“MANUEL CASTELLS, AS FORÇAS PRODUTIVAS E A DES ...livros01.livrosgratis.com.br/cp153441.pdf ·...

210
Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Filosofia e Ciências Humanas Escola de Serviço Social Programa de Pós-Graduação em Serviço Social JAVIER BLANK “MANUEL CASTELLS, AS FORÇAS PRODUTIVAS E A DES-RADICALIZAÇÃO DE UMA GERAÇÃO INTELECTUAL” Rio de Janeiro 2010

Transcript of “MANUEL CASTELLS, AS FORÇAS PRODUTIVAS E A DES ...livros01.livrosgratis.com.br/cp153441.pdf ·...

Universidade Federal do Rio de JaneiroCentro de Filosofia e Ciências HumanasEscola de Serviço SocialPrograma de Pós­Graduação em Serviço Social

JAVIER BLANK

“MANUEL CASTELLS, AS FORÇAS PRODUTIVAS E A 

DES­RADICALIZAÇÃO DE UMA GERAÇÃO INTELECTUAL” 

Rio de Janeiro2010

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

JAVIER BLANK

“MANUEL CASTELLS, AS FORÇAS PRODUTIVAS E A 

DES­RADICALIZAÇÃO DE UMA GERAÇÃO INTELECTUAL” 

Tese de Doutorado, apresentada ao Programa de Pós­graduação em Serviço Social  da Escola de Serviço Social  da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Orientador: Professor Doutor Marildo Menegat.

RIO DE JANEIRO2010

JAVIER BLANK

“MANUEL CASTELLS, AS FORÇAS PRODUTIVAS E A 

DES­RADICALIZAÇÃO DE UMA GERAÇÃO INTELECTUAL” 

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós­graduação em Serviço Social  da Escola de Serviço Social  da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Aprovado em

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________.Professor Doutor Marildo Menegat (orientador)

Universidade Federal do Rio de Janeiro

___________________________________________________.Professor Doutor José Paulo Netto

Universidade Federal do Rio de Janeiro

___________________________________________________.Professor Doutor José Maria Gómez

Universidade Federal do Rio de Janeiro

___________________________________________________.Professor Doutor Maurílio Lima Botelho

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

___________________________________________________.Professor Doutor Jorge Grespan

Universidade de São Paulo

Sumário

Introdução: o nosso tempo histórico e  os desafios de uma geração de  intelectuais  de esquerda.....................................................................................................................................1

I. A atualidade da crítica radical...........................................................................................101. A sociedade moderna e suas abstrações reais: valor, trabalho, força produtiva...............102. Periodização do capitalismo e crise estrutural.................................................................33

As ilusões persistentes e infundadas de um capitalismo rejuvenescido..........................423. Forças produtivas e barbárie.............................................................................................504. A abolição do valor e das forças produtivas.....................................................................55

II. Desmontando o castells de cartas: uma trajetória intelectual.......................................651. 1942­ 60s: entrada em cena..............................................................................................652. 1970s: cocktail de interesses e crise estrutural.................................................................683.  1980s:  As cidades  e  os  movimentos  sociais  como objetos   limite  do  marxismo e  os germens do informacionalismo............................................................................................784. 1990s: A Era da Informação.............................................................................................88

A tradução teórica da perda de peso das estruturas.........................................................95A explicação (informacional) do colapso da União Soviética.......................................107Um padrão recorrente de desenvolvimento e a questão da transição.............................110

5. 2000 em diante: desenvolvimentismo informacional......................................................115Estações no trem da esperança: Silicon Valley, Finlândia..............................................117Receitas para o desenvolvimento multicultural na periferia..........................................120Legitimação para o próprio centro.................................................................................128Estado, identidade de projeto e legitimidade prescritiva ...............................................131

III. A des­radicalização: em direção a uma racionalidade tecnológica............................1361. A racionalidade tecnológica e o ponto de vista das forças produtivas............................1362. O marxismo legal............................................................................................................147

A escola de regulação como ponte................................................................................1503. As ilusões obstinadas: um capitalismo rejuvenescido....................................................1554. Economia vulgar e pseudo­teoria adaptativa..................................................................1655. Das forças produtivas enquanto meio à racionalidade tecnológica ...............................169

Conclusão: o pós­marxismo legal e a manutenção regressiva da esperança...................185

Bibliografia............................................................................................................................193

RESUMO

O presente   texto  procura  analisar  a   trajetória  de  des­radicalização de  uma geração 

intelectual desde os anos 70 até hoje, mostrando o lugar de relevo que ocupa nesse percurso as 

questões do desenvolvimento das forças produtivas e da crise estrutural do capital. Aborda a 

evolução do sociólogo Manuel Castells,  desde a sua origem marxista dedicada a questões 

urbanas,  até  sua análise  mais recente da sociedade  informacional  ou em rede,  como caso 

expressivo desse percurso de des­radicalização intelectual.  Contrapõe­se a essa trajetória a 

crítica   radical   do   capital   que   mostra   a   crise   estrutural   em   curso   e   evidencia   o   papel 

legitimador dessa teoria des­radicalizada. Propõe­se a noção de “pós­marxismo legal” para 

dar conta dessa trajetória geral que inclui mas transcende o caso específico analisado. 

PALAVRAS­CHAVE:  Manuel Castells,  sociedade informacional,  des­radicalização, 

forças produtivas, marxismo, crítica radical.

AGRADECIMENTOS

Aos professores e funcionários da Escola de Serviço Social da Universidade Federal de 

Rio de Janeiro, por me acolher.

A CNPq, Capes e Faperj pelas bolsas de estudo que garantiram as condições materiais 

para me dedicar a esta pesquisa. 

Pelas respeitosas e importantes sugestões nas diversas instâncias de avaliação, a José 

María Gómez, Maurílio Lima Botelho, Jorge Grespan e José Paulo Netto. 

Este último merece algumas palavras à parte. Foi um encontro casual com Zé Paulo em 

Córdoba, em 2003, que acabou definindo o Rio de Janeiro na escolha do meu destino no 

Brasil. Aqui, ele me motivou a fazer o mestrado e leu o primeiro projeto que eu redigi para a 

seleção.   No   nosso   primeiro   encontro   nestas   terras,   numa   amostra   de   internacionalismo 

concreto, instou­me a que vivesse como carioca durante a minha estadia no Rio e sugeriu­me 

que “a pátria é onde estão os amigos”. 

Porque sinto ter aprendido a lição, quero agradecer aos amigos e amigas que fizeram 

deste canto a minha pátria. Amigos que me acolheram. Amigos que chegaram, que foram 

embora. Amigos da faculdade, da praia, de comidas e música. Afortunadamente são muitos 

para nomeá­los. Baste esse agradecimento geral.

Aos meus amigos de Córdoba, da comunicação, aos amigos da vida. Talvez eles não 

saibam da interlocução silenciosa que mantive com eles, na feitura desta tese.

Aos meus irmãos, Pablo e Leo, pois nós três, cada um à  sua maneira, vai tentando 

decifrar o mundo em que vivemos. 

Aos   meus  pais,  Daniel   e  Rosi,   que   apesar   das   dores   e   impasses   de   sua  geração, 

souberam me passar a memória de um desejo por “desalambrar” o mundo. A Lito, primo do 

meu pai, e Javier Heraud, poeta peruano, assassinados como tantos outros por tentar tornar 

real esse desejo, presto uma humilde homenagem.

A André Villar e, em seu nome, aos cariocas do antivalor. As nossas longas conversas 

foram um  estímulo e um apoio fundamental para esta tese.

A Marildo Menegat, muito especialmente. Uma garrafa com uma mensagem no oceano 

tumultuado   deste   tempo   histórico.   Com   uma   mistura   de   exigência   e   paciência,   foi­me 

mostrando a trilha e deixando­me perder no mato. Fez com que meu caminho fosse realmente 

meu, e ao mesmo tempo fosse um caminho. Com afeto, soubemos construir uma amizade que 

vai além dos textos.

A Mariela,   agradeço­lhe  com as  palavras  que  o  poeta  dirigiu   a  uma outra  beleza 

enigmática e encantadora:

Tu, Copacabana

Mais que nenhuma outra foste a arena

Onde o poeta lutou contra o invisível

E onde encontrou enfim sua poesia

Talvez pequena, mas suficiente

Para justificar uma existência

Que sem ela seria incompreensível

(Vinícius de Moraes, fragmento de “Copacabana” em: Roteiro Lírico e sentimental da 

cidade do Rio de Janeiro, e outros lugares por onde passou e se encantou o poeta. pp.38­9. 

São Paulo, Companhia das Letras, 1992)

“Mas,   qualquer   que   seja   a   profissão   da   tua escolha,   o  meu  desejo  é   que   te   faças   grande   e ilustre,   ou   pelo   menos   notável,   que   te   levantes acima da obscuridade comum. A vida, Janjão, é uma enorme  loteria:  os  prêmios  são poucos,  os malogrados inúmeros, e com os suspiros de uma geração é que se amassam as esperanças de outra. Isto é a vida; não há planger, nem imprecar, mas aceitar as coisas integralmente, com seus ônus e percalços, glórias e desdouros, e ir por diante”.

(Machado de  Assis,   fragmento  de  “Teoria  do Medalhão.   Diálogo”   [1881]   em   50   contos.   São Paulo, Companhia das Letras, 2007. p.83)

1

INTRODUÇÃO: O NOSSO TEMPO HISTÓRICO E OS DESAFIOS DE 

UMA GERAÇÃO DE INTELECTUAIS DE ESQUERDA

Os anos 60, e os anos 70 do século passado... uma época de esperanças. Eu não sei, 

não vi, eu vim depois. Mas me contaram, eu li. Mas não era uma esperança dessas pequenas 

que  nos  oferecem hoje   empacotada.  Era  uma esperança  grande.  Lutava­se,   amava­se   e   a 

revolução parecia na volta da esquina. Eu não vi, me falaram. 

E havia esperanças para gostos variados. E a  esperança da política traduzia­se na 

teoria. 

A   superação   do   atraso   dos   países   pobres   prometia   vir   com   brinde.   Falava­se   em 

desenvolvimento   das   forças   produtivas,   luta   de   classes,   socialismo.   Havia   os   que   ainda 

encontravam um sentido comunista à  experiência da União Soviética.  Para outros,  as más 

noticias de lá, o XX congresso do PCUS, o esmagamento da revolução húngara, os fez buscar 

uma saída ao desconcerto existencial. Em luto pelas esperanças perdidas questionaram o que 

constituía até então sua grade de análise. O estruturalismo significou um “degelo ideológico” 

para alguns. Contra o voluntarismo político e o dogmatismo teórico, buscaram compreender o 

que   fazia   resistir   à   mudança.   A   compreensão   das   estruturas   devia   orientar   a   sua 

transformação. Para outros, o estruturalismo significou um “regelo após o degelo”,  “infusão 

do   pensamento   tecnocrático   no   campo   intelectual”.   Encantados   com   sua   cientificidade, 

acabavam   as   vezes   ontologizando   essas   estruturas,   demonstrando   a   impossibilidade   da 

mudança.  Alguns aderiram ao estruturalismo para renovar o marxismo; outros, para 

abandoná­lo  (Cfr.   Dosse,   1993:   122   e   1994:   186­8,   191­3).   As   polêmicas   em   torno   da 

contribuição   de   Althusser   condensam   essa   ambivalência:   se,   por   um   lado,   Althusser 

apresentou   a   uma   geração   militante   o   desafio   de   “ressuscitar   um   marxismo   científico 

desembaraçado das escórias dos regimes que se valem dele” (Dosse, 1993: 329), por outro, 

“nunca la desactivación del discurso revolucionario, nunca la magia que desodoriza el azufre 

se han ejercido con tanto fasto como a través y sobre la obra de Althusser a favor de una triple 

reducción: del marxismo a la ciencia exacta; del formalismo a la cientificidad; del marxismo 

2

al formalismo. Así la dictadura del proletariado se inscribe en un código” (Aron, 1988: 311­2).

Enquanto isso, o poder crescente da classe operária e experiências de luta em diversas 

regiões do planeta renovavam as esperanças: Cuba, China, as lutas anti­coloniais, maio de 68. 

As   lutas   em   alguns   países   da   América   Latina   faziam   diagnosticar   uma   situação   pré­

revolucionária.  Para   Schwarz   (2005a:   21),   o   Brasil   pré­64   “estava   irreconhecivelmente 

inteligente”,   isto   é,   tentavam­se   mudanças   nas   dimensões   política   (formas   de   governo), 

cultural   (formas   de   representação   estética)   social   (formas   de   vida   coletiva). 

Conseqüentemente, as formas de poder eram tensionadas. A inteligência era a invenção de 

formas novas por sujeitos em ação (daí as experiências do teatro, das ligas camponesas, da 

educação popular de Paulo Freire, do cinema novo). Para Mandel (1985: 331­2), a início dos 

70 a transição para uma “onda longa com tonalidade de estagnação” intensificava a luta de 

classes internacional.

Os   acontecimentos   de   maio   de   68   pareciam   a   princípio   diagnosticar   a   morte   do 

estruturalismo, pois mobilizavam um tipo de afeto contrário à sua desencarnação teoricista 

(Dosse, 1994: 137­42). No entanto, há por um lado um triunfo institucional dos estruturalistas 

que se apoderam das universidades1, e por outro um retorno a um althusserianismo no qual 

ecoa o evento­68, deslocando­se da teoria para a análise, sem que se condene ao empirismo. A 

geração de 68 encontra no althusserianismo o meio de reconciliar a sua adesão ao marxismo e 

o seu desejo de rigor estrutural. E o althusserianismo encontrou por largo tempo uma terra de 

eleição na América Latina, onde a contestação dos PC oficiais foi feita, na grande maioria dos 

casos, em seu nome (idem: 193­5).

Mas, a pesar das conjunções, tensões ou distinções entre o campo do marxismo e o do 

estruturalismo, o declínio posterior arrasta ambas correntes.

Devemos lembrar o impacto que teve no início do seculo XX para a intelectualidade de 

esquerda a passagem de uma perspectiva de crise à estabilização do sistema.

“Segundo Goldmann, Lukács foi um dos primeiros a revelar a  crise da sociedade ocidental, a 

1 “O movimento de maio permite a  jovens professores a realização de uma carreira que queima todas as etapas.  A  necessidade  de   recrutamento  de  pessoal  provoca  um  rejuvenescimento   espetacular  do   corpo docente” (Dosse, 1994: 162).

3

perceber   suas   falhas   invisíveis  que  solapavam um edifício  cuja   fachada ainda  parecia   intacta. Numa palavra, Lukács previu a catástrofe que se preparava. Em nossa opinião, ocorre justamente o contrário:   o   que   desespera   Lukács   é   exatamente   esta   estabilidade,   esta  imutabilidade   da sociedade capitalista que ele odiava, sociedade na qual os valores estético­filosóficos idealistas e absolutos, aos quais estava ligado, eram irrealizáveis. O conflito entre os valores autênticos e o mundo (capitalista) inautêntico é trágico porque é indissolúvel, à medida que Lukács não percebe nenhuma força social capaz de transformar o mundo  e realizar seus valores” (Lowy, 1979: 115).

Nem uma coisa, nem a outra, por si só: era a estabilização de uma sociedade em crise, 

junto à inexistência de uma força social capaz de transformar o mundo, que devia desesperar a 

Lukács, antes da revolução russa. 

Nos anos 70, os diagnósticos de crise terminal do capitalismo e do crescente poder das 

forças revolucionárias, alimentavam as esperanças da revolução. Uma derrota histórica das 

forças progressistas e a reestruturação do capitalismo provocam uma nova estabilização da 

sociedade em crise. Isso gerou um novo impacto na intelectualidade de esquerda. 

Schwarz (2005a: 49; itálica minha) escreve a início dos anos 70: 

“a crise burguesa, depois do banho de marxismo que a intelectualidade tomara, perdeu todo crédito [...] Cristalizou­se o sentido moral que teria, para a faixa de classe média tocada pelo socialismo, a reconversão ao horizonte burguês. Entre parênteses,  esta crise tem já sua estabilidade, e alberga uma população considerável de instalados”. 

E Anibal Quijano (1991: viii­xix; itálica minha), a inícios dos anos 90: 

“el capital renace ahora como un sólido fénix, de la ceniza de la más severa de sus crisis, la de los años   70.   Inclusive,   tras   el   eclipse   del   'socialismo   realmente   existente',   ha   logrado, inesperadamente,  bruñir  de  un  renovado esplendor  sus  divisas  de  prosperidad  y de   libertades universales.  Y  en  pos  de  ese   relumbre  corren  ahora   tantos  que   ayer  no  más  proclamaban  su devoción revolucionaria y socialista, aunque detrás de ese  aparente brillo no se puede encontrar otra cosa que el 'capitalismo realmente existente': esto es, el continuado sometimiento de la vasta mayoría de la especie a la pauperización y a la opresión, para sostener la prosperidad y la libertad de la misma (o casi) pequeña minoría de hace 500 años”.

Dosse   (1993:   187­8)   registra   o   paradoxo   de   que,   diante   do  “desmoronamento   do 

edifício da crença”, o estruturalismo e sua busca de invariantes tinha se oferecido como tábua 

de salvação para a agonia do marxismo institucional, no mesmo momento em que “a Europa 

conhecia os anos da mais rápida transformação econômica desde o final do século XVIII”. 

Agora,   num   novo   impasse   histórico,   encontramo­nos   novamente   com   um   movimento   de 

tentativa   de   renovação   intelectual,   de   questionamento   da   grade   de   análise   anterior   pelo 

fracasso político, num contexto de transformação econômica.

4

Como manter a esperança numa época regressiva? Esse é o desafio de uma geração 

que se depara com o colapso do socialismo real, com o desemprego estrutural e com a própria 

crise do marxismo tradicional como sintomas de uma crise estrutural. O marxismo em voga se 

revelava infecundo para orientar a práxis nesse novo contexto.  Portanto, deviam desenvolver 

uma nova teoria  que,  compreendendo o novo tempo histórico,  com suas mudanças  tecno­

econômicas, superasse o marxismo tradicional, e propusesse novas saídas. 

Há um recuo geral em relação ao qualificativo de estruturalista. Uma tendência é a 

desconstrução ou dinamização da estrutura (Deleuze) (Dosse, 1994: 222 e 241). Ou então, o 

foco do interesse nas margens do sistema,  diante  do fracasso da ruptura  frontal.  Por esse 

deslocamento,  Foucault  é   para  Dosse  o   “eco  dos   ideais   e  desilusões”  da  geração  de  68, 

“receptáculo  genial  de   sua  época”,   estruturalista  nos   anos  60,   individualista  nos  anos  80 

(idem: 281­5 e 432).  Outra corrente de  reflexão se desenvolve em torno do  paradigma da 

dialógica,  do agir comunicacional. Habermas “traça as vias possíveis de uma racionalidade 

comunicacional   como   fundamento   de   uma   teoria   do   social”.   A   tarefa   do   filósofo   seria 

“encontrar os meios de recompor o vínculo social,  de evitar  a dissociação crescente entre 

indivíduo e  sistema”.  O conceito  de dialógica oferece,  para  Edgar  Morin,  a  vantagem de 

favorecer  a  complementariedade das  entidades  contraditórias  e  vem a substituir  a  palavra 

dialética.   Permite   uma   “reflexão   sobre   a   contradição,   sem   pensar   uma   necessária 

ultrapassagem a partir da fratura da unidade”. “Essa unidade pode surgir da dualidade, da 

união de dois  princípios  logicamente heterogêneos entre si”  (idem:  491­9).  Paulo Arantes 

(1992: 71 e 93) atentava para a a “dialética sem síntese” que articula os 'dois Brasis', que 

poderia  ser chamada de “dialética  negativa”,  e propunha pensar  a  formação brasileira  em 

termos de “onde há e não há dualidade”. Mas, aqui essa dialética sem síntese implica uma 

denúncia de um tipo de estruturação social a ser superada, enquanto na perspectiva dialógica, 

implica  uma   adesão.  Por   isso  para  Arantes   (2004:  293­4)   as   “mudanças   de  paradigma”, 

exemplificada   com   os   rizomas   de   Deleuze,   são   uma   “sintomática   desconversa”   de   um 

“esgotamento histórico real”.

Sai­se da consciência crítica quando não se possui mais a ideia de uma ultrapassagem (Marcel 

5

Gauchet apud Dosse, 1994: 304). 

A   conjunção   de   crise   política,   econômica   e   do   próprio   marxismo   leva   a   uma 

reavaliação dos valores sustentados pelas democracias europeias e a imposição de uma nova 

lógica binária que opõe democracia e totalitarismo.  Assim, por exemplo, toda uma geração 

engajada   no   maoismo   rejeita,   exorciza   seu   passado   comprometido   com   68,   descobre   o 

“discreto  charme do  liberalismo”,  no  “sintoma dilacerante  da  agonia  de  uma esperança”, 

investem contra a própria ideia de revolução e de sua “propensão congênita para o terror”. 

Preparam sua reconciliação com os valores de sua sociedade de origem (Dosse, 1994: 303­7). 

Nesse processo há um abandono massivo do marxismo desde inícios dos anos 80. Mas 

a “superação do marxismo” não resolveu os desafios a enfrentar. Como destaca Dosse, “com o 

refluxo do marxismo, desaparece o instrumento de análise global da sociedade e da história 

que desmorona”, e a busca pelas “lógicas escondidas, ocultas e globais”, depositando­se agora 

a   confiança   em   que  “basta   ouvir,   ler,   ver,   para   compreender”,   contrário   a   “uma   certa 

especulação conceitual com pretensões científicas que tinha desempenhado o papel de cortina 

de fumaça” (idem).

Os movimentos dos anos 60 viveram em torno a uma “ilusão da dissolução das estruturas” 

criada por uma fase de transição para um novo arranjo dentro do mesmo modo de produção 

(Menegat, 2003: 227­9). Essa ilusão permanece e se traduzirá em termos teóricos, assim como 

se exprimira no momento histórico anterior a esperança na revolução. 

Pela   sua  insegurança   na   análise   da   natureza   do   capitalismo,   os   pós­modernos 

abandonaram  a tentativa de compreendê­lo.  Assim,  a  negação do pensamento  teleológico, 

atribuído ao marxismo num todo, os leva a abandonar a compreensão das “determinações 

herdadas” de nossa época, o que “redunda num verdadeiro determinismo que, por não ser 

tematizado e apreendido, se torna uma imposição misteriosa e irracional” (Menegat, 2006: 

293­4). O estruturalismo “não gerou uma teleologia da decadência que pudesse ter substituído 

a   crença   no   progresso   do   período   precedente”   (Dosse,   1994:   476).   E   também   não   o 

pensamento pós­moderno. Agora “o homem é apreendido como abstração, livre das coações 

do tempo”, o que para Dosse implica um recuo que nos arrasta para os horizontes de um 

século XVIII (Dosse: 1993: 18). Esse pensamento “acentua ainda o caráter monadológico do 

6

indivíduo ao considerá­lo simples partícula ligada a redes”, “se inscreve na filiação de um 

pensamento do individualismo inteiramente contrário a um pensamento do sujeito” (Dosse, 

1994: 402­3). Essa alternância entre estruturas e indivíduo impede apreender exatamente a sua 

interação (idem: 455).

A des­radicalização intelectual é um processo de perda de peso das estruturas na 

análise,  que acompanha a  estabilização regressiva do sistema. Diante de um “estado de 

emergência” pela cronificação da crise, o pensamento des­radicalizado, deverá  naturalizar e 

tentar suturar um estado insuperável de fratura. A necessidade de se neutralizar a percepção 

de  cada catástrofe produzida pela irracionalidade do capital (Menegat, 2003: 236) conduz à 

“transmutação  da   falsa   consciência   em  falsidade  de   consciência”.  Essa  tese   de  Lukács, 

retomada por Adorno implica duas premissas: “o domínio asfixiante das relações de produção 

sobre as possibilidades de constituição de um campo de relações sociais livres; o papel que as 

forças produtivas passam a desempenhar dentro das relações de produção, tornando­se forças 

de domínio” (Menegat, 2006: 256). 

Para Menegat, incorporar a questão da linguagem a uma leitura dialética da sociedade 

permite   uma   compreensão   crítica  mais   profunda  do  processo  de   absorção  por   parte   dos 

indivíduos   da   subjetividade   do   capital;   mas   “isoladamente,   como   um   paradigma   de 

compreensão   da   realidade   social,   acaba   servindo   justamente   de   legitimadora   desta 

subjetividade”. Faz parte da falsidade de consciência esse alargamento do território de ação 

do conservadorismo,  que “tem muito mais  a   intenção de  bloquear a realização de uma 

transformação histórica do que de impulsioná­la” (Menegat, 2003: 203). 

Menegat nota a gravidade regressiva que impregna esta nova modulação da ideologia 

na  época  da   atualidade  de  barbárie,   ideologia   que   fornece  os   elementos  perceptivos  que 

conformam a nova sensibilidade que deve tornar suportável o  insuportável,  que enxerga o 

“que   é   como   devendo   ser”   (idem:   235­7),   que,   se   tornando   um   “decálogo   operacional” 

transforma o que é inaceitável em “vantagens relativas” (Menegat, 2006: 97).

Abandonando  o  marxismo   tradicional  pelas   suas   insuficiências   teóricas,  boa  parte 

dessa   geração   acabou   encontrando   saídas   para   dentro   do   próprio   sistema.   Fazendo   da 

7

necessidade   virtude,   traduziram   em   termos   pseudo­teóricos,   na   verdade   prescrições 

apologéticas, os impasses regressivos de uma crise estabilizada.

Nesta  tese analiso a  trajetória  de  Manuel Castells  como caso expressivo do pós­

marxismo legal,  uma geração que,  abrindo mão do marxismo para enfrentar  os  desafios 

contemporâneos,   acabou   ressaltando   as   realizações   do   capitalismo,   abandonando   a 

perspectiva de derrubá­lo. 

Por   que   Castells?  Na   sua   obra   inicial,   nos   anos   70,   ele   teve   influência   e 

reconhecimento pela sua proposta de abordagem marxista das questões urbanas. Agora ele é 

reconhecido por  enfrentar as questões contemporâneas, tal como elas são. Sem marxismo, 

sem dogmas,   orientando  uma   ação   responsável   e   ainda   trazendo   esperança  neste  mundo 

flexível2.  É   lido  por   aqueles   que   foram marxistas   e   se   des­radicalizaram,   e   também por 

aqueles que nunca passaram pelo marxismo. Pela sua pretensão de formular uma teoria social 

do nosso  tempo histórico,  sua obra é  de caráter  enciclopédico e  atrai   leituras de diversas 

disciplinas   (antropologia,   sociologia,   comunicação)   que   procuram   nela   aspectos   parciais 

(tecnologia, movimentos sociais, Estado, economia)3. 

Devido à   importância das  tecnologias de  informação e comunicação nos processos 

produtivos e de sua penetração crescente na vida cotidiana das pessoas, foi ganhando espaço a 

noção de  Sociedade da Informação  e outras semelhantes. Comparece em políticas públicas, 

2 Temos uma amostra no blog do Geraldão, candidato a Deputado Federal do Rio Grande do Norte pelo PT nas eleições de 2010: “Ao final, poucos resistem ao ensejo recomendatório envolvendo A sociedade em rede. De forma sedutora, Castells renuncia ao niilismo, ao ceticismo e à descrença política do 'fim da história'; ao contrário,   talvez   esta   nunca   tenha   caminhado   para   o   futuro   com   tanto   vigor   e   rapidez.   Por   querer, envolvemos­nos sem cautela nas  redes  e  nas  possibilidades  inéditas  de  inovar  e  reconstruir  paradigmas tecnológicos e informacionais. Seduz­nos não viver em um sistema, mas visitar as múltiplas janelas abertas de   um   mundo   flexível   em   eterna   reconstrução”.   Disponível   em: http://geraldaopt.blogspot.com/2010/07/resenha­sociedade­em­rede­manuel.html.  Também  lemos  que  uma das propostas de campanha mais importantes do Geraldão, e “que conta com o apoio de Dilma, é oferecer conexão em banda larga à internet para todos o lares brasileiros. Mais do que a democratização de um meio que se torna a cada dia mais vital no mundo contemporâneo, a proposta visa inserir em iguais condições todas   as   faixas   sociais   no   acesso   à   informação,   à   educação   e   à   formação   profissional   que   hoje   não prescindem da internet”. Disponível em: http://geraldaopt.blogspot.com/

3 O livro Conversations with Manuel Castells, de 2003, faz parte de uma série de entrevistas com “cientistas sociais  destacados” que reúne, entre outros,  a Zygmunt Bauman,  Anthony Giddens,  Ulrich Beck, Terry Eagleton, Stuart Hall, Richard Sennet, Slavoj Zizek (Cfr. Castells, 2003).

8

fóruns e cúpulas nacionais e  internacionais,  e em debates  e ações de ONGs, movimentos 

sociais, partidos políticos, sindicatos de imprensa, associações civis, empresas. A obra recente 

de Castells é uma referência nesse campo. É um dos autores mais divulgados e citados que 

vem  desenvolvendo essa perspectiva de análise4.  Ainda, parece se erigir como um guia de 

ação   para   ativistas   que   querem   intervir   nesta   sociedade.  Essa   noção   de   Sociedade 

Informacional   ou   em   Rede,   que   pretende   dar   conta   da   especificidade   das   sociedades 

contemporâneas,   tem   consequências   teóricas   e   políticas   regressivas.   Ela   legitima   o 

desenvolvimento   tecnológico   do     capitalismo   contemporâneo   como   promessa   efetiva   de 

emancipação. 

Os assuntos que Castells trata na sua obra recente fazem parte de um debate que o 

transcende e o supera. Não considero que seja a expressão melhor acabada desses debates. Me 

interessa fundamentalmente sua trajetória, pois exemplifica e concretiza o percurso geral de 

uma  geração,   desventura   de  uma   legião  de   intelectuais.  Embora   a   riqueza  de   itinerários 

individuais  não se deixa  reduzir  a  uma história  massificante,  é  possível  procurar  núcleos 

coerentes que revelem a matriz dessa trajetória. Dois núcleos fundamentais são a concepção 

de crise e o lugar atribuído ao desenvolvimento das forças produtivas.

Em termos mais abrangentes, faz parte de uma matriz de pensamento que alimenta os 

debates de uma renovada esquerda desenvolvimentista que pretende ensinar hoje à burguesia 

os caminhos de um capitalismo virtuoso5.

Aqui analiso as inconsistências e insuficiências dessa ideia de sociedade informacional 

para   compreender   as   potencialidades   do   desenvolvimento   tecnológico   atual.   A   sua 

inconsistência é percebida numa análise imanente, interna, da própria construção conceitual 

4 Como mostra disso,  das  156 publicações  sugeridas  pelo site  da Cúpula Mundial  sobre a  Sociedade da Informação, 14 referencias são livros em diferentes edições e traduções do Manuel Castells, sendo o autor que mais aparece na listagem. Os autores que continuam na ordem tem só 4 referencias. Disponível em: http://www.itu.int/wsis/documents/bibliography­es.html

5 Lula afirmou num comício em Porto Alegre, no dia 29 de julho de 2010: "a elite capitalista brasileira que dirigia este país não sabia o que era capitalismo. Precisou entrar na Presidência um metalúrgico socialista para   ensinar   a   eles   como   se   faz   capitalismo   neste   país".  Disponível   em: http://jptportoalegre.blogspot.com/2010/07/lula­direita­tenta­dar­golpe­cada­24.html. Por sua vez, o estouro da   crise  na  Grécia   em maio  de  2010 evidenciava  para   a  presidenta  Cristina  Fernández  de  Kirchner   a insustentabilidade das receitas que geram exclusão. Aproveitando a ocasião, e como contra­exemplo exitoso, parabenizou ao presidente de IBM na Argentina, porque "não esperaram a que existisse a demanda para investir, mas geraram a oferta e assim construíram a demanda”. Devia ser um exemplo: “nossos empresários teriam que se acostumar com essa ideia: gerar a oferta, investir e não esperar a que exista demanda para fazê­lo".   Trata­se   de   um   “capitalismo   verdadeiro”.  Disponível   em: http://www.pagina12.com.ar/diario/ultimas/subnotas/145236­46620­2010­05­06.html

9

de Castells. A sua insuficiência é analisada contrastando essa construção conceitual com uma 

crítica radical das categorias do capital, iniciada por Marx, que continua seu desenvolvimento 

atualmente, e que leva a uma análise da crise estrutural do capital e da impossibilidade de 

efetivar as promessas da tecnologia sem superar essa ordem social.

O  pensamento  des­radicalizado  constitui   uma   parte   substantiva   do   que   minha 

geração   e   as   posteriores   recebemos   como  herança   intelectual.  Daí   a   importância   desse 

balanço. A sua crítica também pretende mostrar que uma crítica radical ainda é necessária e 

está sendo desenvolvida. Diante do cenário de crise estrutural, um verdadeiro realismo exige 

uma  crítica das categorias de base do capital (valor, trabalho, forças produtivas) que 

oriente uma práxis revolucionária. 

10

I. A ATUALIDADE DA CRÍTICA RADICAL

1. A sociedade moderna e suas abstrações reais: valor, trabalho, força produtiva

Marx atribui ao  processo de trabalho  uma dimensão qualitativa e ao  processo de 

valorização uma dimensão quantitativa, correspondente à distinção entre valor de uso e valor, 

entre   trabalho concreto e  trabalho abstrato6.  A máquina enquanto  instrumento de  trabalho 

cumpre com as exigências do processo de trabalho, produzir um valor de uso. A máquina 

enquanto   momento   do   capital   cumpre   com   as   exigências   do   processo   de   valorização,   a 

valorização do valor, a produção de mais­valia. Encontramos em Marx referências ao ponto de 

vista do processo de trabalho e ao ponto de vista do processo de valorização7. 

Mas essa referencia aos pontos de vista não está aludindo à perspectiva de análise do 

observador. O que Marx mostra é que o processo de valorização, qualitativamente diferente do 

processo   de   trabalho,   por   ter   outra   finalidade,   comanda   o   processo   de   trabalho.  Essa 

subsunção do processo de trabalho numa outra totalidade, o processo de valorização, implica 

uma metamorfose, uma mudança de natureza. Transforma­se o modo de produção, o próprio 

processo de trabalho.  Só  num nível extremamente abstrato,  enquanto metabolismo entre a 

humanidade e a natureza, é que a natureza geral do processo de trabalho fica inalterada, que é 

independente das formações sociais especificas (C I, 5, 215 e 223­224).

Há  em Marx uma  crítica  formal  da sociedade moderna,  cujas   formas  básicas   são 

6 “Si parangonamos, además, el proceso en que se forma valor y el proceso de trabajo, veremos que éste último consiste en el trabajo útil que produce valores de uso. Se analiza aquí el movimiento desde el punto de vista  cualitativo, en su modo y manera particular,  según su objetivo y contenido.  En el  proceso de formación del valor, el mismo proceso laboral se presenta sólo en su aspecto cuantitativo. Se trata aquí, únicamente, del tiempo que el trabajo requiere para su ejecución, o del tiempo durante el cual se gasta de manera útil la fuerza de trabajo” (Marx, C I, 5, 237). Como referência à obra O Capital  utilizo a letra C, seguida do número do livro em número romano, do número do capítulo, e finalmente do número da página. Os Grundrisse serão referidos com Gr. seguido do número do volume em romano e do número de página. As citações correspondem as edições em espanhol da editorial Siglo XXI.

7 Por exemplo: “Los mismos componentes del capital  que desde el punto de vista del  proceso laboral  se distinguían  como  factores  objetivos   y   subjetivos,   como  medios  de  producción   y   fuerza  de   trabajo,   se diferencian desde el punto de vista del proceso de valorización como capital constante y capital variable” (C I, 6, 253).

11

geralmente naturalizadas e ontologizadas (Kurz, 1992: 22)8. Marx identificou na mercadoria a 

forma   elementar   da   sociedade   burguesa,   que   encerra   os   traços   essenciais   do   modo   de 

produção   capitalista.  A   contradição   entre   o   abstrato   e   o   concreto   contida  na  mercadoria 

regressa em cada estádio de análise,  constituindo a contradição fundamental  da formação 

social  capitalista   (Jappe,  2006:  37).  A exposição  conceitual  da   lógica  da  mercadoria  é   a 

descrição mais adequada “dessa dominação da forma sobre o conteúdo” (idem: 173).

Na relação entre a circulação simples de mercadorias e a circulação do capital, Marx se 

pergunta como “uma diferença puramente formal haveria de transformar como por arte de 

magia a  natureza desses  processos” (C I,  4,  190).  Na  transformação em momento de um 

processo maior,  Marx se  inspira  “na  figura   lógica da  'Aufhebung'  hegeliana,  significando 

tanto a negação como a conservação, momentos opostos da elevação ou superação de uma 

forma pela outra, em que a mais elevada dá à anterior um novo fundamento, conservando­a 

apenas em função deste e não em si mesma” (Grespan, 1999: 111).

Com o conceito de abstração real, é “a subordinação muito real do conteúdo concreto 

à forma abstrata que é posta em discussão” (Jappe, 2006: 74). 

A potencialidade crítica da análise marxiana está na compreensão da metamorfose que 

sofre o processo do trabalho e o processo de reprodução social como um todo, comandado 

pelo processo de valorização. Assim, não há oposição entre o processo de trabalho e processo 

de valorização, mas transmutação do processo de trabalho pelo processo de valorização. 

“A ideia do caráter duplo da mercadoria enquanto valor e valor de uso revela­se claramente 

como parte de uma análise crítica que vai além de uma recusa romântica do abstrato (valor) 

em nome do concreto (valor­de­uso). Essa análise é, melhor dizendo, a de uma 'substância' 

que flui sem ser idêntica com as várias formas de manifestação que adquire no decorrer desse 

desenvolvimento” (Postone, 2009)9.

8 Contrário a isso, “a crítica direta das ciências naturais e da industrialização tem efeito quase afirmativo por ignorar   a   condicionalidade   histórica   das   formações   sociais   reais,   interpretando   as   crises   em   sentido ontológico”.   Isso   leva a  uma “ideologia  de   legitimação negativa”   (Kurz,  1992:  19).  Durkheim,  Mauss, Polanyi, contribuíram com análises importantes para a crítica do fetichismo e a crítica da economia, mas sem “o nível de compreensão das formas de base que distingue a obra de Marx” (Jappe, 2006: 15 e 22). O “capitalismo” é uma maneira conceitualmente mais rigorosa de analisar a “modernidade” (Postone, 2009: 324).

9 Cfr. também Grespan (1999: 65): “Nesta acepção de 'coisa social', o valor não é simplesmente diverso do valor­de­uso, já que o trabalho abstrato não é mero gênero que abrange os trabalhos concreto­específicos, distinguindo­se deles só por isso; é também uma 'substância', algo real que se opõe a eles, pois sua realidade 

12

Numa perspectiva de crítica do valor a leitura da obra de Marx enfatiza o  caráter 

histórico   das   categorias  valor   e   trabalho   enquanto   categorias   específicas   do   modo   de 

produção capitalista10. Neste sentido, a crítica ao marxismo tradicional diferencia­se do apego 

deste a um caráter ontológico e a­histórico destas categorias, isto é, a suposição de que essas 

categorias têm uma transcendência a­histórica (Cfr. Postone, 2006 e 2009).

A distinção de Marx entre  valor  e riqueza material é “entre uma forma de riqueza 

determinada  pelo  dispêndio  de   tempo   e   uma  baseada  na  natureza   e   quantidade   de  bens 

produzidos” (Postone, 2009:  315). O valor é um tipo específico de riqueza que depende do 

“tempo   de   trabalho   e  da  magnitude  do   trabalho   empregado”   (Postone,   2006:   69).  Na 

produção de valor é apenas e exclusivamente o dispêndio de força de trabalho que conta, sem 

consideração do valor de uso em que esse dispêndio se realiza. O valor é a cristalização da 

geleia de trabalho abstrato, despido de sua forma concreta (Jappe, 2006: 30). Essa distinção é 

fundamental e permite compreender que a produção de valor “não enriquece a sociedade”, a 

sobreprodução de valor significa “demasiada riqueza sob as respectivas formas capitalistas”, 

“o trabalho enquanto concebido como criador de valor, não produz conteúdo algum. Não cria 

nem produtos, nem serviços, mas apenas uma forma pura” (idem: 53­4).

O  trabalho,   essa   “abstração   da   atividade   reprodutiva”,   nasceu   apenas   com   o 

moderno   sistema   produtor   de   mercadorias.   Em   muitas   culturas   não   existia   um   conceito 

abstrato de trabalho mas diversos conceitos concretos e contextuais de atividade (Kurz, 1995). 

A distinção entre  trabalho  abstrato e  concreto conduz a  pôr  em discussão “não apenas  o 

'trabalho abstrato', mas também o trabalho enquanto tal”. É que o trabalho é um fenômeno 

histórico que só existe nas circunstancias em que existam o trabalho abstrato e o valor. Ainda, 

o conceito de trabalho concreto “é ele mesmo uma abstração, porque nele se separa, no espaço 

e no tempo, uma certa forma de atividade do campo conjunto das atividades humanas:  o 

consumo, o jogo e a diversão, o ritual, a participação nos assuntos coletivos”. O trabalho, é, 

é a de um processo que os subordina e controla. Daí Marx afirmar que o trabalho abstrato é o 'contrário imediato' do trabalho concreto e  também que o valor está  em oposição ao valor­de­uso, e não em uma simples diferença”.

10 A crítica do valor mobilizaria autores como Rubin, Rosdolsky, Kurz, Jappe, Postone, entre outros.

13

pois “uma maneira especificamente moderna de organizar as atividades produtivas sob forma 

de esfera separada” que se tornou “autônoma e superior às outras”. “Somente no capitalismo o 

trabalho   enquanto   tal   se   converteu   em  princípio   de   síntese  da   sociedade.   Só   aqui   a 

transformação   tautológica   do   trabalho   vivo   em   trabalho   morto   se   torna   o   princípio 

organizador de todas as atividades, de tal maneira que estas não existem senão em função 

dela” (Jappe, 2006: 110­1 e 117­9).

A determinação do valor e o trabalho enquanto categorias específicas do capital deve 

ser estendida à categoria forças produtivas. O que pretendemos mostrar é que a categoria 

forças produtivas só tem validez sob o modo de produção capitalista.

O marxismo tradicional concebe as forças produtivas enquanto  dimensão puramente 

técnica, extrínseca ao capitalismo e travada pelas relações sociais capitalistas11. Isso implica 

numa noção  das  forças  produtivas  de  caráter   antropológico  que  expressaria  determinadas 

objetivações   na   relação  do  homem com a  natureza  que  podemos   encontrar   em  todas   as 

sociedades. Podemos encontrar essa noção de caráter antropológico, por exemplo, em Manuel 

Castells (1978: 74­5). Ele refere­se ao 

“desenvolvimento das forças produtivas, ou seja, relação entre o trabalho e a natureza através dos meios de produção, dentro de uma relação social geral organizada pelo capital. O desenvolvimento das forças produtivas significa a capacidade do  trabalho humano para transformar a natureza (e para transformar­se a si mesmo) mediante a combinação de  energia  e  informação dentro de um processo de  transformação da matéria” [para a  combinação de energia e   informação remete a Jacques Attali, La parole et l'outil].

Podemos   trazer   dois   exemplos   dos  “Manuscritos   de   1861­1863”   de   Marx  para 

compreender a sua abordagem da questão técnica: o relógio e a máquina. Marx se pergunta o 

“que   aconteceria   se   não   existisse   o   relógio,   num período   no  qual   tem  uma   importância 

decisiva o custo das mercadorias e, portanto, também o  tempo de trabalho necessário para 

sua  produção?”   (Marx,  1980:  90).  A vinculação  do  relógio  com o   império  do   tempo de 

trabalho necessário como medida da mercadoria mostra, na análise, uma  junção da forma 

com a matéria, da  necessidade sistêmica com a possibilidade técnica. Essa dialética de 

necessidade   e   possibilidade   foge   tanto   do   determinismo   tecnológico   quanto   do 

11 Postone já aponta isso no seu texto de 1978, “Necessity, labour and time: a reinterpretation of the marxian critique of capitalism ”, e o desenvolverá na sua obra posterior (Cfr. 1978).

14

indeterminismo tecnológico, isto é, da assunção de um caráter neutral da técnica.

Por outro lado, para Marx, a determinação da máquina em termos tecnológicos, com as 

quais ele se deparava na literatura da época (i.e, a máquina enquanto instrumento complexo, e 

o   instrumento   enquanto   máquina   simples),   não   conseguiam   “explicar   as   transformações 

sociais” (idem: 115). Na sua análise, com a  máquina  não se tratava “de uma determinação 

tecnológica rígida qualquer, mas de uma revolução no emprego dos instrumentos de trabalho 

que prefigura já o modo de produção e, ao mesmo tempo, também as relações de produção” 

(idem:  74).  Propõe,  então,  distinguir  entre o  emprego da  máquina de  maneira capitalista, 

“autonomizado como forma do capital  em face  do   trabalhador”  e  a   sua  “fase   infantil” 

enquanto forma simplesmente mais produtiva que o velho instrumento artesanal (idem: 52).

A   noção  antropológica  das   forças   produtivas   perde   essa   especificidade   histórica 

fundamental.  A   própria   separação   entre   forças   produtivas   e   relações   de  produção   não   é 

ontológica, isto é,  transistórica e válida para todo o desenvolvimento da humanidade, mas é 

dada  por   uma   condição   específica   na  qual   a   técnica  passa   a   se   desenvolver   de  maneira 

autonomizada  como   forma do  capital.  A   força  produtiva  é   essa  maneira   especificamente 

capitalista de desenvolver e empregar a técnica, na forma de uma esfera autonomizada12. 

A  extensão que estamos propondo da determinação do valor e do trabalho enquanto 

categorias específicas do capital para a categoria forças produtivas, não é uma mera analogia. 

Eles   são   campos   autonomizados   vinculados   entre   si.   Na   sua   obediência   a   princípios 

abstratos13, a constituição das categorias historicamente específicas de valor, trabalho e força 

produtiva fazem parte de um mesmo processo lógico­histórico. 

O capitalismo só nasceu com a transformação dos meios de produção e da força de 

trabalho humana em capital industrial (Kurz, 1995). Mas não é o desenvolvimento das forças 

produtivas o que explica a origem do capitalismo. Ao contrário, a premissa de Marx é que o 

que   deve   ser   explicado   é   exatamente   a   origem  do  impulso   distintivo   do   capitalismo  a 

12 “Os meios de que a sociedade dispõe para alcançar os seus objetivos qualitativos transformaram­se numa potência independente, e a própria sociedade vê­se reduzida ao estatuto de meio ao serviço de um meio que se tornou finalidade” (Jappe, 2006: 62).

13 “A   centralidade   do   trabalho,   como   incremento   produtivo   por   excelência,   e   da   ciência,   como   terreno privilegiado do desenvolvimento das forças produtivas” são “parte daquelas práticas autônomas interpostas entre o sujeito e a natureza”, “atividades quantificadoras que obedecem a princípios abstratos” (Menegat, 2003: 35).

15

transformar as forças produtivas. “O impulso a transformar as forças produtivas não foi a 

causa mas o resultado de uma transformação nas relações de produção e de classe” (Wood, 

2000: 160­1). Ellen Wood chama a atenção para o fato de que nas próprias descrições de Marx 

sobre as transições históricas, o desenvolvimento das forças produtivas representa um pequeno 

papel como motor primário14. 

Veremos a análise de Marx desse processo chamado de subsunção real que implica o 

nascimento das forças produtivas  enquanto categoria do capital. Nesse processo histórico, 

“o  trabalho   abstrato  é   menos   uma   pressuposição   do   que   uma  consequência   do 

desenvolvimento capitalista das forças produtivas” (Jappe, 2006: 87). O trabalho, enquanto 

labor, estafa e moléstia, ocupava o horizonte da vida da maioria das pessoas, devido ao “grau 

de desenvolvimento relativamente baixo das forças produtivas”. Numa inversão dessa lógica, 

no sistema produtor de mercadorias, à medida que as forças produtivas rompem a coação e a 

prisão   da   “primeira   natureza”,   passam   a   ser   presas   numa   coação   social   secundária, 

inconscientemente produzida. Precisamente “nessa inversão origina­se o caráter do trabalho 

moderno, de atividade que traz em si sua própria finalidade” (Kurz, 1992: 23­28).

As forças produtivas são uma abstração real que subordina o conteúdo concreto do 

desenvolvimento tecnológico à forma do valor. A técnica é um meio para obter um fim, mas 

subsumido pela forma das forças produtivas, vê seu conteúdo ser direcionado em função de 

fins   não   determinados   por   necessidades   humanas,   mas   pelo   capital   e   sua   permanente 

valorização.  

Postone   (2009:   308)   adverte   que   se   bem é   nos  Grundrisse  que   se   encontra  mais 

explicitado o caráter histórico das categorias, é a partir dessa compreensão que O Capital deve 

ser lido, pois a natureza geral da crítica se mantém a mesma nas duas obras. Na exposição de 

O   Capital  podemos   apreender   a   vinculação   entre   as   categorias   valor,   trabalho   e   forças 

produtivas.

Os primeiros quatro capítulos de O Capital são fundamentais na construção categorial 

14 Nesse sentido, cabe ressaltar que Marx sinaliza como princípio econômico do modo de produção escravista o uso de instrumentos de trabalho que “pela sua tosca rusticidade” são mais difíceis de serem quebrados (C I, 5, 238, nota 17).

16

do modo de produção capitalista. Neles, a categoria valor vai sendo analisada na sua forma e 

conteúdo, vai sendo apresentada, desenvolvida. É de fundamental importância compreender o 

sentido do  valor  nessa forma específica de sociabilidade que é a burguesa, baseada numa 

“dualidade  fundamental  entre  o  caráter   imediatamente privado e  aquele  só  mediadamente 

social do trabalho” (Grespan, 1999: 60)15. O valor é o nexo social de produtores privados, que 

se apresenta como relações entre coisas. 

Daí  o   fetichismo,  analisado por  Marx  não como mera   ilusão mas  como aparência 

necessária   dessa   forma   de   sociabilidade.  O   caráter   fetichista   do   mundo   das   mercadorias 

origina­se “na peculiar índole social do trabalho que produz mercadorias” (C I, 1, 88­9)16.

Depois de uma longa pesquisa, na qual dialoga criticamente com a economia política 

clássica, Marx chega a um resultado fundamental na sua compreensão do modo de produção 

capitalista: a natureza dual da mercadoria enquanto valor de uso e valor, e a correspondente 

natureza dual do trabalho inserido na mercadoria, trabalho concreto e abstrato (C I, 1, 51). 

Isaak Illich Rubin, no seu estudo clássico de 1928, distingue os diferentes aspectos nos 

quais   deve   ser   considerado  o  valor:   a  magnitude,   a   forma   e   a   substância   (conteúdo).  O 

trabalho abstrato é a substancia que se expressa no valor de um produto do trabalho (Rubin, 

1980: 90). O trabalho abstrato, trabalho despido do seu caráter útil de produtor de valores de 

uso,   é   uma   “objetividade   fantasmagórica,   uma   simples   gelatina   de   trabalho   humano 

indiferenciado, isto é, do dispêndio de força de trabalho humano, sem consideração pela forma 

como foi dispendida”. A  magnitude  do valor está  determinada pelo “tempo de trabalho 

socialmente necessário para a produção de valor de uso”. Socialmente necessário quer dizer 

“nas   condições   dadas   de   produção   socialmente  normais,   e   com  o  grau   social  médio   de 

habilidade e de intensidade de trabalho” (C I, 1, 47­8). O tempo de trabalho na formação de 

15 “La misma división del   trabajo que  los  convierte  en  productores  privados  independientes,  hace  que el proceso de producción y las relaciones suyas dentro de ese proceso sean independientes de ellos mismos, y que   la   independencia   recíproca   entre   las   personas   se   complemente   con   un   sistema   de   dependencia multilateral y propio de cosas” (C I, 3, 131).

16 “Os  homens  põem em relação os   seus   trabalhos  privados,  não diretamente,  mas somente  numa  forma objetiva, sob uma aparência de coisa, a saber, como trabalho humano igual, exprimido, num valor de uso. Contudo, não o sabem e atribuem os movimentos dos seus produtos a qualidades naturais dos mesmos”. “O fetichismo não é apenas uma representação invertida da realidade, mas uma inversão da própria realidade”. Há  uma  identidade entre a   teoria  do valor  e  a   teoria  do fetichismo;  valor e  mercadoria são categorias fetichistas que dão fundamento a uma sociedade fetichista (Jappe, 2006: 33­4).

17

valor “conta unicamente na medida em que o tempo gasto para a produção do valor de uso 

seja socialmente necessário”, o “tempo supérfluo não geraria valor ou dinheiro” (C I, 5, 237).

Ao   tratar   da   transformação  do  dinheiro   em   capital,   Marx   contrapõe   a  circulação 

mercantil simples (simbolizada na fórmula M­D­M) com a circulação do dinheiro enquanto 

capital  (D­M­D').   Ele   mostra   como   “o   dinheiro,   obedecendo   a   uma   necessidade   social 

derivada das circunstâncias do processo de circulação, se converte em fim último da venda” 

(C I, 3, 166). É  de fundamental importância atentar para a diferença qualitativa, essencial, 

existente entre os dos circuitos. 

“La reiteración o renovación del acto de  vender para comprar  encuentra su medida y su meta, como ese proceso mismo, en un objetivo final ubicado fuera de éste: el consumo, la satisfacción de determinadas necesidades. Por el contrario, en la compra para la venta, el principio y el fin son la misma cosa, dinero, valor de cambio, y ya por eso mismo el proceso resulta carente de término”. La circulación del  dinero como capital  es “un fin  en sí,  pues   la  valorización del  valor  existe únicamente en el marco de este movimiento renovado sin cesar. El movimiento del capital, por ende, es carente de medida” (C I, 4, 185­6).

Na   transformação   do   dinheiro   em   capital  ocorre   uma   mudança   fundamental.   A 

circulação  simples  de  mercadorias,   cuja   finalidade  é   a  procura  de  um valor  de  uso  para 

satisfazer uma necessidade, é subsumida pela produção capitalista. Nesta, não se vende para 

comprar, mas se compra para vender. A finalidade mudou. Da satisfação de uma necessidade 

através da obtenção de um valor de uso, passa­se agora à procura infinita de mais valor. Na 

infinitude deste movimento, sem referencia externa ao capital, reside uma primeira desmedida 

do processo capitalista de acumulação, a medida da autovalorização (Grespan, 1999: 130)17.

Nesse processo desmedido, o valor que se auto­valoriza, o capital, torna­se um sujeito 

automático:  “El   valor  pasa   constantemente  de  una   forma  a   la  otra,   sin   perderse   en  ese 

movimiento, convirtiéndose así en un sujeto automático”; “el valor se convierte en el sujeto 

de  un   proceso   en   el   cual,   cambiando   continuamente   las   formas  de  dinero  y   mercancía, 

modifica  su  propia  magnitud,  en  cuanto  plusvalor  se  desprende de  sí  mismo como valor 

originario, se autovaloriza” (C I, 4, 188).

O capital enquanto 'sujeito automático' é o resultado do desenvolvimento da categoria 

valor  dos  primeiros  quatro  capítulos  d'O  Capital.  E  é   o  ponto  de  partida  para   a   análise 

posterior das transformações que o capital produz comandando o processo de valorização.

17 Marx   deduz   a   desmedida   do   capital   do   próprio   conceito   de   capital,   da   contradição   entre   o   caráter qualitativamente ilimitado e quantitativamente limitado do dinheiro (Jappe, 2006: 132).

18

Marx mostra no capítulo 5 como, ao processo de trabalho que produz valores de uso, 

sobrepõe­se   agora   a   produção   de   valor   que   se   valoriza   pelo   processo   de   valorização. 

Correspondente à  analise da mercadoria enquanto unidade contraditória de valor de uso e 

valor, o processo de produção capitalista é  concebido como uma “unidade do processo de 

trabalho e do processo de valorização” (C I, 5, 239). Para definir o processo de valorização, 

Marx deve compreender o processo de produção de valor, e para isso, resolver o enigma da 

fonte do valor. Chega à determinação da força de trabalho enquanto mercadoria, com valor de 

uso e valor. O valor de uso da força de trabalho, que o distingue do resto das mercadorias, é a 

própria capacidade de produzir valor (C I, 4)18.   O processo de valorização é o processo de 

formação de valor prolongado além do ponto em que se produz um equivalente ao valor da 

força de  trabalho  pago pelo  capital,  ou seja  é  um processo de produção de valor  que se 

valoriza, produção de mais­valia (C I, 5, 236). Nesse percurso, Marx chega à categoria  de 

capital variável, contraposta à de capital constante, categorias às quais não tinha chegado a 

economia política clássica, obturando a compreensão da fonte de criação de valor. Capital 

variável é a parte do capital convertida em força de trabalho que cambia seu valor no processo 

de produção (C I, 6, 252).

A taxa de mais­valia é determinada como a 'proporção entre a mais­valia e o capital 

variável'. Em outros termos, também se expressa como a 'proporção entre o trabalho excedente 

e o trabalho necessário' (C I, 7). Deduz­se que a procura desmedida do capital em valorizar­se 

leve   à   necessidade   de   aumentar   a   diferença   entre   estas   duas   magnitudes.  Uma   primeira 

alternativa é aumentar o trabalho excedente alongando a própria jornada de trabalho, o que 

Marx chama de mais­valia absoluta. É uma alternativa que se defronta com barreiras físicas 

e morais (C, I, 8, 279). Marx se pregunta, então, “cómo se puede aumentar la producción de 

plusvalor, esto es, el plustrabajo, sin ninguna prolongación ulterior o independientemente de 

toda prolongación ulterior” da jornada de trabalho (C I, 10, 379). A mais­valia relativa surge 

como   resposta   a   esse   limite.  O   valor   da   força   de   trabalho   mantem­se   constante   “bajo 

determinadas condiciones de producción, en determinado estadio del desarrollo económico de 

18 Marx considerava que o 'segredo da concepção crítica' residia no reconhecimento de que o caráter duplo da mercadoria se desdobrava no caráter duplo do trabalho. Enquanto que “a simples análise do trabalho 'sem qualificativos'”,   dos   economistas   como   Smith   e   Ricardo,   “tropeça   forçosamente   por   toda   a   parte   em problemas que não consegue explicar” (Marx apud Jappe, 2006: 65).

19

la sociedad”. A superação histórica desse limite abre uma nova possibilidade para o aumento 

da mais­valia: que o valor da força de trabalho diminua. Havendo determinado o valor da 

força de trabalho como o valor dos meios de sua sobrevivência, e o valor destes como o tempo 

socialmente necessário para sua produção, Marx chega à conclusão de que para baixar o valor 

da força de trabalho, é preciso reduzir o tempo socialmente necessário para a produção dos 

meios de sobrevivência dos  trabalhadores.   Isso requer um aumento da força produtiva do 

trabalho, entendido por Marx, em geral, como uma  “modificación en el proceso de trabajo 

gracias a la cual se reduzca el tiempo de trabajo socialmente requerido para la producción de 

una mercancía, o sea que una cantidad menor de trabajo adquiera la capacidad de producir una 

cantidad mayor de valor de uso” (C I, 10, 382). 

Vejamos   mais   aprofundadamente  a   maneira   como   o   desenvolvimento   da   força 

produtiva do trabalho determina o aumento da mais­valia. O processo começa quando um 

capitalista   individual  acrescenta  a   força  produtiva  do   trabalho.  Quando  isso  acontece,  “el 

valor individual de cada una de sus mercancías se halla por debajo de su valor social, esto es, 

cuesta  menos   tiempo   de   trabajo  que   la   gran  masa   del   mismo  artículo  producida   en   las 

condiciones sociales medias [...] El valor real de una mercancía, sin embargo, no es su valor 

individual, si no su valor  social, esto es, no se mide por el tiempo de trabajo que insume 

efectivamente   al   productor   en   cada   caso   individual,   sino   por   el  tiempo   de   trabajo 

socialmente requerido para su producción”.  A força produtiva do trabalho na sua fábrica é 

maior do que nas outras, as suas condições de produção estão acima das  'condições sociais 

medias' e portanto o tempo de trabalho para a produção das mercadorias é menor ao 'tempo 

socialmente necessário'. Isso possibilita essa diferença entre o valor individual e o valor social 

das mercadorias e permite ao capitalista individual vender suas mercadorias “por encima de 

su  valor   individual,  pues,  pero  por  debajo  de  su  valor   social”.  Nessa  etapa,  o  capitalista 

individual   obtém   uma   mais­valia   extraordinária,   pelo   'trabalho   potenciado'   gerado   pela 

inovação que ele introduziu. A segunda etapa do processo é a da generalização da inovação 

antes   isolada numa fábrica  individual,   fazendo desaparecer  essa mais­valia  extraordinária. 

Ainda que o capitalista individual tente prolongar o maior tempo possível essa situação inicial 

na qual só ele recolhe os frutos desse trabalho potenciado, a lei coativa da concorrência obriga 

20

ao  resto dos  capitalistas  a   se  adaptar  ao  novo patamar  produtivo.  Se  não o  fizerem,  não 

conseguirão vender seus produtos no mercado. “La misma ley de la determinación del valor 

por   el   tiempo   de   trabajo   [...]  impele  a   sus   rivales,   actuando   como  ley   coactiva   de   la 

competencia, a introducir el nuevo modo de producción”. Numa terceira etapa decorrente 

da   anterior,   a  generalização   desse   desenvolvimento  da   força   produtiva   atinge   os   ramos 

vinculados com a  produção de meios de sobrevivência, diminuindo o valor dos mesmos e 

portanto o valor da força de trabalho (C I, 10, 385­7)19. 

Podemos  perceber  que  vinculado  ou  não com os   ramos  de  produção de  meios  de 

sobrevivência, “para cada capitalista existe el motivo de abaratar la mercancía por medio 

de una fuerza productiva del trabajo acrecentada” (C I, 10, 386). E ainda, que a lei coativa 

da concorrência  impele os capitalistas a   introduzir  as  inovações  feitas  pelos concorrentes. 

Com a mais­valia relativa  “no basta que el capital se apodere del proceso de trabajo en su 

figura históricamente tradicional o establecida y se limite a prolongar su duración”, “el capital 

tiene que revolucionar las condiciones técnicas y sociales del proceso de trabajo, y por tanto 

el modo de producción mismo” (C I, 10, 379­382). 

Tínhamos encontrado na infinitude do movimento do capital um primeiro significado 

da  desmedida  do  processo   capitalista  de   acumulação,   a  medida  da  autovalorização.  Esse 

significado   da  desmedida  transfere­se   para   o   próprio   desenvolvimento   da   força 

produtiva, pois ele é guiado pela procura infinita de mais­valia, “sem referencia externa ao 

capital”.

A   procura   constante   de   condições   superiores   de   produção   ou   da   adaptação   às 

“condições   normais   de  produção”,   ao   padrão   normal   dos   fatores   objetivos   por   parte   do 

capitalista,  é   a  medida  nessa  motivação  desmedida   em desenvolver   a   força  produtiva  do 

19 Também  nos   “Manuscritos   de   1861­1863”:   a   força  produtiva   torna   o   trabalho   superior   em  relação  ao trabalho médio e permite se apropriar na venda da mercadoria dessa mais­valia produzida (Marx, 1980: 39). Dado que o valor da mercadoria está determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para sua produção nas condições sociais de produção, o capitalista que introduz uma máquina num ramo da produção consegue produzir a mercadoria num tempo menor. Pode vender então sua mercadoria a um preço maior que seu   valor   individual   embora   seja   um   preço   inferior   a   seu   valor   social.   Para   este   capitalista,   nessas circunstâncias, um número menor de operários produz de fato mais mais­valia que a produzida antes por um número maior de operários. Mas uma vez que se generaliza o emprego da máquina no ramo de produção apaga­se   a  diferencia   entre  valor   social   e  valor   individual.  Então  a  massa  da  mais­valia  diminui  pela diminuição do número de operários. Ela pode crescer então pela extensão da jornada de trabalho ou então pelo aumento da intensidade do trabalho (idem: 149­51).

21

trabalho.  “O   capital,   tendendo   a   enriquecer­se   sem   limites,   tende   por   sua   vez   a   uma 

ampliação ilimitada das forças produtivas” (Marx, 1980: 145). 

Já observamos que a magnitude do valor estava determinada pelo tempo de trabalho 

socialmente necessário para a produção de valor de uso, nas condiciones normais de produção 

vigentes. Ora, com o processo de transformação da base material, das condições técnicas dos 

fatores   objetivos,   o   tempo   de   trabalho   socialmente   necessário   vira   cada   vez   mais   nesse 

processo,   além   de   norma   imposta   pela   concorrência,   uma   condição   técnica.  Os   fatores 

objetivos vão se adaptando ao trabalho abstrato como substancia do valor e ao tempo 

socialmente necessário como magnitude do valor. 

Com a  Grande Indústria  coroa­se esse processo com a introdução da máquina. A 

subsunção formal torna­se também real e os meios de produção viram forças hostis para o 

trabalhador. 

Na “Grande Indústria”, capítulo mais longo dos três livros d'O Capital (C I, 13), Marx 

mostra o processo histórico de subsunção real,  a maneira como o processo de valorização 

comandou e imprimiu a sua lógica no processo de trabalho e no processo de reprodução social 

como um todo. 

Marx mostra como os próprios elementos simples do processo de trabalho sofrem uma 

metamorfose: a máquina, de mediação do trabalho transforma o trabalho vivo do operário em 

sua própria mediação. No processo de valorização,

“los  medios de producción se transforman de inmediato en medios para la absorción de trabajo ajeno. Ya no es el obrero quien emplea los medios de producción, sino los medios de producción  los que emplean al obrero.  En lugar de ser consumidos por él como elementos materiales de su actividad productiva, aquéllos lo consumen a él como fermento de su propio proceso vital, y el proceso vital del capital consiste únicamente en su movimiento como valor que se valoriza a sí  mismo” (C I, 9, 376).

Assim,  inverte­se a relação sujeito­meio. O sujeito vira meio, o meio vira sujeito e, 

ao fazê­lo,  de meio de trabalho vira meio de tortura,  substituto, assassino,  antítese direta, 

potência   hostil   em   relação   ao   sujeito   (C   I,   13,   515­30).  Marx   chama   a   atenção   para   o 

“trastrocamiento ­peculiar y característico de la producción capitalista­ de la relación que 

22

media entre el trabajo muerto y el vivo, entre el valor y la fuerza creadora de valor” (C I, 9, 

377).

O processo de  cisão das  potências   intelectuais  do processo material  de produção 

como   propriedade   alheia   e   poder   que   domina   aos   trabalhadores  consuma­se   na   Grande 

Industria   “que   separa  o   trabalho  da   ciência,   enquanto   potencia   produtiva   autônoma,   e   a 

compele   a   servir   ao   capital”   (C   I,   12,   440).  Com   esta  constituição   da   máquina   e   da 

tecnologia como poderes alheios, pela primeira vez “o operário combate contra o meio de 

trabalho mesmo,  contra o modo material de existência do capital. Sua revolta se dirige 

contra  essa   forma determinada  do  meio  de  produção  enquanto  fundamento material  do 

modo de produção capitalista” (C I, 13, 521). É que “a figura autonomizada e alienada que o 

modo de produção capitalista de produção confere em geral às condições de trabalho e ao 

produto   do   trabalho,   enfrentados   ao   operário,   desenvolve­se   com   a   maquinaria   até   se 

transformar em antítese radical” (C I, 13, 526).

Com   a   maquinaria   transformada   em   automata  essa   transmutação   entre   o   trabalho 

morto e o vivo “adquire uma realidade tecnicamente tangível” (C I, 13, 515)20. Esse trabalho 

inanimado adquire  vida.  O uso por Marx de metáforas  biológicas  como corpo,  membros, 

órgãos,  dança21,  não é  mera   licença  poética.  Elas  atribuem vida  ao  sistema de máquinas. 

Mostram como o sujeito automático do capital, revolucionando as condições técnicas, forjou o 

meio   de   trabalho   à   sua   imagem   e   semelhança.   Deu   vida   a   um   sistema   automático   que 

secundariza a mão do homem. O sistema de máquinas, como autômato, é a materialização do 

sujeito automático do capital. 

Não  é  por  acaso  que  nos  seus  “Manuscritos  de  1861­1863”,  Marx   (1980:  159­60) 

determine a submissão do trabalho do homem de carne e osso, apontada como essência da 

produção capitalista, como um  fato tecnológico. E o domínio do trabalho passado sobre o 

20 O caráter de autômato também é tratado por Marx nos Manuscritos de 1861­1863 (1980: 139). 21 “La máquina individual es desplazada aquí por un monstruo mecánico cuyo cuerpo llena fábricas enteras y 

cuya   fuerza  demoníaca,   oculta   al   principio  por   el  movimiento   casi   solemnemente   acompasado  de   sus miembros gigantescos, estalla ahora en la danza locamente febril y vertiginosa de sus innumerables órganos de trabajo” (C I, 13, 464).

23

vivo não só enquanto domínio social, exprimido na relação entre capitalista e operário, senão 

também enquanto verdade tecnológica. 

Ou então que afirme no capítulo 6 inédito do livro I d'O Capital (1978: 55) que com a 

produção de mais­valia relativa “surge (inclusive do ponto de vista tecnológico) um modo de 

produção especificamente capitalista, sobre cuja base e com o qual se desenvolvem ao mesmo 

tempo as relações de produção – correspondentes ao processo de produção capitalista”. Em 

outros termos, o modo capitalista de produção é “um modo de produção tecnologicamente 

específico  que metamorfoseia  a  natureza  real  do  processo  de   trabalho  e  suas  condições  

reais” (idem: 66.).

Ora,  as  alusões  ao  caráter  monstruoso,  demoníaco,   louco,   febril,  vertiginoso  desse 

corpo advertem sobre a criação de um poder que pode fugir do controle do criador22.

