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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA - MESTRADO MARCELLA GYMENA PEDROZA BURGOS PRODUÇÕES DISCURSIVAS SOBRE A PENA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE: UM ESTUDO COM PSICÓLOGOS JURÍDICOS RECIFE, 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA - MESTRADO

MARCELLA GYMENA PEDROZA BURGOS

PRODUÇÕES DISCURSIVAS SOBRE A PENA DE PRESTAÇÃO DE

SERVIÇOS À COMUNIDADE: UM ESTUDO COM PSICÓLOGOS

JURÍDICOS

RECIFE,

2013

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MARCELLA GYMENA PEDROZA BURGOS

PRODUÇÕES DISCURSIVAS SOBRE A PENA DE PRESTAÇÃO DE

SERVIÇOS À COMUNIDADE: UM ESTUDO COM PSICÓLOGOS

JURÍDICOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Psicologia da Universidade

Federal de Pernambuco, como requisito parcial

para a obtenção do grau de Mestre em Psicologia.

Orientador: Prof. Dr. Pedro de Oliveira Filho

RECIFE

2013

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Catalogação na fonte

Bibliotecário Tony Bernardino de Macedo, CRB4-1567

B954p Burgos, Marcella Gymena Pedroza.

Produções discursivas sobre a pena de prestação de serviços à

comunidade: um estudo com Psicólogos jurídicos / Marcella Gymena

Pedroza Burgos. – Recife: O autor, 2013.

113 f. ; 30 cm.

Orientador : Prof. Dr. Pedro de Oliveira Filho.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco.

CFCH. Pós –Graduação em Psicologia, 2013.

Inclui referência.

1. Psicologia. 2. Penas alternativas. 3. Psicologia jurídicas. 4.

Prestação de serviços à Comunidade. I. Oliveira Filho, Pedro de.

(Orientador). II. Titulo.

150 CDD (22.ed.) UFPE (CFCH2013-148)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

CURSO DE MESTRADO

PRODUÇÕES DISCURSIVAS SOBRE A PENA DE PRESTAÇÃO DE

SERVIÇOS À COMUNIDADE: UM ESTUDO COM PSICÓLOGOS

JURÍDICOS

Comissão examinadora:

___________________________________________

Prof.º Dr.º Pedro de Oliveira Filho

1º Examinador/ Presidente

____________________________________________

Prof.º Dr.° Eduardo Henrique Araújo de Gusmão

2º Examinador

____________________________________________

Prof° Dra.° Maria Isabel Patrício de Carvalho Pedrosa

3º Examinador

RECIFE

2013

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Dedicatória:

Aos meus pais por serem os meus verdadeiros mestres!

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AGRADECIMENTOS

E agora chegou o momento de agradecer profundamente às pessoas que participaram direta e

indiretamente da construção desse trabalho e da concretização de um sonho.

A caminhada não foi fácil, muito menos breve. Pareceu uma travessia infinita, tendo em vista

os diversos fatos turbulentos ocorridos, tanto da ordem pessoal quanto profissional, que

atropelaram de alguma forma a execução do meu trabalho. No entanto, estes obstáculos, longe

de obscurecerem meu trajeto, aumentaram o brilho da minha determinação, impulsionando-

me com mais força.

Proporcionalmente ao desafio, era a motivação que me impulsionava a ir adiante em busca de

uma larga estrada, permeada por flores e, com certeza, por bons frutos. Brilhantes e

acolhedoras também foram as pessoas que contribuíram para a finalização desse estudo, seja

na execução do trabalho, seja apenas pelo fato de existirem. Aqui irão os meus

agradecimentos especiais:

Agradeço a Deus por me dar forças e me amparar nos momentos mais difíceis, aumentando a

minha fé e direcionando os meus passos;

Agradeço aos meus pais, Marcelo e Izabel, pelo amor incondicional, por sempre acreditarem

em mim e por me ensinarem suas lições de fé e de experiência de vida;

Agradeço a Izabella, minha irmã, amiga e companheira, por suportar os momentos de

estresse e por me ajudar nas horas mais difíceis;

Agradeço ao meu namorado, Markinho, pelo amor, pelo apoio constante, pelas viagens

comigo aos interiores do Estado e por sempre acreditar em mim, bombardeando-me com suas

palavras motivacionais nos momentos em que mais precisei;

Agradeço a todos os meus familiares que, de formas distintas, participaram desta caminhada.

Em especial ao meu avô, Valfrido, que está olhando por mim onde quer que ele esteja;

Agradeço aos meus amigos que ouviram meus desabafos, acompanharam meu estresse e me

ajudaram com conselhos, escutas, ombros...

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Agradeço ao pessoal da Gepais pela acolhida e pela disposição para que esse trabalho

pudesse ser concluído. Muito obrigada!

Agradeço aos psicólogos das Ceapas, meus sujeitos de pesquisa, peças-chaves para a

realização deste trabalho, sem os quais não haveria esta dissertação. Obrigada pela atenção,

pela disponibilidade e pelos ensinamentos passados durante as entrevistas;

Agradeço a todos os professores do programa de pós-graduação em Psicologia da UFPE pelo

aprendizado proporcionado;

E, finalmente, meu agradecimento especial ao meu orientador Pedro de Oliveira Filho, pela

orientação segura, pela paciência e pela credibilidade no meu trabalho.

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RESUMO

O estudo da história da humanidade permite observar o uso de várias formas de punição ao

longo dos tempos. A pena de prisão por um longo período serviu como principal resposta

penológica aos delitos. Com a falência do sistema carcerário, o Estado vem se preocupando

com a reformulação do sistema de punição e as Penas Alternativas representam um

significativo avanço nessas ideias. Para o acompanhamento dessas penas, o psicólogo é

chamado para compor a equipe técnica e executar o cumprimento. Partindo desse contexto,

buscou-se compreender o significado da Prestação de Serviços à Comunidade para os

psicólogos que trabalham em sua execução. Mais especificamente, foi analisado, mediante as

produções discursivas dos psicólogos, o significado atribuído ao papel destes profissionais

junto à PSC, bem como as relações com outros saberes. Participaram da pesquisa todos os

psicólogos das Ceapas de Pernambuco. Os instrumentos utilizados foram a entrevista

semiestruturada e a observação participante. Para a análise dos dados adotou-se a técnica de

análise de discurso desenvolvida pela Psicologia Social Discursiva. A análise das entrevistas

mostrou que os psicólogos entendem a PSC como um importante instrumento de mudança

subjetiva e de reinserção social do cumpridor. Percebeu-se também que os entrevistados

atribuem à sua formação profissional a capacidade de humanizar o cumprimento da pena. A

relação interdisciplinar com o assistente social também foi apontada como algo positivo no

trabalho de execução da PSC.

Palavras-chave: Penas Alternativas; Prestação de Serviços à Comunidade; Psicologia

Jurídica.

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ABSTRACT

The study of humanity history allows us the observation of many punishment ways along

times. The imprisonment was the principal answer to offenses for a long time. With the

prison’s bankruptcy, the State is worried about overhaul the punishment system and

Alternatives Sentencing represents significant advances about this ideas. To monitoring these

punishments, it is necessary the psychologist to compose the technical team and make sure

that it’ll be accomplished. In this context, it was searched understand the meaning of

Community Services to the psychologists that works on this execution. More specifically, it

was analyzed, in discursive psychologist’s productions, the importance of these professionals

at the CS, as the relation of this with another knowledge. All the Pernambuco’s Ceapas

psychologits was participating of this research. The semi structured interview and the

participant observation was used like instruments. To analyze the data it was adopted analysis

technique speeches developed by Social Speech Discursive. The interview analyzes showed

that the psychologists assign to CS the educative ways, allowing the observant the social

reintegration. It was also clear that the respondents assign to theirs professional formation the

capacity of humanize the punish accomplishment. The positive Interdisciplinary relations with

the social assistant was also related in the execution works of CS.

Keywords: alternative sentencing; Community Services; Forensic psychology.

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LISTA DE SIGLAS

CAPs – Centro de Atenção Psicossocial

CEAPA – Central de Apoio às Penas e Medidas Alternativas

CENAPA – Central Nacional de Apoio e Acompanhamentos às Penas e Medidas Alternativas

CFESS – Conselho Federal de Serviço Social

CFP – Conselho Federal de Psicologia

CPB – Código Penal Brasileiro

CRAS – Centro de Referência da Assistência Social

CREAS – Centro de Referência Especializado da Assistência Social

CRP-RJ – Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro

CTC – Comissão Técnica de Classificação

GEPAIS - Gerência de Penas Alternativas e Integração Social

ILANUD – Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a Prevenção e Tratamento do

Delinquente

JECrims – Juizados Especiais Criminais

LEP – Lei de Execução Penal

ONU – Organização das Nações Unidas

PP – Prestação Pecuniária

PSC – Prestação de Serviços à Comunidade

PSD – Psicologia Social Discursiva

UFPE – Universidade Federal de Pernambuco

VEPA – Vara de Execução de Penas Alternativas

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

1. ANÁLISE HISTÓRICA DA PUNIÇÃO

15

1.1 A pena de prisão 17

1.2 Os precedentes das Penas Alternativas 21

1.3 Contextualizando as Penas Alternativas 23

1.3.1 As Medidas e as Penas Alternativas 26

2.4 A Prestação de Serviços à Comunidade 30

2. O ENCONTRO DA PSICOLOGIA COM O DIREITO

33

2.1 A Psicologia no campo penal 37

2.2 O psicólogo e a PSC 41

3. PSICOLOGIA SOCIAL DISCURSIVA

45

3.1. A orientação da linguagem para a ação 47

3.2 A variabilidade do discurso 50

3.3 Os repertórios interpretativos 51

3.4 Retórica 53

4. MÉTODO 55

4.1 Caracterização do campo de pesquisa: as Ceapas de Pernambuco 55

4.2 O universo estudado 56

4.3 Procedimentos de coleta de dados 57

4.4 Análise dos dados 59

5. O PAPEL DO PSICÓLOGO NA EXECUÇÃO DA PSC 63

5.1 A prática psicológica no cotidiano de trabalho 64

5.2 O “olhar diferenciado” do psicólogo e a humanização da pena 70

5.3 Relação com outros profissionais 73

5.3.1 Com o Assistente Social 73

5.3.2 Com o operador do Direito 77

6. O SIGNIFICADO DA PSC 80

6.1 A PSC como instrumento de mudança subjetiva 82

6.2 Devolução para a sociedade 85

6.3 Reinserção social 86

6.4 Dificuldades na execução da PSC 88

CONSIDERAÇÕES FINAIS 93

REFERÊNCIAS 96

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APÊNDICE A: carta de anuência

APÊNDICE B: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

APÊNDICE C: Roteiro de entrevista

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho insere-se no campo da Psicologia Jurídica, tendo como temática as

produções discursivas dos psicólogos sobre a execução da Pena de Prestação de Serviços à

comunidade. Apesar da diversidade das penas restritivas de direitos, a pesquisa delimitou-se à

análise da Prestação de Serviço à Comunidade, uma vez que esta é uma modalidade de

execução de pena que necessita de apoio técnico (BRASIL, 2002), aqui compreendido o

trabalho do psicólogo e do assistente social, e é, segundo o levantamento realizado pelo

Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do

Delinquente - ILANUD no ano de 2006, a espécie de pena que apresenta a maior incidência

de aplicação em todas as capitais estudadas.

No Brasil, já foram realizados vários debates e discussões acerca da elaboração de

estratégias integradas que solucionem a questão da superlotação nos presídios e viabilize a

reintegração social do infrator. O Conselho Nacional de Justiça aponta as Penas Alternativas

como solução viável para o sistema penitenciário. Para tanto, o Ministério da Justiça tem

incentivado a adoção de alternativas penais e apoiado iniciativas nesse sentido.

O Programa do Estado de Pernambuco que apoia o Sistema de Justiça para Aplicação

das Penas e Medidas Alternativas é colocado em prática pela GEPAIS (Gerência de Penas

Alternativas e Integração Social), que tem suas atividades realizadas através da equipe técnica

das CEAPAS (Centrais de Apoio às Medidas e Penas Alternativas), que fiscalizam a execução

da medida/pena restritiva de direito aplicada e acompanham os seus cumpridores, vítimas,

familiares e a Rede Social Parceira, no processo penal alternativo à prisão.

O saber psicológico fornece apoio técnico à execução dessas alternativas,

demonstrando que o campo de atuação profissional para os psicólogos encontra-se em

crescimento. Pretende-se desenvolver a pesquisa partindo do entendimento de que a prática

profissional está impregnada por uma dimensão ética e social que envolve, além de

orientações normativas e procedimentos técnicos, escolhas teóricas, políticas e sociais.

O profissional de Psicologia, imerso no campo das alternativas penais, na execução

das Penas/Medidas de Prestação de Serviços à Comunidade, tem como principais atribuições

entrevistar o indivíduo que cometeu o delito, indicá-lo para uma instituição de acordo com

suas habilidades, encaminhá-lo para a rede sócio-assistencial conforme suas necessidades,

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motivá-lo para o cumprimento da pena/medida, monitorar o cumprimento desta, dentre tantas

outras atividades, em um trabalho interdisciplinar com assistentes sociais e profissionais de

Direito.

Desse modo, para que essa pena possa ser efetivada, de acordo com o ILANUD

(2006), é necessária a presença de uma equipe técnica encarregada de realizar o atendimento

psicossocial ao cumpridor, buscar a formação de uma rede social que dê apoio ao

cumprimento da pena e, ainda, acompanhar tal cumprimento. Nesse contexto, a pesquisa de

campo será realizada com os psicólogos que atuam nas CEAPAS (Centrais de Apoio às

Medidas e Penas Alternativas) do Estado de Pernambuco.

O interesse pelo campo das Alternativas Penais surgiu em decorrência da prática de

Estágio Supervisionado I e II realizado na VEPA (Vara de Execução de Penas Alternativas)

pelo período de um ano. O brilhante trabalho desenvolvido pelo Juiz e pela equipe técnica

desta Vara frente aos cumpridores fez despertar o interesse pelo tema e a produção de um

projeto de pesquisa. A atuação enquanto estagiária também possibilitou o surgimento de

questionamentos acerca da prática psicológica e suas limitações junto às Penas Alternativas.

Pretende-se, pois, que essa pesquisa possa beneficiar os profissionais que atuam na execução

desta modalidade de pena/medida, proporcionando o aprimoramento de propostas e

estratégias de intervenção.

Diante do exposto, faz-se necessária uma reflexão acerca da atuação do psicólogo no

âmbito jurídico, mais precisamente, nas execuções penais, bem como sobre os discursos

produzidos por esses profissionais no que se refere às Penas Alternativas, em especial da Pena

de Prestação de Serviços à Comunidade. No entanto, para entender o sistema de punição

referente às penas alternativas, torna-se imprescindível observar que, em uma perspectiva

histórica, a prisão não foi o único instrumento utilizado enquanto objeto de punição e controle

social.

A pena de prisão, nos moldes como a conhecemos, é uma forma de punição que surgiu

com o sistema capitalista e, desde então, vem sendo empregada para conduzir, seja pela via de

correção, seja pela via da neutralização, as pessoas tidas como periculosas, que representam

perigo à sociedade. Ainda que seja utilizada como forma de punição da maioria dos crimes,

durante centenas de anos era utilizada para manter os criminosos até o dia do julgamento ou

para aproveita-los no trabalho forçado.

KOLKER (2005) aponta que até a consagração da pena de prisão, no final do Século

XVIII, diversas outras formas punitivas foram utilizadas, conforme o modelo político-

econômico vigorante, “em geral respondendo à necessidade de formação, aproveitamento

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e/ou controle da mão de obra pouco qualificada, ou como instrumento para a gestão das

classes consideradas perigosas (por sua pobreza e marginalidade e não apenas por sua

criminalidade)” (p. 158).

O entendimento acerca da importância de sanções e medidas não privativas de

liberdade como meio de reintegração social de sujeitos que cometeram algum delito surgiu

através das Regras de Tóquio, ocorridas no ano de 1990. Tais Regras apontam vários

princípios básicos que objetivam favorecer a implantação de penas não privativas de liberdade

e incentivar a participação comunitária na execução penal, proporcionando garantias mínimas

aos cumpridores de Penas ou Medidas Alternativas.

Diante do exposto, o objetivo geral desse trabalho foi analisar as produções

discursivas dos psicólogos que atuam nas Centrais de Apoio às Medidas e Penas Alternativas

do Estado de Pernambuco (CEAPAs), acerca da execução da Pena de Prestação de Serviços à

Comunidade. Os objetivos específicos foram:

a) Analisar o significado da Pena de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) para

estes profissionais;

b) Compreender o significado atribuído ao papel do psicólogo na execução destas

penas;

c) Apreender a relação dos psicólogos com outros profissionais na execução da Pena

de Prestação de Serviço à Comunidade.

Quanto à estrutura da dissertação, será realizado no primeiro capítulo o trajeto da

punição numa perspectiva histórica, elencando as diferentes maneiras de punir postas em

prática ao longo das épocas, os precedentes das Penas Alternativas até a criação destas, com

atenção especial à Prestação de Serviços à Comunidade (PSC), uma vez que será a

modalidade de Pena/Medida Alternativa escolhida para o estudo.

No segundo capítulo será abordado o encontro da Psicologia com o Direito, bem como

o reconhecimento da Psicologia enquanto profissão, adentrando pelo ingresso desta ciência na

esfera penal e no trabalho do psicólogo junto à PSC.

O terceiro capítulo traz a abordagem teórica que alicerça esta dissertação, abordando

alguns dos principais conceitos da Psicologia Social Discursiva (PSD).

A explanação da metodologia utilizada nesta pesquisa será feita no capítulo quatro,

abarcando o local de coleta de dados, os sujeitos entrevistados, os procedimentos de coleta de

dados e a análise dos mesmos.

O quinto e o sexto capítulo versam sobre a análise dos dados deste estudo. No capítulo

cinco será analisada a importância da atuação do psicólogo na execução da Prestação de

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Serviços à Comunidade. Para tanto, busca-se ainda, apreender como se dá tal atuação e as

relações estabelecidas com outros profissionais, como os operadores do Direito e os

Assistentes Sociais. No capítulo seis, objetiva-se analisar os modos como os psicólogos

compreendem o significado da Pena de Prestação de Serviços à Comunidade, quais são os

recursos discursivos utilizados para tal entendimento e quais as dificuldades na

operacionalização do trabalho.

Por fim, as considerações finais desta pesquisa apontam os impasses e os

questionamentos que se fazem presentes na atuação do psicólogo no âmbito jurídico, mais

especificamente, no campo penal.

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“É a celeridade e a certeza da pena,

mais que a sua severidade,

que produz a efetiva intimidação”

(BECCARIA, 2002, p. 132).

1 ANÁLISE HISTÓRICA DA PUNIÇÃO

O estudo da história da humanidade permite observar o uso das várias formas de

punição ao longo dos tempos. Nas configurações mínimas de convivência em grupo o homem

exerceu ou tentou exercer esse método de controle. Em diferentes sociedades são encontradas

informações sobre o uso do corpo como forma de fazer sofrer e punir aqueles que são

considerados criminosos ou que infringiam os valores tradicionais.

Gomes (2008) assinala que, na Antiguidade, a pena tinha contornos de fundamentação

teológica, apresentando como ideia central a satisfação à divindade. Nesse momento histórico,

a visão de sanção penal perpassa da legitimidade da vingança privada para a vingança divina.

Os antigos vinculavam-se, de forma veemente, à ideia de autoridade divina, o que permitiu a

representação desta por meio do soberano a quem competia o direito de punir (MARQUES,

2000).

Até fins do século XVIII a prisão serviu à contenção e guarda de réus para preservá-

los fisicamente até o momento de serem julgados. Durante esse longo período histórico,

recorria-se, fundamentalmente, à pena de morte, às penas corporais e às infamantes. Por isso,

a prisão era vista como o lugar de espera para a ocorrência de posteriores suplícios, pois se

usava a tortura, frequentemente, para descobrir a verdade. A prisão foi sempre uma situação

de grande perigo, um incremento ao desamparo e, na verdade, uma antecipação da extinção

física do indivíduo (BITENCOURT, 2011).

Na Idade Média, muitas foram as mudanças na compreensão social da pena. Os

suplícios representaram grande parte das punições impostas, havendo ainda um forte

componente religioso, no qual se confundiam as noções de crime com pecado. A tortura

corporal, como parte da punição por suplícios, implicava um castigo para a vítima, mas

também, por ser pública, apresentava-se como exemplo para a população, persuadindo-a

afastar-se de futuros delitos. As penas impostas objetivavam defender a sociedade das

intempéries dos infratores. Esse foi, portanto, um período marcado por significativas

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crueldades. Nessa época, as punições criminais estavam submetidas ao arbítrio dos

governantes, que as atribuíam em decorrência do status social a que pertencia o réu.

Outra etapa da fase medieval aponta Gomes (2008), desenhou-se a partir das ideias de

São Tomaz de Aquino, que defendia o pensamento da representação da autoridade divina na

Terra através de uma autoridade civil, responsável pela atitude de imposição do castigo, o que

originou, posteriormente, o modelo punitivo do Absolutismo, denominado Teoria da

Delegação Divina.

Segundo o supracitado autor, a prisão surgiu na Época Moderna, por volta do século

XVI, na Europa, com a criação de casas de correção, que objetivavam a custódia de grande

número de bêbados, prostitutas e excluídos. A suposta finalidade da prisão consistia na

reforma dos delinquentes por meio do trabalho e da disciplina. Com as mudanças econômicas

e sociais, sucedidas com o processo industrial, esses locais passaram a representar a principal

pena e a mais utilizada no Ocidente. Assim, à época, a prisão foi apresentada como uma

alternativa penal capaz de punir sem, no entanto, incidir de forma cruel sobre o corpo do

infrator, como ocorria no suplício. Isso aconteceu, porque as penas corporais que eram as

mais aplicadas, já não conseguiam refletir o sentido da justiça. Além disso, não garantiam o

controle do crime e a proteção dos grupos dominantes que começavam a reclamar. Com isso,

a prisão torna-se peça essencial no conjunto das punições (FOUCAULT, 2010).

Foucault (2010), em sua Obra Vigiar e Punir expõe detalhadamente os suplícios

sofridos pelo condenado Damiens em sua execução ocorrida em 1757. A violência física, o

esquartejamento, as queimaduras e a exposição em praça pública ilustram bem a forma

punitiva da época. Nessa época, o poder de punir era demonstrado nos excessos de suplícios,

onde o direito e o poder de punição eram prerrogativas restritas ao rei. Assim,

o suplício penal não corresponde a qualquer punição corporal: é uma

produção diferenciada de sofrimentos, um ritual organizado para a marcação

das vítimas e a manifestação do poder que pune: não é absolutamente

exasperação de uma justiça que, esquecendo seus princípios, perdesse todo o

controle (FOUCAULT, 2010, p. 36).

Na segunda metade do século XVIII, surge uma preocupação em torno da punição e o

suplício torna-se inaceitável. Destarte, propagaram-se as ideias humanistas e o suplício e as

ideias de vingança que ele ensejava passaram a ser criticados.

Se não é mais ao corpo que se dirige a punição, em suas formas mais duras,

sobre o que, então, se exerce? [...] Dir-se-ia inscrita na própria indagação.

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Pois não é mais o corpo, é a alma. À expiação que tripudia sobre o corpo

deve suceder um castigo que atue, profundamente, sobre o coração, o

intelecto, a vontade, as disposições (FOUCAULT, 2010, p. 21).

Com o surgimento da obra de César Beccaria, intitulada Dos delitos e das penas, abre-

se um novo horizonte para o destino da pena. O cenário Iluminista favorecia uma concepção

humanista com relação ao fenômeno punitivo, fazendo nascer ideias que buscavam limitar as

punições ao seu real caráter de necessidade, bem como ao menor nível de sofrimento possível,

em nome do respeito à dignidade humana (GOMES, 2008). Assim, para Beccaria (2002), a

pena de morte deveria ser abolida e a sua noção de justiça correspondia ao abrandamento das

penas, de tal forma que houvesse a proporcionalidade entre a punição e o crime praticado, e a

eliminação do uso do terror pelos dispositivos de justiça. Nesse período, foram formatados

princípios como o da legalidade, anterioridade da lei penal, proporcionalidade e pessoalidade,

entre outros (GOMES, 2008).

Em meados do século XIX, a pena não mais se centralizava no suplício como técnica

utilizada para infligir sofrimento. A punição deixara, paulatinamente, de ser uma cena, sendo

a própria condenação elemento que marcará o delinquente com sinal negativo (FOUCAULT,

2010).

1.1 A Pena de Prisão

A partir do século XIX, a pena privativa de liberdade passou a ser a principal resposta

penológica agregando, em progressão geométrica, adeptos da cultura segregatória, como meio

mais adequado para serem alcançadas a prevenção e a reforma do delinquente (GOMES,

2008).

Foucault (2010) aponta que as prisões surgiram com o objetivo de domesticar os

corpos, com uma função técnica de correção, “uma empresa de modificação dos indivíduos”

(p.219). Para o autor, a prisão chega a intervir na distribuição espacial dos indivíduos,

proibindo os mendigos e vagabundos do século XVIII de circularem nas cidades, mandando-

os para o campo, ou, ainda, impedindo-os de perambular em determinadas regiões. Essa foi

uma maneira de controlar a inserção no aparelho de produção agrícola ou manufatureira e de

agir sobre o fluxo da população, tendo em conta, ao mesmo tempo, as necessidades da

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produção e do mercado de empregos. Dessa forma, o trabalho desenvolvido dentro das prisões

custeava as despesas dos presos e as suas retribuições individuais asseguravam sua reinserção

moral e material no mundo da economia. Percebe-se, pois, que a razão econômica foi um

fator crucial para a pena de prisão. Foucault (1997) expõe que

o confinamento, esse fato massivo cujos sinais encontramos em toda a

Europa do século XVII, é um assunto de polícia. Polícia no sentido

sumamente preciso que se dá ao vocábulo na época clássica, isto é, o

conjunto de medidas que fazem do trabalho algo ao mesmo tempo possível e

necessário para todos aqueles que não poderiam viver sem ele [...] antes de

ter o sentido medicinal que lhe atribuímos ou que ao menos queremos

conceder-lhe, o confinamento foi uma exigência de algo muito distinto da

preocupação da cura. O que o fez necessário foi um imperativo de trabalho.

Onde a nossa filantropia quer reconhecer sinais de benevolência à doença,

ali encontramos somente a condenação à ociosidade (p. 54-55).

