Manuel Castells

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Manuel Castells: “A mudança está na cabeça das pessoas” O sociólogo espanhol, especialista em movimentos em rede, diz que os protestos no Brasil e no mundo criam um novo espaço público – e rompem com a política tradicional LUÍS ANTÔNIO GIRON 11/10/2013 07h00 - Atualizado em 11/10/2013 18h35 Kindle inShare 6 O sociólogo espanhol Manuel Castells (Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA) Quando o sociólogo espanhol Manuel Castells desembarcou em São Paulo, no início de junho, para participar da série Fronteiras do Pensamento, os protestos contra o governo e os políticos estavam se intensificando em todo o Brasil. Parecia coincidência. Castells, de 71 anos, professor de Comunicação

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Manuel Castells: A mudana est na cabea das pessoasO socilogo espanhol, especialista em movimentos em rede, diz que os protestos no Brasil e no mundo criam um novo espao pblico e rompem com a poltica tradicionalLUS ANTNIO GIRON11/10/2013 07h00- Atualizado em11/10/2013 18h35KindleinShare6O socilogo espanhol Manuel Castells (Foto: Filipe Redondo/POCA)Quando o socilogo espanhol Manuel Castells desembarcou em So Paulo, no incio de junho, para participar da srie Fronteiras do Pensamento, os protestos contra o governo e os polticos estavam se intensificando em todo o Brasil. Parecia coincidncia. Castells, de 71 anos, professor de Comunicao da Universidade do Sul da Califrnia, um dos maiores estudiosos das transformaes sociais provocadas naquela que ele denominou Era da Internet. Publicou em 2001 o ensaioA galxia da Internet, sobre a relao entre vida virtual e vida real. Agora lana no BrasilRedes de indignao e esperana - Movimentos sociais na era da internet(Zahar, 276 pginas, R$ 49,90), livro em que analisa os movimentos sociais em rede. Castells falou a POCA na ocasio e, com o crescimento dos protestos, respondeu a outras perguntas por telefone, de Los Angeles. Castells, pequenino e hiperativo, fala rpido, o que torna difcil acompanhar o ritmo de seu raciocnio. Nesta entrevista exclusiva, ele diz que os protestos so um fenmeno mundial que nasceu da indignao das pessoas e est pondo em risco as bases da democracia e que ser necessrio reinventar a poltica, j que ela no est suprindo as necessidades bsicas da populao, mas sim servindo a ela mesma.>>Don Tapscott: "Em rede, podemos mais que os governos">> A religio da internetPOCA - Que anlise o senhor faz das manifestaes que se alastraram pelo Brasil desde junho contra o governo, algumas delas marcadas pela violncia?Manuel Castells -No so exatamente manifestaes contra o governo, mas contra o sistema poltico e a casta poltica que a maioria dos jovens no considera que a representa. o mesmo tipo de movimento que est acontecendo em outros pases nos ltimos trs anos. Mas no Brasil ainda mais significativo porque ocorre em um contexto de crescimento econmico e de reduo da pobreza. Acima de tudo uma questo de direitos dos cidados. A violncia extremamente negativa pra o movimento porque assusta muita gente e com razo. Por isso frequente em outros pases (no no Brasil) que uma parte da violncia seja provocada pela polcia e por provocadores a servio da polcia. Mas est claro que a violncia cotidiana que caracteriza as cidades brasileiras tambm est presente no movimento, mesmo que a imensa maioria seja pacfica. O movimento expressa a sociedade brasileira. E a sociedade brasileira hoje se caracteriza por uma violncia urbana considervel ligada s mfias da droga e da marginalizao de muitos jovens.POCA - O que o senhor acha da reao da presidente Dilma s manifestaes, fazendo promessas em pronunciamentos?Castells -Ela tomou medidas concretas em matria de transporte, educao e sade. E se reuniu com alguns representantes dos jovens para ouvi-los. Sobretudo, ela fez algo nico no mundo: legitimar o movimento com seus pronunciamentos. Alm disso ela tenta levar ao Congresso um projeto de reforma poltica que quer aprovar por plebiscito porque o Congresso no capaz de reformar a si mesmo. E isso que os crticos temem, que ela leve adiante uma reforma poltica que ataque seus privilgios e a corrupo. um ato de coragem porque a classe poltica tradicional, com conexes nos meios de comunicao, lanou-se em uma campanha de desprestgio que fez diminuir a popularidade da presidente. Mas ela est consciente de que, se no reforma a poltica a mdio prazo, a separao entre instituies e cidados inevitvel, e a democracia pode deixar de ter sentido para muitas pessoas.