Mapas. Monitoramento ativo da participação da sociedade - 2005

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RELATÓRIO DO PROJETO > DEZEMBRO DE 2005 Projeto original

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RELATRIO DO PROJETO> DEZEMBRO DE 2005

Projeto original

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1. JUSTIFICATIVA

O Brasil vive um momento nico em sua histria, pois, pela primeira vez, povo e nao tendem a se encontrar como bases de refundao de um projeto de pas. Lula a expresso de mudanas polticas recentes no interior da sociedade brasileira. Mesmo que essas mudanas sejam parciais, elas apontam para um processo de incluso na cidadania de camadas populares, transformando-as em sujeitos histricos ativos na transformao de uma lgica e de uma estrutura produtoras de excluso e desigualdades de todo tipo. a democratizao que explica a vitria de Lula, e, ele prprio, como presidente do Brasil, pode sinalizar para uma radicalizao da democracia. Esse um dado novo para o Brasil e toda a Amrica Latina. No contexto de crise da globalizao neoliberal e de ascenso de um movimento de cidadania de dimenses planetrias, natural que muita ateno se volte ao Brasil, buscando saber o que ser o governo de Lula. Ser ele capaz de mudanas? Como se definiro as polticas? Quo democrticas e democratizadoras sero elas? So indagaes como essas que uma entidade como o Ibase e todo o setor de entidades da sociedade civil, engajados na radicalizao da democracia, no podem deixar de fazer neste momento. Com Lula, venceu eleitoralmente a esperana. Lula despertou uma enorme energia, e sua mensagem de mudana funcionou como um cimento aglutinador de vontades, levando-o Presidncia. O mais importante de tudo que o bloco de foras existente em torno ao Partido dos Trabalhadores (PT) apostou na democracia para chegar l. Sua legtima conquista da hegemonia do poder poltico j , por si s, uma radicalizao da democracia. Lula vem, literalmente, de baixo. O PT, como partido, uma reinveno democrtica do modo de transformar grupos das camadas trabalhadoras e populares em sujeitos polticos ativos. Como Lula e todo o seu ministrio, lideranas polticas, funcionrios(as) em posies de liderana, enfim, como a administrao poltica petista canalizar tal feito para um novo estilo de poder e realizar as mudanas que esse movimento de baixo para cima demanda? Nestes primeiros meses de governo, Lula enfrentou uma economia caminhando para a falncia, Argentina, e restabeleceu o que se pode chamar de ordem do mercado. Isso pouco e ruim para um governo que se anunciava como de profundas mudanas no rumo do pas. Mas apenas um comeo de governo, em meio a um evidente processo de crise e de perda total de capacidade de gesto pblica das polticas macroeconmicas legadas pelo governo derrotado nas urnas. A ordem mercantil parece temporariamente estabelecida. Sobem, porm, as tenses no s dentro do bloco de foras que apostou nas mudanas, revelando impacincia com o ritmo e a forma de governo at aqui, mas tambm em relao tenso com o que de mais atrasado existe no Brasil: a elite acostumada a confundir privilgios com direitos. Assim, as contradies parecem soltas. Saber a democracia brasileira traduzir isso em mais democracia? Claro que isso depende muito do modo petista de governar, de fazer poltica, coisa ainda em gestao no governo federal. A novidade est no que Lula e o PT trazem como bagagem para o campo democrtico. O apelo ao populismo, como forma de enfrentar as contradies atiadas pela possibilidade de mudanas, no parece uma possibilidade. Apesar

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da relao e da capacidade de interlocuo direta com a populao brasileira, o populismo no o estilo de Lula. Alis, o sucesso do PT na esquerda democrtica se deve, em grande parte, sua crtica s concepes e prticas do populismo como exemplos do populismo no Rio de Janeiro, podem ser citados o estilo do casal Garotinho na atualidade e de Brizola no passado recente , que impede a plena emergncia poltica dos grupos populares. Tambm como dirigente sindical, negociador e lder poltico, Lula passou por uma escola democrtica onde se aprende que o exerccio do poder como fora nunca pode ser um rolo compressor sobre adversrios polticos e foras opostas, impondo-lhes derrotas sem sada. A novidade do governo Lula reside exatamente na legitimidade do poder que precisa se renovar a cada instante pela direo, pela capacidade de argumentao e convencimento, pela busca de adeso ativa, mais do que usar a fora do poder. Esse o tal governo participativo, com to ricas experincias em nvel municipal e estadual produzidas pelo PT. Assim, estamos diante de uma questo-chave: da natureza do poder que se prope a radicalizar a democracia apostar no processo em que se gestam as mudanas mais do que obter mudanas a qualquer custo. Trata-se de construir mudanas com sustentabilidade e legitimidade. Busca-se tornar os antagonismos e as diferenas, a correlao de foras polticas, enfim, os conflitos sociais e polticos em alavancas de construo das prprias mudanas. luz disso, o que se espera de Lula no exerccio do poder poltico exatamente radicalizar a participao como condio de gerar processos polticos portadores de mudanas substantivas nas relaes sociais e at no modo de desenvolvimento do Brasil. O segredo do governo Lula ser usar a sua legitimidade e a capacidade de dar direo a um projeto de pas para convencer e obter adeso ativa do mais amplo espectro de sujeitos sociais e seus atores concretos, nas instituies representativas e fora delas, demonstrando capacidade poltica em conduzir os conflitos assim gerados, para promover um processo de mudanas sustentveis nas relaes e estruturas. O problema, como j comea a ficar evidente, a diversidade de sujeitos sociais e de interesses existentes. Alm disso, h o verdadeiro desmonte da capacidade estatal de regular a economia e tomar iniciativas em termos de desenvolvimento que foi gerado em uma dcada de polticas neoliberais, atendendo aos ditames da globalizao segundo o Consenso de Washington. No se trata de fazer milagres com oramento apertado e em face das fragilidades de uma economia que virou presa fcil do cassino global. Trata-se, nas condies dadas, de costurar um novo pacto de nao, que inclua as grandes maiorias deixadas de fora at aqui. Pode-se ter muitas dvidas e crticas ao Lula presidente, mas no se pode deixar de reconhecer que esse parece ser o sentido da sua disposio em negociar regularmente, viajar, ver e ouvir, sentir o pas real e faz-lo acreditar em si mesmo, na sua capacidade de gerar solues. Na sua atuao, o governo Lula realmente vem mudando no modo de fazer poltica, com abertura bastante ampla para a participao direta. Ser que estamos diante de uma inovao em termos de potencializar a democracia, tensionando as estruturas representativas por meio de formas diretas de democracia participativa? A Constituio brasileira de 1988 foi no caminho da mais ampla participao, instituindo formas participativas para alm da representao em inmeros campos at ento de exclusiva atuao estatal. Os conselhos

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paritrios, de gesto e co-gesto de polticas pblicas foram uma conquista importante, mas, na prtica, pouco efetiva, por falta de vontade do poder constitudo em construir hegemonias ativas. Foi com certas administraes locais e regionais, fazendo apelo participao como os oramentos participativos das administraes petistas , que essa inovao democrtica adquiriu corpo entre ns. Agora, no governo federal, possvel que assistamos a uma nova onda participativa. Esse parece ser o sentido de inovaes como o Conselho Econmico e Social, Conselho Nacional de Segurana Alimentar e Nutricional (Consea), as consultas sociedade civil no debate da proposta do Plano Plurianual (PPA) de investimento e das grandes conferncias que esto sendo convocadas. O governo Lula est apenas no comeo. O momento de apostar na participao, sem dvida, para buscar o tal desempate no jogo poltico brasileiro e efetivamente realizar o mandato de todos os direitos humanos para todos(as) os(as) brasileiros(as) que est na Carta Constitucional de 1988. A participao ativa para alm das eleies e da representao uma aposta fundamental em termos de radicalizao da democracia. Se o governo, para se viabilizar, aposta na democracia participativa, o fundamental potencializar tal processo, extraindo dele o mximo em termos de soluo das contradies histricas limitadoras de uma democracia substantiva no Brasil. Para uma instituio como o Ibase, fundamental mergulhar no processo usando a sua capacidade de vigilncia cidad e de presso para que a possibilidade vire uma realidade, superando os limites da prpria luta social e poltica. Os objetivos deste projeto de monitoramento e avaliao do processo do governo Lula so montar, com autonomia, um sistema de acompanhamento do processo e apontar os seus entraves, seus erros estratgicos, suas inconsistncias, tornando-se, a seu modo, ator do processo e apontando as alternativas para que atinja aquilo a que se prope.

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2. OBJETIVOSGeral

Este projeto, tendo como referncia prtica e histrica o governo Lula (de 1 de janeiro de 2003 a 31 de dezembro de 2006), visa, por meio do monitoramento sistemtico, da avaliao crtica e do debate pblico, contribuir para resgatar analiticamente as condies do modo participativo de fazer poltica e potencializar o seu impacto na democratizao efetiva de uma sociedade como a brasileira. Trata-se de analisar e debater as relaes e tenses entre democracia representativa e democracia participativa e as mudanas que operam no desenvolvimento do Brasil, em particular, e o enfrentamento das desigualdades e das excluses existentes.Especficos

:.: Identificar e selecionar os novos espaos de participao da sociedade civil promovidos pelo governo federal e monitorar seu formato, seu mandato e sua prtica, bem como sua relao com os espaos j constitudos anteriormente. :.: Registrar as vises, anlises, expectativas e propostas de polticas e de formas de interveno no debate pblico de diferentes atores sociais em relao ao modo participativo de governo. :.: Pesquisar e analisar as possveis mudanas polticas tanto na agenda, no desenho, na gesto e no resultado das polticas pblicas como na institucionalidade da democracia, a partir do processo participativo instaurado. :.: Avaliar o modo de fazer poltica do governo Lula e incidir sobre ele no sentido de tornar a democracia mais sustentvel e substantiva e mudar a prpria cultura poltica, tornando-a mais democrtica pelo reconhecimento da maior centralidade dos direitos de todos(as) os(as) brasileiros(as) e da cidadania ativa como sua condio. Promover o debate pblico sobre os limites e as possibilidades do modo participativo de fazer poltica, a partir das experincias concretas incentivadas pelo governo federal, por meio da criao de redes de discusso, da realizao de seminrios e da divulgao de informaes e estudos via Internet, publicaes e acesso grande mdia.

