mAQUILApOLIS: CIDADE DE FáBRICAS · suas economias para a exportação dos seus recursos naturais...

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CICLO INTEGRADO DE CINEMA, DEBATES E COLÓQUIOS NA FEUC DOC TAGV / FEUC INTEGRAÇÃO MUNDIAL, DESINTEGRAÇÃO NACIONAL: A CRISE NOS MERCADOS DE TRABALHO MAQUILAPOLIS: CIDADE DE FÁBRICAS UM FILME DE VICKY FUNARI E SÉRGIO DE LA TORRE DOCUMENTÁRIO 2006 NÓS NÃO JOGAMOS GOLFE AQUI CURTA METRAGEM DE SAUL LANDAU DOCUMENTÁRIO 2007

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CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E COLÓQUIOS NA FEUCDOC TAGV / FEUC

INTEGRAçãO mUNDIAL, DESINTEGRAçãO NACIONAL: A CRISE NOS mERCADOS DE TRABALhO

mAQUILApOLIS:CIDADE DE FáBRICAS

Um FILmE DE VICky FUNARI E SéRGIO DE LA TORREDOCUmENTáRIO 2006

NÓS NãO JOGAmOS GOLFE AQUICURTA mETRAGEm DE SAUL LANDAU

DOCUmENTáRIO 2007

CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E COLÓQUIOS NA FEUCDOC TAGV / FEUC

INTEGRAçãO mUNDIAL, DESINTEGRAçãO NACIONAL: A CRISE NOS mERCADOS DE TRABALhO

http://www4.fe.uc.pt/ciclo_int/2007_2008.htm

GLOBALIzAçãO E mERCADO DE TRABALhO:AS ASSImETRIAS NA REpARTIçãO, NACIONAL E mUNDIAL

mAQUILApOLIS: CIDADE DE FáBRICASUm FilmE DE ViCky FUnAri E sErGiO DE lA TOrrE

DOCUmEnTáriO, 2006

NÓS NãO JOGAmOS GOLFE AQUICUrTA mETrAGEm DE sAUl lAnDAU

DOCUmEnTáriO, méxiCO, 2007

DEbATE COm A pArTiCipAçãO DE:mARGARIDA ChAGAS LOpES

JORGE LEITELUíS pERES LOpES

TEATrO ACADémiCO DE Gil ViCEnTE10 DE DEzEmbrO DE 2007

Maquilapolis: City of factories © David Maung

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CApíTUlO i. pOLITICAS NACIONAIS, GLOBALIzAçãO, DESENVOLVImENTO

i.1. A GLOBALIzAçãO COmO pROCESSO hISTÓRICO NA AméRICA LATINA: UmA SíNTESE

Montagem 1 a partir da revista International Labour and Working Class History e sobretudo do artigo de Joel Stillerman e Peter Winn 2,

“Introduction: globalization and the latin-american work force”,conjuntamente com o artigo de Mary Jordan no Washington Post.

O termo “globalização” passou a ser amplamente utilizado na história e nas ciências sociais a partir do início dos 90, tornando-se, nestes últimos anos, um termo muito divulgado pelos meios de comunicação social, e aceite como uma parte (embora controversa) das ideias dominantes da nossa época. As raízes deste processo histórico, entretanto, estão bem longe, estão vários séculos atrás, da mesma forma como o está o impacto da globalização sobre os trabalhadores e sobre o trabalho.

Na América Latina, a globalização começou com a conquista europeia há cinco séculos e com a integração desta região num sistema global de comércio e com a produção centrada na Ásia. Rigorosamente falando, esse sistema comercial só se tornou verdadeiramente

1 Agradece-se a colaboração da Biblioteca na obtenção de algums dos textos utilizados.2 Joel Stillerman e Peter Winn, 2006, “Introduction: Globalization and the Latin-American Workplace”, International Labor and Working-Class History, Vol. 70, n.º 01, Outubro, 2006, pp 1-10, disponível em http://journals.cambridge.org/action/displayIssue?jid=ILW&volumeId=70&issueId=01; Mary Jordan, 2002, ‘Mexican Workers Pay for Success: With Labor Costs Rising, Factories Depart for Asia’, Washington Post, 20 Junho, disponível em http://www.grossmont.edu/carlos.contreras/History126/Mexico_articles/Mexican%20Workers%20Pay%20for%20Success-%20maquiladoras.htm.

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global com a incorporação da América Latina e inteiramente global em 1570, quando o Galeão Manila transportava para o México, anualmente, carregamentos com sedas chinesas e porcelanas obtidas na Ásia para os mercados europeus em troca da prata americana. O trabalho forçado circunscrito localmente e utilizado nas minas de prata do México e do Peru foi uma consequência daquela anterior fase da globalização da mesma forma que o enorme comércio de escravos forneceu a força de trabalho africana necessária para as plantações do açúcar e para a extracção do ouro no Brasil. Uma outra fase da globalização começa com a revolução industrial e com a incorporação da América Latina num sistema de comércio, de produção e de investimento centrado no Atlântico Norte durante a última parte do século XIX e no início do último século. Entre 1870 e 1930, os países da América Latina abriram os suas economias ao capital europeu, à tecnologia, às manufacturas, à imigração e orientaram as suas economias para a exportação dos seus recursos naturais – os produtos das suas minas, campos e florestas – para a Europa e para os Estados Unidos em processo de industrialização e de urbanização. Durante esta era “liberal”, as elites latino-americanas assumiram a teoria das vantagens comparativas e do laissez-faire, e colheram e transformaram essas vantagens em lucros privados e em “progresso público”. Em muitos países, o trabalho assalariado imigrante europeu e asiático substituiu o trabalho forçado local ou de origem africana. Foi esta força de trabalho, vinda de muitas partes do mundo, que pagou os custos desta fase da globalização, com salários baixos, desigualdade elevada e com difíceis condições de vida e de trabalho. Estes custos foram particularmente severos durante os períodos de recessão que se seguiam aos de crescimentos no ciclo económico do capitalismo. As economias abertas e orientadas para a exportação eram vulneráveis aos choques externos que culminaram na Grande Depressão que se seguiu ao “crash” de Wall Street de 1929, na queda no comércio global que atingiu toda a América Latina e mais dramaticamente do que em qualquer outra região do mundo, precisamente por causa da sua dependência do comércio internacional.

Como resposta, os líderes latino-americanos desenvolveram políticas projectadas para isolarem as suas sociedades de tais crises externas e promoverem “o crescimento auto-sustentado”. A partir de 1930 até 1970, as economias latino-americanas mais dinâmicas – de forma mais notável o México, a Argentina, o Brasil e o Chile – prosseguiram nas suas estratégias de industrialização assentes na substituição de importações (ISI).

O choque da Grande Depressão, com o seu drástico declínio na procura global de exportações latino-americanas de matérias-primas, conduziu muitos países na região a tentar

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desenvolver uma base industrial nacional que poderia satisfazer a procura interna em bens de consumo e fornecer emprego para populações urbanas em franco crescimento. Muitos governos na região afastaram-se, e muito, do Liberalismo, das suas situações de economia aberta e de laissez-faire, que responsabilizaram pelo desastre da Grande Depressão, e passaram a defender uma estratégia de industrialização protegida em que o Estado desempenhava um papel activo. Em articulação com estas políticas industriais, os governos procuraram desenvolver a legislação adequada ao bem-estar social e a legitimar e a expandir as organizações sindicais como uma fonte da sustentação para estas políticas e os partidos ou as coligações também como o meio da sua sustentação e da sua promoção. Consequentemente, os países mais “desenvolvidos” da América latina criaram aproximações (em forma modesta) ao Estado Providência assente no consumo e na produção em massa que emergiu a seguir à Segunda Guerra Mundial na América do Norte e na Europa.

Durante a era ISI (industrialização por substituição de importações), muitos países da região desenvolveram uma importante capacidade industrial e de emprego, com a indústria transformadora a ser muito frequentemente a condutora do crescimento económico. Embora a classe trabalhadora urbana na América Latina tenha começado a aparecer com a criação das indústrias transformadoras ligeiras e vocacionadas para a exportação durante o período da era liberal, entre 1870 e 1930, foi durante a era ISI que uma enorme e influente classe trabalhadora surgida do funcionamento industrial assumiu papel de relevo nas cidades da região. Os salários e as condições de trabalho nestas fábricas latino-americanas evoluíram a um ritmo menor que as suas congéneres europeias e norte-americanas, mas eram geralmente superiores aos de outros empregos, e um trabalho estável, com uma forte taxa de sindicalização e de regulação estatal sobre as fábricas, transformou-se no objectivo dos habitantes pobres das cidades e dos migrantes rurais.

Estas políticas industriais, entretanto, estavam assentes fortemente nos empréstimos e investimentos estrangeiros, na tecnologia, e nos projectos de infra-estruturas e de produção, e os seus custos tornaram-se proibitivos quando “a fase fácil” da substituição de importações terminou e a estrada para o crescimento auto-sustentado requeria o desenvolvimento de indústrias mais complexas e mais intensivas em capital. Consequentemente, no final dos anos 50, o dinamismo destas indústrias começou a trepar assim como a inflação e os problemas da balança de pagamentos começaram a aparecer. Ao mesmo tempo, os governos latino-americanos tinham cada vez mais dificuldade em

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conseguir financiar os programas sociais e as burocracias estatais criadas durante os anos dinâmicos da industrialização por substituição de importações (ISI) que se tinha tornado central para a estabilidade social e política.

Enquanto os governos dos maiores países da América Latina praticaram estas políticas de desenvolvimento, assim como as inerentes políticas neo-keynesianas, que tiveram o forte apoio da Comissão Económica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) das Nações Unidas e como a “fase fácil” da política de substituição de importações se começou a esvanecer, então alguns economistas e autoridades governamentais começaram a questionar estas políticas como sendo demasiado proteccionistas, estatistas e demasiado Estado Providência. Esta contra-corrente vinda da teoria economia neoclássica e “liberal” era já evidente em 1956 no programa da Missão Klein-Saks do Fundo Monetário Internacional (FMI) no Chile, quando promoveu uma política de estabilização monetária e de austeridade orçamental para reduzir a inflação e que foi adoptada pelo Chile. Entretanto estas políticas não duraram muito tempo num Chile democrático, mas elas pressagiaram maiores mudanças, algumas décadas mais tarde.

Durante os anos 70 e 80, a Argentina, o Uruguai e o Chile aplicaram as políticas económicas modelizadas pelas ideias neoliberais dos economistas Milton Friedman e Arnold Harberger da Universidade de Chicago. O Chile, sob a ditadura de Augusto Pinochet, foi o país que mais avançou com estas políticas, que incluíam a privatização das empresas públicas, a desregulação da economia (incluindo o sector financeiro), a eliminação de subsídios à produção e ao consumo, as reduções de tarifas, assim como a desvalorização cambial. No final da década, o regime militar também alterou as leis laborais, os sistemas das pensões e de reforma assim como o da saúde e o do ensino público, deslocando cada uma destas áreas para o modelo do mercado baseado nos consumidores atomísticos em vez de o ser nos cidadãos, exigentes face às obrigações do Estado. Estas reformas conduziram à desindustrialização, à redução drástica dos salários reais, à perda de benefícios sociais chave e a uma dramática queda na qualidade das condições de trabalho dos trabalhadores no Chile.

Segundo Gerhard Reinecke, enquanto os economistas neoclássicos podem predizer que as economias mais abertas gerarão salários mais elevados e melhores condições de funcionamento, apesar do crescimento económico durante onze anos no Chile, conhecido como o milagre chileno, a experiência deste país com políticas neoliberais foi, no melhor

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dos casos, decepcionante no que diz respeito à qualidade dos empregos, o mesmo se passando no resto da região. 3

Quando o Chile neoliberal era um estranho no quadro da América latina nos anos 70, o resto desta região seguiu-o, eventualmente, no quadro da resposta à crise devastadora da dívida externa que assolou esta zona e que apareceu nos anos 80. No fundo, esta crise era uma consequência dos choques petrolíferos dos anos 70 e que tiveram efeitos sísmicos em todo o mundo. Na sequência dos fortes aumentos do preço do petróleo de 1973-74, os países produtores de petróleo colocaram os seus enormes lucros nos bancos internacionais. Estes bancos emprestaram muitos destes petrodólares aos governos e às grandes empresas dos países em desenvolvimento, havendo uma grande facilidade de acesso ao crédito, e com taxas de juro variáveis que naquele tempo eram baixas mas indexadas à taxa do eurodólar. Os países latino-americanos, tais como Brasil e o México, usaram estes petrodólares para continuarem a aprofundar o seu processo de industrialização por substituição de importações e para sustentar os seus programas sociais. Esta estratégia de crescimento assente na dívida externa (modelo debt-led growth) contava com taxas de juro baixas, de tal modo que o crescimento da produção devido aos novos investimentos feitos com esses empréstimos podia bem pagar o serviço da dívida. O jogo funcionou bem até ao segundo choque petrolífero de 1979-80.

Como resposta, em 1981, Paul Volker, presidente da Reserva Federal dos Estados Unidos subiu as taxas de juro do dólar para 18% tornando insustentáveis os crescentes encargos com a dívida para muitos países da América latina. Em 1982, o México suspendeu o pagamento da dívida externa e muitos outros países da América Latina, e não só, estavam em risco de não cumprimento. Durante os anos 80, devido às taxas de juro extremamente elevadas, à baixa de exportações, à ausência de novos empréstimos pelos credores estrangeiros e à anemia do investimento estrangeiro, esta região foi sujeita a saídas líquidas de capitais. A crise latino-americana da dívida, em que a solvência dos maiores bancos internacionais esteve também em risco, sublinhou a medida em que os fluxos de capital – e a energia – se tinham tornado globais e também em que medida o sistema financeiro internacional se tinha tornado assimetricamente interdependente.

3 Ver Gerhard Reinecke, “Is Globalization Good for Workers? Definitions and Evidence from Latin America”, International Labor and Working-Class History, Vol. 70, n.º 01, Outubro, 2006, 11-34.

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O FMI desempenhou um papel crucial ao procurar resolver a crise do sistema financeiro globalizado, “oferecendo” às nações devedoras programas de ajustamento estruturais que condicionavam a obtenção de novos empréstimos pelas instituições financeiras internacionais e pelos maiores bancos privados à adopção de políticas de mercado neoliberais com as quais se pretendia aumentar vigorosamente as exportações e reduzir os défices orçamentais, e só assim concediam aos governos as divisas que lhes permitiriam pagar os seus empréstimos. Estas políticas incluíam as privatizações, a desvalorização da moeda nacional, a redução da despesa pública e a flexibilização das leis laborais e ambientais. De facto, o FMI garantiria o seu apoio financeiro desde que os países devedores abandonassem a política de substituição de importações e as políticas do Estado Providência e em seu lugar adoptassem as políticas neoliberais.

Depois da “década perdida” do baixo crescimento económico, do desemprego elevado, da hiperinflação, da crise orçamental, os governos latino-americanos não tinham escolha e aceitaram esta troca, embora alguns países, como a Argentina e o Brasil, pudessem retardar o “dia de pagamento” até aos anos 90 utilizando “os choques heterodoxos”, através dos quais desvalorizaram as suas moedas e congelaram também os preços dos bens de consumo básicos. A conversão latino-americana ao credo neoliberal, resumida no chamado Consensus de Washington de 1990, coincidiu com as alterações do investimento global e das fontes de abastecimento das empresas transnacionais, situadas na Europa, na Ásia de Leste e na América do Norte que se transformaram em elementos centrais na aceleração complexa do processo a que académicos, jornalistas e autoridades públicas começaram a chamar de “globalização”. Tem havido debates importantes a respeito da definição e da extensão da globalização, mas preferimos definir este termo numa forma directa como a intensificação de conexões e de interacções económicas, sociais, políticas e culturais através das fronteiras nacionais e dos limites regionais.

Na América Latina, onde a defesa e a aplicação de políticas neoliberais abriu a região a todos os seus efeitos frontais de pauperização das populações, a globalização afectou crucialmente o trabalho e as condições de trabalho. As sucessivas desvalorizações, os cortes nos impostos e as zonas do comércio livre atraíram o investimento estrangeiro em unidades fabris, maquiladoras 4, também chamadas as fábricas “in-bond (cadeias de montagem, como

4 Veja-se no presente caderno o texto sobre A maquila como modelo de desenvolvimento.

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no México, América Central e nas Caraíbas, onde as componentes dos bens de consumo, produzidas à volta do mundo nos locais onde os custos são mais baixos, são montadas a um baixo custo e enviados depois para os mercados dos Estados Unidos, da Europa ou da Ásia do Leste. Parafraseando Reinecke 5, enquanto a competição global forçou as empresas a aumentarem a sua produtividade este facto, por seu lado, tem levado frequentemente à redução do número de postos de trabalho. Mais ainda, as empresas passaram a operar num contexto de muito maior flexibilidade, incluindo a facilidade em empregar e ou em despedir, o que as leva a poder adaptar-se às flutuações económicas pela transferência da fragilidade económica para a vulnerabilidade social e esta é suportada pelos trabalhadores.

Adicionalmente os capitais de curto prazo, cada vez em maiores volumes e mais voláteis contribuem também para a maior volatilidade macroeconómica, o que, por seu lado, vem acrescer ainda mais a insegurança nos mercados de trabalho. Não há nenhuma dúvida da pressão à descida dos salários sobretudo com o desemprego a aumentar e a América Latina como um todo apresenta, de 1990 a 2005, uma subida de 2,2% na sua taxa de desemprego que ao nível do continente se situa agora em 9,3. Embora a pobreza tenha decrescido, de 48,3% da população para 39,8% em 2005 o certo é que o número de pobres neste continente aumentou de 200 milhões para 209 milhões, havendo países, como é o caso do México, em que o próprio salário mínimo real baixou drasticamente. A este movimento não será estranho o universo das maquiladoras na qual se tem assente o crescimento económico do México.

Com a globalização e ainda segundo muitos autores, aumentou consideravelmente a insegurança no trabalho em todo este continente, quer seja esta vista pelo ângulo dos contractos de trabalho ou de trabalho formal, quer seja vista pelo ângulo da segurança social, assim como a discriminação entre sexos no mercado de trabalho. Por exemplo, as maquiladoras, estas novas fábricas, empregam frequentemente mulheres porque os empregadores acreditam que estas são mais obedientes e submissas do que os homens e menos atraídas pela sindicalização e a sindicalização é um instrumento de exclusão no mercado de trabalho. Estas fábricas, as maquiladoras e a feminização dos locais de trabalho assim como a existência de baixos padrões nas condições de trabalho e ambientais são aspectos do impacto da globalização,

5 Ver Gerhard Reinecke, “Is Globalization Good for Workers? Definitions and Evidence from Latin America”, International Labor and Working-Class History, Vol. 70, n.º 01, Outubro, 2006, 11-34.

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estudados já em muitos outros trabalhos académicos e, em cinema, veja-se, por exemplo, o documentário Maquilopolis, City of Factories 6.

Como assinala Peter Winn na recensão a este filme, no seu artigo: “Through The Camera’s Eye” na mesma revista:

Durante os anos 90 o modelo maquiladora alargou-se à América Central e Caraíbas, países com economias fracas e dependentes que recearam ser excluídas do mercado americano por causa do NAFTA privilegiar as exportações mexicanas.

Maquilopolis é um poderoso e empenhado documentário sobre um dos maiores e mais importantes fenómenos laborais neste hemisfério e é também um importante trabalho sobre a globalização” 7.

Recentes relatórios sobre o México assinalam que as maquiladoras estão a decrescer, em termos de emprego, exportações, e investimento estrangeiro, em face dos custos crescentes e da forte concorrência asiática, embora empreguem mais de um milhão de pessoas e representem metade das exportações do México.

Sobre este assunto veja-se uma síntese do que nos diz Mary Jordan, no Washington Post 8:

Ao longo da fronteira mexicana com os Estados Unidos as até agora fábricas em laboração estão a ser encerradas. Desde o final do ano 2000 já 250.000 trabalhadores choraram a perda dos seus empregos. Alguns deles foram resultado da deslocalização das fábricas de têxteis da Carolina do Norte ou das linhas de montagem de automóveis no Ohio e estão agora a deslocalizar-se para a Ásia. A razão é a mesma: trabalho mais barato.

6 Sobre o qual este mesmo número da revista International Labor and Working-Class History publica um artigo na secção Through the Camera’s Eye. Ver International Labor and Working-Class History, Vol. 70, n.º 01, Outubro, 2006.7 Fonte: Winn, Peter. “Recent Documentary Films on Latin American Workers”, Tufts University, em International Labor and Working-Class History, Vol. 70, n.º 01, Outubro, 2006.8 Fonte: Jordan, Mary (2002) “Mexicans Workers Pay for Success: With Labor Cost Rising, Factories Depart for Asia”, Washington Post, 20, Junho.

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A perda de empregos reflecte em parte a recessão da economia americana. Mas muitos encerramentos de fábricas são o resultado da economia globalizada. As fábricas vieram para aqui para aproveitar a vantagem dos baixos salários; agora que o sucesso fez subir os salários, as fábricas fecham e vão-se embora. O México fica com um terrível legado: altos salários, mas muito poucos empregos.

Poderemos mesmo aqui acrescentar que a contradição ou o amargo da situação é ainda mais paradoxal quando no mesmo artigo se diz que a redução da diferença salarial entre o México e os Estados Unidos é um objectivo do actual governo mexicano. Muitos empregos fabris são pagos de seis a dez vezes mais nos Estados Unidos, do outro lado da fronteira para tarefas similares. O governo do México espera pois que ao subir os salários internamente poderá, talvez, reduzir a emigração ilegal para os Estados Unidos e muitos dos seus filhos mais capazes, mais empreendedores e mais ambiciosos poderão assim querer permanecer no seu país, o México. Mas a situação deste modo torna-se ainda mais grave, a pressão a passar para além da linha, da fronteira, aumenta.

Mais de 500 fábricas de cadeias de montagens de empresas estrangeiras, chamadas maquiladoras, fecharam nestes dois últimos anos, em parte porque os salários dobraram nestes últimos dez anos e deixaram de ser considerados baixos na economia mundial, na economia global. Como salário de entrada numa fábrica em Tijuana ganha-se 1.50 a 2 dólares por hora, comparado com 25 cêntimos por hora em algumas zonas da China, ou com os 15 dólares semanais no Vietname.

Nalguns casos de encerramento, à pressão para o aumento de lucros também se pode ligar a pressão gerada pela descida do preço final de venda ao consumidor. Mary Jordan, no Washington Post, refere a propósito a propósito do encerramento da Cânon em Tijuana que o preço das impressoras ali montadas tinha descido de 300 USD para 100 USD e que tal facto obriga a Canon a uma enorme pressão para a redução de custos, tornando-se a Ásia mais atractiva. Como comentário final diz uma trabalhadora da Cânon despedida: “É uma grande perda. Eu sentia esta fábrica como a minha casa. Permaneço em Tijuana porque no sul do México não há nada. Aqui é difícil, mas lá, é ainda bem pior”.

Os dados são agora demasiado eloquentes para nos merecerem outros comentários.

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Podemos pois sem qualquer dúvida afirmar que a economia globalizada pode ser caracterizada por três pares de elementos contraditórios entre si e que são: aumento da capacidade produtiva e redução do volume de emprego; baixos salários e aumento de produtividade; fortes níveis de crescimento do comércio externo e altos níveis de desregulamentação internacional. Estes pares de elementos contraditórios da economia globalizada, quanto ao desemprego, deixa bem para traz a crise de 1929 pois nunca aquele elevado e nunca foi de tão longa duração. A contradição entre estes pares de elementos complica-se ainda mais quando face às economias desenvolvidas se contrapõem, num sistema de mercado, países de baixos salários e forte capacidade tecnológica com regras que nada têm a ver com mercado; agudiza-se ainda mais quando à opacidade activa de uns se responde com uma ainda maior desregulamentação à escala mundial pelos outros, pelas nações mais desenvolvidas. Por esta via, a divisão internacional do trabalho ganha novos contornos e a problemática dos direitos do trabalho ganha uma outra dimensão, incompatível, cremos nós, com a tese de que se pode criar mais emprego criando mais facilidade de desemprego, a menos que o neoliberalismo pense fazer do espaço mundo, um espaço de maquiladoras e que todos o aceitemos. Mesmo este espaço não resiste à brutalidade duma economia mundializada, mas com relações salariais nacionais também quase que privatizadas. Esta realidade, no plano jurídico, significa a redução do direito a favor do contrato, contrato individual de trabalho, na melhor das hipóteses.

É por tudo isso que autores como Gresser nos dizem que face à economia globalizada deve estar, em cada espaço nacional, “subjacente a criação de um contrato social novo, – organizado não tanto em torno da segurança do trabalhador como sim como um conceito “da segurança familiar” – para os trabalhadores e para as suas famílias”. Essa é a forma que os americanos vêem como resposta às contradições acima expostas, às contradições levantadas pela actual dinâmica da divisão internacional do trabalho. É pois da divisão internacional do trabalho que passamos a falar.

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CApíTUlO ii. A GLOBALIzAçãO, A ACTUAL DIVISãO INTERNACIONAL DO TRABALhO E A CRISE NOS mERCADOS NACIONAIS DE TRABALhO

Montagem feita a partir de Harley Shaiken, “Mexico, Labor Standards, and the Global Economy”; Harley Shaiken, 2004, “Work, Development and Globalization”;

Dean Calbreath e Diane Lindquist, 2002, “Maquiladoras in Mexico are facing intense competition from Far East counterparts”; Jeffrey E. Garten, 2002,

“When Everything Is Made in China” 9

ii.1. INTRODUçãO

No centro da economia global existe hoje um paradoxo extremamente incómodo: a produtividade na indústria transformadora dos países mais desenvolvidos promete fazer subir fortemente os padrões de vida enquanto a competição por empregos desenfreada e feroz à escala mundial ameaça os níveis de salários e as condições de trabalho e de vida. Como resolver este paradoxo? A resposta não é nem curta nem fácil! O meu objectivo é mais modesto e pretende fornecer uma análise das tensões existentes entre a promessa do modelo de crescimento assente nas exportações e as pressões da globalização. Prisioneiras, no meio deste conflito, as políticas sociais e económicas relacionadas com o trabalho são, frequentemente, atingidas ainda que, contudo, estas continuem a permanecer centrais nas estratégias do desenvolvimento. Num sistema a evoluir rapidamente quer do ponto de vista

9 Harley Shaiken, “Mexico, Labor Standards, and the Global Economy”, disponível em http://www.solidaritycenter.org/files/WorkingMexicoChapter1.pdf; Harley Shaiken, 2004, “Work, Development and Globalization”, Center for Latin American Studies, Working Papers Series, n.7, Fevereiro, disponível em http://socrates.berkeley.edu:7001/Publications/workingpapers/pdffiles/Shaikenwithcover.pdf; Dean Calbreath e Diane Lindquist, 2002, “Maquiladoras in Mexico are facing intense competition from Far East counterparts”, San Diego Union Tribune, 25 de Agosto; Jeffrey E. Garten, 2002, “When Everything Is Made in China”, BusinessWeek, Economic Viewpoint, 17 de Junho, disponível em http://www.businessweek.com/magazine/content/02_24/b3787031.htm.

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da produção quer do comércio externo, as empresas transnacionais podem prosperar numa enorme variedade das situações, desde que estejam asseguradas quer a estabilidade quer a protecção política do investimento. Para as sociedades, contudo, um mundo de diferenças separa os seus trajectos de desenvolvimento, o trajecto de uns que conduz à prosperidade largamente compartilhada e o trajecto dos outros que resulta em bolsas de pobreza com alta produtividade e altos níveis de competitividade, mas em que este seu sucesso passa ao lado dos trabalhadores e praticamente de todos os outros.

As estratégias empresariais e as políticas governamentais que promovem a inclusão social podem estimular o crescimento económico. Elas tornam possível que a procura dos consumidores cresça de forma sustentada e uma estabilidade social, por sua vez, atraia novos investimentos. É este círculo virtuoso realmente possível? Vejamos um recente estudo sobre os baixos níveis salariais nos Estados Unidos, alguns deles nas encruzilhadas da economia global10. Este estudo destaca as empresas bem sucedidas que investem fortemente na formação, na utilização de novas formas organizativas dos processos de trabalho, e na motivação dos trabalhadores com a partilha dos ganhos da produtividade. Apesar da competição feroz, os autores consideram que estas empresas podem ser bem sucedidas quando comparadas com as empresas que procuram simplesmente sobreviver com a redução dos salários e com a utilização de formas de gestão repressivas. Os empresários inovadores entretanto, necessitam do apoio sustentado e inovador do Estado e de criação de novas instituições do mercado de trabalho, em que as empresas cooperam na formação da mão-de-obra e na criação de pólos do conhecimento, quer no que se refere às novas formas organizativas do trabalho, quer na elevação das exigências quanto a competências dos trabalhadores11. Além disso, Appelbaum e seus co-autores mostram que as organizações sindicais podem ser uma parte central do sucesso no processo de concorrência que leva a que se estabeleçam “fortes normas de qualidade e da produtividade do trabalho”.

10 Appelbaum, E., A. Bernhardt, e R.J. Murnane, eds. 2003. Low Wage America. New York: The Russell Sage Foundation.11 Appelbaum, E., A. Bernhardt, e R.J. Murnane, eds. 2003; e Herzenberg 1998 Herzenberg, Stephen, John Alic e Howard Wial. 1998. New Rules for a New Economy: employment and opportunity in postindustrial America. Ithaca: IIR Press.

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ii.2. INDúSTRIA TRANSFORmADORA, SALáRIOS E pRODUTIVIDADE: A ECONOmIA AmERICANA COmO pONTO DE REFERêNCIA

Vários estudos recentes mostraram uma queda global em termos de postos de trabalho na indústria transformadora. O volume de emprego na indústria transformadora à escala mundial decresceu mais de 11% – 22 milhões de postos de trabalho – entre 1995 e 2002, de acordo com Alliance Capital Management12. Dois importantes factores que contribuíram para esta evolução foram a introdução de novas e poderosas tecnologias assim como novas e mais eficientes formas organizativas do trabalho. Na China, os resultados têm sido mistos. Neste país houve um aumento de 2.5 milhões de postos de trabalho na indústria transformadora entre 2000 e 2003, o que é um número impressionante. Porém, antes deste aumento, o volume de emprego tinha aí caído de 98 milhões para 83 milhões entre 1995 a 2002 por efeitos de reestruturações. Neste período, o emprego ter-se-á reduzido como consequência de uma enorme reestruturação do sector da economia mais atrasado, o sector estatal menos eficiente. O emprego tem estado agora a subir baseado no sucesso das exportações chinesas.

A força de trabalho nos EUA tem atravessado uma enorme transformação, mesmo muito antes da emergência da globalização. Em termos de volume de emprego a deslocação tem sido da indústria transformadora para o sector dos serviços, reflectindo algumas grandes tendências verificadas também noutros países industrializados A imagem popular é a de um trabalhador a deslocar-se de uma loja para a economia do conhecimento. A realidade é, porém, mais complexa. No seu livro de referência, The Coming of Post Industrial Society, publicado inicialmente no início dos anos 70, Daniel Bell previu o declínio continuado da indústria transformadora nos Estados Unidos13). O Bureau of Labor Statistics (BLS) dos Estados Unidos sublinhou esta tendência, em 2001, com as suas previsões sobre o emprego, para o período de 2000 a 201014. No início deste período a economia dos Estados Unidos empregava 124 milhões de trabalhadores. Nas suas projecções sobre o volume de emprego, o BLS estimou que o crescimento do emprego nos serviços aumentaria 19% – 20.5 milhões de

12 Hilsenrath, Jon e Rebecca Buckman. 2003. Factory Employment is Falling Workwide. The Wall Street Journal, 20, Outubro.13 Bell, Daniel. 1999. The Coming of Post-Industrial Society. New York:Basic Books.14 Bureau of Labor Statistics. 2001. 2000-2010 Employment Projections. Washington D.C.: United States Department of Labor,. disponível em http://www.bls.gov/news.release/ecopro.nr0.htm.

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postos de trabalho – enquanto o emprego na indústria transformadora aumentaria apenas de somente 3% nesta década. O peso relativo do emprego na indústria transformadora descerá assim de 13% em 2000 para 11% em 2010, de acordo com o BLS. Em termos de emprego, o BLS espera o maior crescimento nos dois extremos do espectro educacional e do rendimento. A variação esperada do volume de emprego será de 7.0 milhões de postos de trabalho enquanto só o volume de emprego no sector dos serviços aumentará em cerca de 5.1 milhões de empregos. De forma não surpreendente, as variações mais fortes de empregos – em oito dos dez principais grupos – estão, – relacionadas com computadores, em parte, porque se iniciam a partir de valores relativos muito pequenos. A profissão em que os empregos mais cresceram – engenheiros de software – duplicou durante esta década, mas ainda empregam somente 760.000 postos de trabalho. As dez profissões que mais têm feito crescer o volume de emprego são de áreas muito diversas e muitas delas são áreas de baixos salários. À frente desta lista estão os trabalhadores do serviço de restauração, uma categoria que crescerá 30%, alcançando os 2.9 milhões em 2010.