>>Gabriella Gmez-Mont: "A voz das ruas precisa ser filtrada"POCA - EmRedes de indignao e esperana, o senhor analisa o papel das redes sociais nos movimentos sociais recentes, como a Primavera rabe e o movimento Occupy Wall Street. possvel uma revoluo social com as redes sociais interconectadas aos movimentos sociais?Castells - preciso distinguir as redes informticas como Twitter e Facebook e os computadores interligados que formam a sociedade em rede dos movimentos sociais em rede. Eles surgiram na ltima dcada com intensidade crescente. o que procuro analisar no livro Redes de indignao e esperana: como os movimentos sociais se organizaram em redes entre 2009 e 2012. Eu analiso os movimentos que se caracterizam por comear sempre na internet, via redes mveis e redes sociais. Em seguida, apoiam-se em redes sociais fora da internet para organizar a ocupao do espao pblico e construir um espao de autonomia, a um s tempo na internet e nas ruas. dessa forma que acontecem os movimentos sociais em toda parte, em Istambul, Nova York, So Paulo, Rio de Janeiro, em todo lugar. Se possvel uma revoluo, que compreende a deposio de um regime e a substituio por outro? Depende. Nos pases rabes tentaram. De certo modo isso aconteceu no Egito, onde foras excludas do sistema poltico conseguiram tomar o Estado, e isso por causa das redes sociais na internet e de forma pacfica.POCA - Por que esses movimentos esto crescendo e se alastrando?Castells -Eles do certo por uma razo: porque so movimentos autnomos, constroem um espao de autonomia fora dos condicionamentos dos partidos polticos, do Estado, das empresas e constroem suas redes prprias sem lderes. quanto atuam a cultura e a tecnologia em uma sociedade. O fenmeno mais importante na sociedade atual a autonomia, a capacidade de a pessoa decidir a sua prpria vida, para todo mundo. O que mais nos importa decidir nossa vida com nossas limitaes. A internet uma tecnologia velha foi criada em 1969 -, mas o mais importante que ela tambm um produto cultural. Foi organizada a partir de valores como liberdade e autonomia. Portanto, o tipo de tecnologia em rede e o tipo de padro cultural baseado na autonomia coincidem. Hoje qualquer mensagem que se quer livre e autnoma no passa por um partido ou por um jornal. Se h uma mensagem que se conecta com outras mentes conectadas na rede, ento essa aceitao d incio a um movimento. Os atores so coletivos, sem burocracia, sem hierarquia, sem lderes.POCA - Que diferena o senhor v entre os movimentos sociais antes da internet e os atuais movimentos sociais em rede?Castells -As redes sem tecnologia de rede de tipo eletrnico no podem lidar com a velocidade e a complexidade que requer o aumento da rede. Portanto, as redes tradicionais implicam velhas formas de organizao social, elas fazem parte da histria da humanidade. No podiam antes conectar muitos indivduos ou organizar a ao coletiva porque tinham limites fsicos aonde queriam chegar. Hoje no h mais limites. As redes de internet no tm limites de tempo e espao e podem se reconfigurar constantemente. A tecnologia no determina a ao social, mas permite um tipo de organizao que sem a internet no existiria.POCA - Com acontecero as transformaes sociais?Castells -Elas no vo acontecer por meio das instituices polticas. A mudana est na cabea das pessoas. Os movimentos sociais no tomam o poder. Eles dissolvem o poder por meio da transformao mental. o que