, em se tratando de pretensões ou defesas divergentes en­tre os litisconsortes, será perfeitamente cabível a admissão do depoi­mento pessoal requerido por eles, inclusive a apresentação de pergun­tas em audiência, como forma de obtenção da confissão, sob pena de, em caso de negativa, haver a privação injusta da parte do seu direito de fazer prova e, conseqüentemente, a incidência em cerceamento de defesa.

19.4 E X I B I Ç Ã O D E D O C U M E N T O S O U C O I S A S

■ I 1 9 . 4 . 1 D E F I N I Ç Ã O E F I N A L I D A D E D A E X I B I Ç Ã O

A exibição é o instrumento processual colocado à disposição da parte ou do juiz, para fazer com que sejam levados aos autos do pro­cesso documentos ou coisas que se encontrem em poder da parte ad­versária, ou mesmo na posse de terceiros estranhos à lide.

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4 5 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Mais do que uma prova, a exibição de documentos é um inciden­te processual que tem por finalidade a realização da prova documen­tal; incidente que se faz necessário quando a coisa a ser juntada no pro­cesso para fazer prova está na posse de outra pessoa.

A finalidade da medida é propriamente trazer a público o que está oculto, é a coação sobre a parte contrária ou terceiro para que apresen­te em juízo coisa que se encontra em seu poder e é necessária para a instrução processual.

Obviamente, encontra-se legitimada a requerer a exibição do documento ou coisa a parte que tiver o ônus da prova do fato em questão.

Seria o caso, por exemplo, do sócio que propõe ação contra a sociedade e demais sócios com o objeto de ser excluído da referida so­ciedade e receber seus haveres. Nesse caso, o autor não é detentor de documentos indispensáveis para a apuração de seu crédito na socie­dade, dependendo, para tanto, dos livros comerciais. Assim, poderá requerer ao juiz a exibição desses documentos, hipótese em que a parte contrária será intimada para a apresentação em juízo da coisa requisitada.

A exibição também pode ser manipulada contra terceiros.A exibição ora em estudo diverge em relação à exibição preparató­

ria ou cautelar. O processo cautelar prevê uma modalidade típica de medida acautelatória destinada à exibição de documentos; ação essa que é proposta, de forma preparatória, antes da ação de conhecimen­to. A finalidade de ambas é a mesma, obter a exibição de documento ou coisa que se encontre em poder da parte contrária ou de terceiro. Todavia, trata-se a primeira de uma ação autônoma e preparatória para esse fim, enquanto a exibição em estudo refere-se a mero inciden­te dentro do processo de conhecimento.

m 1 9 . 4 . 2 P r o c e d i m e n t o d o I n c i d e n t e d e E x i b i ç ã o

O interessado na exibição apresentará o seu requerimento em pe­tição contendo os seguintes requisitos (art. 356 do CPC):

a) indicação da coisa ou documento pretendidos, com a sua indivi­dualização;

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 4 5 7

b) a finalidade da prova, com a apresentação dos motivos pelos quais a parte deseja ter conhecimento do documento, inclusive mencio­nando quais fatos pretende provar com a exibição;

c) as razões pelas quais o requerente entende que o documento se encontra em poder da parte contrária ou terceiro; é a justificativa que leva o requerente a achar que o documento esteja com o re­querido da exibição.

Admitido o incidente, o juiz determinará a intimação da parte re­querida ou do terceiro para que apresente a sua resposta ao pedido.

Dessa intimação surgem as seguintes alternativas: a exibição, hipó­tese em que o incidente alcançou a sua finalidade; a apresentação de recusa à exibição, no prazo de cinco dias (art. 357 do CPC), que será julgada pelo magistrado; ou, ainda, a inércia da parte requerida (não exibe, tampouco apresenta recusa).

Caso a parte requerida apresente resposta afirmando não possuir o documento ou coisa pretendida, o juiz dará oportunidade à parte re­querente para que prove em sentido contrário, abrindo-se, a partir desse momento, verdadeira fase de instrução da exibição, com a possi­bilidade da prática de todos os meios de prova. Curiosamente, abre-se uma pequena instrução processual do incidente, dentro da grande fase instrutória do processo.

Finda a instrução do incidente, ou não sendo essa necessária, o juiz proferirá sua decisão: aceitando a recusa do requerido, ou consideran­do a recusa ilegítima.

Na hipótese de o magistrado reconhecer o dever do requerido de exi­bir a coisa (e ele ainda não o tiver feito), ou deixar o requerido de apre­sentar resposta no incidente, o juiz aplicará a pena de confissão a ele, pre­sumindo como verdadeiro o fato que pretendia provar a parte requerente com a exibição do documento ou coisa.

Vê-se, na exibição de documento contra a parte contrária, uma medida cominatória e não coercitiva, pois há um ônus processual de exibição que, se não for adimplido, gerará à parte a pena de confissão em relação aos fatos articulados pela parte contrária (art. 359 do CPC).

justifica-se, por essa razão, a determinação para que conste da pe­tição do requerente a indicação dos fatos que se pretende provar com

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4 5 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

a exibição, pois, sendo considerada ilegítima a recusa ou omissão, os fatos indicados na petição de requerimento da exibição serão tidos por verdadeiros.

Por outro lado, há de se questionar: é possível a imposição da pena de confissão quando a exibição é promovida contra terceiro e esse dei­xa de exibir?

Obviamente que não, pois, não sendo parte na ação, o terceiro não poderá sofrer os efeitos da confissão, mesmo porque a confissão pre­tendida seria útil contra a parte contrária, e não em face do terceiro.

Assim, em caso de resistência do terceiro em exibir o documento ou coisa, será imposta contra ele uma medida coercitiva de busca e apreensão.

■ I 1 9 . 4 . 3 J U S T I F I C A T I V A S P A R A A R E C U S A

O requerido na exibição, parte no processo ou terceiro, não estará obrigado à exibição quando (art. 363 do CPC):

a) o documento ou coisa for concernente a negócios da própria vida da família - nesse caso a intenção é a preservação da intimidade da família, impedindo-se que a exibição cause danos aos seus demais membros;

b) a apresentação do documento ou coisa puder violar dever de honra;c) a exibição do documento e a eventual publicidade acarretarem

desonra à parte ou a terceiro, bem como aos seus parentes, ou re­putarem perigo de ação penal;

d) a exibição do documento acarretar a divulgação de fato que deva ser mantido em segredo em razão de profissão ou estado.

O rol contido no art. 363 do Código de Processo Civil é meramen­te exemplificativo, já que o seu inc. V permite que o requerido alegue qualquer outro motivo grave e que, segundo o prudente arbítrio do magistrado, essa questão seja apreciada para verificação de admissão ou não da recusa.

Alegada qualquer causa de recusa na exibição, competirá ao reque­rido provar a existência de tais circunstâncias que escusam a não-exi- bição.

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 4 5 9

Por fim, o art. 358 do Código de Processo Civil determina as cir cunstâncias em que não se admitirá a recusa do requerido em apresen tar em juízo a coisa ou documentos, ou seja:

E X I B I Ç Ã O DE DOCUMENTOS OU C OI S A S(Incidente da fase probatória)

CONTRA A PARTE

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4 6 0 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

E X I B I Ç Ã O DE DOCUMENTOS OU C OI S A S( C O N T I N U A Ç Ã O )

CONTRA TERCEIROS

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 4 6 1

19.5 Prova Do c u m e n t a l

■■ 1 9 . 5 . 1 D E F I N I Ç Ã O DE D O C U M E N T O

Por documento podemos entender toda e qualquer coisa corpórea capaz de representar um fato, e da qual se possa extrair uma verdade so­bre os fatos alegados pelas partes no processo. Assim, podemos conside­rar como documentos: os escritos (documento em sentido estrito da pa­lavra, como as declarações, cartas, instrumentos etc.), as fotografias, fitas de gravações, ou qualquer outra coisa que possa ser juntada ao processo.28

O instituto da prova pode ser disciplinado tanto pelas normas de direito processual (Código de Processo Civil), como pelas normas des­tinadas ao direito material (Código Civil), cada qual dentro de sua finalidade para o ordenamento jurídico.29

É certo que é competência do direito material a determinação do valor de cada prova, dos meios de sua formalização, dos requisitos para o ato etc.; por outro lado, é de natureza do processo civil disciplinar a produção da prova dentro do processo, como o momento de apresen­tação, as regras quanto ao ônus, os meios de argüição de falsidade etc.

Essa definição da natureza jurídica da prova é absolutamente rele­vante quando da análise da prova documental, pois não deve o proces­so civil preocupar-se com a essência do documento, mas tão-somente com relação às conseqüências da espécie de prova para o processo. Podemos afirmar, por exemplo, não ser da competência das normas processuais a exigência de documento público ou privado para deter­minado ato. Não devem as normas de processo definir quais formas de documentos são capazes de provar a existência do ato ou fato jurídico, mas disciplinar a sua apresentação em juízo. Não importa, para o pro­cesso, se determinado negócio jurídico se prova com documento par­ticular ou por meio de documento público.

Não obstante essa divisão teórica entre as atribuições do direito material e do direito processual, o legislador vem fazendo grande con­fusão e misturando ambas as naturezas jurídicas.

28 Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, p. 491.29 João Batista Lopes, A prova no direito processual civil, p. 29.

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4 6 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Ao tratar da prova documental no Código de Processo Civil, o le­gislador disciplinou inúmeras situações típicas de regulamentação pelo direito material, como, por exemplo, quando especifica a força probante dos documentos públicos e particulares logo nos primeiros artigos que tratam da prova documental (arts. 364 a 371 do CPC). Em todos os casos, há regulamentação da formalidade do ato jurídico, matéria exclusivamente de direito material.

Por sua vez, o Código Civil (Lei n. 10.406/2002), em seus arts. 215 a 227, tentou disciplinar a prova documental dentro dos aspectos que lhe são pertinentes, em especial, determinando a força probante dos documentos e as suas formalidades.

m 1 9 . 5 . 2 A P r o v a D o c u m e n t a l n o

C ó d i g o C i v i l d e 2 0 0 2

O Código Civil de 2002, ao disciplinar a prova documental em seus arts. 215 a 227, não trouxe grandes alterações em relação àquilo que já era previsto no Código de Processo Civil. Na realidade, grande parte dos dispositivos acerca da prova no Código Civil podem ser con­siderados como cópias ou inspirados no Código de Processo Civil.

Em síntese, o Código Civil dispõe:

a) A escritura pública, lavrada por autoridade competente, é docu­mento que goza de fé pública e faz prova plena do negócio jurídi­co (art. 215).

b) Terão o mesmo valor probatório que o original as certidões tex­tuais das peças judiciais, dos protocolos ou termos de audiências, ou de qualquer outro livro a cargo de escrivão, sendo as certidões extraídas por essa autoridade ou por quem for competente.

c) Terão o mesmo valor probatório que o original os traslados e as certidões extraídas por tabelião ou oficial de registro em relação às notas de documentos tidos em seu poder ou por eles elabo­rados.

d) Os traslados e certidões são considerados documentos públicos quando os originais tiverem sido produzidos em juízo como prova de um ato.

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 4 6 3

e) As declarações lançadas em documentos assinados conduzem à presunção de veracidade das afirmações em relação ao signatário (art. 219).

f) O instrumento particular assinado por quem esteja na livre admi­nistração de seus bens prova as obrigações de qualquer valor, mas os seus efeitos, bem como os atos de cessão, apenas se operam perante terceiros se o documento tiver sido registrado no cartório competente (art. 221).

g) O telegrama, quando contestada a autenticidade, faz prova me­diante conferência com o original assinado pelo remetente.

h) As cópias dos documentos, quando conferidas por tabelião de no­tas (autenticação), valerão como prova da declaração da vontade, mas, caso seja impugnada a sua autenticidade, deverá ser exibido o original. A cópia não substitui o original quando a lei condicio­nar o exercício do direito à apresentação desse documento (como, por exemplo, o que ocorre com os títulos de crédito: a cópia não basta para a propositura de ação de execução).

i) Os documentos redigidos em língua estrangeira serão traduzidos para o português para que possam ter efeito no País (art. 224).

j) As reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos, como as foto­gráficas, cinematográficas, os registros fonográficos etc., fazem pro­va plena desses fatos, podendo a parte contra quem forem exibidas impugnar a exatidão ou autenticidade,

k) Os documentos das empresas (ou de empresários) representam prova contra ou a favor da pessoa a que pertençam, fazendo prova a favor apenas quando escriturados sem vícios extrínsecos (de forma) ou intrínsecos (de conteúdo) e puderem ser confirmados por outros elementos de prova (art. 226). Tais documentos não subs­tituem a escritura pública quando a lei a exigir.

Como se vê das previsões anteriores, as regras para os documen­tos previstas no novo Código Civil não regulam a atividade processual, mas, sim, regras do próprio negócio jurídico, tema de competência do direito material.

Obviamente, quando da análise do documento, ao proceder à va- loração da prova no processo, o magistrado deverá utilizar-se das re-

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4 6 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

gras previstas no Código Civil - marcadas pela natureza de direito material e não processual já que serão determinantes para o acolhi­mento ou não da pretensão deduzida pelas partes, mas isso em típica análise do mérito da causa, e não de circunstâncias processuais.

m 1 9 .5 .3 E s p é c i e s d e d o c u m e n t o s

A primeira classificação relevante acerca das espécies de documen­tos é a divisão entre particulares e públicos, divisão formulada com base na autoria do documento.

Os documentos públicos são aqueles produzidos sob a intervenção de autoridade do Estado para a prática do ato. O documento público goza de presunção de veracidade, da validade de sua formação, bem como das declarações firmadas diante da autoridade competente, con­forme prevê o art. 364 do Código de Processo Civil.

Além da presunção de veracidade, o documento público é revesti­do de fé pública, o que eqüivale a dizer que tem efeito não apenas pe­rante as partes, mas também em relação a terceiros.

A esse respeito, Humberto Theodoro Júnior define os documentos públicos como:30

a) documentos judiciais, ou seja, aqueles produzidos no âmbito do Poder Judiciário, como as certidões dos serventuários da justiça, os atos dos magistrados etc.;

b) administrativos, que são produzidos no âmbito da Administração Pública, como os alvarás de construção concedidos pela municipa­lidade, o licenciamento ambiental por parte dos Estados, as certi­dões etc.;

c) documentos notariais, aqueles produzidos por oficiais de cartórios extrajudiciais (cartórios de registro público, de imóveis, de pes­soas, de notas, títulos e documentos etc.).

Obviamente, para que o documento público atinja a sua finalida­de, seja revestido da natureza de fé pública e presunção de veracidade,

30 Curso de direito processual civil, cit., v. 1, p. 395.

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 4 6 5

é necessário que seja produzido por autoridade competente e sob a observância da forma legal para o ato, sob pena de ter os mesmos efei­tos do documento particular, conforme prevê o art. 367 do Código de Processo Civil.

Os documentos particulares, ao contrário, são elaborados pelas partes, por sujeitos particulares e sem a intervenção do Estado. Os documentos particulares, evidentemente, apenas fazem prova em rela­ção aos seus subscritores, bem como não gozam de fé pública.

Em ambas as espécies de documentos, públicos ou particulares, a presunção gerada é relativa ( iuris tantum), ou seja, pode ser desconsti- tuída por prova em contrário.

Outra classificação dos documentos é relativa à finalidade e ori­gem: a) instrumentos; b) declarações; c) documentos simples ou oca­sionais.

Os instrumentos são documentos produzidos ou constituídos com a intenção de servirem de prova do ato ou negócio jurídico reali­zado entre as partes. Por exemplo, quando as partes realizam a compra e venda de um determinado bem, podem elaborar um instrumento de compra e venda para fazer prova desse ato jurídico.

As declarações destinam-se às manifestações da vontade, por exem­plo, uma nota promissória, uma confissão de dívida, etc.

Os documentos simples são aqueles que, apesar de não constituí­dos com a finalidade de fazerem prova judicial ou de um ato jurídi­co, ocasionalmente, são capazes de representar um fato no processo. Por exemplo, uma fotografia, uma fita de vídeo, uma carta entre amantes, bilhetes etc. - em todos os exemplos, a coisa não foi pro­duzida sob a intenção de fazer prova, mas poderá ser utilizada para tanto.

■ i 1 9 . 5 . 4 P r o d u ç ã o d a P r o v a d o c u m e n t a l

O documento é meio de prova que, normalmente, é apresentado pelas partes e juntada ao processo a que se destina.

O ponto mais relevante acerca da produção da prova documental recai sobre o momento em que deve ser realizada pelas partes.

A regra exposta no art. 396 do Código de Processo Civil é no sen­tido de que a prova documental deve ser produzida na fase postulató-

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4 6 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

ria do processo.31 Autor e réu deverão instruir, respectivamente, a peti­ção inicial e a contestação com todos os documentos de que dispõem naquele momento para a corroboração dos fatos que alegam em suas petições.

Na verdade, a intenção dessa previsão legal é justamente permitir às partes o amplo exercício do contraditório e a ampla defesa. Para que o réu tenha pleno conhecimento da pretensão do autor e de suas pro­vas, e assim possa elaborar sua defesa, impõe-se ao autor que todos os documentos acompanhem a petição inicial.

Da mesma forma, para que o autor possa se incumbir corretamen­te do ônus probatório que sobre ele recai, deverá o réu apresentar to­dos os documentos juntamente com a contestação.

A esse respeito, é importante destacar que a jurisprudência tem, em muito, abrandado a regra prevista no art. 396 do Código de Pro­cesso Civil, de modo a permitir a juntada de documento ao processo em qualquer momento da relação jurídica processual, desde que o documento não seja essencial à propositura da demanda (art. 284 do CPC), o que seria causa para o indeferimento da petição inicial, ou, ainda, quando não verificada a má-fé da parte na ocultação do docu­mento e seja assegurado o contraditório.32

Não obstante a jurisprudência sobre o assunto - que admite a jun ­tada de documentos mesmo depois da petição inicial e da contestação - , o art. 397 do Código de Processo Civil determina que as partes poderão juntar, em qualquer momento do processo, apenas os docu-

31 João Batista Lopes, op. cit., p. 117.32 "Servidor. Processual Civil. Programa de incentivo à exoneração voluntária. PDV.

Prestação de serviço posterior à opção. Prova documental. Juntada posterior à contestação da ação principal. Possibilidade. Declaração emitida por deputado estadual. Súmula n. 07. Esta Colenda Corte tem permitido a juntada de prova documental em momento diverso do oferecimento da peça exordial e da contestação, desde que honrado o princípio do contra­ditório, inexistente a má-fé, e que o documento não seja indispensável à propositura da ação. A prevalência conferida ao documento de lavra de deputado estadual, em detrimen­to das certidões emitidas pelo Departamento de Pessoal da Assembléia Legislativa, fundou- se no fato de que os recorridos prestavam seus serviços no gabinete daquele parlamentar, assertiva cuja análise importaria no reexame do quadro fático, proibido pela Súmula n. 07 do STJ. Recurso especial não conhecido." (STJ, 6a T., REsp n. 320.372/AL, rel. Vicente Leal, j. 06.09.2001, v.u.)

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 4 6 7

mentos novos, assim considerados aqueles que não se encontravam em poder da parte quando da prática do ato na fase postulatória, e desti­nados à prova de novos fatos articulados pela parte contrária ou surgi­dos no processo em razão da própria atividade probatória.

Por exemplo, seria o caso de, na contestação, o réu alegar fatos novos em relação à pretensão do autor - então, obviamente, o autor poderá juntar novos documentos para se contrapor aos fatos apresen­tados na defesa do réu. Ou, ainda, como exemplo, pode-se dizer cabí­vel o novo documento quando na realização de uma perícia é imputa­do à parte, pelo experto, determinado fato que pode ser desmentido por meio de um documento ainda não levado aos autos.

Nesse sentido, asseveram os professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:

Documentos novos. A parte tem o dever de demonstrar que a finali­

dade da juntada visa a contrapor o documento a outro, ou a fato ou ale­

gação surgida no curso do processo e depois de sua última oportunidade

de falar nos autos. Não pode a juntada ser feita com o intuito de surpreen­

der a parte contrária ou o juízo, ardilosa ou maliciosamente, para criar no

espírito do julgador a última impressão de encerramento da questão, sem

que a outra parte tenha tido igual oportunidade na dialética do processo.