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3. ESTRUTURA PROPOSTA Para dar conta dos objetivos especficos, num sistema de monitoramento e avaliao ativa sobre o modo de fazer poltica do governo Lula, prope-se que sejam contemplados quatro grandes blocos interligados de questes a serem analisadas e de atividades a serem desenvolvidas.Monitoramento

Ser dada ateno prioritria a trs iniciativas j em curso: Conselho Econmico e Social, Consea e consultas sociedade civil feitas em relao ao PPA. Mas o projeto estar atento a outras iniciativas j lanadas como as conferncias nacionais ou que possam surgir, podendo prioriz-las nas revises semestrais se demonstrarem ser de grande relevncia. No monitoramento, trata-se de: :.: identificar, mapear e monitorar as principais iniciativas de participao implementadas pelo governo federal, nos diferentes estados e municpios; :.: caracterizar mandatos e instrumentos das iniciativas; :.: analisar a composio social e poltica das iniciativas; :.: recuperar os registros oficiais e da imprensa, fazendo a memria dos processos em curso; :.: resgatar os debates e as propostas surgidas nos espaos de participao, bem como seus portadores; :.: identificar os compromissos alcanados.Registro dos atores

Aqui fundamental considerar separadamente os diferentes atores sociais: (1) os diretamente engajados em processos de participao e concertao animados pelo governo Lula; (2) aqueles da sociedade civil que, por alguma razo, no participaram de tais processos; (3) os que se consideram legtimos representantes e detentores de mandato para concertar polticas parlamentares de todos os nveis, governadores(as) e prefeitos(as); (4) os invisveis, assim chamados por no terem identidade poltica reconhecida e poder para participar dos processos em questo; (5) os que exercem funes de Estado e detm poder real na sua operao (Judicirio, funcionalismo e Foras Armadas); e (6) formadores de opinio da grande mdia. Para tanto, necessrio: :.: mapear e qualificar os atores sociais, segundo as especificaes listadas anteriormente; :.: registrar o seu modo de interveno na poltica institucional e nos espaos de participao; :.: recolher sistematicamente as suas vises e expectativas, suas crticas e demandas, nos diferentes momentos; :.: caracterizar sua atitude quanto ao modo de fazer poltica do governo Lula; :.: caracterizar sua atitude diante dos temas e das polticas em debate nos espaos de concertao; :.: qualificar a sua disposio em participar nos espaos de concertao; :.: dar particular ateno ao modo como os atores se posicionam diante de novas dimenses da cidadania gnero, etnia e diversidade cultural, diversidade de opes, necessidades especiais etc. para alm das relaes de classe em termos de capital e trabalho;

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:.: organizar um quadro da sociedade civil regional, identificando os atores mais significativos e os principais conflitos existentes, bem como os conflitos e as tenses emergentes.Pesquisa das mudanas

Neste bloco, ser dada ateno ao desenho e implementao das polticas pblicas como resultado da participao, distinguindo os mbitos discursivo, substantivo e operacional. Para tanto, necessrio: :.: identificar questes substantivas includas na agenda poltica e o modo de abord-las; :.: colher subsdios sobre as mudanas legais e constitucionais operadas pelo processo participativo; :.: pesquisar e qualificar as mudanas nos regulamentos de rgos e instituies; :.: caracterizar os rgos criados ou modificados e seu campo de abrangncia; :.: qualificar a distribuio de recursos pblicos que so objeto de deciso participativa; :.: fazer alguns estudos de casos exemplares das mudanas e tenses entre processos no nvel do governo federal e de outras instncias federativas, particularmente na autonomia e gesto local; :.: criar um sistema de indicadores de resultado para acompanhar as polticas participativas.Avaliao

O projeto s cumprir inteiramente a sua funo poltica de vigilncia cidad, tornando-se ele mesmo uma forma de participao ativa no novo modo de fazer poltica do governo Lula, quando gerar avaliaes crticas. Por isso, ser fundamental completar o processo com as aes previstas neste bloco: :.: analisar os conflitos gerados e pactos obtidos; :.: identificar como so vividas as questes da legitimidade e da legalidade; :.: mapear os campos alheios participao e as suas causas; :.: qualificar as tenses entre representao constituda pelo voto e outras formas de participao direta; :.: examinar como se manifestou o confronto entre diferentes culturas polticas: clientelismo e patrimonialismo versus direitos e obrigaes; :.: investigar as mudanas nas relaes entre espao pblico e espao estatal; :.: identificar de que modo a mquina administrativa do governo federal reage s demandas da cidadania vindas pelos canais participativos; :.: destacar as reaes do Judicirio; :.: avaliar quo inclusivas so as iniciativas, j que a incluso de todas e todos nos direitos humanos, enfrentando as desigualdades, uma questo fundamental na definio da qualidade da democracia participativa; :.: avaliar o impacto sobre a sociedade.Debate pblico

A lgica do projeto de monitoramento exige que o processo de acompanhamento das aes de participao social se d de forma transparente e responsvel. Isso significa necessariamente o incentivo ao debate pblico, a troca de impresses e posies, o estudo e o exame de situaes diversas, com o intuito de entender

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melhor a realidade, agindo sobre ela para que possamos melhor-la e tambm para que tenhamos condies de estabelecer marcos tericos e polticos que se expressem na realidade dos movimentos e dos governos, impulsionando-os a alternativas cada vez mais democrticas e participativas, de modo sustentvel. Por isso, o estmulo e a induo e a organizao do debate pblico so elementos fundamentais, no recorte temtico e no quadro dos temas que dizem respeito diretamente participao social na formulao, na definio e na gesto de polticas pblicas e da agenda poltica brasileira. Esse debate deve ser facilitado com a exposio, difuso e publicizao de informaes, documentos, estudos, relatrios e resultados de debates especializados. Mais do que um processo institucional de comunicao social, o debate que este projeto quer promover tem relao direta com procedimentos de mobilizao social por meio do uso de instrumentos coordenados de comunicao cidad. Assim, mais que ser promotor e dono de meios de comunicao, o projeto deve ser estimulador de debates que se expressem por meios de comunicao variados, j existentes em movimentos sociais, organizaes no-governamentais (ONGs), movimentos populares e tambm por meio da grande imprensa. Para tanto:v sero realizados seminrios com estudiosos(as), lideranas sociais e formadores(as) de opinio, devidamente organizados e fundamentados em dados, informaes e levantamentos e estudos, que devero ser previamente socializados; :.: anlises e documentos de acompanhamento de conjuntura sero encaminhados a organizaes e movimentos sociais para que possam reproduzir e estimular o debate em seus quadros; :.: articulistas e analistas sero estimulados(as) a analisar e promover o debate a partir da difuso de matrias na grande imprensa e na imprensa alternativa; :.: sero estimulados debates em meios alternativos de comunicao (rdios, televises comunitrias etc.); :.: ser promovido e atualizado constantemente um portal na Internet, com documentos, mecanismos de debate e interatividade, artigos e materiais que possam ser reproduzidos em outros meios, :.: Jornal da Cidadania ter uma seo especfica de responsabilidade do Mapas (com incentivo reproduo por outros meios e veculos); :.: a revista Democracia Viva ter uma seo especfica e permanente de reproduo de documentos e de seminrios.

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4. ASPECTOS METODOLGICOS Uma condio indispensvel para o projeto garantir que ele mesmo seja ator no processo avaliado, permitindo que a memria produzida, os registros feitos, as mudanas qualificadas, as avaliaes realizadas, enfim, tudo contribua para facilitar e radicalizar a prpria participao. Por isso, ele deve ser desenhado de forma a permitir ampla participao da diversidade de atores e amplo debate entre eles e o conjunto da sociedade civil brasileira sobre as questes que trata. Ou seja, o sistema de monitoramento e avaliao ativa no apenas um recolhimento sistemtico de informaes para formar um banco de dados e depoimentos sobre o governo Lula enquanto este se realiza. Mais do que isso, o projeto quer ser uma referncia ativa para devolver anlises e se tornar um vigilante ativo das instncias de participao poltica da sociedade civil no governo Lula, numa perspectiva de contribuir para a mais profunda e sustentvel democratizao de nosso pas.Seminrio de etapas

As diferentes atividades do projeto obedecero a ciclos de seis meses. Isso significa que os quatro blocos interligados de questes includas na proposta sero conduzidos de forma a produzir resultados provisrios no fim de cada seis meses. Por meio das anlises feitas, ser possvel fazer um seminrio de etapa, com ateno a toda metodologia e qualidade dos produtos gerados, revisando-o e aperfeioando-o, se for o caso, para a etapa seguinte. Ao mesmo tempo, durante o seminrio de cada etapa, sero realizadas mesas de dilogo com representantes dos atores envolvidos, para com eles avaliar os produtos gerados, as questes suscitadas, as propostas da equipe para melhorar o prprio modo de fazer poltica. Nos seminrios de etapa, ser possvel definir o perodo seguinte do projeto, podendo at dar ateno a novas iniciativas participativas a serem monitoradas.Trabalho em rede

Em virtude da complexidade do sistema a ser montado e para que ele seja amplo, aberto e legtimo em termos de um coletivo que assume o papel de vigilncia sobre o governo Lula, a alternativa constituir um grupo de trabalho de representantes de ONGs associadas Associao Brasileira de ONGs (Abong) com diferentes perfis e que atuam em diferentes partes do Brasil. Com uma coordenao poltica e tcnica definida ao redor do Ibase, o grupo funcionar como conselho poltico e tcnico do projeto de monitoramento e avaliao, ao mesmo tempo em que cada participante assume atividades prticas, com instrumentos e procedimentos concertados. Esse grupo se reunir regularmente a cada seis meses para o seminrio de etapa. De forma permanente, o grupo funcionar conectado em rede pela Internet e animado pela coordenao tcnica do Ibase, seguindo um cronograma estabelecido de registro de informaes. Um boletim interno, em via eletrnica, permitir socializar informaes estratgicas e estimular debates entre os participantes, nos perodos entre os seminrios de etapa. A rede ser constituda a partir de todas as relaes, parcerias e alianas do Ibase na sociedade brasileira.

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Seminrio inicial de mobilizao

Todo o processo de monitoramento e avaliao comear efetivamente a partir de um seminrio com toda a rede de trabalho. Na ocasio, a proposta ser estudada e detalhada, e os conjuntos de questes sero aprofundados, definindo-se os instrumentos comuns, as atribuies de cada um, os modos de operar e o cronograma a ser seguido at o primeiro seminrio de etapa. Cada seminrio de etapa, no fim do sexto ms, funcionar como definidor dos ajustes metodolgicos para a etapa seguinte. No seminrio inicial, ateno particular ser dada definio de um padro homogneo comum do projeto, garantindo as suas bases cientficas e tcnicas paralelamente s polticas.Debate pblico

O sistema de monitoramento e avaliao aqui proposto se completa com uma estratgica de divulgar elementos e alimentar o debate pblico sobre o processo de constituio e evoluo do governo Lula. Isso pode ser facilitado com o fato de que a prpria imprensa ator relevante na participao, sendo ela mesma integrante da proposta. Formadores(as) de opinio da grande mdia daro seus depoimentos sobre o processo, alm do registro que ser feito pela rede do que a mdia divulga. Nesse sentido, a ponte entre o projeto e a mdia existir desde o incio. necessrio garantir que uma estratgia especfica de divulgao, sobretudo das concluses provisrias ao fim dos seminrios de etapa, seja assegurada. A constituio de um site especfico do projeto deve ser prevista, a fim de tornar o projeto uma referncia para a prpria mdia.Relao com o governo

Evidentemente, um projeto como este facilitado se no encontrar resistncias nas lideranas governamentais a cargo das iniciativas monitoradas e avaliadas. Nas negociaes preliminares com os ministros titulares da Secretaria Geral da Presidncia e do Conselho Econmico e Social, ficou claro o seu interesse no projeto. No caso do Consea, o acesso fica facilitado pela presena de Francisco Menezes, diretor de Programas do Ibase, j que ele um de seus membros do daquele conselho. Assim, esto assegurados o acesso a documentos e memrias das reunies, a colaborao nos registros e a sua participao nos momentos decisivos do projeto, como os seminrios de etapa.