acontece at hoje com o movimento das mulheres. Elas vivem hoje uma situao muito diferente do que h 50 anos. Elas tomaram o poder? No. As mulheres se transformaram elas mesmas. E a forma como as mulheres pensam de si prprias mudou toda a sociedade. As mulheres fizeram um movimento social com impacto de transformao cultural. O movimento ecolgico a mesma coisa. H 30 anos temos os mesmos problemas climticos. Mas ningum sabia nem se preocupava. Hoje 85% das pessoas do mundo sabem o que a mudana climtica e acham que os governos devem se ocupar desse problema. E isso se produziu como? Com a combinao da aliana entre os jornalistas profissionais, os cientistas e movimentos sociais. Todos esses movimentos esto impactando a conscincia da maioria dos cidados. Sobretudo em um tema central: em todos os lugares do mundo, ningum mais confia nos polticos. Acontece agora a rejeio mundial, no Brasil inclusive, do cidado classe poltica, aos partidos, aos governos. A percepo que eles no respondem aos interesses dos cidados, mas sim aos interesses financeiros. O que acontece no mundo o corte total entre os cidados e seus representantes. Os movimentos mostraram aos cidados que eles podem pensar em atuar fora das instituies.POCA - Isso bom ou mau?Castells -Veremos na prtica. Porque h um abismo entre as pessoas que querem mudar sua vida e a sociedade e as instituies polticas. A diferena s se agravou. A perspectiva histrica desses movimentos pensar que possvel encontrar pouco a pouco uma forma de reconstruo democrtica e formas de novas representaes. Por isso, no h lderes, organizaes nem partidos.POCA - Teria de acontecer um novo pacto social?Manuel Castells -Sim, mas para pactuar preciso ter dois lados. Os que detm o poder s fazem pacto quando no h outro remdio. Esses movimentos creem que as coisas como esto no tm como se sustentar por muito tempo. Sem conexo entre as instituies e a sociedade, no se processam as demandas e os valores. Esse bloqueio se transforma em violncia, agressividade, cinismo e desrupo dos laos sociais. Os movimentos esto tentando reconstruir o tecido social entre as pessoas, entre os cidados. E assim todos experimentaro que tipo de representao democrtica pode existir. So movimentos fundamentalmente democrticos que no veem instrumentos de representao nas instituies.POCA - Como explicar as manifestaes que comeam com um motivo especfico para depois se desdobrar em agendas mais amplas? um movimento sem consistncia ou esse tipo de situao a marca do nosso tempo?Manuel Castells -Essa uma caracterstica comum a todos os movimentos indignados em rede, em todos os pases. So espontneos, no dirigidos, comeam por um fato insuportvel, mas imediatamente surgem milhares de humilhaes sofridas, cada dia por muitas pessoas, em particular os jovens, por causa das burocracias polticas. Com diziam os manifestantes de So Paulo em junho, no so 20 centavos, so nossos direitos. Como as instituies no processam realmente os problemas das pessoas, e sim se ocupam em satisfazer os polticos e seus aliados em primeiro lugar, quando h um canal de expresso na rua, aparecem coletivamente todas as demandas que cada um pode expressar individualmente.POCA - O senhor j disse que o pacto social das democracias est se rompendo em todo o mundo. Com isso, a poltica ter de ser reinventada? H uma soluo para o problema da crise de credibilidade que sofrem hoje o poder e as instituies?Manuel Castells -A poltica est sendo reinventada com esses movimentos. Mas o resultado dessas tentativas de inovao depende de cada pas, cada contexto, das caractersticas do movimento e do sistema poltico do pas. Eu nunca ofereo solues. Meu trabalho investigar. E me atreveria ainda menos em dar solues a um pas como o Brasil, que conheo superficialmente, ainda que tenha visitado o pas umas 20 vezes nos ltimos 45 anos. Posso dizer s isto: quanto mais receptividade do sistema poltico expresso popular espontnea, nas redes e nas ruas, mais possibilidade haver de uma reforma poltica