No fim do século XVIII, o grande crescimento demográfico, o surgimento do ideário

capitalista de produção e a acumulação de fortunas modelam um campo profícuo ao

surgimento da sociedade disciplinar (FOUCAULT, 2005). O termo disciplina, descrito

acima, é utilizado por Foucault para retratar “uma prática ou técnica de poder que incide sobre

os corpos dos sujeitos, reproduzindo e produzindo comportamentos para assegurar a

ordenação das multiplicidades humanas” (CFP, 2007, p. 17).

As prisões do século XVIII também são recolocadas nesse contexto, uma

tecnologia corretiva com a finalidade de recuperar os sujeitos, por meio de

um poder disciplinar de vigiar, deixando para trás a punição explícita,

exemplar e pública. Passou a interessar às autoridades aspectos históricos e

circunstanciais do criminoso, o que possibilitava ao sistema jurídico- penal

julgar não só o crime, mas também o comportamento e as condições de

subjetividade do delinquente [...] (CFP, 2007, p.18).

Segundo Foucault (2010), a prisão teria, então, duas imagens de disciplina: Uma, a

disciplina-bloco, que corresponde à instituição fechada, estabelecida à margem e voltada para

as funções negativas, como romper as comunicações e suspender o tempo. Outra, o modelo

panóptico como disciplina-mecanismo, um dispositivo funcional que deve melhorar o

exercício do poder tornando-o mais rápido, mais leve, mais eficaz, um desenho das coerções

sutis para uma sociedade que estar por vir.

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O panoptismo traduz o sofisticado mecanismo de poder na medida em que “é o

princípio geral de uma nova ‘anatomia política’ cujo objeto e fim não são a relação de

soberania, mas as relações de disciplina” (FOUCAULT, 2010, p. 197). “O que substituiu o

suplício não foi um encarceramento maciço, foi um dispositivo disciplinar cuidadosamente

articulado” (FOUCAULT, op. cit., p. 250).

Durante o período de encarceramento, determinado conforme o tipo de delito, o

indivíduo deveria “ser corrigido”, tornar-se uma pessoa de bem, guiado e enquadrado nas

normas sociais. “Apostaram que a pena poderia produzir a ortopedia do homem delinquente,

transformando-o no homem normal, adequado à convivência desejável na cidade” (BARROS,

2005, p.12). Porém, os efeitos do aprisionamento sobre o sujeito detido, nesse modelo

disciplinador, não correspondem à anunciada “recuperação”. Entendendo que a infração se

caracteriza pela ocasionalidade do comportamento criminoso e a delinquência pela

habitualidade, “Foucault afirma que a prisão qualifica e habilita o delinquente, tipificando-o

após a passagem pela instituição” (CFP, 2007, p.19). Assim, segundo Foucault (2010):

A prisão não deve ser vista como uma instituição inerte, que volta e meia

teria sido sacudida por movimentos de reforma. A “teoria da prisão” foi seu

modo de usar constante, mais que sua crítica incidente – uma de suas

condições de funcionamento. A prisão fez sempre parte de um campo ativo

onde abundaram os projetos, os remanejamentos, as experiências, os

discursos teóricos, os testemunhos, os inquéritos. [...] Ao se tornar punição

legal, ela carregou a velha questão jurídico-política do direito de punir com

todos os problemas, todas as agitações que surgiram em torno das

tecnologias corretivas dos indivíduos (p.221-222).

Gomes (2008) chama ainda atenção para um aspecto econômico envolvido no

desenvolvimento da prisão:

Não se pode ignorar que a prisão ganhou força em uma época na qual a crise

econômica consumia o mundo ocidental, em uma atmosfera de desemprego

e escassez de bens, constituindo a mão-de-obra dos encarcerados em força

de trabalho barata e a prisão, forte instrumento de controle social contra os

movimentos reivindicatórios de direitos e políticas públicas (p. 54).

Deveriam ser segregados, portanto, aqueles que não seguissem a ordem vigente, os

vagabundos, os ociosos, os ladrões, os desobedientes, os opositores políticos ou religiosos,

conforme nos coloca Sequeira (2004). Esse confinamento, como forma de neutralização dessa

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parte da população excedente não necessária à produção, acaba provocando estrategicamente

“rupturas com o trabalho, com uma identidade social, com pessoas afetivamente significativas

[...]. Então, após o aprisionamento, temos um novo homem, desenraizado, sem trabalho, sem

família” (p. 65).

Ao analisar a pena privativa de liberdade, percebe-se que esta trouxe consigo um

aspecto sombrio e segregador:

Desde então o encarceramento se constiui em uma forma de segregação do

indivíduo pelo Estado, que nem sempre agiu ou age à luz dos princípios que

informam a aplicação da pena – legalidade, proporcionalidade, lesividade,

pessoalidade, individualização e respeito à dignidade do ser humano; e é

executado sob o olhar temeroso, mas também, normalmente, desprezivo e

preconceituoso da sociedade civil (PRADO, 2005, p. 312).

Nota-se, pois, que a prisão, desde seu surgimento, é marcada por constantes críticas.

Incapaz de refrear a criminalidade, a prisão tem servido a fins de exclusão social e produção

de mais delinquência. A pena privativa de liberdade, conforme elucida Gomes (2008),

apresenta exaustivas conclusões de fracasso, uma vez que é incapaz de atingir os seus

objetivos de prevenção e ressocialização, caindo por terra, inclusive, a ilusão do seu intuito

primitivo (castigo), pela diversidade entre o crescimento das ocorrências criminosas e a

efetiva punição. Nesse sentido, compartilhando do entendimento de Bitencourt (2011), pode-

se concluir pela falência da pena de prisão.

É necessário afirmar, que a prisão trouxe consigo uma notória diminuição dos

sofrimentos físicos advindos dos suplícios, possibilitando uma condenação sem torturas

extremas. No entanto, Foucault (2010) faz suas críticas acerca da reforma penal, das

mudanças que esta comporta e das contradições inscritas na nova forma de poder de punição.

A dita humanização das penas denota uma situação complexa na dinâmica do poder de punir:

O que vai ser definido não é tanto um respeito novo pela humanidade dos

condenados - os suplícios ainda são frequentes, mesmo para os crimes leves

- quanto uma tendência para uma justiça mais desembaraçada e mais

inteligente para uma vigilância penal mais atenta do corpo social (p. 76).

Apesar de seu surgimento estar inserido em um panorama de tentativa de

racionalização das práticas punitivas, fruto do pensamento liberal, “permanece [...] um fundo

‘supliciante’ nos modernos mecanismos da justiça criminal – fundo que não está inteiramente

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sob controle, mas envolvido, cada vez mais amplamente, por uma penalidade do incorporal”

(FOUCAULT, 2010, p.21). Ou seja, embora exista uma mudança na finalidade da pena – da

vingança à disciplina dos corpos – persiste o sofrimento produzido pela sanção.

1.2 Os Precedentes das Penas Alternativas

Os sistemas penitenciários foram pensados no século XVIII e inspirados em ideias

filosóficas humanitárias que “buscavam limitar as punições ao seu real caráter de necessidade,

bem como ao menor nível de sofrimento possível em nome do respeito à dignidade humana”

(Gomes, 2008, p. 38). César Beccaria (2002), pioneiro da defesa dos direitos humanos em

assuntos da esfera penal, pregava a abolição da pena de morte e o abrandamento das penas.

Defendia um direito penal afastado da tortura e lastreado numa punição justa e estritamente

necessária, ou seja, uma pena com rigor necessário apenas para afastar os homens da vereda

do crime. Segundo o autor, para que cada pena não seja uma violência de um ou de muitos

contra um cidadão privado, deve ser essencialmente pública, necessária e proporcional aos

delitos.

A partir do século XIX, assiste-se à consolidação dessa pena privativa de liberdade,

que passou a ser a principal resposta penal do Estado, agregando adeptos da cultura de

segregação como meio de alcançar a prevenção ao crime e a chamada ressocialização do

infrator. Sequeira (2004) afirma que:

Na história do sistema penal encontramos marcas nítidas de segregação e

preconceito. Percebemos uma concepção sobre o criminoso como alguém a

ser custodiado, alguém a ser corrigido, que deveria passar por suplícios e

castigos. Há um estigma sobre o criminoso, como se existisse algo ruim

dentro dele que justificasse separá-lo dos outros, seja pelos muros das

prisões, pelas ilhas-presídios ou pelas galés. O que prevalece é o preconceito

sobre o criminoso, impedindo a compreensão sobre a pessoa dele, sobre os

atos realizados, sobre a sociedade. Aliás, uma das facetas do preconceito é

justamente reduzir a pessoa à característica a ser discriminada. A pessoa

deixa de ser considerada e é reduzida ao que deve ser rejeitado. Uma barreira

é formada e nos impede de ver a pessoa que ali está, o que ocorreu com ela,

com a vida dela e com a sociedade em que vive (p. 70).

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De acordo com Cezar Bitencourt (2011, p. 25-26), a prisão revela-se como “[...] um

mal necessário”. Esse autor recomenda, no entanto, a sua utilização limitada “[...] às penas de

longa duração e àqueles condenados efetivamente perigosos e de difícil recuperação” (p.26).

Adiante, destaca: “Caminha-se, portanto, em busca de alternativas para a pena de prisão”

(p.26).

É verificável, não obstante, que, apesar de todos os males do cárcere, este

ainda se impõe para as situações gravíssimas que envolvem as infrações

penais de intensa potencialidade lesiva aos bens jurídicos tidos como de

maior importância para o corpo social, em face da inexistência de outra

forma punitiva, por ora, para fazer frente a tais infrações (GOMES, 2008, p.

61).

Apesar de a prisão ter ganhado cada vez mais força, consolidando-se como resposta

penal do Estado nos últimos dois séculos, desde o período de seu desenvolvimento havia

quem defendesse a idéia de penas alternativas. Conforme nos aponta Bitencourt (2011),

autores como Thomas More (1478-1535), por exemplo, concebiam a pena de prestação de

serviços à comunidade para crimes não violentos e premiação com a liberdade para bom

comportamento, fundamentos que norteiam o pensamento criminológico na atualidade. Hoje,

fala-se em falência da pena de prisão. Quanto ao sistema carcerário, Bitencourt (2011) elucida

que este

assenta-se sobre dois pilares: a) a antítese entre o ambiente e a comunidade

livre; e b) deficientes condições materiais e humanas nas prisões de todo o

mundo. [...] Pode-se elencar entre as mazelas geradas pela privação da

liberdade: a) a prisão como fator criminógeno; b) os elevados índices de

reincidência; c) a influência prejudicial sobre o recluso dentro dos efeitos

sociológicos ocasionados pela prisão; d) os efeitos psicológicos produzidos

pelo cárcere; e) os efeitos negativos sobre o auto-conceito do recluso; f) os

problemas sexuais na prisão como repressão do intuito sexual; g) utilização

das drogas; e h) alto custo financeiro para a sociedade (p. 154-155).

Sequeira (2004) corrobora com esta ideia, afirmando ser consenso a concepção de que

a prisão não cumpre o papel ressocializador e reabilitador a que se atribui sua existência. Os

altos índices de reincidência demonstram que ela produz rupturas significativas dos laços

sociais, em um processo denominado de prisionização, no qual os internos adquirem hábitos e

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valores condizentes com o ambiente prisional, cuja ética e moral diferem dos valores

socialmente incentivados.

Todo encarcerado sofre, em alguma medida, tal processo [de prisionização],

a começar pela perda de ‘status’, ao se transformar, de um momento para o

outro, ‘numa figura anônima de um grupo subordinado’. Todo encarcerado

sucumbe, de alguma maneira, à cultura da prisão, mesmo porque a cadeia é

um sistema de poder totalitário formal, pelo qual o detento é controlado vinte

e quatro horas por dia, sem alternativa de escape. Extramuros, o princípio é

considerar lícito tudo o que não é expressamente interditado, enquanto, na

cadeia, a lei é considerar proibido tudo o que não é expressamente

autorizado”(THOMPSON, 1980 apud FONSECA, 2006).

Durante muitos anos, predominou uma ideia otimista em relação à pena de prisão

como meio mais eficaz de punição, tendo como objetivo reabilitar o infrator. No entanto, esta

ideia inicial ganha a cada dia, menos força, tendo em vista os questionamentos diversos sobre

os resultados que a pena privativa de liberdade proporciona. Hoje, há uma crítica em relação

ao caráter ressocializador do cárcere e seus efeitos positivos em relação ao apenado. Portanto,

“embora se aceite a pena privativa de liberdade como um marco da humanização da sanção

criminal, em seu tempo, a verdade é que fracassou em seus objetivos declarados”

(BITENCOURT, 2006, p. 73).

O questionamento acerca das condições sociais das penas privativas de liberdade tem

mobilizado o pensamento, em nível mundial, para, ao menos, estabelecer uma política firme

de melhoria das condições dos reclusos no interior das prisões, aspirando uma execução penal

humanitária, assegurando-se o respeito e à dignidade da pessoa humana. As condições

humilhantes existentes nas cadeias, os custos econômicos elevados e a ineficácia da

reincidência criminal fortificam o pensamento de estudiosos da questão penal acerca da

necessidade de se buscar soluções e alternativas para os problemas apresentados pelo cárcere.

1.3 Contextualizando as Penas Alternativas

No final da Segunda Guerra Mundial, em resposta aos crimes cometidos contra a

dignidade humana, a Organização das Nações Unidas (ONU), aprova a Declaração Universal

dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948, objetivando assegurar a igualdade de

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tratamento entre todos os seres humanos; Tal Declaração foi pautada no reconhecimento da

existência da dignidade da pessoa humana como fonte de todos os valores,

independentemente de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião, origem nacional ou social,

riqueza, nascimento ou qualquer outra condição (Art. 2º).

Em meados da segunda metade do século XX demonstra-se que reflexos da luta pelos

Direitos Humanos já podem ser notados no que diz respeito aos direitos das pessoas

condenadas por práticas delituosas.

Em 1955, a Organização das Nações Unidas, preocupada com os sérios problemas

verificados na execução das penas privativas de liberdade, aprovou regras mínimas para o

tratamento dos presos e, na década de 1970, passou a recomendar a adoção de formas de pena

não privativa de liberdade a serem cumpridas na comunidade.

Em 1990, a ONU aprovou a Resolução 45/110 que estabeleceu regras mínimas das

Nações Unidas para elaboração de medidas não privativas de liberdade, a partir de então

conhecidas como “Regras de Tóquio” (BISCAIA; SOUZA, 2005), oriundas do VIII

Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente

(1990), que enfocaram a necessidade da redução do número de reclusos no mundo, bem como

a promoção de soluções alternativas à prisão.

A medida não privativa de liberdade foi assim definida:

Toda e qualquer decisão emanada de autoridade competente em matéria

penal, em procedimento administrado pela justiça penal, mediante a qual

uma pessoa suspeita ou acusada de um delito, ou condenada por um crime,

submete-se a certas condições ou obrigações que não incluem prisão

(JESUS, 2000, p. 28).

Assim, as Regras Mínimas de Tóquio representaram um marco na história das Penas

Restritivas de Direito, tendo em vista que tratam das experiências das Nações Unidas em

torno da implantação, execução e fiscalização das medidas alternativas à pena privativa de

liberdade. Em seus princípios, levam-se em conta “as condições sociais, culturais, políticas e

econômicas em cada país, devendo todos os Estados signatários buscar o máximo de

efetividade para tais objetivos, num harmônico e simbólico equilíbrio entre o direito das

vítimas, o interesse da sociedade e o direito dos delinquentes” (GOMES, 2008), demarcando a

importância das próprias sanções e medidas não privativas de liberdade como meio de

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tratamento do infrator. Tais regras racionam a aplicação da pena de prisão e proporcionam

garantias mínimas às pessoas em cumprimento de alternativas penais.

No Brasil, a reforma do Código Penal Brasileiro (CPB), em 1984, introduziu algumas

modalidades de penas restritivas de direito. Tal reforma, condicionou a aplicação das penas

substitutivas à prisão aos casos cuja condenação não ultrapassasse um ano de pena de

reclusão, restringindo, portanto, o âmbito de incidência do instituto às contravenções penais e

crimes diminutos, não alcançando margem significativa de atuação capaz de refletir no

cenário do sistema punitivo. A Constituição Federal de 1988 traz em seu Art. 5º que

“ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano degradante”. Desse modo,

tem-se um reforço substancial para a ampliação de uma política criminal que vise à

minimização do encarceramento e a maximização da atuação das alternativas penais.

As penas alternativas não surgem para revolucionar o sistema penal, mas

com certeza demonstram uma evolução da questão. “Cadeia”, como se diz

na acepção popular, somente para aqueles que realmente constituem uma

ameaça à sociedade; aos demais, não as benesses da lei, mas uma

oportunidade de se integrarem na sociedade que os excluiu (BISCAIA;

SOUZA, 2005, p. 134)

Em 1995, com a criação dos Juizados Especiais Criminais (JECrims), outras

modalidades de penas alternativas à prisão foram acrescentadas e, com isso, foi elaborado o

conceito de crime de menor potencial ofensivo, que caracteriza a definição destas penas.

A lei 9.714/98, complementando a Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95),

significou um grande passo para a mínima intervenção estatal, valorizando a importância dos

direitos humanos. A supracitada lei surgiu em decorrência da precariedade do sistema

punitivo vigente, o qual tem como núcleo a pena privativa de liberdade, tendo na prisão a sua

ineficácia quanto à ressocialização do apenado. Com a referida lei, as Penas Alternativas

ganharam relevância no Brasil, surgindo como penas autônomas. Assim, sempre que as penas

máximas aplicadas forem iguais ou inferiores a quatro anos e o crime cometido não tenha sido

realizado com violência ou grave ameaça, sendo o réu primário e sem antecedentes criminais,

o juiz escolhe, dentre as penas restritivas de direitos, a(s) mais adequada(s).

Dessa forma, a lei 9.714/98 expandiu a possibilidade da sua aplicação pelo juiz

(prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviços à comunidade ou a

entidades públicas, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana) e a partir

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dela criaram-se, em várias capitais, varas de execução de penas alternativas, que passaram a

conduzir e fiscalizar o cumprimento da pena, o que antes era impossível de acontecer.

No ano de 2000, com o surgimento da Central Nacional de Apoio e Acompanhamento

das Penas e Medidas Alternativas (CENAPA), a aplicação das penas restritivas de direitos

passa a ser considerada como uma política pública de âmbito nacional. Dentre os objetivos da

CENAPA, tem-se a difusão de informações sobre a aplicação das penas e medidas

alternativas, o estímulo a “parcerias entre os operadores do Direito, a comunidade e as

autoridades públicas” (MULLER, s/d, p. 21) e a capacitação de tais parceiros, assim como o

acompanhamento da execução nas diferentes unidades da federação, com a elaboração de

vários convênios estaduais para a criação das Centrais e Apoio e Acompanhamento às Penas

Alternativas (CEAPAS).

A CENAPA é ligada ao Ministério da Justiça e seus investimentos objetivam a busca

de uniformização da execução das penas restritivas de direitos no Brasil. O relatório realizado

pelo ILANUD/Brasil no ano de 2006 visa um acesso às diferenças de atuação em cada Central

ou Vara, sobretudo no que se refere ao tipo de pena mais aplicada e seus procedimentos

técnicos; ainda, há a promoção de congressos e ciclos de capacitação de âmbitos regional e

nacional que visam proporcionar a troca entre os profissionais que atuam nos diferentes

Estados do país.

1.3.1 As Medidas e as Penas Alternativas

As medidas alternativas são aplicadas antes ou após a condenação penal, evitando o

encarceramento e suspendendo o processo antes do início da instauração criminal. As penas

alternativas são frutos de sentenças condenatórias, substitutas de penas privativas de

liberdade, a pessoas que cometeram crime culposo (aquele em que não há intenção), com

qualquer pena, ou crime doloso, punido com pena não superior a quatro anos, sem violência

ou grave ameaça. No que se refere aos crimes dolosos, não pode haver reincidência no mesmo

crime.

No conceito de Damásio De Jesus (2000, p. 29), “alternativas penais, também

chamadas substitutivos penais e medidas alternativas, são meios de que se vale o legislador

visando impedir que ao autor de uma infração penal venha a ser aplicada medida ou pena

privativa de liberdade”. Portanto, penas alternativas são medidas penais substitutivas das

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penas privativas de liberdade, aplicadas aos fatos típicos a que a lei denominou de infrações

de menor e médio potencial ofensivo.

Este tipo de pena evita que infrações de menor gravidade fiquem impunes e, ainda,

que o apenado seja encaminhado à prisão, tendo como “colegas de cela” os infratores de

grande potencial ofensivo. Assim, o mesmo continua integrado à família e sociedade,

exercendo uma atividade profissional e repensando sua conduta delituosa.

As penas restritivas de direitos visam, sem rejeitar o caráter ilícito do fato, dificultar,

evitar, substituir ou restringir a aplicação da pena de prisão ou sua execução, ou ainda, pelo

menos, sua redução. Trata-se de uma medida punitiva que pretende possuir um caráter

educativo e socialmente útil, imposta ao autor da infração penal, como substitutiva da pena

privativa de liberdade (ALENCAR, 2008).

Com a falência do sistema carcerário, o Estado vem se preocupando, cada vez mais,

com a reformulação do sistema de penas, em virtude do desvirtuamento dos objetivos das

penas privativas de liberdade, penas que não conseguem de fato reeducar os presos e prepará-

los para o retorno ao convívio social. Uma vez que as finalidades das penas são a defesa da

sociedade e a ressocialização do infrator, objetivos cada vez menos alcançados pela pena

privativa de liberdade, a prisão passou a ser reservada aos casos de extrema necessidade,

quando o condenado oferecer risco à integridade social. As penas alternativas representam um

significativo avanço das formas de punição, através das quais o apenado cumpre sua pena em

liberdade, sem que seja submetido à segregação social, permanecendo inserido na

comunidade sem sofrer maiores preconceitos.

Conforme afirma Hulsman (1997):

Em inúmeros casos, a experiência do processo e do encarceramento produz

nos condenados um estigma que pode se tornar profundo. Há estudos

científicos, sérios e reiterados, mostrando que as definições legais e a

rejeição social por elas produzida podem determinar a percepção do eu

como realmente ‘desviante’ e, assim, levar algumas pessoas a viver

conforme esta imagem, marginalmente (p.698).

O principal foco dos investimentos tem sido na estruturação e na manutenção, dos

Estados, de serviços de acompanhamento (as centrais ou núcleos de Penas e Medidas

Alternativas) e de Varas Especializadas na matéria (GOMES, 2008). Dessa forma, será

possível acreditar que as Penas Alternativas, sendo efetivamente cumpridas, não são

sinônimos de impunidade.

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De acordo com o Código Penal Brasileiro (CPB) há três tipos de penas em resposta a

uma infração, são elas: as penas privativas de liberdade, as penas restritivas de direito e a

multa. Estas duas últimas são denominadas Penas Alternativas. Estas penas são, pois, uma

resposta diferenciada para indivíduos que cometeram crimes considerados de leve e médio

porte e que não oferecem risco à sociedade, não sendo, portanto, no cumprimento da sua pena,

excluídos do convívio na sociedade.

Gomes (2008), afirma que constatada a disfunção da prisão e, portanto, sua

incapacidade para o cumprimento das finalidades em face das mazelas evidenciadas pela

comprometida estrutura física e administrativa do sistema carcerário, considera-se imperativa

a excepcionalidade de sua aplicação, reservada tão-somente aos autores de crimes de máxima

gravidade. Assim, ao se tratar de situações com baixo potencial ofensivo, não se justifica a

imposição da modalidade de sanção mais drástica de intervenção punitiva.

Nessa perspectiva, o autor argumenta que:

[...] a perspectiva de um sistema punitivo calcado em alternativas penais à

prisão para infrações penais de menor e médio potencial ofensivo, vislumbra

uma intervenção penal menos drástica, mais econômica para o Estado e,

portanto, com maior probabilidade de prestar-se ao respeito à dignidade da

pessoa humana, bem assim à reintegração do delinquente na sociedade [...]

(GOMES, 2008, p. 62)

De acordo com o Código Penal Brasileiro (CPB), em seu artigo 43, as espécies de

Penas Alternativas, também chamadas de Penas Restritivas de Direitos, são: prestação

pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviços à comunidade, interdição

temporária de direitos e a limitação de final de semana. É importante destacar que a

substituição só será possível se forem atendidos os requisitos elencados no art. 44:

I- aplicada pena privativa de liberdade não superior a 4 (quatro) anos e o

crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou,

qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;

II- o réu não for reincidente em crime doloso;

III- a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do

condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa

substituição seja suficiente.

Dessa forma, as Penas Alternativas visam diminuir a reincidência criminal, devido ao

seu caráter educativo e socialmente útil, pois enseja que o infrator, cumprindo sua pena em

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"liberdade", seja monitorado pelo Estado e pela comunidade, facilitando grandiosamente a sua

reinserção à sociedade.

No Brasil, o Ministério da Justiça tem incentivado cada vez mais a adoção de

substitutivos penais e apoiado iniciativas nesse sentido e, assim, o campo de atuação

profissional para os psicólogos tende a um crescimento constante (OLIVEIRA, 2009). Apesar

da diversidade das penas restritivas de direitos, o presente trabalho delimitou-se à análise da

pena de Prestação de Serviço à Comunidade, uma vez que esta é uma modalidade de

execução de pena que necessita de apoio técnico (BRASIL, 2002) e é, segundo o

levantamento realizado pelo Instituto Latino-americano das Nações Unidas para Prevenção do

Delito e Tratamento do Delinquente - ILANUD em 2006, a espécie de pena que apresenta

maior incidência de aplicação em todas as capitais estudadas. O relatório de gestão do ano de

2012 produzido pela GEPAIS (Gerência de Penas Alternativas e Integração Social) do Estado

de Pernambuco confirma que a PSC foi a pena de maior aplicabilidade no supracitado ano,

conforme segue (gráfico 1):

Fonte: Central de Apoio às Penas e Medidas Alternativas, 2012

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1.4 A Prestação de Serviços à Comunidade

A Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) é considerada a modalidade mais

adequada às finalidades pretendidas pelas penas restritivas de direito, tendo em vista seu

aspecto da aproximação e participação da comunidade no processo de ressocialização do

indivíduo infrator. Quanto à natureza jurídica, há doutrinadores que entendem tratar-se de

espécie de pena restritiva de direito (SHECARIA citado por GOMES, 2008, p. 134). No

entanto, o autor a considera como uma espécie de alternativa penal (Regras de Tóquio),

apresentando-se, no direito pátrio, como pena restritiva de direito (artigo 32, do Código

Penal); como condição especial do sursis (artigo 78, § 1º, do Código Penal) e como medida

alternativa na transação penal (artigo 76, da Lei 9.099/95), etc.

Na definição dessa sanção, houve clara preocupação em estabelecer quais as entidades

que poderão participar da prestação gratuita de serviços comunitários (SOARES, 1985). Sua

efetiva operacionalização, conforme aponta Alencar (2008), depende da organização de uma

rede social (governamental ou não-governamental), que ofereça vagas e serviços necessários à

estruturação e ao monitoramento de sua execução. A preocupação em afastar as entidades

privadas como possibilidade de prestação de serviço está ligada ao impedimento da

exploração da mão-de-obra gratuita. Assim, hospitais, postos de saúde, creches, escolas,

dentre outras instituições filantrópicas, de utilidade pública ou comunitária, são beneficiadas

com a PSC. Deste modo, elucida Bitencourt (2011):

A prestação de serviços à comunidade é um ônus que se impõe ao

condenado como consequência jurídico-penal da violação da norma jurídica.

Não é um emprego, tampouco um privilégio, apesar da existência de

milhares de desempregados; aliás, por isso a recomendação de utilizar

somente as entidades referidas e em atividades em que não se elimine a

criação de empregos (p. 307).

No Brasil, em respeito aos interesses do condenado, a execução da pena será em

horário que não coincida com o horário de trabalho dos cumpridores, de modo a alterar de

forma mínima, a rotina diária destes. Ainda, as atividades por eles desenvolvidas devem

coincidir, na medida do possível, com suas habilidades pessoais. Seguindo as ideias de

Fabbrini Mirabete (1985), determinar que a PSC seja executada durante a jornada normal de

trabalho não contribuirá com o processo de reintegração social, pois interferirá negativamente

na estrutura profissional, familiar e social do condenado, dificultando, na maioria das vezes,

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sua sobrevivência e o sustento de sua família. Deste modo, a pena prestação de serviços

poderá ser feita, conforme o Artigo 46, parágrafo único, do Código Penal, “aos sábados,

domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a jornada normal de

trabalho”.

O Artigo 55 do Código Penal estabelece que a pena de prestação de serviços à

comunidade terá a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída. Desse modo,

deve durar o tempo relativo à pena de prisão, não podendo exceder o prazo fixado na sentença

de condenação.

O trabalho comunitário, na legislação brasileira, será calculado à razão de uma hora de

prestação de serviço por dia de condenação. Para fins de cálculos, considera-se o ano com 360

dias e 45 semanas, desse modo, se o réu foi condenado a 1 ano de prisão e sua pena foi

substituída pela PSC, ele deverá cumprir o total de 360 horas de trabalho, o que equivale a 8

horas semanais. O cumprimento começa com o primeiro comparecimento ao local

determinado pelo juiz da execução, sendo que estas horas semanais podem ser distribuídas

livremente no decorrer da semana ou em um único dia, conforme negociação entre o

cumpridor e a instituição beneficiária. No entanto, o artigo 46, § 4º, do Código Penal admite a

possibilidade de o sentenciado cumprir sua pena substitutiva em tempo inferior àquele fixado

para a pena de prisão. Porém, esta redução não pode ser inferior à metade da pena imposta. O

que não significa dizer que o sentenciado cumprirá metade da pena imposta, tendo em vista

que a quantidade de horas de serviços prestada permanece inalterada. Assim, o cumpridor

poderá prestar serviço por dezesseis horas semanais, ao invés de oito, reduzindo,

consequentemente, à metade o tempo de cumprimento da pena. Cabe destacar, que essa regra

de PSC em sua forma reduzida, resulta da previsão expressa no artigo 46 do Código Penal,

que admite tal utilização para as condenações superiores a seis meses de privação de

liberdade. No caso de uma condenação superior a 1 ano, há a possibilidade de cumprir mais

horas por semana a fim de terminar em menor tempo, respeitando o limite mínimo de

cumprimento, qual seja, metade da pena privativa de liberdade.

A PSC também se apresenta como condição especial da suspensão condicional da

pena, sursis, quando a condenação da pena de prisão não ultrapassar dois anos, desde que

presentes outros requisitos exigidos pelo artigo 77 e seguintes do Código Penal. No entanto,

não serão levadas em conta, para efeito de detração, as horas referidas ao tempo de prisão,

como ocorre na PSC.

É importante mencionar que a PSC deve ser aplicada pelo juiz que julgou o

sentenciado (juiz da vara de origem). No entanto, a designação do local onde este cumprirá

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sua pena, será de atribuição do juiz da execução, que mantém uma rede de entidades

adequadas e fiscalizará a execução da pena. Ressalta-se que, conforme os artigos 87 e 88 do

Código Penal, o descumprimento da prestação de serviços à comunidade imposta como

condição ao liberado condicional, poderá gerar a revogação facultativa do benefício, com suas

legais consequências.

O caráter educativo desta pena, não tem o intuito de “melhorar” a personalidade do

apenado, nem que o mesmo pense e passe a agir como toda comunidade. O que se almeja, é

que este possa incutir a ideia de não repetir o crime e repensar, mesmo com as diferenças

entre as pessoas, que ele deve submeter-se a um padrão ético mínimo, que permita a

convivência entre os homens, de forma pacífica (SHECAIRA, 1993). “O condenado, ao

realizar essas atividades, sente-se útil ao perceber que empresta uma parcela de contribuição e

recebe, muitas vezes, o reconhecimento da comunidade pelo trabalho realizado” (FERREIRA,

1989, p. 259). Desse modo, a PSC representa uma das grandes esperanças penológicas,

realizando o seu conteúdo retributivo, ao mesmo tempo, a proposta de ressocialização do

apenado, possibilitando que o mesmo reflita sobre seu ato ilícito, sobre a pena e sobre seu

trabalho realizado.

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2 O ENCONTRO DA PSICOLOGIA COM O DIREITO

“A Psicologia e o Direito, mesmo constituindo-se disciplinas distintas, possuem como

ponto de intersecção o interesse pelo comportamento humano” (ROVINSKI, 2007, p. 13).

Dentro da estreita relação existente entre esses dois campos de saberes é que surge a

Psicologia no âmbito jurídico.

Como dito acima, a Psicologia e o Direito são áreas do conhecimento científico

voltadas para a compreensão da conduta humana. No entanto, conforme elucida Riveros

(1995), diferem quanto ao seu objeto formal: a Psicologia volta-se ao mundo do ser, e tem

como ponto de análise os processos psíquicos conscientes e inconscientes, individuais e

sociais que governam a natureza humana; o Direito, por sua vez, volta-se ao mundo do dever

ser, e supõe a regularização e legislação dos comportamentos humanos (conforme a natureza

humana, estudada pela Psicologia), em função do que considera certo ou errado para a

convivência humana em sociedade.

Ao longo da história das ciências, percebe-se uma preocupação com a avaliação do

criminoso, principalmente quando se trata de um doente mental delinquente. Durante a

Antiguidade e a Idade Média a loucura era um fenômeno bastante privado. Ao "louco" era

permitido circular com certa liberdade, e os atendimentos médicos restringiam-se a uns

poucos abastados (LAGO; AMATO; TEIXEIRA; ROVINSKI; BANDEIRA, 2009). Em torno

do século XVII, a loucura passou a ser caracterizada por uma necessidade de exclusão dos

doentes mentais. Foram criados locais para internação em toda a Europa, onde eram

encerrados indivíduos que ameaçassem a ordem da razão e da moral da sociedade. A partir do

século XVIII, na França, Pinel realizou a revolução institucional, liberando os doentes de suas

cadeias e dando assistência médica a esses seres segregados da vida em sociedade (PAVON,

1997).

O olhar positivista e determinista presente nos séculos XVIII e XIX atribuíam que os

desvios das normas da sociedade estavam relacionados ao fator genético dos que cometiam os

crimes. Deste modo, o indivíduo que infringia as regras, era tido como doente e incapaz.

Nessa época, a psiquiatria era vista como ciência apta a opinar sobre a criminalidade e sua

possível prevenção. No entanto, como destaca Carvalho (2007), a psiquiatria, neste período,

não possuía meios suficientes para uma investigação mais específica e delineada das

características psíquicas.

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A Psicologia forense, ou jurídica, como afirma Rovinski (2000), surgiu da necessidade

de assessorar magistrados em suas tarefas de julgamento. Inicialmente, esteve relacionada

com a psiquiatria forense, onde se encontram seus primeiros campos de investigação voltados

para a área criminal, tendo como enfoque de estudo os adultos criminosos e os adolescentes

infratores da lei. A partir do século XX, outros focos de investigação foram emergindo,

relacionados tanto com avaliações clínicas ligadas às questões do direito cível quanto aos

procedimentos jurídicos inerentes ao processo judicial, a exemplo da avaliação de

testemunhos ou procedimentos dos jurados. Estudos acerca dos sistemas de interrogatório, os

fatos delitivos, a detecção de falsos testemunhos, as amnésias simuladas e os testemunhos de

crianças impulsionaram a ascensão da então denominada Psicologia do Testemunho

(GARRIDO, 1994).

De forma gradual e lenta as práticas psicológicas ganham forma e na década de 60, a

Psicologia é reconhecida como profissão no Brasil (Lei Federal no 4.119, de 27 de agosto de

1962). Assim, surge um discurso científico socialmente autorizado a enunciar “verdades”

sobre o sujeito: a Psicologia. Marcada pelo ideal Positivista e Experimental, portando

instrumentos técnicos de análise, ela avizinha-se da psiquiatria na determinação das

características psíquicas do criminoso e oferece seu arsenal de avaliação para o campo das

perícias (OLIVEIRA, 2009). “Parece que a psiquiatria precisa de novas formas de apoio

concreto, visível, mensurável, para além da antropometria, em sua determinação da

periculosidade e da inimputabilidade de réus e condenados” (JACÓ-VILELA, 2005). Desse

modo, os testes psicológicos trazem um apoio mensurável e visível para a avaliação dos

criminosos e dos motivos dos crimes, dentro da visão biologizante da época.

Os testes psicológicos muito rapidamente vão se tornando o meio adequado

para a determinação da imputabilidade e da periculosidade do réu ou do

condenado. É nessa perspectiva de exame, de descoberta da Verdade

interior, íntima, de cada um, que a Psicologia se aproximará do Direito

(JACÓ-VILELA, 2005).

O marco histórico de estudos que delineou a intersecção entre a Psicologia e o Direito

foi trazido por Myra y Lopes, em o Manual de Psicologia Jurídica no ano de 1932,

fundamentando a existência da Psicologia jurídica na necessidade de apoio ao melhor

exercício do Direito, considerando que a finalidade deste é a profilaxia delitiva (JACÓ-

VILELA, 2005). Neste momento, a Psicologia encontrava-se atrelada ao Direito Penal, tendo

sido derivada da Medicina Legal. “Este é o ponto inicial do percurso da Psicologia Judiciária

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que, a partir de então, foi ampliando seus horizontes na Justiça” (SHINE, 2005, p. 20) e aos

poucos, ganhando outros enfoques no âmbito jurídico, como Direito da Criança e do

Adolescente, o trabalho nas Varas de Família, de Adoção, dentre outros. De acordo com

Fávero; Melão; Jorge (2011), a partir de 1934, a Psicologia começou a ser disciplina

obrigatória nos cursos de Filosofia, Ciências Sociais e Pedagogia, desse modo, houve o início

de aplicação dos conhecimentos psicológicos em várias áreas, como no processo de ensino-

aprendizagem, no trato das relações humanas.

Cabe destacar que, de acordo com o Shine (2005), o uso preferível do termo

“Psicologia Jurídica” é usado para designar a imbricação do campo da Psicologia com o

Direito, o qual abarca o trabalho da Psicologia no âmbito do Poder Executivo, tais como

Ministérios Públicos, prisões, manicômios, delegacias, etc. Ao passo em que, a Psicologia

Forense, aplica-se exclusivamente ao judiciário. Assim, a palavra “jurídica” torna-se mais

abrangente por referir-se aos procedimentos ocorridos nos tribunais, bem como àqueles que

são fruto da decisão judicial ou ainda àqueles que são de interesse do jurídico ou do Direito

(FRANÇA, 2004). Neste trabalho, apesar do estudo estar voltado para a compreensão da

atuação dos psicólogos nas Centrais de Apoio às Medidas e Penas Alternativas, será adotada a

denominação “Psicologia Jurídica” tendo em vista a maior ampliação deste termo.

Popolo (1996) entende que a Psicologia Jurídica tem como um de seus objetivos

contribuir para o melhor exercício do Direito, tendo sempre o cuidado para que não haja a

estagnação nessa relação. Deste modo, “a Psicologia Jurídica deve transcender as solicitações

do mundo jurídico” (FRANÇA, 2004, p. 77) e, como uma ciência autônoma, produzir

conhecimento que se relacione com os produzidos pelo Direito, incorrendo numa intersecção

e promovendo um diálogo de saberes.

El estudio desde la perspectiva psicológica de conductas complejas y

significativas em forma actual o potencial para o jurídico, a los efectos de su

descripción, análisis, comprensión, crítica y eventual actuación sobre ellas,

em función de lo jurídico (Popolo, 1996, p.21).

Deste modo, a Psicologia Jurídica é fundamentada como uma especialidade que

desenvolve um grande e específico campo de relações entre os mundos do Direito e da

Psicologia, nos aspectos teóricos, explicativos e de pesquisa, como também na aplicação, na

avaliação e no tratamento (COLÉGIO OFICIAL DE PSICÓLOGOS, 1997).

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A Psicologia tem seu surgimento, no Brasil, com o seu reconhecimento enquanto

profissão, pela Lei nº 4.119, de 27 de agosto de 1962. No entanto, bem antes deste

reconhecimento, a Psicologia já se encontrava com o Direito desde a década de 50, quando os

psicólogos eram convocados a fornecer pareceres sobre determinados perfis psicológicos,

encaminhados pelo judiciário. Assim, como instrumento de avaliação e emissão de possíveis

diagnósticos, não escapava à demanda que foi a ela atribuída: fazer intervenção e solucionar

problemas de desajustamento em casos “considerados problemáticos”. Bernardi (2002) indaga

que a Psicologia, em seu modelo inicial, pode ser considerada a partir de um enfoque pericial

estrito, entendido como aquele que visa a oferecer ao juiz subsídios para uma decisão

considerada justa, dentro do que a lei impõe.

Apesar do reconhecimento da Psicologia enquanto profissão ter ocorrido na década de

60, a sua regularização surgiu com a Resolução 014/2000, do Conselho Federal de Psicologia,

instituindo-se a partir de então a titulação de especialista em Psicologia Jurídica, com

delimitações de atividades relativas ao Sistema de Justiça, incluindo os poderes “Judiciário,

Executivo, bem como o Ministério Público” (COSTA; CRUZ, 2005, p. 32). Entretanto, “a

Resolução CFP nº 013/2007 revoga a resolução anterior, trazendo maiores especificações das

funções de tal especialidade com previsibilidade de atuação no âmbito da Justiça” (ZOLET,

2009). Deste modo, tem-se a atuação da Psicologia Jurídica no âmbito do Direito Coletivo,

Direito de Família, Direito da Infância e da Juventude, Direito Penal e Execução Penal, dentre

outros.

A atuação do psicólogo na área jurídica teve seu início marcado pelo enfoque

tradicional, na aplicação da Psicologia Científica aplicada ao Direito Positivo. Pressupostos

positivistas que estruturaram as ciências humanas e sociais nos moldes das ciências naturais

alicerçaram uma prática psicológica voltada para o exame e diagnóstico, ou seja, para

processos de investigação (BERNARDI, 2002). Assim, inicialmente, o enfoque da Psicologia

Jurídica diz respeito ao enfoque pericial, no sentido de oferecer subsídios ao juiz para a

tomada de decisão, onde se encontra respaldo na chamada “Psicologia do Testemunho”, que

trabalhava com a detecção dos falsos testemunhos, das técnicas de interrogatórios, etc.

Os métodos de obtenção de confissões foram sendo substituídos e aperfeiçoados por

métodos de exploração psicológica, que visavam reconhecer a “verdade” nos processos

criminais, através dos exames psicológicos (BERNARDI, 2002).

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Os testes psicológicos, então em seu apogeu no Brasil, surgem como o

dispositivo indicador de anomalias e desvios [...] Os testes psicológicos

muito rapidamente vão se tornando o meio adequado para a determinação da

imputabilidade e da periculosidade do réu ou do condenado. É nessa

perspectiva de exame, de descoberta da Verdade interior, íntima, de cada

um, que a Psicologia se aproximará do Direito (JACÓ-VILELA, 2005).

Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tem-

se uma modificação radical de entendimento, notadamente nos direitos fundamentais,

previstos em seu art. 5º. Com essas modificações, passam a ocorrer, paulatinamente, maiores

demandas e necessidades de uma adequação do judiciário, com decisões fundamentadas em

análises mais aprofundadas da individualização, fato que provoca nos dias atuais uma corrida

no sentido de maior preparo dos profissionais da Psicologia para atender a tal realidade, e

crescente interlocução entre as duas áreas (ZOLET, 2009). Assim, outros enfoques vão

surgindo e a Psicologia Jurídica, aos poucos, deixa de lado a questão do aprimoramento de

técnicas psicológicas e focaliza seu trabalho no sujeito enquanto sua singularidade que pode

ser trabalhada com diferentes tipos de práticas psicológicas.

Assim, concorda-se com o posicionamento de Brito (2002) de que o ponto chave da

articulação entre a Psicologia e o Direito é a contínua reflexão crítica, o sentido entrelaçado

entre estas duas ciências, e do que se pretende e entende por Psicologia Jurídica, no intuito de

evitar que a interferência dos psicólogos se caracterize por legitimadora de controles sociais,

segregações ou exclusões.

2.1 A Psicologia no Campo Penal

Os testes psicológicos, sendo de uso exclusivo dos psicólogos, possibilitaram a entrada

da Psicologia nos tribunais, buscando a compreensão das atitudes delituosas e contribuindo

com seus instrumentos técnicos para predizer os comportamentos. Através desses

instrumentos de mensuração, as práticas psicológicas ofereceram suporte científico ao Direito,

com a possibilidade de “predizer” a possibilidade do indivíduo vir a cometer outros delitos.

“É, portanto, a faceta experimental dos estudos de processos psicológicos que fará a

aproximação entre a Psicologia e o Direito” (OLIVEIRA, 2009, p. 31).

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Atualmente, o questionamento acerca do papel do psicólogo no sentido de prever as

possíveis atitudes delituosas do indivíduo está amparada pela Resolução do Conselho Federal

de Psicologia (CFP), n° 012/2011. O documento destaca no seu Art. 4°, § 1° que:

Na perícia psicológica realizada no contexto da execução penal ficam

vedadas a elaboração de prognóstico criminológico de reincidência, a

aferição de periculosidade e o estabelecimento de nexo causal a partir do

binômio delito-delinquente.

Em contrapartida, Bodstein (2007) afirma que os primeiros estudos acerca da

aplicação da Psicologia no campo jurídico relacionam-se ao Direito Penal, tendo em vista que

essa área encontrava-se em falta no que se refere aos estudos que versavam sobre o

comportamento humano. Deste modo, a Psicologia emerge como uma disciplina que

assessora o suporte científico ao tratar das condutas criminosas, aumentando as chances de

conhecimento no que se refere a criminosos e a relação entre o crime e a loucura. “Enquadrar

o indivíduo criminoso, fazer medições, realizar diagnósticos, atestar e comparar, passam a ser

tarefas da psicologia enquanto ciência objetiva, normativa e auxiliar do Direito Penal em sua

tarefa punitiva, retributiva e corretiva (OLIVEIRA, 2009, p. 36).

De acordo com Fonseca (2002), a busca por delimitar as capacidades do sujeito de

direito é que esta sensibilidade médico-jurídica da loucura preparará o surgimento de uma

psicologia. O autor inscreve a Psicologia e a Psiquiatria como saberes da Época Moderna,

baseados em critérios de segregação dos indivíduos pertencentes ao domínio do normal ou do

patológico. Conforme afirma Oliveira (2009), a Psicologia, ciência de moldes positivistas,

capaz de aferir sensivelmente os dados que permitem a verdade sobre o sujeito, mensurar seus

comportamentos, averiguar problemas de ajustamento, concluir pela sua normalidade ou

diagnosticá-lo como louco é bem-vinda ao tribunal. Enquadrando-se, de acordo com a autora,

nos mecanismos da disciplina.

A prática psi no âmbito jurídico, mais especificamente no campo penal, faz surgir

questionamentos acerca do compromisso ético e social presentes nessa atuação. Foucault

(2005) destaca que para que haja uma operacionalização eficaz do controle penal, este

precisou de poderes paralelos à justiça, tais como a polícia para vigiar e as instituições

psicológicas, psiquiátricas, médicas e pedagógicas para corrigir, seguindo a lógica neoliberal,

onde um grande número de pessoas assume a função policialesca. Conforme BOCCO (2009),

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Preocupados com a velha questão da hierarquia dos saberes e com o

reconhecimento da profissão enquanto ciência, procuramos ocupar lugares

de poder socialmente reconhecidos, é, pois, a parceria com o direito uma

associação que se torna cada vez mais estreita, à medida que cresce o campo

– e a autoridade – da chamada psicologia jurídica. Em tempo de suspeição

generalizada, a elaboração de laudos, avaliações e relatórios psicológicos

tornou-se uma das atividades mais requisitadas à psicologia e também um

dos dispositivos mais empregados para estudo, registro e vigilância de

comportamentos e de sujeitos (p. 117-118).

A Psicologia é formatada na medida em que a sociedade cria o status de sujeito, de

individualidade, de identidade e da imagem e de bens capitalistas que viabilizam a

categorização, separação e marcação das pessoas, a chamada disciplinarização. É a ciência

que passa a ter o reconhecimento social de operar sobre os sujeitos. O que passou a interessar

às autoridades foram os aspectos históricos e circunstanciais do criminoso, o que possibilitava

ao sistema jurídico-penal julgar não só o crime, mas também o comportamento e as condições

de subjetividade do delinquente, respaldado pelo conhecimento proveniente da Psicologia.

Durante muito tempo, os saberes e os fazeres da psicologia nas prisões estavam

atrelados às teorias mais conservadoras sobre o crime, o criminoso e as prisões, cabendo aos

profissionais da área o papel de operador do poder disciplinar. Pois, o ingresso da Psicologia

nos sistemas prisionais foi marcado por uma atuação que visava corrigir os desvios, atestar

irregulares e, como citado anteriormente, predizer comportamentos, tendo o poder de

“enunciar a subjetividade” (PRADO FILHO; TRISOTTO, 2007, p. 12). Com as contribuições

dos estudos foucaultianos sobre a prisão, com as contribuições do movimento da reforma

penal internacional e com o desenvolvimento da cultura de direitos humanos, foram

ampliadas as contribuições sobre o tema e criadas condições para a formação de um novo

fazer psicológico (KOLKER, 2005).

O trabalho do psicólogo no campo penal, só foi delimitado de fato com a criação da

Lei de Execução Penal (LEP), em 1984, quando uma nova política criminal e penitenciária

começa a ser desenhada. Com a referida Lei, foram estabelecidas as novas condições que

devem ser garantidas aos presos e internados para cumprimento de suas sanções, passando

estes, a ter direito à assistência material, à saúde, à jurídica, à educacional, à social e à

religiosa. A Lei de Execução Penal estendeu para as penitenciárias o campo de atuação do

psicólogo e instituiu o exame criminológico e a Comissão Técnica de Classificação (CTC),

dispositivos utilizados para fazer o acompanhamento individualizado da pena. Esta comissão

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é composta por um psicólogo, um assistente social, um psiquiatra, dois chefes de serviço e

presidida pelo diretor da unidade prisional (CRP-RJ, 2005).

O princípio da individualização, um dos princípios norteadores da LEP, ajusta a

execução da pena ao preso condenado, com “o objetivo de adequar o tratamento penitenciário

às características e necessidades de cada preso” (RAUTER, 1989, p. 9). A LEP também

instituiu o sistema progressivo de cumprimento de pena (regime fechado, semi–aberto e

aberto), que objetiva reintegrar gradativamente o condenado ao convívio social. Assim, a pena

deverá ser cumprida gradativamente em regime cada vez menos rigoroso, até que o apenado

receba a liberdade condicional e finalmente a liberação plena. Durante esse tempo, ele deve

ser acompanhado por equipe multidisciplinar, cabendo ao psicólogo, em conjunto com outros

profissionais que compõem a CTC, avaliar suas condições. Com o texto da Lei de Execução

Penal o legislador contempla a atuação do psicólogo no sistema prisional, com uma

convocatória de características laudatória, avaliativa, normalizadora e corretiva

(NASCIMENTO, 2009). Desse modo, o saber da psicologia enquadra-se num saber de

vigilância e de correção.

Em 2003, a nova lei 10.792 alterou os artigos 6° e 112 da LEP e, assim, suprimiu o

acompanhamento da execução da pena pela CTC e o exame criminológico para os benefícios

legais do livramento condicional e da progressão de regime, respectivamente, passando a ser

exigida, tão somente, a declaração de comportamento carcerário do preso emitida pelo diretor

do estabelecimento prisional (CRP-RJ, 2005). A partir daí, emerge uma nova possibilidade

de reposicionamento para a psicologia no que se refere ao sistema prisional: a função pericial

perde espaço para a construção de políticas públicas, pautadas na ética e na compreensão da

psicologia como compromisso social que se constitui enquanto ciência e profissão.

É importante destacar a concepção trazida pelo Conselho Federal de Psicologia acerca

da atuação do psicólogo no âmbito prisional. A Resolução do n° 012 de 2011, do referido

Conselho, em seu Art. 4°, alínea b, traz que

a partir da decisão judicial fundamentada que determina a elaboração do

exame criminológico ou outros documentos escritos com a finalidade de

instruir processo de execução penal, (...), caberá à(ao) psicóloga(o) somente

realizar a perícia psicológica, a partir dos quesitos elaborados pelo

demandante e dentro dos parâmetros técnico-científicos e éticos da

profissão.

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41

Como citado anteriormente, ao psicólogo, é proibida a elaboração de qualquer

documento que indique a probabilidade de alguém praticar ou tornar a praticar um crime.

Propõe-se a intervenção pautada na promoção da autonomia, na desconstrução de estigmas,

atuação em processos interdisciplinares, promoção de intersetorialidade de projetos de saúde

com os de integração social (NASCIMENTO, 2009).

Ao psicólogo, cabe o questionamento sobre suas práticas e sobre os efeitos que estas

podem produzir, sendo aposta para a Psicologia a produção coletiva de análises e estratégias,

para o enfrentamento dos tensionamentos, colocados na atualidade mediante pequenas ações

cotidianas, micropolíticas, etc. Desse modo, produzir, de fato, uma prática voltada para a

integração social, almejando prosseguir na construção de uma forma de lidar com a

criminalidade pautada pela prevenção, educação, justiça e responsabilização dos sujeitos e da

sociedade, define a atuação do psicólogo na esfera penal.

2.2 O Psicólogo e a PSC

O contexto de aplicação, execução e monitoramento das penas restritivas de direito é

de natureza jurídica, psicossocial e pedagógica. De acordo com Alencar (2009) a intervenção

da equipe técnica, em articulação com o Juízo da Execução e dos Juizados Especiais

Criminais, insere-se em um contexto de política criminal e penitenciária, direcionada para a

prevenção criminal e seu resultado dirigido para a fiel aplicação de uma pena ou medida

alternativa em execução. A autora discorre que a demanda do trabalho é jurídica, com

natureza penal e seguindo o tratamento legal em todos os procedimentos e consequências.

Sobre a atuação dos psicólogos na esfera das alternativas penais, Roehring (2007)

argumenta que o amplo acesso à justiça pela sociedade, mencionando Roehrig e Siqueira

(2007, p.187), depende do reconhecimento mútuo das diferentes ciências, pois é na

articulação de diversos saberes que se torna viável alcançar práticas institucionais mais

coerentes às necessidades humanas e sociais, numa perspectiva ecológica e ética. A

importância do desenvolvimento de práticas integradas é reforçada especialmente quando

estas se relacionam às políticas públicas. Assim, torna-se importante a habilidade do

profissional para lidar com as diferenças, a possibilidade de realização de trocas, para a

recepção do novo e para o reconhecimento da alteridade. No âmbito institucional jurídico, o

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trabalho requer a articulação não se limitando apenas àquele ambiente profissional restrito,

mas ultrapassando as fronteiras profissionais e institucionais para o campo social, no qual se

torna vital um intercâmbio em diferentes níveis de diálogos e saberes. A autora pontua que

por intermédio de aproximações entre instituições, abrem-se caminhos que apontam para o

estabelecimento de políticas mais integradas, com respectivos fluxos institucionais e

interinstitucionais, pelos quais seja possível favorecer o atendimento da população de forma

mais equilibrada e justa, diminuindo a discriminação e a exclusão social.

Desse modo, os profissionais que compõem o sistema de alternativas penais

estabelecem a interação entre o mundo jurídico e o mundo social, tendo em vista que realizam

a intersecção entre o sistema de justiça e a comunidade, sintetizado no seguinte esquema

explicitado no Manual de Monitoramento das Penas e Medidas Alternativas do ano de 2002.

Fonte: Manual de Monitoramento das Penas e Medidas Alternativas, 2002.

Ainda de acordo com Alencar (2009), é recomendável que a composição mínima da

estruturação da equipe técnica englobe um psicólogo, um assistente social e um pedagogo,

visando a garantia de segurança jurídica e metodológica através da avaliação para fins de

aplicação e execução da pena ou medida.

A atuação da equipe técnica se dá através da realização de entrevistas psicossociais,

buscando conhecer o cidadão que irá cumprir a pena e planejando a melhor forma de

execução desta. A entrevista psicossocial também consiste num espaço para esclarecimentos

Corpo Técnico do

Sistema de

Alternativas Penais

Juízo da

Execução

EQUIPE DE

APOIO

TÉCNICO

Entidades

Parceiras

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43

acerca da pena ou medida, mais precisamente com relação às regras e à forma de

cumprimento, destacando que, em muitos casos, o indivíduo chega para cumprir uma pena ou

medida sem muito esclarecimento.

Após a entrevista psicossocial, a equipe técnica elabora os relatórios psicossociais e

realiza os encaminhamentos para as redes socioassistenciais que se fizerem necessários. Nas

Varas, em alguns Estados, como Pernambuco, por exemplo, adota-se a audiência admonitória

com o juiz das Penas Alternativas, procedimento recomendado pelo relatório do

ILANUD/Brasil, sob o argumento de promover uma maior aproximação entre o juiz e o

indivíduo apenado. Nestes casos, é somente após a audiência que se inicia o cumprimento da

medida ou da pena.

De acordo com o Manual de Monitoramento das Penas e Medidas Alternativas

(BRASIL, 2002), as Regras de Tóquio, quando recomendam a capacitação dos profissionais

envolvidos com a prática das alternativas penais, sinalizam que o trabalho requer

conhecimentos especializados, exatamente, pelo delicado papel de compreensão entre o fato

jurídico e o fato social. Assim, a equipe de apoio técnico representa o corpo técnico do

sistema de alternativas penais por estabelecer a interação entre o mundo jurídico e o mundo

social, uma vez que faz a interseção entre o juízo da execução e a comunidade. É importante

destacar que a referida equipe é composta por psicólogos e assistentes sociais.

O tema das alternativas penais tem forte caráter ideológico e aproxima o

Direito do mundo dos fatos. À realidade jurídica cabe o caráter objetivo e

prescritivo e à realidade social, a subjetividade das relações humanas e

sociais. A interdisciplinaridade está na complementaridade destes dois

campos de linguagem, onde o saber técnico-jurídico constrói

correspondência de conceitos fundamentais (BRASIL, 2002, p. 17).

Assim, para que haja a execução da Prestação de Serviços à Comunidade faz-se

necessária a interlocução de diversos saberes. Faz parte da demanda de trabalho dos

psicólogos que atuam junto à PSC realizar entrevistas, visitas domiciliares, encaminhamento

do cumpridor às redes sociais parceiras, elaboração de relatórios para o juiz com sugestões de

alternativas para proporcionar uma maior adequação da execução da pena ou medida, dentre

outras atividades.

Ainda de acordo com o Manual de Monitoramento das Penas e Medidas Alternativas

(2002) os procedimentos técnicos realizados pela equipe são a avaliação (análise do perfil do

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sentenciado e da entidade parceira), o encaminhamento (envio do cumpridor à instituição para

prestar serviços) e o acompanhamento (métodos e técnicas que visam o fiel cumprimento bem

como sua fiscalização).

Nos anos de 2000 e 2001, verificou-se a criação de Centrais de Penas Alternativas em

todos os Estados, vinculadas às Secretarias Estaduais, com a contratação de equipe técnica

composta por profissionais de psicologia e de serviço social. O monitoramento técnico-penal

realizado pelas equipes técnicas ao sistema de justiça, mediante a aplicação, execução e

monitoramento das penas restritivas de direito, encontra-se estruturado através das Centrais de

Apoio às Medidas e Penas Alternativas (CEAPAS), locais de coleta de dados do presente

estudo. As Ceapas atuam em conjunto com as Varas de Execução Especializadas e com os

Juizados Especiais Criminais (ALENCAR, 2009). Conforme a autora, o monitoramento

concretiza-se na disponibilização da equipe técnica multidisciplinar e especializada nas áreas

de psicologia, serviço social e pedagogia, como forma de realizar o atendimento psicossocial-

educacional aos cumpridores de penas e medidas alternativas, ás vítimas e, ainda, promover a

inter-relação entre a rede social parceira e o sistema de justiça.

Cartaxo (2009) discorre sobre a importância de uma equipe multidisciplinar, dentre

eles, o profissional de psicologia, para que se atenda aos fins a que se prestam as penas

alternativas. A autora elucida que a lei, por si só, não provê os elementos essenciais para a

aplicação da penalidade mais justa, proporcional ou eficaz a cada sujeito. Desse modo, pontua

que há a necessidade de “receber o concreto e singular auxílio dos estudos psicológicos e

sociais, que devem ser contínuos e próximos até que se obtenha o êxito final” (p. 91-92).

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45

3 PSICOLOGIA SOCIAL DISCURSIVA

A perspectiva teórico-metodológica na qual este trabalho se baseia é a Psicologia

Social Discursiva, tal como desenvolvida por um conjunto de psicólogos sociais ingleses nas

últimas décadas (BILLIG, 2008; POTTER, 1998; POTTER; EDWARDS, 2001; POTTER;

WETHERELL; GILL; EDWARDS, 1990), que enfatizam a natureza retórica do discurso

(como as pessoas argumentam sobre eventos e fenômenos), sua função (ação e consequência

no discurso) e variabilidade.

A PSD foi desenvolvida mediante uma forma particular de análise de discurso,

elaborada por Potter e Wetherell no livro Discourse and Social Psychology (1987), possuindo

uma complexa influência teórica, baseadas nas ideias advindas da retórica, da sociologia da

ciência, da análise de conversação e do pós-estruturalismo. Com a adoção e o

desenvolvimento da análise do discurso, a Psicologia Social Discursiva apresenta-se como

uma forma de pesquisa que se encontra em ascensão. Várias abordagens e teorias novas

emergiram e, consequentemente, inúmeras formas de se pesquisar em Psicologia utilizam-se

da análise do discurso.

Nogueira (2001) elucida que a análise do discurso não é somente um método, mas

uma perspectiva sobre a natureza da linguagem e da sua relação com questões centrais das

ciências sociais. Contudo, essa análise discursiva não se restringe apenas à transmissão de

informação, e tampouco pode ser apontada como linear, uma vez que busca desvendar como

objetos simbólicos produzem sentidos.

Tal abordagem trouxe uma mudança no papel atribuído à linguagem. Essa deixa de ser

vista apenas como um simples meio para traduzir ou expressar o pensamento e passa a ser

concebida como um instrumento para a própria constituição das ideias. Mais especificamente,

a Abordagem Discursiva representa um conjunto relacionado de abordagens ao discurso,

abordagens que acarretam não só práticas de coleta de dados e de análise, (questões

metodológicas) mas também um conjunto de assunções metateóricas e teóricas (NOGUEIRA,

2008). Oferece deste modo, rotas para o estudo dos significados, uma forma de investigar o

que está implícito, ou não, nos diálogos que constituem a ação social, os padrões de

significação e a representação que constituem a cultura. Permite uma série de abordagens aos

“dados” e, mais importante, um conjunto de teorizações a esses mesmos dados

(WETHERELL; YATES; TAYLOR, 2001).

Wetherell e Potter (1996) apontam que o discurso é construído, em parte, com base no

fato de que ele está, conscientemente ou não, orientado para a ação, e isso faz com que

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variemos o que falamos de acordo com nossos interesses particulares. Assim, a Psicologia

Social Discursiva considera o discurso como fundamentalmente orientado para a ação e

construtor da realidade, considerando as ações realizadas no discurso como partes de práticas

situadas. Nesse sentido, Potter e Edwards (2001) compreendem o discurso como “fala e textos

estudados como práticas sociais” (p. 104).

Na análise do discurso da Psicologia Social Discursiva, a questão da verdade na

construção da realidade se organiza de forma que não se busca descobrir a veracidade ou não

de uma afirmação, trata-se, pois, de compreender os mecanismos linguísticos que fazem com

que essa afirmação pareça verdadeira ou falsa.

Assim, a Psicologia Social Discursiva (PSD), de acordo com Potter e Edwards (2001),

interessa-se por aquilo que as pessoas estão fazendo nos seus discursos, bem como pelo modo

através do qual elas produzem versões do mundo. Os autores pontuam que enquanto a maioria

das teorias psicológicas considera que existe uma realidade e uma mente fora da linguagem, a

PSD busca compreender como tanto a noção de realidade quanto a noção de mente são

construídas pelas pessoas através da linguagem, na medida em que atuam em torno de

determinadas intenções.

Wetherell e Potter (1992) argumentam que, assim como a realidade humana é

construída nas práticas discursivas, disso também não difere a realidade psicológica. Desse

modo, o discurso constrói ativamente, define e articula tanto os processos sociais quanto os

psicológicos. Para os autores, os processos que são considerados como mentais e individuais,

residem no discurso como parte de uma negociação coletiva, de um debate argumentativo. Por

exemplo, conceitos como motivação, intenção, personalidade, são construídos e organizados

discursivamente e variam de cultura para cultura e de época para época.

Compreende-se, pois, que os discursos são formas de práticas sociais orientados para a

ação. Para Gergen (2007), o discurso é de suma importância porque se organiza como um

convite para a atuação em certas formas por oposição a outras e, dessa forma, é constitutivo

da vida cultural. Conforme seu entendimento, “cuando compreendemos los valores como

situados histórica y culturalmente, estamos más preparados para involucrarmos em el tipo de

diálogos a partir de los cuales pueden surgir nuevas y más viables constelaciones de

significado” (p. 104).

Para Potter e Edwards (2001), a Psicologia Social Discursiva é construcionista em dois

sentidos diferentes: primeiro pelo fato de estudar o modo como o discurso é construído, uma

vez que, para os autores, as palavras, metáforas, relatos, etc., são construídos a partir da

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interação e na realização de ações determinadas; segundo, porque a PSD estuda como o

próprio discurso constrói versões de mundo.

Interessa, pois, aos estudiosos do discurso identificar os padrões na linguagem que se

encontram associados, entendendo a linguagem como situada dentro de um contexto social e

cultural. Nessa abordagem, os discursos são vistos, fundamentalmente, como formas de ação

social (IÑIGUEZ, 2004), de modo que não faz sentido separar o conhecimento teórico da

prática.

3.1 A orientação da linguagem para a ação

Analisar o modo com o discurso é utilizado na PSD, bem como a forma como

diferentes versões de mundo são construídas e estabilizadas como independente dos falantes,

é tratado como algo a ser analisado na produção de discurso através das práticas discursivas

dos sujeitos. Nessa perspectiva, o discurso é tratado como o meio fundamental de ação no

mundo.

Ao falar sobre a linguagem, adota-se um conceito pautado no movimento, em uso. A

linguagem, além de estar relacionada com as práticas sociais, é por si só uma prática social,

afastando-se das teorias que a concebem unicamente como código de transmissão de

informação, enfatizando sua estrutura e reduzindo-a as partes que a compõem: semântica,

ortografia, sintaxe etc.

Corroborando com esse entendimento, tem-se a contribuição de John Austin, para o

qual a linguagem se institui como construtiva das coisas, mais do que meramente descritiva

delas, deixando de ser palavra acerca do mundo para passar a ser ação sobre o mundo. Desse

modo, a linguagem não só nos diz como é o mundo, ela também o institui; e não se limita a

refletir as coisas do mundo, também atua sobre elas, participando de sua constituição.

É importante pontuar o caráter inacabado da linguagem, compreendendo-a em

constante construção. Potter (1998) valeu-se da metáfora do espelho e do atelier de construção

para expressar sua compreensão do que viria a ser o papel da linguagem na expressão ou

construção da realidade. Na metáfora do espelho, a linguagem é concebida como um reflexo

da realidade tal como ela é, coadunando com os paradigmas científicos que produzem

descrições passivas, reservando-se no lugar de apenas “refletir o mundo”, o que poderia ser

exemplificado a partir de estudos de cunho positivista. Essa noção dialoga com a

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compreensão da linguagem como mero veículo, pois nesse caso não se destaca, em nenhum

momento, a possibilidade da linguagem em movimento construir, ela também, realidades,

sugerindo certa passividade da linguagem e do ser humano em relação ao mundo. A segunda

metáfora, a metáfora da construção, afirma que ela funciona em dois níveis diferentes:

primeiramente afirma que as descrições e relatos constroem a realidade; em segundo nível,

essas descrições são construídas, são uma atividade humana, desse modo, podem ser feitas de

outra forma, sendo construídas e construtivas. A partir do entendimento do presente estudo, a

concepção trazida pela metáfora da construção apresenta-se como a mais apropriada, tendo

em vista que permite ampliar as possibilidades e alcances conceituais da linguagem como

chave analítica, onde as pessoas e as suas falas fabricam ativamente o mundo em que vivem.

Para Potter (1998), a linguagem como construção poderia, através das descrições e dos

relatos, construir o mundo. Entretanto, as próprias descrições e os relatos também já estão

construídos. A força dessa metáfora reside também em seu caráter inacabado, sendo que

nunca haveria um “produto” fixo e acabado, mas as partes que compõem o todo estariam em

permanente reorganização, a partir dos acordos sociais e das interações no cotidiano.

Qué fuerza tiene la construcción em esta metáfora? Según la version

más fuerte de esta metáfora, el mundo literalmente pasa a existir a

medida que se habla o se escribe sobre él. Algo totalmente ridículo!

Quizá si, pero yo deseo optar por algo casi igual de fuerte. La

realidad se introduce en las práticas humanas por médio de las

categorias y las descripciones que forman parte de esas prácticas. El

mundo no está categorizado de antemano por Dios o por la

Naturaleza de uma manera que todos nos vemos obligados a aceptar.

Se constituye de umna u otra manera a medida que las personas

hablan, escriben y discuten sobre él (Potter, 1998, p. 130).

O modo como categorizamos e descrevemos os fatos e as coisas, por exemplo, remete

à nossa cultura e estas configurações se formam na medida em que falamos, escrevemos ou

discutimos. Assim, o cotidiano constitui o lugar central de estudo dos movimentos da

linguagem. São nas conversas informais, nos documentos, nos debates, nos programas de

televisão, nos jornais impressos, dentre outros, que a linguagem poderá ser observada em sua

manifestação. Aponta-se, pois, uma íntima relação entre as funções psicológicas e o caráter

central que a linguagem tem como mediadora e constituidora delas. “Isso significa que

devemos desviar a busca de explicações sobre o mundo social do interior das pessoas para

dirigi-las ao espaço lingüístico da interação, que é onde os seres humanos se relacionam uns

com os outros” (GARAY,et al et. al., 2005, p. 113).

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Ao pensar na linguagem do ponto de vista construcionista, faz-se referência a Gergen

(2004 apud Potter, 1996). Para ele, os termos e formas pelos quais nós compreendemos o

mundo e a nós mesmos são artefatos sociais, produtos de relações interpessoais situadas na

história e na cultura, onde as versões de mundo são mantidas pelas vicissitudes do processo

social. Desse modo, ao estudar o discurso, estuda-se, sobremaneira, os padrões culturais.

Potter (1996) argumenta que entender a linguagem como fruto de representações

internas só dificulta o avanço do debate, porque recairia em argumentos circulares. Dito de

outra forma, as supostas estruturas internas seriam responsáveis por construir os fatos no

mundo e estes, por sua vez, justificariam a existência daquelas estruturas, recaindo na mesma

circularidade, aprisionando outras formas de explicação e interpretação da realidade.

Corroborando o uso na linguagem no cotidiano, Edwards (apud Potter, 1998) critica o

uso da linguagem como um sistema de classificação que se encontra entre o falante individual

e estático e o mundo. Ao contrário, a linguagem deve ser entendida como uma prática social,

presente no mundo e contribuindo com os embates que constroem as instituições, os

discursos, as relações, as subjetividades e a vida em geral. A própria linguagem construiria a

pessoa e seu mundo, numa relação dialética e interdependente, onde o discurso se faz com

base em construções com funções próprias, orientado para determinadas direções, o que o

torna, essencialmente, construído. Wetherell e Potter (1996) elucidam que o termo construção

apresenta-se apropriado ao tratar-se do discurso pelo fato de: orientar o pesquisador para o

lugar onde o discurso se fabrica a partir de recursos linguísticos pré-existentes e com

características próprias; deixar claro que, mesmo que o sujeito tenha à sua disposição estes

recursos pré-existentes, ele escolhe o que for mais conveniente para suas intenções; destacar,

de acordo com as escolhas que fazemos que o discurso tem consequências práticas e que

constrói o mundo em que vivemos.

Isto posto, é importante pontuar que para Potter (2004), a análise do discurso utilizada

na PSD, fundamenta-se em três ideias: o discurso é orientado para a ação, é situado e é

construído. Ao estender essa orientação à ação no discurso, apreende-se que sua análise

compreender ações e práticas que este desempenha, afirmando que o mundo encontra-se em

movimento constante, tornando importante a compreensão do contexto em que o discurso foi

produzido. O discurso é situado uma vez que ocorre numa sequência de interação, ou seja, as

ações não estão dispersas no espaço, mas estão atreladas ao contexto ao qual estão inseridas.

É construído na medida em que as pessoas usam a linguagem para construir versões de

mundo, considerando que as interações sociais são baseadas em negociações que envolvem

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eventos e pessoas que constroem a realidade. Desse modo, interessa estudar como um mundo

de descrições e afirmações fazem parte das práticas humanas através do discurso.

3.2 A variabilidade do discurso

A compreensão da variabilidade do discurso torna-se fundamental na perspectiva da

PSD, uma vez que, esta ênfase na noção de variabilidade nos permite perceber as mais

variadas formas de inconsistências, ambiguidades e contradições presentes nos discursos.

Assim, a noção de variabilidade remete à dispersão presente nos discursos, uma vez que este é

uma construção orientada para a ação. Partindo dessa concepção, espera-se que diferentes

tipos de atividades produzam diferentes tipos de discurso.

Potter, Wetherell, Gill e Edwards (1990) argumentam que a variabilidade é

fundamental para a análise por sua relação com a orientação funcional. Da mesma forma

como esta orientação leva à variação, a presença da variação pode ser usada como pista

analítica para retornar à orientação funcional.

Neste estudo, o uso do conceito de variabilidade pretende auxiliar na compreensão do

discurso dos psicólogos que atuam junto à Pena de Prestação de Serviços à Comunidade. Ou

seja, possibilitar que sejam identificadas as inconsistências, incoerências e variações presentes

no discurso destes profissionais, e que buscam fabricar identificações e sentidos de

pertencimento nesses sujeitos. De acordo com Oliveira Filho (2005), os discursos variam

tanto no interior de um mesmo grupo social quanto em diferentes intervenções discursivas de

um mesmo indivíduo, desta maneira, ao analisarmos estes discursos não iremos encontrar

apenas consistências, mas também encontraremos inconsistências, ambiguidade e

contradições.

Potter e Wetherell (1996) destacam que a análise do discurso objetiva estudar as

variações no conteúdo para trabalhar na compreensão da função. Essa variedade ocorre em

virtude de a linguagem ser utilizada para alcançar várias funções, uma vez que os nossos

discursos não são reflexos da realidade, mas sim versões da realidade que objetivam atingir

interesses específicos (POTTER & WETHERELL, 1987), variando conforme o contexto

discursivo.

Entretanto, é mister destacar que a variabilidade discursiva ocorre também por outro

fator. Quando as pessoas constroem sua argumentação reproduzem um conjunto de

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concepções conflitantes que existem no interior de uma dada sociedade, ou seja, que estão

presentes no “senso comum”. Desse modo, a variabilidade não seria apenas consequência de

considerações estratégicas, mas consequência da própria natureza do senso comum e dos

muitos temas conflitantes que o permeiam (BILLIG, 1991; OLIVEIRA FILHO, 2005).

Assim, compreendendo o discurso como algo construído, situado e orientado para a

ação, espera-se que com diferentes tipos de atividade, diferentes tipos de discurso irão ser

produzidos (POTTER et al., 1990). Potter e Wetherell (1987) destacam que não acreditam na

forma de ver os discursos dos sujeitos como consistentes e coerentes, como crêem os

estudiosos que seguem o modelo “realístico” de linguagem. Assim, eles apontam que a

linguagem é utilizada para uma variedade de funções e seu uso tem uma variedade de

consequências.

Ao estudar essa variabilidade do discurso, é possível, assim, tentar compreender a

função que esse discurso está cumprindo, já que certas funções levam, em geral, a certos

discursos específicos. Portanto, a abordagem da Psicologia Social Discursiva neste estudo faz-

se relevante na medida em que tem interesse nos discursos produzidos pelos psicólogos

jurídicos sobre a Prestação de Serviços à Comunidade (PSC), bem como a existência de

contradições, inconsistências e ambiguidades, ou seja, a variabilidade no discurso dos

participantes.

3.3 Os Repertórios Interpretativos

Ao se falar em análise do discurso, tem-se o conceito de repertório interpretativo,

introduzido por Potter e Wetherell, como definição central nessa análise. Tal conceito remete

a uma forma de compreensão dos esquemas linguísticos que os sujeitos utilizam na

construção das descrições dos acontecimentos. São, portanto recursos discursivos utilizados

para construir versões dos fatos, acontecimentos e recursos sociais. Assim, a experiência das

pessoas a respeito de uma série de questões culturais e de identidade pessoal só pode ser

entendida e expressa a partir dos repertórios disponíveis no discurso. Oliveira Filho (2011)

destaca que “a expressão ‘repertórios interpretativos’ apresenta-se como uma alternativa

freqüente [...] para destacar o caráter prático e situado da linguagem, uma preocupação

central, [...] da psicologia social discursiva” (p. 355).

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Nessa perspectiva, os indivíduos são participantes ativos da vida social, ocupados em

construir descrições, para vários fins (POTTER; WETHERELL, 1992). Os indivíduos

utilizam-se de repertórios para produzir versões de fatos, acontecimentos e ações que

justifiquem determinadas práticas. Apreende-se, pois, que os repertórios interpretativos são

recursos discursivos gerais que podem ser utilizados conforme os recursos sociais e culturais

disponíveis, a fim de atender as suas mais variadas necessidades (NOGUEIRA, 2001;

POTTER & WHETERELL, 1987). Em otras palavras, os sujeitos, nas suas interações com os

outros, selecionam os repertórios interpretativos que melhor se adequem aos seus objetivos.

De acordo com Wetherell e Potter (1996)

los repertorios se pueden considerar como los elementos esenciales que los

hablantes utilizan para construir versiones de las acciones, los procesos

cognitivos y otros fenómenos. Cualquier repertorio determinado está

constituido por una restringida gama de términos usados de una manera

estilística y gramatical específica. Normalmente, estos términos derivan de

una o más metáforas clave, y la presencia de un repertorio a menudo está

señalada por ciertos tropos o figuras del discurso (p. 66).

Assim, apreende-se que os repertórios interpretativos são um dos componentes básicos

que os indivíduos utilizam para se referir discursivamente a algo ou a alguma coisa, ou seja,

para opinar sobre determinada questão. Seguindo esse raciocínio, torna-se possível inferir que

o repertório interpretativo está inter-relacionado com a noção de mundo e de realidade de

cada pessoa, onde diante da necessidade de esclarecimento de algum fato, o sujeito recorrerá

às suas crenças e convicções construídas para argumentar seu posicionamento frente à

demanda proposta. Pode-se perceber que o sujeito tem diante de si um repertório amplo de

opções, das quais pode selecionar e escolher o modo que lhe convém para discorrer sobre suas

explicações ou argumentações. São, pois, conforme Potter (1996), recursos flexíveis, usados

seletivamente de acordo com a situação e escolhidos na intenção de realizar determinadas

ações.

Segundo o pensamento de Nogueira (2001), os repertórios interpretativos são como

“blocos de construção” que os indivíduos utilizam para construir versões das ações, dos

processos cognitivos e de outros fenômenos. Os estudiosos do discurso que utilizam o

conceito de repertórios interpretativos destacam que toda fala é um agir e que a linguagem

deve ser concebida como uma ação. Apreende-se assim, que a linguagem tem múltiplas

funções e que as ações executadas pelos sujeitos do discurso dependem do contexto em que

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este discurso é produzido bem como, dos outros sujeitos engajados nesse discurso (WOOD &

KROEGER; apud NOGUEIRA, 2001).

Para este trabalho, a utilização do conceito de repertórios interpretativos centrou-se no

fato de que estes possibilitam perceber como os sujeitos entrevistados confrontaram as

conversações e como definem planos através da colocação estratégica de temas.

3.4 Retórica

A pesquisa na Psicologia Social discursiva considera a forma como as falas e os textos

são utilizados em sequências de interação, como são orientados para ambientes institucionais

e identidades, e como são postos juntos retoricamente (POTTER, 2004). Pode-se dizer, pois,

que o discurso é situado em termos de retórica, uma vez que o modo como uma descrição é

colocada na linguagem falada ou na escrita, faz parte do seu caráter argumentativo. Em sua

obra Arguing and Thinking, Billig (2008) afirma, dentre outras pontuações, que a

argumentação e a retórica são a própria essência da linguagem. Desse modo, as teorias

psicológicas e retóricas têm uma conexão muito próxima, uma vez que argumentar e pensar

estão intimamente relacionados.

Michael Billig foi o estudioso que melhor desenvolveu a importância dos argumentos

retóricos na Psicologia Social, em especial, na Psicologia Social Moderna. O autor acredita

que quando argumentamos, não estamos apenas defendendo uma posição, estamos, ao mesmo

tempo, combatendo argumentos alternativos, o que faz parte do jogo retórico. Billig (2008)

aponta que “dessa forma, a afirmação e a negação estão entremeadas na medida em que os

logos do discurso também são antílogos, a serem entendidos com relação ao contexto da

polêmica” (grifos do autor, p. 10).

Na perspectiva desse autor, qualquer mensagem é ambígua, e todas exigem um esforço

interpretativo do pesquisador. Apreende-se desse ponto de vista que o papel do pesquisador

não consiste em seguir direções de análise que conduzam a um objetivo predeterminado, mas,

interagir com os argumentos inerentes àquilo que as pessoas dizem, utilizando as ferramentas

analíticas e trazendo à tona tudo o que está implícito.

Billig (2008) ressalta que a estrutura argumentativa e formal de um texto também pode

ser levada em consideração. Com isso, defende o uso das possibilidades analíticas da retórica

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e, em particular, a identificação de tipos argumentativos, figuras retóricas, sequências táticas

de temas e todas as formas estilísticas que ajudem à persuasão.

Potter (1996) salienta que a análise do discurso concentra sua atenção nas falas e nos

textos como práticas sociais e nos recursos retóricos que tornam estas práticas persuasivas.

Além da análise dos repertórios interpretativos, fazem parte da análise do discurso, por

exemplo, estudos do modo como ações específicas são realizadas discursivamente, ou quais

são os artifícios retóricos utilizados na construção de versões factuais de mundo. Portanto, a

retórica ganha relevância na PSD na medida em que ela compreende o pensamento como algo

repleto de dilemas argumentativos cuja estrutura deriva, principalmente, dos repertórios

interpretativos encontrados na cultura.

A utilização da retórica apresenta-se como instrumento útil para analisar a

credibilidade e a legitimidade que um texto transmite. Também, possibilita identificar linhas

de coerência de um argumento que possam ficar ocultas sob uma fachada aparentemente

desconexa.

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4 MÉTODO

O presente capítulo abarcará questões relativas ao modo como a pesquisa foi realizada.

A fundamentação teórica da análise é a Psicologia Social Discursiva, trazida no capítulo

anterior. É mister destacar que, como afirmam Potter e Wetherell (1992), não há exatamente

um método analítico na Psicologia Social Discursiva. O que existe é um amplo referencial

teórico que se foca nas dimensões construtiva e funcional do discurso. No entanto, antes de

mencionar os procedimentos para a análise, faz-se necessário o entendimento sobre o local de

coleta de dados, bem como a compreensão acerca do surgimento das CEAPAS no Estado de

Pernambuco.

4.1 Caracterização do Campo de Pesquisa: As CEAPAS de Pernambuco

A realidade da criminalidade do Estado de Pernambuco levou os gestores públicos das

instituições do Poder Executivo Estadual, responsáveis pela administração do sistema de

justiça criminal, a implantar os equipamentos públicos necessários para disponibilizar o

serviço técnico-operacional especializado para a aplicação, execução e monitoramento das

penas e medidas alternativas às instituições que integram o sistema de justiça: o Poder

Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública (BARRETO, et. al, 2009).

Desse modo, o Governo do Estado de Pernambuco, através da Lei Estadual n° 12.775,

de 22 de março de 2005, regulamentada pelos Decretos n° 27.817/05 e n° 29.672/06,

consolidou o ambiente para a aplicação das Penas Restritivas de Direito em Pernambuco. A

GEPAIS (Gerência de Penas Alternativas e Integração Social), ligada à Secretaria Executiva

de Justiça e Direitos Humanos, passou a estruturar, de forma descentralizada e integrada, os

núcleos de monitoramento de penas e medidas alternativas, denominados de CEAPA (Central

de Apoio às Medidas e Penas Alternativas), nas comarcas representativas e nos Juizados

Especiais Criminais do interior e da capital do Estado. No âmbito Judiciário, foi criada no ano

de 2001 pela Lei Complementar Estadual n° 031 e instalada pelo ato n° 168, a VEPA (Vara

de Execução de Penas Alternativas) para as substituições penais na cidade de Recife, com

abrangência na região metropolitana.

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O desenvolvimento das atividades técnico-operacional do monitoramento das penas e

medidas alternativas requer a formação de uma rede social parceira, composta por entidades

públicas, habilitadas para o recebimento dos cumpridores de alternativas penais. Assim, a

CEAPA promove o intercâmbio permanente com essas entidades, por meio de procedimentos

formais entre as equipes a respeito da realidade jurídico-administrativa e psicossocial-

pedagógica de cada cumpridor, além de prestar assistência às pessoas vitimizadas pelos atos

infracionais (BARRETO, et. al, 2009).

Alencar (2009) argumenta que a legislação penal dispõe sobre a aplicação de penas e

medidas alternativas, entretanto, aponta que inexiste, na estrutura organizacional do sistema

de Justiça, o necessário apoio técnico-penal para a aplicação, execução e monitoramento dos

instrumentos legais. Desse modo, a CEAPA oferece ao sistema de Justiça um modelo de

aplicação e execução de alternativas penais através da equipe psicossocial, de forma orientada

e monitorada, “proporcionando, assim, a certeza da eficácia da aplicação e cumprimento da

pena/medida alternativa” (p. 51).

4.2 O universo estudado

No que se refere à população estudada, esta engloba os psicólogos que trabalham nas

Centrais de Apoio às Penas e Medidas Alternativas, do Governo do Estado de Pernambuco,

que, durante o momento do presente estudo, estavam acompanhando a Pena de Prestação de

Serviços à Comunidade. Deste modo, a pesquisa abarcou todas as Ceapas do Estado que, no

momento da pesquisa, contavam com o trabalho de dez psicólogos distribuídos entre as

cidades de Belo Jardim (1), Caruaru (1), Garanhuns (1), Goiana (1), Petrolina (1), Recife (3),

Sertânia (1), Timbaúba (1).

Os sujeitos entrevistados possuem a faixa etária compreendida entre 24 e 46 anos,

abarcando o gênero masculino e feminino, todos com o curso superior completo em

Psicologia. Quanto ao tempo de atuação enquanto profissional da CEAPA o período variou de

um mês a sete anos de atuação. O vínculo com a instituição é contratual e regido pela CLT.

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4.3 Procedimentos de coleta de dados

A pesquisa foi inserida numa abordagem qualitativa, uma vez que, de acordo com

Minayo (2003), ela contempla questões singulares e se preocupa com aspectos que não podem

ser mensuráveis. Compartilhando com a idéia de González-Rey (2002), a abordagem aqui

proposta, implica o desenvolvimento de um diálogo progressivo e organicamente constituído,

como uma das fontes principais de produção de informação, cuja qualidade e complexidade

só são alcançadas pela implicação dos sujeitos pesquisados nas redes de comunicação

desenvolvidas no decorrer da pesquisa. Possibilita “esmiuçar a forma como as pessoas

constroem o mundo à sua volta, o que estão fazendo ou o que está lhe acontecendo em termos

que tenham sentido e que ofereçam uma visão rica” (FLICK, 2009, p. 8).

A abordagem qualitativa em pesquisa privilegia um traçado que visa a compreensão

interpretativa das experiências dos indivíduos dentro do contexto em que foram vivenciados,

respeitando as singularidades dos mesmos, expressando assim a riqueza e a plasticidade do

fenômeno subjetivo. Debruça-se sobre o conhecimento do objeto complexo que é a

subjetividade, cujos elementos estão implicados simultaneamente em diferentes processos

constitutivos do todo, os quais mudam em face do contexto em que se expressa o sujeito

concreto (MINAYO, 1999; GONZÁLEZ-REY, 2002).

Para a execução do projeto foram utilizadas entrevistas semiestruturadas e observação

participante. Tais métodos serão melhor detalhados em exposição que se segue.

Com as pesquisas bibliográficas buscou-se contato com os estudos já produzidos sobre

a atuação de psicólogos junto às penas alternativas. Contudo, foi perceptível que há uma

limitação de dados sistematizados e de fontes bibliográficas sobre o tema. A produção teórica

e técnica sobre o assunto, apesar de ter ganhado visibilidade nos últimos anos, ainda se mostra

tímida denotando que o assunto carece de atenção particularizada e maior visibilidade.

A entrevista semi-estruturada foi o instrumento escolhido para a pesquisa de campo,

sendo certo que a orientação para a confecção das questões deu-se a partir de um roteiro de

entrevista semi-estruturado. O supracitado roteiro (APÊNDICE C) foi elaborado com base

nos objetivos do trabalho de modo que pudesse fornecer questões primordiais, objetivando,

assim, nortear este estudo e adentrar no contexto da prática profissional dos sujeitos

entrevistados. Apesar da observação do roteiro, no decorrer das entrevistas algumas perguntas

adicionais foram realizadas a fim de melhor compreender os aspectos mencionados pelos

entrevistados. Desse modo, a entrevistadora teve uma participação ativa propiciada pelo

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instrumento escolhido na busca do saber. Buscou-se uma boa interação entre pesquisadora e

sujeito entrevistado para favorecer o surgimento de respostas espontâneas.

É importante pontuar a necessidade dessa postura ativa que a entrevistadora adota

numa entrevista de análise de discurso. Esta, diante das respostas dos psicólogos

entrevistados, pôde fazer novos questionamentos e intervenções solicitando mais elucidações,

explicações, etc. Wetherell e Potter (1992) salientam que, numa abordagem discursiva, as

entrevistas são tratadas como uma interação social e, nessa direção, o entrevistador contribui

tanto quanto o entrevistado, pois ambos estão construindo versões que compõem uma

variedade de fontes interpretativas, reafirmando a necessidade de uma postura ativa por parte

do pesquisador.

A escolha pela utilização da entrevista foi motivada pelas qualidades desse

instrumento em “enumerar de forma mais abrangente possível as questões onde o pesquisador

quer abordar no campo, a partir de suas hipóteses ou pressupostos, advindos, obviamente, da

definição do objeto de investigação.” (MINAYO, 1999, p.121).

Outra técnica que subsidiou a pesquisa de campo foi a observação participante, tendo

em vista que este instrumento possibilita que o pesquisador tenha uma participação real no

grupo estudado. De acordo com Becker (1994), a observação participante possibilita que o

pesquisador colete os dados, participando do grupo ou organização, observando as pessoas e

seu comportamento em situações de vida cotidiana. Assim, conforme Gil (1994), a

observação participante possibilita que o pesquisador chegue ao conhecimento da vida do

grupo estudado a partir do interior dele mesmo.

As observações, durante o período de realização de entrevistas, nas Centrais de Apoio

às Medidas e Penas Alternativas, contribuíram para a compreensão da atuação dos psicólogos.

De acordo com Angrosino (2009), a partir da proposta de cada pesquisa a observação

implicará graus diferentes de aproximação e envolvimento do pesquisador com os

participantes. Neste cenário, a ideia de observação participante se identifica com o que o autor

apresenta como a inserção do pesquisador por um breve período, objetivando compreender os

contextos de comunicação entre os grupos, associados com os dados de entrevistas, sendo o

observador reconhecido pelo grupo como pesquisador.

Para a realização das entrevistas, o contato inicial deu-se através de ligação telefônica,

onde a pesquisadora se apresentou, fez uma breve explanação do projeto, o convite à

participação na pesquisa e o agendamento da data de entrevista. A coleta de dados ocorreu

entre os meses Outubro de 2012 a Fevereiro de 2013. O tempo para a entrevista não foi pré-

determinado, visto que uma elasticidade em sua duração permitiria uma cobertura mais

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profunda dos temas a serem abordados. A entrevista foi realizada individualmente e em data e

local escolhido pelo profissional. As falas dos sujeitos, por sua vez, foram gravadas após a

apresentação do “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido” (APÊNDICE B) e da

autorização dos participantes. As entrevistas tiveram duração de aproximadamente trinta

minutos e foram cuidadosamente transcritas com o maior detalhe possível para que qualquer

interação sutil, incidência ou circunstância fosse identificada. Nesse sentido, além das

palavras emitidas, foram incluídas as interrupções e as pausas.

Para fins de sigilo, organização e análise dos dados empíricos, os profissionais

entrevistados foram nomeados como Sujeito 1, Sujeito 2, Sujeito 3, e assim, sucessivamente.

4.4 Análise dos dados

Para a elaboração da análise discursiva dos sujeitos entrevistados, têm-se como apoio

os pressupostos que ressaltam a importância que a linguagem e o discurso têm na vida social.

Desse modo, busca-se compreender o processo pelo qual as pessoas, através do seu discurso,

descrevem, explicam e dão sentido ao mundo em que vivem e a si mesmas (GERGEN, 1985).

Potter e Wethrerell (1987) consideram a palavra como uma forma de ação. A proposta

deles baseia-se na concepção de que a linguagem pode ser compreendida por seu uso. Assim,

parafraseando Iñiguez (2004), não é bom tratar as palavras ou frases como manifestações em

branco de algum significado semântico neutro; ao contrário, deveríamos ver como a

linguagem é usada por falantes em conversas cotidianas e também olhar mais acima do nível

da palavra ou frase.

Posto isto e compartilhando desse entendimento teórico-metodológico focado na

linguagem em uso, nesse estudo, foram adotadas como referências as perspectivas discursivas

(GARAY; IÑIGUEZ; MARTÍNEZ, 2005) que assumem a importância da linguagem como

prática social construtora de realidades. Para o olhar do material de análise serão utilizados os

pressupostos trazidos pela Psicologia Social Discursiva, compreendida como um tipo

particular de análise do discurso que possui como característica um desenvolvimento

engajado a um nível teórico, metodológico e conceitual (POTTER, 2004).

É mister destacar que o processo que antecede à análise dos dados propriamente dita é

de fundamental importância para que esta possa ser realizada. A familiarização com o

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material que foi analisado começou durante as transcrições das entrevistas, realizadas pela

própria pesquisadora. Uma vez transcritas as entrevistas, foram realizadas várias leituras e

releituras desse material coletado, processo de codificação que consistiu em procurar, nas

falas dos sujeitos entrevistados, temas ou categorias que estivessem relacionados com a

temática da pesquisa, nesse caso, a Prestação de Serviços à Comunidade (PSC).

Wetherell e Potter (1992) salientam que a codificação não pode ser confundida com a

análise em si. Ela é realizada principalmente com o intuito de melhorar o manejo de todo o

material produzido, concentrando pontos relevantes para a discussão e, assim,

tornando as análises mais fáceis. No processo de codificação, algumas categorias de análise

emergiram das preocupações que previamente estimularam este estudo, mas outras vieram da

própria experiência de entrevista e das repetidas leituras que foram feitas a partir do corpo das

transcrições As categorias usadas nesse trabalho dizem respeito a conteúdos que foram

agrupados pela sua repetição nos discursos, ou por aparecerem permeados de tensões e/ou

ambiguidades, pelos consensos que indicavam ou, ainda, por terem sido pouco mencionados

ao longo das entrevistas.

Para uma melhor visualização das categorias de análise, foram copiados trechos das

fala dos sujeitos entrevistados que possuíam alguma relação com o tema de interesse. Esta

seleção das falas foi inclusiva à medida que emergiam novos conteúdos. No exercício

analítico propriamente dito, primeiramente procurou-se por padrões nos discursos dos

entrevistados. Esses padrões se apresentaram ora em forma de variabilidade, ou seja,

diferenças nos conteúdos e nas formas dos discursos, ora na forma de consistência,

semelhanças, nos repertórios interpretativos, nas características comuns nos diversos

argumentos desenvolvidos pelos sujeitos. Após a identificação das variações e consistências

discursivas, procurou-se discutir as funções e consequências desses discursos.

Procurar pela variabilidade discursiva é de fundamental importância porque ela é um

sinal de que diferentes formas de construção de eventos, processos ou grupos estão sendo

usados para atingir diferentes efeitos. “Padrões de variações e consistência na forma e

conteúdo dos discursos ajudam o analista a mapear os padrões de repertórios interpretativos

que os participantes estão construindo” (WETHERELL, POTTER, 1992, p. 102). Dito de

outra forma, eles ajudam a revelar as diferentes formas pelas quais o discurso orienta-se para

a ação.

É importante salientar que para a Psicologia Social Discursiva o interesse encontra-se

na ação dos discursos. Assim, ao analisar uma descrição sobre as produções discursivas dos

psicólogos que atuam junto à Prestação de Serviços à Comunidade, tem-se como foco a

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orientação para identificar a natureza da ação realizada por tal descrição, ou seja, na ação

realizada pelos entrevistados com suas falas. Desse modo, adota-se a perspectiva de que as

descrições constroem o mundo, ou, pelo menos, versões dele. E ainda, que as descrições são

por si só, construções de mundo.

Na Psicologia Social Discursiva, Potter e Wetherell citado por Oliveira Filho (2011)

usam o termo discurso para fazer referência a todas as formas de interação pela fala e aos

textos escritos de todos os tipos. Nessa perspectiva, o termo análise do discurso é usado para

nomear a análise de todas essas manifestações discursivas produzidas pelo sujeito. De forma

resumida, Potter e Wetherell (1992) salientam que a análise é realizada em duas etapas: na

primeira, há a busca por um padrão nos dados. Este padrão virá na forma de diferenças no

conteúdo e forma dos textos e na consistência, ou seja, na identificação das características

compartilhadas por estes textos. Na segunda etapa, há a preocupação com a orientação

funcional do discurso e suas consequências, desse modo, o pesquisador formulará hipóteses

sobre as funções e efeitos que as práticas discursivas têm no contexto e procurará pelas

evidências linguísticas.

De acordo com a perspectiva trazida por Potter e Wetherell (1992), não existe uma

forma única nem procedimentos mecânicos que indiquem como realizar uma análise.

Entretanto, os autores apontam que existe um ponto que não se deve esquecer: analisar

discursos envolve leitura e releituras minuciosas, pois encontrar padrões emergentes nos

discursos é uma atividade que pode levar muitas horas de trabalho. Isso porque o pesquisador

não deve estar focado na ideia geral do material, no seu resumo, mas nas nuances, nos

detalhes.

Para a construção da análise dos dados coletados nas entrevistas, partiu-se do

pressuposto de que todo enunciado colocado em discurso por parte de um sujeito faz parte de

um contexto histórico, que está a ele condicionado. Neste sentido, possibilita-se uma reflexão

sobre as implicações da prática analítica discursiva dos sujeitos entrevistados, levando-se em

consideração o contexto social em que o discurso foi construído e, finalmente, sobre o papel

do discurso na construção, manutenção e mudança da estrutura social.

Portanto, o presente trabalho utilizará a Psicologia Social Discursiva como o

instrumento de compreensão e análise dos fenômenos estudados, tendo em vista que essa

abordagem possibilita uma reflexão profunda no que se refere à ênfase no uso da linguagem

na constituição do mundo e das subjetividades contemporâneas. Busca-se, pois, compreender

“a maneira como as interações discursivas que instauram as relações criam e adquirem

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sentido” (IÑIGUEZ, 2004, p.120) através das produções discursivas dos psicólogos que

atuam na execução da Prestação de Serviços à Comunidade.

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5 O PAPEL DO PSICÓLOGO NA EXECUÇÃO DA PSC

A Psicologia Social, segundo Oliveira (2009), comportou, por muito tempo, uma

separação entre o universo social e o mundo psicológico, este entendido como o lugar da

subjetividade, da matriz da identidade. Assim, a relação constituída consistia num dualismo

social-individual, sendo este último o objeto de estudo e aquele apenas uma “paisagem

fugidia” (p. 67). Nos dias atuais, a Psicologia Social traz uma concepção de subjetividade

atrelada aos processos sociais. Ao referirmos à Psicologia Social Discursiva, tem-se o

entendimento de Wetherell e Potter (1992) de que a separação entre os objetos do mundo

interno e os objetos do mundo externo fica comprometida, tendo em vista o papel do discurso

na sua formação. A própria subjetividade e identidade, para os autores, devem ser vistas como

construídas a partir de uma sedimentação de práticas discursivas passadas, que fornecem

repertórios interpretativos disponíveis na cultura.

Angelim e Ribeiro (2012) afirmam que o papel do psicólogo jurídico na condução dos

devidos processos legais exige do psicólogo uma postura interdisciplinar que considere as

dinâmicas sociopolíticas, o papel do Estado e as condições de exercício da subjetividade, que

compõem o contexto específico de intervenção realizada.

Desse modo, a prática psicológica serve ao propósito de ampliar a reflexão do nível

pessoal para um contexto de direitos e de limite da atividade social em face da necessidade de

intervenção do Estado. “O maior risco que a Psicologia Jurídica corre é o de se perceber,

apenas, como saber acessório às práticas de normatização da vida privada e pública”

(ANGELIM E RIBEIRO, 2012, p. 13).

De acordo com Foucault (1977), quando a Psicologia é chamada para atuar como

disciplinadora das práticas de controle do Estado, ela reduz-se à classificação, assim,

“distribui ao longo de uma escala, reparte em torno de uma norma, hierarquiza os indivíduos

em relação uns aos outros e, levando ao limite, desqualifica e invalida” (p. 184).

O crescimento da criminalidade e o alto número de encarcerados fizeram com que o

Conselho Federal de Psicologia (CFP) promovesse debates e propiciasse a problematização

das práticas psicológicas no campo penal. Desse modo, ao se pensar na atuação do psicólogo

em contextos penais pensa-se também na tentativa deste profissional de construir práticas

voltadas para a reintegração social do infrator e, acima de tudo, compromissadas com os

Direitos Humanos.

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5.1 A prática psicológica no cotidiano de trabalho

É importante caracterizar a dinâmica que envolve o trabalho dos psicólogos nas

Ceapas. É sabido que a intervenção da equipe técnica, em articulação com o Juízo da

Execução e dos Juizados Especiais Criminais está inserida em um contexto de política

criminal e penitenciária, voltada para a prevenção criminal, sendo o seu resultado dirigido

para a fiel aplicação de uma pena ou medida alternativa em execução.

Após a aplicação da pena ou medida alternativa pelos agentes do sistema de justiça

criminal, cabe à equipe de monitoramento técnico-penal cadastrar e capacitar as entidades

parceiras para o credenciamento da rede social do sistema de monitoramento da pena e

medida alternativa daquela jurisdição. Durante a realização da pesquisa, foram entrevistados

todos os psicólogos que atuam na execução da PSC no Estado de Pernambuco e, no relato

deles, a equipe básica das Ceapas abarca um profissional de Psicologia e um profissional de

Serviço Social. Já as entidades parceiras, que compõem a rede social, são compostas por

instituições públicas e organizações sociais de interesse público.

Após o julgamento do processo criminal, inicia-se a fase de execução penal

propriamente dita. Nos juizados especiais criminais, é realizada uma avaliação pela equipe

técnica, que pode ocorrer antes ou durante a audiência. Quando se trata de situações de baixa1

e média complexidade2, o parecer psicossocial é suficiente para garantir a segurança do

monitoramento técnico-penal. No entanto, quando a situação é de alta complexidade3, a

equipe sugere, formalmente, uma avaliação psiquiátrica. Concluída a avaliação e

resguardados os sigilos profissionais, a equipe registra um sumário psicossocial como uma

“súmula ou parecer nos autos do processo” (ALENCAR, 2009, p. 71), contendo a indicação

do local de cumprimento da PSC mais adequado para receber aquele cumpridor. Tal entidade

é consultada previamente pela equipe técnica para o devido conhecimento e providências.

Na homologação da pena pelo juiz incluem-se as condições em que a pena ou medida

alternativa, nesse caso a PSC, será cumprida, como por exemplo, o local de cumprimento e as

horas para cumprir. Após o encaminhamento do cumpridor para a entidade, inicia-se o

monitoramento do cumprimento e o acompanhamento da execução. Durante o

acompanhamento, a equipe de monitoramento técnico penal interage com as situações vividas

1 A baixa complexidade se enquadra nos quadros tipificados como “baixo potencial ofensivo” (ALENCAR,

2009). 2 A média complexidade é caracterizada, geralmente pelos tipos penais previstos na Lei 9.714/98 (ALENCAR,

2009). 3 A alta complexidade resulta de um problema de saúde física ou mental, a exemplo da dependência química ou

da psicose, psicopatia ou perversão social (ALENCAR, 2009).

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pelo cumpridor, estabelecendo um contato permanente entre o juíz e a entidade parceira,

através de visitas, reuniões, entrevistas. As entidades parceiras, por sua vez, emitem relatórios

e preenchem as fichas de frequência, através de instrumentos de trabalho a serem

formalizados nos processos. Concluído o tempo de cumprimento da Prestação de Serviços à

Comunidade, é extinta a punibilidade e o processo é arquivado.

Assim, de acordo com o Relatório de Gestão do ano de 2012, da Gerência de Penas

Alternativas e Integração Social (GEPAIS), as atividades essenciais da equipe interdisciplinar

da CEAPA consistem em avaliação, capacitação e monitoramento permanente dos

cumpridores de medidas e penas restritivas de direito, nos termos da legislação específica;

bem como articulação, construção e consolidação da rede de apoio local junto às entidades

parceiras da sociedade civil organizada e dos órgãos municipais, estaduais e federais.

Esse processo de interação entre o sistema jurídico, as entidades parceiras e o

cumpridor é caracterizado por alguns entrevistados como de importância crucial no trabalho

do psicólogo junto à PSC.

“A gente tá sempre em contato com o jurisdicional, serve muito como uma

ponte entre o cumpridor e o jurídico [...] e tá aí para dar aquela contribuição

ao judiciário, inclusive também durante o próprio acompanhamento em si

[...]” (Sujeito 2).

“Eu acho imprescindível o psicólogo porque ele vai pontuar questões que a

Justiça não percebe em relação ao cumpridor e ao acompanhamento das

penas alternativas também. Eu acho que o Judiciário sozinho não consegue.

Então é isso, o psicólogo trabalha fazendo essa ligação entre a Justiça, o

cumpridor e a instituição” (Sujeito 8).

Os trechos acima descrevem a atuação do profissional de psicologia como uma prática

que propicia a interlocução dos saberes da Psicologia e o Direito na execução da PSC,

articulando o exercício da subjetividade e a necessidade de objetividade do Estado; nota-se a

atribuição destinada à Psicologia de fazer a mediação entre o cumpridor e o Judiciário. Nesses

trechos, apreende-se que a Psicologia é compreendida como mediadora, “uma ponte”, entre o

Estado e o sujeito.

Observou-se também nos relatos dos entrevistados, quando falaram das atribuições do

psicólogo enquanto agente executor da PSC, descrições sobre o procedimento de levantar e

traçar o perfil dos cumpridores. Tais práticas têm relação com a história da Psicologia Jurídica

cuja principal função era a formulação de laudos periciais focados na realização de

diagnóstico e na utilização de testes psicológicos, que auxiliavam a instituição judiciária na

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tomada de decisão. Os psicólogos nesses casos são instados pelo judiciário a emitir pareceres

e laudos técnicos sobre o perfil psicológico dos sujeitos.

[...] a gente faz todo um estudo, toda uma avaliação na entrevista, né...

usando o instrumental da entrevista mas aí a gente faz toda uma análise,

prepara um parecer, um relatório né... de forma geral, também não é nada

minucioso né... mas assim, dando uma visão mais abrangente a respeito

daquele cumpridor solicitando, é... a partir do perfil traçado, que medida

caberia mais para aquele cumpridor e aí a gente leva o relatório e o juiz na

audiência lê e cabe a ele seguir ou não [...] (Sujeito 3).

[...] durante a entrevista a gente pega o perfil dele, a gente procura saber o

que ele sabe fazer, o que interessa a ele, o que ele gosta para que ele possa

encontrar uma instituição com esse perfil também, que possa dar a essa

pessoa um sentido diferente no trabalho [...] (Sujeito 7).

Para que existem os técnicos? É exatamente para que a gente possa formar

um perfil, estabelecer um perfil deste cumpridor e está inserindo ele tanto na

PP quanto na PSC [...] (Sujeito 9).

Nesses discursos, a elaboração de relatórios psicológicos4 é apresentada como uma

característica do cotidiano de trabalho dos psicólogos entrevistados. Os entrevistados

posicionam o psicólogo como um técnico que a partir da entrevista com o cumpridor e

mediante a utilização de instrumentos psicológicos, elabora um relatório que embasará a

decisão do juiz.

[...] “a gente procura saber o que ele sabe fazer, o que interessa a ele, o que ele gosta para

que ele possa encontrar uma instituição com esse perfil também”. Observa-se que nesse trecho

supracitado a fala do sujeito é organizada de forma que as características pessoais e as

habilidades do cumpridor são levadas em conta na sugestão da instituição que este irá prestar

serviços. Assim, o psicólogo surge como o profissional que leva em conta a demanda do

sujeito paralelamente à demanda judicial. No entanto, nos outros discursos (Sujeito 3 e

Sujeito 9) o profissional de psicologia aparece como aquele que realiza um estudo mais

objetivo, “técnico”, do perfil do apenado.

4 De acordo com a Resolução CFP n° 007/2003, que institui o Manual de Elaboração de Documentos

Decorrentes de Avaliação Psicológica, o relatório ou laudo psicológico é uma apresentação descritiva

acerca de situações e/ou condições psicológicas e suas determinações históricas, sociais, políticas e

culturais, pesquisadas no processo de avaliação psicológica. Como todo DOCUMENTO, deve ser

subsidiado em dados colhidos e analisados, à luz de um instrumental técnico (entrevistas, dinâmicas,

testes psicológicos, observação, exame psíquico, intervenção verbal), consubstanciado em referencial

técnico-filosófico e científico adotado pelo psicólogo.

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Se a intervenção do psicólogo objetiva “a análise do perfil” (BRASIL, 2002, p. 10) do

cumpridor e a adequação da pena às aptidões deste, abre-se espaço para questionar a atuação

do psicólogo junto à PSC. Para alguns autores, nesse contexto, o profissional de psicologia sai

do lugar de emitir laudos e pareceres e passa a vigiar a punição. Seguindo esse raciocínio é

importante trazer o questionamento trazido por Deleuze (1992) de que “pode ser que meios

antigos, tomados de empréstimo às antigas sociedades de soberania, retornem à cena, mas

devidamente adaptados” (p. 219).

Conforme mencionaram os entrevistados, no caso de haver descumprimento da pena,

são realizadas intervenções como visitas domiciliares, institucionais, atendimentos à família,

com o intuito de que o cumpridor retorne à prestação de serviços. Caso o descumprimento

continue, o juiz é informado acerca da situação. Alguns entrevistados enfatizaram a

importância do acompanhamento atento que permita efetivar o cumprimento da pena.

“O que é importante: as Penas Alternativas não são difíceis de serem

cumpridas, mas você precisa tá diretamente junto à rede social. Então, o

monitoramento na rede social, se ele não for bem feito, isso dificulta e muito

a aplicação das penas [...]” (sujeito 9).

“[...] e aí faz o encaminhamento pra entidade que se adequa ao perfil daquele

cumpridor e aí fica acompanhando pra ver se esse cumpridor realmente tá

cumprindo efetivamente a medida e se é preciso ser encaminhado para

outros serviços né... se ele precisa ser acompanhado de outras formas”

(Sujeito 10).

Os entrevistados pontuaram que as visitas às instituições parceiras objetivam o

acompanhamento e monitoramento da pena. O Sujeito 9 destaca que “o monitoramento na rede

social, se ele não for bem feito, isso dificulta e muito a aplicação das penas”, o sucesso no fiel

cumprimento da PSC estaria atrelado ao constante monitoramento junto à rede parceira, para

tanto, são necessárias visitas constantes a essas instituições. Esse monitoramento meticuloso

fica evidente no Relatório de Gestão do ano de 2012 (gráfico 2) produzido pela Gepais em

que se apresenta o quantitativo de visitas institucionais, bem como de visitas domiciliares.

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Fonte: Centrais de Apoio às Penas e Medidas Alternativas (2012)

Alguns autores argumentam que o trabalho desempenhado pelo psicólogo no contexto

de Penas Alternativas está pautado no regime de vigilância e de fiscalização. “Liberdade

vigiada” é o termo utilizado por Flores (2009, p. 95) para caracterizar essa proposta de

trabalho em que, caso haja o descumprimento, cabe ao psicólogo motivar o cumpridor e

lembra-lo de que o benefício da pena alternativa pode ser revogado, convertido em pena

privativa de liberdade. O autor pontua ainda que na medida em que o profissional tem que

repassar ao juiz as informações sobre o cumprimento ou não da pena, subordina-se ao poder

do Juiz, e insere-se numa “matriz policialesca” (p.96).

O elevado número de visitas institucionais apontado no gráfico acima evidencia essa

atividade de fiscalização e monitoramento constante do psicólogo e essa atividade é

apresentada por alguns entrevistados como de suma importância.

“Eu acho de extrema importância, primeiro, quando ele vem todo mês trazer

a, a frequência da escola a gente faz outra entrevista... é tipo outra entrevista,

então esse acompanhamento tá assegurando que ele não está só, que é uma,

uma forma de não descumprir, né, a, a prestação de serviço. E, o

acompanhamento na... na própria entidade quando, muitas vezes a gente vai

quando ele tá no horário de trabalho que é pra verificar se ele tá lá, a gente

procura saber não só da entidade, mas também do cumpridor se ele tá, como

é que se está aqui nessa instituição, se tá sendo, tá tendo algum tipo de

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preconceito, se tá sendo maltratado de alguma forma, ou tá sendo muito

explorado, entendeu, você foi encaminhado pra função que foi determinada.

Então é muito próximo esse acompanhamento, então na execução da, da

pena alternativa eu acho que a importância é de tá perto, sabe, de tá

acompanhando de perto, tanto com a instituição como com o cumpridor”

(Sujeito 5).

“[...] eu vejo a importância de forma geral, de acompanhar, de monitorar, de

orientar, de aconselhar, de procurar uma melhora para aquele cumpridor,

saber entender as razões da infração dele e ver se a gente pode melhorar ou

ajudá-lo a não reincidir ou a evitar outra [...]” (Sujeito 8).

O Sujeito 5 representa esse acompanhamento desenvolvido pelo psicólogo (e pela

equipe técnica) como um procedimento que objetiva verificar se o sujeito está cumprindo ou

não a pena ou medida alternativa. Ou seja, que procura verificar se o sujeito está cumprindo

as determinações do Estado. Posiciona o psicólogo, assim, como um agente do Estado, como

alguém a serviço dos interesses do Estado. Por outro lado, em outro momento, também

posiciona o psicólogo como alguém que se preocupa com o cumpridor, que quer saber se ele

está sofrendo algum tipo “preconceito”, se ele está sendo “maltratado”, “explorado”. O sujeito

8, por sua vez, representa o monitoramento como um procedimento cujo principal benefício

seria evitar que o cumpridor da pena possa reincidir. Para atingir esse objetivo, o psicólogo

deve “entender as razões da infração”, penetrar na subjetividade do apenado para melhorá-lo

como cidadão.

De acordo com o Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa (2009), o verbo monitorar

refere-se a “acompanhar, para consideração (informações fornecidas por instrumentos

técnicos); monitorizar. / Dirigir ou submeter a controle através de monitor(es); monitorizar”

(p. 562). Apesar dos entrevistados não utilizarem explicitamente o termo controle, a prática

desses profissionais no contexto da PSC é representada como uma prática de controle. Ao

falarem sobre o seu papel no contexto da PSC dessa forma, eles reproduzem o que a própria

instituição CENAPA (Central Nacional de Apoio e Acompanhamento às Penas e Medidas

Alternativas) prescreve, no ano de 2002, para a equipe técnica da qual o psicólogo faz parte.

“A Metodologia de Apoio Técnico é composta da concepção do

monitoramento e envolve três módulos consecutivos de procedimentos

técnicos:

• avaliação, corresponde ao procedimento técnico que faz a análise do perfil

do beneficiário e da entidade parceira.

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• encaminhamento, corresponde ao procedimento técnico que assegura a

relação formal entre o juízo da execução, o beneficiário e a entidade

parceira.

• acompanhamento, corresponde ao procedimento técnico que garante a

fiscalização do fiel cumprimento da pena ou medida alternativa” (p.10).

Desse modo, o monitoramento é uma cobrança que faz parte do trabalho de execução

da PSC, cabendo ao profissional da equipe técnica, nesse caso o psicólogo ou o assistente

social. É fundamental que se faça uma reflexão profunda sobre os efeitos da atuação desses

profissionais no contexto das penas alternativas para que o trabalho do psicólogo não se

restrinja a práticas burocráticas e a atividades de mera vigilância.

Cabe pontuar que as práticas psicológicas nesse contexto (e em todos de uma forma

geral) devem ser pautadas numa ideologia ética e social, na potencialização da construção de

diversos caminhos para este cumpridor, frisando a importância da (re) inserção do indivíduo

em diferentes redes sociais.

Coimbra (2010) aponta que o desafio da Psicologia no âmbito Jurídico talvez seja o de

“encontrar formas de atuação baseadas em um paradigma ético-político que

afirme subjetividades críticas de sua realidade, com algum grau de

autonomia perante suas vidas, condição que historicamente lhes vem sendo

retirada” (p. 44).

Ao passo em que o ideário das Penas Alternativas está atrelado à minimização dos

efeitos da prisão, a uma nova possibilidade de construir caminhos, de reintegrar ao convívio

social, faz-se necessário refletir sobre que práticas estão sendo efetuadas e se elas não estão

simplesmente reproduzindo procedimentos que aprisionam e que vigiam. A nós, psicólogos,

cabe o dever de perceber e refletir sobre essas formas de atuação e questionar,

incessantemente, o nosso lugar e, numa postura ética, refletir sobre os efeitos e repercussões

da nossa prática. O questionamento deve ser constante.

5.2 O “olhar diferenciado” do psicólogo e a humanização da pena

A visão psicológica associa-se à visão jurídica e social na operacionalização das penas

alternativas, uma vez que investe na autonomia e na valorização do cumpridor, refletindo na

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eficiência da sua reintegração social. Gonzaga (2002, p.74), argumenta que a Psicologia entra

no âmbito jurídico para revelar a necessidade da humanização da pena que o indivíduo

delituoso deve cumprir. Esta proposta se baseia na integração e não na exclusão, tentando-se

garantir a cidadania e a dignidade da pessoa humana e em específico do cumpridor. Assim, a

produção de diversos saberes permite alcançar práticas institucionais mais coerentes às

necessidades humanas e sociais.

Desse modo, os discursos de alguns profissionais apontam que a introdução do

profissional de Psicologia no âmbito jurídico, especificamente no campo penal, teria um papel

fundamental na modificação de práticas que seriam consideradas cruéis para o cumpridor.

Com a inserção do psicólogo durante o acompanhamento da PSC haveria a possibilidade de

um olhar mais atento ao cumpridor e a leitura da letra fria da lei mediante olhares mais

afáveis.

Quando falaram acerca da importância do seu trabalho na execução da PSC, vários

entrevistados atribuem ao psicólogo, dentre outras, essa possibilidade de humanizar o

cumprimento da pena tendo em vista alguns atributos próprios desse profissional.

O psicólogo ao analisar esse cumpridor tem um olhar diferenciado, um olhar

mais humano [...] a gente percebe nas entrevistas, nos diálogos, a gente te

um olhar diferenciado para o outro, uma escuta diferenciada... a gente faz

um estudo para ver se a pessoa tem condições de tá cumprindo efetivamente

essa pena, essa medida, se não tem a gente solicita nos juizados, nas varas,

que seja encaminhado para uma análise, a gente encaminha para os serviços

[...] (Sujeito 7).

Eu acho que a importância do psicólogo é esse olhar para a subjetividade,

para esse contexto que ele tá inserido, e aí a gente pode ir ajustando,

valorizando isso, sabendo que é necessário o cumprimento, a penalização,

mas ir ajustando as duas coisas para facilitar o cumprimento e a reflexão do

cumpridor em relação ao ato cometido (Sujeito 3).

Eu acho imprescindível o psicólogo porque ele vai pontuar questões que a

justiça não percebe em relação ao cumpridor e ao acompanhamento das

penas alternativas também. No sentido de humanizar mais o atendimento,

sabe... na forma de escuta, da orientação, do aconselhamento, dos

encaminhamentos do caso, aquela sensibilidade do que o cumpridor está

precisando, do que não tá, sabe... nesse sentido. Eu acho que só o Judiciário

não abarca (Sujeito 8).

“Então, se a gente consegue ver o cumpridor com um outro olhar e atender

às demandas daquele cumpridor, fazer ele se sentir ali acolhido, entendendo

as queixas desse cumpridor, talvez isso ajude muito na efetividade da

medida, do propósito da medida” (Sujeito 10).

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Esse “olhar mais humano”, esse “outro olhar”, “olhar para a subjetividade do

paciente”, e a “escuta diferenciada” são apresentados como especificidades da prática

profissional do psicólogo. Isso permitiria “humanizar mais o atendimento”, fazer com que o

“cumpridor” sinta-se “acolhido”.

Apontada quase que pela maioria dos entrevistados, a humanização da pena aparece

como o diferencial na atuação do psicólogo, caracterizando a importância do psicólogo no

universo das alternativas penais. Os discursos dos entrevistados procuram apresentar a prática

psicológica nesse contexto como uma prática que não pode restringir-se ao frio olhar jurídico.

O modo como constroem a prática psicológica em seus discursos reproduz, e não

poderia ser diferente, o que parte da literatura psicológica prescreve para essa prática. Roehrig

e Siqueira (2007), por exemplo, argumentam que a participação do psicólogo em alguns

contextos jurídicos é imprescindível uma vez que pode levar aos autos uma visão mais ampla

da situação.

As falas dos psicólogos argumentam tacitamente que, embora imersa no contexto de

controle social presente na esfera criminal, a Psicologia pode mostrar-se como caminho para

uma humanização possível na penalidade, “valendo-se do seu saber sobre a dinâmica da

personalidade, sobre o impacto das condições sócio-econômicas na vida das pessoas e,

também, acerca da potencialidade humana, o psicólogo pode ser um agente de transformação

que atente para o sujeito e suas potencialidades” (OLIVEIRA, 2009, p. 102).

O profissional de Psicologia aparece, então, como alguém com condições para ajudar

os sujeitos na busca do efetivo cumprimento da pena, “sendo ele capaz de acompanhar os

destinos das pessoas, converter, muitas vezes, suas percepções e ‘consciências’; estruturar e

transformar personalidade. Enfim, “humanizar” (COIMBRA, AYRES e NASCIMENTO,

2010, p. 28).

Essa tensão entre a função de controle e a pretensão de ser uma disciplina que

humaniza os contextos onde atua é uma fonte de constante desconforto. A quem de fato serve

a Psicologia nas searas da justiça? Tal questionamento é recorrente entre os profissionais que

atuam nessa área. A resposta não é simples. É importante pontuar que reduzir essas questões a

polarizações simples simplificaria algo que é de uma ordem mais complexa e de uma

realidade que pode ser analisada sob diversas óticas.

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5.3 Relação com outros profissionais

5.3.1 Com o Assistente Social

É sabido que a Psicologia Jurídica tem-se dedicado a estudar e a trabalhar com as

questões psicológicas relacionadas à prática legal, levando-se em consideração os fatores

psicológicos envolvidos em determinada situação judicial. No caso da atuação do psicólogo

junto às Penas Alternativas, de acordo com o que foi visto nas entrevistas, essa prática é

exercida juntamente com a participação de outros profissionais, como do Direito e, em

especial, do Serviço Social.

Nos discursos de alguns sujeitos entrevistados, foram verificados repertórios diferentes

quanto à relação no trabalho de execução da PSC com outros profissionais. Por um lado,

verificou-se uma visão dicotômica no que se refere à atuação do profissional de Psicologia

juntamente com o profissional de Serviço Social. Por outro, a relação de trabalho com os

assistentes sociais foi caracterizada como uma prática inter e multidisciplinar. Esses conceitos

serão discutidos posteriormente.

Percebeu-se no discurso de apenas um dos sujeitos entrevistados uma preocupação

excessiva em delimitar e separar o que seria atribuição da psicologia e o que seria atribuição

do psicólogo.

“Geralmente, sempre é com ela (assistente social), então a visita às

instituições quando não precisa a minha pessoa ir, quem vai é ela, contato

com as outras, quem tem é ela, é sempre 50% de cada. Quando é uma

entrevista, que a gente faz entrevista em conjunto, né... é regra da instituição,

das Ceapas fazer essas entrevistas juntas para que eu tenha uma visão social

e ela uma visão psicológica, mas ela não interfere na minha, nem eu interfiro

na dela. Mas quando eu preciso ter um atendimento só, aí eu peço para que

ela se retire e me aprofundo mais no atendimento psicológico” (Sujeito 4).

O sujeito estabelece claramente o que cabe ao Serviço Social. A demanda pessoal,

singular apontada pelo cumpridor será abarcada pelo psicólogo, enquanto que a demanda

junto às instituições, à comunidade será abrangida pelo assistente social, como se fosse

possível dissociar o social do psicológico. Apreende-se que o discurso do entrevistado e o

modo como ele coloca a atuação do psicólogo e do assistente social fazem parte de uma

construção discursiva com objetivos mais ou menos visíveis e, consequentemente, criam as

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diferenças entre estes saberes, posicionando o que é “atribuição” de um e de outro

profissional.

Assim, fica claro o limite de atuação entre os profissionais, onde cada um tem seu

campo de trabalho específico, não podendo o assistente social “interferir” no aspecto

psicológico em questão, nem o psicólogo adentrar em searas mais voltadas ao aspecto social.

É interessante destacar que em outro momento da entrevista o mesmo sujeito procura

aproximar o trabalho da Psicologia e do Serviço Social, a atuação dos profissionais ocorreria

de forma conjunta, respeitando as limitações éticas de cada área.

“Eu trabalho diretamente com a assistente social, sou eu e ela. A equipe é

formada no interior por dois técnicos, tanto o psicólogo quanto o assistente

social. Então a gente entrevista psicossocial, é tudo feito com o psicólogo e

com o assistente social. Nada é feito individual, a não ser que seja um caso a

parte, que eu precise aprofundar na minha área, aí sim, mas raramente isso

acontece” (Sujeito 4).

O termo “entrevista psicossocial” também é utilizado, de acordo com o Manual de

Monitoramento das Penas e Medidas Alternativas do ano de 2002, como modelo de

instrumento de trabalho do apoio técnico na avaliação do cumpridor. É importante mencionar

que este roteiro baseia a entrevista psicossocial, discriminando como social tópicos de

composição e renda familiar, situação habitacional, relacionamento sócio-comunitário,

religião, saúde, percepção quanto ao delito, dificuldades e expectativas para o cumprimento

da pena. No tópico atribuído à Psicologia tem-se a história de vida, relações interpessoais,

fatos marcantes na vida, caso de violência doméstica, função cognitiva, saúde mental, uso de

álcool e outras drogas, indícios de transtornos mentais, características da personalidade,

avaliação de interesse, auto-estima, expectativa quanto ao futuro, comportamento manifesto e

necessidades de tratamento. Por fim, apesar de a entrevista ser realizada conjuntamente, há

espaço específico para um parecer social e para um parecer psicológico, separadamente.

Essa relação entre os profissionais que atuam na execução de Penas e Medidas

Alternativas nos leva a repensar sobre as possibilidades de atuação que permitam uma melhor

intervenção entre os saberes. A partir da demanda solicitada e da complexidade do trabalho de

cada profissional, pode-se fazer referência ao conceito de atuação multidisciplinar e

interdisciplinar, as duas formas mencionadas pelos sujeitos dessa pesquisa.

A multidisciplinaridade, ou multiprofissionalidade, de acordo com Japiassu apud

Mourão (1997) pode ser identificada junto aos profissionais de diferentes áreas que atuam

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isoladamente, em geral, sem cooperação e trocas de informações entre si. Partindo desse

entendimento, apreende-se que na atuação dos profissionais das Ceapas, tendo em vista a

entrevista psicossocial e o fato de as intervenções serem realizadas conjuntamente, a

intervenção não pode ser considerada apenas multidisciplinar, uma vez que “quando se fala de

multidisciplinar, estamos falando de apenas uma justaposição dos recursos de uma ou várias

disciplinas sem que haja um trabalho de equipe coordenado” (SHINE; STRONG, 2005, p.

196).

Entrevistadora: O trabalho com o assistente social é interdisciplinar?

É multi e interdisciplinar. Porque assim, a gente trabalha juntos, aqui a gente

não tem um atendimento clínico, aqui já teve psicólogas que não se viam

aqui porque elas tinham dificuldades em trabalhar com o serviço social.

Tanto é que a entrevista é feita junta. Ela é dividida, didaticamente, como

social e psicológica, mas por questão didática só. Mas assim, a inferência, as

questões de trabalho são feitas juntas. Não dá pra você separar porque é um

trabalho psicossocial. Então assim, o trabalho é perfeito, a gente tem uma

relação muito boa. (sujeito 9).

De acordo com Shine e Strong (2005) o conceito de interdisciplinaridade não possui

um sentido epistemológico único e estável. No Brasil, a década de 70 foi marcada pela busca

de uma construção epistemológica da interdisciplinaridade, destacando-se autores como

Japiassu (1979) e Fazenda (1994).

Mourão (1997) entende a interdisciplinaridade como algo estrutural, recíproco, com

enriquecimento mútuo e com “tendência à horizontalização das relações de poder entre os

campos implicados” (p. 141). Para o autor, há a exigência de uma problemática comum, com

levantamento de uma axiomática teórica e de uma plataforma de trabalho conjunto,

colocando-se em comum os princípios e os conceitos fundamentais, gerando uma

aprendizagem mútua, que não se efetua por simples adição ou mistura, mas por uma

recombinação de elementos internos.

“É uma relação muito próxima, a gente assim, tem muito uma preocupação

dessa complementaridade entre as áreas. Uma coisa que a gente prioriza

muito é de fazer a entrevista sempre com uma assistente social, se vai fazer

uma visita domiciliar é sempre com uma assistente social para que haja essa

interação de olhares, essa troca de impressões, de saberes mesmo” (Sujeito

1).

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“Isso... aqui a gente tenta trabalhar de forma interdisciplinar mesmo. A

entrevista só é feita com os dois profissionais, um de psicologia e um de

serviço social, pra que a gente vá complementando mesmo né o olhar, e

depois uma discussão para que chegue a essas conclusões, como eu te falei

né... para que seja elaborado um relatório, para que chegue a uma, uma

conclusão de sugestão de medida, pra que chegue a uma identificação de

instituição, então tudo isso sempre é muito combinado né... [...]” (Sujeito 3).

“Como a nossa equipe lá sou eu e a assistente social, é totalmente ligado, é

um trabalho muito vinculado, não funciona separadamente, porque cada

profissional, na sua capacidade, na sua competência, trata da mesma queixa,

mas com olhares diferentes e aí a gente só pode ajudar melhor esse

cumpridor se a gente consegue abranger todos esses olhares. Então é

importantíssima a interação da equipe. Na hora do perfil desse cumpridor, é

importante fazer uma entrevista muito coesa, não pode... tanto eu como

psicóloga, quanto a assistente social, a gente não gosta de fazer separada, nós

fazemos a entrevista juntas porque as vezes o que eu psicólogo percebe, o

assistente social não, mas as vezes o que o assistente social percebe, falta no

psicólogo. E fazendo juntos, a gente consegue estender muito mais o perfil

desse cumpridor e entende-lo melhor. São pequenas nuances, coisas, muitos

detalhes assim, da vida do cumpridor que às vezes a gente acha que não tem

a menor importância, mas pro cumprimento, na hora que ele cometeu aquele

delito aquilo ali tem que ter um significado muito importante, entendeu? E aí

a assistência social e a psicologia elas têm esse papel de perceber é... essas

nuances de maneiras diferentes e que se complementam” (Sujeito 10).

Apreende-se, desses discursos, que os trabalhos do assistente social e do psicólogo são

percebidos como campos que se cruzam, que se constituem e que se complementam, onde as

fronteiras entre as disciplinas encontram-se relativizadas. A troca de saberes e o

aproveitamento das diferenças permitem a riqueza mútua de disciplinas distintas e um esforço

para a concretização de uma prática articulada.

De um modo geral, percebe-se no discurso dos entrevistados, que a atuação pautada

numa prática interdisciplinar é vista de forma positiva. O trabalho na esfera penal com

sujeitos que cometeram algum delito representa uma complexidade na forma de atuação, uma

vez que o crime não é tido como algo da esfera individual, mas, e, sobretudo, das relações

estreitas com o contexto sócio-econômico. Daí a importância de diversos saberes para abarcar

esse objeto, encontrando-se na atuação interdisciplinar uma forma ampliada de execução da

PSC.

Os discursos desses entrevistados constroem o acompanhamento da execução da PSC

como um processo em que não há delimitação nas posições ocupadas por cada um dos

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profissionais envolvidos, onde nenhum saber sobressai perante o outro. Como um processo

em que ocorre, de fato, uma integração entre a Psicologia e o Serviço Social, objetivando a

efetividade do cumprimento da pena/medida.

5.3.2 Com o operador do Direito

Em 2002, no Brasil, a CENAPA (Central Nacional de Apoio e Acompanhamento às

Penas e Medidas Alternativas), do Ministério da Justiça, lançou o Manual de Monitoramento

das Penas e Medidas Alternativas. O documento foi construído mediante contribuições de

técnicos de várias regiões do país que possuíam experiência no tema, inclusive profissionais

de Psicologia. O Manual resume as atividades consideradas próprias do Direito e as

atribuições da equipe técnica, composta por profissionais de Serviço Social e de Psicologia,

conforme o quadro a seguir:

MUNDO JURÍDICO MUNDO PSICOSSOCIAL

Conduta Comportamento

Fiscalização Acompanhamento

Cumprimento da pena/medida Reinserção Social

Fonte: Manual de Monitoramento das Penas e Medidas Alternativas (2002)

No contexto de acompanhamento da execução das Penas Restritivas de Direito, o

psicólogo e o assistente social compõem a equipe técnica, estabelecendo a interação entre o

mundo jurídico e o mundo social.

Nas searas jurídicas a Psicologia traz como contribuição “uma leitura complementar,

importante e ampliada dos fatos tratados pela esfera legal” (OLIVEIRA, 2009, p.43),

implicando num crescimento do campo de atuação para os profissionais de Psicologia, uma

vez que estes técnicos são necessários para o trabalho de execução da pena alternativa seja em

programas conduzidos, em Pernambuco, pelo Poder Executivo (tem-se as Ceapas), seja do

Poder Judiciário (VEPA – Vara de Execução de Penas Alternativas, também em

Pernambuco).

A integração buscada no trabalho entre os profissionais de Psicologia, Serviço Social e

Direito no que se refere à execução das Penas Restritivas de Direito, centra-se,

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principalmente, no objetivo histórico de revisão dos paradigmas que reduziram e aprisionaram

o regime de reintegração social como objeto exclusivamente punitivo, segregador, pautado na

prisão. Além disso, essa integração não interfere diretamente na autonomia e na criatividade

interna de cada disciplina integrante do campo. A proposta de interdisciplinaridade, ao

reconhecer a complexidade dos fenômenos, está implicitamente reconhecendo de forma

dialética a necessidade de olhares diferenciados para um mesmo objeto, nesse caso, e,

sobretudo, para o cumpridor. Alguns entrevistados endossaram essa visão.

“Eu acho que assim, psicólogo, assistente social e o advogado é o casamento

perfeito, tem que existir essa equipe, essa interação porque um conhecimento

soma ao do outro, né... então assim, um psicólogo só não funcionaria, um

advogado só, um assistente social... então, se completam, é importantíssimo”

(Sujeito 8).

“Com o advogado também, é muito importante, eu até brinquei num último

encontro da gente com a gerência de que falta deve fazer um advogado numa

Ceapa, até porque a gente tá lidando com processo. Para conseguir ler um

processo é uma coisa que demanda tempo e demanda habilidade e que a

gente infelizmente não tinha essa prática ainda e com o advogado o processo

facilita muito. O processo fica muito mais rápido porque ele sabe das leis,

ele compreende aquele universo, tanto para os cumpridores quanto para a

equipe, que trocando conhecimentos a gente consegue trabalhar melhor.

Porque você trabalhando com Penas Alternativas, você precisa da

Psicologia, do Serviço Social, que a Psicologia também é social, né? Precisa

do advogado, do administrativo, cada um tem um papel importante no

funcionamento do trabalho, do monitoramento, da questão da rede que a

PSC só funciona se você tiver um parceiro ali do lado que lhe dê também um

suporte [...]” (Sujeito 7).

O sujeito 8 usa a metáfora do “casamento” e ainda por cima “perfeito” para falar da

relação entre esses três profissionais. Fica subtendido na sua fala que sem esse casamento o

sistema não funcionaria. O sujeito 9 situa a importância do advogado no sentido de “traduzir

as letras da lei”, uma vez que, inicialmente, o psicólogo não se encontra familiarizado com os

termos jurídicos. O entrevistado também apontou a otimização do seu trabalho mediante o

trabalho mútuo com outros profissionais.

Nos discursos desses profissionais, a interdisciplinaridade, no que se refere às Penas

Alternativas, abarca três campos distintos, mas que se interligam: a Psicologia, o Serviço

Social e o Direito. Nesse cenário, segundo eles, não é possível pensar o trabalho da Psicologia

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e do Serviço Social no âmbito jurídico sem levar em consideração as especificidades, as

demandas e o aparelho conceitual e técnico do Direito.

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6 O SIGNIFICADO DA PSC

Neste capítulo, objetiva-se analisar o modo como os psicólogos compreendem o

significado da Pena de Prestação de Serviços à Comunidade, quais são os recursos discursivos

utilizados para tal entendimento e quais as dificuldades na execução dos seus trabalhos.

É importante pontuar que a ampliação da violência e dos crimes, nas sociedades

modernas, decorrentes das complexas relações de desigualdade estabelecidas, contribui para a

diversidade de significados atribuídos à pena. Há os que acreditam, por exemplo, na pena de

morte e prisão perpétua como penas imprescindíveis para o combate da criminalidade; para

outros prevalece a convicção de que penas rígidas de prisão atenderiam melhor as finalidades

principais de prevenção geral e especial dos crimes e, ainda, outros acreditam num ideal

absolutamente diverso, onde é possível recuperar o ser humano e reintegrá-lo à sociedade sem

privá-lo do convívio social.

Capez (2002) aponta que a sanção penal consiste na restrição ou privação de um bem

jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua

readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade.

Desse modo e de acordo com o posicionamento de Guedes, Moyses e Lemos (2006) deste

conceito extraem-se algumas de suas finalidades: a retribuição ao mal cometido, a restauração

da ordem jurídica consagrada pelas leis e desrespeitada pelos homens e a prevenção. Abstrai-

se, pois, que as penas têm que apresentar características de retribuição punitiva e finalidade

preventiva, no intuito de evitar a prática de novos delitos.

O Código Penal Brasileiro, em seu Artigo 59 elenca que

o juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à

personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do

crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja

necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime [...]

Um sistema carcerário precário, com a superlotação penitenciária dificilmente atingirá

o objetivo de reintegração social do infrator. De acordo com a Revista Diálogos (2012), em

pesquisa realizada em Dezembro de 2011, o Brasil representa a quarta maior população

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carcerária do mundo, com 514.582 presos. Tal sistema tende a produzir reincidentes mais

violentos, tendo em vista as precárias condições dadas aos detentos.

As evidências apontam que o tradicional método de punição, pautado no sistema

penitenciário, não tem cumprido seus principais objetivos: a redução da criminalidade e a

reintegração do indivíduo ao convívio social. Diante disso, surgem questionamentos acerca de

medidas que possam atingir as finalidades da pena e, neste contexto, surgem as penas

restritivas de direito como alternativas à pena de prisão.

Dentre as modalidades de Penas Alternativas, a Prestação de Serviços à Comunidade é

mais barata para a sociedade e apresenta índices menores de reincidência em relação à prisão

em regime fechado (GUEDES, MOYSES e LEMOS, 2006, p. 154). Preenchidos os requisitos

citados no capítulo 1 deste trabalho, a Pena Restritiva de Direito apresenta-se como uma

alternativa mais eficaz devido ao seu conteúdo ético-humanitário que possibilita o meio

propício a recuperar o infrator, evitando a reincidência.

Além do baixo custo, o cumprimento da PSC possibilita um mínimo de oportunidade

de reabilitação ao apenado, contribuindo de forma direta para a sociedade, que utilizará os

serviços prestados. A Lei 9714/98, em seu artigo 46, dispõe sobre as penas restritivas de

direito, tratando especificamente da Pena de Prestação de Serviços à Comunidade:

Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é

aplicável às condenações superiores a seis meses de privação da liberdade.

§ 1o A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste

na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado.

§ 2o A prestação de serviço à comunidade dar-se-á em entidades

assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos

congêneres, em programas comunitários ou estatais.

§ 3o As tarefas a que se refere o § 1

o serão atribuídas conforme as aptidões

do condenado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia

de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de

trabalho.

§ 4o Se a pena substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado

cumprir a pena substitutiva em menor tempo (art. 55), nunca inferior à

metade da pena privativa de liberdade fixada.

É sabido que a pena restritiva de liberdade exclui o infrator do convívio familiar e

comunitário. Ao se pensar numa possível reintegração social do indivíduo que cometeu ato

infracional, emerge a proposta trazida na Pena Alternativa, em especial na PSC. Diversos

autores salientam a importância desta modalidade de pena como a mais adequada à

aproximação do condenado com a comunidade bem como na participação do meio social na

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execução penal. Mediante os vários posicionamentos acerca do significado das penas e, em

especial, da Prestação de Serviços à Comunidade, interessa, pois, apreender o significado

desta pena para os profissionais que atuam nas CEAPAS do Estado de Pernambuco e que

lidam diariamente com a execução desta modalidade de punição.

6.1 A PSC como instrumento de mudança subjetiva

Alguns estudiosos do tema apontam que a PSC, em seu caráter particular, põe em

evidência a utilidade social da medida, o caráter educativo do trabalho e o envolvimento da

comunidade na sua aplicação. Para Albergaria (1990), esse tipo de pena possui uma função

social, pedagógica, repressora e preventiva. Vários entrevistados, certamente ecoando a

literatura sobre o tema, destacaram o caráter educativo da PSC, o seu papel como instrumento

de mudança subjetiva, quando tentaram descrever o significado que atribuem a essa

modalidade de Pena Alternativa.

“Para mim ela deve ter esse viés mais educativo mesmo, de estimular a

pessoa a repensar atitudes e ponderar algumas coisas que muitas vezes você

não está disposto a ponderar na sua vida [...] confronta mais o sujeito com

essa, com a situação que o levou a estar ali naquela instituição prestando

serviço” (Sujeito 1).

“[...] para mim é um ato educacional, eu vejo pela linha pedagógica. É fazer

com que aquele cumpridor compreenda o que foi que ele fez, sabe [...] e

tentar fazer diferente, então é uma proposta educativa, de aprendizado. Então

assim: cometeu uma infração, tá pagando uma pena e aí ele tá sendo

educado, orientado a não repetir ou entender que aquilo tava errado, que não

era daquela forma, sabe... nesse sentido. Eu vejo Pena Alternativa como um

processo educativo” (Sujeito 8).

“Mas, é... aquilo que eu digo, eu ainda acho que a prestação de serviços tem

um cunho mais social, mais educativo. Eu já tive aqui discussões sérias com

advogados dizendo “ah, isso aqui é uma doação”. Você não tá fazendo uma

doação, não tá fazendo caridade, você tá pagando uma pena, mas as pessoas

ainda têm essa ideia. Então, para mim a prestação de serviços atinge esse

tom mais educativo, apesar de que para algumas pessoas o bolso também

pesa. Mas ainda acho que com essa visão mais educativa, do outro tá ali, da

gente poder proporcionar ao cumpridor outras oportunidades... a prestação

de serviços tem um peso bem maior” (Sujeito 9).

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“O real significado pra é mim é você tá dando o direito a uma pessoa

de tá fazendo, de tá mostrando para a sociedade um outro olhar, não como

aquele que cometeu um delito apenas, mas como um ser que tem suas

habilidades, que tem suas potencialidades e que pode mostrar isso. Ele pode

se mostrar diferente de um erro que ele cometeu (Sujeito 7).

“Acredito que seja repensar as questões, tudo o que foi vivido, o que foi

praticado, e poder tá ali sendo útil de alguma maneira a ele mesmo enquanto

indivíduo, enquanto sujeito, e colaborando de alguma maneira né, com a

sociedade, com a comunidade [...]” (Sujeito 6).

“Pra mim, a PSC tem como propósito ressocializar e conscientizar aquele

cumpridor que cometeu o delito de menor potencial ofensivo, que precisa

pagar por esse pequeno delito e ali ele tem uma oportunidade de tanto pagar

essa dívida com a justiça como de ajudar uma entidade porque ele sai muito

com esse sentimento de que não tão ali pagando, começam muitas vezes

revoltados, mas quando acaba a medida, eles saem gratificados,

engrandecidos e enriquecidos com a experiência porque se sentem úteis às

entidades, consideram que estão fazendo um trabalho importante. Então eles

não se sentem menores. Na verdade, eles saem, quando acaba o processo, a

grande maioria, sai enriquecido né... da PSC por esse fato, porque se sentem

úteis em ver que o trabalho que tá sendo feito ali não é só de caráter

punitivo, eles começam a ver uma outra forma e aí é a grande

ressocialização né...” (Sujeito 10).

“Eu me questiono particularmente. E a PSC eu acho que traz essa reflexão

pro seu dia a dia porque ele de alguma forma se insere de fato na instituição.

Então ele contribui mais efetivamente, ele se relaciona mais com a

instituição, com o público que ela atende né.. então eu acho que possibilita

mais essa reflexão. Essa a impressão que eu tenho. Por exemplo, eu fiz uma

visita numa instituição e por coincidência eu tinha uma cumpridora lá que

tava cumprindo a PSC e tava fazendo a limpeza e eu tive a oportunidade de

conversar com ela e foi uma experiência muito rica pra mim porque eu

nunca tinha tido. E ela fala o quanto ela tava realizada com aquele trabalho,

poder ajudar, foi num abrigo de idosos, e que mesmo depois de cumprir ela

vai continuar esse trabalho. Então eu acho que né... a pessoa se acha num

espaço” (Sujeito 3).

Em seu discurso o entrevistado 1 apresenta o suposto caráter educativo da PSC como

um ideal (“ela deve ter esse viés mais educativo”), não como um fato. A pena é retratada

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como algo que deve produzir uma mudança subjetiva, uma mudança de “atitudes”. O

entrevistado 2 também ressalta o caráter educacional da PSC, em seu discurso ela é um “ato

educativo”. Aqui, como no discurso anterior, a pena é retratada como um processo de

subjetivação, como um processo que possibilitará uma nova compreensão dos seus atos por

parte dos sujeitos, um “aprendizado” que implicará em mudança de conduta.

Na fala do sujeito 9, aponta-se a promoção de novas oportunidades que o cumprimento

da pena/medida pode proporcionar ao cumpridor. Aqui também se apresenta, embora de

maneira mais implícita, a ideia de transformação do sujeito, uma mudança subjetiva, por meio

dessas “outras oportunidades”.

A fala do entrevistado 7, apresenta a mudança subjetiva, implicitamente, como o

resultado de um “outro olhar” da sociedade para o sujeito, à medida que ele realiza ações que

o distanciam da identidade de criminoso. Ao realizar essas ações, a sociedade não o veria

somente como um criminoso, mas como alguém que tem outras “habilidades” e

“potencialidades”.

O entrevistado 6 apresenta a PSC como uma oportunidade para “repensar” o que foi

“vivido” e praticado”. A possibilidade de ser “útil” à sociedade aparece em seu argumento

como um processo que impulsiona o apenado a voltar-se sobre o seu percurso, a fazer uma

reflexão sobre sua vida, que possibilitará a mudança subjetiva socialmente desejável. Esse

tipo de compreensão é encontrada na literatura sobre as penas alternativas. De acordo com

Bittencourt, citado por Luz (2000, p.79), “[...] o condenado ao realizar essa atividade

comunitária, sente-se útil ao perceber que está emprestando uma parcela de contribuição e

recebe, muitas vezes, o reconhecimento da comunidade, pelo trabalho realizado”.

O entrevistado 10 faz um relato detalhado do processo de mudança subjetiva

decorrente da PSC. Essa modalidade de pena teria por objetivo “conscientizar” e

“ressocializar” o apenado. Esse, de início, é um ressentido, um revoltado, mas “quando acaba

a medida eles saem gratificados, engrandecidos e enriquecidos com a experiência porque se

sentem úteis às entidades”. A conscientização e a ressocialização seria, então, o resultado

desse sentimento de utilidade, de estar fazendo um “trabalho importante”.

O argumento do entrevistado 3 é semelhante ao do entrevistado 10, mas ele se utiliza

de um recurso narrativo para torná-lo mais convincente. Conta a história de uma cumpridora,

com a qual ela própria conversou, que terá dito o quanto estaria “realizada com aquele

trabalho”, com o fato de “poder ajudar”. O recurso à narrativa para tornar verossímil a

afirmação segundo a qual a inserção numa instituição e o fato de sentir-se importante para ela

produz uma “reflexão” no sujeito, uma mudança subjetiva, é um tipo de ação realizada pelo

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discurso que Potter (1998) denomina de orientação epistemológica do discurso. Um tipo de

ação cujo objetivo é tornar aquilo que se afirma um fato, uma versão verdadeira sobre algum

aspecto do mundo.

Em todas as falas supracitadas observa-se a mobilização de um amplo repertório

composto por termos que descrevem processos subjetivos/psicológicos mobilizados para

descrever as mudanças subjetivas supostamente operadas pela PSC. Verbos como

“estimular”, “repensar”, “ponderar”, “conscientizar”, substantivos como “atitudes”,

“reflexão”, e formas nominais no particípio como “gratificados”, “engrandecidos” e

“enriquecidos” tem um poderoso efeito retórico na defesa do caráter humanizador da PSC, na

defesa do argumento de que essa pena, ao contrário das penas tradicionais, de fato ressocializa

os sujeitos fazendo com que eles enveredem por outros caminhos diferentes do caminho da

criminalidade.

6.2 Devolução para a sociedade

Alguns entrevistados atribuíram à PSC a possibilidade de o cumpridor, mediante o

seu trabalho na instituição, devolver para a sociedade algo que de alguma forma foi tirado

dela.

“É justamente você poder ceder para com a instituição, para com a

sociedade, um pouco de você. Você não é na sua casa o que você pode ser

no seu trabalho, mas quando você se conscientiza de que cometeu um ato

infracional e você vai prestar, querendo ou não, você fez um acordo e tem

que tá lá disponível para mostrar o que você sabe fazer. Então o significado é

isso. Na minha concepção é você doar o seu tempo né... para a comunidade,

o melhor que você tem, já que você em certo momento da sua vida fez algo

que não devia e agora está tendo a oportunidade de compartilhar com essa

pessoa que tá podendo te dar a chance de melhorar como pessoa. Então é

prestar serviços como pessoa na comunidade, na minha concepção o

significado é esse, é doar de si para as pessoas entenderem que você cometeu

um ato infracional, mas tem chances de poder se modificar” (Sujeito 4 ).

A fala do sujeito 4 é um exemplo desse tipo de compreensão. Menciona a importância

do cumprimento da pena/medida para o próprio cumpridor e aponta como de igual

importância a necessidade de mostrar para o outro, para a sociedade que a pena está sendo

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efetivamente cumprida. De acordo com o seu discurso, parece que o cumpridor, ao realizar a

PSC, precisa “se mostrar” diferente para a sociedade e, consequentemente, se redimir de um

erro.

Nesse contexto, a sociedade é chamada para participar da aplicação e do

monitoramento da PSC juntamente com o sistema de justiça e com a equipe técnica.

6.3 Reinserção social

A reinserção social também foi o termo utilizado pelos entrevistados para descrever o

significado da PSC. É importante destacar que este conceito apresenta-se como uma das

finalidades da pena.

“É uma opção, uma alternativa para o cumpridor, até para beneficiá-lo e

também é... viabilizar uma integração dessa pessoa sem ter que passar pelo

trauma de uma coisa mais grave, que seria uma retenção ou uma coisa que

vá prejudicar pelo resto da vida dele que é a geração de um antecedente

criminal, que vai dificultá-lo a arranjar um emprego, que vai, enfim,

dificultá-lo a conseguir muitas oportunidades. No caso, é uma coisa bastante

benéfica porque além de dar essa oportunidade dele se reinserir sem ônus pra

ele em relação a ter um processo, em ter o nome sujo, essa pessoa também

tem a oportunidade de estar em contato com a instituição prestando serviço e

nessa prestação de serviço existe uma troca, ele pode, ele pode...

eventualmente ter uma oportunidade de conseguir um emprego, ele pode ser

convocado pela instituição para fazer um trabalho até remunerado ou ele

pode criar algum vínculo na instituição e começar a prestar serviços

esporadicamente ou voluntariamente sem necessariamente estar cumprindo

uma pena, ele pode prestar serviços extras, fora da instituição, mas indicados

pela própria instituição, enfim, é bastante benéfico. É claro que se ele

aproveitar, né... aproveitar algo que pode alavancar uma possível carreira

profissional” (Sujeito 2).

Nessa fala, além de pontuar a importância da reintegração social do cumpridor, o

entrevistado também menciona a possibilidade de ganhos para além da própria imersão na

sociedade. Ele pontua a possibilidade de o cumpridor, a partir da atividade desenvolvida na

instituição, ingressar no mercado de trabalho e aproveitar suas habilidades que foram

desenvolvidas com o cumprimento da pena ou medida. Com esse posicionamento, o Sujeito 2

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fica implícito que o cumprimento da PSC possibilita ganhos secundários ao cumpridor que

irão desde o possível ingresso no mercado de trabalho às percepções de novas aptidões.

O entrevistado menciona, ainda, a possibilidade do indivíduo não sofrer com o estigma

de possuir um processo criminal, uma vez que com o cumprimento da pena o processo é

extinto. É como se após o cumprimento da pena alternativa, a sociedade recebesse o indivíduo

sem preconceitos, aceitando-o no processo de reintegração social; o que poderia não ocorrer,

caso o indivíduo cumprisse a pena de prisão.

De acordo com a literatura, sabe-se que a condenação criminal, em especial a pena

privativa de liberdade, traz sequelas para o egresso, uma vez que este possivelmente passará a

ser estigmatizado pela sociedade, que, dificilmente, voltará a acolhê-lo. No entanto, quando

alguém, mesmo que condenado criminalmente, não é jogado no cárcere, ou seja, não cumpre

sua pena “intramuros” (GRECO, 2011, p. 406), a estigmatização no que diz respeito à sua

pessoa é infinitamente menor.

“Pra mim além da parte prática né, de, de ser uma questão de você não, não

tá aglomerado dentro de uma unidade, de uma prisão né, eu acho que é uma

oportunidade, é uma nova oportunidade de você prestar um serviço a uma

comunidade e não estar sendo preso e uma forma de ressocialização,

entende? Porque você acaba prestando serviço, você está inserido dentro de

um contexto totalmente diferente do seu. Então isso faz com que as pessoas

vejam com outros olhos e você se ressocialize, porque ali você tá fazendo

outros contatos com outras pessoas totalmente diferentes da dinâmica de

vida que você tem. Então eu acho que pra o... pra o cumpridor, é é... é uma

oportunidade, além de ser uma nova oportunidade, é uma forma de

crescimento, entendeu, porque ele além de ele tá visualizando outro mundo,

é uma forma totalmente diferente do contexto que ele tem porque geralmente

o... a... os cumpridores que a gente recebe ou tem um nível de escolaridade

muito baixo e um nível, e a questão financeira também, é tudo, a maior parte

não tem nem escolaridade e nem a questão financeira boa. E os que têm

também a gente faz esse trabalho, porque as vezes também tem pessoas que

tem dinheiro e tem estudo, mas assim, a maior parte, o que prevalece são as

pessoas mais humildes. Então é assim, muitas vezes eles chegam muito

satisfeitos aqui, então essa forma de ressocializar e de, de o outro enxergar

você como uma pessoa que precisa de mudança eu acho muito importante”

(Sujeito 5).

A concepção trazida nesse trecho vai de encontro ao que Greco (2011) argumenta em

seu livro “Direitos Humanos, Sistema Prisional e Altermativas à Privação de Liberdade”

sobre a forma de punição mediante a pena de prisão. O autor destaca que o modelo clássico de

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resposta ao delito acentua a pretensão punitiva do Estado apenas no justo e necessário castigo

do infrator, objetivando exclusivamente a punição. A ideia difundida mediante as Penas

Restritivas de Direito, e presente na fala supracitada, leva em conta as habilidades do

cumpridor, sua carga horária semanal de trabalho, seu nível de escolaridade, dentre outras

questões subjetivas a fim de que haja o cumprimento efetivo da pena ou medida. Assim, além

do necessário cumprimento de uma pena ou medida em virtude de um ato delituoso, é dada

importância também aos aspectos subjetivos do cumpridor, bem como ao seu contexto social.

Quando os entrevistados apontam a necessidade de levar em conta as habilidades do

indivíduo, parecem partir do pressuposto de que a especialização do cumpridor em

determinada área ou atividade faz com que sua mão de obra se torne competitiva, afastando,

assim, o efeito estigmatizante e segregador do cárcere.

Os discursos apresentados acima atribuem à PSC a função de permitir a reintegração

social do sujeito que infringiu às Leis, função recorrentemente ressaltada pela literatura que

milita a favor das Penas Alternativas. Os seus argumentos, portanto, reproduzem uma certa

visão otimista sobre as possibilidades de reintegração dessas penas. Mas o que seria essa

reintegração social? Ela ocorrerá da mesma forma para cada cumpridor? Apenas o efetivo

cumprimento da pena faz com que o indivíduo modifique suas concepções e seus valores? A

sociedade é tão mais benevolente em relação às pessoas que cumpriram essas penas?

Concordamos com Bitercourt (2011) quando ele afirma que o conceito de ressocialização

deve ser submetido a novos debates e a novas definições.

6.4 Dificuldades na execução da PSC

No que se refere às condições materiais e humanas de trabalho, os entrevistados

pontuaram como principais dificuldades a formação de novas redes parceiras, a necessidade

de ampliação do número de profissionais para compor a equipe técnica e de instrumentos de

trabalho que favoreçam o efetivo acompanhamento da pena.

“Bem, tem, tem dificuldades... das mais abrangentes possíveis. Então é a

questão de você ter mais pessoas para te ajudar, como eu te falei, duas

técnicas numa comarca onde é imensa é pouco. Nós não temos um transporte

nosso mesmo, esse transporte vem de Recife, ele tem que acomodar todas as

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Ceapas, então a gente não pode fazer um acompanhamento preciso nas

instituições, a gente faz isso mais através de contato por telefone, então a

instituição vem até nós pra gente poder tirar essas dúvidas, poder sanar

algumas dificuldades que existem. A questão mais é: mais pessoas

trabalhando com você, estagiários, ter mais algum técnico, tanto na área de

serviço social quanto na área de psicologia. E o transporte. Então a minha

maior dificuldade é essa” (Sujeito 4).

“As dificuldades... as vezes é, é um número muito grande de cumpridores e a

equipe é pequena, então a gente meio que se desdobra” (Sujeito 6).

Nas falas supracitadas os profissionais que lidam diretamente com a execução da

Prestação de Serviços à Comunidade relatam algumas dificuldades no desempenho do seu

trabalho, principalmente de ordem estrutural e institucional. Cada profissional tem a sua

consideração particular sobre qual é a maior dificuldade enfrentada, mas pode-se perceber que

o quantitativo de profissionais por Ceapa constitui um ponto que dificulta a operacionalização

do trabalho.

Um dos entrevistados apontou como um dos fatores que prejudicam a execução do seu

trabalho a deficiência de salas disponíveis para atendimento individual da demanda.

Entrevistadora: Quais as dificuldades no trabalho de execução da PSC?

Sujeito 3: De modo geral? Estrutura. Veja, de manhã a gente não tem uma

sala, então a gente usa a sala do Ministério Público que é aquela. Então tem

outro grupo que trabalha aqui do lado, então muitas vezes a gente acaba

fazendo a entrevista com algumas pessoas, que eu acho que é muito

complicado, pra mim compromete muito porque eu já bloqueio, mas né...

não me sinto muito a vontade. Então já compromete de alguma forma o

serviço.

Os desafios apontados pelo entrevistado passam pela organização estrutural do local

de trabalho, pela necessidade de construção de um espaço e da afirmação de um trabalho

técnico para atender questões individuais. Sabe-se da importância de um ambiente neutro e

salutar para que o profissional de psicologia possa realizar a entrevista e possíveis

intervenções junto ao indivíduo.

No que se refere às condições de trabalho, bem como ás dificuldades de

operacionalização do mesmo, a maioria dos entrevistados atribuiu como questão-problema a

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articulação com a rede social parceira. Diversos foram os argumentos, desde a dificuldade de

articulação de novas instituições para receber os cumpridores ao interesse por parte de

algumas de receber, preferencialmente, os cumpridores de Prestação Pecuniária (outra

modalidade de Pena Alternativa) em detrimento da Prestação de Serviços à Comunidade.

“Sendo que, eu acredito que por uma cultura, que aí eu não sei como

explicar de onde vem essa cultura, de que o recebimento de uma prestação

pecuniária, de uma doação, seja mais importante, mais aceito, vamos dizer

assim, do que a PSC. Um exemplo bem prático, algumas entidades a gente

liga pra dizer ‘olhe, tem um cumpridor que a gente está encaminhando para

fazer doações no valor de x, durante tantos meses’, e aí a entidade ‘não, ok,

tudo bem, mande, a gente precisa disso, aquilo e aquilo’. E quando a gente

liga pra essas mesmas entidades pra dizer ‘olhe, tem uma pessoa pra prestar

serviço durante tanto tempo, tantas horas mensais’, a gente percebe que a

reação de quem tá recebendo essa ligação é diferente. Muitas vezes há um

bloqueio mesmo e dizem ‘não, a gente não tem vaga, a gente não pode

receber, se fosse uma doação a gente teria como receber’. Ela tem que se dar

para as duas coisas. Se você recebe uma doação, por que não receber uma

prestação de serviço? Você vai estar tendo uma pessoa que vai estar

prestando um serviço gratuito na sua entidade, vai estar colaborando de

alguma forma para o funcionamento do local, para o atendimento daquelas

pessoas que você tem ali, e por que não receber? A gente tenta muito

trabalhar isso com eles, faz reuniões semestrais com o pessoal dessa rede de

parceiros e é um tecla que a gente bate muito em cima dela, para que haja

essa consciência de que tão importante quanto receber uma doação é também

abrir espaço para a prestação de serviço. Acho que é a principal dificuldade”

(Sujeito 1).

Nesse trecho, com a descrição das dificuldades, percebe-se também o posicionamento

desse sujeito acerca do que vem a ser a Prestação de Serviços, uma vez que ele elenca as

atribuições do cumpridor perante a instituição. Percebe-se que o trabalho do psicólogo junto a

esta modalidade de Pena Alternativa não abarca apenas o cumpridor, mas está atrelado

também aos contatos frequentes com as instituições e com a captação de novas parcerias.

Interessante foi o fato de apenas um entrevistado relatar não haver dificuldades em

relação à formação da rede parceira. O mesmo pontuou que, ao contrário do que acontece em

outras Ceapas, a rede social formada é extensa.

“Aqui a gente não tem muita dificuldade com relação à PSC porque a gente

tem uma rede muito forte. Acho que a maior dificuldade mesmo é porque

nós só temos aqui o carro uma vez por semana, que é do Judiciário. O que

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é importante: as Penas Alternativas elas não são difíceis de serem

cumpridas, mas você precisa tá diretamente junto á rede social. Então, o

monitoramento na rede social, se ele não for bem feito, isso dificulta e

muito a aplicação das penas. Nós temos muito cumpridores na área rural,

que é outra característica de Belas Vistas5, a gente tem uma área rural

muito grande e fazer o monitoramento por telefone não é a mesma coisa de

tá indo lá, porque a gente recebe, quando nós vamos visitar tanto a entidade

quanto o cumpridor na entidade, ele tem uma credibilidade muito maior.

“Elas visitam mesmo né... elas vêm aqui”. Então isso é uma coisa muito

importante. Então a falta de monitoramento eu acho que a coisa que pode

dificultar mais, mas a gente tem um nível baixo de descumprimento,

mesmo quando tem, a gente tem uma relação muito boa com as varas,

especialmente com a segunda vara criminal e, por exemplo, a gente manda

e quinze dias depois a pessoa está em descumprimento mas quinze dias

depois a pessoa já tá voltando a cumprir. Então isso é uma coisa

importante, mas eu acho que a maior dificuldade é o monitoramento da

rede social que você precisa não só para a entidade se sentir segura, mas

para o cumpridor também sentir que você tá indo, que você visita, que você

vai ver se realmente ele tá cumprindo. Porque você ver muitos casos né...

já teve até casos do cumpridor querer que a mulher faça por ele. Então, é

você entender que existe o monitoramento que não é um faz-de-conta, é

realmente uma coisa efetiva” (Sujeito 9).

A maior dificuldade apontada nesse caso foi a frequência do carro para realizar o

monitoramento. O entrevistado deixa explícita a importância desse acompanhamento técnico

para que se possa ter o efetivo cumprimento da pena. Merece destaque o trecho que aponta a

necessidade de “fiscalização” do cumpridor “mas para o cumpridor também sentir que você

tá indo, que você visita, que você vai ver se realmente ele tá cumprindo”. Nessa fala fica

clara, conforme aponta Flores (2010), “a matriz jurídica e a função policialesca” (p. 96) do

profissional de Psicologia que atua no monitoramento da PSC.

Enquanto respostas devem ser dadas ao Estado, o psicólogo pode ocupar o lugar de

quem detém a verdade e a fiscalização sobre o sujeito, colocando em jogo o dispositivo

saber/poder que pode permear a atuação do psicólogo em searas jurídicas. Não cabe neste

trabalho um aprofundamento maior acerca dessa problemática, mas falas como a supracitada

instigam a reflexão sobre os efeitos do saber psicológico e como o seu uso está sendo

utilizado no campo jurídico.

Em contrapartida, outro entrevistado apontou a dificuldade de formação de redes

sociais parceiras como barreira ao seu trabalho.

5 Nome fictício

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“A gente muitas vezes se depara com uma dificuldade e que de certa maneira

vem trabalhando pra ver se diminui essa dificuldade que é com a formação

de rede de parceiros. Porque hoje a gente tem uma rede enorme na região

metropolitana, uma rede grande, muito grande. Só na cidade do Recife eu

acho que poucos locais não têm parceiros nossos, entidades que recebem

cumpridores. Sendo que, eu acredito que por uma cultura, que aí eu não sei

como explicar de onde vem essa cultura, de que o recebimento de uma

prestação pecuniária, de uma doação, seja mais importante, mais aceito,

vamos dizer assim, do que a PSC. Um exemplo bem prático, algumas

entidades a gente liga pra dizer “olhe, tem um cumpridor que a gente está

encaminhando para fazer doações no valor de X, durante tantos meses” e aí a

entidade “não, ok, tudo bem, mande, a gente precisa disso, aquilo e aquilo”.

E quando a gente liga pra essas mesmas entidades pra dizer “olhe tem uma

pessoa pra prestar serviço durante tanto tempo, tantas horas mensais” a gente

percebe que a reação de quem tá recebendo essa ligação é diferente. Muitas

vezes há um bloqueio mesmo e dizem “não, a gente não tem vaga, a gente

não pode receber, se fosse uma doação a gente teria como receber, mas

prestação de serviço a gente não tem”. E eu acho que a função dessa

parceria, ela tem que se dar para as duas coisas. Se você recebe uma doação,

porque não receber uma prestação de serviço? Você vai estar tendo uma

pessoa que vai estar prestando um serviço gratuito na sua entidade, vai estar

colaborando de alguma forma para o funcionamento do local, para o

atendimento daquelas pessoas que você tem ali, e por que não receber? A

gente tenta muito trabalhar isso com eles, faz reuniões semestrais com o

pessoal dessa rede de parceiros e é uma tecla que a gente bate muito em cima

dela, para que haja essa consciência de que tão importante quanto receber

uma doação é também abrir espaço para a prestação de serviço. Acho que é a

principal dificuldade” (Sujeito1).

O entrevistado também apontou a preferência por parte de algumas instituições em

receber recursos materiais em detrimento de mão-de-obra. No entanto, em relação à PSC,

faz-se necessária a cooperação não só para receber cumpridores, mas, essencialmente,

promover o apoio e acompanhamento da pena/medida alternativa e a promoção da pessoa

envolvida no litígio, como ente social voltado para o exercício de seus direitos e deveres.

Resende (2009) afirma que em depoimentos de instituições parceiras e também de

pessoas que já passaram pela sistemática de responsabilização penal versus promoção da

pessoa sempre se destaca a necessidade de um pacto de confiança e integração entre Sistema

de Justiça, Sociedade e Cumpridores na sistemática de aplicação das alternativas penais a

não privação de liberdade como forma de promover a cidadania.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegando ao final deste trabalho e em resposta aos questionamentos que embasaram

este estudo, serão realizadas pontuações acerca do significado da PSC para os psicólogos das

Ceapas do Estado de Pernambuco, o cotidiano de trabalho destes profissionais e a relação com

outros saberes a fim de obtermos uma melhor compreensão sobre como ocorre essa atuação.

Sabe-se que o advento das Penas Alternativas trouxe consigo novas tendências e

possibilitou no sistema punitivo o surgimento de outras formas de acompanhamento da

punição. Anteriormente, a responsabilidade de acompanhamento da pena era exclusiva da

Justiça e, hoje, depara-se com a inserção de diversos saberes ocupando um lugar de destaque

na execução penal, dentre eles a Psicologia.

A inserção da Psicologia em searas criminais traz consigo questionamentos sobre o

fazer psicológico nesse campo e reflexões éticas acerca do lugar ao qual o psicólogo é

chamado para atuar.

Nesse contexto e mediante a análise dos discursos dos sujeitos entrevistados,

constatou-se que os psicólogos compreendem a Prestação de Serviços à Comunidade como

um instrumento educativo, que visa produzir uma mudança subjetiva nos indivíduos,

tornando-os ajustados à ordem social.

Nesse sentido, os psicólogos jurídicos ressaltaram o paradigma de reintegração social

mediante o cumprimento da PSC, cujo objetivo prioritário é a efetiva reinserção do infrator ao

convívio em sociedade. Entendem que os fundamentos humanitários deste paradigma

promove uma intervenção positiva no apenado, facilitando, com isso, seu retorno, de forma

digna, à comunidade, e a partir daí, a sua plena reintegração social.

Os entrevistados salientaram como especificidade da Psicologia, que a diferenciaria

dos demais técnicos da equipe, a questão da “escuta diferenciada” e do “olhar mais humano

para o cumpridor”. No entanto, eles ressaltaram que essa suposta especificidade do psicólogo

teria relação com a sua formação acadêmica em detrimento de outras formações profissionais.

No que diz respeito à relação com outros profissionais para a execução da PSC,

percebeu-se que o trabalho desenvolvido pelos psicólogos e assistentes sociais é pautado

numa relação de interdisciplinaridade. Essa relação foi apontada pelos entrevistados como

algo positivo. As especificidades e os limites de atuação foram apontados por eles, mas

sobressaiu a importância da ampliação dos saberes e as constantes trocas de conhecimentos

objetivando intervenções positivas em cada caso.

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Ressaltaram que nessa prática interdisciplinar, não haveria interferência na autonomia

de cada disciplina, haveria, pois, uma integração de saberes. Conclui-se, pois, que na

compreensão desses profissionais, os saberes específicos da Psicologia parecem mesclar-se

com os conhecimentos do Serviço Social, permitindo uma ampliação do domínio teórico e

prático na atuação do psicólogo, resguardando as técnicas e instrumentos próprios de cada

profissão.

No que se refere à relação entre os saberes psicológicos e jurídicos, os psicólogos

enfatizaram a importância dessa parceria para a realização de um trabalho promissor. Nesse

sentido, argumentam que há uma complementaridade nos saberes ao passo em que ocorre

uma familiarização por parte dos operadores do Direito acerca das questões emocionais e

psicológicas, bem como a compreensão por parte dos psicólogos dos saberes e práticas

jurídicas que embasam seu trabalho, proporcionando o enriquecimento mútuo.

Concebida na literatura como subsídio às decisões judiciais, a Psicologia Jurídica

enquanto prática apontada pelos psicólogos entrevistados no estudo demonstrou ir além do

instrumento avaliativo, uma vez que os entrevistados se mostraram preocupados em acolher

as demandas do cumpridor, posicionando-se perante as expectativas jurídicas.

Constatamos neste estudo, que o trabalho desenvolvido pelos psicólogos nas Ceapas,

independente do aparato teórico escolhido por cada profissional, requer um olhar ampliado

sobre o cumpridor. Um olhar que ultrapasse a subjetividade e atente para a importância do

contexto social que envolve a questão da criminalidade, demonstrando a importância da esfera

legal em permitir o enfoque emocional que se encontra por detrás dos inúmeros dramas

humanos que buscam soluções jurídicas.

As palavras trazidas por Félix Guattari (1986) servem de reflexões finais e

questionamentos constantes para o trabalho dos profissionais que atuam na execução penal. O

autor salienta a necessidade de interpelar todos aqueles que ocupam uma posição de ensino

nas ciências sociais e psicológicas ou no campo do trabalho social; enfim, todos aqueles cuja

profissão consiste em se interessar pelo discurso do outro, pois se encontram numa

encruzilhada política e micropolítica fundamental. Desse modo, menciona o autor que, ou vão

fazer o jogo dessa reprodução de modelos que não nos permitem criar saídas para os

processos de singularização, ou, ao contrário, vão trabalhar para o funcionamento desses

processos na medida de suas possibilidades e dos agenciamentos que consigam pôr para

funcionar.

Enquanto profissionais de Psicologia, mais precisamente os atuantes na execução das

Penas Alternativas, cabem às interrogações sobre as práticas no cotidiano de trabalho e as

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recusas para não assumir apenas o lugar de técnicos elaboradores de relatórios psicológicos,

encaminhamentos, monitoramentos... É importante que a Psicologia, em todos os âmbitos,

seja exercida como uma prática política com intervenção social e nós, psicólogos, estejamos

sempre comprometidos com a nossa atuação em busca de uma prática profissional mais

libertadora e livre de preconceitos.

Com a finalização deste estudo, algumas inquietações puderam ser abrandadas e outras

produzidas. Sobre as últimas, por verificar que, no contexto das alternativas penais, a prática

do psicólogo ainda está engrenada pelo jogo do poder que permeia a punição, podendo esse

tema ser objeto de estudos futuros. As contribuições deste trabalho podem beneficiar os

psicólogos que atuam na execução da PSC no sentido de repensar sua prática e utilizar a

Psicologia como ferramenta de transformação social.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A: Carta de Anuência

SOLICITAÇÃO DE CONSENTIMENTO PARA A REALIZAÇÃO

DE PROJETO DE PESQUISA

INSTITUIÇÃO RESPONSÁVEL: UFPE

Senhora,

Ana Cecília Gonzalez

Gerência de Penas Alternativas e Articulação Social (GEPAIS)

NESTA.

Pelo presente, venho solicitar o seu consentimento para que seja realizado, por meio desta

instituição, o projeto de pesquisa “Produções discursivas sobre a execução da Pena de Prestação de

Serviços à Comunidade: Um estudo com psicólogos”, nos termos que se seguem:

O projeto PRODUÇÕES DISCURSIVAS SOBRE A EXECUÇÃO DA PENA DE

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE: UM ESTUDO COM PSICÓLOGOS tem como

pesquisadora responsável a aluna de Mestrado em Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco

Marcella Gymena Pedroza Burgos e segue aqui anexado.

A pesquisa se propõe a pensar a atuação do psicólogo na execução da Pena Alternativa, mais

especificamente, da Pena de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC), na perspectiva de oferecer

elementos para identificação de discursos que permeiam esta prática, abrindo caminhos para uma

leitura crítica acerca desta atuação e para a ampliação de estudos no campo da Psicologia Jurídica.

Assim, tem-se no presente projeto o objetivo de analisar quais os discursos produzidos pelos

psicólogos que atuam nas CEAPAS (Centrais de Acompanhamento de Penas e Medidas

Alternativas) acerca da Pena de Prestação de Serviços à Comunidade. Para tanto, será necessário o

ingresso da pesquisadora no campo objetivando a realização de entrevistas com tais profissionais.

Acreditamos que o produto deste estudo poderá fornecer indicativos que fundamentem o

desenvolvimento de estudos no campo da Psicologia Jurídica, possibilitando elementos para a

avaliação e planejamento de ações voltadas para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. Ainda,

Pretende-se, que esta pesquisa possa beneficiar os programas de execução de penas em regime aberto,

hoje existentes nas políticas públicas na área criminal, propiciando questionamentos e aprimoramento

de propostas e estratégias de intervenção.

Os resultados da pesquisa poderão ser divulgados através de participação em congressos,

seminários e publicação de artigos especializados e periódicos, contribuindo para o conhecimento

acerca da atuação psicológica em interface com a justiça, assim como, e em especial, para a

visibilidade dos trabalhos desenvolvidos pelas CEAPAS. Espera-se, ainda, que os resultados da

pesquisa contribuam para consolidar a prática profissional crítica e conseqüente.

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O contato para qualquer esclarecimento de que necessite pode ser realizado com a

pesquisadora, autora do estudo, pelo endereço: Avenida Professor Moraes Rêgo, s/n, Cidade

Universitária, no Departamento de Pós-Graduação em Psicologia, da UFPE, pelo telefone: (81) 2126-

8730, (81) 8888-6456 ou e-mail: [email protected].

Com protestos de elevada consideração e respeito, subscrevo-me atenciosamente,

Recife, _____ de ______________ de _______.

_________________________________________

Marcella Gymena Pedroza Burgos

Responsável pelo projeto

_________________________________________

Ana Cecília Gonzalez

Gerente - GEPAIS

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APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

INSTITUIÇÃO RESPONSÁVEL: UFPE

Título do Projeto: Produções discursivas sobre a execução da Pena de Prestação de Serviços

à Comunidade: Um estudo com psicólogos jurídicos.

1. Introdução

Você está sendo convidado (a) a participar desta pesquisa devido à sua experiência de

trabalho na execução das Penas Alternativas, em especial, da Pena de Prestação de

Serviços à Comunidade, sob a responsabilidade da pesquisadora Marcella Gymena

Pedroza Burgos, aluna do curso de Mestrado da Universidade Federal de Pernambuco, sob

a orientação do Professor Doutor Pedro de Oliveira Filho. Sua colaboração é fundamental

para o desenvolvimento da pesquisa, porém, não é obrigatória. A participação neste estudo

é voluntária e a qualquer momento você pode desistir de participar e retirar seu

consentimento.

2. Objetivo

A pesquisa objetiva analisar as produções discursivas dos psicólogos que atuam nas

Centrais de Apoio às Penas e Medidas Alternativas sobre a Pena de Prestação de Serviços

à Comunidade.

3. Procedimentos do Estudo

Você será solicitado (a) a responder a uma entrevista semi-estruturada, sobre sua atuação

enquanto psicóloga deste setor, que será gravada e posteriormente transcrita para análise.

As informações registradas servirão para estabelecer uma aproximação entre a teoria e a

prática na execução destas penas e favorecer uma ampliação do conhecimento acerca

desta temática.

4. Caráter Confidencial dos Registros

As informações obtidas, bem como seus dados pessoais, serão trabalhadas apenas pela

pesquisadora e esses dados serão mantidos confidenciais. Você não poderá ser

identificado quando o material de seu registro for utilizado, seja para propósitos de

publicações científica ou educativa, ou apresentação oral. Os registros gravados ficarão

sob a responsabilidade da pesquisadora, em seu computador pessoal e serão utilizados

apenas para as finalidades da pesquisa, sendo destruídos posteriormente. O material

coletado será designado numericamente, desta forma: sujeito1, sujeito 2 e assim

sucessivamente. Os resultados gerais do trabalho serão utilizados apenas para alcançar os

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objetivos do estudo, exposto anteriormente, incluída sua publicação na literatura científica

especializada.

5. Riscos e Benefícios

Como possíveis benefícios, os resultados da pesquisa poderão gerar conhecimentos

importantes para o trabalho dos psicólogos que atuam com a temática das Penas

Alternativas. Poderá também beneficiar os programas que executam Penas Restritivas de

Direitos hoje existentes nas políticas públicas na área criminal, propiciando

questionamentos, aprimoramento de propostas e estratégias de intervenção. Como

possíveis riscos, no momento da entrevista e observação poderão ocorrer algum

desconforto ou conflito para o participante os quais a entrevistadora tentará minimizar.

Caso seja necessário, a pesquisadora poderá recorrer a pesquisadores auxiliares. A equipe

de pesquisa garantirá a confidencialidade das informações e o anonimato dos

participantes.

6. Para obter informações adicionais

Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone da pesquisadora, podendo

tirar suas dúvidas sobre o projeto e sobre sua participação, agora ou a qualquer momento.

O contato para qualquer esclarecimento de que necessite, será realizado com a

pesquisadora, autora do estudo, pelo endereço: Avenida Professor Moraes Rêgo, s/n,

Cidade Universitária, no Departamento de Pós-Graduação em Psicologia, da UFPE, pelo

telefone: (81) 2126-8730, (81) 8888-6456 ou e-mail: [email protected].

Poderá contatar o Comitê de Ética da UFPE para apresentar recursos ou reclamações em

relação à pesquisa, pelo endereço: Avenida da Engenharia s/n, Cidade Universitária,

Recife – PE, CEP:50740-600, Tel.: 2126-8588.

7. Declaração de Consentimento

Li as informações contidas neste documento, antes de assinar este termo de

consentimento. Concordo em participar como informante, colaborando, desta forma, com

a pesquisa. Dou meu consentimento de livre e espontânea vontade e sem reservas para

participar como entrevistado deste estudo.

Recife, _____ de ___________________ de _________.

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____________________________________________________

Profissional Participante

____________________________________________________

Pesquisadora

Testemunha 1:

_____________________________________________

Testemunha 2:

_____________________________________________

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APÊNDICE C

ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA

(Sujeitos: Psicólogos (as) que trabalham na execução da Pena de Prestação de Serviços à

Comunidade, nas CEAPAS)

1. Sujeito

Nome:

Idade:

Gênero:

Escolaridade:

Ano de formatura:

Tempo de atuação enquanto profissional na Vara:

Tipo de vínculo:

2. Atuação

2.1 Fale sobre a prática profissional neste âmbito (cotidiano de trabalho).

2.2 Por que escolheu tal atuação?

2.3 Qual a importância do psicólogo na execução da Pena Alternativa?

2.4 Qual a importância (contribuição) do psicólogo na execução da Pena de Prestação

de Serviços à Comunidade?

2.5 Qual o significado da Pena de Prestação de Serviços à Comunidade?

2.6 Relação com os outros profissionais (assistentes sociais) na execução da PSC.

2.7 Quais as dificuldades no trabalho de execução da PSC?