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5. PRODUTOS ESPERADOS Alm do boletim de informao e debate no interior da rede, podendo envolver certos setores dos prprios atores monitorados, e do site de referncia do projeto, possvel visualizar os seguintes produtos: :.: mapas dos espaos de participao institucionais atualmente existentes no nvel do governo federal e os criados pelo governo Lula na perspectiva de um novo modo de fazer poltica; :.: banco sistemtico de informaes das iniciativas participativas do governo Lula; :.: banco de depoimentos dos diferentes atores; :.: artigos analticos de etapa, que podem ser publicados em revistas especializadas; :.: artigos de opinio assinados, publicados na grande mdia, ao longo do processo; :.: publicao em formato de livro ao fim do quarto ano do governo Lula; :.: Rede de Parceria e Trabalho.

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6. EQUIPE RESPONSVELCOORDENAO GERAL

Cndido Grzybowski IbaseCOORDENAO EXECUTIVA

Institucional: Moema Miranda Ibase Tcnica e metodolgica: Nelson Delgado Cpda/UFRJ

EQUIPE TCNICA E DE APOIO

No Ibase: Fernanda Felisberto, Flvio Limoncic e Iracema Dantas Em Braslia: Ivnio Barros

REDE DE TRABALHO NACIONAL

(pessoas contratadas de outras entidades*) Braslia: Padre Ernanne Pinheiro CNBB Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paran: Srgio Gregrio Baierle Cidades So Paulo: Ana Claudia Teixeira Plis/Frum Nacional de Participao Popular Minas Gerais: Sara Deolinda Cardoso Pimenta Cedefes Gois, Mato Grosso do Sul e Tocantins: Mnica Schiavinatto Ifas Mato Grosso, Roraima e Acre: Elton Domingues Rivas Fase/MT Bahia, Sergipe e Alagoas: Maria de Ftima Pereira do Nascimento Cese Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraba: Mnica Oliveira Cenap Cear e Piau: Lucineide Barros Medeiros Cepac Par, Amap e Maranho: Vnia Regina Vieira de Carvalho Fase/PA Amazonas e Roraima: Jos Adilson Vieira de Jesus IPDA/GTACONSULTORES(AS) NACIONAIS E INTERNACIONAIS

a definir segundo as necessidades de participao nos seminrios de etapa.

* Os estados do Rio de Janeiro e Esprito Santo sero cobertos pela equipe permanente do Ibase.

UM PROJETO

APOIO

RELATRIO DO PROJETO> DEZEMBRO DE 2005

A experincia do Projeto Mapas de monitoramento poltico de iniciativas de participao do governo Lula

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1. INTRODUO A ascenso do Partido dos Trabalhadores presidncia da Repblica despertou expectativas de renovao poltica e de abertura participao em movimentos sociais e organizaes da sociedade civil. Essas foras tomaram parte, junto com os fundadores do PT e outros atores polticos, das lutas que culminaram na queda da ditadura militar e na redemocratizao do Brasil. A percepo predominante era a de que a eleio de Lula representava o triunfo dessas mobilizaes e levaria consolidao de um novo modo de fazer poltica no pas. O Projeto Mapas surgiu nesse contexto, como uma iniciativa que visava o monitoramento dos espaos de participao no governo Lula. A trajetria desse acompanhamento a histria das frustraes das organizaes da sociedade civil com a pouca importncia poltica atribuda a esses mecanismos e com decises como a manuteno da poltica econmica conservadora e de um modelo de alianas que privilegia partidos conservadores, o mercado financeiro e o agronegcio. O percurso narrado e analisado neste texto trata de uma fase inicial (2003/ 2004), na qual torna-se crescente a percepo da cidadania encurralada pelas opes conservadoras do governo Lula. A expectativa de fortalecimento e de generalizao da participao social no se cumpriu. Embora tenham ocorrido avanos, o modelo dos conselhos, por exemplo, esbarrou em dificuldades, como a excluso dos setores chaves das polticas pblicas (as decises sobre taxas de juros, metas de inflao, supervit primrio, etc.) e a sub-representao de ativistas de movimentos sociais, em favor dos(as) empresrios(as), banqueiros(as) e sindicalistas. Dada a constatao do impasse na participao, o Mapas entrou numa fase de reavaliao de seus mtodos e da busca de uma estratgia para monitorar o governo Lula (2004/2005). Foi ento que se optou por acompanhar os conflitos e disputas sociais, entendidos como tentativas de participao dos grupos excludos dos processos e instituies formais e como lutas pela preservao de direitos sociais ameaados por aes das polticas estatais e/ou por omisses do governo federal. O presente trabalho apresenta uma sntese desta trajetria do Projeto Mapas, que alm de monitorar iniciativas de participao social do governo Lula pretendeu tambm, dentro dos limites da iniciativa, ser ator poltico deste processo. Da o(a) leitor(a) encontrar, nas sees que se seguem, reflexes e anlises no apenas sobre o contexto de incidncia do Projeto, mas tambm sobre o prprio percurso e os percalos do trabalho realizado em meio a uma conjuntura bastante dinmica.

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2. A PROPOSTA DO PROJETO MAPAS O Projeto Mapas (Monitoramento Ativo da Participao da Sociedade) iniciou suas atividades em outubro de 2003, no final, portanto, do primeiro ano do governo Lula1. A justificativa da proposta do Mapas inicia com a afirmao de que, com o governo Lula, o Brasil vive um momento nico em sua Histria, pois, pela primeira vez, povo e nao tendem a se encontrar como bases de refundao de um projeto de pas2. a democratizao que explica a vitria de Lula, segue a proposta, e, ele prprio, como presidente do Brasil, pode sinalizar para uma radicalizao da democracia. Esse um dado novo para o Brasil e toda a Amrica Latina (p. 2). Diante dessa novidade poltica, sem precedentes na Histria nacional, uma preocupao fundamental das foras progressistas saber como ser o governo Lula: (s)er ele capaz de mudanas? Como se definiro as polticas? Quo democrticas e democratizadoras sero elas?. Segundo a proposta, (s)o indagaes como essas que uma entidade como o Ibase e todo o setor de entidades da sociedade civil, engajados na radicalizao da democracia, no podem deixar de fazer neste momento (p. 2). De acordo com a proposta, a histria poltica de Lula e as experincias de governos do PT nos nveis municipal e estadual justificavam, naquele momento, a aposta em que a novidade do novo governo estaria assentada em seu carter de governo participativo. (E)stamos diante de uma questo chave: da natureza do poder que se prope a radicalizar a democracia apostar no processo em que se gestam as mudanas mais do que obter mudanas a qualquer custo. Trata-se de construir mudanas com sustentabilidade e legitimidade. Busca-se tornar os antagonismos e as diferenas, a correlao de foras polticas, enfim, os conflitos sociais e polticos em alavancas de construo das prprias mudanas. luz disso, o que se espera de Lula no exerccio do poder poltico exatamente radicalizar a participao como condio de gerar processos polticos portadores de mudanas substantivas nas relaes sociais e at no modo de desenvolvimento do Brasil (p. 3). Reconhecendo as enormes dificuldades a serem enfrentadas nessa perspectiva, o Projeto se perguntava: (s)er que estamos diante de uma inovao em termos de potencializar a democracia, tensionando as estruturas representativas por meio de formas diretas de democracia participativa? (p. 4). Sua resposta era bastante clara: (o) momento de apostar na participao ... (a) participao ativa para alm das eleies e da representao uma aposta fundamental em termos de radicalizao da democracia. No incio do governo Lula, essa aposta do Projeto parecia corroborada por uma nova onda participativa no governo federal, exemplificada pelas expectativas geradas em relao aos recm criados (em janeiro de 2003) Conselho de Desenvolvimento Econmico e Social (CDES) e Conselho Nacional de Segurana Alimentar e Nutricional (Consea), alm das consultas sociedade civil no debate

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O Projeto executado pelo Ibase com o apoio da Fundao Ford e da ActionAid Brasil. Note-se que um primeiro esboo da proposta do Mapas j estava pronto em abril de 2003, cerca de trs meses aps o incio do novo governo. Ibase, Projeto do Mapas, 2003, p. 2.

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da proposta do Plano Plurienal de Investimentos (PPA) e para a realizao de grandes Conferncias em torno de temas centrais para a transformao da poltica pblica e do modelo de desenvolvimento prevalecente (Meio Ambiente, Cidades, Segurana Alimentar), e que congregavam segmentos importantes da sociedade civil organizada, inclusive portadores de propostas para o novo governo. Nesse sentido, a hiptese central e norteadora do Projeto era que o modo petista de governar, de fazer poltica teria como uma de suas caractersticas distintivas o estmulo s iniciativas de participao da populao organizada na formulao e na implementao das poltica pblicas. A partir dessa hiptese, o Mapas propunha-se a identificar, monitorar e avaliar as experincias concretas de participao incentivadas pelo governo federal com o objetivo de (p)romover o debate pblico sobre os limites e as possibilidades do modo participativo de fazer poltica3. E, enquanto tal, o propsito explcito do Projeto era tomar parte nesse processo poltico, agindo como um ator do mesmo, para acompanhar o acontecer deste governo4. Nos termos da proposta (p. 5): Para uma instituio como o Ibase, fundamental mergulhar no processo usando a sua capacidade de vigilncia cidad e de presso para que a possibilidade vire uma realidade, superando os limites da prpria luta social e poltica. Os objetivos deste projeto de monitoramento e avaliao do processo do governo Lula so montar, com autonomia, um sistema de acompanhamento do processo e apontar os seus entraves, seus erros estratgicos, suas inconsistncias, tornando-se, a seu modo, ator do processo e apontando as alternativas para que atinja aquilo a que se prope.