construtiva. Nesse sentido, o Brasil, pelo menos no topo do poder poltico, se encontra melhor situado que outros pases.POCA - No seu livroA Galxia da Internet, senhor faz uma referncia reflexo de McLuhan emA galxia de Gutenberg(1962). Como o senhor compara esses dois momentos da corrida tecnolgica?Manuel Castells -Citar McLuhan um sinal de respeito a um grande estudioso da comunicao e a uma tradio terica. Ao mesmo tempo, uma tentativa de estabelecer uma distncia entre dois sistemas de comunicao radicalmente diferentes. McLuhan teorizou a comunicao de massa. Eu investiguei a autocomunicao de massa. A comunciao de massa um mundo de comunicao vertical, unidirecional com interatividade escassa, com uma mensagem determinada, controlada pelos meios de comunicao e por poderes econmicos e polticos. diferente da autocomunicao de massa, da internet e das plataformas mveis e sociais, que multidirecional, interativa, os emissores de mensagens so tambm receptores de mensagens, o tempo pode ser simultneo ou no, local e global simultaneamente. A autocomunicao de massa se refere o tempo todo ao hipertexto, onde esto conservadas todas as informaes. Vivemos hoje em duas galxias diferentes ao mesmo tempo: a dos meios de comunicao de massa tradicionais e o dos novos meios digitais. Os meios tradicionais no desapareceram, mas tiveram de se reinventar e se articular galxia da internet e no esta a eles.POCA - o fim dos meios de comunicao de massa tradicionais?Manuel Castells -No. O que acontece que os meios de comunicao tradicionais esto se enriquecendo com a interatividade proporcionada pelos novos meios digitais. O resultado a transformao das salas de redao das revistas e jornais em uma sala de informao contnua por internet. E, por conseguinte, o tipo de produto tem de mudar, j que no pode competir com a velocidade da internet. Grandes organizaes mundiais de comunicao, como a Globo, trabalham em diversas plataformas simultaneamente e captam recursos em publicidade privada e pblica. E, assim, esses grupos tm evitado tornar-se deficitrios.POCA - Uma de suas frases famosas est emA galxia da internet: A rede a mensagem. quase uma pardia grande frase de McLuhan, o meio a mensagem. uma provocao?Manuel Castells -Na realidade, a comparao entre as duas frases um pouco forada. A minha no uma expresso conceitual, mas miditica, para sublinhar as diferenas. McLuhan queria dizer que a forma de comunicar a mensagem no era a nica coisa importante, mas condicionava essa mensagem. Assim, uma mensagem pela televiso precisa comunicar coisas diferentes que uma mensagem veiculada na imprensa ou no livro. a transmisso de informao que se converte em sentido. Agora, quando digo a rede a mensagem, quero dizer que a centralidade dos novos sistemas de comunicao no est necessariamente na mensagem, em cada mensagem, mas na constante interatividade entre todas as mensagens, todos os receptores e emissores da mensagem. a complexidade da rede que organiza mltiplas mensagens em um sistema de relao de uns com outros. Cria, assim, a metamensagem a unio de todas as mensagens por meio da interao.POCA - Mas a rede pode ser definida como meio de comunicao?Manuel Castells -No s, porque a rede muito mais que um meio de comunicao. um meio de interao pessoal, de organizao, de relao distncia e um meio no qual a vida pessoal integrada. A vida na rede no uma vida separada da interao fsica. No vivemos mais em um mundo fsico ou virtual, mas num mundo hbrido. Todos estamos na rede, mas todos no estamos s na rede. Nas redes sociais, as identidades se expressam. Em alguns casos elas esto proibidas. Isso aconteceu sobretudo no incio da interenet, quando os adolescentes se interrelacionaram digitalmente e no estabeleceram identidades. Porque adolescentes no possuem uma identididade definida nem na rede nem fora da rede. Hoje as identidades esto na rede porque a vida das pessoas est ali. Para fazer amigos e ampliar seu crculo, as pessoas tm de colocar suas fotos e expressar suas