Deve estar presente na avaliação do julgador, sempre, o princípio da leal­

dade processual, de sorte, seja permitida a juntada de documento nos

autos apenas quando nenhum gravame houver para a parte contrária.33

De fato, a admissão de documentos após a fase postulatória deve ser pautada na verificação da lealdade processual e na garantia de con­traditório à parte adversa, de forma a impedir que qualquer um dos litigantes se utilize da ocultação de documentos para, em momento processual inoportuno, apresentá-los como forma de causar prejuízo à outra parte.

Por derradeiro, nota-se que o art. 398 do Código de Processo Civil, em prevalência ao princípio do contraditório, determina que sempre

33 Código de Processo Civi! comentado, cit., 3. e<±, p. 642.

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4 6 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

que houver a juntada de um documento aos autos, deverá ser aberta vistas à parte contrária para que possa se manifestar acerca da nova prova, isso no prazo de cinco dias.

■ i 1 9 . 5 . 5 A r g ü i ç ã o d e F a l s i d a d e

O processo civil contempla duas espécies de falsidade: a) a falsida­de material e b) a falsidade ideológica.

A falsidade ideológica consiste no vício intrínseco do documento, defeito relativo à própria manifestação da vontade que, ao contrário do que deveria ser, não corresponde à verdade, em razão de simulação, de dolo, erro ou coação (vícios do ato jurídico). Nesse caso, o autor do documento lança uma declaração cuja manifestação da vontade não é livre: a declaração não decorre de sua vontade verdadeira, mas da in­fluência do desejo de outrem.

A falsidade ideológica deve ser alegada em ação autônoma, que tenha por finalidade a desconstituição da manifestação contida no do­cumento.34

Por sua vez, a falsidade material é aquela relativa à forma do docu­mento, consubstanciada em um vício extrínseco da prova, defeito que se manifesta na elaboração física do documento.

Todo documento goza de presunção de veracidade: os documen­tos públicos, de eficácia erga omnes, e os particulares, entre as partes subscritoras. Como sabemos, essa presunção de veracidade é relativa, ou seja, iuris tantum, razão pela qual pode ser ilidida por prova em sentido contrário.

O art. 387 do Código de Processo Civil afirma que cessa a presun­ção de veracidade dos documentos, públicos ou particulares, declara­da judicialmente a falsidade, quando:

a) verificar-se a formação de documento não verdadeiro;b) constatar-se que houve a alteração do documento verdadeiro.

M Como regra, não tem cabimento o incidente de falsidade para a argüição de falsida­de ideológica, mas, tão-somente, para a alegação de falsidade material. Nesse sentido afir­ma João Batista Lopes, op. cit., p. 122.

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 4 6 9

Por outro lado, determina o art. 388 do Código de Processo Civil que cessa a fé do documento particular, quando:

a) for contestada a assinatura e quando essa não for comprovada au­têntica;

b) o documento tiver sido assinado em branco e preenchido abusiva­mente.

Em ambos os dispositivos legais citados, há referência às hipóteses de falsidade material do documento.

Com efeito, prevê o ordenamento processual que a parte poderá alegar a falsidade prevista nos arts. 387 e 388 do Código de Processo Civil, por meio do incidente denominado de argüição de falsidade, ins­trumento pelo qual poderá a parte prejudicada alegar que o documen­to não corresponde à verdade e obter, na própria ação principal, a declaração de falsidade, manifestação essa que faz cessar a fé do docu­mento. Podemos afirmar que esse instrumento assemelha-se à ação declaratória incidental.

O incidente de argüição de falsidade tem cabimento em qualquer tempo ou grau de jurisdição, incumbindo à parte apresentá-lo, na con­testação ou em petição fundamentada, no prazo de dez dias contados da data em que teve ciência (ou foi intimada) da juntada do documen­to supostamente falso aos autos.

A parte que formular o incidente deverá fazer prova da falsidade alegada, nos termos do art. 389, inc. I, do Código de Processo Civil.

Em sentido contrário, podemos verificar que, em se tratando de falsidade da assinatura lançada no documento, haverá a inversão do ônus. Nesse caso, dispõe o art. 389, inc. II, do Código de Processo Civil que compete à parte que juntou o documento aos autos a prova de que a assinatura é autêntica.

O procedimento do incidente de argüição dependerá do m om en­to processual em que for apresentado:

a) Se a argüição for apresentada antes de encerrada a instrução do processo, o incidente será processado dentro dos próprios autos da ação, sendo intimada a parte contrária para a apresentação de sua

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4 7 0 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

resposta (no prazo de dez dias), e, se for o caso, será realizada perí­cia35 para a constatação da falsidade do documento colocado em suspeita. Por fim, será proferida decisão (sentença) julgando o re­ferido incidente.

b) Caso o incidente tiver sido argüido após o encerramento da ins­trução do processo, correrá ele em apenso aos autos principais, ficando suspenso esse processo até o julgamento do incidente por sentença, conforme determinam os arts. 393 e 394 do Código de Processo Civil. Nesse caso, também poderá haver a instrução do incidente processual, objetivando a colheita de provas acerca da suposta falsidade.

Curiosamente, o art. 395 do Código de Processo Civil afirma que o ato judicial que resolve o incidente é denominado sentença. Na ver­dade, nos termos do art. 162 do Código de Processo Civil, será que podemos dizer tratar-se de sentença?

Argumentos fortes pesam dos dois lados. Alguns entendem tratar- se de sentença pelo fato de a argüição de falsidade caracterizar verda­deira ação declaratória incidental, portanto, em se tratando de uma ação, a decisão que lhe põe fim é tipicamente uma sentença (art. 162, § Io, do CPC). Por outro lado, a argüição de falsidade também pode ser concebida como um incidente processual, nos termos do art. 162, § 2o do Código de Processo Civil.

A definição da natureza jurídica desse instrumento tem total relevân­cia para a escolha do recurso cabível contra o ato que julgar a argüição.36

Sendo o incidente julgado no mesmo ato que a ação principal, ou seja, na sentença, não há dúvidas de que toda a decisão comportará recurso de apelação. Da mesma forma, sendo a argüição julgada pelo magistrado de primeira instância, posteriormente ao encerramento da

35 Apesar de a lei apenas fazer referência à prova pericial, entendemos cabível qualquer espécie de prova para a instrução do incidente de falsidade, isso em observância ao princípio do contraditório e da ampla defesa.

36 Existem decisões em ambos os sentidos, algumas entendendo tratar-se de sentença, portanto, impugnável por meio de apelação (RT561/206, 551/117e 530/13f), e outras, em sentido contrário, entendendo tratar-se de decisão interlocutória, passível de agravo (RT 603/173, 574/149, 570/150, 564/128 e 564/122).

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 4 7 1

instrução processual e mesmo após a prolação da sentença da ação principal, caberá recurso de apelação.

No entanto, sendo decidida antes da sentença da ação principal, para nós, a melhor solução seria considerar a argüição como mero incidente processual, desafiando, portanto, a interposição do recurso de agravo de instrumento.

Se analisarmos a natureza processual da argüição, em razão de não conter uma lide vinculada ao direito material, mas tão-somente visar a so­lução de uma controvérsia surgida no curso do processo, qual seja, a vali­dade ou não de um documento supostamente falso, poderíamos afirmar tratar-se de uma decisão interlocutória.

No entanto, se considerarmos tratar-se de uma ação declaratória incidental, já que a argüição contempla uma espécie de questão preju­dicial ao mérito, estaremos diante de típica sentença. Como se vê, é matéria que, dificilmente, pode ser definida teoricamente.

■ i 1 9 . 5 . 6 R e p r o d u ç õ e s d o s d o c u m e n t o s

A eficácia das reproduções (cópias) dos documentos recebeu dis­tinção em relação à espécie de documento, ou seja:

a) Em se tratando de documento público, a reprodução deverá estar acompanhada de autenticação, para que possa ter o mesmo valor probante que o original. Os documentos públicos também pode­rão ser reproduzidos por meio de certidões ou traslados, guardan­do o mesmo efeito que os originais (art. 365 do CPC).

b) Em caso de documento particular, a cópia simples é admitida no processo, desde que não ocorra a impugnação ou argüição de fal­sidade pela parte contrária. A esse respeito, Marcus Vinicius Rios Gonçalves, ensina:

Em relação ao particular [assinatura no documento], a autenticidade

está condicionada ao reconhecimento de firma e à declaração, por tabe­

lião, de que foi aposta em sua presença (art. 369 do CPC). A cópia de

documento particular terá o mesmo valor probante que o original, desde

que autenticada pelo escrivão (CPC, art. 385).

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4 7 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

A autenticação, porém, só é necessária para atribuir força probante

à reprodução se houver impugnação sobre a sua autenticidade. Por isso,

tem sido decidido que é irrelevante a falta de autenticação quando o

documento não foi impugnado pela parte contrária.37

O art. 365, IV, do Código de Processo Civil, autoriza que o advo­gado declare a autenticidade das cópias reprográficas extraídas dos autos, isso sob sua responsabilidade, podendo, todavia, ser apresenta­da impugnação pela parte contrária. Havendo impugnação, a parte que juntou o documento aos autos deverá providenciar a exibição do original, para que possa ser conferido e autenticada a cópia pelo ser­ventuário da justiça, ou apresentar cópia autenticada por cartório extrajudicial.

1 9 . 6 P r o v a T e s t e m u n h a l

■■ 1 9 . 6 . 1 D e f i n i ç ã o e C a b i m e n t o d a P r o v a

T e s t e m u n h a l

A prova testemunhal consiste na oitiva de terceiros em juízo para o fim de que possam dar a sua impressão ou percepção acerca de fatos de que tenham conhecimento e que sejam relevantes para a solução do conflito.

Assim, podemos afirmar que a prova testemunhal tem por objeto pessoa:

a) que guarde a condição de terceiro, ou seja, que não seja parte ou tenha interesse na ação;

b) que tenha capacidade para prestar o depoimento, capacidade civil e capacidade material, no sentido de ter conhecimento do fato e condições de expressá-lo de forma consciente e livre.

As testemunhas são pessoas que não têm interesse na solução do litígio, são indivíduos absolutamente imparciais e capazes de narrar,

37 Novo curso de direito processual civil, v. 1, p. 446.

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 4 7 3

diante do magistrado, o que conhecem ou sabem sobre os fatos litigio- sos. Ser testemunha é típico exercício da colaboração de terceiro com a justiça e o processo.

Toda pessoa tem o dever de colaborar com a instrução processual, comparecendo em juízo quando requisitada, prestando informações e cumprindo as determinações judiciais. Com as testemunhas não é di­ferente, pois quando convocadas (intimadas) a prestar depoimento, são obrigadas a comparecer, sob pena de sofrerem condução coerciti­va. A testemunha não tem o ônus de depor, mas sim o dever.

Como regra, a prova testemunhai é sempre possível no processo civil, sendo analisada dentro da concepção do princípio do livre con­vencimento do juiz. Todavia, por uma questão de utilidade, a prova testemunhai poderá ser indeferida (art. 400 do CPC):

a) quando os fatos já estiverem provados por documentos ou con­fissão;

b) quando o fato apenas puder ser provado por documento (por exemplo quando a lei exigir escritura pública) ou demandar prova pericial.

Portanto, quando da apreciação do pedido de prova testemunhai, poderá o juiz indeferi-lo quando ela se mostrar desnecessária em razão de o fato já estar provado por documentos ou depender de conheci­mento técnico para a apuração da verdade.

Outra característica relevante em relação à prova testemunhai é que a testemunha tem o dever de falar a verdade diante do magistra­do, pois, em caso de comprovação de que narrou fatos inverídicos, poderá ser processada e condenada pelo crime de falso testemunho.

Por essa razão é que a testemunha é advertida pelo juiz, no início de seu depoimento, de que tem o dever de falar a verdade, compromis­so esse que assume com a ciência de que o não-respeito incide em con­duta criminosa. É importante esclarecer que a testemunha não tem a escolha: aceito ou não aceito o compromisso. Ela está obrigada a cola­borar com a justiça e dizer a verdade; caso contrário, deve assumir no início da audiência que tem interesse na ação, e, desse modo, o juiz e a parte contrária poderão dispensar o seu depoimento.

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4 7 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Em se tratando de contratos até dez vezes o salário mínimo vi­gente, o Código de Processo Civil admite exclusivamente a prova tes­temunhai para demonstração de existência ou dúvidas sobre o refe­rido pacto (art. 401 do CPC).38 Ou, ainda, qualquer que seja o valor, é admissível a prova testemunhai quando houver começo de prova escrita ou documental, ou quando o credor demonstrar que não poderia ter obtido a prova escrita da obrigação em razão de impos­sibilidade moral ou material, se estiver a causa relacionada com parentesco, depósito necessário ou hospedagem em hotel (art. 402 do CPC).

■ i 1 9 . 6 . 2 Q u e m p o d e S e r T e s t e m u n h a

São requisitos genéricos para admissão de qualquer pessoa como testemunha a capacidade para o ato e a imparcialidade em relação à lide, conforme as disposições do art. 405 do Código de Processo Civil e seus parágrafos.

São incapazes de prestar depoimento como testemunhas:

a) as pessoas que tenham sido interditadas por demência, situação em que deve haver decisão judicial impondo a restrição sobre o es­tado da pessoa supostamente acometida pela loucura;

b) as pessoas que estiveram enfermas ou com debilidade mental na época dos fatos e, portanto, não têm condições de discerni-los e narrar qualquer percepção, ou, quando da época do depoimento, não estiverem em condições de comparecer em juízo ou de trans­mitir o conhecimento do fato;

c) os menores de dezesseis anos;

38 Considerando o princípio que dispõe que o juiz apreciará livremente a prova no pro­cesso civil, entendemos de pouca aplicabilidade as normas que restringem o valor da prova testemunhai. Na realidade, os arts. 401 e 402 nada mais fazem do que estipular um sistema legal de apreciação das provas, valorando cada uma delas. Entendemos que é o juiz quem, no ato do julgamento e apreciação da prova, determinará a suficiência ou não da prova exclu­sivamente testemunhai. Desse entendimento não comunga grande parte da jurisprudência, que, em casos como o de aposentadoria rural, tem proferido inúmeros julgamentos no sen­tido de que não basta a prova testemunhai exclusiva, havendo a necessidade de um mínimo de prova documental. Nesse sentido: STJ, REsp n. 190.671/SP e REsp n. 65.803/SP.

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 4 7 5

d) os cegos e os surdos, quando o conhecimento do fato litigioso de­pender dos sentidos que lhes faltam.

Por sua vez, são considerados impedidos:

a) o cônjuge, ascendentes, descendentes em qualquer grau (trata-se da linha reta), e o parente colateral, até o terceiro grau, afins ou con- sangüíneos (refere-se aos irmãos, cunhados e tios), salvo se exigir o interesse público ou se se tratar de causa relativa ao estado da pessoa, e o fato não puder ser demonstrado por outra forma. A oitiva dos parentes impedidos apenas ocorrerá quando não existir outro meio de prova possível, pois revela-se circunstância extre­mamente excepcional. Admitido o parente, será ele ouvido como testemunha e não como informante;

b) a parte; obviamente, a parte nunca poderá ser ouvida como teste­munha. Tratando-se de parte, sem dúvida, podemos incluir os litisconsortes, assistentes e os terceiros admitidos no processo, pois, como sabemos, têm interesse direto na solução da causa (senão não estariam ali admitidos);

c) o interveniente ou assistente das partes, como tutor, representante legal; o juiz; os advogados ou qualquer outra pessoa que tenha prestado assistência às partes no processo (assistentes técnicos, por exemplo).

Sendo o juiz arrolado como testemunha, quando não tiver conhe­cimento dos fatos, deverá mandar riscar o seu nome do rol apresenta­do. Todavia, tendo conhecimento dos fatos (conhecimento externo), deverá declarar-se impedido para a prestação de depoimento.

São suspeitos:

a) aquele que tiver sido condenado anteriormente por crime de falso testemunho;

b) a pessoa que é conhecida publicamente como mentirosa, e a quem a lei educadamente se refere como “o que, por seus costumes não for digno de fé”. O referido dispositivo não tem por finalidade dis­

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4 7 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

criminar pessoas como homossexuais,39 prostitutas, estrangeiros, presidiários (ou ex-presidiários), mas afastar o depoimento da pessoa que, na sociedade, não tem credibilidade por suas manifes­tações;

c) o inimigo capital ou amigo íntimo da parte;d) aquele que tiver interesse no litígio.'10

Nos casos de impedimento, há uma certeza absoluta de parcialida­de da testemunha. Nota-se que nas hipóteses previstas no § 2o do art. 405 do Código de Processo Civil é possível se ter certeza de que aque­las pessoas têm interesse no feito e o depoimento não será prestado com a isenção necessária à constatação dos fatos.

Já a suspeição se dá em situações de parcialidade relativa, nas quais há uma presunção iures tantum de que a pretensa testemunha tem in­teresse direto na solução do conflito. Outra distinção substancial entre o impedimento e a suspeição das testemunhas é que, no primeiro caso, o rol é absolutamente taxativo, enquanto na suspeição, por força do inc. IV do § 3o do art. 405 do Código de Processo Civil, poderá ocorrer a impossibilidade do depoimento sempre que ficar comprovada qual­quer forma de interesse da testemunha em relação à solução do litígio.

Excepcionalmente, afirma a lei que em caso estritamente necessá­rio, pelo fato de não existirem outras provas, o juiz poderá ouvir as tes­temunhas suspeitas ou impedidas como informantes na causa, depoi­mentos esses que serão prestados sem o compromisso de afirmação da verdade (§ 4o do art. 405 do CPC).

Por sua vez, o novo Código Civil, no parágrafo único do art. 228, admite a oitiva do depoimento das testemunhas impedidas de depor, conforme o rol previsto no próprio art. 228 (a seguir estudado), quan­do apenas essas pessoas tiverem conhecimento do fato litigioso.

Na lide decorrente de direito de família, é muito comum que ape­nas os familiares tenham conhecimento dos fatos controvertidos; por

39 Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery, op. cit., p. 733.4D "Ação de Indenização. Responsabilidade civil. Testemunha. Suspeição. Empregado da

ré. Contradita acolhida. Art. 405, § 3o, inc. IV, do Código de Processo Civil. Agravo não pro­vido." (TJSP, Al n. 131.507-4, rel. Des. Theodoro Guimarães, j. 19.10.1999, v.u.)

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 4 7 7

essa razão, é fundamental que, em hipóteses como essa, seja admitido o depoimento do parente, conforme determina o Código Civil de 2002.

O informante não é testemunha, pois o seu depoimento é presta­do sem o compromisso de dizer a verdade, e, quando da prolação da sentença, o magistrado dará ao referido depoimento o valor probató­rio que entender justo. Obviamente, não pode prevalecer o depoi­mento de um informante sobre o depoimento prestado pela testemu­nha, já que aquele é presumidamente pessoa parcial na lide e prestou compromisso."

O Código Civil de 2002, em seu art. 228, introduziu outra previ­são de admissão de testemunhas para a prova do negócio jurídico, ou seja, determina que não podem ser testemunhas:

a) os menores de dezesseis anos (regra já contemplada pelo art. 405 do Código de Processo Civil);

b) aqueles que, por enfermidade ou retardamento mental, não tive­rem discernimento para a prática dos atos da vida civil;

c) os cegos e surdos, quando a ciência do fato que se quer provar de­penda dos sentidos que lhes faltam;

d) o interessado no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das partes;

e) os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau de alguma das partes, por consangüinidade ou afi­nidade.

Na realidade, entendemos que o art. 228 do novo ordenamento material civil não revogou as disposições previstas no Código de Pro­cesso Civil acerca da capacidade, impedimento ou suspeição das pes­soas para o depoimento como testemunhas, nos termos do art. 405 desse ordenamento. O art. 228 do Código Civil apenas complementa o art. 405 do Código de Processo Civil, não havendo falar-se em revoga­ção do dispositivo desse. Além disso, devemos considerar que o dispos­

41 O informante não sofre qualquer punição quando não fala a verdade; para a falsida­de ser caracterizada, a testemunha tem de ser compromissada a falar a verdade.

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4 7 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

to no art. 228 do Código Civil tem aplicabilidade em relação às teste­munhas dos negócios jurídicos (contratos, instrumentos etc.).