Projeto do Mapas, 2003, p. 6. Nessa mesma pgina, o objetivo geral do Projeto enunciado como segue: Este projeto, tendo como referncia prtica e histrica o governo Lula (de 1 de janeiro de 2003 a 31 de dezembro de 2006), visa, por meio do monitoramento sistemtico, da avaliao crtica e do debate pblico, contribuir para resgatar analiticamente as condies do modo participativo de fazer poltica e potencializar o seu impacto na democratizao efetiva de uma sociedade como a brasileira. Trata-se de analisar e debater as relaes e tenses entre democracia representativa e democracia participativa e as mudanas que operam no desenvolvimento do Brasil, em particular, e o enfrentamento das desigualdades e das excluses existentes. 4 Na expresso de Cndido Grzybowski, coordenador geral do Mapas, na abertura do Debate I: a participao no governo Lula vises da sociedade civil no Seminrio Os sentidos da democracia e da participao, realizado no Instituto Plis, em So Paulo, de 1 a 3 de julho de 2004. Ver Teixeira (2005), p. 61.

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3. DE OUTUBRO DE 2003 A JUNHO DE 2004 As atividades iniciaram em outubro de 2003 com a discusso na equipe do Ibase dos quadros conceitual, metodolgico e emprico do Projeto, com a formao da rede nacional de ONGs concebida para implement-lo, e com a preparao do primeiro seminrio da rede do Mapas, a ser realizado no final de novembro. A partir da concepo de que o Projeto Mapas pretendia realizar um monitoramento poltico e no acadmico das iniciativas de participao do governo federal e, desse modo, tencionava participar como um ator poltico desse processo social, o carter a ser assumido pela rede do Mapas e a escolha de seus participantes representavam uma verdadeira questo metodolgica a ser enfrentada pelo Projeto, pois era indispensvel que a montagem da rede estivesse adequada ao cumprimento dos objetivos assinalados. Nesse sentido, a coordenao do Mapas decidiu: (I) formar uma rede com ONGs comprometidas com o acompanhamento das lutas sociais e dos processos de participao existentes ou reivindicados em suas reas e regies de atuao. Com isso, buscava criar condies para que o carter poltico e no acadmico do monitoramento a ser realizado pelo Mapas pudesse ser garantido; e (II) que a rede deveria ter uma abrangncia nacional, pois muitas das iniciativas que seriam acompanhadas tinham ou pretendiam ter essa incidncia. Com essa perspectiva, a rede do Mapas foi composta pelas seguintes organizaes no-governamentais, alm do Ibase: Centrac (Centro de Ao Cultural), da Paraba; Cidade (Centro de Assessoria e Estudos Urbanos), do Rio Grande do Sul; Cedefes (Centro de Documentao Eloy Ferreira da Silva), de Minas Gerais; Cepac (Centro Piauiense de Ao Cultural), do Piau; Cese (Coordenadoria Ecumnica de Servio), da Bahia; Fase (Federao de rgo para Assistncia Social e Educacional), do Mato Grosso e do Par; GTA (Grupo de Trabalho Amaznico), do Amazonas; Ifas (Instituto de Formao e Assessoria Sindical Rural Sebastio Rosa da Paz), de Gois; Inesc (Instituto de Estudos Socioeconmicos), do Distrito Federal; e Plis (Instituto de Estudos, Formao e Assessoria em Polticas Sociais), de So Paulo5. Desde o incio, o Projeto como que carregava uma tenso particular e prpria. Por um lado, tendo como ponto de partida sua hiptese bsica j mencionada, foram escolhidos como loci fundamentais de acompanhamento do Projeto os novos espaos pblicos de participao criados pelo governo Lula, entendidos como espaos pblicos institucionalizados nos quais representantes do Estado e da sociedade civil participam conjuntamente na formulao e no controle social da implementao de polticas pblicas especficas6. Assim sendo, foram escolhidos como objetos de acompanhamento pela equipe do Ibase: o processo de consulta do PPA (fruns estaduais de 2003), o CDES, os Conseas nacional e/ou estaduais, e as Conferncias nacional e/ou estaduais de Cidades, Meio Ambiente, e Segurana

5 Note-se que duas organizaes participaram do incio das atividades do Projeto, mas afastaram-se posteriormente: o Cenap (Centro Nordestino de Animao Popular), de Pernambuco, e a CNBB (Conferncia Nacional do Bispos do Brasil), do Distrito Federal. 6 Existe uma extensa e bem conhecida literatura sobre espaos pblicos de participao. No contexto do Mapas, Delgado & Limoncic (2004) e Dagnino (2002) podem ser consultados.

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Alimentar e Nutricional. Para viabilizar esse objetivo, a equipe do Ibase construiu o que se chamou de instrumentos para coleta de informaes do processo de consulta do PPA nos estados, das Conferncias, e dos Conseas. Em relao ao PPA, as informaes a serem coletadas deveriam privilegiar: (I) o registro das vrias etapas do processo e a caracterizao e anlise dos instrumentos da iniciativa; (II) o mapeamento dos atores sociais envolvidos e no envolvidos no processo; e (III) o registro do modo de participao dos atores e sua avaliao do processo. No caso das Conferncias, as informaes a serem obtidas deveriam concentrar-se: (I) na formatao do processo da conferncia, (II) em sua dinmica de implementao, e (III) nas vises dos atores sociais sobre o processo. E para os Conseas, as coletas deveriam buscar identificar: (I) o monitoramento dos conselhos (sua estrutura formal, dinmica de composio e funcionamento, e identificao dos resultados alcanados), e (II) as vises dos atores sociais (participantes ou no) sobre o conselho. Dadas as caractersticas do Projeto que no pretendia promover um estudo acadmico e exaustivo do tema, mas ser um ator qualificado e autnomo do processo de participao social em curso no pas pretendia-se que a coleta de informaes fosse suficiente para, basicamente, registrar os atores sociais includos e deixados de fora nos processos, seu modo de participao e sua avaliao do mesmo, alm da identificao dos temas tratados, das propostas e sugestes feitas e do tipo de resultados obtidos at ento. A equipe do Ibase preparou, ademais, um Glossrio de termos do Projeto Mapas com o objetivo de homogeneizar o emprego de conceitos relevantes para a dinmica do Projeto e facilitar a comunicao entre os membros da rede. A proposta inicial era disponibilizar o glossrio de termos no site do Mapas, de modo que pudesse vir a ser continuamente atualizado pelo aprimoramento do dilogo a ser estabelecido na rede. Por outro lado, a equipe do Ibase j intua, desde outubro de 2003, que poderia ser limitante e enganoso concentrar todos os esforos do Projeto no acompanhamento desses espaos institucionalizados de participao para dar conta de um processo que comeava a dar sinais de indeterminao, pois o governo Lula j revelava importantes contradies e ambigidades de propsitos e de ao polticos, em funo, principalmente, de sua opo bsica pela manuteno, e mesmo pelo aprofundamento, da poltica macroeconmica neoliberal do governo FHC7. Nesse sentido, embora mantendo-os como prioridade de acompanhamento, no bastava ao Projeto restringir-se inteiramente aos espaos institucionalizados, sem observar a dinmica de atuao das organizaes da sociedade civil fora dos

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Em outubro de 2003, essa opo j estava suficientemente caracterizada e publicizada, especialmente depois do lanamento pelo Ministrio da Fazenda, em abril, do documento Polticas Econmicas e Reformas Estruturais, que buscava justificar essa opo poltica. No obstante poltica externa mais independente e voltada para o Sul consagrada internacionalmente com a criao do G-20 e sua atuao na Ministerial de Cancn da OMC, em setembro de 2003 foi liberado o plantio de soja transgnica, contrariando as expectativas e demandas dos movimentos sociais rurais e das ONGs; em dezembro foi aprovada a reforma da Previdncia Social e o PT expulsou parlamentares que votaram contra a reforma; e em fevereiro de 2004 foi divulgado na imprensa o primeiro caso de corrupo no governo (o caso Waldomiro), atingindo o ento ministro da Casa Civil, Jos Dirceu, principal articulador da campanha de Lula Presidncia da Repblica e componente central do chamado ncleo duro do governo.

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marcos propostos pelas iniciativas do governo federal, o que, mais tarde, no seminrio da rede do Mapas, em julho de 2004, iria ser chamado de participao na rua. Assim sendo, considerou-se importante coletar informaes adicionais que permitissem alguma avaliao poltica da sociedade civil nesse perodo. Para tanto, a equipe do Ibase definiu instrumentos adicionais de coleta visando a construo de mapeamentos preliminares, em todas as regies do pas consideradas, dos atores mais relevantes da sociedade civil e dos principais na perspectiva de sua capacidade de influenciar a agenda pblica conflitos e tenses sociais existentes e/ou latentes. Com esses mapeamentos, poder-se-ia tentar observar (I) o tipo de resposta poltica do governo e (II) sua relao com e sua influncia sobre a dinmica dos processos monitorados nos espaos institucionalizados alm de que seriam um produto adicional do Projeto, com relevncia prpria e passvel de ser constantemente atualizado. importante reter que o reconhecimento gradual e as tentativas sugeridas para enfrentar a tenso entre o acompanhamento dos processos de participao nos espaos institucionalizados e na rua foram centrais para a execuo do Projeto e responsveis por muitas das dificuldades enfrentadas pela rede do Mapas para implementlo. Elas se agudizaram medida em que a prtica poltica do governo Lula foi se afastando aceleradamente do suposto na hiptese central e foi encurralando o Projeto, ao mesmo tempo em que ia encurralando a prpria sociedade civil8. O primeiro seminrio da rede do Mapas ocorreu nos dias 25 e 26 de novembro de 2003. Alm do exerccio de interao entre pessoas que no se conheciam previamente e de busca de uma linguagem e de uma semntica a serem compartilhadas, os pontos mais relevantes tratados no seminrio foram, talvez, os seguintes: :.: O esforo de tentar esclarecer na equipe a idia, no trivial, de que o Projeto pretendia atuar, na forma de rede, como um ator poltico no processo a ser monitorado, buscando intervir, de forma qualificada, no debate sobre a participao social e a democracia participativa no governo Lula. Por essa razo, como vimos, a rede do Mapas inclua membros de ONGs e de redes com atuao destacada no debate pblico em seus estados e regies de origem. Observe-se que o significado que esse carter inovador pretendido pelo Projeto assumisse para a rede do Mapas influenciaria decisivamente sua percepo acerca do tipo de coleta de informaes que deveria ser realizado. preciso reconhecer que o ineditismo da proposta, as complexidades de concepo e de operacionalizao envolvidas, os rumos seguidos pelo governo Lula, que puseram em questo a hiptese central do Projeto, e a heterogeneidade da equipe criaram inmeras dificuldades para essa compreenso e para a conduo e implementao dos trabalhos da rede que nunca conseguiram ser completamente resolvidas.