mensagens. A rede no apenas um meio de comunicao. um modo de vida. Toda a sociedade est na rede.POCA - o que o senhor chama de o novo espao pblico?Manuel Castells -Sim. O novo espao pblico se articula na interseco entre o fsico e o virtual. Vivemos em um mundo de virtualidade real, no de realidade virtual. A virtualidade faz parte essencial de nossas vidas. No podemos pensar em nossas vidas fora da rede. A comunicao o centro da vida. O mais importante que a rede realidade essencial.POCA - Mas para os mais velhos essa realidade de Twitter, Facebook etc. no parece to essencial.Manuel Castells -Mas esse problema se soluciona to logo as velhas geraes desapaream. Estamos em uma transio muito rpida. Tudo vai se transformar ao longo deste sculo. Neste momento temos 3 bilhes de usurios de internet. H 6,8 bilhes de nmeros de dispositivos de comunicao mvel, como telefones celulares, e a nica diviso real em termos de acesso e no de qualidade a idade dos usurios. Na Amrica Latina, a taxa de cobertura de celular de 90%. No Brasi, 92%. A partir das redes mveis e das plataformas de internet, a densidade de interao vai se saturar. Corresponde ao que foi a televiso no passado. H pouqussimos lugares em que a internet no chega. A comparao com a eletricidade. No podemos entender a era industrial sem a eletricidade. Agora, em nosso tipo de sociedade de informao em rede, a infraestrutura bsica de tudo o que fazemos est nas redes mveis e na internet. Estamos neste mundo. No se trata de uma escolha. A gente no pode decidir se a internet boa ou m como no podemos decidir se queremos estar no mundo da eletricidade ou no. a nossa realidade.POCA - Mas de que forma a vida fsica se articula rede?Manuel Castells -Cada um faz do seu jeito, em funo de seus interesses, seus valores, sua experincia, de sua capacidade de utilizar a rede. Portanto, as redes so mltiplas e maleveis. E os mais jovens tm mais vantagens nesse processo de adaptao. Isso porque eles j nasceram dentro de uma cultura digital. No uma questo de capacidade tecnolgica, e sim de cultura e mentalidade. uma questo de pensar de forma diferente.POCA - Como o senhor v os jovens fazendo vrias coisas ao mesmo tempo: vendo televiso enquanto mexem nos tablets, tuitam e postam mensagens no Facebook, enquanto batem papo?Manuel Castells -A multitarefa um problema para pessoas com mais de 40 anos. algo complicado, porque o sujeito tem de fazer vrias coisas ao mesmo tempo. Mas os jovens fazem isso ao mesmo tempo. a prtica normal.POCA - Para mim parece um caso de multidesateno...Manuel Castells -No. Eles operam em um registro de mltipla ateno. Nos acostumamos ideia de que, quando fazamos muitas coisas ao mesmo tempo, no prestvamos ateno em nenhum, no mesmo? Pois hoje no assim. Meus alunos, por exemplo, prestam ateno a vrias coisas ao mesmo tempo. E quando interajo com eles, eles mostram que prestaram ateno em tudo. H estudos que mostram que nossa ateno menos intensas quando estamos submetidos a vrias fontes de comunicao. E, portanto, a tendncia memorizar menos. Porm, por outro lado, a multitarefa permite simultaneamente processar sinais diferentes de informao e recombin-los. A recombinao a base da criatividade, enquanto a memorizao a base da reproduo, intelectual e cultural.POCA - Qual o fator decisivo para lidar com o conhecimento no mundo atual?Manuel Castells -O fator decisivo a capacidade de criar e inovar. Porque a gente no precisa memorizar a informao porque ela est na internet. Hoje em dia, um de meus estudantes, Martin Hilbert, concluiu o doutorado em Los Angeles, publicou um artigo na revista Science, sobre o clculo que ele fez de toda a informao digitalizada disponvel no planeta e como est organizada. Ele calculou que, h dez anos, era de 52% de toda a informao da Terra. Em 2008, era 97%. A informao est digitalizada e disponvel na internet O que nos faz falta no tanto memorizar essa informao, mas de possuir a capacidade mental de saber o que queremos, buscar o que queremos e recombinar isso e produzir um tipo de conhecimento inovador de que precisamos. um tipo de capacidade mental que no faz parte do ensino tradicional e no a ateno, mas a capacidade de inovar.