Manuel

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A partir da obra «Felizmente Há Luar» de Luís de Sttau Monteiro I I I I ILUSTRAÇÕES MÓNICA COSTA N O V 2 0 1 1

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Ilustrações Monica Costa a partir da obra "Felizmente Há Luar" de Luís de Sttau Monteiro

Transcript of Manuel

Page 1: Manuel

A partir da obra «Felizmente Há Luar»

de Luís de Sttau Monteiro

II I I

ILUSTRAÇÕESMÓNICA COSTA

NOV

2011

Page 2: Manuel

Nasceu em Lisboa, em 3 de Abril de 1926.Aos 13 anos foi viver para Londres, onde seu pai desempenhava as funções de embaixador. O tempo que aí passou terá condicionado muitos aspectos da sua formação estética e literária.Nesses anos, viveu de perto a tragédia da Segunda Guerra Mundial.De regresso a Portugal, licenciou-se em Direito pela Universidade de Lisboa, tendo exercido, por um breve período de tempo, aadvocacia.Publicou o seu primeiro romance em 1960, Um Homem Não Chora.Em 1961, publica-se Angústia para o Jantar, que o colocou desde logo, num lugar de relevo no panorama da literatura portuguesa.

Desse mesmo ano é também a peça Felizmente Há Luar!, que revelou um dos mais notáveis dramaturgos das nossas letras.Foi-lhe atribuído, em 1962, o “Grande Prémio de Teatro”.Por várias vezes, foi preso pela PIDE, devido ao cunho irreverente que impôs à sua obra.Fez parte do conselho redactorial de “A Mosca”, suplemento do Diário de Lisboa, onde se celebrizou pela criação da irreverente figura da Guidinha.Trabalhou em publicidade e escreveu, também, sobre gastronomia, com o pseudónimo de Manuel Pedrosa.Foi jornalista e colaborador regular de várias publicações – Diário de Lisboa, Se7e, O Jornal, Expresso.

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Nasceu em Lisboa, em 3 de Abril de 1926.Aos 13 anos foi viver para Londres, onde seu pai desempenhava as funções de embaixador. O tempo que aí passou terá condicionado muitos aspectos da sua formação estética e literária.Nesses anos, viveu de perto a tragédia da Segunda Guerra Mundial.De regresso a Portugal, licenciou-se em Direito pela Universidade de Lisboa, tendo exercido, por um breve período de tempo, aadvocacia.Publicou o seu primeiro romance em 1960, Um Homem Não Chora.Em 1961, publica-se Angústia para o Jantar, que o colocou desde logo, num lugar de relevo no panorama da literatura portuguesa.

Desse mesmo ano é também a peça Felizmente Há Luar!, que revelou um dos mais notáveis dramaturgos das nossas letras.Foi-lhe atribuído, em 1962, o “Grande Prémio de Teatro”.Por várias vezes, foi preso pela PIDE, devido ao cunho irreverente que impôs à sua obra.Fez parte do conselho redactorial de “A Mosca”, suplemento do Diário de Lisboa, onde se celebrizou pela criação da irreverente figura da Guidinha.Trabalhou em publicidade e escreveu, também, sobre gastronomia, com o pseudónimo de Manuel Pedrosa.Foi jornalista e colaborador regular de várias publicações – Diário de Lisboa, Se7e, O Jornal, Expresso.

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MANUEL

Mas nós passamos a vida inteira a ir ter convosco porque também não temos a quem recorrer! E que nos dão, senhores, que nos dão quando

lhe batemos às portas no Inverno, com os filhos embrulhados em trapos, tão cheios duma fome que o pão, só por si, não satisfaz?

Cinco réis, senhores! Dão-nos cinco réis ou dizem-nos que tenhamos paciência!

Rita!

Dá isto à Sr.ª D. Matilde e manda-a embora. Se ela voltar, diz-lhe que tenha paciência. Não queremos pobres à nossa porta!

Quando precisamos deles, dão-nos cinco réis! Quando precisam de nós, pedem-nos a vida!

Se há guerra, se temos o inimigo à porta – “Aqui d'el rei” que a terra é de todos e todos a temos que defender, mas batido o inimigo, chegada a

época das colheitas, quando se trata de comer os frutos da tal terra que é de todos, então não! Então a terra já é só deles!