■ i 1 9 . 6 . 3 C o n t r a d i t a

A contradita é o instrumento à disposição das partes para que pos­sam argüir a incapacidade, o impedimento ou a suspeição das teste­munhas levadas para prestar depoimento em juízo, conforme autoriza o § Io do art. 414 do Código de Processo Civil.

Assim, a parte que pretender evitar o depoimento da testemunha incapaz, suspeita ou impedida, deverá apresentar a sua contradita, na própria audiência de instrução, logo após a qualificação da pretensa tes­temunha. A contradita deve ser argüida antes de a testemunha ser com­promissada, pois, iniciando o magistrado a advertência de que a teste­munha tem o dever de falar a verdade, há a preclusão da contradita.

Daí a importância da determinação de que o rol de testemunhas deve ser apresentado previamente pelas partes, bem como da obriga­toriedade do ato de qualificação oral das testemunhas, já que permi­tem à parte contrária ter ciência das qualificações pessoais da pessoa apresentada e saber se tem condições de prestar o depoimento com capacidade e isenção.42

n "Audiência de Instrução e julgamento. Testemunha que é qualificada fora do recinto e que começa a depor. Indagação a respeito da oportunidade de contradita rejeitada. Cer­ceamento de defesa configurado. Agravo retido provido. [...] ficou assinalado no termo de audiência (fl. 174) que o patrono dos agravantes indagou quando lhe seria facultada a opor­tunidade de formular contradita, pois a testemunha estava sendo inquerida sem ter sido qua­lificada e a lei manda que a contradita seja apresentada após a qualificação. Porém, o magis­trado entendeu que não era mais possível a abertura do incidente, pois o depoimento da testemunha já estava sendo colhido. Só que isso estava ocorrendo irregularmente, como se infere do simples exame do depoimento, presumivelmente fora do recinto de audiência, pois na qualificação foi utilizada máquina de escrever, ao passo que o depoimento foi colhido por digitação em computador (fl. 177). Se o magistrado quer ganhar tempo, providenciando a qualificação com antecedência, isso não pode acarretar o cerceamento do direito de apresen­tação de contradita, sob o fundamento de que o momento processual oportuno já passou. Basta ler o que dispõe o art. 414 do CPC. A qualificação deve ser feita na presença do advo­gado da parte contrária, ou ao menos ser verbalmente reproduzida na sua presença, justa­mente porque é a partir dela que este poderá saber se ele tem ou não, por exemplo, interes­se no objeto do litígio ou parentesco com alguma das partes. O que não é possível é ser feita a qualificação em outro local - que foi o que aconteceu justamente por causa da diferença

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 4 7 9

Assim, em audiência, deverá o magistrado promover a qualifica­ção da testemunha e, logo, possibilitar à parte contrária o momento para eventual contradita.

Apresentada a contradita, o juiz inquirirá a pretensa testemunha acerca dos fatos que lhe são imputados. Na hipótese de a testemunha ne­gar a alegação da contradita, a parte que a argúi poderá promover a ins­trução da própria contradita, juntando aos autos documentos ou, até mesmo, ouvir testemunhas (até o número de três), para a tentativa de fazer prova de incapacidade, suspeição ou impedimento.

Deverá ser indeferida a contradita caso a incapacidade, a suspeição ou o impedimento não sejam admitidos pela própria testemunha ou provados pela parte que argúi.13

Finalmente, havendo confissão ou prova dos fatos argüidos na con­tradita, o juiz dispensará a testemunha ou, sendo indispensável a sua oitiva, poderá tomar o seu depoimento como informante, sem que ela preste o compromisso (art. 414, § Io do CPC).

dos tipos utilizados no preenchimento do impresso destinado à inquirição e não ser faculta­da a apresentação da contradita. Isso constitui cerceamento de defesa, que não pode ser admitido. Ressalte-se que nem se sabe se a contradita seria ou não pertinente, se seria ou não acolhida. Mas a Turma Julgadora não pode conjecturar a respeito. Cumpre-lhe, ao con­trário, zelar pela boa observância das regras processuais, que não podem ser atropeladas da maneira que foram. A busca da rapidez na realização das audiências não prescinde da obser­vância do devido processo legal. Provido o agravo retido, nova audiência de instrução e jul­gamento deverá ser marcada, apenas para reinquirição da testemunha ouvida a fl. 177, anu­lada a sentença já proferida, mas preservados os demais atos instrutórios, devendo outra decisão ser proferida, como de direito." (I TACSP, 12J Câm., Agravo retido/Apelação n. 999.852-5, rel. Juiz Campos Mello, j. 16.08.2001, v.u.)

"Prova. Testemunhai. Falta de correta identificação das testemunhas. Ofensa ao art. 407 do Código de Processo Civil. Indeferimento pelo juízo. Medida correta para evitar ofensa ao princípio do devido processo legal e ampla defesa. Agravo desprovido. Agravo retido não pro­vido. A testemunha arrolada há de ser corretamente identificada para propiciar à parte con­trária conhecer a pessoa que vai depor para saber de suas condições pessoais e de sua rela­ção com a parte que a arrolou, e assim ter meios para verificar se ocorrem os pressupostos que impedem o depoimento, a serem levantados através de regular contradita. Olvidar essa forma implica desconhecer as garantias constitucionais à ampla defesa de que todos gozam perante a Jurisdição." (TJSP, Apelação n. 71.683-4, São Paulo, rel. Des. Ruiter Olivak, j.09.06.1998, v.u.)

43 "Prova. Testemunhai. Contradita. Ausência de prova concreta da tendenciosidade. Correto indeferimento. Preliminar rejeitada." (TJSP, Apelação n. 95.292-4, rel. Des. ÊnioZulia- ni, j. 27.06.2000, v.u.)

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m 1 9 . 6 . 4 P r o d u ç ã o d a P r o v a T e s t e m u n h a l

A prova testemunhai, como todos os demais meios, decorre do re­querimento da parte (ou determinação de ofício pelo magistrado), e há submissão ao crivo do juiz acerca do seu cabimento.

Deferida a produção da prova testemunhai, incumbirá à parte que a requereu, ou sobre a qual recai o ônus processual, apresentar em car­tório o rol das testemunhas que pretende ouvir em juízo, devendo nele constar os seus nomes, qualificações e endereços'4 (art. 407 do CPC).

A apresentação prévia do rol de testemunhas tem duas finalidades básicas:

a) dar conhecimento à parte contrária e ao juiz de quem são as teste­munhas, para que possa ser apreciada eventual contradita;

b) para permitir a intimação das testemunhas para comparecerem em audiência de instrução.

Em relação ao prazo, é importante registrar que o rol deverá ser depositado em cartório no prazo que o juiz determinar ou, na falta de fixação judicial, no prazo de dez dias antes da audiência de instrução, contado retroativamente, e cuja inobservância causa a preclusão do ato probatório.

Evidentemente, ao fixar o prazo para apresentação do rol, o magis­trado deverá observar a finalidade desse ato processual. Lembramos que o rol é apresentado de forma prévia com a finalidade de que a par­te contrária possa exercer o contraditório (ir preparada à audiência para eventual contradita), e, ainda, para que o juízo tenha tempo hábil para intimar as testemunhas.

Em caso interessante, a título de exemplo, citamos decisão profe­rida no mês de fevereiro que, em saneamento, designou audiência de

4,1 O art. 407 determina que deverão constar do rol nome, profissão, residência e local de trabalho da testemunha. No entanto, entendemos que, caso a parte desconheça todas essas informações, não será impedida de praticar o ato. A relevância da qualificação e do en­dereço das testemunhas é permitir o conhecimento pela parte contrária (para que possa eventualmente contraditar) e possibilitar a intimação da testemunha para comparecer em juízo. Portanto, caso a parte indique os elementos necessários ao cumprimento desses obje­tivos, entendemos perfeitamente cumprido o disposto no art. 407 do CPC.

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 4 8 1

instrução e julgamento para o mês de maio (portanto, três meses após o saneador), e consignou, ainda, que as partes deveriam protocolizar o rol de testemunhas em cartório no prazo de dez dias contados da refe­rida decisão, bem como deixou fixado que as testemunhas deveriam comparecer independentemente de intimação.

Ocorre que a petição com o rol de testemunhas foi apresentada dois dias após o prazo fixado pelo magistrado, mas, mesmo assim, com mais de dois meses de antecedência da audiência. O magistrado, por sua vez, indeferiu o rol de testemunhas por ser intempestivo.

Nesse caso, por se tratar de uma decisão interlocutória, foi inter­posto recurso de agravo de instrumento, pleiteando a admissão do rol de testemunhas em homenagem ao princípio da instrumentalidade das formas, uma vez que a finalidade do ato - apresentação prévia do rol de testemunhas - teria sido alcançada. O Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu acórdão com a seguinte ementa:

Prova. Testemunhal. Prazo para depósito do rol em cartório. Art. 407

do CPC. Prazo fixado em dez dias a partir da publicação da decisão

saneadora. Fixação acima do prazo legal sem qualquer motivação. Inad­

missibilidade. Rol tempestivo. Recurso provido.'15

Assim, o juiz poderá fixar prazo diverso daquele estabelecido em lei - dez dias antes da audiência - , no entanto, tal decisão deverá ser tomada com o respeito às finalidades do ato processual (garantir tem ­po para a intimação das testemunhas e assegurar o contraditório pela parte adversa).

Uma vez protocolizado o rol de testemunhas, a regra é no sentido de que a parte não poderá substituí-las (art. 408 do CPC), salvo se: a) a tes­temunha vier a falecer; b) estiver enferma e, por isso, não tiver condições para depor (caso a testemunha tenha condições de depor, o juiz poderá ouvi-la no local onde se encontrar: casa, hospital, asilo etc.); c) não tiver sido encontrada no local indicado, pelo fato de ter se mudado.

45 TJSP, Al n. 347.205-4/1, rel. Des. De Santi Ribeiro, j. 10.08.04, v.u.

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4 8 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Quantas testemunhas podem ser arroladas pelas partes e ouvidas em juízo?

Cada parte poderá arrolar até o máximo de dez testemunhas. No entanto, quando da audiência de instrução, poderá o juiz restringir a oitiva para três testemunhas para cada fato litigioso, dispensando as demais (parágrafo único do art. 407 do CPC).

Por se tratar de típica prova oral, as testemunhas são ouvidas em audiência de instrução, sendo intimadas para o comparecimento obri­gatório, sob pena de sofrerem a condução coercitiva (debaixo de vara). A testemunha não tem ônus, mas, sim, o dever de colaborar com a jus­tiça, e, em caso de resistência, poderá incorrer no crime de desobediên­cia (em razão da ordem judicial).

Iniciada a audiência de instrução, primeiro serão ouvidos os de­poimentos pessoais das partes e, em seguida, os das testemunhas. Em primeiro lugar, as testemunhas arroladas pela parte autora ou do juízo, depois, as testemunhas do réu. As testemunhas sempre serão ouvidas separadamente, zelando o magistrado para que aquela que ainda não depôs não conheça do depoimento das demais, com o fim de não pre­judicar a sua isenção.

As primeiras perguntas serão formuladas pelo juiz, seguido das re- perguntas da parte que arrolou a testemunha e depois da outra parte, e por fim pelo Ministério Público, nos casos em que ele integra a rela­ção como fiscal da lei. Os advogados das partes e o membro do Minis­tério Público sempre formularão suas perguntas às testemunhas pelo sistema de reperguntas, pelo qual a pergunta é dirigida ao magistrado, que, após verificar a sua conveniência, a transmite ao depoente.

Os advogados e membros do Ministério Público nunca poderão formular a pergunta diretamente à testemunha, pois é o juiz, pelo prin­cípio da imediação da prova, o intermediário que fiscaliza o seu cabi­mento (utilidade para a instrução).

Dessa forma, o magistrado poderá indeferir a pergunta formulada pela parte, situação em que o patrono poderá requerer que a pergunta indeferida conste do termo de audiência para que, no futuro, possa ale­gar que ocorreu cerceamento de sua defesa.

Por fim, resta-nos a seguinte indagação: é possível o fracionamento da prova oral? É possível a oitiva das testemunhas em momentos diversos?

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 4 8 3

Em atenção ao disposto anteriormente, no sentido de que a teste­munha que ainda não depôs não deva ter conhecimento do depoimen­to das testemunhas que já o fizeram, entendemos que não deve haver o fracionamento da colheita da prova oral, ou seja, como forma de pre­servar a isenção entre as testemunhas, deve-se ouvir todas no mesmo momento processual.

O fracionamento da prova oral será necessário, todavia, quando a testemunha tiver prerrogativa de local para prestar depoimento, quan­do a testemunha tiver de ser ouvida por carta, ou, ainda, quando a tes­temunha tiver sido ouvida previamente por meio de medida cautelar de produção antecipada de provas.

1 9 . 7 P r o v a p e r i c i a l

A prova pericial consiste na prova técnica para o processo, pela qual a constatação de fatos relevantes para a solução da lide se opera por meio de profissional habilitado na área de conhecimento específi­co para a percepção dos fatos.

Na busca da solução dos conflitos, muitas vezes os processos de­mandam conhecimentos técnicos ou científicos para a solução da matéria, pois nem todo fato pode ser observado e ter extraída a sua verdade por simples observação de qualquer pessoa. Como sabemos, alguns fatos dependem da atuação de um profissional especializado - por exemplo: médicos, contadores, engenheiros, psicólogos, assistentes sociais etc.

Humberto Theodoro Júnior comenta:

Os fatos litigiosos nem sempre são simples de forma a permitir sua

integral revelação ao juiz, ou a sua inteira compreensão por ele, através

apenas dos meios usuais de prova que são as testemunhas e documentos.

Assim, em havendo necessidade de apuração de fatos que depen­dam de conhecimentos técnicos ou científicos, o juiz poderá nomear um perito (auxiliar da justiça de sua confiança) para realizar laudo de vistoria, exame ou avaliação acerca do objeto controvertido.

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4 8 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

O perito, sujeito do processo que pode ser ou não servidor do Po­der Judiciário, exerce função de auxiliar da jurisdição, em típica ativi­dade de confiança do magistrado. O perito é nomeado e funciona sob a confiança do juiz, mas o pagamento de seus honorários é obrigação das partes, em especial do litigante incumbido do ônus da prova.

Ao nomear o perito, o juiz fixará seus honorários, que deverão ser adiantados46 pela parte requerente da prova ou por aquela que detém o ônus de sua realização. Caso a prova tenha sido determinada pelo magistrado ou pelo Ministério Público, na qualidade de fiscal da lei, o adiantamento será por parte do autor da ação, como determina o § 2o do art. 19 do Código de Processo Civil.

m 1 9 . 7 . 1 A d m i s s ã o d a P r o v a p e r i c i a l

O art. 420, parágrafo único, do Código de Processo Civil determi­na que a prova pericial será indeferida quando:

a) a verificação do fato não depender de conhecimento especial de técnico. Obviamente, não há falar-se em prova pericial quando a apuração do fato puder ser realizada por pessoas comuns - essa vedação, mesmo que não existisse neste capítulo, já estaria con­templada pela regra geral que determina ao juiz o dever de indefe­rir as provas inúteis (art. 130 do CPC);

b) for desnecessária em consideração a outras provas produzidas. Tal vedação também se justifica no princípio da economia processual, já que deverá ser dispensada a prova pericial quando o fato já esti­ver demonstrado por outros meios probatórios (documentos, por exemplo).A esse respeito, o art. 427 do Código de Processo Civil prevê que o juiz poderá dispensar a prova pericial quando as partes, na inicial ou na contestação, tiverem trazido aos autos pareceres técnicos ou outros documentos capazes de esclarecer a questão técnica. Por exemplo, poderiam as partes acostar às petições documentos ela-

46 Referimos adiantamento pelo fato de que as custas e despesas do processo sempre serão adiantadas pelas partes e, no final, a parte vencida reembolsará a vencedora pelas des­pesas que essa adiantou.

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 4 8 5

borados extrajudicialmente por profissionais, como atestados e pa­receres médicos, plantas de engenharia, mapas etc.;

c) a verificação do fato for impraticável. Nesse caso, estamos diante da impossibilidade material de realização da perícia. Por exemplo, seria o caso da pretensão de uma perícia de engenharia em um prédio que não mais existe, encontra-se totalmente demolido, res­tando prejudicada a perícia. Ou, ainda, quando a empresa a ser periciada não se encontra mais em atividade etc.

■■ 1 9 . 7 . 2 N O M E A Ç Ã O DO P E R I T O E I NDI CAÇÃOD O S A S S I S T E N T E S T É C N I C O S

O perito sempre será nomeado pelo juiz, e deverá ser profissional desinteressado em relação ao objeto da lide ou em favorecer qualquer uma das partes, pois ao perito aplicam-se as regras de impedimento e suspeição previstas nos arts. 134 e 135 do Código de Processo Civil.

Por outro lado, poderão as partes indicar os seus assistentes téc­nicos.

Os assistentes técnicos são profissionais de confiança de cada parte, e terão a tarefa de acompanhar a perícia, bem como oferecer os pareceres técnicos em função dos interesses da parte que assistem no processo. Portanto, não há falar-se em aplicação das disposições de impedimento ou suspeição para os assistentes técnicos (podem ser parciais).

Assim, ao deferir a perícia, o juiz nomeará o perito (ou peritos, se o fato for complexo e depender de mais de um profissional), e inti­mará as partes para que, no prazo de cinco dias, indiquem os seus assis­tentes técnicos e apresentem os quesitos a serem respondidos pela perícia.

Os quesitos representam as perguntas ou indagações que as partes esperam que sejam respondidas pela prova técnica. Ressalte-se que os quesitos serão submetidos à apreciação do magistrado, que, se não considerá-los pertinentes, poderá indeferi-los.

Apresentados os quesitos, não ocorrerá a preclusão quanto a even­tual complementação, já que a própria lei autoriza a apresentação de quesitos suplementares durante a diligência dos expertos (art. 425 do CPC). Os quesitos suplementares devem ser apresentados durante a

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4 8 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

realização da perícia, findando essa faculdade quando apresentado olaudo pelo perito.'17

Em síntese, podemos resumir a produção da prova pericial da se­guinte forma:

a) no desempenho de suas funções, o perito e os assistentes utilizam- se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos, bem como instruindo o laudo com plantas, desenhos, fotografias e outras peças;

b) o perito deverá entregar o seu laudo no prazo fixado pelo juiz;c) o juiz poderá conceder prorrogação do prazo para entrega do lau­

do, sendo apresentado motivo justificado pelo perito;d) o laudo deverá ser apresentado em cartório, pelo menos, com vin­

te dias de antecedência da audiência;e) os assistentes oferecerão seus pareceres no prazo comum de dez

dias, após a intimação das partes acerca do laudo do perito. Essa regra foi introduzida pela Lei n. 10.358/2001, sendo certo que, no sistema anterior, os assistentes técnicos deveriam apresentar seus pareceres no prazo de dez dias, contados da data em que o perito apresentasse o laudo, isso independentemente de intimação.Nesse ponto a reforma introduzida pela Lei n. 10.352/2001 foi de grande valia para o processo civil, já que, antes, por não haver a intimação dando ciência da juntado do laudo, não havia como se saber a data do início do prazo para a apresentação dos pare­ceres;

f) os peritos e assistentes poderão ser convocados a prestar esclareci­mentos orais em audiência, desde que sejam intimados com o mínimo de cinco dias de antecedência, e sejam apresentados pre­viamente os quesitos de esclarecimentos (os esclarecimentos tam ­bém poderão ser prestados em laudo complementar, sem a neces­sidade de comparecimento em audiência);

47 "Processual Civil. Perícia. Quesitos suplementares. Momento de apresentação. É tar­dia a apresentação de quesitos suplementares depois do laudo ter sido apresentado, a teor do disposto no art. 425 do CPC. Recurso não conhecido." (STJ, 43T., REsp n. 110.784/SP, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 13.10.1997, v.u.)

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 4 8 7

g) as partes e assistentes deverão ser intimados da data e local da realização da perícia (art. 431-A do CPC, introduzido pela Lei n. 10.358/01);

h) poderá ser determinada a realização de segunda perícia (art. 438 do CPC), que terá como objeto os mesmos fatos da primeira prova técnica, sendo certo que a segunda perícia servirá como comple­mento da primeira, sem o poder de substituição.

Em observância ao princípio do livre-convencimento, o juiz não está obrigado a decidir conforme o entendimento do laudo, podendo formar sua convicção com base nos demais elementos dos autos (art. 436 do CPC).

