MAPEAMENTO DE VINHEDOS NO VALE DOS VINHEDOS, … · de SIG Idrisi (Clarklabs©) e Arcview (ESRI©)...

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MAPEAMENTO DE VINHEDOS NO VALE DOS VINHEDOS, RIO GRANDE DO SUL, BRASIL, UTILIZANDO AEROLEVANTAMENTO E SISTEMAS DE INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA ELIANA CASCO SARMENTO, ELISEU WEBER, HEINRICH HASENACK Universidade Federal do Rio Grande do Sul, [email protected] RESUMO RESUMEN As indicações geográficas na produção de vinhos estão consolidadas em vários países, em particular na Europa, havendo um interesse crescente por parte de novos países produtores. A primeira Indicação Geográfica brasileira foi a Indicação de Procedência Vale dos Vinhedos para vinhos tintos, brancos e espumantes. A manutenção do caráter de Indicação de Procedência (IP), ou seu futuro aprimoramento para uma Denominação de Origem Controlada (DOC), exige um maior rigor por parte dos agentes envolvidos no acompanhamento, controle e certificação dos produtos. Para tanto, torna-se necessário dispor de conhecimento detalhado sobre as características e localização dos vinhedos, bem como sobre a superfície ocupada. Nesse contexto, o mapeamento georreferenciado das áreas de vinhedos torna-se fundamental como forma de inventário das informações vitícolas. O presente trabalho propõe a utilização de dados digitais de levantamentos aerofotogramétricos e de Sistema de Informação Geográfica (SIG) para a delimitação dos vinhedos no Vale dos Vinhedos, Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. O material utilizado consistiu em dados planialtimétricos de um levantamento aerofotogramétrico em escala 1:10.000, receptores GPS (Global Positioning System) e softwares de SIG. A delimitação dos vinhedos foi realizada por interpretação visual de um mosaico digital georreferenciado de fotografias aéreas ortorretificadas, apoiada em trabalho de campo para esclarecer dúvidas e coletar informações de apoio. O mapa de vinhedos foi posteriormente recortado com o limite do Vale dos Vinhedos para quantificação da superfície cultivada com videiras na IP. O resultado do mapeamento totalizou 1.807,9 hectares de videiras, valor até 15% inferior a outras estimativas existentes. Não foi possível diferenciar as variedades, mas o mapa digital georreferenciado dos vinhedos pode servir de base para a estruturação de inventários mais detalhados. As informações adicionais necessárias podem ser facilmente complementadas por levantamentos adicionais in loco. Palavras chave: mapeamento de vinhedos, cadastro vitícola, geoprocessamento, Sistemas de Informação Geográfica

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MAPEAMENTO DE VINHEDOS NO VALE DOS VINHEDOS, RIO GRANDE DO SUL, BRASIL, UTILIZANDO AEROLEVANTAMENTO E

SISTEMAS DE INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA

ELIANA CASCO SARMENTO, ELISEU WEBER, HEINRICH HASENACK

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, [email protected]

RESUMO RESUMEN

As indicações geográficas na produção de vinhos estão consolidadas em vários países, em

particular na Europa, havendo um interesse crescente por parte de novos países produtores.

A primeira Indicação Geográfica brasileira foi a Indicação de Procedência Vale dos Vinhedos

para vinhos tintos, brancos e espumantes. A manutenção do caráter de Indicação de

Procedência (IP), ou seu futuro aprimoramento para uma Denominação de Origem

Controlada (DOC), exige um maior rigor por parte dos agentes envolvidos no

acompanhamento, controle e certificação dos produtos. Para tanto, torna-se necessário

dispor de conhecimento detalhado sobre as características e localização dos vinhedos, bem

como sobre a superfície ocupada. Nesse contexto, o mapeamento georreferenciado das

áreas de vinhedos torna-se fundamental como forma de inventário das informações

vitícolas. O presente trabalho propõe a utilização de dados digitais de levantamentos

aerofotogramétricos e de Sistema de Informação Geográfica (SIG) para a delimitação dos

vinhedos no Vale dos Vinhedos, Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. O material utilizado

consistiu em dados planialtimétricos de um levantamento aerofotogramétrico em escala

1:10.000, receptores GPS (Global Positioning System) e softwares de SIG. A delimitação

dos vinhedos foi realizada por interpretação visual de um mosaico digital georreferenciado

de fotografias aéreas ortorretificadas, apoiada em trabalho de campo para esclarecer

dúvidas e coletar informações de apoio. O mapa de vinhedos foi posteriormente recortado

com o limite do Vale dos Vinhedos para quantificação da superfície cultivada com videiras

na IP. O resultado do mapeamento totalizou 1.807,9 hectares de videiras, valor até 15%

inferior a outras estimativas existentes. Não foi possível diferenciar as variedades, mas o

mapa digital georreferenciado dos vinhedos pode servir de base para a estruturação de

inventários mais detalhados. As informações adicionais necessárias podem ser facilmente

complementadas por levantamentos adicionais in loco.

Palavras chave: mapeamento de vinhedos, cadastro vitícola, geoprocessamento, Sistemas

de Informação Geográfica

Introdução

As indicações geográficas na produção de vinhos estão consolidadas em vários países, em

particular na Europa, havendo um interesse crescente por parte de novos países produtores.

A primeira Indicação Geográfica brasileira foi a Indicação de Procedência Vale dos Vinhedos

para vinhos tintos, brancos e espumantes (TONIETTO & MANDELLI, 2005). A manutenção

do caráter de Indicação de Procedência (IP), ou seu futuro aprimoramento para uma

Denominação de Origem Controlada (DOC), exige um maior rigor por parte dos agentes

envolvidos no acompanhamento, controle e certificação dos produtos. Para tanto, torna-se

necessário dispor de conhecimento detalhado sobre as características e localização dos

vinhedos, bem como sobre a superfície ocupada.

No Brasil, a elaboração de um cadastro para a viticultura e sua atualização está prevista no

art. 29 da Lei nº 7.678 de 8/11/1988, mas sua implementação foi iniciada apenas em 1995,

sob a coordenação da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) Uva e

Vinho. A metodologia inicial constituiu na coleta das informações cadastrais junto aos

viticultores e mensuração aproximada dos vinhedos com trena. Posteriormente foi

introduzindo o uso de GPS diferencial para coletar as coordenadas dos vértices de cada

talhão (FIALHO et al., 2005). Apesar dos benefícios indiscutíveis, o georreferenciamento dos

vinhedos nunca pôde ser levado à execução como pretendido. Provavelmente a demanda

intensiva de pessoal e de equipamentos, que representam custos elevados, explique

parcialmente a dificuldade em disseminar o mapeamento para toda a área de produção

vitícola do Rio Grande do Sul, que atualmente soma quase 50.000 hectares (MELLO, 2006).

Entretanto, o mapeamento georreferenciado das áreas de vinhedos é fundamental como

base para o inventário de informações vitícolas, razão pela qual se deve continuar buscando

alternativas para essa finalidade. O presente trabalho propõe a utilização de dados digitais

de levantamentos aerofotogramétricos e de Sistema de Informação Geográfica (SIG) para a

delimitação dos vinhedos no Vale dos Vinhedos, Estado do Rio Grande do Sul, Brasil.

Material e métodos

A área de estudo compreende os limites da Indicação de Procedência Vale dos Vinhedos,

localizada na região da Serra Gaúcha, nordeste do Estado do Rio Grande do Sul (Figura 1).

As coordenadas aproximadas variam de 29°08’15,8”S a 29°14’25,9”S e de 51°29’48,7”W a

51°37’55,1”W. O material utilizado para o desenvolvimento do trabalho consistiu em

receptores GPS de navegação, software de edição vetorial Cartalinx (Clarklabs©), softwares

de SIG Idrisi (Clarklabs©) e Arcview (ESRI©) e um levantamento aerofotogramétrico na

escala 1:10.000, incluindo a restituição das principais informações planialtimétricas e um

mosaico digital de fotografias ortorretificadas.

Figura 1. Localização da área de estudo.

O primeiro passo foi estruturar uma base cartográfica digital em ambiente de SIG para gerar

planos de informação contínuos com a hidrografia, o sistema viário e a topografia. Esta

etapa envolveu a seleção e extração das camadas úteis das 23 folhas do aerolevantamento

em formato de CAD (Computer Aided Design), a concatenação das folhas e a edição das

bordas para a união dos elementos entre folhas adjacentes.

A delimitação dos vinhedos foi realizada por interpretação visual em tela sobre o mosaico

digital georreferenciado de fotografias aéreas ortorretificadas, adotando-se uma escala de

visualização 1:1.000 e utilizando-se as informações da base cartográfica como apoio.

Durante a interpretação, as coordenadas das áreas de dúvida foram registradas para

posterior averiguação em campo.

Para auxiliar o esclarecimento das dúvidas foram elaboradas cartas de campo em escala

1:5.000, contendo o mosaico de fotografias ortorretificadas, a base cartográfica e os limites

dos vinhedos, além de elementos auxiliares como grade de coordenadas, localização da

folha na área de estudo, indicação de Norte, escala e outros.

O trabalho de campo foi realizado com o auxílio de GPS e das cartas de campo, visitando-

se os locais de dúvida identificados durante a interpretação. Após o trabalho de campo, a

delimitação dos vinhedos foi finalizada e o mapa de vinhedos foi recortado com o limite da

IP do Vale dos Vinhedos para quantificação da superfície ocupada.

Resultados e discussão

A área total analisada neste estudo corresponde a 8.279 hectares, tendo a superfície

mapeada com videiras totalizado 1.807,9 hectares, o que representa cerca de 21,8% da

Indicação de Procedência Vale dos Vinhedos. A figura 2 mostra os limites dos vinhedos

sobre o mosaico de fotografias ortorretificadas da área de estudo, com a localização dos

pontos visitados para esclarecimento de dúvidas.

Figura 2. Delimitação dos vinhedos e pontos com dúvida de interpretação.

A superfície de vinhedos calculada através do mapeamento é até 15% inferior a outras

estimativas existentes (Site do Vinho Brasileiro, 2007). Em termos absolutos essa diferença

soma cerca de 200 hectares, o que representa valor monetário expressivo quando

transformado em produto. A discrepância do resultado do mapeamento com outras

estimativas evidencia a necessidade de investir em inventários confiáveis sobre a área

cultivada.

Durante a interpretação visual para a delimitação dos vinhedos, não foi possível

individualizar talhões com diferentes variedades. Essa dificuldade deve-se em parte à

resolução das fotografias utilizadas (0,6 m), que não permitiu registrar detalhes das plantas.

Outras explicações podem ser as diferenças muito sutis entre algumas variedades, mesmo

com observação in loco, diferenças nos sistemas de cultivo e de condução, diferenças de

idade entre talhões, entre outras causas.

Apesar da impossibilidade de individualizar variedades, o mapa digital georreferenciado dos

vinhedos produzido pela interpretação das fotografias 1:10.000 pode servir de base para a

estruturação de inventários detalhados. Dispondo-se de um mapa inicial das áreas de

vinhedos, as informações adicionais necessárias podem ser complementadas por

levantamentos adicionais in loco, junto aos produtores.

Um fator importante a ser considerado na estruturação de sistemas de informação para

viticultura é o esforço para produzir os mapeamentos necessários, o que envolve tempo e

custo. Conforme MARTINOVICH et al. (2003), a escala 1:10.000 apresenta o melhor custo-

benefício na identificação de unidades do terreno para aplicações em agricultura,

planejamento e geração de dados estatísticos. Em vários países da União Européia, esta

tem sido a escala utilizada para a representação espacial dos vinhedos na estruturação de

cadastros vitícolas. Como o tamanho dos vinhedos europeus é semelhante aos da Serra

Gaúcha, é razoável esperar que os mesmos resultados possam ser alcançados

empregando-se fotografias ou imagens orbitais ortorretificadas em uma resolução

compatível com a escala 1:10.000 para mapear os vinhedos desta região.

