Marcella Bacha - A Baleia em primeira pessoa: iconografia, história, cultura e memória
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Centro de Cincias Humanas e Sociais CCHS
Escola de Museologia
A BALEIA EM PRIMEIRA PESSOA: ICONOGRAFIA, HISTRIA,
CULTURA E MEMRIA
MARCELLA FAUSTINO FERNANDES BACHA
RIO DE JANEIRO
Dezembro 2013
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MARCELLA FAUSTINO FERNANDES BACHA
A BALEIA EM PRIMEIRA PESSOA: ICONOGRAFIA, HISTRIA,
CULTURA E MEMRIA
Trabalho de concluso de curso apresentado
Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro UNIRIO, como requisito parcial
para obteno de grau de bacharel em
Museologia.
Orientador: Prof. Ms. Analdo Bernardo
Baraal
Coorientadora: Ms. Solange de Sampaio
Godoy
Coordenadora da Disciplina: Avelina Addor
RIO DE JANEIRO-RJ
Dezembro 2013
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BACHA, Marcella Faustino Fernandes. A baleia em primeira pessoa: iconografia, histria,
cultura e memria / Marcella Faustino Fernandes Bacha. Rio de Janeiro: UNIRIO/CCH/Escola
de Museologia, 2013. 91 p.
Bibliografia.
Trabalho de concluso de curso apresentado Escola de Museologia da Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro. Orientador: Prof. Ms. Analdo Bernardo Baraal.
1. Cultura dos animais. 2. Baleia. 3. Teoria Museolgica.
4. Cultura da baleia. 5. Testemunhos.
(Graduao UNIRIO/CCH/ Escola de Museologia).
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MARCELLA FAUSTINO FERNANDES BACHA
A BALEIA EM PRIMEIRA PESSOA: ICONOGRAFIA, HISTRIA,
CULTURA E MEMRIA
Trabalho de trmino de curso apresentado
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
UNIRIO, como requisito parcial para obteno de
grau de bacharel em Museologia.
Banca Examinadora
_______________________________________
Prof. Ms. Analdo Bernardo Baraal
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
_______________________________________
Prof. Avelina Addor
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
_______________________________________
Prof. Dr. Bruno Csar Brulon Soares
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
RIO DE JANEIRO, 06 DE DEZEMBRO DE 2013
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O comeo de todas as cincias o espanto de as
coisas serem o que so.
(Aristteles)
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Para Dy (in memorian), Megan, Eloah e
Zeca, os quais mais me inspiram nessa
caminhada; Carlos Bacha, Sonia
Faustino e Elza Bacha, os que me
possibilitaram chegar at aqui; s
baleias, que me mostraram uma pureza
de corao que eu ainda no conhecia.
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AGRADECIMENTOS
Muitas foram as pessoas envolvidas na realizao dessa pesquisa, e reconhecer o
carinho e o interesse de cada uma delas o mnimo que eu poderia fazer para
demonstrar sua importncia para o alcance dos resultados. Antes de qualquer nome eu
quero agradecer a Deus por ter me iluminado, me inspirado e me ajudado a vencer todas
as batalhas que encontrei pelo caminho. Obrigada pela sade e perseverana que foram
de extrema valia.
Aos meus pais, Carlos Bacha e Sonia Faustino, por toda a ajuda e pacincia que
tiveram ao longo desta etapa, e ainda por se entregarem ao novo junto comigo.
Ao meu orientador, Analdo Baraal, por participar e me motivar durante o
processo que resultou nesse trabalho, por acreditar em mim e no meu tema e por ter sido
pea fundamental para que essa etapa fosse concluda com um resultado positivo.
Minha mais sincera gratido pela amizade, pela dedicao, compreenso e pelas trocas
proveitosas que realizamos.
minha coorientadora Solange Godoy, por estar sempre presente em meus
momentos de dvida, por acreditar e confiar em mim, por aceitar este desafio e ser
receptiva a novas ideias. Minha admirao e gratido por sua amizade que me manteve
firme em todos os momentos de dificuldade.
professora Avelina Addor, pelo apoio e compreenso nas etapas de produo
desse trabalho.
Ao eterno diretor da Escola de Museologia da Unirio, Ivan Coelho de S, pelo
incentivo e por me ensinar a ser perseverante e a ter foco e f nos meus objetivos.
Aos amigos de trabalho do Museu Histrico Nacional, Luis Carlos Antonelli e
Liane Maia, os que participaram do nascimento dessa proposta, e que contriburam em
todas as etapas deste sonho que realizei. Obrigada pela amizade, confiana e incentivo.
Vocs foram meus alicerces.
minha grande amiga, Anna Carolina Predes, o meu eterno agradecimento pelo
apoio dado a este trabalho, pelo incentivo e por ter feito a gentileza de traduzir parte dos
textos pra mim.
A todos os meus amigos de convivncia diria, pelo interesse constante em
encaminhar informaes sobre minha pesquisa, por lembrarem-se de mim sempre que
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viam representaes de baleia em algum lugar, e por serem to pacientes nos meus
momentos de nervosismo, em especial a Raphael Muniz.
Aos professores Anita Correia Lima (Histria/UNIRIO) e Wellington
Castellucci Jr. (Histria/UFBA) pelo interesse, ateno e disponibilidade.
A Paulo Guilherme Alves Pinguim (Divers for Sharks) e Jos Truda Palazzo
Jr. pelo interesse, pelas informaes fornecidas e pela ateno dedicada. Minha eterna
admirao ao maravilhoso trabalho realizado por vocs.
Minha sincera gratido a Nadine Bittencourt (Divers for Sharks), Jociery Parente
(Fundao Mamferos Aquticos), Karina Tavares (Prefeitura de Bzios), Carla Ennes
(Prefeitura de Rio das Ostras), Camila Bellini, Luiz Albuquerque (Sea Shepherd),
Guilherme Ferreira (Sea Shepherd) e Guilherme Dutra (Conservao Internacional),
pelos artigos e bibliografias recomendadas.
Por ltimo, e no menos importante, obrigada as baleias por serem seres to
encantadores, que foram capazes de despertar tudo de melhor que eu j produzi na vida,
que foi esse trabalho.
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RESUMO
O levantamento iconogrfico de testemunhos que remetam presena da baleia
no Brasil foi a etapa que comps o incio de elaborao deste trabalho. A anlise desse
levantamento e a abordagem dos aspectos histricos da pesca da baleia desde a
colonizao traa uma breve trajetria de sua histria. Essas informaes aliadas aos
novos estudos que tm sido realizados em todo o mundo, serviram de embasamento
para corroborar a ideia de que as baleias so animais que tem capacidade de promover
cultura. Seguindo essa linha de pensamento, apresentado o pensamento
antropocentrista como responsvel pela situao de desequilbrio em que o planeta se
encontra, sofrendo com as relaes de poder que o homem promove sobre todas as
espcies. Considerando esse cenrio que vivenciamos no mundo atual, prope se uma
mudana de olhar, com a baleia deixando de ser vista como um ente a ser caado e
passando a estar em situao de equilbrio com o homem. Com isso, discutido o modo
como a museologia pode quebrar paradigmas e promover uma mudana de olhar nas
exposies, no mbito da escolha do que deve ser musealizado e como poderia ser
apresentada a cultura da baleia segundo os alicerces museolgicos atuais.
Palavras chave: cultura dos animais, baleia, teoria museolgica, cultura da baleia,
testemunhos
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SUMRIO
INTRODUO ...................................................................................................................... 10
1. A BALEIA COMO MATRIA PRIMA ......................................................................... 19
1.1 O incio da baleao no Brasil ........................................................................................ 20
1.2 Recursos extrados das baleias .................................................................................... 23
1.3 O fim da pesca da baleia no Brasil ....................................................................... 26
2. TESTEMUNHOS E ICONOGRAFIA DA PRESENA BALEEIRA E DE SUA
RELAO COM O HOMEM .............................................................................................. 28
2.1 Homem e baleia uma relao desde a pr-histria ....................................................... 28
2.2 Testemunhos e iconografia do extermnio no Brasil .................................................. 30
2.3 Iconografia internacional Nantucket ................................................................. 42
3. A CULTURA DAS BALEIAS ........................................................................................... 47
3.1 O antropocentrismo e o pensamento judaico-cristo formando paradigmas e o
despertar do ecocentrismo .................................................................................................... 47
3.2 A cultura da baleia: origem, comportamento e identidade ........................................ 54
3.3 A relao entre o homem e a baleia antes da era crist e do pensamento
antropocntrico .................................................................................................................. 72
3.4 A importncia da memria para consolidar a ideia de cultura das baleias ..... 73
4. MUSEOLOGIA, MEMRIA E CULTURA BALEEIRA ............................................. 77
4.1 Museologia e interdisciplinaridade ................................................................................ 77
4.2 Conceitos necessrios ................................................................................................ 80
4.3 A importncia do reconhecimento e preservao da memria ............................ 84
CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................. 88
GLOSSRIO .......................................................................................................................... 90
REFERNCIAS ..................................................................................................................... 93
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INTRODUO
O tema deste Trabalho de Concluso de Curso (TCC) de Museologia, da Escola
de Museologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO,
relacionado com a cultura dos animais e, em recorte especfico, cultura das baleias, foi
eleito para ser estudado devido a um interesse pessoal. Durante visita ao Museu
Histrico Nacional Instituto Brasileiro de Museus/Ministrio da Cultura
(IBRAM/MinC), um dos ovais de Leandro Joaquim me atraiu a ateno: Pesca da
Baleia na Baa de Guanabara, pintura em leo sobre tela, datada de final do sculo
XVIII, com nmero de registro SIGA 021011. Desde ento, surgiu a necessidade de
entender como ocorreu esse processo de caa baleia no Brasil, que teve incio no
perodo colonial.
Juntamente com esse interesse veio a busca de informaes, o contato com
profissionais de diferentes reas como: histria, biologia, ecologia e principalmente
ativistas e responsveis por organizaes no governamentais - ONGS de proteo ao
ecossistema marinho e baleias, contriburam com a troca de experincias, envio de
textos, entre outras colaboraes que foram fundamentais para o desenvolvimento e
seguimento da pesquisa.
Com o aprofundamento do estudo, foram sendo levantados dados referentes ao
contexto que se apresentava; o conhecimento do massacre que esses animais sofreram
na costa brasileira e os testemunhos desse momento histrico que est no cotidiano
social de importantes cidades do litoral brasileiro (se manifestando em nome de ruas,
bairros, edifcios e monumentos) e no podem ser identificados pela populao local
pois essa informao no de conhecimento pblico. Com o levantamento de todas
essas questes se manifestou de maneira emergencial a necessidade da sociedade
conhecer essa realidade que marcou a histria Brasileira, mas est sendo esquecida.