O perito poderá recusar-se ao exercício da função ou ser declara­do suspeito ou impedido (arts. 138, inc. III, e 423 do CPC), bem como poderá ser substituído pelo juiz quando lhe faltar conhecimento técni­co ou científico, ou, ainda, quando deixar de cumprir a sua função dentro do prazo fixado pelo juiz.

mt 1 9 . 7 . 3 R E C U S A DE S U B M I S S Ã O À P E R Í C I A

Questão muito interessante surge quando indagamos se a parte é obrigada a submeter-se à perícia, ou ainda, se o magistrado tem o po­der de obrigar a parte à realização do exame ou vistoria técnica.

A recusa a realizar a perícia é muito freqüente nos processos de investigação de paternidade, nos quais, muitas vezes, os supostos pais demandados não comparecem ou se recusam expressamente à realiza­ção do exame de DNA ou exame hematológico, sob as alegações de que ninguém é obrigado a fazer prova contra si próprio, de que o ônus pro­batório incumbiria à parte autora (por se tratar de fato constitutivo de seu direito - art. 333, inc. I, do CPC) e por não haver lei que obrigue a tal exame.

Desses argumentos, a jurisprudência'18 tem manifestado total dis­crepância, entendendo que a ausência do réu ou sua recusa à realiza­

48 "Civil. Ação de investigação de paternidade. Prova. I - A recusa do investigado em submeter-se ao exame de DNA, marcado pelo juízo por 10 (dez) vezes, ao longo de quatro anos, aliada à comprovação de relacionamento sexual entre o investigado e a mãe do autor

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4 8 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

ção de perícia na ação de investigação de paternidade é comportamen­to processual que implica presunção de paternidade.

Obviamente, estamos diante de uma presunção relativa, uma espécie de confissão tácita, que pode ser infirmada por prova em sen­tido contrário ou mesmo em análise do conjunto probatório levado aos autos.

Curiosamente, o Código Civil de 2002 tratou de positivar a pre­sunção de veracidade dos fatos, até então admitida pela jurisprudência para as ações de investigação de paternidade, quando houvesse recusa na realização da perícia ordenada pelo magistrado. Assim, nestes ter­mos prevê o Código Civil:

Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico

necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa.

impúbere, gera a presunção de veracidade das alegações postas na exordial. II - Desconside­rando o v. acórdáo recorrido tais circunstâncias, discrepou da jurisprudência remansosa deste Superior Tribunal. III - Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp n. 141.689/AM, rel. Min. Antonio de Pádua Ribeiro, j. 07.08.2000, v.u.)

"Civil e processual. Ação de investigação de paternidade. Pedido de adiamento para realização de sustentação oral. CPC, art. 565. Julgamento na data prevista na pauta. Pre- questionamento. Ausência. Súmula n. 211-stj. Exame de DNA. Recusa pelo réu. Presunção como prova. Limites. (...) II. Segundo a jurisprudência do STJ, a recusa do investigado em sub­meter-se ao exame de DNA constitui prova desfavorável ao réu, pela presunção que induz que o resultado, se realizado fosse o teste, seria positivo em relação aos fatos narrados na ini­cial, já que temido pelo alegado pai. III. Todavia, tal presunção não é absoluta, de modo que incorreto o despacho monocrático ao exceder seu alcance, afirmando que a negativa levaria o juízo de logo a presumir como verdadeiros os fatos, já que não há cega vinculação ao resul­tado do exame de DNA ou à sua recusa, que devem ser apreciados em conjunto com o con­texto probatório global dos autos. IV. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido, para limitar a extensão dos efeitos da aludida recusa do investigado." (STJ, 4a T., REsp n. 409.285/PR, rel. Min. Aldair Passarinho Junior, j. 26.08.2002, v.u.)

"Investigação de paternidade. Procedência. Confirmação. Relacionamento amoroso. Prova testemunhal. Exame extrajudicial pelo sistema DNA que, embora não tenha valor abso­luto, constitui reforço de prova. Não-colaboração para realização de novo exame. Recusa que depõe em desfavor da ré. Exceptio plurium concubentium. Não-comprovação. Recurso não provido." (TJSP, Apelação Cível n. 9.009-4, Catanduva, 7a Câmara de Direito Privado, rel. Sousa Lima, j. 14.04.1999, v.u.)

"Investigação de paternidade. Recusa do réu em se submeter ao exame de DNA. Pre­sunção contrária aos seus interesses. Recurso não provido." (TJSP, Apelação n. 82.795-4, j.19.11.1998, v.u.)

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 4 8 9

Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá

suprir a prova que se pretendia obter com o exame.

Nota-se que, em qualquer espécie de ação, a recusa da parte (auto­ra ou ré) de submeter-se a exame médico gera presunção contrária à sua pretensão, inclusive com o poder de suprir a prova que se preten­dia obter com a perícia não realizada.

Por essa razão, podemos afirmar que a submissão ao exame ou perícia trata-se de um ônus processual, sendo certo que a não-aceita- ção pela parte acarretar-lhe-á um prejuízo, qual seja, a presunção ou confissão ficta. Em se tratando de ônus processual, não pode o magis­trado compelir a parte à realização do exame, sendo absolutamente impraticável qualquer meio coercitivo para tanto.49

19.8 I n s p e ç ã o J u d i c i a l

Não dependendo a prova de conhecimentos técnicos, mas tão- somente da verificação de fatos que possa ser realizada por pessoas comuns, o próprio magistrado poderá, de ofício ou a requerimento das partes, realizar inspeção de pessoas ou coisas.

A inspeção consiste no deslocamento do juiz até o local onde se encontre a coisa ou pessoa que deva ser inspecionada.

Nos termos do art. 442 do Código de Processo Civil, é cabível a inspeção quando:

a) o juiz julgar necessária para melhor compreensão ou interpretação dos fatos;

49 "Investigação de paternidade. Exame de DNA. Condução do réu 'debaixo de vara'. Discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas - preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer-, provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser condu­zido ao laboratório, 'debaixo de vara', para coleta do material indispensável à feitura do exame de DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental, consideradas a dogmáti­ca, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos." (STF, H C n. 71.373, rel. Min. Marco Aurélio, j. 10.11.1994, v.u.)

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4 9 0 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

b) a coisa não puder ser apresentada em juízo sem que sofra prejuízo ou demande grande gasto;

c) para reconstituição dos fatos.

O juiz poderá ser assistido por perito, bem como deslocar-se da sede do juízo até o local onde se encontrar a coisa ou pessoa (arts. 441 e 442 do CPC).

Após a diligência de inspeção, o juiz determinará a lavratura de termo, fazendo contar tudo o que foi observado e constatado no ato, inclusive instruindo o auto com desenho, gráfico e fotografia.

19.9 A u d i ê n c i a d e I n s t r u ç ã o

Como já afirmamos anteriormente, a audiência de instrução é o ato destinado à colheita de provas orais, em especial, para a oitiva em juízo dos esclarecimentos dos peritos e assistentes, dos depoimentos pessoais ou interrogatórios das partes, de testemunhas, ou mesmo para a realização de acareações.

Evidentemente, apenas será designada a audiência de instrução quando houver a necessidade da colheita de provas orais.

As audiências, como regra, são atos processuais públicos, conse­qüentemente, podem ser assistidos por qualquer pessoa mesmo não sendo parte no processo, salvo nas hipóteses em que o processo tram i­tar em segredo de justiça.

Apregoadas as partes e iniciada a audiência, antes da instrução deverá o magistrado tentar, novamente, se for o caso de direito dispo­nível, conciliar as partes e obter a composição amigável do conflito, nos termos dos arts. 448 e 449 do Código de Processo Civil.50

50 0 art. 451 prevê que, ao iniciar a audiência de instrução, o juiz deverá fixar os pon­tos controvertidos e o objeto da prova. No entanto, entendemos que esse dispositivo foi taci- tamente revogado pelo art. 331, com a alteração que lhe foi dada pela Lei n. 8.952/94, já que determina a fixação dos pontos controvertidos em sede do despacho saneador quando não obtida a conciliação. Por essa razão, sendo fixada a controvérsia do processo no despa­cho saneador, não há justificativa para que tal ato seja repetido no início da audiência de instrução.

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 4 9 1

Não obtida a conciliação (ou sendo essa impraticável dada a natu­reza indisponível do conflito), dar-se-á início à colheita da prova oral, na seguinte ordem (art. 452 do CPC):

a) esclarecimentos dos peritos e os assistentes técnicos;b) depoimentos pessoais das partes, primeiro do autor e depois do

réu, sendo certo que a parte que ainda não depôs não poderá ouvir o depoimento da outra;51

c) por fim, serão inquiridas as testemunhas, primeiro aquelas arrola­das pelo autor, depois as testemunhas arroladas pelo réu.

Os depoimentos sempre são colhidos sob a intervenção e media­ção do magistrado, que fará as perguntas sempre em primeiro lugar e, posteriormente, abrirá oportunidade para as reperguntas. No depoi­mento pessoal, após as perguntas do juiz, formulará suas indagações o patrono da parte contrária àquela que depõe. Na oitiva de testemu­nhas, antes será dada a palavra para as reperguntas da parte que arro­lou o depoente, e, após, à parte contrária; por fim ao Ministério Públi­co, quando esse intervém como fiscal da lei.

Por sua vez, prevê o art. 453 do Código de Processo Civil que a audiência poderá ser adiada quando:

a) houver convenção entre as partes, admitindo-se o adiamento uma única vez;

b) não puderem comparecer, por motivo justificado, os sujeitos que prestarão depoimento ou os patronos das partes. A justificativa para o requerimento de adiamento deverá ser apresentada até o início da audiência,52 em caso contrário, o juiz realizará a instrução.

51 Mesmo nos casos em que ocorrer a inversão do ônus da prova, deverá ser respeitada a ordem prevista no art. 452 do Código de Processo Civil. A inversão é do ônus e não da ordem de produção da prova processual.

52 "Processual civil. Adiamento de audiência. Ausência do advogado. Impossibilidade de seu comparecimento. Indispensabilidade da comprovação do justo motivo alegado. Art. 453 do CPC. O advogado tem que comprovar o motivo que justificaria o seu impedimento para comparecer à audiência previamente designada, sendo insuficientes meras alegações. Recur­so especial não conhecido." (STJ, 43 T., REsp n. 62.357/ES, rel. Min. César Asfor Rocha, j. 18.06.1996, v.u.)

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4 9 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

O art. 455 do ordenamento processual determina que a audiên­cia de instrução é una e contínua, o que eqüivale a dizer que não se deve fracionar a colheita da prova oral. Iniciada a audiência, como regra, deverá ela ser realizada, de forma ininterrupta, até a sua con­clusão.

Tal característica de continuidade deve-se ao temor de prejuízo à prova oral em razão do seu fracionamento, já que o Código de Proces­so Civil determina que o depoente que ainda não depôs não tenha conhecimento das manifestações dos demais, como forma de evitar o comprometimento dos depoimentos.

Imaginemos que apenas compareceram em audiência as testemu­nhas do autor, e as testemunhas do réu não foram intimadas (não loca­lizadas, não compareceram espontaneamente etc.): nesse caso, poderia o magistrado ouvir as testemunhas de uma parte e designar outro dia para a ouvida das testemunhas do réu?

Entendemos não ser possível o fracionamento da prova oral, já que as testemunhas ouvidas posteriormente, em segunda audiência, poderão ter conhecimento das manifestações daquelas que depuseram anteriormente, de certa forma, com a possibilidade de manipulação da verdade dos fatos e o conseqüente prejuízo à parte que teve suas teste­munhas inquiridas primeiro.53

Por outro lado, em algumas situações não há como se evitar o fra­cionamento da prova oral. Seria o caso, por exemplo, da oitiva de tes­temunhas por carta (precatória, de ordem ou rogatória), em que os depoimentos são colhidos fora da sede do juízo onde tramita o proces­so e por outro magistrado, ou, ainda, quando a prova oral foi colhida antecipadamente (neste capítulo, ver 19.1.4, “b”).

Excepcionalmente, quando não for possível a conclusão da instru­ção em um único dia, poderá o magistrado prosseguir o ato além do horário ordinário, ou marcar o prosseguimento para o dia próximo (art. 455 do CPC).

53 Em caso de concordância das partes, poderá haver o fracionamento da audiência de instrução, caso contrário, não pode o juiz proceder a tal fracionamento, em observação ao disposto no art. 455 do Código de Processo Civil.

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INSTRUÇÃO DO PROCESSO 4 9 3

Durante a audiência de instrução, o magistrado poderá ser levado a proferir diversas decisões interlocutórias, como por exemplo para o julgamento de uma contradita, indeferimento de perguntas formu­ladas pelos advogados etc.

Assim, dispõe o art. 523, em seu § 3o do Código de Processo Civil, que a parte prejudicada com a decisão poderá, sob pena de preclusão, interpor recurso de agravo retido. Nesse caso, o agravo retido será obrigatoriamente oral e suas razões, apresentadas de forma sucinta pela parte recorrente, constarão do termo de audiência.

A interposição do agravo retido obsta a preclusão da matéria e permite que, quando do julgamento da apelação, a questão seja rea- preciada pelo tribunal.

M 1 9 . 9 . 1 D E C I S Õ E S P R O F E R I D A S E M A U D I Ê N C I A

19.10 En c e r r a m e n t o d a I n s t r u ç ã o

Em caso de haver a dilação probatória com a realização de prova pericial, ou prova oral em audiência, declarada encerrada a instrução processual, o juiz concederá o prazo de vinte minutos, prorrogáveis por mais dez minutos, de forma sucessiva, primeiro para o autor, de­pois para o réu, e finalmente para o Ministério Público,5'1 para que rea­lizem as suas alegações finais - art. 454 do CPC em forma oral, e que serão transcritas no termo de audiência.

Havendo litisconsortes, o prazo para as alegações finais será co­mum, ou seja, deverão eles dividir-se entre os demais sujeitos que ocu­pam o mesmo pólo dentro do prazo estabelecido na lei.

Tratando-se de questões complexas, o juiz poderá converter as alega­ções finais (orais) em memoriais, para que as partes, em vez das alegações orais ao final da audiência, possam apresentar suas manifestações por escrito (em petição), designando o magistrado dia para o seu ofereci­mento - § 3o do art. 454 do Código de Processo Civil.

54 Quando o Ministério Público for parte autora, exercerá o direito de alegações finais em primeiro lugar, por funcionar como fiscal da lei, e fará as alegações finais após as mani­festações das partes.

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4 9 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

É nas alegações finais (oral ou memorial) que os patronos das par­tes terão oportunidade para a apresentação de uma conclusão do pro­cesso; obviamente, formulada com prevalência dos atos ou fatos proces­suais de importância para o acolhimento da pretensão da parte. Nas alegações finais, as partes expõem, de forma resumida, a pretensão do autor, a defesa apresentada, a prova colhida e os principais argumentos lançados para o acolhimento do pedido ou da defesa, reiterando, ao final da manifestação, o pedido de procedência (para o autor) ou o de impro­cedência (para o réu).

Na realidade, as alegações finais apenas terão o condão de dar às partes a oportunidade para a conclusão de suas manifestações em pri­meira instância, sem que importe tal ato em elemento relevante para o deslinde da causa. A inércia da parte na apresentação de alegações finais (ou memoriais, como será visto), não lhe acarreta qualquer prejuízo.

Poderá a parte apresentar novos fatos ou documentos em suas ale­gações finais ou memoriais?

Evidentemente que não se deve admitir a juntada de documentos nos memoriais, já que a instrução foi declarada encerrada e o feito se encontra pronto para julgamento. No entanto, tal regra deve ser excep­cionada na hipótese de documento novo, circunstância em que o juiz deverá aceitar a juntada e dar oportunidade à parte contrária para ma­nifestação acerca do documento acostado ao memorial.55

Finda a colheita das provas e apresentadas as alegações finais, des­de logo ou no prazo de dez dias, o magistrado proferirá o julgamento do processo.56

55 "Prova. Documento. Juntada após memoriais. Inadmissibilidade. Correta a decisão determinativa do desentranhamento de petição e documentos ofertados após a entrega dos memoriais, se o fato a demonstrar, conquanto superveniente, é irrelevante para a solução da causa." (TACSP, Apelação n. 500.814, rel. Juiz João Saletti, j. 10.02.1998, v.u.)

56 Em casos excepcionais, poderá o juiz converter o julgamento em diligência, isso para determinar às partes ou terceiro a realização de determinado (nova prova, por exemplo) ato necessário para o completo conhecimento do litígio.

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S e n t e n ç a e

a C o i s a J u l g a d a 20

O julgamento do processo pode ocorrer em qualquer momento ou fase processuais. Como vimos anteriormente, o juiz poderá sentenciar o feito logo quando recebe a petição inicial, isso para decretar a extinção do processo sem julga­mento do mérito (art. 267 do CPC), ou proferir a decisão de extinção, com ou sem julgamento do mérito, logo após ofer­tada a contestação e em sede de providências preliminares, por entender desnecessária a dilação probatória (julgamento conforme o estado do processo), como também poderá pro­ferir decisão final após encerrada a instrução processual.

Encerrada a instrução processual e apresentadas as alega­ções finais, oralmente na própria audiência ou por meio de memoriais, o juiz poderá proferir sentença de plano ou no prazo de dez dias.

Assim, podemos afirmar que o julgamento do processo em primeira instância pode ocorrer:

a) quando do indeferimento da petição inicial (arts. 284 e 267, inc. I, do CPC). Em se tratando de vício sanável, o

4 9 5

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4 9 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

juiz deverá conceder prazo de 10 dias para que a parte autora adite a sua inicial; não sendo cumprida a determinação, a inicial será indeferida.

No entanto, em se tratando de vício insanável, por exemplo, como falta de condição da ação, litispendência, coisa julgada, pe- rempção e falta de caução (nos casos previstos na lei), o juiz pode­rá proferir, de plano, a extinção do processo sem o julgamento do mérito, nos termos do art. 267 do Código de Processo Civil;

b) quando das providências preliminares ou no julgamento confor­me o estado do processo (arts. 329 e 330 do CPC), sendo possível a extinção com ou sem o julgamento do mérito, conforme as hipó­teses dos arts. 267 e 269 do Código de Processo Civil.

Duas são as hipóteses de julgamento antecipado, conforme já tratamos:

sentença de extinção sem julgamento do mérito, quando hou­ver algum vício insanável;sentença de extinção com julgamento do mérito, quando for dispensada a dilação probatória (efeitos da revelia, controvér­sia apenas de direito etc.);

c) após o encerramento da instrução processual, o julgamento pode­rá ocorrer na própria audiência ou no prazo subseqüente de dez dias após o referido encerramento da fase probatória (art. 456 do CPC). Quando não for caso de julgamento antecipado (com ou sem julgamento do mérito), o processo será julgado após o encer­ramento da instrução.

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D I V E R S O S MO ME N T O S DO J U L G A M E N T O

Vícioinsanável

SENTENÇA Art. 267

Inicial Juízo de admissibilidade

Sem vício: juiz determina a

citação

Citação eresposta do réu

Providências preliminares

e saneamento

Vício sanável: juiz determina

aditamentoAditamento

correto

Omissão do autor

Extinção sem julgamento do

mérito

Vícioinsanável

SENTENÇA Art. 267

Necessidade de dilação probatória

Efeito da revelia Dispensa de dilação probatória

Instruçãoe

SENTENÇA

SENTENÇAArt. 269

Julgamento antecipado do

mérito

SENTENÇA EA

COISA JULGADA

497

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4 9 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

20.1 S e n t e n ç a

M 2 0 . 1 . 1 C O N C E I T U A Ç Ã O

A sentença é ato processual pelo qual o juiz encerra a atividade juris­dicional do Estado em primeira instância, manifestando-se ou não acer­ca do mérito da demanda, e em que outorga o bem litigioso a uma das partes, ou julgando extinto o processo sem apreciação da lide, nos casos em que existem circunstâncias que impedem a apreciação do mérito.

Luiz Fux dá a seguinte conceituação: “A sentença é, assim, o ato pelo qual o juiz cumpre a função jurisdicional, aplicando o direito ao caso concreto, definindo o litígio e carreando a paz social pela impera- tividade que a decisão encerra”.1

A Lei n. 11.232/2001 alterou a redação originária do art. 162, § Io, para conceber a sentença como ato pelo qual o juiz encerra o processo com ou sem julgamento do mérito, ou seja, aplicando alguma das hipóteses dos arts. 267 e 269 do Código de Processo Civil.