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Mas nós passamos a vida inteira a ir ter convosco porque também não temos a quem recorrer! E que nos dão, senhores, que nos dão quando

lhe batemos às portas no Inverno, com os filhos embrulhados em trapos, tão cheios duma fome que o pão, só por si, não satisfaz?

Cinco réis, senhores! Dão-nos cinco réis ou dizem-nos que tenhamos paciência!

Rita!

Dá isto à Sr.ª D. Matilde e manda-a embora. Se ela voltar, diz-lhe que tenha paciência. Não queremos pobres à nossa porta!

Quando precisamos deles, dão-nos cinco réis! Quando precisam de nós, pedem-nos a vida!

Se há guerra, se temos o inimigo à porta – “Aqui d'el rei” que a terra é de todos e todos a temos que defender, mas batido o inimigo, chegada a

época das colheitas, quando se trata de comer os frutos da tal terra que é de todos, então não! Então a terra já é só deles!

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MANUEL

Uma esmola por alma de quem lá tem, meu senhor…Também sou homem, também tenho fome, filhos que queria ver homens,

olhos para ver o luar, voz paradizer o que sinto, costas que morro a vergar… Uma esmola por alma de

quem lá tem, senhor…

Tome lá cinco réis, homenzinho, e cale-se.Não me toque! Estenda a mão… vá! E deixe-se de lamúrias! Não é

preciso que me ensine os meus deveres de cristão; eu amo o próximo como a mim mesmo.

Afaste-se! Deixe-me passar.

Muito obrigado, meu senhor!

Muito obrigado, meu senhor, pelo favor de me amardes como a vós mesmo.

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Uma esmola por alma de quem lá tem, meu senhor…Também sou homem, também tenho fome, filhos que queria ver homens,

olhos para ver o luar, voz paradizer o que sinto, costas que morro a vergar… Uma esmola por alma de

quem lá tem, senhor…

Tome lá cinco réis, homenzinho, e cale-se.Não me toque! Estenda a mão… vá! E deixe-se de lamúrias! Não é

preciso que me ensine os meus deveres de cristão; eu amo o próximo como a mim mesmo.

Afaste-se! Deixe-me passar.

Muito obrigado, meu senhor!

Muito obrigado, meu senhor, pelo favor de me amardes como a vós mesmo.

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MANUEL

Estrangeirado ou não, é capaz de se bater com os senhores do Rossio…

Ah! Senhora, se o general estivesse esta noite aqui, levava-nos com ele até ao fim do mundo!

Que estranho exército não formaríamos! Rotos, coxos, sem armas e sem tambores, a abarrotar de fé, deixaríamos atrás de nós um rasto de

sangue que nem as chuvas do Invernos lavariam das estradas: um rasto do nosso próprio sangue, senhora, do sangue das nossas feridas, dos

nossos pés cansados, das nossas almas vazias…

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Estrangeirado ou não, é capaz de se bater com os senhores do Rossio…

Ah! Senhora, se o general estivesse esta noite aqui, levava-nos com ele até ao fim do mundo!

Que estranho exército não formaríamos! Rotos, coxos, sem armas e sem tambores, a abarrotar de fé, deixaríamos atrás de nós um rasto de

sangue que nem as chuvas do Invernos lavariam das estradas: um rasto do nosso próprio sangue, senhora, do sangue das nossas feridas, dos

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Que posso eu fazer? Sim, que posso eu fazer?

Sempre que há uma esperança os tambores abafam-lhe a voz... Sempre que alguém grita os sinos tocam a rebate...

E cai-nos tudo em cima: o rei, a polícia, a fome...

Até Deus!

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Que posso eu fazer? Sim, que posso eu fazer?

Sempre que há uma esperança os tambores abafam-lhe a voz... Sempre que alguém grita os sinos tocam a rebate...

E cai-nos tudo em cima: o rei, a polícia, a fome...

Até Deus!

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Perguntou-nos há pouco, o que íamos fazer para libertar o general…Insinuou mesmo que éramos responsáveis pela sua prisão, já que

tínhamos fé nele…Olhe para nós Sr.ª D. Matilde. Abra bem os olhos e veja quem somos e

ao que estamos reduzidos.

Este é tão doente que não pode pedir na rua… Para se aguentar de pé, tem de se encostar a uma parede…

Este tem dois cepos em vez de braços…

São a sua fortuna… Ganha o pão exibindo-se, em chaga, pelas feiras…

Há aqui quem faça de parvo para fazer rir os outros…

Sabemos, desde miúdos, que a doença, a miséria e a dor fazem rir os mais afortunados…

(...)

Desculpe o modo como a tratei.A senhora não merece as palavras que proferi, mas eu também não

mereço tê-las proferido…Veja como andamos ambos perdidos e afastados do que somos e do que

deveríamos ser!

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Perguntou-nos há pouco, o que íamos fazer para libertar o general…Insinuou mesmo que éramos responsáveis pela sua prisão, já que

tínhamos fé nele…Olhe para nós Sr.ª D. Matilde. Abra bem os olhos e veja quem somos e

ao que estamos reduzidos.

Este é tão doente que não pode pedir na rua… Para se aguentar de pé, tem de se encostar a uma parede…

Este tem dois cepos em vez de braços…

São a sua fortuna… Ganha o pão exibindo-se, em chaga, pelas feiras…

Há aqui quem faça de parvo para fazer rir os outros…

Sabemos, desde miúdos, que a doença, a miséria e a dor fazem rir os mais afortunados…

(...)

Desculpe o modo como a tratei.A senhora não merece as palavras que proferi, mas eu também não

mereço tê-las proferido…Veja como andamos ambos perdidos e afastados do que somos e do que

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MANUEL

Que posso eu fazer? Sim: que posso eu fazer?

Vê-se a gente livre dos Franceses, e Zás!, cai na mão dos Ingleses!E agora? Se acabamos com os Ingleses, ficamos na mão dos reis do

Rossio...

Entre os três o diabo que escolha...

Deus todo-poderoso para a frente... Deus todo-poderoso para trás... Sua Majestade para a esquerda... Sua Majestade para a direita...

E enquanto eles andam para trás e para a frente, para a esquerda e para a direita, nós não passamos do mesmo sítio!

MANUEL

Mas o general está preso em S. Julião da Barra e nós… estamos presos à nossa miséria, ao nosso medo, à nossa ignorância…

Não a podemos ajudar, senhora. Deus não nos deu nozes e os homens tiraram-nos os dentes…

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Que posso eu fazer? Sim: que posso eu fazer?

Vê-se a gente livre dos Franceses, e Zás!, cai na mão dos Ingleses!E agora? Se acabamos com os Ingleses, ficamos na mão dos reis do

Rossio...

Entre os três o diabo que escolha...

Deus todo-poderoso para a frente... Deus todo-poderoso para trás... Sua Majestade para a esquerda... Sua Majestade para a direita...

E enquanto eles andam para trás e para a frente, para a esquerda e para a direita, nós não passamos do mesmo sítio!

MANUEL

Mas o general está preso em S. Julião da Barra e nós… estamos presos à nossa miséria, ao nosso medo, à nossa ignorância…

Não a podemos ajudar, senhora. Deus não nos deu nozes e os homens tiraram-nos os dentes…

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E ficamos pior do que estávamos... Se tínhamos fome e esperança, ficamos só com fome... Se, durante uns tempos, acreditámos em nós

próprios, voltamos a não acreditar em nada...

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E ficamos pior do que estávamos... Se tínhamos fome e esperança, ficamos só com fome... Se, durante uns tempos, acreditámos em nós

próprios, voltamos a não acreditar em nada...

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Page 18: Manuel

Nota Biobibliográfica..........................................................

Consciente...........................................................................

Corajoso...............................................................................

Esperança............................................................................

Opressão..............................................................................

Humilde................................................................................

Impotência...........................................................................

Metáfora...............................................................................

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Nota Biobibliográfica..........................................................

Consciente...........................................................................

Corajoso...............................................................................

Esperança............................................................................

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Humilde................................................................................

Impotência...........................................................................

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símbolo do povo oprimido e esmagado. Tem consciênciada injustiça em que vive e sabe que é um simples brinquedo

nas mãos dos poderosos, mas sente-se impotentepara alterar a situação. Simnoliza também a falta

de esperança, a desilusão, a frustração de toda uma legião de miseráveis face à quase impossibilidade de mudança da situação opressiva

da vida.

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