Considerando que o capitalista está interessado não no valor absoluto da mercadoria 

mas na mais­valia   inserida nela  e  que possa realizar  na venda “queda resuelto  el  enigma 

consistente en que el capitalista, a quien sólo le interesa la producción del valor de cambio, 

pugne constantemente por reducir el valor de cambio de las mercancías” ao compreender que 

“un mismo e idéntico proceso”, o desenvolvimento da força produtiva do trabalho, “abarata 

las mercancías y acrecienta el plusvalor contenido en ellas”23.

A tecnologia tende a substituir trabalho vivo pelo trabalho morto, socavando a própria 

fonte de produção de valor24. Portanto, o emprego da maquinaria para a produção de mais­

valia, “implica una  contradicción inmanente, puesto que de los dos factores del plusvalor 

22 Marx e Engels (1997) já tinham anunciado na célebre passagem do Manifesto do Partido Comunista que “a sociedade   burguesa   moderna   que   desencadeou   meios   tão   poderosos   de   produção   e   de   intercâmbio, assemelha­se ao feiticeiro que já não consegue dominar as forças subterrâneas que invocara”.

23 “El valor de las mercancías está  en razón inversa a la fuerza productiva del trabajo. Igualmente lo está, porque se halla determinado por valores de las mercancías, el valor de la fuerza de trabajo. Por el contrario, el   plusvalor   relativo   está   en   razón   directa   a   la   fuerza  productiva   del   trabajo”.   “Por   tanto,   el   impulso inmanente y la tendencia constante del capital son los de aumentar la fuerza productiva del trabajo para abaratar la mercancía y, mediante el abaratamiento de la mercancía, abaratar al obrero mismo” (C I, 10, 387­8).

24 Nos   Manuscritos   de   1861­1863   coloca­o   nos   seguintes   termos:   o   valor   de   uso   da   máquina   é   a   sua substituição de trabalho humano, mas a mais­valia que o capital produz graças ao emprego da maquinaria “não se origina na capacidade de trabalho que a máquina substitui, mas nas capacidades de trabalho que a máquina   utiliza”   (Marx,   1980:   49).   Essa   distinção   é   fundamental   para   não   identificar   imediatamente aumento de produtividade com aumento de produção de valor.

24

suministrado por un capital de magnitud dada, un factor, la tasa del plusvalor, sólo aumenta en 

la medida en que el otro factor, el número de obreros, se reduce”. A contradição manifesta­se 

no  momento   em que  uma   inovação   se  generaliza   e  “o  valor   da  mercadoria   produzida  a 

máquina devém valor social regulador de todas as mercadorias da mesma classe” (C I, 13, 

496).

O desenvolvimento capitalista é a tentativa nunca absolutamente bem­sucedida de 

resolver essa contradição. Muitas tendências verificadas no uso e no desuso de tecnologia, 

no percurso e no ritmo do desenvolvimento tecnológico, são expressões dessa tentativa, das 

determinações e contradições da força produtiva do capital.

Uma tendência  analisada  por  Marx é  o  alongamento da jornada de  trabalho.  A 

contradição “impele al capital, sin que el mismo sea consciente de ello, a una prolongación 

violenta de la jornada laboral para compensar, mediante el aumento no sólo del plustrabajo 

relativo sino del absoluto, la disminución del número proporcional de los obreros que explota” 

(idem).  Percebe­se   assim   que,   na   verdade,   a   mais­valia   absoluta   não   é   uma   forma 

historicamente   superada   de   aumento   da   mais­valia,   mas   volta   a   aparecer   pela   própria 

contradição imanente do uso da máquina para a procura de mais­valia relativa. 

Ao mesmo tempo que alonga a jornada de trabalho dos trabalhadores empregados, gera 

uma população excedente, desempregada, uma “população operária supérflua, que não pode 

se opor a que o capital lhe dite a sua lei” (C I, 13, 497). Parte dessa população excedente vai 

ter a função de “exército industrial de reserva”, num movimento de atração e repulsão que 

segue os ciclos econômicos (C I, 13, 552 e 583)25. Cumpre o importante papel de pressionar 

25 Nos Manuscritos de 1861­1863 afirma que “a tendência geral da produção capitalista em todos seus ramos consiste   na   substituição   do   trabalho   humano   pelas   máquinas”.   A   contradição   entre   capital   e   trabalho assalariado determina­se aqui na desvalorização e na conversão em supérflua da força de trabalho viva pelo capital. O trabalho necessário transforma­se em “população supérflua”, já que não serve para obter trabalho excedente. Daqui Marx deriva duas tendências contrárias de atração e repulsão de operários na produção a máquina: por um lado uma contínua demissão de operários; mas, pela outra, um contínuo recrutamento, pois desde um certo grau de desenvolvimento das forças produtivas, a mais­valia só pode aumentar através do número de  operários  ocupados  simultaneamente.  Mas antecipa  que  na  agricultura  a   tendência  a   tornar supérflua a população deve prevalecer não só temporariamente mas em termos absolutos. Vemos então que essa tendência dupla de atração e repulsão não é absolutizada em termos a­históricos, como se fosse uma condição perene do modo de produção capitalista (Marx, 1980: 153­8). Já estava presente na formulação categorial  de Marx  a existência de  uma  'massa marginal',  isto  é,  parte  da população que  já  não será incorporada produtivamente. José Nun (Cfr. 2001) desenvolveu isso nos anos 70, entrando em polêmica com 

25

para o rebaixamento do salário e para o alongamento da jornada de trabalho.  A população 

supérflua é um resultado do uso capitalista da maquina e ao mesmo tempo é base para o 

aprofundamento do uso capitalista da maquina, retro­alimenta a possibilidade de alongar a 

jornada de trabalho. Daí “o paradoxo econômico de que o meio mais poderoso para reduzir o 

tempo de trabalho  se converta no meio mais infalível de transformar  todo o tempo vital  do 

operário e de sua família em tempo de trabalho disponível para a valorização do capital” (C I, 

13, 497).

É importante observar que além de novas condições, a tecnologia enquanto capital gera 

também “novos motivos que chicoteiam sua fome raivosa de trabalho alheio” (C I, 13, 491). A 

determinação da máquina enquanto capital fixo26  faz com que ela sofra uma desvalorização 

pelo  curioso  “desgaste  moral”:  “Pierde  valor  de  cambio  en   la  medida  en  que  se  puede 

reproducir  máquinas  del  mismo modelo  a  menor  precio  o  aparecen  a   su   lado,  máquinas 

mejores que compiten con ella. En ambos casos su valor, por flamante y vigorosa que sea 

todavía, ya no estará determinado por el tiempo de trabajo efectivamente objetivado en ella, 

sino por el necesario para su propia reproducción o para la reproducción de las máquinas 

perfeccionadas” (C I,  13,  493).  O desgaste  moral  gera a  tendência  imanente da produção 

capitalista de se apropriar de trabalho alheio as 24 hs do dia (C I, 8, 309), pois “cuanto más 

breve sea el período en que se reproduce su valor total, tanto menor será el riesgo de desgaste 

moral, y cuanto más prolongada sea la jornada laboral tanto más breve será dicho período” (C 

I, 13, 493). O “desgaste moral” corresponde à dimensão de valor da tecnologia, o que é uma 

determinação dela enquanto capital.  A tecnologia enquanto capital   incorpora necessidades 

próprias do processo de valorização que não tem nada a ver com as necessidades materiais da 

própria máquina.

Outra importante tendência que Marx verifica, ao lado desse alongamento da jornada 

de trabalho,  é a  intensificação  da produção. Isso opera uma ‘mudança no caráter da mais­

Fernando Henrique Cardoso. 26 É importante perceber o que acontece com o valor do capital constante, isto é, o capital convertido em meios 

de produção: “un medio de producción, se incorpora totalmente al proceso laboral, pero sólo en parte al proceso de valorización” (C I, 6, 247). O capital fixo é determinado como uma parte do capital constante, e em contraposição ao  capital  circulante.  Sua  determinação  reside no modo peculiar  com que este  valor circula:   “En   primer   lugar,   no   circula   en   su   forma   de   uso,   sino   que   sólo   circula   su   valor,   y   lo   hace paulatinamente, de manera fragmentaria, a medida que pasa de esa parte del capital al producto que circula como mercancía. A lo largo de todo el tiempo en que estos medios están en funcionamiento, una parte de su valor queda siempre fijada en ellos, autónoma frente a las mercancías que ayudan a producir” (C II, 8, 191­2). 

26

valia  relativa’.  A  intensificação  “impone a  la  vez un mayor gasto de trabajo en el  mismo 

tiempo, una tensión acrecentada de la fuerza de trabajo [...] una condensación del trabajo en 

un grado que es sólo alcanzable dentro de la jornada laboral reducida”. Conta como “una 

mayor  cantidad  de   trabajo.   Junto   a   la  medida  del   tiempo  de   trabajo   como   'magnitud  de 

extensión', aparece ahora la medida del grado alcanzado por su condensación” (C I, 13, 499­

500)27.

Essa tendência à intensificação da produção e ao alongamento da jornada de trabalho, 

junto  com uma maior  produtividade do  trabalho gera uma  produção cada vez maior de 

produtos.  Não se fazem a mesma quantidade de produtos com menos trabalho,  mas uma 

maior quantidade de produtos. Por isso o capital defronta­se com o problema da realização 

do valor.  A realização do valor ocorre na venda efetiva dos produtos no mercado, o que 

possibilita o inicio de um novo ciclo de produção. 

O que aqui nos interessa é que com essa produção que amplia a sua escala, gera­se a 

necessidade   de  novos   mercados  e,   por   conseguinte,   de   novos   meios   de   comunicação   e 

transporte.  Os meios de comunicação e transporte,  enquanto condições gerais  do processo 

social de produção, também sofrem a pressão capitalista da intensidade (C II, 14, 304­5). Esta 

manifesta­se na necessidade de encurtar o tempo de circulação do capital, isto é, do ciclo 

em que volta à produção, o ciclo de produção­circulação­consumo.

O primeiro sentido da desmedida, que aludia ao processo infinito de acumulação de 

capital sem outra referência que a autovalorização, exprime­se na determinação das  forças 

produtivas   como  necessidade  autonomizada   de   crescimento   exponencial,   visando   a 

produção de mais­valia relativa através do aumento da produtividade, e adquire um caráter 

“economicamente   absurdo  e   ecologicamente  desastroso”.  Dado  que   cada  produto   isolado 

contém sempre  menos  valor,   “é   preciso   inundar   o  mundo   com uma  maré   irresistível   de 

produtos” que encontra os limites do consumo e limites naturais (Kurz, 1995). Inverte­se a 

formulação segundo a qual a necessidade é a mãe das invenções. Ao ser impelido a se adequar 

27 As questões aqui assinaladas: das novas condições (docilidade, despotismo) e novos motivos (necessidade de transferir o valor global da máquina às mercadorias no processo de valorização) para o prolongamento da jornada de trabalho; do aumento da intensidade do trabalho; da aceleração do processo de reprodução como necessidade capitalista, também são trabalhados por Marx (1980: 52­7) nos seus “Manuscritos de 1861­1863”.

27

ao padrão tecnológico dominante, em permanente transformação, a invenção se torna mãe da 

necessidade   (Marcuse,   1999:   80­1).   A   necessidade   de   crescer   permanentemente   é   uma 

necessidade especificamente capitalista. 

Aqui, o desenvolvimento da força produtiva é um impulso que não tem mais referência 

do que o próprio processo de autovalorização. As necessidades da tecnologia enquanto capital 

são expressão material das necessidades do capital, resultado da subsunção da tecnologia pelo 

processo  de  valorização.   Isso   leva,  por  um  lado,  a  uma “sobreprodução   tecnológica”  em 

relação às necessidades humanas. E por outro, pelas mesmas determinações e motivações da 

força produtiva, limita o uso da tecnologia28.

Ora,   um  segundo   sentido   da   desmedida  aparece   com   a  perda   de   referência   do 

processo  de  valorização  para  o  próprio  capital.   “A  referência  a   si  que  permite  a  ele   sua 

automensuração se  inverte  em perda de referência do processo de valorização no próprio 

capital”. É um “limite que não é necessariamente transformado em barreira, que não é posto 

como mero obstáculo a superar”. Portanto, é “o inverso da desmedida na primeira acepção, de 

progresso  infinito e  desenfreado da acumulação”.  A perda de referência em si  mesma da 

autovalorização leva à sobreprodução, isto é, à produção em excesso, já  não em relação às 

necessidades de consumo mas em relação “às  necessidades  do próprio capital”   (Grespan, 

1999: 144­5).   A crise de sobreprodução, como manifestação da desmedida no segundo 

sentido,  gera um impulso ainda maior para a inovação tecnológica.  A crise gera uma 

desvalorização do capital fixo que motiva a sua renovação, não determinada por condições 

técnicas ou materiais, mas por seu caráter de capital.  A crise aprofunda a necessidade da 

inovação:  “son principalmente   las  catástrofes,   las   crisis,   las  que  obligan  a   tal   renovación 

prematura de la maquinaria industrial em uma escala social mayor” (C II, 8, 206).  Há aqui 

28 “Considerada exclusivamente como medio para el abaratamiento del producto, el límite para el uso de la maquinaria   está   dado  por   el   hecho   de   que   su  propia  producción  cueste  menos   trabajo   que   el   trabajo sustituido por su empleo. Para el capital, no obstante, ese límite es más estrecho. Como aquél no paga el trabajo empleado, sino el valor de la fuerza de trabajo empleada, para él, el uso de la máquina está limitado por la diferencia que existe entre el valor de la misma y el valor de la fuerza de trabajo que remplaza”. “En países desarrollados desde antiguo, el empleo de la máquina en determinados ramos de la industria genera en otros tal superabundancia de trabajo (redundancy of  labour, dice Ricardo), que en éstos la caída del salario por debajo del valor de la fuerza de trabajo impide el uso de la maquinaria y lo hace superfluo, a menudo   imposible,   desde   el   punto   de   vista   del   capital,   cuya   ganancia,   por   lo   demás,   proviene   de   la reducción no del trabajo empleado, sino del trabajo pago”. “De ahí  que en ninguna otra parte como en Inglaterra,   el   país   de   las   máquinas,   se   vea   un   derroche   tan   desvergonzado   de   fuerza   humana   para ocupaciones miserables” (C I, 13, 478­80).

28

outra efetivação do caráter destrutivo do capital, pois o desenvolvimento da força produtiva do 

capital perde a sua própria referência.  Há  uma “sobreprodução tecnológica” em relação às 

necessidades   do   próprio   capital.  A   desvalorização   dali   resultante   é   contrária   à   procura 

constante do capital em se auto­valorizar, e implica uma tendência permanente, ainda que 

contraditória, à auto­negação do capital. 

Daí a distinção entre benefícios da introdução da máquina para a produção capitalista 

em conjunto e para o capitalista individual. A introdução da máquina para reprimir qualquer 

pretensão de autonomia por parte do trabalho, contra as greves, contra as revindicações de 

aumento   de   salário,   é   apenas   um   caso   específico   no   qual   a   máquina   “entra   em   cena 

intencionalmente como forma do capital  hostil  ao trabalho”.  Mas em geral,  num processo 

tautológico e auto­destrutivo, o capital diminui “prescindindo da sua vontade” a massa de 

mais­valia que pode produzir um determinado capital (Marx, 1980: 50, 64 e 156).

Em algumas passagens de Marx encontramos uma identificação entre o processo de 

auto­negação   e   o   processo   de   superação   do   capital.   Tratar­se­ia   de   um   movimento 

ascendente   no   qual   o   aprofundamento   das   contradições   da   ordem   do   capital   gestaria 

naturalmente uma forma superior de sociedade. O capital é, para Marx, quem liberta as forças 

sociais adormecidas, quem acelera e revoluciona o desenvolvimento das forças produtivas. Por 

um   lado,   desde   um   ponto   de   vista  quantitativo,   a   contribuição   do   capitalismo   seria   a 

intensidade e eficácia desse desenvolvimento, não alcançadas antes por nenhuma outra forma 

de organização social29.

Mas a missão histórica do modo de produção capitalista não residia para Marx num 

desenvolvimento  quantitativamente   ilimitado  das   forças   produtivas,  mas  em determinados 

resultados qualitativos  desse desenvolvimento. Um deles é  criar o gérmen de uma forma 

social   que   permita   a   redução   do   tempo   de   trabalho   geral30.   Neste   ponto,   “a   posse   e   a 

preservação da riqueza geral requerem um tempo de trabalho menor da sociedade como um 

29 “El capital excede en energía, desenfreno y eficacia a todos los sistemas de producción precedentes basados en el trabajo directamente compulsivo” (C I, 9, 376).

30 “crea   los  medios  materiales  y   el  germen  de   las   relaciones  que   en  una   forma   superior  de   la   sociedad permitirán ligar ese plustrabajo con una mayor reducción del tiempo dedicado al trabajo material en general” (C III, 8, 1043­4).

29

todo e a sociedade trabalhadora se relaciona de maneira científica com o processo de sua 

progressiva   reprodução”.   Isso   acontece   “onde   tenha   cessado   o   trabalho   em   que   um   ser 

humano faz o que uma coisa poderia fazer” (Gr. I, 266). Com o conceito de general intellect,  

Marx analisa nos  Grundrisse,  como tendência em curso, a “abolição do tempo de trabalho 

como medida da riqueza” e prevê a possibilidade de que os produtores se libertem do trabalho 

vivo,   substituído  pelo   trabalho  morto31.  O  general   intellect  indica  uma  combinação  entre 

técnica avançada e cooperação, pela qual as forças produtivas se tornariam “órgãos imediatos 

da prática social” (Menegat, 2003: 191­3). 

A diminuição do tempo de trabalho está vinculada com outro resultado qualitativo do 

capital,  o de um aumento progressivo tanto quantitativa quanto qualitativamente do sistema 

de necessidades32. O vínculo reside em que uma forma superior de sociedade implica um 

desenvolvimento   do  reino   da   liberdade,  que  “sólo   comienza   allí   donde   cesa   el   trabajo 

determinado   por   la   necesidad   y   la   adecuación   a   finalidades   exteriores;   con   arreglo   a   la 

naturaleza de las cosas, por consiguiente, está más allá de la esfera de la producción material 

propiamente dicha”. Para além do reino da necessidade “empieza el desarrollo de las fuerzas 

humanas, considerado como un fin en sí mismo, el verdadero reino de la libertad, que sin 

embargo sólo puede florecer sobre aquel reino de la necesidad como su base” (C III, 8, 1043­

4). 

O reino da liberdade traz a possibilidade do desenvolvimento de um individuo social, 

pleno e universal: “el cultivo de todas las propiedades del hombre social y la producción del 

mismo como un individuo cuyas necesidades se hayan desarrollado lo más posible, por tener 

numerosas   cualidades  y   relaciones;   su  producción  como  producto   social   lo  más  pleno  y 

universal que sea posible” (Gr. I, 360­2).

Mas, esses resultados qualitativos se opõem à lógica do capital e fazem prever uma 

31 “El   robo de  tiempo de  trabajo ajeno,  sobre el  cual  se  funda  la   riqueza actual,  aparece como una base miserable comparado con este fundamento, recién desarrollado, creado por la gran industria misma. Tan pronto como el trabajo en su forma inmediata ha cesado de ser la gran fuente de la riqueza, el tiempo de trabajo deja, y tiene que dejar, de ser su medida y por tanto el valor de cambio del valor de uso” (Marx, Gr. II 228).

32 O capital “es constantemente revolucionario, derriba todas las barreras que obstaculizan el desarrollo de las fuerzas productivas, la ampliación de las necesidades, la diversidad de la producción y la explotación e intercambio de las fuerzas naturales y espirituales” (Gr. I, 360­2).

30

tendência da abolição do capital por meio de si mesmo33. 

Apesar de reconhecer que a forma capitalista de produção está em contradição com os 

fermentos   revolucionários,   em   momentos   específicos   Marx   deposita   a   esperança   no 

desenvolvimento das contradições  dessa forma histórica,  pois esse é  o único caminho que 

levaria   a   sua   dissolução   e   transformação34.  Assim,   por  exemplo,   o   aprofundamento   dos 

processos de concentração e centralização, tendências fundamentais do modo de produção 

capitalista,   facilitariam a sua superação35.  Assim,  a  grande indústria  “aunque en su forma 

espontáneamente brutal, capitalista ­en la que el obrero existe para el proceso de producción, 

y   no   el   proceso   de   producción   para   el   obrero­   constituye   una   fuente   pestífera   de 

descomposición y esclavitud, bajo las condiciones adecuadas ha de trastocarse, a la inversa, 

en fuente de desarrollo humano” (C I, 13, 596). 

A questão fundamental é quais seriam essas “condições adequadas” que provocariam 

essa metamorfose de uma fonte de escravidão em fonte de desenvolvimento humano? Na 

seguinte formulação podemos ver dois elementos vinculados entre si:

“Una fase de este proceso de trastocamiento, desarrollada de manera natural sobre la base de la gran industria, la constituyen las escuelas politécnicas y agronómicas [...] la inevitable conquista del  poder  político  por   la  clase  obrera  también  conquistará   el  debido   lugar  para   la  enseñanza tecnológica ­teórica y práctica­ en las escuelas obreras” (C I, 13, 594). 

Em primeiro lugar, reconhece­se a importância de um saber tecnológico apropriado 

pela classe operária. Sem ele, não poderia haver apropriação reflexiva e revolucionária do 

33 “La universalidad a la que tiende sin cesar, encuentra trabas en su propia naturaleza, las que en cierta etapa del desarrollo del capital harán que se le reconozca a él como la barrera mayor para esa tendencia y, por consiguiente,   propenderán   a   la   abolición   del   capital   por   medio   de   sí   mismo.”   (Gr.   I,   362).   “Pero   la producción capitalista genera, con la necesidad de un proceso natural, su propia negación. Es la negación de la negación. Ésta no restaura la propiedad privada, sino la propiedad individual, pero sobre la base de la conquista alcanzada por la era capitalista: la cooperación y la propiedad común de la tierra y de los medios de producción producidos por el trabajo mismo” (C I, 23, 954).

34 “La forma capitalista  de   la  producción y  las  correspondientes  condiciones  económicas  a   las  que están sometidos los obreros, se hallan en contradicción diametral con tales fermentos revolucionarios y con la meta de los mismos, la abolición de la vieja división del trabajo. El desarrollo de las contradicciones de una forma  histórica   de  producción,  no  obstante,   es   el   único   camino   histórico  que   lleva   a   la   disolución   y transformación   de   la   misma”   (C   I,   13,   594).   “Al   hacer   que   maduren   las   condiciones   materiales   y   la combinación social  del  proceso de producción,  hace madurar   las  contradicciones  y antagonismos de  la forma capitalista  de  ese  proceso,  y  por  ende,  al  mismo  tiempo  los  elementos  creadores  de  una  nueva sociedad y los factores que trastuecan la sociedad vieja” (C I, 13, 608­9).

35 “La   transformación   de   la   propiedad   privada   fragmentaria,   fundada   sobre   el   trabajo   personal   de   los individuos,   en   propiedad   privada   capitalista   es,   naturalmente,   un   proceso   incomparablemente   más prolongado, más duro y dificultoso, que la transformación de la propiedad capitalista, de hecho fundada ya sobre el manejo social de la producción, en propiedad social. En aquel caso se trataba de la expropiación de la masa del pueblo por unos pocos usurpadores; aquí se trata de la expropiación de unos pocos usurpadores por la masa del pueblo” (C I, 24, 954).

31

aparato tecnológico forjado pelo capital. E, por outro lado é a inevitável conquista do poder 

político pela classe operária que vai garantir esse saber. O passo em falso é que se deduz do 

próprio desenvolvimento e da acentuação das  contradições  do capital  a  inevitabilidade da 

constituição de um sujeito com força crescente que viria a superá­lo36.

Mas Marx compreende que a reprodução capitalista é necessariamente a reprodução 

das   relações   capitalistas   (C   I,   23,   761).   Isso   significa   problematizar   a   aposta   no 

desenvolvimento da contradição dessa forma social. Os resultados qualitativos do capital são 

postos em questão.

Contrário ao poder crescente da classe operária que garantiria a apropriação do aparato 

tecnológico, a reprodução das relações capitalistas implica que “o capital precisa pôr e repor o 

trabalho como um termo oposto – que se defronta aos meios de produção enquanto condição 

objetiva   alheia”   (Grespan,   1999:   121)   e,   no   processo,   observa­se   um   enfraquecimento 

crescente dos trabalhadores por “novas condições para a dominação que o capital exerce sobre 

o trabalho” (C I, 12, 444). O operário é dependente do capital enquanto a sua força de trabalho 

só se efetiva, só adquire sentido, sob o comando dele, pois essa força é por ele constituída. 

Preso do capital e em situação cada vez pior, pela pressão do exército industrial de reserva37.

Contrário ao enriquecimento do sistema de necessidades que levaria à possibilidade de 

um indivíduo social, Marx mostra que a produção cria não só a necessidade do consumo mas 

também o próprio consumidor38  e,  estando  o processo de produção e  reprodução da vida 

social orientado pela procura ilimitada de valor e não da satisfação das necessidades humanas, 

se prevê   logicamente a criação de “necessidades não­necessárias”39.  Por outro lado,  Marx 

36 É a célebre imagem do Manifesto Comunista que é citada pelo próprio Marx n'O Capital:  “La burguesía, por consiguiente, produce ante todo a sus propios enterradores. Su ruina y la victoria del proletariado son igualmente inevitables” (C I, 23, 954).

37 “A   medida   que   se   acumula   el   capital,   tiene   que   empeorar   la   situación   del   obrero,   sea   cual   fuere   su remuneración. La ley, finalmente, que mantiene un equilibrio constante entre la sobrepoblación relativa o ejército industrial de reserva y el volumen e intensidad de la acumulación, encadena el obrero al capital con grillos más firmes que las cuñas con que Hefesto aseguró  a Prometeo en la roca. Esta ley produce una acumulación de miseria proporcionada a la acumulación de capital. La acumulación de riqueza en un polo es   al   propio   tiempo,   pues,   acumulación   de   miseria,   tormentos   de   trabajo,   esclavitud,   ignorancia, embrutecimiento y degradación moral en el polo opuesto, esto es, donde se halla la clase que produce su propio producto como capital” (C I, 23, 805).

38 “No es únicamente el objeto del consumo, sino también el modo de consumo, lo que la producción produce no sólo objetiva sino también subjetivamente. La producción crea, pues, el consumidor. La producción no solamente provee un material  a  la necesidad sino también una necesidad al  material  […] no solamente provee un objeto para el sujeto, sino también un sujeto para el objeto” (Gr I, 13).

39 Essa formulação reflete uma contradição real, pois são necessidades e não o são. Não são necessidades mas 

32

registra em diversas passagens a adulteração das mercadorias40 e avalia essa prática como uma 

tendência do próprio “progresso da produção capitalista”.  Apoia­se  num relatório de uma 

comissão   parlamentar   da   Inglaterra   para   afirmar   que   a  falsificação   de   substancias 

medicamentosas  constituía nesse país  não a  exceção mas a   regra.  Numa amostra  de opio 

vendido nas drogarias londinenses, o resultado foi que muitas “não continham nem um átomo 

de   morfina”   (C   I,   22,   743).   Se   a  satisfação   das   necessidades   está   condicionada   pelas 

propriedades do corpo do valor de uso41,  em que medida continua sendo um valor de uso uma 

mercadoria que não tem nem um átomo da matéria que deveria satisfazer uma necessidade 

específica?   Uma   mercadoria   que   não   satisfaz   necessidade   nenhuma   leva   ao   extremo   a 

submissão do valor de uso pelo valor, apagando o primeiro. O desenvolvimento capitalista, ao 

invés do enriquecimento do sistema de necessidades, efetiva tendencialmente a criação de 

necessidades não­necessárias e de produtos que não satisfazem nenhuma necessidade. 

acabam funcionando como  tais.  Considerá­las   só  enquanto necessidades  deixaria  de  atentar  para a   sua motivação, sua origem instrumental. Considerá­las só enquanto não­necessidades deixaria de perceber a sua constituição social enquanto necessidades. Isso parece denunciar Eduardo Galeano: “Los funcionarios no funcionan   /  Los  políticos  hablan  pero  no  dicen   /  Los  votantes  votan  pero  no  eligen   /  Los  medios  de Información desinforman / Los centros de enseñanza enseñan a ignorar / Los jueces condenan a las víctimas / Los militares están en guerra contra sus compatriotas / Los policías no combaten los crímenes, porque están ocupados en cometerlos / Las bancarrotas se socializan, las ganancias se privatizan. Es más libre el dinero que la gente / La gente está al servicio de las cosas” (Galeano, 2004: 117).

40 Cfr. adulteração do pão (C, I, 8, 298 e ss.) do carvão (299, nota 75) e dos alimentos (299, nota 76). Afirma que “con el progreso de la producción capitalista, la adulteración de mercancías ha vuelto superfluos los ideales  de  Thompson”,  quem tinha um “libro de cocina con  recetas  de  todo  tipo,  para  reemplazar  por sucedáneos las comidas normales – mas caras – de los obreros” (C I, 22, 743).

41 “La mercancía es, en primer lugar, un objeto exterior, una cosa que merced a sus propiedades satisface necesidades  humanas  del   tipo  que   fueran.  La  naturaleza  de   esas  necesidades,   el   que   se  originen,  por ejemplo, en el estómago o en la fantasía, en nada modifica el problema [...] La utilidad de una cosa hace de ella un valor de uso. Pero esa utilidad no flota por los aires. Está  condicionada por las propiedades del cuerpo de la mercancía, y no existe al margen de ellas” (C I, 1, 43­44). 

33

2. Periodização do capitalismo e crise estrutural

A análise categorial do capital leva a compreender que a história do capitalismo não é 

uma simples sucessão de estruturas mas um processo histórico de generalização dos próprios  

critérios,  que deve prosseguir  em níveis cada vez mais elevados,  sem jamais poder voltar 

atrás. Nessa dinâmica autodestrutiva, a sua vitória absoluta deve coincidir historicamente com 

o seu limite absoluto (Kurz, 1995). 

Levando   em   conta   essa   compreensão,   é   possível   construir   uma   periodização   do 

capitalismo na qual cada período implica em mudanças qualitativas42. 

Beinstein concebe um primeiro período de  capitalismo jovem  no qual  as crises de 

sobreprodução  foram em última  instância  crises  de  crescimento  e  depois  de  cada  grande 

turbulência   o   sistema   se   expandia,  melhorava  qualitativa   e   quantitativamente.   Já   naquele 

período as crises, embora superadas, deixavam sequelas negativas que foram gerando o poder 

parasitário   financeiro.   Concebe   um   segundo   período   de  capitalismo   maduro,   no   qual   a 

intervenção   estatal,   junto   aos   parasitismo   militar   e   financeiro,   conseguiram   controlar   as 

sucessivas crises de sobreprodução das que emergiram sintomas de decadência. 

Esse período de capitalismo maduro corresponde ao momento de expansão fordista. 

A expansão deveu­se à combinação de novas indústrias e de novas necessidades de massas. 

Houve um salto  no desenvolvimento social  que fez entrar  no grande consumo de massas 

produtos antes restritos e criou novos produtos massivos desde a origem (como a rádio e a 

televisão) (Kurz, 1995).

Corresponde   a   esse   período   um   papel   específico   da   inovação   tecnológica.   O 

42 Beinstein (2008, 2009a) propõe a periodização entre capitalismo jovem, maduro e senil. O fato de uma analogia   com o  mundo  biológico   servir   tão  bem  de   auxílio  na   compreensão  do  mundo   social  é   uma evidência de como este último se tornou uma “segunda natureza”. Aqui reforçamos esta periodização com a compreensão de Robert  Kurz do processo histórico do capitalismo em direção a seu limite absoluto. É possível estabelecer um diálogo entre esses autores.  No entanto,  em Kurz a essência da crise é  melhor determinada.

34

economista austríaco Joseph Schumpeter desenvolveu um conceito de 'ondas longas' baseado 

na 'atividade inovadora dos empresários'. Ele enfatizava a dinâmica inovadora onde interagiam 

diversos progressos técnicos revolucionários produzindo um salto qualitativo.

Na  leitura  de  Mandel,   as  notáveis  personalidades  dos  empresários  de  Schumpeter, 

predispostos  aos  aperfeiçoamentos  que  fazem época,  desempenham um papel  de  deus  ex 

machina  arbitrário. O problema de saber por que motivo as inovações são introduzidas em 

escala maciça em determinados  períodos não pode ser satisfatoriamente resolvido sem um 

tratamento mais minucioso de dois fatores inadequadamente explorados por Schumpeter: o 

papel da tecnologia produtiva e as flutuações a longo prazo na taxa de lucros. “Apenas quando 

condições   específicas   permitem   uma   elevação   abrupta   na   taxa   média   de   lucros   e   uma 

expansão considerável do mercado é que a atividade investidora conseguirá se apoderar dos 

descobrimentos   técnicos  capazes  de   revolucionar  a   totalidade  da   indústria,  e  dessa   forma 

ocasionar uma tendência expansionista a longo prazo na acumulação de capital” (Mandel, 

1985:   95­101).  É   que   a  'destruição   criadora'  das   inovações,   conceito   cunhado   por 

Schumpeter,   referia­se  à   experiência  do   capitalismo  ascendente,  quando  a  aceleração  da 

demanda incitava o incremento e diversificação da produção e as novas técnicas permitiam ao 

mesmo tempo elevar a produtividade e aumentar o emprego, o que por sua vez ampliava a 

demanda. Tratar­se­ia de um círculo virtuoso entre inovação e crescimento, no qual a inovação 

tecnológica aparece como motor da prosperidade (Beinstein, 1999: 290­2).

Faz   parte   também   desse   processo   um   papel   específico   das  bolhas  (monetárias, 

imobiliárias,   comerciais,   etc.)   quando   estas   interatuam   'positivamente'   com   o   resto   das 

atividades econômicas: “o aumento do preço das ações ou moradias alentavam o consumo e a 

produção, e por sua vez estes geravam fundos que em boa medida se dirigiam a negócios 

especulativos, produzindo­se assim uma sorte de círculo virtuoso especulativo­consumista­

produtivo de caráter global em última instância perverso, destinado ao desastre a mediano 

prazo mas que causava prosperidade no curto prazo” (Beinstein, 2009c).

Foram determinantes da prosperidade do pós­guerra nos países centrais: o incremento 

no consumo e investimento pelo aumento do emprego e dos salários reais e pelas taxas de 

juros muito baixas; apesar do aumento salarial, lucros altos pelos créditos baratos e matérias 

35

primas da periferia com preço baixo; os Estados Unidos como grande comprador e fornecedor 

da moeda universal (Beinstein, 1999: 120).

Mas o  mecanismo de compensação  no qual a produção de mercadorias “suga seu 

próprio futuro” funciona enquanto o modo de produção continua a expandir­se. Essa expansão 

só funcionou enquanto os investimentos  para o desenvolvimento de novos produtos e para a 

ampliação superaram em medida suficiente os investimentos destinados ao desenvolvimento 

de novos procedimentos e à racionalização. A identificação entre produtividade e acumulação 

só  é  válida  quando o  aumento  da  produtividade  é  menor  que  a  ampliação dos  mercados 

internos e externos por ele  possibilitado.  A expansão fordista  encobriu por  mais  de meio 

século  a  crise   estrutural  nascida  da  expansão  contemporânea  do   trabalho   improdutivo.  O 

crescimento   absoluto   da   substância   real   de   valor,   pela  expansão   do   trabalho   produtivo, 

compensava   o   aumento   absoluto   e   relativo   dos   setores   improdutivos.   Decisiva   para   a 

reprodução sob a forma­mercadoria é, porém, a expansão da substância real de valor e das 

suas formas sociais de mediação, ocultas atrás da “fenomenologia do fordismo”. O fordismo 

acelerou   a   tendência   do   aumento   da   'composição   orgânica   do   capital',   que   no   cálculo 

capitalista aparece como aumento da intensidade do capital, isto é, como aumento dos capitais 

necessários para cada emprego. A contradição lógica da produção de mais­valia relativa, pela 

qual se aumenta a parcela de mais­valia por cada força de trabalho, mas pode­se empregar 

cada vez menos força de trabalho para cada soma de capital, só pode ser compensada com 

uma extensão permanente do modo de produção como tal que permita um aumento da massa 

de trabalho produtiva utilizada, da massa de mais­valia e de lucro. Isso foi conseguido em 

certa medida na expansão fordista, mas com  a expansão concomitante das condições infra­

estruturais improdutivas e com a hipoteca de massas futuras de valor. A expansão fordista 

nada mais podia ser desde o início do que um processo histórico circunscrito, um estágio 

irrepetível de transição na história interna do capitalismo (Kurz, 1995).

Beinstein (2009b) concebe um terceiro período de capitalismo senil, iniciado nos anos 

70,   no   qual   se   desenvolveu   uma  crise   crônica   de  sobreprodução  que   acelerou   a 

financeirização   do   capitalismo   até   torná­la   hegemônica.   Essa   crise,   associada   à   super­

36

exploração  dos   recursos  naturais,   aponta   em  direção   a   uma   crise   geral   de  subprodução, 

iniciada  com as  crises  energética  e  alimentar.  O sistema  tecnológico  do capitalismo,  que 

proclamava   ter   acabado  com as   crises  de   subprodução  das   civilizações   anteriores,   acaba 

gerando a maior crise de subprodução planetária da história humana. A decadência dos EUA, 

um dos indicadores da senilidade, constitui o motor da decadência universal do capitalismo. É 

o declínio do “espaço essencial da interpenetração produtiva, comercial e financeira a escala 

planetária”.

Em contraposição à separação setorial das visões ideológicas da crise, isto é, tratar de 

maneira   separada  os  ciclos  de  crise  energética,   financeira,  produtiva,  alimentar,  Beinstein 

(2009c) postula a necessidade de uma análise que integre essas crises numa visão geral, num 

único ciclo, o da civilização burguesa.  A crise crônica de sobreprodução das últimas quatro 

décadas   foi   o   período   de   gestação   da   crise   atual.   Nesse   processo   foi­se   acumulando 

parasitismo e depredação do eco­sistema. A postergação do desastre, a “fuga para frente” 

impulsionado pelos motores parasitários, foram a expansão financeira­militar (centrada nos 

EUA), a integração periférica de mão de obra industrial barata (China, etc.), a depredação 

acelerada de recursos naturais (especialmente os energéticos não renováveis) e a pilhagem 

financeira de um amplo leque de países subdesenvolvidos. Com crise  alimentar, Beinstein 

(2008) se refere à perspectiva de uma “subprodução relativa de alimentos em escala global 

(paralela à subprodução energética) causada pela dinâmica geral (o chamado progresso) do 

capitalismo, seu desenvolvimento tecnológico”.

Há cinco grandes processos  apontados por Beinstein (1999: 47­85) na “globalização 

real” que se efetiva nesse processo de crise. 

O aprofundamento da cisão entre centro e periferia, que implica no agravamento da 

brecha do potencial tecnológico. As inovações agravam desigualdades regionais, pois a sua 

difusão, posterior ao desmonte e desnacionalização produtiva na periferia, expande o círculo 

vicioso do subdesenvolvimento. 

A concentração empresarial global, pelos custos cada vez mais altos da inovação em 

mercados com concorrência feroz. Fusões e impacto concentrador das recessões.

O agravamento da desigualdade e da exclusão tanto na periferia quanto no centro. O 

37

desemprego   se   torna   estrutural  e   “ocupa   o   centro   de   um   conjunto   de   processos   que 

promovem a  concentração  de   renda e  a  pobreza”.  A concentração  de   renda desacelera  a 

demanda e faz as empresas acelerarem a mutação tecnológica para reduzir custos, poupando 

força de trabalho, o que gera mais desemprego ainda. Nessa guerra por reduzir custos entram 

as deslocalizações gerando desemprego nas regiões abandonadas.

A Crise do Estado moderno. Desmonte de sistemas de proteção social e de culturas 

produtivas. Aumento de 'Estados independentes' não enquanto descolonização mas enquanto 

desagregação.

A  irrupção de  fenômenos de entropia:  caos  urbano,  extensão das  chamadas   'zonas 

cinzas',  da corrupção,  da criminalidade e  das   redes  mafiosas,  catástrofes  sanitárias,   fome, 

exacerbação de enfrentamentos étnicos. O marco analítico dos fenômenos para Beinstein é o 

parasitismo.   Por   exemplo,   é   impossível   entender   a   expansão   mafiosa   sem   vinculá­la   à 

financeirização do mundo empresarial, marcada pela obtenção de super­lucros especulativos 

que compensam as baixas rentabilidades ou perdas nas atividades produtivas. Não se trata de 

um desvio, mas da própria lógica de um sistema que foi compensando suas dificuldades no 

mundo da produção com lucros financeiros e depois ilegais (1999: 104­5, 111).

Beinstein (1999: 113 e ss.) articula ainda seis processos para esboçar uma  dinâmica 

geral da crise: desaceleração do crescimento global; crescimento da dívida pública dos países 

ricos; hipertrofia financeira; financeirização das grandes empresas; transformação da periferia 

em região de super­lucros rápidos; expansão de negócios ilegais. O consumo teve dificuldades 

de seguir o ritmo das empresas. Para compensá­lo, aumentou o endividamento privado mas 

esse   processo   encontrou   seu   teto.   Foi   aumentando   então   a   capacidade   produtiva   ociosa 

enquanto diminuíam os lucros. Desde 1973, deu­se um círculo vicioso onde a desaceleração 

do   crescimento   correu   paralelo   à   perda   de   dinamismo   da   demanda.  A   desaceleração 

econômica causou dificuldades fiscais nos países centrais. Intervenção pública para apoiar a 

atividade industrial de grupos seletos, 'compensar' o declínio da demanda. Rigor monetário, 

liberalização   financeira   e   demanda   estatal   de   fundos   fizeram   subir   as   taxas   de   juros. 

Excedentes financeiros ficavam disponíveis para cobrir os déficit estatais. “O   declínio do 

crescimento gerou ao mesmo tempo a demanda e a oferta de títulos públicos”. Completou­se o 

círculo vicioso: o encarecimento do crédito freava o crescimento, o que provocava déficits 

38

fiscais e endividamento público que finalmente fazia subir as taxas de juros. 

A   desaceleração   da   demanda   tem   então   um   papel   importante   na   explicação   de 

Beinstein  da dinâmica de crise.  Ele considera  a  discrepância ascendente  entre oferta e 

demanda global como mãe de todos os parasitismos (Beinstein, 1999: 43, 110). Ainda que a 

explicação de Beinstein possa não apontar a isso, é importante a ressalva de Mandel (1985: 

192­200,   e   também  1998)   de  não  unilateralizar   esse   aspecto  da   crise.  A  teoria   do   puro 

subconsumo das massas é uma das variantes da interpretação monocausal da teoria das crises 

de Marx, e tem  consequências reformistas, isto é, o aumento dos salários e distribuição da 

renda nacional como saída da crises. “As crises de sobreprodução são simultaneamente crises  

de sobre­acumulação de capital e crises de sobreprodução de mercadorias”. A consequência 

importante disso é que “a crise só pode ser superada se há simultaneamente um aumento da 

taxa de lucro e uma expansão do mercado”, invalidando as propostas unilaterais. 

Afirmar que a sobreprodução ocorre quando a mais­valia produzida não se  'realiza' 

suficientemente, por falta de poder de compra, leva à argumentação de que o poder de compra 

teria de ser reforçado para impulsionar a economia. No entanto, “a falta de poder de compra 

significa,   na   realidade,   que  foi  produzida  muito   pouca   mais­valia”.  Essa   é,   para   Kurz 

(2009b), a essência da crise. 

Essa crise vai se manifestando de diferentes maneiras em diferentes lugares do sistema 

mundial. Há um processo internacional estendido que começa com a crise monetária de 1971 

e o primeiro choque petroleiro de 1973, segue com a estagflação, a crise da dívida na periferia 

a começos dos anos 80, a crise financeira de 1987, a crise mexicana de fins de 1994, e segue... 

(Beinstein, 1999: 25­6) Nesse processo, globalização e crise estão imbricadas. A crise dos 

países   centrais   iniciada   nos   anos   70   pode   ser   adiada   por   um   complexo   mecanismo   de 

desenvolvimento mundial  de  negócios   fortemente  marcado pelo  parasitismo financeiro.  A 

ruptura de 1997 conclui essa evolução com a crise global. A sobreprodução crônica estava na 

base da crise,  que podia ser adiada mas não contornada (idem:  158­162).  Assim,  há  uma 

verdadeira ''trajetória geográfica da crise”: vai dos anos 70 nos países centrais às evasões de 

fundos da periferia para o centro nos 80s e 90s, e em 1997, com o esfriamento periférico, a 

39

crise se reinstala no seu lugar de origem. Agora há uma simultaneidade das crises que não é 

casual nem se dá por “contágio” (idem: 235­8)43.  As dívidas periféricas e centrais têm tido 

ciclos assimétricos, cumprindo uma função compensatória para os fluxos de fundos em busca 

de regiões rentáveis. Desde 1997, com os Estados centrais sobre­endividados e com políticas 

orçamentárias  restritivas e mercados  de valores  inflados,  a situação é  nova,  de  saturação 

financeira (idem: 128­135). 

Por trás dessa trajetória geográfica, é fundamental compreender que “a causa da crise 

é a mesma para todas  as partes do sistema mundial produtor de mercadorias: a  diminuição 

histórica da substância de 'trabalho abstrato', em consequência da alta produtividade 

('força produtiva ciência') alcançada pela mediação da concorrência” (Kurz, 1992: 220).

A   determinação   da   crise   leva   Kurz   (Cfr.   1995)   a   analisar   o   processo   de 

dessubstancialização do dinheiro. Quando o malogro do processo substancial de valorização é 

maquiado,   se  pagam créditos   com novos  créditos  e  gera­se  uma quantidade  crescente  de 

dinheiro creditício “sem substância”,   tratado “como se” passasse por um processo real de 

valorização. Então, o “capital que rende juros” se destaca cada vez mais do processo real de 

valorização e se torna capital fictício.  Um grau mais alto de desvinculação entre trabalho e 

dinheiro  é   quando  o  dinheiro  creditício   serve  como  ponto  de  partida  de  um movimento 

especulativo, quando a real acumulação de capital atinge seus limites e não é possível investir 

na produção real de mercadorias. 

Kurz   constrói   uma   série   de  figuras   da   dependência   estrutural   do   conjunto  da 

sociedade   em  relação  ao   crédito,   ou  dessubstancialização   estrutural   do  dinheiro,   ou 

desvinculação entre trabalho e dinheiro.

Primeiro,  crescentes custos creditícios para a produção de mais­valia. O aumento da 

intensidade do capital exige um emprego cada vez maior de capital monetário, que todavia 

pode mobilizar  cada vez menos   trabalho por  unidade de capital.  Têm de ser  hipotecadas 

antecipadamente  quantidades   cada  vez  maiores   de   futuros  ganhos.  O  capital  produtor  de 

mercadorias “suga seu próprio futuro”. A taxa de juros sobe para atrair o dinheiro, tendência 

que se torna estrutural, finalmente travando a produção real através do encarecimento e crise 

43 Kurz também analisa a lógica da crise “avançando da periferia para os centros” (1992: 206).

40

do dinheiro. 

Segundo, uma crescente parcela de trabalho estruturalmente improdutivo e financiado 

através  do   crédito   (trabalho   improdutivo   em   sentido   absoluto).   Trabalho   produtivo   é 

determinado   por   Kurz   como   aquele   cujo  consumo  é   recuperado   de   novo   na   reprodução 

ampliada.   Essa   determinação   do   trabalho   produtivo,   em   termos   da   teoria   da   circulação, 

permite resolver o problema além da 'materialidade' da mercadoria produzida (i.e. mostra que 

a produção de carros de combate é improdutiva, embora seja tangível). A distinção decisiva 

entre trabalho produtivo e improdutivo é transversal à produção industrial nominal e ao “setor 

terciário”. O número crescente de setores improdutivos se torna um ônus crescente e por fim 

insuportável para a reprodução do capital. Os custos das condições gerais e da logística da 

produção real de mais­valia crescem de tal maneira que esta última começa a sufocar. Ainda, 

com custos do crédito crescente, completamente pulverizado num consumo improdutivo44.

Terceiro,  crescente custo do crédito estatal para subvencionar indústrias com menor 

produtividade  no  mercado  mundial   (trabalho   improdutivo  em sentido   relativo).  Crescente 

parcela   do   sistema   industrial   global   que   já   depende  diretamente  da   simulação   creditícia, 

verdadeiras 'indústrias­fantasmas' geradas e mantidas em vida artificialmente. Improdutivo em 

sentido   relativo   significa   quando   a   sua   produtividade   (a   relação   entre   trabalho   gasto   e 

resultado da produção) cai abaixo do nível social dado, isto é, abaixo da produtividade média 

social. No plano das economias nacionais tornadas coesas, uma produtividade social média se 

torna um ditame para as empresas. No caso do mercado mundial não há uma média mundial 

mas prevalece o nível de produtividade dos países mais desenvolvidos. Na entrada em contato 

sem filtros entre sistemas industriais com diversos níveis históricos de desenvolvimento o que 

ocorre é a aniquilação e a liquidação da produção não­contemporânea e pouco produtiva. O 

isolamento alfandegário comporta custos notáveis. Quando é preciso exportar produtos para 

obter divisas, eles só podem ser vendidos a preços do mercado mundial, de acordo com o 

nível de produtividade mais desenvolvido; portanto, quantidades sempre maiores do próprio 

trabalho devem ser trocadas por quantidades sempre menores de trabalho alheio.

Quarto,   com   a  perda   de   convertibilidade   em   ouro,  perde­se   a   função   monetária 

essencial do  dinheiro de meio de conservação de valor. O sistema desativou o seu próprio 

44 Mandel também sinalizou o “constante crescimento da mão­de­obra improdutiva na história do capitalismo tardio” (1998: 190).

41

dispositivo interno de segurança. A consequência lógica é a inflação estrutural. Ela faz surgir 

à superfície monetária a massa oculta de trabalho improdutivo. Esse processo foi contido pela 

parcial externalização do problema para as regiões perdedoras do mercado mundial. 

Quinto, a emissão de papel­moeda como condição duradoura da reprodução social; 

aqui o dinheiro dessubstancializado não passa mais nem pelos mercados financeiros regulares; 

antes, a reprodução social sob a forma­mercadoria é alimentada diretamente com volumes de 

moeda   criados   do   nada,   com   base   na   simples   decisão   estatal.   Fenômeno   dos   ciclos 

hiperinflacionários que segue o ritmo da emissão do papel­moeda, numa cadeia ininterrupta 

de desvalorização e recomposição da moeda. 

Para Kurz, a distância inexoravelmente crescente entre dinheiro creditício e substância 

abstrata do trabalho deve conduzir ao colapso. 

Para Beinstein (1999: 297), o capitalismo senil não é ainda o colapso mas o “avanço 

irresistível da decrepitude”,  é  um “fenômeno de envelhecimento avançado do sistema que 

aplica todo seu complexo  instrumental anti­crise acumulado numa longa história bissecular 

mas   que,   a   despeito   disso,   não   consegue   impedir   o   agravamento   de   suas   doenças,   sua 

decadência (é um corpo moribundo que ainda luta por sobreviver...)” (Cfr. 2009). 

Em um quarto período, com o estouro simultâneo de todas as crises, Beinstein concebe 

a entrada do sistema no colapso. Em 1995,  Kurz (1995) analisava que o coração mundial já 

tinha parado de bater  e  que não se  fazia  mais  que simular  a  acumulação capitalista  com 

expedientes   monetários.   De   corpo   moribundo   o   capitalismo   passa   a   ser   um   “cadáver 

ambulante”, processo que é acompanhado pela constituição de “sociedades pós­catastróficas” 

(Kurz, 1992: 167). 

Para Kurz (1995), a base da reprodução capitalista já alcançou o seu limite absoluto, 

ainda que o seu colapso (no sentido substancial) não se tenha realizado no plano fenomênico 

formal.   O   colapso   implica  um  processo,   imprevisível   nos   seus   detalhes   operacionais,   de 

desvalorização  da   liquidez   fictícia   criada   sem   um   fundamento   na   produção   de   capital. 

42

Inflação   e   deflação   são   duas   formas   do   mesmo   processo   de   desvalorização.  É   uma 

desvalorização destrutiva. A ampliação potencial já não é dada pois o nível de produtividade 

torna­se demasiado elevado e a racionalização cresce mais rapidamente que a expansão dos 

mercados. “O trabalho improdutivo global superou um limiar histórico crítico, tanto no seu 

sentido absoluto quanto no sentido relativo e  a sociedade mundial  cientifizada está  agora 

demasiado crescida para caber nas formas do sistema produtor de mercadorias”.

O colapso manifesta­se então como um processo. O processo que estamos vivendo. 

As ilusões persistentes e infundadas de um capitalismo rejuvenescido

Um corolário da determinação da senilidade do capitalismo e da entrada no processo 

de colapso, que resulta da compreensão da história do capitalismo como um processo não­

cíclico, é a demostração do caráter infundado de um conjunto de ilusões que constroem ainda 

o horizonte de um capitalismo rejuvenescido: a ilusão da manutenção do papel virtuoso das 

inovações tecnológicas e das bolhas financeiras; da função de limpeza das crises; da chegada 

de um novo ciclo de expansão; do horizonte de desenvolvimento na periferia capitalista; da 

volta de algum tipo de keynesianismo­fordismo.

Samir Amin chama de  capitalismo senil  à  fase atual do capitalismo na qual “a sua 

dimensão destrutiva  ultrapassa  a  criadora”.  Aceitando  a   formulação de  Beinstein,  Amin 

afirma que a senilidade se exprime pela substituição da 'destruição criadora' (quando no ponto 

de partida há  aceleração da demanda) pela   'destruição não criadora'   (quando no ponto de 

partida   há   abrandamento   da   demanda)   (Amin,   2002:   100).   Beinstein   mostra   como   a 

desaceleração da  demanda  desata  uma guerra   comercial  na  qual   as   inovações  provocam 

desemprego   e   precarização   laboral,   que   desacelera   ainda   mais   a   demanda.   Nas   últimas 

décadas,   as   atividades   científicas   e   tecnológicas   se   expandiram   de   uma   maneira   inédita 

levando   a   uma   onda   de   inovações   também   sem   precedentes,   mas   com   o   crescimento 

econômico se esfriando. O investimento em tecnologia acentuado pela concorrência eternizou 

a   sobreprodução,   tornando­a  crônica.  Sobreprodução   implica   em excesso  de  mercadorias, 

43

sobre­acumulação de capitais e subconsumo das massas (Beinstein,  1999: 293­6). Trata­se 

agora de um processo de 'concentração depredadora de forças produtivas' no qual a destruição 

de empresas,  empregos e mercados é  muito mais  amplo que a criação de novas áreas de 

produção e consumo (idem: 110). 

Numa análise convergente, Kurz mostra que com mercados relativamente saturados, 

novos saltos no crescimento da produtividade superam a ampliação dos mercados de trabalho 

e das mercadorias por eles proporcionadas. “A velocidade de racionalização dos processos é 

maior   do   que   a   velocidade   de   inovação   dos   produtos”.   O   mecanismo   de   compensação 

colapsou junto com a força de expansão fordista. A expansão externa atingiu seu ponto crítico 

pouco   depois   da   Segunda   Guerra   Mundial.   A   expansão   interna,   com   a   revolução 

microeletrônica. 

A “crise agravou­se infinitamente por via da revolução informática. Esta revolução já 

não instaura um novo modelo de acumulação: desde o início, a informática torna inúteis – 'não 

rentáveis'   –   enormes   quantidades   de   trabalho.   Diferentemente   do   que   se   passou   com   o 

fordismo, a informática provoca essa inutilidade a um ritmo tal que já não há extensão do 

mercado  que   seja   capaz  de   compensar   a   redução  da  parte   de   trabalho   contida   em cada 

mercadoria. A informática corta definitivamente o laço entre a produtividade e o dispêndio de 

trabalho abstrato encarnado no valor” (Jappe, 2006: 147).

O   desenvolvimento   das   forças   produtivas,   na   chamada   3a   revolução   industrial, 

racionalizou a força de trabalho criadora de mais­valia, numa escala sem precedentes. A fim 

de atingir o mesmo lucro, teria de se produzir uma massa material de carros cada vez maior 

(Kurz,  2009b). As  inovações  não podem mais suscitar  avanços significativos no plano da 

criação real de valor. Há desemprego estrutural de massas em todos os setores fordistas e o 

emprego em indústrias periféricas retardatárias menos produtivas não significa maior criação 

real de valor.

As crises atuais, portanto, já não têm essa função de 'limpeza' que denota a noção de 

'destruição   criativa'.  No   irreversível   processo  histórico  que   restringe   as   possibilidades  de 

valorização,   “as   crises   não   têm   apenas   uma   'função   de   limpeza',   mas   agravam­se 

historicamente e levam até uma barreira interna de valorização” (Kurz, 2009a).

44

Outra maneira de colocar a questão é a demostração de Beinstein (2009a) do esgotamento de 

ciclos econômicos que correspondem a fases específicas do capitalismo. Os ciclos decenais 

descobertos por Juglar por volta de 1860 tenderam a desaparecer por causa das mudanças 

estruturais   no  capitalismo   depois   de   sua   fase   juvenil.   Mas   continuaram  as   ondas   longas 

descobertas por Kondratiev, etapas de 50 a 60 anos, com uma primeira metade de ascenso 

econômico   e   uma   segunda   de   declínio.   Cada   fase   ascendente   costuma   ser   associada   a 

importantes inovações tecnológicas que modificam os sistemas de produção e os estilos de 

consumo. No caso do quarto ciclo, cumpriram esse papel a eletrônica, a petroquímica e os 

carros. Ora, o declínio do quarto ciclo já  estaria durando uns 40 anos. E as inovações em 

informática, biotecnologia e novos materiais, que deviam inaugurar uma nova fase ascendente, 

não modificam positivamente os acontecimentos, mas acentuam as suas piores características. 

Beinstein  destaca  que  no  caso  da   informática,   sua  principal  aplicação se  deu  na  área  do 

parasitismo financeiro. Isso sustenta a hipótese de que “assim como aconteceu há perto de um 

século com os ciclos decenais de Juglar, podemos atualmente afirmar que as ondas longas de 

Kondratiev têm perdido validez científica, a fase descendente do quarto Kondratiev tem sido 

triturada   pela   nova   realidade,   a   economia   mundial   completamente   hegemonizada   pelo 

parasitismo financeiro obedece a uma dinâmica radicalmente diferente da vigente durante a 

era do capitalismo industrial”. Diante da crise sistêmica, a espera do quinto ciclo Kondratiev, 

de uma nova prosperidade produtiva do capitalismo, é uma espera inútil.

Nesse   novo   cenário,   há   também   uma   mudança   no  papel   das   bolhas   e   do 

endividamento: “a bolha de 2009 contrasta com baixos níveis de consumo e de investimentos 

produtivos  e   altos  níveis  de  desemprego.  Os  excedentes  de  capitais  bloqueados  por  uma 

economia   produtiva   em   declínio   conseguem   benefícios   na   especulação   financeira, 

produzindo, graças aos fabulosos salvatagens financeiros dos governos, um círculo vicioso 

baseado na especulação financeira e o crescimento fraco ou negativo” (Beinstein, 2009c).  O 

endividamento público pode suavizar um tempo a queda da demanda mas depois provoca 

efeitos  contrários  pela  necessidade de fundos por  parte  do Estado:   taxa de juro altas  que 

freiam os investimentos; cargas tributárias que bloqueiam a demanda (Beinstein, 1999: 227).

A esperança de um regresso à acumulação 'regular' do capital é vã: uma grande parte 

da   reprodução   capitalista   depende  há   tempos  do   'capital   fictício'   do   consumo  estatal.  O 

45

endividamento estatal  se  tornou estrutural e agora do  'capital fictício'  na forma de crédito 

estatal depende não só  o aparelho estatal mas a própria vida social  organizada segundo a 

forma­mercadoria. Agora a sociedade não nutre o Estado mas é o Estado que deve alimentar a 

sociedade com 'capital fictício', o que significa uma paradoxal inversão.  A reprodução real 

tornou­se o apêndice de uma gigantesca bolha de 'capital fictício' em vez de produzir ela essa 

bolha como mera emanação do seu interior (Kurz, 1995).

Assim,   a   chegada   milagrosa   de   um   novo  keynesianismo  que   oponha   os   bons 

capitalistas produtivos aos maus especuladores financeiros é uma outra espera inútil.

A   montanha   financeira   não   é   uma   outra   realidade,   independente   da   economia 

produtiva,   foi   engendrada   pela   dinâmica   do   conjunto   do   sistema   capitalista,   expressão 

radicalmente irracional de uma civilização em decadência. A 'droga financeira' foi a 'tábua de 

salvação' diante da crise crônica de sobreprodução (Beinstein, 2009b). 

O   Estado,   instrumento   decisivo   do   keynesianismo,   é   agora   impotente.   Há   uma 

verdadeira redução de potencial econômico do Estado. Beinstein (1999: 76­85) propõe inserir 

o   recuo do Estado e  a  desaceleração econômica num espaço mais  geral  vinculando entre 

outros o parasitismo na economia e no Estado. Depois de uma avalancha estatizante, nos anos 

70 os aparatos públicos começaram a perder dinamismo da mesma maneira que o conjunto do 

'pacote civilizacional' que integravam. 

Em 2009, Beinstein (Cfr. 2009a, 2009b, 2009c) afirmava que a impotência da 'nova­

velha' magia intervencionista se expressava em operações de salvatagem com resultado nulo. 

Assinalava o fracasso dos prometidos “golpes de demanda” e o colapso em curso, nos Estados 

Unidos,  da  estrutura  na qual  o  consumo de massas  e  a   indústria  bélica  se  expandiam ao 

mesmo tempo. O equivalente ao 20% da população economicamente ativa recebe direta ou 

indiretamente rendas do gasto público militar. A magnitude alcançada pelos gastos bélicos 

tem­se tornado um fator decisivo do deficit fiscal. Afirmava, assim, o esgotamento da “época 

do keynesianismo militar  como eficaz  estratégia  anti­crise”.  Nos países  centrais  o  Estado 

intervencionista   não   pode   'voltar'   pois   nunca   foi­se   embora,   ficou   ao   longo   das   últimas 

décadas mudando suas estratégias e discursos. Na periferia, o estatismo recuou mesmo, sob a 

pressão   da   onda   depredadora   da   desestatização.   Mas   ali   “a   volta   ao   Estado   interventor­

desenvolvimentista  de outras  épocas é  uma viagem ao passado fisicamente  impossível,  as 

46

burguesias   dominantes   locais,   seus   negócios   decisivos,   estão   completamente 

transnacionalizados ou sob a tutela direta de firmas transnacionais”.

Kurz (1995) aponta que a concorrência entre crédito estatal e crédito empresarial eleva 

ainda mais a taxa de juros, fazendo com que o Estado perca o controle da política econômica e 

financeira.  “O programa keynesiano suposto  para   fazer   frente  às  crises   (deficit   spending) 

transformou­se num forno sempre aceso, para queimar o futuro hipotecado”.

A crítica radical permite compreender que “enquanto existirem o valor, a mercadoria e 

o dinheiro, a sociedade é efetivamente governada pelo automovimento das coisas criadas por 

ela” (Jappe, 2006: 93). Daí,  a  impossibilidade  de um capitalismo de rosto humano, de um 

Estado   de   justiça   social.   A   mundialização   neoliberal   é   “resultado   inevitável   da   lógica 

capitalista e ao mesmo tempo um sinal da sua extrema fraqueza”, é “o estádio que se segue 

logicamente” ao Estado de Bem­estar (idem: 244­7)45.

Mas fim do keynesianismo não é igual a fim do estatismo. Kurz (1992: 204) previa em 1992, 

no   movimento   pendular   entre   estatismo   e   monetarismo   que   faz   parte   da   dinâmica   da 

sociedade produtora de mercadorias, um novo salto histórico ao polo estatista, mas não como 

novo surto de modernização, senão como “progressiva administração de emergência estatista 

do sistema global em colapso”46.

Com a esperança de repetir na  periferia  a prosperidade ocidental da época de pós­

guerra   “completa   e   consolida­se   a   ilusão  estrutural  de  uma  troca  de  modelo  pela   ilusão 

histórica  de  uma   repetição   do   milagre   econômico”.   Mas   a   história   não   se   repete,   num 

processo de progressão irreversível no desenvolvimento do mercado mundial e no nível de 

produtividade.  A despeito  das  promessas,  a  decadência real   torna­se cada vez mais  clara, 

como colapso sócio­econômico e político; como impossibilidade de adaptação ao  'modelo' 

ocidental   (Kurz,  1992:  152  e  163).  Há   uma  distância   crescente   entre   a   intensificação  da 

produtividade, forçada pela economia da concorrência, nos países capitalistas desenvolvidos, e 

45 Falta ao Estado um meio autônomo de intervenção. O Estado continua a ser o garantidor indispensável da valorização capitalista. “A tentativa contraditória de planificar e regular por intermédio do Estado aquilo que nos   seus   próprios   fundamentos   é   algo   de   cego   e   inconsciente   –   a   economia   mercantil   –   levou   já   à desarticulação do socialismo nos países de Leste” (idem: 248­9).

46 “O deslocamento da primazia da economia para a política não é uma estrutura permanente, mas um modelo para se atravessar as regressões à barbárie, cada vez mais comuns, e que permitem, no momento seguinte, a retomada do domínio da economia” (Menegat, 2003: 153).

47

a produtividade possível nas regiões atrasadas. O custo do investimento torna­se impagável 

para essas regiões (idem: 172). Para atingir o nível de produtividade exigido é preciso não 

políticas   reguladoras  mas  “enormes   investimentos  de  capital”.  É  a  própria   'igualdade'  do 

parâmetro   do   valor   que   faz   com   que   os   países   capitalistas   com   pouco   capital   possam 

apropriar­se de uma massa  relativamente  menor  de valor  em relação a  países  com muito 

capital;   obtêm   apenas   a   parte   da  produção   global   de   valor   que   corresponde   à   sua 

produtividade. É o paradoxo segundo o qual com maior produtividade criam menos valor e 

podem apropriar­se,  na concorrência  do mercado,  da maior  parcela  de  valor   real   (válido) 

produzido pelo capital conjunto mundial (idem: 161)47.

Os fatores endógenos da crise na periferia são “formas concretas de reprodução da 

economia mundial” hegemonizada pelo capitalismo desenvolvido (Beinstein, 1999: 273). O 

Terceiro Mundo é o verdadeiro modelo da modernização recuperadora. A situação do passado 

recente “já foi a modernização, a única historicamente possível dentro do sistema produtor de 

mercadorias”   (Kurz,   1992:   177   e   196),   pois  “nos   países   colonizados   e   depois 

subdesenvolvidos [...]  a sua ligação ao novo se faz  através, estruturalmente através de seu 

atraso social, que se reproduz em lugar de se extinguir” (Schwarz, 2005a: 33­34). Portanto, a 

incapacidade de adaptação virtuosa aos modelos centrais pelas nações periféricas não é  a 

causa mas a manifestação da decadência global. 

Kurz (1992: 189­194) analisa as experiências históricas de desenvolvimento da Europa, 

do socialismo soviético e do Terceiro Mundo, como experiências de “acumulação primitiva” 

que se distinguem entre si pelo nível de produtividade do mercado mundial em cada momento 

histórico. Isso confere atributos diferentes a cada processo de modernização. 

No caso de Europa, o capital teve uma 'fome canina' (Marx) de força de trabalho viva, e 

demorou   mais   de   três   séculos   em   absorver   as   massas   desvinculadas   violentamente   das 

produções agrárias e artesanais. Mas o nível de produtividade foi crescendo até, no século 

XX,   tornar   o   desemprego   em   massa   um   problema   permanente.   Ainda   que   conseguiram 

'exportar'   parcialmente   esse   problema,   a   produtividade   crescente   teve   repercussões 

catastróficas nos processos recuperadores da acumulação primitiva. Num segundo momento, a 

47 No  Capitalismo Tardio,  Mandel   (1985:  45)  encontrava no agravamento da  troca  desigual,   resultado da diferença na produtividade média do trabalho entre as nações,  a  explicação do real  “circulo vicioso do subdesenvolvimento”.

48

experiência   soviética,   pelas   novas   condições   mundiais,   teve   que   acelerar   o   processo, 

exagerando o elemento estatista. Num terceiro momento, no Terceiro Mundo realizou­se a 

maior parte da acumulação primitiva após a Segunda Guerra, num nível ainda mais elevado 

de   produtividade.   Isso   impossibilitou   uma   reclusão   frente   à   lógica   de   produtividade   e 

rentabilidade do mercado mundial. Isso gerou uma “industrialização seletiva”. Desarraigou as 

massas mas não conseguiu integrá­las na moderna máquina de exploração em empresas.

Assim,  além de  impagável,   atualmente   “uma dose  suplementar  de  abertura  para   a 

expansão do capital na periferia – mesmo marginal – exige uma amplitude inimaginável de 

destruição”, como   converter em massa sobrante a metade da humanidade, pela abertura da 

agricultura   para   a   expansão   do   capital.   O   Terceiro   Mundo   contemporâneo   não   tem   a 

possibilidade, que teve a Europa do século XIX, de fazer emigrar a sua massa sobrante. E “se 

ele  quiser   ser  competitivo  como  lhe  ordenam que seja  deverá   recorrer   logo às  modernas 

tecnologias que exigem pouca mão­de­obra. A polarização produzida pela expansão mundial 

do   capital  proíbe  que  o  Sul   reproduza   com algum atraso  o  modelo  do  Norte”.  A única 

perspectiva que o capitalismo oferece é a de “um planeta favelizado e de cinco bilhões de 

seres humanos 'em excesso'” (Amin, 2002: 93­4). 