Levantamentos de informações detalhadas sobre os vinhedos representam custos elevados,

por isso devem ser bem planejados a fim de gerar informações úteis, confiáveis e em tempo

hábil. Além disso, é necessário prever sua disponibilização e atualização periódica.

Escalonar os levantamentos pode ser uma boa estratégia, iniciando por mapeamentos mais

genéricos e incrementando o detalhamento ao longo do tempo. Dessa forma, a

individualização de talhões representa uma segunda fase, que pode ser realizada com a

participação direta dos produtores, inclusive de forma interativa, empregando-se

ferramentas de SIG através da Internet para disponibilizar e atualizar os dados

(INGENSAND, 2004).

O emprego de SIG permite a obtenção de um mapa digital, georreferenciado e vinculado às

principais informações descritivas e quantitativas dos vinhedos, possibilitando a integração

posterior com outros mapas e ampliando as possibilidades de uso para aplicações como

zoneamentos, diagnósticos e avaliações de terras, entre outros.

Conclusões

A metodologia testada mostrou-se adequada e de grande auxílio para o mapeamento das

áreas cultivadas com videiras no Vale dos Vinhedos. A interpretação e delimitação dos

vinhedos é simples e prática e pode ser executada facilmente por técnicos com treinamento

adequado, em um curto período de tempo. O uso de geotecnologias facilitou a delimitação

dos vinhedos e a verificação de dúvidas em campo com GPS, gerando um mapa digital

georreferenciado que permite uma estimativa de área total e uma visão geral da distribuição

dos vinhedos na IP. Além do mapeamento dos vinhedos, o mesmo aerolevantamento serviu

também para derivar outras informações, como o relevo, colaborando para melhorar o seu

custo/benefício. A localização dos vinhedos e sua integração com outras informações

constitui-se num valioso instrumento para o zoneamento vitivinícola, bem como para auxiliar

no processo de indicações geográficas. No presente caso, poderá colaborar para a

caracterização e aprimoramento da Indicação Geográfica do Vale dos Vinhedos visando a

uma futura Denominação de Origem.

Referências bibliográficas

FIALHO, F. B.; MELLO, L. M. R.; GUZZO, L. C. (2005). “Metodologia de

georreferenciamento do Cadastro Vitícola”. Embrapa. Documentos, 50. 26 p.

INGENSAND, J. (2004). “Development of an interactive service for winecultivation in the

Swiss canton of Vaud”. Chalmers University of Technology - Department of Computing

Science. MSc Thesis in Human-Computer Interaction. 75 p.

MARTINOVICH, L.; WINKLER, P.; IVAN, G.; DOROSZLAI, T.; KISS, M. (2003). “GIS support

for the vineyard register of the Hungarian Ministry of Agriculture and Rural

Development”. EFITA 2003 Conference. Proceedings. Hungary. p. 401-407.

MELLO, L.M.R. (2007). “Vitivinicultura brasileira: panorama 2006”. Artigos técnicos.

Embrapa Uva e Vinho. 3p. Disponível em: http://www.cnpuv.embrapa.br/publica/artigos/

panorama2006_vitivinicultura.pdf. Acessado em 09/08/2007.

Site do Vinho Brasileiro. (2007). “Indicações Geográficas: Vale dos Vinhedos”. Disponível

em: www.sitedovinhobrasileiro.com.br/folha.php?pag=mostra_regiao.php&num=VAL.

Acessado em 09/08/2007.

TONIETTO J.; MANDELLI F. (2005). “Como organizar, promover y reconocer regiones de

excelencia de producción de vinos: Una experiencia de Brasil en Indicadores

Geográficos”. In: Seminario Internacional de Vitivinicultura, 2. Inifap, Mexico, p. 7-19.