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Meno ao artigo de Grzybowski (2004), divulgado no seminrio de julho do Mapas e na imprensa nacional, e que vai ter influncia significativa para as decises que comearo a ser tomadas a respeito dos caminhos do Projeto a partir do seminrio no Instituto Plis, em julho de 2004.

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:.: Concebido o Projeto como uma rede de interveno para estimular o debate pblico sobre a radicalizao da democracia no governo Lula, discutiram-se os mecanismos necessrios para viabilizar a rede e para visibiliz-la diante dos(as) formadores(as) de opinio pblica, em geral, e dos movimentos sociais e de outras redes parceiras, em particular. A discusso em torno desse tema incluiu a necessidade de definir com clareza o que se esperava da rede, a construo de um site e de outros mecanismos de divulgao, devoluo e interao (seminrios, workshops, oficinas, etc.), e a utilizao de formas adequadas de animao da mesma. As dificuldades do Projeto para enfrentar apropriadamente essas questes frustraram em boa medida as potencialidades do Mapas para viabilizar-se como uma rede de interveno com as caractersticas previstas originalmente. :.: Apresentao, discusso e adaptaes da proposta de trabalho, dos instrumentos para a coleta de informaes, do glossrio de termos do Mapas e do cronograma de trabalho. :.: Discusso de temas da conjuntura poltica do governo Lula pelos membros da rede do Mapas, em que cabe registrar dois aspectos. Primeiro, apesar do reconhecimento da complexidade da conjuntura, percebia-se uma preocupao generalizada na equipe com os rumos assumidos pelo governo federal, em especial no campo das iniciativas de participao social. Essa preocupao desdobrava-se, inclusive, na interrogao acerca de como o governo Lula concebia e tratava, em sua prtica poltica, a questo da participao e na constatao das ambigidades do governo em suas negociaes polticas com os(as) representantes da sociedade civil. Segundo, testemunhava-se tambm, com igual ou maior preocupao, a relativa fragilidade da sociedade civil, destacando-se uma possvel intensificao de sua fragmentao como conseqncia da prpria prtica poltica governamental. As seguintes atividades foram acordadas no seminrio de novembro de 2003 para serem realizadas no primeiro semestre de 2004: 1. Mapeamento, em todos os estados, dos principais atores da sociedade civil e dos principais conflitos e tenses sociais. 2. Caracterizao, em todos os estados, do processo de consulta do PPA fruns estaduais 2003. 3. Caracterizao do processo de participao no CDES. 4. Caracterizao do processo de participao no Consea nos estados: Minas Gerais; Bahia/Alagoas/Sergipe; Piau/Cear; Pernambuco; Gois/Tocantins/Mato Grosso do Sul. 5. Caracterizao do processo de participao na Conferncia das Cidades nos estados: So Paulo; Rio Grande do Sul/Santa Catarina/Paran; Pernambuco/ Rio Grande do Norte/Paraba; Par/Maranho/Amap. 6. Caracterizao do processo de participao na Conferncia do Meio Ambiente nos estados: Mato Grosso/Rondnia/Acre; Amazonas/Roraima; Par/ Maranho/Amap; Rio de Janeiro/Esprito Santo. 7. Elaborao e implementao do Plano de Comunicaes do Mapas.

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4. DE JULHO A DEZEMBRO DE 2004 Em julho de 2004, em So Paulo, ocorreu o primeiro seminrio da rede do Mapas, seguido de um seminrio de devoluo sociedade de alguns resultados obtidos e reflexes realizadas at ento. Para esse seminrio de devoluo, o Mapas associou-se a outras redes e ONGs envolvidas com a mesma temtica, dando origem a um grande seminrio organizado pelo Instituto Plis, em 1, 2 e 3 de julho, denominado Os Sentidos da Democracia e da Participao9. A divulgao do Mapas atravs desse seminrio foi complementada pela cobertura da grande imprensa jornalstica e pela edio, em agosto/setembro de 2004, de um nmero especial da revista do Ibase, Democracia Viva, incluindo textos elaborados pela equipe do Projeto, com base no material previamente produzido. Esses eventos representaram o lanamento do Mapas como um ator poltico no monitoramento de experincias de participao no governo Lula, dando-lhe visibilidade pblica, inclusive para o governo federal. Ao mesmo tempo, os seminrios de So Paulo e as reflexes a veiculadas contriburam para evidenciar as dificuldades e os impasses que a compreenso evidentemente controversa das conseqncias da progressiva no verificao de sua hiptese central trazia para os rumos do Projeto, tanto do ponto de vista das iniciativas e/ou dos processos sobre os quais a coleta de informaes deveria concentrar-se (espaos institucionalizados/participao na rua), como do carter e da perspectiva de sua interveno como ator poltico em um processo de participao que se revelava bastante marginal como modo de fazer poltica do novo governo. Das discusses feitas nos dois seminrios de julho o da equipe e o de devoluo , podemos retirar algumas observaes que ajudam a perceber as singularidades do tipo de acompanhamento que o Mapas pretendia realizar, as conseqncias que a evoluo do governo Lula trouxe para ele, e os impasses e as tentativas de busca de novos caminhos para o Projeto. 1. Mesmo enfrentando dificuldades de compreenso e de operacionalizao, e alcanando, muitas vezes, resultados relativamente precrios, o monitoramento das experincias de participao feito pelo Mapas nessa fase ainda mais quando relacionado com outras manifestaes da forma e do contedo reais da poltica do governo federal corroborava a percepo que se ia generalizando de que: (I) o governo Lula encarava esses espaos pblicos no como lugares privilegiados de controle social do Estado, mas, no mximo, como espaos para a sua interlocuo com os atores no estatais e, com isso, promovia retrocessos importantes na sua concepo e na sua implementao; (II) a prtica participativa, mesmo nessa perspectiva emasculada, no atingia os ncleos econmicos e polticos do poder; e (III) a radicalizao da democracia no era um objetivo do novo governo10. Ou seja, o Mapas comeava a ter de defrontar-se

Os anais desse seminrio foram publicados em Teixeira (2005). O consenso em torno dessas constataes j comeava a ampliar-se consideravelmente, nesse perodo, entre as redes e ONGs que participavam de espaos pblicos de participao no governo Lula, como pode ser visto em vrios depoimentos registrados em Teixeira (2005), especialmente pp. 61-89.10

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com a evidncia de que sua hiptese central estava se tornando progressivamente equivocada e de que as expectativas iniciais da sociedade civil organizada, que pretendia expressar, estavam indo por gua abaixo. 2. Essa situao teve inmeros efeitos importantes sobre a conduo do Projeto. Em primeiro lugar, no apenas colocava em questo a convenincia de continuar monitorando os espaos pblicos de participao escolhidos anteriormente e que se encontravam diante dos impasses mencionados acima mas questionava tambm os instrumentos para coleta de informaes preparados pela equipe do Ibase e seu nvel de detalhamento das informaes a serem coletadas. No contribua para resolver, mas, ao contrrio, aguava ainda mais uma tenso que estava presente no Projeto desde o incio: sua pretenso de construir-se como pesquisa para a ao poltica. No trivial, como o Mapas pde vivenciar, tentar articular pesquisa entendida em nosso caso especfico como a construo de argumentos de qualidade com interveno no debate pblico. No caso do Mapas, essa articulao foi muito bem sucedida em trs momentos: (I) no seminrio do Plis e na divulgao que o sucedeu; (II) no seminrio do PNUD, realizado posteriormente em Braslia, em dezembro de 2004, que contou com a presena de membros do governo, inclusive ministros(as) de Estado, e que voltar a ser mencionado mais adiante; e (III) nos seminrios de devoluo que foram feitos em alguns estados para os atores sociais locais participantes de espaos institucionais monitorados pelo Projeto (o Consea estadual em Minas Gerais, por exemplo)11. Nesses casos, foram muito claras e ressonantes as intervenes pblicas do Projeto. Essa experincia da rede do Mapas permite chamar ateno que um projeto com essas caractersticas tem de enfrentar o tratamento de duas questes metodolgicas importantes, e constantemente repostas, referentes ao monitoramento poltico que se prope: a) em que consiste exatamente a interveno do projeto no debate pblico e quais os componentes essenciais, indispensveis sua operacionalizao? e b) qual deve ser o papel da comunicao para essa operacionalizao e que instrumentos devem ser construdos para viabiliz-la? 3. Em segundo lugar, os rumos progressivamente assumidos pelo governo Lula foram inviabilizando a possibilidade de que a rede do Mapas pudesse operar como um ator coletivo em torno do tema da participao social, capaz inclusive de articular alternativas politicamente adequadas para o redirecionamento do Projeto frente aos impasses provocados por essa situao imprevista. Os conflitos locais em grande parte provocados ou estimulados por polticas implementadas pelo governo federal ou por sua omisso em intervir cresceram sensivelmente, em especial na Regio Norte, obrigando muitas ONGs e redes participantes a intensificarem seu envolvimento nas lutas locais, o que forou muitas substituies na equipe original, acentuando sua heterogeneidade12. Isso

11 Fazia parte do processo de alimentao do debate pblico em torno da participao social um dos objetivos do Mapas desde o seu incio que os(as) parceiros(as) da rede do Projeto promovessem, periodicamente, atividades de devoluo aos atores locais dos resultados obtidos. 12 Note-se que, desde o incio, os(as) participantes da equipe dividiam seu tempo de dedicao ao Projeto com inmeras outras atividades desenvolvidas em suas organizaes.