De fato, a sentença não é o ato que põe termo definitivo ao proces­so, mas tão-somente encerra a atividade jurisdicional no primeiro grau de jurisdição, podendo ela, mesmo depois dessa decisão, continuar para o processamento do recurso ou de eventual cumprimento da sen­tença. Na verdade, a redação do § Io do art. 162 do Código de Proces­so Civil, conjungada com os arts. 267 e 269, está incompleta.

São atos extremos do processo em primeira instância a petição inicial e a sentença - a primeira é o ato da parte que dá origem à relação processual, enquanto a sentença é ato do juiz que implica encerramento da referida relação perante o órgão monocrático de julgamento; a definição legal emprega um significado finalístico2 ou topológico ao ato, afinal é ato extremo de encerramento no primeiro grau de jurisdição.

' Curso de direito processual civil, p. 676.2 Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do processo e da sentença, p. 26, apud Mar-

cus Vinicius Rios Gonçalves, Novo curso de direito processual civil, v. II, p. 2. 0 autor mani­festa posição contrária àquela dada pela professora Teresa Arruda Alvim Wambier, pela qual define a sentença não pela sua finalidade (encerramento do processo), mas pelo seu conteú­do, já que os arts. 267 e 269 expressam as matérias que serão objeto da sentença.

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SENTENÇA EA COISA JULGADA 4 9 9

Em simples palavras, todo processo tem início em razão de uma petição inicial e tem seu término por meio de uma sentença; seja qual for a espécie de processo,3 o seu encerramento, obrigatoriamente, de­manda a prolação de uma sentença.

Nota-se que a sentença é um ato de inteligência, no qual, após conhecer de toda a lide - da pretensão do autor, da defesa do réu, das provas levadas aos autos, das alegações finais etc. - , o magistrado manifesta a vontade da lei à realidade apresentada pelas partes; ou, ainda, profere o julgador um juízo de inadmissão do conhecimento do mérito, naquelas hipóteses em que faltam as condições da ação ou pressupostos processuais.

m 2 0 . 1 . 2 E s p é c i e s d e S e n t e n ç a s e T u t e l a s

P R E S T A D A S N O P R O C E S S O D E C O N H E C I M E N T O

As classificações doutrinárias sempre devem ter por escopo dar uti­lidade às variantes encontradas no instituto em análise, sob pena de tornarem-se inúteis ao aplicador do direito.

Assim, considerando a importância dos efeitos da sentença em fun­ção do mérito da ação e os efeitos advindos desse provimento, pode­mos classificar as sentenças em:

a) Sentenças de mérito ou definitivas. São aquelas proferidas nos ter­mos do art. 269 do Código de Processo Civil, nas quais o juiz en­cerra a prestação jurisdicional com apreciação do mérito apresen­tado pelas partes. São casos de julgamento do mérito, conforme o referido artigo, as seguintes hipóteses:

quando o juiz julga procedente, procedente em parte ou im­procedente o pedido do autor;quando o juiz homologa acordo firmado entre as partes em juízo;

3 Mesmo os processos de execução e os cautelares necessitam de uma sentença parasua finalização perante o primeiro grau de jurisdição, evidentemente, sem a mesma finalida­de e conteúdo do processo de conhecimento.

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500 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

quando o juiz acolhe a alegação de prescrição ou decadência;4 quando o réu reconhece a procedência do pedido; quando o autor renuncia ao direito sobre o qual se funda a de­manda.5

b) Sentenças terminativas.6 São aquelas proferidas nos termos do art. 267 do Código de Processo Civil: apenas encerram formalmente a relação jurídica processual, sem apreciação do mérito da causa, isso em razão de circunstâncias que impedem o desenvolvimento regular do processo (como a falta de condições da ação ou pressu­postos processuais).

Evidentemente, o processo de conhecimento é concebido para a oferta, ao jurisdicionado que o invoca, da prestação de uma sentença de mérito, uma manifestação do Estado-juiz acerca de qual das partes tem razão no litígio e deve gozar do bem jurídico disputado na ação. É na sentença de mérito que o magistrado acolhe ou rejeita o pedido do autor em face do réu.

É somente nas sentenças de mérito que, quando da procedência do pedido, outorga-se ao autor uma tutela jurisdicional e seus efeitos prá­ticos, como condenação, declaração ou provimento constitutivo (ne­gativo ou positivo).

No entanto, o magistrado apenas poderá conhecer do mérito da ação quando não presentes quaisquer das hipóteses previstas no art. 267 do Código de Processo Civil, que, em síntese, prevê circunstâncias

11 Será considerada sentença a decisão de reconhecimento de prescrição e decadência quando importar em encerramento do processo. Caso a prescrição ou a decadência sejam apenas sobre parte da pretensão, determinando-se o prosseguimento do feito, devemos con­siderar espécie de decisão interlocutória. Nesse sentido, Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado, 3. ed., p. 605.

s Não se confunde com desistência da ação. A renúncia ao direito importa em extinção com julgamento do mérito, enquanto a desistência da demanda gera apenas a extinção for­mal do processo (art. 267 do CPC).

6 Como efeito prático, todas as sentenças são terminativas (inclusive as de mérito), pois toda sentença encerra a relação jurídica processual. A diferença das sentenças apenas termi­nativas é que elas não apreciam o mérito, ao contrário da outra que, além de encerrar a rela­ção processual, conhece e profere um juízo acerca da controvérsia.

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SENTENÇA E A COISA JULGADA 501

de ausência de pressupostos processuais ou das condições da ação. Ca­sos em que, não podendo conhecer do mérito, o julgador apenas pro­ferirá uma sentença terminativa, cuja função será encerrar formal­mente o processo, sem dizer se o pedido é ou não procedente.

Outra classificação relevante pode ser tomada em consideração à espécie de provimento jurisdicional emitido na sentença. Como estu­damos anteriormente, no processo de conhecimento podem ser profe­ridas as seguintes modalidades de tutelas: a) declaratórias; b) constitu­tivas positivas ou negativas (desconstitutivas); c) condenatórias; ou d) homologatórias.

As tutelas declaratórias têm por objeto a manifestação do Estado acerca da existência ou inexistência de um direito ou obrigação. Já as sentenças condenatórias, mais do que declarar se o direito ou relação jurídica existe ou não, têm por escopo a emissão de um comando ao réu para que cumpra uma obrigação de pagar quantia, entregar uma coisa, fazer ou deixar de fazer uma obrigação, sob pena de sofrer coer­ção do Estado para o adimplemento da obrigação imposta no título judicial.

Além disso, temos as sentenças constitutivas, tutelas essas capazes de criar, modificar ou extinguir uma relação jurídica ou obrigação.

As sentenças condenatórias e as declaratórias produzem efeito ex tunc, pelo fato de que, nas sentenças declaratórias, a manifestação con­tida no título retroage à data ou época em que o fato ou relação jurí­dica ocorreu. Por exemplo, em uma ação de investigação de paternida­de, é proferida uma típica sentença declaratória, importando no reconhecimento do parentesco desde o momento em que a criança foi concebida e não apenas a partir da publicação da sentença. Não have­ria qualquer cabimento afirmar-se que o autor é filho do réu apenas após a sentença, e antes disso, não.

As sentenças condenatórias, por sua vez, têm efeito retroativo, já que a condenação importa na ordem de cumprimento da obrigação no momento em que ela deveria ter sido cumprida espontaneamente pela parte devedora; a sentença retroage, portanto, à data em que o devedor foi constituído em mora.

Por outro lado, as sentenças constitutivas, como regra, produzem efeito ex nunc, ou seja, os efeitos não retroagem ao tempo anterior à

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5 0 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

sentença. Por exemplo, quando é decretado o divórcio (típica sentença desconstitutiva), as partes apenas sofrerão os efeitos do comando judi­cial do momento de sua publicação em diante, não havendo que se falar em efeito do divórcio antes da prolação da sentença.7

Não obstante as espécies de tutelas anteriormente citadas, não se pode deixar de mencionar as sentenças homologatórias, ou seja, aque­las proferidas em ratificação da vontade manifestada pelas partes, sen­tença que atribui efeito de título executivo judicial ao acordo celebra­do entre os litigantes, com a finalidade de pôr fim ao processo (art. 269, inc. III, do CPC).

Evidentemente, uma única sentença poderá conter mais de uma espécie de tutela jurisdicional, dependendo, para isso, dos pedidos que foram formulados na petição inicial.

■ i 2 0 . 1 . 3 R e q u i s i t o s f o r m a i s d a s S e n t e n ç a s

Obrigatoriamente e sob pena de nulidade, as sentenças de mérito deverão ser compostas pelas seguintes partes ou requisitos:

a) relatório;b) fundamentação;c) dispositivo.

O relatório é a parte da sentença em que o magistrado individua­liza as partes, dá a síntese da pretensão do autor e da resposta do réu, bem como faz referência aos principais incidentes processuais e às pro­vas colhidas em instrução. É a demonstração, pelo magistrado, do conhecimento completo da lide.

Comentando acerca da falta de relatório, o Prof. Arruda Alvim explica que:

Tal é a gravidade do vício de que padece a sentença, a que falta rela­

tório, que se tem admitido a rescisão de tais decisões. [...] Trata-se de nuli-

7 Excepcionalmente, é possível citar um caso de sentença constitutiva com efeito ex tunc. Na ação de adoção, os efeitos da sentença retroagem, já que o adotado recebe a condição de filho desde o seu nascimento.

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SENTENÇA EA COISA JULGADA 5 0 3

dade absoluta, sendo portanto decretável pelo juiz, sem segundo grau de

jurisdição, independente de provocação da parte. Toda matéria em que se

consubstancia o contraditório deve vir relatada, para que possa ser objeto

de exame e que se coloque como premissa do pronunciamento jurisdicio­

nal, na forma do que dispõem os incs. I e II do art. 458 do CPC.8

Realizada a narrativa dos fatos processuais, o juiz passará à funda­mentação da sentença, momento do ato em que serão firmadas as ra­zões de seu convencimento de modo a permitir a compreensão pelas partes (e por outros interessados) dos argumentos de fato e de direito que ensejaram a decisão.

A fundamentação não precisa ser exaustiva, mas deve ser capaz de permitir a compreensão externa das razões do convencimento do m a­gistrado. A fundamentação das decisões é pressuposto para que a parte prejudicada possa impugnar o ato que lhe causar prejuízo, pois o ato que padece de fundamento, impede que o prejudicado exerça o pró­prio direito de contraditório da parte. Como alguém poderá recorrer da decisão se não sabe os motivos que levaram o magistrado ao con­vencimento?

Note-se que o dever de fundamentação das decisões judiciais (de qualquer órgão da jurisdição) encontra-se previsto no próprio Texto Constitucional, que impõe, no art. 93, inc. IX, o dever de motivação dos atos, sob pena de nulidade.

Por fim, a sentença deverá conter o dispositivo (decisum), parte da decisão em que se afirma, com clareza e precisão, o julgamento do pedido - se procedente, procedente em parte ou improcedente - , com a imposição da tutela jurisdicional e seus efeitos práticos (como requerido pelo autor na petição inicial = pedido imediato e pedido mediato).

Em relação aos efeitos primários emanados da sentença, ou seja, a execução e a coisa julgada, o dispositivo é de fundamental relevância, uma vez que é nessa parte da sentença que se encontra a própria tute­la jurisdicional (declaração, constituição ou condenação) e os efeitos práticos dessa tutela.

8 Manual de direito processual civil, v. II, p. 650.

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5 0 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Por outro lado, o art. 459 do Código de Processo Civil prevê que, nos casos de sentenças terminativas - art. 267 - , o juiz poderá decidir de forma concisa, ou seja, as partes da sentença (relatório, motivação e dispositivo) serão apresentadas de forma sumária e sem adentrar na discussão do mérito.

m 2 0 . 1 . 4 L i m i t e s d a S e n t e n ç a

O juiz proferirá sentença observando os limites em que a lide foi proposta, conseqüentemente, com observância do pedido e da causa de pedir apresentados pelo autor em sua petição inicial e, eventualmen­te, nos limites da reconvenção ou ação declaratória incidental existente nos autos.

A esse respeito, determina o art. 460 do Código de Processo Civil:

Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de

natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quan­

tidade superior ou em objeto diverso do que lhe fo i demandado.

Assim, considerando a inobservância dos limites da sentença, po­dem surgir os seguintes vícios:

a) infra ou citra petita: a sentença citra petita é aquela que deixa de apreciar pedido formulado pelo autor; é a prestação incompleta ou insuficiente do provimento jurisdicional requerido. Sentença que não analisa todos os pedidos, importando em denegação par­cial de justiça.9

Não se confunde com julgamento parcial do pedido - por exem­plo, autor pede 100 e o juiz confere 50. No exemplo, o juiz apre­ciou o pedido, mas deferiu apenas em parte; nas sentenças infra petita, o julgador se omite quanto a pedido ou pedidos, deixa de julgar;

b) ultra petita: é aquela em que o juiz confere tutela excedente à plei­teada pelo autor em sua inicial. Seria o caso, por exemplo, da ação

9 I d e m , p . 6 5 6 .

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SENTENÇA EA COISA JULGADA 5 0 5

em que se pede indenização em 100 salários mínimos e, na senten­ça, o magistrado condena o réu ao pagamento de 150 salários mínimos. Nesse caso, a sentença não precisará ser anulada, mas deverá o tribunal reduzi-la (adequá-la) aos limites do pedido con­tido na inicial;

c) extra petita: quando a providência jurisdicional é diversa da que foi pleiteada, por exemplo: alguém pleiteia a condenação a deter­minado pagamento e o juiz declara a nulidade do contrato. Além disso, também constitui sentença extra petita quando for concedi­da ou negada a tutela sob fundamento diverso do argüido pelas partes. Por exemplo, alguém pleiteia a separação por infidelidade e o magistrado a concede com base em injúria grave (argumento que nem foi articulado pelas partes).

■ i 2 0 . 1 . 5 T u t e l a s E s p e c í f i c a s d a s O b r i g a ç õ e sd e F a z e r e n ã o F a z e r

No sistema jurídico, podemos afirmar que existem diversas formas de se tutelar o direito de alguém.

O Estado pode conferir uma tutela acautelatória que tenha por fim evitar que a lesão ocorra, pode ser prestada uma tutela compensatória, pela qual o réu é condenado a indenizar o autor dos danos que esse so­freu, ou, ainda, é possível o oferecimento de uma tutela in natura, pela qual se entrega ao detentor do direito o próprio bem da vida por ele pretendido.

Divergem as tutelas compensatórias das tutelas in natura: na pri­meira, entrega-se ao vencedor da ação coisa que compense o seu pre­juízo, já na outra, oferta-se o próprio bem da vida almejado. Vejamos o exemplo: imaginemos que duas pessoas contratam entre si a obriga­ção de pintura de determinado quadro. Por sua vez, o contratado se nega ao cumprimento da obrigação. Nesse caso, ingressando com ação para exigir o cumprimento da referida obrigação, poderão ser emitidas duas tutelas diferentes: uma obrigando o réu ao cumprimento da obri­gação de fazer, ou seja, pintar efetivamente o quadro, e outra conde­nando-o ao pagamento de uma indenização pelo descumprimento, o que chamamos, no campo do Direito Civil, de perdas e danos.

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5 0 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Evidentemente, no primeiro caso temos uma espécie de tutela in natura, e no outro, uma tutela compensatória.

Grande problemática existia quanto às tutelas proferidas em relação às obrigações de fazer ou não fazer, nas quais, quando o condenado se recusava ao cum prim ento da obrigação in natura , a única alternativa que restava ao credor era a conversão da obriga­ção em perdas e danos, ou seja, em vez de receber a obrigação como ela foi assumida ( in natura), recebia um a indenização (com ­pensatória).

Assim, quando da reforma introduzida pela Lei n. 8.952/94, o legislador houve por bem instituir no Código de Processo Civil mecanismos capazes de assegurar o cum prim ento da obrigação de fazer ou não fazer in natura. O sistema passou a dar preferência ao cum prim ento da obrigação in natura, em lugar do cum prim ento na forma compensatória, salvo nas hipóteses em que restar aquela inviável.

Dessa forma, o art. 461 do Código de Processo Civil prevê que, quando da prolação da sentença, o magistrado deverá, mesmo de ofí­cio, conceder uma tutela específica ao caso concreto, que seja capaz de assegurar o cumprimento ou resultado prático equivalente ao do adim- plemento voluntário, ou seja, a sentença proferida nas hipóteses de obrigação de fazer ou não fazer deverá prever medidas que assegurem o cumprimento da obrigação na forma in natura.

A obrigação de fazer ou não fazer apenas se converterá em perdas e danos, portanto, compensatória, quando for impossível o cumpri­mento in natura (da tutela específica) ou quando o autor assim o re­querer (§ Io do art. 461 do CPC).

Mas, afinal, no que consistem as tutelas específicas?Como afirmamos, são medidas impostas nas sentenças capazes

de obrigar o condenado ao cumprimento da obrigação in natura. São medidas capazes de desestimular o inadimplemento da obrigação na forma em que ela foi concebida originariamente, como, por exemplo, a imposição de multa diária pelo atraso no cumprimento da obrigação (§ 4o do art. 461 do CPC), remoção de pessoas ou coisas, desfazimen- to de obras, requisição de força policial, busca e apreensão, impedi­mento de atividade (§ 5o do art. 461 do CPC), ou, ainda, a medida que

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SENTENÇA EA COISA JULGADA 5 0 7

o magistrado entender adequada ao caso concreto para resguardar o cumprimento da obrigação.10

A multa para o cumprimento da obrigação é fixada pelo juiz, con­siderando a natureza da causa, e será revertida em favor da parte cre­dora e prejudicada pela demora no adimplemento da obrigação. O valor e a periodicidade da multa podem ser modificados pelo juiz a qualquer tempo (§ 6o do art. 461 do CPC).

Não obstante a previsão de tutelas específicas nas sentenças conde­natórias de obrigação de fazer ou não fazer, quando da reforma introdu­zida pela Lei n. 10.444/2002," foi inserido no Código de Processo Civil o art. 461-A para possibilitar o deferimento dessas tutelas diferenciadas também nas sentenças condenatórias de obrigações de entrega de coisa, aplicando-se as mesmas disposições previstas no art. 461.

Ressalte-se que as tutelas específicas apenas podem ser estabelecidas nas sentenças que tenham por objeto obrigações de entrega de coisa, de fazer ou não fazer, e nunca nas sentenças condenatórias de quantia, já que, nesse caso, a garantia de satisfação existe pela possibilidade de expropriação de bens do devedor (penhora, por exemplo).

M l 2 0 . 1 . 6 M O D I F I C A Ç Ã O D A S S E N T E N Ç A S P E L O

P r ó p r i o J u i z

A publicação da sentença gera o efeito de encerrar a atividade juris­dicional do juízo de primeira instância; ato processual esse que o impe­de de praticar novos atos decisórios no processo já sentenciado, salvo atos para o recebimento de eventual recurso e a fixação de seus efeitos.

Assim, impõe a lei processual que o juiz não poderá alterar o con­teúdo de seu decisório, exceto se for:

10 0 rol de medidas do art. 461 é meramente exemplificativo, já que, dependendo do caso concreto, o magistrado aplicará as medidas que entender necessárias para o cumpri­mento da obrigação de fazer ou não fazer.

11 "Art. 461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação. § 1o Tratando-se de entre­ga de coisa determinada pelo gênero e quantidade, o credor a individualizará na petição ini­cial, se lhe couber a escolha; cabendo ao devedor escolher, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz. § 2o Não cumprida a obrigação no prazo estabelecido, expedir-se- á em favor do credor mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse, conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel."

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5 0 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

a) para correção de erro material;b) em razão da oposição de embargos de declaração pelas partes.

A correção de erro material pode ser entendida como aquela que não importa em modificação do sentido do julgamento, mas apenas corrige erros de grafia, de nome das partes, de cálculo etc.

Já os embargos de declaração (art. 535 do CPC), tema que tratare­mos em capítulo próprio a seguir, é modalidade de recurso das partes, tendente à supressão de omissão, obscuridade ou contradição na sen­tença.