A inversão nas relações entre a dimensão construtiva e a destrutiva, deveriam marcam, 

para Amin,  o  fim das  ilusões  nas  periferias  de alcançar  os  outros no  interior  do sistema 

global. A determinação do capitalismo senil faz o autor se contrapor às teses que colocam o 

capitalismo como um horizonte intransponível. Denuncia o consenso, que “reúne doutrinários 

liberais, reformistas moderados e mesmo aqueles reformistas consequentes que abandonaram 

progressivamente   o   seu  radicalismo  de   origem”,   em   torno   à   ideia   de   que   a   atual   crise 

estrutural   deverá   ser   superada   sem   o   abandono   necessário   das   regras   fundamentais   que 

comandam a vida econômica e social específica do capitalismo. Isto porque uma nova fase de 

expansão  capitalista   é   anunciada,   um   novo   ciclo   Kondratiev.   Os   discursos   dominantes 

excluem os debates que abordam os limites do capitalismo (idem). 

Mas, apesar das evidencias, ora por honesta cegueira, ora por encobrimento deliberado, 

as ilusões continuam.

Ao contrário,   a   compreensão  dos   limites   do   capitalismo   faz  perceber   que   a  crise 

49

estrutural agrava o caráter  destrutivo das forças produtivas.  As revoluções  tecnológicas do 

capitalismo   “acabam   degradando   o   desenvolvimento   que   tem   impulsionado   ao   estarem 

estruturalmente baseadas na depredação ambiental, ao gerar um crescimento exponencial de 

massas   humanas   superexploradas   e   marginadas”.   “O   progresso   técnico   integra   assim   o 

processo   de   autodestruição   geral   do   capitalismo   na   rota   em   direção   a   um   horizonte   de 

barbárie”. É  importante a ressalva de Beinstein de que isso vai além da ideia de bloqueio 

tecnológico pois “não se trata da incapacidade do sistema tecnológico da civilização burguesa 

para   continuar   desenvolvendo   forças   produtivas   mas   da   sua   alta   capacidade   enquanto 

instrumento de destruição líquida de forças produtivas” (Beinstein, 2009c).

A hegemonia da  ideologia do progresso  e do discurso produtivista,  que “apanhou 

também boa parte do anticapitalismo” instalou a ideia de que “o capitalismo, ao contrário de 

civilizações   anteriores,   não   acumulava   parasitismo   mas   forças   produtivas   que   ao   se 

expandirem criavam problemas de  inadaptação superáveis  ao interior  do sistema mundial, 

resolvidos através de processos de 'destruição criadora'”. O parasitismo era considerado uma 

forma de atraso ou uma degeneração passageira. A marcha irrefreável do desenvolvimento das 

forças produtivas enfrentariam finalmente o bloqueio das relações capitalistas de produção. A 

ilusão do progresso indefinido ocultou a perspectiva da decadência e “deixou o pensamento 

crítico na metade do caminho, tirou­lhe radicalidade, com consequências culturais negativas 

evidentes para os movimentos de emancipação dos oprimidos do centro e da periferia” (idem).

Uma crítica radical que aponte para uma superação radical do capital, deve deter­se 

então na questão das forças produtivas. 

50

3. Forças produtivas e barbárie

Previu­se que uma vez atingidos os seus resultados qualitativos, o capitalismo teria 

cumprido   seu   papel   histórico,   e   as   relações   sociais   estariam   prontas   para   o   socialismo 

(Mandel, 1985: 156). Menegat se pergunta o que resultou da não realização da revolução, que 

se prognosticava no início do século XX, e que continha o diagnóstico do esgotamento do 

caráter   civilizatório   do   capitalismo.   A   resolução   da   crise   em   favor   do   capital   não   foi 

simplesmente o produto de desenvolvimentos  econômicos,  prova da alegada vitalidade do 

modo de produção capitalista ou uma justificação para sua existência. O fascismo e a Segunda 

Guerra   Mundial   criaram   as   condições   prévias   para   que   a   crise   fosse   temporariamente 

resolvida em favor do capital. Essa é a base histórica para a terceira revolução tecnológica, 

para a terceira “onda longa com tonalidade expansionista” e para o capitalismo tardio:

“um fracasso a longo prazo em realizar uma revolução socialista em última análise pode conceder ao modo de produção capitalista um novo prazo de vida, que este último utilizará, então, de acordo com   sua   lógica   inerente:   tão   logo   se   eleve   novamente   a   taxa   de   lucros,   ele   intensificará   a acumulação de capital, renovará a tecnologia, retomará a busca incessante de mais­valia, lucros médios e superlucros e desenvolverá novas forças produtivas. Tal é, com efeito, o significado da terceira  revolução tecnológica.  É   isso também que determina seus  limites  históricos.  Fruto do modo de produção capitalista, ela reproduz todas as contradições internas dessa forma econômica e social” (idem: 155).

Em Mandel  (idem: 133), a noção de capitalismo tardio se opõe à de sociedade pós­

industrial.  O   autor   mostra   que   as  leis   fundamentais   de   movimento   e   as   contradições 

inerentes  do   capital   não   apenas   continuam   a   operar,   mas   na   realidade   encontram   sua 

expressão mais extrema no capitalismo tardio (idem:  4). De fato, o  resultado conjunto das 

principais características econômicas da terceira revolução tecnológica é  uma “tendência à 

intensificação de todas as contradições do modo de produção capitalista” (idem: 136­8).

“o   capitalismo   tardio,  não   é   um   declínio   nas   forças   de   produção   mas   um  acréscimo   no parasitismo   e  no   desperdício  paralelos   ou   subjacentes   a   esse   crescimento.  A  incapacidade inerente ao capitalismo tardio,  de  generalizar as vastas potencialidades  da terceira revolução tecnológica ou da  automação,  constitui  uma expressão  tão forte  dessa   tendência quanto a sua dilapidação de forças produtivas, transformadas em forças de destruição”. “Em termos absolutos, na era do capitalismo tardio vem ocorrendo uma expansão mais rápida nas forças produtivas do que em qualquer outra época [...] No entanto o resultado é lastimável” (idem: 150).

O resultado lastimável do espetacular avanço das forças produtivas está   inscrito no 

coração das forças produtivas enquanto potência produtiva humana abstrata e autonomizada. 

51

As forças produtivas contém em si o caráter dual de uma promessa impossível de se efetivar. 

Com   a   expansão   da   economia   capitalista   ao   fim   da   Segunda   Guerra   Mundial,   o 

otimismo em relação ao futuro do socialismo foi “adiado para um tempo indeterminado”, e o 

século   XXI   é   para   Menegat   “o   da   atualidade   da   barbárie”   (Menegat,   2006:   26).  “O 

esgotamento civilizatório de fato ocorreu, mas ele não corresponde exatamente ao momento 

de esgotamento do desenvolvimento das forças produtivas. Estas possuem ainda um campo 

aberto para o seu crescimento, que já não se convertem num elemento de progresso, mas sim, 

de aberta regressão”. A ampliação na capacidade de apropriação e destruição da natureza vai 

junto com a ampliação da capacidade de domínio sobre os homens. A indústria armamentista 

é o monumento à irracionalidade dessa sociedade (Menegat, 2003: 211­4).  

Por isso, a questão das forças produtivas tem um lugar fundamental na determinação 

de Menegat do conceito de barbárie. Na sua procura em Marx dos contornos gerais de um 

conceito de barbárie, encontra um primeiro nível que se refere à dinâmica histórica e nela, a 

diversas condições de regressão da sociabilidade devido à decomposição das forças produtivas 

e   a   não   superação   das   relações   sociais.   Mas,   se   num   sentido   aparece   como   o   não 

amadurecimento de um modo de produção, que leva ao “anacronismo das relações sociais 

diante do impressionante desenvolvimento das forças produtivas”, num outro sentido, aparece 

como “excesso de civilização, entendida esta como o desenvolvimento das forças produtivas, 

que são constantemente revolucionadas, como parte do processo de valorização e acumulação 

do capital”. A necessária e cíclica destruição de parte dessas forças produtivas para que o 

processo não seja interrompido faz perceber que “é a primeira vez que a destruição das forças 

produtivas faz parte do modo de produção” (Menegat, 2006: 28­31).

É  preciso compreender que  as “promessas incumpridas” fazem parte da dinâmica 

histórica específica do capital48. Descobrimos agora que aquela tendência antevista por Marx 

da abolição do capital por meio de si mesmo está longe de ser agradável. As considerações 

nos Grundrisse, contrário a leituras celebratórias que apontariam a que “nos encontramos já 

48 “Que o capital tenha ambas as dimensões de valor e valor de uso é fonte de sua dinâmica histórica única, uma dinâmica que aponta para um futuro além dela mesma, enquanto constringe a realização desse futuro”. “Não ter uma compreensão dos constrangimentos do capital condena muitos projetos políticos a um fracasso imprevisto ou a tornar­se parte de aquilo que eles mesmos queriam superar” (Postone, 2009: 315­7).

52

para lá da sociedade baseada no valor”, a uma “transformação imperceptível  do capitalismo 

numa outra forma de produção”, antes explicam “um novo potencial de crise”, provocada pela 

cisão entre produção material e produção de valor. As forças científicas, o general intellect, só 

pertencem à humanidade inteira no plano material,  pois no plano da organização social,  a 

produção permanece sob a influência dominante do valor, e a reprodução de cada um passa 

por despender a sua força de trabalho (Jappe, 2006: 115­6). As formas básicas da reprodução 

capitalista continuam encaixando forçosamente as potências substancial­materiais que gerou 

no seu desenvolvimento cego. “A consequência é a transformação das forças produtivas em 

potenciais   destrutivos,   que   provocam   catástrofes   ecológicas   e   sócio­econômicas”   (Kurz, 

1992: 226­7)49. 

Em termos de Kurz (1992: 228), a humanidade “foi socializada de forma comunista no 

nível   substancial­material   e   'técnico'”.   Trata­se   de   um   “comunismo   das   coisas,   como 

entrelaçamento global do conteúdo da reprodução humana [mas] dirigido pela estrutura cega e 

tautológica do automovimento do dinheiro”, na “forma errada e negativa, dentro do invólucro 

capitalista do sistema mundial produtor de mercadorias”.

Em outros  termos,  mas de maneira semelhante,  Menegat (2003: 191­3) analisa que 

aquela promessa do general intellect deu na formação inconsciente dessa forma de órgãos 

imediatos da prática social. Essa especificação é central para compreender a distorção do 

caráter   civilizatório   desse   desenvolvimento.   Por   exemplo,   as   formas   eletrônicas   de 

comunicação como manifestação da feição autoritária que assume esse órgão50. 

Um ponto central é que o adensamento do conhecimento social geral não representou 

qualquer   avanço   da   autocompreensão   da   sociedade51.   Isso   leva   a   problematizar   a 

pressuposição de uma tendência ao aumento da capacidade crítico­reflexiva dos indivíduos, e 

da   resistência   e   organização   dos   trabalhadores,   como   resultado   do   processo   lógico   de 

desenvolvimento das contradições  do capital  (idem:  195­6).  O impasse que daí  surge está 

49 “Para Marx, o conceito de produção social era uma das tendências que caracterizam o desenvolvimento da produção capitalista, que, por um lado, foi impulsionada pela propriedade privada e, por outro, vê a sua ampliação não caber mais na estrutura desta e nas relações sociais daí decorrentes, ao menos sem crises cada vez mais destrutivas” (Menegat, 2003: 30).

50 “A mediação, como uma categoria fundamental da dialética da razão [...] é  assumida pelos artefatos da indústria cultural e desaparece da vida social” (Menegat, 2006: 260).

51 Como   parte   dessa   incompreensão,   “num   sistema   produtor   de   mercadorias,   praticamente   não   há   um conhecimento social da rede conjunta de reprodução no plano material e sensível”, “do agregado material de seu próprio contexto de vida” (Kurz, 1997).

53

contido   na   análise   de   Marcuse  (1981:   36­7)  segundo   a   qual,  na   concepção   marxista,   a 

racionalidade crítica é pré­requisito para a função libertadora do proletariado52.

O conceito de barbárie, desenvolvido por Menegat, “corrige o determinismo que estava 

implícito no otimismo do movimento operário” (Menegat, 2006: 27).  A automaticidade do 

salto ao comunismo é problematizada pela determinação das bases objetivas do domínio do 

capital como um poder autônomo, isto é, pela compreensão crítica do capital como sujeito 

autônomo da sociedade burguesa. Isso impossibilita “vislumbrar no progresso das forças de 

objetivação humana uma revelação de um projeto emancipatório” (idem: 240­3).

A barbárie é um conceito central da crítica à estruturação conservadora da sociedade 

burguesa (Menegat,  2003: 92). A barbárie não é   inevitável,  mas é  a consequência  lógico­

histórica do livre desenvolvimento do capital (idem: 219), o exato oposto da revolução (idem: 

222), a “teleologia” da história em curso (Menegat, 2006: 16). 

A crítica à barbárie exige a compreensão dos  desdobramentos civilizatórios  que os 

impasses   desta   produzem   (Menegat,   2003:   180),   o   que  leva   Menegat   a   considerar   um 

complexo de problemas em torno à “regressão antropológica do indivíduo”. Por exemplo, o 

“sentido crescentemente  impessoal” das heranças entre as gerações com a transformação do 

desenvolvimento das forças produtivas num aparato técnico, que faz com que as capacidades 

ativas se depositem na objetividade do mundo social (idem: 127­137). Ou a “analítica da vida 

danificada”  como uma “escavação  nas   camadas  de  barbárie  que   se  vão  acumulando  nos 

indivíduos e que impedem a sua livre associação” (idem: 110). Ou a indústria cultural que “se 

propõe organizar o tempo livre dos indivíduos, de modo a que estes possam distraidamente 

solidificar os laços de adesão com a ordem de produção”. Assim, a diversão é “o elo que 

promove   este   compasso   de   espera   regressivo”   (idem:   158­165).   A   multidão,   contrária   à 

promessa   de   individuo   social,   é   a   “realização   pervertida   da   individualidade”,   é   uma 

associação de indivíduos “reduzidos à expressão padronizada de sua individualidade abstrata, 

a   saber,   a   busca   do   interesse   próprio”.   A   multidão   une   os   indivíduos   atomizados   da 

autopreservação (Marcuse. 1999: 89). Essas análises fazem possível entender o “descompasso 

entre a maturidade das forças produtivas da sociedade e a menoridade dos indivíduos” 

(Menegat, 2003: 67).

52 Donde “a noção de um período prolongado de barbarismo, em contraste com a alternativa socialista – barbarismo baseado nas realizações técnicas e científicas da civilização” (Marcuse, 1999: 81).

54

O processo em curso consiste, então, numa crescente socialização da produção que não 

desenvolve as estruturas de pensamento e as instituições de mediação social requeridas para 

sua autocompreensão. Assim, as condições objetivas estão dadas para a superação do trabalho 

mas   esta   “é   impossível   de   ser   antevista   pela   consciência   reificada”   (idem:   199­200).  A 

necessidade   de   uma   práxis   à   altura   dos   problemas   a   serem   resolvidos   contrasta   com   a 

“pequena carga reflexiva que ainda circula pelas sociedades contemporâneas” (idem: 208). 

 

No prefácio de “Para a critica da economia política” de 1859, Marx (1987: 30) escreveu 

a célebre frase: 

“Em uma certa etapa do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as   relações  de produção existentes  ou,  o  que nada mais  é  do que a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais aquelas até então se tinham movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas estas relações se transformam em seus grilhões. Sobrevém então uma época de revolução social”.

A partir da nossa análise vemos que a questão da contradição entre as forças produtivas 

e as relações de produção serve na compreensão das revoluções burguesas e da gênese do 

capitalismo, exatamente pelo lugar específico que as forças produtivas adquirem nesse modo 

de  produção53.  Mas  não  serve  como  regra  geral   a­histórica  para  pensar  hoje  uma virtual 

superação desse modo de produção. Se, em tese, o aumento quantitativo de um dos momentos 

da contradição exigiria uma mudança qualitativa do outro pólo, no entanto “há um nexo, ao 

invés de uma fratura, entre o desenvolvimento das forças produtivas – quer dizer, da técnica, e 

o seu aparato, que produzem aumentos quantitativos de produtos para suprir as necessidades 

básicas dos indivíduos no atual estágio do desenvolvimento da humanidade – e as relações 

sociais – isto é, a divisão social do trabalho – que aponta para aquém da sua ultrapassagem” 

(Menegat,  2003: 36­7;  2006:  76).  No  pacto  que se realiza entre as relações  sociais  e o 

desenvolvimento das forças produtivas,  as primeiras entregam a sua forma específica de 

racionalidade  às   segundas   (Menegat,  2003:  45).  Na   espera  da  crise   entre   as   relações   de 

produção e o desenvolvimento das forças produtivas, descuida­se essa “continuidade lógica 

entre  os  pólos”   (idem:  64),  o  “poder  das   forças  produtivas  como meio  de  manutenção  e 

continuidade das atuais relações de produção” (idem: 179).

53 Os implantes capitalistas no Antigo Regime “passaram a desorganizar e a reorganizar os mercados locais – a interconectá­los ­, passaram a financiar a produção [...] a passagem foi irresistível porque desenvolveu de maneira exponencial as forças produtivas” (Arantes, 2004: 297).

55

4. A abolição do valor e das forças produtivas

Opomos a análise da historicidade das categorias do capital à sua ontologização por 

parte  do marxismo tradicional.  Ontologizar  as  categorias,   isto  é,   supor  que elas  tem uma 

vigência eterna na história e desenvolvimento da humanidade, leva a tomar como  ponto de 

vista  da crítica aquilo que em Marx era objeto de crítica:  “o objeto da crítica de Marx (por 

exemplo, valor, assim como o trabalho que o constitui, analisados como formas historicamente 

específicas), tem sido frequentemente tomado como o ponto de vista dessa crítica” (Postone, 

2009: 308). Tomar como ponto de vista essas categorias leva à perspectiva de sua afirmação. 

Ao contrário, a crítica que mostra a historicidade dessas categorias leva à perspectiva de sua 

abolição. Assim, o valor, o trabalho, o proletariado, como pontos de vista desde o qual se 

critica   o   capitalismo   leva   à   afirmação   do   valor,   do   trabalho   e   do   proletariado   contra   o 

comando deles por parte do capital. Ao contrário, o valor, o trabalho, o proletariado enquanto 

objeto de crítica, isto é, enquanto categorias historicamente específicas do capital, levam à 

perspectiva   da   sua   abolição.  Concordo   com   Postone   (idem:   312)   em   que  a   crítica   do 

capitalismo de Marx verdadeiramente apontava para  a  abolição do proletariado,  enquanto 

classe e enquanto trabalho que essa classe faz54.

Vejamos agora essa questão em relação à categoria forças produtivas. Uma crítica do 

capitalismo que se faça desde o ponto de vista das forças produtivas, isto é, em nome delas, 

leva à sua afirmação, à perspectiva muito comum de pretender libertar as forças produtivas 

dos grilhões que significam as relações de produção desse modo de produção. 

Já   analisamos   o   pacto   existente   entre   esses   momentos   aparentemente   opostos.  A 

exposição   lógico­histórica   da   categoria   forças   produtivas,   reforçada   pela   evidência   do 

esbanjamento e destruição de forças naturais,  humanas e sociais  em curso no capitalismo 

contemporâneo,   nos   leva   a   afirmar   que  o  desenvolvimento  das   forças   produtivas   tem   se 

tornado, de tarefa histórica, em condição regressiva para a emancipação. Trata­se de abolir as 

54 Na  Ideologia Alemã, Marx fala explicitamente na supressão do trabalho e do proletariado:  “Em todas as revoluções anteriores o modo de atividade permanecia intacto, e tratava­se apenas de conseguir uma outra forma de distribuição dessa atividade, uma nova distribuição do trabalho entre as pessoas, enquanto que a revolução   comunista   é   dirigida   contra   o  modo  anterior   de   atividade,   suprime   o  trabalho  e   supera   a dominação de todas as classes ao superar as próprias classes” (Marx e Engels, 1982: 108). 

56

forças produtivas, no sentido da sua supressão e superação. 

Determinar esse sentido da abolição das forças produtivas é fundamental, pois, numa 

perspectiva emancipatória não podemos furtar­nos ao desafio da objetivação das capacidades 

humanas   e   da   materialização   de   uma   outra   sociedade   num   sentido  não   idealista   nem 

regressivo.

Vejamos   algumas   contribuições   de   Kurz   (Cfr.   1997)   para   pensar   essa   questão.   A 

necessidade de vincular a emancipação social com a superação do trabalho abstrato, faz o 

autor se afastar de uma “crítica reacionária das forças produtivas”, de uma “pura e simples 

negação” das forças produtivas, em geral. Para Kurz, a reprodução pós­capitalista não deve 

cair abaixo do nível de socialização capitalista, mas, antes, superá­lo. Por isso é impossível 

“dissociar  a  negação  e   a  superação  positiva”.  Tratar­se­ia  de  “elaborar  definições  socio­

econômicas de uma forma embrionária, para além da produção de mercadorias, no nível do 

atual grau de sociabilização”. Kurz destaca a possibilidade, nesse sentido, de se apropriar da 

microeletrônica em projetos de fuga e superação da sociedade produtora de mercadorias. Mas 

adverte que essa apropriação “não pode ser um prolongamento do antigo marxismo e sua 

fetichização das forças produtivas – prolongamento este irrefletido e dotado de uma simples 

crítica superficial ao valor”. Num movimento de “negação da negação”, tratar­se­ia de “tomar 

partido das  forças produtivas  microeletrônicas contra  as  relações de produção capitalistas, 

mas,  ao  mesmo  tempo,  de  superar  o  destrutivo  valor  de  uso  da  estrutura  de  produção  e 

consumo capitalistas”. “Essa crítica superadora tem de distinguir entre essência e aparência 

da revolução microeletrônica. A essência dessas novas forças produtivas é um potencial, ou 

seja, uma possibilidade que o capitalismo não produziu em benefício próprio, mas para seu 

abstrato fim em si mesmo da valorização. A  realidade  aparente  desse potencial não pode 

deixar de ser afetada por tal fato. De acordo com a sua configuração material, a aparência 

concreta  das  forças  produtivas  microeletrônicas  é   também capitalista,  e  deve ser  superada 

juntamente com sua forma social”55. Um movimento social “terá  de direcionar os próprios 

55 Para   Kurz   (1992:   232)   “a   substância   material   das   potências   alcançadas   da   socialização   tem   que   ser radicalmente   liberada   da   forma   histórica   que   contaminou   essa   substância   e   tornou­a   extremamente destrutiva”. Essa 'forma histórica' são as forças produtivas, já em si uma abstração social, e a substancia material é o potencial produtivo, as capacidades do homem.

57

potenciais   microeletrônicos   para   fins   emancipatórios   de   reprodução”   o   que   implica   em 

conhecimentos específicos e a ampliação desse conhecimento. O objetivo da emancipação 

deve ser  “a  pessoa auto­reflexiva,  que  regula  conscientemente  seu contexto vital  e  não é 

dominada por coisas mortas”. Aproveitar os potenciais da revolução microeletrônica implica 

“escolher criticamente os artefatos capitalistas, em vez de submeter­se, sem nenhuma crítica, 

à lógica repressiva de seu valor de uso”.

Na proposta  que Marx fez à   russa Vera Zassulich,  de  “apropriar­se das  conquistas 

positivas   trazidas   pelo   sistema   capitalista,   sem   ter   que   passar   pelas   respectivas   forcas 

caudinas” (Jappe, 2006: 199­200)  está contido esse movimento de apropriação reflexiva.

Podemos falar, então, em apropriação reflexiva das forças produtivas? Em uso das 

forças produtivas para fins determinados conscientemente pelos próprios homens?56.

Sintetizemos o até aqui desenvolvido. Dado que o modo de produção capitalista “não 

só muda formalmente mas realiza uma revolução em todas as condições sociais e tecnológicas 

do  processo   laboral”,  o   capital   “não  se   apresenta  agora   só   como condições  materiais  de 

trabalho  que não pertencem  ao operário – a matéria prima e os meios de trabalho – senão 

como incarnação das forças sociais e das formas de seu trabalho comum contrapostas a cada 

um dos operários” (Marx, 1980: 158). Não estão ai as matérias primas, e os meios de trabalho 

que   pertenciam   ao   operário,   esperando   para   serem   recuperados.  As   forças   sociais   se 

incarnaram   de   uma   maneira  muito   específica  enquanto   força   produtiva   do   capital.  Na 

constituição da  força produtiva, é o processo de valorização, e portanto as necessidades do 

capital e não a satisfação das necessidades humanas, que determinam o percurso e ritmo do 

desenvolvimento e aplicação tecnológica, e a abrangência do seu uso. 

Os fatores objetivos, se adaptando ao trabalho abstrato como substancia do valor, e ao 

tempo socialmente necessário como magnitude do valor, adquiriram uma desmedida em dois 

sentidos. Em relação às necessidades humanas, posto que o seu fim é o da autovalorização do 

valor.  E em relação às necessidades do próprio capital,  quando a contradição  imanente é 

efetivada na crise de sobreprodução. A crise intensifica a inovação tecnológica.  Ao mesmo 

56 Para Michel Lowy, uma determinação da sociedade socialista é “um possível domínio racional das forças de produção pelos homens”, em “L'humanisme historiciste de Marx ou relire Le Capital” (Lowy apud Dosse, 1994: 217).

58

tempo, a crise aprofunda as determinações capitalistas da tecnologia, isto é, o seu caráter de 

força produtiva. Por um lado, um uso intensivo da tecnologia na procura de aumentar a mais­

valia, com o decorrente abuso das fontes da riqueza, força de trabalho e natureza, chegando ao 

ponto  da   sua  destruição  ou  esgotamento  antecipado.  Por  outro,  uma   restrição  do  uso  da 

tecnologia em casos em que, significando uma vantagem do ponto de vista humano, de se 

libertar   de   tarefas   pesadas   e/ou   rotineiras   passíveis   de   serem   feitas   por   uma   máquina, 

ganhando  tempo para atividades  mais  criativas  ou humanizadoras,  não  traz benefícios  no 

aumento   da   mais­valia.   Finalmente,   o   direcionamento   do   próprio   percurso   do 

desenvolvimento tecnológico segundo as necessidades do capital. 

As   forças   produtivas,   uma   das   abstrações   reais   do   capital,   adquirem   também   sua 

dinâmica inerente e específica de incumprimento de suas promessas. As forças produtivas são 

essa   forma   histórica   específica   em   que   as   capacidades   humanas   se   desdobram   numa 

potencialidade oculta e reprimida e numa realidade aparente na sua configuração material. 

Donde   a  regressão   antropológica  do  homem;   a   socialização   material   com   associalização 

formal   (comunismo   das   coisas);   o   desconhecimento   do   agregado   material   por   parte   dos 

indivíduos;  a  mistura  de destruição,  paralisação,  bloqueio  e   também criação  irracional  de 

recursos naturais e humanos.

Reconhecendo  o  caráter   abstrato,   autonomizado,   tautológico,  das   forças   produtivas 

enquanto   forma   específica   do   capital,   falar   em  forças   produtivas   que   respondem   a 

necessidades   sociais   é   uma  contradição   nos   termos.   Não   pode   haver   uso   reflexivo   e 

consciente de uma forma inerentemente irreflexiva.  A efetivação da potencialidade oculta e 

reprimida das forças produtivas coincide com a sua abolição enquanto forma específica57. 

57 Além da construção lógica do seu raciocínio, há várias passagens em Menegat que me instigaram a formular a perspectiva da necessidade da abolição das forças produtivas: “um desafio que supera a determinação das formas   de   relações   de   produção,   e   muito   provavelmente   deve   vir   a   intervir   na   própria   concepção   de desenvolvimento das forças produtivas” (2006: 44). “A manifestação efetiva de uma rica individualidade só pode se dar agora na superação dessa produção material, uma vez que esta é determinada por uma forma social em que o agir instrumental condiciona seu funcionamento [...] O agir instrumental está associado, enquanto categoria, à  produção pela produção” (idem: 53­4). “O atraso em realizar a  supressão de uma produtividade em permanente expansão [exatamente o que aqui determinamos como força produtiva] num quadro de distribuição imperfeita produziu o acúmulo de outros e graves problemas, sem que isso ampliasse a  capacidade  de  enfrentá­los”  (idem:  350).  A soma coletiva das  energias  produzidas  pela   liberação do indivíduo   das   formas   antigas   de   coerção   social,   “são   cuidadosamente   drenadas   e   canalizadas   para   a produção. Elas não podem se desviar da sua determinação de força produtiva, isto é, de ser uma força social  que vê a sua potencia como algo estranho a si mesma” (Menegat, 2003: 139).

59

A  crítica   da   economia   política   de   Marx   constitui   uma   crítica   da   existência   da 

'economia' enquanto tal. Lukács apontava que a economia socialista já não teria a “função que 

até então haviam tido todas as economias: ela deverá ser serva da sociedade conscientemente 

dirigida; deverá perder a sua imanência, a sua autonomia, que dela faziam propriamente uma 

economia;  deverá   ser   suprimida  enquanto  economia”58.  No caso  do  trabalho,  a  crítica  do 

trabalho enquanto tal, e a perspectiva de sua abolição, não significa eliminar o metabolismo 

do homem com a natureza. 

Da mesma maneira, abolir as forças produtivas não implica na eliminação da dimensão 

técnica,   da   engenhosidade,   no   desenvolvimento   do   homem.   Implica   quebrar   seu   caráter 

autonomizado e tautológico. Marx imaginava que “numa sociedade comunista a maquinaria 

teria um campo de ação muito diferente daquele que tem na sociedade burguesa” (C I, 13, 478, 

nota 116bis). A abolição das forças produtivas significaria a possibilidade de utilizar a técnica 

com outros parâmetros que a eficiência ditada pela valorização, que a produtividade visando a 

competitividade na concorrência por fatias do mercado. A possibilidade de se apropriar da 

produtividade como um meio para atender as necessidades humanas59. 

Mesmo não tratada em termos de abolição das forças produtivas,  a necessidade de 

outra forma de relação com a técnica está presente em diferentes autores sob termos diversos. 

Podemos falar na “contradição entre as capacidades elaboradas pela espécie humana e 

a sua forma efetiva alienada” (Jappe, 2006: 156). Na determinação  dos “conhecimentos e 

capacidades produtivas socialmente gerais” possíveis de serem efetivados “se a riqueza 

58 Lukács apud Jappe, 2006: 213. Ainda, falando da importância da violência na transição de uma ordem de produção a outra, fato negado pelo marxismo vulgar, Lukács apontava que “la transformación de la fuerza productiva en palanca de la tranformación social, no es sólo un problema de consciencia de clase, de la eficacia práctica de la acción consciente, sino también el comienzo de la superación de la pura 'legalidad natural'  del economicismo. Pues quiere decir que la  'fuerza productiva máxima' [la clase revolucionaria misma] se rebela contra el sistema de producción en que está inserta” (Lukács, 1975: 107­8).

59 Na   busca   da   superação   do   capitalismo,   é   preciso   para   Samir   Amin   assegurar   a   segurança   alimentar, desconectando os  preços  internos dos preços do mercado mundial  e  permitir,  através  da progressão da produtividade na agricultura camponesa,  sem dúvida lenta mas contínua, o controle da transferência da população do campo para as cidades (2002: 95). “A preocupação de Oswald [de Andrade] não era a de tornar o Brasil um gigante dos negócios mundiais, o seu anticapitalismo é muito mais profundo: para ele, a máquina não era um meio de potencializar a concorrência, mas uma forma sublime de emancipação”; isso está   ligado à  concepção de “socialismo como uma forma de sociedade que de fato suprime o trabalho alienado,   e   não   como  mais   um  entre   os   modelos   de   industrialização   acelerada”;   problema   de   “como transformar os imensos ganhos de produtividade [...] num bem comum de uma humanidade ainda a ser re­fundada” (Menegat, 2006: 345­7).

60

social for a forma social da riqueza” (Postone, 2006: 478). 

Jacques Ellul (1968: 80), na sua crítica do que ele chamou de “civilização técnica”, não 

propunha simplesmente outro tipo de técnica, ou outro tipo de uso da técnica existente, mas 

enxergou   desesperadamente   a   necessidade   de   um   mundo   social   onde   a   “conciliação   do 

homem e da técnica  seja  possível”.  Isso ajuda na distinção entre  a  força produtiva,  uma 

forma específica de tecnicidade determinada pelo capital, e outra forma baseada na “interação 

da eficácia técnica e da decisão eficaz do homem em face dela”60.

Marcuse (1999: 73­4) faz a distinção entre técnica e tecnologia. Para o autor, a técnica 

por si, num sentido restrito, pode promover tanto o autoritarismo quanto a liberdade, tanto a 

escassez  quanto   a   abundância,   tanto  o   aumento  quanto   a   abolição  do   trabalho  árduo.  A 

questão é que a técnica propriamente dita, isto é, o aparato técnico da indústria, transportes, 

comunicação é  apenas um fator parcial  da  tecnologia,  enquanto processo social.  Assim,  a 

tecnologia é  “uma forma de organizar e perpetuar (ou modificar) as relações sociais, 

uma   manifestação   do   pensamento   e   dos   padrões   de   comportamento   dominantes,   um 

instrumento de controle e dominação”. Portanto, as relações sociais existentes não fazem uso 

diferenciado da tecnologia como poderiam fazer uso das técnicas. A tecnologia é a forma que 

adquire o processo de dominação. Marcuse analisou como o processo tecnológico não cumpre 

as   promessas  que   aparentava.  A  superação  da   escassez  parecia   levar  à   transformação  da 

competição em cooperação. Mas Marcuse percebe como, no “desfecho lógico de um processo 

social   que   media   o   desempenho   individual   em   termos   de   eficiência   competitiva”,   “as 

condições existenciais que formam a individualidade se rendem às condições que tornam a 

individualidade desnecessária”. Coexistem abundância potencial com pobreza real. “A técnica 

impede  o  desenvolvimento   individual   apenas  quando   está   presa   a   um aparato   social   que 

perpetua   a   escassez,   e   este  mesmo  aparato   liberou   forças   que  podem aniquilar   a  forma 

histórica particular em que a técnica é  utilizada”.  Para Marcuse, uma  outra forma de 

utilizar  a   técnica  poderia:  democratizar  as   funções;   facilitar  o  desenvolvimento humano; 

mudar o centro de gravidade das necessidades da produção material  para a arena da livre 

realização humana; levar a novas formas de individualização; diminuir o tempo e a energia 

60 É ingênuo “pensar [nas condições atuais] a técnica como saber neutro de uso acordado entre os homens”. No entanto, não deixa de ser um fim desejável que “somente poderia acontecer num movimento contra a sociedade administrada” (Menegat, 2003: 75).

61

gastos  na produção das  necessidades  da vida,  além de uma redução gradual  da escassez; 

permitir a abolição dos objetivos competitivos.

As forças produtivas são exatamente essa forma específica e histórica em que a técnica 

é desenvolvida e utilizada pelo capital. Essa forma contém em si mesma o incumprimento da 

promessa   técnica   donde   a   dualidade   atual   entre   potencialidade   assombrosa   e   realidade 

horrorosa. 

Na análise de Marx, a cooperação, em termos mais gerais, é a “criação de uma força 

produtiva que em si e para si é forçoso que seja uma força de massas” (C, I, 11, 396). O modo 

de produção capitalista, assim, foi se apropriando da cooperação nesse sentido mais geral, da 

capacidade de criar  essa  força produtiva  coletiva.  E   isso acabou se materializando,  como 

vimos, na alienação do desenvolvimento tecnológico e científico e na sua constituição como 

potência  produtiva  autônoma que   serve  ao  capital.  A partir  da   apropriação  objetiva  pelo 

capital  das   condições   do   desenvolvimento   das   potências   produtivas  do   homem  “a   força 

produtiva  aparece  como se  o  capital  a  possuísse  por  natureza,   como sua   força  produtiva 

imanente” e “a cooperação mesma aparece como forma específica do processo capitalista de 

produção” (C I, 11, 405­7). É um  obstáculo subjetivo  a dificuldade de distinguir  entre as 

forças produtivas, forma específica do capital, e o potencial desenvolvimento da cooperação e 

das  capacidades do homem.  O  fetichismo do capital  “consiste  não só  na  ilusão de que o 

capital também é uma fonte de produção de valor, mas principalmente em seu poder efetivo de 

subordinar o  trabalho e as condições de sua autovalorização,  crescendo e expandindo sua 

dominação às várias esferas da vida econômica” (Grespan, 1999: 125).

A   concentração   e   centralização   do   capital,   longe   de   facilitar   a   sua   expropriação, 

concentra também o poder e o controle sobre as condições da produção social. Concentra as 

forças de produção sociais no grande capital.  Essa concentração aprofunda a identificação 

subjetiva das forças produtivas do capital com as capacidades do homem. Por outro lado, essa 

identificação vê­se também fortalecida pela velocidade fantástica nas inovações e aplicações 

tecnológicas   que   o   capital   produz   em   alguns   ramos   da   indústria,   base   para   utopias 

tecnológicas   que  substituem   em   grande   medida   às   utopias   sociais.   Mas,   estando   as 

62

necessidades   humanas   subsumidas   hoje   pelas   necessidades   do   capital,   as   necessidades 

tecnológicas hoje produzidas  devem ser  avaliadas  enquanto necessidades  do capital  e não 

como   um   simples  desenvolvimento   natural   do   homem,   da   humanidade   no   seu   avanço 

civilizatório. 

Embora fique claro que uma apropriação reflexiva leve a desenvolvimentos técnicos 

diferentes ao atual61, esse é o desdobramento de uma mudança fundamental. A abolição das 

forças produtivas não é uma nova técnica, mas uma nova forma de sociabilidade que lide 

reflexivamente com a  técnica.  Trata­se, para isso, da  superação dessa forma específica de 

mediação social que é o capital62. Como deve ter ficado claro, isso não significa superar os 

constrangimentos que o capital impõe às forças produtivas, pois  as forças produtivas fazem 

parte dos constrangimentos do capital63.  É preciso abolir as forças produtivas para poder se 

apropriar da potência produtiva, para poder efetivar a sua promessa.

Já   observamos   que   o   'tempo   socialmente  necessário'   na   produção   de  mercadorias 

articula o valor, o trabalho abstrato, e a força produtiva. O tempo socialmente necessário é a 

magnitude do valor, é a substância do trabalho abstrato, é o que dá o impulso frenético ao 

desenvolvimento   das   forças   produtivas.   A   abolição   do   valor,   do   trabalho   e   das   forças 

produtivas, implicam numa re­apropriação do tempo social. 

A   identidade   entre   produtores   e   consumidores  é   analisada  por  Kurz   (1997)   como 

“condição sine qua non para uma superação da forma valor”. De fato, a desproporção entre 

produção e consumo é inerente ao capitalismo (Mandel, 1998: 196). Na ausência de um modo 

de produção diretamente socializado, as unidades de produção separadas estão condenadas a 

seguir as leis fetichistas da rentabilidade. Ao contrário, a unidade entre produção e consumo 

significa que a produção está orientada para necessidades antecipadamente conhecidas (Jappe, 

2006: 161 e 166). 

61 Kurz propõe, por exemplo,  “certa indiferença para com inovações sempre novas e independentizadas no plano das coisas, cujo dispêndio não guarda mais relação alguma com sua utilidade” (Kurz, 1997). 

62 Também   “a   questão   da   suprassunção   do   trabalho   alienado,   na   medida   em   que   é   um   dos   pólos   da contradição, implica na abolição do capital” (Menegat, 2006: 227).

63 A questão não é “se uma estrutura estática pode ou não ser transformada, mas se uma estrutura dinâmica, que supõe uma transformação permanente, pode, ela mesma, ser superada” (García López, 2006: 31). 

63

Dada essa unidade entre produção e consumo “a questão do dispêndio de tempo pode 

ser manejada flexivelmente”, ou seja, a comparação entre uma hora de trabalho abstrato e 

duas horas de  atividade num contexto social satisfatório não é quantitativa. “A superação da 

forma  do valor significa superar a separação entre  'trabalho' e  'tempo livre',  e, portanto, o 

'trabalho' como tal” (Kurz, 1997). O tempo livre “abre a perspectiva de se pensar a inscrição 

do indivíduo na coletividade enquanto singularidade como 'individualidade rica'” (Menegat, 

2003: 196; 2006: 215).

Para Postone (2009: 319), um resultado da abolição do valor  seria que “a riqueza da 

sociedade   não   dependesse   de   que   uma   massa   de   pessoas   realize   um   trabalho   que   hoje 

consideramos vazio, fragmentado, opressivo, explorador. O socialismo exigiria a abolição real 

de muito desse trabalho sem criar uma enorme população excedente”. José Nun (2001: 42­3) 

aponta que para Marx, e esse seria o núcleo da sua crítica à concepção abstrata e a­histórica 

de Malthus, o excedente de população é sempre relativo, mas não aos meios de subsistência 

em   geral   mas   ao   modo   vigente   para   sua   produção;   é   um   excedente   para   esse   nível   de 

desenvolvimento. Para Nun, o socialismo implica na “eliminação definitiva de qualquer forma 

de superpopulação”. 

Vimos   que   a  força   produtiva,   enquanto   forma   específica   do   capital,   abstrata,  

autonomizada,   tautológica   e   irracional,   exige   a   população   excedente.  Acabar   com   o 

trabalho opressor e ao mesmo tempo com a população excedente  é   já  abolir as forças 

produtivas. 

Com o novo prazo de validade do capital pela derrota das forças de esquerda, adia­se a 

possibilidade de abolição das forças produtivas, que deve quebrar a sua autonomização em 

face das necessidades humanas, apropriando­se da potência produtiva do homem. Com isso, 

as   forças   produtivas,   incarnação  material   do  valor,  mostram   seu  verdadeiro   caráter,   uma 

mistura de destruição, parasitismo, e hiper­produtivismo irracional. 

Um   “consciente   movimento   social   de   supressão”   deve   acabar   com   a   mera 

administração da crise  e  com a situação atual  na qual   tiram­se dos homens  inclusive “as 

condições capitalistas da satisfação de suas necessidades” (Kurz, 1992: 224­6).

64

Dissemos  antes  que  a   abolição  das   forças  produtivas  deixava  em pé   o  desafio  da 

objetivação  das   capacidades  humanas,   da  materialização  de  uma  outra   sociedade  num 

sentido  não   idealista  nem  regressivo.  Podemos  afirmar   agora  que  a  abolição  das   forças 

produtivas,  que é  num mesmo movimento  a abolição do valor,  é  uma  condição  para 

enfrentar esse desafio.

Enquanto   isso,   a   miragem   do   neo­desenvolvimentismo   alimenta   a   esperança   de 

resolver os problemas sociais sem a superação do capital. A senilidade do sistema, com a sua 

retomada da violência na tentativa de se perpetuar, requer que os reformistas e radicais sejam 

muito mais radicais do que jamais (Amin, 2002: 81). É  por  realismo  que é preciso encarar 

agora   saídas   radicalmente   anticapitalistas   (Jappe,   2006:   243).   É   preciso   uma  recusa 

combatente de todas as  tentativas de estabilização do sistema (Beinstein, 2009c).  É  preciso 

denunciar  o  mundo  existente   como   impossível  de   ser   suportado,   e   exigir  das   forças  que 

mantém o real que se expliquem64.

64 Isso é o que faz, segundo Menegat (2006: 319), o poema medieval Fabliau de Cocagne.

65

II.  DESMONTANDO O CASTELLS DE CARTAS: UMA TRAJETÓRIA 

INTELECTUAL

(Apelo à paciência do leitor para enfrentar este capítulo que se propõe acompanhar 

com seriedade e  dedicação uma  trajetória   intelectual.  A pesada carga de citações procura 

mostrar a base textual  para as afirmações que aqui são feitas em relação à  vida,  morte  e 

ressurreição de conceitos e assuntos. O ponto de referência do percurso confunde­se às vezes, 

no início, com as próprias lembranças auto­biográficas de Castells. Mas a distância crítica e 

irônica do narrador, e provavelmente do leitor, vai sendo mais e mais exigida na medida em 

que avançamos na trajetória. Se o paciente leitor estiver desistindo, console­se pensando na 

paciência que foi necessária para reconstruir este caminho de pedras. E alimente a ilusão de 

que  o   capítulo   seguinte   recuperará   essa   trajetória   em outros   termos,   na   tentativa  de   sua 

explicação teórica e histórica)65.

1. 1942­ 60s: entrada em cena

II  Guerra Mundial.  Guerra Civil  Espanhola.  PCF. Althusser, Maio de 68. Crise do 

comunismo­marxismo.

*

Manuel Castells nasceu em 1942 na Espanha, na província de Albacete. Na infância 

foi­se deslocando entre Madri, Cartagena, Valência e finalmente Barcelona, onde passou sua 

adolescência,   seguindo   o   percurso   da   carreira   burocrática   do   pai.   O   pai   e   a   mãe   eram 

servidores públicos do Ministério de  Finanças espanhol. O pai lutou pelas forças franquistas 

durante a guerra civil. 

Entrou na resistência clandestina na Espanha em 1960, aos 18 anos. Fazia parte do 

65 A maior parte dos dados e das lembranças auto­biográficas  são do livro das entrevistas que Castells dá a Martin Ince (Cfr. 2003). Para facilitar o acompanhamento da trajetória de Castells, fazemos a referência a suas obras apontando o ano do livro na sua edição original, com exceção da trilogia A Era da Informação para a qual  utilizamos a seguinte convenção: para o Vol I, A Sociedade em Rede: SR; para o Vol II, O Poder da Identidade: PI; para o Vol. III, O Fim do Milênio: FM.

66

Frente  Obrero   de   Catalunia  (FOC).   Ele   lembrará   depois   que   naquela   época   odiava   os 

comunistas  por  autoritários,   e  por  pensar  que   tinham  traído  a   revolução  na  Guerra  Civil 

Espanhola. Também que se considerava um 'anarquista, embora usando teoria marxista'. Ele 

lia o que considera agora leituras bastante típicas da esquerda dos '60: história, política, teoria 

marxista e anarquista, assuntos do Terceiro Mundo, economia política.

Em 1962 vai pra França, e em  1964, desiludido com a política na Espanha, Castells 

decidiu que o seu futuro seria uma carreira acadêmica. Passa por duas instituições ícones da 

época na briga entre “os antigos e os modernos”: a Sorbonne e Nanterre66.  Na Sorbonne, 

bastião dos antigos,  forma­se em Direito Público e Economia Política. Então, segundo ele 

mesmo, procurou “quem estava fazendo sociologia da classe trabalhadora” e foi encaminhado 

a Alain Touraine, a “estrela crescente da sociologia francesa”. Entrou sob a orientação dele no 

doutorado na Ecole des Hautes Etudes em Sciences Sociales. Segundo Castells, Touraine lhe 

ensinou tudo o que ele sabe. Descreve­o como extremamente cultivado, grande pesquisador 

empírico, teórico sofisticado. Considera­o até hoje seu “pai intelectual”. 

Touraine  já em meados dos 60, contrario à onda estruturalista, dava importância ao 

ator social e definia o objeto da sociologia em termos de 'ação social' e 'movimentos sociais'. 

Analisava as mutações para a sociedade pós­industrial, que implicava uma “transição de um 

paradigma   de   ordem   essencialmente   econômica   para   um  paradigma   sociocultural  que 

integra o sentido que os atores sociais conferem às suas práticas”. A resistência essencial à 

dominação tecnocrática se exerceria no plano cultural, “dique de resistência contra o avanço 

das diversas formas de desapropriação” (Dosse, 1994: 398­9).

Touraine propôs para ele como tese uma análise estatística dos padrões de localização 

industrial na área metropolitana de Paris.  Era uma pesquisa sob demanda e precisavam de 

dinheiro.  Ele   recusou­se   e  Touraine   ameaçou­o   com  largar   a   sua  orientação.  Ele   acabou 

aceitando e,  na   tese,  descobriu  “o  padrão específico  da   localização das  empresas  de  alta 

tecnologia, então entendendo pela primeira vez a lógica dessas companhias”67.

66 O estruturalismo teve uma dupla função de contestação e contracultura, na luta dos 'modernos contra os antigos', institucionalmente, contra a velha Sorbonne (Dosse, 1993: 221).

67 Castells ironizará décadas depois aquela recusa inicial: “Parecia­me uma conspiração deixar­me atrair [a 

67

Castells vira professor assistente no campus de Nanterre da Universidade de Paris68. 

Compartilha o departamento com Touraine,  Lefebvre,  Michel  Crozier,  Fernando Henrique 

Cardoso.  Orgulha­se de  lembrar  que entre  seus  primeiros  estudantes  estava Daniel  Cohn­

Bendit, lider estudantil da revolta de maio de 68. Trabalhava na sociologia urbana e ensinava 

metodologia.   Reconhece   que   seu   ponto   forte   era   a   metodologia   e   a   pesquisa   empírica. 

Enquanto   isso,   discutia   teoria   marxista   no   seminário   de   Althusser   na  Ecole   Normale 

Superieure. Nesse período entrou “completamente no movimento semi­anarquista de maio de 

68”.

plot to lure me into] pela tecnocracia capitalista e por esse campo burguês da sociologia urbana” (Castells, 2003: 12­3). Na verdade, inscreve­se no contexto mais amplo do momento, analisado por Dosse (1993: 425), de “revolta antiacadêmica” como único meio de conseguir um lugar na instituição.

68 Em 1964 quebra­se o domínio monolítico da Sorbonne. Cria­se a Universidade de Nanterre,  e um bom número de inovadores ocupa uma posição universitária às portas de Paris (Dosse, 1993: 233).

68

2. 1970s: cocktail de interesses e crise estrutural

Crise   do   petróleo,   crise   de   sobreprodução.   Vietnã.   Movimentos   de   Libertação. 

Salvador Allende no Chile. Percepção generalizada de uma crise profunda69. Acirramento da 

luta de classes.

* *

Em 1968, Castells é expulso da França. Touraine consegue via Unesco que ele desse 

aulas   de   metodologia   no  Chile.   Em   1970   pode   voltar,   também   pela   intermediação   de 

Touraine, e entra como professor associado na Ecole de Hautes Etudes em Sciences Sociales 

em Paris. 

De   1972   é   seu   primeiro   livro   importante:  A   Questão   Urbana.   Foi   um   sucesso 

instantâneo na França e no mundo, e junto a Lefebvre, “tornou­se a pedra fundacional da 

chamada New School of Urban Sociology”. Na década seguinte “ocupou o mundo acadêmico 

dos estudos urbanos”. Esse livro exprimia, nas palavras de Castells, uma tentativa de juntar a 

teoria marxista, a sociologia urbana, um  touch  tourainiano sobre movimentos sociais e sua 

enfase pessoal na pesquisa empírica70. 

 

Entre 1970 e 1973 vai e volta entre a França e o  Chile.  Dessa época são os textos 

69 A percepção da crise aparece claramente na ficção científica. Só para mencionar um exemplo, vejamos o livro  Frankenstein Unbound, do ano 1973, de Brian W. Aldiss.  Apesar de ser considerada uma das obras mais   fracas  do  autor,  vale  como percepção da  crise.  Afirma­se:  “Los  hombres  de  ciencia  occidentales concuerdan en general, aunque no enteramente – pues hasta en el dominio de la ciencia las opiniones rara vez son unánimes­, en que la humanidad enfrenta hoy la crisis más grave de su existencia, una crisis que no tendrá salida, pues es la crisis de la no­salida” (Aldiss, 1976: 15). A afirmação está ambientada no ano 2020, mas   a   ficção   científica   trabalha   literariamente   com   a   ficcionalização   de   tendências   sociais   em   curso. Portanto, suas imagens valem como percepção estetizada do presente. “La brocha gorda con que bosqueja el futuro el autor de esas ficciones [sirve, segun Isaac Asimov] en anticipar las cosas en otro orden que el tecnológico, en el  social.  Debería servir para que los estadistas previeran consecuencias sociales de las innovaciones” (Ciapuscio, 1999: 81).

70 Os anos 60 são “um período particularmente fecundo, intenso, em que homens e conceitos se transformam em objetos num contínuo vaivém, transgredindo fronteiras, escapando aos postos aduaneiros. São esses os sinais anunciadores de um estruturalismo mais ideológico do que científico. Essa plasticidade pôde servir para a conquista de posições de poder, para abalar a velha Sorbonne” (Dosse, 1993: 270). Há um “contexto mais amplo de revolta antiacadêmica [...] único meio de conseguir um lugar na instituição” (idem: 425).

69

“Chile: Movimiento de pobladores y lucha de clases” (1972) e “A Teoria Marxista das Classes 

Sociais e a Luta de Classes na América Latina/Comentário ao Texto de Nicos Poulantzas" 

(1973). É pela via de Poulantzas, segundo Castells (2003: 8­20) “o mais sofisticado e mais 

político   do   grupo   althusseriano   de   filósofos   em   Paris”,  que   ele   reconhece   ter   entrado 

“seriamente na teoria marxista” nos anos 70. Neste segundo texto, Castells (1973: 43) se opõe 

ao paradigma do marxismo­leninismo, noção que julga anti­marxista por excelência. Trata­

se para ele de examinar a própria fecundidade de seus conceitos, as consequências teóricas e 

políticas derivadas de suas proposições com relação à análise de situações concretas, mas sem 

considerar   o   debate   teórico   como   um   meio  diretamente   operativo   para   a   investigação 

empírica. Deve­se “ter constantemente presente um referente histórico concreto”.

O marxismo tal como ele o encontra, está em tensão, descompassado da prática social. 

Percebe por exemplo que a fluidez e ambiguidade dos 'movimentos de pobladores' no Chile 

“desafiam ao mesmo tempo a análise marxista e as estratégias políticas tradicionais” (1972: 

1).  Assim,“sob o ponto de vista estrutural,  só  há  duas classes”,  mas “basta uma olhada à 

prática   social”  para  verificar  que há   agentes  que não se encontram em nenhum dos  dois 

grupos e são cada vez mais importantes; há diferenciação social interna muito forte; há setores 

não explicáveis em termos do modo de produção dominante (1973: 48). Ele tenta harmonizar 

essa separação entre teoria e realidade, tenta uma mediação entre o estrutural e o aparente. 

Assim,   afirma   que   o   movimento   de   'pobladores',   que   conteria   mais   pessoas   que   os 

sindicalizados urbano e rurais, é “definido por uma contradição estruturalmente secundária [e] 

aparece no entanto ocupando o centro da cena política em algumas conjunturas”. E ao mesmo 

tempo,   formula  a  proposição segundo a  qual  “se a  política  determina  o  conteúdo de  um 

processo,  as características estruturais  e conjunturais  dele fixam os limites e designam os 

mecanismos da política possível” (1972: 80).

A questão a enfrentar  é  para Castells  a solução das  antinomias,   isto  é  “superar  o 

dilema ideológico entre estrutura e processo, entre mecanicismo e voluntarismo” (1973: 44). 

Na determinação do conteúdo de classe das práticas,  exprimia­se como o dilema entre os 

estruturalistas, “incapazes de explicar a transformação qualitativa”, e os subjetivistas, “sem 

uma   trama   de   determinação   de   seus   critérios   'político­ideológicos'   mutantes   em   cada 

conjuntura” (idem:  53). Na procura da solução dessa antinomia entre processo e estrutura, 

entre subjetivo e objetivo, a mediação era “os aparatos organizativos, e em particular, sua 

70

expressão concentrada, os aparatos políticos”. A teoria do partido, que Castells julgava como 

sendo   a   “grande  ausência   das   teses   de  Poulantzas”,   era  para  o   autor   “a  única   forma  de 

estabelecer   essa   ponte   entre   a   determinação   estrutural   e   a   capacidade   de   mudança   que 

distingue uma teoria científica da sociedade” (idem: 54­7), “a única forma de conciliar as duas 

afirmações fundamentais do materialismo histórico: a determinação em última instância pela 

estrutura econômica e a luta de classes como motor da história” (idem: 61­2).

Há  na obra  inicial  de Castells uma clara  consciência do limite do empirismo,  e  da 

necessidade de uma teoria  que permita totalizar os fatos observados71.  A contribuição do 

trabalho teórico é a de entender “os mecanismos não visíveis e as contradições subjacentes” 

para “ajudar a esclarecer o que aparece opaco na prática diária”, para que a prática não seja 

“cega” (1977: 15­7). Dessa maneira, opunha­se às ilusões abstratas. A teoria devia orientar o 

'lirismo revolucionário', para  evitar o destino das 'esperanças frustradas'. A teoria devia 

ajudar a concretizar a esperança. Para isso era preciso a 'correta compreensão dos problemas e 

das tarefas em cada frente de luta e em cada sociedade concreta' (idem: 39). A necessidade de 

uma teoria que superasse o dogmatismo justificava­se pela  percepção de que formulações 

discutíveis “custaram vidas humanas” (1978: 16). 

Entre 1977 e 1979 fica entre Paris e Madri. Franco morre, Espanha convertia­se numa 

democracia, seus amigos socialistas estavam no poder e movimentos urbanos liam seus textos. 

Ele   “contribuía   ao   desenvolvimento   dos   movimentos   sociais   urbanos”,   enquanto   os 

pesquisava. Expressão desse momento é o livro de 1977, Cidade, democracia e socialismo. A 

experiência das associações de vizinhos de Madri. Nesse livro analisava o capital monopolista 

e suas tendências à crise “expressadas numa crise urbana cada vez mais profunda” (1977: 19). 

E esta crise urbana era avaliada como “consequência necessária da lógica do desenvolvimento 

capitalista” (idem: 20). A procura do subjacente implicava ligar as observações concretas com 

fenômenos mais globais, em particular com as “contradições estruturais do capitalismo, 

com suas expressões de nível urbano e com o processo político geral” (idem: 15­7).

71 Já em 1972 afirma que os dados são “carentes de sentido em si mesmos e que exigem, para sua análise, a sua inserção no processo da luta de classes” (Castells, 1972: 21).

71

Nesse percurso, em 1978 Castells publica A teoria marxista das crises econômicas e as  

transformações do capitalismo. É importante destacar a fonte do interesse manifestado por 

Castells no assunto. Por um lado, um aspecto objetivo: a intuição, no decorrer de 1974, de um 

'corte histórico', donde a decisão de se deslocar para os EUA, onde é professor visitante entre 

1975 e 1977, e se concentrar na análise dos 'mecanismos econômicos e políticos que estão na 

base da crise'. Por outro lado, um aspecto subjetivo. Para Castells, a crise “revelou também 

uma  crise   do   pensamento   sobre   as   crises.  De   um   lado,   há   descrições  empíricas   e 

pragmáticas  incapazes de definir  os fatores históricos que causam a crise e,  portanto, de 

prever suas tendências e suas consequências.  De outro lado,  há  a repetição  dogmática  de 

velhas   fórmulas   inadaptadas  à   realidade”   (1978:   13­4).   Nessa   formulação   está   contido  o 

projeto  de  Castells  daquele  momento  e   também os  alvos  aos  quais   atirava:   empirismo  e 

pragmatismo por um lado, e dogmatismo pelo outro. 

Uma fonte de empirismo exprimia­se na informação estatística da pesquisa econômica. 

Nenhum estudo sobre os Estados Unidos, Grã­Bretanha ou França podia oferecer para Castells 

a resposta que estava buscando, pois tratava­se de estudar “em termos de valor, o processo de 

acumulação   em   escala   mundial”   (idem:   64).   Ali   residia  a  falta   de   adequação   entre   a 

informação estatística existente e os conceitos marxistas, pois a teoria marxista “trata com 

valores, enquanto que as estatísticas apresentam a evolução dos preços e/ou das quantidades 

físicas”.  Assim, adverte que a pesquisa econômica “reproduz certas condições sociais  que 

tendem a mostrar a suposta superioridade das teorias neoclássica ou keynesiana” (idem: 45­6). 

Para Castells, o específico do pensamento marxista das crises, comparado por exemplo com o 

keynesianismo, é  'a relação entre o descenso da taxa de lucro e a dinâmica de acumulação 

capitalista' pelo aumento da  composição orgânica  do capital “definida em termos de valor” 

(idem: 27). 

Mas, do outro lado, estava o  dogmatismo. Castells julgava necessária a “eliminação 

dos elementos naturalistas  e  mecanicistas  incorporados à   teoria”  (idem:  66.)72.  Castells  se 

opõe   ao   que   ele   julgava   uma   “interpretação   pseudomarxista   da   história   da   humanidade, 

72 Na orelha da edição em português, Ruth Cardoso apresenta­o como um “esforço de reflexão que procura desvencilhar­se do academicismo para utilizar o pensamento marxista de modo criador”.

72

segundo a qual esta está sujeita a um determinismo tecnológico ou a uma evolução natural”; 

apontava às formulações 'simples e mecanicistas' de alguns 'teóricos' da III Internacional dos 

anos 30, segundo as quais as “tendências contrárias eram simples fatores de demora dentro do 

necessário e inexorável processo de destruição catastrófica da economia capitalista”, o que 

abonava   a   perspectiva   de   preparar   um   'assalto   revolucionário'.   Para   Castells,   posição 

dogmáticas comuns eram a  'redução da sociedade à expressão mais restrita do seu pólo 

dominante, o capital' e a interpretação da tendência da queda da taxa de lucro no marco de 

uma 'crença religiosa na inevitabilidade da derrubada geral e repentina do capitalismo'. Em 

alguns casos, empirismo e dogmatismo eram um alvo só, pois segundo Castells o dogmatismo 

tinha que ser complementado com 'interpretações ad hoc de situações concretas' na explicação 

das crises, pragmatismo que provocava a desvalorização da teoria (idem: 17­20). Atribuía essa 

leitura à maioria esmagadora dos economistas marxistas na França, desde Paul Boccara, um 

dos   ideólogos   do   PCF,   e   o   grupo   da   revista  Economie   et  Politique  até   o   grupo   pró­IV 

Internacional de Critiques de l'Economie Politique. Assim, a posição de Castells inscreve­se 

no   quadro   mais   geral   das   polêmicas   intelectuais   dessa   França   dos   anos   70.   Castells   se 

contrapunha por um lado ao uso mecanicista e por outro ao menosprezo da teoria da tendência 

decrescente da taxa de lucro, que ele encontrava muito especialmente nos Estados Unidos e na 

Inglaterra. A proposta de Castells era considerar “a pertinência da teoria em si, abstraindo­se 

as conotações provocadas pelo seu uso histórico” (idem: 32).

Castells vai construir, então, um argumento que se opõe à inevitabilidade da derrubada 

e   que   pretende   evitar   a   redução   da   sociedade   ao   pólo   do   capital.   E   ele   encontra   essa 

possibilidade na própria teoria marxiana. Esta era “a única que une a teoria das crises a uma 

explicação   das   causas   da  acumulação  do   capital”   (idem:   66),   e   que  “tenta  sintetizar   o 

movimento do capital e o processo de mudança social” (idem: 19). 

Opondo­se   à   inexorabilidade   da   derrubada,   Castells   afirma   que   o   processo   de 

acumulação   é   contraditório   “não   só   porque   tende   à   crise,   como   também   porque, 

simultaneamente,   tende   a  impedi­la,  provocando   novas   contradições   que   geram   novas 

formas   de   crise   em   um   processo  sem   limites   econômicos,  socialmente   perturbador   e 

politicamente limitado dentro de uma perspectiva histórica” (idem: 94­5). 

73

É   importante   destacar   que   a   não   inexorabilidade   do   colapso   vai   junto   com   uma 

percepção de Castells naqueles anos da possibilidade de se juntarem dinamismo do sistema 

com graves consequências para a vida social. Assim: na resposta à primeira crise urbana em 

Madri “o conjunto do processo tornou­se, assim, ao mesmo tempo, mais dinâmico e mais 

contraditório. Mas nessa dinâmica vai­se acentuar, mais ainda, a predominância dos interesses 

do capital monopolista” (1977: 53). O desenvolvimentismo da urbanização gera um centro 

progressivamente   adensado   e   saturado,   dificuldades  de   transporte,   poluição,   formação  de 

cidades­dormitório, aumento dos deslocamentos citadinos, poder ilimitado das construtoras, 

fraudes (idem: 53­6); “o caráter extremo dessa exploração do conjunto da sociedade através do 

desenvolvimento   urbano  de   feição  monopolista   conduz   a   uma   série   de   contradições   que 

agravam extraordinariamente a crise urbana”, inadequação, colapso, falta, deterioração (idem: 

57). Nos 70s em Madri a crise urbana não é a 'herança de um passado de miséria', mas o 

resultado 'de um processo de crescimento urbano especulativo' (idem: 42). Encontramos aqui 

uma percepção interessante da relação entre progresso e decadência. A crise e deterioração 

das   condições   de   vida   é   resultado   do   crescimento,   dinâmica   que   ainda   reforça   a 

predominância dos interesses dominantes. 

Tal como para Marx, para Castells as necessidades sociais não são um dado biológico 

fixo “mas se definem historicamente, aumentando e transformando­se, na medida em que se 

desenvolvem as forças produtivas e a partir da correlação de forças entre as classes sociais” 

(idem: 22). É importante destacar nessa formulação a inclusão da correlação de forças entre 

as   classes  como   determinação,   junto   às   forças   produtivas,   na   definição   histórica   das 

necessidades sociais.   Isso permite  uma  crítica das  necessidades sociais  produzidas  sob o 

modo de produção capitalista e que têm como base material o desenvolvimento das forças 

produtivas: carros, televisão, estradas73. 

Nessa   crítica,   aponta­se   contra   a  mercadoria,   ainda  que   sem uma  apurada  análise 

73 Crítica   de   relações   sociais   que   o   capitalismo  e   o   franquismo   tinham   tornado   impessoais   e   agressivas (Castells, 1977: 14). Da necessidade de  dois carros para sair ao mundo, e tranca de segurança para que o mundo não penetre  (idem: 22).  “O automobilista­rei transformou­se num sujeito nervoso que avança a 10 por hora em filas  intermináveis”;  “os  imigrantes  numa rotina invariável  de casa­e­trabalho,  tratando de uniformizar as vidas através da televisão e de individualizar o tempo livre em migrações de automóveis concebidos como unidades de concorrência hostil na selva das estradas saturadas de um domingo à tarde” (idem:  45­6).  A expansão do uso da publicidade,  que  influi  nos  valores e  comportamento,  é  analisado enquanto necessidade de ampliação de mercados como contra­tendência à queda da taxa de lucro (Castells, 1978: 106).

74

categorial. Só uma alusão à existência de uma oposição entre valor de uso e valor de troca, 

como definindo ou obstruindo relações sociais: “uma cidade também é uma maneira de vida, 

e, por conseguinte, uma rede de relações que está de antemão, excluída na concepção vigente 

de moradia­mercadoria” (idem: 59). A crítica das necessidades sociais produzidas e do modo 

de vida, vinculado ao lugar social da mercadoria e das relações impessoais, leva à percepção 

de   que   isso   só   pode   ser   modificado   por   uma   transformação   radical   que   implica   uma 

'descapitalização  da   sociedade   capitalista'   (idem:   37).  É   assim  que   avalia  os  movimentos 

urbanos   e   o   movimento   citadino   em   geral   como   movimentos   inter­classistas   com   um 

horizonte   político   e   potencialmente   anticapitalista,   com   uma   perspectiva   histórica   de 

superação das relações capitalistas (1977: 32­3)74. Nesse processo, “o valor de uso começa a 

substituir o valor de troca como norma básica”. Há então nesse momento em Castells um 

traço anticapitalista, menos por uma apurada compreensão e crítica das categorias de base do 

capital e mais como recusa romântica do valor e defesa do valor de uso. 

Mas, a despeito do anterior, e em resposta ao determinismo do marxismo vulgar, à 

inexorabilidade   da   derrubada   capitalista,   Castells  constrói   uma   teleologia   politicista:  o 

fortalecimento do movimento operário e a deterioração do poder do capital sobre o trabalho 

como tendência inexorável do desenvolvimento capitalista. 

A  crise   dos  anos   setenta  não  é   para  Castells   somente  uma  “inflexão  do  ciclo  do 

capital”,  é   uma “verdadeira  crise   estrutural”   (1978:  12).  A especificidade  de  uma crise 

estrutural reside para o autor em que “o processo de acumulação não pode ser retomado 

até  que sejam eliminados ou contrabalançados os  obstáculos.  Geralmente esta  solução 

significa que se produzirá uma transformação básica nas relações entre as classes, entre as 

frações  do  capital   e   entre  o   capital   e   as   forças  produtivas”.  E  para  Castells,   o  principal 

obstáculo   estrutural   que   existe   na   produção   e   circulação   capitalista   é   “a   resistência   dos 

trabalhadores   à   exploração”.   Ainda,   as  tendências   do   aumento   da   resistência   do 

trabalhador  e   de   que   “os   expropriadores   sejam   expropriados”,   são   para   Castells,   “a 

74 “Da capacidade do movimento citadino em exprimir o conjunto dos interesses do povo de Madri  depende que algum dia as árvores cubram os estacionamentos, os centros culturais desloquem os bancos, e o rumor das conversas nos terraços dos cafés se sobreponha ao barulho dos motores. Para que se possa viver em Madri”  (1977:   140).  Transformando   a   cidade,   o   automóvel   não   seria   obrigatório,   e   muitos   serviços domésticos seriam coletivos (idem: 185).

75

proposição decisiva  da  teoria  marxista  das  crises  e  o  elemento dominante  da experiência 

histórica a longo prazo e em escala mundial desde a origem do capitalismo” (idem: 78­80).

Em   resposta   à   redução   da   sociedade   à  expressão   mais   restrita   do   seu   pólo 

dominante, o capital,  ele contrapõe a dupla consideração dos processos de acumulação de  

capital e a luta de classes.  Mas o faz de uma  maneira dual.  Como se fossem processos 

distinguíveis, propõe considerar a teoria da luta de classes e a do descenso da taxa de lucro 

como   'complementares'   posto  que  “a  primeira   explica   a   influência  da   sociedade   sobre  o 

capital, enquanto que a segunda explica a influência do capital sobre a sociedade”. Postula 

que uma teoria das crises econômicas deve estabelecer “a relação concreta entre o processo de 

exploração (que define a luta de classes) e o processo de acumulação do capital, que define a 

lógica   do   polo   dominante  em   uma   sociedade   capitalista”   (idem:   40­1).   Afirma   que   “a 

principal contradição de uma sociedade capitalista e, portanto, do processo de acumulação do 

capital, é a contradição entre o capital e o trabalho” (idem: 72).

É  possível  afirmar  que a  avaliação das  contradições  do capitalismo avançado e da 

correlação de forças do momento traduziu­se, no plano teórico, nessa formulação politicista. 