>> Umberto Eco: "Informao demais faz mal"POCA - A informao excessiva no gera um distrbio de ateno e provoca, no fim das contas, amnsia, como disse Umberto Eco?Manuel Castells -Umberto Eco no um neurocientista e no tem condies de fazer essa firmao. Ele precisaria mostrar experincias cientficas e no falar do que se passa em um bate-papo de caf. Eco professa o mito da informao excessiva. Se vou biblioteca da Universidade de Barcelona e tenho 1 milho de volumes e depois vou de Berkeley e tenho 12 milhes, no vou poder processar 1 ou 12 milhes de volumes. Mas vou ter muito mais possibilidade de encontrar o que procuro se h 12 milhes em vez de 1 milho. No existe informao demais, o que existe demasiada incapacidade de buscar e processar a informao. simples: a informao no pode ser encontrada se no sabemos o que procuramos. As pessoas navegam na internet para buscar algo especfico, mesmo quando por pura diverso. O fundamental na sociedade de informao a capacidade instalada de passar da informao ao conhecimento e o conhecimento, aplicao dos conhecimento, aos projetos pessoais ou profissionais que tenhamos. O caos se produz quando voc no sabe o que procura. Quando voc sabe, basta organizar o caos.POCA - Os intelectuais literatos como Umberto Eco esto em crise?Manuel Castells -Esto desaparecendo. O que ocorre que a maioria dos intelectuais odeia a internet. Isso porque eles perderam o posto que tinham antes, o mesmo que aconteceu com os meios de comunicao. Os intelectuais eram os orculos, eles detinham o monoplio da mensagem. Hoje no h mais isso. Nas redes sociais, as pessoas no falam dos intelectuais, e se fala deles tratam de contradiz-los. Aconteceu uma democratizao fundamental da emisso da mensagem. Cada um tem a sua mensagem. Cada bloco sua prpria obra. Cada canal do YouTube o seu prprio canal de televiso. normal que a elite aristocrtica intelectual se encontre maciamente contra a internet. Primeiro porque no a conhece. Segundo porque, em muitos casos, nem as usa. Fala a partir da ignorncia, no do conhecimento.POCA - Por que se produz esse fenmeno de democratizao dos contedos culturais?Manuel Castells - algo bvio. o que acontece com as empresas de msica ou de cinema. Elas esto aterrorizadas porque as pessoas no compram mais nada. Procuram o que querem na internet e descarregam o material sem pagar copyright. Quando as empresas facilitam a vida dos usurios, ento os usurios pagam. No vo mais comprar um disco inteiro, e sim uma faixa. E isso o iTunes fez muito bem. O CD foi uma imposio do monoplio das empresas de msica. Assim, esse tipo de empresa est contra a internet. Mas no sabem como controlar a circulao dos contedos porque no h como controlar.POCA - O senhor no se considera um intelectual?Manuel Castells -No. Eu sou um pesquisador. Eu procuro fundamentar o que digo com base na observao. Isso muito diferente de um intelectual. Claro, todo mundo tem capacidade intelectual. H dois tipos de intelectuais: todos os trabalhadores intelectuais, e nesse grupo incluo os jornalistas e pesquisadores, e "o intelectual", uma tradio que nasceu na Frana e est desaparecendo rapidamente. Aqueles que assinam os manifestos, o intelectual pblico. Eleinfluenciou muito a vida na Amrica Latina, onde os intelectuais pblicos foram a referncia. E tiveram o privilgio de faz-lo sem a obrigao de pertencer a partidos, ser ricos ou empregados em uma empresa. Esse tipo de intelectual poderia dizer qualquer bobagem que, como intelectual pblico, as pessoas o escutavam. Esse privilgio acabou. Porque hoje, to logo algum diz alguma coisa, as redes sociais expem isso e mostram as coerncias ou incoerncias da afirmao. Hoje o que dizem no mais um orculo, pois se transformou em um objeto processado. O intelectual pblico tem um futuro to brilhante quanto o da aristocracia ateniense.