Relevante mencionar que, em ambos os casos, não ocorre modifi­cação do julgamento do magistrado, não há alteração daquilo que entende o juiz como sendo certo, mas tão-somente se corrige o erro apontado pela parte ou mesmo ex officio.

20.2 Co i s a J u l g a d a

A coisa julgada compreende o efeito de imutabilidade e defmitivi- dade que recai sobre as sentenças de mérito (ou acórdão que venha a substituir a sentença), transitadas em julgado. O art. 467 do Código de Processo Civil contém a seguinte definição:

Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que

torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recur­

so ordinário ou extraordinário.

Do latim res judicata,12 a coisa julgada torna irretratável a deci­são final da lide, firmando o direito das partes de forma definitiva a não permitir qualquer alteração pelos meios recursais. Isso impede, também, que a mesma questão venha a ser novamente posta em juí­zo, preservando, assim, a soberania do título judicial e a segurança jurídica.

12 De Plácido e Silva, Vocabulário jurídico, v. I, p. 452.

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SENTENÇA EA COISA JULGADA 5 0 9

A coisa julgada é instituto preservado até mesmo contra o adven­to de nova lei, ou seja, por determinação da Constituição da Repúbli­ca, em seu art. 5o, inc. XXXVI. Nem a edição de novas leis pode abalar a soberania da resjudicata.

Acerca da coisa julgada, Luiz Fux comenta:

O fato de para cada litígio corresponder uma só decisão, sem a pos­

sibilidade de reapreciação da controvérsia após o que se denomina trân­

sito em julgado da decisão, caracteriza essa função estatal e a difere das

demais. O momento no qual uma decisão torna-se imodificável é o do

trânsito em julgado, que se opera quando o conteúdo daquilo que foi

decidido fica ao abrigo de qualquer impugnação através de recurso, daí

a sua conseqüente imutabilidade. Desta sorte, diz-se que uma decisão

transita em julgado e produz coisa julgada quando não pode mais ser

modificada pelos meios recursais de impugnação.13

Neste ponto é importante ressaltar que a coisa julgada não se con­funde com a preclusão, pois, enquanto essa é a perda da faculdade da prática de um ato processual - em um processo em curso a outra compreende o efeito de imutabilidade e definitividade do julgado - cujo processo já se encontra transitado em julgado.

m 2 0 . 2 . 1 E s p é c i e s d e C o i s a J u l g a d a

Como vimos anteriormente, temos duas espécies de sentenças: as de mérito e as meramente terminativas. Conseqüentemente, dessa classificação advém a seguinte:

a) Coisa julgada material: efeito que recai apenas sobre as decisões transitadas em julgado que apreciaram o mérito da lide; o proces­so foi extinto com solução do conflito, nos termos do art. 269 do Código de Processo Civil. Não fazem coisa julgada material as de­cisões extintas nos termos do art. 267 do Código de Processo Civil, sobre as quais apenas recairá a eficácia da coisa julgada formal.

13 Curso de direito processual civil, cit., p. 693.

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5 1 0 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

b) Coisa julgada formal: efeito de imutabilidade sobre o processo encerrado - referente apenas ao processo tal espécie equipara-se mais ao instituto da preclusão14 do que à coisa julgada: encerrado um processo, ele será definitivo, não podendo ser discutida nele qualquer outra controvérsia. Esse efeito recai sobre todos os pro­cessos transitados em julgado. Os processos extintos com base no art. 267 do Código de Processo Civil geram apenas a coisa julgada formal (sem coisa julgada material). Por outro lado, sobre as sen­tenças de mérito recaem ambos os efeitos da coisa julgada: formal e material.

Apenas o efeito da coisa julgada formal não impede nova discus­são da mesma lide (art. 268 do CPC); o efeito de imutabilidade somen­te existe quando, além da coisa julgada formal, existir coisa julgada material (art. 269 do CPC).

h 2 0 . 2 . 2 E x t e n s ã o o u L i m i t e s d a C o i s a J u l g a d a

Os limites da coisa julgada poderão ser partidos em dois aspectos:

a) Limites objetivos, relativos à parte da sentença que será objeto da coisa julgada. A imutabilidade do julgado atinge apenas a parte dispositiva da sentença, sendo que a verdade dos fatos e os funda­mentos jurídicos não são acobertados pela coisa julgada, nestes termos do Código de Processo Civil:

Art. 469. Não fazem coisa julgada:

I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance

da parte dispositiva da sentença;

II - a verdade dos fatos, estabelecida como fundam ento da sen­

tença;

14 Para Marcus Vinicius Rios Gonçalves, op. cit., "Verifica-se a coisa julgada formal quan­do tiver havido preclusão, temporal, consumativa ou lógica, para a interposição de qualquer outro recurso contra a sentença (ou acórdão). Como esta é o ato que põe fim ao processo, preclusos todos os recursos, ele estará irremediavelmente extinto. Por isso a coisa julgada for­mal é denominada preclusão máxima".

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SENTENÇA EA COISA JULGADA 511

III - a apreciação da questão prejudicial,'5 decidida incidentemen­

te no processo.

Como tratamos anteriormente (Capítulo 17.5), as questões preju­diciais tratadas na fundamentação da sentença poderão fazer parte da coisa julgada quando qualquer uma das partes promover ação declaratória incidental.

b) Limites subjetivos (sujeitos) - art. 468 do Código de Processo Ci­vil. Como regra, a sentença faz lei apenas entre as partes litigantes e o assistente que integrou a lide (art. 50 do CPC).

No entanto, essa regra comporta algumas exceções:

a) nas ações de estado das pessoas, se todos os interessados forem ci­tados (como litisconsortes), a sentença produzirá efeitos erga omnes (art. 472 do CPC);

b) nas ações coletivas (por exemplo, ação civil pública, ação popu­lar, ações diretas relativas à constitucionalidade etc.), as decisões de mérito terão efeito erga omnes, oponíveis perante qualquer pessoa.

O art. 471 do Código de Processo Civil determina que nenhum juiz poderá decidir novamente questão já decidida, acobertada pela coisa julgada. Todavia, o próprio artigo prevê exceções.

A primeira delas é a denominada relação jurídica continuada. Nesse caso, se sobrevier modificação no estado de fato ou de direito, qualquer uma das partes poderá requerer a sua revisão (por exemplo, o que ocorre com as ações de alimentos,16 relações tributárias17 etc.).

,5 A apreciação de questão incidente prejudicial apenas sofrerá efeito da coisa julgada se a parte interessada apresentar Ação Declaratória Incidental, nos termos dos arts. 5o e 325 do Código de Processo Civil.

’6 Lei n. 5.478/68, "Art. 15. A decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a qualquer momento ser revista em face da modificação da situação financeira dos interessados".

17 Súmula n. 239 do STF: "Decisão que declara indevida a cobrança de imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores".

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5 1 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Além disso, a Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), em seu art. 16, prevê que a sentença de mérito não terá efeito de coisa julgada quando julgar improcedente o pedido por insuficiência de provas, hipótese que permite a qualquer legitimado intentar nova ação idênti­ca (mas com novas provas).

Outra questão importante da res judicata é a denominada “eficá­cia preclusiva da coisa julgada” (aparentemente, um bicho-de-sete- cabeças...).

Curiosamente, mesmo com preceito expresso de que os fatos e fundamentos jurídicos da sentença não fazem coisa julgada (art. 469, incs. I e II do CPC), o art. 474 do Código de Processo Civil determina:

Art. 474. Passada em ju lgado a sentença de m érito, reputar-

se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a

parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do

pedido.

Comentando esse dispositivo, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery explicam:

Alegações repelidas. Transitada em julgado a sentença de mérito, as

partes ficam impossibilitadas de alegar qualquer outra questão relaciona­

da com a lide sobre a qual pesa a autoridade da coisa julgada. A norma

reputa repelidas todas as alegações que as partes poderiam ter feito na

petição inicial e contestação a respeito da lide e não o fizeram. Isso signi­

fica dizer que não se admite a propositura de nova demanda para redis-

cutir a lide, com base em novas alegações. Caso a parte tenha documen­

to novo, a teor do CPC 485, VII, poderá rescindir a sentença, ajuizando

ação rescisória, mas não rediscutir a lide, pura e simplesmente, apenas

com novas alegações.18

Dessa forma, a coisa julgada faz presumir que as partes alegaram tudo que havia sobre o litígio, pela “eficácia preclusiva da coisa julga­da”. A lei presume que todas as alegações foram repelidas, não admi-

18 Op. cit., 3. ed., p. 687.

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SENTENÇA EA COISA JULGADA 5 1 3

tindo a propositura de nova demanda, sobre a mesma lide, para discu­tir fatos e fundamentos que não foram discutidos na lide transitada em julgado.

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L i q u i d a ç ã o

d e S e n t e n ç a 21

As sentenças condenatórias - ou acórdãos que venham substituí-las - são títulos hábeis para permitir que o credor movimente a máquina judiciária com o objetivo de compelir o devedor ao seu cumprimento.

No entanto, o título apenas terá força executiva quando preencher os requisitos de liquidez, certeza e de exigibilidade.

A liquidez é o requisito relacionado com a extensão da obrigação, ou seja, deve constar no título a obrigação exata a ser cumprida pelo devedor. A liquidez corresponde à determi­nação da obrigação a ser executada pelo devedor (por exem­plo, a quantia exata).

Portanto, liquidar corresponde ao ato de encontrar o va­lor ou a determinação da obrigação (de fazer, de não fazer ou de entrega de coisa) devida pela parte contrária.

Assim, toda vez que o título judicial não for líquido - não contiver a determinação da obrigação antes de serem reali­zados os atos executórios, o credor deverá promover a liqui­dação dessa sentença, conforme preceitua o art. 475-A do Có­digo de Processo Civil.

5 1 5

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5 1 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Ressalte-se que no procedimento da liquidação não há discussão sobre a obrigação (art debeatur), afinal isso já foi superado na sentença ou no acórdão. Na liquidação busca-se um provimento judicial - que será integra­do ao título judicial - que se pronuncie apenas sobre o quantum debeatur.

2 1 . 1 S e n t e n ç a s I l í q u i d a s

O art. 475-N do Código de Processo Civil arrola os títulos execu­tivos judiciais. São eles: a) a sentença condenatória do processo civil;b) a sentença penal condenatória transitada em julgado; c) a sentença homologatória de conciliação ou transação; d) a sentença arbitrai; e) o acordo extrajudicial, de qualquer natureza, homologado judicialmen­te; f)a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Jus­tiça; e g) o formal e a certidão de partilha.

Dessa forma, o Código de Processo Civil determina que tais docu­mentos têm força para ensejar um procedimento executivo contra o devedor.

Mas, cumpre destacar que, em algumas situações, essas sentenças po­dem carecer de liquidez, ou seja, quando da prolação do título não foi pos­sível ao magistrado fixar o valor do objeto da condenação, estipulando na parte dispositiva do julgado que a condenação ficaria à mercê de liquida­ção (por exemplo: “Julgo procedente o pedido para condenar o réu a pagar indenização ao autor, cujo valor será apurado em liquidação”).

A falta de liquidez da sentença no processo civil pode se dar na hi­pótese em que o autor tiver formulado em sua petição inicial um pedi­do genérico, nos termos do art. 286 do Código de Processo Civil. Co­mo sabemos, é requisito do pedido que ele seja certo e determinado, sendo que a determinação está intimamente ligada à extensão dos efei­tos práticos da tutela (a determinação do pedido mediato).

Portanto, caso o autor tenha formulado em sua petição inicial um pedido genérico, ao prolatar a sentença, o juiz também poderá profe­rir uma sentença ilíquida.1

' "Art. 459. (...) Parágrafo único. Quando o autor tiver formulado pedido certo [leia-se determinado], é vedado ao juiz proferir sentença ilíquida." Desse artigo podemos extrair a con­clusão inversa: sendo formulado pedido genérico, poderá o juiz proferir sentença ilíquida.

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LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA 5 1 7

Evidentemente, nem todo pedido genérico conduzirá a uma sen­tença ilíquida, já que muitas vezes, o valor pode ser apurado no curso da ação de conhecimento. Mas, se isso não for possível, o juiz prolata- rá uma sentença que contenha apenas a tutela (no caso condenatória) sem fixar os seus efeitos práticos, que ficarão a cargo da liquidação.

No rito sumário é vedado ao juiz prolatar sentença ilíquida, por­tanto com a reforma, também não haverá que se falar em liquidação para essa espécie de rito.

Por outro lado, também poderia ser caso de título judicial ilíquido a sentença condenatória advinda do penal.

A sentença penal poderá ser executada no civil para efeito de ga­rantir à vítima a indenização pelos danos experimentados em razão do delito (responsabilidade civil ex delito).

Todavia, como regra, a sentença penal não contém o valor da inde­nização ou o objeto a ser prestado a título de indenização. Portanto, an­tes da execução da indenização no civil, o credor deverá realizar a liquidação da sentença para apurar o valor ou a obrigação a ser prestada pelo devedor.

Como se vê, a liquidação sempre terá cabimento quando o título executivo judicial não contiver a quantia ou a obrigação exata que será imposta ao devedor. Com a liquidação, o credor obtém um provimen­to judicial que complemente a sentença com o quantum debeatur.

2 1 . 2 S i s t e m a A n t e r i o r à R e f o r m a

D A L E I N . 1 1 . 2 3 2 / 2 0 0 5

No sistema anterior à reforma introduzida pela Lei n. 11.232/2005, a liquidação da sentença era tratada com base no art. 603 do Código de Processo Civil, sendo agora trazida pela lei para o art. 475-A, den­tro do capítulo “Da Liquidação de Sentença”.

Na verdade, a reforma tirou a autonomia que existia no antigo processo de execução. Para o novo sistema, a execução de títulos judi­ciais deixou de ser um processo autônomo, para transformar-se em uma mera fase do processo de conhecimento. Assim, todos os artigos relacionados à execução das sentenças, inclusive referentes à liquida­ção, foram deslocados para o capítulo da sentença.

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5 1 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

A liquidação de sentença, no antigo Código de Processo Civil, em especial pelas modalidades de arbitramento e por artigos, era tida co­mo verdadeira ação, ou seja, após o término da ação de conhecimen­to, o credor deveria dar início a uma nova ação cognitiva, então para determinar a liquidez do título proferido no primeiro processo.

Com a reforma, como regra, a liquidação de sentença deixou de ter natureza de ação,2 para ser tratada pelo processo civil como mero inci­dente processual preparatório ao “cumprimento da sentença”. Perden­do o processo de execução de sentenças a autonomia processual, não há mais justificativas para que a liquidação também continue sendo tratada como ação.

Portanto, tanto o procedimento preparatório de liquidação, como o cumprimento dos títulos judiciais, com a reforma da Lei n. 11.232/2005, passaram a ter natureza de incidentes ou fases do processo de conheci­mento.

2 1 . 3 E s p é c i e s d e L i q u i d a ç ã o

O Código de Processo Civil prevê que a liquidação de sentença po­de se dar pelos seguintes meios:

a) liquidação por cálculos;b) liquidação por arbitramento;c) liquidação por artigos.

m 2 1 . 3 . 1 L i q u i d a ç ã o p o r C á l c u l o s

A liquidação por cálculos, mesmo antes da reforma da Lei n. 11.232/2005, já não era concebida como uma modalidade de ação (como eram as de­

2 Os professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, em Código de Proces­so Civi/Anotado, 1997, p. 834, definiam: "Natureza da liquidação. A liquidação de sentença é ação de conhecimento, de natureza constitutiva integrativa, pois visa a completar o título executivo (judicial ou extrajudicial) com o atributo da liquidez, isto é, o quantum debeatur."

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LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA 519

mais espécies), já que, em razão de reformas anteriores (Lei n. 8.894/94), o sistema havia sido muito simplificado.3

O Código de Processo Civil estabelece, em seu art. 475-B, que, na hipótese de a obtenção do valor depender apenas de meros cálculos aritméticos, o credor elaborará a petição de execução apresentando juntamente uma memória demonstrativa do cálculo por ele realizado.

Trata-se de modalidade muito simples de liquidação, realizada no momento em que o credor requer o cumprimento da sentença.

No entanto, é importante ressaltar que tal modalidade de liquida­ção apenas é cabível:

a) para as obrigações de quantia;b) quando a obtenção do valor apenas depender de cálculos aritmé­

ticos;c) quando a sentença contiver todos os elementos necessários à ela­

boração dos cálculos (ou seja, base de cálculos e elementos a serem calculados).

Assim, contendo a sentença todos os elementos necessários à ela­boração dos cálculos, o credor requererá seu cumprimento e, na pró­pria petição, apresentará uma memória demonstrando como obteve o valor total executado, atualizado até a data do início da execução.

Tal procedimento é muito comum quando a obtenção depender apenas do cálculo de juros, correção monetária ou para a conversão de salários mínimos ou outro valor.

Requisição cie informações ao devedor ou a terceiros

O § Io do art. 475-B determina que, quando as informações neces­sárias à realização dos cálculos (valores) estiverem em poder do deve­dor ou de terceiros, o credor poderá requerer ao juiz que intime o pos­suidor das informações para que apresente tais dados ao processo a fim de permitir os cálculos.

Trata-se de requerimento prévio e preparatório para a elaboração dos cálculos.

3 Antes da Lei n. 8.894/94, os cálculos eram realizados por contador judicial.

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5 2 0 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Nesse caso, o juiz determinará que as informações sejam prestadas em até trinta dias, sob pena de:

a) ser caracterizada a confissão do devedor, que também não poderá impugnar os cálculos (§ 2o do art. 475-B), caso seja ele o omisso no cumprimento da ordem;

b) caracterizar crime de desobediência, caso a ordem não seja cum ­prida pelo terceiro.

O § 2o do art. 475-B determina que, caso o devedor se recuse a pres­tar as informações, será aplicada a pena de confissão. No entanto, se a recusa for do terceiro, não há que falar em confissão (apenas a parte pode confessar), mas em recusa de cumprimento de ordem judicial.

Evidentemente, a confissão não poderia ser aplicada ao terceiro, já que ele não é parte no processo. No entanto, tem o terceiro o dever de colaborar com a Justiça, e sua omissão poderá caracterizar recusa no cumprimento de ordem judicial.

| Conferência pelo contador judicial

Como já tratamos nessa modalidade de liquidação, a lei processual atribui ao credor exeqüente o dever de apresentar na própria petição de execução uma memória discriminando o cálculo do valor exeqüendo.

Assim, caso o magistrado entenda que o valor constante da me­mória esteja superior àquele constante do título, poderá determinar a remessa dos autos ao contador judicial para a realização de uma con­ferência.

Nesse caso, se o contador judicial constatar que o valor executado é excessivo, o juiz dará a oportunidade ao exeqüente de aditar a sua pre­tensão executória. Mas, se o autor insistir no valor originariamente apre­sentado, a execução prosseguirá por esse valor, mas a penhora dos bens do devedor recairá apenas sobre o valor apresentado pelo contador.

Evidentemente, o cálculo prévio do contador não dá ao juiz o poder de julgar os cálculos sumariamente, mas apenas de evitar uma penhora excessiva. A fixação do valor correto (com o julgamento se a execução

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LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA 5 2 1

for excessiva ou não) apenas se dará se o devedor executado apresentar impugnação.

Vejamos:

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5 2 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

■ i 2 1 . 3 . 2 L i q u i d a ç ã o p o r A r b i t r a m e n t o

A liquidação por arbitramento tem lugar quando a obtenção do valor da execução depender da realização de perícia. São hipóteses em que a definição do valor dependerá da manifestação de um profissio­nal com habilidades técnicas específicas.

Por exemplo, quanto vale a indenização por dano a um quadro de pintor renomado? Quanto valeria uma indenização por um veículo de coleção? Evidentemente, para determinar o valor da obrigação seria necessária a participação de um experto.

O art. 475-C do Código de Processo Civil prevê que caberá a liqui­dação por arbitramento quando:

a) determina a sentença;b) convencionarem as partes;c) exigir a natureza do objeto a ser executado.

Na modalidade de liquidação por arbitramento, pela natureza do incidente, o juiz nomeará um perito para apontar o valor da obriga­ção, fixando, desde logo, o prazo para a apresentação do laudo.

Apresentado o laudo, o juiz abrirá oportunidade para as partes se manifestarem e, sendo o caso de colheita de provas orais (esclareci­mentos do perito ou ouvida de testemunhas), ele poderá designar au­diência de instrução.