O elemento central  para o aumento da composição orgânica,  segundo Castells,  é  a 

predisposição  do   capitalista   a   economizar   capital   variável,   devido   fundamentalmente   “ao 

desenvolvimento do movimento operário, à importância da luta de classes e à deterioração do 

poder do capital sobre o trabalho” (idem: 28). Na análise de Castells, o capital vê­se obrigado 

a incrementar a produtividade do trabalho para ampliar a taxa de mais­valia relativa, o que 

significa   desenvolver   as   forças   produtivas.   Mas,   se   o   raciocínio   leva   a   perceber   que   os 

aumentos da produtividade estão ligados à formação de setores monopolistas, Castells adverte 

que isso “não significa que o capital monopolista estimule a produtividade”; a contradição 

está em que “pode ser um obstáculo estrutural à mesma”. Insiste ainda que a causa que origina 

os aumentos de produtividade é a oposição do trabalho à exploração capitalista e, portanto, 

aquele   será   um  'processo  de  acumulação  desigual,   determinado  basicamente  pela   luta  de 

classes'  (idem:  80­1). Na base da  'proposição marxista sobre a tendência do capitalismo a 

eliminar  o   trabalho  vivo,  provocando assim a  sua  própria  destruição',  Castells  encontra  a 

“contradição fundamental num sistema que não pode substituir os trabalhadores por máquinas 

76

e que, simultaneamente, tende a substituí­los como resposta a sua crescente pressão” (idem: 

83).

Ele   analisa   “o   desenvolvimento   contraditório   de   dois   eixos   fundamentais   do 

capitalismo avançado: a tendência ao descenso da taxa de lucro, que origina estancamento, e o 

conjunto das tendências contrárias, de sinal contrário, que provocam a inflação estrutural” 

(idem:   96).  A   tendência   contrária  mais   importante  para   superar   a   crise  é   a   “intervenção 

sistemática do Estado na economia”. A pesquisa e desenvolvimento científico “é  essencial 

para o progresso tecnológico, e compreende a educação e formação da força de trabalho. Estes 

gastos   são   decisivos   para   o   crescimento   da   produtividade   social   do   trabalho   mas   são 

demasiado elevados para o capital” (idem: 109). Analisa a crise fiscal do Estado pelo limite de 

arrecadação tributária (idem: 113).

Ora,   enquanto   análise   de   conjuntura,   em   1977,   Castells  diagnosticava   que   estava 

potencialmente em curso a superação de um impasse. Diagnosticava­se, até então, um 'duplo 

beco sem saída na estratégia da esquerda': “de um lado, a corrente socialista se encaminhava 

para a socialdemocracia, isto é, a 'gestão leal' das relações sociais capitalistas em troca de uma 

melhoria das condições de vida das classes populares. Por outro lado, a corrente comunista 

fechava­se no gueto ideológico”. Nas correntes esquerdistas, “a afirmação de princípios unia­

se à impotência política”. Mas, desde 1968 tinham mudado profundamente a correlação de 

forças,  a   situação da  luta  de  classes,  e  a  estratégia  e   tática  das   forças  socialistas.  Agora 

tratava­se de uma crise estrutural do capitalismo, não só econômica mas também ideológica e 

política. O reformismo social democrata carecia de recursos para seus projetos integradores. A 

“via democrática para o socialismo”  consolidava­se como a nova estratégia. Era possível 

para as  forças  socialistas apoiar­se nos elementos  progressistas  do Estado democrático no 

capitalismo avançado. No entanto, advertia para o perigo de “um enfoque quase liberal do 

Estado, como instituição neutra utilizável por umas e outras classes” e definia a “transição 

para   o   socialismo  através  de  um  duplo  movimento  da   socialização  da  produção  e  da 

dissolução do Estado” (1977: 26­31)75.

Há   aqui  uma  defesa  das   forças  de  esquerda  em nome do  desenvolvimento  das 

75 Apoia­se teoricamente para isso em Santiago Carrillo (Eurocomunismo y Estado), Lucien Seve, Fernando Claudín, Göran Thernborn, Poulantzas. 

77

forças produtivas, que  o capitalismo monopolista aparentemente bloqueava. 

Antecipando isto em termos teóricos, em 1973 Castells formulava uma definição das 

classes “em termos da relação antagônica entre dois polos e sua vinculação indissolúvel à 

evolução das forças produtivas” e chamava de  'classe ascendente'  “aquela cujos interesses 

específicos coincidem, na fase concreta do desenvolvimento histórico em que se situa, com os 

interesses   do   resto   da   sociedade,   isto   é,   com   o   desenvolvimento   das   forças   produtivas, 

globalmente e a longo prazo” (1973: 50).

Livros do período:

1972: “Chile: Movimiento de pobladores y lucha de clases”1972: A Questão Urbana1973: “A Teoria Marxista das Classes Sociais e a Luta de Classes na América Latina/Comentário ao Texto de Nicos Poulantzas”1976: A crise econômica e a sociedade americana1977: Cidade, democracia e socialismo. A experiência das associações de vizinhos de Madri1978: A teoria marxista das crises econômicas e as transformações do capitalismo

78

3. 1980s: As cidades e os movimentos sociais como objetos limite do marxismo e os germens do informacionalismo

Derrota   das   forças   de   esquerda.   Fim   do   ciclo   de   ditaduras   na   América   Latina. 

Reconciliação com valores democráticos. Crise da dívida na periferia.

* * *

Nos anos 70 Castells sentiu uma atração crescente pelas universidades americanas. Ele 

explicará depois: “Eu era mais 'americano' que 'francês' no meu estilo de pesquisa, sempre 

interessado   em  empirical   inquiry,   inserindo   depois   um  touch  teórico   francês,   e   uma 

perspectiva política espanhola” (2003: 16). 

Entre 1975 e 1977 tinha sido professor visitante nos Estados Unidos, mas em 1979, 

torna­se professor de Berkeley onde se instala definitivamente. 

Em 1983 publica o  livro  The City and the grassroots.  A Cross­Cultural Theory of  

Urban Social Movements76. Nele, ele afirma ter reunido 12 anos de trabalho sobre movimentos 

sociais urbanos no mundo. Apresenta seu estudo dos movimentos sociais  urbanos em San 

Francisco, o movimento latino, e a sua descoberta da 'comunidade gay e sua capacidade de 

transformar cidades, políticas e culturas'. Esse livro recebeu o C.Wright Mills Award. Ainda 

em 2003 continua sendo para Castells seu melhor livro urbano e sua melhor peça de pesquisa 

empírica. 

1983 constitui um marco na virada de Castells em relação ao papel da teoria e ao 

lugar do marxismo.

Castells já tinha feito em 1975, na “Advertência final” acrescentada a uma nova edição 

de  A   Questão   Urbana,  uma  autocrítica   do   formalismo  de   seus   primeiros   trabalhos. 

Preocupado pelo  processo de fetichização na recepção do livro que vinha cristalizando em 

princípios teóricos o que eram balbucios, reconhecia limitações muito importantes e erros 

76 Traduzido ao espanhol como La ciudad y las masas: Sociología de los movimientos sociales urbanos. Não há tradução em português. 

79

teóricos no  livro, que podiam, só então, ser retificados pelos progressos da pesquisa urbana 

marxista.    A dificuldade mais grave do livro residia  num salto demasiado rápido de uma 

crítica teórica a um sistema teórico extremamente formalizado. “Particularmente, a construção 

teórica em termos de sistema urbano, com elementos e subelementos não tem superado o fato 

de ser uma grade de classificação, e não um instrumento de produção de conhecimentos'”. 

Afirma que o livro tinha sido influenciado “por certa interpretação de  Althusser (mais que 

pelos trabalhos do próprio Althusser) tendente a construir um conjunto teórico codificado e 

formalizado antes da pesquisa concreta, o que conduz necessariamente a uma justaposição de 

formalismo e de empirismo, e dá num beco sem saída”. Mas isso não punha em questão a 

teoria em si, mas o processo de trabalho teórico. Ainda defendia um “trabalho teórico que 

produz conceitos e suas relações históricas no interior de um processo de descoberta das leis 

de sociedades determinadas em seus modos específicos de existência”. E considerava que a 

ruptura   epistemológica   entre   a   percepção   quotidiana   e   os   conceitos   teóricos   era   mais 

necessária que nunca na esfera urbana tão fortemente organizada pela ideologia (1975: 480­2). 

Recusava a denuncia das análises do livro como sendo estruturalistas, posto que “lembram 

sem cessar que as estruturas não existem senão nas práticas”, mas admitia que podiam levar a 

desvios   subjetivistas   em   relação   aos   movimentos   sociais   urbanos   pois   o   código   de 

classificação para sua análise levava em conta só “as características internas do movimento e 

seu  impacto sobre a estrutura social”  (idem:  496).  Entre os avanços do campo intelectual 

desde a redação do livro, situava as análises das políticas urbanas de Lojkine e a teoria geral 

do espaço de Lefebvre. E, para o caso dos Estados Unidos, avaliava que trabalhos marxistas 

exemplares  sobre os  problemas urbanos,   tais  como os  de David Harvey,  eram ainda  uma 

exceção mas começavam a “quebrar o jugo empirista” (idem: 510­7).

Cabe  notar   aqui  que  Althusser  iniciara  um processo  de  autocritica  em 196777,   no 

prefácio para a edição italiana de Lire le Capital, e depois em 1968 para uma nova edição em 

francês. Critica uma 'indubitável tendência teoricista' no seu relacionamento com a filosofia. 

Em 1974 aprofunda esse processo com a publicação do livro Éléments d'autocritique, onde já 

77 Portanto, é uma autocrítica anterior às críticas de FHC em 1973 e à de Castells em 1975. Por outro lado, é  uma autocrítica insuficiente para Ranciere, outro dos autores de Ler O Capital que publica em 1974 uma obra na qual se opõe a Althusser. Há nos anos 70 um “bombardeio concentrado que se desencadeia contra a retomada dos althusserianos”. Por exemplo, em 1970 Mandel atribui a Althusser uma análise errônea das intenções e conceitos de Marx; no mesmo ano, Lowy defende contra Althusser o humanismo de Marx (Dosse, 1994: 212­7).

80

se  distancia  mais claramente do estruturalismo: afirma que seu  flerte  com a terminologia 

estruturalista   passou   certamente   da   medida   permitida.   Diferencia   o   estruturalismo, 

denunciado como formalista, do marxismo, “cujos conceitos, ainda que se definindo como 

abstrações, visam elucidar a realidade social em seus lances mais concretos” (Dosse, 1994: 

209­10).  Ainda nessa época, Althusser era visto como uma mediação para a epistemologia 

francesa como Bachelard e Canguilhem e inspirava essa “dimensão do desvio necessário em 

relação ao objeto, essa necessidade de construí­lo de maneira rigorosa” (idem: 357).

Já em 1983, Castells rejeita as “descrições românticas  com ideologia populista” nos 

estudos urbanos. Destaca uma falha intelectual pela “separação entre a análise da crise e a 

análise da mudança social”. Portanto, julga preciso integrar a “análise da estrutura e dos 

processos, da crise e da mudança”. Mas, para isso, desconfia agora da “construção inútil de 

teorias   globais   abstratas   [abstract   grand   theories]”.   Julga   preciso   “retificar   o   excesso   do 

formalismo   teórico”  que  prejudicou   as   ciências   sociais   em  geral   e   parte   do   seu  próprio 

trabalho anterior. Avalia que a “saudável reação contra o empiricismo de visão estreita” nesses 

anos,  deu no  entanto  em modelos   teóricos  “tão  inúteis  quanto sofisticados”,  o  marxismo 

incluído. Por isso, propõe uma “aproximação muito mais paciente de ir juntando informação e 

construindo teorias” (1983: xvii). Rejeita a construção de uma teoria formal, isto é que visa a 

“abrangência trans­histórica e consistência lógica”. Propõe como prova crucial de uma teoria, 

mais que sua coerência, sua  adequação.  Reconhece a contribuição de  Gaston Bachelard ao 

afirmar que “os conceitos mais úteis são aqueles flexíveis o suficiente para serem deformados 

e retificados no processo de sua utilização como instrumentos de conhecimento”. Assim opõe 

agora   às   teorias   trans­históricas   da   sociedade   a   proposta   de   “histórias   teorizadas   dos 

fenômenos sociais” (idem: xvi­xx).

Esse movimento de Castells é  acompanhado por um  abandono explícito da teoria 

marxista que, para Castells, não da conta dos desafios do momento, a saber, pensar a cidade 

e os movimentos sociais como agentes de transformação social.

Limites do marxismo são para Castells: o foco na acumulação do capital e na dominação do 

Estado; o dogmatismo de muitos trabalhos que teria levado a “não prestar suficiente atenção 

81

às   regras  metodológicas  mais  elementares  da  pesquisa  empírica”.  Recusa  nesse  sentido  a 

aproximação do que ele considera o autor mais representativo da escola marxista ortodoxa, 

Jean   Lojkine,   na   qual   o   Estado   é   simplesmente   um   aparelho   que   satisfaz   os   interesses 

exclusivos da classe dominante, isto é, a maximização do lucro para o capital monopolista. E 

recusa também a “pseudo­teoria inventada pelo Partido Comunista Francês” do capitalismo 

monopolista de Estado e a prática de “construir teorias de acordo com a linha do partido”. 

Destaca   a   dificuldade   de   fazer   uso   da   teoria   marxista   como   codificada   pela   Terceira 

Internacional   ou   pelo   Partido   Comunista   Frances   para   “compreender   a   cidade   ou   os 

movimentos   sociais   urbanos,   ou   ainda   mais   simplesmente,   para   propor   o   conceito   de 

movimentos sociais”. Ainda, faz a ressalva de que isso não constitui uma mudança de rota, 

pois   ele   sempre   foi   considerado   pelos   comunistas   franceses   “ideologicamente   idealista   e 

politicamente um esquerdista independente” e ele sempre teria sido abertamente crítico da 

“aproximação economicista ao urbanismo” (idem: 417, nota 50)78.

Castells registra  o esforço de Lefebvre de reconstruir as contribuições principais dos 

pais fundadores do marxismo na análise da cidade. Lefebvre teria constatado duas reduções 

do  pensamento  marxista:  uma primeira,  pelos  próprios  Marx  e  Engels,  pressionados  pela 

tarefa urgente de fornecer ferramentas teóricas ao movimento operário, e pela qual o foco teria 

mudado   para   os  locais   do   trabalho   e   da   produção;   e   uma   segunda   redução   ex­post   do 

pensamento marxista no século XX. 

No   entanto,   apesar   dessas   distinções,   e   ao   contrário   de   Lefebvre,   Castells   acaba 

abrindo mão da tradição marxista num todo. É que, no seu entendimento, no final das contas 

“essa   redução afetou qualquer  esforço por   renovar  o  pensamento  marxista  nos  problemas 

urbanos”; ainda que a reintrodução dos fatores econômicos sob as condições do capitalismo 

na análise da urbanização tenha sido um 'útil lembrete', “o marxismo num todo foi incapaz de 

enfrentar  completamente o desafio'  ao acabar   'reduzindo a cidade e o espaço à   lógica do 

capital'”. Daí a seguinte frase contundente: “nossa matriz intelectual, a tradição Marxista, foi 

de pouca ajuda desde o momento em que ingressamos no terreno incerto dos movimentos 

78 No entanto, a “Advertência de 1975” de A Questão Urbana ainda está em parte no quadro que ele em 1983 critica,   pois   faz  uso   analítico  das   “tendências   estruturais   fundamentais  do   capitalismo  monopolista  de Estado” (1975: 495) e reconhece em Lojkine um dos autores importantes na pesquisa marxista urbana em desenvolvimento. 

82

sociais urbanos” (1983: 297­8).  20 anos depois ele explicará a menor influencia desse livro 

em relação a A Questão Urbana exatamente pelo seu afastamento do marxismo79.

Para Castells,  então,  os  movimentos  sociais  urbanos e  os problemas urbanos  se 

apresentam como objetos limite para o que ele entende como marxismo80. O que está por trás 

desse limite continua sendo o dilema entre estrutura e processo. Castells reconhece que na 

sua pesquisa da década anterior tinha mantido a tensão entre os polos da estrutura de classe e 

da luta de classe “sem ter conseguido integrar completamente ambos processos”. De fato, 

considera  Crise   du   Logement   et   Mouvements   Sociaux   Urbains:   Enquête   sur   la   Región 

Parisienne (escrito em 1974 e publicado em 1978) como seu único grande fiasco em pesquisa 

empírica. Tratava­se justamente de um trabalho no qual tentou reunir 'a lógica do capital, a 

ação do  Estado,  e  a   formação de movimentos  sociais  urbanos,  de  uma maneira  empírica 

sistemática e altamente formalizada'.

Se  antes   a   teoria  marxista   constituía  para  Castells   senão  a  garantia  pelo  menos  a 

possibilidade de sucesso na integração da estrutura e do processo, agora são  as razões do  

fracasso que se encontram 'arraigadas no núcleo da teoria marxista da mudança social'. 

Por   um   lado,   um   exagerado   formalismo   metodológico,   “herança   da   anormal   fertilização 

cruzada entre nosso paradigma althusseriano inicial e os procedimentos padrão da sociologia 

empírica”. Na ruptura dos últimos vínculos com sua obsessão pelo formalismo, reconhece a 

importância da leitura de Theory of Collective Behavior, de Neil Smelser, que contribuiu para 

evitar  uma  aproximação   com o   funcionalismo  na  procura  de  uma  perspectiva   intelectual 

renovada que julgava ausente no círculo althusseriano (1983: 300).

Mas, o problema teórico fundamental reside, para Castells em que “o marxismo tem 

sido,   ao  mesmo   tempo,   a   teoria   do   capital   e   do  desenvolvimento  da  história   através   do 

desenvolvimento das   forças  produtivas,  e   também a  teoria  da   luta  de classes  entre  atores 

79 The City and the Grassroots “não foi tão influente quanto A Questão Urbana – porque eu claramente me afastei [departed] do marxismo, pelo qual meus seguidores ideológicos ficaram desiludidos, ainda quando fiz explícito que eu não era anti­marxista, só não podia continuar usando o marxismo como ferramenta para explicar o que eu tinha observado e pesquisado” (Castells, 2003: 17).

80 Dosse (1993: 299­301) se refere ao distanciamento do paradigma estrutural por aqueles que optaram pelo campo   de   investigação   africano,   sugerindo   a   hipótese   da   África   como   um   “continente   limite   do estruturalismo”. Georges Balandier diante de um campo em plena mutação afirma que não podia aderir a uma ideia segundo a qual nessas sociedades o mito dá forma a tudo e a história não estaria presente. Ao contrário de uma sociedade imobilizada no tempo descobre o movimento, a fecundidade do caos, o caráter indissociável da diacronia e da sincronia.

83

sociais lutando pela apropriação do produto e decidindo a organização da sociedade”. Como 

em 1973, o autor atenta para o fato de que só a teoria do partido pode estabelecer uma ponte 

entre estruturas e práticas na construção marxista. Mas, agora com a percepção crítica que 

nessa ponte “o desenvolvimento das forças produtivas e a luta de classes se juntam na ação de 

uma classe explorada transformada num partido que fala tanto pelos trabalhadores quanto pelo 

desenvolvimento ilimitado das forças produtivas”. O que era potencialidade agora se torna  

limite:   esse   lugar   exclusivo   do   partido  agora   revelava   que   por   definição   o   conceito   de 

movimento social  enquanto agente de   transformação social  “é  estritamente  impensável  na 

teoria marxista”. Castells avalia que há uma ambiguidade no marxismo: por um lado, a ideia 

de que a emancipação dos trabalhadores será  realizada pelos próprios trabalhadores, e por 

outro o seu “darwinismo social e sua confiança no movimento natural da história em direção 

ao progresso guiado pelos trilhos do desenvolvimento das forças produtivas, a bordo de um 

trem acelerado pelo capital cuja locomotiva estava a ponto de ser dirigida pelo proletariado”. 

Por um lado, os movimentos como prova viva da luta de classes e da resistência à exploração 

capitalista;   por   outro   lado,   a   incapacidade   deles   produzirem   a   história   pela   sua 

instrumentalização na “implementação do estágio seguinte de um desenvolvimento histórico 

programado”. O problema é que “nunca aceitaram que a classe trabalhadora pudesse decidir 

seu próprio destino em termos diferentes aos marcados pelo desenvolvimento histórico das 

forças produtivas”. Os movimentos sociais foram degradados e a classe trabalhadora “foi (as 

vezes relutantemente) institucionalizada”. Mas, como, a despeito da teoria marxista que estava 

errada, os movimentos sociais persistem, “a tradição intelectual no estudo da transformação 

social deve ser remodelada” (idem: 297­9).

Se A Questão Urbana exprimia para Castells a tentativa de juntar a teoria marxista, a 

sociologia urbana, um  touch  tourainiano sobre movimentos sociais e sua enfase pessoal na 

pesquisa empírica, nessa  remodelação do estudo da transformação social o autor mantém o 

touch tourainiano e uma forte carga de pesquisa empírica. O marxismo se torna uma “ruína 

gloriosa”81.

81 Refere­se a sua leitura da história, das cidades e da sociedade à qual chegou “através das ruínas gloriosas da tradição marxista, os métodos da sociologia americana, e um diálogo contínuo com urbanistas e projetistas, assim como da vontade pela história que Touraine nos imprimiu permanentemente na nossa alma” (Castells, 1983: 301).

84

A   ruptura   de   Castells   nesse   momento   com   a   crença   na   dialética   progressiva   do 

desenvolvimento das forças produtivas, crença que ele atribui ao marxismo num todo, está 

vinculada em termos mais amplos com a ruptura com qualquer tipo de teleologia na história  

e com a recusa da dimensão normativa da teoria82. 

Em 2003 Castells lembra que, naquele momento, depois de uma década de estudos 

sobre  movimentos   sociais   urbanos   que   se   exprimia   no  The   City   and   the   Grassroots,  e 

procurando um caminho para sua pesquisa, percebeu que “Silicon Valley, na porta ao lado, 

estava   explodindo   com   inventividade   [ingenuity]   tecnológica,   inovação   empresarial,   e 

mudança cultural”, e decidiu trabalhar na “relação entre tecnologia, economia e sociedade”. 

Reconhece o livro  The Informational City, de 1989 como seu teste inicial, onde chamou a 

atenção para a “tecnologia da informação e suas consequências espaciais” (2003: 8­20). 

No entanto,  já  no mesmo  The City and the Grasroots,  Castells  começa a  tocar em 

assuntos que o acompanharão posteriormente e que fazem e farão parte da sua remodelação 

do estudo da transformação social. Um deles é a transformação do tempo e o espaço pela 

tecnologia,  assunto  que   fazia  parte   dos  debates  de  época.  Castells   analisa   o   espaço   e   a 

distância dissolvidos pela tecnologia de transporte, a mobilidade do capital e a permeabilidade 

das   fronteiras.   A   elite   corporativa   que  vira   “deslocalizada”  [placeless].   E   as   pessoas 

desarraigadas  pela   “tendência   destrutiva  do   crescimento   econômico  desigual   e   lançada  à 

urbanização   incontrolada   como   consequência   da   nova   industrialização   periférica   e   da 

integração   econômica  no   sistema  mundial”,   que  buscam a   “construção   e   preservação  de 

comunidades locais definidas espacialmente” (1983: 210).

Analisa   as   formas   espaciais   como   exprimindo   e   realizando   os   interesses   das   classes 

dominantes,   assim   como   marcadas   pela   resistência   dos   explorados   e   oprimidos.  Castells 

82 “A questão crucial aqui é rejeitar qualquer sugestão no sentido que há uma direção predeterminada para a transformação urbana. A história não tem direção, só tem vida e morte. É um composto de drama, vitórias, derrotas,   amor   e  dor,   alegria   e   tristeza,   criação  e   destruição   [...]  Se   portanto   concordamos  em  que   a ideologia   obsoleta   do   progresso   humano   natural   deve   ser   abandonada,   devemos   proceder   de   maneira semelhante com a mudança social urbana”. “Nossa teoria não é normativa, mas histórica” (Castells, 1983: 304).

85

percebe que as crises estruturais tem uma dupla resposta dos interesses dominantes: política, 

com integração e repressão; e tecnológica, com novos sistemas de gestão e produção. Analisa 

o  principal   impacto espacial  da nova  tecnologia como sendo “a  transformação de  lugares 

espaciais   em   fluxos   e   canais   –   o   que   equivale   a   produção   e   consumo   sem   uma   forma 

localizada” (idem: 312).

Aparecem aqui pela primeira vez na obra de Castells conceitos que serão fundamentais 

no seu percurso posterior. Começa a falar da dualidade  lugares x fluxos, ainda que não o 

construa com as noções de “espaço de fluxos” e “espaço de lugares”, que aparecerão dessa 

maneira só em 1989. 

Também das  “relações  de  produção,  experiência  e  poder”  que parecem determinar 

todos os processos humanos (idem: 306). E insere aqui, pela primeira vez, a distinção crucial, 

que toma de Touraine83, entre modo de produção e modo de desenvolvimento. As relações 

de classe, que organizam a produção, definiriam o modo de produção. Modos de produção 

diferenciados  são o capitalismo e o estatismo.  A necessidade da determinação do modo de 

desenvolvimento justifica­se para Castells “pois parece ser outro nível de relações sociais. Se 

refere à forma particular em que o trabalho, a matéria e a energia são combinadas para obter o 

produto”. Se o modo de produção define a maneira “como a mais­valia é apropriada”, o modo 

de desenvolvimento permite compreender “como a mais­valia é incrementada”. A partir daí, 

define os modos de desenvolvimento industrial e informacional, cada um com características 

específicas em relação a: fontes de produtividade (incremento em um ou mais elementos de 

produção,   trabalho,   matéria,   e     energia;   o   conhecimento   aplicado   à   organização   desses 

elementos   de   produção),   uma   nova   categoria   social   dominante   (managers;   tecnocratas); 

princípios  de  desempenho   (incremento  da  produção;  desenvolvimento   tecnológico)   (idem: 

307).

Não há  aqui  uma autonomização do processo tecnológico que gere  ilusões com as 

possibilidades tecnológicas em si. O modo de desenvolvimento informacional é colocado na 

sua   dependência   em   relação   ao   modo   de   produção,   ao   capital.   Assim,   o   modo   de 

desenvolvimento informacional parece ser a materialização da forma capitalista da cidade:  “a 

cidade como valor de uso contradiz a forma capitalista da cidade como valor de troca.  A 

83 Castells (1983: 418, nota 92) remete a Touraine, La Voix et le Regard.

86

cidade   como   uma   rede   de   comunicação   se   opõe   ao   fluxo   de   informação   unilateral 

característico do modo de desenvolvimento informacional”84. 

Mas começa também a se preocupar com a “confrontação potencialmente decisiva” 

entre a economia mundial desenraizada e a experiência das comunidades locais. O monopólio 

faz   com   que   as   comunidades   não   se   apropriem   das   potencialidades   dos   “sistemas   de 

comunicação   interativos   e   a   disseminação   informatizada  de  conhecimento”.  Adverte  uma 

potencial “brecha dramática na legitimidade da nossa sociedade informacional” (idem: 315). 

O desenvolvimento informacional aparece também, nesse sentido, como uma potencial 

“base tecnológica para a satisfação dos objetivos culturais dos novos atores históricos que 

estão orientados ao valor de uso e à autogestão”, ou ainda para uma “sociedade sem classes” 

que possa vir a existir algum dia. Mas, a realização da sociedade sem classes derivaria de 

“uma luta histórica, um possível (embora improvável) resultado de uma batalha terrível na 

qual  as corporações  multinacionais  e os Estados­império  estarão prontos  a  fazer  qualquer 

coisa para parar o processo” (idem: 308). 

Castells   (2003:  8)   lembrará  que  começava a  querer  evitar,  naquele  momento,  uma 

“abordagem etnocêntrica”  que  julgava “característica  da   teoria  do pós­industrialismo de 

Daniel Bell, a teoria principal do assunto naquele momento”. 

Isso   já   se  manifestava   em 1983,   na   sua   articulação   entre   o   o  modo  de  produção 

capitalista   e  os  modos  de  desenvolvimento  na  percepção  de  que   “as  matérias   primas  da 

mudança social (e assim da mudança urbana) são onipresentes, enquanto os processos sociais 

que   reúnem   essas   matérias   primas   são   histórica   e   também   nacional   e   culturalmente 

específicos” (1983: 324).

Pretendia,   então,   começar   a   medir   e   analisar   “a   transformação   tecno­social” 

simultaneamente em diferentes regiões do planeta. A chegada dos seus amigos socialistas ao 

governo da Espanha, em 1983, permitiu­lhe assessorar e pesquisar desde a universidade na 

Espanha,   o   que   se   materializou   na   publicação   em   1986   de   uma   pesquisa   patrocinada   e 

prefaciada por Felipe González85. Também começou a se interessar pelo Pacifico Asiático, 

84 Cabe notar que abrir mão do marxismo não impede Castells de manter uma distinção, pouco rigorosa, entre valor de uso e valor de troca.

85 O  Frente Obrero de Catalunia,  do qual ele fazia parte antes de sair da Espanha, acabou sendo um dos componentes do Partido Socialista Catalão, e este fez parte do Partido Socialista Espanhol, que governou Espanha entre 1983­1996, com a presidência de Felipe González.  Castells diz  apoiar o Partido Socialista 

87

“berço do novo desenvolvimento”, e manteve contato com a América Latina, particularmente 

com o México e o Brasil.

Livros do período:

1983: The City and the Grassroots: A Cross­Cultural Theory of Urban Social Movements.1989: The Informational City: Information Technology, Economic Restructuring and the Urban­Regional Process.

Catalão nas eleições (Cfr. Castells, 2003: 8).

88

4. 1990s: A Era da Informação

Colapsa a União Soviética. Em 1991 Robert Kurz publica O colapso da modernização.  

Da derrocada do socialismo de caserna à crise da economia mundial. Como já antecipa no 

título,   o   livro   é   uma   explicação   dos   fatos   na   contracorrente.   Num   mesmo   movimento 

problematiza o caráter socialista da experiência soviética, e percebe por trás do seu fracasso o 

fracasso   do   seu   pretenso   vencedor.   Para   Kurz   (1992:   30),   a   crise   global   que   ameaça   a 

sociedade produtora de mercadorias indica a existência de traços fundamentais em comum 

entre   os   sistemas   em   conflito.  Uma   consideração   superficial   identificava   o   caráter   não 

capitalista do socialismo real na sua estrutura de comando estatista pela qual as funções da 

produção de mercadorias são submetidas a decisões prévias políticas. Mas Kurz percebe que o 

conflito básico da modernidade entre “o conteúdo social e a forma não social, inconsciente, 

do  próprio   trabalho”   leva  a  um “movimento  histórico  ondulatório   em que  domina  ora  o 

estatismo, ora o monetarismo” (idem: 43­5). Nesse sentido,  a especificidade do socialismo 

real reside na fixação do estatismo e o “congelamento da ação recíproca com o elemento 

monetarista”, elemento que se manifesta no dinheiro vinculado ao mecanismo funcional da 

concorrência (idem: 70).  Um ponto central do argumento é que esse congelamento não foi 

uma   simples   escolha   de   um   modelo.  Foi   o   nível   crescente   de   desenvolvimento   e   de 

concorrência   no  sistema   produtor   de   mercadorias   que   obrigou   no   “desenvolvimento 

recuperador” das regiões pouco desenvolvidas a apresentar o estatismo dos inícios da época 

moderna de uma forma cada vez mais pura, consequente e rigorosa (idem: 39)86. Em outros 

termos, “o paradoxo lógico de um sistema produtor de mercadorias sem concorrência teve sua 

origem no paradoxo histórico de que, nos inícios do século XX, uma nova economia nacional 

independente somente podia ser desenvolvida pela aplicação absoluta do elemento estatista”. 

A concorrência tinha que ser abolida por causa da concorrência; para se poder subsistir na 

concorrência externa “a concorrência interna tinha que permanecer eliminada por comandos 

estatais” (idem: 83). 

Das contradições e potenciais de crise imanentes ao “dilema estrutural dos mercados 

86 É possível perceber que “todas as características decisivas e formas básicas supostamente não capitalistas do socialismo estatal soviético (e de todos os regimes semelhantes), do século XX, já foram pré­formuladas pelo próprio capitalismo e por seus ideólogos progressistas à beira da industrialização” (idem: 42).

89

planejados”, em  outros termos, da simultânea eliminação da concorrência e manutenção do 

valor, Kurz deriva uma série de fenômenos catastróficos da experiência soviética que levaram 

à crise e ao colapso. Esse dilema levou não à supressão mas a uma potenciação das tendências 

da   produção   de   mercadorias   contra   o   valor   de   uso   e   contra   as   necessidades;   a   uma 

“competição em preguiça”, a uma “capacidade absurda de desperdiço”; a uma “desatenção 

nos  investimentos de reposição”;  a  projetos  disfuncionais e  megalomaníacos  muitas vezes 

inacabados. Isso tudo foi levando não só ao colapso das finanças mas também ao da produção 

material, cada vez mais 'mórbida' (idem: 91­117). O resultado lógico é uma 'extensa economia 

de escassez' que se manifesta numa 'concorrência negativa' entre empresas e no 'subconsumo 

progressivo das massas'. Foi eliminada “apenas a função da concorrência de aumentar a força 

produtiva, mas não a rivalidade abstrata entre as instâncias sociais e os indivíduos” (idem: 119 

e 125). 

Com a inevitabilidade da mudança para uma 'reprodução intensiva', depois da Segunda 

Guerra Mundial,  sentiram­se em maior escala as deficiências do sistema. Com o surto de 

desenvolvimento das forças produtivas, de dinamização social mundial do capitalismo de pós­

guerra, “os sistemas petrificados de economia de guerra da produção de mercadorias real­

socialista não conseguiram mais acompanhar o Ocidente”; seu dispêndio de força de trabalho 

estava ficando abaixo do padrão global de produtividade (idem: 85­6). O que se impõe no 

mercado mundial é 'o padrão da produtividade mais alta', e o socialismo real não conseguiu 

acompanhar   os   “surtos   ocidentais   de   racionalização   e   produtividade,   nos   anos   70   e   80, 

acelerados pela microeletrônica”. A latente crise interna agravou­se pela pressão externa do 

mercado mundial. Desde a segunda metade dos anos 80, a 'depravação social' manifestou­se 

na superfície no 'colapso do abastecimento dos consumidores' (idem: 130­6).

“Quanto mais a moderna sociedade do trabalho abstrato se aproxima de seus limites 

econômicos   e   ecológicos,   tanto   mais   rápida   e   desesperadamente   tem   que   se   realizar   o 

revezamento,   tanto   mais   curtas   ficam   as   ondas   de   estatismo   e   monetarismo”.   É   essa 

“flexibilidade saltitante nas formas sociais de reação” que prolonga a vida do capital. E é essa 

capacidade que foi eliminada no socialismo real e que provoca a sua fragilidade: “A crise das 

sociedades do dispêndio de força de trabalho abstrato recai de forma inclemente em primeiro 

lugar e mais sensivelmente sobre as partes mais imóveis, congeladas no estatismo, do sistema 

produtor de mercadorias” (idem: 64­5).

90

O que Kurz já mostrava nesse livro de 1991 e que continuará desenvolvendo em livros 

e artigos era a inviabilidade da sociedade produtora de mercadorias num todo, como vimos no 

capítulo anterior.

Em 1999, Beinstein publica  La larga crisis de la economia global  (1999)87, livro no 

qual analisa a crise de sobreprodução do capital desde os anos 70s, o parasitismo crescente, a 

tentativa de fuga para frente do sistema. Tenta compreender a conjunção de crise e mutação 

tecnológica.   Mostra   a  concreção   da   'globalização   real'  por   baixo   da   propaganda   da 

globalização virtual: o aumento da marginalidade, da miséria, da polarização; o levantamento 

zapatista,   os   refugiados;   as   redes  mafiosas,   as   crises   urbanas,   sanitárias,   alimentárias,   ... 

(idem: 37).

Beinstein   aponta   que   a   tendência   de   desaceleração   é   mostrada   por   dados 

macroeconômicos e relatórios de organismos internacionais. No entanto, ela só é denunciada 

pelos que serão chamados de 'catastrofistas'. Contrário a essa denúncia, vai se construindo o 

que Beinstein chama de 'cronologia oficial da crise' (idem: 15­22). Ela situaria a origem da 

crise em julho de 1997 com a desvalorização da moeda na Tailândia. Antes disso, os tigres 

asiáticos eram vistos como herdeiros do milagre japonês. Mercado e mão dura eram a fórmula 

do milagre. As duras condições eram sacrifícios necessários para o desenvolvimento genuíno 

e competitivo. Chama a atenção de Beinstein a 'insensibilidade do FMI' em 1996, diante das 

turbulências periféricas cada vez mais evidentes e dos sinais de esquentamento financeiro e da 

desaceleração   do  dinamismo  exportador   dos   tigres.  Para   o  FMI   a   situação   econômica   e 

financeira mundial continuava em geral 'muito alentadora'. Com o reconhecimento da crise, 

nos   anos   seguintes  passou­se  quase   sem  transição  da  euforia   a  uma  “curiosa  mistura  de 

surpresa e temor, que logo se tornou preocupação e até pânico”.

Nessa   cronologia   oficial,   Beinstein   identifica   diferentes  fases   na   tentativa   de 

explicação da crise. A crise foi primeiramente atribuída a 'fatores monetários' e foi culpada a 

especulação   irresponsável.   Jargões   como   'volatilidade   financeira'   pintavam  uma   realidade 

confusa, quase mágica. Em geral tratava­se de descrever sem explicar a fundo a dinâmica do 

capitalismo  globalizado.   Uma   segunda   etapa   estendeu   a   crítica   a   Estados   irresponsáveis, 

corruptos, a tecnocratas oportunistas. Limitava­se ainda a uns poucos aspectos monetários e 

87 Traduzido ao português com o título Capitalismo Senil. A grande crise da economia global.

91

institucionais.  Mas depois começaram a aparecer fatores econômicos estruturais, estratégias 

de desenvolvimento equivocadas. Começou a se falar em fragilidade de modelos. No caso da 

análise da debilidade do modelo coreano, tratava­se de uma 'má administração' da abertura, de 

uma   'errônea   inserção'  no  mercado   livre   internacional.  A  globalização  considerada  como 

beneficiosa e/ou inevitável ficava fora da crítica. 

Mas,   a   despeito   da   crise   asiática   “aparecia   o   super­gigante   norte­americano 

transbordando prosperidade, mostrando ser o 'modelo' universal imbatível” (idem: 27).   Em 

1999 o Dow Jones superava a barreira dos 10 mil pontos em meio aos bombardeios da OTAN 

contra   a   Iugoslávia,   “a   euforia   especulativa   coincidia   com   a   exaltação   belicista”.   Para 

Beinstein, o ano 1999 marcava um momento de ruptura político­militar, o “prolongamento de 

um fenômeno entrópico complexo com centro em formas parasitárias (financeiras, militares, 

mafiosas, etc.) que vão devorando aparatos produtivos, instituições políticas, espaços sociais”, 

resultado do período de decadência de um processo secular. O ano de 1999 marcava o fim de 

três  ilusões:   os   milagres   do   renascimento   econômico   latino­americano;   a   transição   ao 

capitalismo de Europa Oriental; a emergência dos ex­tigres asiáticos. Com a crise brasileira 

em 1999,   completava­se   “o  círculo  da  crise  periférica”,  nenhuma  região   subdesenvolvida 

podia ser considerada próspera.  E o fim do mito do capitalismo asiático significava,  para 

Beinstein,  a  perda de uma  legitimação  decisiva  para  “a  sempre renascente   (e   frustrada) 

utopia da superação capitalista do subdesenvolvimento” (idem: 32­6).

* * * *

Depois da queda do muro, entre 1989 e 1993 Castells (Cfr. 2003: 18) dirigiu uma série 

de pesquisas sobre a transição russa, em cooperação com colegas russos, em Moscou e na 

Sibéria. Publica La Nueva Revolución Rusa, em 1992, e The Collapse of Soviet Communism: 

a View from the Information Society, em 1995, junto com sua mulher russa, Emma Kiselyova. 

Essas formulações, retomadas no terceiro volume de  A Era da Informação,  já  anunciam a 

explicação informacional do colapso soviético.

Em 1993 Castells decide focar na redação do “livro que tinha tido na cabeça durante 10 

92

anos”,  projeto  virou   a   trilogia  A Era  da   Informação,   de   1997.  Teve  um  impacto  muito 

importante, com publicações em muitos idiomas, várias reimpressões, e uma edição revisada 

do ano 2000. 

Apresenta seu projeto de trilogia como uma revisão e integração das ideias e análises 

que desenvolveu durante 25 anos  de estudos sobre movimentos sociais e processos políticos 

ocorridos em várias regiões do mundo, numa “teoria mais abrangente que trata da Era da 

Informação” (PI: 15)88. Com o sentido temporal de uma nova era, ele pretende explicar  um 

período da história social contemporânea. É exatamente essa pretensão que é reconhecida por 

muitos como a contribuição de sua obra recente. Castells seria um dos autores que não se 

furtaram ao desafio de descifrar as transformações em curso. O autor sintetiza um panorama 

geral das transformações analisadas: 

“Um novo mundo está tomando forma neste fim de milênio. Originou­se mais ou menos no fim dos anos 60 e meados da década de 70 na coincidência histórica de três processos independentes: revolução   da   tecnologia   da   informação;   crise   econômica   do   capitalismo   e   do   estatismo   e   a consequente  reestruturação  de ambos; e apogeu de movimentos sociais e culturais, tais como libertarismo, direitos humanos, feminismo e ambientalismo. A interação entre esses processo e as reações   por   eles   desencadeadas   fizeram   surgir   uma  nova   estrutura   social   dominante,   a sociedade   em   rede;   uma   nova   economia,   a   economia   informacional/global;   e   uma   nova cultura, a cultura da virtualidade real” (FM: 412). “A revolução da tecnologia, a reestruturação da economia e a crítica da cultura convergiram para uma redefinição histórica das relações de produção, poder e experiência em que se baseia a sociedade”, transformações que “conduzem a uma modificação também substancial das formas sociais de espaço e tempo e ao aparecimento de uma nova cultura” (FM: 416).

De caráter multidimensional, é uma análise que pretende integrar questões econômicas, 

tecnológicas,  culturais,  sociais.  Assim,  a  trilogia  A Era da Informação  compõe­se de  três 

volumes bastante diferenciados.

No volume I,  A Sociedade em Rede, o primeiro capítulo trata sobre a revolução das 

tecnologias   da   informação.   Depois,   capítulo   a   capítulo   vai   mostrando   os   efeitos   dessa 

revolução tecnológica em diversos campos: economia,  organização empresarial,   trabalho e 

emprego, cultura, tempo e espaço. 

No volume II,  O Poder da Identidade,  analisa identidade e significado, movimentos 

sociais, patriarcalismo, o Estado­nação, a democracia, na Era da Informação. 

88 Castells afirmará ter pensado esses livros como um legado antes de morrer, pois lutava naquele momento contra um câncer que depois conseguiu superar. Isso explica, em parte, o caráter enciclopédico da trilogia (Castells, 2003: 19).

93

No volume III, O Fim do Milênio, analisa a crise do estatismo industrial e o colapso da 

União   Soviética,   a   exclusão   social   no   surgimento   do   Quarto   Mundo,   o   crime   global,   o 

desenvolvimento e crise na região do Pacifico Asiático, a unificação da Europa. 

Tratar­se­ia de uma teoria da Era da Informação “de cunho sociológico, intercultural e 

fundada em bases empíricas” (FM:  16).  Ele pretende  'disciplinar'  seu discurso teórico por 

meio da 'análise empírica', isto é “dificultar, se não inviabilizar, a afirmação de algo que a 

ação coletiva submetida à observação rejeitaria na prática” (PI:  19). Contudo, a sua análise 

empírica muitas vezes não disciplina mas contradiz a sua elaboração teórica. Daí que chegue a 

ver a necessidade da teoria como uma digressão inevitável89.  No prólogo ele 'resolve' muitas 

das questões teóricas e de método. Apesar da sua própria autocrítica anterior de formalismo e 

a   recusa de grandes  teorias  abstratas,  essa  dimensão  teórica da Sociedade em Rede fica  

descolada da empírica.  Na verdade,  tentará  fazer entrar a empiria na camisa­de­forças da 

teoria da Sociedade em Rede.

A sociedade  em rede   realmente  existente  que  aparece  sobretudo no  volume III  da 

trilogia, e em alguns livros posteriores, é horrorosa: ele percebe o funcionamento desigual da 

rede,  numa   lógica   simultânea  de  conexão/desconexão,   por   exemplo  na  Rússia   atual90,   na 

África91,  na  lógica das  megacidades  como nova forma social92;  a  deterioração econômica, 

social e física que resulta dessa desconexão e os terríveis desdobramentos dessa desigualdade, 

por   exemplo,   na  migração   forçada93;   o  potencial   engolimento   cultural,   invasão  cultural   e 

89 “Apesar de todos meus esforços para ancorar a nova lógica espacial no registro empírico, receio que seja inevitável, no final do capítulo, apresentar ao leitor alguns fundamentos de uma teoria social de espaço” (SR: 468) “inevitável digressão pelas pistas incertas da teoria do espaço” (idem: 499).

90 No que Castells caracteriza como 'desenvolvimento predatório do novo capitalismo russo' (FM: 223), “em sua vasta maioria, a sociedade russa está excluída da Era da Informação neste fim de milênio. Contudo, seu capitalismo infestado pelo crime encontra­se totalmente imerso nos fluxos globais de riqueza e poder aos quais vem tendo acesso ao perverter as esperanças da democracia russa” (idem: 227).

91 Essa  economias  “estão conectadas  no que elas  podem fornecer  à   rede  global   (baixo  valor­agregado)  e desconectadas em todo o resto. As redes são tanto conexão quanto desconexão, e essa é a realidade atual da África” (2003: 125).

92 As   megacidades   “articulam   a   economia   global,   ligam   as   redes   informacionais   e   concentram   o   poder mundial. Mas também são depositárias de todos esses segmentos da população que lutam para sobreviver”, “concentram o  melhor   e  o  pior”,   “internamente  desconectadas  das  populações   locais   responsáveis  por funções   desnecessárias   ou   pela   ruptura   social   [...]   É   esta   característica   distinta   de   estarem   física   e socialmente conectadas com o globo e desconectadas do local que torna as megacidades uma nova forma urbana” (SR: 492­5). 

93 SR:  502. Também:  “a mistura resultante da miséria existente em todo o mundo, desterro de populações inteiras   de   suas   origens   e   dinamismo   das   maiores   economias   do   planeta   leva   milhões   de   pessoas   à emigração” (FM:  213).  Na China,  “êxodo rural  maciço provocado pela modernização e privatização da 

94

concentração  das  possibilidades  de   imaginar   e  construir  o   futuro  do  mundo94;   a   falta  de 

privacidade95;   a  barganha   generalizada96,   a   concorrência   acirrada,   que   enfraquece   a 

estabilidade  do  emprego e  das   relações   industriais97;   as  condições  de   trabalho  do  mundo 

flexível98; o crime global como caso de empresa em rede99; a novidade da guerra em rede100; a 

sociedade   em   rede   enquanto  estrutura   social   dominante,   à   qual   se   opõem   alternativas 

construídas   pelos   movimentos   sociais101;   a  incontrolabilidade  dessa   estrutura   social,   pela 

interdependência que provocaram suas inovações, que conduzem a novos tipos de crise102; o 

peso objetivo da estrutura que limita a ação, pelas característica que define a Sociedade em 

Rede: o poder dos fluxos103; os processos de modernização conservadora que geram exclusão 

agricultura” (FM: 367).94 “Finlândia, como Japão, está obcecada com o futuro. Eu acho que é a cultura da sobrevivência, a cultura de 

nações e pessoas que experimentaram a possibilidade real de serem engolidas por outras culturas e nações, e reagiram – ou sobre­reagiram, como o imperialismo japonês”. Ao contrário, na Califórnia “a noção é que o futuro está sendo construído na Califórnia” (2003: 46).

95 “desaparecimento da privacidade através de um mundo em que vivemos conectados à rede [...] O fato de estar em uma rede global significa que não existe privacidade [...] A batalha pelo criptografado é, neste momento, a batalha pela privacidade” (2000: 282­4).

96 Mas  uma  comunidade  pode   também “tornar­se  um grupo  de   interesse,   e   aderir  à   lógica  da  barganha generalizada, predominante na sociedade em rede” (PI: 420).

97 A África do Sul deve “evitar ser excluída da acirrada concorrência existente na economia global, uma vez promovida   a   abertura  de   sua   economia”   (FM:  153).  Diante  da   concorrência  global,   enfraquecem­se  o sistema de emprego estável e as relações industriais estáveis (FM: 281).

98 Vidas   miseráveis   da   maioria   dos   engenheiros   de   Silicon   Valley   “com   um   alto   índice   de   isolamento, depressão, abuso de drogas e álcool e uma alta taxa de suicídio”, e 65 horas por semana como tempo médio de trabalho. E o “maior individualismo e atitudes mais egoístas em Silicon Valley que no resto dos EUA” (2003: 37). Se a internet socializa, parece que ao mesmo tempo isola e inferniza a quem produz as suas condições de possibilidade. 

99 Cfr. SR: 503; FM: 204­5, 217, 232­3; e 2003: 93.100 “está havendo um processo de globalização de uma nova forma de guerra, a guerra em rede [netwar], na 

terminologia dos especialistas da Rand Corporation” (2003: 99).101 “A cultura verde, na forma proposta por um movimento ambientalista multifacetado, é o antídoto à cultura 

da virtualidade real que caracteriza os processos dominantes de nossas sociedades. Assim, temos a ciência da vida contra a vida dominada pela ciência; o controle local sobre o espaço contra um espaço de fluxos incontrolável; a realização do tempo glacial contra a destruição do conceito de tempo e a escravidão ao tempo cronológico; a cultura verde contra a virtualidade real. São esses os principais desafios do movimento ambientalista às estruturas dominantes da sociedade em rede” (PI: 160).

102 Estamos numa “era de instabilidade econômica estrutural   [...]  A  invalidação do conceito de tempo e a manipulação do tempo por mercados de capitais globais gerenciados eletronicamente são um componente da fonte de  novas formas de  devastadoras  crises  econômicas que adentram o século XXI” (SR:  592)  “Os mercados   financeiros   globais   são   interdependentes,   e   as   turbulências   em   qualquer   nó   dessas   redes financeiras  difundem­se para  outros  mercados”  (FM:  278).  “Não há  maneira  de  controlar  os  mercados financeiros globais, e sendo que os mercados financeiros globais condicionam as políticas monetárias e as taxas de juros [interest rates], temos perdido o controle da política econômica nacional. Sempre é possível intervir, mas dentro dos parâmetros ditados pelos movimentos de fluxos financeiros globais” (2003: 34).

103 “O poder dos fluxos é mais importante que os fluxos do poder. A presença na rede ou a ausência dela e a dinâmica de cada rede em relação às outras são fontes cruciais de dominação e transformação de nossa sociedade:   uma   sociedade   que,   portanto,   podemos   apropriadamente   chamar   de   sociedade   em   rede, caracterizada pela primazia da morfologia social sobre a ação social” (SR: 565).

95

em massa104.

Mas, enquanto Beinstein mostrava a concreção da “globalização real” por baixo da 

propaganda da globalização virtual, a teoria da Sociedade em Rede tem o papel de manter a 

globalização  virtual  como promessa  eterna para os  globalizados  reais.  Uma narrativa 

semelhante ao estereotipo dos filmes de Hollywood em que o herói precisa dos obstáculos 

para “nos salvar” ao fim, permite admitir a contradição, e realizar logo a seguir verdadeiros 

“saltos mortais” até  as potencialidades virtuosas e universalizantes das  transformações em 

curso. 

A tradução teórica da perda de peso das estruturas

A  des­radicalização   traduz­se  numa perda  progressiva  na  análise  do  peso  da 

objetividade   das   estruturas.  O   percurso   dos   conceitos   de   modo   de   “desenvolvimento 

informacional” e de “espaço de fluxos”105 mostram esse evolução. 

Em 1983 tanto a implícita noção de “espaço de fluxos” como a explícita de “modo de 

desenvolvimento  informacional” tinham ainda uma certa carga crítica. Ao analisá­los como 

um processo desencadeado da resposta à crise estrutural por parte das classes dominantes, e 

enxergando os  limites para essas classes do processo de deslocalização da produção e do 

consumo, permitia ver a hierarquização e especialização do espaço como necessidade lógica 

104 “a   oposição   dos   zapatistas   à   nova   ordem   global   tem   duas   faces:   eles   lutam   contra   as   consequências excludentes da modernização econômica, e também opõem­se à ideia de inevitabilidade de uma nova ordem geopolítica   sob  a  qual   o   capitalismo   torna­se  universalmente   aceito”   (PI:  102).   “Excluídos   dos   atuais processos de modernização da América Latina, os camponeses indígenas (cerca de 10% da população do país) repentinamente 'passaram a existir'” (PI: 108). “o desemprego em massa dos jovens, aliado à retração do  Estado  do  bem­estar   social,   tornaram­se  questões  mais  graves  do  que  a   revolução  cultural   para  os eleitores  verdes   'de   tons  políticos   indefinidos'”   (PI:  153).   “Diante  das  políticas  de  ajuste  econômico e integração à economia global, [o compadre Palenque, na Bolívia] expôs o sofrimento diário de trabalhadores desempregados e dos miseráveis vivendo na região metropolitana das cidades bem como os abusos a eles impostos sob o pretexto da racionalidade econômica”, programa para “auxiliar a recolocação de operários da indústria desempregados em decorrência da reestruturação econômica e das privatizações” (PI: 389). Um dos problemas na China no fim do milênio é  “como seguir rumo à  economia de mercado e, ao mesmo tempo, evitar o desemprego em massa e o desmantelamento da rede de segurança” (FM: 369).

105 Castells  considera esse conceito central  na sua obra por ser a “expressão mais direta  da transformação tecnológica da nossa existência” e, ao mesmo tempo, o mais difícil de compreender, por ser contra­intuitivo (Castells, 2003: 56).

96

do   sistema.   Expressão   dessa   hierarquização   era   a   concentração   espacial   da   produção   e 

armazenamento de conhecimentos e informação (1983: 313). A persistência de certa carga 

crítica estava vinculada com a impossibilidade de universalização do sucesso nos padrões do 

sistema:   “O   modo   de   produção   capitalista   e   os   modos   de   desenvolvimento   industrial   e 

informacional   estão  diferenciados   territorialmente   e   integrados  no  nível  mundial   de  uma 

maneira assimétrica” (idem: 310)106. Assim, a urbanização em assentamentos ilegais em países 

em desenvolvimento é gerada “pelo desenvolvimento desigual e a nova divisão internacional 

do trabalho na economia mundial [que] obriga a milhões e milhões de pessoas a viver em 

condições físicas e sociais que estão atingindo o ponto de desastre ecológico” (idem: 176). O 

diagnóstico da assimetria estrutural implicava a impossibilidade de todos ganharem no jogo107. 

Em termos teóricos, exprimia­se como uma crítica das suposições metafísicas do paradigma 

pluralista   e   da   consideração   do   processo   político   como   um   jogo   aberto   sem   limites 

estruturais108.

O próprio Castells (2003: 58) reconhece uma trajetória desse conceito na sua obra. 

Segundo o autor, seu “erro teórico foi assimilar a prática do espaço de fluxos com as elites 

globais e suas atividades instrumentais, opondo isso ao espaço de lugares onde a maioria das 

pessoas constroem sentido e vivem suas vidas”. No entanto, ele percebe que “enquanto no 

início dos anos 90 o espaço de fluxos era principalmente o espaço das atividades dominantes, 

a finais dos anos 90 o espaço de fluxos se tornou tão disputado [contested] quanto o espaço de 

lugares”. O uso da Internet na “revolta argentina contra a globalização” no início de 2002, é 

106 Trata­se da “reprodução institucionalizada de uma sociedade dominada por corporações capitalistas com a ideologia da concorrência sem fim […] uma concorrência começa entre os diferentes grupos e, obviamente, é mais aguda quando os grupos estão necessitados” (Castells, 1983: 171).

107 Na concorrência capitalista “ganham os melhores, enquanto que o resto vai à falência ou é absorvido. O processo de acumulação de capital é também um processo de concentração e centralização do capital. Sob o capitalismo monopolista, a concorrência também é uma lei estrutural básica do sistema. O que varia é a forma da concorrência. Basicamente, esta se dá através da apropriação da tecnologia e da informação [...] luta de gigantes  [...]  estruturalmente,  é   impensável um capital  social  unificado [...]  A concorrência é  a capacidade para melhorar a posição de cada um em relação aos demais [...] criar condições mais favoráveis para os investimentos do capital [...] exige a dedicação de uma parte crescente do valor produzido à criação de uma situação vantajosa em relação aos concorrentes” (Castells, 1979: 85­6).

108 “Nós mesmos temos desenvolvido em nosso trabalho anterior uma crítica das suposições metafísicas do paradigma  pluralista   (especialmente:   o   indivíduo   racional  orientado  ao   lucro   [rational  profit­orientated individual] como base da organização social num todo), assim como a falácia histórica de considerar o processo político como um jogo aberto onde os atores podem jogar, e ganhar ou perder, sem considerar (exceto de uma maneira muito remota) a conexão das regras do jogo com as regras estruturais e com as instituições da sociedade” [faz referência à Questão Urbana, capítulo 11; e a “Vers une Théorie Sociologique de la Planification Urbaine' em Sociologie du Travail, 4] de 1969] (Castells, 1983: 293). 

97

para   Castells   um   exemplo   disso.   Ele   deduz   disso   que   como  ”o   espaço   de   fluxos   está 

materialmente baseado nas novas tecnologias de comunicação”, “pessoas de todos os tipos, 

querendo fazer todo tipo de coisas, podem ocupar esse espaço de fluxos e usá­lo para seus 

próprios propósitos”.  Numa palestra  de 1999 que depois  virou o artigo “Grassrooting  the 

space of flows” ele teria “corrigido” a análise do assunto. 

Aquele erro teórico de 1989 mantinha ainda uma análise mais crítica do sistema como 

um  todo.  A  'correção',  na  verdade suaviza  a  crítica  da assimetria  estrutural  do sistema e 

enfatiza a necessidade e bondade da sua universalização. 

Podemos ver esse conceito aparecer na  Era da informação.  Ali define o espaço de 

fluxos   como   “a   organização   material   das   práticas   sociais   de   tempo   compartilhado   que 

funcionam por meio de fluxos” (SR: 501). Assim, “as pessoas ainda vivem nos lugares” e “a 

função e o poder em nossas sociedade estão organizados no espaço de fluxos”, donde uma 

“esquizofrenia estrutural  entre duas  lógicas  espaciais  que ameaça romper  os  canais de 

comunicação da sociedade” (SR: 518).  Ainda, isso tem desdobramentos no tempo. Segundo 

Castells,  o “tempo intemporal é  apenas a forma dominante emergente do tempo social  na 

sociedade em rede” (SR: 527), mas não é exclusivo. Para Castells, o espaço modela o tempo 

em nossa sociedade:  “O tempo  intemporal  pertence ao espaço de fluxos,  ao passo que a 

disciplina tempo, o tempo biológico e a sequência socialmente determinada caracterizam os 

lugares”.  Assim,   “se   podem   ouvir   os   lamentos  de   criaturas”   acorrentadas   ao   tempo.   “A 

flexibilidade da jornada de trabalho, a produção em rede e o autogerenciamento do tempo ao 

norte   da   Itália   ou   no   Vale   do   Silício   têm   muito   pouco   significado   para   os   milhões   de 

trabalhadores das linhas de montagem cronometradas, na China e no Sudeste asiático” (SR: 

556­9). Essa 'esquizofrenia estrutural' entre as lógicas espaciais se repõe na análise de Castells 

numa polarização entre capital e trabalho que “tendem cada vez mais a existir em diferentes 

espaços e tempos” que “vivem lado a lado sem se relacionarem, à medida que a existência do 

capital global depende cada vez menos do trabalho especifico e cada vez mais do trabalho 

genérico  acumulado,  operado  por  um pequeno grupo  de  cérebros  que  habita  os  palácios 

virtuais   das   redes   globais   [...]   as   relações   sociais   de   produção   foram   desligadas   de   sua 

existência real” (SR: 571).

98

Essa análise de uma 'esquizofrenia estrutural' não permite ver a contradição em curso 

que implica esse processo de capital e trabalho 'existirem lado a lado'. A produção em rede do 

centro do sistema  tem significado sim para os   trabalhadores  da  montagem, pois,  como o 

próprio   Castells   reconhece,   a   estrutura   ocupacional   bipolar   não  poderia   estar   no   mesmo 

espaço.  Na  nova   lógica   industrial   caracterizada   pela   capacidade   de   separar   o   processo 

produtivo em diferentes localizações, Castells encontra uma estrutura bipolar em torno de dois 

grupos: uma força de trabalho altamente qualificada com base científica e tecnológica, por um 

lado; e uma massa de trabalhadores não­qualificados dedicados à montagem de rotina e às 

operações auxiliares, por outro. E aponta que “devido à singularidade da força de trabalho 

necessária para cada estágio e às diferentes características sociais e ambientais próprias das 

condições de vida de segmentos profundamente distintos dessa força de trabalho, recomenda­

se especificidade geográfica para cada fase do processo produtivo”. “A localização dessa mão­

de­obra na mesma área que os cientistas e engenheiros não é economicamente viável nem 

socialmente adequada no contexto social geral” (SR: 476­7). Se a lógica é de divisão espacial 

internacional do trabalho numa estrutura ocupacional bipolar, é impossível a generalização 

universal   da   virtuosidade   do   sistema109.   A   necessidade   sistêmica   de   um   momento   que 

desmente   essa   expansão  virtuosa  e  universal  é   arranhada  no  nível  das   aparências   com a 

constatação de que a co­existência geográfica dos dois polos da estrutura ocupacional “não é 

economicamente   viável   nem   socialmente   adequada   no   contexto   social   geral”.  Fluxos   e 

lugares, capital e trabalho, não são duas camadas separadas sem diálogo. Elas  tem pontes que 

uma análise dialética deve saber enxergar. Esquecendo esse outro necessário, Castells supõe a 

possibilidade real e universal desse tempo intemporal determinado pelo espaço de fluxos e de 

um capital que passa ao lado do trabalho.

Do diagnóstico da esquizofrenia estrutural, se segue a proposta de que para evitar a 

separação entre universos paralelos, devem construir­se “pontes culturais, políticas e físicas 

entre essas duas formas de espaço” (SR:  518). A legitimação da Sociedade em Rede vem a 

cumprir esse papel de ponte. 

Paulo   Arantes  (2004:   39­40)  critica   em   Castells,   por   um   lado,   um   dualismo 

109 “Algunas posturas del paradigma de la modernización vuelven a aparecer cuando se tiende a visualizar la coexistencia  de   tiempos  y  espacios  diversos,  sin  ver   las  profundas  articulaciones  que  los   'envuelven'  y permiten reproducir y ampliar las asimetrías globales” (Falero, 2006: 272).

99

funcionalista,   e   por   outro   uma   'hesitação'   em   face   da   dualização   da   sociedade,   uma 

'desconstrução'  da  hipótese  da   sociedade  polarizada110.  Como compreender  ambas  críticas 

como sendo parte do mesmo equívoco?111 O dualismo funcionalista e a hesitação em face da 

dualização são resultado de  uma falsa  representação do  processo  de  dualização real112.  O 

dualismo funcionalista acaba desarticulando na análise a estruturação da dualidade real e leva 

a propor saídas ilusórias para a sua superação. O que aparece como ameaça irresolúvel no 

diagnóstico de fratura se torna, num passe de mágica, prescrição integradora.  A apologia se 

arremata com o dinamismo da estrutura em rede, que torna sempre mutáveis as fronteiras do 

processo de exclusão social. Para Castells (FM: 98), “a exclusão social é um processo, não 

uma condição. Desse modo, seus limites mantêm­se sempre móveis, dependendo do grau de 

escolaridade,   características   demográficas,   preconceitos   sociais,   práticas   empresariais   e 

políticas governamentais”. Perde­se a dimensão estrutural da exclusão. Os que estão excluídos 

podem deixar de está­lo. Em ultima instância, qualquer um pode ganhar a qualquer momento. 

Esse raciocínio repete­se na questão dos “nós”, elemento chave no funcionamento das 

redes.   Para   Castells,  o   fato   de   uma   estrutura   ser   flexível   e   descentralizada   em   seu 

funcionamento não implica que não haja nós. Ao contrário, “uma rede é baseada em nós e 

suas interconexões”. Isso implica o reconhecimento de um padrão desigual, pois se trata de 

um processo de “concentração e descentralização ao mesmo tempo”. Mas, “a questão chave é 

que esses nós podem se reconfigurar a si mesmos de acordo a novas tarefas e objetivos, e que 

podem crescer ou diminuir em importância dependendo do conhecimento e da informação que 

eles ganham ou perdem” (2003: 24­5). Assim, embora a sociedade em rede é feita de conexão 

e desconexão ao mesmo tempo, “isso não impede que quem queira se conectar segundo seus 

110 John Friedmann, um dos formuladores pioneiros do paradigma das cidades mundiais, registrou a “curva apologética  descrita   pelo   teórico/consultor­fluxo   Manuel   Castells”:   “a   partir   da   obra   coletiva   sobre   a aparente dualização de Nova York [de 1991], nosso autor teria inaugurado uma espécie de 'desconstrução' (sic) da hipótese da sociedade polarizada, atribuindo à clivagem ocupacional, de gênero, raça e etnicidade, a   principal   fonte   da   subordinação   dos   subalternos,   celebrando­lhes   emfim   a   'diferença'”.   Arantes   faz referência ao texto de John Friedmann, “Where we stand: a decade of world city research” em Knox e Taylor (orgs.) World Cities in a World­System (Arantes, 2004: 42­3).

111 Lucien Goldmann fez do fragmento 684 das  Obras Completas de  Pascal um princípio metodológico para seu trabalho de interpretação: “para entender o sentido de um autor é preciso conciliar todas as passagens contraditórias [...] Todo autor tem sentido, ao qual todas as passagens contrárias se coadunam, ou não tem sentido algum” (Lowy, 1979: 59).

112 “Tudo se passa, em suma, como se um processo de dualização real engendrasse uma falsa representação de uma ordem social dual consolidada: assim, num registro, percepção dramática de uma sociedade cada vez mais estilhaçada; noutro, a visão dual­funcionalista de uma economia avançando em marcha forçada bem à frente de uma sociedade de retardatários (Arantes, 2004: 53).

100

próprios critérios, também possa fazê­lo” (2007: 21).

A   cidade   global   também   é   concebida   enquanto   “processo”.  As   “panacéias 

antidualistas” como a do “patriotismo da cidade”, constituem para Arantes um “exorcismo da 

dualização”113. Para Castells, a hierarquia está “subordinada à geometria variável do dinheiro e 

dos  fluxos  da  informação.  Afinal,  quem poderia  prever  no  início da década de  1980 que 

Taipei, Madri ou Buenos Aires poderiam emergir como importantes centros financeiros e de 

negócios internacionais?”. Portanto, “sob a perspectiva da lógica espacial do novo sistema, o 

que importa é a versatilidade de suas redes” (SR: 475­6). Também: “a direção e a arquitetura 

dessas   redes   estão   sujeitas   às   constantes   mudanças   dos   movimentos   de   cooperação   e 

concorrência entre empresas e locais” (SR: 483).

A versatilidade da base tecnológica e financeira, eufemismo de incontrolabilidade, 

acaba hipostasiando a versatilidade das redes do mundo global. Já que não há hierarquias 

garantidas, não perca a esperança de chegar no topo de uma hora para outra.

Nesse sentido, as cidades são um ator que vai se tornando estratégico na proposta de 

Castells. “As cidades e regiões participam ativamente de negociações diretas com empresas 

multinacionais,   transformando­se   nos   agentes   mais   importantes   das   políticas   de 

desenvolvimento   econômico”   (PI:  318).  “As   cidades   tornaram­se   atores   decisivos   para   o 

estabelecimento de estratégias  de desenvolvimento econômico,  negociando essa  interações 

com empresas internacionalizadas” (FM: 404)114.

Arantes  (2004:   44)  adverte   que   a   ameaça   dualizada   “pode   muito   bem   lastrear 

113 A “intervenção estratégica na gestão da cidade ­ no caso,  uma gestão de  tipo empresarial,  destinada a substituir a imagem problema de uma cidade dualizada pela imagem competitiva de uma cidade reunificada em torno dos negócios da máquina urbana de crescimento” marca o momento em que Castells “se converte em expert­consultor” (Arantes, 2004: 45). Arantes remete a Jordi Borda e Manuel Castells, Local y Global.  La gestion de las ciudades en la era de la información, 1997. Um capítulo desse livro foi publicado em Novos Estudos Cebrap,  n.45,  1996,  “As cidades  como atores  políticos”.  Para  uma análise  crítica desse Castells consultor, Cfr. Lima Junior, Pedro de Novais. Uma estratégia chamada 'planejamento estratégico':  deslocamentos espaciais e atribuições de sentido na teoria do planejamento urbano. Rio de Janeiro: UFRJ, 2003. Tese de doutorado. Cfr.   também Otília Arantes,  Carlos Vainer e Erminia Maricato,  A Cidade do Pensamento Único, 2000.

114 Castells remete a seu livro, de 1997,  Local e Global,  analisado por Arantes (Cfr. 2004) e por Pedro de Novais Lima Junior (Cfr. 2003), como mostra da passagem de Castells a gerenciador global. É interessante notar que na convocatória do “Forum Social Urbano”, que aconteceu nos dias 22 a 26 de março de 2010 no Rio de Janeiro, os movimentos organizadores denunciaram os “discursos sobre cidades globais com os quais muitos   governos   justificam   investimentos   bilionários   em   grandes   eventos   de   marketing   urbano”   e propuseram   debater   a   questão   dos   'Megaeventos   e   a   Globalização   das   Cidades'.   Disponível   em: http://forumsocialurbano.wordpress.com/convocatoria/

101

providências  pró­sistemáticas”115  podendo derivar  no   fortalecimento  de  “providências  de 

gestão que nem sempre se distingue de um Estado de sítio”. 