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provocou uma considervel descontinuidade na programao estabelecida pelo Projeto, atrasando consideravelmente a compreenso e o cumprimento das tarefas acordadas. Foram poucos os estados para os quais todas as tarefas foram satisfatoriamente realizadas, o que, evidentemente, dificultou a possibilidade da rede do Mapas como um todo engajar-se plenamente na busca de alternativas, pois sempre restavam algumas tarefas (no poucas) para serem completadas, o que inviabilizava o envolvimento de toda a equipe em novas atividades. A rede do Mapas foi montada para acompanhar as iniciativas de participao social do governo Lula e para intervir publicamente como um ator poltico coletivo no monitoramento de um processo que se esperava seria de radicalizao da democracia. Na realidade, muitas das ONGs participantes foram atropeladas em sua prtica cotidiana por disputas ou conflitos sociais que no resultavam da radicalizao da democracia, mas sim, de polticas ou de omisses do governo federal que favoreciam os interesses das oligarquias locais e/ou das empresas transnacionais. As conseqncias polticas e operacionais dessa situao inesperada afetaram de forma considervel as possibilidades da rede do Mapas atuar efetivamente como uma rede capaz tanto de articular internamente a interao das instituies parceiras como de agir externamente como um ator coletivo. 4.Em terceiro lugar, a equipe do Ibase percebeu desde cedo os descaminhos do governo Lula, mas foi incapaz de encontrar, pelo menos at maro de 2005, um rumo para o Projeto que possibilitasse sua reorganizao superando inteiramente as limitaes impostas pela hiptese central. Nesse sentido, o Projeto ficou to encurralado quanto a sociedade civil frente realidade do governo Lula. O que Cndido Grzybowski disse da sociedade civil aplica-se igualmente rede do Mapas: O problema que nossas expectativas no nos permitiram ver o que realmente estava acontecendo e, conseqentemente, no analisamos bem o que fazer e como agir para radicalizar a democracia no novo quadro. Definitivamente, no estamos diante de um novo modo de fazer poltica, com um governo petista trazendo ao centro do poder sua experincia participativa e renovadora da poltica. Mas estamos diante de um novo governo, ao seu modo, diferente13. Embora concluindo que o governo Lula no assumia um novo modo de fazer poltica, o fato dele representar um governo diferente, do ponto de vista de sua composio poltica, fazia-nos continuar supondo que se tratava de um governo novo14. Da perspectiva de radicalizao da democracia em que se colocava o Mapas, entretanto, a novidade que interessava era a mudana no modo de fazer poltica e se isso no estava acontecendo de forma consistente, no estvamos, da perspectiva do Projeto, diante de um governo novo e diferente. A impossibilidade conjuntural de levar essa percepo at suas ltimas conseqncias talvez tenha nos impedido de abandonar inteiramente a hiptese central do Mapas, mesmo quando buscamos tirar o foco do Projeto do governo e coloc-lo na sociedade civil.

Grzybowski (2004), p. 9. Como complementou Grzybowski (2004) na p. 14: Se no estamos diante de um modo participativo radicalmente novo de fazer poltica, estamos diante de um governo diferente que, no fim, tem na participao das ruas o seu flanco aberto e sensvel. Talvez a esteja a oportunidade de fazer avanar o governo Lula....14

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5. A equipe do Ibase sempre reconheceu o carter extremamente desafiante e inovador de um projeto como o Mapas, cuja dinmica depende de forma ntima de sua capacidade de percepo e de avaliao da conjuntura poltica e de adaptao s mudanas em curso. Como essa capacidade essencialmente subjetiva e controversa, o desenrolar do Projeto , todo o tempo, sempre tenso, constantemente submetido crtica dos que tm percepo e avaliao diversas da conjuntura poltica e da atuao governamental como aconteceu dentro do prprio Ibase o que, com freqncia, torna os objetivos do Projeto nebulosos para seus(suas) participantes, obscurecendo o entendimento sobre quais so as questes em jogo e quais so as melhores solues para os problemas e os desafios que surgem. A equipe do Ibase iniciou o Projeto propondo, como vimos, que a rede do Mapas concentrasse seus esforos no monitoramento dos espaos pblicos de participao, mas, ao mesmo tempo, buscasse mapear atores e conflitos ou disputas sociais relevantes para a construo da agenda pblica nos estados considerados. No seminrio de julho, ficou evidente que a rede do Mapas encontrou enormes dificuldades para realizar de forma satisfatria esse mapeamento, pois (I) a equipe sofreu descontinuidades importantes em sua composio, pelas razes j apontadas; (II) a coleta de informaes dos espaos institucionais absorveu grande parte do tempo das pessoas; (III) os objetivos do mapeamento de atores e conflitos sociais no ficaram claros para todo o grupo; e (IV) houve carncia de um instrumental conceitual que fosse utilizado para uma construo dos mapeamentos adaptada aos objetivos do Projeto. Como conseqncia das reflexes e dos debates realizados nos dois seminrios de So Paulo, a equipe do Ibase formulou duas sugestes com o objetivo de avanar numa proposta de redirecionamento do Mapas, para fazer frente ao enfraquecimento bvio de sua hiptese central e norteadora. A primeira foi a de que o Projeto deveria encaminhar seus esforos no sentido de tentar fortalecer os atores sociais, mais do que os espaos pblicos institucionalizados. A nova hiptese aqui expressa era que s a presso da rua, dos movimentos sociais sobre o governo Lula seria, talvez, capaz de obrig-lo a assumir a participao social como um ingrediente central de seu modo de fazer poltica, renovando as expectativas de radicalizao da democracia15. Ela reforava a nfase do Projeto nos atores e nos conflitos sociais, em detrimento dos espaos institucionalizados de participao. A segunda sugesto era que o governo Lula no poderia mais ser tratado pelo Projeto como se fosse um bloco de foras polticas homogneo. Como hiptese para avanar nessa direo, Grzybowski (2004) propunha uma radiografia da sociedade

15 O que demandaria, aparentemente, um aumento do poder dentro do governo do bloco de foras polticas que Grzybowski (2004) chamou de ativistas populares ou participacionistas, que no hegemnico no governo Lula. Por outro lado, mesmo a viso sobre participao desse grupo no poder no parece ser muito animadora, na perspectiva da radicalizao da democracia. Segundo o depoimento de Jos Antonio Moroni, do Inesc e da rede do Mapas e conselheiro do CDES, (m)esmo em relao a esses grupos dentro do governo que estariam mais abertos participao, acho que a gente no est falando do mesmo conceito de participao. Esses grupos que esto abertos a isso enxergam na sociedade muito mais o mecanismo de legitimao de suas decises, suporte e apoio poltico para se manter onde esto, do que propriamente uma participao.... Mesmo em relao a esses grupos que se propem estarem abertos participao, no participao. Posso citar n exemplos. (Teixeira, 2005, p. 74).

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brasileira a partir do poder, configurando os grandes blocos, com suas prprias segmentaes, do jeito que se apresentam na atualidade (p. 10). E destacava a existncia de quatro blocos fundamentais: os(as) desenvolvimentistas, os(as) globalistas, os(as) ativistas populares, e os(as) conservadores(as) tradicionais, sendo que a aliana dos dois primeiros seria hegemnica no governo. Essa segunda sugesto, na verdade, complementava a primeira, pois ambas propunham que as questes do poder, da correlao de foras polticas, e da dinmica de atuao dos atores e dos conflitos sociais passasse a ser uma preocupao central do Projeto. A proposta de colocar os conflitos sociais, sua potencialidade criadora de direitos sociais e de radicalizao da democracia, no centro do Projeto estimulou o incio de reflexes e de discusses na equipe do Ibase e na rede do Mapas sobre a temtica do modelo de desenvolvimento como uma questo subjacente atualmente grande maioria das disputas e dos conflitos sociais na sociedade brasileira que seriam transformadas posteriormente em uma proposta de redefinio dos rumos do Projeto. 6. Ainda assim, as decises da rede do Mapas em relao continuidade do Projeto ficaram no meio do caminho em relao s implicaes das duas sugestes mencionadas, mesmo porque no se tinha, nesse momento, condies de poder formular uma alternativa mais conseqente. Ademais, muitos(as) parceiros(as) da rede do Mapas queriam ter a oportunidade de avanar no monitoramento dos espaos de participao que vinham acompanhando, inclusive para oferecer aos atores estaduais envolvidos com esses espaos uma devoluo mais qualificada do andamento do Projeto. Trs grupos de decises foram, ento, tomadas. Primeiro, decidiu-se encerrar o monitoramento do PPA, do CDES e da Conferncia do Meio Ambiente por razes que tinham a ver, entre outras, com o deficit de participao social verificado nessas experincias, pelo no cumprimento dos acordos feitos pelo governo com as organizaes da sociedade civil envolvidas, e pela no continuidade de muitas das atividades programadas16. Segundo, reafirmou-se a necessidade de manter a elaborao dos mapeamentos estaduais de atores e de conflitos sociais, com o compromisso de que a equipe do Ibase tentaria apresentar solues para os principais obstculos encontrados na primeira fase. E, terceiro, resolveu-se continuar o monitoramento dos Conseas estaduais de Amazonas, Bahia, Minas Gerais e Piau, e acompanhar os desdobramentos da Conferncia das Cidades no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Par, Pernambuco e So Paulo. Para os Conseas estaduais, o olhar das pessoas deveria estar particularmente atento s caractersticas da sociedade civil envolvida carter da participao, relao entre participao e representao, tipo de articulao entre as organizaes da sociedade civil e eficcia dessa articulao, capacidade de formulao de propostas s relaes entre governo e sociedade civil, e estrutura e dinmica institucionais. O grupo de Cidades deveria estar atento, em especial, s iniciativas do governo

16 No caso do CDES, o Projeto decidiu reconsiderar essa deciso a pedido de tcnicos(as) da equipe do Conselho que argumentaram que seria politicamente negativo que o Mapas abandonasse o monitoramento no momento em que a presidncia do CDES passava de Tarso Genro para Jacques Wagner.

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federal (por exemplo, o Crdito Solidrio) nos estados, ao monitoramento da atuao dos conselheiros nacionais, e criao ou no dos Conselhos Estaduais e ao papel da articulao dos atores nesse processo. Um relevo particular deveria ser dado ao Ministrio das Cidades, suas propostas, aes e tipos de obstculos e impasses encontrados. Foi estabelecido, ademais, que o grupo dos Conseas e o grupo de Cidades reunir-se-iam posteriormente com a equipe do Ibase para detalhar as propostas de trabalho de cada grupo. Realizadas essas reunies em agosto e em setembro, a equipe do Mapas realizou seu ltimo encontro do ano em dezembro de 2004, por ocasio da Conferncia Internacional Democracia: Participao Cidad e Federalismo, organizada pela Presidncia da Repblica e pelo PNUD, e para a qual a rede do Mapas foi convidada. Nessa Conferncia Internacional, realizada nos dias 2 e 3 de dezembro e que contou com a presena de um grupo qualificado de componentes do governo Lula, inclusive dos ministros de Estado Luiz Dulci, Aldo Rebelo, Tarso Genro e Patrus Ananias, houve uma nova interveno do Projeto no debate pblico como havia ocorrido em So Paulo, no primeiro semestre do ano atravs da participao de seu coordenador, Cndido Grzybowski, no Painel: Democracia e Participao. O fato mais importante ocorrido na reunio da rede do Mapas em Braslia foi a deciso unnime da equipe de abandonar inteiramente o monitoramento dos espaos pblicos institucionais de participao uma vez concludos os trabalhos pendentes culminando um processo que vinha amadurecendo durante mais de meio ano. A equipe do Ibase ficou responsvel por elaborar uma proposta de redirecionamento e de continuidade do Projeto que deveria estar ancorada na tentativa de articulao de questes que apareceram, nos debates e nos levantamentos realizados pelo Mapas, como bastante relevantes para orientar o monitoramento dos processos e das possibilidades de radicalizao da democracia durante o governo Lula. A idia metodolgica central era partir de atores, disputas e conflitos sociais concretos em vrias reas e com ressonncia poltica nacional e tratar de consider-los como possveis portadores de disputas e/ou de conflitos em torno de modelos de desenvolvimento contrapostos, que pudessem implicar na criao, consolidao ou destruio de direitos sociais dos grupos e atores envolvidos, tentando sinalizar sua potencialidade ou no para a radicalizao da democracia no pas. Ficou estabelecido que a prxima reunio da rede seria realizada no Rio de Janeiro, em abril de 2005, para discutir a nova proposta.

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5. A NOVA PROPOSTA DE CONTINUIDADE DO PROJETO (JANEIRO A ABRIL DE 2005) A equipe do Ibase trabalhou durante o ms de maro e o incio de abril de 2005 na elaborao da nova proposta, que foi finalizada na metade de abril. Apresentamos a seguir o texto da proposta, tal como apresentado rede do Mapas na reunio de 19 e 20 de abril.5.1. O texto da nova proposta do Mapas: democracia, direitos, desenvolvimento

A. Ponto de partida Nosso ponto de partida de dupla ordem. Em primeiro lugar, nosso esforo de formulao, pesquisa e debate poltico continua tendo como referncia o momento poltico atual e o governo Lula. Em segundo lugar, partimos da observao de que as duas grandes questes polticas que devem ser enfrentadas pelo governo e pela sociedade civil organizada e que devem estar contempladas em um projeto poltico governamental no esto sendo enfrentadas na prtica ou esto sendo tratadas de forma dissociada e isolada. So elas as questes (I) da democracia e dos direitos, e (II) do modelo de desenvolvimento a ser implementado. Nessa perspectiva, tratar a questo da democracia e dos direitos sem levar em conta a disputa social em torno do modelo de desenvolvimento conceb-la em seu aspecto meramente formal, destitudo de contedo, esvaziando o significado do que possa ser a radicalizao da democracia e podendo recair em sadas assistencialistas, meramente compensatrias; ou, inversamente, correr o risco de defender/promover um processo de desenvolvimento que poder violar direitos fundamentais de amplos segmentos da sociedade e, assim, colocar em cheque a prpria democracia. Do mesmo modo, considerar a questo do modelo de desenvolvimento sem associ-la problemtica da radicalizao da democracia, ou sem aprofundar a noo de que o desenvolvimento deve ser propriamente concebido como um direito, reduzir desenvolvimento a crescimento econmico e tratar como legtimas e relevantes apenas as consideraes relativas s frentes de expanso econmica, dissociadas das demais questes que fazem hoje parte de uma agenda democrtica a respeito. Corremos, assim, o risco de reinventar as concepes militares autoritrias da dcada de 1970, de crescimento econmico a qualquer custo social, ambiental, poltico, cultural, etc., e as justificativas ideolgicas do tipo preciso crescer para depois distribuir ou para depois democratizar. A proposta de desdobramento do Projeto, portanto, a de identificar e analisar conflitos e disputas sociais envolvidas na considerao simultnea e indissocivel das questes relativas democracia, aos direitos e ao modelo de desenvolvimento, tanto nas lutas, reivindicaes e propostas da sociedade civil como nas iniciativas e/ou reaes do governo federal. De forma mais sinttica: abordar questes, conflitos, disputas sociais, impasses, propostas que esto emergindo, ou no, na sociedade brasileira quando se pretende aprofundar a democracia e ampliar os direitos, fazendo o desenvolvimento do pas.

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B. Primeira elaborao da propostaB.1. CAMPOS TEMTICOS

Para operacionalizar a anlise do que constituinte do processo social de disputa ou de conflito em torno das questes da democracia, dos direitos e do modelo de desenvolvimento foram selecionados, inicialmente, dez campos temticos considerados fundamentais para nos aproximarmos compreenso desse processo social abrangente e complexo. I. Energia, gua, agricultura, terra Conflitos em relao ao acesso, gesto e ao uso de recursos naturais. Direitos sociais institudos, demandados e questionados neste campo. O carter universal dos direitos. Conflitos relativos ao modelo de desenvolvimento: matriz energtica; fronteira agrcola e exportaes; povos indgenas; agricultura familiar, reforma agrria e multifuncionalidade; bens pblicos vs. privatizao da natureza. II. Trabalho, economia informal, renda As mudanas atuais no mundo do trabalho tm implicado na desregulamentao do contrato de trabalho, no subemprego, bem como no desenvolvimento de uma mirade de formas de trabalho no-assalariadas como resposta tendncia de retrao dos postos formais. As disputas e conflitos nesse campo se fazem hoje no pas em torno da flexibilizao ou manuteno de direitos trabalhistas; da valorizao ou no do papel regulador e distributivo do salrio mnimo; da disseminao da terceirizao como forma de gerir a mo-de-obra, seja no setor privado ou no pblico; da persistncia do trabalho escravo; da luta por reconhecimento social e pelo direito ao trabalho e seguridade social pelas outras formas de trabalho (no-assalariadas). III. Dvida, financiamento, tributao O governo Lula optou por implementar uma poltica macroeconmica baseada no ajuste fiscal e na manuteno de altos ndices de juros. Tal poltica tem sido alvo de um intenso debate pblico, e mesmo dentro do governo, dado que tem resultado em transferncias de renda para o setor financeiro e na conteno de gastos pblicos para as reas de sade, infraestrutura, educao, saneamento, programas sociais etc. Construir formas de financiar o Estado brasileiro que sejam progressivas, tornando o Estado um agente de redistribuio da renda, e no de concentrao, como tem ocorrido, constitui um dos elementos centrais do debate pblico. IV. Cincia, tecnologia, educao O debate sobre cincia, tecnologia e educao desdobra-se em vrias dimenses que, por sua vez, desdobram-se em diferentes conflitos e disputas: para quem servem, quem os produz, quem deve financi-los e quais seus objetivos ltimos. Colocados de forma bastante reducionista, tais conflitos e disputas opem aqueles(as) que possuem uma viso mercantil da produo do conhecimento, e portanto da sua aplicao, queles(as) que concebem o conhecimento como um patrimnio pblico a ser democrtica e republicanamente gerido. V. Cultura, informao, comunicao Os domnios da comunicao (includa, neste mbito, a questo do acesso informao) e da cultura (entendido de forma ampla, de expresso material de um esprito coletivo s questes concernentes a modos de vida em geral) possuem diferenciaes claras e distintas, mas tambm interfaces importantes. Eles consubstanciam uma srie de conflitos e disputas que no se reduzem apenas ao problema de determinar para quem se fala (relao de excluso), ou mesmo quem paga (dimenso mercadolgica), mas igualmente quem fala (polifonia de vozes X totalitarismo) e o que fala

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(as idias que animam as intervenes e o modo de intervir). Nesses parmetros, disputas to conflituosas como a legislao e o modus operandi sobre a concesso de rdio e TV, a polmica sobre a criao da Agncia Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), os mecanismos de financiamento que tendem a delimitar a atividade artstica s leis de mercado, a discusso sobre a programao das televises etc., constituem verdadeiros campos de batalha para grupos antagnicos. VI. Cidade, habitao, segurana As cidades constituem espaos privilegiados de conflitos sociais e de luta pela construo de direitos cidados. A privatizao dos espaos pblicos, a apropriao desordenada por vezes ilegal do solo urbano, a ausncia de polticas habitacionais e a inconsistncia das polticas de segurana pblica expressam a no garantia de direitos cidados ao lazer, a um plano diretor que pense democrtica e coletivamente a expanso urbana, habitao e segurana de todos. Conseqentemente, tais so campos de conflito pela construo de direitos, envolvendo atores sociais os mais diversos, muitos deles em conflito uns com os outros, assim como atores estatais nos diferentes nveis da Federao e em todos os ramos do poder. VII. Transporte, saneamento, infra-estrutura Nas grandes cidades brasileiras, as reas mais carentes de equipamentos urbanos so, no por acaso, as que abrigam as populaes de mais baixa renda e menores recursos polticos. A alocao de recursos para a instalao de tais equipamentos constitui um dos principais pontos da agenda de diversos movimentos sociais que, desde os anos 1980, organizaram-se em torno da luta pela democratizao do solo urbano e pela redistribuio da riqueza atravs da aplicao de recursos pblicos em regies socioeconmicas tradicionalmente desfavorecidas. O conflito pela alocao de tais recursos acentuou-se com a poltica macroeconmica do governo que, ao buscar produzir superavits primrios, tornou-os mais escassos para investimentos de mais alto retorno social e mais baixo retorno econmico e, ao optar por um modelo agroexportador, direcionou-os preferencialmente para a infra-estrutura de suporte exportao. VIII. Sade, alimento, seguridade social Conflitos em relao ao acesso sade, soberania e segurana alimentar, e proteo social. Direitos sociais institudos, demandados e questionados neste campo: direito sade, proteo social, alimentao saudvel, segurana humana. O carter universal dos direitos. Conflitos relativos ao modelo de desenvolvimento: universalizao de direitos vs. focalizao das polticas; transgnicos; soberania vs. segurana alimentar; incluso social vs. privilgios de seguridade social. IX. Integrao, regionalismo, comrcio internacional O Brasil negocia uma srie de acordos de liberalizao comercial com pases em desenvolvimento, no mbito do Mercosul, da Comunidade Andina e do Frum ndia-Brasil-frica do Sul. Esses tratados tm se pautado pelo enfoque nas questes econmicas, com pouca abertura aos temas sociais, o que nos coloca diversas perguntas. Estamos diante de uma integrao dos mercados ou dos povos? Qual o modelo de desenvolvimento promovido pelos processos de regionalismo e abertura comercial no qual o Brasil est envolvido? Qual seu impacto na expanso da democracia e dos direitos sociais? Como os atores mais bem sucedidos da estratgia de integrao (p. ex., grandes empresas como Vale do Rio Doce e Sadia) agem nas disputas sociais dentro do pas? Qual o efeito do regionalismo em questes como as tenses da