Ao final, o magistrado proferirá a decisão para fixar o valor da obrigação.

Na verdade, como sabemos, o juiz não está vinculado ao laudo pe­ricial, mas poderá fixar o valor em conformidade com a livre convic­ção motivada, já que a perícia é apenas um meio de prova e não um ato que obriga o juiz.

■ i 2 1 . 3 . 3 L i q u i d a ç ã o p o r A r t i g o s

A liquidação por artigos tem cabimento quando, para a apuração do valor, for necessária a comprovação pelo credor de fatos novos.

Por fatos novos entendemos os fatos que não foram objeto de aná­lise na ação de conhecimento. Não se trata de fatos posteriores à sen­tença, mas de fatos que não foram discutidos antes dela.

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LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA 523

Imaginemos que em uma ação de indenização proposta por um consumidor lesado por um produto (por exemplo, um carro que apre­sentou defeito e gerou um acidente) o autor tenha formulado na peti­ção inicial um pedido genérico, justificado no fato de que os danos estão se prolongando no tempo (art. 286 do CPC).

A ação corre e não se discute a extensão do dano, mas apenas a obrigação do réu de indenizar. Por fim, o juiz profere uma sentença fixando a condenação do réu ao pagamento de indenização, cujo valor será apurado em liquidação.

Nesse caso, será necessária a realização de uma liquidação para a apuração do quantum debeatur e, conseqüentemente, para extrair o va­lor, será necessária a comprovação de fatos novos, ou seja, quanto o consumidor gastou com médicos, com remédios, fisioterapia etc.

Assim, denomina-se liquidação por artigos porque o credor em sua petição terá de indicar os fatos que pretende provar - artigo por artigo. Na petição, o credor deverá então arrolar tais fatos (petição ar­ticulada).

Com base no exemplo anterior, poderíamos dizer que o credor fa­ria uma petição e, por itens (ou artigos), faria o arrolamento dos fatos que pretende provar. Por exemplo:

O Autor pretende demonstrar que:1) Teve gastos com o pagamento de honorários médicos no valorde (R$).2) Despendeu o valor de (R$) com fisioterapia.3) Despendeu o valor de (R$) para realizar o conserto do veículo.

Na verdade, ao elaborar a petição de liquidação por artigos, o cre­dor deverá enumerar (de forma articulada) os fatos novos que preten­de provar a fim de obter o valor da condenação.

Apresentada a petição, o juiz abrirá vistas à parte devedora para que possa impugnar ou se defender desses fatos. Pode, inclusive, ocorrer a dilação probatória para a apuração dos fatos narrados pelo credor.

No art. 475-F, há a previsão de que no procedimento da liquidação por artigos o juiz deverá observar, no que couber, o procedimento co­mum (regras do rito sumário ou ordinário), ou seja, garantindo o con­traditório e permitindo a colheita vasta de provas (com audiência, pe­rícias, juntada de documentos etc.).

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5 2 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Ao final, o juiz proferirá a decisão julgando os fatos apresentados pelo credor e fixando o valor da condenação.

2 1 . 4 R e c u r s o C a b í v e l n a L i q u i d a ç ã o

As modalidades de liquidação por artigos e arbitramento consti­tuem procedimento preparatório ao cumprimento da sentença.

Mas, pelo sistema anterior à reforma da Lei n. 11.232/2005, essas duas liquidações tinham natureza de ação, ou seja, começavam com uma petição inicial (pelo art. 282 do CPC), o devedor era citado, havia a dilação probatória e, ao final, o juiz prolatava uma sentença de liqui­dação.

Assim, no sistema antigo, sendo o ato judicial uma sentença, a par­te prejudicada na liquidação poderia se valer do recurso de apelação (que seria recebido no efeito devolutivo, conforme a revogada redação do inc. III art. 520 do CPC).

Com a reforma, essas espécies de liquidação perderam a natureza de ação e passaram a ser consideradas como meros incidentes processuais.

Dessa forma, pelo sistema vigente, ao final da liquidação - apura­do o valor - o juiz proferirá uma decisão interlocutória, cabendo con­tra tal ato o recurso de agravo de instrumento, conforme previsão ex­pressa no art. 475-H do Código de Processo Civil.

mt 2 1 . 4 . 1 L i q u i d a ç ã o n a P e n d ê n c i a d e R e c u r s o

O art. 475-A, em seu § 2o, admite que a liquidação de sentença possa ser realizada durante a pendência de recurso.

Assim, proferida a sentença ou o acórdão ilíquidos, a parte credo­ra, desde logo, poderá requerer perante o juízo competente para o cum­primento da sentença a realização do procedimento de liquidação.

Nesse caso, considerando que a liquidação será processada na ins­tância inferior e os autos serão encaminhados ao tribunal para julga­mento do recurso, o credor requererá a extração das cópias necessárias à formação de novos autos para processamento da liquidação.

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LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA 525

m 2 1 . 4 . 2 C i t a ç ã o d o D e v e d o r n a l i q u i d a ç ã o

A liquidação, como já tratamos, é o procedimento para a obtenção da extensão da obrigação de títulos judiciais, quais sejam, aqueles des­critos no art. 475-N do Código de Processo Civil.

Assim, podem existir títulos que não tenham origem em processo civil, títulos oriundos de processo penal ou de arbitragem.

Nesses dois casos, a liquidação dará início a um novo processo no âmbito civil, situação em que o juiz deverá determinar a citação do devedor para contestar a liquidação.

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C u m p r i m e n t o

d a S e n t e n ç a 22

A sentença do processo de conhecimento é o ato judicial pelo qual o magistrado, como regra, julga a lide e manifesta a vontade do Estado ao caso concreto, isso para impor qual das partes tem razão no conflito. A sentença encerra o pro­cesso no primeiro grau de jurisdição, com ou sem julgamen­to do mérito, nos termos dos arts. 267 e 269 do Código de Processo Civil.

Ao julgar procedente um pedido, portanto encerramen­to do processo com julgamento do mérito (art. 269, I, do CPC), o magistrado profere tutelas condenatórias, declarató- rias ou constitutivas (positivas ou negativas), que, evidente­mente, devem produzir efeitos em relação às partes contra as quais foi prolatada.

O Código de Processo Civil, por sua vez, estabelece m o­dos de cumprimento dessas sentenças que impõem obriga­ções a alguma das partes. Como se verá a seguir, algumas es­pécies de tutela produzem efeito imediatamente, ou seja, as senteças são prolatadas e por si sós produzem efeitos, inde­pendentemente de um procedimento para a sua execução. Outras apenas produzem efeitos após a realização de atos

5 2 7

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5 2 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

processuais que levem o devedor ao adimplemento - como uma exe­cução forçada.

Dessa forma, este capítulo é dedicado ao estudo dos instrumentos e do método processual existente para compelir o devedor ao cumpri­mento da obrigação constante do título judicial. Tal tema está intrin- secamente relacionado à efetivação das sentenças.

2 2 . 1 T í t u l o s J u d i c i a i s

O art. 475-N do Código de Processo Civil estabelece como títulos judiciais:

a) a sentença proferida no processo civil que reconheça a existênciade obrigação de fazer, de não fazer, de entrega de coisa ou de paga­mento de quantia;

O inc. I do art. 475-N trata da sentença condenatória do processo civil, aquela que impõe alguma obrigação de fazer, de não fazer ou de entrega de coisa.

Assim, de início, poderíamos chegar à falsa idéia de que apenas as sentenças condenatórias teriam a natureza de título executivo judicial, não tendo elas a mesma característica das sentenças declaratórias nem das constitutivas.

Na verdade, toda sentença é um título judicial, mas apenas as sen­tenças condenatórias é que dependem de atos processuais executórios para produzir efeito.

As sentenças declaratórias e as constitutivas, como regra, são auto- executáveis ou, ainda, são títulos cuja produção de efeitos é imediata, e não necessitam de atos executórios. Toda sentença produz efeitos, mas apenas as sentenças condenatórias é que dependem de uma execução forçada com método para compelir o devedor ao seu cumprimento.

Quando um juiz profere uma sentença declaratória em ação de investigação de paternidade, essa sentença é título de reconhecimento de um direito e produzirá efeitos na vida prática das pessoas, mas a sua execução independe de atos executórios de uma execução forçada.

b) a sentença penal condenatória transitada em julgado;

Ao transitar em julgado uma sentença penal, o juiz reconhece a ação ou omissão praticada pelo réu e, portanto, faz coisa julgada em

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CUMPRIMENTO DA SENTENÇA 5 2 9

relação ao dever do condenado de arcar com a responsabilização civil de sua conduta (indenização).

A esse respeito, o art. 63 do Código de Processo Penal determina:

Art. 63. Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão

promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do

dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.

Evidentemente, condenado o réu na esfera criminal, não haveria justificativa para se dar início a um novo processo de conhecimento para a apuração da culpa civil, já que tal fato já fora reconhecido no penal. Na verdade, se isso fosse possível, teríamos até mesmo a ofensa à coisa julgada.

Portanto, a vítima, seu representante legal ou os sucessores pode­rão ingressar no juízo civil para executar a sentença penal em relação à indenização devida pelo fato criminoso.

Ressalte-se que a execução apenas poderá ser proposta contra o réu condenado na ação penal, e não contra eventual responsável civil. Por exemplo, vamos imaginar que um empregado pratica um crime de dano enquanto exerce sua atividade. Condenado, a vítima poderá exe­cutar a sentença contra o próprio empregado. No entanto, nos termos da legislação civil, o empregador também é responsável civilmente pe­los danos gerados por seu funcionário.

Nesse exemplo, a sentença apenas poderá ser executada contra o empregado, e caso a vítima deseje cobrar a obrigação do empregador, deverá se valer de nova ação de conhecimento, a fim de lhe garantir todo o contraditório.1

Assim, obtida a sentença penal condenatória, o interessado pro­moverá a sua liquidação no juízo cível competente (liquidação por ar­bitramento ou artigos) e, apurado o valor da indenização, será execu­tada a sentença para compelir o devedor ao pagamento da quantia.2

' "Processual civil. Liquidação de sentença penal condenatória. Responsável civil pelos danos. Ilegitimidade de parte. Carência da ação. A sentença penal condenatória não consti­tui título executivo contra o responsável civil pelos danos decorrentes do ilícito, que não fez parte da relação jurídico-processual, podendo ser ajuizada contra ele ação, pelo processo de conhecimento, tendente à obtenção do título a ser executado. Recurso especial provido." (STJ, REsp n. 343.917/MA, rel. Ministro Castro Filho, Z3/03.11.2003, v.u.)

2 "Processo civil. Recurso especial. Omissão no julgado recorrido. Inexistência. Sentença penal condenatória transitada em julgado. Posterior extinção da punibilidade pela prescrição retroativa. Execução, no juízo cível, do decisum. Possibilidade. Reconhecimento do fato ilíci­to e da autoria mantidos. Título executivo extrajudicial (art. 584, II, do CPC). 1 - Inexiste afron-

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c) a sentença homologatória de conciliação ou de transação, aindaque inclua matéria não posta em juízo;

O art. 475-N, III e V, confere força executiva à sentença homologa­tória de conciliação ou de transação, bem como a qualquer acordo extrajudicial que tenha sido homologado judicialmente.

A conciliação, como sabemos, é modalidade de acordo realizado em juízo, ou seja, as partes, por concessões recíprocas, firmam os ter­mos da composição amigável do conflito. Já a transação é negócio jurí­dico civil (art. 840 do Código Civil)3 que pode ser levado ao processo para ser homologado judicialmente.

Em ambos os casos, uma vez que prevêem a existência de obriga­ções, o acordo homologado judicialmente constitui título executivo judicial.

Nesse ponto, é importante ressaltar que o único requisito para a efi­cácia do título é a homologação judicial, não impondo a lei que a maté­ria prevista no negócio tenha sido objeto de controvérsia judicial.

ta ao art. 535 do CPC quando o v. acórdão impugnado não incorreu em omissão, contradi­ção ou obscuridade. 2 - O reconhecimento da extinção da punibilidade pela prescrição retroa­tiva após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória não afasta a caracterização desta como título executivo no âmbito cível, a ensejar a reparação do dano causado ao ofen­dido. Dispensável é a propositura de ação de conhecimento. Incidência do art. 63 do CPP e do art. 584, II, do CPC. In casu, a sentença penal condenatória transitou em julgado aos 12.12.1988 (comprovada a existência do fato e sua autoria) e a extinção da punibilidade do acusado, em razão da prescrição retroativa, regulada pela pena in concreto, somente foi de­clarada em 07.07.1989. Com a liquidação da sentença condenatória, iniciou-se a ação exe­cutiva, a qual merece prosseguimento. A decretação da extinção da punibilidade não implica o desaparecimento do fato, que ocorreu, causando prejuízos ao ofendido, sendo devido o res­sarcimento. 3 - Precedentes (REsp ns 163.786/SP e 166.107/MG). 4 - Recurso não conhecido." (STJ, REsp n. 722.429/RS, rel. Ministro Jorge Scartezzini, j. 13.09.2005, v.u.)

"Direito civil. Responsabilidade civil. Actio c/W/s exc/e/icto. Indenização por acidente de trânsito. Extinção do processo cível em razão da sentença criminal absolutória que não negou a autoria e a materialidade do fato. Art. 1525, CC. Arts. 65 a 67, CPP. Recurso provido. I - Sentença criminal que, em face da insuficiência de prova da culpabilidade do réu, o absolve sem negar a autoria e a materialidade do fato, não implica a extinção da ação de indeniza­ção por ato ilícito, ajuizada contra a preponente do motorista absolvido. II - A absolvição no crime, por ausência de culpa, não veda a actio civi/is ex deiicto. III - O que o art. 1.525 do Código Civil obsta é que se debata no juízo cível, para efeito de responsabilidade civil, a exis­tência do fato e a sua autoria quando tais questões tiverem sido decididas no juízo criminal." (STJ, REsp n. 257.827/SP, rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 13.09.2000, v.u.)

3 "Art. 840. É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante con­cessões mútuas."

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CUMPRIMENTO DA SENTENÇA 5 3 1

Para a homologação do acordo (seja conciliação, seja transação), o magistrado apenas se limitará à constatação dos requisitos do negócio jurídico (art. 104 do Código Civil). O magistrado não faz análise do mérito ou justiça do acordo. Assim, ele poderá homologar em conci­liação matéria diversa daquela posta em juízo, desde que preencha os requisitos do negócio jurídico.

d) a sentença arbitrai;

A sentença arbitrai decorre da faculdade conferida às partes, nas questões privadas e de direito patrimonial, de submeter a resolução do litígio a um árbitro, afastando com isso a jurisdição do Estado (Lei n. 9.307/96).

Com efeito, a sentença proferida pelo árbitro tem força de título executivo em relação às partes contra as quais foi proferida.

Note-se que o árbitro terá o poder de julgar a lide - suprindo as­sim o processo de conhecimento na esfera judicial - mas não poderá determinar a execução do julgado, já que isso é ato exclusivo de órgãos da jurisdição, que poderão exercer força coercitiva sobre a outra parte para fazer cumprir a obrigação.

e) a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça;

A sentença proferida por órgão de Poder Judiciário de outro Estado soberano poderá ser executada no Brasil, desde que antes seja homolo­gada pelo Superior Tribunal de Justiça, nos termos do art. 483 do Códi­go de Processo Civil (competência dada ao STJ pela EC n. 45/2004).

Nesse caso, havendo a homologação pelo Superior Tribunal de Jus­tiça, por força do disposto no art. 109, X, da Constituição da Repúbli­ca, a sentença homologada será cumprida pelo juiz federal competente.

f) o formal e a certidão de partilha, em relação aos sucessores do fale­cido (inventariante, sucessores a título singular e universal, herdei­ros que participaram do processo).

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5 3 2 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Nos procedimentos de inventário (seja comum, seja pelo rito de arrolamento), ao final da ação, havendo a partilha dos bens do faleci­do, o juiz homologará sua divisão e expedirá uma carta (formal ou cer­tidão) em favor dos sucessores para fazer a prova da titularidade de ca­da bem após a partilha.

Dessa forma, entre as partes que figuraram no processo, o formal ou a certidão de partilha tem força de título executivo judicial, poden­do constar no documento obrigações de entrega de coisa, de fazer ou de pagamento de quantia.

2 2 . 2 R e f o r m a I n t r o d u z i d a

p e l a L e i n . 1 1 . 2 3 2 / 2 0 0 5

O processo de execução foi em grande parte alterado com o adven­to da Lei n. 11.232/2005, que retirou sua autonomia no caso de senten­ças, mantendo-a apenas para os títulos extrajudiciais (art. 585 do CPC).

Pela sistemática original do Código de Processo Civil, todos os títu­los -judiciais ou extrajudiciais - eram executados por meio do proces­so de execução, ou seja, uma modalidade de processo absolutamente autônoma e independente em relação ao processo cautelar e ao proces­so de conhecimento.

Assim, quando transitava em julgado uma sentença ou acórdão no processo de conhecimento, o credor, dentro dos mesmos autos, deve­ria dar início a um novo processo, o de execução. A autonomia proces­sual acarretava o ônus de ter de haver nova petição inicial, nova cita­ção e todos os demais atos de um processo autônomo e independente.

Com a reforma, a execução de sentenças (títulos judiciais) deixou de ser um processo para se tornar mera fase do próprio processo de conhecimento.

A autonomia da execução já vinha perdendo força com as refor­mas processuais, uma vez que, quando da alteração no art. 461 (dada pela Lei n. 8.952/94) e da inserção do art. 461-A (pela Lei n. 10.444/ 2002), as execuções de sentenças que continham obrigações de fazer, de não fazer ou de entrega de coisa já não eram tratadas como espécies de processos de execução, mas simplesmente uma fase executória do processo de conhecimento.

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CUMPRIMENTO DA SENTENÇA 5 3 3

O mesmo existia no âmbito dos Juizados Especiais, nos termos da Lei n. 9.099/95, nos quais a sentença era executada diretamente após o trânsito em julgado.

Assim, pela nova sistemática do Código de Processo Civil, pode­mos incluir a execução, agora denominada cumprimento da sentença, como mera fase do processo cognitivo.

Fase Fase Fase Fase Fase Fase dopostulatória saneadora instrutória decisória recursal cumprimento

da sentença

Pelo sistema introduzido pela Lei n. 11.232/2005, as execuções dos títulos judiciais, como regra, serão diretas, sem a necessidade de um processo autônomo de execução para que a obrigação seja satisfeita.

Ressalte-se que as execuções de quantia contra as Fazendas Públi­cas (art. 730 do CPC) ou contra o devedor de alimentos pelo rito que prevê a prisão do devedor (art. 733 do CPC) continuam na forma an­terior, já que a Lei n. 11.232/2005 não alterou tais procedimentos quan­to à sua natureza de ação.

2 2 . 3 M o d o s d e C u m p r i m e n t o d a s S e n t e n ç a s

O modo de cumprimento da sentença dependerá da espécie de obrigação prevista no título:

a) obrigação de fazer ou de não fazer - cumprimento pelo disposto no art. 461 do Código de Processo Civil;

b) obrigação de entrega de coisa - cumprimento pelo disposto no art. 461-A do Código de Processo Civil;

c) obrigação de quantia certa - cumprimento da sentença na forma do disposto no art. 475-N do Código de Processo Civil. Por sua vez, o art. 475-R afirma que se aplicam ao cumprimento da sen­tença, subsidiariamente e no que couber, as regras do processo de execução de títulos extrajudiciais.

Na verdade, desde logo, devemos esclarecer que apenas a execução de quantia certa contra devedor solvente, dos títulos judiciais, é que so­

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5 3 4 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

freu alteração pela Lei n. 11.232/2005, sendo certo que a execução con­tra a Fazenda Pública (prevista no art. 730 do CPC) e a execução de ali­mentos pelo rito da prisão (conforme art. 733 do CPC), mesmo se tra­tando de execução de títulos judiciais, continuam a ser praticadas na forma original estabelecida pelo Código de Processo Civil, ou seja, com a autonomia do processo de execução.

Em relação às obrigações de fazer, de não fazer e de entrega de coi­sa, os arts. 461 e 461-A estabelecem que, quando o juiz prolatar uma sentença que as contenha, deverá ele, mesmo ex officio, impor ao deve­dor uma tutela específica capaz de garantir o adimplemento da obri­gação in natura (tema tratado no tópico 20.1.5. - Tutelas específicas das obrigações de fazer e não fazer).