Castells   (mais   humanista)   propõe   a   inclusão   informacional   dos   excluídos.  Arantes 

destaca que “as políticas de 'inserção' na França têm a mesma idade ideológica dos primeiros 

tempos   de   consagração   da   iniciativa   empresarial   enquanto   fonte   perene   de   inovação   e 

riqueza”. A “ideia edificante” de inserção surge ao concentrar o foco da fratura unicamente na 

exclusão.  A perspectiva da emancipação vira perspectiva de integração ao perceber que o 

núcleo dos incluídos representa o pacote “moderno” da sociedade que funciona muito bem e 

de costas para a massa sobrante de inadaptados. “O que resta de antagonismo numa sociedade 

de atores individuais a um tempo fraturada, e por assim dizer, interacionista, é uma luta por 

reconhecimento”. A retórica da exclusão, do discurso da fratura social,  apaga,  por  trás da 

“imagem do país repartido entre incluídos e excluídos a expressão muito evidente de uma 

política de produção sistemática  de desigualdades” (Arantes,  2004: 51­3).  Para Arantes,  a 

“febre ética de hoje é um pobre sucedâneo do empenho político bloqueado” (idem: 290)116.

No caso do Brasil, são “veteranos da teoria crítica brasileira” que atacaram as ideias 

dualistas nos 60, que reinventam o mito do Brasil em duas metades, uma errada e uma certa 

(idem: 35). E é o mesmo movimento de Castells:

“Castells se alinhava com os adversários da teoria que identificava na massa marginal produzida pela modernização em curso na América Latina um exército industrial de reserva de tal modo excessivo  que   já   se   tornara,  a   rigor,   inintegrável,   constituindo­se  num  imenso   reservatório  de anomia   e   apatia   política:   por   mais   que   pudessem   ameaçar   a   ordem   estabelecida,   eram economicamente   irrelevantes.   Pelo   contrário,   como   tantos   outros,   era   dos   que   sustentavam   a funcionalidade  da   'margem',   para   além, é   claro,   do  mero   rebaixamento  do  custo  da   força  de trabalho. Mais especificamente, também era da opinião – ainda no final dos anos 1980 – que a dualização que importava era a distinção entre os setores formal e informal da economia” (Arantes, 2004: 41­2).

Em 1969, José Nun (2001: 87), discutindo exatamente com posteriores “veteranos da 

teoria  crítica    brasileira”  propunha  chamar   'massa  marginal'   a   “essa  parte  a­funcional  ou 

115 Estamos tratando do que José Nun (2001: 285) chamou “mecanismos de a­funcionalização dos excedentes”; a “necessidade de neutralizar os excedentes de população que, caso contrário, corria­se o risco de que se tornassem disfuncionais sendo não  incorporáveis nas formas produtivas hegemônicas”.  Trata­se de uma “verdadeira gestão política desses excedentes” (idem: 28).

116 Isso comparece em FHC, quem afirma: “E essas transformações, inclusive no que diz respeito ao resultado econômico,  da acumulação de  recursos,  ao  bem­estar  dos  que estão envolvidos nisso,   independem dos outros num certo sentido. Em outro sentido não, porque os outros são muitos. De alguma maneira, se nós não resolvermos os problemas morais e de solidariedade em formas políticas de atuação, esses muitos num dado ponto podem criar embaraços sérios para esses poucos, que não são tão poucos assim mas que estão embarcados numa sociedade mais dinâmica” (Cardoso, 2004).

102

disfuncional  da superpopulação relativa”.  Essa proposta suscitou uma crítica  por parte  de 

Fernando Henrique Cardoso, que Nun por sua vez criticou também117.  A categoria de massa 

marginal implicava para Nun (2001: 87) “uma dupla referência ao sistema que, por um lado, 

gera esse excedente e, pelo outro, não precisa dele para continuar funcionando”. Para superar 

o dilema entre hiperfuncionalismo e exclusão, é preciso compreender que “o mercado é uma 

formação social que não admite nenhum 'exterior'”, o desempregado não encontra mais quem 

lhe compre a força de trabalho, o pobre é um consumidor insolvável (Arantes, 2004: 52), os 

descartados são “descartados porque estão absolutamente incluídos” (idem: 295).   É o que 

Robert Kurz (1992: 195) formulou com a expressão “sujeitos monetários sem dinheiro”. Nem 

mera exclusão, nem mera inclusão, trata­se de uma “exclusão imantada”118.

A proposta da integração dos excluídos legitima indiretamente a punição dos atrasados 

pelo seu atraso. Em Castells o atraso, longe de objetar a ordem universal, paradoxalmente a 

justifica. A percepção de dualidade, passa de denúncia a apologia. 

Podemos ver isso,  além de no “espaço de fluxos” enquanto  espaço quase neutral de 

luta  pela  valorização dos  nós  onde qualquer  um pode ganhar,  na  trajetória  do “modo de 

desenvolvimento informacional”.

Em   1973   Castells  reconhecia   a   importância   das   leis   estruturais   capitalistas 

determinando o desenvolvimento tecnológico, donde uma crítica às interpretações tecnicistas 

das teses marxistas119

117 Todos os textos da polêmica, inclusive um de 1999 atualizando os termos do debate, podem ser encontrados em Nun (2001).

118 Até  onde eu sei, essa formulação de “exclusão imantada”,  nutrida por leituras prévias e conversas mais amplas, foi cunhada entre Felipe Brito e André Villar Gomez. Apareceu no meu caminho no projeto de tese de André. Além de sua pertinência teórica ao re­colocar em outros termos e numa formulação sintética o debate da exclusão/inclusão e da funcionalidade/não­funcionalidade dos excluídos, sendo de fabricação local evita custos e burocracias de importação.

119 “Poderia sustentar­se a emergência de um novo estágio do capitalismo que, sem deixar de ser capitalista (com todas as conseqüências em que isto implica em termos de leis estruturais) se caracteriza por uma maior importância   do   papel   econômico   do   Estado   e   por   um   desenvolvimento   do   componente   científico­tecnológico  no  interior  do  processo de  produção”    identificar  “a  disposição direta do  produto de  uma unidade de  trabalho com a propriedade social  do produto,  prescindindo do sistema econômico em que funcionam,   abre   caminho   a   todas   as   interpretações   tecnicistas   das   teses   marxistas”,   revolução   dos 'managers', criação de capitalistas coletivos (i.e. De Gaulle). “Somente se pode sustentar seriamente a tese fundamental marxista da separação entre a fonte de criação de valor e a apropriação privada da mais­valia situando­a no seu verdadeiro nível, ou seja, o da capacidade estrutural de decidir as leis do funcionamento econômico e social. Toda simplificação tecnicista ou politicista da relação entre produção e dominação de 

103

Em   1983   vimos   aparecer   a   distinção   entre   modo   de   produção   e   modo   de 

desenvolvimento. Na  Era da Informação  essa distinção se consolida,  sendo central na sua 

formulação teórica. Agora remete aos trabalhos de  Touraine e Daniel Bell como trabalhos 

clássicos que começaram a abrir esse caminho (SR: 51). Julga “essencial para o entendimento 

da dinâmica social, manter a distância analítica e a inter­relação empírica entre os modos de 

produção   (capitalismo,   estatismo)   e   os   modos   de   desenvolvimento   (industrialismo, 

informacionalismo)”   (idem).   Os   modos   de   produção   são   definidos   pelas   regras   para   a 

apropriação,   distribuição   e   uso   do   excedente,   pelo   princípio   estrutural   de   apropriação   e 

controle do excedente (SR: 52). Mas, na definição específica do modo de produção capitalista, 

Castells acrescenta uma determinação que é a procura do aumento  do excedente apropriado 

pelo  capital120.  O   autor  é   inconsistente  nessa  determinação,  pois   afirma  que  enquanto  as 

relações sociais de produção e, portanto, o modo de produção determinam a apropriação e os 

usos do excedente, “uma questão à  parte,  embora fundamental,  é  o nível desse excedente 

determinado pela produtividade de um processo produtivo especifico, ou seja, pelo índice do 

valor de cada unidade de produção em relação ao valor de cada unidade de insumos” (idem; 

itálica minha). A determinação do modo de produção deixa fora, como uma questão à parte, o 

nível, a magnitude do excedente. O nível do excedente, vinculado à produtividade, passa a 

depender exclusivamente das relações técnicas de produção e do  modo de desenvolvimento 

definido como “os procedimentos mediante os quais os trabalhadores atuam sobre a matéria 

para gerar o produto”121. É o modo de desenvolvimento quem determina o nível e qualidade do 

excedente. O que distingue um modo de desenvolvimento do outro é para Castells o “elemento 

fundamental   à   promoção   da   produtividade   no   processo   produtivo.   O   novo   modo   de 

desenvolvimento   informacional   se  define  pela   “ação  de  conhecimentos   sobre  os  próprios 

classe conduz diretamente ao relativismo, ao empirismo, a decidir 'segundo os casos'” (Castells, 1973: 47­9).120 “No capitalismo, a separação entre os produtores e seus meios de produção, a transformação do trabalho em 

commodity   e   a   posse   privada   dos   meios   de   produção,   com   base   no   controle   do   capital   (excedente transformado em commodity), determinaram o princípio básico da apropriação e distribuição do excedente pelos   capitalistas   [...]  O  capitalismo  visa   a  maximização  de   lucros,   ou   seja,   o  aumento  do  excedente apropriado pelo capital com base no controle privado sobre os meios de produção e circulação” (SR: 53; itálica minha).

121 “Os próprios níveis de produtividade dependem da relação entre a mão­de­obra e a matéria, como uma função   do   uso   dos   meios   de   produção   pela   aplicação   de   energia   e   conhecimentos.   Esse   processo   é caracterizado pelas relações técnicas de produção, que definem modos de desenvolvimento. Dessa forma, os modos de desenvolvimento são os procedimentos mediante os quais os trabalhadores atuam sobre a matéria para gerar o produto, em ultima análise, determinando o nível e a qualidade do excedente” (idem).

104

conhecimentos como principal fonte de produtividade”122.

A dimensão técnica da maneira pela qual aumenta a produtividade apaga a inserção 

dessas relações técnicas nas relações de produção, acaba dando um estatuto privilegiado às 

relações   técnicas.  Assim,  distinguindo­o  do  industrialismo,  que  visaria  a  maximização da 

produção,   “embora   graus   mais   altos   de   conhecimentos   geralmente   possam   resultar   em 

melhores   níveis   de   produção   por   unidades  de   insumos,  é   a   busca  por   conhecimentos   e  

informação que caracteriza a função da produção tecnológica no informacionalismo” (SR: 

54; itálica minha).

Essa análise não é falsa, mas é abstrata. Ao se inserir no processo de valorização, a 

tecnologia, enquanto capital,  adquire uma nova natureza. As necessidades e finalidades da 

tecnologia   enquanto   capital   são   as   necessidades   e   finalidades  do   capital   no  processo  de 

valorização. Castells não enxerga que o modo de produção não só determina a apropriação e o 

uso do excedente, determina também o próprio nível procurado desse excedente123. No modo 

de produção capitalista, a procura do excedente não se limita à satisfação de necessidades, 

mas   à   procura   infinita   de   mais­valor.   Essa   procura   está   determinada   pelo   processo   de 

valorização.  O   'aumento   do   excedente'   na   procura   da   valorização   do   capital   é   uma 

determinação essencial na compreensão marxiana do modo de produção capitalista. Aliás, a 

necessidade  ilimitada de  trabalho excedente distingue o modo de produção capitalista das 

formas anteriores de organização da produção social124.  É  claro que o nível  do excedente 

122 “No novo modo  informacional  de  desenvolvimento,  a   fonte  de  produtividade  acha­se  na   tecnologia  de geração de conhecimentos, de processamento da informação e de comunicação de símbolos. Na verdade, conhecimento e informação são elementos cruciais em todos os modos de desenvolvimento, visto que o processo produtivo sempre se baseia em algum grau de conhecimento e no processamento de informação. Contudo, o que é especifico ao modo informacional de desenvolvimento é a ação de conhecimentos sobre os próprios conhecimentos como principal fonte de produtividade” (idem).

123 “A superprodução é condicionada de modo específico pela lei geral de produção do capital: produzir na medida das forças produtivas, isto é, da possibilidade de explorar, com uma quantidade dada de capital, a maior   quantidade   de   trabalho   possível,   sem   levar   em   conta   as   barreiras   do   mercado   existente   ou   as necessidades respaldadas pela capacidade de pagamento, e isso por constante ampliação da reprodução e da acumulação” (Marx apud Rosdolsky, 2004: 535).

124 “El   capital   no   ha   inventado   el   plustrabajo   [...]   Es   evidente,   con   todo,   que   cuando   en   una   formación económico­social no prepondera el valor de cambio sino el valor de uso del producto, el plustrabajo está limitado por un círculo de necesidades más estrecho o más amplio, pero no surge del carácter mismo de la producción una  necesidad ilimitada de plustrabajo  [...] Pero no bien los pueblos cuya producción aún se mueve bajo las formas inferiores del trabajo esclavo y de la prestación personal servil son arrastrados a un mercado mundial en el que impera el modo de producción capitalista [...] ya no se trataba de arrancarle cierta masa de productos útiles. De lo que se trataba era de la producción del plusvalor mismo” (C I, 8, 283).

105

“efetivamente atingido” depende das relações técnicas de produção. E é exatamente por isso 

que  o  modo   de   produção   capitalista   “revoluciona   as   condições   de   produção”,   o   próprio 

processo   produtivo   e   as   condições   gerais   da   produção,   para   viabilizar   tecnicamente   a 

efetivação  desse  excedente  procurado.  Essa  análise   leva  a   relacionar  o   aumento  da   força 

produtiva no capitalismo com o objetivo capitalista de aumento da mais­valia.  Só  a partir 

dessa análise é possível compreender o impulso inerente do capitalismo ao desenvolvimento 

das forças produtivas. 

A inconsistência que apresenta Castells na sua determinação do modo de produção 

acaba   se   tornando   uma   insuficiência   para   compreender   o   sentido   do   desenvolvimento 

tecnológico no modo de produção capitalista. 

Ao fazer depender o nível do excedente exclusivamente do modo de desenvolvimento, 

reservando para o modo de produção só a apropriação e os usos do excedente, Castells apaga 

da sua análise o impulso inerente do modo de produção capitalista ao desenvolvimento das 

forças produtivas para o aumento da mais­valia. 

De fato, ele não considera a produção da mais­valia na sua análise da tecnologia, mas 

só a questão da produtividade. Isto porque identifica a produtividade com a própria produção 

de valor, as fontes da produtividade com as fontes do valor:  “A produtividade é a fonte de 

riqueza das nações [...] a lucratividade e a competitividade são verdadeiros determinantes da 

inovação   tecnológica   e   do   crescimento   da   produtividade”   (SR:  136).   O  apagamento   da 

questão do valor e o foco na produtividade  faz com que a tecnologia seja analisada em 

abstrato,   como   instrumento  de   trabalho  com o  processo  de   trabalho  enquanto   totalidade. 

Assim, a finalidade da tecnologia é analisada sob um ponto de vista estritamente tecnológico. 

A “inter­relação empírica” que o autor pretende estabelecer entre modo de produção e 

modo  de  desenvolvimento  não   é   suficiente   para   compreender   a   pressão  que  o  modo  de 

produção exerce sobre o modo de desenvolvimento, a metamorfose que as relações técnicas de 

produção   sofrem   na   sua   inserção   em   determinadas   relações   sociais   de   produção.   A 

determinação de sociedade informacional significa para Castells que estando ainda no modo 

de   produção   capitalista,   tem­se   atingido   um   novo   modo   de   desenvolvimento,   o   modo 

informacional. A despeito do reconhecimento dessa vigência do capitalismo, a distinção entre 

106

modo de produção e modo de desenvolvimento apaga, na análise de Castells, a articulação 

entre o desenvolvimento tecnológico e as leis e contradições do modo de produção capitalista. 

A noção de  capitalismo informacional  fica muito presente no  terceiro volume da 

trilogia.  Talvez como tentativa de essa “inter­relação empírica” entre modo de  produção e 

modo   de   desenvolvimento125.   Atribuem­se   ao   capitalismo   informacional   processos   de 

exclusão.   Castells   afirma   que   o   surgimento   do   Quarto   Mundo,   constituído   de   inúmeros 

buracos negros de exclusão social em todo o planeta “não pode ser dissociado do avanço do 

capitalismo   informacional   global”   (FM:  195).   A   exclusão   materializa­se   em   que   áreas 

consideradas  sem valor  na perspectiva  do capitalismo informacional  “são  ignoradas  pelos 

fluxos de riqueza e de informação e, em última análise, privadas da infra­estrutura tecnológica 

básica que nos permite comunicar, inovar, produzir, consumir e, até mesmo, viver no mundo 

de hoje” (FM: 99). 

Mas   a  insistência   numa   relação   sistêmica   entre   o   capitalismo   informacional   e   os 

processos de exclusão acaba sendo uma declaração de princípio que se dilui no seu momento 

mais apologético, onde apaga esse vínculo. Por um lado,  “o processo de reestruturação do 

capitalismo, com sua lógica mais rigorosa de competitividade econômica, é responsável por 

boa parte” das novas faces do sofrimento humano. Contudo, as novas condições tecnológicas 

e organizacionais da Era da Informação “provocam uma grande reviravolta no velho modelo 

da busca do lucro como substituto da busca da alma” (FM: 95). Assim, a Era da Informação 

se sobrepõe ao modo de produção capitalista, inclusive disputando sua lógica mais essencial 

de procura do lucro. Ela coloca a “ciência e tecnologia como os principais meios e fins da 

economia   e   da   sociedade   [em   rede]”   (PI:  154).   Desta   maneira,   com   o  eufemismo   de 

Sociedade em Rede apaga a análise do valor que tem não a ciência e a tecnologia mas a sua 

valorização como único fim. 

A denúncia de processos de exclusão inerentes ao capitalismo informacional global se 

dissolve na prescrição de uma adaptação virtuosa na Era Informacional. 

A distinção 'analítica' entre o modo de produção e o modo de desenvolvimento presta 

um serviço importantíssimo, dando um estatuto exagerado às relações técnicas de produção. 

125 Castells afirma que “o significado concreto da articulação entre o modo capitalista de produção e o modo informacional de desenvolvimento” é que “para sua operação e concorrência, o capital financeiro depende do conhecimento e da informação gerados e aperfeiçoados pela tecnologia da informação” (SR: 567).

107

Daí decorre uma compreensão tecnologista126, abstrata, do papel da tecnologia, do sentido da  

inovação   tecnológica,   e   das   suas   promessas   e   potencialidades   no   mundo   atual,  que   se 

desdobra numa fase abertamente desenvolvimentista e apologética na obra recente de Manuel 

Castells.

A explicação (informacional) do colapso da União Soviética

A   noção   de   modo   de   desenvolvimento   informacional   vira   uma   plataforma   de 

observação na obra de Castells. É a partir dela que analisa o colapso da União Soviética. No 

terceiro  volume  da   trilogia   há   um capítulo   específico  para   tratar   do   assunto,   que,   como 

dissemos, abordara já em The Collapse of Soviet Communism: a View from the Information 

Society (1995). 

O crescimento do PNB soviético na década de 50 e 60, mais acelerado que na maioria 

dos   países   do   mundo   (PI:  28),   mostra   para   Castells   a   falsidade   da   “mitologia   sobre   a 

incapacidade de o comunismo desenvolver uma economia industrial avançada” (FM: 34). Mas 

o processo nas décadas seguintes mostra o “esgotamento do modelo extensivo de crescimento 

econômico”   (FM:  45).   Alguns   pontos   fundamentais   desse   esgotamento   referem­se   ao 

descompasso   do   que   estava   acontecendo   em   Ocidente   e   que   Castells   analisa   como 

característico   do   modelo   informacional   e   da   Sociedade   em   rede.  O   sistema   soviético 

“desestimulou a busca pela inovação em uma época de mudanças tecnológicas fundamentais”, 

em um “momento em que inovações tecnológicas absolutamente fora de planejamento abriam 

terreno nas economias capitalistas avançadas”. O desestimulo à inovação se deu de diversas 

maneiras: pelo sistema de contabilidade adotado pela economia planejada; pela organização 

verticalizada da produção, inclusive a produção científica, que impôs enormes dificuldades 

para o estabelecimento de “relações de sinergia entre produção e pesquisa” (FM: 39). A queda 

na taxa de crescimento desde 1971 não seria uma explicação suficiente do colapso pois essa 

queda, para Castells, também se deu naquela época nas economias no ocidente “sem terem 

126 “El cientificismo o tecnologismo abstracto (de muchos 'materialismos dialécticos' u 'ontologías materialistas ortodoxas' y dogmáticas, pero aún más de los positivistas anglosajones) es aquel que pretende real el nivel de lo abstracto como abstracto. Lo abstracto es real como momento de lo concreto, pero si se lo intenta hacer  pasar   por   real   en   su   abstracción,   se   cae   en   esas   aventuras   de   las   'representaciones   abstractas   e ideológicas'” (Dussel, 1984: 42).

108

sofrido   consequências   catastróficas”   (FM:  24).  Para   Castells,   o   que   explica   o   colapso 

soviético “não ocorreu na União Soviética, mas nos países capitalistas avançados”, é a nova 

revolução tecnológica  (FM:  47). “O que salvou as indústrias eletrônicas norte­americanas – 

que   trabalhavam  para  o  Ministério   de  Defesa  –  da   rápida  obsolescência   foi   sua   relativa 

abertura à concorrência” (FM: 48). No caso da URSS, a ausência de concorrência interna ou 

externa aliviava qualquer tipo de pressão sobre as empresas soviéticas para buscar inovações 

em um ritmo mais acelerado (FM: 51). O isolamento internacional protegeu a produção, mas 

ao  mesmo  tempo   impossibilitou  a  concorrência  na  economia  mundial,   logo no  momento 

histórico  da   formação de um sistema global  e   interdependente   (FM:  40.  Para  Castells,  o 

estatismo soviético impossibilitou “o processo de inovação espontânea pelo uso e interação 

em rede que caracterizam o paradigma da tecnologia da informação”.  No âmago da crise 

tecnológica da União Soviética residiria a lógica fundamental do sistema estatista: prioridade 

do poderio militar, controle de informações, planejamento central, isolamento, incapacidade 

de modernização de segmentos parciais (FM: 56). Na visão de Castells, “paradoxalmente, um 

sistema construído sob a égide do desenvolvimento das forças produtivas não foi capaz de 

ingressar na mais importante revolução tecnológica da história da humanidade” (FM: 86). A 

sua resposta para o enigma da crise soviética é que ela é “expressão da incapacidade estrutural 

do   estatismo   e   da   versão   soviética   do   industrialismo   de   assegurar   a  transição   para   a 

sociedade da informação”. “O último quarto do século XX tem sido marcado pela transição 

do industrialismo para o informacionalismo e da sociedade industrial para a sociedade em 

rede,   tanto   para   o   capitalismo   como   para   o   estatismo,   concomitantemente   à   revolução 

promovida pela tecnologia da informação” (FM: 27).

Vimos que tanto Kurz quanto Castells apontam para a questão da produtividade como 

fator central do colapso da experiência soviética. No entanto, a semelhança da análise fica só 

no nível fenomênico. O exame isolado da crise final do socialismo real deixa de reconhecer a 

lógica de crise do próprio princípio da concorrência (Kurz, 1992: 89­90). Ao não transcender 

o sistema produtor de mercadorias, “aqueles que realmente se despediram das velhas ilusões 

[do socialismo real] trocaram­nas por  ilusões  novas”, e não percebem que se trata de “duas 

ruínas da modernidade decaídas em graus diferentes”. Por trás dessa ilusão “oculta­se uma 

109

concepção de formações sociais que procura a origem destas em 'modelos' certos ou errados” 

(idem: 141­3). 

Estatismo e capitalismo são os dois modos de produção que Castells diferencia. No 

estatismo “o controle do excedente é externo à esfera econômica: fica nas mãos dos detentores 

do poder estatal”, e visa “a maximização do poder, ou seja, o aumento da capacidade militar e 

ideológica do aparato político para impor seus objetivos sobre um número maior de sujeitos e 

nos níveis mais profundos de seu inconsciente” (SR: 53). Ao atribuir as debilidades soviéticas 

ao modo de produção estatista, Castells não percebe que os déficits do socialismo real “já são 

um   resultado   histórico   das   contradições   capitalistas”.   Aquele   “paradoxo   histórico”   da 

necessidade de eliminar a concorrência interna para subsistir na concorrência externa mostra 

que eliminar ou não a concorrência não se deveu a simples decisões de política institucional. 

Como não foi um simples erro, não pode ser simplesmente corrigido. 

Vincent Descombes denunciava que o modelo de análise althusseriano permitia, em 

nome da autonomia relativa das instâncias do modo de produção, preservar na análise a base 

socialista   da   URSS,   e   assim,  salvar   o   modelo   econômico   soviético,   dissociado   de   uma 

realidade política autonomizada e contestável. Essa era a utilidade que podia representar o 

estruturalismo para um marxismo a renovar mas que pudesse continuar considerando a União 

Soviética um pais socialista (Dosse, 1993: 331). Numa análise contrária, Bettelheim analisava 

o restabelecimento do modo de produção capitalista na URSS, pois deduzia a dominância 

capitalista da formação social pela invariante da separação entre produtores e detentores dos 

meios de produção. Junto a Robert Linhart, quem mostrava a oposição entre a construção de 

uma realidade socialista e a aplicação do taylorismo, questionavam a neutralidade das forças 

produtivas (idem: 349­50).

A  autonomia   relativa   funciona   agora   na   concepção   de   formações   sociais   do   ex­

althusseriano  Castells  na  distinção  entre  modo  de  produção  e  modo  de  desenvolvimento. 

Permite renovar­se do marxismo e legitimar o caráter progressista do modelo econômico do 

capitalismo informacional, dissociado de uma realidade política autonomizada e contestável.

110

Um padrão recorrente de desenvolvimento e a questão da transição

Castells procura compreender o 'padrão recorrente de desenvolvimento' operante no 

mundo, e para isso lança um olhar na Ásia, nos seus sucessos e fracassos. Para concorrer no 

âmbito global, “uma forte base tecnológica se torna um elemento fundamental”. O paradigma 

informacional “requer uma rede aberta e não censurada de interação e feedback” (FM: 371). 

Em relação às semelhanças entre os  tigres asiáticos, que permitem pensar em um 'padrão 

recorrente' para compreender os novos processos históricos de desenvolvimento, Castells não 

encontra   nenhuma   estrutura   industrial   específica.   As   características   comuns   são: 

adaptabilidade e flexibilidade das empresas e das políticas para encaminhamento da demanda 

dos   mercados   mundiais.   Destaca­se   a   capacidade   de   adaptação   dessas   economias   ao 

paradigma informacional e ao padrão da economia global em constante mudança. O papel 

decisivo de P&D e dos setores de alta tecnologia. A “incorporação periférica para a economia 

global em um posicionamento mais dinâmico e competitivo, em atividades geradoras de maior 

valor”. O mais significativo de todos os elementos em comum é para Castells “o papel do 

Estado no processo de desenvolvimento”127. 

O lema geral parece ser para Castells que a “competitividade não resulta da 'escolha 

dos vencedores', mas da aprendizagem de como vencer” (FM: 318­21). 

(Esse lema resume bem sua busca tautológica e infecunda por receitas em experiências 

que nem deram certo. Mas a cruel realidade às vezes se impõe até para aqueles que levantam 

contra tudo e todos a bandeira da esperança, e Castells deve abordar os processos de colapso, 

recessão, falência que sofreu essa região a finais dos anos 90).

Para   Castells  “na   base   da   crise   asiática   encontrava­se   a   perda   da   confiança   dos 

investidores   e   a  repentina  falta   de   credibilidade   das   moedas   e   valores   mobiliários   nos 

mercados financeiros globais” e “o que desencadeou a crise foi a brutal inversão do sentido 

127 “Quando   o   projeto   societal   respeita   os   parâmetros   mais   abrangentes   da   ordem   social   (por   exemplo, capitalismo global), mas visa a transformações fundamentais da ordem econômica (independentemente dos interesses   ou   desejos   da   sociedade   civil),   proponho   a   hipótese   de   que   estamos   diante   do  Estado desenvolvimentista. A expressão histórica de tal projeto societal em geral toma a forma [...] de construção ou reconstrução da identidade nacional” (FM: 323).

111

dos fluxos de capital”. O caráter repentino da base da explicação da crise denuncia que o que 

Castells apresenta como explicação das crises não passa de uma mera descrição fenomênica e 

parcial  de sua manifestação. Daí  que  essa crise  estrutural não implicasse para Castells  “a 

interrupção do desenvolvimento capitalista  na Bacia do Pacífico” e  levasse a prognosticar 

“nova rodada de crescimento econômico” (FM: 252). Para Castells o mesmo fator explicava o 

sucesso e o fracasso da região: a falta de regulamentação legal e a interferência governamental 

tinham sido, no início, as causas determinantes do investimento do capital sem precedentes na 

Ásia.   Mas   agora   “o   sistema   institucional   que   era   a   fonte   do   milagre   asiático,   o   Estado 

desenvolvimentista,   tornou­se  o  obstáculo  para   o  novo  estágio  de   integração  global   e  de 

desenvolvimento   capitalista   na   economia   asiática”   (FM:  256­7).   Assim,   analisando   a 

experiência japonesa, ele encontra uma incompatibilidade entre o Estado desenvolvimentista e 

“a Sociedade da Informação que esse Estado decisivamente ajudou a criar” (FM: 286). Mas 

isso não o leva a recusar a própria intervenção do Estado. Constata­se que “a diversidade 

econômica e a especificidade institucional levaram a resultados muito diferentes no impacto 

da crise e de suas consequências” (FM: 254). Tratar­se­ia de ver quais políticas se mostrariam 

“efetivas para a superação da crise financeira asiática” e que poderiam “refletir nas políticas 

econômicas   do   resto   do   mundo,   levando,   talvez,   a   uma   modificação  do  próprio  modelo 

capitalista”   (FM:  252).   Assim,   percebe­se   que   “fragilidades   institucionais   são   fatores 

decisivos na resistência diferencial de economias nacionais aos efeitos destrutivos do sistema 

financeiro global” (FM: 339­40), e que “o que parece ter sido básico para o sucesso inicial da 

China  na  superação  da  crise   financeira   foi  o  keynesianismo em grande escala,  protegido 

contra fluxos financeiros destrutivos e conduzido pelo governo mediante controles monetários 

e administração de políticas comerciais” (FM: 364).

Kurz (Cfr. 1995) analisou o nascimento, pela superacumulação estrutural, inclusive nas 

economias  à  beira  do  colapso,  do  'capitalismo de cassino',  privado de  uma solidez   real 

baseada nas respectivas economias nacionais. A partir dos anos 80 esse capitalismo de cassino 

se internacionalizou não só como globalização dos mercados financeiros especulativos, mas 

também como criação de 'circuitos deficitários internacionais'. Os dois mais importantes: o 

capital financeiro da Alemanha em relação com a União Europeia e o do Leste asiático em 

relação aos EUA. Através do duplo déficit do endividamento externo e da balança comercial 

112

negativa, os Estados Unidos tornaram­se a esponja de dupla face da economia mundial: por 

um lado, eles sugam o capital monetário estrangeiro e, por outro, pagam com este dinheiro 

emprestado os seus gigantescos excedentes nas importações, sugando uma massa enorme de 

produtos industriais externos. A industrialização asiática é uma expansão fordista simulada 

por meio do megacircuito deficitário do Pacífico. Nos super­investimentos financiados com o 

pseudo­boom do capitalismo de cassino é  que se esconde o “pequeno segredinho sujo do 

grande   sucesso   japonês”,   e   não   primordialmente   numa   “inovação   tecnológica   ou 

organizacional específica”. 

Desconhecer essas causas do pseudo­sucesso e do fracasso desses desenvolvimentos 

periféricos   leva  Castells   a   uma  noção  de  crise   estrutural  que   se   refere  ao  modelo  de 

desenvolvimento  e não ao modo de produção. Assim, Castells adverte que “o Japão estava 

passando por uma crise estrutural de seu modelo de desenvolvimento desde o início dos anos 

90”128. O autor faz explícito que sua interpretação da crise asiática é feita “de acordo com a 

teoria do capitalismo informacional global” (FM: 255­6).

A noção de modo de desenvolvimento presta seu serviço aqui na “cronologia oficial da 

crise” de Castells para restringir a explicação da crise e as suas possíveis saídas num nível 

institucional. Daí, as contradições, catástrofes, colapsos passam a ser atribuídos ao processo 

de transição  não só no caso da União Soviética, mas para todas as regiões do mundo129. A 

transição  para   a  Era  da   Informação  é   incorporada  na   série   dos   “momentos  de   transição 

histórica, frequentemente articulados no cerne de instituições decadentes e modelos políticos 

desgastados (PI:  426).  Mas a sociedade informacional não aparece comprometida com as 

instituições decadentes e os modelos políticos desgastados. Estes são o passado, ela é o futuro 

que começa a se efetivar. Trata­se de superar a fase traumática da transição130. 

128 E na África “nos anos 70, com a crise e a reestruturação do capitalismo, o modelo de desenvolvimento do continente entrou em colapso, sendo necessária, no final da década, uma saída alternativa para a crise por parte dos credores externos e instituições internacionais” (FM: 138) 

129 “O destino da Europa, em última análise, dependerá (como nas demais regiões do mundo) da resolução dos enigmas históricos decorrentes da transição ao informacionalismo e da mudança do Estado­nação para uma nova interação entre as nações e o Estado, sob a forma do Estado em rede” (FM: 21). 

130 Beinstein (1999: 275­8) chamou “conceito de crise neoliberal” à explicação da crise enquanto adaptação à globalização e seu pacote tecnológico, enquanto crise de crescimento, enquanto inadaptações às mudanças de estruturas econômicas e sociais. Kurz (1992: 160) também notou que os novos profetas da economia de mercado atribuem todos os  fenômenos de crise atuais “à  carga hereditária   lamentavelmente pesada das estruturas 'pré­revolucionárias'”, a processos de adaptação dolorosos na transição ao modelo certo.

113

A deterioração das condições de trabalho e de vida, a queda dos salários e aumento da 

desigualdade,   o   desemprego,   o   subemprego   e   segmentação,   a   desvalorização,   a 

marginalização, que acompanham essa transição, “não se originam da lógica estrutural  do 

paradigma   informacional   mas   são   resultado   da  reestruturação   atual  das   relações   capital­

trabalho,   com   a   ajuda   das   poderosas   ferramentas   oferecidas   pelas   novas   tecnologias   da 

informação e facilitadas por uma nova forma organizacional, a empresa em rede”. O potencial 

das   tecnologias   da   informação   podem   propiciar   “simultaneamente   maior   produtividade, 

melhor qualidade de vida e maior nível de emprego”. Mas “as  trajetórias tecnológicas estão 

'travadas',  e a sociedade informacional pode se  tornar ao mesmo tempo  (sem necessidade 

tecnológica ou histórica para tanto) uma sociedade dual” (SR: 345). 

Para Castells  não há necessidade tecnológica nem histórica para a não efetivação 

das   promessas   da   tecnologia.   Não­necessidade   tecnológica,   podemos   supor,   pela 

versatilidade  analisada   das   próprias   tecnologias   que   trazem   em   si   uma   promessa   de 

flexibilidade. Não­necessidade histórica, pela recusa a qualquer tipo de teleologia no processo 

social.  A dualidade estrutural   transforma­se em dualidade conjuntural,  não­necessária.  Por 

isso, Castells encontra, por exemplo, uma relação sistêmica entre a destruição de vidas em um 

grande segmento da população infantil do mundo e as 'características  atuais'  do capitalismo 

informacional. Isso permite não endossar a causa dos fenômenos de exclusão à estrutura do 

sistema em si,  mas à   “lógica  de  mercado  irrestrito  e  desregulamentado  inserida  em uma 

economia global e conectada em rede, capacitada pelas tecnologias de informação avançada” 

(FM: 188­191). O problema da lógica excludente do capitalismo é para Castells que “milhões 

de   pessoas   e   grandes   regiões   do   planeta   estão   sendo   excluídas   dos   benefícios   do 

informacionalismo” (FM: 20). As tendências parecem ser tenebrosas...  “a menos que ocorra 

uma mudança nas leis que regem o universo informacional do capitalismo, pois, ao contrário 

das   forças  cósmicas,  a  ação deliberada do homem  pode  efetivamente mudar  as   regras  da 

estrutura social, inclusive as que levam à exclusão social” (FM: 192).

114

Livros do período:

1995: The Collapse of Soviet Communism: a View from the Information Society1997: Local y Global1996: A Era da Informação: economia, sociedade e cultura. I: A sociedade em rede. 1997: A Era da Informação: economia, sociedade e cultura. II: O poder da identidade.1998: A Era da Informação: economia, sociedade e cultura. III: O fim do milênio. 

115

5. 2000 em diante: desenvolvimentismo informacional

A crise aprofunda­se. Em 2008, estoura no centro. Beinstein (2008), que previra uma 

década atrás a morte terminal da ilusão do desenvolvimento periférico, atenta novamente para 

as  tentativas  ideológicas de descrever a crise.  Ela apareceu primeiro sob a forma de uma 

turbulência financeira empurrada pelo estouro da bolha imobiliária norte­americana e com 

previsão   de   curta   duração.   Surge   então   uma   primeira   “teoria   da   separação  geográfica” 

segundo a qual certas regiões centrais ou emergentes estariam resguardadas da tormenta. A 

recessão generalizada acabou com essa teoria de vida efêmera.  Mas segundo Beinstein fica 

em pé   a   ideia  da  “separação  setorial”,   isto  é,   a  dissociação e  explicação  superficial   (ou 

mesmo desconsideração) das crises financeira, energética, ambiental, alimentar, econômica, 

tecnológica, em curso. Contra a irrupção de “teorias financeiras da crise”, Beinstein (1999: 

277) tinha mostrado o vínculo entre a hipertrofia financeira e a desaceleração a longo prazo 

do crescimento global. A perda de vitalidade do capitalismo tinha impulsado o endividamento 

e a financeirização. O câncer financeiro fazia parte de uma patologia econômica.

Vale ainda para esta década o que Beinstein (idem: 42­3 e 110) analisara no final dos 

anos 90: enquanto a crise se estende, “aumenta a dissociação entre o discurso liberal e a 

realidade”.  e   tudo o que acontece,  qualquer  que  seja  o  conteúdo,  é   apresentado como a 

confirmação do inexorável cumprimento do destino. As crises são descritas como passageiras 

e  as  vítimas são culpadas  de  suas  desgraças  pelo “delito  de obsolescência,  de resistência 

conservadora à mudança”. “Os discursos neoliberais cumpriram a missão de bloquear com 

seu barulho qualquer indagação racional e isso porque o que tinha que ocultar era grande 

demais”.

* * * * *

Resultado de dois anos e meio de trabalho, e sob convite da Oxford University Press, 

Castells   (Cfr.   2003:   20)   publica   em   2001  The   Internet   Galaxy.   Ali   afirma   que   dada   a 

integração   econômica   e   tecnológica   global,   é   tarde   demais   para   pensar   em   “modelos 

116

alternativos de desenvolvimento, que exigissem menos tecnologia e gerassem provavelmente 

menores ganhos de produtividade e melhora material mais lenta”. A economia e o sistema de 

informação baseados na Internet “limitaram as  trajetórias de desenvolvimento num âmbito 

estreito”. Assim, analisa que “uma vez feita a opção de participar das redes globais, a lógica 

da  produção,   competição   e   administração  baseada  na   Internet  é   um  pré­requisito   para   a 

prosperidade, a liberdade e a autonomia” (2001: 220). Mas, no inicio da Era da Informação, 

percebe por todo o mundo uma “extraordinária  sensação de desconforto  com os processos 

atuais  de mudança conduzida pela   tecnologia,  que ameaçam gerar  um efeito  bumerangue 

generalizado”. Assim, “a menos que enfrentemos essa sensação, sua exacerbação pode de fato 

destruir   as  promessas   dessa   nova   economia   e   dessa   nova   sociedade  nascidas   da 

engenhosidade tecnológica e da criatividade cultural” (idem: 225). Ali parece estar formulado 

implicitamente seu plano de ação para a década. 

O percurso de Castells no século XXI é fundamentalmente um desdobramento de sua 

trilogia,  um aprofundamento de suas   formulações  e  a  sua aplicação a  casos  concretos.  O 

objetivo:   salvar   as   promessas   da   nova   economia   e   da   nova   sociedade,   enfrentando   as 

sensações de desconforto131. 

Levando   em   consideração   a   oscilação   apontada   por   Beinstein   (1999:   39)   na 

“cronologia   oficial   da   crise”   entre   admiração   e   desprezo   das   experiências   modelo,   ora 

idealizadas,  ora  consideradas   “ineficazes,  preguiçosas,   irracionais”,  podemos  perceber   em 

Castells um esforço por encontrar na experiência histórica concreta o seu modelo de inovação. 

A União Soviética conseguiu se desenvolver até os anos 60 mas não conseguiu de adequar 

depois ao informacionalismo. Os sucessos e fracassos do desenvolvimento asiático mostravam 

para Castells as tentativas dessa adaptação. 

O   autor   embarcará   numa  busca   permanente   pelo   modelo   ideal   para   o 

desenvolvimento das forças produtivas.  Sendo que a concorrência “não se dá mais entre 

nações, mas entre empresas e entre indivíduos” para Castells agora “a questão real é: quais são 

os   territórios   onde   nós   valiosos   de   redes   globais   de   riqueza   e   conhecimento   tendem   a 

131 Uma olhada   rápida  e   cronológica  nos   títulos  dos   livros  de  Castells,   já  permite  perceber  o   sentido  do percurso.   Os   termos   crise   e   classe   dos   anos   70   dão   lugar   a   termos   como   globalização,   democracia, desenvolvimento.   Os   livros   recentes   em   que   participa   como   organizador   são   já   uma   aplicação desenvolvimentista de suas pesquisas teóricas e empíricas.

117

construir   seus   ambientes   propícios   [conducive   environments]”.   i.e.   Londres,   Estocolmo, 

Helsinque, Copenhague, Paris (Castells, 2003: 33). 

Nessa procura ganha destaque a noção de  “meio de inovação”, que já vinha sendo 

elaborada  na   sua  obra.  Na  Sociedade  em  Rede  caracterizava  o  “meio  de   inovação”  pela 

“capacidade de gerar sinergia, isto é, o valor agregado resultante não do efeito cumulativo dos 

elementos  presentes  no meio,  mas de sua  interação.  Os meios  de   inovação são as   fontes 

fundamentais de inovação e geração de valor agregado no processo de produção industrial da 

era da informação” (SR: 478).

Em 2003, ao se perguntar pela causa da concentração territorial da inovação, remete 

também à estrutura dos 'meios de inovação': “Há uma interação social, e uma série de valores, 

e de instituições e organizações que criam as condições para a sinergia – a fonte de inovação, 

de   criatividade,   e   de   produtividade.   Porque   esse   conhecimento   e   criatividade   produzem 

riqueza   [wealth],   essa   riqueza   está   concentrada   espacialmente,   e   oferece   maiores 

possibilidades de avanço pessoal e bem­estar social” (2003: 27).

Nessa   preocupação,   aparentemente   só   analítica,   Castells   trata   de  compreender   a 

medida da riqueza para torná­la receita. 

Estações no trem da esperança: Silicon Valley, Finlândia

O primeiro caso exemplar de inovação  é  Silicon Valley. Lembremos que essa região 

tinha chamado a atenção de Castells nos anos 80, “explodindo com inventividade [ingenuity] 

tecnológica, inovação empresarial, e mudança cultural”, e que o tinha levado a trabalhar na 

“relação entre tecnologia, economia e sociedade” (2003: 8­20). 

Na procura da receita da inovação, busca ingredientes na  habilidade diferencial dos 

EUA de “prosperar no novo paradigma tecno­econômico”: a abertura à imigração132; o sistema 

universitário, “fonte de conhecimento e educação, e portanto de riqueza e poder, na era da 

informação”133; a junção dos hackers, fonte de inovação, e dos empreendedores, conversão da 

132 É um sistema de inovação dependente da imigração (foreign­born innovation). Os EUA absorvem mais de 200.000 novos imigrantes altamente qualificados por ano (2003: 32). 

133 Trata­se de universidades “muito produtivas e muito úteis” e de uma “relação sinergística entre universidade – negócios – e programas financiados pelo governo” (2003: 39).

118

inovação em negócio; a existência de redes de capital  de risco,  “o coração do sistema de 

inovação na nova economia”134.

Mas, numa oscilação entre admiração e desprezo, na entrada do século XXI, o modelo 

Silicon Valley já não convence a Castells. Agora, é uma “cultura do risco – com custos sociais 

consideráveis,   grande   desigualdade   social   e   deterioração   do   capital   humano   gerado 

localmente  na   infra­estrutura  econômica”   (2002:  242).  Ainda,  a  “América   tem problemas 

sociais assombrosos e atraso na educação em geral” (2003: 115). Nos EUA, falta um “Estado 

de bem­estar moderno”, “base da produtividade na economia do conhecimento, e também a 

base da estabilidade social” (idem: 116).

Ora, Castells reconhecia na trilogia a dificuldade de preservar o Estado do bem­estar 

social pela instabilidade fiscal do Estado135. Como justificar agora a factibilidade do Estado de 

bem­estar como modelo? 

Em 2002 Castells e Pekka Himanen publicam The information society and the welfare 

state: the Finnish model. Apontando para o declínio do Estado de Bem­estar como causa da 

crescente injustiça social no mundo, pretendem demostrar a possibilidade de um Estado de 

Bem­estar   informacional,   cujo   núcleo   seria   um  círculo   virtuoso  no   qual   a   economia 

informacional e o Estado de Bem­estar se alimentam reciprocamente. O modelo finlandês é 

um   exemplo   de   como   poderia   ser   na   prática   o   modelo   de  Estado   de   Bem­Estar 

informacional, e explica os “baixos níveis de injustiça e exclusão social da Finlândia” (2002: 

115­7)136. Castells aponta para uma contradição entre os objetivos da era da informação e as 

estruturas da era industrial do Estado de bem­estar. O Estado de Bem­Estar informacional 

134 Trata­se de “uma organização flexível que reage às tendências da tecnologia e do mercado enquanto vão aparecendo,   e   constroem   projetos   de   negócio   de   alto   risco/alto   retorno   [reward].   É   obvio   que   muitos fracassam (ao redor do 40 por cento em Silicon Valley), mas ainda os fracassos estão cheios de lições, e o resultado geral é uma explosão contínua de inovação. Essa é a fonte real da superioridade da Silicon Valley e da nova  economia americana em geral” (2003: 37­41). Lembremos que o lema é “aprender a vencer”.

135 Assinalava a “dificuldade de preservar o Estado do bem­estar social europeu em sua forma atual [pois] a busca por flexibilidade nos mercados de trabalho e o processo de desinvestimento na Europa reduzem a base de emprego de que a estabilidade fiscal do Estado do bem­estar social depende” (FM: 399). 

136 Curiosamente, na edição em português se traduziu  virtuous circle  como círculo vicioso, um erro que não deixa de ser sintomático (no original em inglês pode ser conferido o uso da expressão virtuous circle. Cfr. Castells,   Himanen.  The   information   society   and   the   welfare   state:   the   Finnish   model.   Oxford,   p.80. Disponível   em:  http://books.google.com.br/books?id=pi_gUWYecb8C&printsec=frontcover&source=gbs_v2_summary_r&cad=0).

119

vem a ser superação dessa contradição, uma renovação através de uma organização em rede 

mais   dinâmica   (idem:   147).   Trata­se   de   uma   “relação   dinâmica   entre   a   economia   e   a 

sociedade,   mediada   pelo   Estado”   (idem:   204)   na   qual   “a   economia   informacional   e   a 

Sociedade da Informação alimentam­se mutuamente, numa espiral ascendente de criatividade 

cultural e de criação de riqueza” (idem: 211). Em contraposição ao modelo de Silicon Valley, 

o modelo da Finlândia é construído como sendo a “opção das pessoas” (idem: 217).

Castells pretende demostrar a virtuosidade do vínculo pela necessidade mutua entre a 

Sociedade informacional e o Estado de bem­estar: a sociedade informacional cria as bases 

financeiras para o Estado de Bem­Estar137 e o Estado de Bem­estar legitima a globalização e 

fornece força de trabalho informacional138. 

O que  confere para  Castells  uma  importante  vantagem competitiva  nacional  e  que 

sustenta essa espiral ascendente de criatividade cultural e criação de riqueza são as inovações 

do próprio sistema de inovação (idem: 65). O modelo de inovação finlandês inclui: um sistema 

universitário, gratuito e com bolsa de estudos (idem:  103); investimento em investigação e 

desenvolvimento139  direcionado   para   empreendimentos   empresariais140;   um   papel   ativo   do 

Estado finlandês “na liberalização, desregulamentação e privatização – embora não levado ao 

extremo” (idem:  75)141.  Assim,  “o  sector  público cria  “as  condições  para  os  outros  atores 

fundamentais do sistema de inovação: as empresas” (idem: 81)142. Outro ator importante para 

137 “A sociedade informacional cria as bases financeiras para o Estado­Providência. Sem as receitas fiscais, a sociedade não poderia financiá­lo. E sem uma maior produtividade, os impostos demasiado elevados não seriam suportáveis. A sociedade da informação precisa desta forma de crescimento mais rápido do que os custos do Estado­Providência” “uma economia­informacional bem­sucedida é um requisito para um Estado­Providência generoso” (2002: 125).

138 “Dada a actual forte oposição à globalização, poderia ocorrer que sem uma dimensão de bem­estar social mais   forte,   a   economia   informacional   tivesse   que   enfrentar   uma   oposição   tão   dura   que   o   seu desenvolvimento tornar­se­ia extremamente volátil ou insustentável. Desta forma, a economia informacional global poderia ter como requisito um tipo determinado de Estado­Providência” que “garanta um número suficiente de pessoas altamente qualificadas e em boa forma para trabalhar na economia informacional” (2002: 126­7).

139 Seria líder mundial na percentagem do PIB (3,2%) (idem: 68).140 O “Fundo Nacional Finlandês para a Investigação e o Desenvolvimento” (Sitra) um “capitalista público”, 

“deixou de financiar a investigação e desenvolvimento tecnológico per se, convertendo­se numa instituição de capital de risco que financia as fases iniciais e de expansão das empresas tecnológicas recentemente criadas” (idem: 73).

141 “Favoreceu   os   standards   abertos   de   modo   a   conferir   uma   vantagem   competitiva   às   empresas   de telecomunicações   finlandesas”,   “standard   para   telemóveis”,   “tornou   o   seu   desenvolvimento   altamente competitivo: a Nokia e a Ericsson viram­se obrigadas a competir entre si e com outras grandes empresas” (idem: 76­8).

142 A empresa Nokia aparece nesse sentido como “expressão colectiva do conhecimento especializado finlandês em tecnologia de  telecomunicações”,  “cariz  de um verdadeiro projeto nacional”,  “exemplo de como as empresas privadas, dispondo da base financeira necessária, transformaram o know­how finlandês (criado 

120

Castells é a sociedade civil que teve um papel crucial na transformação da rede num medium 

social  e no desenvolvimento de um “novo sistema de inovação: o modelo de  open­source” 

(idem: 92)143. Esse novo modelo de inovação pode vir a ser para Castells “uma das inovações 

mais radicais da revolução de inovação em Tecnologias de Informação” (idem: 102­3). Isso 

tem a ver com sua percepção de que “na economia informacional, as inovações nos processos 

e na organização são tão importantes como a inovação dos produtos” (idem: 42). 

Receitas para o desenvolvimento multicultural na periferia

Beinstein   (1999:   55)   aponta   que   a  semiperiferia  cumpre   funções   econômicas 

extremamente úteis à reprodução do sistema internacional, mas também um papel ideológico 

de   legitimação   cultural   da   economia   de   mercado,   como   exemplos   de   aproximação   ao 

desenvolvimento.   A   Finlândia   serve   em   Castells   como   verdadeira   isca   na   promessa   da 

aplicação do paradigma informacional em países estagnados ou em desenvolvimento. Não é 

casual que o interesse excepcional da Finlândia resida, para Castells (2003: 41­3), no fato de 

que passou em 50 anos de “periferia pobre da Europa” a “sociedade da informação número 

um” segundo a ONU, e a “economia mais competitiva do mundo”, segundo o ranking do 

World Economic Forum. Tornou­se um país líder em 'electronic manufacturing services', e um 

“grande   centro  de   inovação   tecnológica,   empenhado   numa  pesquisa   constante   por   novos 

produtos e novos serviços”. 

No modelo da Finlândia o autor quer esconder a dimensão normativa por trás de uma 

dimensão analítica. Simplesmente afirma mostrar a existência de uma pluralidade de modelos 

possíveis144.

pelas universidades e difundido pelas empresas públicas) em produtos” (idem: 86). A Nokia “considera que se deve centrar na investigação orientada para o desenvolvimento e que a investigação básica compete às universidades.  A sua   tarefa  é  dispor  de  uma rede  de   ligação àquelas  para  partilhar  diferentes   tipos  de conhecimento, “oportunidade de atrair os melhores talentos” (idem: 47­8).

143 Castells assinala também a transformação pelos hackers universitários da rede num  medium social, ou a “vibrante cultura de mensagens escritas criada pelos finlandeses” e que surpreendeu à Nokia (idem: 88­92). “o mais célebre dos hackers finlandeses é,  sem dúvida,  Linus Torvald,  criador do sistema operativo de código aberto, Linux”; “a mais importante inovação do Linux não é técnica mas sim social [...] projeto que levou mais longe o modelo de código aberto” (idem: 99­101).

144 “O objectivo do nosso livro é analítico e não normativo [...] para o que na verdade serve o exemplo real do modelo finlandês é, precisamente, desmistificar a ideia de que pode existir um único modelo [...] Dentro do 

121

Trata­se   de   uma  neutralidade   axiológica   que   está   ao   serviço   da  ilusão   de   uma 

expansão universalmente virtuosa desse paradigma145. No fundo, o modelo único que está se 

mistificando é o próprio paradigma tecno­econômico informacional. 

Assim,   ainda   reconhecendo  que   conta   com “circunstâncias   históricas   que  não   são 

reproduzíveis”, para Castells (2002: 245­6) o modelo finlandês “oferece alguma esperança a 

países atualmente estagnados  em níveis de desenvolvimento muito inferiores, em todo o 

mundo [pois] a capacidade de dar um salto, em meio século, desde as profundezas do atraso 

econômico até à vanguarda do desenvolvimento informacional, mostra que não é o destino 

histórico mais o  esforço humano  que conta nas formas como as sociedades e as pessoas 

melhoram as suas vidas e projetos”146.

Para Castells, o caminho do desenvolvimento tecnológico já foi traçado, estamos diante 

de uma necessidade inexorável de nos adaptarmos ao novo modelo de desenvolvimento, o 

modelo de desenvolvimento informacional. No entanto, a diferenciação das sociedades ainda 

é  possível  na dimensão cultural  ou  institucional147.  É  a  essa  dimensão que afinal  Castells 

restringe sua “deliberada obsessão pelo multiculturalismo”, sua tentativa de “romper com a 

abordagem   etnocêntrica”   na   análise   do   processo   de   globalização   (PI:  19).  The   Network 

Society: a Cross­Cultural Perspective, de 2004, consiste exatamente em uma “série de estudos 

mesmo paradigma  tecno­económico  (informacionalismo),  existe  uma margem considerável  para  opções políticas baseadas em valores” (Castells, 2002: 13). 

145 “A sociedade em rede é  a estrutura social  dominante do planeta,  que vai absorvendo aos poucos outras formas de ser e de existir. Isso, em si mesmo, não é bom nem ruim: é” (Castells, 2007: 17).

146 Enfatizando o poder da ação deliberada do homem, Castells apaga o peso objetivo das leis tendenciais. Kurz (1992: 55 e 171­172) denuncia essa concepção abstrata “autonomia da ação”: “é   inútil  e absurdo querer discutir e argumentar com as leis estruturais da produção de mercadorias, como se se tratasse de um sujeito consciente”; isso responde à projeção iluminista do sujeito, de ser capaz apenas de criticar como sujeitos os 'capitalistas'   e  não  o   capital   enquanto   'sujeito   automático'.  A  atuação  das   leis  do   sistema  produtor  de mercadorias  pode   ser   suprimida   “somente   junto   com os   fundamentos  da   forma­mercadoria  da  própria reprodução social”.

147 “Todas as sociedades da Era da Informação são, sem dúvida, penetradas com diferente intensidade pela lógica difusa da sociedade em rede, cuja expansão dinâmica aos poucos absorve e supera as formas sociais preexistentes” (FM: 427). “A exclusividade japonesa ou as diferenças da Espanha não vão desaparecer em um processo de não­diferenciação cultural, nessa nova trajetória para a modernização universal, desta vez medida por índices de difusão de computadores”(2003a: 57). A experiência de desenvolvimento do Japão seria  uma “poderosa demonstração de viabilidade histórica de modernização sem ocidentalização”(FM: 259). E a “entrada da China na economia global capitalista e no paradigma informacional” (FM: 352), faz com que ela compartilhe “os riscos e riquezas do capitalismo global”, mas que ainda ostente “características socialistas marcantes” (FM: 373). “a sociedade em rede se desenvolve em cada país segundo a história, a cultura, a identidade e o modo de vida desse país” (2007: 26).

122

sobre   a   variação   institucional   e   cultural   do   modelo   informacional   em   distintas   áreas   do 

mundo” (2005: 160). 

O multiculturalismo é aqui uma “sofisticação de fachada”148.  Em Race et Histoire  de 

1952, Lévi­Strauss atacou os fundamentos do eurocentrismo criticando a “teleologia baseada 

na reprodução do mesmo e opõe­lhe a ideia da diversidade das culturas, a irredutibilidade da 

diferença”. Roger Caillois, criticou essa abordagem ao perceber que é no momento em que “a 

história   torna­se efetivamente planetária,  que a pesquisa erudita  e a  sensibilidade coletiva 

valorizam a pluralidade, a irredutibilidade das diferenças, no próprio instante em que essa 

pluralidade   se   dissipa”.   O   aparecimento   de   certas   filosofias   não   consistia   para   ele   num 

simples reflexo da época que as viu nascer mas vem a cumprir “o preenchimento de uma 

carência” (Cfr. Dosse, 1993: 155­6). Rosdolsky (2004: 519) aponta que “as teorias econômicas 

e   sociológicas  não existem no éter  do  conhecimento  puro,  mas  quase  sempre   respondem 

também a certas exigências sociais”.

O   discurso   do   culturalismo   e   o   “elogio  das   diversidades   herdadas”  é   simbolo  da 

senilidade do sistema que não tem nada mais a propor para 80% da população do planeta 

(Amin,  2002: 89­96).  De fato,  a questão crucial  não é  a  afirmação da  inexorabilidade de 

adaptação a um modelo tecno­econômico, mas a afirmação ilusória da factibilidade dessa 

adaptação.  Para  Castells   (2002:   4),   o   nível   de  desenvolvimento  dos  países   não  põe   em 

questão essa possibilidade,  só   incide no ritmo e o  grau da conversão:  “países  em todo o 

mundo   convertem­se   em   informacionais   a   ritmos   diferentes,   e   em   graus   fortemente 

divergentes,  de acordo com o seu nível de desenvolvimento”.  A diversidade de condições 

específicas é a maneira eufemística em que aparece a estrutura sistemática da desigualdade149.

Considerar   o   desenvolvimento   e   subdesenvolvimento   como   “inter­relação   de   dois 

aspectos específicos da dinâmica global que reproduz uma e outra vez essa heterogeneidade 

decisiva” desmente para Beinstein (1999: 56) as “tentativas conformistas por fazer da história 

contemporânea uma sorte de marcha heterogênea do progresso”, na qual,  desde diferentes 

148 “Ao brutalismo da realidade simplificada até  o osso, veio dar cobertura uma espécie de sofisticação de fachada” (Arantes, 2004: 161).

149 Para a Sociedade da Informação, existe uma “pluralidade de modelos sociais e culturais, do mesmo modo que  a   sociedade   industrial   se  desenvolveu   seguindo  diferentes  modelos  de  modernidade,   e   até  mesmo modelos  antagônicos,  por  exemplo  nos  Estados  Unidos  e  na  União  Soviética”;   tem “traços   estruturais comuns”.  “O significado  da Era  da  Informação é,  precisamente,  que se  trata  de uma realidade  global, diversa e multicultural” (Castells, 2002: 3­4). 

123

pontos, todos avançam. Vimos com Kurz (1995), a partir da questão do trabalho improdutivo 

em sentido relativo,  que na entrada em contato sem filtros entre sistemas industriais  com 

diversos níveis históricos de desenvolvimento o que ocorre é a aniquilação e a liquidação da 

produção não­contemporânea e pouco produtiva. Analisamos a insustentabilidade da  ilusão 

do desenvolvimento periférico. 

Castells deu uma palestra no BNDES no Brasil em 2002, que leva por título “O novo 

paradigma do desenvolvimento e suas instituições: conhecimento, tecnologia da informação e 

recursos humanos. Perspectiva comparada com referencia à América Latina”. Ali podemos 

ver  a   tradução  dessa  peculiar  dialética  de  universal­particular  para  o  desenvolvimento  da 

América Latina. O ponto central do seu argumento é o seguinte: 

“para poder redistribuir, primeiro os países precisam gerar riqueza150. Isso significa que a ênfase precisa   voltar,   como   nos   bons   tempos   da   economia  desenvolvimentista,   para   o   crescimento econômico fundamentado na produtividade e para a geração das condições dessa produtividade: o desenvolvimento das forças produtivas. O problema é que, hoje em dia, as forças produtivas não se medem em toneladas de aço nem em quilowatts, como diriam Henry Ford ou Lênin, mas na capacidade inovadora de gerar valor  agregado através  do conhecimento e da informação.  Esse modelo de crescimento econômico baseado no conhecimento é o mesmo em toda parte, como foi a industrialização no paradigma de desenvolvimento anterior [mas] a dinâmica do desenvolvimento tem que ser adaptada às condições específicas de cada sociedade e cada nível de desenvolvimento” (Castells, 2002b: 398).

Reconstruindo o encadeamento lógico: o desenvolvimento das forças produtivas é  a 

base do aumento da produtividade que é a base do crescimento econômico que é a base da 

geração da riqueza que é a base da possibilidade de redistribuir. Ainda, remete­se aos “bons 

tempos da economia desenvolvimentista” como antecedente reconhecido e assumido dessa 

matriz   de   pensamento.   Destacando   a   novidade   do   desenvolvimento   atual   das   forças 

produtivas,  onde ganham um lugar  privilegiado o conhecimento e  a   informação,  aplica  o 

esquema de unidade do modelo e especificidade das condições de cada sociedade, dentre as 

quais o nível de desenvolvimento. Ciente do “padrão muito desigual” no qual a nova economia 

está criando prosperidade,  Castells tenta responder à questão fundamental de como “difundir 

o   dinamismo”   ao   planeta   num   todo.   Defende   um   “novo   paradigma   desenvolvimentista”. 

Desenvolvimento significa aqui a “ capacidade de aumentar o valor produzido em cada nó, 

150 No Fim do Milênio tinha certa percepção do caráter repressor desse princípio, na Coreia do Sul: “o Estado também organizou a incorporação submissa da mão­de­obra na nova economia industrial, sob o princípio de primeiro produzir, depois redistribuir”. Foi um 'fator decisivo' e 'muito mais repressor' que os outros países do Pacífico asiático (FM: 302; itálica minha).

124

aumentando   a   competitividade   com   base   numa  produtividade  maior”.  A   competitividade 

baseada na produtividade não é para Castells o simples esforço de vender mais barato que os 

concorrentes,   o   que   acaba   gerando   um   círculo   vicioso.  Ele   acredita   que   através   do 

“desenvolvimento  informacional”,  “há  um circulo virtuoso de expansão da demanda e  da 

produtividade para todos”. Quais são os alicerces desse desenvolvimento? Os traços centrais 

desse paradigma repõem o modelo finlandês: inovação (tecnológica e organizacional como 

fonte  da  produtividade  e  da  competitividade;   financiamento   flexível   e   apoio   institucional 

como   bases   da   inovação   empresarial;   importância   do   sistema   universitário;   sólida   base 

tecnológica; uso da Internet na produção, venda e administração; destaca do modelo finlandês, 

seu  “duplo  papel,  desenvolvimentista  e   social”  baseado no  papel   fundamental  do  Estado. 

Acrescenta a dimensão chave da confiança: nos “países vulneráveis às inversões repentinas 

dos fluxos financeiros” é preciso ir “gerando confiança, juntamente com as expectativas”151.

A  despeito   de   reconhecer   a   facilidade  de   refutar   a   aplicabilidade  desses  modelos, 

Castells insiste na diversidade dos modelos e o caráter comum dos traços centrais e argumenta 

que a “diversidade num desempenho tecno­econômico igualmente dinâmico entre os países 

desenvolvidos” justifica a ideia de que “uma via diferencial similar pode e deve ser encontrada 

em níveis mais baixos de desenvolvimento”. Evidentemente, é um argumento insustentável, 

pois o problema reside exatamente na diferença de níveis de desenvolvimento. Assim, mesmo 

recusando uma resposta voluntarista, a possibilidade de desenvolvimento periférico segundo 

os padrões do sistema se sustenta só  pela necessidade de que isso aconteça.  Para Castells 

(2002b: 410) afirmar que esse desenvolvimento não é aplicável à América Latina “condenaria 

151 Segundo Fiori, os países que tentam uma adesão periférica à globalização, têm governos com uma margem estreita de ação (1997: 115), ditada pela “prioridade dos países apelidados de  'mercados emergentes'  de manter uma boa imagem internacional, com regras econômicas fixas e ausência de incerteza política”. Isso porque a única obra desses governos são os 'planos de estabilização', e esses planos dependem do capital externo (idem: 118).  A  confiança  para os mercados é justamente uma das palavras­de­ordem do governo Lula:  “A restauração do fluxo de crédito, a revitalização do comércio internacional e da  confiança nos mercados são os maiores desafios que a economia mundial enfrenta, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva”,   em:   “Economia   vive   'crise   de   confiança'   nas   áreas   de   crédito   e   comércio,   diz   Lula” (http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL1044756­9356,00­ECONOMIA+VIVE+CRISE+DE+CONFIANCA+NAS+AREAS+DE+CREDITO+E+COMERCIO+DIZ+LULA.html, 16/03/2009)“O presidente reconheceu a situação difícil, mas pediu aos empresários manterem a confiança e passarem esse   sentimento   para   o   mercado”   em   “Lula  pediu   para   empresas   manterem   a   confiança” (http://www.parana­online.com.br/editoria/economia/news/341785/?noticia=LULA+PEDIU+PARA+EMPRESAS+MANTEREM+A+CONFIANCA, 11/12/2008)

125

a maior parte da região a ficar marginalizada no processo atual de geração e apropriação de 

valor. Seria o equivalente a renunciar ao desenvolvimento industrial no início do século XX”. 

Paulo Arantes   (2004:  25­7 e 39­40)   reconstrói  a   fonte de frustrações  recorrentes  do mito 

fundador no Brasil, e dos países periféricos em geral, do encontro marcado com o futuro. O 

“temor de faltar ao nosso encontro marcado com a história” e de ficar fora dos “benefícios da 

Segunda  Revolução   Industrial”,  na  visão  por   exemplo  de  Joaquim Nabuco,   reaparece  em 

Castells. O encontro da hora é a economia informacional. Daí que a globalização segundo 

Castells   respire   “o  mesmo  ar   de   família   das   finadas   teorias   da  modernização   à   cata   de 

patologias superáveis nas sociedades periféricas”,  “expressão de uma  defasagem,  como nos 

bons tempos do progressismo funcionalista”.

De fato, os “obstáculos a superar” são analisados por Castells em termos de atraso, de 

desfasagem, típicos conceitos da perspectiva do sub­desenvolvimento: falta de modernização 

do   sistema   produtivo,   que   gera   uma   desfasagem   de   produtividade   com   as   economias 

avançadas dificultando a concorrência; falta substancial de ligação entre o sistema de P&D e o 

mundo empresarial; atraso na educação apesar das reformas e esforços das últimas décadas152; 

a “desfasagem tradicional entre os países industrializados e os países produtores de produtos 

primários” que vem sendo predominantemente  reproduzida  (Castells,  2002b:  411­2).  E os 

desafios   são   exatamente  propostos   em   termos  de  preencher   essas   faltas:   desenvolver   um 

sistema de P&D, capacitação de recursos humanos, educação a distância, infra­estrutura de 

comunicações. 

Mas,   para   isso:   “os   governos   e   as   instituições   financeiras   precisam   estimular   o 

crescimento dos mercados profissionais de capital de risco e ajudar a financiar a criação de 

projetos   empresariais,   rompendo,   ao   mesmo   tempo,   com   a   postura   conservadora   e   as 

estratégias especulativas das instituições financeiras latino­americanas, práticas conservadoras 

estas em que se inclui a maioria dos bancos estrangeiros que operam na América Latina”153. 

“A proposição é altamente ética e igualmente ingênua”154. Confunde a causa com o efeito 

152 Em muitos países da América Latina, o declínio da educação tem como uma de suas causas as reformas e esforços das últimas décadas. 

153 Marx já disse que “para la economía burguesa era decididamente importante anunciar la acumulación de capital como el primer deber cívico e predicar infatigablemente que no es posible acumular si uno se devora todo su rédito, en vez de gastar una buena parte del mismo en la contratación de trabajadores productivos suplementarios, que producen más de lo que cuestan” (C I, 22, 726).