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migrao na Amrica do Sul [bolivianos(as) em So Paulo, brasileiros(as) no Paraguai]? Como a integrao pode nos ajudar a ver com outros olhos temas primeira vista no relacionados com ela, como as disputas pela terra? X. Poder, Estado, partidos Democratizar o Estado e construir mecanismos de controle social sobre o poder, tornando Estado e governo institucionalmente mais abertos ao controle social de suas rotinas e participao social em seu processo decisrio tem sido um desafio presente desde o fim do regime militar. Isto gera, evidentemente, resistncias daqueles(as) que, alojados(as) em agncias estatais, transformam-nas em fontes de recursos polticos e econmicos. Por outro lado, uma reforma poltica que implique maior representatividade dos partidos e iniba a sua transformao em mquinas polticas de acesso a bens e recursos pblicos tambm gera, evidentemente, resistncias daqueles(as) que se beneficiam dos partidos como instrumentos de acesso a tais recursos. Por fim, democratizar o poder e o Estado no Brasil significa a introduo de mecanismos de democracia direta ou participativa na tomada de decises e na gesto da coisa pblica, o que gera resistncia dos partidos polticos, que buscam o monoplio da mediao dos interesses. O Projeto pretendeu abordar esses campos temticos como campos de disputa entre os diferentes atores sociais envolvidos em cada um deles. Alm disso, ser um procedimento metodolgico a ser seguido pelo Projeto a observao atenta e privilegiada das especificidades com que diferentes dimenses da desigualdade se expressam em cada campo temtico em relao s questes de etnia (povos indgenas e afrodescendentes), gnero, gerao e desigualdades regionais.B.2. DIMENSES RELEVANTES NOS CAMPOS TEMTICOS

Na investigao dos campos temticos, o Projeto tratar de identificar as disputas em relao (I) s diferentes concepes/vises dos atores sociais; (II) sua incidncia sobre as vises de democracia, direitos e desenvolvimento que esses atores portam; e (III) os elementos de convergncia, de divergncia e de oposio entre essas concepes/vises em disputa. Essa investigao vai concentrar-se em cinco dimenses fundamentais: 1. As principais questes presentes em cada campo. 2. O marco regulatrio existente. A institucionalidade atual e em disputa. 3. A forma de organizao social e o tipo de relaes sociais existentes e em disputa. 4. A tecnologia e a base tcnica predominantes e em disputa. 5. A questo da incluso social. Beneficirios(as) e excludos(as). Formas de incluso social existentes e em disputa.B.3. ATORES SOCIAIS EM DISPUTA NOS CAMPOS TEMTICOS

Em relao aos atores sociais em cada campo temtico, o Projeto dever observar os seguintes aspectos: 1. Que tipo de atores sociais esto presentes em cada campo? Qual a sua identidade? A sua visibilidade? A questo dos direitos um componente importante de sua identidade? 2. Qual o tecido organizativo dos diferentes atores nos diversos campos? Qual a sua fora poltica? O seu poder de barganha? 3. Qual a capacidade de formulao de anlises e de propostas, de luta e de incidncia dos diferentes atores? Qual sua capacidade de construir alianas? 4. Agenda e espao pblicos que os atores em cada campo tm (ou no) capacidade de participar/criar.

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B.4. ESTUDOS DE CASO

Para efetuar a anlise dos campos temticos, segundo as dimenses e aspectos acima assinalados, o Projeto, nessa nova etapa, foi encaminhado por estudos de casos, representativos e significativos quanto s questes da democracia, direito e desenvolvimento. Foram contratados(as) pesquisadores(as) para a realizao dos estudos de casos, os quais deveriam seguir um roteiro previamente acertado com cada pesquisador(a). O roteiro proposto consistiu em uma grade comum de leitura, a fim de permitir uma anlise comparativa dos casos a ser realizada posteriormente pela equipe Ibase, identificando eventuais tendncias presentes nesses conflitos ou disputas. certo que ocorra, a depender da natureza do conflito/disputa tratado, nfases diferenciadas quanto aos pontos aqui elencados e, mesmo, a necessidade de se abordar outros aspectos. O presente roteiro foi apresentado mais como um ponto de partida, sendo ajustado luz de cada um dos casos a serem estudados. Nesse sentido, a proposta de cada estudo de caso foi construda pelo(a) pesquisador(a) responsvel em dilogo com a equipe Ibase, tendo como ponto de partida o roteiro apresentado. No roteiro est sugerida uma apresentao do produto do trabalho em dois recortes principais, a saber: uma contextualizao geral do conflito/disputa e uma qualificao dos principais atores envolvidos no conflito/disputa, destacando a atuao do governo Lula em relao ao conflito/disputa. Como produto dos estudos de caso, prev-se um texto assinado, de no mnimo quinze pginas (com espaamento de linhas simples), passvel de publicao. Segue abaixo a proposio de roteiro. 1. Contextualizao geral do conflito/disputa quanto s questes do direito e desenvolvimento. a) Fato(s) gerador(es) [como os conflitos possuem um carter dinmico e, muitas vezes, com origens distantes no tempo, interessa aqui saber qual ou quais fato(s) gerador(es) do estgio atual do conflito] b) Marcos cronolgicos/antecedentes [importante informar os principais marcos, para alm do(s) fato(s) gerador(es), que do o atual contorno ao conflito] c) Abrangncia [importa saber com qual abrangncia o conflito em questo envolve atores e dinmicas sociais e espaciais] d) Principais questes do conflito/disputa e atores envolvidos [embora a motivao do conflito esteja normalmente referida a uma questo principal ou central, deve-se contemplar os seus diferentes aspectos ou as diferentes ordens de questo a implicadas. Ao mesmo tempo, importa saber quais os principais atores envolvidos, de que modo atuam em relao ao conflito, quais seus interesses, como se relacionam alianas, divergncias, conflitos etc. e como esto organizados] e) Marco regulatrio existente e em disputa [interessa avaliar sob que marco regulatrio o conflito se processa, identificando direitos que se busca consolidar e/ou ampliar. Deve-se levar em conta marcos regulatrios que no se restrinjam a aspectos legais, mas que incorporem regras informais, dadas pela tradio, costume, cultural local etc. Alm do que, deve-se estar tambm atento(a) para o carter eventualmente instituinte do conflito, a fim de avaliar em que medida novas regulaes estariam emergindo no contexto estudado]

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f) Organizao social e relaes sociais existentes e em disputa [importa levantar elementos do ambiente social em que se desenrola o conflito, bem como os diferentes segmentos sociais envolvidos. Avaliar em que medida e como o conflito repercute nesse ambiente e na atuao desses segmentos. Quanto ao ambiente social, vale destacar aspectos socioeconmicos, territoriais e culturais especficos] g) Tecnologia e base tcnica existente e em disputa [importa considerar a base tcnica que referencia e d suporte ao desempenho dos atores em conflito, identificando as disputas eventualmente existentes relativas base tcnica, bem como a incidncia de novas tecnologias] 2. Principais atores envolvidos no conflito/disputa. a) Quais os principais atores envolvidos no conflito? Qual a sua identidade? Qual a sua visibilidade? Como o governo Lula atua em relao ao conflito? Qual a forma de atuao das outras esferas governamentais? A questo dos direitos uma componente importante da identidade desses atores? b) Qual a estrutura e o tecido organizativos dos diferentes atores nos diversos campos? Quais as agncias ou organismos governamentais com atuao no conflito? Qual a fora poltica desses atores? Qual o seu poder de barganha? c) Qual a capacidade de formulao de anlises e de propostas, de luta e de incidncia dos diferentes atores? Qual sua capacidade de construir alianas? Qual(is) o(s) objetivo(s) e a(s) estratgia(s) do governo Lula e de outras esferas de governo? Elas levam em conta direitos e participao das comunidades atingidas? d) Quais agendas e espaos pblicos que os atores em cada campo tm (ou no) capacidade de participar/criar? Como o governo Lula e as outras esferas de governo se relacionam com esses espaos? (ao responder a questes sobre a atuao do governo Lula, deve-se levar em conta, tanto quanto possvel, as contradies internas ao governo, bem como questes ligadas s competncias e ao relacionamento entre as diferentes esferas de governo)5.2. A reunio da equipe do Mapas em abril de 2005

Nos dias 19 e 20 de abril de 2005, a equipe do Projeto se reuniu com a Coordenao em um seminrio interno, no Rio de Janeiro, que confirmou inequivocamente a inflexo que se esboava. O encontro foi decisivo para a constituio da nova fase do projeto. Na ocasio, foi lida para os(as) participantes da rede a proposta de continuidade do Mapas, elaborada pela equipe do Ibase do Projeto. Chegou-se concluso, pelas caractersticas intrnsecas ao trabalho que estava sendo proposto, de que era preciso reavaliar as prprias parcerias, reordenando o arco de alianas composto. A nova proposta indicava, portanto, que no se fazia mais necessria a manuteno da rede do Mapas nos moldes como havia sido constituda originalmente, pois o Projeto deixava de ser uma tentativa de monitorar espaos pblicos institucionalizados de participao no governo Lula. A avaliao coletiva foi que o grupo encontrou enormes dificuldades para se constituir como rede, ou seja, para atuar em conjunto na elaborao de elementos que permitissem uma interveno poltica qualificada no acompanhamento dos espaos pblicos institucionais de participao. Boa parte do seminrio foi utilizada para discutir francamente as razes dessa situao, o que gerou alguma tenso

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entre os(as) participantes. Deliberou-se, ademais, que a Coordenao se comprometeria a fazer a sistematizao do material produzido pelo Projeto e a formular a estratgia de devoluo do mesmo sociedade17, cabendo equipe, por sua vez, enviar o material ainda em dbito. A opinio da equipe como um todo foi que a proposta apresentada pela Coordenao era bastante instigante. No entanto, pela complexidade insinuada na prpria proposta, a mesma esbarraria em limitaes estruturantes dos(as) parceiros(as). Muitos(as) pesquisadores levaram a proposta de continuidade para suas instituies, para rediscutir a pertinncia ou no de cada instituio permanecer no projeto. Ao final, trs organizaes decidiram permanecer na nova fase do Projeto: Cidade (RS), Fase (MT) e Plis (SP). Consolidou-se, nessa reunio, a percepo de que o modo participativo de governar, caracterstico de outras experincias do Partido dos Trabalhadores em Executivos municipais e estaduais, no fazia parte da linguagem do governo Lula, que tem contribudo para a consolidao de uma democracia de baixo impacto no Brasil. Ou seja, instituies e mecanismos democrticos formalmente constitudos notadamente, os espaos pblicos de participao poltica da sociedade civil e de instncias do governo no conseguiram ser canais efetivos de mudanas sociais profundas e necessrias e de aprofundamento da democracia participativa. Confirmou-se, tambm, a deciso tomada na reunio de Braslia de no mais acompanhar os novos espaos pblicos institucionalizados de participao, pois estava suficientemente consolidado na equipe do Mapas o consenso de que os mesmos no se caracterizavam como lugares onde os conflitos e as disputas capazes de moldar a agenda pblica tinham sua origem, nem onde encontrariam seus fruns de resoluo. Partiu-se ento para a considerao de conflitos e de disputas em diversos campos que fossem capazes de reintroduzir as questes dos direitos sociais e da democracia e que pudessem, ao mesmo tempo, recolocar na agenda pblica a necessidade urgente de voltar a discutir o modelo de desenvolvimento brasileiro. A idia central