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obri­gação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providên­cias que assegurem o resultado prático equivalente ao do adim­plemento.(...)§ 5o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resul­tado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requeri­mento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de ativi­dade nociva, se necessário com requisição de força policial.Art. 461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumpri­mento da obrigação.

22.4 EXECUÇÃO PROVISÓRIA E EXECUÇÃO

D e f i n i t i v a d o J u l g a d o

O cumprimento da sentença poderá ser:

a) definitivo;b) provisório.

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CUMPRIMENTO DA SENTENÇA 5 3 5

A execução definitiva é aquela fundada em título judicial transita­do em julgado (§ Io do art. 475-1 do CPC).

Por outro lado, a execução provisória ocorrerá quando o título ju ­dicial estiver pendente de recurso recebido apenas no efeito devolutivo.

Como sabemos, os recursos podem receber o chamado efeito sus­pensivo e, nesse caso, ele impedirá que o título judicial produza des­dobramentos até que o recurso seja julgado. No entanto, não haven­do o efeito suspensivo (recurso recebido apenas no efeito devolutivo), o credor poderá, desde logo, iniciar o cumprimento da sentença ou do acórdão.

A execução provisória - fundada em título não transitado em jul­gado - é processada por conta e risco do credor exeqüente, já que, ha­vendo a modificação do título, fica o credor responsável por indenizar a parte prejudicada pela execução provisória (art. 4 7 5 -0 ,1, do CPC).

Além disso, considerando a possibilidade de invalidação do título (pela reforma ou anulação do recurso que está pendente de julgamen­to), a alienação de bens ou o levantamento de quantias do devedor exe­cutado dependerão da apresentação de caução pelo credor exeqüente. Tal caução servirá como garantia de indenização ao devedor, caso a exe­cução fique inexistente em razão do julgamento do recurso pendente.

A caução, no entanto, poderá ser dispensada nas seguintes situa­ções (art. 475-0, § 2o, do CPC):

a) nas hipóteses de crédito de natureza alimentar ou decorrentes de ato ilícito, até o limite de sessenta vezes o valor do salário mínimo, se o credor exeqüente demonstrar situação de necessidade;

b) nos casos de execução provisória em que penda agravo de instru­mento interposto contra a decisão denegatória de recurso extraor­dinário (no Supremo Tribunal Federal) ou recurso especial (no Superior Tribunal de Justiça), nos termos do art. 544 do Código de Processo Civil, salvo quando da dispensa possa manifestamente resultar risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação.

Por uma questão prática, considerando que os autos do processo possam estar nos tribunais para julgamento do recurso e, por outro la­do, a execução deva ser processada na primeira instância, a execução provisória dependerá muitas vezes da extração da carta de sentença.

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5 3 6 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Como sabemos, para o julgamento do recurso pendente (já que a execução é provisória), os autos serão encaminhados para o tribunal, mas a execução deverá ocorrer na primeira instância. Assim, para per­mitir a execução provisória, o credor necessitará da formação de novos autos (pela carta de sentença).

A formação da carta requererá a extração de cópias do processo, nos termos do art. 475-0, § 3o, do Código de Processo Civil. As cópias serão apresentadas pelo próprio advogado do credor, que poderá in­clusive atestar sua autenticidade.

Evidentemente, quando os autos retornarem à primeira instância, mesmo havendo a pendência de recurso - como é o caso do agravo do art. 544 do CPC - não existirá a necessidade da extração da carta, sen­do a execução provisória realizada dentro dos próprios autos.

2 2 . 5 C u m p r i m e n t o d a s S e n t e n ç a s

d e Q u a n t i a

2 2 . 5 . 1 C o m p e t ê n c i a J u r i s d i c i o n a l

P A R A O C U M P R I M E N T O DA S E N T E N Ç A

O cumprimento da sentença, como já tratamos, é uma fase do pro­cesso de conhecimento. O cumprimento é um atributo que decorre do próprio título dentro do processo em que foi proferido.

Duas questões surgem ao tratar da competência para o cumpri­mento das sentenças: qual o juízo e qual o foro.

Em relação ao órgão jurisdicional, a regra geral é que o cumpri­mento se dê no juízo cível em que a ação teve início. Ou seja, se a ação de conhecimento teve início na primeira instância, o cumprimento se dará no mesmo órgão (art. 475-P, II, do CPC); se a ação foi de compe­tência originária do tribunal, como uma ação rescisória, o cumprimen­to será realizado no próprio tribunal (art. 475-P, I, do CPC).

Note-se que, mesmo se tratando de cumprimento de acórdãos (por exemplo, um acórdão proferido em sede de apelação), se a ação teve início na primeira instância, lá se dará o seu cumprimento. A execução

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CUMPRIMENTO DA SENTENÇA 5 3 7

apenas será realizada nos tribunais quando se tratar de competência originária da segunda instância ou dos tribunais superiores.

Em relação ao foro (local), não haveria grande dificuldade em sua definição, já que o cumprimento será realizado nos mesmos autos da ação de conhecimento e, portanto, a competência de local já estaria definida.

No entanto, a reforma da Lei n. 11.232/2005 inovou para permitir a modificação da competência (de local) na fase do cumprimento da sentença. O processo correrá em um local durante o conhecimento e, quando do cumprimento, poderá ser remetido para outro. Note-se que a modificação é apenas de foro (local). Tal regra se encontra prevista no parágrafo único do mencionado art. 475-P, permitindo que, nos casos de competência executória da primeira instância (inc. II do arti­go), o credor exeqüente requeira ao juiz de origem a remessa dos autos ao juízo do local onde se encontrarem os bens sujeitos à execução ou do atual domicílio do devedor.

A modificação da competência aqui visa a permitir a celeridade processual, já que, se o cumprimento da sentença ocorrer no local em que se encontrem os bens objetos da expropriação ou do novo endere­ço do devedor, serão evitadas as cartas precatórias necessárias para a realização dos atos fora da comarca.

Por outro lado, a regra geral de competência anteriormente estabe­lecida não se aplica aos títulos oriundos de outros juízos, como ocorre com a sentença arbitrai, a sentença penal condenatória ou a sentença estrangeira.

Nesses casos, será observada a seguinte regra (art. 475-P, III, do CPC):

a) sentença arbitrai ou sentença penal condenatória: o cumprimento se dará no juízo cível competente segundo as regras gerais de com­petência, ou seja, haverá livre distribuição para o juízo cível do lo­cal de cumprimento da obrigação (art. 100, d, do CPC) ou, na falta deste, no local de domicílio do devedor (art. 94 do CPC);

b) sentença estrangeira: após homologada pelo Superior Tribunal de Justiça, a sentença estrangeira será executada pelo Juízo Federal (art. 109 da Constituição da República) do local de cumprimento da obrigação (art. 100, d, do CPC) ou, na falta deste, no local de domicílio do devedor (art. 94 do CPC).

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5 3 8 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

Note-se que, em ambos os casos, não havia anterior processo no juízo cível, razão pela qual haverá a necessidade de definição de nova competência quando do requerimento da execução.

2 2 . 5 . 2 C u m p r i m e n t o V o l u n t á r i o

A execução de título judicial, como já tratamos, perdeu a autono­mia de ação, recebendo o status de mera fase procedimental do proces­so de conhecimento.

Assim, estando o título pronto para execução - seja com o trânsi­to em julgado, seja após a extração da carta de sentença na hipótese de execução provisória - , a parte devedora terá o prazo de quinze dias pa­ra cumprir voluntariamente a obrigação constante no título judicial.

A Lei n. 11.232/2005, ao modificar o processo executório de títulos judiciais, foi omissa em relação ao termo inicial desse prazo para cumpri­mento voluntário, dizendo tão-somente que, caso o devedor não cumpra a obrigação no prazo de quinze dias, o valor será acrescido de multa.

Grande controvérsia se estabeleceu na doutrina em relação ao termo inicial desse prazo de 15 dias.

Alguns autores, entre eles Humberto Theodoro Júnior,4 afirmam que o prazo corre independentemente de intimação da parte devedora, ou seja, estando o título judicial em condições de exigibilidade (seja pe­lo trânsito em julgado ou pela inexistência de efeito suspensivo no re­curso, permitindo a execução provisória), compete ao devedor pagar espontaneamente no prazo de 15 dias, sob pena de sofrer a multa legal.

Para outra corrente doutrinária, dentre os quais podemos citar Daniel Amorim Assumpção Neves,5 o início da contagem do prazo sem a prévia intimação do devedor é inovação ou interpretação que não condiz com a realidade processual. A esse respeito, o professor Daniel explica:

É exatamente nesse momento que se percebe que a celeridade pre­tendida pelo legislador ou pelo intérprete das lei deve manter os pés no chão, lembrando-se sempre da praxe forense e das dificuldades geradas na aplicação prática das normas processuais.

4 Curso de direito processual civil, v. II.5 Reforma do CPC, p. 211-8.

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CUMPRIMENTO DA SENTENÇA 539

De fato, entendemos correta a interpretação dada pelo professor Daniel, já que, na prática, afirmar que o prazo para o cumprimento da sentença se dará sem a prévia intimação do devedor, conduzirá à situa­ção em que essa parte ficará em extrema desvantagem processual.

Devemos lembrar que, muitas vezes, o trânsito em julgado ou o ter­mo inicial de exigibilidade da sentença terá início nos tribunais, locais em que a parte devedora não tem acesso aos autos para fazer o paga­mento. E pior, o pagamento (com o depósito em juízo da quantia) de­verá ser realizada na primeira instância.

Pergunta-se, então, estando os autos no tribunal (ou em trânsito pa­ra as instâncias inferiores), como o devedor cumprirá o prazo de 15 dias?

Evidentemente, existirá nesse caso uma impossibilidade prática de cumprimento espontâneo, razão pela qual, estando os autos na instân­cia inferior ou extraída a carta de sentença (para a execução provisória), o devedor deverá ser intimado, mesmo na pessoa de seu advogado ou representante legal, para que se possa dar início ao prazo de 15 dias para cumprimento voluntário do título.

Não podemos exigir do devedor que realize a extração de carta de sentença para fazer o pagamento voluntário do título ainda sem o trân­sito em julgado. Mesmo porque, a mera extração da carta de sentença, como sabemos da prática, superaria o prazo de 15 dias.

Não seria exigir demais que, estando o título em condições de cum ­primento, o magistrado proferisse (na carta de sentença extraída pelo credor ou nos autos do processo transitado em julgado) um despacho de “cumpra-se”, como já ocorre hoje na prática, afim de que tal ato seja o marco do curso do prazo de 15 dias para o cumprimento voluntário.

E mais, a elaboração da memória de cálculo compete ao credor, não podendo ser exigido do devedor o título sem que antes a parte credora apresente a memória com o valor que pretende receber.

A interpretação que se dá pela dispensa da intimação leva ao absur­do de permitir que o devedor venha a perder o prazo para o cumprimen­to voluntário da sentença sem que ele tenha conhecimento do termo ini­cial desse prazo, bem como desconheça o valor exato a ser cumprido, o que, sem dúvida e no mínimo, violaria a rozoabilidade e a isonomia entre as partes do processo.

Assim, repita-se entendemos que o início do prazo depende da in­timação da parte devedora, pelo menos com um despacho de “cumpra-

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5 4 0 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DARLAN BARROSO

se” publicado no órgão de imprensa (intimação na pessoa do advoga­do). Sem a intimação do devedor para dar cumprimento, não temos o termo inicial para o cumprimento voluntário do julgado e posterior aplicação da multa. Mas, ressaltamos que final e última palavra a esse respeito ficará ainda a cargo da jurisprudência e, em especial, das deci­sões do Superior Tribunal de Justiça, a quem compete a interpretação infraconstitucional em jurisdição comum.

Em relação aos títulos oriundos de outros juízos - sentença arbi­trai, sentença penal condenatória e sentença estrangeira - , a intimação para o cumprimento deverá incluir ordem de citação, já que, nesses casos, o credor estará dando início a novo processo.

m 2 2 . 5 . 3 E f e i t o s d o n ã o C u m p r i m e n t o V o l u n t á r i o

Caso o devedor executado não realize o pagamento no prazo de quinze dias, sobre o valor da execução será acrescida a multa de 10% (dez por cento).

Agora, competirá ao credor elaborar a memória de cálculo - nos termos do art. 475-B do Código de Processo Civil - com o valor atua­lizado e acrescido de eventuais juros até a data do requerimento de execução, solicitando a expedição de mandado de penhora dos bens do executado e avaliação pelo próprio oficial de justiça.

Assim, o oficial de justiça realizará a penhora dos bens do devedor - observando as regras de impenhorabilidade e ordem dos arts. 649, 650 e 655, todos do Código de Processo Civil - e, imediatamente, rea­lizará a avaliação dos bens, salvo se não tiver conhecimentos específi­cos para isso.

A avaliação consiste no ato de atribuir valor aos bens, ato que po­derá ser realizado de plano pelo oficial de justiça. No entanto, caso a valoração do bem dependa de conhecimento específico, o juiz poderá designar perito para o arbitramento.

Realizada a penhora e a avaliação, o devedor será intimado do ato na pessoa de seu advogado ou, na falta deste, será intimado pessoal­mente (ou pelo representante legal) por correio ou mandado.

Da intimação da penhora (certidão nos autos ou juntada do m an­dado), o devedor terá o prazo de quinze dias para a apresentação de impugnação contra a execução.

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CUMPRIMENTO DA SENTENÇA 541

m 2 2 . 5 . 4 I m p u g n a ç ã o c o n t r a o C u m p r i m e n t o

d a s e n t e n ç a

A reforma da Lei n. 11.232/2005 trouxe grande modificação em re­lação ao modo de defesa do devedor no processo de execução. No siste­ma antigo do Código de Processo Civil, o devedor poderia se defender contra a execução valendo-se de uma outra ação, a ação de embargos do devedor.

No sistema atual, pelo fato de a execução não ter natureza de ação, também não se justificaria a manutenção da autonomia para a defesa do devedor (ação de embargos do devedor). Pelo disposto no art. 475-J, § Io, do Código de Processo Civil, o devedor poderá se defender contra o cum­primento da sentença por meio de impugnação.

Na sistemática anterior, a defesa do executado dependeria do ofe­recimento de prévia segurança do juízo (com a penhora ou o depósi­to do dinheiro) como requisito de admissão dos embargos à execução. No entanto, o novo regramento é omisso em relação a tal requisito.

O artigo 475-R determina a aplicação subsidiária das regras do processo de execução ao cumprimento das sentenças.

Com a reforma introduzida pela Lei n. 11.382/2006, alterou-se o art. 736 do CPC para autorizar a defesa do executado contra o proces­so de execução mesmo sem a prévia penhora (ou quantia do juízo).

Agora resta a dúvida: a impugnação ao cumprimento da sentença depende da prévia segurança do juízo com penhora ou depósito?

Na verdade, pela redação do § Io do art. 475-1, podemos chegar a uma primeira idéia de que a impugnação apenas terá cabimento após a penhora. A redação do referido artigo é clara em afirmar que o início do prazo de 15 dias se dará da intimação do executado da penhora.

Todavia, ficará a cargo da jurisprudência conciliar o conflito exis­tente entre os artigos mencionados.

Matérias que podem ser alegadas na impugnação

Por outro lado, também considerando que o devedor já teve am ­pla oportunidade de defesa durante o processo de conhecimento, a lei

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processual limita a defesa ao cumprimento da sentença aos seguintesmotivos:

a) falta ou nulidade de citação do devedor no processo de conheci­mento, quando este correu à revelia;6

b) inexigibilidade do título;c) penhora incorreta ou avaliação errônea;

O devedor poderá impugnar para alegar, por exemplo, que a pe­nhora recaiu sobre bem impenhorável, ou ainda sobre bens de ter­ceiros. Além disso, poderá também alegar erro na avaliação do bem.

d) ilegitimidade das partes;e) excesso de execução;

O excesso de execução está relacionado com o erro na memória de cálculo apresentada pelo credor exeqüente. Assim, entendendo o devedor que a execução está sendo realizada por valor superior ao do débito constante do título, poderá impugnar apresentando o va­lor que entende correto (§ 2o do art. 475-L do CPC). Caso o deve­dor impugne e deixe de apresentar as suas contas, o juiz deverá rejei­tar a impugnação liminarmente.

f) qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescri­ção, desde que superveniente à sentença.O § Io do art. 475-L afirma que eqüivale também à causa de ine­xigibilidade o título que estiver fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou de ato normati­vo tidos pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.

6 Trata-se de questão de ordem pública que, a princípio, admite o conhecimento de ofí­cio ou pode ser apresentada pelas partes a qualquer momento. Por tais razões entendemos que o devedor poderá alegar a falta de citação no processo de conhecimento por meio de objeção de pré-executividade. 0 mesmo se aplica ao disposto no item "c" (ilegitimidade de partes). Tal tema será tratado no capítulo destinado às defesas do executado, no volume II.

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CUMPRIMENTO DA SENTENÇA 5 4 3

Na verdade, o § Io retira a exigibilidade do título - desconstituin- do até mesmo a coisa julgada - se ele estiver em desconformidade com a decisão do Supremo Tribunal Federal nas ações de controle direto da constitucionalidade (ADIN, ADC ou ADPF).

| Efeito da impugnação

No sistema anterior à reforma, os embargos - mesmo quando rela­tivos a títulos judiciais - eram recebidos pelo magistrado e automatica­mente geravam a suspensão da execução em relação à parte embargada.

Agora, o art. 475-M é expresso em determinar que a apresentação da impugnação, como regra, não gera a suspensão da execução, ou se­ja, mesmo que o devedor impugne o cumprimento da sentença, o pro­cedimento continuará seu curso normal.

No entanto, em casos excepcionais, o magistrado poderá conferir o efeito suspensivo à impugnação. O referido artigo autoriza a conces­são do efeito suspensivo se estiverem presentes, cumulativamente, os seguintes requisitos:

a) fundamento relevante;b) perigo de dano irreparável ou de difícil reparação ao devedor.

Parece-nos que, pela redação do art. 475-M, o juiz exercerá o po­der geral de cautela e, sendo plausível a alegação da impugnação e su­pondo que o prosseguimento do processo gere grave prejuízo ao deve­dor, poderá suspender a execução até o julgamento da impugnação.

Vamos imaginar que na impugnação o devedor junte um compro­vante de pagamento realizado após a sentença. Ora, nesse caso é relevan­te o argumento lançado na defesa e, por outro lado, o prosseguimento da execução poderá acarretar ao devedor o prejuízo da alienação de seus bens.

Nesses casos, excepcionalmente, o magistrado poderá conceder o efeito suspensivo à impugnação.

Mas o § Io afirma que, ainda que o magistrado tenha atribuído efeito suspensivo à impugnação, o exeqüente poderá requerer o pros­seguimento da execução, oferecendo e prestando caução suficiente e idônea, arbitrada pelo juiz e prestada nos próprios autos.

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Processamento e julgamento da impugnação

Havendo o deferimento do efeito suspensivo à execução, o julga­mento da impugnação será realizado nos próprios autos, mas, por ou­tro lado, negado o referido efeito, para não tumultuar o andamento da execução, o juiz deverá mandar autuar a impugnação em apartado.

Assim, recebida a impugnação pelo magistrado, será aberta vistas à parte contrária para, no mesmo prazo, poder responder à impugna­ção e, sendo necessária a instrução (como a realização de perícia con­tábil etc.), o magistrado determinará a realização das provas necessá­rias, para que ao final possa proferir o julgamento.

Agora nos resta saber qual a natureza do ato judicial que julgará a impugnação: se sentença ou decisão interlocutória.

A resposta, como sempre, será: depende.Se o pronunciamento judicial na impugnação importar em extin­

ção da execução, estaremos diante de uma sentença e, portanto, o re­curso cabível será o de apelação (art. 513 do CPC).

Por outro lado, caso o ato determine o prosseguimento da execu­ção (cumprimento da sentença), estaremos diante de uma decisão in­terlocutória e, conseqüentemente, o recurso cabível será o de agravo de instrumento (art. 522 do CPC).

Dessa forma, nos termos do art. 475-J do Código de Processo Civil, podemos resumir da seguinte maneira o procedimento executó- rio de sentenças:

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