154 Com essa frase se referiu Chico de Oliveira (2003: 31) em 1972, em “Crítica à razão dualista”, à denuncia de Prebisch   sobre   os   mecanismos   do   comércio   internacional   que   levam   à   deterioriação   dos   termos   de 

126

pois “foi a própria falta de financiamento e rentabilidade produtiva à escala global que induziu 

o capital monetário a lançar­se na estratosfera especulativa” (Kurz, 1995). Como vimos,  a 

incapacidade de adaptação virtuosa aos “modelos” centrais pelas nações periféricas não é a 

causa mas a manifestação da decadência global. 

Castells se pergunta como lidar com as questões mais prementes na América Latina, a 

pobreza, o subemprego e as necessidades básicas. A resposta sempre acaba sendo “um novo 

modelo  de  geração  da   riqueza,  o  modelo  que  chamo  de  desenvolvimento   informacional” 

(2002b:   413).  As   respostas   a  perguntas   realmente   cruciais  não   fazem mais  que   re­pôr   o 

modelo de desenvolvimento informacional mas tão só como resposta genérica que mostra a  

necessidade  mas  não  a   factibilidade  de   se   adequar  a   esse  modelo.  Essa  visão  do   sub­

desenvolvimento revela­se incapaz de dar conta dos desafios propostos, pois o que se analisa 

como condição específica dos países atrasados desde a qual deve atingir­se o novo paradigma 

de desenvolvimento, é na verdade resultado do processo de desenvolvimento global.  Como 

afirma Kurz (1992: 160), na atribuição das crises atuais a processos de adaptação dolorosos na 

transição ao modelo certo, as condições e estruturas da suposta transição permanecem uma 

“caixa preta”.

Esses giros no vazio, buscas inconsequêntes de alocar uma esperança ilusória, repõem­

se num  livro de 2005 dedicado ao desenvolvimento no Chile:  Globalización, desarrollo y  

democracia: Chile en el contexto mundial. A questão fundamental é saber “em que medida o 

Chile   pode   superar   e   gerir   as   crises   recorrentes   e   destrutivas   que   têm   caracterizado   a 

globalização do continente na última década” (2005: 13). Felizmente nos encontramos com o 

reconhecimento de uma “contradição entre os requisitos de funcionamento do novo sistema de 

produção e organização social estruturado globalmente e as condições concretas da América 

Latina no início do século XXI” (idem: 48). Também com a advertência de que “funcionar 

como a Califórnia ou como a França sem sê­lo, leva à economia ficção”. A crise argentina de 

2001 seria  uma “expressão da insustentabilidade de uma economia globalizada sem bases 

reais para manter uma convertibilidade paritária com o dólar” (idem: 49 e 51). 

intercâmbio   em   desfavor   dos   países   latino­americanos.   Prebisch   estaria   esperando   que   os   países industrializados “reformem” seu comportamento.

127

(Por  uns   instantes  nos  deixamos  levar...   talvez  devamos abrir  um novo capítulo na 

tese...   alguma   coisa   assim   como   “a   re­radicalização   de   intelectuais   des­radicalizados”?... 

especulamos  que  a  evidência  cada  vez  mais  espantosa  da  crise  estrutural  em curso  pode 

provocar novas inflexões nas trajetórias intelectuais... e continuamos lendo)

Qual é o problema dessas condições concretas? Altos custos sociais e econômicos na 

transição; débil capacidade produtiva e competitiva que não permite integrar à maioria; falta 

de flexibilidade organizativa das empresas e baixa capacidade tecnológica (idem:  32­4).  A 

contradição   entre   os   requisitos   do   sistema   e   as   condições   concretas   da   América   Latina, 

potencial momento de uma crítica radical, vira mera constatação da debilidade das condições 

locais, que podem ser melhoradas a través de mudanças no modelo. Não é casual, então, que 

Castells (2005: 13), recuperando a formulação de Fernando Fajnzylber, economista chileno 

autor de A industrialização truncada da América Latina, de 1983, conceba o processo como 

uma “globalização truncada”. Contrário à compreensão da “completude” das modernizações 

retardatárias,   com  suas   industrializações   seletivas   que  deixam  massas   sem  explorar,   essa 

noção de globalização truncada implica a perspectiva de uma formação incompleta, de um 

processo em curso que ainda deve e pode ser completado. Completar o processo significa para 

Castells dar bases reais à nossa inserção na globalização. Fazia parte da “cronologia oficial” 

da  crise   reconstruída  por  Beinstein   a   ideia   de  uma  “inserção  errônea”  no  mercado   livre 

internacional.  Para  Castells  a   ideia  de uma má   inserção se  resume na “globalização sem 

informacionalização”.  A base real para Castells é o informacionalismo. A receita se resume 

então em globalização com informacionalismo155.

Castells registra algumas condições concretas do Chile que vêm apontando em direção 

ao informacionalismo (2005: 74­6), e baseia a sustentabilidade social, ecológica e econômica 

155 “La   integración   en   la   globalización   sin   informacionalismo   conduce   a   una   estructura   socioeconómica excluyente”, “el antídoto a la exclusión social selectiva es el salto al informacionalismo y la progresión de una globalización por etapas, mediante integración comercial regional y mediante la regulación de los flujos de capitales”, “La integración autónoma en la globalización exige una profunda reforma tecno­económica en el   conjunto   del   continente”   (Castells,   2005:   48­9).   Informacionalismo   e   mais   alguns   detalhes:   “sin informacionalismo,   sin   regulación   gradual   de   la   globalización,   sin   Estado   reformado,   sin   legitimidad política, sin control de la economía criminal, sin principios de identidad compartida y sin formas de debate y participación política de los grandes sectores excluidos, la globalización truncada de América Latina no parece social y políticamente sostenible” (idem: 52).

128

do modelo de desenvolvimento chileno no aprofundamento do seu caráter informacional (Cfr. 

idem: 72­95). E aqui, de novo,   apesar da advertência do risco da extrapolação, enfatiza as 

lições do modelo finlandês (Cfr. idem: 95­110).

Mas vale também para a África o lema de globalização com informacionalização. Na 

trilogia   referia­se   ao   “custo   social,   econômico   e   político   dessa   tentativa   fracassada   de 

globalizar as economias africanas sem informacionalizar suas sociedades” (FM:  141). Mas 

constata em outro lugar que pela sua chegada tarde à independência a África “não pôde tirar 

vantagem do processo de globalização, pois era muito fraco para concorrer” (2003: 121)156. 

Mas isso não leva Castells a problematizar a lei da selva do processo de globalização, mas 

simplesmente constata o fato de alguns serem fracos para lutar. 

E Castells não encontra explicação satisfatória para a insuficiência das boas ações do 

mundo desenvolvido para superar essa situação. Segundo o autor, sabemos o suficiente para 

atuar   rapidamente   na   construção   de   um   “novo   modelo   de   desenvolvimento   global, 

compartilhado [shared]”. Mas, “o problema não é  tanto o que fazer mas quem o faz, para 

quem, como fazê­lo e com quais recursos” (idem: 47­8).

Legitimação para o próprio centro

Mas,   o   próprio   Castells   mostrou,   sem   querer,   que   a   globalização   com 

informacionalização   é   uma   combinação   explosiva,   inclusive   para   o   próprio   centro:  “A 

informacionalização promove o aumento na oferta de emprego nos Estados Unidos nos setores 

que   exigem   maior   qualificação,   enquanto   a   globalização   exporta   os   empregos   do   setor 

industrial   de   menor   qualificação   para   os   países   recém­industrializados”.   “Assim,   há   um 

descompasso cada vez maior entre o perfil exigido por muitos dos novos empregos e aquele 

156 “O neocolonialismo destruiu as condições institucionais enquanto abriu as economias de sobrevivência ao mercado mundial. Agora, uma proporção abrumadora de africanos têm insuficiente instrução para serem explorados  como produtores,  na ausência  de  infra­estrutura  produtiva,  e  são pobres  demais  para  serem interessantes   enquanto   consumidores.   Então,   os   únicos   bens   comercializáveis   são   matérias   primas (incluindo   recursos   energéticos),   algumas   mercadorias   básicas,   e   pedras   e   metais   preciosos   e   raros” (Castells, 2003: 122). Nas palavras sentidas de FHC: “Todo o socialismo nasceu da crítica da exploração, etc. Pois bem, a situação atual é mais complicada, porque há imensas porções da humanidade que não são nem exploradas, nem exploráveis, são postas à margem pelo setor dinâmico, porque elas não servem para os fins do setor dinâmico” (Cardoso, 2004).

129

apresentado pelos  negros  de  baixa  renda que moram nas  áreas  centrais  das  cidades”.  “O 

emprego  formal  em geral  desaparece,  principalmente  para  os  homens e,  em escala  ainda 

maior, para os jovens do sexo masculino, nas áreas ocupadas pelos guetos negros” (FM: 167­

9).

As análises de Beinstein sobre os Estados Unidos chamam a atenção para a “aparente 

contradição   entre   mutação   tecnológica   e   declínio   econômico”,   observam   a   dualidade   do 

centro   global,   “sua   fortaleza   hegemônica   associada   à   sua   debilidade   estratégica”,   seu 

abrumador   predomínio   tecnológico   e   a   posição   dominante   de   suas   demandas   internas, 

vinculados   aos   fenômenos   de   desaceleração   das   últimas,   e   super­endividamento   público, 

desemprego e precarização laboral, dependência da super­exploração periférica.  A inovação 

tecnológica, a redução do protecionismo comercial com a expansão desmedida do comércio 

internacional e a deslocalização das empresas  incrementaram a margem de autonomia das 

grandes empresas em relação aos mercados nacionais. Esses aspectos, pilares da ideologia da 

vitória da economia global de mercado, foram na verdade efeito e causa da crise (Beinstein, 

1999: 122­5). A inovação agrava as desigualdades (idem: 47)157. E mostrava para os anos 90 

nos   Estados   Unidos  indicadores   negativos   como   pano   de   fundo   de   um   aparente   “bom 

comportamento macroeconômico” (idem: 203­10). 

Por não haver nenhuma saída “precisa­se continuar sem cessar na construção de um 

castelo   ideológico  no   ar”,   e,   para   isso,   “todo   aspecto   parcial   insignificante   é   abalofado, 

tornando­se notícia de sucesso” (Kurz, 1992: 159). Há, então, um duplo papel ideológico de 

Castells:   permanência   de  prosperidade,  para  o   centro;   promessa  de  prosperidade,   para   a 

periferia.  Podemos afirmar  que nesse duplo papel   reside uma especificidade histórica das 

atuais   ideologias   desenvolvimentistas,   produto   da   crise   global   do   sistema   produtor   de 

mercadorias. Antes, a prosperidade do centro, ainda que dependente parasitariamente de um 

sistema global, era real. Portanto, o papel ideológico estava focado na periferia. Pela chegada 

da crise no centro do sistema, tem que ser iludida também a própria consciência do pretenso 

vencedor158.

157 Em 1999, dados assustadores sobre o aumento da participação de um número limitado de empresas no Produto Bruto Mundial (as 200 maiores passaram de 17% em 1965 a 33% em 1997; faturações de grandes empresas maiores que a soma de vários países). “Esse sistema de empresas globais tem capturado a quase totalidade da estrutura produtiva avançada” (Beinstein, 1999: 59­66).

158 Em relação ao status quo ocidental de prosperidade, “tanto os ideólogos quanto as massas do Leste, Oeste e 

130

Assim,   onde   Beinstein   mostra   indicadores   negativos   como   pano   de   fundo   de   um 

aparente   bom   comportamento   macroeconômico,  Castells   encontra   bom   desempenho 

econômico   com  desigualdade   social.   Onde   Beinstein   aponta   o   vínculo   entre   a  fortaleza 

hegemônica e a debilidade estratégica, Castells desvincula fortalezas e debilidades. 

No caso da Finlândia, seu modelo preferido:

A   financeirização   da   economia   é   apontada   como   fonte   de   vulnerabilidade, 

instabilidade  do   sistema159,  à   qual   tem que   se   contrapor  um Estado  de  bem­estar   e  uma 

economia  de   crescimento.  Mas   a   base   ideal   do   financiamento  da   inovação,  motor   desse 

crescimento, é exatamente a financeirização da economia160. Ele propõe a flexibilidade como 

caminho universal. E atenta para os efeitos regressivos dessa flexibilidade.  A integração na 

economia global torna o modelo finlandês vulnerável161 mas ao mesmo tempo é a fonte do 

financiamento da Nokia, fundamental no seu novo modelo de negócio162.  A elevada pressão 

fiscal, apontada como problema na construção multicultural da Finlândia e na adquisição de 

trabalho   qualificado163,   é   a   base   do   financiamento   desse   Estado   de   bem­estar164.  A 

flexibilidade demandada pela nova economia da sociedade em rede, se contrapõe diretamente 

com o Estado de bem­estar165.

Sul estão se enganando uns aos outros e a si mesmos, fingindo uns que ainda se encontram nesse estado, e os outros, que somente aguardam o momento de alcançá­lo” (Kurz, 1992: 151).

159 “A plena integração na economia global torna o modelo finlandês vulnerável à volatilidade sistêmica dos mercados financeiros e às súbitas e agudas recessões características da nova economia” (2002: 211­2).

160 O Estado de bem­estar “é crucial no modo finlandês, desde que Finlândia não tem os recursos de programas militares nem de grandes corporações,  como foi  o caso dos EUA. Sitra foi  crucial  no fornecimento de capital de risco e na orientação de várias iniciativas e várias empresas (incluindo Nokia) em momentos críticos” (2003: 44).

161 O maior desafio da Finlândia deriva “da tendência, globalmente dominante, de promover a economia à custa do Estado­Providência. A profundidade da integração na União Europeia, baseada nos modelos sociais de sociedades mais desiguais, ameaça a capacidade da Finlândia de conservar o seu modelo de Estado generoso de bem­estar social” (2002: 227).

162 “Só a partir de finais dos anos 80, com a liberalização do controle sobre as movimentações de capitais – incluindo acções e outros produtos financeiros­ é que a Nokia teve a possibilidade de obter capital suficiente sem se ver obrigada a transferir o controlo para os bancos”; “abriu­se para investidores de todo o mundo [...] Como a cotação dos mercados financeiros é a prova irrefutável do rendimento de uma empresa na economia informacional, a transformação da estrutura de propriedade da Nokia pode ser considerada como a base de um novo modelo de negócio” (2002: 41­2).

163 A “elevada pressão fiscal” faz impossível concorrer por trabalho altamente qualificado; com os impostos nesse nível, o modelo de Finlândia atrai capitais mas não pessoas (2002: 236­9).

164 “Não é possível ter um Estado de bem­estar com baixos impostos. Mas o financiamento do Estado baseado em impostos é redistributivo da riqueza”; impostos altos “são a base da produtividade e competitividade das companhias finlandesas na economia global” (2003: 85).

165 A “contabilidade eclética dos lados 'bons' e 'ruins' de um sistema social” provoca o lamento diante da perda da 'função protetora' de sistemas desregulamentados, “como se a convertibilização forçosa dessas moedas e os fenômenos de crise correspondentes (paralisação de empresas, desemprego em massa) não fossem um 

131

O que Castells não explica é que as debilidades apontadas fazem parte constitutiva do 

processo. Portanto, o modelo não é sustentável nem de acordo com o próprio parâmetro de 

sustentabilidade de Castells: as suas bases não são extrapoláveis linearmente166.

Afinal,   a   constatação   empírica   da   persistência   do   modelo   finlandês,   apesar   das 

pressões, reforça a validade do modelo: “Até agora, as evidências sustentam que, apesar das 

pressões da economia da informação global, a Finlândia continua a ser um tipo diferente de 

sociedade de informação, combinada com um generoso Estado de Bem­estar” (2002: 121). 

Reconheçamos   que   uma   generosidade   bastante   limitada,   pois   a   experiência   finlandesa 

representa a “emergência de uma sociedade em rede socialmente sustentável”, a despeito do 

desemprego que, segundo dados do próprio Castells, em 2002 ainda não tinha descido “abaixo 

dos 10% da força de trabalho” (idem: 18). 

Estado, identidade de projeto e legitimidade prescritiva 

Faz parte desse trabalho de legitimação dupla a prescrição de construir identidades de 

projeto associadas à sociedade informacional. 

Aparentemente   contrário   à   'propaganda   tecnocrática',   trata­se   de   uma   tentativa   de 

convencer as pessoas a assumirem o projeto do desenvolvimento informacional; tratar­se­ia de 

construir  uma  identidade  de projeto que  integre  elementos  “muito mais  de acordo com a 

estrutura econômica, social e política da sociedade da informação” (Castells, 2007: 179).

Em 2007, publica La transición a la Sociedad Red, uma obra coletiva sobre a Espanha. 

Ali,   detecta­se   uma   rejeição   da   Internet   por   uma   parte   significativa   da   população.   Para 

Castells,  é  uma  'população ancorada em práticas,   ideias  e   tecnologias  de um mundo que, 

atualmente,   só   existe   em   sua   mente”   (idem:   214).   Mas,   “a   incorporação   majoritária   da 

produto específico desses próprios sistemas monetários” (Kurz, 1995: 152).166 No livro sobre o Chile, Castells (2005: 82) formula o critério de sustentabilidade que aqui uso contra ele 

mesmo: “A sustentabilidade de um modelo de desenvolvimento define­se pela capacidade de preservar as bases sobre as quais se assenta o modelo a partir da extrapolação linear de suas características”.

132

sociedade catalã à rede não pode provir da ideologia da modernidade tecnológica, senão da 

transformação cultural de uma sociedade que encontre na Internet usos e aplicações adaptados 

à sua vida tal e como ela é” (idem: 99). 

Castells vai fortalecendo a proposta de uma compatibilização da sociedade em rede 

com o Estado de bem­estar. No caso do Chile, na proposta de Castells (2005: 150­1) era o 

próprio  Estado  o  ator   central  na   construção  de  uma   identidade  de  projeto   em direção  à 

adequação do país ao modelo de desenvolvimento informacional. Castells reconhece aqui que 

'não há projeto sem sujeito', e pelo baixo grau de articulação autônoma da sociedade chilena, é 

o Estado quem deve assumir a condução do processo de desenvolvimento. Mas, “naturalmente 

se  baseando na empresa privada e  no mercado como agentes  de criação de riqueza.  Mas 

facilitando as condiciones infra­estruturais, institucionais e culturais, para que essa riqueza 

possa gerar­se no marco de uma economia globalizada do conhecimento”. Tratar­se­ia de um 

“acordo estratégico  orientado em direção a essa  modernização competitiva”.  Um “projeto 

coletivo modernizador, com um interesse comum por cima das ideologias”.

Para afrontar esse desafio, Castells (idem: 141­3) considera essencial a existência de 

uma   identidade   coletiva  como   principio   de   coesão.   Uma   identidade­projeto,   isto   é,   uma 

identidade a partir  de uma prática comum em direção a um objetivo compartilhado. Caso 

contrário, “a sociedade da informação aparece simplesmente como propaganda tecnocrática 

de modernidade”.

O Estado de Bem­estar vem então para resolver a tensão entre a sociedade em 

rede e a identidade, legitimando a primeira167.  É recorrente em toda a obra de Castells a 

preocupação com a   legitimidade do  Estado168.  A preocupação da   legitimidade em  termos 

167 Diante   da   pergunta   de   se   “poderá   existir   uma   relação   legitima   entre   a   identidade   e   a   Sociedade   da Informação”, Castells (2000: 184) responde que a “integração da Sociedade da Informação com o Estado­Providência [...] tem sido o principal motivo para não haver uma forte resistência contra a Sociedade da Informação na Finlândia”.

168 “Como em todos os processos de mobilização social, é importantíssimo identificar as fontes de legitimidade que  permitem que o  agente  principal  do  processo   (neste  caso,  o  Estado   japonês)   tenha  o   respaldo  da sociedade e os negócios sob sua coordenação” (FM: 262).  “A incapacidade cada vez mais acentuada de o Estado­Nação atender simultaneamente a essa ampla gama de exigências leva ao que Habermas denomina 'crise de legitimação', ou, segundo a análise de Richard Sennet, à 'decadência do homem público', a figura que   representa   a   base   da   cidadania   democrática.   Para   superar   tal   crise   de   legitimação,   os   Estados descentralizam parte  de  seu poder em favor de  instituições  políticas   locais  e   regionais”,  “faz  com que concorram diretamente com seus próprios Estados centrais” (PI:  317).  “parece confirmar o dito popular 

133

descritivo­analíticos torna­se  prescritiva. 

Já em 1983, Castells (1983: 327­9) advertia que “se as avenidas políticas permanecem 

fechadas” as  utopias  podem voltar  “como sombras  urbanas,  ávidas  por  destruir  os  muros 

fechados de sua cidade cativa”. Essa advertência era de alguma maneira um apelo de Castells 

à sociedade burguesa para ouvir a demanda dos movimentos urbanos e aceitar o desafio da 

transformação. 

Mais   recentemente:   “Não   há   tecnologia   que   possa   parar   centenas   de   milhões   de 

pessoas empobrecidas, fanáticas, que podem reagir tanto em termos de sua fé religiosa como 

em  termos  de  sua   insurgência  contra  a  exclusão social.  É  por   isso  que a  política  de  um 

desenvolvimento comum numa escala gigantesca é a única maneira de desativar essa bomba 

de tempo” (2003: 99). Essa parece ser outra advertência do assessor Castells endossada aos 

poderosos, para os quais o estouro dessa bomba de tempo pode ser um problema. O que não é 

dito aqui claramente é que, para esses empobrecidos, a bomba de tempo já estourou169.

E   depois   do   diagnóstico   de   que   em   regiões   da   Finlândia   não   há   uma   verdadeira 

estratégia de desenvolvimento regional,  pois “a difusão do  uso da Internet, por si só,  não 

aumenta  o  emprego”,  e  que  o desenvolvimento   regional   requer  exatamente  a  “criação de 

postos de trabalho”, legitima­se a difusão da Internet pois “constrói e reforça a comunidade”, 

e “num momento em que a Finlândia está plenamente comprometida com a construção de 

uma Sociedade da Informação através e em torno da Internet a população sente que também 

faz parte  desse projeto. Não são marginalizados pelo novo paradigma tecnológico” (2002: 

176­7;  itálica minha)170.  A aparente crítica do limite da inclusão tecnológica se desfaz em 

conciliação.  O   importante  é   que   as   pessoas  sintam  que   fazem parte   do  novo  paradigma 

tecnológico, ainda quando este tenha mostrado que não pode oferecer lugar para todos. Com 

segundo o qual os governos nacionais na Era da Informação são muito pequenos para lidar com as forças globais, no entanto muito grandes para administrar as vidas das pessoas” (PI: 319).

169 “Quando certos  gurus  ocidentais  mostram sua  preocupação diante do possível  desenvolvimento do que qualificam   como   despolarização   caótica   estão   exprimindo   um   grande   medo   universal,   consciente   ou inconsciente,   em   face   da   perspectiva   da   reaparição   do   odiado   fantasma   anticapitalista,   várias   vezes declarado morto e exorcizado, mas sempre ameaçante” (Beinstein, 2009c). Também Raymond Aron tinha, para Jean­Paul Aron, “horror da desordem”, era “um burguês idealista do século XIX” que pensa na “vitória da sabedoria em uma humanidade conhecedora” (Aron, 1988: 322). “O grande desafio normalizador desta ordem serão os pontos de intersecção e de isolamento entre estes dois momentos funcionais – a presença da barbárie e a acumulação do capital [...] A base que permite o surgimento de uma tal ordem é a persistência da ilusão com respeito às leis fetichistas que regem a acumulação do capital” (Menegat, 2003: 218).

170 Numa direção semelhante, Bourdieu propunha que “é preciso voltar a  dar sentido  à política: para tanto é necessário propor projetos para o futuro capazes de  dar sentido  a um mundo econômico e social que ao longo das últimas décadas conheceu transformações enormes” (Bourdieu apud Jappe, 2006: 252). 

134

essa expectativa alocada no desenvolvimento informacional,  percebe­se o  inimigo na obra 

recente de Castells. O que deve ser combatido, mais do que o sentido das transformações em 

curso, é a sensação de recusa que ela provoca.

Elemento­chave na des­radicalização essa procura pela legitimação faz assumir como 

inexoráveis e alcançáveis os parâmetros da sociedade informacional que se reconhecem ao 

mesmo tempo como inalcançáveis. Na tentativa de legitimação, a Sociedade da Informação 

torna­se ela  mesma um “projeto de construção da  identidade” (2000: 190),  donde a  clara 

positivação do desenvolvimento informacional em si mesmo171.

A crise    global   estourou em 2008,  5   anos  depois  de  que  Castells   afirmasse   sua 

“improbabilidade” (2003: 91). A ideia da improbabilidade da quebra financeira global é um 

indicador de sua concepção mais profunda de crise. José Nun (2001: 292) propunha pensar as 

crises,  seguindo a  fórmula de Heilbroner,  como “imprevisíveis  embora não  improváveis”. 

Hoje   as  crises   se   tornam previsíveis  e   inevitáveis.  Só   “não  se  podem prever  os  detalhes 

operacionais” do processo de desvalorização (Kurz, 1995). 

Em 2009 afirma tratar­se de uma “crise financeira, resultante da volatilidade estrutural 

dos mercados financeiros globais, como consequência de seu caráter global, interdependente e 

desregulado”. Castells (2009) aponta para a “tecnologia de modelos financeiros baseados na 

criação de capital virtual, tais como derivativos, opções e futuros, assim como a titularização 

de qualquer bem e serviço e a co­lateralização de ativos financeiros e imobiliários [que] têm 

levado à destruição de mais da metade do valor financeiro criado no mundo desde 2003”. E 

em 2010, num novo prefácio de O Poder da Identidade: “a ideologia do laissez faire, suposta 

alavanca   das   riquezas   no   novo   mundo   achatado,   levou   à   irresponsabilidade   financeira   e 

negligência   política   na   administração   do   capitalismo   Ocidental,   induzindo,   no   final   das 

contas, a crise estrutural de 2008” (Castells, 2010: xxxv). 

171 i.e.,   “o  desenvolvimento   informacional  é   social   por  definição  pois  é   desenvolvimento  das  mentes,   das relações   sociais   e  das   instituições  de  aprendizagem,  criação  e   inovação”.  Ou “o  projeto   informacional consiste  em adaptar  a   tecnologia para os usos,   interesses e  valores  da sociedade e de cada um de sus indivíduos” (Castells, 2005: 143­4). Ou, “no fundo, o modelo informacional é a capacidade social e pessoal de   transformar   a   criatividade   em   força   produtiva   que   permita   por   sua   vez   o   desenvolvimento   dessa criatividade, num círculo virtuoso entre a arte de viver e a eficiência de produzir” (idem: 112).

135

Mas a curva apologética acompanha a evidência da crise. Castells aferra­se ainda mais 

à ordem. Cego, repete a mesma receita: para Castells a “crise estrutural” “liquida, na prática, o 

modelo de capitalismo global  desregulado que  tinha   triunfado nas  dois  últimas décadas”. 

Assim, o mais importante para sair da crise é “a intervenção sistemática do Estado sobre os 

mercados financeiros, procedendo a um novo ciclo de regulação e controle da economia”172. 

Mas, atentando para a injeção de uma enorme massa de capital público para substituir o fluxo 

de crédito e deter a queda da produção e do emprego, e para a insustentabilidade desse “nível 

de estímulo fiscal”, afirma que “as causas da crise não têm sido resolvidas e o que se coloca é 

a  reforma do  modelo  de   crescimento  da  economia  de  mercado,  algo  que  ninguém sabe  

realmente como fazer. E dado que a crise é global e não há regulador global, os desequilíbrios 

continuarão se acentuando”. Mas é já uma receita sem força nem convicção, pois assume­se 

que ninguém sabe realmente como agir. Ora, recomenda para os indivíduos, nas condições de 

flexibilização do mercado de trabalho, “contar com uma boa formação de base que permita re­

programar a própria atividade em função dos interesses próprios e da demanda do mercado” 

(Castells, 2009; itálica minha).

Livros do período:

2000: “Internet e Sociedade em Rede” 2001: A Galáxia da Internet: Reflexões sobre a Internet, os negócios e a sociedade.2002: “O novo paradigma do desenvolvimento e suas instituições: conhecimento, tecnologia da informação e recursos humanos. Perspectiva comparada com referencia à América Latina” 2002: e HIMANEN, Pekka. A sociedade da informação e o Estado­Providência. O modelo finlandês.2003: e INCE, Martin. Conversations with Manuel Castells.2004: (ed.) The Network Society: a Cross­Cultural Perspective. 2005: Globalización, desarrollo y democracia: Chile em el contexto mundial. 2006: “Inovação, liberdade e poder na Era da Informação” 2007: La transición a la sociedad red.

172 No   movimento   ondulatório   de   elementos   estatistas   e   elementos   monetaristas,   “Estado   e   mercado condicionam­se   mutuamente,   não   como   complementação   idealmente   equilibrável   de   elementos   sociais civilizatórios,   mas   sim   como   institucionalização   de   um   antagonismo   violento”.   “É   característica   da consciência burguesa, e também da esquerda, a compreensão da época precedente através da ótica do lado a cada vez dominante da contradição” (Kurz, 1992: 43­5). 

136

III. A DES­RADICALIZAÇÃO: EM DIREÇÃO A UMA RACIONALIDADE 

TECNOLÓGICA

1.   A   racionalidade   tecnológica   e   o   ponto   de   vista   das   forças produtivas

Em 1968 Adorno (Cfr. 1986) abriu o “XVI Congresso Alemão de Sociologia” com a 

palestra   “Capitalismo   tardio   ou   sociedade   industrial?”.   Começavam   a   estar   em   voga 

proposições em relação à superação em curso da sociedade industrial e no mesmo processo, as 

vezes explicitado e a maioria das vezes implícito, a superação também em andamento e sem 

dor do próprio capitalismo. Adorno propõe inicialmente que, nas categorias da teoria crítica 

dialética, a sociedade contemporânea é sobretudo uma sociedade industrial no nível das suas 

forças produtivas e é capitalismo em termos de suas relações de produção. Nesses termos, 

parece   semelhante   à   distinção   de   Castells   entre   modo   de   produção   e   modo   de 

desenvolvimento.   No   entanto,   na   maneira   como   Adorno   desenvolve   o   assunto   temos 

indicações muito importantes para repensar a maneira como se determinaram frequentemente 

as   relações   de   produção   e   as   forças   produtivas.   Segundo   Adorno,   Marx   tinha   previsto 

otimisticamente que a primazia das forças produtivas fariam explodir as relações de produção. 

Poderia se pensar, então, como de fato se pensa frequentemente,  que as forças produtivas 

devem ainda ser soltas dos grilhões que significam para elas as relações de produção. Ou 

então, que a primazia das relações de produção indicam o desenvolvimento ainda insuficiente 

das forças produtivas como para pôr em cheque as primeiras. Ou que chegamos no momento 

em que outras relações de produção devem surgir para utilizar de outra maneira as forças 

produtivas existentes. 

Todas essas respostas têm em comum a polaridade que estabelecem na relação entre as 

forças produtivas e as relações de produção. Esse modo de situar o problema não permite uma 

solução satisfatória. 

Na  leitura de Adorno,  a  marca de nossa época é  a  predominância das  relações  de 

produção sobre as forças produtivas. Desse impasse Adorno deduz que é inaceitável sobretudo 

137

para a teoria dialética estabelecer as forças produtivas e as relações de produção simplesmente 

como pólos opostos. Essas categorias são delimitadas uma pela outra, cada uma contem a 

outra nela mesma. Portanto, se por um lado essas categorias devem ser diferenciadas, devemos 

usar  constantemente   uma   como   meio   para   compreender   a   outra.   Historicizando   o 

desenvolvimento  dessas   categorias,   afirma  que  as   forças  produtivas   estão,  mais   do  que 

nunca,   mediadas   pelas  relações   de   produção.   Assim,   percebendo   que   a   exigência   de 

crescimento acelerado da produção em regiões subdesenvolvidas requereu uma administração 

ditatorial,   Adorno   mostra   que   do   desbloqueio   das   forças   produtivas   surgiram   grilhões 

renovados, aqueles das relações de produção. 

A polarização entre as categorias forças produtivas e relações de produção constitui já 

em si um equívoco na compreensão categorial do modo de produção capitalista. No entanto, 

esse   equívoco   se   torna   mais   flagrante,   a   teoria   que   nele   se   sustenta   cada   vez   menos 

explicativa, e a prática que nele se informa cada vez mais infecunda, na medida em que as 

forças produtivas são cada vez mais mediadas pelas relações de produção. 

Quando as forças produtivas se tornam tão completamente mediadas pelas relações de 

produção, estas últimas aparecem como sua essência, tornam­se completamente uma segunda 

natureza. E ao mesmo tempo, a dominação das relações de produção sobre os seres humanos 

exige sobretudo o estado completamente maduro de desenvolvimento das forças produtivas. 

Essa condição em que as relações de produção se tornam uma segunda natureza,  explica a 

questão das promessas incumpridas do progresso: por um lado, a impossibilidade de efetivar 

essas promessas; por outro lado, a permanência da ilusão. As relações de produção, enquanto 

essência   invisível  das   forças  produtivas,  comandam de  maneira  oculta  o  processo  do seu 

desenvolvimento.

Para Adorno, que as forças de produção e as relações de produção atualmente sejam 

uma,  e  que se possa  construir  imediatamente a sociedade desde o ponto de vista das 

forças produtivas, assinala que a sociedade atual é aparência socialmente necessária. Essa 

aparência socialmente necessária é a base real para as análises que hipostasiam a dimensão 

técnica   na   análise   da   realidade,   e   para   as   ilusões   que   se   ancoram  exclusivamente   nessa 

dimensão. O “triunfo da produtividade técnica mantém a ilusão de que a utopia, incompatível 

138

com as  relações de produção, tem sido já realizada em seu reino”173. Mas “as contradições 

tornam aquilo que é possível ao mesmo tempo impossível”. 

Fazendo alusão à passagem naquele momento do processo econômico para as mãos do 

poder   político,   ao   mesmo   tempo   desdobramento   da   dinâmica   lógica   do   sistema   e 

irracionalidade   objetiva,   Adorno   afirmava   que   a   irracionalidade   da   estrutura   social 

contemporânea  bloqueia  o   seu  desenvolvimento   racional   na   teoria.  O  autor   atrela   a   esse 

processo, e não simplesmente ao dogmatismo estéril, a explicação da não­emergência por um 

longo tempo de uma teoria objetiva da realidade realmente convincente. Desta maneira, “a 

regressão da sociedade corre paralela à do seu pensamento”. O abandono da tentativa de 

uma teoria objetiva é para Adorno a expressão de uma resignação compulsória.

Por sua vez, no texto “Algumas implicações sociais da tecnologia moderna”, de 1942, 

Marcuse (Cfr. Marcuse, 1999) analisou a transformação da racionalidade e dos padrões de 

individualidade no decorrer do processo tecnológico. Para o autor, o processo de produção de 

mercadorias,   tendente   à   concentração   do   poder   tecnológico   e   econômico,   minou  a   base 

econômica   sobre   a   qual   a   racionalidade   individualista   se   construiu.   Nesse   percurso,   “a 

racionalidade individualista se viu transformada em racionalidade tecnológica”. Isso implica 

numa mudança profunda nos próprios valores de indivíduo e liberdade. O indivíduo eficiente 

é   aquele   que   reage   adequadamente   às   demandas   objetivas   do   aparato,   e   a   liberdade   do 

indivíduo “está confinada à seleção dos meios mais adequados para alcançar uma meta que 

ele não determinou”. Marcuse destaca que o distintivo dessa situação é que a submissão à 

factualidade   é   altamente   racional.   Os   fatos   do   processo   da   máquina   aparecem   como   a 

personificação da racionalidade e da eficiência. É um aparato racional combinando máxima 

eficiência com máxima conveniência.  É  bem­sucedido quem segue as instruções, quem se 

adapta  ao  aparato.  Pela   racionalidade  da  submissão,  qualquer  protesto  é   insensato.  Nessa 

eficiente submissão à sequência predeterminada de meios e fins, a razão serve à manutenção 

incondicional do aparato. A renúncia à liberdade, sob os ditames da própria razão, faz perder a 

173 Daí que, segundo Menegat, o desenvolvimento das forças produtivas seja “uma das questões determinantes da legitimação do capitalismo tardio” (Menegat, 2003: 204).

139

habilidade   de   abstrair   a   forma   específica   em   que   a   racionalidade   é   efetivada.   É   uma 

factualidade que se opõe a qualquer valor que transcenda os fatos de observação, que descarta 

as potencialidades não realizadas. A submissão se esconde por trás de uma atitude tecnológica 

de   desenvolver   as   energias   experimentais   sem   inibições.   Esse   experimentalismo,   que 

acrescenta  a   eficiência  do  controle  hierárquico  entre  os  homens,   e  a  eficiência   lucrativa, 

apresenta­se   como   a   “realização   final   do   individualismo,   terminando   por   exigir   o 

'desenvolvimento  da   individualidade  dos   trabalhadores'”.  Nesse  percurso,  a  racionalidade 

transforma­se de uma força crítica em uma força de ajuste e submissão.  Ainda que a 

racionalidade   crítica   e   racionalidade   tecnológica   têm   valores   de   verdade   e   padrões   de 

comportamento   diferente,   pode   acontecer   que  valores   de   verdade   críticos,   às   vezes 

arrancados de contexto, se tornem valores tecnológicos. Marcuse põe como exemplo a crítica 

da economia política, que se tornando uma economia política, funciona na luta entre grupos 

comerciais conflitantes. Isto porque “as categorias do pensamento crítico preservam seu valor 

de  verdade  somente  quando  levam à   completa   realização  das  potencialidades   sociais  que 

vislumbram,   e   perdem   seu   vigor   se   determinam   uma   atitude   de   submissão   fatalista   ou 

assimilação   competitiva”.  ideias   outrora   críticas,   como   liberdade,   são   “fundidas   com   os 

interesses   de   controle   e   competição”   e   o   “sucesso   organizacional   palpável”   suplanta   as 

exigências da racionalidade crítica.  A “familiaridade com a verdade” que se exprime nessa 

apropriação e modificação de valores de verdade pela racionalidade tecnológica, mostra para 

Marcuse “a que grau a sociedade se tornou indiferente ao impacto do pensamento crítico”. 

Essa indiferença é  um traço objetivo, filho da derrota que deu novo prazo de validade ao 

capital.   Entre   as   causas   dessa  impotência   do   pensamento   crítico  Marcuse   destaca   o 

crescimento do aparato industrial  e  seu controle  abrangendo todas as esferas da vida,  e a 

incorporação de setores importantes da oposição ao próprio aparato, sem perder o título de 

oposição.

Na sua crítica formal da sociedade burguesa, Marx, partindo do valor e da mercadoria 

como começo necessário174, fazia a crítica da grande indústria e das relações sociais que se 

174 Karel  Kosik frisa que a mercadoria,   forma elementar  do modo de produção capitalista,  é  um “começo necessário, a partir do qual se desenvolvem necessariamente o resto das determinações”. Ao contrário, “sem 

140

construíam   em   torno   dela.   A   especificidade   da   análise   de   Marx   do   modo   de   produção 

capitalista, em relação à análise em termos de sociedade industrial, é que superava o nível de 

análise material para atingir a forma de vida social que conduz esse desenvolvimento e no 

qual adquire sentido. Ali, a determinação da força produtiva enquanto categoria específica do 

capital   permite   abordar   a  diferença   das   'promessas'   da   tecnologia   em   abstrato,   e   da 

'efetividade' da tecnologia enquanto capital,  a  lógica desmedida e contraditória do impulso 

capitalista do desenvolvimento tecnológico. Marx denunciava a apologética capitalista nestes 

termos:

“Es un hecho indudable que la maquinaria no es responsable en sí de que a los obreros se los 'libere'  de los medios de subsistencia [...]  ¡Y es aquí  donde estriba la gracia de la apologética capitalista!  ¡Las  contradicciones  y   antagonismos   inseparables   del   empleo   capitalista   de   la maquinaria   no   existen,   ya  que  no   provienen   de   la  maquinaria   misma,   sino   de   su   utilización capitalista! Por tanto, como considerada en sí la maquinaria abrevia el tiempo de trabajo, mientras que utilizada por los capitalistas lo prolonga; como en sí facilita el trabajo pero empleada por los capitalistas aumenta su intensidad; como en sí es una victoria del hombre sobre las fuerzas de la naturaleza,  pero empleada por los capitalistas   impone al  hombre el  yugo de las   fuerzas  de la naturaleza; como en sí aumenta la riqueza del productor, pero cuando la emplean los capitalistas lo pauperiza, etc. el economista burgués declara simplemente que el examen en sí de la maquinaria demuestra, de manera concluyente, que todas esas contradicciones ostensibles son mera apariencia de la realidad ordinaria, pero que en sí, y por tanto también en la teoría, no existen" (C I, 13, 538).

Em Castells, o tecnologismo decorrente da distinção entre modo de produção e modo 

de   desenvolvimento   faz   com   que   a   análise   das   relações   técnicas   de   produção   não   seja 

devidamente   totalizada   na   compreensão   das   leis   e   contradições   do   modo   de   produção 

capitalista. Isso tem desdobramentos numa análise em abstrato das promessas do modo de 

desenvolvimento   informacional,   desconsiderando   a   sua   subsunção   no   modo   de   produção 

capitalista.

A perspectiva geral do Castells  recente é  que a tecnologia não define o rumo social, 

mas “a sociedade se apropria das tecnologias, adaptando­as ao que a própria sociedade faz” 

(2000: 265 e 273)175  que  “a tecnologia  per se  não faz mal ou bem às sociedades” mas só 

um começo necessário, a exposição deixa de ser um desenvolvimento, uma explicação, para se transformar numa combinação eclética, ou um contínuo saltar de um assunto para outro ou, por último, o que se opera não é o desenvolvimento interno e necessário da coisa em si, mas o desenvolvimento do reflexo da coisa, da meditação sobre a coisa, o que é – em relação à coisa, algo externo e arbitrário” (Kosik, 1967: 52).

175 Castells propõe diferenciar a lógica embutida num paradigma tecnológico com o impacto social que tem que ser   pesquisado   empiricamente   (SR:  109).   Assim,   se   pergunta   se   propriedades   da   Internet   como   a penetrabilidade,   a   descentralização   multifacetada   a   flexibilidade,   a   interatividade   e   a   individualização tecnológica culturalmente embutidas, se transformam em padrões de comunicação (SR: 442). Atenta para a “grande elasticidade social de qualquer tecnologia” (SR: 449).

141

“acentua   tendências   existentes   ou  potenciais”   (2003:   59).  A  neutralidade  axiológica  em 

relação à  tecnologia faz parte daquela recusa de qualquer tipo de teleologia na análise. Essa 

recusa de um sentido na história faz Castells afirmar que devemos ser agnósticos em relação à 

bondade da sociedade, dos movimentos sociais, da tecnologia176.

A despeito da recusa de  determinismo tecnológico, a estrutura da trilogia convida à 

percepção do contrário, pois o começo da análise são as mudanças tecnológicas. Já no livro 

sobre a Espanha, o 'começo necessário' explícito é a Internet. Ela constitui o “ponto de entrada 

fecundo para a observação do conjunto de mudanças organizativas, sociais e culturais das 

quais é um vetor fundamental” (2007: 13). Essa proposição se sustenta por uma equivalência 

entre o papel da Internet no desenvolvimento da sociedade em rede e o papel do motor elétrico 

na   expansão   da   sociedade   industrial177.  Encontramos   na   obra   recente   de   Castells   muitos 

exemplos de construção da base de análise empírico de maneira a provar a sua própria base 

teórica178. Castells constrói sua informação na medida da teorização da Sociedade em Rede, 

eufemismo  do   capitalismo   com  uma   base   tecnológica   específica,   já   incompatível   com   a 

análise da acumulação do capital.  “Temos gerado nossos próprios dados para construir  as 

categorias de análise que requeria nosso marco teórico” (idem: 223).  Assim, por exemplo a 

elaboração   de  indicadores   de   níveis   comparativos   e   de   desenvolvimento   da 

“informacionalização” (FM: 288). Ou a construção de uma “base empírica da análise sobre a 

flexibilidade   no   trabalho   e   a   distribuição   espacial   da   Internet   na   Finlândia”   (2002:   vii). 

Constrói­se o uso da Internet como indicador mais direto da sociedade em rede (2007: 25), 

indicador   de   “mudança   cultural,  mental   e   organizativa,  mais   que   como  um elemento  de 

difusão tecnológica” (idem: 210). Difusão de internet medida pelo número de usuários e o 

176 Os  movimentos   sociais   “não   são  necessariamente   progressistas.  Também  depende  de   como  definimos progressista. É uma questão de gosto pessoal. Muita gente na América Latina, e algumas na França, ainda consideram o comunismo como progressista – uma opinião da qual eu discordo firmemente”. “A chave aqui é ser agnóstico em relação à bondade da sociedade. Bom para quem, para que, sob quais circunstâncias? Não há movimentos sociais bons e maus. Há movimentos sociais, cujos objetivos, crenças e lutas são fonte de mudança social num processo que não está predeterminado. A história não tem direção. A história não tem mais sentido do que o sentido que nós fazemos da história [History has no other sense than the history we sense]; não está fora de nós, como foi representado pela ideologia liberal do progresso ou pela concepção marxista  do  desenvolvimento  das   forças  produtivas  enquanto  o  motor  de  um desenvolvimento  humano linear” (Castells, 2003: 62­3).

177 “para estudar o processo de criação da sociedade industrial utilizou­se a observação das novas formas de trabalho na fábrica permitidas pelo motor elétrico, as novas formas de urbanização baseadas no transporte elétrico ou no carro e os novos meios de comunicação que surgiram a partir do rádio e da televisão” (2007: 27).

178 Agora, “a única forma de saber que é exatamente a sociedade em rede, em que consiste a mudança histórica na era da informação, é pesquisar a partir dos métodos estabelecidos da pesquisa científica” (2007: 12).

142

número de conexões como “indicador aproximado do desenvolvimento da sociedade em rede, 

tal como o era – e continua sendo­ o número de quilowatts produzidos e consumidos em 

relação com o crescimento da sociedade industrial desde o final do século XIX” (idem: 32). 

Se   uma   ideia   de   “democracia   baseada   no   consumo   energético”   fazia   parte   da   expansão 

fordista (Kurz, 1995), agora Castells parece acrescentar uma ideia de “democracia baseada no 

uso   da   internet”:   “a   tecnologia   da   informação   e   a   capacidade   de   utilizá­la   e   adaptá­la 

representam,   em   nossos   tempos,   o   fator   crítico   para   a   geração   de   riqueza,   poder   e 

conhecimento,   bem   como   para   o   acesso   a   esses   atributos”.   A   África,   “região   menos 

informatizada   do   mundo   [e]   privado   da   infra­estrutura   mínima   necessária   ao   uso   de 

computadores”. 288 kW per capita de utilização comercial de energia em 1993 (536 kW para 

países em desenvolvimento e 4589 kW para países industrializados) (FM: 116­7).

Uma definição indefinida do que seria essa sociedade que se apropria da tecnologia179 

apaga   a   análise   das   tendências   em   curso   que   comandam   o   desenvolvimento   e   uso   das 

tecnologias. Assim, a  despeito da afirmação de que a tecnologia só potenciaria tendências 

sociais, Castells acaba hipostasiando a lógica libertária embutida na Internet. “A Internet 

tem   sim   algumas   características   específicas,   como   maior   liberdade   de   comunicação   e 

interatividade global, que a faz ideal para construir redes” (2003: 59). A Internet “é a infra­

estrutura tecnológica e o meio organizativo que permitem o desenvolvimento de uma série de 

novas formas de relação social que não têm sua origem na Internet, que são fruto de uma série 

de mudanças históricas, mas que não poderiam desenvolver­se sem a Internet”. A Internet 

“não   é   simplesmente   uma   tecnologia;   é   o   meio   de   comunicação   que   constitui   a   forma 

organizativa de nossas sociedades” (2000: 286­7).  “A sociedade em rede caracteriza­se, em 

todas as culturas, por um incremento substancial do nível de autonomia das personas e da 

sociedade  civil   em relação  às   instituições  do  Estado  e  das  grandes  empresas.  Esse   traço 

cultural não depende da tecnologia mas da evolução social” mas “a plataforma tecnológica 

idônea para essas redes construídas pelos projetos espontâneos que surgem da sociedade é a 

Internet”180.   Afinal,   a   Internet   “incrementa   a   sociabilidade”   e   “ativa   as   pessoas”,   “é   um 

179 “A sociedade é um sistema complexo [complicated], cheio de interações causais, que dão forma e torcem a tecnologia para usos imprevistos” (Castells,  2003: 24).  “esse novo sistema socioeconômico (baseado na globalização e na empresa em rede) pôde se expandir e florescer pela possibilidade do uso da Internet, uma tecnologia que esteve  dormente  por  um quarto de século antes  de ser  completamente apropriada pelos negócios e pela sociedade” (idem: 30).

180 Castells,   2007:  181.  Nessa   formulação   sobre   a   autonomia   crescente  dos   indivíduos,   remete   a  Anthony Giddens.

143

instrumento de liberdade, mas só para aqueles que a valoram e a praticam”181.

A Internet é no fim das contas, equivalente imediato de liberdade, ela potencia o traço 

libertário das novas relações sociais e estas efetivam a essência libertária da Internet. 

Já  analisamos a autonomização excessiva do papel do conhecimento em relação ao 

capital na distinção fundamental na obra recente de Castells entre modo de produção e modo 

de desenvolvimento. Vimos que as novas condições tecnológicas e organizacionais da Era da 

Informação provocavam uma grande reviravolta no velho modelo da busca do lucro como 

substituto   da   busca   da   alma   (FM:  95).   Chegará   então   ao   ponto   a   se  autonomizar   o 

informacionalismo em relação  ao  processo  destrutivo  pelo  qual  a  abstração  real  do  valor 

comanda e da forma à reprodução material:

“o  modelo  de  desenvolvimento   intensivo  em  informação,  deveria  permitir  uma  utilização  não destrutiva dos recursos  naturais,  em contraposição ao modelo extensivo em que se cresce por quantidade de recursos extraídos, mais do que pela adequação em qualidade e gestão às condições do mercado mundial. Por exemplo, a agricultura orgânica tem cada vez mais valor e mais demanda no   mercado   internacional.   E   nesse   tipo   de   agricultura,   a   informação   e   o   marketing   são fundamentais” (Castells, 2005: 86­7).

Como se a “adequação em qualidade e gestão às condições do mercado mundial” não 

tivesse vínculo com nenhum processo destrutivo da natureza ou dos homens, (a produção de 

armas   ou   de   soja   em   escala   industrial   hoje   precisa   se   adequar   a   esses   padrões!),   o 

informacionalismo ganha um ar asséptico. 

Há   em Castells  uma percepção  do  descompasso  entre  a  potencialidade  contida  no 

desenvolvimento  tecnológico e sua efetivação concreta182.  Mas o  contudo,  o  entretanto,  o 

181 Na comparação entre usuários e não­usuários de Internet, revela­se que esta gera um “novo tipo de relações sociais”; a atividade principal, enviar e receber mensagens, é uma “atividade socialmente integradora”; “são os  que não utilizam a  Internet  os  que se  sentem mais   isolados”;   tende  a  “aumentar  as  conversas  com parentes e amigos, apoia a atividade com os filhos”; quanto mais horas de conexão, mais amigos fora do país; gera um “sentimento de pertencimento e identidade”; os usuários “têm redes sociais maiores que os não usuários”. A Internet diminui especialmente o “não fazer nada, divagar”, “ativa as pessoas e reduz os tempos  mortos”.  O ócio  virtual  é   avaliado  positivamente.  A atividade  da  navegar  na   Internet   sem um objetivo concreto, feita majoritariamente por jovens, “é uma atividade de exploração que corresponde a uma cultura de busca no início da vida” (Castells, 2007: 28, 105, 111, 124­138, 199).

182 Por exemplo, “a globalização e a informacionalização, determinadas pelas redes de riqueza, tecnologia e poder,   estão   transformando   nosso   mundo,   possibilitando   a   melhoria   de   nossa   capacidade   produtiva, criatividade cultural e potencial de comunicação. Ao mesmo tempo, estão privando as sociedades de direitos políticos   e   privilégios   [...]   desintegrando   os   mecanismos   atuais   de   controle   social   e   de   representação política” (PI:  93). “quanto mais adquirimos conhecimento, tanto mais percebemos as potencialidades de nossa tecnologia, bem como o abismo gigantesco e perigoso entre nossa capacidade de produção cada vez maior e nossa organização social primitiva, inconsciente e, em última análise, destrutiva” (PI: 166).

144

porém183 expõem as contradições e não resolvem nada. A contradição fica descrita mas sem 

explicação.   A   “atrocidade   é   grande   demais   para   racionalizar”184.   Sem   levar   em   conta   a 

subsunção do desenvolvimento tecnológico no modo de produção capitalista com as suas leis 

e   contradições,   carece   de   capacidade   para   explicar   as   causas   do  incumprimento  das 

promessas da revolução tecnológica.  Com a autonomização do modo de desenvolvimento, a 

crítica às interpretações tecnicistas das teses marxistas feitas pelo jovem marxista Castells, 

valerão para o Castells recente. A “capacidade estrutural de decidir as leis do funcionamento 

econômico e social” (1973: 47­8), não é mais posta em questão, pois elas estão invisibilizadas, 

como uma segunda natureza, por trás das forças produtivas.

Amin (2002: 101) aponta que a “sociedade em rede” só existe sob aspectos deformados 

impostos pela  dominação do capital.  Ainda,  a   transformação do poder  enquanto “rede de 

poderes”  que  ele   encontra   em Negri   e  Hardt   e  em Castells,  é   expressão  de  uma análise 

ingênua que isola  o poder da tecnologia do contexto das relações sociais,  atribuindo essa 

transformação meramente ao desenvolvimento das forças produtivas (idem:  98). A  “ilusão 

tecnologista”  faz   “como se  o   capitalismo  já   nem existisse  mais  ou  que,  pelo  menos,   as 

exigências objetivas da nova tecnologia transformaria sua realidade até a dissolução de seu 

caráter   fundamental,   o   de   ser   baseado   sobre  uma  hierarquia  vertical   incontornável”.  Em 

Castells,  a ideia de que a busca pelo conhecimento se impõe em ultima instância à busca 

capitalista pelo lucro. 

Postone  (2009: 320­5)  contrapõe a  afirmação de teóricos como Daniel Bell e Jürgen 

Habermas, que consideram que a teoria do valor trabalho foi válida no passado, mas que hoje 

o valor está baseado na ciência e na tecnologia, com as aproximações do marxismo ortodoxo, 

183 Por   exemplo,   nos   EUA,   “Lenta,   porém   seguramente,   a   tecnologia   está   promovendo   o   crescimento   da produtividade. Atualmente a maioria das mulheres tem sua própria fonte de renda. A criação de empregos atingiu níveis recorde (10 milhões de novos empregos durante o governo Clinton). Contudo, a insatisfação e a   insegurança  profundamente  arraigadas   são  reflexo da  estagnação ou da  queda no padrão de  vida da maioria da população, juntamente com a instabilidade estrutural introduzida no mercado de trabalho” (PI: 338). “Há uma nova economia em expansão por todo o mundo, impulsionando a produtividade e criando prosperidade, porém num padrão muito desigual” (Castells, 2002b: 399).

184 “Penso  que  há   progresso   social   no  mundo.  A  trilogia  descreve  muitas  coisas  maravilhosas;  mas  essas mudanças geralmente valiosas têm também muitas conseqüências horríveis. Uma das mais dramáticas para mim é que por todos lados vemos crianças em condições sub­humanas, centenas de milhões. A sua condição é uma das mais dramáticas contradições da era moderna e uma atrocidade grande demais para racionalizar [an outrage too big to rationalize]” (Castells, 2003: 76). (Sim, é o mesmo autor que percebia que teorias dogmáticas levavam a práticas políticas infecundas e custavam vidas humanas... bom o mesmo autor depois de um penoso processo de des­radicalização. A questão é... penoso para quem?).

145

que tentam reduzir tudo, incluindo o poder de cálculo de um supercomputador, à quantidade 

de tempo de trabalho, incluindo o tempo de engenharia que se inseriu nele. Estas posições 

diametralmente opostas, compartilham um entendimento comum do valor.  Em nenhum dos 

casos é compreendido enquanto uma forma historicamente específica de riqueza. Na leitura de 

Postone, a teoria da sociedade pós­industrial nos chama a atenção para o tremendo potencial 

que tem sido gerado sob o capitalismo, e que poderia melhorar a vida das massas. No entanto, 

“abstraindo dos constrangimentos do capital”, “chega a modelos lineares cujo fracasso não 

pode explicar”. 

Desta maneira, na sociologia pós­moderna o conceito de sociedade pós­industrial não 

incorporou uma estratégia de democratização da sociedade, mas o afirmou como a própria 

democratização desta (Menegat, 2006: 263).

Em 1978, Castells (1978: 45­6) afirmava que era preciso estudar em termos de valor o 

processo de acumulação em escala mundial. Mas, a  despeito dessa consideração, e do seu 

anticapitalismo dos anos 70, Castells nunca desenvolveu uma crítica apurada da foma­valor.

O abandono do marxismo, em 1983, anunciado no livro The City and the Grassroots, 

não lhe impede continuar usando a distinção entre valor de uso e valor de troca, de maneira 

leviana. 

Já   nos   anos  90,  a  própria   teoria   do  valor   é  menosprezada,  uma mera  questão  de 

crença185.  Agora   a   análise   de   Castells   fica   decididamente   no   nível   material.   A   Internet 

apresenta­se como o equivalente do motor elétrico e como base material de novas relações 

sociais, resultado de mudanças históricas. A análise da sociedade em rede re­põe os limites da 

análise   da   sociedade   industrial.  A  consideração   da   promessa   da   tecnologia   no   nível 

material, em abstrato leva a afirmar a factibilidade do desenvolvimento informacional gerar 

um   circulo   virtuoso   de   expansão   da   demanda   e   produtividade   para   todos   (Cfr.   Castells, 

2002b), sob as condições de um “capitalismo que não bloqueie a inovação”186. Mas Castells 

185 “O   termo   'superexploração'   é   utilizado   para   se   estabelecer   uma   distinção   em   relação   ao   conceito   de exploração na tradição marxista, que, no sentido estrito da economia marxista, seria aplicado a todo tipo de trabalho assalariado. Uma vez que tal categorização implicaria aceitar a teoria da valia no  trabalho, uma questão de crença, e não de pesquisa, preferi não me embrenhar nesse debate” (FM: 195, nota 5). Mas, “a mais­valia não é uma categoria científica, pois sob as condições de troca ela é um ganho legítimo do capital. Ela somente tem sentido como categoria fundante de uma crítica a essas relações” (Menegat, 2006: 67).

186 O mito tecnológico, que abstraído do contexto histórico torna­se superador de todos os problemas, está vinculado ao da globalização irreversível, expressão do progresso indefinido, em direção ao capitalismo 

146

não consegue explicar (pois é inexplicável), as condições nas quais, sob o modo de produção 

capitalista,   todas   as   regiões,   países,   pessoas   simultaneamente   poderiam   se   desenvolver 

igualitariamente aderindo ao desenvolvimento informacional.

O problema com a desconsideração do valor  é que a “medida da riqueza” que 

Castells acredita ter encontrado, não funciona.

Vimos que a questão da produtividade está no nó da compreensão da crise estrutural 

do capital. Isso permite ver os processos de modernização em diferentes tempos históricos 

enquanto processos  de acumulação primitiva que se distinguem pelos diferentes  níveis  de 

produtividade; o abismo crescente nos respectivos níveis de produtividade que “tanto expressa 

quanto perpetua  o  real   subdesenvolvimento”   (Mandel,  1985:  40);  o  processo  histórico  do 

capitalismo como generalização dos seus próprios critérios que gera produtividade crescente 

até atingir seu limite absoluto.

Vimos   também que  a   questão  da  produtividade   é   central  na   análise   e  no  modelo 

apologético de Castells. Ora, o autor afirma que “o debate sobre as fontes da produtividade 

tem sido o ponto fundamental da economia política clássica” na qual inclui os fisiocratas, 

Marx, e Ricardo (SR: 120). Na equiparação de Marx e Ricardo “suprime­se o fato de que no 

fundo a teoria de Marx compreende uma crítica radical do fetichismo do valor” (Kurz, 1992: 

42)187. Não reconhecer os progressos substantivos de Marx em relação a Ricardo é, ao mesmo 

tempo, não reconhecer a  distinção entre produtividade e produção de valor,  pois Marx 

criticava em Ricardo justamente essa identificação188:

“Ricardo nunca se interesa por el  origen del plusvalor. Lo trata como cosa inherente al  modo capitalista de producción, el cual es a sus ojos la forma natural de la producción social. Cuando se refiere a la productividad del trabajo, no busca en ella la causa de que exista el plusvalor, sino únicamente la causa que determina la magnitud de este” (C I, 14, 625). 

próspero cheio de oportunidades para todos (Beinstein, 1999: 41).187 “Os marxistas  contemporâneos tem o dever de sustentar  todos os progressos decisivos conseguidos por 

Marx frente a Ricardo, e que os teóricos neo­ricardianos estão agora procurando anular” (Mandel, 1985: 6).188 Também: “He sido el primero en emplear las categorías de capital variable y capital constante. Desde Adam 

Smith,   la  economia  política  entremezcla  confusamente   las  determinaciones  contenidas  en  ellas  con   las diferencias formales, resultantes del proceso de circulación, entre el capital fijo y el circulante” (C I, 22, 757).

147

2. O marxismo legal

Essa   identificação   entre   produtividade   e   produção   de   valor   também   aparece   em 

Fernando Henrique Cardoso, quem recebeu por isso a imputação de “marxista legal”189

Os marxistas legais foram “economistas acadêmicos, decididamente anti­radicais, que 

no entanto aceitavam tanto a terminologia como o método da análise econômica marxista” 

(R.Pipes apud Hobsbawm, 1982: 84.). “Como ideologia, encarada em si mesma, o marxismo 

se   afirmou   na   Rússia   com   a   tese   de   que   o   progresso   do   capitalismo   naquele   país   era 

historicamente irreversível”, que o capitalismo só poderia ser vencido “por forças criadas por 

ele mesmo e destinadas a sepultá­lo”. Portanto, na Rússia, o marxismo “proporcionou certa 

justificação   à   missão   histórica   do   capitalismo”.   Os   marxistas   legais   “ressaltaram   as 

realizações históricas positivas do capitalismo, abandonando a perspectiva de derrubá­

lo” (Hobsbawm, 1982: 84). 

O debate da intelectualidade progressista na Rússia, no momento da aparição do livro 

II d'O Capital  dava­se em torno “da possibilidade ou da necessidade do  desenvolvimento 

capitalista  da Rússia”.  Os marxistas  legais  afirmavam a sua possibilidade,  e para  isso se 

apossaram das análises dos esquemas da reprodução do livro II  no intuito de demostrá­lo 

(Rosdolsky, 2004: 506).  Mandel (1985: 18) atribui o fracasso da integração entre  teoria e 

história justamente ao fato de se tentar “investigar os problemas das leis de desenvolvimento 

do capitalismo, isto é, os problemas decorrentes da ruptura de equilíbrio, com instrumentos 

projetados para a análise do equilíbrio”, notadamente, os esquemas de reprodução utilizados 

por Marx no volume 2 de O Capital. Ao contrário, Marx analisava a inerente tendência do 

capital   às   crises,   pela   discrepância   entre   o   desenvolvimento  das   forças   de  produção   e   o 

189 No verbete  Marxismo legal I, do  Diccionario de bolso do Almanaque Philosophico Zero à Esquerda, de Paulo Arantes: “Franco [Gustavo, Diretor da Área Externa do Banco Central] argumenta que o motor do crescimento (e distribuição da renda) é o aumento da produtividade da economia. O presidente Fernando Henrique Cardoso vê no enfoque de Franco uma ‘revolução copernicana’ (sic, v. Revolução copernicana), ao mudar   inteiramente   a   perspectiva   de   entender   o   desenvolvimento,   mas   lhe   atribui   um   parentesco surpreendente. ‘O que é a produtividade, senão o velho conceito de mais­valia relativa de Marx?’, pergunta­se o presidente. ‘Marx entendeu como ninguém a essência da dinâmica do capitalismo!’ (Celso Pinto. FSP, 15/9/96)” (Arantes, 1997).

148

desenvolvimento do consumo de massa,  pela  desproporcionalidade entre  a  valorização do 

capital e o consumo.

O sentido conferido por Bulgákov, um dos marxistas legais, aos esquemas de Marx não 

se diferenciava essencialmente das concepções harmonicistas de Ricardo, McCulloch e Say. 

Bulgákov “nega que as crises tenham alguma coisa a ver com o problema da realização” e as 

atribui   ao   “desenvolvimento   díspar   dos   diversos   ramos   da   produção,   pelo   que   se   deve 

considerá­las como meras crises de desproporcionalidade”. E presagiava ao capitalismo russo 

um futuro grande e brilhante, sustentava a esperança de que “logo estaria em condições de 

derrotar seus concorrentes  no mercado mundial”. Como aponta Rosdolsky (2004: 512­5), 

um “curioso ideal para um partidário da doutrina marxista”.

Tugán­Baranovski  (apud  Rosdolsky,  2004: 516­7),  outro dos personagens,  postulava 

que “a produção capitalista cria um mercado para si mesma. Se é possível ampliar a produção 

social, se as forças produtivas são suficientes para isto, então na distribuição proporcional da 

produção também a demanda deve experimentar uma ampliação proporcional”. Assim, “não 

há  para  a  extensão do mercado outra  barreira  que  as   forças  produtivas  das  que  dispõe  a 

sociedade”. Isso significa “separar por completo a produção do consumo social” (Rosdolsky, 

2004:  518),  o  que  dá   na   sua   fantástica   ideia  a   respeito  da  “produção  de  máquinas  pelas 

próprias máquinas” numa sociedade capitalista na qual isso não levaria a uma discrepância 

entre  a  produção  e  o   consumo  social.  Rosa  Luxemburgo  referia­se  a   essa   ideia   com a 

expressão do “carrossel do senhor Tugan­Baranovski” (idem: 524).

Ora,   no   desdobramento   destes   debates   na   Europa   ocidental,   a   especificidade   das 

situações históricas da Alemanha e da Áustria em relação à da Rússia, resultam em outras 

exigências à teoria. Se a análise do processo de reprodução social de Marx tinha servido para 

“demostrar   a  possibilidade  e   inevitabilidade  do desenvolvimento  capitalista  da  Rússia, 

contra o 'ceticismo' dos narodniki”, na Alemanha e na Áustria serviu aos teóricos oficiais da 

socialdemocracia no sentido de que “o capitalismo poderia estender­se ilimitadamente e que 

nenhum colapso condicionado por suas leis internas o ameaçava”. Com a sua consideração 

'em si'  dos esquemas de reprodução, Hilferding aponta a “demonstrar que, no processo da 

reprodução social, o que importa é só, em última instância, a relação de proporcionalidade dos 

149

diversos   ramos   da   produção.   Do   que   surge   logo,   consequentemente,   sua   teoria   da 

desproporcionalidade, assim como sua rejeição a qualquer teoria do colapso” (idem: 530­1)190. 

Rosdolsky  destaca  nesse  ponto  a   semelhança  dos  pontos   de  vista  da  escola  de  Ricardo 

criticados por Marx com a teoria das crises de Hilferding191. 

Posteriormente, a tentativa de Otto Bauer será a de “demostrar a possibilidade de um 

curso   imperturbado   da   acumulação  inclusive   no   caso   de   uma   composição   orgânica 

constantemente crescente do capital” (idem:  545). Ao contrário,  o que as perturbações do 

equilíbrio da reprodução provocadas pelo progresso técnico demonstram, para Rosdolsky, é 

que “as contradições do modo de produção capitalista que se manifestam exatamente nestas 

perturbações e na queda tendencial da taxa de lucro que as mesmas estimulam, se reproduzem 

num   plano   cada   vez   mais   elevado,   até   que   finalmente   a  'espiral'”   do   desenvolvimento 

capitalista alcança seu fim” (idem: 554).

Para  Rosdolsky,   só  é   possível   compreender   a  A acumulação  do  capital  de  Rosa 

Luxemburg  como “reação à interpretação neo­harmonicista das doutrinas econômicas 

de   Marx”  .   Ela   destacava,   ao   contrário,   “a   ideia   do   colapso   e,   com   isto,   o   núcleo 

revolucionário do marxismo”. Não entraremos aqui na análise dos erros e acertos da teoria da 

acumulação de Rosa Luxemburg. Interessa­nos destacar as  condições históricas específicas 

que determinavam as exigências para aquela esquerda marxista alemã. Enquanto os marxistas 

russos deviam demostrar a capacidade vital do capitalismo russo, na Alemanha a situação era 

bem diferente: 

“Rosa Luxemburg vivia e atuava num país cujo capitalismo se encontrava não só no auge de seu poderio, mas que já exibia claros sinais de sua futura decadência; e, por outra parte, tinha como adversários não os partidários de um utópico socialismo camponês, mas uma poderosa burocracia operária, fortemente arraigada nas massas, que apesar de seu credo 'marxista', tinha ambos os pés fincados no  terreno da ordem social   imperante e  que só  confiava poder alcançar  dentro deste marco todos os progressos sociais e políticos” (idem:  538).

190 Castells ainda equaciona a Hilferding com Schumpeter: “o capital financeiro e a alta tecnologia, o capital industrial, estão cada vez mais interdependentes, mesmo quando seus modos operacionais são específicos a cada setor. Hilferding e Schumpeter estavam certos, mas sua ligação histórica teve que esperar até que fosse sonhada em Palo Alto e consumada em Ginza” (SR: 568).

191 Marx criticou em Ricardo: “esta explicação da superprodução por um lado mediante a subprodução por outro não significa nada mais que o seguinte: se tivesse lugar uma produção proporcional, não se daria uma superprodução. [Também] se todos os países que comerciam entre si possuíssem a mesma capacidade de produção (e mais exatamente de uma produção diferente e complementar). Portanto, a superprodução tem lugar porque não se dão estes bons augúrios” (Marx apud Rosdolsky, 2004: 533).