Nesse momento, o TCC foi pensado para pontuar esses locais que tem evidncias da
baleia e apresentar como e porque ocorre essa relao, apresentando ento as memrias
da presena da baleia no Brasil, at ento o ttulo inicial da pesquisa.
Os focos de abordagem da questo da memria baleeira partiram de uma viso
musestica e patrimonial clssica:
1) Primeira relao Homem x Baleia
2) Testemunhos e iconografia do extermnio no Brasil
3) Iconografia Internacional - Natucket
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No ltimo caso ser apresentada a localidade de Natucket, nos Estados Unidos da
Amrica do Norte, que tinha a atividade baleeira com grande destaque e fez parte do
cenrio de Moby Dick (livro de Herman Melville, de 1851, filmes de John Huston,
1956, de Francis Ford Coppola, de 1998, e ainda o de Trey Stokes, de 2010, a srie de
animao, de Hanna Barbera, a partir de 1967, e msica de Led Zepelin, em lbum de
1969). A regio repleta de iconografia baleeira em diversas dimenses e nos mais
inusitados lugares, fazendo referncia a esse momento histrico dominado pela caa a
baleias j em declnio na economia do vilarejo poca da edio do romance.
Aps os apontamentos a respeito de testemunhos relacionados com a presena da
baleia no Brasil, foi levantada uma importante questo: a populao se identifica com
esses locais/objetos? Eles conseguem associar a nomenclatura do lugar presena das
baleias por ali? A resposta previsvel e envolve a motivao inicial da pesquisa
apresentar para as pessoas a histria do que foi feito com as baleias pois no, a grande
maioria da sociedade no faz nenhum tipo de correspondncia entre nomes e fatos.
Essa concluso transformou parcialmente a pesquisa, que pretendia tratar
diretamente das Memrias da presena da baleia no Brasil, mas por necessidade
social precisa tratar de Testemunhos da presena da baleia no Brasil, pois a memria
no est consolidada e real na vida das pessoas ento nesse momento s podero ser
coletados os testemunhos que sero apresentados a sociedade. O objetivo que, o
despertar de uma conscincia ambiental dote as pessoas dessa memria, e possam se
lembrar dessa questo em seu dia a dia ao passarem em lugares representativos.
Com o aprofundamento no estudo, tornava-se mais evidente a crueldade com que foi
tratado o sacrifcio das baleias, e afastado da sociedade alienada sobre essa parte de
nossa histria at os dias de hoje. Com sua complexa funo cerebral, suas marcantes
caractersticas, seus hbitos especficos, sua constituio cultural e seu carter
ordenador de instintos e necessidades, as baleias sero apresentadas como animais que
lutavam apenas para ter seu espao como um ser vivo respeitado.
A noo de como o homem foi responsvel pela matana de baleias na costa
brasileira e as representaes desse momento ampliaram o foco do trabalho,
encaminhando o estudo para uma abordagem sobre a cultura da baleia, a sua identidade.
A partir desse momento as baleias assumiram o papel de sujeito da pesquisa, elas
passam a estar em primeira pessoa, apresentando suas caractersticas cognitivas e o seu
modo de estabelecer relaes e comunicaes. A baleia no ser mais tratada aqui como
um animal dominado e atingido pelo homem, passando a ser apresentada como uma
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espcie que tem seu papel no meio ambiente, seu modo de viver, sua cultura, suas
particularidades.
O antropocentrismo, isto , a prtica de o homem se considerar nico e de se colocar
no centro do universo est presente na sociedade e responsvel pelo modo tradicional
de ver as coisas a partir da viso do prprio homem, mas este trabalho pretende se
afastar desse modo de considerar os fatos. Esse pensamento prioriza o desenvolvimento
do homem, entretanto ele no trata de maneira hierarquicamente prxima as outras
espcies do ecossistema como animais e vegetais de todas as espcies de seres vivos, o
que acabou contribuindo para o estado de desequilbrio que tem se apresentado no
planeta ultimamente.
A base do pensamento antropocentrista tornou o homem capaz de praticar a caa s
baleias do modo cruel como foi, com o objetivo de obter recursos. At quando o
antropocentrismo continuar a ser justificativa sobrevivncia do ser humano? At
quando a sociedade estar livre do esgotamento de recursos que esse modo de pensar
proporciona?
A baleia ser estudada em quatro vises diferentes, como apresentado a seguir:
a) As baleias como objeto de estudo (histria)
b) A situao Musestica clssica o estado de coisas (testemunhos)
c) As baleias como sujeitos produtores de cultura (cultura das baleias)
d) Museologia e novas perspectivas terico-analticas (a museologia e a cultura
das baleias)
Desse modo, esse trabalho ir apresentar conceitos museolgicos, contribuindo
para promover uma reflexo a partir da possibilidade da museologia incluir uma nova
vertente de pensamento a da cultura das baleias. As etapas a serem comprimidas nesse
trabalho so pontuaes sobre os testemunhos que remetem memria da presena da
baleia no Brasil, incluindo apresentao dos vestgios da caa e os rastros de sangue
deixados pelo homem na formao da genealogia baleeira, visando despertar a
populao de seu estado de desconhecimento e propor um despertar para uma nova
conscincia museolgica de reconhecimento da capacidade de promoo de cultura em
no humanos.
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JUSTIFICATIVA
Esta monografia justifica-se por realizar uma abordagem diferenciada sobre a
museologia, apresentando luz do desenvolvimento do conceito que est sendo
discutido nos dias de hoje que o de cultura dos animais. A partir dessa ideia, prope
se pensar qual o papel da museologia frente a essa realidade que est se
desenvolvendo rapidamente em alguns pases do mundo, e, aos poucos, vem ganhando
espao no Brasil.
As ideias de antropocentrismo e teo-antropocentrismo tm sido justificativas que
explicam e naturalizam o homem como explorador e dominador enquando
desconsideram o valor de qualquer outra espcie de vida. Nesse cenrio o ecocentrismo
surgir como uma sada defendida por alguns pensadores, como sendo a melhor
alternativa de desenvolvimento equilibrado e sustentvel para todas as espcies, onde o
homem passaria de lder de uma cadeia para ser apenas parte integrante de um todo.
O personagem dessa pesquisa ser a baleia, que por sculos esteve presente, em
grande nmero, no litoral brasileiro, e atualmente encontramos apenas alguns
indivduos isolados. A situao enfrentada por esses seres no momento de auge da
pesca da baleia no Brasil, evidencia o aspecto histrico das prticas desse perodo,
quando foi quase promovida a sua extino, e o modo como o homem, fortemente
influenciado pelo pensamento antropocentrista, agiu de maneira arbitrria em face dos
cetceos.
Partindo desse pensamento sero apresentados alguns vestgios deixados pela
baleia no Brasil, abordados na forma de apontamento de testemunhos, que
caracterizaram de diversas maneiras a presena da baleia em diferentes momentos da
formao do pas.
RELEVNCIA
A relevncia deste trabalho consiste em trazer considerao uma nova maneira
de se pensar a museologia, os museus, as espcies que compem nosso ecosistema e a
vida. A contribuio que a museologia pode dar no desenvolvimento do pensamento
ecocentrista, juntamente com a proposio de trabalhar com os testemunhos da memria
da baleia, tornando isso conhecvel pela sociedade com um carter de promoo da
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memria baleeira e implicitamente auxiliando na conscientizao da populao sobre
preservao e respeito a todos os seres viventes.
A reflexo sobre a alterao do sujeito no momento de promover uma exposio
museogrfica, o reconhecimento de que o ser humano no o nico ser que promove
cultura e o conhecimento de memrias promovidas pela destruio praticada pelo ser
humano, so questes que esto sendo estudadas no presente e tendem a ser
aprofundadas no futuro, com um carter interdisciplinar, envolvendo cientistas de
muitas as reas, um importante momento para a museologia se consolidar como rea de
estudo, quebrando paradigmas e trabalhando com essa nova maneira de pensar os
referenciais que norteiam o campo, as exposies museogrficas, a memria e a cultura.
FUNDAMENTOS TERICOS
Alm dos fundamentos tericos museolgicos, este trabalho aborda conceitos
relacionados a reas como: cincias sociais (cultura, memria, identidade), biologia e
histria. Definies de museologia e seu papel interdisciplinar, teoria museolgica e
alguns apontamentos sobre formao da memria e mediao cultural, estaro presentes
embasando as idias defendidas. Dentre os principais nomes relacionados com a rea
que foram fundamentais para argumentar sobre essa temtica esto Jean Davallon
(tratando da questo da mediao cultural, tornando o objeto cultural e o pblico mais
prximos), Tereza Scheiner (com as representaes mentais e sensoriais e o carter de
relacionar o objeto percebido com conceitos pr-existentes), Analdo Bernardo Baraal
(a relevncia do pensamento filosfico, a considerao ntica inclusiva a outros seres,
que no os humanos, alm da noo da interdisciplinaridade que envolve os fenmenos
museolgicos).
Artigos e notcias internacionais que postulam o desenvolvimento da ideia de
cultura dos cetceos, no exterior, tambm estaro presentes neste trabalho, trazendo
referncias especficas da biologia que foram de extrema relevncia para conhecer
detalhadamente as baleias, seus hbitos e as suas caractersticas, como o dos
pesquisadores Jose Truda Pallazzo Jr (com publicaes que fornecem informaes
especficas sobre as diferentes espcies de baleias existentes, alm de informaes
relevantes sobre o fim da baleao) e Fabiana Comerlato (abordando aspectos
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especficos sobre o que era produzido com o que era extrado das baleias), entre outros
autores que abordam a questo ambiental, desde o perodo colonial at os dias de hoje.
necessrio abordar as importantes pesquisas realizadas na rea da histria, que
embora ainda possua muito mais a explorar sobre esse assunto, se comparados com
outros segmentos estudados no perodo colonial muito pesquisados, fundamental citar
material de grandes nomes como Myriam Ellis (historiadora e precursora da abordagem
acerca da histria da baleia no Brasil, configurando a rotina de armaes baleeiras, de
arpoadores entre outras prticas) e Wellington Castelluci Junior (historiador com
publicao de extrema importncia na rea de debates histricos sobre a baleia,
apresentando diversos aspectos do incio da baleao, alm de realizar um breve
levantamento iconogrfico, apresentando pinturas que retratem o cenrio de caa a
baleia), entre outros.
METODOLOGIA
O processo de produo desse trabalho teve inicio com uma visita ao Museu
Histrico Nacional, IBRAM/MinC onde o oval de Leandro Joaquim Pesca da Baleia
na Baa de Guanabara me sugeriu a necessidade de uma reflexo sobre aquela
representao. Em seguida foi iniciado o levantamento bibliogrfico para obter material
suficiente a fim de produzir um trabalho acadmico, e com isso foram encontrados
artigos nacionais e internacionais, que, em seu contedo, trabalhavam com a questo
baleeira no Brasil.
O aprofundamento foi sendo complementado a partir da busca por vdeos
relacionados com baleias, anlise de filmes relacionados com o tema, com o enfoque
dado ao modo como a baleia representada em cada caso, consulta a arquivos pblicos
de prefeituras para obter informaes a respeito de nomes de ruas e monumentos,
entrevista com pessoas de diferentes reas para pensar sobre o grau de conhecimento
que a sociedade apresenta sobre a presena da baleia no Brasil. Foram realizadas
viagens para Armao dos Bzios, Arraial do Cabo e Rio das Ostras a fim de conhecer
alguns locais que so mencionados neste trabalho e produo de fotografias.
O envolvimento foi se intensificando e contou com a ida a seminrios da rea,
onde o mais significante deles foi o Seminrio de Direito dos Animais, no qual
estavam presentes ativistas de toda a parte do Rio de Janeiro, que tinham aes de luta
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em territrio nacional e internacional. A troca tida com essas pessoas foi muito
esclarecedora, e as reaes ao ouvirem minha fala sobre Memrias da Presena da
Baleia no Brasil me apresentou uma realidade ainda desconhecida. Bilogos,
veterinrios, advogados (relacionados causa animal) ficaram impressionados com a
abordagem deste trabalho e confessaram que eles, apesar dos anos de envolvimento na
causa, no tinham conhecimento desta realidade e do quanto as baleias esto prximas
de ns.
Foi consultado o acervo particular da coorientadora Solange Godoy que, por ter
sua filha morando h alguns anos em Nova York, esteve em Nantucket e recolheu um
rico material que caracterizava o modo como aquela regio lidava com as baleias. Alm
disto, pude contar com o material gentilmente disponibilizado por sua filha, Fernanda
Godoy, com livros de alta qualidade apresentando fotografias do local, para que eu
pudesse conhecer a arquitetura, o modo de viver e os pontos mais importantes da regio.
ESTRUTURA DO TRABALHO
1. A baleia como matria prima
O primeiro captulo ter uma abordagem histrica dos fatos, onde a baleia estar
apresentada como objeto de estudo. Far uma amostragem de como ocorreu a relao
predatria entre o homem e as baleias, e como os homens se aproveitaram desses
animais, agindo sobre eles como a espcie dominadora. Nesse captulo destacado o
papel do homem na questo da extino das baleias. Os fatos citados tm ligao com
os testemunhos e iconografia baleeira, considerando que isso tudo foi produzido no
perodo histrico que est sendo citado.
2. Testemunhos e Iconografia da presena baleeira e de sua relao com o
homem
O segundo capitulo apresentar a situao musestica clssica, os testemunhos e a
iconografia baleeira encontrada no Brasil, os vestgios desse momentos histrico que
esto sendo esquecidos pela sociedade. Para tanto o captulo foi dividido em tpicos que
apresentaro os testemunhos referentes a cada perodo, para que possa ser analisado
segundo o pensamento do homem de cada era. Foi elaborado a partir de levantamento e
anlise de pinturas, investigao de matria prima de objetos utilitrios e prdios e
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busca por iconografias da poca em que a prtica da baleao era comum na costa
brasileira.
3. A cultura das baleias
O terceiro captulo deste trabalho contribui para difundir o conceito de cultura das
baleias, quando elas passam a ser vistas como sujeitos produtores de cultura. Isso ser
feito com uma abordagem relacionada ao antropocentrismo e o ecocentrismo, a
apresentao de evidncias cientficas e outras obtidas em relatos, que indicam que de
fato as baleias tm cultura, e por fim um apontamento que destaca a importncia de se
estabelecer uma memria baleeira para ajudar a despertar na sociedade a conscincia
social, e os ideais ecocentristas.
4. Museologia, memria e a cultura baleeira
O quarto captulo apresentar questes da museologia e trabalhar conceitos, dentre
eles o de memria, que sero suporte para defender e refletir sobre as questes
levantadas no captulo trs. Apresentar algumas bases tericas da museologia, fazendo
alguns apontamentos que podem ser utilizados para defender a teoria da existncia de
uma museologia voltada para a cultura baleeira.
Consideraes Finais
Ser produzido um fechamento ao raciocnio levantado no trabalho, propondo
algumas reflexes, como: o papel da museologia na questo ambiental que o mundo
vive hoje, como a museologia pode se adaptar a uma nova realidade proposta pelo
concebimento da cultura animal, quais os passos devem ser tomados para transformar a
museologia em uma rea de estudo ecocntrica, qual o papel da museologia dentro das
cincias humanas que pode contribuir com a conscientizao da sociedade.
Referncias
Apresentar os autores e pesquisas utilizadas para compor esse projeto desafiador,
que une referencias interdisciplinares em prol de um objetivo maior que a promoo
da cultura e valorizao da vida. Foram consultadas referncias das reas: museolgica,
histrica, biolgica e neurolgica, alm da enorme importncia das reportagens
publicadas, dos vdeos assistidos e dos relatos deixados por antigos pescadores.
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OBJETIVOS
o Geral
Discutir a memria das baleias, tendo em vista o senso comum sobre elas, o modo
relacional do homem para com esse outro ser, o processo de dizimao da espcie,
aspectos enfechados em uma perspectiva museolgica, buscando contribuir para a
reflexo sobre a museologia clssica e novas possibilidades analticas. Realizar um
questionamento acerca do antropocentrismo, dando oportunidade do ecocentrismo ser
revelado.
o Especfico
Apresentar comprovaes cientificas do reconhecimento da baleia como individuo
possuidor de cultura. Desenvolver as trs maneiras de abordar a baleia: como objeto de
estudo, evidenciando a situao musestica clssica e as baleias como seres produtores
de cultura.
HIPTESE
Como transformar os testemunhos da presena da baleia no Brasil em memria
da cidade ou da populao? Como despertar nos indivduos o interesse em conhecer o
outro, proteger o outro, e ainda, pensar e analisar situaes a partir da viso do outro?
Teria o homem condies de utilizar os conhecimentos obtidos nas cincias humanas e
sociais para aceitar e respeitar a existncia da cultura animal? A museologia
interdisciplinarmente pode contribuir para responder a essas perguntas promovendo a
quebra de paradigmas, e incorporando a ideia de cultura animal em suas teorias
museolgicos, cumprindo assim seu papel epistemolgico de um ponto de vista menos
autocentrado. A memria seria um alicerce a ser amplamente conhecido a ttulo de
conscientizao e conhecimento da realidade das baleias a partir das situaes
opressoras a que elas foram submetidas.
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1 A BALEIA COMO MATRIA PRIMA
Parece difcil, para ns, nos identificarmos, enquanto mamferos, s mamferas
baleias. Quem vive no mar h de ser peixe ou rptil, pensa o senso comum. Por um
outro aspecto, enganamo-nos quando, nos baseando na grande dimenso (medindo at
30 metros e chegando a pesar 180 toneladas), dissociamos as baleias dos seus primos
golfinhos / botos. Assim so e vo nossas classificaes que, associadas e amparadas
pela fundamentao de crenas e dogmas religiosos, estabelecem hierarquias de que
derivam modos de perceber o mundo e de nele agir. O que conhecemos? Como
conhecemos? Quais os referenciais para os nossos conhecimentos?
Aproximemo-nos da baleia, substantivo originrio do grego phllaina, do latim
ballaena. um mamfero aqutico parte integrante da ordem dos cetceos, composta
tambm por toninhas e golfinhos, a qual sua classificao etimolgica tem como origem
o latim ctus e do grego . importante destacar que um outro significado dado
para a expresso monstro marinho, o que pode explicar a tradio em realizar
comparaes entre baleias e monstros ao longo do tempo.
Segundo sua classificao taxonmica pertence ao:
Reino: Animalia ; Filo: Chordata; Classe: Mammalia; Ordem: Cetacea.
Para definir a subordem das baleias necessrio conhecer as duas possibilidades
que se apresentam na natureza: Misticetos: No apresentam dentio, so conhecidas
como baleias de barbatana. Sua alimentao realizada atravs de sardas que filtram a
entrada de plnctons e pequenos organismos que compem a sua alimentao.
Exemplos de espcies de baleia misticeti: Baleia Jubarte e Baleia Franca; Odontocetis:
Possuem dentes, e o utilizam para a alimentao que consiste de peixes, lulas, entre
outros cefalpodes. Exemplo de espcie de baleia odontoceti: Baleia Cachalote.
Ser que existe no planeta Terra desde seis mil anos antes da era crist, no Brasil
foi caada de 1603 a 1987, mas ainda abatida por pases como Japo e Noruega.
Apesar das semelhanas esses parentes mamferos tm sido objeto de nossa continuada
explorao.
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1.1 O incio da baleao no Brasil
A prtica de caar baleias passou por diversos momentos diferentes em seu
desenvolvimento no mundo. Os bascos, habitantes de parte do norte espanhol e do
sudoeste francs, eram caadores bem aperfeioados que iniciaram essa atividade na
Europa. no sculo IX. Os japoneses por sua vez a comearam no ano 712 d.C, registro
realizado no Kojiki (livro sobre o Japo antigo). Vilas de esquims na Groenlndia
tambm caam baleias h muitos sculos, utilizando a tcnica do arpo com veneno,
seguindo com esse processo at os dias de hoje, obtendo autorizao internacional para
a prtica observando cotas de caa pelos aborgenes. Mesmo caso se apresenta na
Noruega que pratica a baleao desde o ano de 810 d.C. No sculo XVII grandes
potncias europeias aderiram a essa atividade, como Inglaterra, Holanda e Dinamarca.1
No mbito brasileiro, a prtica de pescar baleias teve incio no perodo colonial. A
ocasio da farta presena desses animais na costa juntamente com a escassez de
recursos que se estendia para toda a sociedade foram os fatores determinantes para ver
nas baleias a fonte de suprimento para as suas necessidades.
Frei Vicente Salvador, em seu livro Histria do Brasil, escrito em 1627, apresentou
o cotidiano colonial vivido na Amrica Portuguesa, grande responsvel pelo
conhecimento que se tem atualmente sobre o incio da prtica da baleao no Brasil,
sendo seu livro uma referncia bibliogrfica bsica para quem necessitar abordar essa
questo.
Era grande a falta que em todo o estado do Brasil havia de graxa ou
azeite de peixe, assim para reboque dos barcos e navios, como para se
alumiarem os engenhos, que trabalham toda a noite, e se houveram de
alumiar-se com azeite doce, conforme o que se gasta, e os negros lhe
so muito afeioados, no bastara todo o azeite do mundo. Algum
vinha do cabo vender, e de Biscaia [Pas Basco] por via de Viana, mas
era to caro, e to pouco, que muitas vezes era necessrio usarem do
azeite doce, misturando-lhe destoutro [sic] amargoso, e fedorento,
para que os negros no lambessem os candeeiros, e era uma pena
como a de Tntalo padecer esta falta, vendo andar as baleias, que so
a mesma graxa, por toda esta Bahia, sem haver quem as pescasse, ao
que acudiu Deus, que tudo rege, e prova, movendo a vontade a um
Pedro de Orecha, Biscainho, que quisesse vir fazer esta pescaria; este
veio com o governador Diogo Botelho do reino no ano de mil
seiscentos e trs, trazendo duas naus a seu cargo de Biscainhos, com
1 PALAZZO, Miriam; PALAZZO JR, Jos Truda. S.O.S Baleia!, Editora Sulina, 1989, p.51-52
-
22
os quais comeou a pescar, e ensinados os portugueses, se tornou com
dias carregadas.2
Conforme registrado no trecho transcrito era grande a falta de azeite, enquanto o
litoral brasileiro apresentava vasta populao de cetceos, dentre eles as baleias. Com
isso comeou a ser pensada a possibilidade de se capturar esses animais com o intuito
de obter sobretudo leo para iluminao. Para tanto, os bascos transmitiram seus
conhecimentos aos portugueses, para que pudessem praticar em sua colnia a caa s
baleias. A obteno de recursos das baleias obtida inicialmente atravs da explorao
praticada nos animais que encalhavam espontaneamente comeou a ser aprimorada com
a oficializao da instalao da caa das baleias, no ano de 1603, no Recncavo Baiano.
Nesse momento, a caa era realizada nos arredores da costa, sem demandar do
deslocamento para alto mar e os materiais utilizados eram basicamente o arpo manual
e o bote. At ento, a pesca era livre, sem intervenes diretas da coroa portuguesa.
O modo como essa prtica era realizada no incio tambm foi narrada por Frei
Vicente Salvador:
[...] a primeira coisa que fazem arpoar o filho, a que chamam
baleato, o qual anda sempre em cima da gua brincando, dando
saltos como golfinhos, e assim com facilidade o arpoam com um
arpu de esgalhos posto em uma haste, como de um dardo, e em o
ferindo e prendendo com os galhos puxam por ele com a corda do
arpu, e o amarram, e atracam em uma das lanchas, que so trs as
que andam neste ministrio, e logo da outra arpoam a me, que no
se aparta do filho, e como a baleia no tem ussos mais que no
espinhao, e o arpu pesado, e despedido de bom brao, entra-lhe
at o meio da haste, sentindo-se ela ferida corre, e foge uma lgua,
s vezes mais, por cima da gua, e o arpoador lhe larga a corda, e a
vai seguindo at que canse, e cheguem as duas lanchas, que
chegadas se tornam todas trs a pr em esquadro, ficando a que
traz o baleato no meio, o qual a me sentindo se vem para ele, e
neste tempo da outra lancha outro arpoador lhe despede com a
mesma fora o arpu, e ela d outra corrida como a primeira, da
qual fica j to cansada, que de todas as trs lanchas a lanceiam
com lanas de ferros agudos a modo de meias-luas, e a ferem de
maneira que d muitos bramidos com a dor, e quando morre bota
pelas ventas tanta quantidade de sangue para o ar, que cobre o sol,
e faz uma nuvem vermelha, com que fica o mar vermelho, e este
o sinal que acabou, e morreu, logo com muita presteza se lanam
ao mar cinco homens com cordas de linho grossas, e lhe apertam os
2 SALVADOR, Frei Vicente do. Histria do Brasil (1550-1627). Editora Itatiaia, 1627, p.117
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23
queixos e boca, porque no lhe entre gua, e a atracam, e amarram
a uma lancha, e todas trs vo vogando em fileira at a ilha de
Itaparica, que est trs lguas fronteira a esta cidade, onde a metem
no porto chamado da Cruz, e a espostejam, e fazem azeite.3
Os biscainhos estabeleceram armaes e controlaram a caa da baleia na colnia
atravs de contrato com a Coroa at o ano de 1612. Com o fim do contrato, em 1612 a
Coroa cogitava a possibilidade de eles continuarem responsveis pela explorao dessa
matria prima, entretanto no houve nenhuma renovao no acordo e os mesmos nunca
mais pescaram nessa regio. No ano de 1613 foi instalada uma nica armao, na Bahia,
que era de responsabilidade de Antnio Machado de Vasconcelos, em Itaparica.4
Em 1614 foi estabelecido pela Coroa Portuguesa o monoplio da Pesca da
Baleia, passando a ser considerada um Peixe Real, ento de propriedade da Coroa, que
estabeleceu o monoplio de sua explorao. Como afirma Wellington Castelluci Junior
(2010), a Cmara Municipal de Salvador estimulou a prtica de caa s baleias pelos
habitantes, atitude completamente contrria s pretenses da Corte Portuguesa. O
aumento da produo caseira de azeite, que era de qualidade inferior ao produzido pelos
biscainhos, fez com que o preo de mercado do produto fosse diminudo, causando
profundo descontentamento nos colonizadores, justificando o fato da baleia ter se
tornado um Peixe Real.5
O procedimento seguinte foi a realizao de arrendamentos peridicos aos
interessados em praticar a atividade e, posteriormente, o estabelecimento de contratos.
Essa atitude da Coroa Portuguesa foi considerada abusiva pelos moradores de Salvador,
que tentaram se manifestar de forma contrria, pedindo o retorno da pesca livre, sem
precisar pagar impostos sobre os contratos para Portugal. Entretanto, todas as aes
foram em vo e a poltica de monoplio teve continuidade.6
Com o passar do tempo, a pesca da baleia foi ganhando destaque de maneira
gradual, deixando de ser prtica exclusiva do Recncavo Baiano e chegando ao Rio de
Janeiro, So Paulo e Santa Catarina. A caa em larga escala era caracterizada pela
ausncia de preocupao com a manuteno das espcies, dificultando e quase
impossibilitando a garantia de sua sobrevivncia e perpetuao.
3 SALVADOR, Frei Vicente do. Histria do Brasil (1550-1627). Editora Itatiaia, 1627, p.117-118
4ELLIS, Myriam. A Baleia no Brasil Colonial, 1969, p. 34-35
5CASTELLUCCI, Wellington. Caadores de Baleia, 2010, p. 35
6ELLIS, Myriam. A Baleia no Brasil Colonial, 1969, p.35-36
-
24
O escasseamento progressivo de baleias, nas ltimas dcadas do
sculo XIX, foi o resultado da intensidade com que aqueles
animais eram mortos nas guas costeiras. Calcula-se que,
durante todo o sculo XVIII, ampliou-se continuamente a caa
de baleia no litoral baiano, e que se chegou a matar, nas
melhores temporadas, cerca de 120, 130 e at 200 unidades
daquele animal por ano.7
1.2 Recursos Extrados das Baleias
A falta de recursos que ocorreu no perodo colonial brasileiro foi um dos grandes
impulsionadores para o incio da prtica de caa baleia. Havia escassez de alimentos,
de matria-prima para produo de utilitrios, e a colnia ficava dependente do que era
enviado de Portugal, enquanto que a demanda era crescente devido chegada das
expedies colonizadoras portuguesas, compostas tambm por jesutas que logo se
estabeleceram aqui. A tendncia era a potencializao dessas carncias causadas pelo
crescimento populacional.
Ao longo dos sculos, as baleias foram matrias-primas para produtos diversos,
quando eram aproveitados: o toucinho, as barbatanas ou dentes, o espermacete e o
mbar (para os cachalotes), a carne, os tendes, a pele e os ossos.8
De fato tudo era aproveitado da baleia, que era considerada uma grande fonte de
recursos at ento escassos na colnia.
Conforme reza um dito de sabedoria popular, do boi s no se aproveita o mugido. O
mesmo direi em relao baleia. Os seus derivados tinham infinitas utilidades.9
Carne: A carne foi amplamente aproveitada com o incio da caa baleia. Era utilizada
na alimentao dos moradores da colnia. Ainda controversa a afirmao sobre quem
se alimentava desta carne, visto que alguns autores defendem que era uma carne
saborosa, degustada pela nobreza brasileira. Entretanto, existem outras opinies, como a
que defende que essa carne era utilizada para alimentao de escravos.
7CASTELLUCCI, Wellington. Caadores de Baleia, 2010, p.78-79
8 COMERLATO, Fabiana. A Baleia como recurso energtico no Brasil Anais do Simpsio
Internacional de Histria Ambiental e Migraes, Florianpolis, SC, 2010, p 1126 9 CASTELLUCCI, Wellington. Caadores de Baleia, 2010, p. 38
-
25
E, embora gozasse de m reputao, muitas famlias de elite
constumavam, s escondidas, desfrutar do apetitoso sabor da carne
fresca ou do torresmo que, ao ser cozida, exalava um cheiro bastante
forte, enjoativo e denunciador. No Brasil colonial e mesmo nos
oitocentista monrquico, quem passasse pelas fachadas das residncias
requintadas das cidades, fatalmente sentiria o forte asco da carne em
processo de cozimento, embora alguns memorialistas do sculo XX
afirmem o contrrio.10
A carne era outro produto derivado das baleias, apesar de possuir muita hemoglobina,
era consumida pelos mais pobres e escravos.11
Gordura: O azeite de peixe12 ou azeite da terra13 era um dos produtos mais
valiosos dentre os extrados da baleia. Sua produo ocorria a partir de um processo de
derretimento das camadas de gordura e verificao quanto a sua possibilidade de
consumo.14
A principal utilidade desse leo era a iluminao, mas ainda possua outras
funes. Abastecia o mercado interno e apenas o excedente era exportado.
Embora o seu uso tenha se destacado na iluminao, existiam outras
utilidades para esse leo: O leo tambm era aproveitado para
lubrificao de engrenagens, fabricao de velas, confeco de tecidos
grosseiros de l, para o preparo de couros, tintas e vernizes, sabes,
enxofres e breu para calafetagem de navios.15
senso comum que o leo de baleia foi amplamente utilizado na argamassa das
construes no litoral do Brasil, esta afirmao deve ser vista com cautela, no cabendo
generalizaes desta natureza.16 No se pode afirmar que o leo de baleia esteve
presente em todas as construes daquele perodo, mas h fortes indcios de sua
utilizao em arquiteturas prximas ao mar (fortalezas, fortes, farol) e em estruturas
com acabamento arquitetnico em formato de arco.
10 CASTELLUCCI, Wellington. Caadores de Baleia, 2010, p. 39
11 COMERLATO, Fabiana. A Baleia como recurso energtico no Brasil Anais do Simpsio
Internacional de Histria Ambiental e Migraes, Florianpolis, SC, 2010, p 1126 12
ELLIS, Myriam. As Feitorias Baleeiras Meridionais do Brasil Colonial. So Paulo: USP, 1966, p.286 13
Idem 14
COMERLATO, Fabiana. A Baleia como recurso energtico no Brasil Anais do Simpsio Internacional de Histria Ambiental e Migraes, Florianpolis, SC, 2010, p 1130 15
ELLIS, Myriam. A baleia no Brasil Colonial. So Paulo: Melhoramentos, 1969, p.136 16
COMERLATO, Fabiana. A Baleia como recurso energtico no Brasil Anais do Simpsio Internacional de Histria Ambiental e Migraes, Florianpolis, SC, 2010, p 1132
-
26
Consultando bibliografia especfica da rea obtm-se maiores detalhes sobre
como os recursos da baleia eram aproveitados nessa construo. comum indicar-se o
leo de baleia como aglutinante. No entanto, pesquisas mais recentes referem-se borra
ou resduo do cozimento, j que o leo seria muito caro. Portanto, o leo s ser ia
utilizado como hidrorrepelente17
Ossos: A ossada das baleias tinha muitas utilidades. Ornamentao e cerca divisria de
casas eram duas delas. Posteriormente com o fim das armaes, alguns ossos que
serviam para fazer diviso dentro daquele espao foram transferidas para outros lugares,
inclusive praias.18
Na Bahia, os ossos de baleia serviam para fazer pentes, caixinhas, botes e bancos. Os
banquinhos eram usados no tratamento mdico, acreditava-se que estes assentos eram
recomendados aos pacientes de reumatismo.19
Barbatana: A barbatana foi o produto mais exportado, considerando que a maior parte
da produo de leo ficava para abastecer a colnia.
As barbatanas eram removidas das baleias, precisando ser apenas
limpas e armazenadas, atendendo as necessidades das manufaturas
estrangeiras e da metrpole. Este material pela sua versatilidade de
uso era altamente requisitado no mercado internacional. As barbatanas
eram matrias-primas para a confeco de guarda-chuvas, tabaqueiras,
piteiras, cachimbos, estojos, bengalas, chicotes, escovas, brochas,
penachos, instrumentos de Fsica e Qumica, armaes de chapus, de
golas, de mangas, de saias e espartilhos.20
Ao contrrio da carne da baleia, a barbatana compunha junto com o
leo, um importante artigo de exportao europeia, demonstrando que
o interior da prpria atividade baleeira havia uma hierarquizao entre
seus produtos, ou seja, enquanto a carne era um subproduto da pesca
da baleia, a barbatana e o leo eram importantes para exportao,
sendo considerados artigos de luxo na Europa. 21
17 (Tcnicas Construtivas no Brasil Colonial Apostila Histria e Teoria da Arquitetura e do Urbanismo
UFMS disponvel em:
http://www.histeo.dec.ufms.br/aulas/teoriaIII/05%20Tecnicas%20Construtivas.pdf) 18
COMERLATO, Fabiana. A Baleia como recurso energtico no Brasil Anais do Simpsio Internacional de Histria Ambiental e Migraes, Florianpolis, SC, 2010, p 1129 19
VIANNA, Hildegardes. Antigamente era assim. Rio de Janeiro: Record; Salvador, BA:
Fundao Cultural do Estado da Bahia, 1994, p. 62 20
ELLIS, Myriam. A Baleia no Brasil Colonial, 1969, p. 135 21
DIAS, Camila Baptista. A Pesca da baleia no Brasil colonial: Contratos e contratadores do Rio de
Janeiro no sculo XVII, 2010, p. 58
-
27
1.3 O fim da pesca da Baleia no Brasil
A proibio a qualquer molestamento ou captura de cetceos no litoral brasileiro
ocorreu somente no ano de 1987, atravs da lei n 7643, entretanto, antes desse perodo
j haviam sido tomadas algumas iniciativas que expressassem o desejo do Estado de
proibir a prtica de caar baleias. Em 1985 foi aprovado o Projeto de Lei n 124/85 pelo
qual a pesca seria proibida, alm de um decreto editado pelo ento presidente Jos
Sarney no ano de 1986, proibindo a captura comercial de baleias por um perodo de
cinco anos, a partir de 1986.22
Liquidaram esta indstria, entre outros fatores, a concorrncia
estrangeira (basicamente norte-americanos e ingleses), as
ultrapassadas tcnicas baleeiras, a diminuio do nmero de cetceos
em guas brasileiras e o desenvolvimento de novas tcnicas de
iluminao advindas do emprego do gs, do petrleo e da eletricidade.
Os maiores caadores deste cetceo, no sculo XVII e XVIII, foram
os holandeses; no XIX a supremacia da pesca ficou por conta dos
norte-americanos e ingleses, e no sculo XX, aos noruegueses e
japoneses. Estatstica da International Whaling Statistics,
informam que em apenas 71 anos, de 1868 a 1939, foram mortos
822.381 animais, ou seja, mais de 10 mil por ano. 23
A partir da segunda metade do sculo XX a pesca foi aperfeioada, com o
aprimoramento dos materiais usados, como por exemplo a implantao do canho-arpo
e do desenvolvimento do navio frigorfico. Por outro lado, a extino de algumas
espcies comeava a ganhar espao na imprensa e a preocupar ainda mais os
ambientalistas, o que contribuiu fortemente com o resultado dessa grande dualidade que
envolveu esse perodo, at que, oficialmente, em 1987, foi proibida a pesca da baleia no
Brasil.24
Cronologicamente, ento, podemos afirmar que o Brasil caou baleias em seu
litoral a partir do ano de 1603 at o ano de 1987, ou seja, 384 anos de matana em
territrio nacional, do que poucos registros podem ser encontrados.
22 TOLEDO, Gustavo. O Homem e a Baleia: aspectos histricos, biolgicos, sociais e econmicos da caa
na Paraba. Joo Pessoa, 2009, p. 151 23
OLIVEIRA, Joo; CARIGNATTO, Denlson. A Pesca da Baleia no Brasil: um estudo de histria e
meio ambiente, p. 42. Grifo nosso. 24
Idem
-
28
Os locais envolvidos na baleao esto ocultos da vida cotidiana da sociedade,
dos livros escolares, e acabam se afastando da vida das pessoas e do conhecimento
pblico. 25
25 Alguns pases, como Japo e Noruega, caam baleias at os dias de hoje, ainda que estejam agindo
contra a legislao internacional estabelecida pelo Comit Internacional das Baleias. A justificativa
utilizada por esses pases o enquadramento nas cotas de caa aborgene. Entretanto, pode ser observado
que esse argumento no corresponde com a realidade da caa da baleia nesses pases, ao analisar o
quantitativo de animais mortos, e os locais que so destinados. Os representantes legais desses pases
travam constantes lutas em encontros internacionais tentando retornar com esse debate sobre a
autorizao de caar baleias, seguindo o cumprimento de cotas.
-
29
2 TESTEMUNHOS E ICONOGRAFIA DA PRESENA BALEEIRA E DE SUA
RELAO COM O HOMEM
Objetos e toponmia so os resqucios da presena e do tipo de relacionamento do
homem com as baleias. Algumas instalaes ligadas explorao da baleia
sobreviveram e abrigam museus, outras encontram-se ocultas em estruturas de edifcios,
ainda existem aquelas que j se perderam com o tempo, mas a tentativa de preservao
desse testemunho o que deve ser buscado pelos que j foram atingidos por essa
realidade. Museus, selos e monumentos pblicos contemporneos invocam parte desse
nosso passado, que ainda precisa ser descoberto pela sociedade.
2.1 Homem e Baleia uma relao desde a pr-histria
O local em que foi realizada a busca por material desse perodo foram sambaquis,
que consistem de depsitos construdos pelos homens que viveram h milhares de
anos, e composto de material orgnico, calcrio e entre outros que indicam, ao serem
analisados, o modo de vida de determinado grupo. Ao pesquisar o material de um
determinado sambaqui do litoral centro sul do Brasil foram encontrados objetos
produzidos a partir de elementos de baleias, datados de at seis mil anos a. C. Nesse
momento o homem no ia ao mar para caar cetceos, mas se aproveitava dos encalhes
que ocorriam em algumas regies do litoral para a produo de artefatos. Foi observada
a presena de cinzas que indicam ser de baleias, carvo, espinhas de peixes, cabeas de
bagre, ossos de baleia, dentes perfurados (como objeto de adorno), pontas de projtil
feitas com osso, zoolitos em diversas formas e esculturas em osso.26
Escultura: era comum a produo de esculturas com ossos de baleias. O formato
mais frequente era a representao de aves. Lugar de habitao, o sambaqui
possua tambm caractersticas de cozinha e, por essa razo, nele se encontram
26 LIMA, Tania Andrade. Em busca dos frutos do mar: os pescadores-coletores do litoral centro-sul do
Brasil, REVISTA USP, So Paulo, n.44, p. 287, dezembro/fevereiro 1999-2000
-
30
restos de carvo, de cinzas e de fogueiras (...) e, por vezes at ossos
carbonizados de baleia.27
Figura 1: Escultura em osso, em formato de ave.28
Figura 2: Extremidade de um basto de osso, com escultura de ave na extremidade, provavelmente
utilizado como propulsor.29
Pontas de Projtil: feitas em osso, com diferentes tamanhos e formas. O
material sseo, dental e conchfero mais numeroso, constitudo por vrtebras
27 Espirais do Tempo Bens Tombados do Paran Governo do Estado do Paran, Secretaria de Estado
de Cultura, p. 408, 2006 28
Disponvel em: http://www.usp.br/revistausp/44a/03-tania.pdf - Acesso em Outubro de 2013 29
Idem.
-
31
de peixe perfuradas e alisadas, pontas de ossos longos alisadas e polidas, facas
de ossos de baleia, discos perfurados de bula timpnica de baleia (...)30
Figura 3: Pontas de Projtil feitas em osso, com diferentes tamanhos e formas.31
2.2 Testemunhos e iconografia do extermnio no Brasil
Os reflexos da presena da baleia na sociedade esto evidentes em grande parte
de locais do cotidiano e de circulao da populao. A realizao desse levantamento
visa identificar lugares que apresentem vestgios desse perodo e promover uma
tentativa de formao de sua memria. Considerando que as baleias faziam parte da
vida dos moradores do litoral brasileiro, mas se afastaram entre outros motivos, pela
interveno humana realizada com a prtica da caa predatria, impedindo a realizao
do convvio harmonioso entre as espcies.
Locais de Memria
Pico do Arpoador (Ipanema/Rio de Janeiro/RJ) Composto tambm pela praia
do Arpoador, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro. Este local tem relevncia
30 Espirais do Tempo Bens Tombados do Paran Governo do Estado do Paran, Secretaria de Estado
de Cultura, p. 409, 2006 31
Disponvel em: http://www.usp.br/revistausp/44a/03-tania.pdf - Acesso em Outubro de 2013
-
32
histrica para o estudo das baleias no Brasil, pois, no perodo de caa os
arpoadores costumavam ficar sobre a pedra fazendo observao de baleias. Na
medida em que eram avistadas, o arpoador que era responsvel pela observao,
avisava ao restante dos baleeiros para que pudessem atingir a baleia na medida
em que se aproximava da costa.32
Armao dos Bzios (RJ) Cidade localizada na Costa Azul do estado do Rio
de Janeiro, local de veraneio e de grande procura por turistas de todo o mundo.
Tem esse nome pois no local onde hoje a cidade existia uma grande armao
baleeira (local onde os produtos da baleia eram processados). Alm da
designao do Municpio, a memria da Armao permanece viva nos nomes da
ponta da Matadeira local em que a baleia era morta para a retirada das
barbatanas - e da praia dos Ossos - local em que se enterrava a ossada desses
animais.33
Figura 4 :Mapa de praias da cidade de Armao dos Bzios34
32 Disponvel em: http://www.riodejaneiroaqui.com/portugues/arpoador.html- Acessado em Outubro de
2013 33
Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentvel, Armao dos Bzios, p. 115, Junho de 2003 34
Disponvel em: http://www.buziosonline.com.br Acessado em Outubro de 2013
-
33
Praia dos Ossos (Armao dos Bzios/RJ) Tem esse nome pois era o local
onde eram jogados os ossos de baleia aps a retirada do leo para
aproveitamento industrial, que ocorria na Praia da Armao.
Praia da Armao (Armao dos Bzios/RJ) Tem esse nome pois era o
local onde eram levadas as baleias aps sua captura. Os portugueses
comearam a explorao de suas matas at o esgotamento, levando os
residentes a adotar a pesca da baleia para sobreviver. Esta atividade
responsvel pelo nome de vrios locais, como as praias da Armao e dos
Ossos, em aluso aos ossos das baleias espalhados na areia depois da retirada
do leo.35
Figura 5: Praia da Armao36
Museu Oceanogrfico da Marinha Instituto de Estudos do Mar Almirante
Paulo Moreira (Arraial do Cabo/RJ) Est situado em um edifcio onde no
passado era uma armao baleeira de grande importncia para a regio.37
35Disponvel em http://www.michelin.com.br/br/michelin-viagem/Buzios.html - Acessado em Outubro de
2013 36
Foto Marcella Bacha, 2010 37
Disponvel em: http://www.ieapm.mar.mil.br/museu.htm- Acessado em Outubro de 2013
-
34
Figura 6: Foto da Fachada do Museu38
Praia da Baleia (Rio das Ostras/RJ) Praia localizada na costa azul do litoral
carioca e tem esse nome devido ao fato dessas guas terem feito parte da rota
migratria das baleias durante muitos anos. At os dias de hoje, ainda podem ser
encontrados alguns indivduos nessa regio. Segundo informaes da Prefeitura
de Rio das Ostras, dar esse nome a essa praia foi uma maneira de homenagear
esse dcil animal que atravessa as guas rio ostrenses.
Figura 7: Dealhe da Costa da Praia da Baleia, rota das Jubartes no Brasil (Rio das
Ostras)39
Museu da Baleia (Imbituba/SC) Apresenta mapas, ferramentas e informaes
sobre a pesca da Baleia no Brasil. Seu grande valor representativo est no fato
38 Disponvel em: http://escolamunicipaljoaobessa.blogspot.com.br/2011_10_01_archive.html - Acessado
em Novembro de 2013 39
Foto Marcella Bacha, 2010
-
35
de seu prdio apresentar a mesma estrutura de quando ainda era uma armao
baleeira.40
Figura 8 :Imagem interna do prdio sede do Museu da Baleia em Imbituba/SC41
Iconografia42
Leandro Joaquim Pesca da Baleia na Baa de Guanabara - Sc. XVIII / leo
sobre tela / 83x113cm , Museu Histrico Nacional (N SIGA 021011)
Obra pertencente ao Museu Histrico Nacional que mostra de maneira detalhada o
trabalho realizado nas armaes baleeiras prximas Baa de Guanabara, incluindo o
trabalho que era executado pelos arpoadores. Pode ser destacada a edificao da
armao baleeira, o trabalho do transporte do animal at o local de extrao de recursos,
o momento em que as baleias eram efetivamente caadas e, por fim, o seu estgio
inicial, que o momento em que ainda nadam livremente pela Baa de Guanabara.
40 Disponvel em: http://www.baleiafranca.org.br/oprojeto/oprojeto_museu.htm - Acessado em Outubro
de 2013 41
Disponvel em: http://www.baleiafranca.org.br/maiores/centro_museu/maior08.htm - Acessado em
Outubro de 2013 42
A escultura de Aleijadinho que representa o profeta Jonas foi cogitada para elencar essa listagem
iconogrfica, entretanto, a partir de levantamento bibliogrfico em diferentes verses da Bblia e de
pesquisas relacionadas foi observado que no h uma verdade absoluta quanto espcie animal que
engoliu Jonas, embora j tendo sido considerado uma baleia, chamado na maior parte das vezes de
monstro marinho e peixe.
-
36
Figura 9: Leandro Joaquim Pesca da Baleia na Baa de Guanabara43
Aspecto da Pesca da Baleia no Recncavo Baiano Hippolyte Taunay
Paris,1822 (gravura)
Obra produzida por Taunay em Paris, no ano de 1822, retrata detalhes da luta
travada entre as baleias e os pescadores num momento de confrontao entre caa e
caador. Como o primeiro lugar de estabelecimento de armaes baleeiras no Brasil, o
Recncavo Baiano tem grande importncia nesse cenrio retratado por Hippolyte
Taunay em Paris.
Figura 10: Hippolyte Taunay Aspecto da Pesca da Baleia no Recncavo Baiano44
43Disponvel em:
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd
_verbete=2426&cd_item=1&cd_idioma=28555 Acessado em Outubro de 2013 44
TAUNAY, Thomas Marie Hippolyte e Denis, Ferdinand-Jean. IN: Pedro Correia Lago, Iconografia
brasileira: coleo Ita, So Paulo, Ita Cultural, contra capa, 2001, p.
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37
Roberto S Praa da Baleia (Rio das Ostras-RJ) 2001
Segundo informaes obtidas atravs de contato com a Prefeitura de Rio das
Ostras, no dia 01 de Junho de 2012, essa escultura a maior referncia a cetceos no
mundo. A Praa da Baleia foi inaugurada em 2002, no bairro de
Costazul, Rio das Ostras/RJ, com a escultura de uma Baleia Jubarte em tamanho
natural, feita em estrutura metlica recoberta com chapas de bronze e liga de lato. A
escultura tem 20 metros de comprimento e pesa quatro toneladas, e na cauda da baleia
tem um mergulhador com 1,85 metro, pesando 200Kg.
A Baleia Jubarte, esculpida por Roberto S, fica dentro de um lago de 25
metros e funciona como um chafariz, com gua esguichando pelas narinas (nariz) e
escorrendo pela boca e pela cauda, dando uma viso bastante real do animal.
Figura 11 :Detalhe da escultura de Baleia Jubarte na Praa da Baleia, Rio das Ostras45
Selo Comemorativo Pinturas do Rio de Janeiro do sculo XVIII: Pesca da
Baleia na Baa de Guanabara.
Foi lanado em 1979 pelos Correios e recebeu o rtulo de comemorativo,
reproduzindo um quadro que retrata a caa de baleias na Baa de Guanabara. Isso algo
45 Foto Marcella Bacha, 2010
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que deve ser comemorado? importante destacar que no ano de lanamento a pesca da
baleia ainda no era proibida no Brasil.
Figura 12 : Selo comemorativo reproduzindo quadro de Leandro Joaquim 46
Acervo Museu da Marinha de Arraial do Cabo constitudo por materiais
usados em navios de caa de baleia
Figura 13: Sino e canho utilizados em baleeiras47
46 Disponvel em: http://mundodabiologia.com.br/baleias-e-golfinhos-representados-em-selos-postais-
brasileiros-lodi/ - Acessado em Outubro de 2013 47
Disponvel em http://www.ieapm.mar.mil.br/museu/acervo.htm - Acessado em Outubro de 2013
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Acervo Museu da Baleia (Imbituba/SC)
Possui mapas e painis apresentando as rotas utilizadas pelos pescadores, arpes,
alm de ilustraes com a representao da caa da baleia
Figura 14: Imagem de sala de exposio do Museu da Baleia/Imbituba48
Acervo Museu Nacional do Mar (So Francisco do Sul/ SC)
Possui reprodues cenogrficas de caa a baleias, incluindo a reproduo dos
barcos que eram utilizados.
Figura 15: Sala da Pesca da Baleia49
48 Disponvel em http://www.baleiafranca.org.br/maiores/centro_museu/maior10.htm - Acessado em
Outubro de 2013 49
Disponvel em: http://www.museunacionaldomar.com.br/index.htm - Acessado em Outubro de 2012
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Figura 16: Sala das Baleeiras50
leo e Sabo produzidos com a matria prima obtida atravs das baleias.
Figura 17: Garrafas com leo de baleia e sabo em barra51
50 Idem
51 Fonte: Acervo do Centro do Mar em Horta, Aores, Portugal. Foto: Fabiana Comerlato, 2009.
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Iluminao Conforme ser explicado a seguir, o leo de baleia era amplamente
utilizado no mercado interno para iluminao.
O subir e descer era esforo demais e o mercado que todos
frequentavam ficava na praia, em frente ao porto dos Padres.
Compravam pescado, hortalias, mandioca, leite e azeite de peixe o leo de baleia. Diriam em unssono o ditado que qualquer um
conhecia: Quem tem para candeia nunca se deita sem ceia.[110] A candeia, lampio que permaneceria aceso noite enquanto houvesse
leo, iluminava a refeio. Baleias frequentaram a Guanabara no
inverno durante muito tempo, e sua pesca era das mais rentveis.[111]
A carne era saborosa, as barbatanas serviam de lixa e sua gordura, o
leo, era combustvel. Mais: o leo misturado a conchas trituradas
dava uma argamassa resistente como poucas para a construo de
prdios. (Os escravos s vezes bebiam o leo direto do lampio, era
alimento.) Valia tanto o negcio da caa baleia, produzia tantos
subprodutos teis, que virou monoplio estatal. Para explorar a pesca,
j em 1583, o empresrio teve de assinar contrato de concesso
pblica.52
Figura 18: Iluminao com a utilizao de azeite de peixe. Ilustrao produzida por Jos
Reis Carvalho, feita em 1851, retratando a iluminao na cidade do Rio de Janeiro53
52 DORIA, Pedro. Enquanto o Brasil nascia, Nova Fronteira, 2012, p. 66
53 Fonte: Enciclopdia Ilustrada do Brasil. Rio de Janeiro: BLOCH, 1982. vol. 9 - p. 2585. Reproduo
fotogrfica: Fabiana Comerlato.
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Casa do Trem Museu Histrico Nacional
Prdio que atualmente pertence ao Museu Histrico Nacional, a Casa do Trem
tm caractersticas que sugerem que foi uma construo onde o leo de baleia era
utilizado. Sua proximidade com o mar e sua data de construo so alguns desses
indcios.
Arcos da Lapa/Aqueduto da Carioca Rio de Janeiro RJ
O local, que hoje sinnimo de festividades e de grandes eventos da noite carioca,
s pde ser construdo devido ao sacrifcio das grandes baleias que eram caadas na
regio.
Os Arcos da Carioca foram construdos por brao escravo, utilizando pedra, tijolos,
areia, cal e leo de baleia.54
Fez-se necessria, no governo de Gomes Freire de Andrade (1733-
1763), sua substituio por novos arcos (1744-1750), de traado
retilneo, solidamente construdos pela mo de obra escrava, em
alvenaria de pedras brasileiras (contrariando a lei que impunha a
importao de materiais de construo), com rejuntamento de
argamassa de cal hidratada e terra misturada a leo de baleia, cuja
resistncia ficou comprovada atravs dos sculos.55
Ossos Com o fim das armaes baleeiras alguns ossos que eram responsveis
por fazer a separao de ambientes dentro da armao foram levados para praias
e ficaram expostos l por um longo perodo.56
54
Armazm de Dados Instituto Pereira Passos Disponvel em: http://portalgeo.rio.rj.gov.br/EOUrbana/ArcosDaLapa_txt.htm - Acessado em Novembro de 2013 55
DIAS, Alexandre. O Rio carioca da cidade do Rio de Janeiro, Brasil: da sua histria o que preservar? Disponvel em: http://www.bvsde.paho.org/bvsAIDIS/PuertoRico29/pessoa.pdf - Acessado em
Novembro de 2013 56
LOPES, Licdio. Rio Vermelho e suas tradies. Salvador: Fundao Cultural do Estado da Bahia,
1984, p. 18
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Figura 20: Ossos de baleia na praia de Itapu - Salvador57
2.3 Iconografia Internacional Nantucket
Nantucket um condado do estado norte-americano de Massachusetts, que se
torna o cenrio de um romance escrito em Outubro de 1851 chamado Moby Dick de
Herman Melville. Esse romance foi baseado em uma histria real e conta a histria de
uma baleia cachalote que tem o nome de Moby Dick e em uma viagem de caa a
responsvel pela perda da perna de um dos tripulantes, que por sua vez volta ao mar
como capito de uma tripulao com o principal objetivo de encontr-la e se vingar do
mal que lhe foi causado. O enredo do livro em torno dessa questo, abordando com
riqueza de detalhes a rotina de um navio baleeiro, apresentando detalhes da embarcao,
do armazenamento de produtos e das tcnicas de caa. Herman Melville teve grande
destaque com sua produo e seu livro ganhou vrios prmios.
De fato o condado de Nantucket um local em que na poca que a pesca da
baleia era permitida se tornou um grande centro, que reunia pescadores e outros novatos
interessados em oportunidades de embarcar nos navios baleeiros. Com a proibio da
pesca essa atividade foi suspensa no local, entretanto, as baleias seguem profundamente
presentes na realidade da regio.
57 LOPES, Licdio. Rio Vermelho e suas tradies. Salvador: Fundao Cultural do Estado da Bahia,
1984 Foto Isabel Gouvea
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Foi criado o museu da pesca baleia, Whaling Museum, cuja sede uma antiga
fbrica que armazenava material extrado das baleias. O acervo composto por todos os
tipos de objetos utilizados na caa, informaes sobre as baleias e ainda galerias de arte
decorativa, pr-histria e pinturas.
Figura 21: Fachada Whaling Museum Nantucket58
Mas no s dentro do museu que a baleia est presente em Nantucket. Turistas
confirmam que a cidade est repleta de pequenos detalhes em casas e edifcios pblicos
que ilustram iconograficamente o quanto elas foram importantes para a regio.
Figura 22: Cata vento do Whaling Museum com imagem de Baleia Cachalote59
58 Disponvel em: http://www.nha.org/sites/index.html - Acessado em Novembro de 2013
59 Disponvel em: http://familypedia.wikia.com/wiki/Nantucket - Acessado em Novembro de 2013
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45
Figura 23: Detalhe de porta de casa particular de Nantucket60
Figura 24: Bolsa vendida para turistas como souvenir de Nantucket, onde a baleia representada
de maneira central61
60 Disponvel em: http://www.nantucket.net Acessado em Julho de 2012
61 Acervo: Solange de Sampaio Godoy Foto: Marcella Bacha, 2013
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Figura 25 Enfeite de rvore de natal em formato de baleia, vendido na loja do Museu62
Nantucket utilizou seu passado como importante local de caa de baleia, para se
transformar em um grande polo turstico no presente, onde grande parte de seus
visitantes vo em busca de descobrir o local que abriga os mistrios da grande Moby
Dick, e das prticas de caar baleias que para muitas pessoas ainda so realidades
desconhecidas.
importante destacar que nesse caso ocorreu a aceitao da realidade e o
aproveitamento dela para apresentar todo o contedo histrico e artstico que o local
tinha e que devido ao seu alto potencial inovador e encantador capaz de atrair pblicos
em todas as pocas do ano.
Esse processo foi oposto no Brasil, pois pouco so os registros existentes sobre a
baleao em territrio nacional. Ainda assim, o pouco material que vem sendo
preservado s existe devido ao forte suporte dado por ONGS de defesa das baleias, no
havendo iniciativa pblica direta para transformar essa parte da histria brasileira em
uma realidade e em objetos e lugares de memria para os poucos representantes da
gerao de caa da baleia que ainda existem. Essa situao facilmente observada ao
analisar o grande desafio que estudar esse tema no Brasil, causado pela pouca
62 Disponvel em: http://www.nantucketmuseumshop.org/Shop/cart.php?m=product_list&c=47
Acessado em Novembro de 2013
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47
quantidade de material e pela perda de importantes personagens dessa histria que j
apresentam idade avanada e pouca quantidade de informaes que esto disponveis e
de fcil acesso para a populao nos citados locais de memria.
Apesar da existncia de algumas entidades que tratem da questo baleeira no
Brasil, como o Museu da Baleia Santa Catarina, Museu do Instituto de Pesca So
Paulo, Museu Nacional do Mar Santa Catarina e Museu Oceanogrfico Rio de
Janeiro, ainda existem problemas sobre o tipo de discurso que empregado nessas
instituies. O tom que dado aos fatos que envolvem a realidade da baleia no Brasil
devem fugir da conformao e aceitao desta realidade. Faltam questionamentos mais
aprofundados sobre o reconhecimento da baleia como sujeito de sua realidade, e no um
ser vivo que ser constantemente submetido a outra espcie. Outro ponto que deve ser
destacado sobre o papel dos museus citados a distncia em que eles esto da
sociedade, no h uma preocupao de servir a comunidade e de informar, trazer o
pblico para a exposio.
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48
3. A CULTURA DAS BALEIAS
3.1 O Antropocentrismo e o pensamento judaico-cristo formando paradigmas e o
despertar do ecocentrismo
Bblia Sagrada
O pensamento judaico cristo, formador da base social que vivemos atualmente,
est diretamente ligado com a realidade de um Deus nico e pessoal, que
transcendente ao mundo. Sinteticamente, essa maneira de ver e lidar com o mundo
trouxe consequncias para a estrutura patriarcal na qual nossa sociedade est
estabelecida. Muitos so os modelos que fazem parte desse padro, alguns exemplos so
a questo da submisso da mulher e a preponderncia do homem no seu modo de
estabelecer relaes com os outros seres. O segundo exemplo o que ser abordado
neste trabalho, focando na questo homem x baleias. Para tanto utilizaremos um
fragmento bblico para caracterizar o pensamento a ser apresentado:
A criao do cu e da terra e de tudo o que neles se contm. No
princpio criou Deus os cus e a terra. E a terra era sem forma e vazia;
e havia trevas sobre a face do abismo; e o Esprito de Deus se movia
sobre a face das guas. E disse Deus: Haja luz; e houve luz. E viu
Deus que era boa a luz; e fez Deus separao entre a luz e as trevas. E
Deus chamou luz Dia; e s trevas chamou Noite. E foi a tarde e a
manh, o dia primeiro. E disse Deus: Haja uma expanso no meio das
guas, e haja separao entre guas e guas. E fez Deus a expanso, e
fez separao entre as guas que estavam debaixo da expanso e as
guas que estavam sobre a expanso; e assim foi. E chamou Deus
expanso Cus, e foi a tarde e a manh, o dia segundo. E disse Deus:
Ajuntem-se as guas debaixo dos cus num lugar; e aparea a poro
seca; e assim foi. E chamou Deus poro seca Terra; e ao
ajuntamento das guas chamou Mares; e viu Deus que era bom. E
disse Deus: Produza a terra erva verde, erva que d semente, rvore
frutfera que d fruto segundo a sua espcie, cuja semente est nela
sobre a terra; e assim foi. E a terra produziu erva, erva dando semente
conforme a sua espcie, e a rvore frutfera, cuja semente est nela
conforme a sua espcie; e viu Deus que era bom. E foi a tarde e a
manh, o dia terceiro. E disse Deus: Haja luminares na expanso dos
cus, para haver separao entre o dia e a noite; e sejam eles para
sinais e para tempos determinados e para dias e anos. E sejam para
luminares na expanso dos cus, para iluminar a terra; e assim foi. E
fez Deus os dois grandes luminares: o luminar maior para governar o
dia, e o luminar menor para governar a noite; e fez as estrelas. E Deus
-
49
os ps na expanso dos cus para iluminar a terra, E para governar o
dia e a noite, e para fazer separao entre a luz e as trevas; e viu Deus
que era bom. E foi a tarde e a manh, o dia quarto. E disse Deus:
Produzam as guas abundantemente rpteis de alma vivente; e voem
as aves sobre a face da expanso dos cus. E Deus criou as grandes
baleias, e todo o rptil de alma vivente que as guas abundantemente
produziram conforme as suas espcies; e toda a ave de asas conforme
a sua espcie; e viu Deus que era bom. E Deus os abenoou, dizendo:
Frutificai e multiplicai-vos, e enchei as guas nos mares; e as aves se
multipliquem na terra. E foi a tarde e a manh, o dia quinto. E disse
Deus: Produza a terra alma vivente conforme a sua espcie; gado, e
rpteis e feras da terra conforme a sua espcie; e assim foi. E fez Deus
as feras da terra conforme a sua espcie, e o gado conforme a sua
espcie, e todo o rptil da terra conforme a sua espcie; e viu Deus
que era bom. E disse Deus: Faamos o homem nossa imagem,
conforme a nossa semelhana; e domine sobre os peixes do mar, e
sobre as aves dos cus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre
todo o rptil que se move sobre a terra. E criou Deus o homem sua
imagem; imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. E
Deus os abenoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e
enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre
as aves dos cus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra. E
disse Deus: Eis que vos tenho dado toda a erva que d semente, que
est sobre a face de toda a terra; e toda a rvore, em que h fruto que
d semente, ser-vos- para mantimento. E a todo o animal da terra, e a
toda a ave dos cus, e a todo o rptil da terra, em que h alma vivente,
e toda a erva verde ser para mantimento; e assim foi. E viu Deus tudo
quanto tinha feito, e eis que era muito bom; e foi a tarde e a manh, o
dia sexto.63
O homem vive do estabelecimento de relaes e a relao entre homem - animal
formada por dois indivduos, de duas espcies diferentes, uma delas est em posio
de comando e a outra de comandada.
Seguindo as mensagens transmitidas pela Bblia Sagrada, instrumento de grande
contedo informacional norteador de toda a caminhada ao longo do desenvolvimento
social da cristandade, podemos observar, no livro do Gnesis, a criao do mundo. Este
livro o grande estruturador deste captulo, pois, em sua essncia, Deus criava os seres
vivos, explicando quais seriam suas tarefas para garantir a vida na Terra.
O fragmento a seguir foi extrado do captulo I do Gnesis: E Deus criou as
grandes baleias (...) E Deus os abenoou, dizendo: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei
as guas nos mares64. Esse trecho apresenta o momento da criao das baleias,
63 GNESIS, Captulo I, versculos 1 ao 31. BBLIA SAGRADA. So Paulo, ed. Paulinas, 2009
64Idem
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50
apresentando uma tarefa: enchei as guas nos mares. Como sua ltima criao, Deus
fez o homem, com a atribuio de:
E disse Deus: Faamos o homem nossa imagem, conforme a nossa
semelhana; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos
cus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o rptil que se
move sobre a terra. E criou Deus o homem sua imagem; imagem
de Deus o criou; homem e mulher os criou. E Deus os abenoou, e
Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e
sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves dos cus,
e sobre todo o animal que se move sobre a terra. E disse Deus: Eis que
vos tenho dado toda a erva que d semente, que est sobre a face de
toda a terra; e toda a rvore, em que h fruto que d semente, ser-vos-
para mantimento. E a todo o animal da terra, e a toda a ave dos cus, e
a todo o rptil da terra, em que h alma vivente, e toda a erva verde
ser para mantimento.65
Esse o momento quando Deus cria o homem e a ele entrega toda a sua criao,
para que possa se multiplicar e ser dominada, sendo todos os seres servidos de alimento,
tudo seria mantimento e o homem teria o poder sobre eles. As ideias de dominao,
manuteno e frutificao so os conceitos chaves desta passagem, que explica o modo
como a sociedade continua lidando com a natureza atualmente. Esse livro foi submetido
a interpretaes variadas ao longo dos tempos, mas um dos responsveis pela
formao do senso comum da sociedade que aposta que os animais existem para nos
servir exclusivamente de alimento, ou qualquer outro tipo de prestao de servio
gratuita que tenham capacidade de exercer. Essa viso de que a natureza dominada,
subjugada de acordo com as vontades do homem determinou a ela uma perda quase
completa de direitos. O carter de exclusiva explorao afastou fortemente a ideia de
que os outros seres poderiam vir a ter algum direito de proteo, ou controle do domnio
humano para evitar interferncia em seu habitat natural.
Essa ideia de poder absoluto em que o homem explorava a natureza sem pensar
em uma contra partida, gerou muitas extines de espcies ao longo dos anos, at que,
hoje em dia, as pessoas parecem estar cada dia mais preocupadas com essa questo.
As baleias foram submetidas a esse poder soberano, o homem decidindo sobre
seu futuro em momentos de carncia dos recursos naturais, que ela possua,
transformando-as em uma espcie a ser explorada para obteno de matria prima para
65BBLIA SAGRADA. So Paulo, ed. Paulinas, 2009
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51
gerar recursos econmicos. Essa irracionalidade causou a quase extino de espcies
como a da baleia Jubarte e Franca, alm da morte de muitos filhotes recm-nascidos,
ainda que tivessem pouca serventia para o consumo. Essa questo da serventia j um
indicador do exagero humano, visto que j estavam matando sem uma real necessidade
ou possibilidade de aproveitamento. Essa caa era praticada mesmo que no houvesse
mercado para ela, ainda que houvesse outras formas de obterem esses recursos. A vida
deste imenso animal no estava valendo nada, pois essa era uma deciso a ser tomada
pelo homem, e ele no via motivo nenhum para poupar as baleias desses atentados
constantes.
Essa hegemonia garantida ao ser humano pelo poder divino foi e ainda , uma
arma muito perigosa no trato com a natureza. um grande desafio explicar a uma
parcela grande da sociedade de no ser pelo simples fato dela ser humana que ela pode
sair devastando toda e qualquer espcie. A proposta ponderar acerca da interpretao e
se conscientizar que devemos viver em harmonia para conseguirmos frutificar a terra,
podendo procurar outras maneiras de obter grande parte de nossos mantimentos sem
depender do grande sofrimento de alguma espcie para nos servir de sustento, proviso
ou preservao. Faamos o homem nossa imagem, conforme a nossa semelhana; e
domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos cus, e sobre o gado, e sobre toda a
terra, e sobre todo o rptil que se move sobre a terra.66
importante encontrar o ponto de equilbrio que garanta o bom desenvolvimento de
todos, considerando relevante citar as descobertas da proximidade cognitiva de diversas
espcies com a espcie humana, principalmente as baleias, o que diminuiu a grande
distncia que se acreditava existir entre o ser humano e os outros animais. A partir dessa
compreenso, passa a se considerar que as baleias tm conscincia de existncia,
sofrem, choram e, principalmente, tem envolvimento com outros indivduos de sua
famlia. Todos esses fatores evidenciam a urgncia da natureza em ser respeitada e
preservada, pois todos os seres tm o direito de viver e se multiplicar conforme diz a
Bblia Sagrada dos cristos.
66BBLIA SAGRADA. So Paulo, ed. Paulinas, 2009
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52
Antropocentrismo
A situao social, econmica e ambiental em que o mundo chegou trouxe a
necessidade de rever determinadas concepes do mundo. A viso antropocntrica, do
homem em posio central, afastado das outras espcies e se colocando como
dominador, controlador, regente do mundo, tem grande aceitao em todo o ocidente.
Essa dominao atribuda e assumida ao longo dos anos e transmitida com o passar das
geraes contribuiu para a situao de completo autoritarismo que a espcie humana
vive nos dias de hoje, demonstrado atravs de suas atitudes. Para exemplificar esse
problema pode ser apresentado o objeto de estudo desta pesquisa, a caa da baleia no
Brasil. Por que? Para que? Podem existir algumas respostas racionais, como a escassez
de recursos e alimentos, mas nenhum argumento capaz de justificar a morte de mais
de 200 mil baleias por ano, impondo a algumas espcies a quase extino. Nesse caso, a
nica resposta possvel seria a grande avidez do homem para obter recursos financeiros
sem se preocupar com nada que esteja a sua frente e o impea de alcanar seus
objetivos. Essa concepo que ainda est fortemente presente na sociedade nos dias de
hoje antropocentrismo garante ao homem soberania absoluta para fazer o que
desejar dos recursos naturais que podem ser explorados.
O desequilbrio causado pelo excesso de explorao, levando extino de
espcies e escassez de recursos comea a despertar na sociedade a conscincia de
preservao ambiental e a importncia de se mudar a concepo social que temos hoje,
afastando o homem do centro do ecossistema e fazendo-o assumir o seu papel como
mais um integrante dele. As ideias defendidas pelo ecocentrismo, no so efetivamente
uma novidade, mas passaram a ser mais respeitadas com a evoluo dos estudos
relativos situao dos recursos naturais em todo o planeta.
O que h de novo no perodo moderno que, quando Montaigne, no
sculo XVI, e os libertinos franceses, no sculo XVII, resgataram a
antiga contestao dos cticos soberania imaginria do homem
sobre as outras criaturas, descobriram, pela primeira vez, que na
tradio crist havia autores que concordariam com eles. Em meados
do sculo XVI, John Bradford, mrtir mariano, contestou abertamente
a doutrina escolstica de que os animais foram feitos exclusivamente
para o amparo do homem. No sculo XVII, tornou-se cada vez mais
comum defender que a natureza existia para a glria divina e que Deus
se preocupava tanto com o bem-estar das plantas e animais quanto
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53
com o do homem. Durante a Guerra Civil houve sectrios que levaram
tal tese sua concluso lgica. Deus ama tanto as criaturas que
rastejam no cho quanto os melhores santos dizia um deles, e no h
diferena entre a carne de u