Na fraca recuperação da recessão que terminou em 2001 a tendência de longo prazo de declínio no volume de emprego na indústria transformadora acelerou acentuadamente, caindo de 17.3 milhões de postos de trabalho em 2000 para 14.6 milhões em Agosto de 2003, ou seja uma redução de 2.7 milhões de postos de trabalho. A indústria transformadora representa agora apenas 11% do volume de emprego nos EUA, número este que se atingiu sete anos antes do previsto pelo BLS. Em termos de números, desde a profunda recessão de 1958, desde há 45 anos, portanto, que o volume de emprego na indústria transformadora os EUA não era tão baixo. O aumento da produtividade, devido às novas tecnologias assim como às novas formas de organização do trabalho, explicam a maior parte desta perda relativa no volume de emprego, mas a localização da produção noutras partes do mundo é também um factor importante. Apesar de não haver uma estimativa consensual para o número de postos de trabalhos que se deslocalizaram, um estudo recente estima que perto de 1 milhão de postos de trabalho se deslocalizaram desde Março de 200115. A maioria desta perda de postos de trabalho deu-se na indústria transformadora, mas 15% já envolvem profissionais com formação universitária. “…[Ultimamente, o trabalho deslocalizado para o

15 Uchitelle, Louis. 2003. A Missing Statistic: U.S. Jobs That Have Moved Overseas. The New York Times, 5 de Outubro.

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exterior tem subido na escala dos níveis de formação e está a incluir trabalhadores tais como coordenadores aeronáuticos, programadores de software e analistas financeiros os analistas, com a China, a Rússia e a Índia a entrarem no mercado global do trabalho com um grande stock de trabalhadores bem qualificados”, segundo o New York Times (Ibid,). O presidente de Intel Corporation, pioneira na alta tecnologia, avisou recentemente que a maioria dos postos de trabalho nas tecnologias de informação nos EUA serão vulneráveis à concorrência estrangeira nos próximos dez anos, principalmente à da China e à da Índia16. É desnecessário acrescentar, esta perda em postos de trabalho dinamizou uma forte frente política contra o comércio livre. “Um novo movimento contra o comércio livre está a emergir nos EUA, compreendendo os trabalhadores altamente qualificados que antes eram considerados como sendo os grandes ganhadores na economia globalizada, mas que afinal vêem agora os seus empregos de colarinho branco deslocalizarem-se para o estrangeiro e a um ritmo de forte crescimento,” acentuam os relatórios do Wall Street Journal17. As pressões da globalização crescente sublinham a questão crítica que os EUA e outras sociedades industriais têm enfrentado durante todo o séc. XX e que ainda hoje enfrentam: assegurarem que os ganhos na produtividade sejam largamente partilhados para que o crescimento económico se traduza em inclusão social. O papel central para tratar esta importante questão está nas políticas públicas nacionais, mas há três importantes tentativas de ligar o aumento da produtividade aos aumentos de salários que fornecem, ao nível microeconómico, uma visão histórica fascinante: a introdução por Henry Ford do salário a cinco dólares por dia em 1914; a fórmula pioneira estabelecida pela General Motors e pela United Auto Workers (UAW) em 1948; e o pacto social que ligou a segurança de emprego e a participação do trabalhador no Japão e que foi difundido por todo o mundo durante os anos 80. Estas experiências são enraizadas em contextos sociais específicos da história dos dois países industriais, mas os temas a elas subjacentes permanecem ainda hoje relevantes. Inicialmente procurou-se introduzir todos estes três esforços, mas as organizações dos trabalhadores foram essenciais para forjar a ligação entre o crescimento da produtividade e o dos salários ao longo do tempo. Por consequência, as empresas tornaram-se mais produtivas e o mercado cresceu fornecendo largos benefícios a toda a economia.

16 Schroeder, Michael e Timothy Aeppel. 2003. Skilled Workers Mount Opposition To Free Trade, Swaying Politicians. The Wall Street Journal, 10 de Outubro.17 Schroeder, Michael e Timothy Aeppel. 2003.

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Henry Ford estabeleceu a ligação mais notável, a de que salários mais elevados podem significar lucros mais elevados. A 5 de Janeiro de 1914, estarreceu o mundo industrial, ultrajou colegas e toda a indústria automóvel e encantou os seus 12.000 empregados ao dobrar-lhes o salário prevalecente na indústria, passando-o para $5.00 por dia. A este momento de ruptura seguiu-se a difusão de novas tecnologias e de reorganização do trabalho, culminando na introdução da linha de montagem e da produção em série em 1913. Apesar de haver numerosas limitações de como e sob que circunstâncias os trabalhadores receberiam o novo salário, a maioria de trabalhadores da Ford, de facto, receberam-no. O custo projectado para o primeiro ano foi de 10 milhões dólares, ou seja, metade dos lucros estimados da companhia18. Mais tarde, num comentário, Henry Ford insistia até à exaustão que não havia “de forma alguma nenhuma caridade, qualquer que fosse a forma pela qual esta seja vista.” E sublinhava que “uma empresa assente em baixos salários era sempre um negócio inseguro e que dobrar o salário e reduzir o dia do trabalho eram uma das mais finas reduções de custos que alguma vez tinha feito”19. Em vez da bancarrota profetizada pelos seus concorrentes, a produtividade de Ford aumentou fortemente, o preço do modelo T desceu a pique e os lucros de Ford Motor Company aumentaram 20% logo no ano seguinte. A produtividade cresceu, em parte, porque houve menos rotatividade de emprego, porque se reduziu o absentismo dos trabalhadores e porque aumentou o empenho dos trabalhadores no seu próprio trabalho. O aumento da produtividade tornou possível a redução do preço do carro e esta descida fez, por sua vez, disparar as vendas deste modelo. A época do fordismo tinha nascido. Dito isto, outros fabricantes demoraram em seguir a ligação de Ford. Contudo, como as tecnologias em que foi pioneiro se difundiam no interior da indústria automóvel, os salários deste sector começaram seguramente a subir e eram, em 1928, perto de 40% mais elevados do que a média da indústria transformadora. O início da depressão, entretanto, fez com que estes salários fossem severamente corroídos.

A formação de organizações de trabalhadores durante o período mais crítico da Grande Depressão forjou, de novo, a ligação entre a produtividade e os salários. Como Henry Ford tinha mostrado, esta poderia estar na base não somente de grandes benefícios para os

18 Raff, Daniel M. e Lawrence Summers. 1987. Did Henry Ford Pay Efficiency Wages? Journal of Labor Economics, vol. 5. S68.19 Raff, Daniel M. e Lawrence Summers. 1987.

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trabalhadores directamente envolvidos, mas para a economia como um todo ao estimular o poder de compra e a procura. Contudo, a tentativa de forjar esta ligação era turbulenta e acrimoniosa. Depois duma década de fortes negociações e de uma série de longas e duras greves, o Presidente da General Motors, Charles Wilson, propôs uma abordagem para moderar as lutas por melhores salários. Sugeriu o ajustamento do salário baseado em dois grandes princípios: primeiramente, um factor anual de crescimento que reflicta os grandes aumentos de produtividade na economia; e um segundo princípio que é o tomar como um segundo factor, a evolução do índice do custo de vida que protegesse os trabalhadores da inflação. O UAW aceitou-os e estes foram incorporados nos acordos de 1948 da negociação colectiva. Embora inicialmente relutantes, os sindicatos tornaram-se mais tarde seus entusiásticos defensores e preservaram estas regras intactas nas três décadas seguintes20. Desde então, ocorreram modificações particularmente nas épocas de crise económica, mas os princípios subjacentes estavam ainda presentes nas negociações de 2003 entre o UAW e a Ford, a General Motors, e a Daimler Chrysler. Um crítico pôde então comentar “Aha! Nós encontramos o culpado que fez com que a indústria automóvel nos Estados Unidos fosse lançada no abismo: salários bem gordos baseados em fórmulas ultrapassadas!” Mas enquanto a Ford, a General Motors, e Diamler Chrysler estavam bem mal de saúde, os seus concorrentes japoneses e alemães de longe bem mais sucedidos, pagavam geralmente salários similares nas suas operações nos EUA e competem eficazmente neste mesmo mercado. Estes dois exemplos históricos foram extraídos de um período em que a globalização não tinha nem a velocidade nem a profundidade que tem hoje. Um terceiro exemplo é mais recente e originário do Japão antes de se difundir nos Estados Unidos nos anos 1980: o pacto social que garantiu a segurança de trabalho para a “vida” em troca do empenho dos trabalhadores no crescimento da produtividade. O sucesso notável das empresas japonesas na indústria automóvel e da electrónica que utilizaram estas metodologias deu-lhe a visibilidade e lucros em todo o mundo. Quando começou a externalizar, conforme aconteceu, só aproximadamente um terço dos trabalhadores numa indústria como a do automóvel estava coberta pela segurança de trabalho para a vida no Japão e mesmo aqui a crise económica uniforme poderia eliminar estas garantias. Como o afirmou um dos autores do influente livro A máquina que mudou o mundo: “quem poderia supor que a estagnação continuada da economia japonesa nos anos

20 Katz, Harry. 1985. Shifting Gears: Changing Labor Rights in the U.S. Automobile Industry. Cambridge: The MIT Press.

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90 levaria a que muitas empresas na electrónica e noutros sectores se retraíssem no mercado mundial, reduzissem a produção internamente e a externalizassem assentes numa base de baixos salários para se situarem, exactamente como as empresa ocidentais mais fracas” 21. Contudo, a ênfase na segurança de trabalho era real e os despedimentos ou as reduções de trabalho eram geralmente o último recurso e não a primeira linha de ataque. Com esta ênfase na segurança de trabalho, os trabalhadores estavam mais dispostos a contribuírem com sugestões para melhorar o processo de produção e para aumentar a produtividade.

ii.3. A NOVA DIVISãO INTERNACIONAL DO TRABALhO E OS DIREITOS LABORAIS

Um pouco antes das 10 horas da manhã, os motoristas que se aproximavam da Ponte da Baía de S. Francisco ficaram pasmados com uma cena notável: quatro guindastes gigantes, brancos, flutuavam lentamente sob a ponte a caminho do seu destino, o Porto de Oakland. Os guindastes, aparafusados nos seus navios de carga, especialmente construídos para o seu transporte, brilhavam sob o sol da manhã, e eram de tal forma maciços que, mesmo com os seus “braços” retraídos, tinham uma altura de 66 metros e passavam debaixo da ponte com muita dificuldade. O que os observadores maravilhados e os viajantes matutinos um pouco tardios não se apercebiam é de que o que estavam a ver eram os testemunhos de um símbolo dramático da nova economia global. Os próprios guindastes, os maiores e mais rápidos do mundo, não foram construídos em Los Angeles, em Hamburgo, ou em Tóquio, mas sim em Shanghai. Os seus tentáculos gigantes irão descarregar os navios porta-contentores cheios de produtos estampados, forjados, e montados nas cadeias internacionais, altamente integradas, da produção que estão actualmente a redefinir o carácter do comércio global.

Nesta era de globalização, as condições do trabalho no México estão crescentemente a serem redefinidas no contexto da economia global. De facto, poucos países terão estado tão perto do epicentro da globalização, como o esteve o México nas últimas décadas, nem enfrentarão tão grandes desafios nos próximos anos. As poderosas forças globais estão a transformar cidades tão

21 Womack, James e Daniel T. Jones. 2001. How the World Has Changed Since the Machine that Changed the World. Brookline: The Lean Enterprise Institute (Summer), p 3.

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diversas e distantes como Oakland, Shanghai, e Aguascalientes 22 e estão a unir os seus mercados de trabalho em novas e importantes formas. Muita da literatura sobre a globalização baseia-se no movimento rápido dos milhões de milhões de dólares através das fronteira e nas análises feitas pelas instituições da economia global, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio (OMC) 23. A literatura descreve-nos claramente, a emergência duma divisão de trabalho internacional nova – a base duma integração económica muito mais profunda –, com implicações de muito maior alcance.

A reconfiguração extensiva da produção global obriga a uma escolha importante: será que países como o México se transformam em plataformas de exportação, combinando o trabalho barato e o nível tecnológico das economias mais prósperas e mais desenvolvidas ou se transformam em economia mais prósperas e desenvolvidas então com ganhos amplamente partilhados? A resposta a esta pergunta é obviamente complexa e depende da política e da política económica e está, ao mesmo tempo, no centro do processo do desenvolvimento e na natureza da sua integração na economia global. Pensa-se que “o comércio profundo” redefine os mercados de trabalho nas indústrias básicas à escala mundial. Os trabalhadores da electrónica no México, na Malásia e nos Estados Unidos não só estão, às vezes, a produzir as mesmas peças, como também estão a trabalhar para as mesmas empresas e a competir para os mesmos empregos. Em consequência desta nova integração, os direitos internacionais do trabalho enquadrados nos acordos comerciais são uma etapa bem modesta para assegurar trajectórias mais firmes do desenvolvimento e de ganhos sociais mais difundidos, tanto para as economias desenvolvidas, como para as outras. Mais do criar obstáculos ao comércio ou servir de “proteccionismo clandestino,” os direitos dos trabalhadores podem servir para criar mercados mais robustos e melhores condições de trabalho.

ii.4. GLOBALIzAçãO: DE NOVO A QUESTãO DO SEU CONCEITO

O que entendemos exactamente por globalização? O conceito é vago, ambíguo, polémico mas, não obstante, decisivo para a compreensão da natureza do trabalho nos dias de hoje.

22 Castells, 200023 Friedman, 1999; Stiglitz, 2004, Globalização, A Grande Desilsão

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Teóricos sociais como os britânicos Anthony Giddens e Willy Hutton descrevem a globalização como “a interacção da inovação tecnológica extraordinária combinada com a extensão mundial impulsionada pelo capitalismo global que dá à actual mudança a sua complexidade bem particular. Tem agora uma velocidade, uma inevitabilidade e uma força que não tinha antes”. Hutton conceptualiza depois uma visão um tanto mais obscura dizendo que a globalização é “um capitalismo muito mais duro, mais móvel, mais impiedoso e mais seguro daquilo que é necessário para o fazer funcionar”. Argumenta que “o seu objectivo principal é servir os interesses dos proprietários e dos accionistas e tem uma crença firme, de facto ideológica, de que todos os obstáculos à sua capacidade para o fazer, a regulamentação, os controles, os sindicatos, os impostos, a propriedade pública, etc. são injustificáveis e devem ser removidos”. Keohane e Nye escrevem que “a revolução informática está no centro da globalização económica e social. Tornou possível a organização transnacional do trabalho e a expansão dos mercados, facilitando desse modo uma nova divisão internacional do trabalho.” Citam então Adam Smith, na Riqueza das Nações, como declarando que “a divisão de trabalho é limitada pela extensão do mercado” e, naturalmente, o mercado tem agora a dimensão do globo. Thomas Frideman, um dos popularizadores mais influentes do conceito, coloca a ênfase na tecnologia de informação, indicando que a “globalização permite a cada um de nós, onde quer que vivamos, alcançar qualquer ponto por mais distante que seja, em torno do mundo, de forma mais rápida, mais profunda, e mais barata do que anteriormente”. Frideman, como muitos observadores da globalização, argumenta que o “processo é dirigido quase inteiramente pela tecnologia”. Stiglitz define o fenómeno como “a integração mais estreita dos países e dos povos que resultou da enorme redução dos custos de transporte e de comunicação e destruição das barreiras artificiais à circulação transfronteiriça de mercadorias, serviços, capitais, conhecimentos e (em menor escala) pessoas”. 24

O tema da desigualdade tem alimentado manifestações, desde Seattle a Joanesburgo, e criado um debate académico muito intenso. Dólar e Kraay, dois fortes defensores da globalização, admitem que “a nossa pesquisa mostra que os países que crescem mais rapidamente ou que são mais abertos ao comércio externo poderão, com igual probabilidade, ver a desigualdade crescer ou decrescer 25. A Conference Board, uma organização global

24 Stiglitz 2004, p.46.25 Galbraith et al, 2002, 183.

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empresaria de referência afirma que, apesar dos ganhos, “a diferença em dólares entre o produto interno bruto per capita do mais país rico relativamente às economias mais pobres aumentou entre 1973 e 1997”26. Galbraith oferece uma vista mais crítica: “Os padrões sugerem fortemente que as forças da globalização, incluindo mais altas taxas de juro, crises da dívida, e choques provocados pela liberalização global estão associadas à crescente desigualdade nas estruturas da repartição”27. Faux mantém que “numa economia que esteja a crescer com base no seu mercado doméstico, a subida dos salários ajudam toda a gente porque aumentam o poder compra e a procura dos consumidores – que é o principal elemento de dinamização do crescimento económico numa economia moderna.” Em contraste, Faux continua, “numa economia cujo crescimento dependa dos mercados estrangeiros, a subida dos salários internos é um problema, porque se adicionam aos problemas que já se tem para competir internacionalmente”. Indica então as formas que as políticas anti-laborais, promovidas frequentemente por instituições tais como o Fundo Monetário Internacional, e as mudanças estruturais nas economias reforçam a polarização dos rendimentos. Rodrik refere que “a América Latina, a região que adoptou a agenda da globalização com o maior entusiasmo nos anos 90, sofreu uma desigualdade crescente, uma volatilidade enorme e com as taxas de crescimento económico significativamente abaixo das que teve nas décadas que se seguiram à II Grande Guerra.”

ii.5. A GLOBALIzAçãO E AS ALTERAçõES NOS FLUxOS COmERCIAIS

O crescimento rápido no comércio externo foi uma característica central da nova globalização. O comércio externo de mercadorias do mundo atingiu os 6.2 milhões de milhões de dólares em 2000. Durante as últimas décadas, o crescimento do comércio (8% ao ano) ultrapassou o do PIB (6% ao ano). O rácio do comércio externo relativamente ao PIB atingiu os 30% no ano 2000, em comparação com os 20% em década anteriores. Esta variação de 10 pontos percentuais é superior ao aumento das duas décadas anteriores combinadas.

No entanto, dificilmente se pode considerar que o comércio em rápida expansão,

26 McGuckin et al., 2000, 1.27 Galbraith e tal.., 2002, 179.

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possa ser considerado algo de novo. Nós podemos ver um fenómeno similar naquilo a que o Banco Mundial chama “a primeira onda da integração global” nos anos que conduziram à primeira guerra mundial. As exportações quase que duplicaram entre 1870 e 1914, alcançando 8% do rendimento mundial. A produção global tem também uma história longa. A Ford Motor Company, por exemplo, começou a montar o modelo T no México em meados dos anos 20. O que hoje é novo, entretanto, é o papel dos países em desenvolvimento na exportação de bens manufacturados – brinquedos e camisas, é certo, mas também cada vez mais computadores e motores de automóvel. Na fábrica original da Ford na Cidade do México montavam-se carros a partir dos conjuntos de partes enviadas a partir de Detroit, e os modelo T eram vendidos no México; agora os carros são montados no México, a partir de linhas de abastecimento globais e vendidos para todo o mundo.

A natureza do comércio mundial mudou e de quatro maneiras fundamentais. Primeiro, as empresas transnacionais são mais importantes. As Nações Unidas estimam que as empresas transnacionais realizaram aproximadamente um quarto do PIB global em 1999, e realizam actualmente perto de dois terços do comércio global. Em segundo lugar, a indústria transformadora realiza uma parte muito maior das exportações com origem nos países em desenvolvimento, 70% no fim dos anos 90 comparados com os 20% nos anos 80. Em terceiro lugar, os países em desenvolvimento realizam agora uma percentagem muito maior das exportações de produtos transformados à escala mundial. Em conjunto, as exportações combinadas de mercadorias de China, Hong Kong, e México atingem os 618 biliões de dólares, a que corresponde quase 80% de exportações dos E.U. no ano 2001, em comparação com menos de 50% uma década antes. Finalmente, as economias em desenvolvimento estão a exportar produtos mais sofisticados. Entre 1985 e 1998, as exportações de elevada tecnologia com origem nas economias em desenvolvimento aumentaram 12 vezes. As suas exportações em material de escritório e de telecomunicações representam agora uma proporção maior do que a agricultura e minas juntas.

Uma dimensão central deste aumento de exportações é a capacidade para colocar produções tecnicamente avançadas em países em desenvolvimento. “As actividades high-tech que antes estavam fora do alcance de países em desenvolvimento podem agora aí ser colocadas” de acordo com o World Investiment Report, “porque os processos intensivos em trabalho dentro daquelas actividades podem economicamente ser separados e controlados a grandes distâncias”.As empresa transnacionais, por exemplo, aplicam primeiro novos modelos de organização do

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trabalho nestas economias para depois as implementar posteriormente nos países de mais altos salários, mostrando como estão tão profundamente integradas estas economias nas redes de produção mundial.

ii.6. A ChINA E O NOVO SALTO Em FRENTE: A CORRIDA àS TECNOLOGIAS DO FUTURO

Se bem que Brasil e México tenham sido pioneiros nas dimensões centrais da produção global, a transformação mais importante actualmente é a emergência da China como um poderoso exportador de alta tecnologia. O peso da indústria transformadora nas suas exportações globais dobrou ao passar de 42% em 1968-70 para 88% em 1998-00. O comércio de China atingiu taxas de crescimento a dois dígitos na última década, o dobro da média mundial e aparentemente do dia para a noite. A China transformou-se no quinto maior exportador de mercadorias no mundo, já à frente do Canadá. Alguns observadores sentem que China poderá mesmo alcançar o Japão quando mais algumas empresas japonesas se deslocarem para a China. Num trabalho recente, sublinha-se que 20% de transnacionais japoneses têm intenções de deslocalizar a sua produção para a China 28. “Nós estamos a dar atenção à China não só com grande interesse, mas também como uma ameaça,” comentou Hiroshi Okuda, presidente da Toyota. As exportações de China representam quase 4% do total mundial e mais do que dobrou a sua quota-parte no comércio mundial numa só década A estrutura de indústrias de exportação em China mudou também de forma dramática. As empresas financiadas externamente passaram de menos de 2% das exportações em 1986 para quase metade em 2000 29.

A China combina três vantagens chaves na produção. Primeiramente, oferece um mercado interno enorme, inexplorado. O investimento no mercado interno é por si mesmo atractivo e gera uma rede de fornecedores da indústria e de sub-contratantes com potencial de nível mundial 30. Em segundo, as taxas de salário são um terço das do

28 UNCTAD, 2002b, 154.29 UNCTAD, 2002b, 155.30 O que não aconteceu, por exemplo, com o programa maquiladora no México.

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México e 5% das dos Estados Unidos: Uma abundante força de trabalho excedentária e as repressivas políticas governamentais garantem virtualmente salários baixos pelo menos para os próximos anos. Finalmente, a China tem uma massa importante de trabalhadores e de engenheiros bem formados.

A composição das suas exportações está-se a tornar decididamente cada vez mais sofisticada. “Quando estão presentes as vantagens tais como o trabalho barato e um grande mercado interno no país anfitrião, as companhias americanas estão muito mais dispostas a explorar estas vantagens” argumenta Joseph P. Quinlan, um economista global na revista Foreign Affairs. “As estratégias de integração das empresas, centradas em transformar ou em montar bens manufacturados, transformar-se-ão mais complexas ao serem crescentemente transferidas as funções de alto valor acrescentado para as filiais chinesas” diz-nos ainda Quinlan que continua. “Estas empresas tornar-se-ão mais especializadas ao serem atraídas para as redes de produção global das empresas matrizes. Como consequência, crescerá a qualidade da produção destas filiais e estas tornar-se-ão internacionalmente mais competitivas 31. Actualmente as telecomunicações equipamentos e computadores representam 25% das exportações totais 32.

A indústria automóvel, como acontece com a restante indústria, desempenha um papel fundamental. As cinco principais empresas japonesas da indústria automóvel anunciaram já novos e extensos planos de fábricas para a China 33. Espera-se que o mercado interno do automóvel venha a dobrar para quase 1.3 milhões em 2005 e alguns analistas projectam que, em 2001, o mercado da China poderia ser tão grande quanto o mercado do Japão. “A China é hoje a nossa primeira prioridade geográfica em termos do desenvolvimento de mercado,” disse Carlos Ghosn, presidente da Nissan, em Beijing. “Sobre os próximos 5 a 10 anos, a China terá a taxa de crescimento mais elevada em todos nossos mercados” 34. Em Julho de 2002, a Honda anunciou planos para construir uma fábrica maior para a exportação e um mês mais tarde, a Toyota anunciou um investimento de 2.5 biliões de dólares capaz de

31 Quinlan, 2002, 122.32 UNCTAD, 2002b, 141.33 Brooke, 2002, W1.34 Brooke, 2002, W1.

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produzir 400.000 veículos por ano à volta de 2010, ou seja, metade da produção actual de Toyota na América do Norte 35. Para não ficar atrás, a Ford anunciou algumas semanas depois que planeia abastecer-se em mais de 10 mil milhões de dólares na China.

Os investimentos na indústria transformadora avançada não estão limitados à indústria automóvel. “A China está a transformar-se numa superpotência da indústria transformadora diz, o vice-presidente para a Ásia Kenneth Courtis, da Goldman, Sachs & Co.”… e o movimento parece ser imparável”. Quatrocentas das 500 mais importantes empresas, segundo a revista Fortune, têm investido dinheiro em mais de 2000 projectos na China. O governo chinês está a trabalhar a todo o vapor para atrair estes investimentos. O governo provincial de Shenzhen ofereceu mesmo 5 biliões de dólares para fazer avançar a indústria dos circuitos integrados.

A escolaridade é particularmente importante nas redes globais da produção. As empresas high-tech que se localizaram no México descobriram que as instituições educacionais fortes e os trabalhadores bem formados eram centrais no seu sucesso, tendo estes princípios conduzido o processo de escolha da localização das suas fábricas. Os dirigentes perceberam que uma formação básica forte, entre os 6 e 12 anos de escolaridade, era fundamental para os trabalhadores das cadeias de montagem e para os trabalhos qualificados de reparação. As escolas politécnicas e os graus de formação universitária eram claramente preferidos para os cargos de directores fabris e para os trabalhos de desenho e de desenvolvimento e concepção. Dada a vasta população da China e o investimento deste país na instrução, o país tem um número importante de trabalhadores com poucas alternativas internas e estão mais do que prontos para se inserirem na economia global. A China, por cada ano que passava, dispunha adicionalmente de mais de 1 milhão de graduados universitários, segundo dados de meados de 90 36, os últimos dados disponíveis, e os cientistas conjuntamente com os engenheiros eram mais de um terço daquele valor. 37 Além disso, a China tem 200 técnicos por cada milhão de habitantes o que é apenas um pouco menos do que a Coreia (318), mas que ultrapassa bem a Malásia (32), ela própria uma

35 Bradsher, 2002, W1.36 Diz-nos o Le Monde de 2 de Agosto de 2007: “Na China, diplomam-se este ano mais de 5 milhões, ou seja, mais 20% do que no ano anterior e cinco vez mais do que em 1998. Apesar do forte crescimento económico, mais de um terço corre o risco de não encontrar emprego”.37 UNCTAD, 2002b, 167.

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história high-tech de sucesso, assim como a Tailândia (30). As Nações Unidas concluem que “a China tem o potencial para dar um salto no próprio processo de industrialização em vez de continuar a depender da absorção de trabalho excedente nas indústrias de baixo valor acrescentado e relativamente intensivas em trabalho” 38.

ii.7. GLOBALIzAçãO E REDES INTEGRADAS DA pRODUçãO

Dois desenvolvimentos estreitamente relacionados sublinham a natureza cada vez mais integrada da produção global: o investimento estrangeiro directo (IDE) e o comércio intra-empresa nas firmas transnacionais. O papel da produção internacional na economia global está claramente em ascensão, de acordo com o World Investment Report. Os fluxos de investimento directo estrangeiro alcançaram o assombroso valor de 1.3 triliões de dólares em 2000. Admitidamente, três quartos deste investimento movem-se das economias desenvolvidas para outras economias desenvolvidas, reflectindo o facto que o IDE inclui não só os novos investimentos, como também as fusões e as aquisições que ocorrem sem qualquer dúvida nos países industrializados. Os fluxos para as economias em desenvolvimento explicam apenas 240 biliões de dólares em 2000. Este investimento tende a ser altamente concentrado. Em 1999, dez países absorviam 80% do IDE. O nordeste da Ásia representou um ponto alto para este investimento com as entradas destes capitais em Hong Kong, Formosa, Coreia e China a atingirem os 80 mil milhões de dólares. Num inquérito anual de executivos de alto nível das maiores empresas do mundo refere-se que pela primeira vez a China ultrapassou os EUA como o lugar mais desejado para os investimentos directos.

As empresas multinacionais deram forma a novos padrões de comércio internacional e actualmente estão envolvidas quer como compradoras quer como vendedoras em quase dois terços do comércio mundial, Metade deste comércio, isto é, um terço do comércio global, é intra-empresas 39. Por outras palavras, uma parte importante do comércio global é constituída por produtos da indústria transformadora e de montagem em redes da produção à escala mundial. Em 2001, o comércio entre as empresas transnacionais e as suas empresas

38 UNCTAD, 2002, 167.39 UNCTAD, 2001, 56.

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subsidiárias foi de 526 biliões de dólares, ou seja, quase metade das importações dos EUA e de 223 biliões de dólares, ou seja, quase 30% de exportações dos EUA 40. A parte do comércio relacionado com o México representou quase 68% das exportações mexicanas para os EUA.

Dentro destas redes altamente integradas, existem fortíssimas pressões para reduzir custos, o que provoca frequentemente a ameaça ou o movimento real da deslocalização da produção para zonas de baixos salários. Estas pressões são especialmente evidentes aquando das campanhas para a organização de sindicatos nas negociações salariais como o indica os trabalhos de Bronfenbrenner. Os empregadores ameaçaram encerrar perto de 30% dos postos de trabalho de todas as campanhas ganhas para a organização de sindicatos realizadas pelo National Labor Relations Board (NLRB) para a protecção dos direitos dos trabalhadores e de facto cumpriram a ameaça em 5% dos casos em que triunfaram os sindicatos 41. Por volta dos anos 90, com a hemorragia de postos de trabalho da indústria transformadora, a taxa de ameaça nesta indústria subiu para 70% tendo a taxa de encerramento real das fábricas sido de 12% 42. Claramente, a elevada taxa de ameaça é capaz de exercer um maior efeito limitativo em campanhas de organização sindical e no próprio processo de negociação colectiva. O Canadá não está imune a este fenómeno. Navistar ameaçou a organização dos trabalhadores no Canadá, no verão de 2002, com o encerramento das suas unidades e de deslocalizá-las para o México a menos que obtivesse uma redução dos custos de 14 milhões de dólares. A empresa não obteve o que queria e só garantiu a produção no Canadá por mais um ano.

A pressão para reduzir os salários no mercado global já não é somente uma questão Norte-Sul mas, resulta cada vez mais duma forte concorrência entre as economias de baixos salários 43 Segundo Ross e Chan “esta concorrência, particularmente nos produtos intensivos em trabalho, não é tanto do norte contra o sul, mas sim dos países do sul contra países do sul”. Por exemplo, a Hyundai, pretende estabelecer uma base global da produção para um novo mini-carrro na Índia. “Nós pretendemos deslocar a base da produção de Santro na

40 Departamento do Comércio dos EUA, 2002, 1.41 Bronfenbrenner, 1997.42 Bronfenbrenner, 1997.43 Veja-se texto abaixo de Ross & Chan, 2002.

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Coreia do Sul no último trimestre de 2003 e basear as exportações do grupo Hyundai na Índia”, afirmou B.V.R Subbu, presidente da subsidiária indiana da Hyundai.

O papel de China no mercado de trabalho global é particularmente importante, pois 80% das 500 empresas listadas na Fortune investem já na China e muitas estão a aumentar aí os seus investimentos a velocidades incríveis. Isto significa que os trabalhadores nas fábricas globais destas companhias estarão a competir directamente com os trabalhadores chineses para a obtenção da localização futura da produção e, mais precisamente, estão a competir pela obtenção ou conservação dos seus postos de trabalho, presentes ou futuros. Enquanto este tipo de concorrência for assim tão intensa, haverá imediatamente uma pressão adicional dentro da própria empresa. A Formosa emergiu como uma potência na indústria global de computadores pessoais e já começou a deslocalizar uma parte importante da sua produção para a China. Em 2001, a Formosa produziu mais de 50% de todos os computadores portáteis e cerca de 25% dos computadores de escritório e uma percentagem ainda maior de muitos produtos periféricos, tais como monitores. Porque as empresas americanas espremem os seus fornecedores da Formosa nos custos, os fornecedores da Formosa estão a deslocalizar a produção para outros locais. “O candidato óbvio é a China, com a sua vasta reserva de mão-de-obra, barata e cada vez mais bem formada. Adicionando a isto o baixo custo da energia, da água e o financiamento fácil por governos locais solícitos, as companhias da Formosa dizem que o custo em fazer negócios na China é apenas uma fracção dos custos suportados na Formosa” de acordo com o New York Times. Um indicativo da atracção de China é dado pelo segundo maior produtor de computadores na Formosa, Compal Electronics, que espera deslocalizar todas a sua produção para a China em 2004 44.

A China coloca um desafio especialmente forte para o México. “Na América Latina, é mais provável que o México enfrente a concorrência das exportações chinesas do que doutras economias, tendo em conta a proporção relativamente elevada de produtos da indústria transformadoras nas suas exportações” de acordo com o UN Trade and Development Report 45. Em particular, quer a China quer o México são fortemente dependentes do mercado dos Estados Unidos para suas exportações. A China, entretanto,

44 Landler, 2002.45 UNCTAD, 2002b, 162.

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tem salários significativamente mais baixos do que o México embora os seus custos unitários do trabalho sejam ainda superiores aos do México, embora não necessariamente por muito tempo. 46

Sendo a ameaça a longo prazo clara, o impacto a curto prazo da deslocalização da produção do México para a China é mais ambíguo. As maquiladoras mexicanas tinham perdido quase 300.000 postos de trabalho entre o mês de Outubro de 2000 e o primeiro trimestre de 2002. A recessão nos EUA e uma moeda nacional (o peso) sobre-avaliada contribuíram para a erosão dum número significativo destes postos de trabalho, mas o papel de China está aberto a alguma discussão. A CIEMEX WEFA, uma empresa de investigação económica e de consultoria, atribuiu 60% da redução de postos de trabalho no México à recessão americana sendo os restantes explicados essencialmente por problemas nacionais como um governo local que não dá as respostas adequadas. Os administradores das maquiladoras estão mais ansiosos em apontar a China distante. Rolando Gonzalez, presidente da associação de maquiladoras do México, estima que três quartos das 277 fábricas da Baixa Califórnia que se fecharam nestes últimos três anos se deslocalizaram para a China. Alejandro Bustamante, que controla três maquiladoras da Plantronics em Tijuana, concorre por contratos com as empresas que funcionam na China. “Os seus custos de trabalho são sempre mais baixos … de metade a um terço mais baixo,” relata. “É um refrão que actualmente se ouve em todo o México, porque as fábricas enfrentam a concorrência intensa dos centros de indústria transformadora de baixos custos salariais na China,”comenta o San Diego Union-Tribune. “Da mesma forma que os trabalhadores fabris americanos se queixaram de perderem os seus empregos para os trabalhadores do México com baixos salários, os trabalhadores no México preocupam-se agora em poderem perder os seus empregos por causa da Ásia e têm boas razões para isso”. A geografia continua a ser importante embora os baixos custos salariais tendam a reduzir as distâncias geográficas. “Como regra geral, qualquer coisa mais pequena que uma caixa de guardar o pão virá da Ásia uma vez que não é demasiado caro enviá-la através do Pacífico,” de acordo com Jean-Paul de Kervor, um especialista em bens imobiliários de Tijuana que continua: “Qualquer coisa maior do que uma caixa de pão, tal como televisões ou móveis continuará provavelmente a ser feito em Tijuana.” A dimensão da diferença salarial entre a China e o México, entretanto, amplia o tamanho da hipotética caixa de pão, de acordo com Kervor.

46 A situação já está claramente a modificar-se.

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ii.8. GLOBALIzAçãO, FLUxOS COmERCIAIS E LEIS LABORAIS

O movimento global da produção – digamos dos Estados Unidos para o México ou do México para a China ou da China para o Vietname – não é determinado pela mão invisível do mercado, mas sim por decisões empresariais conscientes. Os executivos transnacionais ponderam muitos factores quanto à decisão de onde localizar a produção: acesso aos mercados, relações políticas com os governos anfitriães, incentivos para construir uma fábrica, a estrutura fiscal, o clima de trabalho, a necessidade de conseguir a qualidade e a produtividade desejada assim como a estratégia global da empresa, entre outros elementos. Dentro desta matriz os custos salariais baixos permanecem centrais sobretudo quando é possível conseguir produtividade e qualidade elevadas. Até ao ponto em que poucos direitos do trabalho ou altos níveis de repressão se traduzam em custos unitários baixos, as empresa têm a opção de contornarem níveis de direitos mais elevados e de obterem a recompensa de níveis baixos de direitos laborais. As empresas que escolhem não seguir esta última via estão sob a pressão feroz daqueles que a seguem. Os trabalhadores de países de elevados salários e os trabalhadores de países de baixos salários podem ter muitas diferenças profundas, mas têm também um interesse comum: procurar a via mais rápida para a competitividade e assegurar a partilha dos ganhos que daí resultam. Além disso, como nós vimos, a competição sobre os salários é cada vez maior entre trabalhadores de diferentes países de baixos salários.

A estrutura emergente da produção internacional confere uma outra dimensão à determinação salarial: um grupo relativamente pequeno de empresas transnacionais opera em redes de produção global fortemente integradas. Estas redes conseguem resultados de nível mundial nas fábricas ligadas mas dispersas ao nível do globo onde o comércio consiste nas peças feitas num país, transformadas num segundo, e montadas num terceiro país. As pressões à baixa dos salários num país são transmitidas através da mesma empresa aos trabalhadores e às organizações de trabalhadores dos outros países, uma vez que, frequentemente, estes trabalhadores lutam pelos mesmos empregos. O resultado pode ser o dos salários a crescerem mais lentamente ou a decrescerem, assim como severas pressões nas negociações colectivas, factores estes que contribuem para a polarização da repartição.

As instituições que governam o comércio global dão pouca importância a esta questão e menores remédios para as pressões que os trabalhadores enfrentam. Por consequência, o direito internacional do trabalho que existe hoje em dia acaba por ser o status-quo, ou algo ainda pior.

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É certo, a fórmula para se tornar globalmente mais competitivo é fazer com que as condições do mercado de trabalho se tornem mais “flexíveis” – uma palavra-chave para menores protecções para os trabalhadores. Este trajecto rompe o vínculo entre a competitividade e a melhoria do bem-estar dos trabalhadores. Em contraste, as empresas e os governos vêm o status-quo como sendo demasiado fraco – não muito forte – no que respeita às protecções ao investimento. De acordo com o World Investiment Report, “entre 1991 e 2000, introduziram-se nos regimes nacionais de IDE um total de 1.185 mudanças na regulação, das quais 1.121 (95%) foram no sentido de criar um ambiente mais favorável para o IDE”.

Um paradoxo chave da economia global é que hoje em dia que as condições do trabalho nas extensas redes globais da produção são governadas por sistemas de relações laborais assentes em bases nacionais. O desafio está em saber como garantir os direitos básicos dos trabalhadores neste contexto, dadas as, particularmente fortes, pressões para destruir esses mesmos direitos. Está a surgir um largo consensus quanto aos direitos básicos estabelecidos pela OIT: liberdade de associação, não discriminação, a proibição do trabalho forçado e do trabalho infantil, definem um conjunto fundamental de direitos humanos nos locais de trabalho que transcendem os níveis do desenvolvimento. Como assinala Joseph Stiglitz: “hoje, está a aumentar o reconhecimento de que os objectivos do desenvolvimento vão para além de um simplesmente aumento no PIB: estamos preocupados em promover o desenvolvimento democrático, equitativo e sustentado”. Acresce ainda que “se esse é o nosso objectivo, então é natural que devemos dar uma atenção especial ao problema de como varia a situação dos trabalhadores no decorrer do processo de desenvolvimento” 47.

A declaração final na reunião ministerial de Singapura da Organização Mundial do Comércio (OMC) parecia fazer eco destes sentimentos indicando que “nós renovamos o nosso compromisso de respeitar os direitos básicos do trabalho internacionalmente reconhecidos”. Para que não se fique com alguma ideia de que a OMC estaria a pensar empenhar-se na aplicação destes direitos a frase imediatamente a seguir sublinha imediatamente que “a Organização Internacional do Trabalho (OIT) é a instituição competente para fixar e tratar estes direitos, e nós afirmamos o nosso apoio ao seu trabalho de promoção destes

47 Stiglitz, J. (2000, Janeiro). Democratic Development as the Fruits of Labor. Keynote address for the Industrial Relations Research Association, Boston, MA.

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direitos”. Depois continua: “recusamos que a utilização destes direitos sirva para a defesa de qualquer pretensão proteccionista e defendemos que as vantagens comparativas dos países, em particular dos países de baixos salários, nunca possam ser postas em causa”. A OIT é a instituição preferida, porque a esta faltam todos os poderes coercivos.

Serão os direitos do trabalho, de facto, proteccionistas? Esta acusação tem sido tantas vezes repetida que conseguiu a legitimidade pela força da sua repetição. A acusação é injusta e enganosa. Como o afirma o economista Richard Freeman “a maioria dos proponentes dos direitos do trabalho querem o que dizem querer: garantir até onde seja possível certos direitos básicos parta os trabalhadores de todo o mundo”.

Tendo dito isto, não estão os direitos dos trabalhadores sujeitos à manipulação o que equivaleria a um proteccionismo escondido”? Absolutamente verdade, mas isto pode ser assim como o pode qualquer regra do comércio global. O certo é que é possível ter uma visão internacionalista, apoiar o alargamento das relações comerciais e estar simultaneamente a defender maiores protecções para os trabalhadores.

O argumento que os direitos laborais corroem necessariamente as vantagens comparadas dos países menos desenvolvidas é também um argumento suspeito. Considere-se o primeiro direito – liberdade de associação. Este direito é particularmente fundamental porque está na base da formação de organizações dos trabalhadores e de um sistema livre de negociação colectiva. É este direito que dá as bases para se transporem os princípios do regime democrático para o mundo do trabalho. Este direito em conjunto com os restantes não são condicionados pelos níveis de desenvolvimento nem eles penalizam de modo injusto os países pobres. Permitem que a decisão sobre as formas em que um país compete seja tomada duma forma mais larga, mais participativa, De facto, canalizam a capacidade competitiva para formas mais elevadas. Porque, como o afirma Stiglitz, “os processos democráticos inclusivos que envolvem organizações sindicais e outras organizações populares tornam mais provável que as preocupações legítimas dos trabalhadores sejam atendidas” 48. Stiglitz torna este seu argumento mais específico ao indicar que “há alguma possibilidade de que algumas das decisões económicas desastrosas que foram tomadas como resposta à crise económica do

48 Stiglitz, 2000, 19.

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sueste asiático não teriam ocorrido se os trabalhadores tivessem tido uma voz, se tivessem participado na tomada de decisão” 49.

Na prática, os salários baixos continuam a ser uma fonte de vantagens comparativas dos países em desenvolvimento mesmo quando fortes direitos dos trabalhadores são defendidos e postos em prática. São muitos os factores que determinam a fixação dos salários e vão desde a produtividade global da economia ao número de trabalhadores que andam à procura de trabalho. Os direitos do trabalho garantem que os trabalhadores mais directamente envolvidos têm algo a dizer quanto ao processo de negociação salarial. Os trabalhadores não quererão ficar desempregados por causa dos altos salários pedidos, mas também quererão assegurar-se de que compartilham os ganhos da produtividade e que podem alcançar uma vida decente. Além disso, os direitos do trabalho internacionalmente reconhecidos requerem que todos os países actuem sob as mesmas regras, minimizando as pressões enormes que permitem que a produtividade aumente enquanto pioram as condições de vida dos trabalhadores. Salários mais elevados não prejudicam necessariamente a competitividade pois podem levar a que se crie uma força de trabalho mais estável e mais motivada e, desta forma, a poder fazer aumentar a competitividade.

Em vez de estrangular o comércio internacional ou penalizar os países de baixos salários os direitos dos trabalhadores colocam as bases para uma economia global mais saudável e um comércio internacional mais intenso e oferecem três linhas de vantagens: primeiramente, como nós vimos, os direitos do trabalho eficazes transpõem os processos democráticos para o mundo do trabalho. Quem é mais directamente afectado pela mudança económica tem uma voz mais forte no sentido dessa mudança. A seguir, colocando a base para um sistema mais eficaz de negociação colectiva, estes direitos orientam para um crescimento mais sustentado pela procura. Se os trabalhadores puderem partilhar o crescimento da produtividade, novos consumidores e novos mercados serão criados, não estrangulados. Esta ligação foi a via para o crescimento económico e foi ela que levou à ascensão dos trabalhadores à classe média nas economias industriais. Finalmente, colocando a base para as organizações sindicais independentes, estes direitos trouxeram um outro mecanismo para se opor à corrosiva polarização dos rendimentos que actualmente afecta muitas sociedades. Este mecanismo

49 Stiglitz, 2000, 19.

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podia trazer importantes benefícios para as economias industriais avançadas, criando novas pressões para enfrentar as limitações das suas próprias relações de trabalho nacionais. Embora comece a haver um consenso crescente quanto ao valor desses direitos em abstracto, há, porém, uma forte divisão a respeito da aplicação desses direitos na prática, particularmente no que respeita às sanções comerciais. Sem qualquer dúvida, as sanções representam ainda a única via eficaz para assegurar que esses direitos sejam respeitados. A aplicação de penalizações comerciais vai directa à questão: cria poderosos incentivos para que os países se movam na via mais rica do desenvolvimento e na direcção da harmonização ascendente das condições de trabalho à escala global. Os países e as empresas que enfrentam penalizações são aqueles que violarem as normas aceites e não todos os que procuram as melhores condições, e aqueles são é, de facto, penalizados pelos incentivos presentes no status quo. Ironicamente a capacidade de impor sanções quando necessário, de forma directa e transparente, poderá garantir que as sanções raramente ou nunca tenham que impostas.

Apesar do aumento das exportações da indústria transformadora dos países em desenvolvimento, estas economias, como um grupo, receberam muito pouco dos benefícios deste alargamento do comércio. “Se bem que se tenha expandido e rapidamente a produção da industria transformadora dos países em desenvolvimento, incluindo a produção crescente de produtos de alta tecnologia” a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) relata ainda que: “o rendimento obtido com tais actividades nestes países não parece partilhar deste dinamismo”. O relatório admite ainda que para os países em desenvolvimento, “a proporção do valor acrescentado é determinada pelo custo de recurso menos escasso e que é o factor mais débil, o trabalho não qualificado; e com o controle sobre os activos produtivos estratégicos ainda mais rígido nesses mesmos acordos, os ganhos podem ser altamente enviesados a favor das transnacionais” 50. Além disso, o relatório conclui “que as economias de rendimentos médios da América Latina e da Ásia são as economias mais vulneráveis a estas tendências no actual sistema comercial internacional”.

O problema principal para muitos países na economia global pode ser o de um desenvolvimento no sentido errado. Os direitos dos trabalhadores por si mesmos dificilmente serão a solução para este problema fundamental da economia global.

50 UNCTAD, 2002a, 3.

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De facto, para trabalharem efectivamente no longo prazo, devem fazer parte de instituições e de acordos mais gerais que impulsionem o desenvolvimento e o crescimento. Os direitos internacionalmente reconhecidos dos trabalhadores são um passo demasiado modesto; fundamentalmente, estes proporcionam aos trabalhadores e aos sindicatos um nível de protecção mínimo que é importante e um símbolo poderoso dos valores democráticos e do sentido em que a globalização deve caminhar. A sociedade no seu conjunto, os trabalhadores, as empresas e os governos lucram em conjunto através do crescimento mais saudável que pode passar a existir. Os próprios direitos são pouco mais do que um primeiro passo. A sociedade no seu conjunto, trabalhadores, empresas e governos, ganham com o crescimento mais saudável que se pode assim obter. Os direitos laborais eles mesmos representam pouco mais do que uma primeira etapa, mas uma etapa que desde há muito tempo eram muito necessários.

A terminar, não nos devemos esquecer que é melhor para todos que a concorrência internacional esteja assente no que de melhor fornece cada sistema educacional, cada sistema organizativo das condições e dos métodos de trabalho e assente na utilização das mais criativas inovações, em vez dos baixos salários e das más condições de vida dos trabalhadores. Salários baixos podem fazer com que as empresas sejam competitivas a curto prazo mas não estabelecem as bases para a criação de uma sociedade realmente inclusiva.

Neste contexto da economia globalizada, Estados Unidos, México e China podem assim ser considerados pontos de um triângulo fundamental e representativo nas (e das) relações comerciais internacionais, pois o primeiro representa a primeira força económica de altos salários e de alto nível tecnológico enquanto os outros dois, são países de baixos ou baixíssimos salários mas com forte potencial tecnológico, com a particularidade da China, um enorme país não se movimentar internamente com as mesma regras que o Ocidente. A China aparece assim como um temível elemento de pressão para a baixa dos salários reais e já não só para os empregos de fraco nível de qualificação, e a reconfiguração da zona das maquiladoras na fronteira do México é um bom exemplo de tudo isto.

A posição a China é, pois, um dado novo e a sua posição na economia globalizada é já hoje tão importante que a grande questão que já se começa a levantar é saber se a economia mundial se está a tornar assim dependente da China como se esta seja um linha de segurança industrial e de tal modo que em breve poderá ser perigosamente vulnerável

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face a uma qualquer ruptura de abastecimento causada pela guerra, pelo terrorismo, pela agitação social, ou por um desastre natural. Ou seja a importância de China na indústria transformadoras global assemelhar-se-á ela à posição da Arábia Saudita nos mercados de petróleo do mundo?

Entre as nações em desenvolvimento, a China tem sido o país que mais recebe investimento estrangeiro, em média, aproximadamente 40 biliões de dólares por ano na década de 90. A China é agora membro da Organização Mundial de Comércio e daqui resultará mesmo níveis de investimento mais elevados. As empresas americanas estão a deslocalizar a sua indústria transformadora na Malásia, Tailândia, Indonésia e do México para a China. A Toshiba está a fazer as suas televisões no Japão ou na China e a Sony está a produzir as suas PlayStations na China. As empresas da Formosa produzem metade dos seus produtos de informação e tecnologia no país.

As vantagens de China são numerosas. As suas taxas de salário são um terço das do México e da Hungria, e 5% das dos EUA ou do Japão. Os investimentos da China na instrução e na formação estão a atrair centros de pesquisa de empresas como a IBM, a Motorola e a Microsoft. A massa crítica das fábricas, dos subcontratantes e de vendedores especializados criou um ambiente na indústria transformadora com que poucos podem competir. A China não é apenas uma plataforma da exportação, qualquer que esta seja; o seu mercado interno é grande e a sua expansão é uma outra vantagem, uma outra atracção.

O investimento estrangeiro na China, em rápido crescimento, reflecte também a obsessão entre os altos dirigentes das empresas em reduzirem os seus custos de produção através do outsourcing. De acordo com Bear, Stern & Co., 50% de toda a indústria transformadora poderá ser deslocalizada até 2010. O exemplo de Flextronics International Ltd, o maior subcontratante mundial da indústria transformadora mundial, é disso ilustrativo. Opera em 28 países em nome de companhias que vendem de tudo, desde telefones portáteis às máquinas de lavar. Os seus rendimentos crescerem de 100 milhões de dólares em 1993 para atingir 14 biliões de dólares hoje, e este é valor estimado para este ano. Espera-se que o volume dos seus negócios na China duplique este ano relativamente aos valores de 2001 e poderá alcançar 40% da sua produção à escala mundial em dois anos, quando era de 24% em 1998.

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Como é que Estados Unidos não devem estar preocupados? Para estarmos certos, nos anos 80, ouviu-se um falso alarme sobre o domínio japonês nas indústrias high-tech. Mas China é, de longe, mais aberta ao investimento estrangeiro, conjuntamente com maiores vantagens em termos de custos e com um ensino superior mais rigoroso.

Ninguém diria que a China dominaria a indústria transformadora, já. Mas, em Abril de 2002, o General Accounting Office 51, uma agência do Congresso, criticou as administrações de Clinton e de Bush por terem falhado na análise da sofisticação crescente da China na tecnologia dos semicondutores. Na edição de Junho de 2002 do Harper, o jornalista de investigação Barry Lynn sublinhava a vulnerabilidade da economia dos Estados Unidos quanto às linhas de abastecimento globais da China e da Formosa e que estão projectadas para a entrega just-in-time às nossas indústrias mais importantes. Michael Marks, presidente de Flextronics, diz-nos: “eu preocupo-me pelo facto que os directores reajam tão fortemente aos custos de curto prazo. Demasiada concentração na China pode conduzir a rupturas sérias nos nossos fornecimentos. Seria melhor se as nossas instalações fabris estivessem geograficamente mais dispersas.”

Infelizmente, não existe uma só maneira de analisar os riscos agregados. Os directores e principais presidentes executivos estão a procurar ter lucros de forma legítima num mundo hiper competitivo e a China está a abrir admiravelmente a sua economia ao investimento estrangeiro. A comunidade, em termos de segurança nacional, está centrada compreensivelmente no terrorismo e nas armas da destruição maciça. As ameaças às fontes globais altamente complexas dos nossos abastecimentos parecem não ser tema de qualquer grupo nacional ou internacional.

Não há uma resposta fácil para cada problema, naturalmente. Mas, não será demasiado pedir que a administração Bush venha a criar uma Task Force, com o governo e as empresas, com a tarefa de se examinar as questões chaves. É aproximadamente 90% de todo o investimento estrangeiro que está a ficar situado geograficamente nas províncias litorais de China e não será isto uma concentração perigosa? Não seria então desejável que Washington assumisse um outro ponto de vista sobre incentivos em termos

51 Actualmente Government Accountability Office.

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de taxas e de tarifas para tornar toda a bacia das Caraíbas – México, América Central, e assim como as ilhas – mais atractiva para os fabricantes estrangeiros? Não seria então desejável que as empresas multinacionais fossem incentivadas a garantir, perto dos Estados Unidos, mais produções? Será que a China deva reforçar a sua segurança à volta dos seus vastos parques industriais?

Durante um quarto de um século, Washington e Wall Street quiseram que a China se tornasse uma parte integral da economia mundial. O seu desejo foi satisfeito, e chegou agora a hora de se assumir e de se tirar todas as suas consequências.

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CApíTUlO iii.mAQUILADORA E NAFTA DOzE ANOS DEpOIS

Excertos de Regina M.A.A. Galhardi, 1997,“Maquiladoras prospects of regional integration and globalization”,

Employment and Training Papers nº12, International Labour Organization, disponível em

http://www.ilo.org/public/english/employment/strat/publ/etp12.htm.

iii.1. A mAQUILA COmO mODELO DE DESENVOLVImENTO

iii.1.1. INTRODUçãO

Começado em 1965, como uma medida de emergência para combater o desemprego regional, o programa Maquiladora no México teve um crescimento explosivo. Com uma taxa de crescimento anual de emprego de 10%, contra a média nacional de 2%, durante os últimos 25 anos, o sector maquiladora tornou-se o processo industrial mais dinâmico, quando comparado com todas as economias regionais de fronteira ou com a economia do México como um todo.

O número dos maquiladoras no México passou de 50 estabelecimentos pequenos em 1965 para quase 800 em 1985 e em 1990 já havia aproximadamente 1900 empresas que empregavam aproximadamente 460.000 pessoas. A maioria delas está situada nas regiões fronteiriças do México e dos EUA.

Em 1995, as maquiladoras tinham mais de 2.000 estabelecimentos com um emprego médio de 300 pessoas por estabelecimento. A parte do emprego do sector maquiladora relativamente ao emprego total da indústria transformadora era de 4.9% em 1980 e de 16.8% em 1993, com o maior impacto (26%) nos estados fronteiriços.

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O mercado cambial espelha clara e brilhantemente esta situação, com as exportações do sector maquiladora a gerarem mais divisas que qualquer outro sector da economia mexicana, com excepção do petróleo. As exportações totais deste sector aumentaram de 2.5 biliões de dólares em 1980 para 10.1 biliões em 1988. As importações em inputs eram em 1988 de 7.8 biliões, de que resultou um valor acrescentado líquido, para o México, de 2.3 biliões de dólares e que corresponde quase que totalmente aos custos laborais mexicanos. Este valor representa aproximadamente um terço do valor acrescentado de toda a indústria transformadora no México. Simultaneamente, o comércio e os serviços expandiram nas cidades que se concentraram no modelo maquila.

Apesar dos empregos criados e das divisas geradas, argumenta-se que o modelo maquiladora permanece nas franjas da economia mexicana e que não contribui ou contribui mesmo pouco para um processo de industrialização avançando, para o crescimento tecnológico e para a melhoria da competitividade internacional.

A falta de articulação com fornecedores e com instituições locais de I&D é um factor limitativo da sua integração e da evolução tecnológica. Sabe-se que a maquiladora não se abastece localmente em mais de 2% de matérias-primas, de peças ou de componentes. Por que é que ficaram tão isolados do resto da economia mexicana? Porque é que são utilizados somente 1 a 2% de todos os componentes produzidos no México? Para responder a estas perguntas, nós temos que compreender primeiramente o contexto económico e político que esteve na origem do programa maquiladora e como este mudou ao longo do tempo, sendo igualmente necessário estudar a evolução das maquilas dentro desta situação económica em mudança. Considerando que a maior mudança neste programa ocorreu em 1994 com a criação do Acordo de Comércio Livre da América do Norte, é também importante analisar a evolução das maquiladoras no contexto económico pós NAFTA. As mudanças qualitativas significativas no processo de produção da maquilas ocorreram a partir dos anos 80 e reflectem mudanças na economia global. As maquilas cresceram em situação de produtividade baixa, em actividades de montagem intensivas em trabalho. A produtividade do trabalhado aumentou, em conjunto com o aumento da utilização de trabalhadores especializados e da dimensão média das unidades industriais, o processo de produção tornou-se significativamente mais capital intensivo e muitas maquilas começaram a manufacturar em regime de cadeias de montagem. Será que esta nova onda de maquilas vai conduzir a um mais elevado nível de desenvolvimento económico no México? Será que irão contribuir para um desenvolvimento industrial do México e para impulsionar a sua competitividade internacional?

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iii.1.2. O QUE SãO mAQUILADORAS: ALGUNS ESCLARECImENTOS

As maquiladoras são unidades fabris de propriedade de estrangeiros, ou por eles controladas ou subcontratadas que transformam ou montam componentes estrangeiras temporariamente importadas, mas livre de impostos e destinadas ao consumo externo e que têm um regime especial de tarifas e de isenções fiscais. O conjunto de unidades fabris a que se dá o nome Maquiladora não é uma indústria, mas sim um conjunto de unidades fabris de múltiplos ramos industriais. Embora no seu começo tenham sido concebidas como processos de montagem, alguns são agora unidades de produção fortemente intensivas em capital no ramo da electrónica e na produção de peças para automóveis. Constituem pois conjuntos diversos e heterogéneos de operações fabris, segmentados tecnologicamente dentro de cada sector industrial como um todo. Estas unidades fabris são também conhecidas como maquilas, de que deriva o nome maquiladoras.

O termo maquila vem do tempo do México colonial e significa o pagamento ao moleiro, em natura, pela moagem dos cereais, o que fica para este como resultado do processo de transformação do grão em farinha. É então o que resta do processo de transformação, o que fica, como receita do processo de transformação. Hoje, maquilas ou maquiladoras, como termo equivalente, são unidades de produção, transformação ou montagem de uma miríade de produtos de consumo ou destinados à indústria e que vão desde a produção de material electrónico ao equipamento médico. A sua produção é, na sua maior parte, exportada para os Estados Unidos.

O processo de industrialização pelo sistema maquiladora foi iniciado em 1965, mais precisamente a 1 de Setembro de 1965 quando o Presidente do México Diaz Ordaz iniciou o Border Industrialization Frontier que tinha sido desenvolvido por Arthur D. Little Co. Este programa tinha sido estruturado a partir do modelo de produção partilhada (production sharing) utilizado então em Portugal, pelo capital estrangeiro. O seu conceito é muito simples: cada fábrica pode ser considerada como uma zona individual estrangeira de transformação de matérias primas ou de montagem de componentes. Este programa foi também conhecido por ”twin plant production”, “production sharing” ou “ in bond”. Os termos “fábricas gémeas” ou “produção partilhada” provém da ideia que se tinha de que se poderia colocar uma fábrica dum lado da fronteira e uma outra do outro lado, com funções de produção complementares. Os processos trabalho-intensivo ocorreriam no México enquanto que os

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de alto valor acrescentado ocorreriam nos USA. Mas as expectativas quanto às “twin” não se realizaram e, por exemplo, em 1991 apenas 10% das maquilas tinham as suas irmãs do outro lado da fronteira. A expressão “in bom” resulta do acto de que cada importação tinha um contrato de garantia que o produto acabado seria exportado. O sistema de maquiladora era, na altura, um processo “atípico” no contexto mexicano do desenvolvimento industrial, primeiramente, por causa da sua cobertura geográfica. A expansão industrial do México iniciou-se nos anos 30 e ocorreu principalmente nas áreas metropolitanas de Guadalajara, de Monterrey e de Cidade do México. Em segundo lugar, a industrialização começou num período em que a política industrial mexicana estava firmemente a ser estabelecida dentro do modelo de industrialização por substituição de importações, com uma estrutura proteccionista e com uma forte orientação para o mercado interno 52.

Durante o período 1950 a 1970, as indústrias transformadoras eram a fonte principal do crescimento do volume de emprego, principalmente nas áreas metropolitanas, acima mencionadas Ao mesmo tempo, a região fronteiriça expandiu-se e foram criados empregos principalmente através do crescimento do sector de serviços.

Devido à expansão do comércio entre os dois países e ao fluxo de imigrantes provenientes do sul, as regiões fronteiriças tiveram um crescimento demográfico superior ao da sua capacidade em criar postos de trabalho. Entre 1940 e 1970 a população expandiu-se dez vezes, e consequentemente, criou sérios problemas de desemprego, de habitação e de infraestruturas urbanas nas cidades fronteiriças. Adicionalmente, o cancelamento do Programa Bracero 53 – na base do qual 500.000 trabalhadores mexicanos tinham vistos de entrada sazonais, por curtos períodos, a trabalharem principalmente na agricultura – pelo governo dos EUA em 1964, impôs o repatriamento maciço destes trabalhadores, muitos dos quais se decidiram estabelecer nas regiões da fronteira com os Estados Unidos. Com o fim do Programa Bracero, foi negociado com os EUA um conjunto de regras a partir das quais se criaram as maquiladoras junto da fronteira com o país vizinho. Esperou-se que as maquilas, ou maquiladoras, pudessem inicialmente servir-se das fortes reservas de trabalho

52 Veja-se o texto nº 1, A globalização como processo histórico na América latina: uma síntese.53 Programa instituído a 4 de Agosto de 1942, pelos governos de Franklin Roosevelt, dos Estados Unidos e por Manuel Avila Camacho, do México. Na base deste programa, de 1942 a 1964, quase 5 milhões de mexicanos entraram nos Estados Unidos para trabalhar na apanha do algodão.

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não especializado disponíveis, deslocadas com o fim do Programa Bracero. As empresas americanas fortes em capital poderiam estabelecer-se com cadeias de montagem, em zonas perto da fronteira utilizando assim as fortes reservas de trabalho mexicanas. Este sistema baixaria então os custos de produção para as empresas americanas e empregaria assim os trabalhadores mexicanos na zona de fronteira com uma forte taxa de desemprego. Assim, nesta forma ainda incipiente, as maquiladoras serviriam como uma nova forma de divisão internacional de trabalho: o trabalho não especializado para os trabalhadores indiferenciados, de baixos salários. Esta ideia agradou aos empregadores e aos trabalhadores de ambos os lados da fronteira, havendo autores que afirmam ainda que o estabelecimento das maquilas se deve, para além dos muito baixos salários, ao facto de serem também fracas as exigências ambientais e de não existirem mecanismos de controle.

É neste contexto que o programa maquiladora foi estabelecido no México em 1965, não obstante o forte enviesamento contra o investimento estrangeiro que havia ao nível dos círculos do poder. A sua finalidade inicial era fazer face uma emergência regional, criada pelo fim do Programa Bracero, que recrie uma base de excepção para alargar as exportações para outros países, confinada a um tempo e a um espaço bem delimitado. Relativamente a esta temporalidade, a ideia era de que a médio termo este processo de industrialização criaria a matriz regional industrial para o seu próprio abastecimento e, por essa via, reintegraria a zona da maquila na economia nacional como um todo. Relativamente a esta territorialidade, a política da isenção foi restringida às regiões do norte da fronteira com os EUA.

O governo dos EUA suportou os encargos com a instalação das maquilas, das suas cadeias de montagem para exportação, através dos artigos 806.30 e 807.00 da pauta aduaneira dos Estados Unidos, em que se determina que os produtos importados pelos Estados Unidos são apenas tributáveis pelo montante do valor acrescentado no México constituído principalmente pelos custos em trabalho (barato) e pelos custos aéreos, quando as componentes da origem norte-americana são enviados para o estrangeiro e importados então para os Estados Unidos, depois de montadas. O governo mexicano cooperou também permitindo a entrada livre de impostos de todo o equipamento, maquinaria assim como de todas as matérias primas ou componentes que são usadas nas maquiladoras e permitindo igualmente que as empresas maquiladoras fossem integralmente de propriedade estrangeira, se a integralidade da sua produção fosse exportada, o que corresponde ao que os dois países pretendiam.

46

Em menos de três décadas, um programa industrial que foi concebido como um medida de emergência transformou-se ele próprio num núcleo dinâmico da economia regional fronteiriça e no mais bem sucedido programa industrial do país. Quer em termos do volume de empregos quer de valor acrescentado, os sectores mais importantes são o das componentes electrónicas, do equipamento de transporte e das máquinas eléctricas. Em 1989, as maquiladoras de componentes electrónicos empregavam 105.000 pessoas; o de equipamento de transportes, 94.000; e o de maquinaria eléctrica, 67.000. A seguir estava o do vestuário e têxteis, com 42.000 pessoas.

Antes do início dos anos 90, o comércio tinha-se tornado muito mais multilateral com o crescimento e a presença japonesa, europeia, e asiática no mercado norte-americano. Muitas grandes empresas americanas e estrangeiras tais como General Motors, General Electric, Hewlett-Packard, Ford, Chrysler, Samsung, Sony, Thompson e Toshiba, têm actualmente operações significativas de maquila. Consequentemente, muitos das regras iniciais das maquilas foram gradualmente relaxadas. Talvez o mais importante acontecimento que tenha sido decisivo nesta evolução foi a negociação do Acordo de Comércio Livre da América do Norte, em 1994. A NAFTA estende privilégios como os das maquila a todos os produtores, e ao mesmo nível, independentemente da origem nacional, da posição dentro de México e da orientação da exportação.

O contexto económico das maquiladoras mudou pois, gradualmente, desde que foram criadas em 1965, tendo havido um número significativo de modificações ao decreto-lei que criou a maquila. Em 1972, foram adicionadas áreas do interior do país às áreas de fronteira já anteriormente designadas, com a exclusão de concentrações industriais em torno das grandes cidades tais como Cidade do México. Em 1989, relaxaram ainda mais a exigência da exportação de 80% para 50% e a maior mudança ocorreu em 1994 em que o NAFTA colocou toda a economia mexicana sob a bandeira do programa da liberalização. Sujeito a um calendário e a exclusões bem específicas, as condições do NAFTA substituíram as do programa que criou o sistema maquiladora.

Também a existência de outras mudanças significativas na economia global modificaram o contexto das maquiladoras. Nestes últimos anos o México também assinou acordos de comércio livre com alguns de seus vizinhos da América Central e do Sul. Em Maio de 1994, México, Venezuela e Colômbia assinaram um acordo de comércio livre.

47

Estes desenvolvimentos deslocam potencialmente o México de fornecedor dos Estados Unidos para se transformar num centro de indústria transformadora e fornecedor de mercados desde o do Canadá ao do Chile. A questão estratégica que se levanta a estes desenvolvimento é saber se o México pode fazer esta transição ou continuar a ser unicamente um operador de maquila assente em baixos salários e a tornar-se apenas num centro de manufacturas para o hemisfério ocidental.

iii.1.3. DE pORTUGAL pARA O méxICO: A CÓpIA DO mODELO DAS mAQUILADORAS, ISTO é, DO ExpLORAçãO INTENSIVA DO TRABALhO E DO mEIO AmBIENTE

Este ponto foi construído a partir de excertos de Eduardo Ferro Rodrigues, José Félix Ribeiro e Lino Gomes Fernandes,

O Sector Exportador Português – e a internacionalização da produção,Lisboa, GEBEI, 1977.

iii.1.1.3. TERCEIRO pERíODO: A INTERNACIONALIzAçãO DA pRODUçãO: SEGUNDO mOVImENTO – A DESLOCALIzAçãO INDUSTRIAL

A partir de meados da década de 60, simultaneamente ao início do período de crise orgânica capitalista (enquanto crise do modo de acumulação que se estruturou no período do pós-guerra, e não apenas como crise de regulação cíclica) e à agudização da concorrência internacional entre os EUA, o Japão e a RFA (esta no quadro da CEE que a acompanhou), assiste-se a um novo movimento – no quadro geral da internacionalização da produção – iniciado pelas firmas americanas.

Consiste tal movimento em deslocalizar, em direcção a países da periferia, sob controlo das multinacionais, certas fases de fabrico, certas secções do ciclo produtivo global, particularmente intensas em mão-de-obra não qualificada. E criam-se assim nesses países, empresas especializadas na exportação dos produtos característicos dessas fases ou secções, para utilização e incorporação em empresas situadas noutros países, importando uma parte substancial dos componentes c das matérias-primas industriais de outras empresas associadas.

48

Tal deslocalização destina-se a aproveitar a enorme diferença potencial de salários existentes entre países do centro e da periferia, para níveis de produtividade semelhantes aos de países do centro, nessas operações, fazendo assim baixar o preço de produção das mercadorias.

Tornou-se assim possível, por exemplo, ao capital americano, sem necessitar de novos investimentos na automatização, resistir à penetração no seu mercado e em mercados tradicionalmente dominados, de mercadorias produzidas por concorrentes que, com a mesma tecnologia, dispunham no seu país de origem de salários inferiores aos dos EUA (por exemplo: Japão). Tal concorrência é particularmente forte nos sectores que constituíram um eixo do desenvolvimento capitalista no pós-guerra – bens de consumo de massa e bens intermédios para a produção de bens de consumo.

A deslocalização de certas fases de fabrico foi inicialmente condicionada por três factores:

a) Os diferenciais de salários e encargos sociais em termos horários para níveis idênticos ou aproximados de produtividade.

b) Os custos de transporte – só produtos com elevado valor relativamente ao peso e/ou em que os custos de transporte representassem uma pequena proporção no seu valor total eram susceptíveis de ver a sua produção deslocalizada para muito longe do seu mercado final (o que origina a formação de várias periferias privilegiadas, relativamente aos vários produtos e aos vários países do centro).

c) Os regimes tarifários – que facilitam a entrada das matérias-primas e dos componentes e a exportação subsequente, isentas de direitos. O desenvolvimento em vários países periféricos de zonas francas para indústrias de exportação traduz a consagração institucional deste condicionamento.

Para dar uma ideia do significado global das firmas multinacionais nas exportações dos PVD, e em particular a importância do CIF nessas exportações incluímos o Quadro 1A.

49

Quadro 1AExportação dos Países em Vias de Desenvolvimento (PVD)e participação das filiais das multinacionais.

Biliões de dólares

1966 1970

Montante % Montante %

Exportação dos PVD 37,3 100 52,3 100

Exportação das firmas multinacionais dos PVD 13,5 36 22,5 43

Exportação em C.I.F. (comércio internacional fechado) 10 27 16 31

Fonte: GRESI «La division international du travail!», (Vol. I). Edição – La documentation française – 1976.

iii.1.1.3.1. O CASO DOS EUA

Para caracterizar melhor este movimento de deslocalização industrial para a periferia vamos reunir alguns dados sobre o seu impacto e direcção no caso dos EUA, cujas firmas estiveram na base da sua generalização.

Os dados mais completos que conseguimos dispor para um período próximo do nosso estudo, encontram-se no relatório do Senado Americano sobre o uso dos itens 806.30 e 807.00 da pauta aduaneira americana 54, nos quais os bens importados são taxados apenas pelo valor acrescentado fora dos E.U.A. Tal estudo é limitado no seu alcance sobre este movimento, dado que apenas o permite encarar sob a óptica das exportações directamente destinadas aos E.U.A. que sendo de longe dominantes não são as únicas, não permitindo por exemplo averiguar da importância de fluxos que partindo da periferia se destinem a filiais de empresas americanas situadas na Europa, fluxos que como veremos adiante têm importância no caso português.

54 O item 806.30 aplica-se a artigos de metais não preciosos que recebem processamentos posteriores fora dos EUA, antes de regressarem para outras operações de fabrico nos EUA. Este item diz sobretudo respeito às relações EUA-Canadá.O item 807.00 aplica-se a artigos montados no estrangeiro com componentes fabricados nos EUA e não exige que haja processamento posterior nos EUA, embora coloque algumas limitações à natureza das operações que se realizam com esses componentes.

50

Convém referir que as importações ao abrigo dos itens 806.30 e 807.00 representavam ainda em 1970 uma parte menor nas importações americanas de produtos manufacturados oriundos dos PVD, o que em parte traduz o grande peso das exportações realizadas por alguns dos países que vamos encontrar muito envolvidos nestes itens, mas de produtos que não são fabricados a partir de componentes ou materiais importados dos EUA (basta recordar, por exemplo, as exportações de têxteis e de bens de consumo banalizados, por parte de Hong-Kong, Coreia do Sul, Formosa, etc.). No entanto o peso relativo deste tipo de exportações de países periféricos tem vindo a crescer a ritmo sustentado.

De qualquer modo vamos utilizar esse relatório chamando a atenção para três aspectos:

iii.1.1.3.1.1. O pESO E O SIGNIFICADO DE CERTAS ImpORTAçõES ORIUNDAS DOS pVD (ITEm 807.00)

Resumimos os principais elementos no Quadro 1B:

a) As importações feitas ao abrigo do item 807.00 são de longe mais significativas representando 8 % vezes mais importações do que o item 806.30 e 23 vezes se apenas considerarmos as importações provenientes de PVD, o que revela o carácter privilegiado que na deslocalização industrial para os países da periferia têm as operações de montagem, quer de componentes quer de produtos finais.

Quadro 1BImportações americanas ao abrigo do Item 807.00

Importações americanas ao abrigo do item 807.00 1966 1970

1. Importações totais 807.00 (milhões de dólares) 890 2007

2. Importações 807.00 oriundas dos países subdesenvolvidos (milhões de dólares) 60,5 500

% das importações de 807.00 oriundas dos países subdesenvolvidos 6,8 24,9

3. Valor acrescentado em países subdesenvolvidos, incorporado nas importações 807.00 (milhões de dólares) 31 223

% no valor importado 52,2 45,1

% no valor acrescentado do conjunto dos bens dos ao abrigo do 807.00 3,9 14,3

Fonte: G. K. Helleiner – «Manufactured Exports from Less Developed Countries and Mu1tinational Firms». – «Economic Journal» – Março 1973.

51

b) Uma parte substancial das importações totais feitas ao abrigo do item 807.00 era originária dos países desenvolvidos, traduzindo a circulação de produtos entre as filiais americanas e as empresas-mãe nos E.U.A. Mas o peso dos países periféricos tem vindo a crescer, passando de 61 milhões de dólares em 1966 para cerca de 500 milhões em 1970 e de 6,8 % para 25 % do total do item 807.00.

c) O valor acrescentado no estrangeiro representa uma parte mais importante nas importações feitas ao abrigo do item 807.00 e originárias dos países desenvolvidos do que nas provenientes dos PVD, traduzindo a natureza da maior parte das operações transferi das para a periferia – operações parcelares, respeitantes a um segmento limitado da fabricação 55.

iii.1.1.3.1.2. pRINCIpAIS pRODUTOS TRANSACCIONADOS AO ABRIGO DESTE REGImE

Considerando as importações de produtos manufacturados ao abrigo do item 807.00 em 1969, podemos apresentar o Quadro 1C, que dá uma indicação dos principais produtos objectos deste tipo de comércio. Da sua leitura podemos concluir:

a) Os produtos mais significativos das importações oriundas dos PVD e controladas pelas multinacionais americanas no quadro duma divisão de trabalho entre filiais e casa-mãe, são o material electrónico – quer componentes (semicondutores, memórias e componentes para televisores e rádios), quer produtos finais de montagem – (receptores de rádio e televisão, calculadores e outro equipamento de escritório). Imediatamente a seguir vêm os artigos têxteis e os outros bens de consumo fabricados na periferia com incorporação de produtos fornecidos pelos EUA. Volta-se a referir que uma parte das exportações de produtos manufacturados oriundos dos PVD não é abrangida por este caso, pois diz respeito à exportação de filiais de empresas americanas ou doutros países com base em matérias locais ou fornecidas por outros países que não os EUA, ou a exportações provocadas por formas de subcontratação internacional industrial ou comercial.

55 Como resulta da comparação da % das importações dos 807.00 oriundas das PVD com a % do valor acrescentado nos PVD relativamente ao total do valor acrescentado no estrangeiro para os produtos de 807.00.

52

Quadro 1CPrincipais produtos importados pelos EUA de PVD ao abrigo do item 807.00

Grupos de produtos

Importações ao abrigo de 807.00de países subdesenvolvidos

Valor total Valor

Acrescentadono estrangeiro

Parte do valoracrescentado no

estrangeiro no valor total importado

Milhões de dólares

Milhõesde dólares

%

1. Produtos Metálicos

Equipamento de escritório 30,3 6,6 21,8

Receptores de TV e suas partes 69,9 37,1 54,5

Receptores de Rádio e suas partes 16,6 13,4 80,5

Semicondutores e suas partes 86,6 31,0 35,8

Memórias electrónicas 37,4 11,1 29,8

Outros 44,5 26,3 59,2

TOTAL 285,3 125,5 44

2. Produtos Diversos

Luvas 5,8 1,8 30,8

Instrumentos científicos 5,9 4,6 77,6

Brinquedos, etc. 21,6 12,0 55,6

Outros 14,9 4,5 30,2

TOTAL 48,2 22,9 47,5

3. Produtos Têxteis

TOTAL 31,5 9,6 30,5

4. Outros (a) 1,5 0,6 37,9

5. TOTAL 366,5 158,6 43,3

(a) Outros inclui: produtos agrícolas, madeira e produtos de papel, produtos de cerâmica e produtos químicos.Fonte: G. K. Helleiner – Op. cit.

53

b) O valor acrescentado nos PVD, relativamente ao valor total é particularmente baixo no fabrico de componentes electrónicos e mais elevado por exemplo no da montagem de bens de consumo de massa (rádios e televisões) provavelmente traduzindo a incorporação nestes últimos de componentes fabricados na própria periferia destinados em primeiro lugar à exportação.

c) A comparação da intensidade de trabalho nas indústrias equivalentes nos EUA, medida quer em termos da parte dos salários no valor acrescentado quer no valor acrescentado por trabalhador, faz aparecer situações muito diferentes para os diversos tipos de bens aqui referidos, apontando para o facto de que o que determina a deslocalização duma determinada secção de fabrico ou da produção dum certo produto não será o nível absoluto da intensidade de trabalho mas o nível comparado com as outras fases de fabrico ou com os outros produtos do mesmo sector industrial.

iii.1.1.3.1.3. pRINCIpAIS pAíSES DA pERIFERIA ABRANGIDOS

Resumindo os valores do item 807.00 para 1966 e 1970 por países de origem como se procede no Quadro 1D, chegamos a algumas indicações úteis.

Cinco países (México, Hong-Kong, Formosa, República da Coreia e Singapura) são responsáveis por 92 % das importações dos EUA de produtos manufacturados oriundos de PVD e fabricados a partir de componentes exportados por firmas baseadas nos EUA. O crescimento espectacular do México traduz a instalação na fronteira com os EUA de dezenas de filiais de firmas americanas, particularmente na produção de bens de consumo duradouro. Os baixos custos de transporte compensavam os maiores salários que em média o México apresenta relativamente aos países do Sueste Asiático. Na Formosa, Coreia do Sul e Singapura o crescimento é também muito rápido. Hong-Kong cresceu a um ritmo inferior traduzindo talvez uma certa saturação, já que foi o primeiro país da periferia a desenvolver as «Runway Industries».

Haveria que acrescentar a estes países o território de Porto Rico também muito procurado pelas filiais americanas, mas incluído para efeitos estatísticos nos EUA.

54

Na Europa – Portugal, a República da Irlanda e em menor escala a Grécia e a Espanha, desempenhavam papel semelhante embora não possamos dispor de dados deste tipo.

No entanto a comparação das exportações de material eléctrico e electrónico por países do Sul da Europa para os diversos destinos (e não apenas para os EUA) permite destacar o papel que Portugal teve na periferia da Europa.

Quadro 1DImportações americanas através do item 807.00 de PVD (1966-1970)

1966 1970

Valor total (Milhões

de dólares)

% valor acrescentado no país

no total de valor

Valor total (Milhões

de dólares)

% valor acrescentado no país

no total de valor

México 7 48,6 211,4 36,8

Hong-Kong 41,4 53,9 120,5 46,7

Taiwan. 6,6 50 85,9 69

República da Coreia - - 20,8 28,9

Singapura - - 20,1 44,3

Jamaica 2,9 41,4 9,1 48,4

Haiti 0,8 37,5 6,1 34,4

Filipinas 0,2 50 6,1 36,1

Trinidad - - 4,2 26,2

Barbados - - 3,3 33,3

Israel - - 3 73,7

Brasil - - 2,9 44,8

Costa Rica - - 2,1 33,3

Outros (a) 1,5 46,7 4,5 40

TOTAL 60,5 31,7 500 45

(a) Outros inclui: Ilhas Leeward e Windward, Honduras, Honduras Inglesas, Malásia, Salvador, Antilhas Holandesas.

Fonte: G. K. Helleiner – Op. cit.

55

iii.1.1.3.2. ASpECTOS GLOBAIS DO mOVImENTO DE DESLOCALIzAçãO

O movimento de deslocalização de secções ou fases de fabrico para países da periferia sob o controlo das multinacionais, não se resume às referências feitas aqui às empresas americanas relativas ao período 66-70, mesmo tendo em conta as limitações referidas atrás.

A sua compreensão mais global exige que se amplie o quadro aqui descrito em três direcções:

a) O movimento tendo sido iniciado pelas firmas americanas foi continuado a algum tempo de distância, quer pelas firmas europeias, particularmente para países do Sul da Europa, do Norte de África e também nalguns casos para o Sueste Asiático (e sob formas particulares para os países do Leste da Europa), quer pelas firmas japonesas, envolvidas sobretudo a partir de 1971 num intenso movimento de internacionalização da produção que sob a direcção das grandes «tradings» envolveu largo estrato de médias empresas japonesas (principalmente para os países do Sueste Asiático). Portugal como veremos é um exemplo característico de como lado a lado, empresas americanas, suecas, holandesas e alemãs se lançam nessa deslocalização.

b) Tal movimento, tendo sido inicialmente dominado pela deslocalização das indústrias têxteis, vestuário, material eléctrico e electrónico, transformadoras diversas 56, tem vindo a alargar-se a outros ramos industriais (produtos metálicos, certas máquinas não eléctricas, material de transporte), além de ter atingido certas fases de ramos produtores de bens intermédios (siderurgia e petroquímica, por exemplo) o que é bem visível na Zona Mediterrânica. Traduz este último movimento por parte do grande capital dos países periféricos associado às multinacionais, uma tentativa de ganhar coesões parcelares no quadro da desarticulação global em termos de secções produtivas e da fragmentação em termos de ramos, (necessariamente arrastada por um desenvolvimento marcado pela especialização na exportação). Exemplo desta tentativa é a ligação das siderurgias especializadas na produção de produtos planos com a construção naval, a produção automóvel e a produção de electrodomésticos e a ligação da petroquímica com as fibras sintéticas, os têxteis, a borracha sintética, os pneus, as resinas e os plásticos.

56 Usando a designação dos ramos da MRI – Matriz das relações interindustriais-Portuguesa.

56

Trata-se pois de criar sectores de bens intermédios parcialmente virados para a exportação directa e parcialmente para o abastecimento de sectores exportadores deslocalizados, muito frequentemente sob controlo das multinacionais.

c) Para além dos condicionamentos tradicionais da deslocalização, já atrás referidos – diferencial no custo horário da mão-de-obra, custo de transporte e regime tarifário – há que acrescentar mais dois, particularmente significativos, quando a deslocalização começa a envolver investimentos pesados em capital fixo:

c.1) Abundância de capitais susceptíveis de reciclagem – o que no caso dos países mediterrânicos se refere, por um lado aos «petrodólares» e por outro, com as devidas diferenças, às remessas de emigrantes recebidas pelos países do Sul da Europa e do Maghreb 57.

c.2) Baixo custo da energia e ausência de controlo de poluição.

No centro do actual debate em curso nos países europeus sobre o «redéploiment» industrial, intrinsecamente ligado à problemática do alargamento da CEE, encontra-se este segundo movimento da internacionalização da produção e as contradições que agudiza nos países do centro, particularmente em período de crise.

iii.1.2. pORTUGAL NOS DOIS mOmENTOS DA INTERNACIONALIzAçãO DA pRODUçãO

Se observarmos a orientação do investimento internacional em Portugal, de acordo com esta diferenciação de períodos e movimentos, ressaltam os seguintes aspectos, que constituem como que o pano de fundo descritivo em que se vai inserir o estudo da presença de capitais estrangeiros no sector exportador.

57 Tal abundância de capitais estimula o grande capital local a instalar vários sectores pesados de bens intermediários e ao mesmo tempo atrai empresas multinacionais a associarem-se a tais projectos.

57

iii.1.2.1. INVESTImENTOS CORRESpONDENTES AO pRImEIRO pERíODO DE ExpORTAçãO DE CApITAIS

Os investimentos correspondentes ao primeiro período de exportação de capitais a que nos referimos atrás, para além de se dirigirem ao financiamento da dívida pública externa, no quadro das crónicas dificuldades de pagamentos externos do final do século XIX e do primeiro quartel do século XX, dirigiram-se para os seguintes sectores: extracção mineira e riquezas agrícolas, orientadas para a exportação (de que os exemplos ainda actuais são o vinho do Porto, as cortiças e as resinas); os serviços públicos e monopólios do Estado (telefones, transportes públicos urbanos, distribuição de gás e electricidade, monopólio dos tabacos); a banca e companhias de seguros.

Os capitais estrangeiros são neste período principalmente oriundos de dois países com relações particularmente estreitas com as ex-colónias portuguesas – o Reino Unido e a Bélgica, sendo no entanto o primeiro largamente destacado. A França tem também algum significado.

Mais tarde e por razões acidentais, os capitais espanhóis virão a penetrar em dois sectores exportadores portugueses ligados estreitamente aos recursos naturais: as conservas de peixe e as cortiças.

iii.4.2.1.1. A ORIENTAçãO SECTORIAL DAS ECCE AmERICANAS

Das cinco origens do capital estudadas, as empresas americanas são das que estão presentes num número maior de ramos – 13 – dos quais cinco (máquinas e material eléctrico, transformadoras diversas, agricultura, conservas de frutos e vestuário), representam 80,2 % do total por elas exportado em 1973 58.

A) Máquinas e material eléctrico

É o ramo exportador com maior peso das empresas com capitais americanos.

58 Como nas outras secções do texto, o conjunto de informações aqui referidas dizem respeito ao ano de 1973.

58

Neste ramo exportador, totalmente dominado por empresas estrangeiras, os capitais americanos representavam, em 1973, 48,4 % do total exportado por ECCE, (empresas com capital estrangeiro) seguidos à distância pelos capitais alemães, holandeses e, em menor escala, ingleses.

Nele estão presentes nove filiais de grande dimensão, exportando semicondutores e circuitos integrados, peças para televisores, peças para material informático e peças para motores eléctricos (bem como pequenos motores para incorporação noutras máquinas). Ou seja, as exportações são exclusivamente de componentes, destinados na sua maioria a incorporação noutras filiais das empresas-mãe e fabricados a partir de elementos vindos doutras unidades dos grupos.

Incluem-se entre as empresas-mãe:

• Uma grande empresa multinacional de natureza conglomeral, com eixo naprodução de material electrónico para telecomunicações e para artigos de grande consumo; instalou-se em Portugal na primeira fase da internacionalização para abastecer o mercado interno e o mercado colonial, particularmente no campo das telecomunicações; em meados dos anos 60 instalou vários estabelecimentos industriais para exportação e, após aquisição, reorientou nessa direcção a actividade produtiva doutras unidades industriais. (Nota dos organizadores: Tendo em conta as notícas dos órgãos de comunicação social da época, julgamos que os autores se estejam a referir à ITT.)

• Umadasmaioresprodutorasmundiaisdesemicondutoresepromotoradasuautilização em fins militares e civis. Instalou-se no segundo momento da internacionalização da produção, estando exclusivamente virada para a exportação. (Nota dos organizadores: Tendo em conta as notícas dos órgãos de comunicação social da época, julgamos que os autores se estejam a referir à Texas Instruments.)

• Duasgrandesempresasamericanasespecializadasnaproduçãodecomponenteselectrónicos exportando a totalidade da sua produção. (Nota dos organizadores: Tendo em conta as notícas dos órgãos de comunicação social da época, julgamos que os autores se estejam a referir à Applied Magnetics e à Control Data.)

59

• Por último e com uma natureza diferente encontra-se uma empresa deelectromecânica pesada instalada em Portugal ainda no tempo em que a casa-mãe era controlada por capitais belgas e com o objectivo de fornecer os mercados públicos de Portugal e das ex-colónias. Exporta minoritariamente e continua a orientar a sua produção essencialmente para o mercado interno.

As filiais em Portugal desempenhavam um papel importante no reforço das posições detidas pelo capital americano no mercado de produtos finais na Grã-Bretanha (e através desta na Commonwealth e noutros países da EFTA), ao abastecerem de componentes estandardizados a baixo custo as filiais inglesas; beneficiando além disso das vantagens de Portugal estar na mesma zona de comércio livre da Inglaterra.

O abastecimentos dos EUA em componentes a partir de Portugal desempenha um papel menor comparado com as periferias imediatas dos EUA – as «indústrias de fronteira» do México e as de Porto Rico ou com as de alguns países do Sueste Asiático onde as empresas americanas detêm extensa rede de filiais; era no entanto o principal país europeu de baixos salários a exportar material electrónico para os EUA.

B) Transformadoras diversas (45)

É o segundo mais importante ramo de exportação das empresas com capitais americanos. Neste ramo também dominado por empresas estrangeiras as empresas americanas representam 85,8 % do total exportado pela amostra e 90,7 % do total exportado por empresas estrangeiras. Neste ramo estão presentes três filiais de empresas americanas 59 de grande dimensão exportadoras de:

• RelógiosmontadosemPortugaledecomponentesfabricados.

• Cassetes completas montadas, com fabrico local de alguns elementos.

59 Actualmente são só duas, devido a fusão verificada em fins de 1973.

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Ou seja, em ambos os casos são também exportados produtos finais (bens de consumo duradouro) a partir de componentes importados.

Estamos perante empresas com escala de produção multinacional, com peso decisivo nas vendas europeias (e mundiais) do produto em que se especializaram – uma é a maior produtora mundial de relógios, a outra é a terceira maior produtora de cassetes no mercado europeu.

As exportações destas filiais americanas destinam-se à Suíça, a «outros países» e à França; para os EUA são insignificantes.

Ou seja, as filiais portuguesas destinam-se a utilizar um país de baixos salários para fortalecer a posição dos grupos no mercado europeu.

iii.1.4. EVOLUçãO DAS mAQUILADORAS: UmA TRANSIçãO INDUSTRIAL?

Desde 1982, foram observadas mudanças qualitativamente importantes no processo de produção das fábricas “maquiladoras”. Nalguns sectores, estas unidades industriais deixaram de ser caracterizadas pela baixa produtividade e por cadeias de montagens intensivas em trabalho não especializado. A produtividade do trabalho cresceu, em simultâneo com a maior utilização de trabalho qualificado e o aumento de dimensão das unidades fabris; o processo produtivo passou a ser mais capital intensivo; e muitas unidades “maquiladoras” passaram efectivamente a fabricar, paralelamente à actividade de simples montagem. Por outras palavras, a “nova” geração das maquiladoras passou a acrescentar valor ao produto, pela manufactura das suas componentes, em vez de somente as montar.

Estas mudanças parecem reflectir uma transição na estratégia global das grandes empresas, que deixam de procurar apenas minimizar os custos em trabalho na produção maciça de produtos estandardizados. As alterações da natureza da concorrência internacional baseada nos custos do trabalho não especializado e nos baixos salários, deram lugar a novas realidades dos mercados, exigindo maior diversidade de produtos, bom design, elevada qualidade e fiabilidade. Isto requer sistemas de produção flexíveis e, portanto, a adopção de maquinaria automatizada e programável, que permite que uma variedade de produtos seja produzida, sem

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necessidade de rectificações dispendiosas e tempos mortos onerosos. Tudo isto requer também mudanças na organização do trabalho e no relacionamento entre empresas. A organização flexível do trabalho envolve a rotação de cada trabalhador que assume uma variedade das tarefas, geralmente numa equipa ou secção de trabalho, em vez de trabalho individual numa cadeia de montagem. Envolve também o trabalho em círculos de qualidade em que se visa também o diagnóstico de problemas e a proposta de soluções. Finalmente, a produção flexível envolve um relacionamento próximo com fornecedores que, quando combinada com a monitorização em computador dos fluxos de materiais, permite reduzir stocks.

Estudos de campo realizados no México mostraram que aproximadamente 20% das maquiladoras adoptaram algumas características da produção flexível. Menos clara, contudo, é a prevalência destas práticas e a extensão de sua aplicação. No princípio dos anos 90 diversos estudos tentaram medir o processo de difusão de formas flexíveis de produção. Wilson (1992) assinalou que 18% das 71 unidades fabris estudadas em Tijuana, Juarez, Nuevo Laredo e Monterrey poderiam ser classificadas como “flexíveis”. Pelayo (1992), com base num inquérito a 18 fábricas de componentes automóveis em Juarez, assinalou que 38% daquelas fábricas utilizavam a técnica de just-in-time e 44% tinham círculos de qualidade. Contudo, Carrillo and Ramirez (1990), concluíram que apenas 18% das unidades fabris de Tijuana, Juarez e Nuevo Laredo poderiam ser classificadas como de alta tecnologia e “flexíveis”, em comparação com os 5% obtidos num inquérito a nível nacional divulgado por De la Garza (1992).

Alguns estudos examinaram as características organizacionais da produção nas fábricas maquiladoras e assinalaram a adopção de novas formas de organização do trabalho, como por exemplo o JIT (just-in-time), o TQC (controlo da qualidade total), trabalho em equipa, etc. Estas novas práticas estavam mais difundidas principalmente nas maquiladoras dos sectores da electrónica e do têxtil. Numa amostra das maquiladoras da electrónica, concluiu-se que 33% destas usam círculos de controlo de qualidade, 39% têm trabalhadores multi qualificados e 40% usam algumas formas de rotação de funções entre os trabalhadores das linhas de produção. No caso de maquiladoras no México pertencentes a empresas japonesas, analisou-se a transposição das práticas fundamentais do sistema de gestão japonês para a realidade mexicana e concluiu-se que “mesmo estando as fábricas dos fornecedores frequentemente a menos de dois quilómetros das unidades de montagem, não há em geral práticas instituídas de just-in-time.

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Porém, estes estudos não são conclusivos e os seus resultados não podem ser generalizados. São estudos parcelares por diferentes sectores, ramos de actividade, localizações e com diferentes abordagens metodológicas. Contudo, corroboram a existência de, pelo menos, dois tipos de maquiladoras: as que utilizam processos de produção baseados no trabalho intensivo não especializado e as maquiladoras com práticas de produção mais intensivas em capital e em trabalho especializado.

O Japão, com um investimento total de 1.50 biliões de dólares no final de 1989, tornou-se o terceiro maior investidor no México, a seguir aos Estados Unidos e à Alemanha. O crescimento do investimento japonês no México faz parte de “uma estratégia alargada de investimento crescente na América do Norte, em parte para colocar a produção mais perto do seu destino final e consequentemente para lhe conferir maior capacidade de resposta ao mercado dos EUA e, também, para diluir preventivamente eventuais sentimentos de proteccionismo”. As companhias japonesas começaram as suas actividades “maquiladoras” no México para complementar a produção das suas fábricas nos Estados Unidos. Em diversos casos, porém, as empresas japonesas cessaram a produção nos EUA e deslocalizaram as suas operações e toda a sua produção para o México.

O investimento coreano no México é bem menor e mais recente do que o do Japão. O Banco Nacional de Comercio Exterior registou 16 investimentos em 1993. Outros elencaram 25 investimentos, concentrados particularmente na electrónica e indústrias afins. A excepção importante é a fábrica da Hyundai em Tijuana, que é a maior maquiladora coreana, com, aproximadamente, 1.200 empregados.

Afigura-se que as maquiladoras asiáticas estão a dinamizar e a estimular o desenvolvimento local através das ligações com as empresas mexicanas, pelo menos nas regiões industrialmente mais maduras do país. No final de 1991, registavam-se 53 fábricas maquiladoras localizadas entre as cidades fronteiriças do norte, Tijuana e Mexicali, e destas, 40 eram japonesas, caracterizadas como sendo as maiores maquiladoras e com o número mais elevado de empregados. Nestas zonas centrais o potencial para se envolverem num processo dinâmico de subcontratação é também muito alto, pela experiência na produção de bens intermédios de qualidade internacional. Isto sugere que esta “nova” onda de maquiladoras possa ajudar a promover a integração com as empresas locais através da utilização de inputs produzidos localmente e da sub-contratação. Deve, porém, sublinhar-se que as maquiladoras asiáticas são apenas uma pequena parte do

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investimento global nas maquiladoras, o qual permanece fundamentalmente dominado pelas multinacionais americanas. Aliás, a vasta maioria das maquiladoras no México, cerca de 96%, pertencem e são geridas por empresas americanas.

iii.1.5. RELAçõES COm FORNECEDORES E COmpONENTE LOCAL DA pRODUçãO

No sector “maquiladora”, os fornecimentos mexicanos de materiais às maquiladoras nunca atingiu 2% do total de compras destas no período de 1980 a 91. As compras à produção nacional subiram para 2% em 1992, mas diminuíram para 1,7% no primeiro trimestre de 1993. Estes números, quando comparados com o nível dos inputs locais das indústrias mexicanas, levantam a questão da escassa participação da componente industrial local nos fornecimentos às fábricas de montagens na região fronteiriça do norte do México.

Somente cerca de 6% do valor acrescentado gerado na produção das maquiladoras no México corresponde a fornecimentos nacionais de inputs de materiais e embalamento. Era inferior a 4% em 1987. Um estudo recente concluiu que a contribuição das compras locais das maquiladoras para o valor acrescentado do México é especialmente baixo na zona fronteiriça devido “a um vácuo tecnológico”, isto é, devido à falta de um ambiente económico e técnico para as empresa produtoras de bens de elevado conteúdo tecnológico.

A fraqueza das ligações das “maquilas” às cidades fronteiriças do México é acentuada pelo facto de que muitos dos inputs utilizados são produzidos nos Estados Unidos ou nas zonas do interior de México, sendo estes somente comercializados no norte. Empresas da Cidade do México e de Monterrey, e, em menor escala, de Guadalajara, San Luis Potosi e Queretaro, fornecem a quase totalidade da componente industrial nacional que exige algum grau de sofisticação técnica. Além disso, sob a cláusula 9802.00.80 (anteriormente cláusula 807) da pauta aduaneira americana, as empresas que operam em EPZs têm um incentivo para minimizar o consumo de produtos produzidos localmente porque somente os componentes que tenham sido produzidos nos Estados Unidos estão isentos de direitos aduaneiros quando o produto final volta a ser enviado para os Estados Unidos. Estes factos, juntamente com o isolamento das cidades fronteiriças mexicanas e a falta de uma base industrial constrangeram o estabelecimento de relações inter industriais significativas entre os produtores locais e as maquiladoras.

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iii.2. CONDIçõES DE TRABALhO, EmpREGO E QUALIFICAçãO pROFISSIONAL: DETERIORAçãO OU EVOLUçãO?

Embora ninguém negue que o sector da maquiladora teve algumas transformações importantes, há porém um amplo debate sobre a substância destas mudanças, da sua natureza, e da respectiva profundidade. A maioria dos investigadores concluiu que os baixos salários e reduzidos benefícios sociais, as tarefas repetitivas e enfadonhas, a longa duração dos dias de trabalho e o controlo directo de supervisão são o que caracteriza as condições de trabalho nas maquilas. Tomando agora em conta a emergência duma nova onda de maquilas “flexíveis”, a pergunta crucial a fazer é se esta situação “precária” tem vindo a mudar e se estas mudanças são significativas. Uma das questões mais discutidas tem a ver precisamente com a natureza e a dimensão da transformação das condições de trabalho e com o modo como funciona o mercado de trabalho na maquiladora.

iii.2.1. SALáRIOS E BENEFíCIOS SOCIAIS

O baixo nível de salários é um dos aspectos mais criticados do sistema das maquiladoras. A fim compreender porque é que os salários nas maquiladoras são tão baixos, Gambril realizou um estudo comparativo entre a estrutura dos salários no sector das maquiladoras e a da restante indústria transformadora, durante o período de 1975 a 1993. Esta autora constatou uma diminuição de 45% no salário nas maquiladoras relativamente ao das restantes indústrias entre 1977-92. Tal como assinalou esta autora, esta diminuição não teve nada a ver com a desvalorização do peso mexicano em 1982. Pelo contrário, o ano 1982 foi a única excepção à queda contínua dos salários. Na verdade, nesse ano registou-se um aumento de 15% no salário real relativamente ao ano de 1981, conforme se ilustra na figura 1.

Embora os salários no sector nacional da indústria transformadora diminuíssem também de 45% durante este período, a redução foi concentrada claramente nos anos 1982-88 (período da crise provocada pela política de desvalorização). Este foi o único período em que se viu reduzido o diferencial dos salários entre a indústria transformadora e o sector das maquiladoras. Depois deste período, Gambril assinalou que os salários nas maquiladoras continuaram a reduzir-se, enquanto os salários da indústria nacional continuaram a aumentar.

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Figura 1. Real wages of low-skilled workers in maquiladoras and manufacturingindustry.1975-1993 (Constant Pesos December 1982)

Os salários nas maquilas declinaram continuamente após e antes do período da crise/desvalorização do peso. Este facto parece mostrar que a situação económica do país não afectou a flutuação dos salários neste sector. A desvalorização da moeda nacional afectou principalmente as empresas nacionais que dependem essencialmente do mercado local. Dado que a produção das maquiladoras está orientada para o mercado externo, estas beneficiaram da desvalorização. Se assim é, como é que se pode explicar a redução dos salários reais no sector das maquiladoras antes e depois do período de crise?

A fim responder a esta pergunta pertinente, Gambril examinou a evolução dos salários durante três períodos de sete anos cada, isto é 1975-1981, 1981-1987 e 1987-1993. Estes períodos podem ser associados com as três situações económicas distintas: o primeiro, o de excedente económico; o segundo, o de crise, o terceiro, o da abertura económica. O salário real no sector das maquiladoras variou como se segue. No primeiro período teve uma redução de 12%, no segundo, durante o período da crise, teve uma descida de 24%, e de 12% durante 1987-93. Pelo contrário, os salários na restante indústria transformadora aumentaram 2% durante o primeiro período, diminuíram de 37% durante o segundo e aumentaram 9% durante o último período. Consequentemente, os trabalhadores das maquiladoras foram penalizados durante os primeiros e terceiros períodos, os quais foram relativamente favoráveis para os trabalhadores da restante indústria transformadora. O período da crise afectou da mesma forma os trabalhadores de ambos os sectores.

Gambril observou que os salários na indústria transformadora eram quase o dobro dos salários nas maquiladoras. Em 1975, o salário nas maquiladoras representava 59% do salário na indústria transformadora, enquanto que em 1993 representava apenas 50%.

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Consequentemente, no decurso de duas décadas, o nível dos salários deteriorou-se no sector das maquiladoras.

Durante o período 1982-1988 o diferencial de salários entre os dois sectores reduziu-se um pouco. Contudo, tal não foi devido a um aumento nos salários nas maquiladoras, mas devido a uma diminuição dos salários na restante indústria transformadora. Depois de 1988, os salários reais na restante indústria transformadora recuperaram e acentuou-se o diferencial entre os salários destes dois sectores.

A fim de compreender e explicar este diferencial, Gambril examinou a estrutura de emprego nas maquiladoras e a sua relação com a estrutura de salários. De acordo com a classificação disponível, três categorias de trabalhadores foram identificadas; “operários” (trabalhadores fabris não especializados), “técnicos” (técnicos: trabalhadores fabris de elevada qualificação), e “empregados” (trabalhadores não fabris). Em 1993, o salário médio de um “empregado” era 323% mais elevado que o de um “operário”; enquanto que o de um “técnico” era 166% mais elevado que o de um “operário” (ver figura seguinte).

Figura 2. Wages of "obreros", "técnicos" and empleados".1975-1993 (constant Pesos December 1982)

Gambril observou, contudo, que o salário dos “empregados” nas maquiladoras era mais aproximado ao salário da mesma categoria de trabalhadores na restante indústria. Durante um determinado período (1982-1989) o seu salário foi até mais elevado que o do sector da restante indústria transformadora.

A característica impressionante é contudo a do baixo nível de salários dos

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trabalhadores manuais, ou seja, ”operários”, nas maquiladoras relativamente à restante indústria transformadora. Foi dito que a razão para este desvio residia no excesso de trabalhadores não qualificados em conjugação com a acrescida concorrência internacional. Ambos os factores contribuíram para manter relativamente baixos os salários dos trabalhadores fabris no sector das maquiladoras.

Contudo, esta conclusão deve ser interpretada com algum cuidado. Neste estudo as maquiladoras foram consideradas como um grupo homogéneo de unidades fabris, e as mudanças nos salários foram analisadas de modo agregado. Isto não parece reflectir a heterogeneidade das unidades industriais das maquiladoras. Contudo, este estudo mostrou que a tendência geral de baixos salários no sector das maquiladoras é determinada pela remuneração da categoria de trabalhadores fabris não qualificados. Tal parece sugerir que a elevação do nível do processo de produção nas maquiladoras poderia favorecer os trabalhadores em geral. Uma análise da estrutura salarial nas maquiladoras japonesas pode ajudar a esclarecer esta questão.

Nas maquiladoras japonesas, os salários aproximavam-se, em média, dos 50 dólares por semana, ou seja, entre 1,10 e 1,25 dólares por hora para trabalhadores fabris, o que fica consideravelmente abaixo do salário mínimo nos EUA, que é de 4,75 dólares por hora. Os benefícios de natureza não salarial dos trabalhadores fabris permanentes eram reduzidos e variavam de empresa para empresa. Incluíam: cupões de refeições, pequenos subsídios de transporte, patrocínios da empresa para as festas de Natal e outras festividades, cafetarias subsidiadas, e feriados pagos (a lei mexicana estabelece muitos destes). Os salários dos empregados de um nível mais elevado (por exemplo técnicos) variavam entre 320 dólares por mês (1,58 por hora) e 1.200 dólares por mês, evidenciando uma variação significativa de empresa para empresa e por nível de qualificação. Os trabalhadores de nacionalidade mexicana mais bem pagos são os que desempenham cargos de chefia. Ganhavam entre 1.500 e 3.000 dólares por mês, de acordo com o respectivo cargo, situando-se a média entre 2.000 e 2.500 dólares. Os salários dos cargos de chefia eram aproximadamente metade dos salários nos Estados Unidos. Nos níveis mais elevados de chefia, as empresas atribuíam às chefias mexicanas seguro de saúde, carro de empresa e outros benefícios normais das chefias americanas.

Os salários e o rendimento no sector das maquiladoras são mais elevados do que os salários mínimos locais. Os salários no sector nacional da indústria transformadora foram

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sempre mais elevados que nas maquiladoras. Contudo, enquanto os salários no sector nacional da indústria transformadora eram, em 1980, 56% mais elevados do que nas maquiladoras, por volta de 1990 o diferencial estava reduzido para 30%.

iii.2.2. CONDIçõES DE TRABALhO E NíVEL DE VIDA

Em geral, as condições de trabalho nas maquiladoras têm sido descritas como de elevado risco por causa da falta de segurança nos postos de trabalho, em ambientes sem condições de saúde e exposição a substâncias perigosas. Estudos recentes, porém, revelam alguma melhoria na situação, havendo quem afirme que as condições de trabalho e de vida nas maquiladoras não são significativamente diferentes das dos outros sectores da economia nas zonas fronteiriças. Estas mudanças poderiam ser atribuídas às condições de trabalho nas fábricas de “segunda geração” que são melhores ou pelo menos comparáveis aos padrões nacionais das grandes empresas da indústria transformadora.

Porém, isto é contestado por outros autores, que defendem que, em média, as condições dos trabalhadores das maquiladoras ficam aquém das dos trabalhadores doutros sectores, quando se analisam as condições de vida com base em estudos urbanos. Um estudo recente sobre efeitos sociais e ambientais das maquiladoras mostra que o desenvolvimento das maquiladoras afectou a estrutura urbana da zona fronteiriça do norte. Parece que os trabalhadores das maquiladoras não estavam em melhores condições que os trabalhadores da indústria nacional no que respeita ao acesso às infra estruturas básicas (água, electricidade, etc.), concluindo-se que os custos sociais são mais elevados do que os benefícios gerados pelo estabelecimento das maquiladoras na fronteira.

iii.2.3. QUALIFICAçãO DO TRABALhO

Embora os postos de trabalho nas maquiladoras sejam geralmente considerados como não especializados, alguns analistas mostraram que determinadas ocupações requerem maior grau de participação, responsabilidade e qualificação. Num estudo de Carrillo e Contreras foi feita uma avaliação conjugando conjuntamente as capacidades individuais, os requisitos do posto de trabalho e os aspectos organizacionais, concluindo-se que a qualificação dos

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trabalhadores tinha aumentado ligeiramente considerando que o nível médio de escolaridade passou de seis para sete anos. Quanto aos postos de trabalho, os estudos mostram que as tarefas se têm tornado mais complexas nas maquiladoras de “segunda geração”, devido à introdução de processos de produção tecnologicamente avançados e à adopção de práticas de controlo de qualidade total (TQC). Esta conclusão é, porém, controversa, pois um estudo de Kenney and Florida identificou poucos sinais de actividades de controlo de qualidade nas maquiladoras pertencentes a empresas japonesas. Nestas maquiladoras tais actividades não existiam genericamente e, onde existiam eram muito rudimentares. A explicação avançada para a ausência de actividades de melhoria contínua é a de que o processo de produção utilizado nas maquiladoras japonesas é extremamente estandardizado e, neste estágio, poucas melhorias na produção fabril se podem esperar.

Tradicionalmente, as maquiladoras japonesas especializam-se em operações de montagem, que são as actividades de maior intensidade de trabalho de todo o processo produtivo. Mais ainda, as actividades em trabalho intensivo no México realizam-se habitualmente em produtos sujeitos a forte concorrência via preço nos Estados Unidos, como é o caso dos produtos electrónicos de consumo. Nestas áreas, as margens de lucro são pequenas, e o diferencial dos salários pode significar a diferença entre lucros ou prejuízos. Tradicionalmente, as maquiladoras japonesas realizam no México actividades de montagem, de trabalho intensivo, enquanto as fábricas no Japão ou nos EUA centram as suas actividades em produtos de maior valor acrescentado. As maquiladoras japonesas tornaram-se numa parte integral da estratégia das empresas japonesas na América do Norte. O papel destas maquiladoras como plataformas da exportação é evidente na sua inserção particular na cadeia de produção global das empresas japonesas.

iii.2.4. RELAçõES DE TRABALhO

Muitos dos estudos realizados assinalaram que a percepção do ambiente laboral, a nível regional e local, pelos promotores e pelos investidores é um factor fundamental na localização industrial na região do norte da fronteira do México. O que é geralmente entendido como sendo um ambiente de trabalho “positivo” é a falta de organizações sindicais activas, uma baixa incidência de conflitos de trabalho e a ausência ou fraca expressão de acordos colectivos de trabalho.

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Algumas características definem o contexto das relações laborais no sector das maquiladoras:

(i) um nível reduzido de conflitos laborais;

(ii) as taxas de sindicalização ultrapassam os 40% da força de trabalho.;

(iii) há pelo menos dois tipos de organizações sindicais, ambas filiadas nas principais confederações nacionais.

(iv) um acordo colectivo de trabalho traduz-se num “ contrato de protecção” para a empresa, sendo altamente flexível.

É muito difícil determinar qual tem sido a verdadeira influência das organizações sindicais, quer nas condições de trabalho, quer no enquadramento laboral no sector das maquiladoras. A taxa de sindicalização será teoricamente um factor que influencia a melhoria das condições de trabalho. A realidade sugere que as condições laborais se deterioraram na generalidade do país, enquanto que na zona de fronteira parece terem melhorado. Contudo, afigura-se que esta tendência positiva deve ser atribuída mais a certas situações de escassez nos mercados regionais de trabalho na zona de fronteira do que propriamente à influência institucional e activa das organizações sindicais.

iii.2.5. EmpREGO

O emprego nas maquiladoras é efectivamente temporário, mesmo quando os trabalhadores têm contratos a longo prazo. Em 1992, o tempo de vigência dos empregos dos trabalhadores das maquiladoras era de 1,8 anos. A característica principal do emprego nas maquiladoras tem sido o predomínio do trabalho feminino. Apesar disso, têm-se registado algumas mudanças graduais neste cenário. Por exemplo, em 1981, 76,7% do emprego nas maquiladoras era feminino, enquanto que em 1991 esta taxa registava uma descida para 57,2%. Também ocorreram outras mudanças importantes na estrutura do emprego nas maquiladoras. Por exemplo, aumentou a contratação de homens e mulheres casados, assim como de trabalhadores com experiência profissional anterior.

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Há poucos estudos sobre as políticas de promoções nas categorias profissionais nas maquiladoras, embora haja indicadores que confirmam a ideia geral de fraca ou nenhuma política de promoções profissionais no interior das unidades fabris.

No que respeita aos despedimentos, afigura-se que o despedimento sem justa causa -uma característica predominante do emprego nas maquiladoras nos anos 70 – deixou de ser matéria relevante, devido ao índice extremamente elevado da mobilidade da força de trabalho. A expansão da malha industrial transformou esta situação em “saídas voluntárias”. O despedimento deixou de ser uma questão de gestão do pessoal e a mobilidade do trabalho tornou-se um processo de escolha individual de oportunidades de emprego.

iii.3. DOzE ANOS DE NAFTA: mERCADOS DE TRABALhO E DESIGUALDADE

Sandra Polaski, The Employment Consequences of NAFTA, Testimony Submitted to The Senate Subcommittee on International Trade of the United States Senate

Committee on Finance, Hearing on NAFTA at Year Twelve, 11 de Setembro de 2006, disponível em http://finance.senate.gov/hearings/testimony/2005test/091106sptest.pdf.

iii.3.1. AS CONSEQUêNCIAS DO NAFTA NO EmpREGO

O emprego é a principal fonte de rendimento das famílias para a grande maioria da população de todos os países de América do Norte. Consequentemente, uma das formas mais simples de medir o impacto dos acordos comerciais no bem-estar das pessoas reais consiste em ver o número de postos de trabalho ganhos ou perdidos em consequência dos acordos, bem como a qualidade desses postos de trabalho. Um segunda medida importante e relacionada com a anterior consiste em medir o efeito da liberalização comercial na produtividade, ou seja, quanto é que os trabalhadores produzem efectivamente numa determinada jornada de trabalho. Se a produtividade sobe, os trabalhadores podem ganhar mais, sem que isso gere tensões inflacionistas ou a redução dos lucros da empresa. Assim, os salários podem aumentar de forma sustentada no longo prazo. Aumentando a produtividade que conduza a salários mais elevados, expandir-se-á o consumo doméstico, que estimulará a produção adicional de bens e de serviços, criando-se assim um círculo virtuoso de crescimento. Uma terceira questão económica que deve ser considerada para medir o impacto do comércio

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internacional no cidadão comum é a de como são distribuídos os ganhos desse comércio. Há vencedores e perdedores com o comércio internacional, e é impossível avaliar o efeito do comércio nas sociedades sem se saber que grupos ganharam, que grupos perderam e em que grau foram afectados.

Para além destes efeitos económicos sobre a população em concreto, há também uma razão política importante para se estudar o impacto do comércio internacional no emprego. Os líderes políticos apresentam geralmente o comércio internacional como criador de empregos, em particular os acordos comerciais específicos, como o acordo NAFTA. Nos Estados Unidos, por exemplo, o então presidente Bill Clinton anunciou que o NAFTA criaria 200.000 postos de trabalho nos EUA, logo nos dois primeiros anos de existência. Hoje, o presidente George W. Bush proclama os acordos comerciais na mesma base, prometendo que terão como resultado “empregos de altos salários para os americanos”. Nos casos em que os acordos comerciais são vendidos ao grande público e aos órgãos legisladores na base de seu potencial em criar postos de trabalhos e de fazer subir os salários, é importante voltar mais tarde a essas promessas, quando o tempo tenha decorrido e que já haja dados, para determinar quais foram efectivamente os respectivos resultados. Tais estudos retrospectivos podem então ser usados para orientar as futuras políticas comerciais.

Tal como outros efeitos do NAFTA, não é simples nem directa a tarefa de determinar o impacto de um acordo comercial no emprego, nos salários e nos rendimentos. Ainda assim, há diversos aspectos dos efeitos de NAFTA que podem já ser estimados com alguma confiança. Neste texto é analisado o impacto do NAFTA sobre o emprego, salários e rendimentos familiares em cada um dos países da América do norte, focando primeiramente o México, porque o impacto do NAFTA no emprego tem sido aí muito maior do que no Canadá ou nos Estados Unidos.

iii.3.2. EmpREGO NO méxICO

O México é abundante em mão-de-obra. As elevadas taxas de crescimento da população, sobretudo nos meados dos anos 70, traduziram-se numa grande expansão demográfica da força de trabalho nos anos 90 e neste século, à medida que as pessoas nascidas nessa época começaram a chegar ao mercado de trabalho. Adicionalmente, durante os anos

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80 e os anos 90, a emergência das mulheres no mercado de trabalho, em parte pelo declínio da taxa de fertilidade, mas também pela necessidade de angariar rendimentos adicionais durante os recorrentes períodos de crise. Globalmente, a força de trabalho mexicana total passou de 33,7 milhões no período imediatamente antes do NAFTA para 43,4 milhões em 2004, o que significa que o México precisaria de quase um milhão de novos empregos, somente para absorver o crescimento da oferta de mão-de-obra.

A teoria económica diz-nos que a abertura ao comércio internacional fará aumentar a procura de mão-de-obra no país abundante em trabalho e, consequentemente, fará aumentar o número de empregos, o nível dos salários, ou ambos. Claramente, isto seria um efeito desejável para um país com um grande e crescente volume de força de trabalho como o México. Contudo, na prática, o efeito dum acordo comercial como o NAFTA depende de muitos factores, designadamente, quais as tarifas aduaneiras reduzidas ou eliminadas em cada um dos países, em que sequência e a que ritmo. A abordagem que se segue centra-se nas alterações das tarifas aduaneiras entre o México e os Estados Unidos, uma vez que o comércio entre o México e o Canadá representa uma parte muito pequena no comércio total do México.

No quadro do NAFTA, os Estados Unidos reduziram as tarifas aduaneiras para a maioria dos produtos mexicanos manufacturados, sendo as reduções mais acentuadas nos têxteis e vestuário, seguidas por reduções mais modestas mas ainda assim significativas no calçado, produtos químicos, produtos manufacturados diversos e equipamento de transporte. Os Estados Unidos também efectuaram reduções tarifárias na agricultura e aumentaram as quotas quantitativas de importação, embora um dos principais produtos de México, o açúcar, continue a estar restringido através de tarifas e de quotas. Outros produtos agrícolas mexicanos enfrentam restrições sazonais, que estão programadas para acabarem em 2008. Entretanto, o México reduziu de forma drástica as tarifas aduaneiras relativas, quer a produtos agrícolas, quer a produtos de origem animal, e ainda praticamente todos os bens manufacturados dos Estados Unidos. Algumas tarifas serão mantidas relativamente a produtos agrícolas sensíveis, tais como o milho e o feijão, até 2008, mas, na prática, o governo mexicano já permitiu importações substanciais de milho acima das quotas de isenção de tarifas.

A estrutura das trocas comerciais entre os dois países mudou em vários domínios em consequência destas reduções tarifárias. Do ponto de vista mexicano, o efeito cumulativo das mudanças resultou na passagem de uma situação de défice comercial líquido com os

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Estados Unidos antes do NAFTA para um substancial excedente comercial líquido em 2002. Mas este excedente global esconde um défice comercial crescente na agricultura relativamente aos Estados Unidos que é mais do que contrabalançado pelo excedente de exportação de bens manufacturados para os Estados Unidos. As trocas nos serviços mostram um pequeno défice para México.

iii.3.3. O EmpREGO NA INDúSTRIA TRANSFORmADORA

Traduzir estas mudanças na estrutura das trocas comerciais em impactos no emprego não é tarefa fácil, mas é possível determinar valores aproximados do emprego com um razoável grau de certeza.

Relativamente à indústria transformadora, a tarefa é um pouco mais complicada, devido às características dos dados disponíveis. O governo mexicano acompanha a evolução do emprego na indústria transformadora através de duas séries separadas dos dados. Por um lado, acompanha a evolução da indústria transformadora nas médias e grandes empresas, que representam 80% da produção industrial, mas excluem o sector das maquiladoras. Um levantamento separado incide sobre as maquiladoras, as fábricas de montagem para exportação.

O emprego total no sector industrial era em 2006 inferior ao de 1994, excepto nas micro-empresas (as quais se inserem principalmente no sector informal da economia). O emprego na indústria transformadora, excluindo as maquiladoras, situava-se aproximadamente em 1,4 milhões em Janeiro 1994, decaindo fortemente durante a crise monetária do peso, tendo então iniciado uma recuperação que gerou 91.000 postos de trabalho no seu ponto mais alto, em Maio de 2000, antes de voltar a cair outra vez nestes últimos seis anos. Em Junho de 2006 havia 1,26 milhões de empregos na indústria transformadora, excluindo as maquiladoras, aproximadamente 130.000 postos de trabalho a menos do que quando o NAFTA se iniciou, como se ilustra na figura 3.

O declínio desde 2000 foi causado, em parte, pela recessão e fraca recuperação dos Estados Unidos, mas também pelas mudanças globais na economia mundial, tais como a emergência da China como grande pais exportador.

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Figura 3. Non-Maquiladora manufacturing in Mexico.Total Employment, January 1 of each year

Fonte: Mexican National Institute of Statistics, Geography, and Information, Ministry of Employment and Social Insurance, Monthly Industrial Survey.

O sistema das maquiladoras foi criado pelo México e pelos Estados Unidos em 1965 para permitir a entrada no México, com isenção de direitos aduaneiros e de impostos, de materiais e componentes para fábricas de montagem destinados a re-exportação posterior para os Estados Unidos. O sistema está centrado na produção de peças de automóveis, electrónica e no sector do vestuário. O crescimento do emprego nas maquiladora não é principalmente atribuível à NAFTA, uma vez que o sistema das maquiladoras precede o acordo comercial, mas o NAFTA veio efectivamente permitir significativas reduções tarifárias no vestuário, que constituiu um impulso deste sub-sector das maquiladoras. As fábricas de montagem do sector das maquiladoras criaram aproximadamente 800.000 postos de trabalhos entre o início do NAFTA, em Janeiro de 1994, tendo o pico do emprego neste sector sido atingido em 2001. Desde aí têm vindo a perder empregos e, actualmente, empregam mais 700.000 trabalhadores do que antes do NAFTA., como ilustra o gráfico seguinte:

Figura 4. Maquiladora manufacturing in Mexico.Total Employment, January 1 of each year

Fonte: INEGI, Monthly Indicators of the Maquila industry.

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As fábricas do sector das maquiladoras produzem quase inteiramente para exportação, de tal modo que o emprego neste sector pode ser atribuído essencialmente às trocas internacionais. Em contrapartida, os dados relativos ao emprego na indústria transformadora não maquiladora misturam a produção para exportação com a produção para o mercado interno; consequentemente, é difícil determinar a proporção de emprego que pode ser atribuída às exportações. Um estudo indica que no total do emprego na indústria transformadora não maquiladora a parte relacionada com as exportações tenha crescido aproximadamente 500.000 postos de trabalhos entre 1994 e 1999, tendo declinado a partir daí. Destes empregos, cerca de 450.000 estavam relacionados com as exportações para aos Estados Unidos.

Contudo, somente uma parte do crescimento do emprego quer no sector das maquiladoras quer na restante indústria pode ser atribuído ao NAFTA. A depreciação do peso entre 94 e 95 deu um impulso muito significativo a todas as exportações mexicanas, uma vez que com o dólar se passou a poder comprar mais do dobro dos bens mexicanos que se compravam antes da desvalorização. Um estudo realizado pela US International Trade Commission dos Estados Unidos (USITC) calculou que a desvalorização do peso teve maior impacto sobre o crescimento das exportações mexicanas para os Estados Unidos do que o efeito conjugado de todas as reduções tarifárias no âmbito do NAFTA.

De acordo com os resultados deste estudo da USITC sobre o impacto relativo de vários factores na alteração das exportações da indústria transformadora mexicana para os Estados Unidos, a redução das tarifas no quadro do NAFTA explicará provavelmente apenas 25% do crescimento do emprego no sector exportador do México (no conjunto dos sectores das maquiladoras e não maquiladoras), correspondente a um acréscimo de 250.000 postos de trabalho, enquanto que a desvalorização do peso, custos de transporte mais baixos e outros factores explicam o restante acréscimo do emprego.

O panorama geral durante os anos NAFTA tem sido o de um forte crescimento no volume de exportação de produtos transformados, mas um crescimento decepcionante do emprego na indústria transformadora. Esta indesejável divergência entre a produção da indústria transformadora e o crescimento do emprego emerge no México a partir de meados de 1985, mas parece ter aumentado com o início do NAFTA. Podem ser

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avançadas algumas explicações para este resultado. Uma delas, óbvia, é o crescimento da produtividade, que reduz a quantidade de trabalho necessária para cada nível de volume de exportações. Apesar de a produtividade da indústria transformadora do México ter estado a crescer nestes doze anos do NAFTA, os ganhos de produtividade, por si sós, não explicam o lento crescimento do emprego na indústria transformadora.

Um outro factor que provavelmente explica uma parte do fenómeno do fraco crescimento do nível de emprego na indústria transformadora é o facto de a indústria transformadora do sector de exportação no México ser cada vez mais baseada num modelo da produção em que as peças componentes são importadas, para serem processadas ou montadas, sendo depois re-exportadas. Neste modelo o efeito de dinamização deste tipo de operações sobre a economia como um todo é efectivamente muito reduzido, porque apenas um restrito número de actividades de montagem ou de processamento beneficiam o mercado local de trabalho. A integração vertical, incluindo a criação de unidades fabris fornecedoras de componentes e materiais, não ocorreu, limitando assim o efeito multiplicador do crescimento das exportações.

Esta realidade é bastante clara no sector das maquiladoras, em que 97% das componentes são importadas e somente 3% são produzidas localmente no México. Mas o restante sector exportador, sem as maquiladoras, mostra um comportamento similar.

A produção intra-empresa realizada pelas multinacionais que operam no México, em sectores tais como as indústrias do automóvel e da electrónica, depende fortemente dos inputs importados. Parece provável que os fabricantes mexicanos que antes forneciam produtos intermédios às grandes empresas tenham perdido uma parte significativa da produção em benefício de fornecedores estrangeiros, representando uma parte da debilidade do emprego na indústria transformadora.

Um outro factor importante que limita o crescimento do emprego na indústria transformadora é o facto de alguns produtores mexicanos terem sido eliminados pelo efeito directo das importações. O ligeiro crescimento do emprego que se verificou no sector da indústria transformadora virada basicamente para o mercado interno, registou-se essencialmente em empresas muito pequenas do sector informal da economia, que têm salários muito baixos e geralmente não têm lucros.

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O modelo económico mexicano assente na exportação também falhou em gerar crescimento significativo dos empregos mais altamente qualificados, em áreas tais como a investigação, engenharia, design e gestão. Um estudo sobre a especialização da mão-de-obra na indústria transformadora no México, em 2000, mostrou que apenas 9,9% podiam ser considerados trabalhadores especializados. Na verdade, o trabalho especializado na indústria transformadora apresentava um valor inferior à média de trabalho especializado a nível nacional, calculado em 13,9%.

A limitada criação de postos de trabalho no quadro do modelo industrial actualmente vigente no México é particularmente preocupante quando colocado no contexto de outras mudanças que provavelmente afectarão o crescimento futuro do emprego neste sector. O México gozou da vantagem de ter sido o primeiro país de baixos salários a efectivar um acordo comercial com os Estados Unidos e o Canadá. Porém, à medida que são negociados também outros acordos comerciais, que se alarga a aplicação dos mecanismos de preferências unilaterais e que cresce o número de países aderentes à Organização Mundial de Comércio (OMC), esta vantagem vai-se progressivamente desvanecendo. A entrada da China na OMC, em particular, significou que aumentou a concorrência para as exportações de produtos manufacturados do México, particularmente nos sectores intensivos em trabalho, tais como o vestuário e a electrónica. Em 2003, a China ultrapassou o México como o segundo maior exportador para os Estados Unidos (depois do Japão). Não é por acaso que o México foi o último membro da OMC a concordar com as condições da entrada da China nesta organização. A proliferação dos acordos comerciais por parte dos Estados Unidos e do Canadá significa também que se esbatem as vantagens do México no acesso aos seus mercados à medida que outros países de baixos salários passam a ter acesso semelhante. Por exemplo, o acordo de comércio livre dos EUA com os países da América Central veio adicionar um exército de mão-de-obra barata de dimensão razoável à oferta regional de força de trabalho disponível, esboroando as vantagens do México.

iii.3.4. O EmpREGO NA AGRICULTURA

Como se disse acima, o México registou, ano após ano, um défice externo líquido em bens agrícolas relativamente aos Estados Unidos, após a vigência do NAFTA, excepto durante a crise do peso, em 95, quando a forte desvalorização do peso tornou os produtos americanos

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demasiado caros para o nível de vida dos mexicanos. O défice comercial na agricultura já existia antes do NAFTA, mas cresceu imediatamente após a vigência do acordo e registou em 2002 um valor mais elevado do que em qualquer ano anterior. As tarifas aplicadas aos produtos agrícolas mais sensíveis por ambos os países ainda não foram eliminadas, e, por isso, a natureza do comércio bilateral dos produtos agrícolas continuará a fazer o seu curso.

Contudo, a análise dos dados desafia a ideia convencional de que a liberalização comercial dos produtos agrícolas é boa para um país em desenvolvimento no âmbito de uma relação comercial com um país desenvolvido. A carta mais importante para o México, o aumento das exportações de frutas e legumes, não acompanhou o ritmo de aumento das importações mexicanas de cereais e oleaginosas dos Estados Unidos. É possível que isto se deva em parte a uma melhor eficiência dos produtores dos Estados Unidos, mas também se deve, em parte, aos subsídios nos Estados Unidos. Segundo uma estimativa, os cereais dos Estados Unidos foram vendidos ao México, entre 1999 a 2001, a um preço inferior em 30% ao custo de produção.

O crescente défice de comércio externo traduziu-se em perdas de postos de trabalho na agricultura. O emprego na agricultura no México situava-se em 8,1 milhões de activos nos anos 90, imediatamente antes da vigência do NAFTA. Cresceu ligeiramente na sequência da crise monetária do peso, quando o desemprego maciço levou alguns trabalhadores a voltarem aos campos. O emprego no sector agrícola começou então uma tendência descendente, registando-se 6 milhões de activos no primeiro trimestre de 2006, ou seja, uma redução de quase 2 milhões de postos de trabalho quando comparados à situação pré-NAFTA. Embora nem toda esta redução possa ser atribuída ao NAFTA, outras forças que afectaram o comércio, tal como a desvalorização acentuada do peso nos anos de 94 e de 95, actuaram em sentido oposto, no sentido de um maior crescimento das exportações relativamente às importações. De facto, 1995 foi o único ano pós-NAFTA em que o México teve um excedente no comércio de produtos agrícolas com os Estados Unidos, tendo nessa sequência aumentado o emprego agrícola, embora modestamente, durante os anos seguintes. Contudo, logo que o peso estabilizou, a balança comercial de produtos agrícolas voltou outra vez a degradar-se em desfavor do México e o emprego na agricultura retomou o seu declínio. Durante este período, o México também liberalizou o comércio com outros países parceiros, pelo que este impacto não pode ser imputado totalmente ao NAFTA. Mas a OMC determinou que o México reduzisse as suas tarifas agrícolas muito mais para os Estados Unidos do que para

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os outros parceiros comerciais. Assim, a liberalização do comércio agrícola relacionada com o acordo NAFTA é o único factor significativo na perda de empregos agrícolas no México. Veja-se o gráfico seguinte:

Figura 5. Mexican Employment in Agriculture.

Employees

A redução de dois milhões de postos de trabalho no sector agrícola mais do que ultrapassou os 700.000 postos de trabalho ganhos na indústria transformadora nos doze anos de efeito NAFTA. Como anteriormente se referiu, é impossível estabelecer de forma precisa em que proporção os ganhos em postos de trabalho no sector exportador de produtos manufacturados e a perda de empregos no sector agrícola entre 94 e 2006 podem ser directamente atribuídos ao NAFTA. Contudo, é claro que o acordo comercial não produziu ganhos significativos no emprego global e pode até ter efectivamente implicado uma perda líquida de postos de trabalho no México. Os efeitos de longo prazo são ainda incertos, porque a maioria das tarifas sobre produtos manufacturados só agora foram eliminadas, e, por outro lado, as tarifas agrícolas mais sensíveis têm ainda de ser desbastadas.

iii.3.5. EmpREGO NO SECTOR DOS SERVIçOS

O acordo NAFTA teve pouco efeito directo no emprego no sector dos serviços no México porque a maioria dos serviços não são internacionalmente transaccionáveis e aqueles que o são, como os serviços financeiros e de telecomunicações, não são muito intensivos em trabalho. O México registou um pequeno défice comercial no sector dos serviços nas relações com os Estados Unidos, e por isso, qualquer impacto que se tenha registado terá sido plausivelmente negativo, embora não elevado.

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Apesar de tudo, o sector de serviços é um ponto chave para a compreensão geral do emprego mexicano porque é neste sector que muitos mexicanos encontram emprego. É também o epicentro do crescimento do emprego no chamado sector informal da economia. A parte do sector serviços no emprego total passou dos 51% imediatamente antes do NAFTA para 60% em Junho de 2006. Grande parte deste crescimento deveu-se à absorção de trabalhadores do sector agrícola, o qual registou um decréscimo de 25,7% do emprego em 1993 para 14,3% em Junho de 2006.

Os impactos negativos sobre a agricultura de subsistência, provocados em parte pelo acréscimo de importações agrícolas de produtos dos Estados Unidos significaram que as famílias rurais tinham que lutar para manter um adequado nível de vida. Devido ao fraco crescimento do emprego na indústria transformadora, assim como ao fraco nível de qualificação de muitos dos trabalhadores agrícolas, arranjavam-se empregos (ou criavam-se) essencialmente em actividades de baixos salários e de baixa produtividade no sector serviços, tal como o trabalho doméstico, a venda ambulante e serviços pessoais ou de pequenas reparações. Isto acontecia principalmente no sector informal da economia, que inclui o auto-emprego, o emprego em micro-empresas e outras formas de emprego que não propiciam benefícios sociais, como seja seguros de saúde e pensões de reforma. Globalmente, o sector informal cresceu durante os anos 90, em que o emprego em actividades do sector informal representava aproximadamente 50% do emprego total no México, em 1995 e 1996, na sequência da crise do peso e da subsequente contracção da economia. Após a retoma do crescimento económico no final dos anos 90, o sector informal reduziu-se um pouco, mas ainda representa 46% do total do emprego no México. Esta reserva de mão-de-obra barata e de baixa produtividade não mostra sinais de poder vir a ser absorvida pelo sector exportador do México num futuro previsível.

iii.3.6. SALáRIOS E pRODUTIVIDADE NO méxICO

Os salários reais de grande parte dos mexicanos são hoje mais baixos do que quando se efectivou o acordo NAFTA. Esta espantosa retracção nos salários não pode, no entanto, ser atribuída principalmente ao efeito NAFTA. Muito do decréscimo observado nos salários reais ao longo dos últimos 20 anos pode ser analisado em dois períodos distintos de declínio acentuado. O primeiro, foi o do período da crise da dívida nos anos 80, quando

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a desvalorização do peso e as políticas restritivas concebidas para conduzir à estabilidade macroeconómica e para satisfazer as condições exigidas pelos credores internacionais da dívida mexicana levaram a uma queda abrupta dos salários reais. O segundo declínio dos salários reais ocorreu em consequência da crise do peso de 94-95. Quando o peso foi desvalorizado fortemente em cada uma das crises, tanto os preços dos bens importados como a taxa de inflação dispararam, enquanto os salários foram sustidos através das políticas monetárias e de controlo salarial. Os salários recuperaram gradualmente depois de cada um daqueles choques macroeconómicos. Contudo, não cresceram o suficiente em cada um dos períodos de retoma para permitir alcançar os níveis anteriores. Este quadro de evolução registou-se em ambos os sectores da economia, no dos bens transaccionáveis e no dos bens não transaccionáveis, bem como para os trabalhadores das pequenas, médias e grandes empresas.

Embora o acordo NAFTA não seja o principal responsável por estas duas fortes retracções dos salários dos trabalhadores mexicanos, impressiona que um acordo comercial que fez crescer fortemente as exportações e o investimento directo estrangeiro não tenha feito mais para aumentar os salários e padrões de vida do trabalhador médio mexicano -ou pelo menos dos trabalhadores das empresas exportadoras - em comparação com a situação anterior ao NAFTA. A teoria de comércio internacional diz que um país que seja abundante em mão-de-obra não especializada (tal como o México) e que se abra ao comércio internacional registará acréscimos nos retornos (salários) dos trabalhadores não especializados. Contudo, os salários da maioria dos trabalhadores fabris quer do sector das maquiladoras quer da restante indústria transformadora estão ainda abaixo dos níveis que se registavam antes da vigência do NAFTA. Alguns analistas sugeriram que, por uma variedade de razões, o comércio externo fez crescer a necessidade de mão-de-obra altamente especializada no México relativamente à procura de trabalhadores não especializados. Mas, mesmo para os trabalhadores com altos níveis de formação na indústria transformadora, os salários reais no final dos anos 90 estavam ainda abaixo dos de 1993, somente com a excepção de algumas (poucas) regiões ao longo da fronteira com os Estados Unidos. Este mesmo quadro registou-se também noutros sectores da economia. Os trabalhadores com formação universitária e mesmo com formação de pós-graduação ganhavam menos em salários reais em 2000 do que em 1993. Esta decepcionante evolução dos salários efectivou-se apesar de a produtividade dos trabalhadores mexicanos ter aumentado desde a vigência do NAFTA, como o ilustra o gráfico seguinte.

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Figura 6. Manufacturing productivity and Real Wages in mexico.

Index: 1993=100

O crescimento da produtividade é uma condição necessária para o aumento sustentado dos salários, uma vez que ao longo do tempo uma determinada economia só pode consumir o que produz. Mas o aumento da produtividade não é condição suficiente para garantir os aumentos salariais. Os efeitos sobre os salários dependem, em parte, da oferta e da procura nos mercados de trabalho e, em parte, da qualidade (e da imparcialidade) das instituições que tenham sido instituídas para determinar a repartição dos ganhos de produtividade. Presentemente, a oferta de trabalho continua a superar a procura em muitas categorias de trabalho, constituindo pelo menos parcialmente uma explicação dos fracos ganhos dos salários.

Além disso, a integração crescente da produção global resultante da liberalização comercial e da crescente protecção aos investidores estrangeiros traduziu-se, para muitas categorias de trabalho não especializado ou medianamente especializado, em concorrência, não somente nos mercados de trabalho nacionais mas também nos mercados internacionais, dado que as empresas tomam as decisões de produzir e de se aprovisionarem com fundamento, em parte, nos custos salariais em diversos países. A entrada da China e de outros países de baixos salários na OMC aumentou a oferta de trabalho que as empresas podem arregimentar, ao mesmo tempo que têm garantido o escoamento da produção nos mercados dos países ricos do mundo, incluindo os Estados Unidos e Canadá. As diferenças nas tarifas e nos custos do transporte podem não colmatar as diferenças salariais superiores nos custos unitários do trabalho.

Ao mesmo tempo que a oferta e a procura no mercado de trabalho e a desregrada produção global contribuem claramente para afastar os salários da evolução da produtividade

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no México, é também verdade que as instituições têm sido tendenciosas contra os acréscimos salariais. Tem sido, por exemplo, política governamental manter baixo o salário mínimo ao longo de grande parte das duas últimas décadas. Tal tem sido feito, quer para aumentar a competitividade global do trabalho e das exportações do México, quer para cumprir objectivos de ajustamento estrutural.

O salário mínimo determina muitos dos restantes níveis salariais no México, que são definidos em termos de múltiplos do salário mínimo, e, assim, o impacto é sentido para além das profissões mais mal pagas. Para além disso, a sindicalização e a contratação colectiva, que fazem parte dos principais mecanismos institucionais para determinar a repartição dos aumentos da produtividade entre empregadores e trabalhadores, tem sido reprimida no México através de leis laborais laxistas. Nas maquiladoras, por exemplo, é prática comum os empregadores estabelecerem “contratos de protecção” com organizações sindicais corruptas ou mesmo inexistentes. Uma vez que a lei mexicana permite apenas que um só sindicato possa assumir a contratação em cada empresa, estes contratos impossibilitam os esforços dos trabalhadores e de outras organizações sindicais mais legítimas em discutirem o aumento dos salários. Aliás, têm sido numerosas as acusações fundamentadas aos poderes públicos da área do trabalho no México por permitirem o conluio de empregadores com organizações sindicais não representativas, com a finalidade de evitarem assim posições vigorosas nas negociações colectivas.

iii.3.7. DESIGUALDADE E pOBREzA Em méxICO

A avaliação dos efeitos do comércio externo sobre os cidadãos reais requer a avaliação do impacto do comércio na desigualdade social e na pobreza, porque os ganhos e as perdas do comércio não são distribuídos uniformemente. A desigualdade social no México regista um nível elevado, tal como em muitos países da América Latina. Este é um motivo de grande preocupação porque a desigualdade mina a estabilidade social e a coesão política. Além disso, sociedades com altos níveis de desigualdade social têm-se mostrado muito menos capazes e mais lentas em reduzir a pobreza do que as sociedades mais igualitárias. Alguns estudos mostram também que no longo prazo o crescimento total é afectado pela distribuição altamente desigual na distribuição dos rendimentos, constrangendo os rendimentos de toda a gente.

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A desigualdade do rendimento tinha vindo a declinar no México ao longo de várias décadas até ao início dos anos 80, mas este trajecto inverteu-se após a crise da dívida em 1982 e com a consequente contracção macroeconómica e as reformas estruturais. A desigualdade aumentou depois na maior parte da década seguinte, mas começou a diminuir outra vez no início dos anos 90, exactamente os anos que precedem a criação do NAFTA. Contudo, desde 1994 a desigualdade recomeçou a crescer. Comparando com o período anterior ao NAFTA, os 10% mais ricos viram crescer a sua quota parte na repartição do rendimento, enquanto os 90% restantes viram reduzir a sua parte na repartição do rendimento ou viram-na permanecer constante.

A desigualdade do rendimento no México tem também uma dimensão geográfica. Historicamente, os estados do sul do México foram sempre mais pobres, enquanto que as regiões em torno da capital e ao longo da fronteira com os Estados Unidos foram relativamente sempre mais prósperas. De 1940 a 1980, as políticas aplicadas pelo governo conduziram à convergência crescente no rendimento per capita entre as regiões. Contudo, a seguir à crise económica dos anos 80, a tendência de longo prazo para a convergência dos rendimentos regionais primeiramente parou e depois começou a inverter-se, tendo-se novamente aprofundado a desigualdade regional nos anos 90.

A proporção quantitativa da população que vive na pobreza extrema no México seguiu uma evolução similar, diminuindo drasticamente durante os 1960 e 1970 (de 61% para 30%) e aumentando depois após a crise da dívida em 1982. Tal como a desigualdade económica, a incidência da pobreza aumentou no resto dos anos 80 (atingindo 41% em 1989) e começou então a declinar um pouco no início dos anos 90, sendo de 31% a taxa de pobreza extrema quando se iniciou a vigência do acordo NAFTA. A pobreza voltou, de novo, a aumentar durante a crise do peso entre 1994 e 1995, atingindo a taxa de 40%. Desde então, tem estado de novo a declinar, mas os 31% de mexicanos que hoje vivem na extremam pobreza continua a ser um valor superior ao nível registado nos anos 70.

Maquilapolis: City of factories © David Maung

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CApíTUlO iV. ECONOmIA GLOBALIzADA: LINhAS DE TENSãO E A NECESSIDADE DE VIAS DE mUDANçA

iV.1. AS DIFERENTES TENDêNCIAS NA DIVISãO INTERNACIONAL DO TRABALhO E DIREITOS LABORAIS

Anita Chan e Robert J. S. Ross, 2002, “From North–South to South–South: The True Face of Global Competition”, Foreign Affairs, Setembro/Outubro, pp. 8–13,

disponível em http://www.clarku.edu/~rross/CSP02/04_Ross_Chan_8_13.pdf.

iV.1.1. INTRODUçãO

Quando os manifestantes enfrentaram a polícia nas ruas de Seattle em 1999, exigindo que a Organização Mundial do Comércio incluísse as questões laborais e ambientais nas negociações comerciais, os representantes dos governos nas salas de reuniões desenvolviam uma batalha de natureza diferente. Muitas das nações em vias de desenvolvimento, particularmente os países asiáticos, estavam a resistir fortemente a uma proposta dos países desenvolvidos liderada pelos Estados Unidos de ligar as trocas internacionais a normas ambientais e laborais através da introdução de uma nova “cláusula social” nos acordos da OMC. Esta cláusula, argumentavam os seus opositores, representava uma armadilha proteccionista com que as nações ricas pretendiam proteger os empregos dos seus trabalhadores da concorrência dos países em desenvolvimento Esta posição reflectia a percepção comum de que as grandes questões da concorrência comercial se situam nas relações entre o Norte e o Sul. Mas na verdade, esta concorrência – em particular nos produtos de mão-de-obra intensiva - já não se situa tanto entre o Norte versus Sul mas entre o Sul versus Sul. A ausência de um mecanismo que estabeleça normas laborais internacionais está a levar as economias do sul a uma corrida para o fundo nos salários e nas condições de trabalho.

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A cláusula social, em resumo, refere-se à proposta de inclusão de cinco normas laborais centrais nos acordos comerciais: liberdade da associação, liberdade de organização colectiva e de negociação, e proibição de trabalho forçado, de trabalho infantil e de discriminação no trabalho. Muitos dos países mais pobres ou não dispõem de legislação para proteger estes direitos, que estão consagrados nas Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ou simplesmente não se incomodam sequer em impor o cumprimento destas leis nas suas indústrias de exportação.

iV.1.2. AS CENTRAIS SINDICAIS DIVIDIDAS

Os governos não reflectem necessariamente os interesses dos trabalhadores dos respectivos países, mas assume-se que as centrais sindicais o façam. Como é que as centrais sindicais lidaram com a questão da cláusula social? Embora esta questão em Seattle tenha congregado os líderes governamentais dos países do Sul na oposição à cláusula social, o movimento sindical internacional têm diferentes opiniões.

A Confederação Internacional dos Sindicatos Livres, composta por 221 sindicatos que representam 150 milhões de trabalhadores em 148 países, apoia a cláusula social. Mas a defesa da cláusula pelas centrais sindicais africanas não foi sempre uniforme: as centrais sindicais de alguns países, tais como a África do Sul, estão a favor, enquanto que as de países como o Zimbabué e a Zâmbia, opõem-se.

Na América Latina, as centrais sindicais são mais abertas no que respeita à conexão entre comércio internacional e direitos laborais, devido em parte às suas fortes ligações com as suas congéneres na América do Norte. As centrais sindicais combativas da Guatemala, das Honduras, de El Salvador e da Nicarágua usaram estrategicamente a ameaça de sanções comerciais pelos Estados Unidos (especificamente, como resposta às violações dos direitos laborais) para assegurarem o direito de se organizarem. Os trabalhadores da Guatemala, por exemplo, formaram um sindicato, não reconhecido oficialmente, numa fábrica americana de têxtil, propriedade do gigante americano Phillips-Van Heusen no início dos anos 90. Numa campanha longa e dura, os seus aliados da América do Norte, designadamente a UNITE, a organização sindical dos trabalhadores do vestuário nos EUA, desencadeou, a instância sua, um processo judicial nos Estados Unidos alegando que a Guatemala não seria

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elegível para a atribuição de concessões comerciais porque negava aos trabalhadores o direito de se organizarem. Esta pressão levou finalmente a empresa e o governo Guatemalteco a reconhecer a aquela organização sindical.

Outras Confederações de trabalhadores latino-americanas – como por exemplo, na Argentina e no Chile – também apoiaram a cláusula social, acontecendo o mesmo com as confederações sindicais de diversos países de nível médio de rendimento da Ásia. A Confederação Coreana dos Sindicatos considera que a cláusula social pode ser um instrumento importante e eficaz para proteger e conseguir regalias sociais, assim como para consagrar direitos laborais fundamentais. Do mesmo modo, a Confederação dos Sindicatos da Malásia defende a ligação entre as normas laborais e o comércio e exportações – com medo de que os direitos dos seus membros possam ser ameaçados pela concorrência de elevado número de trabalhadores imigrantes asiáticos a trabalhar sem protecção laboral nas zonas de exportação da Malásia.

Mas, as confederações sindicais indianas, assim como a confederação sindical semi-governamental da China têm uma posição diferente. Os governos e as confederações sindicais dos dois mais populosos países do mundo opõem-se terminantemente à cláusula social. E por causa de seu peso dominante no mercado mundial da mão-de-obra barata, as suas posições têm enormes repercussões nos salários dos trabalhadores menos especializados nos países em vias de desenvolvimento. Esta posição dominante explicará a percepção generalizada de que o sul se opõe firmemente à cláusula social, embora a verdade tenha outras nuances.

iV.1.3. A CONCORRêNCIA DESENFREADA

Ao rejeitar um regime de regulação do trabalho a nível internacional, os países do Sul são levados a deixar degradar ainda mais as suas normas laborais para permanecerem competitivos e proporcionarem um “bom clima” para o investimento. Este desígnio dá aos empresários uma oportunidade excelente de explorarem ao máximo a sua força de trabalho; os exemplos incluem as empresas da Coreia do Sul, de Taiwan e de Hong Kong que são subcontratadas pelas grandes empresas de marcas mundiais para fazerem as manufacturas de trabalho intensivo nos países pobres. A indústria de vestuário ilustra claramente este tipo

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de produção globalizada. As actividades laborais são altamente intensivas em trabalho, e a indústria continua a usar uma enorme quantidade de trabalho não especializado fornecido pelo Sul, apesar do desenvolvimento tecnológico. Este sector é também um dos sectores de mais fácil deslocalização: as instalações fabris podem facilmente ser deslocalizadas de cidade para cidade, de país para país. As empresas de vestuário empregam no Sul um grande número de trabalhadores, principalmente mulheres jovens; por sua vez, este elevado número de empregos afecta o nível geral de salários e as normas laborais nestes mesmos países.

Nestas últimas quatro décadas, a indústria do vestuário dos Estados Unidos tem sido devastada por esta concorrência global de mão-de-obra barata. As importações de vestuário passaram, aproximadamente, de 2% no consumo doméstico dos Estados Unidos nos anos 60 para mais de 60% nos anos 90. Nas categorias mais importantes de roupa importada - os tops de homem e mulher - os 26 mil milhões de dólares de importações representam mais de 70% do mercado, em valor, e aproximadamente 90% em volume. Desde 1980, as importações reduziram para metade o emprego na indústria do vestuário, uma perda de mais de 600.000 postos de trabalho. Muitos dos trabalhadores que permanecem na indústria da confecção dos Estados Unidos, trabalhando extenuadamente em fábricas de vão-de-escada ou em trabalhos caseiros mal pagos, enfrentam salários em declínio que estão hoje frequentemente abaixo dos mínimos legais. Mesmo assim, a concorrência Norte-Sul está praticamente acabada neste sector. A diferença enorme nos níveis salariais entre o Norte e o Sul garante que esses postos de trabalho perdidos não voltarão a existir nos Estados Unidos.

iV.1.4. AS SImILITUDES E AS DIFERENçAS NA EVOLUçãO RECENTE DO méxICO E DA ChINA

Nos anos recentes, a China e o México passaram a ter a parte de leão do mercado do vestuário nos Estados Unidos, com igual quota de mercado desde a assinatura do acordo de comércio livre norte-americano (NAFTA), em1993. Em 2000, o México e a China exportavam, cada um, 15% do total das importações americanas de vestuário. (No cálculo dos 15% da China estão também incluídos os valores relativos a Hong Kong, cuja produção foi relocalizada quase totalmente no continente chinês). Mas o México goza de duas apreciáveis vantagens sobre a China: geograficamente mais perto (tornando mais rápida a realização de encomendas) e a ausência de quotas, devido ao NAFTA. Em consequência, os investidores

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asiáticos – particularmente sul coreanos e de Taiwan – tornaram-se aí crescentemente activos nos anos 90, deslocalizando inclusivamente produções da Ásia para o México.

O crescimento abrupto das exportações de vestuário do México e da China para a América do Norte criou um vaga de novos empregos. Em ambos os países, as fábricas orientadas para a exportação empregam trabalhadores migrantes das regiões rurais pobres. Na China, o crescimento começou primeiramente em meados dos anos 80 na província de Guangdong (vizinha de Hong Kong), tendo-se acelerado nos anos 90. Toda a zona do delta do Rio das Pérolas em Guangdong, que 20 anos antes era fundamentalmente uma região agrícola, é agora uma zona de grande importância na indústria transformadora, assente na exportação para o mercado mundial de produtos intensivos em trabalho não especializado. Hoje, perto de 12 milhões de trabalhadores migrantes das zonas rurais mais pobres da China trabalham nas fábricas desta região. Deu-se um fenómeno similar no México nos anos 90. Ao longo da fronteira EUA - México os novos investimentos criaram cidades cogumelo onde as maquiladoras (fábricas de montagem) se desenvolveram como cogumelos. Por volta de 2000, estas fábricas empregavam aproximadamente um milhão de trabalhadores - um acréscimo de 150% desde 1990 - e a produção estava já a expandir-se para outras regiões do país.

Contudo, contrariamente à ideia comum, mais empregos não significam salários mais elevados ou melhoria das condições laborais para os trabalhadores migrantes, quer no México ou na China. Antes pelo contrário, os salários desceram em resultado da intensificação da concorrência para atrair fábricas para estas regiões, destinadas a produzirem e venderem para os mercados do Norte. Este decréscimo encontra-se reflectido quer nos baixos mínimos salariais legais estabelecidos nos dois países, quer no reduzido poder de compra real dos trabalhadores.

Na China, a definição legal dos salários mínimos é extremamente descentralizada. Uma cidade, ou mesmo uma determinada circunscrição da cidade, pode estabelecer o seu próprio mínimo salarial com base numa fórmula fornecida pelo governo de Pequim. Esta fórmula tem em conta factores como o custo de vida local, os salários prevalecentes, a taxa de inflação, sendo ajustada todos os anos. Em 2001, por exemplo, a cidade de Shenzhen (exactamente ao norte de Hong Kong) tinha dois mínimos salariais. Um, aplicado no interior da cidade de Shenzhen, o sector comercial da cidade, constituía o salário mínimo mensal mais elevado da China, equivalente a 72 USD, enquanto o salário mínimo do sector industrializado de

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fora da cidade era somente de 55 USD. Noutras partes da China, os salários mínimos legais foram definidos para valores mesmo mais baixos. Embora os governos locais concordem, no papel, com as normas legais de Pequim quanto a salários mínimos, tentam atrair investidores permitindo-lhes que paguem aos trabalhadores abaixo daquelas tabelas. O salário mínimo legal é um valor mensal e não tem em conta o facto de que muitos trabalhadores migrantes trabalham ilegalmente muitas mais horas. (Por exemplo, na indústria de calçado na China, o número médio das horas de trabalho diário é de 11 horas e, frequentemente, os trabalhadores não têm dias de folga). Além disso, as estatísticas oficiais não entram em linha de conta com a espantosa quantidade de salários em atraso.

Os salários mínimos oficiais também obscurecem outros factos cruciais. Não mostram a violência e os abusos físicos que se tornaram frequentes nas fábricas chinesas pertencentes a intermediários de Taiwan, da Coreia e de Hong Kong; nem tomam em conta as condições graves saúde no trabalho e dos acidentes laborais. Estas fábricas registam uma incidência terrivelmente elevada de mãos e dedos cortados; Shenzhen, só por si, registou mais de 10.000 destes acidentes em 1999, entre uma população migrante de 4 milhões. Em suma, apesar do crescimento dramático das exportações chinesas, estes benefícios não tiveram quaisquer efeitos de melhoria para os trabalhadores das cadeias de montagem que fabricam os produtos exportados. Na verdade, a sua situação tornou-se mesmo pior desde a crise financeira asiática de 1997-98; a crise intensificou a concorrência com a produção do sueste asiático, onde o trabalho se tornou muito mais barato na sequência das desvalorizações das moedas locais.

O desafio principal para a China no vestuário e nos outros sectores vem contudo do México. Aí, as condições dos trabalhadores nas maquiladoras são também horríveis. Mas ao contrário da China, os níveis de salários no México são mais regulados. Existem somente três níveis de salário mínimo no país inteiro, incluindo um para os trabalhadores na zona da linha de fronteira com os EUA, ou seja, na zona das maquiladoras (entre 93 e 108 USD mensais). Estes salários mínimos, embora baixos, são quase o dobro dos de Shenzhen, que são os mais elevados da China. Mas os salários mínimos legais do México caíram quase metade nos anos 90, devido, em parte, ao colapso do peso em 1996. Adicionalmente, a concorrência com países tais como a China criou uma pressão para a descida dos salários reais médios no México. No sector da indústria transformadora, os salários caíram, em termos reais, quase 20% neste período. E no sector do vestuário, em pleno boom, os dados da OIT mostram que os salários em termos reais caíram 14% entre 1990 e 2000. A partir de 2000,

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os salários aumentaram ligeiramente, mas esse aumento está ameaçado pela perspectiva de saídas importantes de capitais para regiões de mão-de-obra ainda mais barata.

Em suma, os trabalhadores dos sectores de exportação da China e do México não beneficiaram do crescimento económico. Mais trabalhadores encontram emprego, mas ao longo do período dos anos 90 degradaram-se as condições de trabalho e os salários. Estes trabalhadores das cadeias de montagem encontram-se apanhados numa corrida de concorrência internacional em direcção ao fundo.

iV.1.5. A ACTUAL CONCORRêNCIA INTERNACIONAL ENTRE O méxICO E A ChINA

Em 2005, são eliminadas as barreiras comerciais no vestuário por força dos acordos Multifibras de 1975 (e do seu sucessor de 1994). A China, partindo do princípio que os seus salários permanecem baixos, fica então em posição de invadir os mercados de vestuário dos países ricos, ultrapassando a vantagem da proximidade mexicana relativamente ao mercado de Estados Unidos. Noutras indústrias, a redução das barreiras comerciais impostas pela OMC fará igualmente desvanecer a situação protegida do México em favor da China. Temendo isto, o México procurou atrasar a entrada da China na OMC; de facto, foi o último membro da OMC a assinar o necessário acordo bilateral com a China que possibilitou a entrada da China na OMC.

O México está a sentir a pressão do aumento da concorrência. Sabendo que as barreiras comerciais cairiam rapidamente, as empresas intermediárias começaram a deslocar as suas linhas de montagem do México para a Ásia, particularmente, para a China. O número de maquiladoras aumentou de 120, nos anos 70, para 3.700, em 2000, mas já se reduziu entretanto em 500 unidades. Aumenta a pressão noutras fábricas mexicanas para competirem com as longas horas de trabalho diário e salários básicos chineses. Estas pressões podem também ameaçar o reforço do movimento sindical autónomo no México - o resultado de anos de difíceis mudanças políticas e sociais, apoiadas pelo movimento de solidariedade dos Estados Unidos e do Canadá.

Os empregadores que resistem à deslocalização para a China ou para outros países de baixos salários – são tentados a baixar as condições de trabalho e salariais no México resistindo também ao movimento sindical ainda em ascensão.

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O presidente mexicano Vicente Fox propôs o “Puebla to Panama Plan”, que construiria um corredor de investimento para mais maquiladoras que se estenderia do sul do México através da América Central – com salários ainda mais baixos do que os dos trabalhadores da zona de fronteira do México com os Estados. Na China, entretanto, o governo está a incentivar os investidores estrangeiros a irem para o Norte da China e para o interior onde encontram salários ainda mais baixos do que os do sul da China.

Os exemplos de China e de México mostram bem como é que a concorrência internacional entre as nações do sul influencia o bem-estar dos seus trabalhadores. E esta competição para baixo afecta as populações noutras partes do mundo nos países em vias de desenvolvimento que tinham empregos nestes sectores. Sem uma regulamentação de protecção do trabalho, semelhante à regulamentação que protege os investidores, os trabalhadores dos países pobres não compartilharão dos benefícios do crescimento do comércio mundial. Por essa razão, as normas laborais deveriam ser tanto uma questão Sul-Sul como uma questão Norte-Sul.

iV.1.6. GLOBALIzAçãO E DEFESA DA mELhORIA DOS DIREITOS LABORAIS

O debate sobre a cláusula social na OMC chegou a um impasse. Consequentemente, não há nenhum mecanismo internacional que obrigue a proteger os direitos dos trabalhadores no Sul. Mesmo a OIT, que tem essa responsabilidade, não tem nenhum meio de obrigar ao cumprimento das suas convenções. É duvidoso que o “Global Compact”, iniciado em 1999 por Kofi Anan, estabelecendo as linhas mestras das boas praticas empresariais no domínio dos direitos humanos, dos direitos laborais e do ambiente venha a ser útil, uma vez que também lhe falta um mecanismo para impor o respectivo cumprimento. Nenhum fórum global consegue forçar a aplicação duma condenação quando uma nação ou as suas empresas desrespeitam os direitos laborais fundamentais.

Os Governos e as Confederações Sindicais dos países do Sul devem enfrentar esta realidade. As suas posições contra o proteccionismo do Norte fizeram muito pouco para melhorar o destino dos seus trabalhadores nas indústrias de exportação. Têm que enfrentar o facto de que, afinal, estão a concorrer entre si e que são, por isso mesmo, parcialmente responsáveis pela degradação dos salários e das normas laborais. A crise crescente dos salários em atraso (e salários pura e simplesmente nunca pagos) devidos aos trabalhadores migrantes

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chineses mostra que o nível mais baixo desta triste realidade continua ainda a descer. A China é um parceiro chave na competição Sul-Sul, e a menos que outros países possam convencer a China a formar ou a aderir a um consenso do Sul para estabelecer uma plataforma mínima salarial internacional, o cenário tenderá a piorar ainda mais. Somente através de normas salariais mínimas de cumprimento obrigatório podem estes países impedir que as empresas do Norte e os fornecedores intermediários os atirem uns contra os outros.

A possibilidade de sanções comerciais impostas pela OMC poderia deter abusos e incentivar a imposição do cumprimento de regulamentações laborais nacionais. Daria a todas as nações o direito de se queixarem de violações num fórum internacional. Pegando no ponto em que o presidente Clinton e outros líderes dos países desenvolvidos deixaram a questão em Seattle, a OMC devia desenvolver um regime regulador alinhado por uma “cláusula social” laboral, de modo a que os prevaricadores, governos e empresas, possam ser sancionados, em caso de violação das regras. Este esquema ou algo que lhe seja similar será necessário para que se possa esperar que os direitos laborais melhorem – ou mesmo para que se estabilizem. A globalização do capital fez o mundo ser mais pequeno e mais seguro para os investidores; agora, a questão fundamental que se coloca à comunidade mundial é se pode fazer o mesmo para os trabalhadores.

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iV. 2. A ChINA E O FUTURO DA GLOBALIzAçãO

Robert A. Blecker, Testemunho escrito perante a U.S.-China Economic and Security Review Commission, Hearing on “China and The Future of Globalization”, 19 e 20 de Maio de 2005, U.S.-China Economic and Security Review Commission,

Washington, U.S. Government Printing Office, 2005, p. 113-122.Documento disponível em http://www.uscc.gov/hearings/2005hearings/

transcripts/05_05_19_20.pdf.Robert A. Blecker é Professor de Economia, na American University,

Washington, D.C.

iV.2.1. INTRODUçãO

A China desempenha um papel único e importante na economia global em desenvolvimento dos princípios do século XXI. Seguindo o modelo de crescimento assente na exportação adoptado por outros países da Ásia de Leste, tais como o Japão e a Coreia do Sul, mas potenciando também simultaneamente as suas próprias capacidades internas, a China tem sido, de longe, a mais bem sucedida das nações de industrialização tardia a emergir do grupo de países de baixos rendimentos e economias de transição, desde os anos 80. As capacidades internas de China incluem uma elevada taxa de poupança, uma força de trabalho abundante e um sistema educacional forte, as quais lhe proporcionam vantagens enormes em termos da acumulação, quer do capital físico, quer humano. A China tem um partido único e um sistema político autoritário que, embora legitimamente criticado no plano dos direitos humanos, acaba por conferir ao governo vantagens significativas na capacidade de, simultaneamente, empreender internamente uma activa estratégia de desenvolvimento estatizada e de negociar externamente de forma eficaz com empresas e governos estrangeiros.

Mas, em muitos aspectos, o segredo do sucesso de China tem estado em seguir, nas suas políticas de comércio internacional, de investimento estrangeiro e na esfera cambial, aquilo que a economista britânica Joana Robinson (1965) apelidou de “o novo mercantilismo”.

O novo mercantilismo é uma política orientada para a geração de excedentes comerciais como forma de impulsionar o crescimento industrial e o nível de emprego à custa

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dos parceiros comerciais. É uma versão actualizada das políticas mercantilistas originais, chamadas “beggar-my-neighbour” (ganhar à custa do vizinho), exaustivamente criticadas por Adam Smith (1776) há mais de dois séculos. Combinando estrategicamente (explícita ou implicitamente) a manipulação da taxa de câmbio, uma rígida contenção salarial, subsídios à exportação, barreiras à importação e exigências de desempenho do investimento estrangeiro, um país como a China pode promover um modelo de desenvolvimento industrial rápido, de tipo estufa, que seja bem sucedido até um nível significativo, através da captação da produção industrial que de outra forma seria realizada por outros países. No mundo de hoje, o grupo das outros países que ficam a perder neste tipo de desenvolvimento industrial de soma nula, inclui outros países em desenvolvimento, assim como países industrializados mais ricos, como os Estados Unidos.

Em boa verdade, o papel de China na economia global é mais complexo do que uma simples estratégia mercantilista. Até há muito pouco tempo, a China tinha défices comerciais com outros países que compensavam os seus excedentes com os Estados Unidos. Essencialmente, a China aproveitou a oportunidade de um mercado de consumo relativamente aberto nos Estados Unidos e de um apetite voraz dos consumidores americanos por bens de consumo, para colocar as suas exportações, importando simultaneamente, matérias-primas, bens de capital e produtos intermédios, em grande parte de outros países. Nos anos mais recentes, a procura pela China de matérias-primas e por produtos semi-manufacturados tem sido de tal modo tão forte que impulsionou significativamente os preços de muitos produtos na economia globalizada. Em 2004, a forte procura chinesa contribuiu para uma recuperação notável do mercado global de aço, depois de muitos anos de crónicos excedentes da oferta e de baixos preços (o que levou, aliás, a fortes tensões comerciais). O papel da China como protagonista relevante da procura global demonstra que tem potencial para contribuir para um comércio internacional de soma positiva a nível da economia global. Apesar de tudo, a China mantém ainda uma relação comercial particularmente assimétrica com os Estados Unidos, em que as exportações da China excedem as suas importações numa relação aproximadamente de 6:1, e o crescimento notável das suas exportações esfriou drasticamente o crescimento das exportações dos outros países em desenvolvimento. O grande desafio para os decisores políticos americanos de hoje é saber como induzir a China a abandonar os aspectos mercantilistas da sua política económica externa, sem deixar de lhe permitir realizar o crescimento e o desenvolvimento que necessita para melhorar os padrões de vida da população chinesa.

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iV.2.2. A FALáCIA DE COmpOSIçãO NA ESTRATéGIA DE CRESCImENTO ASSENTE NAS ExpORTAçõES DA ChINA

A visão liberal clássica do comércio livre (Adam Smith) supõe que todos os países têm uma procura recíproca suficiente para as exportações de cada um dos outros, de modo que nenhum país enfrente uma procura insuficiente para as suas próprias exportações. Baseados nesta visão, os economistas tentaram, durante muito tempo, negar a existência duma “falácia de composição” na política de crescimento económico assente na exportação adoptada pelos países asiáticos e outros países em desenvolvimento 60. Porém, a realidade da economia global contemporânea está muito longe dessa tipologia de expansão equilibrada do comércio internacional expressa na visão liberal clássica.

Tendo começado no Japão nos anos 60 e 70, e continuado nos quatro tigres (Hong Kong, Singapura, Coreia sul, e Formosa), nos anos 70 e 80, e, mais recentemente, noutros países (Tailândia Malásia, e Vietname), há hoje um grande e crescente número de países do leste asiático que se têm apoiado fortemente nos mercados de exportação para propulsionarem o seu desenvolvimento e o seu crescimento global. A China segue assim um trajecto já bem rodado neste campo. Além disso, muitos países em vias de desenvolvimento e economias em transição noutras regiões do mundo, desde a América Latina ao Oriente Médio, África, Sul da Ásia, e Europa Oriental, tentaram (com graus variados de sucesso) replicar o modelo do leste asiático. Hoje, há tantos países a tentar crescer pela via da promoção da exportação de tipos similares de produtos manufacturados para os Estados Unidos e para outros países industrializados, que deixa de se poder negar o problema de uma “restrição de adicionalidade” (“adding-up constraint”), ou “falácia de composição”.

Uma fraqueza fundamental deste modelo do crescimento económico assente na exportação é que os países que estão a tentar expandir as suas exportações a um ritmo muito rápido não estão a propiciar internamente a procura para os produtos produzidos nos outros países, cuja venda permitiria a estes a aquisição daquelas exportações. Em vez disso, estes países contam com a procura dos outros países, principalmente dos Estados Unidos e também doutras nações industrializadas (como, por exemplo, o Canadá e a União Europeia)

60 Ver, por exemplo, Balassa, 1987.

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para disporem de mercados para as suas exportações. As taxas de referência do crescimento das exportações dos países que seguem o modelo de crescimento assente na exportação excedem dramaticamente as taxas médias de crescimento do consumo nos Estados Unidos e noutros países industrializados. Assim, os países exportadores mais bem sucedidos têm de atingir as taxas de referência do seu crescimento por um (ou ambos) de dois mecanismos: (1) subtraindo quotas de mercado ao produtores internos dos Estados Unidos e de outros países industrializados, (2) impedindo que outros países em desenvolvimento consigam exportar para os mesmos mercados-alvo (isto é, forçando estes outros países a aceitarem taxas de crescimento da exportação mais baixas do que quereriam). O crescimento rápido da oferta de produtos de exportação de um grande número de países, excedendo o crescimento da procura, pode também conduzir à queda dos preços dos produtos industriais. Se isto acontecer, os países exportadores podem conseguir mais facilmente alcançar os seus objectivos em termos quantitativos, mas falham em conseguir obter os esperados ganhos de rendimentos devido à degradação dos termos de troca.

Historicamente, os países do Sueste Asiático foram inicialmente bem sucedidos através geralmente do mecanismo (1) que gerou bastantes fricções comerciais sérias com os Estados Unidos e com os países da Europa Ocidental, nos anos 70 e 80. Isto aconteceu assim porque o Japão e os originais Quatro Tigres da Ásia tinham, naquela época, poucos concorrentes entre os países em desenvolvimento. Mas, quanto mais outros países em desenvolvimento e economias em transição tentarem seguir o mesmo caminho dos exportadores originais do Sueste Asiático mais todos estes países são forçados a competir entre si pelos mesmos mercados de exportação, os quais continuam a ter um fraco crescimento. Embora o comércio Sul-Sul entre países em desenvolvimento tenha crescido, especialmente na Ásia, globalmente os países em desenvolvimento que exportam produtos manufacturados estão ainda a tentar exportar quantidades bem acima da procura existente nos mesmos e, deste modo, não podem evitar uma certa concorrência de soma nula nos mercados dos Estados Unidos e de outros países industrializados. Além disso, na medida em que a produção interna destes tipos de produtos manufacturados (por exemplo, têxteis, vestuário, e componentes de electrónica) declinou nos Estados Unidos e noutras nações industrializadas, a oportunidade de tirar vantagem através do mecanismo (1) para impulsionar as exportações diminuiu correspondentemente, e, consequentemente, os países em desenvolvimento são obrigados a apoiar-se mais no mecanismo (2) para atingirem os seus objectivos de crescimento assente na exportação.

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Os países em desenvolvimento podem escapar em certa medida a este dilema subindo degraus da “pirâmide tecnológica” de modo a produzirem produtos tecnicamente mais evoluídos, tais como computadores, automóveis, e electrónica, em vez de vestuário, calçado e outros bens de simples montagem. O Japão e subsequentemente a Coreia do Sul e a Formosa tiveram muito sucesso com este processo, embora as suas economias assentes na exportação tenham por vezes vacilado, por outras razões, tais como as crises financeiras. Isto deixa os exportadores de produtos tecnologicamente menos sofisticados, do Bangladesh à República Dominicana, a concorrerem pelas migalhas dos mercados em estagnação dos produtos de baixo nível tecnológico, com preços a diminuírem. Isto resulta naquilo que veio a ser conhecido como “a formação dos gansos em voo” na qual os países líderes seguem à frente para novas linhas de produtos enquanto os países mais pobres os substituem na produção dos produtos mais simples. A China, contudo, está na posição única de poder exportar volumes significativos de bens manufacturados, em simultâneo com produtos de uma variada gama de “degraus” da pirâmide tecnológica, concorrendo assim com ambos os grupos de países exportadores. Deste modo, a China está, simultaneamente, a bloquear quer os países de baixo rendimento que tentam exportar vestuário pouco sofisticado e outros produtos de simples montagem, quer os países de rendimento médio que procuram exportar electrónica de mais elevado nível tecnológico e outros produtos mais sofisticados. Metaforicamente, poder-se-ia dizer que a China é capaz de competir tanto com os gansos da frente como com os que vão atrás, na imagem da “formação dos gansos em voo”.

Os estudos económicos sobre a “falácia da composição” estão finalmente a alinhar pelas realidades do comércio global. Há muito tempo, William R. Cline (1982) observou que não era praticável para a maioria dos países em desenvolvimento alcançarem as taxas de crescimento fenomenais do crescimento das exportações que foram conseguidas pelos originais quatro Tigres asiáticos nos anos 70. Alguns estudos evidenciam mesmo que as exportações de produtos manufacturados dos países em desenvolvimento enfrentam um significativo constrangimento da procura em termos de baixas elasticidades rendimento, assim como elevadas elasticidades preço, relativamente a outros países em desenvolvimento. Pela nossa parte 61, mostrámos que o crescimento rápido das importações dos Estados Unidos oriundas do Japão e dos Quatro Tigres desviou as importações americanas que até aí

61 Blecker, 2003.

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vinham de outros países nos anos 80, enquanto que o crescimento rápido das importações dos Estados Unidos oriundas da China e do México nos anos 90 desviou por sua vez as importações que antes vinham do Japão e dos Quatro Tigres. Thomas I. Palley verificou uma correlação negativa entre o crescimento das importações dos Estados Unidos vindas da China e as vindas dos Quatro Tigres ao longo do período 1978-99, assim como entre as importações vindas do México e as do Japão no período de 1989-99. Em suma, é agora por demais evidente que a “falácia da composição” é um problema genuíno, e que o sucesso da China no desenvolvimento das suas exportações - embora muito benéfico para a própria China e para aqueles países donde são originárias as próprias importações chinesas - está a afectar significativamente os esforços de muitos outros países em desenvolvimento de exportarem a sua via de saída da pobreza.

iV.2.3. ImpACTO DA ChINA NO COméRCIO ENTRE OS ESTADOS UNIDOS E O méxICO

O México é um caso interessante do impacto da China noutros países em desenvolvimento e é importante para os Estados Unidos devido ao grau elevado de integração económica e estreita cooperação política que existe agora em toda a América do Norte. Como já se sublinhou, a China e o México aumentaram significativamente nos anos 90 as suas quotas de mercado nas importações feitas pelos Estados Unidos, à custa dos Quatro Tigres e do Japão. Para o México, o crescimento rápido das suas exportações nos anos 90 constituiu a recompensa de ter assinado o Acordo de Comércio Livre Norte-Americano (NAFTA) com os Estados Unidos e o Canadá em 1994 - e ajudou a promover uma recuperação relativamente rápida da crise do peso de 1994-95. O México esperava que, na sequência do seu estatuto preferencial no mercado de Estados Unidos no seio da NAFTA, poderia continuar a confiar no crescimento assente nas exportações e focalizado principalmente no seu vizinho a norte (embora, para se proteger, o México tenha assinado também acordos de comércio livre com diversos outros países).

Porém, a vantagem do acesso preferencial do México ao mercado dos Estados Unidos foi logo desgastada por outros factores. Em primeiro lugar, o NAFTA constituía somente um dos factores que impulsionaram as exportações mexicanas nos anos 90; a desvalorização da moeda mexicana e o boom da economia americana naquele período contribuíram igualmente

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para o rápido crescimento das exportações mexicanas. Quando o peso se apreciou outra vez, no início dos anos 2000, enquanto a economia dos Estados Unidos se afundava numa recessão e numa recuperação lenta em 2001-2003, as exportações mexicanas estagnaram e a taxa de crescimento da economia mexicana baixou, apesar das preferências tarifárias do México no acordo NAFTA. Em segundo lugar, embora a isto não tenha sido dado muita atenção, as preferências comerciais do México no NAFTA já não tinham tanto valor como inicialmente pareceriam ter, em parte porque o acordo de 1995 da Organização Mundial do Comércio reduziu globalmente as tarifas da cláusula “de nação mais favorecida” aplicadas nos EUA e, por outro lado, também porque as vantagens crescentes dos baixos custos da China e dos outros países de salários muito baixos corroeram aquela vantagem competitiva do México. (Diga-se, entre parêntesis, que isto deveria ser um aviso para a América Central e para outras regiões que pretendem acordos de livre troca com os Estados Unidos: os ganhos prováveis podem ser muito menores do que os esperados – há também uma “falácia de composição” na proliferação de acordos comerciais “preferenciais”!).

È difícil de se exagerar na dimensão do impacto da China sobre o México no início dos anos 2000. Nos anos 90, o México ultrapassou orgulhosamente o Japão como o segundo principal parceiro dos Estados Unidos. Mas, após 2003, pelo menos no campo das importações, o México foi ultrapassado pela China como o segundo maior fornecedor de importações americanas (depois do Canadá, que continua a ser o maior parceiro comercial da economia americana, quer pelas exportações, quer pelas importações). Além disso, as exportações mexicanas para os Estados Unidos permanecem praticamente constantes desde 2001, somente com uma recuperação ligeira em 2004, enquanto que as exportações chinesas para os Estados Unidos quase que duplicaram em valor durante aqueles mesmos três anos (ver figura 7.).

Globalmente, o valor das importações dos Estados Unidos oriundas do México aumentou somente 19%, de 2001 a 2004, enquanto as importações dos Estados Unidos oriundas da China aumentaram mais de 92%, no mesmo período, como se ilustra acima na figura 1. Para além disso, a concorrência chinesa teve um impacto negativo no emprego mexicano. Embora os americanos centrassem a sua atenção principalmente nas perdas de postos de trabalhos na sua indústria transformadora a favor do México, a realidade é que o México está agora a perder postos de trabalho na indústria transformadora a favor da China (e de outros países de baixos salários). Por exemplo, o emprego no sector das maquiladoras

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orientadas para a exportação chegou aos 1,3 milhões de postos de trabalho em 2000, mas veio a baixar depois para 1,1 milhões, em 2004, representando uma perda de aproximadamente 200.000 postos de trabalho (dados do Banco do México).

Figura 7. U.S. Imports of Goods from Mexico and China, 1980-2004(p).

Fonte: U.S. International Transactions data, release of March 16, 2005.

O crescimento económico e a prosperidade de México são de importância vital para os Estados Unidos, por muitas razões. A enorme massa de imigrantes mexicanos nos Estados Unidos, que estão a causar agora uma grande controvérsia política, não diminuirá, a menos que, e até que, o México possa dispor de postos de trabalho suficientes para empregar a sua população, com salários próximos dos salários americanos. Nenhum encerramento de fronteiras, nem nenhum reforço das limitações da imigração podem mudar a lógica económica básica que faz agir migrantes em desespero de trabalho e aspirando a um nível decente de vida. Além disso, o México é um caso de teste para a promoção americana de acordos de comércio livre. Se o México não obtém os ganhos esperados com a entrada no NAFTA de forma sustentada, as outras nações, quer latino-americanas, quer nações em desenvolvimento doutros continentes, não poderão ignorá-lo. E o mais importante, um país vizinho estável e democrático ao sul da fronteira dos Estados Unidos é claramente uma questão de interesse nacional para os Estados Unidos. A prosperidade económica é vital para a estabilidade de México e para o sucesso de sua recente conversão à democracia multipartidária.

Ao promoverem o acordo NAFTA, os presidentes Bush e Clinton prometeram ao povo americano que um México próspero seria um mercado importante para as exportações

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dos EUA. Embora as exportações para o México tenham crescido mais lentamente do que as importações americanas oriundas do México desde a vigência do NAFTA, em 1994, tendo como resultado défices crescentes no comércio entre estes dois países, o comércio com o México continua a ser uma relação mais biunívoca do que com outros países, em particular com a China. Em 2004, o rácio entre importações e exportações dos EUA era somente de 1,4 para 1 com o México, enquanto que esta relação era de 5,7 para 1 com a China. As importações americanas oriundas do México são previsivelmente constituídas por produtos montados utilizando uma relativamente grande quantidade de partes e componentes produzidas na América, bem como bens de capital de origem americana, enquanto as importações oriundas da China são previsivelmente produzidas usando inputs (peças, componentes, e equipamento de produção) produzidos, ou na China, ou importados de outras nações asiáticas.

Mas, assim como os ganhos do México no mercado americano sofreram erosão, o mesmo aconteceu com os ganhos americanos no mercado mexicano. Após o início da vigência do NAFTA, a parte dos Estados Unidos nas importações mexicanas representou, em média, cerca de 74-75%, no final dos anos 90, mas essa parte decaiu para 56%, em 2004, uma perda que tem como principal explicação uma correspondente ascensão da parte asiática que, por sua vez, se deve, na sua maior parte, às importações da China. Assim, a China, não está somente a empurrar o México para fora do mercado americano de bens de consumo e a inibir o próprio crescimento das exportações de produtos manufacturados mexicanas, como também está a substituir os Estados Unidos como origem das importações mexicanas. Naturalmente, muitas empresas americanas estão a investir alegremente (e lucrativamente) no México, mas algumas – tal como a sempre presente WalMart – estão a encher as suas prateleiras no México com importações vindas da China, em vez de produtos norte-americanos. O resultado é que mais e mais postos de trabalho na indústria transformadora estão a ser criados na China, e não no México ou nos Estados Unidos.

iV.2.4. O ImpACTO DA SUBAVALIAçãO DA mOEDA ChINESA

A emergência da China como uma potência exportadora deve muito às suas capacidades fundamentais, como se disse anteriormente. Mas um elemento chave do crescimento fenomenal das suas exportações nos últimos anos tem sido a persistente subavaliação do yuan chinês e a extraordinária manipulação da taxa de câmbio necessária para a manter.

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Para melhor se perspectivar a política cambial chinesa, tem que se ter em mente que os Estados Unidos têm um enorme défice comercial, actualmente próximo dos 6% do PIB, que o maior défice comercial bilateral é com a China (a China representava 24% do défice de comércio global americano, em 2004) e que o dólar tem vindo a cair relativamente a muitas das moedas desde que atingiu um pico em Fevereiro de 2002 – em grande parte como consequência do receio dos investidores internacionais de que este défice comercial crescente se tornasse insustentável. Nesta situação, a manutenção nos últimos anos de uma taxa de câmbio fixa da moeda chinesa contra o dólar, enquanto o dólar geralmente se afunda nos mercados cambiais globais, só foi possível através da acumulação de reservas enormes de dólares americanos (na maior parte colocados em títulos da dívida publica americana).

As compras oficiais chinesas de activos expressos em dólares mantêm artificialmente alto o valor do dólar e, correspondentemente, depreciam o valor do yuan, relativamente a uma taxa de câmbio de equilíbrio de mercado. Estas compras de activos em dólares, que começaram a aumentar nos anos 90, aceleraram-se desde 2002. Nestes três anos, desde o pico do dólar (de Fevereiro 2002, a Fevereiro de 2005), a China triplicou as suas reservas de divisas estrangeiras (de 217,4 milhares de milhão para 642,6 milhares de milhão) adquirindo reservas em dólares a uma taxa média de aproximadamente 12 milhares de milhão por mês – dados do FMI.

A habilidade e a capacidade da China em impedir o realinhamento da sua moeda relativamente ao dólar é tanto mais espantosa quanto o dólar caiu relativamente a muitas outras moedas, como se ilustra na figura 8., abaixo.

Figura 8. Percentage Change in the value of the U.S. Dollar in Foreign Currency, February 2002 to April 2005.

Fonte: Federal reserve Statistical Releases G.5 and H.10.

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Enquanto o dólar teve virtualmente uma variação nula relativamente ao yuan, de Fevereiro de 2002 a Abril 2005, perdeu quase um terço de seu valor comparativamente ao euro, um quarto de seu valor relativamente à libra inglesa, um quinto de seu valor relativamente ao iene japonês (apesar de diversas intervenções maciças no mercado cambial pelo Japão, sem as quais o dólar cairia ainda mais relativamente a esta última divisa), tendo-se registado variações similares do dólar relativamente à maior parte das moedas com taxas de câmbio flutuantes. A recusa da China em realinhar o yuan, em deixá-lo ajustar-se relativamente às outras moedas internacionais, deu à China uma protecção substancial no mercado americano à medida que as outras moedas se apreciavam, tendo sido um factor crucial para explicar porque é que a desvalorização do dólar não teve quase nenhum efeito no défice americano até agora.

Há, contudo, algumas implicações da manipulação da taxa de câmbio pela China a que não foram dadas o relevo devido. Primeiramente, dado que o yuan está ligado ao dólar e o dólar tem vindo a cair relativamente a muitas outras divisas, o yuan depreciou–se também substancialmente relativamente a todas estas moedas, o que contribuiu ainda mais para melhorar a sua balança comercial com o resto do mundo, ou seja, a China aproveitou-se do declínio do valor do dólar para aumentar as suas vantagens como concorrente noutros mercados globais, para além do mercado dos Estados Unidos. Em segundo lugar, o papel de China como concorrente principal em mercados de exportação para produtos manufacturados implicou que a sua recusa de se desligar do dólar, de não deixar ajustar a sua moeda, colocou forte pressão aos países em desenvolvimento em também não deixarem ajustar o valor das suas moedas (ou, pelo menos, não tanto quanto se verificava no ajustamento das moedas dos países industrializados). Como se mostra no gráfico 2, algumas outras moedas do Sueste Asiático também se mantiveram fixas depois de Fevereiro 2002 (como foi o caso do dólar de Hong Kong e do ringgit da Malásia), enquanto outras (como, por exemplo, o dólar de Singapura, o baht da Tailândia e o dólat de Taiwan) se valorizaram muito menos do que as principais moedas dos países industrializados (como a libra britânica, o euro, o dólar canadiano e o iene japonês).

O resultado foi que o valor médio do dólar, numa base ponderada (pelo peso do comércio) e ajustado à inflação, relativamente a todas as moedas, caiu apenas 14%, o que não foi bastante, nem de perto, para inverter os 34% de valorização que o dólar tinha tido entre meados de 1995 e o início de 2002. Isto, por seu lado, é mais uma das razões do não declínio

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do défice comercial dos Estados Unidos em função da baixa do dólar, uma vez que o dólar está desvalorizar mais relativamente a países (por exemplo, os países europeus) com os quais o défice é menor, do que com os países do Sueste Asiático, incluindo a China, com os quais o défice é muito maior, e a desvalorização é ainda relativamente moderada.

O desinvestimento sistemático no sector da indústria transformadora americana, provocado, em parte, pela sobreavaliação do dólar é considerado uma das principais causas da perda de quase 3 milhões de postos de trabalho neste sector, desde o final dos anos 90. Além disso, este desinvestimento reduziu a capacidade dos produtores da indústria americana para responder à desvalorização actual do dólar através da reactivação da produção nacional no curto prazo. Desfez-se tanta capacidade de produção nos Estados Unidos deslocalizada para o exterior durante o período prolongado da sobreavaliação do dólar, nos finais dos anos 90 e início dos anos 2000, que os benefícios da desvalorização recente do dólar no curto prazo foram muito limitados. Em muitos sectores de produção, já não há simplesmente capacidade nacional adequada para substituir os bens que passaram a ser importados ou cuja produção foi externalizada (“outsourced”). Em consequência da sobreavaliação crónica do dólar desde o início dos anos 90, em conjunto com outros acontecimentos a nível global, processou-se um ajustamento da industria transformadora americana, que ficou mais e mais dependente da importação de inputs vitais - peças e componentes - assim como de linhas inteiras de produção de bens de consumo final. A longo prazo, um dólar mais baixo deveria eventualmente incentivar a recuperação da capacidade da indústria transformadora nacional, muito provavelmente em novas indústrias e novos produtos ou com novas tecnologias. Mas o dólar teria que descer substancialmente e manter-se baixo por um longo período para que isso acontecesse. Mas isto não acontecerá se o país que é o principal responsável pela maior parte do défice comercial dos Estados Unidos mantiver fixo o valor cambial da sua moeda.

A política cambial chinesa não é a única causa destes efeitos negativos da sobreavaliação do dólar na indústria transformadora dos Estados Unidos, mas é de longe a razão individual principal, e também aquela que é a mais resistente à realização dos ajustamentos necessários para assegurar o restabelecimento de relações comerciais mais equilibradas e sustentáveis na economia global. Em particular, o controlo do mercado cambial da moeda da China é, de longe, a mais importante razão para o que valor médio do dólar relativamente a todas as moedas tenha descido tão pouco, quando comparado com a queda do dólar relativamente às principais moedas de câmbios flexíveis, como se mostra na figura 8.

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iV.2.5. CONCLUSõES E RECOmENDAçõES DE pOLíTICA ECONÓmICA

Nestas breves linhas não se torna possível abordar muitas das complexidades das relações USA-China, que obviamente incluem questões sobre segurança e política externa, que vão muito para além das questões económicas aqui discutidas. Além disso, é importante reconhecer que a China está a tornar-se uma enorme grande potência, e nós não temos nem a capacidade para o impedir, nem qualquer interesse em fazê-lo. No domínio económico, o que nós necessitamos fazer é procurar convencer a China que nós, do que precisamos é de uma parceria mútua, em vez de um relacionamento antagonista inspirado de alguma forma na política do “novo mercantilismo” acima descrito. Além disso, é vital sublinhar que o povo chinês beneficiará muito mais com o progresso económico do seu país se for capaz de elevar os seu padrões de vida através da captura de maiores ganhos decorrentes do crescimento da produtividade, sob a forma de salários reais mais elevados e do aumento de bem-estar dos consumidores. Assim, é do próprio interesse da China a transição de uma situação de baixos salários e uma moeda subavaliada para uma situação de salários mais elevados, uma taxa de câmbio mais realista, e uma maior focalização no mercado interno em vez de nos mercados de exportação. Tal é também do próprio interesse americano, considerando que a China pode vir a ser alguma vez o maior mercado para os produtos americanos, que potencialmente poderia ser, mas não o é até agora.

Na situação actual, contudo, a mais importante questão económica centra-se na manipulação feita pela China sobre a sua taxa de câmbio. Não são apenas os Estados Unidos, mas também muitos outros países à volta do globo, próximos ou longínquos, que beneficiariam se a China permitisse que o yuan se valorizasse. A administração Bush bem tentou esta via incitando a China a liberalizar os seus mercados financeiros e a deixar flutuar o yuan. A China resistiu, argumentando (com uma justificação considerável) que isso não pode ser feito sem uma reforma a longo prazo de seu sistema financeiro interno, e que abrir os seus mercados financeiros prematuramente poderia arriscar-se a fazer destabilizar os movimentos de capitais como aconteceu na crise asiática dos anos 90. Mas isto é colocar o carro à frente dos bois. Precisamos de separar a questão do valor do yuan da questão de este ter um câmbio fixo ou flexível, assim como se devem separar estes problemas da constante e difícil questão da maior abertura dos seus mercados financeiros e da reforma do seu sistema financeiro interno. A China pode continuar a

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fixar a sua taxa câmbio se o quiser fazer, mas deve ajustá-la de modo a que o yuan se reavalie substancialmente. Os decisores da política económica dos Estados Unidos devem centrar-se em conseguir persuadir a China em fazer uma revalorização significativa da sua moeda, deixando aos decisores políticos chineses a definição da forma de o fazerem (ajustar o yuan a uma banda de variação ou deixando-o flutuar). Não há nenhuma razão para esperar pelas reformas de longo prazo da política chinesa, que poderiam levar décadas a realizar, para proceder a um simples ajustamento que é necessariamente vital para a correcção das actuais assimetrias no sistema de comércio global.

Maquilapolis: City of factories © David Maung

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CApíTUlO V. ALGUNS OLhARES, ALGUmAS INTERROGAçõES mUDAS SOBRE O mUNDO DAS maquiladoras, hOJE.

Extraído de Environmental Health Coalition/Coalición de Salud Ambiental, “Globalization at the Crossroads: Ten Years of NAFTA in the San Diego/Tijuana

Border Region.”, 2004, disponível em http://www.environmentalhealth.org/CoverGlobalizationReport.html.

Não é objectivo da globalização empresarial criar comunidades sustentáveis. É mais uma acção do tipo “toca e foge”, porque, na economia global de hoje, as empresas podem transferir o local de produção para meio mundo, do dia para a noite.

Foi o que se passou na indústria de televisões. Uma indústria em tempos próspera nos Estados Unidos foi dizimada quando as empresas deslocalizaram a sua produção para o México. Agora os empregos estão a deslocalizar-se do México para a Ásia.

Em 1967 havia 90.000 empregos bem pagos, nos EUA, nas fábricas de televisores. Hoje, há apenas 3.000. As empresas deslocalizaram para o México porque os salários eram mais baixos, havia menos regulamentações ambientais e tarifas aduaneiras mais reduzidas para os materiais e produtos transaccionados que passavam a fronteira.

Quando as fábricas de televisões se deslocalizaram para o México a indústria transformadora mexicana de televisões teve um enorme crescimento. Mas, agora, é esta a entrar em colapso porque a Ásia e sobretudo a China oferecem salários e tarifas mais baixas.

A China entrou na OMC em 2001 e rapidamente se converteu num país atractivo para a localização empresarial, quer para a instalação de empresas estrangeiras, quer para a expansão das empresas nacionais. Hoje a China é o principal fabricante de televisores.

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Para além dos despedimentos colectivos nas fábricas de televisores nos EUA, registaram-se outras perdas de postos de trabalho correlacionadas, quer a montante (fornecedores), quer a jusante (como as lojas onde os trabalhadores iam às compras).

Não são somente os operários que estão a perder o emprego, mas também os trabalhadores de colarinho-branco, como, por exemplo, em actividades como a programação de computadores, que estão a passar a ser realizadas de forma externalizada, em “outsourcing”, na economia global, especialmente na China e na Índia.

San Diego (na Califórnia) perdeu 4.100 postos de trabalho em tecnologias da informação nos últimos dois anos.

A nível nacional, prevê-se que, lá para 2015, estejam deslocalizados para o estrangeiro 3,3 milhões de empregos no sector das tecnologias de informação.

A instabilidade da economia mundial é especialmente dura para os trabalhadores com baixos salários das maquiladoras, como os de Tijuana, no México. Desde 2000 as fábricas maquiladoras desta região perderam 20% dos seus postos de trabalho. Alguns sinais de recuperação registados em 2004 devem-se principalmente ao impulso ligado às concessões adicionais do governo às empresas, sob a forma de reduções de impostos e de redução da burocracia. As maquiladoras pagam já apenas um quinto do que pagam as empresas pertencentes a nacionais. A taxa patronal sobre os salários foi eliminada em 2004 para as maquiladoras. Os esforços para criar um imposto ambiental na Baixa Califórnia foram derrotados em 2003. No verão de 2004 as maquiladoras em Tijuana queixavam-se de que os trabalhadores não respondiam aos seus anúncios de oferta de empregos. De facto muitas destas campanhas de ofertas de empregos são uma prática comum das maquiladoras que consiste em despedir os trabalhadores quando baixam as encomendas e em readmiti-los depois, quando recebem novas encomendas. A prática das maquiladoras de fazer contratos de curto prazo, até só por uns meses, também é muito comum. Ambas as práticas privam o trabalhador do mínimo de segurança no trabalho e ameaçam direitos estabelecidos por lei, tais como o direito à indemnização. Face a estas condições laborais, muitos trabalhadores abandonaram Tijuana para regressarem a casa, noutros estados mexicanos, ou ficaram a trabalhar no sector informal da economia, que já representa 49% do emprego no México.

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Os trabalhadores não se apressam a responder a anúncios das maquiladoras porque têm experiência desses tipos de trabalho. Sabem que não lhes pagam um salário digno, que estes empregos são perigosos e degradantes, que não há sindicatos independentes e que, se tentam defender os seus direitos, são postos na rua ou colocam-nos na listas negras de pessoal, para não serem admitidos em mais lado nenhum. As trabalhadoras, por seu lado, conhecem os testes obrigatórios de gravidez, para seleccionar candidatas que poderiam mais tarde ter direito a subsídios de parto. Trabalhar numa maquiladora não satisfaz ninguém. Para os trabalhadores a globalização empresarial é um jogo de azar. Com o acordo NAFTA prometeram-se empregos, mas a única coisa que resulta é a sua transferência de um lado para outro, e de caminho a insegurança económica e a pobreza.

Com o NAFTA os níveis de vida degradaram-se em San Diego e em Tijuana. A desigualdade de rendimentos entre o México e os EUA cresceu tanto que agora há maior desigualdade de rendimentos entre os dois lados da fronteira que em qualquer outra fronteira no mundo. As zonas de pobreza em San Diego duplicaram desde a criação do NAFTA. As actividades de serviços, geralmente muito mal pagas, aumentaram em 250.000 empregos. Hoje, vivem aqui mais 35.000 crianças em situação de pobreza que em 1989.

As actividades de montagem industrial em San Diego, na Califórnia, pagam, em média, 11,50 dólares por hora. Em Tijuana, no México, os trabalhadores das fábricas maquiladoras ganham, em média, 1,50 dólares por hora. Nenhuns destes salários são salários dignos. Em San Diego, para que uma família de dois adultos empregados e com dois filhos na escola possam cobrir as suas necessidades básicas precisam de ganhar 12,27 dólares hora. Mas isto é o dobro do salário mínimo definido no Estado da Califórnia e mais do dobro do salário mínimo nacional. Em nenhum das cinco profissões de maior volume de emprego da circunscrição de San Diego – empregados de restauração (preparação de comida e atendimento), empregados de balcão, empregados de caixa e empregados de escritório – ganham 12,27 dólares por hora.

Em Tijuana, com o salário mínimo de hoje, pode-se apenas comprar uma quinta parte do que se podia comprar no início dos anos 80. Dois adultos empregados a tempo inteiro nas fábricas maquiladoras ganham apenas dois terços do que é necessário para sustentar uma família com duas crianças. Os trabalhadores a tempo completo vivem em condições precárias, sem água canalizada, saneamento básico e electricidade. Metade das famílias de Baja California não tem cobertura médica.

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Dos 100 milhões de mexicanos, 54 milhões não têm condições para satisfazer as suas necessidades básicas, e 25 milhões destes vivem em situação de extrema pobreza.

Com o acordo NAFTA despoletou-se o maior volume de migração desde aos anos 60, com as pessoas a acorrerem à procura de emprego na zona da fronteira. Tijuana tinha, em 2000, sete vezes mais população do que tinha em 1960. As empresas atraem os trabalhadores para as fábricas mas não investem nos bairros onde vivem os trabalhadores e as suas famílias. Além disso, o México tem menos recursos para pagar as infra-estruturas. Por exemplo San Diego dispõe de sete vezes mais recursos que Tijuana para os serviços municipais.

Mais de metade do novo crescimento habitacional de Tijuana processa-se em bairros de génese ilegal, em que 67% das habitações são de terra batida, 66% não têm água canalizada e 44% das ruas não são pavimentadas.

O governo mexicano lançou um projecto, em 2003, para promover a economia informal, através do incentivo à designada “changarrización”, ou seja, a criação de pequenos negócios caseiros, tais como a venda de comida. O Presidente Fox incentivou os mexicanos a dedicarem-se a “esse outro maravilhoso mundo de criação do próprio emprego, em que qualquer pessoa, qualquer família, qualquer mulher pode … gerar o seu próprio rendimento, sem necessidade de ter de gastar o seu tempo num emprego formal”.

Em Tijuana, um casal oriundo do Estado mexicano de Tabasco, que não ganhava nos seus empregos na fábrica maquiladora o suficiente para viverem, abriram uma loja com o nome de “Tiendita La Esperanza” (Lojinha A Esperança). Situada num bairro de génese ilegal habitado por trabalhadores das fábricas maquiladoras, a loja faliu poucos meses depois. O marido ganha 1,27 dólares por hora e a mulher 1,08 nas fábricas maquiladoras, ou seja, muito menos que um salário para viver.

Uma das promessas do NAFTA, segundo os seus negociadores, era que reduziria o número dos mexicanos indocumentados a atravessar a fronteira, já que traria a prosperidade ao México. Contudo, o número dos indocumentados a viver nos Estados Unidos cresceu, com o NAFTA, de 2 milhões em 1990 para 4,8 milhões, em 2000, havendo estimativas que apontam para os dez milhões.

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Agora o governo americano quer reforçar a barreira que separa Tijuna de San Diego por uma tripla barreira, para impedir a entrada de imigrantes. A barreira tripla traduz uma política fronteiriça fracassada e uma política de comércio externo fracassada, destrói o meio ambiente e é uma ameaça para a saúde pública. É irresponsável a atitude dos Estados Unidos em quererem impor medidas extremas, como uma tripla barreira, para controlar a imigração, enquanto, ao mesmo tempo, mantém, e quer mesmo alargar as medidas de política no âmbito das trocas comerciais, que fazem aumentar a pressão migratória, aumentando a pobreza e a instabilidade económica.

Desde 1994 houve um aumento de 500% em mortes de migrantes, só na área entre San Diego e Yuma, enquanto que ao longo de toda a fronteira EUA-México este aumento foi de 100%. Mais de 3.000 migrantes perderam a vida, mas as pessoas não deixam de tentar passar a fronteira, apesar dos perigos. O acordo NAFTA não trouxe prosperidade ao México.

Os trabalhadores das fábricas maquiladoras no México não são apenas mal pagos, mas são, além disso, também expostos a produtos tóxicos, sofrem humilhações e discriminação no trabalho e são-lhes negados direitos laborais fundamentais.

Os trabalhadores das maquiladoras em Tijuana não recebem informação adequada sobre os produtos químicos utilizados no seu trabalho.

No cumprimento do direito à informação vigente nos EUA, deve ser dada aos trabalhadores informação sobre o uso seguro dos materiais.

A lei mexicana de direito à informação não está plenamente implementada. Por isso, os trabalhadores de Tijuana não recebem o mesmo tipo de informações que recebem os seus congéneres do outro lado da fronteira.

É alarmante a falta de informação sobre os produtos químicos e sobre saúde e segurança nos postos de trabalho nas fábricas maquiladoras. Um dos raros estudos feitos sobre este tema concluiu que a taxa de acidentes e enfermidades dos trabalhadores mexicanos é 2,5 vezes mais alta no México que na fábricas similares nos EUA.

Um outro aspecto da injustiça laboral, nesta época da globalização empresarial, é a

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discriminação das mulheres. Um teste de gravidez com resultado negativo é obrigatório para se conseguir trabalhar nas fábricas de televisores de Tijuana e em muitos outros tipos de fábricas maquiladoras. A organização americana dos direitos humanos, Human Rights Watch e a Secretaria de Estado dos Estados Unidos denunciaram esta prática como uma violação da lei internacional e das leis de trabalho do México. As maquiladoras que usam o teste de gravidez na selecção de trabalhadores negam às mulheres o direito ao trabalho sem discriminação.

Se a intenção com esta política fosse proteger as trabalhadoras das toxinas que afectam o sistema reprodutivo, também teria que recusar emprego aos homens, já que a capacidade reprodutiva é muito sensível aos solventes e aos metais na indústria.

Porque é que as maquiladoras enveredam por estas práticas? Ao não contratarem mulheres grávidas, as maquiladoras evitam pagar as prestações sociais que a lei mexicana exige, relativas a 6 semanas, antes e depois do parto.

Meio ambiente

Com a globalização aumentou o comércio fronteiriço entre o México e os EUA e também a poluição. Apesar das afirmações de que na vigência do NAFTA se solucionariam os problemas causados pela poluição, não se cumpriu a promessa de melhorar a saúde pública nem a qualidade do meio ambiente.

Existem 66 lugares tóxicos documentados nos Estados mexicanos com fronteira com os EUA. As autoridades admitem que milhões de toneladas de resíduos tóxicos se produzam sem qualquer rastreio. Os gastos totais do México com inspecções e controlo ambiental baixaram 45% desde 1994.

A repatriação dos resíduos tóxicos gerados na região fronteiriça mexicana decorrentes de matérias-primas vindas dos Estados Unidos não se faz de forma consistente, ainda que os acordos e a política do México o exijam.

Em1993, o governo americano implementou o sistema de rastreio Haztraks, para rastrear os resíduos perigosos na região fronteiriça. Este sistema nunca funcionou de forma adequada. A informação fornecida era frequentemente imprecisa ou incompleta.

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O último relatório deste sistema foi divulgado em 1997. Finalmente, acabou-se com o sistema Haztraks.

Hoje em dia não há nenhum sistema em funcionamento que controle, nem quantas, nem que tipo de substâncias tóxicas passa a fronteira, seja a norte ou seja a sul. Uma das promessas do NAFTA era que as normas ambientais fossem homogeneizadas em todos os países da América do Norte. Isto não aconteceu.

O objectivo do direito à informação sobre substâncias tóxicas é obrigar as empresas a reportarem o uso de substâncias perigosas que se encontrem listadas. Isto dá ao governo a possibilidade de monitorizar o uso de produtos químicos tóxicos em postos de trabalho e é igualmente uma fonte de informação para o público. Mas, somente 16% das substâncias tóxicas listadas nos Estados Unidos são monitorizadas no México. Além disso, apesar da obrigação agora no México de apresentação de relatórios pelas empresas, o sistema para obrigar a cumprir esta lei não está ainda em vigor e funciona sem regularidade.

O caso de “Metales y Derivados”

“Metades y Derivados” é um dos 66 documentados sítios poluídos com resíduos tóxicos abandonados junto à fronteira.

Esta fábrica maquiladora, que reciclava baterias importadas dos Estados Unidos, foi fechada em 1994. Nesse mesmo ano foi emitida uma ordem de prisão para o dono, José Kahn, depois de a comunidade ter denunciado os problemas de saúde e de o governo mexicano ter confirmado repetidas violações das leis ambientais.

O dono fugiu do México, deixando atrás de si 23.000 toneladas de produtos tóxicos. Agora vive em San Diego, onde continua a gerir uma empresa associada da “Metales y Derivados”, a “New Frontier”.

Exames clínicos feitos a um grupo de crianças a viver perto deste sítio registaram níveis elevados de chumbo no sangue.

Maquilapolis: City of factories © David Maung

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CApíTUlO Vi.RECEIOS COm A GLOBALIzAçãO

Extraído de Branko Milanovic, 2006, “Why Globalization is in Trouble”,Yale Global Online, 29 de Agosto, disponível em www.carnegieendowment.org/

publications/index.cfm?fa=view&id=18717&prog=zgp&proj=zted.Branko Milanovic é economista no Carnegie Endowment

for International Peace e no Banco Mundial

Historicamente, o poder dominante procura defender a globalização como forma de alargar o âmbito da sua influência, expandir o comércio, obter vantagens económicas, cativar novos cidadãos e, provavelmente, mostrar as vantagens da sua própria Pax. Foi o que aconteceu com a globalização conduzida pelos romanos, pelos Ingleses e, agora, pelos Americanos. Mas recentemente, o Ocidente rico – que via a globalização como prelúdio para “o fim da história” – tem agora novas preocupações.

Dois temores estão na base deste mal-estar relativamente à globalização: O primeiro é o medo da perda de empregos, devido à concorrência dos países de baixos salários. O segundo é o medo da diluição étnica e cultural, devido à imigração crescente.

A causa de primeiro receio está na re-emergência rápida da China e da Índia no palco mundial. Para os estudantes de história, o aumento da importância da China e da Índia não constitui surpresa. Os dois países estão exactamente a voltar a assumir a importância perdida durante o século XIX e a maior parte do século XX. Antes da revolução industrial, a produção total conjunta da China e da Índia representava metade do produto total do mundo. Agora, após um quarto de século de crescimento espectacular da China, e mais do que uma década de aceleração do crescimento da Índia, os dois países representam ainda uma produção que não chega a um quinto do total mundial. Embora a sua posição relativa continue abaixo do que era, em sentido histórico de longo prazo, aumentou, no entanto,

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abruptamente, quando comparada com o que era há cerca de 30 anos. A emergência dos dois gigantes asiáticos, reflectida no seu comércio externo dinâmico, nos grandes excedentes de exportação chineses e no papel da Índia como centro de externalização de actividades (outsourcing) e como potencial líder em tecnologias de informação, fez com que o Ocidente se interrogasse se poderá competir com esta mão-de-obra esforçada, barata, abundante e, mesmo assim, relativamente qualificada.

Enquanto o medo da perda de empregos entronca no rápido crescimento económico dos dois gigantes, o medo da imigração decorre, por ironia, do lento crescimento económico do resto do mundo em vias de desenvolvimento. As pessoas que tentam atravessar o mar para os países europeus ou passar a fronteira para os EUA a partir do México vêm dos países que ficaram desastrosamente para trás da Europa Ocidental e dos EUA, durante o último quarto de século. Em 1980, o rendimento real per capita do México, ajustado pelos níveis de preços no México e nos EUA, era um terço do dos EUA. Hoje, a relação chega quase a 4,5 para 1. Os pobres africanos que desembarcam diariamente nas praias das ilhas Canárias espanholas vêm dos países que nunca registaram qualquer crescimento económico nos últimos 50 anos. Tomemos o caso do Gana, um país frequentemente apregoado como um caso de sucesso em África: em 1957, aquando da sua independência, o seu rendimento era metade do rendimento da Espanha; hoje, é um décimo.

A imigração coloca uma pressão sobre o emprego de baixa e média qualificação no Ocidente, da mesma forma que as importações baratas da China e a externalização da produção (outsourcing) na Índia. E, com efeito, os salários dos trabalhadores pouco ou até mediamente especializados nos países ricos não têm tido a mesma evolução que os salários do topo da pirâmide. Enquanto o salário real médio nos EUA não aumentou em valor real nos últimos 25 anos, os salários reais no percentil do 1% do topo da pirâmide salarial, mais que duplicaram. Os 1% americanos mais ricos de hoje controlam quase 20% do rendimento total dos EUA, uma proporção muito mais elevada que em qualquer outro momento, desde os Loucos Anos 20. A curva em U da desigualdade – um forte aumento que começou durante a era Thatcher-Reagan, depois dum longo declínio – afectou, em extensão variável, todos os países ocidentais.

Mas a questão é algo mais profunda que uma ameaça ao emprego e à estagnação dos salários nuns poucos sectores “expostos”. Apesar de tudo, o Ocidente não é de modo algum estranho às mudanças estruturais. Ricardo nos seus “Princípios”, escritos em 1815, discute

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a deslocalização do emprego “causada” pela introdução das máquinas. Os países ocidentais lidaram com o declínio de grandes indústrias, como o carvão, o têxtil e o aço. Os economistas nunca aceitaram bem os argumentos de protecção das indústrias tradicionais em declínio: numa economia em expansão, a mudança estrutural é necessária e inevitável; os empregos perdidos numa indústria reaparecerão como novos empregos numa outra indústria.

A diferença, agora, é que este duplo desafio mina o consenso sob o qual foi construído o Estado-Providência ocidental, desde a Segunda Guerra mundial. Compreender porquê, recordar que os Estados-Providência no Ocidente assentam sobre dois pilares: os pilares da solidariedade étnica e da solidariedade social. O primeiro pilar implica que se está disposto a ser tributado quando se tem a certeza que a ajuda será destinada a quem é étnica e culturalmente seu semelhante. Mas, quando um grande número de imigrantes chega, com normas sociais distintas e não facilmente adaptáveis, essa certeza deixa de existir. Mais imigrantes, fará esticar a corda, já frágil, da solidariedade entre os cidadãos dos países europeus ricos.

O segundo pilar do Estado-Providência é a solidariedade de classe. Para que exista, deve haver condições económicas relativamente semelhantes entre as classes, de modo a que uma pessoa possa razoavelmente esperar que, em contrapartida das prestações sociais que desembolsa no presente, possa ser compensado – se a necessidade se fizer sentir – por um benefício social semelhante no futuro. Se, por exemplo, as taxas de desemprego forem relativamente semelhantes para os diversos níveis de qualificação, então o trabalhador altamente qualificado desconta de boa vontade para pagar os subsídios de desemprego; mas se as taxas de desemprego são muito diferentes, o mesmo trabalhador altamente qualificado pode querer sair do sistema. À medida que as diferenças de rendimento no Ocidente se acentuam entre os ricos e os mais instruídos e bem sucedidos na vida e entre as classes médias e os trabalhadores não qualificados que mal se sustêm, o segundo pilar sobre qual foi edificado o capitalismo de Estado-Providência entra em colapso. A desigualdade económica traduz-se igualmente numa desigualdade cultural. Os migrantes “étnicos” que preenchem as fileiras dos postos de trabalho de baixos salários não são os únicos a serem, económica e culturalmente, diferentes das elites ocidentais de hoje; as próprias elites desenvolvem-se igualmente de modo muito diferente dos mais pobres da sua comunidade étnica.

Tendo chegado a esta situação, estes desenvolvimentos exigem um contrato social inteiramente novo, exigem nem mais nem menos que uma redefinição do próprio capitalismo.

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Mas não é fácil que tais mudanças fundamentais se processem, quando as ameaças são subtis, contínuas, incrementais e longe de serem dramáticas na vida quotidiana. As decisões difíceis podem ser adiadas, e nem os políticos nem o eleitorado têm ânsias de mudança. Seguir-se-á uma batalha para descartar a responsabilidade de quem deve assumir os custos do ajustamento, e isto está no cerne do imobilismo actual da Europa.

Porque é que o desenvolvimento do “novo capitalismo” e o repensar do velho contrato social é muito mais difícil para a Europa do que para os EUA? Primeiro, por uma razão evidente, porque o Estado-Providência da Europa é muito mais vasto e profundo, muito mais impregnado na vida do dia a dia dos cidadãos, e o seu desmantelamento é socialmente mais destabilizador. Em segundo lugar, porque o baixo crescimento de população – ou em muitos países, um declínio – torna necessária a imigração contínua em larga escala. Mas, e este é o fundo do problema, a Europa promove mais a integração social dos seus imigrantes do que os EUA. Historicamente, a Europa não foi obviamente uma sociedade dos imigrantes. Os europeus acolhiam de boa vontade os trabalhadores estrangeiros, enquanto estes vinham ocupar os postos de trabalho de baixos salários e se mantinham afastados socialmente. Esta situação de quase – segregação preservou a cultura dos imigrantes, a qual veio depois a verificar-se, de forma mais notória na Holanda, que colidia com alguns valores europeus. Os imigrantes, mais ainda os seus descendentes, filhos e filhas, não se contentavam em continuar apenas com os empregos subalternos. E enquanto a Europa foi muito boa a acolhê-los nas suas equipas do futebol e de basquetebol, foi muito mais relutante em permitir-lhes ocuparem as salas de cirurgia ou aos gabinetes dos conselhos de administração.

A questão essencial é que a Europa tem necessidade de nada menos do que uma revolução social: substituição do seu Estado-Providência, e aceitação do facto de que os alemães, os franceses ou os italianos de amanhã serão muito mais escuros na cor da pele, compostos por indivíduos de diversas religiões e, em vários aspectos, constituirão efectivamente um povo diferente. Tal como a fusão étnica dos francos com a cultura latina gerou a França, uma fusão similar Cristiano-Islâmica e Afro-Europeia pode criar novas nações europeias, talvez com perspectivas diferentes sobre a vida e sobre as normas sociais. Nenhuma sociedade pode realizar tão importante mudança, rapidamente e sem dor.

Nos países ricos a globalização funcionou como elemento determinante da estrutura de classes sociais, enquanto nos países pobres, a linha divisória verificou-se entre os próprios

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países: entre os países que se ajustaram ao processo de globalização e que prosperaram e os países que se ajustaram mal e, em muitos casos, entraram em colapso.

Com efeito o terceiro mundo nunca constituiu um bloco à maneira do que foram os países do primeiro mundo e do segundo mundo, o bloco dos países comunistas. Mas uniu-se pela oposição ao colonialismo e na sua aversão a ser utilizado como campo de batalha para as duas ideologias então dominantes. Quando o segundo mundo se desmoronou e a globalização se iniciou, aquele último desiderato evaporou-se e alguns países, principalmente a Índia e a China, aceleraram significativamente as suas taxas de crescimento e passaram a apreciar os frutos do comércio mais livre e de movimentos de capitais mais alargados. E embora estes dois países se tenham adaptado bem à globalização, não há dúvida de que a sua relativa e recente prosperidade abriu muitas novas linhas de fissura. A desigualdade entre as províncias costeiras e do interior, assim como entre meios urbanos e rurais, cresceu em flecha na China. Do mesmo modo, ou talvez ainda mais, cresceu a desigualdade entre os estados indianos meridionais, onde estão situadas as cidades de Mumbai, de Chennai e de Bangalore e o nordeste, de crescimento muito mais lento. Para a China, que ainda tem que enfrentar a transição política para a democracia, o alargamento das desigualdades entre diferentes partes do país poderá ter consequências desastrosas.

Mas outro grande grupo de países do Terceiro Mundo, da América Latina à África, até antigos países comunistas, viveu um quarto de século de declínio ou de estagnação, pontuado por guerras civis, conflitos internacionais e pela situação difícil da SIDA. Enquanto, entre 1980 e 2002, os países ricos se desenvolviam, em média, a quase 2% per capita anualmente, os 40 países mais pobres do mundo tiveram uma taxa de crescimento conjunta de zero. Nalgumas grandes zonas da África, onde vivem cerca de 200 milhões de pessoas, o nível de rendimento é hoje inferior ao que era durante a presidência de John F. Kennedy.

A estes países nunca chegaram as prometidas vantagens da globalização. As políticas tão elogiadas do “Consenso de Washington” não trouxeram nenhuma melhoria de bem-estar para as populações, mas sim uma deterioração nas condições de vida, como quando os principais serviços sociais foram privatizados e se tornaram mais dispendiosos, como foi o caso, por exemplo, das privatizações da água em Cochabamba, na Bolívia, e em Trinidad, ou a privatização da electricidade na Argentina e no Chade. Foram frequentemente arrematadas por estrangeiros, e para acrescentar o insulto aos prejuízos, os

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excelsos ocidentais chegavam de aviões privados, ficavam nos hotéis de luxo e precipitaram obviamente a deterioração das condições económicas e sociais como etapa para uma vida melhor e para a integração internacional.

Para muitas pessoas na América Latina e na África, a globalização surgiu como novidade, como um rótulo mais atractivo colocado sobre o velho imperialismo, ou, mais ainda, como uma forma de neocolonialismo. A reacção de esquerda na América Latina foi rápida, do México até à Argentina, e é consequência directa das linhas de ruptura abertas pelas políticas que frequentemente foram concebidas para beneficiar os homens de Wall Street, e não as pessoas das ruas de Lima ou de Caracas.

Outros Estados do Terceiro Mundo - em especial os da linha da frente da batalha entre o comunismo e o capitalismo, com animosidades étnicas incentivadas durante a guerra fria, que foram apoiados, quer por Washington, quer por Moscovo para ganharem os conflitos – explodiram depois em guerras civis e desagregação social. Esta parte do mundo associa a globalização à decepção (porque o Consensus de Washington nunca chegou), ao ressentimento (porque outros o obtiveram) e à pobreza, à doença e à guerra. Em vários países africanos subsaharianos a esperança de vida no final do século XX não se situa somente no nível em que se situava na Europa, há dois séculos, mas é ainda pior. No Zimbabué, entre 1995 e 2003, a esperança de vida diminuiu de 11 anos, para se situar em apenas 39 anos.

As ideologias que se propunham realizar melhorias económicas e dar auto-estima a muitos povos em África (do socialismo africano de Kwame Nkrumah à economia “cooperativa” de Jules Nyerere) e alguns países do antigo bloco communista (a gestão “do trabalho” de Tito) desmoronaram-se e deram lugar a oligarquias autocráticas que justificam as suas politicas, não pelo envolvimento dos seus próprios cidadãos, mas sim pela publicação de excertos dos relatórios escritos pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional.

No Terceiro Mundo no seu conjunto, a globalização, na melhor das hipóteses, produziu o que Tocqueville, com um ar de desdém aristocrático, chamou de governo de mentalidade de comerciante das classes médias, “um governo sem virtude e sem grandeza”; e, na pior das hipóteses, deu origem a governos plutocratas ou a elites completamente desligadas das suas próprias populações. Assim, a globalização projecta-se nos países mais pobres e mais fracos na sua plena brutalidade.

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Talvez a maior vítima do capitalismo global ávido de dinheiro, seja a perda da auto-estima entre aqueles que não têm possibilidades económicas – e que basicamente estão situados nos países mais pobres. As populações africanas desesperadas, que querem salvar os seus próprios países, emigram não somente porque os rendimentos são baixos e as perspectivas sombrias, mas igualmente devido à falta total de confiança na possibilidade de melhoria das suas vidas, seja quem for que esteja no poder. Este desânimo e perda de auto-estima é, com efeito, um produto da globalização. No passado poderia sentir-se desfavorecido pelo azar de ter nascido num país pobre, mas, no entanto, havia ainda como compensação a crença que outros valores importavam, que o seu país oferecia ao mundo algo de válido, uma ideologia diferente, uma maneira de viver diferente. Mas nada disso subsiste, hoje.

Estranhamente, o problema foi sublinhado por Friedrich Hayek. Os resultados do mercado, argumentava Hayek, não devem ser apresentados como eticamente justos ou injustos, porque o mercado é eticamente neutro. Mas para apoiar a via do capitalismo global, os seus partidários insistem, de um modo quase calvinista, que o sucesso económico não é somente bom num sentido puramente material, mas revela também alguma superioridade moral. Assim os vencedores são incitados a sentirem-se, não somente mais ricos, mas moralmente superiores, assim como o seu inverso: os perdedores sentem-se pobres, sendo suposto terem vergonha do seu malogro. Muitas pessoas pensam deste modo, mas muito naturalmente nem todas fazem, felizmente, este tipo de juízo de valor.

Uma curiosa coincidência de interesses surge entre as populações desesperadas e as pessoas ricas nos países avançados. Estes últimos, cultos e informados e com consideráveis “interesses” patrimoniais estão, economicamente, de modo muito frequente, a favor duma maior competitividade e de migrações do Terceiro Mundo, uma vez que, como investidores no estrangeiro ou como consumidores dos serviços de mão-de-obra a baixo custo, beneficiam dos baixos custos salariais.

Esta improvável coincidência de interesses dá alguma justificação superficial aos argumentos de George Bush e de Tony Blair de que os adversários dos pactos de comércio livre vão contra os interesses dos pobres. O problema é que o Presidente e o Primeiro-Ministro não reconhecem, ou talvez sejam mesmo incapazes de o reconhecer, que várias das políticas recomendadas pelos seus governos e aplicadas nos países pobres nas duas últimas décadas são as responsáveis, com efeito, pelas situações de desespero em que se encontram actualmente as populações.

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Completamente emparedados entre esta improvável “coligação” dos mais ricos e dos mais pobres, estão os perdedores da globalização: as classes de médio e de mais baixo rendimento, no ocidente, e aqueles que, nos “Estados falhados”, ainda não desesperaram suficientemente para subirem para bordo das embarcações em direcção à Europa ou para passarem a fronteira dos EUA durante a noite. Eles também perderam em termos da sua soberania nacional e de rendimento pessoal. Podem não aceitar bem a ideia de que são moralmente inferiores. À primeira vista, não parece que venham a fazer descarrilar a globalização porque o seu poder é limitado. No entanto, num mundo mais interdependente e com um acesso mais fácil às armas mortíferas, a política do ressentimento global pode encontrar muitos seguidores.

Ciclo organizado pelos docentes da disciplina de Economia Internacional

da Faculdade de economia da Universidade de Coimbra

Colaboração do Núcleo de Estudantes de Economia da Associação Académica de Coimbra

Apoio da Coordenação do Núcleo de Economia da FEUC

Com o apoio das instituições:

Caixa Geral de Depósitos

Fundação Luso-Americana

Fundação para a Ciência e Tecnologia

Fundação Calouste Gulbenkian

Ciclo Integrado de Cinema, Debates e Colóquios na FEUC

DOC TAGV / FEUC

Integração Mundial, Desintegração Nacional:

a Crise nos Mercados de Trabalho

Textos seleccionados, traduzidos e organizados por:

Júlio Mota

Luís Peres Lopes

Margarida Antunes

Globalização é um daqueles termos que passaram directamente da obscuridade

para a ausência de sentido, sem qualquer fase intermédia de coerência.

Mas deixem-me dizer apenas o seguinte: a globalização é também muito importante

e é totalmente consistente com mais e melhores empregos,

salários decentes e empregos decentes.

Robert Reich