150

Decorrente dessa situação era a tarefa da esquerda marxista alemã, em ressaltar a ideia 

do necessário colapso econômico e político da ordem social capitalista (idem:  539). A crítica 

feita por Rosa Luxemburgo aos marxistas  legais é  que a demostração da possibilidade de 

desenvolvimento   capitalista   na   Rússia   foi   tão   exagerada   que  acabaram   demostrando 

“inclusive   teoricamente   a   possibilidade   da   duração   eterna   do   capitalismo”   (apud 

Rosdolsky, 2004 : 510). 

A escola de regulação como ponte

“O repúdio instintivo de um limite 'objetivo' e absoluto do capitalismo varrido pela crise levou o marxismo a reconhecer tal limite interno, apenas num sentido puramente lógico e não num sentido historicamente determinável. Nos epígonos e nos restos do marxismo, esta relação inverte­se com uma ironia sem igual: na medida em que o 'limite interno' se torna de fato historicamente tangível, é considerado como inexistente também no seu sentido lógico. A restante esquerda e ex­esquerda participa  com afinco  cada  vez  maior  na   simulação a   todos  os  níveis  do   sistema  produtor  de mercadorias” (Kurz, 1995).

É   central   perceber   a   perspectiva   de   solubilidade   da   noção   de   Castells   de  crise 

estrutural a fins dos anos 70:  “o específico de uma crise estrutural é que o processo de 

acumulação   não   pode   ser   retomado   até   que   sejam   eliminados   ou   contrabalançados   os 

obstáculos”.  A   crise   social   “obriga   a   retificações,   ao   mesmo   tempo   no  modelo   de 

acumulação e na forma de dominação” (Castells, 1978: 50).  “O sistema capitalista mundial 

entrou num período de crise estrutural que se prolongará enquanto os centros de decisão se 

mantenham   incapazes   de   organizar   um   novo   modelo   de   acumulação   adequado   às 

circunstâncias atuais” (1983: 176).

A crise era uma necessidade lógica mas não histórica, pois podia ser contraposta pelos 

efeitos da luta de classes. Era uma consequência necessária “a menos que essa lógica seja 

contraditada historicamente pelos efeitos produzidos na luta de classes” (1977: 20). 

Nos anos 70 Castells analisava a “contradição crescente entre o desenvolvimento das 

forças produtivas e das relações sociais de produção constitutivas do capitalismo” (idem: 36­

7),   em   termos   de   um   “sistema   que   só   continua   funcionando   na   base   da   repressão   ao 

desenvolvimento  de  novas   relações   sociais   e  de  novas   forças  produtivas”   (idem:   183).  O 

151

desenvolvimento das forças produtivas exigia a “transformação do processo de trabalho e do 

trabalho humano, que exige, por sua vez, condições técnicas e sociais,  incompatíveis com a  

lógica   capitalista”.   A   saber:   pesquisa   científica;   a   informação   como   força   produtiva   no 

processo de trabalho implica uma grande dose de autonomia, contraditória com a disciplina 

que o capital impõe aos trabalhadores; a automatização total do processo produtivo, em óbvia 

contradição   com   a   existência   do   capital   (1978:   82).   O   fato   do   Estado   assumir   funções 

necessárias   ao   desenvolvimento   das   forças   produtivas   reforça   para   Castells   a   ideia   da 

contradição   entre   esse   desenvolvimento   e   a   lógica  do   capital.   “Para  poder   expandir­se   e 

superar os obstáculos que existem no processo de acumulação, o capital cresce, gerando, em 

grau crescente, um setor cujas atividades, normas e organismos negam sua própria lógica. O 

capital   continua   a  acumulação,   aumentando   sua   dependência   em   relação   ao   Estado. 

Entretanto,   essa   tendência   estabelece   os   limites   históricos   do   sistema”.   Essa 

incompatibilidade,   finalmente,   leva   a   uma   'contradição   a   longo   prazo':   “o  processo   de  

inovação  tecnológica  somente  pode ser  efetivo  quando as  condições  de produção estão  

separadas da lógica capitalista”. Isto implica “uma sociedade onde a criatividade humana é 

favorecida pelo tipo de organização e características sociais  do processo de trabalho”,  um 

“sistema educacional  muito desenvolvido”, uma “grande dose de iniciativa no processo de 

produção, o que contradiz fundamentalmente o modelo autoritário de organização da empresa 

capitalista” (idem: 92).

A despeito de sua crítica da teleologia do colapso inexorável do capital, encontrava­se 

no argumento de Castells uma outra teleologia: a tendência do fortalecimento do poder dos  

explorados   por   meio   de   uma   teleologia   progressiva   do   desenvolvimento   das   forças  

produtivas. A formulação marxiana clássica segundo a qual “as condições sociais necessárias 

para o desenvolvimento das forças [produtivas] entram cada vez mais em contradição com as 

relações sociais capitalistas”, desdobrava­se em Castells na ideia de que “o capital tende a 

criar as condições sociais que conduzem ao que constitui seu limite histórico: a transformação 

progressiva  da   força  de   trabalho  no  poder  dos   trabalhadores”.  E  ainda,   “as  desesperadas 

tentativas do capital para escapar de suas contradições terminam por ampliar a luta contra sua 

lógica” (idem: 92­4). Ainda, em 1973 Castells chamava de “classe ascendente” àquela que se  

152

identifica com o desenvolvimento das forças produtivas192. 

O  politicismo  na conceitualização da crise estrutural do capital era abonado por um 

momento histórico específico de ascenso da luta de classes: o poder político do centro sobre a 

periferia parecia a Castells (1978: 175­6) mais fraco do que nunca e previa o incremento do 

controle do economia pelo Estado e do Estado pelos trabalhadores (1980: 263).

Em função da derrota das forças da esquerda, a tendência ao aumento da resistência 

dos   trabalhadores   não   se   verificou   historicamente.   O   caráter   não   antagônico   da   relação 

efetivada historicamente entre capital e trabalho, deixou essa teoria com pouco a dizer.

Essa perspectiva não permitirá ver o funcionamento dos limites internos do capital na 

sua  tentativa  de   reprodução  ampliada,   e   a   regressão   social  decorrente  da  crise   estrutural 

estabilizada   e   perenizada.   Essas   dificuldades   provocarão   mudanças   teóricas   importantes. 

Castells  manterá  e consolidará a crítica à ideia de uma teleologia da história. E, por outro 

lado, apagará a relação, que julgava específica e meritória do marxismo, entre a dinâmica da 

acumulação e da crise, por meio do descenso da taxa de lucro, vinculada à distinção entre a 

dimensão de  valor  e  a  dimensão  técnica  do  capital.  Tanto  essa  continuidade  quanto  essa 

ruptura tiveram um desdobramento negativo na radicalidade de Castells. 

A noção de modelo de acumulação remete à Escola da Regulação. Na sua História do 

estruturalismo,  François Dosse (1994: 321­330) mostra como a crise de 1973 produz uma 

viravolta   nos   economistas,   pois   abala   tanto   os   esquemas   althusserianos   baseados   na 

reprodução,   quanto   os   neoclássicos,   forçados   a   questionar   sua   concepção   de   mercados 

perfeitos.   A   corrente   estruturalista   em   economia   vai   desviar   suas   orientações   e   passar 

progressivamente “da reprodução para a  regulação”. A chamada Escola da Regulação  “é 

fruto   dessa   corrente   de   pensamento   estrutural­marxista   e,   simultaneamente,   de   um 

distanciamento crítico das teses althusserianas”. Para um dos seus membros, Alain Lipietz, 

192 “A classe ascendente é aquela cujos interesses específicos coincidem, na fase concreta do desenvolvimento histórico em que se situa, com os interesses do resto da sociedade, isto é, com o desenvolvimento das forças produtivas, globalmente e a longo prazo [...] definição das classes em termos da relação antagônica entre dois polos e sua vinculação indissolúvel à  evolução das forças produtivas” (Castells, 1973: 50).  E ainda “aqueles grupos cuja posição de classe não é dada pela contradição fundamental no processo de produção” estão   determinados   pela   sua   “incapacidade   de   ligar   seus   interesses   ao   desenvolvimento   das   forças produtivas” (idem: 57­8).

153

são  'filhos   rebeldes   de   Althusser'.   Se   apresenta   como   a   ultrapassagem   necessária   do 

althusserianismo para pensar a crise.  Para Robert  Boyer, um dos seus fundadores, esta se 

encontrava na encruzilhada de três heterodoxias: herdeira de um marxismo 'althusserizado', da 

filiação keynesiana e do institucionalismo.

No início dos anos 70,  Michel Aglietta,  outro  dos fundadores,  vai para os Estados 

Unidos para  compreender “o que fundamenta a eficácia do crescimento em curso”. O seu 

objeto  de  estudo  se   transforma com a  crise  de  1973 e,  no   livro  Régulation  et  crises  du 

capitalisme.   L'experience   des   États­Unis,  já   leva   em   conta   “a  dupla   realidade   do 

crescimento e da crise”. 

A obra de Aglietta entra em cena exatamente no momento de sufoco do estrutural­

marxismo althusseriano, ganhando influencia. Castells, como Aglietta, foi nos Estados Unidos 

para compreender a dupla realidade do crescimento e da crise. Em 1978 apontava o livro de 

Aglietta como a “melhor análise marxista do processo de acumulação do capital nos Estados 

Unidos” (1978: 58).

Segundo Dosse, essa teoria só marginalmente afeta a universidade na França, mas está 

representada   de   maneira   maciça   no   próprio   âmago   da   alta   administração   do   Estado, 

sucedendo aos desenvolvimentistas de pós­guerra. Foi em torno das necessidades do plano, da 

projeção, sob o impulso do Estado, que as reflexões sobre os modos de regulação ganharam 

raízes, no próprio seio da administração francesa.

Kurz (1995) aponta que “o preceito original de Aglietta, embora argumentasse ainda 

em termos da teoria  do valor  e  da acumulação,  convertia  o  específico regime fordista  da 

acumulação em possibilidade geral e supra­histórica de expandir quase à vontade os limites 

internos da acumulação, através de intervenções reguladoras de cariz político”. Supõe­se que 

“por   intermédio  de  um  regime  de  acumulação,   fosse  possível  gerar  um novo modelo  de 

acumulação do capital (sendo que, na verdade, o caso do fordismo era justamente o oposto)”. 

Para compreender que o fordismo não é um 'modelo' mas um fenômeno histórico único, falta 

“uma   análise   crítica   da   forma­valor   e   das   suas   transformações   históricas”.   Em   última 

instância, a teoria da regulação “já não é uma teoria marxista da crise baseada na crítica da 

economia   política,   mas   uma  teoria   positivista   que   quer   conter   as   crises  fundada   na 

economia política burguesa”.

154

De fato, uma das preocupações de Aglietta é “qual pode ser o modo de ação do Estado 

para  abafar   os   fatores   de   crise”.   A   originalidade   da   escola   regulacionista   residiria   na 

pesquisa   das   “formas   de   relações   intermediárias,  institucionais”193.  Visava   “compreender 

como podia funcionar a diversidade num mesmo quadro estrutural, como os processos de 

regulação  podem ser  diferentes,   complexos  e,  no  entanto,   inscrever­se  no   interior  de  um 

mesmo sistema capitalista, o que permitia situar o problema das diferentes vias nacionais”, 

donde a importância da ideia de formação social. Retinha do althusserianismo a consideração 

das estruturas como totalidades articuladas e a ideia da sobredeterminação194.    Procuravam 

captar o que era comum a essas sociedades, numa “dialetização do singular e do universal”. 

Permitia a “compreensão desse modo de crescimento sem choques nem conflitos, repousando 

num sistema de conciliação”. Daí a sua tentativa de mostrar a “compatibilidade da progressão 

do   salário   real   e   do   emprego   com   a   progressão   da   taxa   de   lucro,   no   nível   global   da 

macroeconomia”.   “Os   modos   de   regulação   combinam­se   em   regimes   de   acumulação   e 

definem igualmente modos específicos de desenvolvimento” (Dosse, 1994: 321­330). 

Voluntarismo   na   expansão  dos   limites   da   acumulação   pela   ausência   da   crítica   da 

forma­valor; contenção institucional das crises; dialetização do singular e do universal através 

de regimes de acumulação e modos de desenvolvimento. Temos ali muitos dos elementos que 

Castells  desenvolveu a partir  dos  80s.  Por  isso é  possível  ver a  influencia da Escola da 

Regulação desde fins dos 70 como uma verdadeira ponte na obra de Castells195.

193 Seduzia também a Aglietta “a atenção de Foucault aos micropoderes, seu deslocamento do centro para as periferias, sua pluralização de um poder multiforme que corresponde perfeitamente à vontade de atingir os corpos institucionais intermediários dos regulacionistas” (Dosse, 1994: 321­330).

194 Segundo o próprio Aglietta, Althusser e Balibar se reconheceram nessa abordagem do livro (Cfr. Dosse, 1994: 323).

195 Também, uma particular leitura da dependência: em 1983, remetendo a Wallerstein e Gunder Frank, Castells (1983: 176) aponta para a importância das variações históricas,  'contrário às formulações dogmáticas da teoria centro­periferia'.  E,  a partir  de  'Desarrollo y dependencia em América Latina'  de FHC e Faletto, considera crucial “a interação entre as tendências gerais que formam a sua evolução e os processos sociais que são arraigados histórica e espacialmente em sociedades particulares”.

155

3. As ilusões obstinadas: um capitalismo rejuvenescido

Vimos   que   Castells   (1978:   13­14)   diagnosticava   no   ano   1978   um   corte   histórico, 

verdadeira   crise   estrutural,   e   uma   crise   do   pensamento   sobre   as   crises,   que   pela   do 

dogmatismo ou do pragmatismo, não conseguia analisar as tendências em curso.

A esperança  de  uma geração no  desaparecimento  do capitalismo nas  mãos de  um 

proletariado cada vez mais poderoso e concentrado esvaiu­se, sem o fim do capitalismo. A 

reestruturação   capitalista   fez   entrar   em   crise   o   próprio   pensamento   de   Castells   sobre   a 

acumulação e as crises. Dois aspectos centrais de suas formulações anteriores exigiram uma 

revisão: a teleologia politicista e o bloqueio capitalista das forças produtivas. Quando não é a 

resistência dos trabalhadores a causa principal do desenvolvimento das forças produtivas, mas 

a concorrência inter­capitalista na sua contradição imanente, o desenvolvimento das forças 

produtivas não é incompatível com a lógica de desenvolvimento capitalista.

A noção de modelo de acumulação que trazia, a princípio, uma promessa de superação 

das contradições capitalistas, abriu o caminho para aceitar como possibilidade uma resolução 

da crise para­o­capital. Na medida em que nos anos 80 vai­se tornando cada vez mais evidente 

que a crise era estrutural por não possuir saídas, o diagnóstico da crise estrutural irá perdendo 

lugar e densidade na obra de Castells. Movimento paralelo ao desenvolvimento acelerado das 

forças produtivas... sob condições capitalistas. 

Uma questão é central na inflexão de Castells nos anos 80: as mudanças estruturais 

demonstram o equívoco da impossibilidade de o capitalismo desenvolver as forças produtivas. 

O   capital   parece   ter   resolvido   a   maneira   de   inovar   virtuosamente:   “A   reestruturação   do 

capitalismo nos anos 70 e 80 demonstrou a versatilidade de suas regras operacionais e sua 

capacidade de utilizar a lógica dos sistemas de redes da Era da Informação com eficiência 

para promover um enorme avanço nas forças produtivas e no crescimento econômico” (FM: 

20).  A empresa  em rede  do  capitalismo  informacional  parece   incorporar  muitas  daquelas 

condições  que Castells  postulava como incompatíveis  com a  lógica do capital:    pesquisa, 

informação, autonomia e iniciativa no processo de trabalho, gerando processos dinâmicos de 

156

inovação   tecnológica.   Contra   a   “visão   esquerdista”,   também   parece   ter   demonstrado   a 

possibilidade  de  desenvolvimento  da  periferia   capitalista196.  Trata­se,  para  Castells  de  um 

capitalismo “flexível e rejuvenescido”  facilitado pelas novas tecnologias da informação197. 

Para Castells,  o capitalismo “está  muito vivo  apesar  de suas contradições sociais”  (2001: 

254).

Surge   a  distinção   entre  um capitalismo   financista   e  um capitalismo   inovador. 

Aquela incompatibilidade entre o desenvolvimento das forças produtivas e a lógica capitalista, 

que Castells diagnosticava nos anos 70 e que caiu por terra na reestruturação capitalista dos 

anos 80, agora é atribuída a um certo tipo de capitalismo, ou a um certo tipo de capitalistas. 

“Muitas   corporações   restringem a   inovação  para   usufruir  de   receitas   de  monopólio”.  No 

entanto, 

“nem todos os capitalistas são iguais ou nem todos os capitalismos são iguais: há os que, além de subjugarem a sociedade ao mercado, mais que capitalistas são financistas, ou seja, bloqueiam a inovação.  E há  os que entendem que todo mundo,  inclusive eles,  ganha mais,  se houver mais inovação tecnológica e,  em último caso, mais distribuição da riqueza.  Em suma, a história do software livre, e, mais amplamente, a do movimento de código aberto demonstram que pode haver mais   inovação   tecnológica   e   mais   produtividade   econômica   em   um   contexto   de   trabalho cooperativo e motivado, característico do mundo da criação” (Castells, 2006)198.

196 “Contra a visão esquerdista predominante, de acordo com a qual o desenvolvimento econômico não poderia ocorrer em sociedades dependentes sob o regime capitalista, os quatro tigres asiáticos mantiveram a maior taxa de crescimento de PNB do mundo por aproximadamente três décadas”.  Embora com exploração e opressão, levou à “melhoria substancial das condições de vida” (FM: 295).

197 “As novas  tecnologias  da  informação desempenharam papel  decisivo ao facilitarem o surgimento desse capitalismo flexível e rejuvenescido, proporcionando ferramentas para a formação de redes, comunicação a distância,   armazenamento/processamento   de   informação,   individualização   coordenada   do   trabalho   e concentração e descentralização simultâneas do processo decisório”. “O capitalismo prospera no mundo e aumenta   sua  penetração  nos  países,   culturas  e  domínios  da  vida”,   “É  uma   forma  de  capitalismo com objetivos   mais   firmes,   porém  com  meios   incomparavelmente   mais   flexíveis   que   qualquer   um de   seus predecessores. É o capitalismo informacional, que conta com a produtividade promovida pela inovação e a competitividade voltada para a globalização a fim de gerar riqueza e apropriá­la de forma seletiva. Está, mais   que   nunca,   inserido   na   cultura   e   é   equipado   pela   tecnologia”   (FM:  412­4).   No   romance  As intermitências da morte, de Saramago, a morte decide renovar seus métodos, torná­los mais humanizados. Ela reconhece que “o injusto e cruel procedimento que vinha seguindo, que era tirar a vida às pessoas à falsa­fé, sem aviso prévio, sem dizer água­vai, se tratava de uma indecente brutalidade”. Avisa, então, que “a partir de agora toda a gente passará a ser prevenida por igual e terá um prazo de uma semana” (Saramago, 2005: 100). E ainda explica para a gadanha, sua eterna companheira: “com esse teu gosto pelos métodos expeditivos, a questão já estaria resolvida, mas os tempos mudaram muito ultimamente, há que actualizar os meios e os sistemas, pôr­se a par das novas tecnologias, por exemplo, utilizar o correio electrónico, tenho ouvido dizer que é o que há de mais higiénico” (idem: 137).

198 Também: “muitas empresas têm visão de mundo ampla o suficiente para entender sua responsabilidade social e a necessidade de preservar a estabilidade social” (FM:  400). Castells aceitou fazer parte de um conselho assessor na África do Sul, “junto a líderes das maiores empresas de tecnologias de informação e 

157

É possível, então, pôr em questão as formas restritivas de propriedade intelectual “não 

eliminando   o   capitalismo,   mas   sim   ampliando   a   gama   de   valores   de   uso   possíveis   sem 

conotação comercial. E mantendo formas de lucros e de negócio, mediante novos modelos 

negociais baseados no incremento da produtividade e da ampliação de mercado, mais que no 

controle monopolístico de um mercado excludente, limitador da atividade não mercantilizada” 

(idem)199.

Vimos que a   identificação entre  produtividade e  acumulação só  é  válida quando o 

aumento da produtividade é menor que a ampliação dos mercados internos e externos por ele 

possibilitado.  A  identificação   imediata  da  produtividade  com a  produção de  valor   leva  a 

desconhecer a natureza da crise estrutural em curso, a compreender o capitalismo como uma 

simples sucessão de estruturas,  e a sustentar  todas as  ilusões que a compreensão da crise 

estrutural   se   encarrega   de   desfazer:  a   manutenção   do   papel   virtuoso   das   inovações 

tecnológicas e das bolhas financeiras; a função de limpeza das crises; a chegada de um novo 

ciclo de expansão; o horizonte de desenvolvimento na periferia capitalista; a volta de algum 

tipo de keynesianismo regulador.  A sua desconsideração real do valor permite compreender 

como a  curva apologética  de Castells   se   traduz,   teoricamente,  em formulações,  aporias  e 

contradições, e apologeticamente, em promessas vãs200. 

Marx denunciava que 

“Los intereses conservadores a cuyo servicio se hallaba Malthus incondicionalmente, le impedían ver que a la desmesurada prolongación de la jornada laboral, junto al extraordinario desarrollo de la maquinaria y la explotación del trabajo femenino e infantil, tenía necesariamente que convertir en   'supernumeraria'  a  gran parte  de  la  clase obrera,  en  particular   tan pronto como cesaran   la demanda de guerra y el monopolio ingles sobre el mercado mundial. Era mucho más cómodo, naturalmente,   y   más   conforme   a   los   intereses   de   las   clases   dominantes,   a   las   que   Malthus idolatraba de manera auténticamente clerical, explicar esa  'sobrepoblación' a partir de las leyes eternas de la naturaleza, que hacerlo fundándose en las leyes naturales de la producción capitalista, puramente históricas” (C I, 15, 642).

comunicação do mundo (com a afortunada exceção de Microsoft)” (2003: 47). No marco da distinção entre maus e bons capitalistas, a corporação Microsoft funciona como o bode expiatório do mau. Ficam dentro do bem as maiores empresas de tecnologia do mundo. 

199 É sugestivo que Castells finalize o artigo propondo para o desenvolvimento tecnológico do Brasil “evoluir do positivismo de Auguste Comte à teoria da complexidade e escrever uma nova máxima em sua bandeira: caos e progresso” (ideia que também defendeu no Fórum Social Mundial de Porto Alegre do ano 2005). Bem entendido, caos e progresso é  exatamente o 'lema' do capitalismo no seu inerente desenvolvimento tecnológico, inerentemente contraditório. 

200 Dosse   (1994:  29)  chama a  atenção para  casos  em que se  “traduz para  o  plano   teórico”  uma situação institucional.

158

Castells rejeita a “visão simplista” de que as novas tecnologias causem desemprego, 

dado o crescimento sem precedentes da mão­de­obra, especialmente das mulheres (FM: 166) 

e da mão­de­obra infantil201.

Marx (1980: 157­60) denunciava também a “ridícula” pretensão dos economistas de 

mostrar que a grande indústria “absorve constantemente o excedente de população”. Primeiro 

queriam demostrar que “a máquina é boa porque poupa trabalho” e depois que “também é boa 

porque não o poupa, mas o trabalho manual que substitui em um lugar é necessário de novo 

em outro”. Assim, o economista burguês consola os operários com os trabalhos auxiliares 

necessários  pela   aplicação  das  máquinas.  O   consolo  é   que  a  máquina  “só   em  aparência 

elimina o trabalho pesado”,  pois cria novos tipos de  trabalho pesado, ou seja,  aumenta o 

número de condenados ao trabalho pesado. 

Castells incorre no ridículo do economista burguês: por um lado, o modelo  WebCor 

baseado na Internet é  uma maravilha,  poupa trabalho para fazer as mesmas tarefas202.  Por 

outro   lado,   de   maneira   alguma   a   tendência   geral   pela   aplicação   das   tecnologias   de 

comunicação   é   o   desemprego   em   massa   pois   novos   tipos   de   emprego   são   criados203.   O 

verdadeiro problema seriam as condições de trabalho e não a perda do trabalho204.

Os interesses conservadores a cujo serviço se presta Castells o fazem desconhecer o 

desemprego estrutural. 

201 “Se ainda restavam dúvidas quanto ao fato de a principal questão trabalhista na Era da Informação não ser o fim do  trabalho,  mas sim as  condições  dos  trabalhadores,  elas   foram definitivamente  dirimidas  com a explosão, durante a última década, do crescimento da mão­de­obra infantil mal remunerada” (FM: 177­8).

202 A “maior empresa de construção civil de San Francisco, a WebCor, cujo centro é um website [...] Com essa tecnologia ela foi capaz de reduzir pela metade o tempo de produção de um edificio, com um terço do pessoal de gestão, limitando os custos em 50%”. A Internet transforma o modelo de empresa (SR: 268­69).

203 Ironiza os “profetas do desemprego maciço” (o Clube de Roma, Adam Schaff) (SR: 319­20), e afirma que “não há relação estrutural sistemática entre a difusão das tecnologias da informação e a evolução dos níveis de emprego na economia como um todo. Empregos estão sendo extintos e novos empregos estão sendo criados, mas a relação quantitativa entre as perdas e os ganhos varia entre empresas, indústrias e setores, regiões   e   países   em   função   da   competitividade,   estratégias   empresariais,   políticas   governamentais, ambientes institucionais e posição relativa na economia global” (SR:  328).  “A difusão da tecnologia da informação   na   economia   não   causa   desemprego   de   forma   direta.   Pelo   contrário,   dadas   as   condições institucionais   e   organizacionais   certas,   parece   que,   a   longo   prazo,   gera   mais   empregos”   (idem:   345). “contrariamente às declarações falsas ou errôneas publicadas pelos meios de comunicação, o que temos observado nas últimas três décadas é a criação sustentada de novos empregos, com exceção da Europa [...] Mas, mesmo na Europa, a participação feminina no mercado de trabalho aumentou, enquanto a masculina caiu” (PI: 203).

204 “Um número considerável, provavelmente em crescimento, de seres humanos não é mais pertinente nem como produtor, nem como consumidor. Devo enfatizar mais uma vez: isso não equivale a dizer que há (ou haverá) desemprego em massa [...] A questão é: que especie de trabalho, por qual tipo de salário, sob quais condições?” (FM: 421).

159

Por   um   lado,   ignora   o   fato   de   que  manobras   estatísticas,   como   mecanismos   de 

exclusão, servem para melhorar a imagem macroeconômica (Cfr. Beinstein, 1999: 211­4)205. 

Kurz (2004b: 17) também chama a atenção para as medidas amortecedoras – aposentadorias 

prévias,  políticas sociais  ­  e a “maquiagem do desemprego em massa” através de truques 

estatísticos.   Por   exemplo,   o   encarceramento   massivo   apaga   a   massa   encarcerada   das 

estatísticas   laborais206.  Também,   trabalhadores  precários   considerados   'ocupados'.  De   fato, 

para Castells (FM: 142) o mercado informal é o “refúgio para o excedente de mão­de­obra”. 

Por   outro   lado,   seu  conceito   assumidamente   não­marxista   de   superexploração, 

restringe a questão da exploração à injustiça dos casos extremos, por baixo dos parâmetros 

“normais”   do   sistema207,  apagando   a   exploração   enquanto   pretendida   normalidade 

capitalista208. 

A  não distinção  entre   trabalho  produtivo  e   improdutivo   impede­o  de  enxergar  que 

empregos “sem substância” não dizem nada sobre a verdadeira capacidade de acumulação do 

capital. Assim, acredita “poder refutar a prognose de uma grande crise, 'demonstrando' que ao 

capitalismo não falta trabalho e que globalmente a produção de mais­valia encontra­se em 

ascensão” com empregos simulados por meio do crédito estatal ou, pela abertura ao mercado 

mundial, que implicam uma liquidação colossal de empregos antes 'protegidos' (simulados). 

Isso gera um balanço em última instância negativo, tanto no emprego quanto na mais­valia. A 

enumeração do crescimento do emprego nada diz “sobre o desenvolvimento da real substância 

do valor, já que não se criam mediações teóricas e empíricas no plano do valor”. Comparar a 

diminuição do emprego na Europa com o aumento na China, por exemplo, “desconhece que o 

205 i.e.   entre   1979   e   1997   os   conservadores   na   Inglaterra   modificaram   32   vezes   a   forma   de   calcular   o desemprego visando reduzir a cifra por meio de sucessivas exclusões (Beinstein, 1999: 229).

206 Beinstein (1999: 214) calcula que levando a taxa de encarceramento ao nível anterior ao boom carcerário e colocando a diferença na massa de desempregados, o desemprego nos EUA em outubro de 1998 passava de 4,6% a 5,6%.

207 Superexploração significa “relações trabalhistas que permitem que o capital retenha sistematicamente os pagamentos/alocação de recursos ou imponha condições mais rigorosas de trabalho a determinados tipos de trabalhadores,   piores   do   que   seja   considerado   norma/regra   em   um   dado   mercado   de   trabalho   [...] discriminação contra imigrantes, minorias [...] mão­de­obra remunerada infantil” (FM: 97).

208 Arantes  destaca,  nesse sentido,  a   importância  de Luc Boltanski  e  Ève Chiapello   [Le Nouvel  Esprit  du Capitalisme,  1999]   terem reintroduzido  “na   linguagem mesmo da  sociedade em rede,  para a  qual  só  a exclusão faz sentido e justamente como 'desconexão', a noção crítica de exploração para além do vínculo clássico de assalariamento”. Mundo conexionista “em que a realização do lucro passa pela conexão em rede das atividades”, onde existem “mecanismos de extração de mais­valia 'em rede'” (Arantes, 2004: 54). Para o mesmo autor, estudos atuais como os de Harvey sobre a chamada acumulação flexível, demostram que é da extração de mais­valia que ainda se trata (idem: 65, nota). Arantes lembra que Richard Sennet mostrou a compulsão autodestrutiva dos trabalhadores no regime flexível, o agravamento da espoliação e desamparo dos indivíduos flexibilizados (idem: 62­5).

160

'valor' é um conceito histórico relativo e não se presta a cálculos com base em cifras absolutas 

sobre   o   emprego,   se   os   níveis   forem   não­simultâneos”.   Dados   sociológicos,   uma 

'fenomenologia da exploração', o fato de predominarem condições miseráveis de trabalho, não 

diz nada sobre a verdadeira capacidade de acumulação do capital (Cfr Kurz, 1995). 

Assim, a recusa do desemprego estrutural vai junto com a ilusão de uma nova fase de 

expansão capitalista. A indistinção entre trabalho produtivo e improdutivo, faz desconsiderar 

o papel diferenciado da inovação de produtos, de organizações, de sistemas de inovação, na 

produção   real   de   valor209.   Ou   de   chips,   nanotecnologia,   software   para   mísseis,   salmão, 

software livre educativo!210. Mas, “as necessidades sensíveis e os desejos humanos não fazem 

surgir nenhuma capacidade aquisitiva produtiva” (Kurz, 1992: 166)211.

A   identificação   imediata   entre   inovação   e   crescimento   aparece   claramente   na 

desvinculação   entre   a  produtividade   e  o   ciclo   comercial.  Em  2002  Castells   justificava  o 

diagnóstico   da   emergência   de   uma   nova   economia   pela   aceleração   do   aumento   da 

produtividade   nos   EUA   no   período   1996­2002.   “Quando   a   taxa   de   crescimento   da 

produtividade continua a aumentar durante períodos de crescimento lento, ou até de declínio, 

isso quer dizer que ela não resulta do ciclo comercial, mas de uma transformação da função de 

produção”, ou seja, da “combinação específica de fatores de produção”.  A questão crucial 

para Castells (2002b: 403­5) é que a despeito da crise da nova economia no início do século 

XXI,   “a   inovação   não   se   deteve   por   completo   e,   nos   Estados   Unidos,   a   produtividade 

continuou a aumentar, numa demonstração da resistência das fontes de crescimento da nova 

economia”.   Mas   produtividade   com   crise   é   a   própria   contradição   do   capital,   não   a 

demonstração da resistência das fontes de crescimento. No entanto, Castells não se preocupa 

“pela discrepância ascendente entre oferta e demanda global” (Beinstein)212, a “economia está 

209 “Na economia informacional,  as  inovações nos processos e na organização são tão importantes como a inovação dos produtos” (Castells, 2002: 42)

210 “Os  mecanismos   identificados  nas  experiencias  mais   avançadas  de  desenvolvimento   informacional  não dependem do nível econômico ou da especificidade cultural [...] são transportáveis a outros contextos, por exemplo ao do Chile,  sob condição de  traduzir  chips por  salmão ou congrio,  nanotecnologia por agro­genética ou software para mísseis em software livre para educação de crianças” (Castells, 2005: 104).

211 A capacidade aquisitiva produtiva “pode apenas nascer da exploração em empresas de força de trabalho humana, realizada no nível mundial de produtividade. Mas essas condições prévias do próprio sistema são sistematicamente   ignoradas   nos   condescendentes   sermões   dominicais   dos   especialistas   e   ideólogos ocidentais” (idem). O mercado mundial “pode gerar cada vez menos capacidade aquisitiva produtiva, em virtude do nível de produtividade 'demasiadamente alto'” (idem: 174).

212 Ou talvez pensa, como Cristina Fernández de Kirchner, que num capitalismo verdadeiro a oferta deve gerar a 

161

se lixando para as circunstâncias contrárias, está embriagada”213.

Marx (Gr. I, 363) já criticara a Ricardo que focando no desenvolvimento das forças 

produtivas e no crescimento da população industrial, isto é, na oferta, omitindo a demanda, 

identificava produção com autovalorização do capital e o impossibilitava de compreender as 

crises modernas.

Castells percebe uma nova onda expansiva do capital, que se sustenta pela equivalencia 

anacrônica do atual momento com momentos históricos precedentes214: da nova economia com 

períodos de expansão anteriores215; da internet com a eletricidade ou o motor elétrico216.

A confiança eterna nos ciclos  econômicos faz sustentar   também a persistência do caráter 

progressivo da “destruição criativa” na competitividade das empresas217 e do financiamento da 

inovação   tecnológica   baseado   na   expectativa,   isto   é   em   bolhas   financeiras.   É   essa   uma 

verdadeira   matriz  ideológico­conceitual   muito   espalhada,   um   verdadeiro   legado   de 

Schumpeter218.

demanda.213 “A la economía le importan un bledo las circunstancias contrarias, está embriagada. Nacidos del desarrollo 

de las empresas, los ejecutivos (cadres), nuevo grupo social, tienen la sartén por el mango. Nacen bajo el Frente popular de una ideología del trabajo. Entre la izquierda obrera y la plutocracia capitalista, algunos ingenieros, generalmente llegados del  catolicismo social,  se proveen de una especificidad fundada en el rendimiento más que en la renta [Nota: Cf. Luc Boltanski,  Les cadres, París, Éditions de Minuit, 1982]” (Aron, 1984: 181).

214 Dosse (1994: 262­3) mostrava que a “utilização da história arrefecida como antídoto para a filosofia do iluminismo” era obra daqueles que utilizaram o marxismo como “máquina de guerra militante” e deviam “exorcizar os demônios do passado”. Nesse caso, “a estruturalização da história e do movimento torna­se a alavanca capaz de impulsionar a saída do marxismo, da dialética, e sua substituição pela cientificidade”. Aqui,  Castells   constrói   uma   história   de   ciclos   eternos,   exorcizando   sua   própria   teleologia   politicista militante. 

215 “Empresas de todo o mundo posicionavam­se para entrar em um mercado que, no inicio do século XXI, poderia   se   equiparar  àquilo  que  o   complexo   industrial  voltado  para  o  automóvel,   petróleo,  borracha   e estradas representou na primeira metade do século XX” (SR: 451). “em um sentido, a nova economia é nova em relação à economia madura, não tanto em comparação aos períodos de frenética inovação tecnológica e empresarial” (2003: 30).

216 A Internet “é o equivalente ao que foi a fábrica ou a grande corporação na era industrial [...] base material de nossas vidas” (2000: 287). “a tecnologia da informação é a eletricidade da Era da Informação e a Internet é o equivalente da maquina a motor” (2002b: 401­2).

217 “A recessão supôs uma 'destruição criativa', fazendo com que empresas como a Nokia se reestruturassem ainda mais radicalmente do que em outras circunstâncias” (2002: 106).

218 Não é de se estranhar que também para Schumpeter Marx apareça como “mero epígono de Ricardo” (Kurz, 1992: 42). Outro exemplo, além de Castells: Carlota Perez, economista de Cambridge atribui uma missão histórica às bolhas, ao capital financeiro. É a 'destruição criativa' levada ao paroxismo, mais um capítulo ideológico da “astúcia da razão”:  “as  bolhas  têm o mérito de construir   infraestruturas  que ampliam os mercados a custo muito baixo e estabelecem novos paradigmas tecnológicos [...] Quando chega o colapso, muita gente perde grandes somas de dinheiro, mas a infraestrutura fica para todos. Portanto, em essência, a grande bolha e seu colapso são uma forma brutal de conseguir o investimento necessário para instalar o 

162

Castells recusa o que ele chama de  crença “pontocom” num crescimento contínuo e 

percebe uma alternância rápida de “períodos de crescimento e de recessão”, que faz ganhar 

“os investidores que entendem o novo papel das expectativas” (2002: 26). O “extraordinário 

aumento de riqueza e de produtividade” faz afirmar que a “tendência é ascendente” e que “os 

ciclos econômicos vão continuar”. Confia na “capacidade de criação de valor com base em 

um novo modelo de antecipação de expectativas” que saiu da economia Internet (2000: 272). 

Mas vimos que o mecanismo de compensação no qual a produção de mercadorias “suga seu 

próprio futuro” funciona só enquanto o modo de produção continua a expandir­se. Ali a bolha 

podia ter um papel transitoriamente virtuoso.

Castells,  numa pérola do pensamento tautológico,  constrói  uma ideia a­histórica de 

bolha:   “a   bolha   estourou   porque   todas   as   bolhas   acabam   estourando.   Esse   fenômeno   é 

chamado de ciclo de negócios” (FM: 275). Até problematiza a ideia de bolha, pois, “algumas 

das   'bolhas'   financeiras   mais   famosas   na   história   (tantas   vezes   mencionadas   por   mentes 

econômicas   conservadoras   em   nossos   dias)   não   parecem,   em   retrospecto,   ter   sido   tão 

especulativas quanto geralmente se pensa” (2001: 75). É  que o  endividamento “em si não 

representa obstáculo ao desenvolvimento: é  o uso adequado dos empréstimos tomados que 

determina o resultado econômico” (FM:  302). Ainda, há uma  constatação das bolhas como 

parte do modo de ser do capitalismo informacional, fato ao qual temos que nos adaptar: “em 

vez de esperar em vão que a bolha estoure, para podermos retornar a um estado de equilíbrio 

do mercado, temos que aprender a viver em águas efervescentes” (2002b: 401).

O modelo  prescritivo de  Castells  é  um verdadeiro manual  para  viver  nessas  águas 

efervescentes. O manual inclui o capital de risco, modelo virtuoso da inovação que permite 

financiar   ideias   antes   que   se   produzam219.   E   o  trabalho   improdutivo   da   sociedade 

novo   e   destruir   o   velho”  (em   entrevista   à   revista   Veja,   23   de   maio   de   2009, http://veja.abril.com.br/270509/entrevista.shtml). Cabe notar que Castells faz referência a Carlota Perez pela noção de “paradigma tecnológico”, na sua construção do paradigma informacional na Sociedade em Rede.

219 Quando o mercado “não o valoriza,  a  empresa desaparece e volta­se a   tentar;  quando o faz,  com esta valorização de mercado que não se produz em torno de ganhos, mas de uma promessa, é que surgem os recursos para passar da promessa de inovação à inovação material, a uma produção material que volta a sair no mercado, a gerar valor. Quer dizer, cria­se valor a partir da inovação com base na valorização de mercado das iniciativas que se desenvolvem em termos de empresa. Passamos de uma economia na qual a expectativa de geração de benefícios através da empresa é  substituída pela expectativa de geração de novo valor no mercado financeiro” (2000: 271). “Os fracassos estão cheios de lições, e o resultado geral é uma explosão contínua de inovação. Essa é a fonte real da superioridade da Silicon Valley e da nova economia americana em geral” (2003: 37­41). 

163

informacional financiando o Estado, no modelo do Estado de Bem­estar Informacional220.

Castells  acompanha a  inflexão de Chesnais na hipóstase da separação entre capital 

produtivo e financeiro221. Em Chesnais, por um lado a finança “representa uma arena onde se 

joga  um  jogo  de  soma zero:  o  que  alguém ganha  dentro  do  circuito   fechado do  sistema 

financeiro,  outro perde” (Chesnais,  1996: 241).  Mas por outro,  vêm ocorrendo “dentro do 

circuito fechado da esfera financeira, vários processos de valorização, em boa parte fictícios”, 

e tem se constituído como “ninho de acumulação de lucros financeiros” (idem:  246). Para 

Castells, nesse cassino global eletrônico, “o resultado na rede é zero”, e os ganhadores e os 

perdedores vão mudando a cada segundo. Por um lado, a “realização de valor é cada vez mais 

gerada nos mercados financeiros globais”.  Castells é   tentado a chamar de economia irreal 

aquilo  que se chama de economia real,  pois  “na era do capitalismo em rede,  a  realidade 

fundamental  em que o  dinheiro  é  ganho e  perdido,   investido  ou  poupado,  está  na  esfera 

financeira”. Percebe que  “o dinheiro tornou­se quase totalmente independente da produção” 

(SR:  567­70). Alguns anos depois  já  afirma que “os mercados financeiros são o cerne da 

realização de valor”, e “o aumento do valor das ações substitui os lucros como determinante 

da nova economia” (2002b: 399­400). De fato,  já  na  Sociedade em Rede  aponta que pelo 

“desacoplamento   cada   vez   maior   entre   a   produção   material,   no   antigo   sentido   da   era 

industrial,  e a geração de valor”,  “a  geração do valor,  no capitalismo informático,  é,  em 

essência,   produto   do   mercado   financeiro”   (SR:  201).  No   fim   desse   percurso   não   só   a 

realização mas a própria geração de valor é  para Castells  produto do mercado financeiro. 

Trata­se simplesmente da maneira peculiar de funcionamento do capitalismo contemporâneo. 

E portanto, “jogando­se segundo as regras, não há nada de errado com esse cassino global. 

Afinal de contas, se uma gestão cautelosa e tecnologia apropriada evitam crises drásticas de 

220 “Os  motivos  para  que  muitos   ex­extremistas  queiram a   todo  custo  nutrir   o   capital   'à   base  de   títulos', celebrando­lhe a potência e a glória, não podem ser identificados no âmbito teórico ou analítico. A renitente evocação   da   seriedade   da   acumulação   mundial   do   capital   demostra   à   evidência  que   a   consciência   do marxismo do movimento operário sente ela própria a necessidade de afirmar essa seriedade, para poder manter a imagem que faz de si mesma” (Kurz, 1995).

221 Montenegro (2008: 100­1) analisa uma inflexão na obra de Chesnais, evidente na afirmação de que “é da esfera financeira que devem partir todos os que desejam analisar e compreender o movimento do capital e as configurações do capitalismo em curso”. O problema reside em apreender a financeirização “como causa principal   e não o efeito   das transformações em curso no capitalismo”, donde uma análise fetichizada do─ ─  processo. Castells segue as próprias contradições de Chesnais. Não é casual que se apoie nesse autor na sua análise da globalização (SR: 205, nota 39).

164

mercado, as perdas de algumas frações de capital representam os ganhos de outras, de forma 

que no longo prazo o mercado faz um balanço e mantém um equilíbrio dinâmico” (FM: 418). 

Mas,   como   o   mercado   “é  torcido,   manipulado   e   transformado   por   uma   combinação   de 

manobras estratégicas” (FM:  420) a história do desenvolvimento do capitalismo demonstra 

para   Castells   que   “os   mercados   necessitam   de  instituições   e   regulamentações”,   que 

“mercados totalmente desprovidos de regulamentação equiparam­se a sociedades selvagens” 

(FM: 247, nota 39).

Com o abandono da crítica do valor, que leva à desconsideração da existência de uma 

substância   objetiva   do   valor,   o   “nexo   intrínseco   do   trabalho   e   do   dinheiro   escapa   à 

consciência”. A necessidade econômica de uma coincidência dessas duas esferas fenomênicas 

do processo de valorização não é considerada plausível e nasce a ilusão de que o dinheiro 

pode desenvolver­se independentemente de sua substância abstrata. A ilusão nasce da natureza 

particular  do capital  monetário  no sistema bancário:  o  capital  que rende juros,  gera  mais 

dinheiro aparentemente sem intervenção da produção real. Neste ponto estamos diante de uma 

ilusão subjetiva inconsciente do efetivo movimento substancial. Isso leva a desconsiderar o 

lugar   do  capital   fictício,  isto   é,   dinheiro   creditício   “sem   substância”,   tratado   “como   se” 

passasse por um processo real de valorização. Kurz mostrava com isso a gravidade da situação 

atual: a reprodução real tornou­se o apêndice de uma gigantesca bolha de “capital fictício” em 

vez de produzir ela essa bolha como mera emanação do seu interior. A concepção segundo a 

qual o capital se queima periodicamente a si mesmo para depois ressurgir qual Fénix das 

cinzas,  passando  assim da  eterna  destruição  à   eterna  autorenovação,   faz  parte  para  Kurz 

(1995) do pensamento mitológico. Com a noção de “capital fictício” e a análise do processo 

de   dessubstancialização   do   dinheiro,   Kurz   analisa   o   desdobramento   enlouquecido   do 

capitalismo em sua fase terminal, na sua tentativa de resolver seus problemas insolúveis de 

acumulação. 

165

4. Economia vulgar e pseudo­teoria adaptativa

Considerando a existência de elaborações  teóricas que demonstram a senilidade do 

capitalismo, a suposição de um “capitalismo rejuvenescido” não pode ser debitada ao simples 

desconhecimento222.  Ficar   no  nível   da   economia  política   clássica   implica   agora   esconder 

deliberadamente o que a crítica da economia política já conseguiu enxergar. Castells aparece 

então como um novo capítulo dos economistas vulgares que, podendo ver as determinações 

do capital, as escondiam.

A   identificação   entre   produtividade   e   produção   de   valor   se   corresponde   com   a 

identificação imediata do conceito de capital com o limitado ponto de vista empresarial. Esse 

ponto de vista é incompatível com uma teoria crítica radical. E não por uma declaração de 

princípios.  É  que o plano do  capital  conjunto  não aparece  imediatamente no cálculo dos 

chamados sujeitos econômicos mas deve ser reconstruído teórica e analiticamente. Chega­se a 

esse plano depois de eliminar a distorção típica do capital singular (Kurz, 1995). 

A   economia   vulgar   não   revestia   para   Marx   o   caráter   pleno   de   teoria,   pois   “o 

economista  vulgar   não   faz  outra   coisa   que  traduzir   as   curiosas   ideias  dos   capitalistas 

imersos na concorrência a uma linguagem aparentemente mais teórica e generalizadora, se 

esforçando por  construir  especulativamente a  correção de  tais   ideias”  (C III  13 294).  Ao 

contrário, a compreensão da concorrência e das leis capitalistas exigiam mediações teóricas:

“el análisis científico de la competencia sólo es posible cuando se ha comprendido la naturaleza intrínseca   del   capital,   así   como   el   movimiento   aparente   de   los   cuerpos   celestes   sólo   es comprensible a quien conoce su movimiento real, pero no perceptible por los sentidos” (C I, 10, 385).  “Esta ley contradice abiertamente toda la experiencia fundada en las apariencias [...]  Para resolver esta contradicción aparente se requieren aún muchos eslabones intermedios” (C I, 9, 372).

É o plano do capital em conjunto que Castells perde ao assumir o ponto de vista das 

222 Para Beinstein (1999: 221), se era possível em 1929 alegar inexperiência ou falta de antecedentes históricos, ao pronosticar uma prosperidade indefinida, a atual sobre­abundância de dados objetivos sobre a magnitude e direção da crise, faz com que a 'cegueira intelectual' deva ser interpretada como expressão ideológica da própria crise, uma combinação de desonestidade científico­profissional e degradação das ciências sociais. Economistas  prestigiosos   ignoram dados  macroeconômicos  elementares  que  mostram a  decadência  dos EUA (desaceleração, etc.). Em termos semelhantes, Menegat (2003: 74) vê na compreensão da crise de 1997 como um  'ataque de nervos do mercado',  proferido pelas  autoridades  econômicas do Brasil,  “tanto um encobrimento   ideológico,   como   uma   incapacidade   de   delimitar   o   sentido   dos   fenômenos   mediante categorias minimamente precisas das ciências sociais, às quais a economia pertence”.

166

empresas223. Não é casual, então, a apropriação por parte das empresas das formulações dos 

economistas vulgares224. A economia política das redes leva à prescrição de se tornar um nó 

valorizado para salvar o país, a região, a cidade, a empresa. O ponto de vista do indivíduo ou 

da empresa corresponde com o abandono da teoria. Schwarz ironiza: “alguém imagina Marx 

escrevendo O Capital para salvar a Alemanha?” (1999).

É   preciso  notar  que  essa  mudança  de  nível   de  análise   faz   parte  de  uma   inflexão 

intelectual  de época.  Dosse (1994:  391­3) aponta que os  indivíduos,  os agentes,  os atores 

retêm a atenção “no momento em que as  estruturas   se  apagam do horizonte   teórico”.  O 

individualismo   metodológico  baseia­se   numa   crítica   radical   ao   marxismo   e   ao 

estruturalismo.   Opõe­se   às   leis   gerais,   aos   determinismos   que   pesam   sobre   o   indivíduo, 

partindo dos comportamentos individuais para explicar todo fenômeno social. Esse método 

floresceu sobretudo nos Estados Unidos nas décadas de 70 e 80, em torno do paradigma do 

Homo economicus. O sucesso desse paradigma “tem muito a ver com a evolução da própria 

sociedade, que atravessa uma crise sem precedentes das referências identitárias holísticas” e 

com a “recuperação do interesse pelas teses liberais”. Mas esse foco no nível individual exige 

a   construção   de   “tipos   ideais”   a   partir   de   uma   modelização   das   agregações   possíveis   e 

realizadas   entre   indivíduos.   Permite   “que   o   sociólogo   se   identifique   com   o   economista, 

formalizando como ele a partir de tipos ideais a ação racional dos agentes sociais”225.

Weber   afirmou   que   os   tipos   não   são   ideais   no   sentido   normativo,   do   que   seria 

desejável,   mas   num   sentido   lógico.   Estes   pretendem   acentuar   características   especificas 

servindo como parâmetro para descrever os fenômenos. Ao se distanciar da realidade indicam 

o grau de aproximação de um fenômeno histórico aos conceitos (Weber, 1994: 12­13). No 

entanto,  o  limite  dos  tipos   ideais  reside na sua incapacidade para  explicar  as  causas  dos 

fenômenos226.   Por outro lado, o sentido normativo se introduz à  revelia na aplicação e na 

223 “Os valores de  nossas  empresas, de todas as empresas, tendencialmente, estão sendo negociados e serão negociados cada vez mais em termos de interações eletrônicas, puramente eletrônicas, não físicas” (Castells, 2000: 270; itálica minha).

224 Por exemplo, a participação de Carlota Perez na campanha Shaping Ideas da empresa Ericsson, campanha que   vem   mostrar   a   era   de   ouro   que   estaria   nos   esperando   aqui   na   frente.   Disponível   em: http://www.ericsson.com/campaign/20about2020/.  Ou a  referência a  Castells  num documento da mesma empresa para sustentar a informação de que a África é hoje o mercado de celulares em expansão mais rápida no   mundo.   (Economic   Impact   of   Mobile   Communications   in   Sudan,   pp.   8,   Disponível   em: http://www.ericsson.com/res/thecompany/docs/sudan_economic_report.pdf.

225 Gabriel Cohn também destacou esse vínculo necessário entre o individualismo metodológico e a construção de tipos ideais (Cfr. Cohn, 1979: 71 e 136).

226 Se Weber   foi  muito eficiente  “na  descrição dos  tipos  de  legitimidade,  que ele  chamou de carismática, 

167

própria construção dos tipos ideais. 

Num recuo em relação à  sua própria crítica às suposições metafísicas do individuo 

racional, agora em Castells, a perda de peso da objetividade e a mudança de nível de análise o 

leva a construir as noções de “meio de inovação” e “modo de desenvolvimento informacional” 

que funcionam como tipos ideais. Se nos anos 70 Castells atentava para a necessária lógica de 

concentração do processo de acumulação capitalista, a suposta  explicação das condições da 

sinergia pelo tipo ideal “meio de inovação”, em termos cada vez mais culturalistas, perde de 

vista a acumulação e concentração de capital como condição essencial por trás dos fenômenos 

apontados. Os meios de inovação são causa e efeito da apropriação desigual de valor em 

escala mundial. 

Esses tipos acentuam­se características específicas para descrever os fenômenos. Não 

deixa   de   ser   interessante   notar   que   isso   mantém   traços   de   sua   herança   de   Althusser   e 

Poulantzas. Para Balibar, parceiro de Althusser em Ler o Capital, “os conceitos marxistas são 

reconstituídos a partir de determinações puramente formais, evoluem segundo um sistema de 

diferenças  pertinentes  puramente  espaciais  que  excluem a  natureza  material,   a   substância 

concreta   dos   objetos   considerados”.   “O   abandono   do   referencial   confere,   portanto,   à 

abordagem   um   caráter   essencialmente   formal   que   permite   aspirar   à   maior   amplitude   de 

aplicação”. Isso torna possível uma ciência dos modos de produção (Dosse, 1993: 342­3). Por 

sua   vez,   Poulantzas   (apud  Dosse,   1994:   202)   afirmava  em  Pouvoir   Politique   et   Classes 

Sociales,  de 1968,  que “o modo de produção constitui  um objeto abstrato­formal  que,  na 

realidade, não existe num sentido pleno”.

Agora, a despeito de toda ressalva sobre sua não aplicabilidade, o tipo ideal “meio de 

inovação” acaba sendo normativo, pois denuncia a realidade que não se corresponde com o 

conceito.  Herdeiro de Kant, trata­se de um formalismo que violenta a realidade227  e de uma 

tradicional e legal­formal”, a “razão estrutural pela qual determinadas sociedades carecem de um teor maior ou menor de legitimidade, ou de certo tipo especifico de legitimidade, aparece de modo bem mais preciso na obra de Gramsci” (Coutinho, 1994: 117).

227 “O formalismo acaba sendo não apenas o argumento de defesa da razão como esfera ordenadora do mundo, mas também pela própria fragilidade desse argumento, uma intenção com tendência autoritária”. O recurso por parte de Kant ao formalismo “se apresenta como o próprio limite da razão pura e a insuficiência da razão prática. Em outros termos, ele pretende acomodar a relação entre razão e experiência, mantendo­as formalmente antepostas” (Menegat, 2006: 155).

168

ética de um voluntarismo sem alternativas228.  A distância entre o modelo e a realidade não 

demonstra   para   Castells   a   inaplicabilidade   do   modelo,   mas   a   impertinência   da   própria 

realidade229.  O tipo ideal “meio de inovação” serve à prescrição de se adequar ao modo de 

desenvolvimento informacional. Não é mais que o reforço subjetivo pseudo­teórico de um 

impelimento objetivo impossível de ser efetivado.

Há uma fratura entre uma denúncia da desigualdade e uma pseudo­teoria adaptativa. 

Os alarmes em relação à pobreza, miséria, ficam sem resultado quando “a pretensão abstrata e 

destrutiva de rentabilidade” não é objeto de crítica radical mas, ao contrário, “conjura­se essa 

pretensão, adotando­a como padrão” (Kurz, 1992: 204).

O apontamento da ausência da crítica do valor não é externo à obra de Castells. É a 

explicação do fracasso de seu próprio projeto empiricista. Postular a necessidade da teoria não 

implica no desprezo da empiria mas, ao contrário, na possibilidade de sua explicação.  Sua 

falta de atenção para a abstração real do valor faz com que “sua percepção não esteja à altura 

da empiria”230. Pois uma série de problemas de percepção se originam na restrição da visão às 

categorias da mercadoria, dentro das quais se pretendem resolver os problemas. Um  olhar  

ofuscado  pelo   brilho   aparente   dos   vencedores   ocidentais   no   mercado   mundial   que   evita 

propositadamente os fenômenos de crise do Ocidente; uma  percepção seletiva  que esconde 

que  o  sistema produtor  de  mercadorias,  em seu  atual  nível  de  desenvolvimento,  tem  que 

produzir perdedores em massa; a visão distorcida da contabilidade eclética dos lados bons e 

ruins de um sistema social (Kurz, 1995: 143­52).

228 “A ética kantiana consiste em uma concepção da transição para a sociedade da era do capital, com toda a sua grandeza e miséria. E como em todas as épocas de transição, o voluntarismo da escolha é um tema central. Todavia, a escolha de Kant é bastante rígida, não comportando alternativas” (Menegat, 2006: 170).

229 O resultado da deficiência do Japão “na adaptação à sociedade em rede e à nova economia foi estagnação econômica  permanente   [...]   a  questão não  é   se  o   Japão pode  se  manter   igual  no  meio  de  um mundo globalizado – não pode. A questão é o custo, e as convulsões internas através das quais esse processo de  adaptação   e   mudança   terá   lugar”   (Castells,   2003:   106­7;   itálica   minha).   “Elementos   estruturantes   da produção material da vida social, como a divisão do trabalho, são subsumidos nestes conceitos em que a sociedade administrada se reflete [i.e.  ação social],  em nome de um realismo metodológico que apenas compreende o processo social com base em fatos tomados isoladamente”. Arquivar o saber da sociedade em forma de dados “lhe permite tratar as disfunções não como uma manifestação do todo, mas como uma incongruência da parte” (Menegat, 2003: 59­60). 

230 “Necessitamos mobilizar a imaginação precisamente para seguir estando à  altura da empiria,  por muito paradoxal que soe” (Günther Anders apud Gomez, 2010).

169

5. Das forças produtivas enquanto meio à racionalidade tecnológica 

“O esquema de Marx sobre o papel das forças produtivas foi mobilizado pelo marxismo histórico somente em relação à história interna do sistema produtor de mercadorias, mas não no que se refere à superação desse próprio sistema. De fato, a contradição entre forças produtivas e relações de produção só conduz à crise absoluta no final da história sistêmica de desenvolvimento e no limiar  da  superação.  Mas desde  o  início  ela   foi   também o motor   interno do desenvolvimento capitalista que levou a crises relativas ('crises de afirmação') e superou as formações históricas obsoletas do sistema produtor de mercadorias”. A questão é que “coube involuntariamente ao marxismo/socialismo   [...]   a   tarefa   de   representar   as   forças   produtivas   (fordistas)   mais progressivas  do   momento   para   um   novo   surto   de   desenvolvimento   do   sistema   produtor   de mercadorias” (Kurz, 1997).

Schwarz (1999: 3) exemplifica com o Seminário de Marx dos anos '60 em São Paulo, 

um caso periférico desse marxismo, restrito aqui à agenda local de superação do atraso por 

meio da industrialização. A infecundidade dessa leitura já “abstrata e acanhada em relação ao 

curso efetivo do mundo” naquele momento, tornava­se ainda mais evidente em 1995. Aquele 

marxismo brasileiro “convertido numa ideologia da industrialização retardatária”, tinha o 

objetivo de “convergir com o mesmo nível de riqueza e poder dos Estados do núcleo orgânico 

da economia capitalista mundial”. Arantes (2004: 148­150) chama a atenção para o ambiente 

construtivo  da   intelectualidade   como   um   “imperativo   próprio   da   periferia,   condenada   a 

superar   o   subdesenvolvimento   para   não   ser   rebaixada   à   condição   de   nação   pária”.   Esse 

imperativo explica em parte o fato de que essa intelectualidade se tornara paradoxalmente 

impermeável  à   negatividade   característica   da  Teoria  Crítica.  Ficou  pendente  naquela   re­

leitura do marxismo enfrentar as “relações de definição e implicação recíproca entre atraso, 

progresso e  produção de mercadorias”,  o que implicava a referência a outras fontes do 

marxismo e da obra do próprio Marx: a crítica  do fetichismo da mercadoria,  a  lógica da 

mercadoria na própria produção e normalização da barbárie (Schwarz, 1999: 17­9). 

Castells é um exemplo de manutenção dessa versão 'fraca' de transformação apontada 

por Kurz, restrita, já no tempo de desconto, a mais um desenvolvimento das forças produtivas 

na história interna do sistema produtor de mercadorias. A pertinência da formulação de Kurz 

(1997) é  absoluta:  Castells  exprime “uma crítica restrita à  história interna dos estágios de 

170

desenvolvimento tornados obsoletos do sistema produtor de mercadorias ainda inesgotado e 

uma afirmação cega da última e mais nova figura técnico­material do capital”.

Em 1973, Castells denunciava que “no nível econômico quase todos os reformismos 

esbarram com o mesmo obstáculo incontornável: tentam reajustar a distribuição do produto 

sem alterar as bases mesmas da estrutura produtiva, e baseiam nessa política de dádivas sua 

capacidade de integração social” (1973: 27). Deduzia­se do diagnóstico da incompatibilidade 

entre a lógica capitalista e o desenvolvimento das forças produtivas que a classe trabalhadora 

seria   a   única   capaz   de   alterar   essa   base   produtiva.   Se   o   capital   revolucionariamente 

transformou   por   si   mesmo   a   estrutura   produtiva,   não   fica   mais   lugar   que   para   aquele 

reformismo:   adequar­se   à   mais   nova   base   produtiva   para   gerar   recursos   e   distribuir231. 

Produtividade, desenvolvimento de forças produtivas, inovação, continuam em pé no sistema 

teórico   de   Castells,   depois   dessa   viagem   toda.   Mas   agora  perdendo   qualquer   tipo   de 

radicalidade. 

A   des­radicalização   intelectual   é   uma  transformação   da  racionalidade,   de   força 

crítica em força de ajuste e submissão. No último Castells indivíduo, autonomia, liberdade, 

ficam submetidos racionalmente aos ditames do aparato. As categorias do pensamento crítico 

viram força de submissão pós derrota das forças da esquerda e reestruturação capitalista. 

Várias   passagens   nas   primeiras   obras   de   Castells   tematizam   a   necessidade   da 

coexistência de ideias radicais junto ao processo de luta social, e o beco sem saída com que se 

topam as ideias sem revolução232. Em 1983, Castells (1983: 276 e 285) percebe a necessidade 

de um sujeito que articule demandas em dimensões múltiplas como condição da mudança 

social. Consciente do dilema das ideias sem revolução, atenta para o descompasso entre as 

ideias e a sua força233.  A  impotência da transformação objetiva é analisada como um limite, 

231 Tratar­se­ia da “reconstrução de novas formas de controle social sobre novas formas de capitalismo” (PI: 137).

232 Em 1972, há nos 'acampamentos' no Chile um processo de mobilização e construção de gérmens de novos modos  de  vida,  mas   faltam as   ideias   (1972:  54,  64).  Em 1983,  por   exemplo,   tematizando  a  perda  de radicalidade da Mission Coalition Organization de San Francisco, a finais dos anos 60, tenta encontrar uma explicação   para   o   processo   segundo   o   qual   “as   mesmas   pessoas   com   as   mesmas   ideias,   que   tinham conseguido impor um firme controle das pessoas sobre o conteúdo e a administração de programas públicos para o bairro, se deixaram perder numa selva burocrática e portanto isolaram­se da sua comunidade” (1983: 123).

233 “Os movimentos sociais  urbanos apontam à   transformação do sentido da cidade sem serem capazes  de 

171

como   uma   fragilidade:   os   atores   históricos   que   deviam   enfrentar   os   desafios   globais 

fracassaram.  Para  Castells,  a   internacionalização  da  produção   fez  com que  o  movimento 

operário  perdesse a capacidade de controle  da economia.  E então,  “quando as pessoas se 

encontram incapazes de controlar o mundo, simplesmente reduzem o mundo ao tamanho da 

sua comunidade. Portanto, os movimentos urbanos tratam sim das questões reais do nosso 

tempo,   embora   nem   na   escala   nem   nos   termos   adequados   à   tarefa”   (1983:   329­31). 

Percebemos a consciência de uma derrota e uma regressão histórica. Ainda, a ideia de que “a 

história não se repete, mas quando as contradições se mantém não resolvidas, tornam­se mais 

agudas” (idem: 121).

Décadas depois, após repressões e derrotas das esquerdas, segundo o renovado juízo do 

autor as ideias libertárias continuam mas, agora, aquele encontro das ideias radicais com o 

processo de luta não é mais exigido234.

Castells (2003: 13) lembra maio de 68 como uma das experiências mais belas de sua 

vida,   onde   a   revolução   era   possível   enquanto   “mudança   da   vida,   do   ser,   do   sentir,   sem 

intermediação política”.  Décadas  depois,   ele  considera  que  a  despeito  da  derrota  política 

daquele movimento, persistiram suas  ideias e ideais, “mudando nossa maneira de pensar, e 

consequentemente,   através   de   muitas   mediações,   nossas   sociedades”.   As  mudanças   das 

últimas décadas seriam, então, para Castells, uma revolução sub­repticia dos ideais de 

maio de 68235.

Quem são os sujeitos desse processo sub­reptício de revolução? Mudanças na estrutura 

de classes236  e  no poder237  na sociedade em rede definem para Castells novos processos de 

transformar a sociedade”. Não podem ser uma 'alternativa social', só o 'sintoma de um limite social' (1983: 327).   “Incapazes   de   gerar   mudança   social,   as   revoltas   dos   bairros   urbanos   tenderam   à   violência interpessoal” (idem: 67). Ou dos movimentos urbanos políticos “como os de Monterrey ou Ixtacalco [que] só são capazes de se estabilizar se as relações de poder entre as classes sociais mudam em favor das classes populares” (idem: 199).

234 Há um gérmen, em 1983, da celebração da força das ideias, desprovidas de força material: La Vaguada, bairro de Madri, “nunca se tornou uma terra liberada de vizinhos livres,  mas seu mito despertou novas possibilidades na maneira de projetar a cidade” (Castells, 1983: 251).

235 Cabe notar que, de maneira semelhante, para Touraine, a institucionalização do estruturalismo esvaziou 68 do seu conteúdo, de sua vivência. “A vivência­68, expulsa da universidade, reencontra­se nas mulheres, nos trabalhadores imigrados, nos homossexuais, que mudam a sociedade” (Touraine apud Dosse, 1994: 168).

236 “a segmentação dos trabalhadores, a individualização do trabalho e a difusão do capital nos circuitos das finanças globais, em conjunto, provocaram o desaparecimento gradativo da estrutura de classes na sociedade industrial” (FM: 423­5; PI: 423­4).

237 “o poder na Era da Informação é a um só tempo identificável e difuso [...] é uma função de uma batalha 

172

dominação e o protagonismo decorrente de novos atores sociais como agentes de mudança. Os 

atores   sociais   e   políticos   agora   são   os   produtores   de   símbolos   e   os   meios   da   luta   são 

exatamente os códigos culturais. A batalha é eminentemente cultural. “Os agentes que dão voz 

a   projetos   de   identidades   que   visam   à   transformação   de   códigos   culturais   precisam   ser 

mobilizadores   de   símbolos”   (PI:  425).   Outro   agente   é   “uma   forma   de   organização   e 

intervenção descentralizada e integrada em rede, característica dos novos movimentos sociais, 

refletindo a lógica de dominação da formação de redes na sociedade informacional e reagindo 

a ela” (PI: 426) Destaca o movimento anti­globalização que ele analisa como um movimento 

por outra globalização238.

Perdeu­se no caminho a consciência do  descompasso entre as tarefas exigidas e a 

escala da ação dos sujeitos. Agora são imbuídas tarefas exageradas, a mudança libertária do 

mundo, para atores pequenos, os hackers239:  “o sistema de inovação precisa desta forma ágil 

de espírito  empresarial:  pessoas que  têm uma ideia,  acreditam nela e  conseguem que ela 

transforme o mundo” (2002: 229). Inovando “pelo fim de inovar, por seu prazer, por seu valor 

de uso”,  “fornecem as aberturas   imprevistas  que o sistema (econômico,   institucional)  não 

pode gerar por ele mesmo”. Hacker é  usado por Castells no  sentido dado pelo seu colega 

Himanen   de   “paixão   para   criar,   sem   se   importar   pelos   usos   da   criação”  da   “ideologia 

individualista   libertária  de   fazer  eu  mesmo para  mim mesmo”   (idem:   40).  Ainda  que  se 

enfatize a capacidade de inovação social dos hackers, pode se perceber claramente o âmbito 

de ação e transformação dos hackers: a economia informacional, o âmbito empresarial240.

ininterrupta pelos códigos culturais da sociedade” (PI: 423).238 “Eu   considero   o   movimento   anti­globalização,   em   toda   a   sua   extraordinária   e   ainda   contraditória 

diversidade, como o equivalente histórico do indisciplinado movimento da classe trabalhadora que emergiu no estágio inicial do capitalismo até que se conformou no movimento de trabalhadores, e iniciou o processo de debate, negociação e institucionalização do conflito que deu nascimento à moderna sociedade industrial” (2003: 65).

239 Na análise de Roberto Schwarz dos romances de Joaquim Manuel Macedo, o realismo miúdo, de um lado, e a  trama extremada do enredo romântico,  do outro,  implicavam uma combinação inverossímil de duas convenções literárias incompatíveis. O resultado não convencia pois pessoas tão acanhadas não podiam se envolver   nas   intrigas   romanescas   (Cfr.   Arantes,   1992:   75).   Pessoas   tão   acanhadas   como   os   “bons capitalistas” (contrapostos aos capitalistas maus que só visam o lucro), hackers, empresários inovadores, não podem se envolver nas intrigas romanescas que Castells lhes prepara, como a tarefa, talvez até mais épica que   romanesca,   de   efetivar   as   promessas   da   sociedade   informacional.   São   tarefas   exageradas   para personagens rasteiros. 

240 “A cultura libertaria é um ingrediente essencial do sistema de inovação em Silicon Valley” (Castells, 2003: 36). “Na concorrência global, a ideia de colaboração em rede inserida na ética hacker é  crucial [...] Na concorrência global, não se necessita de uma revolução mas sim de uma rede de rebeldes” (Castells, 2002: 63).

173

O capitalismo informacional seria contestado pelos sujeitos que ele próprio criou, em 

direção  a   uma   sociedade   aberta,   em   rede   e   solidária241.  Novos   coveiros  substituem   o 

proletariado, mantendo a teleologia positiva. 

Num sentido  mais  abrangente,  essa  leitura   faz parte  da  matriz  de pensamento  dos 

autores de Imperio. Em Hardt e Negri, a cooperação seria imanente ao trabalho imaterial que 

é portanto potencialmente uma “espécie de comunismo espontâneo e elementar”. Há neles a 

esperança de alterar as relações de propriedade,  de que o trabalho possa emancipar­se do 

capital continuando a existir enquanto trabalho, e uma percepção da vitalidade da acumulação 

capitalista. Os movimentos de protesto depois de 1968 teriam contribuído para a difusão do 

trabalho   intelectual,   afetivo   e   imaterial,   valorizando   “a   mobilidade,   a   flexibilidade,   o 

conhecimento, a comunicação, a cooperação, a afetividade”.  Ainda, compartilhariam parte do 

público ao qual se dirigem:  Império “sugere às novas camadas médias da população, que 

ganham o pão de cada dia no setor 'criativo' – informática, publicidade, indústria cultural – 

que são elas o novo sujeito da transformação social.  O comunismo será   realizado por um 

exército de micro­empresários da informática” (Cfr. Jappe, 2006: 259). Podemos pensar na 

redefinição do público da produção intelectual como uma das marcas do processo de des­

radicalização.

Em 1970, Schwarz vinculava ao corte que significou a repressão e a derrota das forças 

de esquerda nos anos '60, a mudança de sentido das soluções formais estéticas e das formas 

políticas que estavam sendo criadas no momento anterior:  “O processo cultural, que vinha 

extravasando as fronteiras de classe e o critério mercantil, foi represado em 1964. As soluções 

formais,  frustrado o contato com os explorados, para o qual se orientavam, foram usadas 

em   situação   e   para   um   público   a   que   não   se   destinavam,   mudando   de   sentido.   De 

revolucionárias passaram a símbolo vendável da revolução” (Schwarz, 2005a: 37).  Essa 

“espécie   de   floração   tardia”   do   movimento   cultural,   é   analisada   em   termos   de   uma 

“hegemonia ideológica sem força física” (idem: 53). Em 1978, Schwarz atualiza a análise do 

percurso das formas estéticas, ao notar que “dia a dia está mais evidente o parentesco, e não o 

241 “o processo de corrosão da família patriarcal, induzido acidentalmente pelo capitalismo informacional e perseguido intencionalmente pelos  movimentos sociais  culturais” (PI:  278).  “A fuga em direção a uma sociedade aberta e em rede levara à  ansiedade individual e à  violência social, até  que novas formas de coexistência e responsabilidade compartilhada sejam encontradas” (PI: 277).

174

antagonismo, entre a inovação pela  inovação [na arte]  e o movimento geral da sociedade. 

Basta pensar na produção pela produção, na revolução tecnológica e científica, e na vocação 

modernista   da   publicidade.   Noutras   palavras,   quando   se   confina   à   dimensão   técnica,   o 

radicalismo experimental é hoje uma atitude benquista e alienada como outras. À semelhança 

do que se passa no campo das forças produtivas, o progresso técnico em estética chegou a um 

impasse” (2005b: 155­6). 

Atentando,   então,   para   a  “metamorfose   liberal   dos   libertários  daquela   revolução 

cultural que acabou alimentando a teoria e prática de 'flexibilidade' do novo capitalismo em 

rede” (Arantes, 2004: 142), talvez possamos concordar com Castells e sua ideia de que os 

ideais de 68 se apossaram do mundo, mas de um maio de 68 na chave de leitura de Raymond 

Aron (1988: 92­3) que aponta para as “contradições de uma época que legitima os valores 

que recusa”. As cobiças de maio de 68 “não têm conteúdo, voltadas nelas próprias em lugar 

de estar voltadas ao mundo” (idem: 325­6). O autor refere­se aos “mitos de maio de 68 ­o 

direito ao desejo, a palavra festiva, o múltiplo, ­ e suas contradições – a estrutura que dirige o 

informal, o código que ordena o diverso, o culto dos gurus na denuncia da mestria” (idem: 

338). 

Desta maneira,  os ideais de liberdade são engolidos pelo existente242. No beco sem 

saída das  ideias sem revolução, a cultura  libertária vira  individualismo e a revolução vira 

inovação pela inovação. A utopia social,  utopia tecnológica.  O valor da inovação se  torna 

abstrato.  Para Castells   (2003:  2),  as   ideias   libertárias   são em si  mesmas a   libertação,  “a 

verdade em si mesma é revolucionária, pois empodera as pessoas com uma compreensão de 

suas vidas e seu mundo'”. Castells  confia nos valores e na verdade dum mundo no qual 

eles têm perdido força, pelas próprias mudanças que o autor tematiza243. É uma vitória na 

242 Nas palavras do próprio Castells: “Seu espírito libertário exerceu influência considerável no movimento para   os   usos   individualizados   e   descentralizados   da   tecnologia.   Sua   profunda   separação   da   política trabalhista tradicional contribuiu para o enfraquecimento da mão­de­obra sindicalizada e, com isso, facilitou a reestruturação capitalista. Sua abertura cultural estimulou a experimentação tecnológica com manipulação de símbolos, constituindo um novo mundo de representações imaginárias que evoluiriam para a cultura da virtualidade real” (FM: 416). O próprio Castells refere­se ao “maior individualismo e atitudes mais egoístas em Silicon Valley que no resto dos EUA” (Castells, 2003: 37).

243 A experiência histórica parece indicar, ao contrário, que “a verdade consegue impor­se apenas na medida em que nós a impomos; a vitória da razão só pode ser a vitória daqueles que a possuem” (Bertold Brecht, “Vida de Galileu”, em: http://entreaspas.org/temas/vitoria)

175

derrota, pois é uma vitória das ideias sem força objetiva. 

A des­radicalização consiste neste ponto em fazer da necessidade virtude244. É o que 

Arantes (2004: 16­22) chama de fome de imanência na transformação da tradição crítica da 

inteligência em estupidez, que leva à resignação, a seguir as regras do jogo, ao predomínio do 

cálculo dos  experts  em sobrevivência, faz com que o saber herdado que antes esclarecia e 

prometia libertação, se converta no seu exato oposto conformista. 

Essa  transformação do saber herdado de libertário a conformista, pode ser analisado 

em Castells justamente no lugar das forças produtivas no seu percurso. 

Aquela   promessa   dos   resultados   qualitativos   que   devia   gerar   o   desenvolvimento 

capitalista,  como base para  a  emancipação,  pode ser  avaliada como um  valor  de verdade 

crítico.   A   racionalidade   crítica   interpretava   ali   o   processo   social   em   termos   das 

potencialidades   que   continha.   A  racionalidade   tecnológica   mantém   a   estima   pelo 

desenvolvimento   das   forças   produtivas,   mas   eliminando   qualquer   objetivo   ou   valor 

transcendente. 

A mediação crescente entre as forças produtivas e as relações de produção implicou 

um desafio   para   a   teoria,   que  levou   a  um conjunto  de   intelectuais   ao  abandono  do  que 

entendiam como campo de referência da teoria marxista, pela perda de seu caráter explicativo. 

Mas, longe de superá­la, acabaram re­pondo aquela polaridade entre forças produtivas e 

relações de produção,  revestindo­a com outros nomes,  hipostasiando a análise das forças 

produtivas,  e apagando a análise das relações de produção, sem percebê­las ocultas como 

segunda natureza. 

Se, para Castells as mudanças atuais são uma revolução sub­repticia dos ideais de maio 

de 68 também podemos interpretar que  a própria estratégia política endossada por ele em 

1977, do duplo movimento da socialização da produção e da dissolução do Estado, está 

acontecendo agora, já  sem a referência do socialismo. Não são esses processos analisados 

pelo autor na sociedade em rede, a despeito da derrota das forças de esquerda? Socialização 

da produção, agora em termos de interconexão global em rede da produção, e dissolução do 

244 Em 1918 Rosa Luxemburg avaliou nestes termos a revolução russa: “eles realmente fizeram aquilo que se poderia  fazer  em condições  difíceis.  O perigo começa no ponto onde,   fazendo da necessidade virtude, cristalizam em uma teoria acabada a tática que adotaram sob aquelas condições fatais” (Luxemburg apud Lowy, 1979: 145).

176

Estado­Nação, com o movimento duplo de fortalecimento dos poderes locais e a criação do 

Estado em Rede a nível global. 

“O processo técnico é concebido como natural, ou mesmo como sendo já socialista, 

uma vez que já está socializado no plano material”; o proudhonismo, existente também no 

interior   do   marxismo   tradicional,   “é   uma   tentativa   de   conservar   a   produção   capitalista, 

identificada somente com a técnica, e de alterar apenas o que diz respeito à distribuição e à 

circulação”,  consequência da  identificação entre  a  crítica  do valor  marxiana com a teoria 

ricardiana do valor   trabalho  (Jappe,  2006:  99).  “O capitalismo tardio bem que coloca  na 

ordem do dia a necessidade objetiva e a possibilidade de enfraquecimento da lei do valor. A 

revolução tecnológica torna possível, nesse contexto, um desdobramento de uma sociedade 

em rede e o aprofundamento da mundialização bem que desfaz as Nações. Mas o capitalismo 

senil se ocupa, pela violência que o acompanha, em anular todas essas potencialidades de 

emancipação” (Amin, 2002: 100). 

A  socialização da produção  que Castells celebra é aquele “comunismo das coisas” 

analisado por Kurz como “emancipação negativa e errada”. Não atenta para a inerente falta de 

capacidade crítico­reflexiva nesse processo de socialização.

Lá pelo ano 1997 o psicanalista Joel Birman (1997) tecia comentários sobre a nova 

forma de cultura e a maneira de ser das individualidades, quando novos contatos mediatos de 

terceiro grau, mediados pelas técnicas de comunicação à distância, passavam a substituir os 

contatos imediatos entre as pessoas. Atentava, então, para a perda da memória, a mudança dos 

humores, a perda de parcelas significativas da sensorialidade direta e das paixões provocadas 

pelo impacto dos outros. Fundamentalmente, analisava as individualidades se transformando 

em   seres   estranhos,   em   verdadeiros   autômatos,   pela   perda   dos   traços   de   pulsação,   pela 

desafecção total se instituindo como habitus da existência. Avaliava que estávamos individual 

e socialmente diante de uma escolha no enfrentamento entre a lógica pulsional e a lógica 

maquínica245. Mas não encontramos em Birman uma demonização em abstrato da tecnologia: 

245 As relações entre os homens são cada vez mais mediadas pelo processo da máquina. Os equipamentos que facilitam o contato entre os indivíduos interceptam e absorvem sua libido (Marcuse, 1999: 81).

177

se os automatismos tecnológicos passam a regular as individualidades e as suas relações, a 

tecnologia pode também “possibilitar  o  imprevisível”.  A questão é  que a efetivação dessa 

possibilidade  depende  de  uma   condição  muito   específica:   apenas  quando   a   tecnologia  é 

“utilizada por um sujeito que não suporta mais conviver com esse vazio existencial e com a 

monotonia entediante desse universo mediocrizado”, somente quando “alguém ainda pulsa e 

deseja ser afetado, a tecnologia pode se inscrever num outro registro” (idem: 221).

“A adequação é um imperativo realizado plenamente, é o direcionamento das pulsões 

para o trabalho estranhado e para as necessidades fictícias. Esta lógica segue a trajetória 

desenhada   por   Birman,   na   qual   o   ego   ideal   se   realiza   no   fetichismo   do   dinheiro   e   da 

mercadoria”  (Menegat,  2003:  99).  O narcisismo é  uma  'saída  lógica',  no “direcionamento 

sobre si mesmo de parte desta força pulsional  inutilizada pelas formas da objetividade da 

relação   com   o   outro”   (idem:   105).  Birman   (1997:   228)   aponta   a  correlação   entre   a 

construção da cultura do narcisismo e a terceirização da economia, onde para sobreviver 

as individualidades precisam trabalhar sem parar, de maneira ininterrupta, onde se trata de 

maximizar   pragmaticamente   a   produtividade   do   trabalho.   E   a   cultura   do   narcisismo 

justamente está na base da perda de substância das ideias ligadas aos laços sociais e inter­

humanos pois a dita cultura “estica as premissas do individualismo ao seu extremo, rompendo 

com   valores   e   com   noções   que   ainda   imperavam   no   modelo   individualista   originário”, 

deixando de lado as problemáticas da alteridade e da intersubjetividade.

Em Castells a ausência de uma crítica do trabalho estranhado e das necessidades 

fictícias  faz com que a tecnologia informacional se ponha ao serviço dos impelimentos das 

novas condições do mundo do trabalho. Na afirmação imediata do desenvolvimento das forças 

produtivas  tudo   deverá   ser   posto   ao   serviço  da   inovação   que   gera   produtividade   e 

competitividade246.

Marcuse   (1999:   91)   assinalava   que   a  padronização,   exigida   pelas   demandas 

profissionais e efetivadas pelo treinamento vocacional, faz da 'personalidade' um “meio para 

246 Essa matriz faz parte do que Paulo Arantes chama uma “esquerda de resultados, que ainda sonha com uma regulação civilizatória do capital, do tipo redução da jornada de trabalho sem (?) perda salarial e na louvável intenção   de   estancar   a   crise   da   sociedade   do   trabalho   e   contribuir   (por   que   não)   para   incrementar   a competitividade das respectivas economias nacionais ou regionais, conforme o voto não menos piedoso do par de vasos Bourdieu/Touraine” (Arantes, 2004: 245; itálica minha).

178

atingir   fins   que   perpetuam   a   existência   do   homem   como   instrumentalidade”.   A 

individualidade   recompensada   é   só   “a   forma   especial   em   que   o   homem   percebe   e 

desempenha, dentro do padrão geral, certas tarefas a ele atribuídas”. De unidade de resistência 

e   autonomia  o   indivíduo  passa   a   unidade  de  maleabilidade   e   adaptação.   Isso   tem  ainda 

consequências sobre o conjunto,  pois  “as massas coordenadas não anseiam por uma nova 

ordem,   mas   por   uma   fatia   maior   da   ordem   dominante”.  Expressão   da   racionalidade 

tecnológica,  na  prescrição  de  Castells  de   se   tornar   força  de   trabalho  auto­programável  o 

indivíduo   passa   de   unidade   de   resistência   e   autonomia   a   “unidade   de   maleabilidade   e 

adaptação”  Para Castells (2002: 2),  as pessoas  devem servir à inovação enquanto “força de 

trabalho autoprogramável e de alto nível”, “principal fator de produção para gerar vantagem 

competitiva na economia informacional”. 

O Estado é então um fornecedor de seres humanos bem cuidados... para a inovação! O 

desenvolvimento dos seres humanos é  um meio para  inovar e se  tornar competitivo.  Para 

Castells (idem: 43­4) a lição principal da Finlândia é que “o Estado de bem­estar não só não é 

um obstáculo, mas pode ser um fornecedor crucial de seres humanos bem­cuidados, que são, 

afinal, a fonte principal de inovação”. Pouco depois do estouro da crise mundial de 2008, 

Castells (2009) recomenda, nas condições de flexibilização do mercado de trabalho, “contar 

com uma boa formação de base que permita reprogramar a própria atividade em função dos 

interesses próprios e  da demanda do mercado”.  A  liberdade  deve servir  à   inovação.  Nos 

EUA, “a obsessão com a segurança nacional pode pôr em perigo a liberdade, e sem liberdade 

não há inovação”. “A preocupação com a segurança, fechando de certa forma as fronteiras, 

pode pôr em perigo a estratégia dos recursos humanos como fonte da produtividade” (2003: 

115­16).

As férias, inclusive, devem servir à produtividade. Propõe isso, aliás, fazendo um uso 

aberrante do “direito ao ócio” de Paul Lafargue. Em 2009, escreve:

“os estudos internacionais sobre os orçamentos familiares mostram que, ainda em situações de crises, as férias não se criam nem se destroem, mas se transformam [...] Temos pressão demais na nossa vida cotidiana para renunciar a esse espaço de liberdade no uso do tempo, conquistado faz anos   através   de   uma   dura   luta   social   que   conseguiu   impor   o   que   Paul   Lafargue   chamou provocadoramente faz mais de um século 'o direito ao ócio'. Que não é preguiça, senão distração, que não é gandaia, senão descompressão, no fundo para continuar na carreira cotidiana durante mais tempo e com mais intensidade.  As férias bem entendidas são produtivas para a economia, tanto na oferta (pôr em forma o trabalhador) quanto na demanda (setor decisivo como mercado de 

179

serviços)” (Castells, 2009b)247.

Muito  pelo  contrário,  Paul  Lafargue  denunciava  a  “estranha   loucura”  que   tinha   se 

apoderado das classes operárias das nações onde dominava a civilização capitalista, a loucura 

do “amor ao trabalho”. Achava vergonhosa a atitude do proletariado francês que, depois de 

1848, aceitava como uma conquista revolucionária a lei que limitava a doze horas o trabalho 

nas fábricas;  que proclamava como um princípio revolucionário o direito ao trabalho; que 

prestava ouvidos  aos  economistas que continuavam repetindo “trabalhem para aumentar  a 

riqueza social”. E “em lugar de aproveitar os momentos de crise para uma distribuição geral 

dos produtos e uma folga e regozijo universais, os operários, mortos de fome, vão a bater a 

cabeça contra as portas da fábrica”248. 

Assim, enquanto Paul Lafargue fazia uma crítica feroz e radical à sociedade burguesa, 

Castells fazendo uso de seu nome, incorpora as férias, o descanso, a distração, como parte 

fundamental da engrenagem dessa sociedade. As férias são produtivas para a economia, então, 

aproveite­as! Uma amostra aberrante da sua adoção da sociedade burguesa e do modo de 

produção capitalista como horizonte social.

Vimos  que,  nos  anos  70,  além do desenvolvimento  das   forças  produtivas,  Castells 

inseria   como   elemento   fundamental   da   construção   histórica   das   necessidades   sociais   a 

correlação de forças das classes. E ainda criticava certos costumes e modos de vida resultado 

de necessidades criadas pelos desenvolvimento das forças produtivas, como o uso extensivo e 

individual do carro nas cidades. Agora funciona como pano de fundo não explicitado uma 

dialética positiva das forças produtivas, isto é, a celebração imediata de novos produtos que 

geram novas necessidades. 

Castells analisava nos 70 a expansão do uso da publicidade para gerar mercados como 

contra­tendência da queda tendencial da taxa de lucros. Agora, é  simplesmente legitimado 

como  uma   fonte  genuína  de  valor.  O modelo  da  Nokia  é   um exemplo   a   seguir,   por   ter 

percebido “antes dos seus concorrentes, que o telemóvel não é apenas uma ferramenta técnica 

destinada   a   um número   limitado  de  utilizadores  do  mundo  dos  negócios,  mas  antes   um 

247 “El   obrero...   es   un   consumidor   productivo   para   la   persona   que   lo   emplea   y   para   el   Estado,   pero, estrictamente hablando, no lo es para sí mismo” (Malthus apud Marx, C II, 22, 705).

248 Paul Lafargue. “Derecho a la pereza”. Disponível em: http://www.marxists.org/espanol/lafargue/1880s/1883.htm. 

180

instrumento   ao   serviço   do   conjunto   dos   cidadãos”,   que   tenha   entendido   muito   cedo   “a 

importância   da   experiência   simbólica   como   fonte   de   valor”'   (2002:   40)249.   Celebra­se   a 

produtividade nos setores financeiros, uma das flagrantes manifestações contemporâneas das 

desmedidas   do   capital:   “os   serviços   financeiros   são   o   melhor   exemplo   de   como   a 

informacionalização está a contribuir para aumentar a produtividade noutros setores que não 

pertencem à área de produção de Tecnologias de Informação” (idem: 34).

O   conceito   de   indústria   cultural   inseria   o   problema   da   revolução   na   análise   do 

problema   estrutural   da   cultura   produzida   pela   sociedade   burguesa.   Era   uma   das 

materializações criadas pelo desdobramento do excesso de poder social atingido pelas forças 

produtivas que se seguiu à  derrota da revolução. E permitia compreender os impasses das 

forças   produtivas   sem   revolução,   do   poder   social   sem   revolução,   da   abundancia   sem 

revolução. Permitia criticar a natureza da produção de bens, e ainda sua dimensão simbólica, 

no duplo papel econômico e ideológico que solidifica os laços de adesão com a ordem de 

produção.

Enquanto   isso,   no   momento   em   que   a   economia   da   concorrência   se   afastou   das 

necessidades das massas como jamais antes em sua ascensão histórica (Kurz,  1992:  150), 

Castells passa  de uma difusa teoria crítica das necessidades a uma empiria acrítica das  

necessidades.  A distinção entre valor de troca e de uso e a necessidade de des­capitalização 

das cidades e das relações sociais, ainda presente em 1983, contrasta com a naturalização atual 

do modo de produção capitalista enquanto horizonte. 

Para Fiori   (1997:  143­4),  quando "desaparece aparentemente a  possibilidade de um 

'horizonte socialista', não foi difícil para estes intelectuais marxistas readequarem aos novos 

249 “A nova­antropologia, curiosamente, dedica uma parte considerável do seu esforço para estudar o que tem chamado de neo­fetichismo, que consistiria nas relações particulares do consumidor com a mercadoria”, o “ato cultural que transcende o valor de uso das mercadorias (!!), que é a própria cultura do consumo, na qual se   realizam formas  de  identidade  não concebidas  no uso dado a elas  pela   indústria   [...]  A formulação conceitual de boa parte da auto­proclamada cultura pós­moderna procura elaborar essas novas condições da experiência.  Contudo,  o   seu  pressuposto  é   a  aceitação dessas  condições”   (Menegat,  2006:  270).   “Essa dimensão prática do uso do estruturalismo explica igualmente a importância das saídas oferecidas hoje à linguística pelo desenvolvimento das 'indústrias da língua', da informática”. Dá­se uma ruptura de geração. A nova “pode reiniciar a pesquisa sobre objetivos simultaneamente novos e, desta vez, integrados no interior das  modernas   tecnologias”,  por  exemplo,  a   'escolha  de estruturas  de palavras'  para  um dicionário  com controle ortográfico. É a passagem das humanidades literárias aos engenheiros (Dosse, 1994: 457).

181

tempos as mesmas teses, as mesmas deduções e o mesmo dogmatismo”. Essa readequação 

faz com que o  desenvolvimento das  forças produtivas  seja revestido de outros nomes, seja 

procurado com outras estratégias, e tenha outro horizonte de referência: “em vez de ser em 

nome   do   socialismo   futuro,   será   em   nome   apenas   de   uma   modernidade   abstrata.   Neste 

sentido, aliás, pode­se dizer com toda a certeza que aqueles que um dia foram intelectuais 

críticos e que hoje estão aliados à direita continuam tão ou mais utópicos do que antes”250. 

 

Mas,  a  despeito  do   reconhecimento  de  continuidades  nessa   trajetória   intelectual,  a 

aparência imediata é a de uma mudança ciclópica de orientação ideológica onde nada fica 

em pé. Por isso, é preciso para esses intelectuais elaborar algum tipo de auto­justificação. 

Vimos que na Galaxia Internet Castells justificava o realismo adaptativo pela limitação 

das trajetórias de desenvolvimento tecnológico. Essa noção de realismo também aparece na 

camaradagem   entre   FHC   e   Castells   na   trilogia.  No   prefácio   à   edição   brasileira,  FHC 

considera que pela análise  abrangente e multissetorial de Castells é justa a sua comparação 

com  Economia e Sociedade  de Weber. E que, pelo mesmo motivo  “se torna especialmente 

relevante para os que devem tomar decisões práticas na condução de assuntos de governo”, 

pois  devemos conhecer  essa  sociedade na qual  vivemos,  globalizada e  centrada  no uso e 

aplicação da informação, “se quisermos que nossa ação seja ao mesmo tempo relevante e 

responsável” (SR: 35­7)251. 

Castells  considera  injustificada a  afirmação segundo a qual os anos  90 sejam uma 

década perdida na América Latina em termos de desenvolvimento. Segundo ele, “as reformas 

macroeconômicas   destinadas   a   controlar   a   inflação,   racionalizar   os   gastos   públicos   e 

fortalecer o sistema financeiro foram absolutamente necessárias para ligar a América Latina à 

economia global informatizada que caracteriza nosso mundo”.  A partir daquelas reformas, 

que Castells caracteriza como uma opção para “tirar proveito dos benefícios potenciais de 

250 Também Bourdieu percebeu que talvez não seja por acaso que tanta gente de sua geração “passou sem problemas   de   um   fatalismo   marxista   para   um   fatalismo   neoliberal:   nos   dois   casos   o   economismo desresponsabiliza  e  desmobiliza  anulando a  política  e   impondo  toda  uma série  de  fins  não discutidos, crescimento   máximo,   competitividade,   produtividade”   (Bourdieu  apud  Jappe,   267,   nota   8).   François Maspero afirmava em 1976: “Eis a nova direita. Há dez anos, eram os filhinhos de Marx e da Coca­Cola. Hoje,   tudo  o  que   sobrou   foi   a  Coca­Cola”   (Dosse,  1994:  308).  Neste  caso,  das   forças  produtivas  e  o socialismo, só sobraram as forças produtivas.

251 Castells (2003: 119) lembra que em 1968 passou um mês morando na casa de FHC e ficaram amigos desde então. Castells falou na conferência na qual FHC tomou posse como presidente (idem: 92).

182

articular   a   região   com   o   novo   sistema   global”,   “as   políticas   de   ajuste   tornaram­se   um 

imperativo”. Essas políticas de ajuste teriam sido “tecnicamente bem­sucedidas, embora com 

um elevado custo social” (2002b: 397). Castells julga como excepcional o trabalho de FHC 

como presidente, modernizando o país, acabando com a hiperinflação, e trazendo o Brasil 

competitivamente na economia global, e contribuindo para melhoras em saúde e educação. A 

despeito  disso,  o  Brasil   teima em se  manter  “uma sociedade  injusta”.  O Brasil  seria  um 

“gigante econômico e um desastre social”. Então tratar­se­ia de expandir os benefícios desse 

gigante, se apoiando nas “bases sólidas criadas por Cardoso no nível econômico” (2003: 119­

20).

Na Sociedade em Rede, Castells  justifica a guinada das esquerdas que implantaram a 

globalização, exatamente pelo seu realismo. É, ao mesmo tempo, uma auto­justificação do 

seu próprio percurso intelectual:

 “A guinada irônica da história politica é que os reformadores que implantaram a globalização, no mundo inteiro, provinham da esquerda em sua maioria, rompendo com o passado de defensores do controle governamental da economia. Seria um erro considerar isso uma prova de oportunismo político. Pelo contrario, foi realismo acerca dos novos acontecimentos econômicos e tecnológicos, e a percepção da maneira mais rápida de tirar as economias de sua estagnação relativa” (SR: 186).

Fiori (1997: 121) avalia também a FHC como um realista que “percebeu e aceitou que 

a onda liberal chegou ao Brasil como imposição, e não como opção”.  Mas,  trata­se do que 

podemos   chamar  de  um  realismo  mágico252,   criticado   aqui   por  Fiori   em  termos  de  um 

raciocínio circular: 

“se, por um lado, em nome da globalização – que tudo explica e exige – defendem ou promovem o fim da  proteção social,  a   'flexibilização'  dos  mercados e dos  contratos  de  trabalho,  o  fim da estabilidade no emprego, etc., etc., por outro, oferecem como prêmio aos perdedores a promessa de um futuro  que agora responde pelo mesmo nome de globalização,  ou  novo renascimento. Talvez, em algum tempo mais, para resolver o problema lógico desta circularidade, alguns destes 'cristãos novos' ainda nos presenteie com uma obra sobre 'A Igualdade e a Fraternidade como Fase Superior da Globalização' (idem: 145).

No mesmo parágrafo citado da  Galaxia Internet, Castells (2001: 220) acrescentava o 

seguinte: “é improvável que as sociedades no mundo todo se envolvam livremente em formas 

não­tecnológicas de desenvolvimento ­entre outras razões, porque os interesses e a ideologia 

252 “A estreiteza de conteúdo das revoluções burguesas faz necessária a fraseologia (a magia, utopia abstrata, excesso de imaginação)” (Arantes, 2004: 141). Constitui com novas roupagens a clássica “confiança numa espécie de milagre dialético de que uma relação capitalista levada ao extremo se inverte” (idem: 147).

183

de   suas  elites   estão   profundamente   enraizados   no   modelo   atual   de   desenvolvimento”. 

Cremos ter mostrado o quanto a obra recente de Castells serve à legitimação ideológica desse 

modelo de desenvolvimento.  A percepção dramática da estreiteza objetiva das trajetórias de 

desenvolvimento,   converte­se   em  realismo  adaptativo,   a  necessidade  em virtude,   com a 

legitimação do  horizonte  virtuoso do capitalismo informacional253.  Castells   traduz em 

pseudo­teoria e prescrição as condições da regressão. Na palavra de ordem submissão ou 

estagnação, não há proposta de conciliação dialética com a tecnologia, mas uma submissão 

como aparência de liberdade254. 

A   justificação   teórica   que   Castells   faz   da   abertura   e   integração   dos   países   em 

desenvolvimento à economia globalizada, pelo seu 'realismo', é ao mesmo tempo uma auto­

justificação  do   seu   próprio   realismo   de  se   integrar   como   intelectual  no   mercado   de 

intelectuais globalizados255. Essa integração lhe deu frutos. Cabe recuperar aqui que em 1983 

Castells (1983: 322) lembrou com orgulho que seu aluno Daniel Cohn­Bendit, líder estudantil 

em Nanterre  em 1968,  disse  uma vez a   seus  professores   liberais:  “Para  que vocês   sejam 

reformistas bem­sucedidos, nós temos que ser revolucionários fracassados”. Pois bem, Martin 

Ince (Castells  e  Ince,  2003: 1­2) destaca a boa posição de Castells  no ranking do  Social  

Science   Citation   Index,   mas   também   a   sua   influência   ultrapassando   a   arena   acadêmica, 

atingindo “políticos, executivos, líderes sindicais, ativistas de ONGs, jornalistas e formadores 

de opinião”. Em outubro de 2000 o jornal  Observer  identificou­o como a 139a pessoa mais 

influente na Grã Bretanha. Em 1999 recebeu o Prêmio 1° de maio para o Pensamento Social  

da  Fundação  dos  Trabalhadores  Catalães  da  União  Geral  de  Trabalhadores   (UGT)  e  o 

prêmio  Cambrescat   para   Estudos   da   Internet  da  Associação   Catalã   de  Câmaras   de  

Comércio. Isso serve a Ince para demonstrar o “status especial” do trabalho de Castells. É em 

253 “A ideia de que o capitalismo poderia ajustar­se a transformações libertadoras – quer dizer produzir, mesmo sem querer,... tão bem quanto o socialismo – está no coração da ideologia liberal americana. A sua função é de adormecer e de provocar a perda de medida dos verdadeiros desafios e das lutas necessárias para lhe fazer face” (Amin, 2002: 100).

254 Trata­se de um realismo rasteiro legitimar esse modelo de desenvolvimento pela percepção leviana de que sem a Internet um país atrasado não come: em 2003 Castells felicitava ao então presidente da África do Sul, Mbeki, que ele estivesse “convencido que enquanto não se pode comer a Internet, os países não podem comer sem a Internet, numa economia da informação, em rede, global” (Castells, 2003: 46).

255 Lembremos da sua ironia em relação a sua recusa inicial de se inserir na tecnocracia burguesa da sociologia urbana.

184

efeito um emblema de sua contribuição, não ao capital por um lado e aos trabalhadores pelo 

outro, mas exatamente ao pacto social entre capital e trabalho.

Não casualmente Castells (2002: 18) celebra que, diante da ameaça da crise econômica 

de 1990­1993 na Finlândia, “com a ajuda das políticas públicas, da reestruturação empresarial 

e inovações individuais – e o apoio do Estado de Bem­estar (incluído o contrato social entre 

capital e trabalho) e da identidade legitimadora – a economia conseguiu  refazer­se”. 

Afirmo que a verdadeira auto­justificação não­oficial de Castells de sua trajetória intelectual 

reside na sua identificação com a experiência da Finlândia, onde “o comunismo foi evitado 

canalizando o pensamento socialista para a construção do Estado de Bem­Estar, e houve uma 

aproximação ideologicamente neutra à Europa Ocidental juntando­se ao seu desenvolvimento 

tecnológico” (idem: 200). 

185

CONCLUSÃO: O PÓS­MARXISMO LEGAL E A MANUTENÇÃO REGRESSIVA DA 

ESPERANÇA

“Meu amigo, a imaginação e o espírito têm limites; a não ser a famosa botelha dos saltimbancos e a credulidade dos 

homens, nada conheço inesgotável debaixo do sol”Machado de Assis (2007: 131)

“¿De donde sacó el Personero la idea de que la profesión de un juez es ejercer la justicia? ¡Rebúsquenlo! Los 

Notables de Rancas decidieron quejarse. Era un día de sol  y quizás el áureo despilfarro festoneó los ánimos de una 

esperanza. Nada debilita más al ser humano que las mentiras de la esperanza”Manuel Scorza (2007: 171)

“A esperança é um urubu pintado de verde”Mario Quintana

A geração intelectual da qual tentamos aqui captar a trajetória, com o caso expressivo 

de Manuel Castells, defrontou­se com o seguinte enigma: como se manter progressista num 

tempo regressivo? Como sustentar a esperança?.

Hobsbawm (1982: 84) aponta que, se os marxistas legais russos “tivessem vivido na 

Europa central ou ocidental em lugar da Rússia, certamente se sentiriam muito mais à vontade 

declarando­se   liberais   e   não   marxistas”.   E   Rosdolsky   (2004:   519)   atenta   de   fato   para   o 

posterior abandono, por parte desses intelectuais, do movimento socialista, e a sua conversão 

em ideólogos  da burguesia   liberal   russa.  O  otimismo procurou roupas mais  adequadas 

para o novo momento histórico.

Apesar do seu combate inicial contra o dogmatismo do marxismo vulgar e a tentativa 

de mediação entre a teoria e a prática, a assunção do proletariado e das forças produtivas 

como pontos de vista da crítica inserem o jovem Castells no quadro do marxismo legal. Nos 

anos 70 o marxista Castells recusava a teleologia progressiva do desenvolvimento das forças 

186

produtivas   e   percebia   a   incompatibilidade   desse   desenvolvimento   com   o   capitalismo.   A 

esperança, então, residia numa outra teleologia, politicista, de acirramento inexorável na luta 

de classes e mudança da relação de força entre capital e trabalho. Esse marxismo, já infecundo 

naquele momento para uma crítica radical do sistema, era uma usina de esperança com os 

nomes possíveis naquele momento. Prometendo a transcendência, na verdade não podia mais 

que oferecer, na melhor das hipóteses, uma adequação em melhores termos aos parâmetros do 

sistema.

As   mudanças   na  reestruturação  do   capitalismo   jogaram   por   terra   o   seu   sistema 

teórico e as suas esperanças. A classe trabalhadora era, ora esmagada, ora institucionalizada. 

E   ainda,   o   capitalismo   conseguia,   contra   as   previsões,   desenvolver   as   forças   produtivas. 

Castells   percebe   corretamente   que   aquela  dialética   positiva   não   funcionava,   e,   pela 

exclusividade na luta de classes, pela transhistoricidade, pela sua incapacidade por integrar na 

análise as estruturas e os processos de mudança, abandona o marxismo num todo256. 

Com a perda de sustentabilidade histórica do ponto de vista do proletariado para a 

crítica  da  sociedade,   resta  no  entanto  o  das   forças  produtivas.  Ali   radica  a  passagem do 

marxismo legal para o pós­marxismo legal.  O  ponto de vista das forças produtivas, como 

plataforma de observação e crítica da sociedade é o que sobrevive daquele marxismo 

legal, agora sob a roupa nova da mera inovação, sem proletariado, sem fins transcendentes.

O percurso de Castells acaba sendo uma eterna busca pelas melhores condições do 

desenvolvimento   das   forças   produtivas.   Antes   dos   anos   60,   a   URSS   rompia   o   mito   da 

impossibilidade   do   estatismo   de   desenvolver   uma   estrutura   industrial.   Nos   70,   a   classe 

ascendente   se   ligava   às   forças   produtivas   e   o   capitalismo   monopolista   travava   esse 

desenvolvimento.  Nos  anos  80  e  90  aparece  um capitalismo rejuvenescido  que   resolve  o 

desenvolvimento   tecnológico.   Serve   como   modelo   Silicon   Valley,   explosão   de   inovação. 

Enquanto isso, o estatismo soviético é agora incapaz de se adequar ao novo paradigma257. No 

256 O   pós­estruturalismo   é   para   Postone   (2009:   309)   um  pós  do   estruturalismo   assim   como,   mais implicitamente, do reducionismo de classe.

257 Segundo Castells,   a  hipótese  da  incapacidade  do  estatismo soviético  para  assegurar  a   transição para  a sociedade da informação “trata­se apenas da aplicação de um velho ideal marxista, segundo o qual sistemas sociais específicos podem emperrar o desenvolvimento das forças produtivas, admitidamente apresentadas aqui em uma inversão histórica que chega a ser irônica” (FM: 28).

187

século  XXI,   o  modelo   americano   revela   custos   sociais   insuperados.  Finlândia  é   agora  o 

modelo de relação virtuosa entre Estado de bem­estar e desenvolvimento informacional. 

Castells   encontrou   apoio   para   a  esperança   no   modo   de   desenvolvimento 

informacional.  Evitou assim o politicismo em ruínas. Mas conciliou, sem assumi­lo, com 

aquela  teleologia  progressiva do desenvolvimento das  forças produtivas  sustentada  por 

parte da tradição marxista que recusara. 

A   noção   de  “pós­marxismo   legal”  condensa   a   trajetória   de   uma   geração   que 

abandonou   o   marxismo   legal,   pela   insuficiência   de   sua   expressão   teórica,   e   pela 

inconsequência de seus desdobramentos práticos (e por isso é um pós marxismo­legal), mas 

cujo fim de linha nessa virada é a adesão renovada à  forma social burguesa (e por isso é um 

pós­marxismo legal). 

Nessa adesão renovada, repõem­se limitações daquele marxismo legal: sem avaliar os 

limites da acumulação constrói a esperança de um futuro grande e brilhante para qualquer país 

informacionalizado, atingindo condições de ganhar um lugar no mercado mundial. Agora, até, 

sem necessidade aparente de derrotar ninguém. Todos podem ter o seu lugar. Castells não 

analisa mais barreira para a reprodução do capital e o decorrente desenvolvimento econômico 

e   social   que   as   forças   produtivas   das   quais   dispõe   cada   sociedade.   Se   vimos   diferentes 

expressões do marxismo legal, na Rússia e na Alemanha e Áustria, respondendo a diferentes 

exigências históricas, agora uma única teoria “multicultural”, via uma peculiar dialética de 

universal/particular, serve para diferentes exigências sociais em diferentes regiões do planeta. 

Nos   países   considerados   atrasados   ou   em   desenvolvimento,   para   convencê­los   da 

inevitabilidade   e   factibilidade   de   sua   adaptação   ao   informacionalismo.   Nos   países   já 

informacionais   para   garantir   o   caráter   virtuoso   desse   modo   de   desenvolvimento.  Como 

aqueles russos, Castells pretende demostrar não só a necessidade mas a possibilidade de se 

adequar ao modo informacional de desenvolvimento para os países atrasados. E, como aqueles 

europeus,  acaba aparentemente mostrando o seu  virtuosismo geral  e a sua durabilidade 

eterna. 

188

O movimento de Castells é aquele apontado por Aron: o de uma geração que legitima 

o que recusa. Da crítica do formalismo “da observação simplista ou direta de uma realidade 

que se ajusta mecanicamente às relações formais definidas pela teoria” (Castells, 1978: 64­5), 

chega   ao   formalismo   de   uma   modelização   abstrata   de   receitas   de   desenvolvimento   que 

denunciam   a   realidade   pela   sua   impertinencia.   Formalismo   que   perde   a   consciência   da 

necessidade das mediações e da abstração para compreender o opaco mundo social criado 

pelo  capital.  Tendo  criticado os  polos  do  dogmatismo e  do  pragmatismo,  Castells  vai   se 

orientando à descrição pragmática sem mediações. 

Da  crítica  do   idealismo e   a  necessidade  de   resolver   a   antinomia  entre   estrutura   e 

mudança,   passa   não   à   resolução   mas   à   dissolução   da   antinomia   na   perda   do   peso   das 

estruturas258. O novo motor do progresso social é a inovação, ora impessoal, ora com agentes 

ao serviço dela. Dessa maneira, estabelece­se uma dissolução da antinomia entre estrutura 

e processo de mudança. A identidade entre estrutura e processo é a  inovação, ela mesma 

mudança e estrutura. Mas é um processo de mudança que não pode superar o horizonte da 

estrutura. Em direção a uma  teoria da ação social, como saída supostamente superadora do 

estruturalismo­marxismo incapaz de integrar estruturas e processos, as estruturas vão saindo 

do horizonte teórico.

O fato de existir esperança na obra de Castells poderia ser louvável. Bloch nos ensinou 

que   a   esperança   se   contrapõe   ao   medo.   Mas   também   fez   uma   distinção   substancial: 

“Corruptio   optimi   pessima:   a   esperança   fraudulenta   é   uma   das   maiores   malfeitoras,   até 

mesmo um dos maiores tormentos do gênero humano, e a esperança concretamente autêntica, 

a   sua   mais   séria   benfeitora”.   Esta   última   é   uma   '”esperança   sabedora   e   concreta”, 

“compreendida em termos dialético­materialistas”. Para Bloch (2005: 15­20), “desde Marx 

não   existe   mais   investigação   da   verdade   nem   juízo   realista   que   possam   esquivar­se   dos 

conteúdos subjetivos e objetivos da esperança do mundo – a não ser sob pena de trivialidade 

ou de beco sem saída”.

Ao contrário da utopia concreta, a utopia abstrata força a realidade para encontrar uma 

258 “Para   Marx,   a   causa   objetiva   das   antinomias   se   encontrava   na   própria   lógica   da   estrutura   e   do desenvolvimento da sociedade burguesa” (Menegat, 2006: 252­3).

189

carga emancipatória ali onde não existe. Esse realismo mágico não deixa de exprimir um certo 

desconforto com o existente, que é necessário transcender. Mas procura esperanças ali onde 

não poderia  tê­las.  A esperança abstrata em Castells constrói­se em base à  positivação da 

sociedade   em   rede,   à   modelização   do   desenvolvimento   informacional   impossível   de   ser 

universalizado, à compreensão abstrata da tecnologia. Na obra de Castells sonho e realidade 

são   uma   dualidade.   Realismo   empiricista   por   um   lado.   Utopia   abstrata   pelo   outro259.   A 

esperança acrescentada é uma esperança abstrata, e portanto malfeitora. Alivia a sensação 

de insustentabilidade dessa forma social260. 

A consciência do dano que podem provocar as esperanças vazias, presente na obra 

inicial de Castells, apaga­se na obra recente. A necessidade da esperança foi mais poderosa 

que a consciência do dano das falsas promessas.

Castells   acredita   se   contrapor   ao   idealismo   pelo   empiricismo   sociológico   e   a 

neutralidade axiológica. Mas “o idealismo da sociedade capitalista só pode ser suprimido por 

meio   de   uma   profunda   transformação   na   forma   como   os   humanos   produzem   sua   vida” 

(Gomez, 2010: 11). 

A perda do peso da objetividade das leis sociais leva a que as propostas de saídas em 

relação  ao  diagnóstico  dos  males  do  mundo  fiquem  numa  dimensão moral,  sobreposta  à 

análise teórica261. É uma apresentação moral e genérica da causa dos problemas262, que abre a 

chama da esperança e permite tranquilizar ao leitor: “No entanto, nada disso é inevitável. É o 

lado escuro do livre mercado, e precisa regulação ética. Senão, temos um mundo no qual tudo 

pode ser vendido em qualquer parte” (Castells, 2003: 78). Por isso Castells chama as vezes às 

“vozes da razão” e apela a uma “ação consciente”263. Como já apontamos em outro lugar, a 

259 Ruth Cardoso afirmava no prefácio à edição brasileira do Poder da Identidade que o livro pode contribuir para que os leitores “olhem o mundo globalizado com olhos críticos mas também esperançosos” (PI: iii).

260 Já que “a esperança é  fácil e barata”, “seria incômodo pensar que centenas de milhares de pessoas, e seus numerosos descendentes,   estão sentenciados  a  vidas  atroces  e  mortes  prematuras  para   sempre”.  Assim justifica a sua “esperança de que a África do Sul possa melhorar” (Castells, 2003: 124; itálica minha).

261 “Agora temos a possibilidade de desfrutar as experiências humanas mais profundas assim como a chance de nos explodirmos a nós mesmos num holocausto nuclear. Podemos fazer a revolução com as pessoas ou geras as forças do terror revolucionário contra as mesmas pessoas” (Castells, 1983: 304).

262 A situação das crianças no mundo “é um sintoma dos custos da maneira como fazemos as coisas na nossa sociedade”   (Castells,   2003:  77;   itálica  minha).   “Temos  dentro  de  nós,   a  um só   tempo,  os   anjos   e  os demônios da humanidade, sempre que nosso lado mau assume o controle da situação, desencadeia um poder destruidor sem precedentes” (FM: 191).

263 “a desigualdade e a polarização são predefinidas na dinâmica do capitalismo informacional e prevalecerão a 

190

proposta é altamente ética, e igualmente ingênua. Assim acaba moralizando a questão da 

(im)possibilidade de efetivação das promessas tecnológicas.

Fiel a sua suposta neutralidade axiológica, a tendência geral, então, não é nem otimista 

nem pessimista, mas de perplexidade: “O século XXI não será uma era de trevas. E, para a 

maioria das pessoas, também não trará as recompensas prometidas pela revolução tecnológica 

mais   extraordinária   da   história.   Ao   contrário,   é   provável   que   seja   caracterizada   por 

perplexidade  consciente”  (FM:  436).  Mas,  abrindo novamente  a  esperança,  a  despeito  da 

“enorme   defasagem   entre   nosso   excesso   de   desenvolvimento   tecnológico   e 

subdesenvolvimento social”:

“Esta situação não é definitiva. Não há mal eterno na natureza humana. Não existe nada que não possa ser mudado por ação social consciente e intencional, munida de informação e apoiada em legitimidade. Se as pessoas forem esclarecidas, atuantes e se comunicarem em todo o mundo; se as empresas  assumirem sua responsabilidade social;  se os meios de comunicação se tornarem os mensageiros, e não a mensagem; se os atores políticos reagirem contra a descrença e restaurarem a fé na democracia; se a cultura for reconstruída a partir da experiência; se a humanidade sentir a solidariedade   da   espécie   em   todo   o   globo;   se   consolidarmos   a   solidariedade   intergeracional, vivendo em harmonia com a natureza; se partirmos para a exploração de nosso ser interior, tendo feito as pazes com nós mesmos. Se tudo isso for possibilitado por nossa decisão bem informada, consciente   e   compartilhada   enquanto   ainda  há   tempo,   então,   talvez,   finalmente  possamos   ser capazes de viver, amar e ser amados” (FM: 437­8)264.

A  falta  de  peso  da  sua   teoria  faz  Castells   ficar  no  nível   fenomênico  e  perder   a 

percepção da crise estrutural em curso. Ernst Bloch (2005: 15) denunciava em 1950 o fato da 

crise   ser   um   “fenômeno   suportado,   mas   não   compreendido”.   Na   contracorrente   do 

pensamento des­radicalizado, os fenômenos contemporâneos ganham fôlego explicativo na 

sua inserção na dinâmica da crise  do capital. Mas, se nesta altura dos acontecimentos é já 

impossível omitir algum tipo de abordagem sobre a crise, inclusive para os legitimadores do 

sistema, a polêmica se desloca para a determinação da sua natureza265. Por isso a determinação 

menos   que   seja   tomada   alguma  ação   consciente  para   contrapor­se   a   elas”   (FM:  420).   “O   Governo [finlandês] poderia ser mais activo, dentro da União Europeia, para que se pressionasse mais a favor de uma regulação financeira, impondo­se à resistência dos Estados Unidos. Isto não será possível a curto prazo, mas depois de uns episódios de perigos financeiros talvez se oiçam as vozes da razão” (Castells, 2002: 234).

264 A revista argentina de humor político, Barcelona, colocou na capa: “Solução final: descobrem que sem uma classe média oligofrênica e conservadora, sem um governo hipócrita e néscio, sem uma oposição vigarista e delinquente e sem uma mídia corrupta e pouco séria, os problemas do país se resolveriam 'num piscar de olhos'” (edição N° 137 de 20 de junho de 2008).  O raciocínio é o mesmo, só que num caso como ironia ácida do pauperizado debate político argentino e em outro como seríssima análise sociológica.

265 Tal confusão e necessidade de determinação também se deu no momento em que a morte deixou de atuar, no romance As intermitências da morte de Saramago (2005: 15): talvez “a palavra crise não seja certamente a mais apropriada para caracterizar os singularíssimos sucessos que temos vindo a narrar, porquanto seria 

191

da   sua   estruturalidade   não   é   um   mero   adjetivo.  A   ausência   da   crítica   do   valor   leva   a 

desconhecer que a história do capitalismo não é uma simples sucessão de estruturas mas um 

processo histórico de generalização dos próprios critérios, que deve prosseguir em níveis cada 

vez mais elevados até seu limite absoluto. Por isso Castells sustenta todas as  ilusões  que a 

compreensão da fase atual do capitalismo, num prolongado processo de colapso, se encarrega 

de desfazer: o horizonte de um capitalismo rejuvenescido que mantém a ilusão da manutenção 

do papel virtuoso das inovações tecnológicas e das bolhas financeiras; da função de limpeza 

das crises; da chegada de um novo ciclo de expansão; do horizonte de desenvolvimento na 

periferia capitalista; da volta de algum tipo de keynesianismo regulador.

A  sua   recusa  da   teleologia  da  história   apaga  a   compreensão  dessas   tendências.  A 

pretendida   neutralidade   axiológica  de   Castells   bloqueia   a   visão   de   uma   sociedade   em 

dissolução.  E  provoca  a  ausência  da   análise   da   efetiva   teleologia   estrutural  do  modo  de 

produção capitalista, a barbárie, conseqüência lógico­histórica do desenvolvimento do capital 

(Menegat,   2003:   219).  Essa  ausência  tem   como   desdobramento   necessário   a  perda   da 

criticidade. Com a neutralidade axiológica perde a referência da emancipação ao cair num 

relativismo que não está à altura da urgência e do desafio de superar a ordem do capital266. 

Por   outro   lado,  reintroduz   uma   outra   teleologia  de   viés   progressista.   As   ideias 

libertárias   tomaram conta  do mundo e modelam­no.  Com um detalhe:  sem revolução.  A 

trajetória para o realismo mágico vai paralela à  substituição da utopia político­social,  que 

tinha na técnica uma mediação necessária, por uma  utopia exclusivamente técnica  que não 

imagina nas outras dimensões mas do que a reprodução ampliada do presente. O abandono de 

referências de luta, organização e pensamento (marxismo, comunismo) se preenche com a 

promoção de novas formas de agregação resultado da derrota política, da agonia da forma 

social   e   do   império   da   técnica.   Identidades   que   têm  a   técnica   como  mediação   e   objeto 

essencial. 

Um tempo histórico de necessidade imperiosa e ausência da revolução é para Castells 

absurdo,  incongruente e  atentatório da  lógica mais ordinária  falar­se de crise numa situação existencial justamente privilegiada pela ausência da morte”.

266 “Si quisermos cultivar alguma esperança na aurora,  devemos chamar as coisas pelo seu nome.  A única definição que cabe às deformações da sociedade atual é a de barbárie” (Menegat, 2003: 250).

192

um tempo de revoluções sub­reptícias que não precisa da revolução. Castells faz parte de 

uma geração que denunciando a teleologia na história, adere a esse progresso específico de 

nossa sociedade, um eterno presente em decomposição267.

É preciso denunciar as ideologias de estabilização, combater as ilusões abstratas, que 

vêm mais  uma vez  a  justificar  a  missão  civilizatória  do  capital   com suas  promessas 

incumpríveis. 

267 “Para   toda   uma   geração,   a   esperança   revolucionária,   exposta   às   investidas   das   forças   da   opressão,   é devolvida ao status de mitologia, reduzida à fantasia e confinada, reprimida como mito do século XIX”. “Ao descrédito que afeta o engajamento e o voluntarismo político, corresponde, no plano teórico, um mesmo descrédito   que   afeta,   desta   vez,   tudo   o   que   procede   da   história”.   “O   estruturalismo   terá   contribuído fortemente para provocar a crise da ideia de progresso” (Dosse, 1993: 391­2). Mas, um traço importante do paradigma estruturalista  é  “a  prevalência conferida  à  presença,  mas uma presença  estacionária  onde se dissolvem passado e   futuro numa temporalidade presa  ao solo,  estática,  pensamento que  tanto refuta a teleologia histórica quanto a ideia de fuga do tempo, num presente reconciliado” (idem: 296). Para Castells, “a lição mais importante a ser aprendida com o colapso do comunismo é a percepção de que o único sentido da história  é  a  história  que nos faz sentido” (FM:  85).  O progresso se  torna uma verdade inamovível, compatível   com   um   “tempo   estático   que   faz   do   eterno   movimento   a   sua   forma   de   repouso.   Essa   é, justamente, a sensação da estruturação da decadência. Ela se produz com base na ilusão de um permanente movimento de mudança, que em geral vem acompanhado pelas mais intensas qualificações – como atesta a banalização   do   uso   de   termos   como   revolução,   modernidade,   novo...   etc.   ­,   cujo   fim   é   encobrir   a decomposição” (Menegat, 2003: 170­6).

193

BIBLIOGRAFIA

• ADORNO, Theodor W. “Sociedade industrial ou capitalismo tardio?” in: COHN, G. 

Theodor W. Adorno. Col. Grandes Cientistas Sociais. pp. 62­75. São Paulo: Ática, 

1986.

• ALDISS, W. Brian. Frankenstein desencadenado. Buenos Aires: Minotauro, 1976.

• AMIN,   Samir.   “O   Capitalismo   Senil”   in:  Revista   da   Sociedade   Brasileira   de 

Economia Política, no 11, p. 79­102, Rio de Janeiro, dezembro 2002 . Disponível em: 

http://www.sep.org.br/revista_artigo/revista116.pdf

• ARANTES,   Paulo.  Diccionario   de   bolso   do   Almanaque   Philosophico   Zero   à  

Esquerda. Petrópolis: Vozes, 1997.

• _______. Zero à esquerda. São Paulo: Conrad, 2004.

• _______.  Sentimento  da  dialética  na  experiência   intelectual  brasileira:  dialética  e 

dualidade segundo Antonio Candido e Roberto Schwarz. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 

1992.

• ARON, Jean­Paul. Los modernos. México: Fondo de Cultura Económica, 1988.

• BEINSTEIN, Jorge. La larga crisis de la economia global. Buenos Aires: Corregidor, 

1999.

• _______.  "Rostros   de   la   crisis.   Reflexiones   sobre   el   colapso   de   la   civilización 

burguesa" ­ UNAM (10/2008). 2008.

• _______.  "La crisis en la era senil del capitalismo. Esperando inútilmente al quinto 

Kondratieff" – Viejo Topo (02/2009). 2009a

• _______. “En la ruta de la decadencia. Hacia una crisis prolongada de la civilización 

burguesa” ­ Herramientas (04/2009). 2009b.

• _______. “En el comienzo de un largo viaje . Crepúsculo del capitalismo, nostalgias, 

herencias,   barbaries   y   esperanzas   a   comienzos   del   siglo   XXI   ”.   Em: 

http://www.rebelion.org/docs/97125.pdf. 2009c.

• BIRMAN,   Joel.   “Entre   o   gozo   cibernético   e   a   intensidade   ainda   possível.   Sobre 

Denise está chamando, de Hal Salwen” em: Estilo e Modernidade em Psicanálise. pp. 

211­233. São Paulo: Ed. 34, 1997. 

194

• BLOCH, Ernst. O Princípio esperança. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2005.

• CARDOSO,   Fernando   Henrique.   “O   homem   e   o   novo   cenário   geopolítico 

internacional”. Palestra na Universidade São Marcos. Disponível em:

• http://www.universodoconhecimento.com/site/forum/ciclos/2004/pdf/FHC.pdf. 2004.

• CIAPUSCIO,  Héctor.   “Technology­fiction”  em:  Nosotros  &  la   tecnología.  Buenos 

Aires: Emece, 1999.

• CHESNAIS, F. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996.

• COHN, Gabriel. Critica e resignação: fundamentos da sociologia de Max Weber. São 

Paulo: T.A.Queiroz. 1979.

• COUTINHO, Carlos Nelson.  Marxismo e política. A dualidade de poderes e outros 

ensaios. São Paulo: Cortez. 1994.

• DOSSE, François.  História do Estruturalismo. I. O campo do signo, 1945/1966. São 

Paulo: Ensaio, 1993.

• ________. História do Estruturalismo. II. O canto do cisne, de 1967 a nossos dias. São 

Paulo: Ensaio, 1994.

• DUSSEL,   Enrique.   “Estudio   preliminar   al   Cuaderno   tecnológico­histórico”   em 

MARX,   Karl.  Cuaderno   tecnológico­histórico.   Universidad   Autónoma   de   Puebla, 

México. Em: http://168.96.200.17/ar/libros/dussel/cuaderno/estudio.pdf. 1984.

• ELLUL, Jacques. A técnica e o desafio do século. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968.

• FALERO, Alfredo.“El  paradigma renaciente de  América Latina:  una aproximación 

sociológica   a   los   legados   y   desafíos   de   la   visión   centro­periferia”   in   BEIGEL, 

Fernanda et. al.  Crítica y teoría en el pensamiento social latinoamericano.  Buenos 

Aires: Clacso, 2006.

• FIORI, José Luís. Os moedeiros falsos. 4a. ed. Petrópolis: Vozes, 1997.

• GALEANO, Eduardo.  El libro de los abrazos.  10a ed. Montevideo: América Latina, 

2004.

• GARCIA LOPEZ, Jorge. “Introducción” em: POSTONE, Moishe.  Tiempo,  trabajo y  

dominación social: una reiterpretación de la teoría crítica de Marx. Madrid: Marcia 

Pons, 2006.

• GOMEZ,   André   Villar.  Revolução   tecnológica   e   capitalismo:   Tópicos   sobre   a 

195

destruição e a criação de uma outra natureza. Tese de doutorado.  Escola de Serviço 

Social. Universidade Federal de Rio de Janeiro. 2010.

• GRESPAN, Jorge Luis da Silva. O negativo do capital. O conceito de crise na crítica 

de Marx à economia política. 2a impressão. São Paulo: Hucitec, 1999.

• HOBSBAWM, Eric J. “A cultura européia e o marxismo entre o Séc. XIX e o Séc. 

XX” em: HOBSBAWM, Eric J. (org.) História do Marxismo. Vol. 2. 2ª edição. Rio de 

Janeiro: Paz e Terra, 1982.

• JAPPE, Anselm. As aventuras da mercadoria. Lisboa: Antígona, 2006.

• KOSIK, Karel. Dialéctica de lo concreto. México: Grijalbo, 1967. 

• KURZ, Robert . Os últimos combates. Petrópolis: Vozes, 1997.

• _______. O colapso da modernização: da derrocada do socialismo de caserna à crise 

da economia mundial. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

• _______. “Com todo o vapor ao colapso” [1995] em: Com todo vapor ao colapso. Juiz 

de Fora, Editora UFJF – Pazulin. 2004b.

• _______. “A ascensão do dinheiro aos céus” [1995]; “Antieconomia e antipolítica” 

[1997];   “O capital e a história” [2009a]; “Sobreprodução” [2009b]. Disponíveis em: 

http://planeta.clix.pt/obeco/

• LAFARGUE,   Paul.  Derecho   a   la   pereza.   Disponível   em: 

http://www.marxists.org/espanol/lafargue/1880s/1883.htm. 

• LIMA   JUNIOR,   Pedro   de   Novais.  Uma   estratégia   chamada   'planejamento 

estratégico':  deslocamentos   espaciais   e   atribuições   de   sentido   na   teoria   do 

planejamento urbano. Rio de Janeiro: UFRJ, 2003. Tese de doutorado.

• LUKÁCS, Georg. “El cambio funcional del materialismo histórico” em:  Historia y  

consciencia de clase.  2a edição. Barcelona: Grijalbo, 1975.

• MACHADO DE ASSIS,  “Teoria  do  Medalhão.  Diálogo”  [1881]  em  50 contos  de 

Machado de Assis. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

• ________.“O anel  de  Polícrates”   [1882]  em  50 contos  de  Machado de  Assis.  São 

Paulo: Companhia das Letras, 2007.

• MANDEL, Ernest. O capitalismo tardio. 2 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985.

• _______.  El Capital. Cien años de controversias en torno a la obra de Karl Marx. 

196

México: Siglo XXI, 1988.

• MARCUSE, Herbert. Contra­revolução e revolta. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. 

• _______. “Algumas implicações sociais da tecnologia moderna” in Tecnologia, guerra 

e fascismo. pp. 73­104. São Paulo: Unesp, 1999.

• MARX, Karl.  El Capital.  I,   II e III.  Mexico – Buenos Aires: Siglo XXI Editores. 

2002­2006.

• _______. O Capital. Capítulo VI (inédito). São Paulo: Ed. Ciências Humanas, 1978.

• _______.  “Prefacio   de   Para   a   Critica   da   Economia   Política”   em  Manuscritos 

econômico­filosóficos e outros textos escolhidos. 4 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987.

• _______.  Elementos   fundamentales   para   la   crítica   de   la   economía   política 

(Grundrisse). 1857­1858. I, II e II. México: Siglo XXI Editores, 2002­2005.

• _______.  Capital y tecnología. Manuscritos inéditos (1861­1863). México: Ed. Terra 

Nova, 1980.

• MARX,   Karl   e   ENGELS,   Friedrich.  Manifesto   do   Partido   Comunista.  Lisboa: 

Editorial Avante!, 1997.

• ________. A ideologia alemã. 3a edição. São Paulo: Ed. Ciências Humanas, 1982.

• MENEGAT, Marildo. Depois do fim do mundo: a crise da modernidade e a barbárie. 

Rio de Janeiro: Relume Dumará: FAPERJ, 2003.

• ______. O olho da barbárie. São Paulo: Expressão Popular, 2006.

• ______.   Notas   de   aula   –   curso  Teoria   crítica  no   Brasil.   2008/1.  Rio   de   Janeiro: 

Programa de  Pós­graduação em Serviço Social  da Universidade Federal do Rio de 

Janeiro. 2008a.

• ______. Notas de aula – curso Marxismo ocidental. 2008/2. Rio de Janeiro: Programa 

de  Pós­graduação   em Serviço  Social   da  Universidade  Federal   do  Rio  de  Janeiro. 

2008b.

• ______.“Sem lenço nem aceno de adeus. Formação de massas em tempo de barbárie: 

como a esquerda social pode enfrentar esta questão?” Em:  Revista Praia Vermelha. 

Politica   Social   e   Serviço   Social:   elementos   históricos   e   debate   atual.   Nº   18.   1er 

semestre de 2008. 2008c.

• MONTENEGRO,   Cristiano   Vieira.  A   teoria   de   um   regime   de   acumulação 

197

predominantemente financeira e suas implicações teórico­metodológicas e práticas.  

Dissertação   de   mestrado.   Faculdade   de   Serviço   Social.   Universidade   Federal   de 

Alagoas. 2008.

• NUN,   José.  Marginalidad   y   exclusión   social.  Buenos   Aires:   Fondo   de   Cultura 

Económica, 2001.

• OLIVEIRA de,  Francisco.  Crítica  à   razão dualista  –  O Ornitorrinco.  São  Paulo: 

Boitempo, 2003.

• POSTONE, Moishe. “Labor and the logic of Abstraction: An interview (with Timothy 

Brennan)” em: The South Atlantic Quaterly. Vol 108. No 2. pp 305­330, Spring 2009.

• _______. Tiempo, trabajo y dominación social: una reiterpretación de la teoría crítica 

de Marx. Madrid: Marcia Pons, 2006.

• _______. “Necessity, labour and time: a reinterpretation of the marxian critique of 

capitalism”. Social Research 45. pp. 739­788 . Versão em português disponível em: 

http://obeco.no.sapo.pt/mpt2.htm. 1978.

• QUIJANO, Anibal. “Prólogo” em: MARIÁTEGUI, José Carlos. Textos básicos. Lima: 

Fondo de Cultura Económica, 1991.

• ROSDOLSKY, Roman. Génesis y estructura de El capital de Marx (estudios sobre los  

Grundrisse). 7a ed. México: Siglo XXI, 2004.

• RUBIN, Isaak Illich. A teoria marxista do valor. São Paulo: Brasiliense, 1980.

• SARAMAGO, José.  As intermitências da morte. São Paulo: Companhia das Letras, 

2005.

• SCHWARZ, Roberto. “Cultura e politica, 1964­1969” [1970] em: Cultura e Política. 

São Paulo: Paz e Terra, 2005a.

• _______.  “Sobre as Três mulheres de três PPPês” [1978] em: Cultura e Política. São 

Paulo: Paz e Terra, 2005b.

• _______. “Um livro audacioso” em: KURZ, Robert. O colapso da modernização. Rio 

de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

• _______. “Um seminário de Marx” [1995] em: Seqüências Brasileiras, São Paulo: 

Companhia das Letras, 1999. 

• SCORZA, Manuel. Redoble por Rancas. La Plata: De La Campana, 2007

198

• WEBER, Max. Economia e Sociedade. Volume 1, 3ª edição. Editora UNB. 1994.

• WOOD, Ellen. Democracia contra capitalismo. México: Siglo XXI, 2000.

Bibliografia consultada de Manuel Castells

• [1972] “Chile: Movimiento de pobladores y lucha de clases”. Documento de Trabajo 

No. 56. CIDU/PI/DT. Setembro de 1972.

• [1972b] La Cuestión Urbana. 4a ed. México: Siglo XXI, 1977.

• [1973]   A   Teoria   Marxista   das   Classes   Sociais   e   a   Luta   de   Classes   na   América 

Latina/Comentário ao Texto de Nicos Poulantzas" em: Estudos Cebrap n°3. 1973. 

• [1975] “Advertencia final 1975” em La Cuestión Urbana. 4a ed. México: Siglo XXI, 

1977.

• [1977] Cidade, democracia e socialismo. A experiência das associações de vizinhos de 

Madri. 2a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

• [1978] A teoria marxista das crises econômicas e as transformações do capitalismo. 

Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

• [1980]  The economic crises and American Society.  Princeton: Princeton University 

Press, 1980.

• [1983]  The   City   and   the   Grassroots:  A   Cross­Cultural   Theory   of   Urban   Social 

Movements. Berkeley, CA: University of California Press, cop. 1983.

• [1996­2000]  A   Era   da   Informação:   economia,   sociedade   e   cultura.  Volume   I:   A 

sociedade em rede. 8ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005.

• [1997­2004]  A Era da   Informação:   economia,   sociedade  e   cultura.  Volume  II:  O 

poder da identidade. 3ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

• [1998­2000] A Era da Informação: economia, sociedade e cultura. Volume III: O fim  

do milênio. 5ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2009.

• [2000] “Internet e Sociedade em Rede” em: DE MORAES, Dênis (org.).  Por uma 

outra comunicação. Mídia, mundialização cultural e poder. Rio de Janeiro: Record, 

199

2003.

• [2001] A Galáxia da Internet: Reflexões sobre a Internet, os negócios e a sociedade. 

Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

• [2002] e HIMANEN, Pekka.  A sociedade da informação e o Estado­Providência. O 

modelo finlandês. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007. 

• [2002b]  “O novo paradigma do desenvolvimento e suas instituições: conhecimento, 

tecnologia da informação e recursos humanos. Perspectiva comparada com referencia 

à  América  Latina”   in  Desenvolvimento  em Debate.  Nº 1.  BNDES.  Págs.  397­416. 

http://www.bndes.gov.br/conhecimento/livro_debate/1­DesafiosCres.pdf. 2002b.

• [2003] e INCE, Martin. Conversations with Manuel Castells. Cambridge: Polity Press, 

2003.

• [2004] (ed.) The Network Society: a Cross­Cultural Perspective. Cheltenham, UK and 

Northampton, Massachusetts: Edward Elgar Publishing, cop. 2004. 

• [2005]  Globalización,   desarrollo   y   democracia:   Chile   em   el   contexto   mundial. 

Santiago de Chile: Fondo de Cultura Económica, 2005.

• [2006] “Inovação, liberdade e poder na Era da Informação” in DE MORAES, Dênis. 

Sociedade midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006.

• [2007]   e   TUBELLA,   Imma   (diretores);   SANCHO,   Teresa;   ROCA,   Meritxell.  La 

transición a la sociedad red. Barcelona: Ariel, 2007.

• [2009]   “Entrevista”   a   Laura   Corcuera   para   o   sitio   SINC.   Em: 

http://www.plataformasinc.es/index.php/esl/Entrevistas/Cada­persona­puede­construir­

su­red­de­red. 2009a.

• [2009]   “Vacaciones   de   crisis”   em  La   Vanguardia.  25/07/09.   em: 

http://www.almendron.com/tribuna/26014/vacaciones­de­crisis. 2009b.

• [2010] The Power of Identity. 2a ed. Wiley­Blackwell. 2010.

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo