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Marcelo Alvares Vicente Controle fiscal dos preços de transferência Mestrado em Direito Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP São Paulo – 2007

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Marcelo Alvares Vicente

Controle fiscal dos preços de transferência

Mestrado em Direito

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP

São Paulo – 2007

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Marcelo Alvares Vicente

Controle fiscal dos preços de transferência

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Tributário, sob a orientação da Prof.ª Doutora Elizabeth Nazar Carrazza

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP

São Paulo – 2007

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Banca Examinadora

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Resumo

O presente trabalho discorre sobre um assunto que a doutrina brasileira e estrangeira

vem focando de forma cada vez mais dinâmica, em razão de sua relevância perante o direito

tributário internacional e da crescente problemática que lhe envolve: o controle fiscal dos

preços de transferência. Um dos principais objetivos de nosso trabalho e o que, de certa

forma, o moveu, consiste em colaborar para a evolução da ciência do direito tributário em seu

aspecto internacionalístico, em especial no que se refere ao atual cenário do tema na visão da

Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do direito

brasileiro. Partindo-se de uma análise não meramente dogmática, mas voltada à integração

dos sistemas nacional e internacional, aplicando-se os conceitos e normas de direito tributário

que objetivam evitar a fuga de capitais e a conseqüente elisão fiscal por ela provocada, busca-

se, como resultado, estabelecer um patamar mínimo de segurança para a aplicação da

legislação infraconstitucional – combinada que seja com os termos dos acordos internacionais

pelo Brasil firmados – que regula a tributação dos lucros das empresas e as regras de preços

de transferência, ou, de modo inverso, a adequação, dos métodos propostos por aquele

organismo internacional, ao sistema jurídico tributário brasileiro. O estudo enfoca, com rigor,

a análise das regras propostas pela OCDE e daquelas prescritas pela legislação brasileira,

buscando sua interpretação, sobretudo diante da necessidade de bem avaliarmos quanto à sua

plena aplicabilidade, pretendendo demonstrar se se sustentam quando desafiadas pelas

operações que tenham por escopo, direta ou indiretamente, a prática de elisão fiscal. É com

esse intuito que apresentamos este estudo, não exaustivo do assunto diante do corte

metodológico que se faz necessário, concentrando-nos na questão da aplicabilidade das regras

de preços de transferência e depurando contingências normativas que possam dar azo a

práticas elisivas.

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Abstract

This work discusses a subject that has increasingly been focused on in Brazilian and

foreign legal scholarship due to its relevance to international tax law and the increasingly

problematic subject of transfer pricing controls. One of the main purposes of this work and

that which, to a certain extent, inspired it, consists in collaborating in the evolution of the

international aspect of the science of tax law, and especially in relation to the current views of

the Organisation for Economic Cooperation and Development (OECD) and of Brazilian law.

Using an analysis that is not purely dogmatic, but aimed at the integration of the domestic

and international systems, applying the tax law concepts and norms that aim to prevent

capital flight and the consequent tax avoidance it causes, it aims, as a result, to establish a

minimum standard of security in applying legislation – combined with the terms of the

international agreements signed by Brazil – that regulates the taxation of company profits

and the transfer pricing rules or, inversely, the adaptation of the methods proposed by that

international organization to the Brazilian legal tax system. The study focuses, with rigor, on

the analysis of the rules proposed by the OECD and those prescribed by Brazilian legislation,

seeking to interpret them especially in the context of the need to properly evaluate their full

applicability, intending to show whether they are sustained when challenged by operations

that are aimed directly or indirectly at tax avoidance. It is with this aim that we present this

study, which is not exhaustive in light of the methodological cut-off that was necessary,

concentrating on the question of the applicability of the transfer pricing rules and finding

normative contingencies that may lead to avoidance measures.

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Sumário

Introdução..................................................................................................................................9

1 Interesse pelo tema ............................................................................................................13

1.1. Importância do tema a partir do crescimento do comércio internacional

e dos problemas de bitributação e de elisão fiscal.............................................................13

1.2. Importância do tema a partir da evolução dos meios de comunicação e

da Internet..........................................................................................................................16

2 Preço de transferência: conceito e princípio norteador ....................................................21

2.1. Origem do conceito e seu emprego pela doutrina nacional e internacio-

nal ..................................................................................................................................21

2.2. O princípio que norteia o regramento dos preços de transferência: arm’s length ....25

2.2.1. O “arm’s length” como limite objetivo........................................................29

2.2.2. A crise do princípio arm’s length: sua eventual inconsistência em nível

mundial e possível inconstitucionalidade perante o direito brasileiro

– o problema das presunções ..................................................................................30

3 Evolução do tema ..............................................................................................................44

3.1. Evolução no contexto internacional .........................................................................44

3.1.1. Evolução a partir da contribuição dos organismos internacionais .............44

3.1.2. Evolução no contexto do desenvolvimento das novas tecnologias

de comunicação e informação e Internet .................................................................52

3.2. Evolução no contexto do direito brasileiro...............................................................56

3.2.1. Do tratamento dado pelo direito brasileiro anteriormente ao

advento da Lei n.º 9.430/96 ......................................................................................58

3.2.2. Da introdução do conceito e das regras aplicáveis aos preços de

transferência no direito brasileiro ...........................................................................60

4 Tributos sujeitos ao controle dos preços de transferência ................................................80

4.1. Da regra-matriz de incidência – Sua estrutura lógica – Hipótese e conseqüência –

Critérios .............................................................................................................................80

4.2. Do critério da regra-matriz de incidência atingido pelas normas de

preços de transferência ......................................................................................................83

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4.3. Dos tributos sujeitos às regras de preços de transferência no direito brasileiro –

Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido......................................83

4.3.1. A regra-matriz de incidência do Imposto de Renda.....................................85

4.3.2. A regra-matriz de incidência da Contribuição Social sobre o Lucro

Líquido.....................................................................................................................90

5 Identificação da necessidade e os pressupostos para o controle dos preços

de transferência.......................................................................................................................92

5.1. Elemento de estraneidade .........................................................................................94

5.2. Pressupostos subjetivos ............................................................................................95

5.2.1. Pessoas vinculadas .......................................................................................95

5.2.2. Pessoas independentes localizadas em países ou dependências com

tributação favorecida e que oponham sigilo relativo à composição societária

de pessoas jurídicas ou a sua titularidade .............................................................122

5.3. Pressupostos objetivos............................................................................................130

5.4. Vantagem “anormal” ..............................................................................................130

5.4.1. Critérios de comparabilidade.......................................................................131

5.4.2. Análises produto a produto e transação a transação ................................140

5.4.3. Similaridade ...............................................................................................142

6 Métodos de controle sobre os preços de transferência ....................................................145

6.1. Breve histórico da positivação dos métodos de controle sobre os preços de

transferência.....................................................................................................................145

6.2. Da possível identidade existente entre os métodos da OCDE e os brasileiros.......148

6.3. Dos métodos previstos nas Diretrizes da OCDE....................................................151

6.3.1. Métodos transacionais tradicionais ...........................................................153

6.3.2. Métodos transacionais baseados no lucro das operações .........................166

6.3.3. Do tratamento dado aos juros, intangíveis e serviços................................173

6.3.4. Da relação de hierarquia existente entre os métodos previstos pela

OCDE ....................................................................................................................178

6.4. Dos métodos previstos na legislação brasileira ......................................................181

6.4.1. Dos métodos aplicáveis às operações passivas (importações) ..................183

6.4.2. Dos métodos aplicáveis às operações ativas (exportações).......................198

6.4.3. Das características gerais dos métodos aplicáveis às operações

passivas (importações) e operações ativas (exportações) .....................................205

6.4.4. Dos métodos aplicáveis aos juros, intangíveis e serviços ..........................220

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6.4.5. Dos tratados internacionais assinados pelo Brasil e a possível antino-

mia com a legislação brasileira .............................................................................224

7 Ajustamentos correlativos e o problema da bitributação.................................................232

7.1. Da realização dos ajustes primários e a conseqüente bitributação .........................232

7.2. Dos ajustes correlativos como forma de se evitar a bitributação ...........................233

8 Hipóteses de não aplicação de ajustes .............................................................................238

8.1. Acordo de Preços Antecipado (Advance Pricing Arrangement – APA) ................238

8.2. Safe Harbours.........................................................................................................245

9 Conclusões.......................................................................................................................251

Bibliografia............................................................................................................................272

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Introdução

O presente trabalho enfoca, com rigor, a análise das regras de preços de

transferência no âmbito dos acordos internacionais e da legislação brasileira, buscando sua

interpretação quando diante da necessidade da aplicação de seus conceitos no tratamento da

tributação do lucro das empresas, sobretudo diante da necessidade de bem avaliarmos quanto

à sua plena aplicabilidade em tais operações, pretendendo demonstrar se há sua

sustentabilidade quando desafiadas pelas operações que tenham por escopo, direta ou

indiretamente, a prática de elisão fiscal.

O plano de trabalho tem como alvo a apresentação das características mais

relevantes do tema transfer pricing, partindo-se da análise dos principais conceitos a ele

relacionados e de questões controversas por ele propostas, aliado ao exame crítico do

ordenamento jurídico nacional, do modelo de convenção e das diretrizes (Transfer Pricing

Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations) propostos pela OCDE.1

Serão objeto de estudo pormenorizado os tributos abrangidos pelas regras de preços

de transferência – no Brasil, o Imposto sobre a Renda e a Contribuição Social sobre o Lucro

Líquido – bem como as razões para a existência do controle desses preços, dando-se um

enfoque especial ao princípio arm’s length, visando estabelecer no que consiste seu conceito e

como vem sendo trabalhado na doutrina nacional e estrangeira.

Os conceitos de empresa vinculada e de empresa localizada em país com tributação

ou regime societário favorecidos, sujeitas ao controle dos preços de transferência, estarão

presentes em capítulo específico, em que serão focados os conceitos de empresas associadas

1 A OCDE é o principal organismo internacional que tem como vocação, desde sua criação em 1961, o desenvolvimento de políticas dirigidas à construção de economias fortes em seus países membros, mantendo a estabilidade financeira, visando o desenvolvimento da economia mundial, bem como melhorar a eficiência, aperfeiçoar os sistemas de mercado, expandir o livre comércio e contribuir para o desenvolvimento econômico nos países industrializados assim como naqueles em desenvolvimento, membros ou não membros da organização. Neste sentido, as OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations, dispõem que “Pursuant to Article 1 of the Convention signed in Paris on 14th December 1960, and which came into force on 30th September 1961, the Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD) shall promote policies designed: – to achieve the highest sustainable economic growth and employment and a rising standard of living in Member countries, while maintaining financial stability, and thus to contribute to the development of the world economy; – to contribute to sound economic expansion in Member as well as non-member countries in the process of economic development; and – to contribute to the expansion of world trade on a multilateral, nondiscriminatory basis in accordance with international obligations”. OECD. OECD 1995 Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. iii.

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(controladoras, controladas e coligadas) e estabelecimentos permanentes (filiais, sucursais,

agências etc.).

Serão utilizados, deste modo, diversos conceitos presentes nas Guidelines da OCDE,

os quais procuraremos adequar à realidade da legislação e dos negócios realizados com

empresas residentes no Brasil, cuidando ainda de sua eventual aplicação diante da inexistência

ou de lacunas na regulamentação brasileira, ou ainda, em razão de terem sido as normas

introduzidas em nosso ordenamento inspiradas no modelo daquela organização internacional.

Será apreciada a normatização das regras de preços de transferência, dando-se

especial enfoque às regras constantes do modelo e das diretrizes da OCDE, bem como da

legislação brasileira – Lei n.º 9.430/96 e IN/SRF n.º 243/2002. Os métodos previstos pela

OCDE, que complementam seu Modelo de Convenção e as convenções internacionais

assinadas pelo Brasil, e aqueles previstos na legislação brasileira, serão objeto de comparação,

sobretudo, em razão da não rigidez daqueles e da rigidez destes.

Os métodos da OCDE, previstos em suas Guidelines e conhecidos como CUP –

Comparable Uncontrolled Price Method, RPM – Retail Price Metod, CPM – Cost Plus

Method, métodos tratados como “transacionais tradicionais”, bem como aqueles chamados de

“transacionais baseados no lucro das operações”, PSM – Profit Split Method e TNMM –

Transactional Net Margin Method, serão objeto de comparação com aqueles previstos na

legislação brasileira, conforme nos apresenta a Lei n.º 9.430/96, por sua vez chamados de PIC

– Preços Independentes Comparados, PRL – Preço de Revenda menos Lucro, CPL – Custo de

Produção mais Lucro, PVEx – Preço de Vendas nas Exportações, PVA – Preço de Venda por

Atacado no País de Destino, diminuído do lucro, PVV – Preço de Venda no Varejo no País de

Destino, diminuído do lucro, CAP – Custo de Aquisição ou de Produção mais Tributos e

Lucro. Os capítulos correspondentes serão concluídos com comentários sobre os métodos

aplicáveis em operações financeiras e em regimes especiais – juros, intangíveis e serviços.

Serão objeto de avaliação as hipóteses de aplicação dos métodos transacionais

tradicionais e aqueles baseados no lucro, levando-se em consideração a inexistência de

transações comparáveis, a existência de propriedade intangível e a distribuição estratégica das

diversas funções desempenhadas pela empresas por diversas soberanias. Serão apresentadas

hipóteses de inaplicabilidade dos métodos tradicionais, investigando, em especial, negócios

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realizados por empresas transnacionais no âmbito global, que ensejam a aplicação dos “outros

métodos”.

Nesse contexto, serão ainda apreciados os critérios de comparabilidade – que

incluem a análise funcional (functional analysis) – para apuração dos custos e preços médios,

o problema das provas na construção dos fatos, os ajustes correlativos, bem como o chamado

“Acordo de Preços Antecipado” (Advance Pricing Arrangement – APA), sua utilidade,

vantagens e desvantagens.

Juntamente ao APA, em capítulo que trataremos das hipóteses de não aplicação de

ajustes aos preços, será abordado o tema dos Safe Harbours, ou “portos seguros”, situações

que se excluem da necessidade de controle de preços, eis que previamente definidas como

insuscetíveis de serem submetidas a quaisquer ajustes.

Analisando os estudos paradigmáticos do Sub-group of Working Party No. 6 on

Electronic Commerce da OCDE sobre o assunto, presentes no relatório E-Commerce:

Transfer pricing and business profits taxation, teremos oportunidade de apresentar o

posicionamento atual deste organismo internacional quanto a aplicabilidade dos métodos de

apuração dos preços de transferência nas operações de comércio eletrônico, o que nos

permitirá desenvolver um exame preliminar sobre a oportunidade de manter ou modificar as

regras que regulam os métodos atualmente em uso, quando desafiados por operações de e-

commerce, buscando avaliar se efetivamente, conforme concluiu o sub-group, a revolução nas

comunicações não apresentou novos ou diferentes problemas para os preços de transferência,

conquanto tenha potencial para tornar mais comuns alguns dos mais difíceis problemas

relacionados a esse tema.2

É com esse intuito que apresentamos este estudo, não exaustivo do assunto diante do

corte metodológico que se faz necessário, concentrando-nos na questão da aplicabilidade das

regras de preços de transferência e depurando contingências normativas que possam dar azo a

elisão fiscal.

2 OECD. OECD Tax Policy Studies No. 10: E-commerce: Transfer Pricing and Business Profits Taxation. p. 66. Neste sentido, Ned MAGUIRE: “A question has been raised about whether e-commerce presents new transfer pricing problems, or if it only magnifies existing issues such as the valuation of intangibles and services, and compliance with documentation and information reporting requirements”. MAGUIRE, Ned. Taxation of E-commerce: An Overview. International Tax Review (1999). p. 3-12.

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Finalizando, proporemos modelo que seja hábil para a solução dos problemas

apresentados, consolidando diversas posições doutrinárias e apresentando em destaque a que

nos pareça mais adequada, considerando a postura científica adotada conforme os estudos

desenvolvidos em nossa academia.

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1

Interesse pelo tema

1.1. Importância do tema a partir do crescimento do comércio internacional e dos

problemas de bitributação e de elisão fiscal

A partir da década de 80, o comércio internacional passou a ter uma relevância

muito superior à que até então vinha desempenhando na economia mundial, crescendo esta

importância na década de 90 e, com a chegada do novo século, atingindo taxas antes nunca

vistas.3

Conseqüência direta deste crescimento é a distribuição estratégica das operações

comerciais pelas empresas, o que, por sua vez, enseja a criação e a multiplicação de

estabelecimentos de toda a natureza (fábricas, armazéns, distribuidoras, centros de

atendimento a clientes, escritórios etc.) em diversas partes do mundo. Mais que uma

estratégia, passou a ser uma medida de sobrevivência4 a atuação das empresas em diversos

países através de filiais, subsidiárias, distribuidoras, agências, escritórios, na medida em que a

crescente globalização5 determinou tal necessidade.

Ainda como parte da estratégia, estes estabelecimentos passam a pertencer, direta ou

indiretamente, a empresas de um mesmo grupo, ou são empresas coligadas, controladoras ou

controladas, podendo-se qualificá-las como interdependentes, realizando o que se denomina

de “comércio intra-firma”6 e praticando o que se convencionou chamar de intercompanies

3 “Da importância desse fato diz bem o 2º Censo de Capitais Estrangeiros no Brasil, do ano de 2000, que aponta existirem então no Brasil 11404 empresas com mais de 10% de participação estrangeira em seu capital, das quais 9712 controladas por não residentes no país, havendo crescido a exportação intra-firma de US$ 9,1 bilhões em 1995 para US$ 21,0 bilhões no ano 2000”. TAVOLARO, Agostinho Toffoli. Preço de transferência (transfer pricing) no direito brasileiro. p. 1.4 Para Agostinho Toffoli TAVOLARO, “a internacionalização dos fenômenos econômicos que marcou o nosso século XX que ora se finda veio pressionar as empresas a buscar formas de otimização de sua produção e vendas, de modo a lhes permitir acesso e permanência a mercados que garantissem sua sobrevivência e expansão”. TAVOLARO, Agostinho Toffoli. Tributos e preços de transferência. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira. (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 30. 5 Seguindo o conceito dado por Paulo Borba CASELLA, Thelma Perez Soares CORREA e Ralph SAPOZNIK, entendemos “globalização” como “a internacionalização crescente das atividades econômicas”. CASELLA Paulo Borba. CORREA, Thelma Perez Soares. SAPOZNIK, Ralph. Preço de transferência: “Interface” entre direito interno e direito internacional. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 279.6 TAVOLARO, Agostinho Toffoli. Preço de transferência (transfer pricing) no direito brasileiro. p. 1.

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price,7 ou podem manter entre si vínculos contratuais de cooperação por questões de

interesses comuns.

A atuação em vários países, através de subsidiárias, filiais, distribuidoras, agências

ou escritórios de assistência técnica gerou a necessidade de as empresas espalharem pelo

mundo seus recursos humanos e técnicos, produtos e matérias primas, métodos

organizacionais etc. A transferência destes “insumos”, por sua vez, trouxe a necessidade de

fixação de valores (preços) para fins de se apurar se as alocações estratégicas de recursos

traziam lucros ou prejuízos para a empresa comerciante.

O contexto empresarial estratégico não buscou unicamente uma melhor distribuição

das atividades e serviços nas diversas unidades que perfazem um todo em diversas partes do

globo terrestre. Tomando-se o aspecto tributário como fator decisivo no processo de

minimização de despesas e de ampliação da lucratividade das empresas, notadamente, os

negócios passaram a ser estruturados visando a redução dos tributos ao mínimo possível,8

procurando-se evitar ainda as normas de controle cambial e de remessa de lucros,9 tornando-

se a “transferência de preços” um instrumento interessante e, porque não dizer, indispensável

para reduzir, de forma estratégica, a tributação sobre os lucros.

Em verdade, dita transferência visa serem os rendimentos das empresas tributados

em países diversos daqueles em que se situa a sua residência, em geral naqueles que

proporcionem tratamento mais benéfico, levando-as ao superfaturamento nas importações e

ao subfaturamento nas exportações.10

Diante desse quadro, tem-se que as transações entre partes relacionadas ou

submetidas a um poder de decisão centralizado, envolvendo cessão e utilização de bens

materiais ou imateriais, financiamentos, fornecimento de serviços, passaram a ser realizadas

com preços de transferência divergentes dos preços praticados sob o regime qualificado como

de “livre concorrência”, passando, tais operações, a ter relevância fiscal, eis que em sua

maioria foram estrategicamente planejadas para, direta ou indiretamente (i) gerar transferência 7 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 161.8 Idem. Ibidem. p. 161.9 TAVOLARO, Agostinho Toffoli. Preço de transferência (transfer pricing) no direito brasileiro. p. 1.10 O subfaturamento nas exportações e o superfaturamento nas importações podem ocorrer nas operações com bens materiais ou intangíveis, serviços ou direitos, juros, encargos gerais indivisíveis, dentre outros. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 161.

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de base de cálculo dos impostos incidentes sobre a renda – no Brasil, IRPJ e CSLL – de países

de maior tributação para países de menor tributação; (ii) compensar bases de cálculo negativas

(prejuízos) com positivas; (iii) reduzir a base de cálculo dos impostos “indiretos”; ou (iv)

diferir o pagamento dos tributos conforme as estratégias das empresas.11

Como bem expõe Luís Eduardo SCHOUERI,12 trata-se de matéria que interessa a

ambos os pólos da relação jurídica tributária, empresa e Poder Público. Ao primeiro, na

medida em que a fixação inadequada de preços de transferência pode distorcer os resultados

globais do grupo de empresas, podendo implicar em desvio de lucros; ao segundo, porque tal

distorção poderá implicar em super ou subfaturamento, decorrendo possível evasão na esfera

dos tributos aduaneiros e ainda lançamentos de resultados gastos, como custos, despesas ou

depreciações, maiores que o necessário ou pela não alocação ao país de resultados produzidos.

Visando coibir estas práticas propositais de aumento de custos ou redução de preços

segundo os interesses do grupo transacional de empresas, é que procuraram adotar,

inicialmente os países desenvolvidos – em movimento que se alastrou aos países “em

desenvolvimento” ou “subdesenvolvidos”13 – normas de determinação dos preços pelos quais

as operações de transferência entre partes relacionadas deverão se realizar.14

Tais normas consistem em determinações para a aplicação de métodos para controlar

as operações e ajustar os preços aos de mercado, de modo a garantir tenham sido praticados at

arm’s length. Diversos países, dentre eles Austrália, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França,

Alemanha, Itália, Japão, Coréia, México, Noruega, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos,

expediram normas especiais sobre o transfer pricing aplicáveis a todas as operações

praticadas entre contribuintes residentes e não-residentes, tendo a Argentina estabelecido

regras alcançando apenas algumas operações, ficando em outros países, na falta de disciplina

diretamente relacionada ao tema, submetido a regras antielusivas gerais ou específicas.15

Somente a partir de 1996 é que surgiram, no direito brasileiro, os veículos

introdutores das normas gerais e abstratas que primeiro vieram instituir o conceito e os

11 Neste sentido, Idem. Ibidem. p. 162.12 SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 12.13 Cf. TAVOLARO, Agostinho Toffoli. Preço de transferência (transfer pricing) no direito brasileiro. p. 1.14 Idem. Ibidem. p. 1. 15 Neste sentido, TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 165.

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deveres instrumentais aplicáveis aos preços de transferência, através da Lei n.º 9.430/96 e da

Instrução Normativa 38/97, da Secretaria da Receita Federal, sendo cediço que até o advento

destas normas o Brasil não dispunha de qualquer referência ao transfer pricing, apesar de o

principio arm’s length já estar inserido em nosso ordenamento jurídico, conforme afirma

Heleno Taveira TÔRRES.16

Tem-se por certo, entretanto, que o interesse pelo controle dos preços de

transferência surgiu da necessidade de minimizar a dupla tributação internacional sobre as

rendas das empresas, o que levou os organismos internacionais a se debruçarem em pesquisas

objetivando encontrar soluções para o problema, desde os idos da primeira metade do século

passado.

1.2. Importância do tema a partir da evolução dos meios de comunicação e da

Internet

A partir da última década, um dos aspectos que tem gerado forte impacto é o

desenvolvimento da área do comércio eletrônico, decorrente da revolução ocorrida nas

comunicações através de novas tecnologias, tendo sido reconhecido, em âmbito internacional,

que o comércio eletrônico trouxe novos e significantes problemas para as administrações

tributárias.

As novas tecnologias criaram e facilitaram oportunidades de negócios, dentre as

quais a possibilidade de sua descentralização, distribuindo-os entre empresas relacionadas ou

não, localizadas worldwide, produzindo novos desafios tanto para as empresas quanto para as

entidades tributantes a que estão sujeitas.

A partir de estudos realizados pelo seu Comitê de Assuntos Fiscais, a OCDE

manifestou, em relatório, que os desafios postos às administrações tributárias pelo comércio

eletrônico via internet são reais e que os Estados deverão desenvolver-se no sentido de

enfrentá-los em um espírito de cooperação coletiva, a partir de princípios mutuamente

acordados visando a alocação de seus direitos impositivos de tributação, o que, entretanto,

16 Idem. Ibidem. p. 166.

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poderá não obstar a redução deste poder impositivo, sendo que a inexistência de um consenso

poderá piorar ainda mais este quadro.17

Para o Comitê da OCDE, torna-se necessária a avaliação de como as normas

tributárias internas de cada Estado e os acordos internacionais podem ser aplicados frente ao

comércio eletrônico pela internet, de modo que as administrações tributárias possam decidir

quanto a necessidade e a viabilidade da criação de novos tributos incidentes sobre tais

operações.18

Diante desta perspectiva, portanto, aquilo que mais incomoda as empresas

transnacionais e as administrações tributárias em que localizados seus estabelecimentos é o

potencial que as novas tecnologias têm para tornar mais comuns os problemas mais

complexos relacionados ao transfer pricing. De acordo com o artigo intitulado E-commerce

and international transfer pricing of tangible goods and intangible assets in the twenty-first

century, publicado no International Journal of Commerce and Management, de autoria de

Wagdy M. ABDALLAH,19 as companhias transnacionais, as autoridades tributárias e as

organizações internacionais estão atualmente em uma crise na qual se encontram inaptas a

resolver os problemas criados pelo e-commerce e os preços de transferência.

Concluindo, aquela organização manifesta que “a partir deste momento, há

dificuldade em resolver questões específicas de preços de transferência sem um exame

cuidadoso e uma descrição factual dos elementos do comércio eletrônico que podem fazer

crescer questões de preços de transferência novas ou muito complexas”.20

Nada obstante, nota-se que o impacto do comércio eletrônico nos preços de

transferência não tem sido discutido na mesma extensão que outras questões tributárias em

17 Cf. OECD. OECD Tax Policy Studies No. 10: E-commerce: Transfer Pricing and Business Profits Taxation. p. 3.18 Idem. Ibidem. p. 319 ABDALLAH, Wagdy M. E-commerce and international transfer pricing of tangible goods and intangible assets in the twenty-first century. International Journal of Commerce and Management Fall-Winter, 2002. Disponível em <http://findarticles.com/p/articles/mi_go1527/is_200209/ai_n6535373>. Acesso em 02.09.2006.p. 1.20 Conforme manifestado pelo sub-group of Working Party n. 6 do Committee on Fiscal Affairs da OCDE, “at this point in time it is difficult to solve specific transfer pricing issues without a close examination and factual description of the elements of electronic commerce that may give rise to new or particularly difficult transfer pricing issues”. OECD. OECD Tax Policy Studies No. 10: E-commerce: Transfer Pricing and Business Profits Taxation. p. 3.

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18

âmbito global, ainda que esteja ocasionando inúmeros problemas às empresas transnacionais e

às autoridades fiscais, oriundos da dificuldade de aplicação dos métodos de controle.21

Exceção se faz à OCDE, que vem exaustivamente trabalhando para identificar os

diversos questionamentos que afetam os preços de transferência em transações realizadas

através do e-commerce. Em novembro de 1997, através de seu Committee on Fiscal Affairs,

aquela organização publicou relatório22 em que apresenta sugestão de aplicação de um

determinado método (Profit-Split Method) como sendo o mais adequado para as operações de

comércio eletrônico, dada a evidente dificuldade na aplicação dos demais.

De certo que o uso da internet consiste hoje em uma parte significativa dos negócios

globalizados das empresas, sendo evidente que o comércio eletrônico será o condutor do

futuro desenvolvimento das transações internacionais envolvendo todas as espécies de bens,

mercadorias e serviços.

Entretanto, o direito tributário internacional está ainda baseado em normas editadas

em cada soberania anteriormente ao surgimento do e-commerce e a força das rápidas

mudanças no mundo dos negócios internacionais através desta forma de comércio está

pressionando os Estados a adotar meios para assegurar a integridade de seus sistemas

tributários, eliminando as lacunas existentes que permitam tanto a evasão quanto a elisão

fiscais através do uso das transações de comércio eletrônico, sendo considerado que sua

natureza móvel deverá levar a um crescimento significativo de transações através de países

com tributação favorecida (tax heavens).23

Neste sentido, manifesta a OCDE:

“The use of tax havens may increase because of the facility provided by the Internet to integrate functions/people located wherever business chooses. As a country’s determination of income and expense allocation may be impeded by difficulties in obtaining pertinent data located outside its own jurisdiction, where information is not available to identify the relevant transactions and to facilitate undertakingcomparability analysis (or functional analysis) – for example where relevant

21 Neste sentido, ABDALLAH, Wagdy M. E-commerce and international transfer pricing of tangible goods and intangible assets in the twenty-first century. International Journal of Commerce and Management Fall-Winter, 2002. Disponível em <http://findarticles.com/p/articles/mi_go1527/is_200209/ai_n6535373>. Acesso em 02.09.2006. p. 1.22 OECD. Committee on Fiscal Affairs. Electronic commerce: The challenge to tax authorities and taxpayers. Turkey conference discussion paper. p. 31.23 Neste sentido, MAGUIRE, Ned. Taxation of E-commerce: An Overview. International Tax Review (1999). p. 3-12.

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19

information is located in a tax haven – the risks of double taxation of under taxation are likely to increase”.24

A OCDE aponta que, para as administrações tributárias, alguns dos principais

questionamentos referentes ao e-commerce estão relacionados com problemas de jurisdição,

identificação, informação e mecanismos de arrecadação, e que as empresas envolvidas com

operações de comércio eletrônico devem ficar atentas aos desafios que as novas tecnologias

de comunicação impõem, adaptando suas estratégias para bem atendê-los, inclusive no que se

refere ao quesito “tributação”, indispensável de ser considerado.25

Diante desta crise causada pelos problemas relacionados aos preços de transferência

nas operações de e-commerce, têm a OCDE e outras autoridades tributárias desenvolvido

estudos que vêm sendo acompanhados por cientistas de diversas disciplinas em âmbito

mundial, com o objetivo de colaborarem na solução das complicadas questões surgidas no

seio tanto das multinational enterprises quanto das autoridades fiscais.

Em anexo do relatório E-commerce: Transfer Pricing and Business Profits Taxation,

intitulado “Preliminary study of the sub-group of Working Party No.6 on e-commerce: The

communications revolution and its effects on transfer pricing”,26 editado pela OCDE,

podemos encontrar de forma expressa que o grupo de trabalho daquela organização conclui

que “o problema consiste na aplicação dos métodos de transfer pricing nas circunstancias

factuais especiais criadas pelas atividades de comércio eletrônico”, e ainda a indicação das

áreas em que o working party deve se aprofundar para bem encaminhar soluções. São elas:

i) a dificuldade em se aplicar o método transacional;

ii) a dificuldade em se estabelecer a comparabilidade;

iii) a dificuldade em aplicar os métodos transacionais tradicionais; e

iv) o tratamento tributário dos negócios integrados.

Como conclusão do trabalho realizado, o grupo de trabalho da OCDE manifesta que

torna-se difícil a solução de problemas de transfer princing específicos sem uma análise

24 OECD. OECD Tax Policy Studies No. 10: E-commerce: Transfer Pricing and Business Profits Taxation. p. 65.25 Cf. BOYLE, Michael P. PETERSON, John M.; SMAPLE, Milliam J. SCHOTTENSTEIN, Tamara L. SPRAGUE, Gary D. The emerging international tax environment for electronic commerce. Tax Management International Journal, March 29, 1999. p. 25.26 OECD. OECD Tax Policy Studies No. 10: E-commerce: Transfer Pricing and Business Profits Taxation. p. 55.

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profunda e a descrição factual dos elementos do comércio eletrônico que podem fazer surgir

novas ou particulares questões complexas neste tema. Aponta, ainda, que a adaptação dos

sistemas para a realização destes exames detalhados não pode ser demorada, tendo em vista o

rápido crescimento do comércio eletrônico e as implicações que gera para as administrações

tributárias manterem suas bases tributárias.27

Acrescenta, como sugestão final, a manutenção dos estudos de exemplos factuais,

conforme apresentados naquele relatório, em que deverão ser distinguidos os casos bem

definidos daqueles mais complexos e, alternativamente, ainda como parte do processo de

monitoramento das Guidelines, a requisição de descrições de situações que causem problemas

novos ou complexos de transfer pricing para os quais as diretrizes presentes nas Guidelines

possam ser inadequadas.28

No seio deste trabalho, nos limitaremos a indicar algumas das contingências geradas

pela introdução desta problemática no tema dos preços de transferência, na medida em que se

trata de questão nova e extremamente específica, ainda pouco explorada – estando, inclusive,

em vias de pesquisa pela própria OCDE – e por isso merecendo uma análise consistente a

partir de um estudo direcionado, ultrapassando os limites do necessário corte metodológico do

trabalho que aqui nos propomos a apresentar.

27 Cf. Idem. Ibidem. p. 55.28 Cf. Idem. Ibidem. p. 56.

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21

2

Preço de transferência:

conceito e princípio norteador

2.1. Origem do conceito e seu emprego pela doutrina nacional e internacional

O direito tributário internacional elegeu a expressão “preços de transferência” com a

conotação29 de “preços pelos quais uma empresa transfere bens materiais e intangíveis ou

presta serviços a empresas associadas”,30 assim utilizado de forma globalizada por diversos

países do mundo, em especial por aqueles membros da OCDE e outros que se utilizam de suas

regras como fonte para a elaboração de normas em suas respectivas jurisdições, como é o caso

do Brasil, eis que as disposições dos preços de transferência introduzidas no ordenamento

jurídico brasileiro foram inspiradas nos princípios e regras existentes e oriundas do modelo

daquela organização internacional.31

A doutrina nacional vem desenvolvendo, com maestria, a adequada conotação deste

conceito, assim para Heleno Taveira TÔRRES, “a expressão ‘preços de transferência’ deve

continuar a ser usada para definir a prática de alocação de receitas ou despesas, nas operações

com vendas de bens, prestação de serviços, transferência e uso de tecnologia e patentes,

mútuos, e outros, entre pessoas vinculadas, de qualquer modo relacionadas, situadas em

diferentes jurisdições”,32 adotada em linha com aquela utilizada pelo International tax

glossary, do IBFD – International Bureal of Fiscal Documentation.33

29 Gottlob FREGE foi quem distinguiu duas formas ou componentes do significado: a denotação (ou extensão) e a designação (ou intenção, conotação). Existem razões para incluirmos um objeto em uma determinada classe, que formam o critério de uso de uma palavra de classe, sendo a pedra de toque do conceito. O critério de uso de uma palavra de classe, determinante e demonstrativo do conceito correspondente, se chama conotação desta palavra. Cf. GUIBOURG, Ricardo. GHIGLIANI, Alejandro. GUARINONI, Ricardo. Introducción al conocimiento cientifico. p. 41.30 TAVOLARO, Agostinho Toffoli. Preço de transferência (transfer pricing) no direito brasileiro. p. 2.31 Na exposição de motivos do projeto de lei que introduziu normas gerais e abstratas regulando os preços de transferência (Lei n.º 9.430/96), o Ministro da Fazenda manifestou que “em conformidade com regras adotadas nos países integrantes da OCDE, são propostas normas que possibilitam o controle dos denominados ‘preços de transferência’ (...)”. Foram inspiradas, também, na legislação tributária dos Estados Unidos da América.32 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 164. 33 “O International tax glossary, do IBFD, descreve o conceito de ‘preço de transferência’ como a determinação dos preços a serem cobrados entre empresas relacionadas – particularmente pelas companhias internacionais –relativamente a transações entre vários membros de seu grupo (venda de bens, prestação de serviços,

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22

Para Alberto XAVIER, “a prática denominada de preços de transferência consiste

na política de preços que vigora nas relações internas de empresas interdependentes e que, em

virtude destas relações especiais, pode conduzir à fixação de preços artificiais, distintos dos

preços de mercado”.34

Luís Eduardo SCHOUERI, utilizando-se também do conceito presente no

International tax glossary ensina que, por preço de transferência “entende-se, na doutrina

internacional, o valor cobrado por uma empresa na venda ou transferência de bens, serviços

ou propriedade intangível, a empresa a ela relacionada. Tratando-se de preços que não se

negociaram em um mercado livre e aberto, podem eles desviar-se daqueles que teriam sido

acertados entre parceiros comerciais não relacionados, em transações comparáveis nas

mesmas circunstâncias. No direito brasileiro, a matéria dos preços de transferência estende-se

às trocas entre estabelecimentos de uma mesma empresa, situados em diferentes territórios”.35

A expressão “preço de transferência” parece ser imprópria para Agostinho Toffoli

TAVOLARO, para quem “melhor seria dizer-se apreçamento de transferência, pois o tempo

verbal na expressão inglesa (pricing) a isto conduz, pois o que se estuda sob o título são as

formas de se determinar o valor a ser atribuído à transferência”.36 Rendendo-se, no entanto, ao

conceito dado pela OECD em suas Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises

and Tax Administrations, o autor trata preço de transferência “como a determinação do preço

pelo qual uma empresa transfere bens corpóreos ou incorpóreos ou fornece serviços a

empresas a ela vinculadas”.37

transferência e uso de tecnologia e patentes, mútuos etc.). Como tais preços nem sempre são negociados livremente, os mesmos podem divergir daqueles determinados pelas forças livres de mercado, nas negociações entre partes não relacionadas”. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 163. 34 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Tributação das operações internacionais. p. 301. Os grifos são do original.35 SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 12.36 De acordo com o mesmo autor, “passa-se, então, a falar impropriamente em preço de transferência, mesmo quando compra e venda não haja, nem mesmo pagamento exista, por se tratar de empresas ligadas, vinculadas ou associadas entre si”. TAVOLARO, Agostinho Toffoli. Tributos e preços de transferência. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 31.37 De acordo com as OECD Guidelines, “Transfer Prices are prices at which an enterprise transfers physical goods and intangible property or provides services to associated enterprises”. OECD. OECD 1995 Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. Prefácio. n. 11. p. P-3. Interessante a transcrição da expressão para vários idiomas feitas pelo autor, nas seguinte passagem: “A impropriedade de se falar em ‘preço’, no entanto, não impediu a adoção hoje quase universal da expressão ‘transfer price’ nos vários idiomas, correspondendo a ela ‘prix de transfer’ em francês, ‘transferpreise’ ou ‘Verrechnungspreise’ em alemão, ‘precio de transferencia’ em castelhano, ‘prezzo di transferimento’ em italiano”. TAVOLARO,

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Trabalhando melhor com o conceito dado pelo IBFD, o autor fala em “preço a ser

considerado entre pessoas vinculadas, e, em particular, entre pessoas dentro de uma mesma

empresa multinacional para as transações realizadas entre seus membros (venda de

mercadorias, fornecimento de serviços, transferência e uso de patentes e ‘know-how’,

concessão de empréstimos etc.)”.38

É oportuna e digna de invocação a observação pontual de Heleno Taveira TÔRRES,

para quem “essa definição” – referindo-se a definição do International Tax Glossary – “como

outras, não abarca a noção de ‘preço de transferência’ com uma prévia tomada de posição

sobre a licitude ou ilicitude de sua prática, que deve ser compreendida de um modo neutro,

quer dizer, não sendo cabível confundi-la com as práticas de transferência de lucros, criadas

com a finalidade de minimizar a base de cálculo do imposto sobre a renda nos países de maior

pressão fiscal e, ao mesmo tempo, concentrar a formação de lucros em países com regimes

tributários privilegiados, de menor custo fiscal, ou qualquer outra forma de ato ilícito ou

elusivo”.39

O mesmo ilustre Professor consigna ainda que, “como salientou a OCDE, no seu

Relatório de 1979, o termo ‘preço de transferência’ é neutro, de tal modo que considerações

sobre suas problemáticas não se deve confundir com as questões de fraude, elusão fiscal

internacional ou de transferência ilícita de lucros, mesmo sendo um meio muito adequado

para a concretização dessas hipóteses”.40

De modo que concordamos em não haver sustentação para a definição dada por

Hermes Marcelo HUCK, para quem preço de transferência “é o preço de um produto (ou

serviço) manipulado para mais ou para menos nas operações de compra e venda

internacionais, quando um mesmo agente é capaz de controlar ambas as pontas da operação,

Agostinho Toffoli. Tributos e preços de transferência. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 31.38 Idem. Ibidem. p. 31.39 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 163; e conforme as Guidelines da OCDE, em seu parágrafo 1.2: “The consideration of transfer pricing should not be confused with the consideration of problems of tax fraud or tax avoidance, even though transfer pricing policies may be used for such purposes”. OECD. OECD 1995 Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. I-1.40 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 164.

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tanto a vendedora como a compradora. Por força dessa operação, transfere-se para paraísos

fiscais – ou para locais onde a tributação será menor – os lucros da operação”.41

Assim também em relação ao conceito dado por Alberto XAVIER, ao dizer que “a

figura da transferência indireta de lucros (transfer pricing), pressupõe uma divergência entre

o preço efetivamente estipulado e o preço “justo”, “normal” ou objetivo, entendendo-se por

este o que seria fixado entre empresas independentes, atuando em circunstâncias análogas

(arm’s length price) (a chamada cláusula dealing at arm’s length)”.42

Ricardo Mariz de OLIVEIRA, para conceituar em breves palavras preço de

transferência, diz que “ele resulta do estabelecimento de um valor específico e favorecido, em

negócio entre pessoas vinculadas, através do qual se transferem lucros de uma para outra,

sendo ambas as partes integrantes de um mesmo conglomerado empresarial”,43 na mesma

trilha seguida por Alberto XAVIER e Hermes Marcelo HUCK.

Parece-nos mais adequado tratar o conceito de preço de transferência como sendo

aquele “neutro”, ou seja, destituído de qualquer adjetivo que possa lhe atribuir uma

qualificação positiva ou negativa, antes, portanto, de um juízo de valor inclusive quanto a

licitude de sua utilização. Em síntese, podemos tomá-lo como o valor legalmente admitido

pela autoridade fiscal como sendo aquele praticável entre empresas interdependentes, para

fins de dedução do custo nas importações ou admissibilidade como receita de exportação nas

operações que envolvam bens, direitos, serviços e juros praticados entre pessoas vinculadas,

residentes e domiciliadas em diferentes jurisdições fiscais ou ainda que não vinculadas, uma

delas esteja localizada em país ou dependência considerado como de “tributação favorecida”

(tax heaven jurisdiction) ou que oponha sigilo societário.

Ana Cláudia Akie UTUMI segue a mesma linha de entendimento, para quem “(...)

não necessariamente esses preços de transferência devem estar fora dos parâmetros de

mercado. Na medida em que as empresas relacionadas adotem como política de preços

41 HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e elisão: rotas nacionais e internacionais do planejamento tributário. p. 291.42 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Tributação das operações internacionais. p. 301. Os grifos são do original.43 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Preços de transferência – o método do Custo mais Lucro – o conceito de custo – o método do Custo mais Lucro e as indústrias de alta tecnologia – como conciliar dispêndios intensivos, com pesquisas e desenvolvimento, com esse método. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 295.

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aqueles determinados pelo mercado, assim entendidos os preços que seriam – ou são –

negociados com terceiros, sem qualquer vínculo, os preços de transferência podem se

coadunar com o preço de livre mercado”.44

2.2. O princípio que norteia o regramento dos preços de transferência: arm’s length

Na linha da exposição de motivos do projeto da lei que introduziu em nosso

ordenamento as regras dirigidas ao controle dos preços de transferência, temos que a razão

deste controle vem fundada na expectativa de as administrações tributárias terem meios de

evitar práticas lesivas45 aos interesses financeiros dos países a que pertencem, para impedir ou

quando menos minimizar a transferência de resultados para o exterior, através de

manipulações46 artificiais de preços pactuados em operações de importação ou exportação de

mercadorias, serviços e direitos, com pessoas vinculadas.

É certo que os Estados têm a intenção de legitimamente proteger a atrofia artificial

de suas receitas fiscais, para o que ditam regras visando inibir a prática de preços

estrategicamente influenciados por relações intra-grupo. Esse ideal tem como pano de fundo a

aplicação do princípio arm’s length, pelo qual se tem o preço que seria estipulado ou

normalmente praticado entre duas partes independentes, sem qualquer vinculação entre si,

44 UTUMI, Ana Cláudia Akie. Preços de transferência no direito brasileiro. Dissertação de mestrado. PUC –2000. p. 71.45 Luciana Rosanova GALHARDO manifesta que “andou mal o legislador quando adotou tais regras no pressuposto de se evitar a ‘prática lesiva’ aos interesses nacionais de transferência de resultados para o exterior mediante a ‘manipulação’ dos preços em operações com empresas vinculadas” por entender que, “se o legislador partiu do pressuposto de que a legislação foi editada para evitar fraudes e evasão fiscal, isso não deve ser usado como um prejulgamento de que todas as operações realizadas com empresas vinculadas o sejam”. GALHARDO, Luciana Rosanova. Preços de Transferência – Limites a fiscalização. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 246. Ousamos discordar desse raciocínio, eis que a “prática lesiva” a que se refere a exposição de motivos pode decorrer não somente de fraudes e evasão fiscal, mas também de outros artifícios não necessariamente ilícitos. A Autora manifesta também que a Lei n.º 9.430/96 não alcança questões pertinentes a fraude ou práticas lesivas. Idem. p. 247. Por entendermos que o conteúdo semântico do vocábulo “lesivas”, referido na exposição de motivos da lei, abriga serem as práticas unicamente prejudiciais aos interesses públicos, sem um pré-julgamento de serem ou não ilícitas, concluímos pelo acerto do legislador quando o utiliza. Pelas mesmas razões entendemos, ao contrário da Autora, que as regras introduzidas pela Lei n.º 9.430/96 estão tratando desta questão.46 De acordo com as diretrizes da OCDE, no parágrafo 1.2, os administradores de impostos não devem assumir automaticamente que as empresas associadas procuram manipular seus lucros. Pode existir uma dificuldade legítima em determinar com precisão o preço de mercado, na ausência de forças de mercado ou adotar uma estratégia comercial específica. Em sua redação original, prescreve o parágrafo: “Tax administrations should not automatically assume that associated enterprises have sought to manipulate their profits. There may be a genuine difficulty in accurately determining a market price in the absence of market forces or when adopting a particular commercial strategy”. OECD. OECD 1995 Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. I-1.

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correspondente ao preço objetivo, de mercado ou de livre concorrência, sob condições

análogas.47

Não destoando do conceito, mas lhe atribuindo as mais diversas denominações, a

doutrina nacional vem trabalhando na semântica do princípio arm’s length. André Martins de

ANDRADE prefere o termo “princípio das transações comutativas”,48 optando Brandão

MACHADO49 por “princípio de não-favoritismo” e Paulo Ayres BARRETO50 por “regra de

não-favoritismo”, distinguindo regra de princípio, por entender mais adequada a acepção de

regra como norma em sentido lato, reservando a locução “princípios” para “enunciados

prescritivos, dotados de elevada carga axiológica, que informam a produção legislativa

(normas de estrutura) e a compostura das normas jurídicas reguladoras de condutas

intersubjetivas”, sendo que suas significações “compõem, conformam, a norma jurídica em

sentido estrito”.51 Elen Peixoto ORSINI denomina de “princípio do preço sem

interferência”.52

Eduardo A. BAISTROCCHI trata-o como um “padrão” e não como uma regra (rule)

ou princípio. Sua definição trata de forma bem completa daquilo que denominamos de

“princípio de livre-concorrência”:

“The arm’s-length standard predicates that tax jurisdiction over international income produced by associated enterprises is allocated among countries on the basis of how comparable nonassociated enterprises would allocate their income in comparable scenarios. If the arm’s-length standard is not met in a given case, tax

47 Neste sentido, XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Tributação das operações internacionais. p. 303. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 164. TAVOLARO, Agostinho Toffoli. Preço de transferência (transfer pricing) no direito brasileiro. p. 6. 48 ANDRADE, André Martins de. Uma crítica e uma proposição alternativa ao regime legal brasileiro do “transfer price”. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 53.49 Brandão MACHADO utilizou-se de tal expressão na tradução para o vernáculo de estudo de Richard M. HAMMER. MACHADO, Brandão. Fixação do preço para transferência de mercadorias em face do código de impostos dos Estados Unidos. Princípios tributários no direito brasileiro e comparado. In: TAVOLARO, Agostinho Toffoli. MACHADO, Brandão. MARTINS, Ives Gandra da Silva (coords.). Estudos jurídicos em homenagem a Gilberto de Ulhoa Canto. p. 605.50 BARRETO, Paulo Ayres. Imposto sobre a renda e preços de transferência. p. 102.51 Idem. Ibidem. p. 3452 ORSINI, Elen Peixoto. O princípio “arm’s length” e a legislação interna brasileira. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira. (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 121. Manifesta a Ilustre Auditora Fiscal do Tesouro Nacional que nada obstante a legislação brasileira ter se baseado neste princípio, “teve que fazer adaptações à realidade local, de forma que fosse possível a aplicação dos métodos, sem alterar a estrutura jurídica constitucional, criando fórmulas matemáticas e técnicas de controle, com o objetivo de obter resultados o mais próximo possível dos obtidos com os preços efetivos”. Idem. p. 122.

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authorities are granted the power to adjust the transfer pricing of associated enterprises to make it consistent with the arm’s-length standard”.53

Referido princípio corresponde, para Heleno Taveira TÔRRES, ao preço de mercado

ou de livre concorrência, “preço parâmetro” ou ainda “preço de referência”,54 como aquele

normalmente praticado entre empresas independentes, em condições equivalentes,

denominando-o, juntamente com Ana Claudia Akie UTUMI,55 de “princípio da livre

concorrência” o qual, como dito, também adotamos.

Para Ricardo Mariz de OLIVEIRA, “um preço é ‘arm’s length’ quando corresponder

ao preço de livre mercado, de livre concorrência, ou melhor, ao preço que as partes

praticariam se fossem independentes e atuassem nesse mercado”,56 utilizando-se, deste modo,

do significado dado pelo “Black’s Law Dictionary” (Abridged Fifth Edition), que trata uma

transação realizada de acordo com o princípio referido como sendo aquela negociada por

partes não relacionadas, cada uma atuando em seu próprio interesse, um padrão que estas

partes devem se utilizar ao realizar uma transação particular, consignando ainda, ser a base

para a determinação de um valor de mercado justo.57

Aplicando-se uma tradução literal para o vernáculo, arm’s length significa “à

distancia de um braço”, assim como é utilizado nos Estados Unidos, fundamentado na Seção

482 do IRC (Internal Revenue Code) que dispõe que “na determinação da verdadeira renda

53 BAISTROCCHI, Eduardo A. Transfer pricing in the 21st century: a proposal for both developed and developing countries. Latin American and Caribbean Law and Economics Association (ALACDE) Annual Papers (University of California, Berkeley). Year 2005. Paper 20. p. 4. Disponível em <http://repositories.cdlib.org/cgi/viewcontent.cgi?article=1019&context=bple>. Acesso em 23.12.2006. O autor avalia o “arm’s length standard” como “a structural element of the International Tax Regime which has failed to solve the strategic problem of apportionment of cross-border business income”. 54 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 184.55 TÔRRES, Heleno Taveira. UTUMI, Ana Claudia Akie. O controle fiscal dos preços de transferência e os meios de prova admitidos para a definição de preços e custos médios. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 170.56 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Preços de transferência – o método do Custo mais Lucro – o conceito de custo – o método do Custo mais Lucro e as indústrias de alta tecnologia – como conciliar dispêndios intensivos, com pesquisas e desenvolvimento, com esse método. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 301.57 “Arm’s length transaction. Said of a transaction negotiated by unrelated parties, each acting in his or her own self interest; the basis for a fair market value determination. Commonly applied in areas of taxation when there are dealings between related corporation, e. g. parent and subsidiary. The standard under which unrelated parties, each acting in his or her own interest, would carry out a particular transaction”. “Black’s Law Dictionary” (Abridged Fifth Edition). p. 57, conforme citado por Ricardo Mariz de OLIVEIRA. Idem. Ibidem. p. 302

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tributável de um contribuinte sob controle, o padrão a ser aplicado em qualquer caso é o do

contribuinte que negocia à distancia de um braço com um contribuinte não controlado”.58

Destarte, uma vez identificada uma operação entre partes relacionadas que não

respeite tal principio, ou seja, desde que se verifique divergência entre o preço praticado e

aquele de livre concorrência, entram em cena os métodos eleitos pela legislação destinados à

manutenção da aplicação do princípio, exercendo, a Administração Tributária, o controle

sobre os preços de transferência com objetivos fiscais e extrafiscais.59

Aplicados os métodos – cuja finalidade é indicar o preço médio, de referência, a ser

praticado nas relações entre partes interdependentes –, com os respectivos critérios de ajuste,

do resultado encontrado, em havendo divergência em relação àquele arm’s length, poderá

decorrer uma retificação dos preços e da respectiva contabilidade, para mais ou para menos,

tudo com o propósito de aproximar os preços considerados na apuração do lucro daqueles de

mercado, formados em uma transação entre sujeitos independentes, em condições de livre

concorrência.60

Tais métodos, por sua vez, são de livre escolha do contribuinte, podendo este se

utilizar daquele que lhe for mais favorável, assim como permite a sistemática adotada pela

legislação brasileira.61

58 Cf. Reg. § 1.482-1 (b) (1), citado por SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 32.59 Para Heleno Taveira TÔRRES, tais métodos são aplicados “como garantia de interesses fiscais (recompondo a base de cálculo dos impostos) e extrafiscais (efetivando o princípio de livre concorrência)”. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 165.60 Nesse sentido, idem. Ibidem. p. 165.61 Ao contrário da valoração aduaneira, “na qual há uma ordem seqüencial na aplicação dos métodos, não tendo o contribuinte a liberdade de escolher o que mais lhe convém, fora da ordem legal”. SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 14. O autor esclarece que, na valoração aduaneira, o enfoque é valor do produto, objetivo; nos preços de transferência, o enfoque é subjetivo, eis que a pesquisa visa identificar se houve vantagem ou desvantagem no negócio para as partes envolvidas, implicando desvio de lucros. Idem. Ibidem. Para Heleno Taveira TÔRRES “as regras constantes do Acordo de Valoração Aduaneira são mais flexíveis, à medida que a simples vinculação entre exportador e importador não representa, necessariamente, a afetação no preço da mercadoria, bem como é dado ao importador maiores oportunidades de demonstrar as razões de divergência de preços que se apresenta”. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 238. Ainda sobre a relação entre preços de transferência e valoração aduaneira, vide NETO, Miguel Hilu. Preços de transferência e valor aduaneiro – a questão da vinculação à luz dos princípios tributários. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira. (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 257-276.

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2.2.1. O “arm’s length” como limite objetivo

Faz-se importante a classificação do princípio arm’s length como valor ou como

limite objetivo. Para tanto, necessária a apreensão dos conceitos de principio, valor e limite

objetivo.

As normas vêm sempre impregnadas de valor, componente axiológico que

experimenta variações de intensidade de norma para norma. Os valores vêm fortemente

carregados e podem exercer significativa influência sobre as demais porções do conjunto,

informando o vetor de compreensão de múltiplos segmentos. Conforme preleciona o Prof.

Paulo de Barros CARVALHO,62 são, neste sentido, “princípios”.

O ilustre professor nos esclarece que tal termo também serve para apontar normas

que fixam importantes critérios objetivos e para significar o próprio valor, independentemente

da estrutura a que está agregado e do limite objetivo sem a consideração da norma, de modo

que pode assumir as seguintes acepções: a) como norma jurídica de posição privilegiada e

portadora de valor expressivo; b) como norma jurídica de posição privilegiada que estipula

limites objetivos; c) como os valores insertos em regras jurídicas de posição privilegiada, mas

considerados independentemente das estruturas normativas e d) como o limite objetivo

estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar em conta a estrutura da

norma. Nos dois primeiros toma-se “princípio” como “norma” e nos dois últimos como

“valor” ou como “critério objetivo”.63

Valores e limites objetivos não se confundem. Os limites objetivos são postos para

atingir certas metas, certos fins, que, por sua vez, assumem o porte de valores. Os limites não

são valores considerados em si mesmos, mas voltam-se para realizá-los, de forma indireta,

mediata.

Na pragmática da comunicação jurídica é fácil perceber-se os limites objetivos e

comprová-los, o mesmo não se dizendo quanto aos valores, do que se pode concluir ser o

princípio arm’s length um limite objetivo, já que dispensa qualquer recurso a axiologia para

bem compreendê-lo, voltado, isto sim, a realização de valores mediatamente, como o da livre

concorrência e da livre iniciativa, no campo das relações mercantis, e da capacidade 62 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 15. ed. p. 144.63 Idem. Ibidem. p. 144.

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contributiva, no âmbito do direito tributário. Conforme o Prof. Heleno Taveira TÔRRES,

“mesmo não sendo admitido como um princípio que realiza um valor específico, não deixa o

arm’s length de ser forma de garantia a direitos fundamentais, um modo de efetivar outros

princípios, estes sim, que concentram em si uma intensa carga axiológica”.64

Deste modo, ao buscar atingir o princípio valor da capacidade contributiva, o

princípio limite-objetivo arm’s length age para resgatar a efetiva capacidade econômica

omitida quando da manipulação dos preços pelas partes relacionadas, através de sub ou

superfaturamento, e oferecer a tributação os valores correspondentes, consagrando, assim,

outro princípio da tributação, qual seja o da generalidade, que impõe deva o Imposto de

Renda alcançar todas as pessoas até o limite da respectiva capacidade contributiva, sem

distinções ou privilégios.

Tal premissa, inerente ao princípio arm’s length, não tem sua aplicação

exclusivamente no direito brasileiro, mas, ao contrário, encontra paradigma internacional, já

que as Guidelines65 da OCDE manifestam que o Estado, ao propor um ajuste na determinação

do preço de transferência, tem o ônus de demonstrar que o ajuste é consistente com o

princípio arm’s length e, conforme interpreta Heleno Taveira TÔRRES, ser consistente “é

servir como forma de realização dos princípios norteadores da tributação, e particularmente o

princípio de capacidade contributiva”.66

2.2.2. A crise do princípio arm’s length: sua eventual inconsistência em nível

mundial e possível inconstitucionalidade perante o direito brasileiro – o problema

das presunções

O princípio arm’s length vem sendo tratado pela doutrina como verdadeiramente

válido para orientar as regras de transfer pricing, em que pese haja diversas posições 64 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 195.65 Cf. o parágrafo 17 do prefácio: “The Commentary on paragraph 2 of Article 9 of the OECD Model Tax Convention makes clear that the State from which a corresponding adjustment is requested should comply with the request only if that State ‘considers that the figure of adjusted profits correctly reflects what the profits would have been if the transactions had been at arm's length’. This means that in competent authority proceedings the State that has proposed the primary adjustment bears the burden of demonstrating to the other State that the adjustment "is justified both in principle and as regards the amount”. OECD. OECD 1995 Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. Preface. p. P-5.66 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 200.

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criticando sua potencialidade para representar a única forma de se chegar ao preço parâmetro,

que, pela quantidade, não se pode dizer sejam isoladas.

Paralelamente, importantes considerações vêm sendo feitas, sobretudo pela doutrina

brasileira, em relação ao aspecto de sua constitucionalidade e de sua qualificação como

princípio. A doutrina estrangeira também não está plenamente satisfeita com o cenário atual

em que vem sendo invocado tal princípio, havendo quem defenda inclusive a inidoneidade de

sua utilização.

2.2.2.1. Da inconsistência do princípio em nível mundial – A doutrina de Gemma

Sala GALVAÑ,67 apresenta um resumo das críticas recorrentes ao princípio arm’s length, no

seguinte sentido: o princípio se baseia na premissa de que devem ser, as operações, realizadas

a partir de preços equivalentes àqueles praticados entre empresas independentes, no entanto,

as empresas estrategicamente se organizam de forma vinculada tendo como um de seus

objetivos obterem benefícios decorrentes desta vinculação, por isso, não tratam seus membros

como se fossem independentes; e que o valor de mercado, tido como paramétrico, não é a

regra no comércio internacional, eis que 60% da circulação mundial de bens e serviços ocorre

entre empresas e grupos transacionais.

Outra crítica apresentada consiste na morosidade do procedimento destinado a

apuração do preço parâmetro e sua comparação com o preço praticado na operação

controlada, bem como na discussão travada entre fisco e o contribuinte, na medida em que a

documentação geralmente exigida para o confronto de preços não é de fácil obtenção. Devido

ainda ao alto teor de subjetividade a que são inerentes os métodos de controle, a adoção do

princípio pode gerar uma certa insegurança jurídica, por sempre haver a possibilidade de as

partes envolvidas na operação de controle (fisco e contribuinte) chegarem a resultados

diversos.

Finalmente, a autora aponta como crítica o fato de que ao princípio arm’s length

deve ser dada uma significação mais ampla, a partir do momento em que se tornou necessária

67 GALVAÑ, Gemma Sala. Los precios de transferencia internacionales. Su tratamiento tributario. p. 130 apudZUCHETTO, Aline. O controle e o ajuste dos preços de transferência na importação e exportação veiculados pela legislação brasileira. Dissertação de Mestrado. PUC – 2004. p. 52.

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a criação de outros métodos, não dependentes estritamente da comparabilidade das transações,

para a válida apuração do preço parâmetro.

Crítica bastante contundente está relacionada à configuração do princípio arm’s

length como regra (rule) ou apenas como um padrão (standard), o que prejudica sobremaneira

sua aplicação, dependendo do sistema jurídico ao qual está submetido, conforme nos

apresenta Eduardo A. BAISTROCCHI68.

O professor argentino aponta que uma questão recorrente relacionada ao modo como

os comandos legais devem ser formulados em um sistema jurídico envolve a questão de se

saber se estes devem tomar a forma de regras ou padrões, consistindo, a opção política que é o

núcleo desta questão, em estabelecer se o conteúdo da lei deve ser determinado e declarado

previamente em uma norma ou deixado a critério de um arbitro ou julgador, tomando a forma

de mero padrão.

O ilustre professor defende tal questão como sendo relevante em matéria de preços

de transferência por considerar o arm’s length principle um padrão, eis que sua definição

precisa somente pode ser obtida via adjudicação.69 Tal fato o tornaria inaplicável, a menos

que o sistema jurídico no qual operasse estivesse preparado para produzir a chamada case

law, ou algo funcionalmente equivalente, que pudesse servir de parâmetro aos contribuintes

em relação ao modo em que se espera que se comportem em matéria de controle de preços.

Neste sentido, segundo ainda o autor, tanto o conceito de empresas associadas,

quanto o próprio conceito do princípio arm’s length, em sendo considerados meros padrões,

não possuem uma significação ex ante, dependendo-se, para se estabelecer seus conceitos

68 BAISTROCCHI, Eduardo A. Transfer pricing in the 21st century: a proposal for both developed and developing countries. Latin American and Caribbean Law and Economics Association (ALACDE) Annual Papers (University of California, Berkeley). Year 2005. Paper 20. p. 4. Disponível em <http:// repositories.cdlib.org/cgi/viewcontent.cgi?article=1019&context=bple>. Acesso em 23.12.2006.69 O que, para o autor, é uma característica do próprio Modelo OCDE, conforme expõe: “The OECD model is largely based on a web of standards (rather than rules) whose precise meaning is determined ex post on a case-by- case basis. In effect, key norms of the OECD model do not have precise meaning before the taxpayer acts (rules); rather, their precise meaning is provided after the taxpayer acts (standards) via adjudication. The central role of the OECD model web of standards is to enforce some structural fiction”. BAISTROCCHI, Eduardo A. Transfer pricing in the 21st century: a proposal for both developed and developing countries. Latin American and Caribbean Law and Economics Association (ALACDE) Annual Papers (University of California, Berkeley). Year 2005. Paper 20. p. 3. Disponível em <http://repositories.cdlib.org/cgi/viewcontent.cgi?article=1019&context=bple>. Acesso em 23.12.2006.

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precisos, de decisões judiciais que lhe sirvam de parâmetro, ao que se demomina case law.70

Na ausência de casos que sirvam de parâmetro para tais definições, estas ficariam

prejudicadas.

Tal aspecto pode ser considerado como um dos motivos em razão dos quais o

princípio arm’s length remanesce largamente incerto perante os países em desenvolvimento,

tomando como exemplo, o professor argentino, sua própria pátria. Considerando que nos

países em desenvolvimento, a case law não encontra a relevância assumida nos países

desenvolvidos, o que por sua vez tem origem na instabilidade política e no pouco poder

impositivo da lei naqueles países, aduz:

“Developing countries’ case law has less relevance in predicting courts’ decisions than is usually the case in the developed world. Weak rule of law and political instability are the main reasons for this. For example, the members of the Argentine Supreme Court have been removed en masse eight times between 1946 and 2004, leading to sudden changes in the Argentine transfer pricing case law. Hence, the lack of relatively stable case law implies that the precise meaning of the international tax regime’s standard-based norms, such as the arm’s-length approach, remains largely uncertain in the developing world”.71

O autor ainda observa que também os países desenvolvidos, baseados que estão no

case law, vêm enfrentando problemas na aplicação do padrão arm’s length desde a década de

70, em razão do surgimento dos Advance Pricing Arrangements (APAs), que tornaram

escassos os litígios envolvendo preços de transferência, o que prejudica, sobremodo, o

trabalho de interpretação do padrão e consequentemente a adoção de uma definição que seja

coerente com os fins que pretende atingir.

Em prejuízo ainda à plena aplicação do princípio, é citado pelo professor argentino o

fato que os case law disponíveis podem não representar efetivamente aquilo que seria uma

70 Case law é definido na doutrina americana como sendo a lei feita pelas cortes interpretando casos e leis, diferentemente da lei elaborada pelos legisladores. Neste sentido, em dependendo, o princípio arm’s length, de uma prévia interpretação, por não ter recebido, ex ante, um conceito legal imposto através de uma regra (rule), somente diante da existência de julgados suficientes a lhe darem a indispensável interpretação é que poderia ser aplicado de forma consistente. Diante da ausência de julgados, prejudicada fica a atribuição de uma definição certa para o princípio. Conforme a definição adotada nas cortes do estado americano de Utah case law pode ser assim definida: “The law made by courts interpreting cases and laws as opposed to law made by legislatures. In the American system, the primary sources of law are 1) constitutions, 2) statutes/regulations, and 3) case law”. Disponível em <http://www.utcourts.gov/resources/glossary.htm>. Acesso em 03/03/2007.71 BAISTROCCHI, Eduardo A. Transfer pricing in the 21st century: a proposal for both developed and developing countries. Latin American and Caribbean Law and Economics Association (ALACDE) Annual Papers (University of California, Berkeley). Year 2005. Paper 20. p. 4. Disponível em <http://repositories.cdlib.org/cgi/viewcontent.cgi?article=1019&context=bple>. Acesso em 23.12.2006.

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decisão futura sobre a matéria pelos tribunais, dado o fato de serem as operações

extremamente específicas, aliado a possível indisponibilidade de operações comparáveis.

O ilustre professor manifesta seu entendimento que, por um número de razões, tanto

os países desenvolvidos quanto os países em desenvolvimento estão enfrentando o mesmo

problema, já que o significado do padrão arm’s length é largamente incerto por causa da

ausência de case law e, conseqüentemente, por não estar apto a fornecer aos contribuintes de

forma clara de que modo se espera se comportem no sistema jurídico em que operam, o que

explica a crise mundial por que passa o arm’s length standard.72

A experiência argentina no trato do transfer pricing fez com que Eduardo A.

BAISTROCCHI73 concluísse no seguinte aspecto: em um contexto politicamente instável, as

normas baseadas em regras (rule-based norms) são menos voláteis que as normas baseadas

em padrões em relação aos preços de transferência, em razão de provavelmente tais normas

tenderem a ser reconhecidas como ideologicamente neutras pelos participantes. Cita como

exemplo uma norma (rule-based) introduzida em 1942 na Argentina para impedir abusos nos

preços de transferência na exportação e importação de produtos agrícolas, que não sofreu

grandes modificações por 61 anos, ainda diante de um contexto político instável, eis que a

Argentina sofreu cinco revoluções entre 1942 a 2003.

Finalizando, o professor argentino apresenta uma proposta para solucionar os

problemas estruturais enfrentados pelo padrão arm’s length tanto nos países desenvolvidos

quanto naqueles em desenvolvimento, consistente em sua implementação através de um

sistema de normas baseadas em presunções (rule-based presumptions), ao que denomina

“regime legal principal” (“the principal legal regime”), devendo ainda ser disponibilizada a

opção de o contribuinte optar pelo uso das regras dispostas nas Guidelines da OCDE como

um regime legal padrão, imposto através de um Advance Pricing Arrangement (APA), o qual,

72 Cf. Idem. Ibidem. p. 8. O autor explica que uma conseqüência negativa da crise foi o surgimento de diversos litígios envolvendo preços de transferência tanto nos países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento, a partir do início do século XXI: “As an unfortunate product of the arm’s-length standard crisis, a wave of massive transfer pricing litigation has emerged in both the developed and developing worlds since the beginning of the 21st century. For example, GlaxoSmithKline, a British pharmaceutical giant, filed suit against the U.S. Internal Revenue Service early in 2004. With US $5 billion at stake, the largest transfer pricing litigation in world history began. The outcome of that case is unpredictable because, for the reasons stated above [referindo-se à ausência de case law], the precise meaning of the arm’s-length standard is unknown”. Idem. Ibidem. p. 8.73 Idem. Ibidem. p. 8.

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em sendo estabelecido entre fisco e contribuinte, não estará sujeito a qualquer modificação

posterior, seja ela administrativa ou judicial.74

2.2.2.2. Da possível inconstitucionalidade perante o direito brasileiro – o problema

das presunções – A proposta inicial do professor argentino parece-nos exatamente aquilo que

ocorre em nosso sistema jurídico: o estabelecimento de uma série de presunções legais, aptas

a tornarem conhecido o verdadeiro preço parâmetro, através das definições legais levadas a

efeito pela Lei n.º 9.430/96 e dos métodos também estabelecidos por aquela norma geral e

abstrata. No que concerne a segunda proposta, sua aplicabilidade pode ou não estar

prejudicada, conforme exporemos mais adiante neste trabalho.

Nada obstante, a doutrina brasileira não tem aceitado, à unanimidade, ter sido o

princípio arm’s length validamente introduzido em nosso sistema.

Como manifesta Paulo Ayres BARRETO,75 não houve a adoção da regra do não

favoritismo ou padrão arm’s length no direito brasileiro. Neste sentido, o autor esclarece:

“Nos termos em que plasmadas estão as normas que regulam os preços de transferência, da comparação entre os preços pactuados e aqueles apurados mediante aplicação dos métodos positivados, obtém-se não o preço que teria sido acordado entre partes não relacionadas, mas um outro preço influenciado pelos critérios definidos na própria lei, os quais, longe de identificar um preço sem interferência, levam a um outro valor, que pode ser significativamente superior ou inferior ao de mercado, dando ensejo a ajustes que distorcem a base calculada do imposto sobre a renda, infirmando a materialidade do fato jurídico previsto no antecedente da norma geral e abstrata”.76

O autor ainda justifica seu posicionamento diante do fato de não haver, na lei que

introduziu o conceito e os métodos aplicáveis para a apuração do preço at arm’s length, a

positivação da autorização para utilizar-se de um quarto método ou ainda de outros métodos,

baseados em fatos e circunstâncias, além daqueles previstos. De modo que, diante da

impossibilidade de aplicação de qualquer um dos métodos, resultará inevitavelmente em um

74 Segundo o autor, a proposta foi elaborada em termos de facilitar sua inserção ao art. 9º do Modelo OCDE. Utilizou-se, para tanto, da seguinte redação: “Contracting states can implement the arm’s-length standard via a system of rule-based presumptions (the principal legal regime). The principal legal regime shall be so that the result shall be in accordance with the principles contained in this article”. Na seqüência, apresenta a possibilidade de ser estabelecido um Advance Pricing Arrangement como uma forma alternativa de ser refletido o princípio arm’s length. Idem. Ibidem. p. 9.75 BARRETO, Paulo Ayres. Imposto sobre a renda e preços de transferência. p. 153.76 Idem. Ibidem. p. 153.

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ajuste na base calculada, por não haver meios de se comprovar o não favorecimento através

de outros fatos e circunstâncias.77

A predeterminação de margens de lucro pelo direito positivo brasileiro também

seria, ao ver do autor, um empecilho para a caracterização do princípio em nosso sistema, por

se tratarem de ficções, presunções legais absolutas e mistas, o que evidencia um afastamento

da regra do não favoritismo, por estar o legislador buscando não apenas a identificação do

preço parâmetro, mas a tributação de um lucro mínimo ou a glosa de despesas dedutíveis.78

O autor manifesta que o regramento existente anteriormente a introdução dos

métodos pela Lei n.º 9.430/96 mais se aproximava do princípio arm’s length. Trata-se da

prescrição normativa destinada e evitar a elisão fiscal através da distribuição disfarçada de

lucros, nas quais “inexistem referências a preços médios, apurados durante o ano-base,

margens de lucro prefixadas, limitação de provas e, o que é mais importante, consentânea com

os princípios que norteiam o subsistema constitucional tributário”,79 ao contrário daquela

prevista na lei mais recente, em que se procurou estabelecer a tributação de um lucro mínimo,

recorrendo a ficções e presunções legais absolutas e mistas.

Lionel Pimentel NOBRE80 indica haver ter sido feito, pelo Business and Industry

Advisory Committee (BIAC), órgão consultivo interno da OCDE, algumas críticas às regras

brasileiras de apuração do transfer pricing, contrariando o texto da exposição de motivos da

Lei n.º 9.430/96, que a princípio pretende fazer crer haver-se positivado o princípio arm’s

length em nosso sistema.

Os comentários feitos por aquele órgão de consulta da OCDE, os quais tomamos a

liberdade de traduzir (livremente) para o vernáculo, foram relacionados pelo autor em sua

obra, conforme o excerto abaixo, dela extraído:

“1. Já na introdução dos comentários o BIAC estabelece que: ‘BIAC considera ser a nova lei sobre preços de transferência uma das mais importantes e, ao mesmo tempo, a que, no presente, pode apresentar desenvolvimentos no Brasil’;

77 Cf. Idem. Ibidem. p. 154.78 Cf. Idem. Ibidem. p. 155.79 Cf. Idem. Ibidem. p. 155. Sobre a relação do princípio arm’s length com os princípios constitucionais tributários, v. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 190.80 Cf. NOBRE, Lionel Pimentel. O comércio internacional, as empresas transnacionais e o controle da transferência de preços (transfer pricing) no Brasil. Dissertação de Mestrado. PUC – 2000. p. 194.

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2. Continuam os comentários: ‘Não obstante os métodos mencionados nestas novas regras parecerem inspirados nas diretrizes da OCDE para o controle dos preços de transferência (CUP, cost plus e market minus), eles estão longe de serem compatíveis com os conceitos internacionais (OCDE) sobre as regras para a determinação e aplicação do princípio arm’s length’.

3. O BIAC aponta as principais fraquezas das regras como sendo:

(a) o arm’s length standard não é definido de forma consistente ou uniforme, mas sim dependente da forma das transações (art. 18, § 3º e art. 19, § 8º);

(b) ajustes aos preços comparados não são previstos, pois decorrem de médias;

(c) com exceção do PIC e PVEx, os diversos métodos para importações ou exportações demandam margens de lucro altas e uniformes de até 30% (trinta por cento);

(d) a implementação dessas regras de controle é extremamente onerosa para os contribuintes, já que têm o ônus da prova, a fim de mostrar a correta utilização dos métodos;

(e) a aplicação dessas regras leva a um alto grau de incerteza para os contribuintes, especialmente no arbitramento em casos de preços de exportação inferiores a 90% (noventa por cento) do preço médio no mercado doméstico.

4. Por fim, o BIAC conclui seus comentários com: ‘Assim como definido na legislação, as novas regras de preços de transferência de fato parecem ser uma tentativa de as autoridades brasileiras estabelecerem preços de exportação mínimos e preços de importação máximos, baseadas em preços obtidos em médias aritméticas como determinadas no mercado brasileiro e com altas margens locais fixadas. O melhor método na prática é o método que dê o maior resultado tributável no Brasil. De um ponto de vista internacional, tais margens fixadas conceitualmente não são aceitas e a realidade econômica não é levada em conta como um todo (assim como, por exemplo, diferentes mercados, diferentes funções e riscos e preços individuais). Adicionalmente, é bem provável que tais regras irão ocasionar dupla tributação”.81

Ricardo Mariz de OLIVEIRA manifesta que, “ainda que se admita haver

implicitamente, escondido no texto escrito pelo legislador, o princípio ‘arm’s length’, é

forçoso verificar a enorme distância entre a Lei n.º 9.430 e uma legislação de controle mais

ideal, baseada efetivamente nesse princípio, e com normas mais livres do que os rígidos

preceitos daquela lei”.82

Para o autor, dúvidas são levantadas quanto a adoção do princípio arm’s length pela

Lei n.º 9.430/96, ao compararmos o conteúdo desta lei com as duas outras situações em que o

81 Idem. Ibidem. p. 19482 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Preços de transferência – o método do Custo mais Lucro – o conceito de custo – o método do Custo mais Lucro e as indústrias de alta tecnologia – como conciliar dispêndios intensivos, com pesquisas e desenvolvimento, com esse método. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 306.

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direito brasileiro impõe de forma explicita o princípio – legislação sobre distribuição

disfarçada de lucros e convenções para evitar a dupla tributação. Por não haver na lei mais

recente dispositivos semelhantes àqueles introduzidos em nosso ordenamento outrora, parece

não haver sido positivado tal principio, aliado ainda ao caráter extremamente rígido daquela

lei, não assegurando um tratamento justo em toda e qualquer situação, mesmo em havendo

autorização para o Poder Executivo proceder a determinados ajustes (art. 20 da Lei n.º

9.430/96) para melhor adequar o regramento ao momento econômico de sua aplicação.83

Ricardo Lobo TORRES84 pode nos esclarecer de forma definitiva esta questão,

aplicando a teoria da interpretação do direito tributário. Para o ilustre professor, o objetivo da

Lei n.º 9.430/96 é criar a possibilidade de tributação sobre os preços de mercado nas

operações entre as empresas associadas, coincidindo com o modelo globalizado, entendendo

que divergências metodológicas não afastam o princípio, porque inerentes à própria temática

dos preços de transferência.

O autor considera o princípio arm’s length como uma cláusula geral e abstrata e

indeterminada, em razão de exibir o status de princípio jurídico. Conforme ainda manifesta, o

efeito da globalização é que trouxe, para o direito brasileiro, maior identidade com a doutrina

estrangeira, passando-se a repelir a influencia negativa anterior que fez prevalecer princípios

tupiniquins como os da legalidade absoluta, tipicidade fechada, proibição de analogia, e que

afastavam os princípios vinculados à justiça fiscal, em especial o da capacidade contributiva.

Para confirmar se tratar o arm’s length de um princípio jurídico, o autor indica a

circunstância de se consubstanciar como cláusula geral – possuindo, portanto, generalidade –,

sua abstração, abertura, analogia, vinculação a valores, múltiplas possibilidades de

concretização, além da permanente ponderação com outros princípios.85

A concretização do princípio, por sua vez, deu-se através dos métodos previstos na

Lei n.º 9.430/96 e dos tratados de bitributação, que apresentam, segundo o autor, “alguma

indeterminação e ambigüidade”, por estarem apoiados no raciocínio analógico e nas

presunções.

83 Cf. Idem. Ibidem. p. 306.84 TORRES, Ricardo Lobo. O princípio arm’s length, os preços de transferência e a teoria da interpretação do direito tributário. Revista Dialética de Direito Tributário. vol. 48. set./1999. p. 123.85 O autor enfoca com precisão, em seu artigo, estas características próprias dos princípios. Idem. Ibidem. p. 129.

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Cogitando sobre a questão de os métodos brasileiros estarem de acordo com o

princípio ou não, o autor impõe que “o eventual reconhecimento de contradição entre as

normas positivas e o arm’s length principle depende de prévia interpretação, a ver se a

adequada ponderação de princípios não seria suficiente para eliminar possíveis antinomias”.86

Neste sentido, trata as presunções da Lei n.º 9.430/96 como sendo daquelas

relativas, passíveis de serem afastadas na busca pelo lucro real ou pelos fatos que cercam as

transferências sujeitas ao controle de preços, por se submeterem aos princípios jurídicos da

legalidade, plena produção de provas, busca da verdade material, boa fé etc., que necessitam

ser sopesados com o princípio da capacidade contributiva. Para que se contorne eventual

antinomia, é bastante, para o autor, que a interpretação literal da norma seja substituída pela

ponderação dos princípios que a informam, concluindo não haver contradição entre os

métodos – que trata como cláusulas especiais anti-elisivas – e o princípio arm’s length – que

trata como cláusula geral anti-elisiva –, em razão de todos buscarem comparativamente a

tributação justa de acordo com os “preços de concorrência”.87

Em não sendo superadas as antinomias através da interpretação teleológica e da

ponderação de princípios, o ilustre professor da UERJ aponta duas soluções possíveis, uma

adotada desde que o país seja signatário de acordo internacional que contenha dentre suas

cláusulas uma equivalente àquela presente no art. 9º do Modelo OCDE e outra independente

de ter sido positivado o princípio no sistema daquele país.

Diante da primeira hipótese, a aplicação da lei interna será prejudicada em benefício

da aplicação do tratado, impondo, deste modo, a observação do conteúdo teleológico do

princípio em detrimento dos métodos, havendo a derrogação da lei interna, conforme mesmo

prevê o art. 98 do Código Tributário Nacional.88

Sob a segunda hipótese, deverão prevalecer as normas da lei interna na ausência de

acordo assinado pelo Brasil com cláusula nos termos do art. 9º do Modelo OCDE, por

entendermos que tal princípio não foi positivado expressamente em nosso ordenamento,

86 Cf. Idem. Ibidem. p.132 (grifos do original).87 Cf. Idem. Ibidem. p. 132. 88 Observa, ainda, o autor: “A regra brasileira, advirta-se, não será revogada pela prevalência do tratado, mas terá a sua eficácia suspensa durante o período de vigência da norma internacional contrastante”. Cf. Idem. Ibidem. p. 133.

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restando a interpretação das regras previstas na lei como única forma de se admitir sua

presença em nosso sistema, ainda que de forma precária.

De tal argumento não diverge Ricardo Lobo TORRES, porém, o ilustre professor

manifesta que a própria Lei n.º 9.430/96 permite o recurso a outros métodos e à sua

combinação, citando para tanto o § 4º do art. 18 da lei,89 com o que não concordamos.

É que a interpretação que nos parece mais adequada ao conteúdo deste dispositivo é

no sentido de que diversos métodos podem ser aplicados, de forma isolada, a fim de se apurar

o preço parâmetro, prevalecendo aquele que apresente o menor90 valor, e não que diversos

métodos possam ser aplicados conjuntamente.91 A aplicação de outros métodos e a

combinação dos existentes somente restaria possível, por isso, diante da existência de um

acordo internacional positivando o princípio arm’s length, bastando-se para tanto que traga

em seu bojo algo equivalente à regra prevista no art. 9º do Modelo OCDE.

Do que decorre, portanto, que o legislador brasileiro objetiva, com a prescrição dos

métodos de controle dos preços de transferência, a positivação do princípio em nosso sistema

jurídico, ainda que para isso se utilize de regras que se traduzam em verdadeiras presunções

legais relativas, forma legal e reconhecidamente válida para o exercício do poder impositivo

tributário, afastando-se, desde logo, possam trilhar do mesmo caminho as presunções

absolutas ou ficções,92 por não se compaginarem com os princípios constitucionais que

norteiam o sistema jurídico tributário em nosso país.

89 Neste sentido, manifesta o autor: “A própria Lei n.º 9.430/96 sinaliza nesse sentido, ao permitir a combinação de métodos (art. 18, § 4º) e a alteração, em circunstâncias especiais, pelo Ministro de Estado de Fazenda, dos percentuais de que tratam os arts. 18 e 19 (art. 20)”. Idem. Ibidem. p. 134. Em relação a alteração dos percentuais pelo Ministro da Fazenda, entendemos que tal expediente visa uma aproximação ao princípio arm’s length, mas que não tem o condão, por si só, de atendê-lo em toda sua plenitude, por haver, ainda aí, a manutenção de uma presunção legal. O que não ocorre em relação ao § 2º do art. 21, que permite o estabelecimento de margens de lucro diversas desde que o contribuinte as comprove, com base em publicações, pesquisas ou relatórios, consagrando, assim, o princípio da capacidade contributiva, na medida em que entrega ao contribuinte o direito de traçar os parâmetros aceitáveis para a comparação e a autoridade tributária o dever de aceitá-los.90 Quando se tratarem de operações passivas sujeitas ao controle. Em se tratando de operações ativas, deverá prevalecer o método que apresentar o maior valor. Em ambos os casos, estes serão os mais convenientes para a empresa submetida ao controle de preços.91 Neste sentido, Heleno Taveira TÔRRES manifesta que “a regra é admitir o emprego do método mais conveniente ao contribuinte”. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 212. 92 Sobre a relação entre as presunções absolutas e as ficções, aduz José Artur Lima GONÇALVES: “Aliás, ao menos em matéria tributária não vislumbramos utilidade em criar duas categorias distintas, ficção e presunção absoluta, pelo simples fato de que não encontramos, no direito positivo, regimes jurídicos distintos aplicáveis a cada uma destas categorias. (...) É que o regime constitucional aplicável assim às presunções absolutas com às

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A diferença está em que, conforme preleciona José Artur Lima GONÇALVES, “as

presunções são subdivididas pela doutrina em duas espécies: (i) a absoluta (juris et de jure) e

(ii) a relativa (juris tantum). A primeira não admite prova em contrário, o mesmo não

ocorrendo com a segunda”.93

Do que podemos concluir, utilizando-nos desta classificação, que o estabelecimento

de métodos para a apuração do preço arm’s length impõe uma presunção – início de prova,

para o autor – e não uma ficção ou presunção absoluta, por não se caracterizarem em

qualificações materiais de fatos/atos ou atribuição de efeitos,94 por haver, na legislação de

regência, abertura para diversas modificações buscando-se atingir exatamente o preço

parâmetro comparável.

Alberto XAVIER, por outro lado, defende que “os métodos enumerados na Lei n.º

9.430/96 não são (...) presunções legais (absolutas ou relativas), mas presunções simples, que

caracterizam o método indiciário do arbitramento”.95

É que, conforme explica o autor, a Administração Fiscal, a partir de um fato

conhecido – indício –, demonstra um fato desconhecido – o objeto da prova –, a partir de uma

inferência baseada em regras da experiência, sendo que a prova, nas presunções simples (ou

ad homini), são obtidas indiciariamente, pela dedução da existência e características de um

fato desconhecido a partir da existência e características de um fato conhecido – índice. O

arbitramento servirá, portanto, para o estabelecimento da base de cálculo substitutiva, que é o

objeto da prova, e para o afastamento do preço efetivamente praticado, desde que este não

corresponda àquele aferido através do arbitramento.

Confirmando tratar-se de uma presunção relativa, expõe Heleno Taveira TÔRRES:

ficções é o mesmo, razão pela qual não julgamos útil separá-las em categorias distintas. As razões pelas quais a doutrina tradicional tem feito a distinção dizem respeito a fenômenos alheios ao sistema de direito positivo”. GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a renda. Pressupostos constitucionais. 1. ed. 2. tir. p. 152-153.93 Idem. Ibidem. p. 128. Neste sentido, o autor manifesta que interessa “analisar-se o conteúdo das normas jurídicas postas (em cujo processo de elaboração a fonte competente utilizou o raciocínio consistente em presunção) e perquirir-se da sua adequação ao subsistema constitucional tributário brasileiro. Sob esta ótica, qualquer que tenha sido o método de raciocínio ou a intenção do órgão legislativo, a norma jurídico-tributária poderá, somente, criar facilidades procedimentais para os agentes públicos encarregados da fiscalização e arrecadação de tributos. E, em qualquer hipótese, ampla possibilidade de defesa, no curso de processo regular de apuração da verdade material, com todos os recursos a ela – defesa – inerentes, estará a disposição do particular constrangido”. Idem. Ibidem. p. 129.94 Idem. Ibidem. p. 153.95 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Tributação das operações internacionais. p. 317.

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“No caso do controle sobre os preços de transferência, o arbitramento visa a quantificar o montante devido de tributo (base de cálculo) mediante a utilização dos métodos disponíveis, segundo o tipo de operação, admitindo-se que o contribuinte possa comprovar margens de lucro diversas, não somente nos termos do art. 21, da Lei n.º 9.430/96, através de publicações, pesquisas ou relatórios elaborados, mas de todos os meios de prova admitidos pelo direito positivo, como entende a própria OCDE”.96

De modo que mais nos parece apropriado interpretar que o princípio arm’s length

tenha sido efetivamente introduzido em nosso ordenamento jurídico desde que se considere

haver, tanto na legislação interna quanto naquela advinda de acordos internacionais,

permissão para a utilização de métodos de apuração dos preços de transferência iniciados a

partir de presunções relativas, em que haja ampla possibilidade de dilação probatória, ampla

defesa e contraditório, sob pena de, não havendo, estar-se diante de normas que geram

presunções absolutas, intoleráveis em nosso sistema constitucional.

Permanece, contudo, a incógnita quanto a se há a possibilidade de as regras

introduzidas no direito brasileiro para a apuração dos preços de transferência serem

interpretadas conforme a Constituição. Ou, de forma mais ampla, se o próprio princípio arm’s

length respeita a Carta Constitucional, se confrontado com os princípios nela insculpidos.

Ricardo Mariz de OLIVEIRA entende que tal princípio não bastaria sequer para

atribuir aos métodos eleitos para o controle de preços uma interpretação conforme a

Constituição, ao manifestar que “nem esse princípio é suficiente para tanto, pois ainda

importa em exigir que o contribuinte aja de acordo com o que os demais negociantes estão

fazendo no mercado livre”, ou seja, não pressupõe a existência efetiva de um negócio, em que

pese realizado entre partes relacionadas, sem que haja a presunção legal de fraude a lei.

O que poderia salvar o princípio da pecha de inconstitucionalidade seria exatamente

a previsão legal de os métodos previstos basearem-se em presunções legais relativas,

admitindo, portanto, prova em contrário. Este tipo de presunção, conforme já exposto, seria

válida em nosso ordenamento jurídico e atenderia ao disposto no art. 148 do Código

Tributário Nacional, por permitir a prova de que o preço efetivamente praticado corresponda

àquele arm’s length, e não o decorrente da presunção.

Isso ocorre, entretanto, somente em parte no trato com os preços de transferência no

sistema brasileiro. Em que pese haver previsão legal de o Poder Executivo poder alterar

96 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 278.

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determinadas margens mínimas para o estabelecimento do arbitramento, ou mesmo de o

contribuinte fazê-lo, acaba impondo métodos que determinam um lucro mínimo para fins de

tributação, mesmo que o contribuinte não o tenha auferido na realidade, por não querê-lo ou

mesmo pela impossibilidade de atingi-lo.

Isso porque as presunções legais tratadas nas regras de preços de transferência, ainda

que possam ser elididas, serão substituídas por outras presunções, sejam elas introduzidas por

ato do Poder Executivo ou do próprio contribuinte, eis que a lei brasileira assim prevê em seus

arts. 20 e 21. Estas, por sua vez, se tornam absolutas, por não poderem ser, por sua vez,

elididas pela prova de que o preço efetivamente praticado pelo contribuinte na operação

representa o verdadeiro para fins de apuração do lucro correspondente.

Do que se pode concluir, com Ricardo Mariz de OLIVEIRA, é que a declaração de

inconstitucionalidade dos métodos de apuração dos preços de transferência não teria o condão

de fazer prevalecer o princípio arm’s length por o Poder Judiciário não poder se fixar no

contexto de legislador positivo “para inserir no direito positivo norma nele não existente,

como a de olvidar todas as normas herméticas daquela lei em homenagem ao princípio ‘arm’s

length’”.97

Ainda que pudesse fazê-lo, conforme prediz o autor, não resolveria o problema da

inconstitucionalidade do instituto (do transfer pricing) perante o sistema jurídico brasileiro,

pois que faria prevalecer – em respeito ao princípio arm’s length – os preços de mercado em

prejuízo daquele efetivamente praticado pelo contribuinte, cuja prova de estar

descontaminado de que qualquer expectativa elisiva, nunca prevalecerá.

Somente uma interpretação extensiva do princípio é que poderia lhe remover a pecha

da inconstitucionalidade, ou seja, desde que se admita que o contribuinte pratique preços

diferentes daqueles de mercado desde que possua uma razão econômica para isso. Adviria,

daí, conforme ainda o ilustre jurista, a substituição das normas legais ou o reconhecimento de

sua “irremediável inconstitucionalidade” e, para nós, a distorção do conceito original do

princípio.

97 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Preços de transferência – o método do Custo mais Lucro – o conceito de custo – o método do Custo mais Lucro e as indústrias de alta tecnologia – como conciliar dispêndios intensivos, com pesquisas e desenvolvimento, com esse método. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira. (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 330.

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3

Evolução do tema

3.1. Evolução no contexto internacional

3.1.1. Evolução a partir da contribuição dos organismos internacionais

Em 1925, o “Comitê de Assuntos Fiscais da Sociedade das Nações” iniciou alguns

trabalhos visando a elaboração de um modelo de convenção dirigido a resolução do problema

da bitributação, documento intitulado “Relatório em matéria de dupla tributação e evasão

fiscal”, apresentado em 1928. Neste documento foram divulgados três projetos de modelo

para convenções bilaterais, que traziam, no art. 5º, § 1º, uma regra-padrão equiparando as

sociedades subsidiárias aos estabelecimentos permanentes, incluindo ainda as filiais neste

conceito.

Posteriormente, sob a égide deste modelo, alguns acordos internacionais foram

firmados com o objetivo de evitar a dupla tributação internacional sobre a renda, o que trouxe

à Sociedade das Nações a possibilidade de avaliar os resultados e elaborar novas propostas.

Em 1933, destas propostas decorreu a alteração do modelo, para acrescentar, ao

conceito anteriormente firmado em seu art. 5º, o princípio que norteia as regras de preços de

transferência até hoje: o arm’s length principle. A norma incorporada ao modelo previa que

“quando uma empresa de um Estado contratante tiver uma participação dominante no

gerenciamento ou no capital de uma empresa de outro Estado contratante, ou quando ambas

as empresas forem de propriedade ou controladas pelo mesmo grupo, e dos resultados desta

situação existir, em suas relações comerciais ou financeiras, condições diferentes daquelas

que deveriam ter sido realizadas entre empresas independentes, qualquer item de renda ou

perda que deveria normalmente ocorrer na contabilidade de uma empresa, mas que foi, desta

maneira, redirecionado para a outra empresa, deve ser inserido na contabilidade de tal

empresa referida, sujeito aos direitos de defesa permitidos sob a lei do Estado daquela

empresa”.

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Deste artigo resultava a possibilidade de um Estado contratante exercer seu poder

impositivo sobre as rendas que poderiam ser transferidas de uma controlada para sua

controladora estrangeira sob bases diversas do valor normal, por considerar que as

controladoras não seriam espécies de estabelecimentos permanentes. Decorre, ainda, a

introdução dos conceitos de “unitary entity theory” e de “separate accounting theory”, dando

relevância da autonomia das empresas vinculadas, de modo a possibilitar o controle do Estado

sobre os rendimentos produzidos naquelas situações e inibir fossem os preços fixados

exclusivamente tomando-as por base.

Posteriormente, em 1943, nova “convenção-padrão” foi apresentada como resultado

dos trabalhos de revisão do “Comitê de Assuntos Fiscais”, revisada em 1946, dando nova

versão ao Modelo, em que foi inserido o conceito de normalidade, a servir de parâmetro de

referência para a definição dos preços praticados entre empresas vinculadas, acompanhada de

um protocolo em que constavam as definições de “domicilio fiscal” e “estabelecimento

permanente” e disposições sobre a repartição de lucros industriais e comerciais.

A Sociedade das Nações foi substituída, em 1946, pela Organização das Nações

Unidas, sendo que esta não deu seqüência aos trabalhos no setor da dupla tributação

internacional. Somente com o surgimento da Organização Européia de Cooperação

Econômica (OECE), em 1948, no contexto do Plano Marshall, é que foram retomados os

trabalhos. Em 1955 foi adotada, pela Organização, uma primeira recomendação em matéria de

dupla tributação, criando-se, ainda, um Comitê Fiscal, para o qual, em 1958, foi outorgado um

mandato para a elaboração de um “projeto de convenção para eliminar a dupla tributação em

matéria de impostos sobre a renda e sobre o patrimônio”.

Em 1961, a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)

veio substituir a OECE, ficando seu Comitê Fiscal encarregado de dar continuidade aos

trabalhos e tendo apresentado, em setembro daquele ano, o “Projeto de convenção de dupla

tributação concernente à renda e ao patrimônio”, adotado em 1963 pelo Conselho daquela

Organização, trazendo, em seu bojo, uma regra-tipo semelhante àquela da Sociedade das

Nações que determinava a retificação dos valores das transações realizadas entre empresas

associadas. Novos acordos bilaterais tomaram como base as disposições deste Modelo, o que

demonstra a acolhida que teve em âmbito mundial.

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Uma nova versão do modelo de convenção foi apresentada em 1977 como resultado

dos trabalhos de revisão a que foi submetido aquele de 1963, sendo denominado “Modelo de

convenção de dupla tributação concernente ao rendimento e ao capital” e tendo anexos novos

comentários aos seus artigos, que “ab-rogaram” as recomendações anteriores. Tal modelo

gerou uma espécie de harmonização internacional quanto ao tratamento das rendas

transnacionais e da redução das possibilidades de pluritributação internacional.

Este “Model Convention with respect to Taxes on Income and on Capital”, tal como

denominado por aquele organismo, serve como um modelo utilizado pelas nações quando

negociando acordos internacionais em matéria tributária, visando, de um modo geral, o

tratamento das situações em que os contribuintes possam estar sujeitos a tributação de suas

operações em mais de um país, possuidor de evidente dinamismo, sendo constantemente

monitorado e atualizado de acordo com o desenvolvimento da economia e conforme surgem

novas questões em matéria tributária.98

Heleno Taveira TÔRRES bem identifica o intuito da OCDE com a elaboração desta

convenção. Mais do que simplesmente tratar dos meios de eliminação da dupla tributação

internacional e de prevenção da evasão fiscal – que são conseqüências das “causas” que o

modelo pretende equacionar –, o Modelo visa o tratamento das rendas transacionais com a

finalidade de neutralizar eventuais conflitos de pretensões impositivas.

Tal objetivo veio a ser clarificado em 1992, quando da edição de uma revisão ao

modelo anteriormente em vigor editado em 1977, alterando seu título de “Convenção entre

(A) e (B) para evitar as duplas tributações e para prevenir as evasões fiscais em matéria de

impostos sobre a renda e o patrimônio” para “Convenção entre (A) e (B) com respeito aos

impostos sobre a renda e o capital”.99 Nesta revisão não houve, no entanto, grandes

98 Conforme dispõe a OCDE: “The OECD Model Convention on Income and on Capital (MTC) serves as a model used by countries when negotiating bilateral tax agreements. These agreements are entered into by countries to clarify the situation when a taxpayer might find himself subject to taxation in more than one country. The Convention is dynamic in that it is constantly monitored and updated as economies evolve and new tax questions arise. In recent years, for example, special reports have had to be done on tax treatment of software and treaty characterization issues arising from e-commerce”. Disponível em <http://www.oecd.org/document/37/0,2340,en_21571361_33915056_34681637_1_1_1_1,00.html>. Acesso em 12.12.2006.99 Sobre a evolução histórica dos modelos de convenções internacionais em matéria de impostos sobre a renda e capital, v. TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. 2. ed. p. 493 e ss.

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transformações, a exceção dos acréscimos nos comentários interpretativos, ocorrendo o

mesmo nas revisões de 1995 e 1998.

Atualmente, vigora o modelo de convenção cuja redação foi aprovada pelo Conselho

da OCDE em 15 de julho de 2005 a partir de algumas modificações realizadas no modelo

anterior100 em decorrência dos trabalhos realizados por seu Comitê de Assuntos Fiscais

(Committee on Fiscal Affairs – CFA), que é o principal grupo de políticas tributárias daquele

organismo.

Especificamente sobre a matéria que aqui nos toma, a OCDE publicou, em 1979, um

relatório denominado “Transfer pricing and multinational enterprises”, discorrendo sobre a

aplicação do art. 9º do Modelo e que veio estabelecer os “métodos” aplicáveis para definição

do preço at arm’s length, seguido de outros relatórios, publicados em 1984 e 1995, este,

atualmente em vigor com as atualizações de 1996, 1997 e 1999,101 e com a denominação de

“Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations”.

O relatório atualmente em vigor foi aprovado para publicação em julho de 1995 pelo

Conselho da OCDE, tendo sido submetido pelo Comitê de Assuntos Fiscais daquela

organização, sendo também aprovada a recomendação do Comitê de que as Guidelines

fossem revistas e atualizadas periodicamente com base na experiência dos países membros e

da comunidade de negócios na aplicação dos princípios e métodos expressos no relatório, em

100 O projeto destas modificações ao modelo então em vigor – cuja redação foi aprovada em 28 de janeiro de 2003 –, foi primeiramente divulgado no documento intitulado “The 2005 update to the model tax convention -Public discussion draft” editado pela OCDE em 15 de março de 2004. De acordo com este documento, as modificações foram dirigidas aos seguintes assuntos: o tratamento tributário das atividades relacionadas a navegação internacional e ao transporte aéreo; questões de tributação da renda internacional dos planos de employee stock-option; questões tributárias surgidas com pensões internacionais; a questão dos múltiplos estabelecimentos permanentes; a revisão do art. 26 e seus comentários, relativo a troca de informações; diversas questões técnicas relacionadas a interpretação de tratados internacionais. Disponível em <http://www.oecd.org/dataoecd/54/24/34576874.pdf> . Acesso em 12.12.2006.101 Conforme a “Recommendation of the Council on the determination of transfer pricing between associated enterprises [C(95)126/Final] as amended” constante do “Appendix” das “Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations”, pode-se verificar quais os assuntos que foram objeto das atualizações de 1996, 1997 e 1999: “(…) the Report on the Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations, hereafter referred to as ‘the 1995 Report’ [DAFFE/CFA(95)19 and Corrigendum I] adopted on 27 June 1995 by the Committee on Fiscal Affairs, as supplemented by the report on intangible property and services adopted on 23 January 1996 by the Committee on Fiscal Affairs [DAFFE/CFA(96)2], by the report on cost contribution arrangements adopted on 25 June 1997 by the Committee on Fiscal Affairs [DAFFE/CFA(97)27] and by the report on the guidelines for conducting APAs under the mutual agreement procedure adopted on 30 June 1999 by the Committee on Fiscal Affairs [DAFFE/CFA(99)31] (…)”. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. Appendix. p. A-1.

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um “período de monitoramento”,102 sendo o sucesso de sua implementação a peça chave para

se obter uma aplicação consistente das Guidelines.

Os métodos sugeridos pela OCDE, introduzidos pelas Guidelines, são conhecidos

como CUP – Comparable Uncontrolled Price Method, RPM – Retail Price Metod, CPM –

Cost Plus Method, tratados como “transacionais tradicionais”, bem como aqueles chamados

de “transacionais com base no lucro”, PSM – Profit Split Method e TNMM – Transactional

Net Margin Method. Os primeiros, dependentes da análise das operações realizadas e os

segundos são predeterminados a examinar os lucros decorrentes de transações controladas

entre empresas associadas.

É evidente que aquele organismo internacional adotou o princípio arm’s length, em

consonância com o art. 9º de seu modelo de convenção em matéria tributária sobre a renda e o

capital, esclarecido no item 6 do prefácio de suas Guidelines, que dispõe que “para assegurar

a correta aplicação do método da entidade separada, os países membros da OCDE adotaram o

princípio ‘arm’s length’, sob o qual o efeito de condições especiais nos níveis de rendimento

devem ser eliminados”,103 em tradução para o vernáculo.

O “método da entidade separada” a que se referem as diretrizes da OCDE, é

utilizado pelos países membros daquela organização de modo a possibilitar que cada

jurisdição tributária exerça sua competência impositiva de forma eficiente, tratando cada

empresa integrante do grupo como uma entidade separada (separate entity) e reduzindo as

possibilidades de dupla tributação.

Luís Eduardo SCHOUERI104 esclarece que tal método, de acordo com a OCDE, tem

a função de tratar os membros de um grupo transnacional como se atuassem como entidades

separadas, não como partes inseparáveis de um único negócio. Assim, tratando-os deste

102 Cf. previsto no parágrafo 1º do anexo “Guidelines for monitoring procedures on the OECD transfer pricing guidelines and the involvement of the business community”, aditado às Guidelines em fevereiro de 1998. De acordo com os parágrafos 2 e 3 do anexo, “o propósito principal do monitoramento é examinar como a legislação dos países membros, regulamentos e práticas administrativas podem tornar necessárias emendas ou adições. (...)” e “o monitoramento é esperado que seja um processo permanente e acobertar todos os aspectos das Guidelines, mas com ênfase especial no uso dos métodos transacionais baseados no lucro. (...)”. Idem. Ibidem. pp. AN-1 –AN-2.103 “To ensure the correct application of the separete entity approach, OECD Member countries have adopted the arm’s length principle, under which the effect of special conditions on the levels of profits should be eliminated”. Idem. Ibidem. p. P-2.104 SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 26.

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modo, como separate entities, toda a atenção é voltada para a natureza dos negócios

celebrados entre eles.

Aliado a este método está o arm’s length principle, visando a garantia de utilização

de uma base tributária adequada em cada jurisdição, evitando a dupla tributação e a elisão

fiscal, estipulando que as transações entre empresas vinculadas devam ser realizadas de

acordo com os preços de mercado, sem interferência em razão dos vínculos societários ou

comercias existentes entre elas.105 O preço arm’s length é, por sua vez, definido como sendo

aquele que teria sido acordado entre partes não relacionadas, envolvidas nas mesmas

transações ou em transações similares, nas mesmas condições ou em condições semelhantes,

no mercado aberto.106

A opção pelo princípio arm’s length traz, como manifesta a OCDE, repulsa ao

princípio da Global Formulary Apportionment, ou “Partilha global por fórmula fixa”, pelo

qual caberia a alocação dos lucros globais consolidados da empresa transnacional, efetuando-

se sua partilha entre as empresas do grupo localizadas em diferentes jurisdições a partir de

uma fórmula pré-determinada. Aquela organização considera tal princípio de difícil aplicação

no que tange à proteção contra a dupla tributação e também em assegurar a tributação

singular,107 sendo que, para atingir seus objetivos, haveria a necessidade de uma coordenação

internacional substancial e um consenso na fórmula pré-determinada.108

No texto de suas Guidelines, a OCDE ainda deixa claro que o Global Formulary

Apportionment (GFA) não deve ter seus métodos confundidos com os métodos transacionais

sobre o lucro (Transactional Profit Methods), eis que os primeiros utilizam uma fórmula pré-

determinada para todos os contribuintes para alocação dos rendimentos enquanto os segundos

comparam, caso a caso, os lucros de uma ou mais empresas associadas com a experiência dos 105 Neste sentido, AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. O preço de transferência e critérios de comparabilidade. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 65. O autor faz referência, em nota de rodapé, a citação de Leonardo COSTA, para quem “‘o arm’s length principle’ é criticado por, muitas vezes: (i) não considerar os ‘ganhos de escala’ das multinacionais; (ii) compliance e administrative costs; e (iii) dificuldades de se aplicar o princípio em situações específicas como a transferência de intangíveis únicos e com financial instruments nas transações de global trading e eletronic commerce”.106 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 27.107 Neste sentido, TAVOLARO, Agostinho Toffoli. Tributos e preços de transferência. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.).Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 35.108 Nos termos do item C., i, 3.59 do Chapter III das OECD Guidelines, “A global formulary apportionment method would allocate the global profits of an MNE group on a consolidated basis among the associated enterprises in different countries on the basis of a predetermined and mechanistic formula”. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. III-19.

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lucros que empresas independentes comparáveis tenham buscado em circunstâncias

comparáveis. Acrescenta, ainda, que a fórmula da GFA também não deve ser confundida com

aquelas utilizadas nos Mutual Agreement Procedure e Advance Price Agreement, eis que estas

são derivadas de fatos e circunstâncias particulares do contribuinte, o que previne a utilização

de métodos globalmente pré-determinados.109

A OCDE produziu, ainda, em 1998, um documento intitulado “Princípios sobre o

procedimento de acompanhamento dos princípios da OCDE quanto aos preços de

transferência e a implicação da comunidade empresarial” com o claro intuito de ampliar o

consenso sobre o princípio arm’s length em nível internacional, propondo fosse feita

minuciosa revisão das práticas de seus países membros e respectivas legislações,

identificando as questões que geram mais problemas e os princípios que exigem explicitação

mais apurada.

O Modelo de Convenção da OCDE, por sua vez, tem sido largamente utilizado por

diversos países em suas relações internacionais. Conforme manifesta Eduardo A.

BAISTROCCHI,110 desde o início dos anos 60 os países em desenvolvimento das mais

diversas tradições legais têm importado massivamente o International Tax Regime (ITR) do

modo previsto no Modelo da OCDE. Para o professor da Universidad Torcuato Di Tella,

trata-se o ITR de uma rede de tratados internacionais bilaterais cuja base encontra-se no

Modelo de Convenção da OCDE.111

109 Idem. Ibidem. p. III-20.110 BAISTROCCHI, Eduardo A. Transfer pricing in the 21st century: a proposal for both developed and developing countries. Latin American and Caribbean Law and Economics Association (ALACDE) Annual Papers (University of California, Berkeley). Year 2005. Paper 20. p. 4. Disponível em <http:// repositories.cdlib.org/cgi/viewcontent.cgi?article=1019&context=bple>. Acesso em 23.12.2006. O ilustre professor da universidade argentina faz a seguinte observação sobre o ITR: “The massive importation of the international tax regime (ITR) by developing countries of all legal traditions has few parallels in history. The ITR has even been imported by developing countries from the Islamic world (see, e.g., the Austria-Iran DTC concluded on March 11, 2002), and the communist world (see, e.g., the Austria-Cuba DTC concluded on June 26, 2003). Iraq and the Democratic People’s Republic of Korea are among the few countries that remain outside the tax treaty network”. Idem. p. 5. n.r. 14.111 Referindo-se às duas explosões de globalização que o mundo experimentou, o autor manifesta: “One major consequence of those globalization booms was the emergence in the late 19th century of a novel strategic problem among nations: how international tax bases should be allocated given the lack of a higher authority. Since the inter-war period, developed countries reached a fundamental consensus on how to solve this problem. That consensus is currently embodied in the OECD Model Tax Convention on Income and on Capital (OECD model), which is the foundation of a network of bilateral tax treaties called the international tax regime”. Idem. Ibidem. p. 2.

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É importante ressaltar, em linha com o que aduz Heleno Taveira TÔRRES,112 que o

Modelo de Convenção da OCDE nada mais é do que uma “pauta” a ser seguida pelos Estados

interessados em realizar acordos internacionais, eis que ao modelo não ficam vinculados,

podendo modificar seu conteúdo do modo que lhes aprouver, visando sua adaptação às suas

necessidades econômicas e à diversidade existente entre suas legislações tributárias.

Assim como ocorre com os demais Estados que adotam o ITR, que seguem de

maneira próxima o Modelo com raras e sutis modificações, os acordos bilaterais firmados

pelo Brasil guardam perfeita identidade com o Modelo da OCDE,

O Estado brasileiro tem firmado113 acordos internacionais baseados no modelo

OCDE com os seguintes Estados: Alemanha, Argentina, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile,

China, Coréia do Sul, Dinamarca, Equador, Espanha, Filipinas, Finlândia, França, Hungria,

Índia, Itália, Japão, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos (Holanda), Paraguai,114 Portugal,

República Eslovaca e República Tcheca, Rússia,115 Suécia e, mais recentemente, África do

Sul,116 México117, Ucrânia,118 Israel119 e Venezuela.120

112 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. 2. ed. p. 503.113 Sobre a forma de introdução dos tratados internacionais no direito interno, ver REZEK, José Francisco. Direito internacional público – Curso elementar. pp. 11-112. A Secretaria da Receita Federal disponibiliza, em seu site na internet, a relação dos países com os quais o Brasil possui acordo bilateral para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal, no endereço eletrônico <http://www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao/AcordosInternacionais/AcordosDuplaTrib.htm>. Acesso em 4/2/2007. Paulo Borba CASELLA apresenta, em obra de sua autoria, a integra de todos os tratados internacionais firmados pelo Brasil para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de imposto sobre a renda. CASELLA, Paulo Borba. Direito internacional tributário brasileiro. Convenções de bitributação. 2. ed.114 Esta convenção ainda não foi aprovada pelo Congresso Nacional, encontrando-se em trâmite perante a Câmara dos Deputados o Projeto de Decreto Legislativo 1.912/2005 e desde 28/11/2006 a disposição da Coordenação de Comissões Permanentes (CCP). Cf. <http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=299034>. Acesso em 4/2/2007.115 Esta convenção ainda não foi aprovada pelo Congresso Nacional, encontrando-se em trâmite perante a Câmara dos Deputados o Projeto de Decreto Legislativo 2.136/2006 e desde 11/10/2006 a disposição da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio (CDEIC) com parecer do Relator, Dep. Reginaldo Lopes (PT-MG), pela aprovação. Cf. <http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=313134>. Acesso em 4/2/2007.116 O acordo bilateral com a África do Sul foi celebrado em 8 de novembro de 2003, aprovado pelo Decreto Legislativo 301, de 13 de julho de 2006 e promulgado pelo Decreto 5.922, de 3 de outubro de 2006. A convenção entrou em “vigor internacional” em 24 de julho de 2006, conforme expõe citado decreto. 117 O acordo bilateral com o México foi celebrado em 25 de setembro de 2003, aprovado pelo Decreto Legislativo 58, de 17 de abril de 2006 e promulgado pelo Decreto 6.000, de 26 de dezembro de 2006. A convenção entrou em “vigor internacional” em 30 de novembro de 2006, conforme expõe citado decreto.118 O acordo bilateral com Israel foi celebrado em 12 de dezembro de 2002, aprovado pelo Decreto Legislativo 931/2005 e promulgado pelo Decreto 5.576/2005. A convenção entrou em “vigor internacional” em 1º de janeiro de 2006, conforme expõe citado decreto.

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Tal aspecto é observado por Paulo Borba CASELLA:

“Sem prejuízo de outras modalidades convencionais, até o momento nos ativemos à utilização do modelo clássico OECD das Convenções de bitributação, conforme se depreende da análise das características fundamentais das Convenções brasileiras em relação aos aspectos de direito internacional, visando situar as duas vertentes basilares de orientação e aplicação da matéria”.121

Ao mesmo tempo, fundados ou não no Modelo de Convenção ou nos acordos

internacionais, os sistemas tributários de diversas soberanias122 se movimentaram para

instituir mecanismos visando a contenção desta prática de transferência de preços, inserindo

em seu ordenamento jurídico regras estabelecendo métodos destinados ao controle destas

operações e o ajustamento dos preços praticados por partes relacionadas àqueles de mercado,

at arm’s length, de que é exemplo o Brasil.

3.1.2. Evolução no contexto do desenvolvimento das novas tecnologias de

comunicação e informação e Internet

Observando a existência de dificuldades relacionadas ao transfer pricing para as

quais suas Diretrizes poderiam ser inadequadas, em razão do surgimento e do crescimento do

comércio eletrônico, a OCDE fez publicar, em maio de 2005, o documento intitulado E-

commerce: transfer pricing and business profits taxation,123 em que aquela organização

internacional manifesta que o projeto de revisão do relatório de 1979 – o hoje denominado

Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations – foi

119 O acordo bilateral com a Ucrânia foi celebrado em 16 de janeiro de 2002, aprovado pelo Decreto Legislativo 66/2006 e promulgado pelo Decreto 5.799/2006. A convenção entrou em “vigor internacional” em 25 de abril de 2006, conforme expõe citado decreto.120 O acordo bilateral com a Venezuela foi assinado em 14 de fevereiro de 2005 e ainda não entrou em vigor, eis que não foi até o momento aprovado pelo Congresso e, consequentemente, não foi promulgado pelo Executivo. 121 CASELLA, Paulo Borba. Direito internacional tributário brasileiro. Convenções de bitributação. 2. ed. p. 15.122 Diversos países, dentre eles Austrália, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Itália, Japão, Coréia, México, Noruega, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos (cf. seu IRC), expediram normas especiais sobre o transfer pricing aplicáveis a todas as operações praticadas entre contribuintes residentes e não-residentes, tendo a Argentina estabelecido regras alcançando apenas algumas operações, ficando em outros países, na falta de disciplina diretamente relacionada ao tema, submetido a regras antielusivas gerais ou específicas. Neste sentido, TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 165.123 De acordo com seu prefácio, “Part I of this publication examines the impact of developments in the area of electronic commerce on the application of the OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. (…) Part II of this publication presents the final report of the Technical Advisory Group (TAG) on Monitoring the Application of Existing Treaty Norms for Taxing Business Profits”. OECD. OECD Tax Policy Studies No. 10: E-commerce: Transfer Pricing and Business Profits Taxation. p. 3.

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provocado por inúmeros fatores, dentre eles o crescimento no número e na complexidade de

transações internacionais (cross-border transactions), a proliferação de empresas

multinacionais (multinational enterprises – MNEs), e ainda a dificuldade em encontrar

transações comerciais comparáveis para estabelecer preços em transferências controladas

envolvendo propriedade intangível, não realizadas com freqüência.

Neste aspecto, havia sido levantada a hipótese de que o princípio arm’s length seria

impraticável e que deveria ser descartado em favor de um sistema global de partilha de lucros

de acordo com uma fórmula pré-determinada, sistema este conhecido como Global

Formulary Apportionment (GFA). Contudo, tal sistema acabou sendo abandonado por

acarretar a produção de uma alocação arbitrária da base tributável, aliado às poucas chances

de haver um acordo em relação à fórmula a ser usada, o que poderia resultar, na ausência de

um acordo, em dupla tributação.124

Ao mesmo tempo, novos métodos foram introduzidos numa tentativa de controlar

casos mais complexos incluindo aqueles que envolvessem propriedade intangível, eis que os

métodos tradicionais – Comparable Uncontrolled Price (CUP), Cost Plus Method (CPM) e

Resale Price Method (RPM), estes dois últimos baseados nas margens de renda bruta – foram

considerados insuficientes para lidar com todos os casos, porque muito dependentes da

similaridade transacional.

Os métodos baseados no lucro, por sua vez, foram duramente criticados por não

estarem de acordo com o princípio arm’s lengh, já que sua utilização poderia acarretar uma

divisão excessiva da base tributável nas transações entre fronteiras. Daí o princípio ter sido

confrontado a partir de duas propostas distintas: a daqueles que o descartariam completamente

em favor do GFA, e a daqueles que o defenderiam tão firmemente que somente permitiriam a

utilização dos três métodos tradicionais, numa interpretação restritiva que deixava o princípio

suscetível de se tornar obsoleto.125

A solução da OCDE obtida em consenso foi a de preservar o princípio arm’s length

como o mais efetivo método para tratar dos preços de transferência, mas devendo interpretá-lo

de forma ampla o suficiente para permitir o uso dos métodos não tradicionais como última

124 Cf. OECD. OECD Tax Policy Studies No. 10: E-commerce: Transfer Pricing and Business Profits Taxation. p. 59.125 Idem. Ibidem. p. 59

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alternativa, mas com limitações estritas, de modo que tais métodos fossem aplicados de uma

maneira que mantivesse inabalada a integridade do princípio arm’s length. Esta interpretação

deu ensejo a uma persistência na utilização dos métodos transacionais e em análises

comparativas mais detalhadas.

A metodologia transacional foi considerada importante para o método baseado no

lucro líquido porque os lucros globais podem ser influenciados por diversos fatores não

relacionados com as transações particulares entre empresas vinculadas, sendo que o princípio

arm’s length permite ajustes nos lucros de uma empresa apenas com o propósito de

estabelecer os lucros que deveriam ter sido apurados naquela empresa, mas que por condições

especiais foram estabelecidos pela relação existente entre as partes. Assim, de forma a isolar

estas condições especiais, apenas os lucros da transação controlada devem ser levados em

conta.

O método comparativo detalhado tem-se por indispensável para assegurar que

qualquer ajuste atinja os mesmos resultados que deveriam ter sido obtidos pelas empresas

independentes em circunstâncias comparáveis. Sem uma análise comparativa adequada, os

dados de terceiras partes usados para encontrar o preço de transferência podem não

representar um preço de mercado verdadeiro em razão das diferenças nas circunstâncias da

terceira parte relativas ao contribuinte.

Uma ênfase especial é posta na analise comparativa detalhada para o método

transacional baseado na margem de lucro líquido (Transactional Net Margin Method –

TNMM), em razão da variedade de circunstâncias que podem influenciar as despesas

operacionais e consequentemente os lucros líquidos. Tal método é geralmente usado quando

os dados de partes terceiras não são suficientemente similares nos elementos transacionais

como, por exemplo, o produto sendo transferido e as funções sendo desenvolvidas.

Na visão da OCDE, a aceitação do uso do TNMM depende de inúmeras

características, constantes de suas Guidelines, sobre as empresas objeto de comparação que

podem influenciar os lucros líquidos, como a posição de mercado e a eficiência de seu

gerenciamento.

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As Diretrizes da OCDE impõem seja o método da divisão de lucro (Profit Split

Method) sujeito a limitação transacional, sendo o foco na comparação menos significativo, eis

que este método não depende substancialmente de dados externos.

Enquanto as Guidelines determinam que dados externos devem ser obtidos para fins

de informar como partes independentes dividiriam o lucro em uma transação comparável, na

prática os dados internos são os fatores mais significativos para estabelecer os percentuais de

divisão do lucro. A conformidade com o princípio arm’s length é alcançada não tanto usando

dados externos comparáveis quanto usando o método da divisão dos lucros que partes

independentes teriam considerado aceitável. Este método normalmente envolve a apuração do

valor relativo das contribuições feitas por cada parte, possivelmente levando em conta custos

e despesa relativos a pesquisa e desenvolvimento (research and development).

Com base no exposto, a OCDE concluiu, em seu relatório, que qualquer

questionamento sobre o método transacional e análises comparativas podem ser precários, ao

mesmo tempo em que manifesta que a revolução nas comunicações impulsiona os

questionamentos, na medida em que a velocidade, freqüência, segredo e integração das trocas

através da internet e o desenvolvimento de intranets entre as empresas transnacionais irão

determinar métodos inovadores na aplicação de análises transacionais, partindo-se de grupos

de transações de partes relacionadas, em prejuízo de se considerar cada transação de forma

separada.126

A internet facilita o uso de funções automatizadas, que se realizam com maior

mobilidade e com possibilidade de serem localizadas virtualmente em qualquer lugar. Em

termos de comparabilidade, torna-se mais difícil determinar o que a transação realmente

representa, e ainda maiores dificuldades ocorrem para encontrar transações de terceiras partes

sobre as quais é conhecido o suficiente para se concluir que são comparáveis, sendo que

outras transações podem ser dificilmente descobertas e traçadas, particularmente aquelas que

ocorrem em redes privadas (intranets).

126 Cf. OECD. OECD Tax Policy Studies No. 10: E-commerce: Transfer Pricing and Business Profits Taxation. p. 60.

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As Diretrizes propõem uma análise funcional para se avaliar a comparabilidade, mas

em se tratando de operações realizadas através do comércio eletrônico e de redes privadas

pode ser difícil identificar os responsáveis e os locais em que as operações são realizadas.

Neste sentido, foram apontados no relatório da OCDE os problemas na aplicação

dos “elementos chave” de suas Guidelines nas atividades de comércio eletrônico. Os

problemas estão relacionados com os seguintes aspectos: aplicação do método transacional;

análise de comparabilidade; análise funcional; tratamento tributário diferente de subsidiárias e

estabelecimentos permanentes; identificação e valoração de intangíveis; possibilidade da

concessão de compensação se tornar mais complexa, nos casos de ajustes compensatórios;

crescimento no número de pequenas empresas transacionais e; aumento no uso de países com

tributação favorecida.

Abordaremos, de forma sucinta, alguns destes aspectos, considerando o

posicionamento da OCDE firmado no relatório E-commerce: Transfer Pricing and Business

Profits Taxation.

3.2. Evolução no contexto do direito brasileiro

A descrição desta evolução no contexto internacional, dando especial ênfase a

OCDE,127 é deveras importante. Não menos importante é a afirmação de que o Brasil não é

membro daquela organização internacional,128 de modo que, como defende José Artur Lima

GONÇALVES, “as lições da doutrina estrangeira servem, portanto, somente para ilustrar o

contexto de aplicação das normas jurídicas existentes nos respectivos ordenamentos jurídicos,

sendo inadequado pretender importar tais proposições descritivas (produção doutrinária) de

127 Respeitando o corte metodológico que se faz necessário para bem delimitar este estudo, nos permitimos não adentrar no contexto do direito comparado, evitando introduzir conceitos utilizados nos ordenamentos e na doutrina de Estados estrangeiros. 128 Em suas Guidelines a OCDE apresenta a relação dos países membros: “The original Member countries of the OECD are Austria, Belgium, Canada, Denmark, France, Germany, Greece, Iceland, Ireland, Italy, Luxembourg, the Netherlands, Norway, Portugal, Spain, Sweden, Switzerland, Turkey, the United Kingdom and the United States. The following countries became Members subsequently through accession at the dates indicated hereafter: Japan (28th April 1964), Finland (28th January 1969), Australia (7th June 1971), New Zealand (29th May 1973), Mexico (18th May 1994), the Czech Republic (21st December 1995), Hungary (7th May 1996), Poland (22nd November 1996), Korea (12th December 1996) and the Slovak Republic (14th December 2000). The Commission of the European Communities takes part in the work of the OECD (Article 13 of the OECD Convention)”. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. iii.

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proposições prescritivas (normas jurídicas) estrangeiras, para o fim de descrever as

proposições prescritivas nacionais (normas jurídicas validadas do direito positivo

brasileiro)”.129

Conforme manifesta Heleno Taveira TÔRRES, “os princípios e critérios previstos

no art. 9º das convenções ratificadas pelo Brasil, com base no Modelo OCDE, voltados para

definir a retificação de preços, devem acomodar-se à normativa interna, prevista no

ordenamento brasileiro, e à luz do texto constitucional”,130 seguido por Paulo Borba

CASELLA, Thelma Perez Soares CORREA e Ralph SAPOZNIK,131 que tratam as

convenções internacionais como direito interno, norma vigente, devendo ser interpretadas e

aplicadas, mas que ao mesmo tempo constituem normas internacionais celebradas pelo Brasil

com outras soberanias, criando direitos e obrigações entre sujeitos de direito internacional,

naquilo que prevêem tais convenções.

Neste sentido, os autores afirmam que, “se de um lado, as Convenções em matéria

de bitributaçao e evasão fiscal cristalizam, no nosso ordenamento jurídico interno, a expressão

concreta do direito tributário internacional ou direito internacional tributário, referidas

convenções tem de ser interpretadas e aplicadas em consonância com o conjunto desse

ordenamento no qual se inserem”.132

O que não ensejaria, sem seu entendimento, a aplicação das normas vigentes no

ordenamento jurídico interno se em confronto com aquelas presentes nos acordos de

bitributação dos quais o Brasil seja signatário, se no caso concreto estiverem presentes partes

localizadas no território brasileiro e no território do outro Estado signatário, de modo que,

havendo confronto, ficará o Fisco brasileiro impedido de aplicar as regras de preços de

transferência.133

129 GONÇALVES, José Artur Lima. Certos aspectos da disciplina dos preços de transferência em face do ordenamento constitucional brasileiro. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 222.130 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 303.131 Cf. CASELLA Paulo Borba. CORREA, Thelma Perez Soares. SAPOZNIK, Ralph. Preço de transferência: “Interface” entre direito interno e direito internacional. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 280.132 Idem. Ibidem. p. 281.133 Por exemplo, nos casos de diferença de atribuição do qualificativo “vinculadas” às empresas pelo ordenamento interno e pela convenção internacional e ainda quando houver, naquele primeiro, eventual restrição ou limitação ao princípio arm’s length. Idem. Ibidem. p. 284.

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Pois bem.

No Brasil, é visualizada uma ampliação do alcance destas regras inibidoras de elisão

fiscal, ao serem dirigidas, também, além das trocas entre estabelecimentos de pessoas

vinculadas – aí se incluindo, obviamente, as transnacionais – situados em diferentes

territórios, às operações realizadas com pessoas localizadas em países de tributação

favorecida (tax heavens), bem como daqueles cuja legislação interna oponha sigilo relativo à

composição societária de pessoas jurídicas ou a sua titularidade, independentemente de haver

qualquer espécie de vinculação. O próprio conceito de pessoa vinculada, como se verá, é

bastante extenso na legislação brasileira.

Isso porque o conceito de partes relacionadas veio acobertar não somente as

empresas que compõem um grupo transnacional, mas também aquelas “que simplesmente

mantêm entre si vínculos de cooperação, por contrato ou por questões de interesse econômico,

criando um regime de privilégios nos preços praticados entre si”.134 Nosso direito considera,

ainda, como vinculadas, consórcio ou condomínio e até o companheiro de qualquer dos

diretores, sócios ou acionistas controladores.

3.2.1. Do tratamento dado pelo direito brasileiro anteriormente ao advento da Lei

n.º 9.430/96

Somente em 1996 é que surgiram, no direito brasileiro, os veículos introdutores das

normas gerais e abstratas que primeiro vieram instituir o conceito e os deveres instrumentais

aplicáveis aos preços de transferência.

É cediço que desde antes de 1996 já existem, em vigor perante o sistema jurídico

brasileiro, diversos tratados internacionais com base no Modelo OCDE, que trazem em seu

art. 9º o conceito de “empresas associadas” e possibilitam a realização de ajustes nos lucros

das empresas para adequá-los ao princípio arm’s length e, conseqüentemente, sua tributação.

Entretanto, até antes do edição da Lei n.º 9.430/96, o Brasil não dispunha de qualquer

referência aos métodos de apuração do transfer pricing.

134 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 161.

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Importante observar que, a despeito da inexistência de normas de controle para os

preços de transferência stricto sensu anteriormente à edição da lei, o Brasil já contava com

ferramentas destinadas a manutenção do princípio arm’s length, assim para efeito do controle

da distribuição indireta de lucros, quanto ao regime da DDL – Distribuição Disfarçada de

Lucros (art. 432 e seguintes do antigo RIR); em relação ao IPI, nos termos do Decreto

2.637/98, art. 123, I, a; ao ICMS, nos termos da Lei Complementar 87/96; ao Imposto de

Importação, no controle dos preços na importação nos termos do art. VII do GATT. Também

a lei antitruste, Lei n.º 8.884/94, art. 21, XVIII e XIX e ainda a Lei n.º 8.137/90, que define os

crimes contra a ordem econômica e o consumo, já tratavam do assunto, ainda que de forma

indireta.

Traçando um paralelo entre o transfer pricing e a distribuição disfarçada de lucros,

Heleno Taveira TÔRRES manifesta que em ambas as operações não ocorre transferência

direta de lucros, mas operações que concorrem para a formação dos lucros da pessoa

vinculada situada em território que os tribute de forma mais amena.

Para o autor, um dos aspectos que diferenciam os institutos é o fato de que, em uma

operação – de transfer pricing –, “pretendem as partes, geralmente, alcançar uma alocação

territorial optimal dos rendimentos, ou reduzir os efeitos da progressividade da tributação,

anteriormente a formação dos lucros”; na outra, de distribuição disfarçada de lucros “se

pretende efetuar uma ilegítima transferência de rendas da sociedade para os sócios, direta ou

indiretamente, configurando uma forma de evasão fiscal”.135

Alberto XAVIER136 anota que, no regime da DDL, as presunções de distribuição

disfarçada de lucros podiam ser elididas pela prova de que o negócio tenha sido realizado no

interesse da pessoa jurídica e em condições estritamente comutativa ou em que ela contrataria

com terceiros; já a política do transfer pricing no direito brasileiro, nada obstante adotada

com base nas recomendações da OCDE que, ao contrário, não assenta na presunção de

artificialismo dos preços, vem estabelecer a prevalência automática do preço objetivo quando

existentes relações de vinculação, independentemente de uma investigação administrativa das

circunstâncias de cada caso.

135 Idem. Ibidem. p. 296.136 Cf. XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Tributação das operações internacionais. p. 305.

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Concluindo tratar-se de uma espécie de arbitramento, Heleno Taveira TÔRRES e

Alberto XAVIER entendem ser inconstitucional a determinação de um preço objetivo pela lei

brasileira, por consistir em uma presunção legal que conduz à determinação de uma base

imponível distinta da prevista em lei, absoluta, portanto. Isso em razão de a lei impor

restrições ao exercício do contraditório e da ampla defesa previstos no art. 5º, LV, da

Constituição Federal, por limitar os meios de prova que o contribuinte dispõe.137

3.2.2. Da introdução do conceito e das regras aplicáveis aos preços de

transferência no direito brasileiro

3.2.2.1. Validade, vigência e eficácia – O sistema de direito positivo é formado

pelo conjunto de normas válidas, sendo considerada validade uma relação que há entre a

norma examinada e um critério objetivo, desde que a norma se ajuste a este critério. Validade

é, portanto, não uma característica, mas um vínculo essencial que a norma deve ter para,

dentro de determinado sistema, produzir efeitos concretos. Se inválida, logo não é norma.

Para o Prof. Paulo de Barros CARVALHO, “a validade não deve ser tida como

predicado monádico, como propriedade ou como atributo que qualifica a norma jurídica. Tem

status de relação: é o vínculo que se estabelece entre a proposição normativa, considerada na

sua inteireza lógico-sintática e o sistema do direito posto, de tal sorte que ao dizermos que u’a

norma ‘n’ é válida, estaremos expressando que ela pertence ao sistema ‘S’”. 138 Nesse sentido,

se válida, será norma; não sendo válida, não será norma, mas “outra entidade, porque norma

jurídica ainda não será”.139

Vigência pode ser definida como o atributo da norma que está pronta para surtir os

efeitos que ela carrega em seu conseqüente, regulando deonticamente (permitindo, proibindo

ou obrigando) condutas intersubjetivas.

137 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 278; XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Tributação das operações internacionais. p. 318. Neste sentido, tanto a Lei n.º 9.430/96, instrumento introdutório primário das normas de preços de transferência, quanto as Instruções Normativas 38/97, 32/2001 e 243/2002, instrumentos introdutórios secundários, traçaram critérios objetivos para apuração dos lucros decorrentes de operações realizadas mediante a transferência de preços, estabelecendo margens de lucro presumidas (ou arbitradas), ainda que suscetíveis de modificação por ato do Secretário da Receita Federal ou pelo próprio contribuinte, desde que as comprove através de documentos idôneos, reconhecidos internacionalmente e previstos naquela lei.138 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário – Fundamentos jurídicos da incidência. 2. ed. p. 50.139 Idem. Ibidem. p. 50.

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Eficácia é atributo de norma válida e vigente que a permite produzir os efeitos que

pretende, seja porque independe de outras regras, de igual ou inferior hierarquia, seja porque

existam condições materiais para a produção destes efeitos (eficácia técnica) ou ainda, quando

os produzindo, efetiva e reiteradamente, no mundo social (eficácia social).

Como atributo dos fatos jurídicos, a eficácia vem qualificada como jurídica, ou seja,

desde que os fatos provoquem os efeitos que lhe são próprios. É a relação de causalidade

jurídica.

Para o Prof. Paulo de Barros CARVALHO, “as leis, enquanto produto cultural do

homem vêm irremediavelmente impregnadas pela necessidade de tudo relacionar a essas

condições [espaço e tempo] a priori da sensibilidade. Estão por isso destinadas a cobrir um

determinado setor do mundo externo, fazendo-o por certo trato de tempo que ela mesma

demarca, como unidade de um sistema jurídico igualmente submetido a idênticas

limitações”.140

Quanto à vigência, conclui que “a norma jurídica se diz vigente quanto está apta para

qualificar fatos e determinar o surgimento de efeitos de direito, dentro dos limites que a

ordem positiva estabelece, no que concerne ao espaço e no que consulta ao tempo”.141

Questão importante a ser analisada é a concernente à vigência das normas tributárias

no espaço, com a finalidade de se identificar o âmbito territorial de sua aplicação, sobretudo

em razão de ser o Brasil uma república soberana,142 federativa, constituída por Estados-

membros e municípios por sua vez dotados de autonomia.143

140 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 15. ed. p. 84.141 Idem. Ibidem. p. 84.142 Para Sahid MALUF, soberania “é uma autoridade superior que não pode ser limitada por nenhum outro poder”. O órgão federal é, portanto, o único dotado de soberania perante o direito interno e externo. Prossegue, ainda, o mesmo autor: “Ressalta logo à evidência que não são soberanos os Estados membros de uma Federação. O próprio qualificativo de membro afasta a idéia de soberania. O poder supremo é investido no órgão federal. (...) A soberania é uma só, una, integral e universal. Não pode sofrer restrições de qualquer tipo, salvo, naturalmente, as que decorrem dos imperativos de convivência pacífica das nações soberanas no plano do direito internacional.” (grifos do original). MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 21. ed. p. 29-30.143 Sahid MALUF rebate a tese de que os Estados-membros possuem “soberania de direito interno”, defendida por “alguns teóricos do federalismo norte-americano”. Para ele, “soberania relativa ou condicionada por um poder normativo dominante não é soberania. Deve ser posta em termos de autonomia, no contexto geral do Direito.” (grifos do original). Idem. Ibidem. p. 30.

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O conceito de territorialidade pressupõe a existência de limites impostos pelo direito

positivo com o fim de se evitar que a atividade legislativa de cada uma das pessoas políticas

interfira nas demais, perante o direito interno, considerando-se ainda como pessoa política a

própria nação, perante o direito das gentes (direito internacional). É dizer, nas palavras do

Prof. Paulo de Barros CARVALHO, que “a legislação produzida pelo ente político vigora no

seu território e, fora dele, tão somente nos estritos limites em que lhe reconheçam

extraterritorialidade os convênios de que participem”.144

Nesse diapasão, o princípio da territorialidade rege que somente os fatos que

aconteçam dentro dos limites geográficos do ente político competente para a edição das

normas jurídicas que contenham, em suas hipóteses, a descrição hipotética desses fatos, é que

estarão aptos a instaurar a relação jurídica tributária deles decorrentes, dependendo,

logicamente, da necessária versão em linguagem. E isso tem a ver com a vigência das normas,

ou seja, diz-se vigente, naquele contorno territorial em que exercida a competência para sua

criação, a norma que descreve determinado fato e prescreve a relação decorrente de sua

ocorrência.

É cediço, no entanto, que por vezes as normas têm o condão de atingir fatos ocorridos

fora de sua área territorial de atuação. Isso se deve à permissão constitucional de celebração

de convênios entre os Estados-membros e entre os Municípios, entre estes e a União, ou

mesmo entre esta e outras nações, no direito das gentes, através de tratados e convenções

internacionais. Têm-se, portanto, como regra, a territorialidade e, como sua exceção, a

extraterritorialidade.

Consideradas essas premissas, colocamo-nos em condições de avaliar se a Lei n.º

9.430/96 se trata de norma jurídica válida, vigente e dotada de eficácia no território brasileiro.

3.2.2.2. Da Lei n.º 9.430/96, como veículo introdutor primário de normas gerais e

abstratas instituidoras de deveres instrumentais adequado para o controle dos preços de

transferência – Editada a Lei n.º 9.430/96,145 os preços de transferência passaram a ser

periodicamente controlados, objetivando-se minimizar ou evitar as perdas decorrentes das

144 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 15. ed. p. 88.145 Lei n.º 9.430, de 27.12.1996 (D.O.U.: 30.12.1996): “Dispõe sobre a legislação tributária federal, as contribuições para a seguridade social, o processo administrativo de consulta e dá outras providências”.

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estratégias adotadas pelas empresas de remeter lucros para o exterior através da transferência

de preços entre matrizes e subsidiárias.146

É necessário, primeiramente, tratarmos da análise quanto à adequação deste

dispositivo para o tratamento das regras de preços de transferência perante nosso sistema

constitucional. Façamos, outrossim, um parêntese para bem tratar dos critérios de

classificação que o direito positivo comporta, de veículos introdutores e introduzidos e de

normas gerais e abstratas e normas individuais e concretas, bem como ainda dos conceitos

de obrigações principal e acessória (dever instrumental), desenvolvidos pela Ciência do

Direito.

A classificação é um ato intelectual que na maioria dos casos realizamos

inadvertidamente, já que nos é revelado junto com a linguagem. Agrupamos os objetos

individuais em conjuntos ou classes, e estabelecemos que um objeto irá pertencer a uma

classe determinada quando reúna tais ou quais condições.

As classificações, do mesmo modo que a identificação de entes individuais, não são

coisas que estão na natureza e que, em conseqüência, podem ser conhecidas mediante um

adequado estudo do universo. A classificação é um fato cultural e, às vezes, meramente

individual, não existindo, portanto, classificações verdadeiras nem classificações falsas, tal

como não existem nomes verdadeiros nem falsos para cada objeto. Há classificações aceitas

ou pouco conhecidas, úteis ou inúteis (para algum fim).

José Artur Lima GONÇALVES atribui às classificações a seguinte definição:

“A razão de ser das classificações científicas está na respectiva utilidade – que consiste na identificação do regime jurídico próprio de cada uma das categorias criadas. Uniforme o regime jurídico, inútil a classificação, cuja idealização não passa de nonsense”.147

As características presentes em certo objeto, suficientes para enquadrar-lhe em

determinada classe de objeto, se chamam características definitórias da palavra em questão.

Outras características, ainda que presentes no objeto enquadrado em determinada classe, mas

146 Segundo Heleno Taveira TÔRRES, foi a constatação desta prática que levou a Receita Federal a organizar uma Comissão para elaborar o projeto de lei que deu origem a Lei n.º 9.430/96. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 166.147 GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a renda. Pressupostos constitucionais. 1. ed. 2. tir. p. 152.

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com presença irrelevante para que lhe assinemos determinado nome, chamam-se

características concomitantes ou acidentais a respeito desse nome.148

3.2.2.2.1. Do princípio constitucional da legalidade – A introdução dos deveres

inerentes ao controle dos preços de transferência em nosso ordenamento jurídico através de lei

decorre do Princípio Constitucional da Legalidade.

Conforme preceitua o Prof. Paulo de Barros CARVALHO,149 os princípios

constitucionais podem aparecer como “normas”, enquanto portadores de posição privilegiada

que estipulam limites de conduta, ou, enquanto “valor jurídico”, em função do próprio valor

do que lhe está agregado, trazendo, ainda em certos casos “critério objetivo”, na medida em

que formam estruturas normativas de limites objetivos independentes, que podem ser tomadas

sem levar em conta a estrutura da norma.

Explicito em nosso sistema no artigo 5º, II da Constituição Federal, referido

princípio significa que não podem surgir obrigações nem direitos subjetivos correlatos sem

que haja, antes, lei os estipulando.

O objetivo primordial do direito é regular a conduta, e este regulamento deve ser

feito por lei. É norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos.150

Os limites objetivos são postos para atingir certas metas, certos fins, que, por sua

vez, assumem o porte de valores. Os limites não são valores considerados em si mesmos, mas

voltam-se para realizá-los, de forma indireta, mediata. Na pragmática da comunicação jurídica

é fácil perceber os limites objetivos e comprová-los, o mesmo não se dizendo quanto aos

valores.

148 Cf. GUIBOURG, Ricardo. GHIGLIANI, Alejandro. GUARINONI, Ricardo. Introducción al conocimiento cientifico. p. 46.149 Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 15. ed. p. 144. Conforme preleciona o ilustre professor, não há hierarquia entre os princípios jurídicos tributários. A única supremacia que pode haver surgirá à partir do conteúdo intrínseco que representam para a ideologia do intérprete, o que nos permite falar em princípios e sobreprincípios. No mais, os princípios da legalidade estrita, da irretroatividade, da capacidade contributiva, da vedação da instituição de tributo com efeito de confisco, dentre outros, não guardam qualquer relação de hierarquia entre si. Neste sentido, idem. Ibidem. p. 147.150 Valores são intrínsecos dos princípios, é aquilo que buscam à partir das regras que impõem. Limites objetivos são as próprias regras impostas. Cf. Idem. Ibidem. p. 144.

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Do que se conclui ser o princípio da legalidade um limite objetivo, já que dispensa

qualquer recurso a axiologia para bem compreendê-lo, voltado, isto sim, a realização de

valores mediatamente, dentre eles o da certeza de que os direitos e obrigações normatizados

em nosso Estado – cuja característica principal é ser democrático de direito – decorrem única

e exclusivamente da vontade do próprio povo, exteriorizada através dos enunciados

produzidos pelas fontes competentes.151

3.2.2.2.2. Do critério de classificação das normas jurídicas em gerais e abstratas e

em individuais e concretas152 – Normas gerais e abstratas são aquelas que possuem como

características definitórias a descrição de situações colhidas no ambiente social e a prescrição

das relações que devem surgir quando da efetivação, no mundo fenomênico, daquelas

situações previstas em hipótese. Já as individuais e concretas são as que relatam a ocorrência

de um fato (evento) que se subsume à classe da hipótese, e prescrevem a relação jurídica dele

decorrente, especificando as pessoas e o objeto que a compõem.

Em Hans KELSEN, podemos encontrar no que consiste tal distinção:

“A norma geral, que liga a um fato abstratamente determinado uma conseqüência igualmente abstrata, precisa, para poder ser aplicada, de individualização. É preciso estabelecer se in concreto existe um ato que a norma geral determina in abstracto; e é necessário pôr um ato concreto de coerção – isto é, ordená-lo e depois executá-lo –para este caso concreto, ato de coerção, esse que é igualmente determinado in abstracto pela norma geral. Portanto, a aplicação de uma norma geral e abstrata a um caso concreto consiste na produção de uma norma individual, na individualização (ou concretização) da norma geral. E, por isso, a função da norma geral a aplicar também pode consistir em determinar o conteúdo da norma individual que é produzida através do ato judicial ou administrativo, da decisão judicial ou da resolução administrativa”.153

151 Sobre fontes do direito, ver MOUSALEN, Tarek Moises. Fontes do direito tributário.152 Outros critérios de classificação existem, e podem se referir ao conteúdo das normas, ao modo em que são estabelecidas, aos seus destinatários, à natureza e à estrutura da sociedade regulada etc. (aspecto material). Para o objeto do presente estudo interessa-nos aquele critério comumente utilizado na lógica jurídica quanto ao aspecto formal da norma, que as distingue em gerais e abstratas e individuais e concretas, o que, contudo, não significa desconsiderar-se a existência de outras, gerais e concretas e individuais e abstratas.153 KENSEN, Hans. Teoria pura do direito. p. 248.

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Na esteira desse entendimento, as normas jurídicas não são somente as gerais e

abstratas, mas também as individuais e concretas. Norberto BOBBIO,154 criticando a doutrina

que trata da generalidade e abstração como “requisitos essenciais da norma jurídica”, aduz:

“De fato, a doutrina da generalidade e abstração das normas jurídicas é, por um lado, imprecisa, porque não esclarece com freqüência se os dois termos, ‘geral’ e ‘abstrato’, são usados como sinônimos (‘as normas jurídicas são gerais ouabstratas’), ou então, como tendo dois significados diferentes (‘as normas jurídicas são gerais e abstratas’). Por outro lado, é insuficiente e francamente nos leva para a direção errada, porque colocando em evidência os requisitos da generalidade e da abstração, faz crer que não haja normas jurídicas individuais e concretas. (...) Ao invés de usar indiscriminadamente os termos ‘geral’ e ‘abstrato’, julgamos oportuno chamar de ‘gerais’ as normas que são universais em relação aos destinatários, e ‘abstratas’ aquelas que são universais em relação à ação. Assim, aconselhamos falar em normas gerais quando nos encontramos frente a normas que se dirigem a uma classe de pessoas; e em normas abstratas quando nos encontramos frente a normas que regulam uma ação-tipo (ou uma classe de ações). Às normas gerais se contrapõem as que têm por destinatário um indivíduo singular, e sugerimos chamá-las de normas individuais; às normas abstratas se contrapõem as que regulam uma ação singular, e sugerimos chamá-las de normas concretas”. 155

Tem-se, no entanto, que as normas gerais e abstratas são insuficientes para atuar nos

casos materialmente definidos, concretizados, ocorridos no mundo real – dada sua própria

condição de generalidade e abstração –, do que decorre a necessidade de aplicação, pelo

homem, da norma jurídica. Não nos parece, deste modo, que a incidência da norma seja

“imediata, instantânea e infalível” como afirmou Alfredo Augusto BECKER,156 mas depende

do ser humano, praticando aqueles fatos conhecidos como fontes de produção normativa, de

que trata o processo de positivação do direito, conforme nos ensina o Prof. Paulo de Barros

CARVALHO.157

A chamada “incidência jurídica” depende, portanto, do ato de aplicação, por meio do

qual “o direito é construído em cadeias sucessivas de regras, desde a norma hipotética

fundamental até as normas de mais baixa hierarquia, localizadas na base do ordenamento

jurídico, e que buscam nas mais elevadas seu fundamento de validade. Os enunciados

conotativos das normas gerais e abstratas, de elevada carga de indeterminação, necessitam de

154 Para este eminente jusfilósofo, são quatro os tipos de proposições jurídicas: prescrições com destinatário universal, prescrições com destinatário singular, prescrições com ação universal, prescrições com ação singular. BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 179 e ss. (grifos do original).155 Idem. Ibidem. p. 181 (grifos do original).156 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. p. 307.157 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário – Fundamentos jurídicos da incidência. 2. ed. p. 34.

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enunciados denotativos das normas individuais e concretas para alcançarem a conduta

humana”.158

A incidência jurídica depende de duas operações formais: a primeira, que trata de

reconhecer uma ocorrência concreta, localizada num ponto do espaço e do tempo, como

abrangida em uma classe de fatos previstos no antecedente (suposto) de uma norma geral e

abstrata – subsunção; a segunda, que faz surgir a relação jurídica exatamente como prevista

no conseqüente da norma geral e abstrata, uma vez reconhecida, pela subsunção, a ocorrência

hic et hunc daquele fato previsto no antecedente – implicação.159

Esta incidência não ocorrerá “se não houver um ser humano fazendo a subsunção e

promovendo a implicação que o preceito normativo determina”,160 isto é, as normas, para

incidir, dependem do movimento do homem, único responsável pelo processo de positivação

do direito, cuja realização consiste na extração, de normas gerais e abstratas, outras normas

gerais e abstratas, gerais e concretas ou individuais e concretas.

Assim, quando forem atingidas as condutas interpessoais que o direito pretende

regular, ou seja, quando “feridas as condutas”, é que efetivamente ocorrerá a realização do

direito. E a realização do direito, que se dá por intermédio da ação do homem, depende

sempre de uma linguagem, que por sua vez certifique a ocorrência dos acontecimentos

factuais e expeça comandos normativos com o padrão formal: antecedente, onde é descrito o

fato; e conseqüente, que estabeleça os sujeitos da relação e seu objeto.

É a linguagem competente que irá transformar o evento (acontecimento no mundo

real, da experiência) em fato (expressão lingüística, relato deste evento), componente do

antecedente da norma individual e concreta. E a mesma linguagem fará nascer a relação

jurídica dele decorrente, prescrita no conseqüente desta norma.

158 FERRAGUT, Maria Rita. Presunções no direito tributário. p. 25 (grifos nossos).159 Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário – Fundamentos jurídicos da incidência. 2. ed. p. 9. Para Karl LARENZ, subsunção é a afirmação “de que as notas mencionadas na previsão da norma jurídica estão globalmente realizadas no fenômeno da vida a que tal enunciado se refere”. LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. p. 327. Eurico M. D. de SANTI entende que “subsunção é, pois, a parte da incidência que efetua a operação lógica entre estes conceitos [da norma e do fato]; incidência, a globalização deste fenômeno que aproxima, demarca, liga e vincula conceitos; produzindo, como resultado, o fato jurisdicizado. SANTI, Eurico M. D. de. Lançamento tributário. p. 62-63.160 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário – Fundamentos jurídicos da incidência. 2. ed. p. 9 (os grifos são do original).

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Tenha-se presente, portanto, que o processo de positivação do direito depende

sempre da linguagem, de modo que, em sua ausência, eventos ocorridos no mundo real, ora

por não estarem descritos no suposto de normas gerais e abstratas,161 ora por estarem descritos

naqueles antecedentes, mas que por alguma razão não forem transformados em “fatos” (por

não serem relatados em norma individual e concreta), não serão considerados fatos jurídicos,

e que, conseqüentemente, não darão ensejo à produção de quaisquer direitos e deveres

correlatos.

Agora, o percurso do dever-ser encerra-se no momento em que o destinatário da

norma capta a mensagem normativa (na ocorrência do fato “F”, deve-ser a conduta “C” do

sujeito “S’” perante o sujeito “S’’”), passando-se agora para o plano do ser, onde o individuo

deverá orientar seu comportamento de acordo, ou não, com aquela conduta (“C”) prescrita.

Ao inclinar-se ao cumprimento da conduta, o individuo contribuirá para a eficácia social da

norma, cujo reconhecimento dependerá, sempre, da manifestação da vontade de cumprir ou de

um fator condicionador desta vontade, v.g. a sanção.162

Mais do que tudo isso, ao elaborar a norma, deve o legislador ater-se ao regime

político adotado naquele território em que ela deverá vigorar (União, Estados, Municípios,

Distrito Federal), observando o quanto disposto em sua lei maior – a Constituição – na qual

poderá encontrar todos os aspectos que envolvem sua soberania e as imposições e

conseqüências decorrentes da adoção do regime democrático (v.g., o princípio da legalidade)

e de ser o Estado uma república federativa.

Restará, para o legislador, uma competência delimitada por diversos fatores, tanto de

direito interno quanto de direito internacional, ora instituídos por ordem do poder constituinte

161 Por estarem fora do “território da facticidade jurídica”. De acordo com o Prof. Paulo de Barros CARVALHO, “como toda linguagem é redutora do mundo sobre o qual incide, a sobrelinguagem do direito positivo vem separar, no domínio do real social, o setor juridicizado do setor não juridicizado. Vem desenhar, enfim, o território da facticidade jurídica. Assim como um evento qualquer, para tornar-se fato, exige relato em linguagem competente, qualquer acontecimento ou mesmo qualquer fato social que pretenda ingressar no reino da facticidade jurídica precisa revestir-se da linguagem própria que o direito impõe”. Idem. Ibidem. p. 11.162 Nem sempre a previsão de uma sanção é fator primordial para a decisão do individuo entre cumprir ou não a conduta prescrita. No campo tributário, a experiência nos mostra que é nos componentes da regra-matriz de incidência, mais do que na própria sanção, que podem ser encontrados os fatores decisivos para a predisposição à satisfação da obrigação tributária. Daí a necessidade de o legislador se preocupar com a ideologia e os valores culturais de seus destinatários, precavendo-se assim quanto à sua eventual insatisfação e conseqüente inclinação ao não cumprimento das normas positivadas Isso ainda sem prejuízo de o legislador, ao elaborar a norma, cuidar para que sejam amenizadas as conseqüências negativas da submissão do individuo ao seu cumprimento, seja através de uma contraprestação, seja através de benefícios individuais ou de serviços públicos (saúde, educação, transporte, segurança etc.) prestados de forma satisfatória.

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originário,163 ora pelo direito das gentes, mas que, sobretudo, têm força coativa e submetem o

poder constituído às suas prescrições.

3.2.2.2.3. Do critério de classificação em veículos introdutores primários e

secundários e veículos introduzidos – Trata-se, a lei ordinária que cuida das regras de controle

dos preços de transferência, de veículo introdutor primário de normas em nosso ordenamento

jurídico, ficando as instruções normativas enquadradas na categoria de veículo introdutor

secundário.

Seguindo os ensinamentos do Prof. Paulo de Barros CARVALHO,164 entendemos

que toda regra jurídica ingressa no sistema introduzida por outra norma, chamada de veículo

introdutor de normas (norma introdutora). A primeira é, portanto, a norma introduzida.

Partindo-se do artigo 5º, II, da Constituição Federal, que determina que “ninguém

será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, tomamos a lei,

em sentido amplo, como o instrumento primário de introdução de normas no direito brasileiro.

A lei constitucional, por sua vez, é instrumento soberano, que se sobrepõe a todos os

demais veículos introdutores de normas. Abriga muitas normas de estrutura, que prescrevem

como devem ser produzidas as normas de inferior hierarquia. São sobrenormas, pois

prescrevem a forma que as regras de direito tributário deverão ter, sem contudo adentrar na

conduta em si. O texto constitucional, assim, não é a via adequada para a criação de tributos, o

que fica outorgado às leis, pelo próprio princípio da legalidade, insculpido no artigo 150, I da

Constituição.

163 A Assembléia Nacional Constituinte era soberana e “tudo podia, inclusive em matéria tributária”. Cf. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 16. ed. p. 414. Ao contrário das pessoas políticas, que não têm poder, mas competência tributária, a Assembléia Constituinte tinha poder tributário.164 O ilustre Professor afasta do uso da expressão “fontes formais” a fim de adotar “instrumentos introdutórios de normas, eis que “fontes” do direito são os focos ejetores de regras jurídicas, os órgãos habilitados pelo sistema para produzirem normas e a própria atividade desenvolvida por essas entidades, objetivando a criação de normas. São, portanto, os acontecimentos do mundo social, colhidos enquanto enunciação, juridicizados por regras do sistema e credenciados para produzir normas jurídicas introdutoras de outras normas. As fontes do direito são formadas pelos eventos enquanto enunciação, e não quando enunciados, que representam as normas introdutoras de outras normas e as normas introduzidas – direito positivo. As fontes do direito são, portanto, algo diferente do direito posto. Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 15. ed., rev. e atual. p. 52.

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A lei ordinária e a lei constitucional dividem o espaço de instrumento introdutor

primário com a lei complementar, a lei delegada, a medida provisória, o decreto legislativo

(este, veículo introdutor, em âmbito nacional, do conteúdo dos tratados e das convenções

internacionais: a ordem jurídica recolhe a matéria disposta nestes atos multilaterais de vontade

através deste instrumento) e as resoluções, do Congresso e do Senado.165

Os demais diplomas normativos devem seguir as prescrições da lei e destes demais

institutos normativos que têm vigor de lei, instrumentos primários que se encontram no

patamar dos veículos introdutores. São aqueles, por isso mesmo, chamados de instrumentos

secundários, não apresentando isoladamente a possibilidade de alterar as estruturas do direito

positivo, tão somente regulamentá-las. São os decretos, instruções normativas, portarias,

ordens de serviço etc.

A lei ordinária disciplina, ainda, os deveres instrumentais que devem ser observados

por contribuintes e não contribuintes, de modo a operacionalizar os processos de arrecadação,

fiscalização e de extinção da obrigação tributária.

Finalmente, as normas introduzidas, ordenadas e classificadas pelas referências a

seus veículos introdutores, deságua no que conhecemos por direito positivo, na plenitude de

sua configuração de sentido.

Os veículos que primeiro vieram introduzir normas gerais e abstratas referentes ao

conceito e as regras aplicáveis aos preços de transferência são a Lei n.º 9.430, de 27/11/1996

– veículo introdutor primário de normas –, a Instrução Normativa n.º 38, de 30/04/1997 e,

posteriormente, as instruções normativas n.º 32, de 30/03/2001 e 243, de 11/11/2002 –

veículos introdutores secundários de normas.

Tratam-se, neste sentido, as normas (ou veículos) introduzidas, de normas gerais e

abstratas que instituem deveres instrumentais atinentes ao controle dos preços de

transferência.

165 Idem. Ibidem. p. 57-74.

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3.2.2.2.4. Das normas introduzidas pelos veículos introdutores primário e

secundários como normas que instituem deveres instrumentais – Os deveres instrumentais não

correspondem a obrigações, eis que o artigo 3º do Código Tributário Nacional, ao estabelecer

que a obrigação tributária deve ser satisfeita em dinheiro, demonstra claramente que a relação

tributária tem feição nitidamente patrimonial. É autêntica e verdadeira obrigação.

Obrigação pode ser considerada, portanto, sinônimo de relação jurídica de cunho

patrimonial, ou seja, aquela que tenha índole apreciável economicamente. Outros são os

deveres instrumentais, comportamentos de fazer e não fazer, preordenados a facilitar o

conhecimento, o controle e a arrecadação da importância devida a título de tributo. Tais

deveres servem para possibilitar o controle, pelo Estado, quanto ao cumprimento das

obrigações estatuídas com a decretação dos tributos. Estes deveres consistem em escriturar

livros, emitir notas fiscais, apresentar documentos, prestar informações, fazer declarações,

dentre outros.

Conforme nos previne o Prof. Paulo de Barros CARVALHO,166 outras

denominações foram atribuídas aos deveres instrumentais, tais como deveres de contorno e

obrigações acessórias. Para o ilustre Professor, a primeira não há que prevalecer, dado que

muitos deveres não circundam qualquer obrigação tributária, assim como quando o

contribuinte apresenta sua declaração de rendimentos sem, contudo, ter imposto a pagar. A

segunda, denominação utilizada pelo Código Tributário Nacional, da mesma forma, comporta

algumas objeções, eis que não podem se tratar de obrigações dado que não são suscetíveis de

apreciação econômica. Pode ser também que não sejam acessórias, assim como na crítica

aduzida a locução anteriormente apontada.

De modo que deveres instrumentais (ou formais, vocábulo também aceito) são

deveres, por não terem cunho obrigacional, ou seja, por carecerem de patrimonialidade.

Instrumentais ou formais, porque tomados em conjunto, são o instrumento de que o Estado

dispõe para que possam ser satisfeitos seus desígnios tributários. Através de seu cumprimento,

é que o Estado fica sabendo da existência do acontecimento fático, previsto no antecedente da

norma geral e abstrata que traz a regra-matriz de incidência tributária (hipótese).

166 Cf. Idem. Ibidem. p. 294.

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Para nós, em que pese termos feito referência a tais deveres como obrigações

acessórias, para fins de compará-las àquelas principais, corroboramos do entendimento de

melhor se adequar a locução deveres instrumentais, pelas razões expostas.

Tratam-se, ambas, de relações jurídicas tributárias, que são relações de cunho

patrimonial e também aquelas que fazem irromper meros deveres administrativos. As

primeiras, representadas pelo núcleo da norma que define a incidência – regra-matriz – e as

outras, a ela se referem, a fim de que seja possível a operatividade do implemento da

obrigação. O objeto, sendo suscetível de avaliação econômica, atribui à relação jurídica o

caráter de obrigacional; sendo não suscetível de avaliação econômica, será uma relação

jurídica não obrigacional, ou veiculadora de meros deveres.

Conclui-se, deste modo, que as normas de controle dos preços de transferência

instituem deveres instrumentais.

3.2.2.2.5. Dos deveres instrumentais introduzidos pela Lei n.º 9.430/96 – No que se

refere às operações passivas – importação –, por seu art. 18, a lei determina que “os custos,

despesas e encargos relativos a bens, serviços e direitos, constantes dos documentos de

importação ou de aquisição, nas operações efetuadas com pessoa vinculada, somente serão

dedutíveis na determinação do lucro real até o valor que não exceda ao preço determinado por

um dos seguintes métodos:” PIC – Preços Independentes Comparados, PRL – Preço de

Revenda menos Lucro, CPL – Custo de Produção mais Lucro.

Para as operações ativas – exportações –, prevê seu art. 19 que “as receitas auferidas

nas operações efetuadas com pessoa vinculada ficam sujeitas a arbitramento quando o preço

médio de venda dos bens, serviços ou direitos, nas exportações efetuadas durante o respectivo

período de apuração da base de cálculo do imposto de renda, for inferior a noventa por cento

do preço médio praticado na venda dos mesmos bens, serviços ou direitos, no mercado

brasileiro, durante o mesmo período, em condições de pagamento semelhantes”.

Referido artigo determina que, sendo verificado que o preço de venda nas

exportações é inferior àquele limite de noventa por cento, as receitas das vendas nas

exportações serão determinadas tomando-se por base o valor apurado segundo um dos

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seguintes métodos: PVEx – Preço de Vendas nas Exportações, PVA – Preço de Venda por

Atacado no País de Destino, diminuído do lucro, PVV – Preço de Venda no Varejo no País de

Destino, diminuído do lucro, CAP – Custo de Aquisição ou de Produção mais Tributos e

Lucro.

A lei estabelece, tanto nos métodos de controle para as importações quanto para as

exportações, diversos percentuais de margens de lucro presumidas, estipulando, também, em

seu art. 20, que em circunstâncias especiais, o Ministro de Estado da Fazenda poderá alterar

tanto estes percentuais quanto aquele previsto na hipótese da norma que estabelece em seu

conseqüente a sujeição do exportador ao regime de arbitramento das receitas através dos

métodos nele prescritos.

As regras de controle de preços de transferência nas importações, ainda conforme a

lei, não se aplicam aos casos de royalties e assistência técnica, científica, administrativa ou

assemelhada, os quais permanecem subordinados às condições de dedutibilidade constantes

da legislação aplicável a cada caso.

Referida lei dispõe, ainda, sobre as formas de apuração dos custos e preços médios a

serem utilizados nos critérios de comparabilidade que estabelece, permitindo ao contribuinte a

utilização de margens de lucro diversas daquelas previstas nos métodos desde que as

comprove através de documentos hábeis, na forma do que dispõe o seu art. 21.

Os juros pagos ou creditados por pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil a não

domiciliadas e as receitas financeiras decorrentes de mútuo auferidas por aquelas primeiras

recebem tratamento específico, dispondo o art. 22 da lei que, para fins de dedução e

tributação, devem ser utilizados respectivamente os limites máximos e mínimos

correspondentes ao “montante que não exceda ao valor calculado com base na taxa Libor,

para depósitos em dólares dos Estados Unidos da América pelo prazo de seis meses, acrescida

de três por cento anuais a título de spread, proporcionalizados em função do período a que se

referirem os juros”.

São apresentados, ainda, os conceitos de pessoas vinculadas e de países com

tributação favorecida, necessários que são para que se possa dar plena aplicabilidade aos

dispositivos que estabelecem os métodos de controle dos preços de transferência, eis que

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somente estas pessoas, vinculadas às domiciliadas no Brasil ou localizadas em países com

tributação favorecida, é que poderão estar sujeitas ao regramento estipulado por aquela lei.

Atualmente, nosso tribunal administrativo (Conselho de Contribuintes) tem

colaborado com diversos julgados sobre o tema, trazendo, em especial, novas interpretações

sobre a aplicação das regras de preços de transferência, destacando-se, sobretudo, as decisões

sobre a questão da aplicabilidade do método chamado de “PRL-20” antes da edição da Lei n.º

9.959/2000 e respectiva regulamentação, conforme veremos neste trabalho, em sub-capítulo

próprio.

3.2.2.3. Das Instruções Normativas 38/97, 32/2001 e 243/2002, veículos

introdutores secundários de normas gerais e abstratas instituidoras de deveres instrumentais

para o controle dos preços de transferência – Regulamentando os dispositivos da Lei n.º

9.430/96, foram editadas, pela Secretaria da Receita Federal, a Instrução Normativa n.º 38, de

30/04/1997, alterada pela de n.º 113, de 19 de dezembro de 2000 e, posteriormente, a

Instrução Normativa n.º 32, de 30/03/2001, que revogou as duas primeiras e, finalmente, a

Instrução Normativa n.º 243, de 11/11/2002, revogando a anterior e que se encontra

atualmente em vigor, com as alterações das Instruções Normativas n.º 321, de 14 de abril de

2003 e n.º 382, de 30 de dezembro de 2003.

Tratam-se de instrumentos secundários introdutores de normas, da espécie normas

complementares, nos utilizando da locução presente no art. 96 do Código Tributário Nacional,

que estabelece que “a expressão legislação tributária compreende as leis, os tratados e as

convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou

em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes”.167

167 O Prof. Paulo de Barros CARVALHO observa que, ao prever o que se insere no conceito de legislação tributária, o legislador coloca, em um mesmo patamar, os instrumentos primários e os instrumentos secundários de introdução de normas e outros instrumentos que nem sequer são introdutores de normas, por faltarem-lhes força jurídica vinculante. De modo que os tratados, as convenções internacionais, as praticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas e os convênios que entre si celebram a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, que são normas complementares, não podem fazer parte do complexo normativo tributário, por não serem os tratados e as convenções internacionais instrumentos hábeis para revogar ou modificar a legislação interna, mas os decretos legislativos que os ratificam. Da mesma forma os convênios firmados entre os Estados, que devem se submeter à apreciação legislativa e sujeitarem-se aos respectivos decretos expedidos pelas Assembléias dos estados, estes sim documentos hábeis a introduzirem normas no sistema e, portanto, entendidos no âmbito do que se há de entender por “legislação tributária”. Para o ilustre

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A primeira das normas complementares editada pela Secretaria da Receita Federal,

regulamentando a Lei n.º 9.430/96, além de detalhar com maior precisão os procedimentos

nela trazidos, trouxe imposições novas não previstas na lei, mas que acabaram por

indiretamente beneficiar os contribuintes.

A redação do art. 1º da primeira instrução168 já continha uma inovação em relação à

lei que regulamentava, ao dispor que as regras se aplicariam também às operações praticadas

por pessoa física residente no Brasil com pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no

exterior, consideradas vinculadas, já que a Lei n.º 9.430/96 somente se dirige às pessoas

jurídicas, eis que em seu art. 18 dispõe que a determinação do lucro real dependerá da

aplicação das regras de preços de transferência. Somente as jurídicas, todavia, é que podem se

sujeitar ao regime de tributação pelo lucro real.

A lei reafirma a pretensão original do legislador em instituir as regras de preços de

transferência tendo unicamente como destinatárias as pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil

quando trata, em seu art. 19, do conceito de pessoa vinculada “à pessoa jurídica domiciliada

no Brasil”, nada afirmando em relação às físicas.

Em relação à primeira das normas complementares, a segunda trouxe algumas

modificações, dentre elas a introdução, em seu art. 1º,169 da determinação de que as regras de

preços de transferência seriam aplicáveis às operações praticadas entre pessoas físicas ou

jurídicas residentes ou domiciliadas no Brasil consideradas vinculadas com pessoas físicas

residentes no exterior, além das pessoas jurídicas lá domiciliadas, que já encontravam

previsão na primeira instrução normativa, o que, para nós, não destoa do conteúdo original da

lei, que já previa a aplicabilidade das regras tanto quando se tratassem, as pessoas residentes

ou domiciliadas no exterior vinculadas, de físicas ou jurídicas.

Professor, a dicção do artigo 98 do CTN não pode prevalecer. Neste sentido, CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 15. ed., rev. e atual. p. 77. 168 Redação do art. 1º da IN/SRF n.º 38/97: “Art. 1º Para efeito da legislação do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido, a dedutibilidade de custos de bens e direitos importados e o reconhecimento de receitas e rendimentos derivados da exportação, em operações praticadas por pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil, com pessoa jurídica domiciliada no exterior, consideradas vinculadas, será efetuada de conformidade com o disposto nesta Instrução Normativa”. 169 Redação do art. 1º da IN/SRF n.º 32/2001: “Art. 1º Para efeito da legislação do imposto de renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a dedutibilidade de custos de bens e direitos importados e o reconhecimento de receitas e rendimentos derivados da exportação, em operações praticadas por pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil, com pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior, consideradas vinculadas, será efetuada de conformidade com o disposto nesta Instrução Normativa”.

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A IN/SRF n.º 32/2001 vem, contudo, reafirmar aquela pretensão presente

originalmente prevista na instrução que revoga, ao afirmar, no § 2º de seu art. 1º, que “as

disposições relativas ao tratamento tributário nas operações praticadas por pessoa jurídica

domiciliada no Brasil, com pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior,

aplicam-se, no que couberem, às operações praticadas por pessoa física residente no Brasil

com pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior”, ratificando o quanto já

disposto na redação do art. 1º da instrução anterior e repetido nesta.

Inovou, também, em relação aos métodos de apuração aplicáveis na importação de

bens aplicados na produção, estendendo a disposição original, que somente permitia a

aplicação de dois dos três métodos disponíveis. Tal inovação decorreu da inserção, pela Lei

n.º 9.959/2000, de novo dispositivo de redução da margem de lucro, não previsto

originalmente na Lei n.º 9.430/96.

Introduziu, ainda, por seu art. 6º,170 o conceito de “preço médio ponderado”,

estipulando que este deverá ser utilizado como parâmetro para fins de comparação com os

preços praticados, através de um dos métodos positivados pela lei (método PIC).171 Utiliza do

mesmo conceito em seu art. 14, ao estabelecer, pelo § 1º deste artigo,172 novamente o conceito

de “preço médio ponderado” quando estiverem sub-examem as receitas oriundas de

exportações para o exterior. Em ambos os casos, o preço médio ponderado é obtido pela

170 “Art. 6º. Para efeito de determinação do preço parâmetro com base nos métodos de que tratam os arts. 8º e 12, preliminarmente à comparação, os preços apurados em conformidade com esta Subseção, serão multiplicados pelas quantidades relativas à respectiva operação e os resultados apurados serão somados e divididos pela quantidade total, determinando-se, assim, o valor médio ponderado do preço a ser comparado com aquele registrado em custos, computado em conta de resultado, pela empresa.Parágrafo único. Para efeito de comparação, o preço médio ponderado dos bens, serviços e direitos adquiridos pela empresa vinculada, domiciliada no Brasil, será apurado considerando-se as quantidades e valores correspondentes a todas as operações de compra praticadas durante o período de apuração sob exame”.171 Assim, na forma de seu art. 8º: “Art. 8º A determinação do custo de bens, serviços e direitos, adquiridos no exterior, dedutível na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, poderá ser efetuada pelo método dos Preços Independentes Comparados (PIC), definido como a média aritmética ponderada dos preços de bens, serviços ou direitos, idênticos ou similares, apurados no mercado brasileiro ou de outros países, em operações de compra e venda, em condições de pagamento semelhantes”. Sobre os métodos de apuração dos preços de transferência, discorreremos neste trabalho no capítulo 6.172 “Art. 14. As receitas auferidas nas operações efetuadas com pessoa vinculada, ficam sujeitas a arbitramento quando o preço médio de venda dos bens, serviços ou direitos, nas exportações efetuadas durante o respectivo período de apuração da base de cálculo do imposto de renda, for inferior a noventa por cento do preço médio praticado na venda dos mesmos bens, serviços ou direitos, no mercado brasileiro, durante o mesmo período, em condições de pagamento semelhantes.§ 1º O preço médio a que se refere o caput deste artigo será obtido pela multiplicação dos preços praticados, pelas quantidades relativas a cada operação e os resultados apurados serão somados e divididos pela quantidade total, determinando-se, assim o preço médio ponderado”.

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multiplicação dos preços praticados, pelas quantidades relativas a cada operação e os

resultados apurados somados e divididos pela quantidade total.

A IN/SRF n.º 32/2001 vem reafirmar o quanto já disposto na lei que regulamenta, ao

dispor, em seus arts. 4º e 19, que, na hipótese de utilização de mais de um método, será

considerado o menor dos valores apurados, devendo o método adotado pela empresa ser

aplicado, consistentemente, por bem, serviço ou direito, durante todo o período de apuração.

Outras inovações foram introduzidas, agora, pela última das instruções normativas

editadas para regulamentar a Lei n.º 9.430/96 e que se encontra atualmente em vigor. Trata-se

da IN/SRF n.º n.º 243/2002, alterada pelas de n.º 321, de 14 de abril de 2003 e n.º 382, de 30

de dezembro de 2003.

Referida norma, em respeito àquela que regulamenta, acrescentou ao “mundo” da

sujeição às regras de preços de transferência os serviços, nos termos de seu art. 1º, assim

como já dispunha a Lei n.º 9.430/96 por seu art. 18, no que se refere às operações passivas, e

por seu art. 19, no que se refere às ativas.

Veio, ainda, por seu art. 4º, § 3º, determinar a vedação da aplicação de um dos

métodos disponíveis (o método PRL) quando não houver revenda dos bens importados, o que

nos parece óbvio, já que referido método depende, para a apuração do preço parâmetro, da

existência de uma operação de revenda dos bens importados ou, quando menos, de sua

utilização na produção e posterior revenda.173

O art. 5º da IN/SRF n.º 243/02 vem inserir, através de seus parágrafos, algumas

regras contábeis que devem ser seguidas caso o preço praticado na aquisição, pela empresa

vinculada domiciliada no Brasil, for superior àquele utilizado como parâmetro, estabelecendo,

por seu § 5º, que “se o preço praticado na aquisição pela empresa vinculada, domiciliada no

Brasil, for inferior àquele utilizado como parâmetro, nenhum ajuste com efeito tributário

poderá ser efetuado”, previsão já constante das instruções normativas que a precederam.

173 Neste parágrafo foi também inserida a locução “exaustão”, nos itens cuja dedutibilidade está sujeita aos métodos dos arts. 8 e 13: “§ 3º A dedutibilidade dos encargos de depreciação, exaustão ou amortização dos bens e direitos fica limitada, em cada período de apuração, ao montante calculado com base no preço determinado por um dos métodos de que tratam os arts. 8º e a 13, vedada a utilização do método de que trata o art. 12, se não houver revenda”.

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A mesma instrução normativa vem regulamentar, através de seu art. 12, § 11,174 o

método do Preço de Revenda menos Lucro (PRL), em que estipulada uma margem de 60%

(sessenta por cento), na hipótese de bens, serviços ou direitos importados aplicados na

produção, conforme modificação havida na Lei n.º 9.430/96 pela Lei n.º 9.959/00.

O art. 16 da mesma instrução normativa veio estabelecer o conceito de “preço médio

ponderado” para efeito de aplicação dos métodos de apuração dos preços de transferência nas

operações ativas, repetindo o que já vinha anteriormente sendo previsto em relação às

operações passivas. O dispositivo introduzido na regulamentação da Lei n.º 9.430/96 pelo

referido art. 16 dispõe:

“Art. 16. O preço médio praticado na exportação e o preço parâmetro serão obtidos pela multiplicação dos preços pelas quantidades relativas a cada operação e os resultados apurados serão somados e divididos pela quantidade total, determinando-se, assim, o preço médio ponderado”.

Tal previsão já estava positivada em relação aos métodos de importação PIC e PRL

(arts. 9º a 12 da IN/SRF n.º 243/02), conforme seu art. 6º caput e § único, litteris:

“Art. 6º Para efeito de determinação do preço parâmetro com base nos métodos de que tratam os arts. 8º e 12, preliminarmente à comparação, os preços apurados serão multiplicados pelas quantidades relativas à respectiva operação e os resultados serão somados e divididos pela quantidade total, determinando-se, assim, o valor médio ponderado do preço a ser comparado com aquele registrado em custos, computado em conta de resultado, pela empresa

Parágrafo único. Para efeito de comparação, o preço médio ponderado dos bens, serviços e direitos adquiridos pela empresa vinculada, domiciliada no Brasil, será apurado considerando-se as quantidades e valores correspondentes a todas as operações de compra praticadas durante o período de apuração sob exame.”.

174 A disposição do § 11 do art. 12 da IN/SRF n.º 243/02 é a seguinte: “§ 11. Na hipótese do § 10, o preço parâmetro dos bens, serviços ou direitos importados será apurado excluindo-se o valor agregado no País e a margem de lucro de sessenta por cento, conforme metodologia a seguir: I - preço líquido de venda: a média aritmética ponderada dos preços de venda do bem produzido, diminuídos dos descontos incondicionais concedidos, dos impostos e contribuições sobre as vendas e das comissões e corretagens pagas; II - percentual de participação dos bens, serviços ou direitos importados no custo total do bem produzido: a relação percentual entre o valor do bem, serviço ou direito importado e o custo total do bem produzido, calculada em conformidade com a planilha de custos da empresa; III - participação dos bens, serviços ou direitos importados no preço de venda do bem produzido: a aplicação do percentual de participação do bem, serviço ou direito importado no custo total, apurado conforme o inciso II, sobre o preço líquido de venda calculado de acordo com o inciso I; IV - margem de lucro: a aplicação do percentual de sessenta por cento sobre a "participação do bem, serviço ou direito importado no preço de venda do bem produzido", calculado de acordo com o inciso III; V - preço parâmetro: a diferença entre o valor da "participação do bem, serviço ou direito importado no preço de venda do bem produzido", calculado conforme o inciso III, e a margem de lucro de sessenta por cento, calculada de acordo com o inciso IV”.

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A regulamentação dos juros também sofreu algumas alterações, com a inserção dos

§§ 6º, 7º e 8º ao art. 27 da norma complementar.175

Finalmente, a IN/SRF n.º 243/02 veio positivar a regulamentação das novas

disposições legais sobre as disposições relativas a preços de transferência de bens, serviços e

direitos e sobre taxas de juros aplicáveis às operações efetuadas por pessoa física ou jurídica

residente ou domiciliada no Brasil, com qualquer pessoa física ou jurídica, ainda que não

vinculada, residente ou domiciliada em país cuja legislação interna oponha sigilo relativo à

composição societária de pessoas jurídicas ou a sua titularidade, introduzindo, ainda, o

conceito de dependência,176 distinguindo-o do de país (ou Estado).

175 A redação do art. 27, que acompanha as instruções normativas anteriores é a seguinte:“Art. 27. Os juros pagos ou creditados a pessoa vinculada, quando decorrentes de contrato não registrado no Banco Central do Brasil, somente serão dedutíveis para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL até o montante que não exceda ao valor calculado com base na taxa Libor, para depósitos em dólares americanos pelo prazo de seis meses, acrescida de três por cento anuais a título de spread, proporcionalizados em função do período a que se referirem os juros.§ 1º No caso de mútuo com pessoa vinculada, a pessoa jurídica mutuante, domiciliada no Brasil, deverá reconhecer, como receita financeira correspondente à operação, no mínimo o valor apurado segundo o disposto neste artigo.§ 2º Para efeito do limite a que se refere este artigo, os juros serão calculados com base no valor da obrigação ou do direito, expresso na moeda objeto do contrato, e convertidos em reais pela taxa de câmbio, divulgada pelo Banco Central do Brasil, para a data do termo final do cálculo dos juros.§ 3º O valor dos encargos que exceder o limite referido no caput e a diferença de receita apurada na forma do § 2º serão adicionados ao lucro real, presumido ou arbitrado e à base de cálculo da CSLL.§ 4º Nos casos de contratos registrados no Banco Central do Brasil, serão admitidos os juros determinados com base na taxa registrada.§ 5º Nos pagamentos de juros em que a pessoa física ou jurídica remetente assuma o ônus do imposto, o valor deste não será considerado para efeito do limite de dedutibilidade”.A IN/SRF n.º 243/02 inovou com a inserção dos seguintes dispositivos: “§ 6º. O cálculo dos juros a que se refere o artigo poderá ser efetuado por contrato ou conjunto de operações financeiras com datas, taxas e prazos idênticos.§ 7º Para efeito deste artigo, são consideradas operações financeiras aquelas decorrentes de contratos, inclusive os de aplicação de recursos e os de capitalização de linha de crédito, celebrados com pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior não registrados no Banco Central do Brasil, cuja remessa ou ingresso de principal tenha sido conduzido em moeda estrangeira ou por meio de transferência internacional em moeda nacional.§ 8º Para efeito dos limites a que se referem o caput deste artigo e o § 1º deverá ser utilizada a taxa Libor vigente na data do termo inicial do contrato, devendo ser alterada a cada 183 dias, até a data do termo final do cálculo dos juros”. 176 A norma que prevê quanto à aplicação das regras de preços de transferência nas operações envolvendo pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil, e qualquer pessoa física ou jurídica, ainda que não vinculada, residente ou domiciliada em país cuja legislação interna oponha sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas ou a sua titularidade, foi introduzida pelo art. 4º da Lei n.º 10.451, de 10 de maio de 2002. A Lei n.º 10.451/2002 também acrescentou, ao art. 24 da Lei n.º 9.430/96, o parágrafo 3º, dispondo que, “para os fins do disposto neste artigo, considerar-se-á separadamente a tributação do trabalho e do capital, bem como as dependências do país de residência ou domicílio”. Sobre estes aspectos, discorreremos neste trabalho em subcapítulo próprio (5.2.2).

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4

Tributos sujeitos ao controle

dos preços de transferência

4.1. Da regra-matriz de incidência – Sua estrutura lógica – Hipótese e

conseqüência – Critérios

Façamos um parêntese, por oportuno, para avaliarmos de que modo podemos

identificar quais os tributos que possam estar sujeitos às regras de controle dos preços de

transferência.

As preciosas lições do Prof. Paulo de Barros CARVALHO177 nos esclarecem que a

norma que define a incidência fiscal é a norma tributária em sentido estrito, construída a partir

da interpretação do cientista do direito, juízo hipotético-condicional, composta de um suposto,

hipótese ou antecedente, a que se conjuga um mandamento, uma conseqüência ou estatuição.

Sua associação resulta no modal deôntico, no dever-ser, imputação jurídico-normativa.

A hipótese descreve a previsão de um fato (p. e. se alguém auferir lucro), e a

conseqüência prescreve a relação jurídica decorrente da ocorrência de tal fato que irá se

instaurar (p. e. obrigação de pagar 15% sobre o valor auferido), sendo a hipótese, neste

sentido, o descritor da norma, e a conseqüência, o prescritor, por aludirem, respectivamente, a

um fato e sobre a prescrição dos efeitos jurídicos que seu acontecimento irá propagar.

Na hipótese encontramos a descrição do comportamento de uma pessoa (ao que

chamamos critério material), condicionado no tempo (critério temporal) e em determinado

espaço (critério espacial). Na conseqüência, nos deparamos com os sujeitos ativo e passivo,

respectivamente credor e devedor do tributo (critério pessoal) e com a base de cálculo e a

alíquota (critério quantitativo). Ainda como preleciona o ilustre professor, sua conjunção –

descritor e prescritor –, nos oferece o núcleo lógico-estrutural da regra-matriz de incidência.

Cumpre ainda ressaltar que o arquétipo da norma jurídica é obtido a partir de

incursões pelo sistema, não sendo encontrado necessariamente de modo organicamente

177 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 15. ed., rev. e atual. p. 239.

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agregado, sendo necessário o labor cientifico para a identificação da regra-matriz de

incidência. O resultado desta tarefa é a obtenção de um juízo hipotético, sendo que seus

componentes se associam pelo vinculo da imputação deôntica.

A norma jurídica, em sua integridade constitutiva, é composta pela hipótese ou

descritor e pela conseqüência ou prescritor. Entre uma e outra incide o laço imputativo, a

imputação deôntica: se A ocorrer, deve-ser B, ou se A, então deve-ser B. As leis da natureza,

por sua vez, são regidas pelo princípio da causalidade: se A for, B também será, ou se A,

então B.

O dever-ser da norma recebe o nome de conectivo deôntico ou operador deôntico, ou

ainda dever-ser interproposicional, porque se localiza entre a proposição hipótese e a

proposição conseqüente. Ocorrido o fato previsto no suposto, instaura-se a conseqüência, de

modo automático e infalível, nas palavras de Alfredo Augusto BECKER.178 Daí dizer-se que

sua ação é fulminante e inapelável.

O conseqüente também apresenta um dever-ser, por sua vez intraproposicional:

enlaça o sujeito pretensor ao sujeito devedor, no contexto de uma relação jurídica.

A distinção entre ambos os “dever-ser” é importante, tendo em vista que o

intraproposicional se triparte nos modais obrigatório, permitido e proibido (O, P, V), enquanto

que o interproposicional permanece neutro, nunca se modalizando. Em uma relação jurídica

tributária, o dever-ser modalizado é representado pela obrigação do cumprimento de uma

prestação em dinheiro pelo sujeito passivo (modal deôntico obrigatório – “O”).

Em linguagem formalizada, podemos representar a regra-matriz de incidência

nuamente exposta, plenamente apta para retratar o fenômeno do impacto de todo e qualquer

tributo, uma vez substituídas as variáveis lógicas pelas constantes do direito positivo, na

operação de desformalização.

Vejamos em linguagem simbólica:

178 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. p. 307. Consideramos que a conseqüência instaura-se, de modo automático e infalível, desde que o fato seja vertido na linguagem competente, de modo que o mero evento, enquanto não constituído em “fato”, não faz incidir a norma jurídica tributária.

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Ht ≡ Cm (v . c) . Ce . Ct

Njt DSn DSm

CSt ≡ Cp (Sa . Sp) . Cq (bc . al)

A formalização da regra-matriz de incidência é um excelente instrumento científico,

permitindo o acesso à secreta intimidade da essência normativa, demonstrando inequívocas

segurança e expressividade no estudo da Ciência do Direito.

O processo inverso, de desformalização, trabalho iminentemente semântico, consiste

em substituir os símbolos da hipótese e da conseqüência pelas palavras e expressões

constantes do direito positivo. É através desse processo que podemos identificar as espécies

tributárias muitas vezes ocultas na linguagem prescritiva do direito positivo.

Tracemos modelo genérico e um exemplo:

1. critério material – auferir rendaHIPÓTESE 2. critério espacial – em qualquer parte do mundo

3. critério temporal – no último dia do exercício financeiro

a) sujeito ativo:União Federal

NJT 1. critério pessoal b) sujeito passivo:Pessoa que auferir renda

CONSEQÜÊNCIAa) base de cálculo:

2. critério quantitativo o valor da renda auferidab) alíquota: 15%

Acontecendo o fato “auferir renda” – critério material da hipótese – em determinado

ano calendário – critério temporal – em qualquer lugar do mundo179 – critério espacial –, fica

a União Federal – sujeito ativo, componente do critério pessoal – instituída do direito de

exigir, no valor correspondente a 15% (quinze por cento) – alíquota, componente do critério

quantitativo – incidente sobre a expressão econômica renda auferida – base de cálculo,

componente do critério quantitativo –, e quem auferir renda – sujeito passivo, componente do

179 Desde que no país em que esteja havendo a incidência da norma adote-se o princípio da universalidade, ou seja, que tribute a renda worldwide.

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critério pessoal – no dever jurídico de pagar, a quantia correspondente à título de Imposto de

Renda.

4.2. Do critério da regra-matriz de incidência atingido pelas normas de preços de

transferência

O relacionamento entre as empresas é cenário oportuno para a fixação de preços fora

da realidade de mercado, por super ou subfaturamento, objetivando a submissão a uma carga

fiscal menor que aquela que resultaria de um negócio realizado entre empresas desvinculadas,

em ambiente normal de mercado. Essa contingência é que caracteriza o transfer pricing, sem

marcar-lhe decisivamente, como se fosse presumida a simulação em todas as operações de

preços de transferência, tendo sempre como objetivo afetar seu lucro e consequentemente a

base de cálculo dos tributos que sobre ele incidem. Como vimos, a definição é neutra, sendo

ponto de partida para a averiguação in concreto de eventuais distorções, segundo os métodos

adotados nas diversas legislações.

Os métodos de transfer pricing, que visam ajustar os preços das operações para que

a tributação se dê tomando como parâmetro níveis de preço compatíveis com a realidade de

mercado, agem precisamente sobre o critério quantitativo do conseqüente da regra-matriz de

incidência tributária, precisamente a base de cálculo dos tributos, ajustando-a especialmente

para adicionar-lhe o quantum suficiente para conferir um status arm’s length à operação.

4.3. Dos tributos sujeitos às regras de preços de transferência no direito brasileiro

– Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido

Apurado que o mecanismo de controle dos preços de transferência age sobre a base

de cálculo presente no critério quantitativo da regra-matriz de incidência, temos que são

integrantes do regime de controle de preços de transferência os tributos incidentes sobre a

renda, cobrados no âmbito de cada soberania.

No Brasil, de acordo a Constituição Federal de 1988, foi atribuída a União Federal a

competência para a instituição dos tributos tendo como fato gerador o auferimento de renda,

conforme prevêem os arts. 153, III e 195, I, “c”, verbis:

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“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

(...)

III – renda e proventos de qualquer natureza;”

“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

(...)

c) o lucro;”

Referidos tributos foram regularmente instituídos por leis editadas pelo Congresso

Nacional e regulamentados por decretos do Poder Executivo,180 tendo a Lei n.º 9.430/96, que

instituiu as normas gerais e abstratas sobre os preços de transferência, determinado

expressamente sua aplicação na apuração da base de cálculo de tais tributos.

E o fez introduzindo, em artigos dispostos no capítulo da lei que trata do “Imposto

de Renda – Pessoa Jurídica” (Capítulo I), as normas que contém métodos destinados a

apuração da adequação dos preços praticados pelas partes – que também relaciona – em

relação ao preço parâmetro (arm’s length), remetendo, em artigo inserido no capítulo que trata

180 O Imposto de Renda encontra-se hoje regulamentado na forma do Decreto 3.000, de 26/03/99, publicado no DOU de 17/06/99, que consolida as normas sobre a tributação, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza dispersas em diversas leis, decretos-lei e decretos editados anteriormente a ele, bem como por outras espécies normativas editadas posteriormente à sua edição. No que se refere a CSLL, no bojo da competência tributária conferida à União Federal pela Constituição da República, arts. 149 e 195, foi editada a Lei n.º 7.689, de 15/12/1988, que instituiu a CSLL. Dispõem seus arts. 1º e 2º, litteris: "Art. 1º. Fica instituída a contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas, destinada ao financiamento da seguridade social. Art. 2º. A base de cálculo da contribuição é o valor do resultado do exercício, antes da provisão para o Imposto sobre a Renda”. Referida lei encontra substrato constitucional, tendo o colendo STF, nesse sentido, nos autos do Recurso Extraordinário n.º 146.733-9 - SP, no ano de 1992, declarado a constitucionalidade da Lei n.º 7.689/88, dando por inconstitucional somente o artigo 8º do citado diploma legal, por determinar que a contribuição em causa já seria devida a partir do lucro apurado no período-base a ser encerrado em 31 de dezembro de 1988, violando o princípio da irretroatividade contido no art. 150, III, "a", da Constituição Federal, que proíbe que a lei que institui tributo tenha, como fato gerador deste, fato ocorrido antes do início da vigência dela. Posteriormente, a suspensão da execução do artigo 8º da Lei n.º 7.689, de 15/12/88, declarado inconstitucional, ocorreu através da resolução do Senado Federal n.º 11, de 04/04/95.

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da “Contribuição Social sobre o Lucro Líquido” (Capítulo II), às mesmas normas que se

aplicam ao Imposto de Renda àquela contribuição.181

Deste modo, a Lei n.º 9.430/96, por seu Capítulo II - Contribuição Social sobre o

Lucro Líquido, Seção I - Apuração da Base de Cálculo e Pagamento, subseção Normas

Aplicáveis, dispôs:

“Art. 28: Aplicam-se à apuração da base de cálculo e ao pagamento da contribuição social sobre o lucro líquido as normas da legislação vigente e as correspondentes aos arts. 1º a 3º, 5º a 14, 17 a 24, 26, 55 e 71, desta Lei n.º” (grifamos).

Os artigos 18 a 24 são, por sua vez, aqueles que tratam dos preços de transferência,

dispostos na Seção V – Preços de Transferência, do Capítulo I da lei.

4.3.1. A regra-matriz de incidência do Imposto de Renda

Distintos os critérios que compõem a regra-matriz de incidência tributária, na linha

do que preleciona o Prof. Paulo de Barros CARVALHO,182 estamos aptos a substituir as

variáveis que a compõem pelos elementos do Imposto de Renda.

4.3.1.1. Critério material – O Imposto de Renda possui como materialidade a

obtenção de acréscimo patrimonial, representado pela renda e proventos de qualquer

181 Tem-se defendido a tese de que, com o advento da Emenda Constitucional 33, de 11/12/2001, que deu nova redação ao § 2º do art. 149 da Constituição Federal, foi estabelecida, a partir de 12/12/2001, verdadeira hipótese de imunidade à Contribuição Social sobre o Lucro, ao estabelecer que “as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo [Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo] não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação”. Os tribunais pátrios vêm, contudo, rechaçando esta tese, sob o fundamento de que “o fato gerador da CSSL é o lucro, que não se confunde com a expressão ‘receita’, inserta no artigo 149, § 2º, I, da Constituição Federal, razão pela qual incide a CSSL sobre receitas decorrentes de exportação” e “que a sistemática do art. 149 da CF não se coaduna com o financiamento global da seguridade social estabelecido pelo art. 195 da CF. Além disso, não há que se confundir o lucro líquido com a receita”. Neste sentido, os seguintes julgados: TRF 3ª Região – Processo n. 2005.03.00.031645-0 – Agravo de Instrumento – Relator Juiz Lazarano Neto - Data da Decisão: 30/11/2005 – DJU 16/12/2005; TRF 4º Região –Agravo de Instrumento – Documento: TRF400098177 – Relator Alvaro Eduardo Junqueira - Data da decisão: 04/08/2004. Dado o corte metodológico que se faz necessário no presente trabalho, não iremos nos aprofundar nesta questão, sendo certo que atualmente está em pleno vigor a tributação pela CSLL decorrente de receitas oriundas de exportações, sendo conseqüentemente aplicáveis todas as regras de transfer pricing estabelecidas pela Lei n.º 9.430/96 e normas complementares.182 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 15. ed., rev. e atual. p. 238-240.

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natureza, apurados considerando-se não apenas um ato, mas uma série deles, que constituem

fatos jurídicos economicamente relevantes em um determinado período de tempo, suficientes

para ensejar a incidência da norma jurídica tributária.

Renda há que ser entendida como o produto do capital, do trabalho ou da

combinação de ambos; proventos de qualquer natureza, os acréscimos patrimoniais não

compreendidos naquele outro conceito.

“Renda” e “lucro” são conceitos que equivalem, significando “os frutos produzidos

pelo capital investido nos diversos negócios”, como define De Plácido e SILVA.183 O

Regulamento do Imposto de Renda também traz sua definição, assim o classificando em

líquido e operacional, conforme arts. 248 e 277.184

Conforme expõe o Prof. Heleno Taveira TÔRRES,185 três são as correntes

predominantes sobre o conceito de renda, quais sejam, a teoria da fonte, a teoria legalista e a

teoria que entende a renda como acréscimo patrimonial.

A primeira corrente atribui à renda a característica de “produto de uma fonte estável,

susceptível de preservar sua reprodução periódica”, aduzindo ainda o ilustre professor que a

fonte produtiva da renda deve subsistir a produção, sendo dedutíveis somente as despesas

caso haja estrita vinculação entre estas e a atividade operacional de quem produzir a renda.

A segunda atribui à renda um conceito normativo, estipulado por lei, ou seja, renda é

o que a lei estabelecer que é, ficando a dedutibilidade das despesas submetida ao que lei

também prescrever.

A teoria do acréscimo patrimonial, terceira corrente, por sua vez, defende que renda

seria todo o acréscimo líquido, em bens materiais, imateriais ou serviços avaliáveis em

dinheiro, periódico, transitório ou acidental, de caráter oneroso ou gratuito, que resulte em um

183 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. vol. III. p. 119.184 “Art. 248. O lucro líquido do período de apuração é a soma algébrica do lucro operacional (Capítulo V), dos resultados operacionais (Capítulo VII), e das participações, e deverá ser determinado com observância dos preceitos da Decreto-Lei n.º 1.598, de 1977, art. 6º, § 1º, Lei n.º 7.450, de 1985, art. 18, e Lei n.º 9.249, de 1995, art. 4º)”; “Art. 277. Será classificado como lucro operacional o resultado das atividades, principais ou acessórias, que constituam objeto da pessoa jurídica (Decreto-Lei n.º 1.598, de 1977, art. 11)”.185 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 206.

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incremento líquido do patrimônio de um determinado individuo, num dado período de tempo,

esteja acumulado ou tenha sido consumido e que seja expresso em termos monetários.

Conforme afirma o Prof. Heleno Taveira TÔRRES, trata-se da corrente admitida pelo art. 43

do CTN para a maioria dos estudiosos brasileiros.

No Brasil, conforme afirma o professor,186 interessa o aumento do patrimônio

líquido e não o aumento do resultado da exploração da fonte produtora, sendo considerado

como tributável todo o acréscimo líquido verificado no patrimônio da empresa durante certo

tempo, ficando o critério material da hipótese de incidência da norma de tributação da renda

caracterizado como a aquisição de aumento patrimonial, aferível pela variação entre as

entradas e saídas em um determinado período de tempo.

José Artur Lima GONÇALVES, após manifestar sua conclusão de que o conceito de

renda não pode ter sido deixado à disposição do legislador constitucional, manifesta:

“Como se vê, qualquer que seja o conceito de renda adotado, presentes estão as noções de (i) ganho patrimonial resultante de (ii) confronto entre elementos (ingressos e saídas) verificados (iii) ao longo de certo período. As definições podem variar em diversos aspectos (renda auferida, renda consumida, aumento patrimonial, ganho de capital etc.), mas não resta – de toda a gama de estudos até hoje elaborados sobre o conceito de renda – nenhuma dúvida quanto à necessidade de ocorrência de (a) ganho efetivo, (b) dentro de um determinado período”.

187

De tal lição podemos tirar, com o autor, que, somente tendo sido admitida a

incidência do imposto sobre a renda pela Constituição Federal quando houver alteração

positiva no patrimônio do contribuinte, aferida ao cabo de um determinado período de tempo,

qualquer pretensão legal de fazer valer o fenômeno impositivo deste imposto sobre o que não

foi considerado “renda” pela Lei n.º Maior resultará em patente inconstitucionalidade.

Conforme ainda a lição de Ricardo Mariz de Oliveira, “somente pode ser exigido

imposto de renda se houver acréscimo patrimonial, segundo tranqüilo consenso doutrinário e

jurisprudencial formado à luz da própria competência constitucional da União Federal para

186 Idem. Ibidem. p. 207.187 GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a renda. Pressupostos constitucionais. 1. ed. 2. tir. p. 198.

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instituir esse tributo, competência essa constante do art. 153, inciso III, da Carta de 1988, e

explicitada pelo art. 43 do Código Tributário Nacional – CTN”.188

4.3.1.2. Critério temporal – Como dito, o acréscimo material que constitui a

materialidade do Imposto de Renda não se perfaz em um único ato, mas em uma série deles.

Torna-se necessário, portanto, identificar em qual momento se poderá considerar “fechado”

este período necessário para a realização de todos os atos que possam constituir a renda.

O legislador infraconstitucional permitiu a apuração do lucro das empresas em

bases trimestrais ou anuais, de modo que o critério temporal por ele eleito é o último dia de

cada exercício fiscal, dependendo da opção feita pelo contribuinte, ou da determinação que

esteja obrigado a cumprir.189

Deste modo, tem-se que o critério temporal do Imposto de Renda é o momento do

encerramento do período-base de apuração, não havendo que se falar na ocorrência de fato

jurídico tributário anteriormente a este momento.

4.3.1.3. Critério espacial – Pelo princípio da universalidade da tributação, ou da

tributação worldwide, adotado pelo Brasil, o Imposto de Renda incidirá sobre todos os lucros

auferidos pela pessoa jurídica em razão de suas atividades, sejam elas realizadas no Brasil ou

abroad. Não há extraterritorialidade na lei, mas tão somente a possibilidade de sua incidência

desde que exista um elemento de conexão entre os fatos jurídicos e a pessoa jurídica

brasileira. Deste modo, sendo realizado um fato produtor de renda no estrangeiro por uma

pessoa jurídica residente no Brasil, esta renda sofrerá tributação pelo IRPJ brasileiro.

4.3.1.4. Critério Pessoal (sujeitos ativo e passivo) – O Imposto de Renda é um

tributo de competência da União Federal, ou seja, somente quem tem atribuição para instituí- 188 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Preços de transferência – o método do Custo mais Lucro – o conceito de custo – o método do Custo mais Lucro e as indústrias de alta tecnologia – como conciliar dispêndios intensivos, com pesquisas e desenvolvimento, com esse método. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2º. vol. p. 306.189 Não há apuração em bases mensais. Os recolhimentos mensais efetuados a título de IRPJ são, na verdade, antecipações com base em um lucro que, presumidamente, será apurado no exercício fiscal, que corresponde ao ano civil (fiscal). Com a apresentação da Declaração Anual de Ajuste, o contribuinte irá demonstrar se o valor que foi pago foi suficiente para fazer frente ao lucro apurado no ano-base, encerrado em 31 de dezembro.

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lo é a União Federal, através de veículo introdutor expedido pelo Congresso Nacional,

conforme art. 153, III da Constituição Federal. Além disso, foi dotada de capacidade tributária

para cobrá-lo a mesma pessoa jurídica de direito público que tem poderes para instituí-lo, de

modo que a União Federal é o sujeito ativo deste tributo.

Na posição de sujeito passivo, temos (i) as pessoas jurídicas, incluindo todas as

firmas e sociedades, registradas ou não, e (ii) as empresas individuais. No conceito de pessoas

jurídicas estão abrangidas as pessoas jurídicas de direito privado domiciliadas no país, sejam

quais forem seus fins, nacionalidade ou participantes no capital, as filiais, sucursais, agências

ou representações no país de pessoas jurídicas com sede no exterior e os comitentes

domiciliados no exterior, quanto aos resultados das operações realizadas por seus mandatários

ou comissários no país.

4.3.1.5. Critério quantitativo (base de cálculo e alíquota) – É certo que a base de

cálculo está intimamente ligada à materialidade do tributo, eis que é possível, pela análise da

base de cálculo, identificar sua materialidade. Neste caso, a única base de cálculo possível

para o Imposto de Renda é uma grandeza que represente o quantum de acréscimo patrimonial

observado pelo sujeito passivo da obrigação, dentro daquele período definido pelo critério

temporal, qual seja, o exercício-fiscal.190

Havendo a adoção, pelo sistema jurídico, do princípio da universalidade, tem-se por

certo que todos os lucros, rendimentos e ganho de capital auferidos no exterior deverão ser

oferecidos à tributação do Imposto de Renda, sem, entretanto, a dedução de quaisquer

prejuízos ou perdas auferidas no exterior, direta ou indiretamente. Neste aspecto, há uma

evidente afronta ao princípio constitucional da capacidade contributiva, eis que, como bem

observa Ana Cláudia Akie UTUMI,191 poderá haver a incidência do tributo sobre o próprio

patrimônio da empresa, na medida em que a legislação veda, na apuração destes acréscimos

patrimoniais, quaisquer deduções.

190 O Regulamento do Imposto de Renda (RIR) determina, por seu art. 219, três diferentes formas de apuração do lucro, quais sejam lucro real, lucro presumido e lucro arbitrado, remetendo para os subtítulos da norma suas especificações, modo de apuração, despesas dedutíveis etc.191 Cf. UTUMI, Ana Cláudia Akie. Preços de transferência no direito brasileiro. Dissertação de mestrado. PUC – 2000. p. 59.

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No tocante a alíquota, a legislação infraconstitucional define, para o IRPJ, os

percentuais de 15% (quinze por cento), que é a alíquota básica, e 10% (dez por cento),

adicional sobre a parcela do lucro que exceder a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil

reais) por ano, ou R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) por trimestre.192

4.3.2. A regra-matriz de incidência da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido

Identifica-se a regra-matriz de incidência da CSLL com aquela do IRPJ,

distinguindo-se somente em relação a alguns conceitos e em especial às alíquotas. Vejamos

com mais vagar.

4.3.2.1. Critério material – O critério material é composto pelo verbo “auferir” e

pelo complemento “lucro líquido, ajustado pelas adições e exclusões legais”, conforme

disposto no art. 1º da Lei n.º 7.689/88.

Lucro líquido é, por definição, o resultado final apurado no balanço das sociedades,

mesmo após a provisão para o pagamento do Imposto de Renda e da própria contribuição,

conforme preceitua o art. 187, inc. VII, da Lei n.º 6.404/76, correspondendo ao valor a ser

distribuído aos sócios e acionistas, se assim definido em contrato ou assembléia. Difere,

portanto, da base de cálculo do IRPJ, que não incide sobre o acréscimo patrimonial, mas sobre

o lucro auferido pela empresa, na acepção de “lucro contábil”, definido no art. 191 da Lei n.º

6.404/76.

4.3.2.2. Critério temporal – O critério temporal da regra matriz de incidência da

CSLL acompanha aquele do IRPJ, já apresentado anteriormente, qual seja, o momento do

encerramento do período-base de apuração, não havendo que se falar na ocorrência de fato

jurídico tributário anteriormente a este momento.

4.3.2.3. Critério espacial – Até setembro de 1999, os resultados das empresas

observados no exterior não sofriam a incidência da CSLL, sujeita que estava unicamente ao

192 Na forma da Lei n.º 9.430/96, arts. 2.º e 4.º e IN/SRF n.º 93/97, art. 2.º.

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princípio da territorialidade da tributação, ao contrário do IRPJ, que já possuía o caráter de

universal (worldwide) desde 1995, com a edição da Lei n.º 9.249. Deste modo, atualmente, o

critério espacial acompanha aquele do IRPJ, também já apresentado neste trabalho.

Observa-se que o critério da universalidade é aplicável somente em relação àquelas

empresas domiciliadas no Brasil, ficando os contribuintes equiparados a residentes sujeitos ao

princípio da territorialidade, a exemplo do que ocorre na hipótese de exploração por meio de

estabelecimento permanente, na forma do art. 4º da Lei n.º 7.689/88.

4.3.2.4. Critério Pessoal (sujeitos ativo e passivo) – O critério temporal acompanha

aquele do IRPJ, já apresentado anteriormente. Cumpre acrescentar que somente as empresas

com finalidades lucrativas estão sujeitas a incidência da CSLL, assim como em relação ao

IRPJ, dada a evidente falta da materialidade do tributo, auferir lucro. Tais empresas, sem fins

lucrativos, poderão gerar superávits em suas atividades, nunca lucro.

4.3.2.5. Critério quantitativo (base de cálculo e alíquota) – A base de cálculo é o

valor do resultado do exercício, antes da provisão para o Imposto de Renda, entendido este

como o lucro líquido da empresa, apurado na forma da legislação comercial aplicável.

Conforme observa Ana Cláudia Akie UTUMI,193 atualmente, com as modificações

introduzidas na legislação da CSLL, a base de cálculo deixou de ser o lucro contábil para se

transformar em uma espécie de “lucro real”, dada a indedutibilidade de determinadas

despesas.

Em relação à alíquota, esta está atualmente está fixada em 9% (nove por cento),

incidindo sobre o lucro conforme acima referido, ou sobre um percentual da receita bruta,

dependendo do tipo de empresa, atividade etc.

193 Cf. UTUMI, Ana Cláudia Akie. Preços de transferência no direito brasileiro. Dissertação de mestrado. PUC - 2000. p. 67. A autora especifica algumas das indedutibilidades que transformam a base tributável de lucro contábil para lucro real. São elas: despesas com plano de previdência privada dos funcionários, dedutível em no máximo 20% do valor da folha de salários dos beneficiários; alimentação dos administradores, quando não for fornecida indistintamente a todos os funcionários; despesas com depreciação de ativos, quando a utilização destes não está intrinsecamente relacionada à atividade da empresa. Idem. Ibidem. p. 67.

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5

Identificação da necessidade e os pressupostos

para o controle dos preços de transferência

5.1. O fato jurídico que desencadeia a aplicação dos métodos de controle dos

preços de transferência

O fato jurídico que desencadeia a aplicação dos métodos de controle dos preços de

transferência constantes do conseqüente da norma são as operações de compra e venda de

bens ou serviços com preços divergentes dos de mercado e o impacto que tais atos jurídicos

causam na formação da base de cálculo dos tributos incidentes sobre a renda das partes

envolvidas.

A norma a que nos referimos pode ser classificada como norma tributária em sentido

lato, eis que não contém em seu antecedente e conseqüente uma regra matriz de incidência

tributária, o que a qualificaria como norma tributária strictu sensu. Trata-se de norma

operativa ou funcional,194 que introduz regras dirigidas ao lançamento, fiscalização, deveres

instrumentais etc.

Do mesmo modo que a norma que define a incidência fiscal – norma tributária em

sentido estrito –, a norma tributária em sentido lato é construída a partir da interpretação do

cientista do direito, constituindo um juízo hipotético-condicional, composta de um suposto,

hipótese ou antecedente, a que se conjuga um mandamento, uma conseqüência ou estatuição.

Sua associação resulta no modal deôntico, no dever-ser: é a imputação jurídico-normativa,

como bem nos ensina o Prof. Paulo de Barros CARVALHO.195

A hipótese é o descritor da norma, e a conseqüência, o prescritor, por aludirem,

respectivamente, a um fato e sobre a prescrição dos efeitos jurídicos que seu acontecimento

irá propagar.

194 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 15. ed. p. 238195 Idem. Ibidem. p. 238.

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Verificando este aspecto inerente a norma jurídica tributária dos preços de

transferência, Heleno Taveira TÔRRES apresenta sua imputação deôntica: “dada a ocorrência

de fatos jurídicos de transferência de preços, com valores divergentes dos preços de mercado,

deve ser a conseqüente obrigação (dever formal), formada entre o residente (sujeito passivo) e

a Administração Tributária, cujo objeto consistirá em um fazer algo no interesse da

fiscalização: apresentar, segundo método próprio, a demonstração dos preços, por cálculos e

documentos. Verificada qualquer divergência nos preços de transferência, então aperfeiçoa-se

o fato jurídico tributário da obrigação principal, o qual permitirá à autoridade administrativa

lançar de ofício o valor da diferença devida”.196

É certo, porém, que a iniciativa da adoção dos métodos de controle podem partir do

próprio contribuinte, o que poderá evitar, assim agindo, tome a Administração Fiscal qualquer

operação como irregular frente ao princípio arm’s length. Por sua conta, a empresa que tenha

realizado uma operação de comércio internacional com parte vinculada poderá aplicar o

método que melhor lhe pareça adequado e fazer os ajustes correspondentes no preço.

O controle fiscal é efetuado mediante a aplicação de métodos que objetivam indicar

o preço médio, ou de referência, a ser praticado nas relações entre partes relacionadas (ou não,

desde que uma delas esteja localizada em país com tributação ou regime societário

favorecido), podendo o resultado encontrado, se divergente, ensejar uma retificação de preços

(e da contabilidade, eventualmente) sobre os atos de pagamento fixados em valores

divergentes dos que seriam praticados em uma transação entre sujeitos independentes, em

condições de livre concorrência ou livre mercado.

Cada método possui seu respectivo critério de ajuste, para que se possa dar à

operação submetida ao controle a comparabilidade necessária em relação à outra ou às outras

operações que servirão de parâmetro.

Efetuando o controle previamente a qualquer ato da Administração, o contribuinte

poderá efetuar os lançamentos contábeis de acordo com o preço apurado de acordo com o

princípio arm’s length, o que não inibirá, contudo, o poder do Fisco de apurar se realmente o

preço foi praticado em condições equivalentes às de livre concorrência.

196 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 171.

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Os elementos de análise para fins de controle dos preços de transferência dependem

de alguns pressupostos, subjetivos e objetivos, além daqueles relacionados ao elemento de

estraneidade e à existência de nexo causal entre a vantagem anormal e a relação de

reciprocidade.

5.2. Elemento de estraneidade

É necessário firmar a premissa de que as normas de controle sobre os preços de

transferência são aplicáveis somente nas relações entre pessoas jurídicas domiciliadas (e

físicas residentes)197 no Brasil e pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no

exterior, não sendo aplicáveis, portanto, às relações entre pessoas domiciliadas

internamente.198 Trata-se de elemento que possui conexão de natureza subjetiva (pessoal)

constituído pela qualificação de “não residente” a uma das partes da relação, devendo estar

esta submetida a outro ordenamento tributário, de outra soberania.

No que se refere às características que as pessoas (físicas e jurídicas) devem possuir

para serem consideradas como residentes, o direito tem como critério preferencial o “lugar da

sede” das empresas, em detrimento daqueles que estabelecem como de residência o local

estabelecido no contrato social, estatuto ou o local em que a empresa tenha sido incorporada,

fundada ou ainda o que realize sua atividade principal. Nada obstante, dada a pluralidade de

ordenamentos jurídicos a que uma empresa que desenvolva suas atividades em diversos

Estados está submetida, somente um desses critérios pode ser insuficiente para considerá-la

como residente em um ou outro Estado, daí a necessidade da presença de mais de um critério

para se atender a essa exigência.

O Prof. Heleno Taveira TÔRRES199 analisa com profundidade esses critérios,

tomando como mais importantes: o lugar da constituição ou incorporação; o lugar da sede

social; o lugar da direção efetiva ou sede da administração; o lugar da direção ou do poder de

controle; o lugar da atividade principal e; o estabelecimento de direção principal.

197 Assim na forma do art. 1º da IN/SRF n.º 38/97 e das demais que vieram a substituí-la, eis que a Lei n.º 9.430/96 apenas atribui a aplicação das regras de transfer pricing às pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil.198 Estas, por sua vez, poderão ficar submetidas à disciplina da distribuição disfarçada de lucros prevista no art. 464 do RIR (Decreto n.º 3.000/99), já referida neste trabalho.199 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. 2. ed. p. 149-155.

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Contrariu sensu, não-residentes, em oposição ao conceito de residentes, são aquelas

pessoas que deixam seu país de residência e que não mais se enquadrem nos critérios que

definem a residência, bem como aquelas residentes de outro país que produzam alguma forma

de rendimento no Estado da fonte (dos rendimentos) sem que isso sirva para lhe atribuir a

qualificação de residente.200

5.3. Pressupostos subjetivos

A aplicação das ferramentas de controle dos preços de transferência também

depende de que se identifiquem as características atinentes à parte localizada em território

alienígena e ao tipo de ligação estabelecida entre ela e a pessoa jurídica residente na jurisdição

que efetuará o controle.

Necessariamente, um dos seguintes requisitos deverá ser atendido: (i) a parte

residente no exterior deve ser “pessoa vinculada” – por relações recíprocas de controle,

dependência ou vínculo econômico faticamente determinável –201 àquela localizada no país

que aplicará as normas sobre preços de transferência; ou, (ii) embora não vinculada, seja

domiciliada em país ou dependência com tributação favorecida ou que oponha sigilo relativo

à composição societária de pessoas jurídicas. Este segundo requisito, é importante que se

observe, foi introduzido nas regras de transfer pricing aplicáveis no direito brasileiro, nada

havendo nesse sentido no Modelo de Convenção da OCDE e conseqüentemente nos acordos

bilaterais firmados pelo Brasil, eis que estes tomam aquele como modelo.

5.3.1. Pessoas vinculadas

Os conceitos de “pessoa vinculada” em relação àquela residente no país que efetuará

o controle sobre os preços de transferência presentes no ordenamento jurídico brasileiro e no

modelo de convenção da OCDE somente em parte se confundem. É que, no Brasil, houve um

alargamento deste aspecto subjetivo, ampliando as possibilidades de controle por parte da

Administração Tributária.

200 Neste sentido, Idem. Ibidem. p. 132.201 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 173.

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Verifica-se que o conceito de pessoas vinculadas dado pela legislação brasileira

sobre os preços de transferência é bem mais abrangente que os conceitos de pessoas ligadas,

controladas e coligadas da legislação tributária e comercial, diferindo ainda do modelo da

OCDE, que nada dispõe sobre serem vinculadas as pessoas envolvidas em negócios com

exclusividade.202

Vejamos primeiramente como a OCDE trata do referido conceito.

5.3.1.1. Do conceito de “pessoa vinculada” na Convenção Modelo da OCDE – De

acordo com o “Modelo de Convenção em Matéria Tributária sobre a Renda e o Capital” da

OCDE, por seu art. 9º e subparágrafos, quando uma sociedade de um Estado contratante

participa, direita ou indiretamente, na direção, no controle ou no capital de uma sociedade do

outro Estado contratante, ou quando as mesmas pessoas participam, direta ou indiretamente,

na direção, no controle ou no capital de uma sociedade de um Estado contratante e de uma

sociedade do outro Estado contratante,203 estarão perfazendo o conceito de partes vinculadas.

Referido artigo denomina de “associadas” (“associated enterprises”) as empresas

que preencham essa qualificação e atribui, aos Estados signatários da convenção, competência

para o controle dos preços nas relações entre elas, sejam controladas, coligadas ou de outra

forma conexas entre si, objetivando a determinação da efetiva base de cálculo dos impostos

sobre a renda da pessoa residente, mediante a retificação da contabilidade para que se adapte

aos termos do arm’s length principle, evitando-se, assim, os problemas relativos aos preços de

transferência.204

202 Alberto XAVIER anota que “o conceito de ‘pessoa vinculada’, para efeitos de preços de transferência, é substancialmente mais amplo que o de ‘pessoa ligada’, para efeitos de distribuição disfarçada de lucros”. Para uma análise comparativa entre estes conceitos, vide XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Tributação das operações internacionais. p. 309.203 De acordo com o glossário das OECD Guidelines, “two enterprises are associated enterprises with respect to each other if one of the enterprises meets the conditions of Article 9, sub-paragraphs 1a) or 1b) of the OECD Model Tax Convention with respect to the other enterprise”. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. G-2. O art. 9 do Modelo, por sua vez, dispõe: “Where a) an enterprise of a Contracting State participates directly or indirectly in the management, control or capital of an enterprise of the other Contracting State, or b) the same persons participate directly or indirectly in the management, control or capital of an enterprise of a Contracting State and an enterprise of the other Contracting State”. 204 Neste sentido, TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. 2. ed. p. 518.

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De nossa parte, temos por evidente que se enquadram no conceito de partes

vinculadas, ou de associated enterprises, dado pelo Modelo de Convenção da OCDE, tanto as

subsidiárias quanto os chamados estabelecimentos permanentes (permanent establishments),

eis que o conteúdo semântico de ambas as espécies amolda-se a descrição dada por aquele

documento.

Neste ponto percebe-se haver uma perfeita correlação do conceito presente no

Modelo de Convenção com a legislação brasileira: ambos tratam como vinculadas tanto as

coligadas quanto as controladas – a que qualificamos como subsidiárias – quanto as filiais,

sucursais e agências – estabelecimentos permanentes.

5.3.1.1.1. Das coligadas e subsidiárias como pessoas vinculadas – A Convenção

Modelo da OCDE apresenta, como espécie das associated enterprises, a sociedade de um

Estado contratante que participa, direita ou indiretamente, na direção, no controle ou no

capital de uma sociedade do outro Estado contratante. Têm-se presentes as figuras das

coligadas e da subsidiária e holding.

Alberto XAVIER205 adverte quanto a confusão terminológica que há na utilização

do termo entre os países europeus e o Modelo da OCDE, o qual é também utilizado no direito

brasileiro, eis que aqueles países designam por filiais (filiales) as sociedades que

denominamos subsidiárias (subsidiary companies) e por sucursais as que denominamos filiais

(branchs). No mesmo sentido, Heleno Taveira TÔRRES206 ainda acrescenta que no direito

nacional o termo filial (branch) é utilizado como sinônimo de sucursal – agência,

estabelecimento, organização –, sendo equivalente, na Itália, França e Espanha, à sociedade

com personalidade jurídica própria, a nossa “subsidiária”.

No conceito da OCDE admite-se haver vinculação entre as partes localizadas em

diferentes jurisdições pela participação na direção, no controle ou no capital,

independentemente do valor (montante) desta participação, sendo este conceito, no que

205 Cf. XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Tributação das operações internacionais.p. 553.206 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. 2. ed., rev., atual. e ampl. p. 194, n.r. 31. No mesmo sentido, TEIXEIRA, Egberto Lacerda. GUERREIRO, J. A. Tavares. Das sociedades anônimas no direito brasileiro. p. 80. apud XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Tributação das operações internacionais. p. 506, n.r.137.

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concerne às coligadas, mais amplo que aquele dado pela legislação brasileira, que pressupõe

uma participação mínima de 10% (dez por cento) no capital social.207

Assim também nos Estados Unidos da América, em que a seção 482 do IRC208 cobre

qualquer estrutura negocial entre empresas que estejam sob a mesma propriedade ou controle

comum, ao dispor serem associadas “two or more organizations, trades, or business owned or

controlled directly or indirectly by the same interests”, em que “control is defined to include

any kind of control, direct or indirect, whether legally enforceable or not, and however

exercisable or exercised, including control resulting from the actions of two or more

taxpayers acting in concert or with a common goal or purpose”.

José Edwaldo Tavares BORBA avalia que “os conceitos de subsidiária e de holding

correspondem às duas extremidades da linha de participação entre as sociedades. Subsidiária é

a sociedade que é controlada por uma outra, enquanto holding é a sociedade de controle. A

holding assume a posição ativa – controla; a subsidiária assume a posição passiva – é

controlada”.209

Na linha desta definição e, utilizando-se do conceito dado pelo Modelo da OCDE,

são consideradas vinculadas entre si as sociedades holding e subsidiária.

5.3.1.1.2. Dos estabelecimentos permanentes como pessoas vinculadas – As

sociedades, quando pretendem ampliar suas atividades de forma globalizada, poderão, como

visto, instalar-se em outras jurisdições através de sociedades independentes, com

personalidade jurídica própria, em que atuará como controladora – caso das controladas ou

subsdiárias – ou ainda como coligada, quando a sociedade constituída (ou adquirida) possuir

plena autonomia, ao que Heleno Taveira TÔRRES denomina de atuação indireta.

207 Neste sentido, SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 39. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 177. Não há, no entanto, estipulação de capital mínimo para o estabelecimento do controle de uma sociedade por outra, conforme manifesta José Edwaldo Tavares BORBA: “Quando, consideradas duas sociedades, uma detenha dez por cento ou mais do capital da outra, essa companhias serão consideradas coligadas. A coligação corresponde, portanto, a um nível de participação igual ou superior a dez por cento, desde que incapaz de conduzir ao controle, haja vista a possibilidade de controlar-se uma companhia (controle minoritário) com dez por cento do capital, ou até com uma participação inferior”. BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 8. ed. p. 516.208 Cf. IRC, § 1.482-1 (i)(1), (2).209 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 8. ed. p. 38.

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Outra alternativa é a atuação direta, em nome próprio, através de uma organização

de pessoas e bens, ou seja, uma filial, sucursal ou agência, destituída de personalidade jurídica

própria, sendo considerada apenas como uma extensão da matriz, dela dependente e criada na

forma das normas que regulam a existência desta matriz, segundo o ordenamento a que está

submetida.210

Seguindo no conceito dado pela OCDE na Convenção Modelo, as empresas são

consideradas associadas quando as mesmas pessoas participam, direta ou indiretamente, na

direção, no controle ou no capital de uma sociedade de um Estado contratante e de uma

sociedade do outro Estado contratante.

Eis aqui outra distinção em relação ao tratamento dado pela legislação brasileira, que

exige uma participação mínima de 10% (dez por cento) no capital social de cada uma das

empresas pela mesma pessoa física ou jurídica.

Para bem entendermos esta qualificação, necessário adentrarmos no conceito de

Permanent Establishment dado pelo próprio Modelo de Convenção da OCDE, de acordo com

seu art. 5º (1),211 que qualifica estabelecimento permanente como um local fixo de negócios

no qual os negócios de uma empresa são parcial ou totalmente efetuados. Na forma do § 2º do

mesmo artigo,212 o termo inclui, especialmente, (a) um local de gerenciamento, (b) uma filial,

(c) um escritório, (d) uma fábrica, (e) uma oficina e (f) uma mina, uma jazida de óleo ou gás,

uma fonte ou qualquer outro local de extração de recursos naturais.

Já pela simples leitura da descrição supra, podemos afirmar que as filiais (branchs)

estão abrangidas no conceito de estabelecimento permanente dado pela OCDE, e isso se deve,

não por outro motivo, pelo tratamento dado a elas como separate entities.

Na visão do direito interno do país de residência da matriz, tratam-se as filiais de

entidades que não se apresentam como outra pessoa jurídica distinta da matriz, sendo dela

210 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. 2. ed., rev., atual. e ampl. p. 195. 211 A redação do parágrafo é a seguinte: “1. For the purposes of this Convention, the term "permanent establishment" means a fixed place of business through which the business of an enterprise is wholly or partly carried on”. 212 A redação do parágrafo é a seguinte: “2. The term "permanent establishment" includes especially: a) a place of management; b) a branch; c) an office; d) a factory; e) a workshop, and f) a mine, an oil or gas well, a quarry or any other place of extraction of natural resources”.

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dependente, do que decorre o regime de tributação a que está submetida a empresa matriz

alcançar, também, as rendas e ganhos obtidos pela filial (princípio da universalidade). Do

mesmo modo são atingidos por tal princípio as rendas e ganhos das subsidiárias, na proporção

de suas participações.

Traçando um paralelo entre as sociedades subsidiárias – de que tratamos

anteriormente – e os estabelecimentos permanentes, as filiais, ao contrário das controladas e

coligadas, estão sujeitas ao regime da autonomia patrimonial, que por sua vez se revela pela

tributação independente e pela separação contábil, conforme observa Alberto XAVIER:

“Refira-se ainda que as sociedades subsidiárias não são consideradas, em princípio, estabelecimentos permanentes das sociedades-mãe, à semelhança, aliás, do que no direito interno sucede. Determina, com efeito, o parágrafo 7º do art. 5º do Modelo OCDE que ‘o fato de uma sociedade que reside num dos Estados contratantes controlar ou ser controlada por uma sociedade residente no outro Estado contratante ou que aí exerce a sua atividade, não é só por si bastante para fazer de qualquer destas sociedades estabelecimento permanente da outra’. É que as subsidiárias, ao contrário do que sucede com as simples filiais, constituem entidades juridicamente independentes”.213

A separação contábil, ainda que fictícia, tem a finalidade de determinar os lucros

operacionais tributáveis das “sedes fixas de negócios” nos termos da legislação do Estado da

fonte, considerando-as como entidades autonomamente tributáveis, substituindo o tratamento

isolado de rendimentos por um regime próprio, dado o caráter organizacional e sua

permanência naquele território.

De certo que o estabelecimento permanente – a filial estrangeira – não se trata de

empresa distinta daquela que lhe é matriz. Contudo, por força do regime a que fica submetido,

ao ser assimilado a uma empresa independente (método da assimilação a uma empresa

independente),214 seus lucros passam a ser equivalentes àqueles que obteria se a empresa

(matriz) constituísse uma empresa distinta e separada, e exercendo atividades idênticas ou

213 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Tributação das operações internacionais. p. 553-554. Dispõe o art. 5º, (7) do Modelo de Convenção da OCDE: “The fact that a company which is a resident of a Contracting State controls or is controlled by a company which is a resident of the other Contracting State, or which carries on business in that other State (whether through a permanent establishment or otherwise), shall not of itself constitute either company a permanent establishment of the other”.214 Cf. Idem. Ibidem. p. 554.

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similares e transacionando com absoluta independência com a empresa de que é um

estabelecimento permanente, assim na forma do art. 7º (2) do Modelo.215

Tal método, acrescenta-se, funciona como um meio para que se evite o que o autor

conceitua como “evasão fiscal que se traduz na distribuição indireta de lucros (transfer

pricing) entre matriz e filial, análogo ao que oferece o art. 9º para as relações entre sociedade

coligadas”,216 daí decorrendo o exercício dos poderes que a Administração Pública possui de

retificação contábil e reajustamento para se atingir o preço arm’s length.

Como dito, as filiais ou sucursais e as agências de empresas estrangeiras não

possuem personalidade jurídica distinta daquela de que são um prolongamento, uma extensão

(matriz), o mesmo não ocorrendo com as subsidiárias ou “sociedades-filhas”, que possuem

autonomia jurídica ou de personalidade, destacada da sociedade matriz, existente, portanto,

um laço de subordinação, sendo tal assertiva ponto pacífico na doutrina internacional. A filial,

deste modo, é a própria empresa estrangeira, ainda que diante do ordenamento jurídico a que

está subordinada ela possua vida própria.

Diante das regras de direito privado, temos por certo que as filiais possuem natureza

jurídica de meros estabelecimentos comerciais, sendo um simples conjunto de coisas

corpóreas e incorpóreas, bens e serviços, localizado estrategicamente pela matriz, para fins de

manutenção e desenvolvimento de seus negócios.

As relações entre matriz e filial não devem, deste modo, revestir a natureza de

relações jurídicas, eis que seu conceito pressupõe a existência de, no mínimo, dois sujeitos de

direito, o que não ocorre no caso, eis que há apenas um. Assim, operações de compra e venda,

empréstimo e depósito entre as elas são meramente aparentes, pois se tratam de transferências

internas regidas pela disciplina própria da sociedade.217

215 A redação do parágrafo em lingua inglesa é a seguinte: “2. Subject to the provisions of paragraph 3, where an enterprise of a Contracting State carries on business in the other Contracting State through a permanent establishment situated therein, there shall in each Contracting State be attributed to that permanent establishment the profits which it might be expected to make if it were a distinct and separate enterprise engaged in the same or similar activities under the same or similar conditions and dealing wholly independently with the enterprise of which it is a permanent establishment”.216 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Tributação das operações internacionais. p. 555.217 Neste sentido, Idem. Ibidem. p. 512.

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Perante o direito tributário, porém, é forte o entendimento de que à filial deve ser

reconhecida uma subjetividade distinta da matriz para efeitos fiscais, sendo decorrência deste

a aplicação da tributação independente e da contabilidade separada.

A equiparação à empresa independente, a que Alberto XAVIER chama de

“autonomia patrimonial de Direito Tributário”,218 ocorre quando há a tributação independente

dos lucros que lhe são diretamente imputáveis, ao contrário de ser a pessoa jurídica tributada

no seu conjunto ou ainda de uma tributação analítica por retenção na fonte dos rendimentos

isolados auferidos pelo residente no exterior.

Na visão deste ilustre jurista,219 o direito brasileiro acaba por atribuir uma autonomia

patrimonial apenas relativa, na medida em que o Regulamento do Imposto de Renda, a que

fica submetida a filial – em que pese lhe atribuir personalidade jurídica para efeitos

tributários, estabelecendo, por “ficção equiparadora”, ser considerada pessoa jurídica –,

determina a tributação por retenção na fonte, da matriz, dos lucros realizados pela filial,

inclusive aqueles não transferidos, como se tivessem sido diretamente auferidos pela matriz.

Há evidente despersonificação da filial, tornando-a fiscalmente “transparente”.220

Quanto a este aspecto, concordamos com Heleno Taveira TÔRRES221 em que essa

desconsideração de autonomia deve-se ao fato de o país de localização da matriz considerar a

filial situada no estrangeiro como uma extensão da personalidade jurídica da matriz, mas sem

inviabilizar a autonomia jurídica da filial perante o direito interno do país em que situada, de

forma que ao determinar seja efetuada a operação do balanço para fins de tributação, o

ordenamento jurídico do país de localização da filial revela exatamente a existência dessa

autonomia. Utiliza-se, deste modo, como corolário da submissão da personalidade jurídica da

218 Idem. Ibidem. p. 513. O autor, importando o conceito do direito civil, expressa que “o que imprime a separação, ou autonomia, ao patrimônio em causa, não é a sua afetação especial, nem o caráter separado da sua administração, nem a sua sujeição a um dado regime de responsabilidade por dívidas, mas o fato de a lei submeter uma massa de bens e direitos a um tratamento fiscal unitário”. Idem. Ibidem. A autonomia patrimonial das filiais não conduz à atribuição de personalidade jurídica em certos ordenamentos, como é o caso da Itália, conforme manifesta o mesmo autor. Idem. Ibidem. p. 513, n.r. 150.219 Cf. Idem. Ibidem. p. 514. 220 Cf. Heleno Taveira TÔRRES, “os sistemas de tributação de praticamente todos os países distinguem, para efeito de tributação dos lucros das empresas, os contribuintes individuais (pessoas físicas ou juridicas), dos contribuintes coletivos (pessoas jurídicas – sociedades). Esta distinção varia segundo os esquemas societários típicos, que se estruturam considerando a pessoa jurídica de forma distinta ou não dos sujeitos que a formam”. Sobre a importância fiscal da distinção entre sociedades transparentes e não transparentes, TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. 2. ed., rev., atual. e ampl. p. 205.221 Neste sentido, Idem. Ibidem. p. 197.

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filial ao ordenamento da jurisdição em que está localizada, o princípio da contabilidade

separada, a exemplo do que ocorre no Brasil.

Portanto, o ordenamento jurídico inicialmente pode simplesmente reconhecer a

personalidade jurídica das pessoas alienígenas, limitando-se a admitir sua existência e lhe

conferir juridicidade a seus atos, podendo, desde que autorizadas, funcionar por si próprias,

sem constituir um estabelecimento permanente. Porém, pretendendo exercer uma atividade

indireta, esta deverá ser efetivada por uma pessoa jurídica própria, filial, sucursal ou agência,

constituída à luz do ordenamento jurídico do local em que pretende se instalar e que possuirá,

em decorrência, personalidade jurídica própria, sendo equiparada aos residentes deste país

por não ter a nacionalidade deste. Acrescente-se, por oportuno, que o capital de ambas é

separado e o tipo societário não necessariamente é o mesmo.

As filiais podem, também, instituir outras filiais, sucursais ou agências próprias,

ficando submetida a tributação das rendas produzidas pelos seus estabelecimentos

permanentes, desde que, é claro, o país de instalação da primeira filial (matriz da segunda)

tribute a renda world wide (princípio da universalidade).

Sendo os estabelecimentos permanentes equiparados, para o direito tributário, aos

residentes, em relação ao domicilio ou residência, as filiais assumem os mesmos direitos e

obrigações aplicáveis a estes, em decorrência do princípio da territorialidade,

independentemente de a matriz estar localizada abroad, de modo que, para o Estado de

residência desta, as rendas auferidas pela filial somente serão alcançados desde que adote o

princípio da universalidade, pelo critério de conexão pessoal.

Heleno Taveira TÔRRES faz importante menção à distinção de tratamento que pode

haver entre a tributação das rendas de sujeitos não residentes, que ficam submetidos a uma

tributação definitiva na fonte – tratamento isolado, analítico, dos rendimentos – daquele a que

se submetem os domiciliados no exterior equiparados às pessoas jurídicas domiciliadas no

território em que se localizam, pela força de atração do estabelecimento permanente, assim

como ocorre no Brasil.222

222 Idem. Ibidem. p. 202. n.r. 49.

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A maioria dos ordenamentos jurídicos tributários em vigor tem adotado dois

modelos para a tributação dos rendimentos de pessoas jurídicas não-residentes: o primeiro,

modelo analítico, de tratamento isolado, que significa a tributação por cada espécie de

rendimento, incidindo sobre o valor bruto, exclusivamente na fonte, regime típico de não-

residente, ou incidindo na forma em que previsto para residentes, por “equiparação”, na forma

em que disposto em lei interna ou tratado internacional, o que permite a aplicação eficaz do

princípio da uniformidade de tratamento entre residentes e não-residentes; o segundo, modelo

unificador, na medida em que o não-residente atue diretamente, mediante uma filial ou um

estabelecimento permanente, pela chamada força de atração, plena ou restrita.

Por tratamento isolado entende-se aquele oferecido para as empresas não residentes

que “atuam” no território dos países, esporádica e isoladamente, atribuindo-se validade aos

atos por elas praticados. Neste caso, submete-se a tributação pelo Estado em que estiver

atuando exclusivamente pelos atos realizados naquele território (critério da fonte).

Neste caso, são considerados os rendimentos auferidos pelos não-residentes

isoladamente (modelo analítico), sendo cada espécie de rendimento (juros, royalties, aluguéis,

dividendos) submetido ao tratamento que lhe for aplicável individualmente. O tratamento

isolado é da mesma forma aplicado à pessoa não-residente, ainda que possua no território do

ente tributante um estabelecimento permanente, desde que esta produza rendas de modo

autônomo em relação a este estabelecimento e o Estado de sua instalação aplique o princípio

da força de atração restrita.

Optando a empresa por “funcionar”, estabelecendo-se com caráter de permanência,

sob a forma de filial ou sucursal, em território estrangeiro, temos o estabelecimento

permanente. Neste caso, adquire a residência fiscal, e passa a ser tributada pelo regime da

universalidade e a receber um tratamento de equiparação aos residentes, com força de atração

plena ou restrita, de acordo com a lei de cada Estado.

A força de atração plena, por sua vez, é inerente ao regime que permite consolidar

todos os rendimentos obtidos pelo não-residente, sejam eles produzidos ou não em

decorrência de sua atividade principal exercida naquele Estado tributante. Já a força de

atração restrita permite aplicar o regime somente sobre os rendimentos obtidos por intermédio

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da filial ou do estabelecimento permanente que sejam vinculados estritamente às atividades

próprias da pessoa jurídica.

Os métodos de força de atração plena e restrita dizem exatamente, portanto, com a

submissão, total ou parcial, respectivamente, das despesas e rendimentos gerados pela matriz

no território de instalação, à contabilidade do estabelecimento permanente e,

conseqüentemente, sua contabilização na apuração do lucro tributável deste.

O Brasil, ao adotar a força de atração restrita, somente permite a dedução de

despesas estritamente vinculadas com a atividade do estabelecimento permanente (art. 397 do

RIR/99). É o princípio da inerência, segundo o qual somente os custos relacionados com a

atividade do estebelecimento são dedutíveis. Ao contrário da força de atração plena, em que

todos os rendimentos e despesas gerados pelo não-residente no território de instalação são

contabilizados e tributados na pessoa do estabelecimento permanente, ainda que realizados

diretamente por aquele sem a participação deste.

Em todos os casos, a tributação territorial de sujeitos não-residentes depende sempre

da existência de um vinculo destes ao ordenamento jurídico do Estado tributante por algum

nexo material, podendo ser, como dito, através da localização, neste Estado, da fonte efetiva

de rendimento ou fonte de produção, “critério que se presta para os fins de determinar a

conexão material entre o sujeito (contribuinte) e o território”.223

5.3.1.2. Da importância de se destacar, umas das outras, as espécies de pessoas

vinculadas – A classificação proposta, distinguindo as subsidiárias das coligadas e estas dos

estabelecimentos permanentes, tem como objetivo um maior delineamento de cada uma

destas espécies de organização estratégica empresarial, tendo em vista haver, nas pesquisas

desenvolvidas no âmbito da OCDE e de alguns estudiosos das regras de preços de

transferência em relação a sua aplicação aos novos modelos de operações comerciais

223 Heleno Taveira TÔRRES diferencia o conceito de fonte efetiva de rendimento do conceito de fonte de pagamento, que são “distintos entre si, mas funcionalmente complementares”. Para o ilustre professor, o conceito de “fonte de pagamento” pode ser “definido como espécie de responsável tributário, deixando bem claro que este só se aperfeiçoa quando em presença daquela primeira hipótese, qual seja, a presença da fonte efetiva de rendimento no território nacional”. TÔRRES, Heleno Taveira. Princípio da territorialidade e tributação de não-residentes no Brasil. Prestações de serviços no exterior. Fonte de produção e fonte de pagamento. In: TÔRRES, Heleno Taveira (coord.). Direito tributário internacional aplicado. p 90.

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(sobretudo o e-commerce), dedicação especificamente direcionada para a resolução dos

problemas advindos de uma e outra espécies.

A importância desta distinção já foi explorada, sobretudo, no que se refere a

aplicação do princípio norteador das regras dos preços de transferência, arm’s length, aos

estabelecimentos permanentes.

A ficção jurídica de tratamento dos estabelecimentos permanentes como se fossem

entidades independentes, permitindo a aplicação da separate accounting theory, em que lhe

são atribuídos os lucros que teriam sido obtidos caso exercessem autonomamente atividades

similares, em condições equivalentes, chamada pela doutrina alemã de “ficção de

independência” (Selbstständigkeitsfiktion), não difere daquele princípio.

Para a doutrina alemã, a ficção de independência, aplicada às filiais, não tem o

mesmo efeito do princípio arm’s length, aplicado às empresas independentes vinculadas por

laços societários224 (holdings e subsidiárias, coligadas etc.).

A mesma doutrina defende que o método da separate accounting dependeria, para

sua aplicação, de duas etapas: na primeira, apurar-se-ia o lucro total da empresa (no Estado de

sua residência e no exterior, como um todo) e, na segunda, distribuir-se-ia o lucro apurado

para todos os estabelecimentos, proporcionalmente a colaboração efetiva de cada um, o que

convencionou chamar de “Teilgewinn”, ou “ganho parcial”, similar ao “Teilwert”, ou “valor

fracionário (ou) parcial”.

Decorre desta interpretação, como observa Luís Eduardo SCHOUERI, “a

necessidade de se encarar o princípio arm’s length de modo diverso, conforme se trate de

filial ou de empresa independente, já que só no primeiro caso é que é adequado se pensar em

um único lucro da empresa, a ser repartido entre as unidades, enquanto no segundo, cada

empresa apura um lucro decorrente de suas operações, que é meramente ajustado em virtude

de distorções decorrentes das transações com empresas ligadas”, já que, “no caso de

224 Siegrried SCHRÖDER apud SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 23. O autor acrescenta, citando Jörg M. MÖSSNER, que esta ficção jurídica “acabou, entretanto, por sofrer limitações em sua aplicação prática em diversos casos (por exemplo, juros e royalties), falando-se, hoje, em independência limitada (einsgeschränkte Selbstständigkeit)”. Idem. Ibidem. p. 23.

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estabelecimentos de uma mesma empresa, há um único negócio, uma unidade econômica

atuando em diversos países”.225

Para o autor, a diferença estaria em que, enquanto o tratamento do transfer pricing

dos estabelecimentos permanentes estaria concentrado na obtenção de um critério de rateio do

lucro, a ser dividido a partir da ficção de independência, o tratamento das empresas ligadas

teria como critério o lucro da própria empresa examinada, passível de ser afetado por efeitos

decorrentes de transações com outras empresas do mesmo grupo.226

Destas premissas, resulta que o princípio arm’s length traria conseqüências diversas,

eis que partiria de pontos também diversos: o lucro global da empresa, servindo a ficção de

independência de mero critério de distribuição deste lucro – para os estabelecimentos

permanentes; o lucro da própria empresa, ajustado a partir das considerações sobre as

condições que se praticariam entre empresas independentes – para as empresas ligadas.

É de ser observado, contudo, que o art. 7º, § 2º da Convenção Modelo da OCDE

determina que sejam computados os custos como se os estabelecimentos fossem empresas

distintas e separadas, não se aplicando o Teilwert (valor fracionário), mas o Marktwert (valor

de mercado) e, não sendo possível sua determinação, ficam sujeitos às regras do art. 9º da

mesma convenção, que trata das empresas independentes sob controle comum.227

A ficção de independência deve ser considerada, conforme ainda anota Luís Eduardo

SCHOUERI,228 sobretudo pela inexistência de uma transação comercial propriamente dita

entre filiais, por não haver sentido em se falar em transação comercial entre estabelecimentos

de uma mesma empresa, ao contrário das empresas ligadas, em que existem transações

comerciais passíveis de serem questionadas pelas administrações tributárias dos países em que

localizadas.

225 Cf. Idem. Ibidem. p. 24.226 Cf. Idem. Ibidem. p. 24. A divisão dos lucros a partir da ficção de independência, o autor trata de “método indireto”, e o rateio do lucro baseado em percentuais adrede fixados denomina “método direto”. SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência e acordos de bitributação. In: ROCHA, Valdir de O. (coord.). Tributos e preços de transferência. p. 59.227 Cf. Klaus VOGEL apud SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 25.228 Idem. Ibidem. p. 25.

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5.3.1.3. Do conceito de “pessoa vinculada” na legislação brasileira – Na forma dos

dispositivos introduzidos pela Lei n.º 9.430/96, veículo primário introdutor das normas de

preços de transferência no ordenamento jurídico brasileiro, bem como das normas

complementares editadas pela Secretaria da Receita Federal, considera-se vinculada à pessoa

jurídica domiciliada no Brasil:

(i) a matriz desta, quando domiciliada no exterior;

(ii) a sua filial ou sucursal, domiciliada no exterior;

(iii) a pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no exterior, controladora ou

coligada da pessoa jurídica brasileira, na forma definida nos §§ 1º e 2º do art. 243 da Lei n.º

6.404, de 15 de dezembro de 1976;

(iv) a pessoa jurídica domiciliada no exterior que seja caracterizada como sua

controlada ou coligada, na forma definida nos §§ 1º e 2º do art. 243 da Lei n.º 6.404, de 15 de

dezembro de 1976;

(v) a pessoa jurídica domiciliada no exterior, quando:

(v.i) esta e a empresa domiciliada no Brasil estiverem sob controle societário

ou administrativo comum ou;

(v.ii) pelo menos dez por cento do capital social de cada uma pertencer a

uma mesma pessoa física ou jurídica;

(vi) a pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no exterior, que, em

conjunto com a pessoa jurídica domiciliada no Brasil, tiver participação societária no capital

social de uma terceira pessoa jurídica, cuja soma as caracterizem como controladoras ou

coligadas desta, na forma definida nos §§ 1º e 2º do art. 243 da Lei n.º 6.404, de 15 de

dezembro de 1976;

(vii) a pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no exterior, que seja sua

associada, na forma de consórcio ou condomínio, conforme definido na legislação brasileira,

em qualquer empreendimento;

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(viii) a pessoa física residente no exterior que for parente ou afim até o terceiro grau,

cônjuge ou companheiro de qualquer de seus diretores ou de seu sócio ou acionista

controlador em participação direta ou indireta;

(ix) a pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no exterior, que goze de

exclusividade, como seu agente, distribuidor ou concessionário, para a compra e venda de

bens, serviços ou direitos; e, por derradeiro,

(x) a pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no exterior, em relação à

qual a pessoa jurídica domiciliada no Brasil goze de exclusividade, como agente, distribuidora

ou concessionária, para a compra e venda de bens, serviços ou direitos.

Por meio da Instrução Normativa 38/97, a Secretaria da Receita Federal acrescentou

às hipóteses o caso de “interposta pessoa”, estabelecendo que o regime dos preços de

transferência se estende às operações efetuadas por meio destas pessoas, ainda que não

caracterizadas como vinculadas à pessoa jurídica residente no território brasileiro, por meio

das quais esta opere com outra, no exterior, por sua vez caracterizada como vinculada.

Atualmente, tal previsão encontra-se inserida no art. 2º, § 5º da IN/SRF n.º 243/2002.

Concordando com este alargamento do âmbito subjetivo de fiscalização e controle,

Heleno Taveira TÔRRES manifesta que “descabido seria entender que o Fisco devesse

perquirir pelo ‘efetivo’ importador ou exportador para aplicar o controle fiscal sobre as

operações praticadas, quando a lei lhe faculta a ampliação supracitada”.229

5.3.1.3.1. Matrizes e filiais ou sucursais – Necessário se identifiquem os motivos

que levaram o legislador brasileiro a atribuir, às operações realizadas entre matrizes e filiais, a

aplicação das regras de preços de transferência, eis que, a princípio, têm-se as matrizes e

filiais como unidades de uma mesma pessoa jurídica, não havendo que se falar em relações

comerciais entre elas.

As filiais, sucursais, agências ou representações de pessoa jurídica sediada no

exterior, aqui situadas, estão sujeitas ao regime de tributação das rendas de pessoas jurídicas,

229 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 175.

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por equiparação, conforme dispõe o art. 147, II, do RIR/99, pelo princípio da territorialidade,

e inserem-se no conceito de pessoas vinculadas. As filiais, sucursais, agências ou

representações, de pessoa jurídica residente, localizadas no exterior, da mesma forma sujeitas

a tributação pelo fisco brasileiro, pelo princípio da universalidade, também preenchem

referido conceito.

Conforme aponta Heleno Taveira TÔRRES, nada há de irregular em submeter estas

pessoas às obrigações decorrentes do controle dos preços de transferência, pela aplicação da

“força de atração restrita” e do princípio da separação contábil entre matriz e estabelecimento

permanente.230

Isso porque o direito brasileiro considera as filiais ou sucursais de empresas

brasileiras no exterior,231 bem como as filiais, sucursais, agências ou representações de

pessoas jurídicas estrangeiras, localizadas no território nacional, como entidades autônomas

para efeitos fiscais, sujeitando-as a tributação como pessoas distintas. Diante disso, em que

pese configurarem operações internas à mesma pessoa jurídica, as quais Luís Eduardo

SCHOUERI considera tratarem-se de “mera transferência, não de um negócio jurídico

propriamente dito (não há sentido jurídico em se falar em uma venda da matriz à filial, por

exemplo)”232, estas ocorrem como se as partes envolvidas fossem entidades distintas, assim

como conclui Heleno Taveira TÔRRES.233

A pretensão que a administração tributária exerce sobre as filiais instaladas em

território nacional da pessoa jurídica sediada no exterior limita-se àqueles lucros auferidos

unicamente pelo estabelecimento que ela aqui mantém de forma permanente, o que não

implica sejam tributados os resultados mundiais da empresa. Do mesmo modo, a partir da

aplicação da “força de atração restrita”, os resultados decorrentes de operações realizadas no

Brasil diretamente pela matriz domiciliada no exterior, em que o estabelecimento permanente

não tenha tido qualquer interferência ou participação, não podem ser imputados às filiais.

230 Cf. Idem. Ibidem. p. 176.231 As filiais localizadas no exterior, de empresas brasileiras, consideradas pelo direito brasileiro entidades independentes, estão sujeitas a demonstrar a apuração de seus lucros na forma do art. 25, § 2º, II da Lei n.º 9.249/95, sendo considerados de forma individualizada por filial, conforme dispõe o art. 16, I da Lei n.º 9.430/96.232 SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 35.233 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 176.

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É que a legislação brasileira rejeita a teoria da “força de atração ampla”, a qual Luís

Eduardo SCHOUERI e Alberto XAVIER234 denominam simplesmente de “força de atração”

sem o qualificativo “ampla” utilizado por Heleno Taveira TÔRRES e também por nós já

referido neste trabalho.

Isso em decorrência de que, conforme já exposto, o Regulamento do Imposto de

Renda considera as filiais de empresas estrangeiras como pessoas jurídicas para efeitos

fiscais, assimiladas a empresas independentes, baseando-se a tributação nos lucros reais

constantes da respectiva contabilidade. Diante da independência e autonomia da filial, aliadas

ainda ao método da contabilidade separada, as operações realizadas pela matriz não têm como

serem tributadas pela filial, eis que tais operações deverão ser escrituradas diretamente na

contabilidade da matriz e não da filial.

Esta assertiva pode ainda ser confirmada diante da expressão verbal do legislador, ao

determinar que as pessoas jurídicas domiciliadas no exterior e autorizadas a funcionar no País

somente poderão deduzir como custos ou despesas aqueles realizados “por” suas

dependências no território nacional (art. 397, caput do RIR/99) ou “por intermédio” de filial,

sucursal ou agência do vendedor no país (Portaria 228, item 3, “d”), bastando para que se

torne evidente a necessidade da efetiva conexão do lucro a filial, para que sofra a tributação.

Deste modo, como manifesta Alberto XAVIER,235 nosso ordenamento não prevê a

existência de uma presunção de interferência da filial nos resultados da matriz apurados

territorialmente, cabendo ao Fisco o ônus da prova se suspeitar de qualquer participação que

possa resultar em uma pretensão impositiva sobre a filial.

O art. 7º, § 1º da Convenção Modelo da OCDE, seguido pelos acordos

internacionais firmados pelo Brasil,236 serve de embasamento para esta afirmação,

consagrando a força de atração restrita e a regra da assimilação a empresa independente.

234 Neste sentido, SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 36. XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Tributação das operações internacionais. p. 522.235 Cf. XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Tributação das operações internacionais. p. 525.236 O art. 7º, § 1º da Convenção Modelo dispõe: “The profits of an enterprise of a Contracting State shall be taxable only in that State unless the enterprise carries on business in the other Contracting State through a permanent establishment situated therein. If the enterprise carries on business as aforesaid, the profits of the

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5.3.1.3.2. Empresas associadas – São consideradas vinculadas aquelas empresas

que estejam ligadas por laços societários ou administrativos, na forma do quanto disposto no

art. 23, incisos III a VI. De acordo com este dispositivo, são vinculadas a pessoa jurídica

domiciliada no Brasil:

(a) a pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no exterior, controladora ou

coligada da pessoa jurídica brasileira, na forma definida nos §§ 1º e 2º do art. 243 da Lei n.º

6.404, de 15 de dezembro de 1976;

(b) a pessoa jurídica domiciliada no exterior que seja caracterizada como sua

controlada ou coligada, na forma definida nos §§ 1º e 2º do art. 243 da Lei n.º 6.404, de 15 de

dezembro de 1976;

(c) a pessoa jurídica domiciliada no exterior, quando:

(c.i) esta e a empresa domiciliada no Brasil estiverem sob controle societário

ou administrativo comum ou;

(c.ii) pelo menos dez por cento do capital social de cada uma pertencer a uma

mesma pessoa física ou jurídica;

(d) a pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no exterior, que, em

conjunto com a pessoa jurídica domiciliada no Brasil, tiver participação societária no capital

social de uma terceira pessoa jurídica, cuja soma as caracterizem como controladoras ou

coligadas desta, na forma definida nos §§ 1º e 2º do art. 243 da Lei n.º 6.404, de 15 de

dezembro de 1976.

5.3.1.3.2.1. Controladas e coligadas – O conceito de empresa associada, em relação

àquele dado pela Convenção Modelo da OCDE, é mais restrito, já que, como bem observam

Luis Eduardo SCHOUERI237 e Heleno Taveira TÔRRES,238 o legislador brasileiro impôs

enterprise may be taxed in the other State but only so much of them as is attributable to that permanent establishment”. Esta disposição está presente nos acordos internacionais dos quais o Brasil é parte.237 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 39.238 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 177.

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como condição a existência de uma participação mínima de 10% (dez por cento) no capital

social, ao contrário do modelo da OCDE, que não exige um mínimo de participação. Isso

porque a Lei n.º 6.404/76 dispõe, em seu art. 243, § 1º, que para serem as sociedades

consideradas coligadas, uma deve participar, com 10% ou mais, do capital social da outra,

sem controlá-la.

A mesma lei considera controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente

ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo

permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos

administradores, conforme seu art. 243, § 2º.

Tais conceitos devem ser utilizados para a boa interpretação tanto dos incisos III e

IV, quanto do inciso VI do art. 23 da Lei n.º 9.430/96. Trata-se de disposição legal rigorosa,

na medida em que atribui qualificação de vinculadas a empresas que, mesmo não possuindo

relações societárias de coligação ou controle, tenham participação, em conjunto, de no

mínimo 10% (dez por cento) no capital social de uma terceira, o que as sujeitará às regras de

transfer pricing ainda que possuam pequenas participações em sociedades de capital

pulverizado.

5.3.1.3.3. Controle societário ou administrativo comum e participação de uma

mesma pessoa física ou jurídica de, no mínimo, 10% (dez por cento) no capital de cada

empresa – No que se refere ao conceito de controle societário ou administrativo comum,

presente no inciso V do art. 23 da Lei n.º 9.430/96, a Instrução Normativa 38/97239 se

encarregou de introduzir em nosso sistema.

Dá-se o controle societário comum quando uma mesma pessoa física ou jurídica,

independentemente da localidade de sua residência ou domicílio, seja titular de direitos de

sócio em cada uma das referidas empresas, que lhe assegurem, de modo permanente,

preponderância nas deliberações sociais daquelas e o poder de eleger a maioria de seus

administradores, conforme disposto no art. 2º, § 1º, inc. I.

Heleno Taveira TÔRRES avalia de que modo pode se dar este controle:

239 Atualmente presente na IN/SRF n.º 243/2002 em artigo, parágrafo e incisos de mesmo número.

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“Este controle pode decorrer de diversas causas, como a doutrina faz distinguir, em contraposição: i) a um controle interno (que se perfaz através da participação social, de participação majoritária no capital social, ou mesmo de uma participação minoritária); ii) a um controle externo (com base em relações contratuais que asseguram ao sujeito a direção administrativa da sociedade); iii) a um controle de direito (conseguido por participação acionária ou por meio de contrato); e iv) a um controle de fato (que é aperfeiçoado por uma relação de dominação factual, pelas circunstâncias que envolvem as empresas).”240

Já o controle administrativo comum ocorre quando (i) o cargo de presidente do

conselho de administração ou de diretor presidente de ambas as empresas tenha como titular a

mesma pessoa; (ii) o cargo de presidente do conselho de administração de uma e o de diretor

presidente da outra sejam exercidos pela mesma pessoa; (iii) uma mesma pessoa exercer

cargo de direção, com poder de decisão, em ambas as empresas (observe-se que esta hipótese

engloba aquelas previstas nos itens (i) e (ii) anteriores), na forma do art. 2º, § 1º, inc. II, da

mesma norma complementar administrativa.

A participação da mesma pessoa física ou jurídica de no mínimo 10% (dez por

cento) no capital de duas ou mais empresas é o bastante para torná-las vinculadas. Veja-se

que, primeiramente, a legislação atribuiu o caráter de vinculadas às sociedades quando sejam

elas coligadas, isto é, uma tenha uma participação mínima de 10% no capital da outra. No

presente caso, trata-se da participação de uma terceira empresa, ou pessoa física, no capital

social de outras duas, tornando, estas, por sua vez, vinculadas. Isso sem prejuízo de,

obviamente, serem consideradas vinculadas, pela característica de coligadas, a pessoa (desde

que seja jurídica) que participa no capital da outra em 10% e esta.

5.3.1.3.4. Consórcio e condomínio – Apesar de a Lei n.º 9.430/96 ter sido omissa

neste assunto, a Instrução Normativa 38/97 veio esclarecer que a vinculação somente existirá

pelo tempo de duração do consórcio ou condomínio, na forma de seu art. 2º, § 2º,241 o que já

seria intuitivo, nada obstante a inexistência de tal determinação na lei.242

O consórcio de que trata a Lei n.º 9.430/96 é aquele previsto no art. 278 da Lei n.º

6.404/76, que dispõe que “as companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo

240 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 177. Os grifos são do original.241 Atualmente presente na IN/SRF n.º 243/2002 em artigo, parágrafo e incisos de mesmo número.242 Neste sentido, TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 178.

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controle ou não, podem constituir consórcio para executar determinado empreendimento”, o

que poderá ser feito através de um contrato cujo objeto será um empreendimento comum, uma

situação objetiva, em que cada parte exerça, singularmente, sua atividade.

José Edwaldo Tavares BORBA faz importante distinção entre o que denomina de

“grupo de sociedades” e consórcios. Para o autor, “sempre que várias sociedades se

encontram sob controle comum, tem-se um grupo de sociedades”,243 que poderá ser de direito

ou de fato, dependendo de ter ou não havido um ato forma de constituição.

Deste grupo somente são participantes a controladora e as controladas, devendo

aquela ser sociedade brasileira, independente de seu controle estar domiciliado no Brasil, e

sua formação, através de convenção ou contrato, em que aparecem os fins almejados e toda a

estrutura financeira e administrativa, não conduz a constituição de uma nova pessoa jurídica e

não se forma capital comum.

O consórcio, por sua vez, “que também é um contrato entre sociedades, restringe-se

à conjugação de empresas para a execução de empreendimento determinado”.244 Seus

membros poderão ser quaisquer sociedades, independentemente de vínculos societários,

devendo seu contrato ser aprovado pela simples manifestação do órgão das sociedades que

tenham competência para autorizar a alienação de bens do ativo permanente.245 Acrescente-se

ainda que o consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam

nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações,

sem presunção de solidariedade.

A inclusão dos consórcios no rol das empresas vinculadas para efeito de aplicação

das regras de transfer pricing é digna de críticas, eis que as consorciadas são empresas que

não mantém qualquer laço societário – ao contrário do grupo de sociedades – ou

administrativo, estando apenas na condição de “associadas” para a consecução de

determinado fim. 243 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 8. ed. p. 527.244 Idem. Ibidem. p. 528.245 Na forma do art. 279 da Lei n.º 6.404/76, deverá constar obrigatoriamente do contrato: “I - a designação do consórcio se houver; II - o empreendimento que constitua o objeto do consórcio; III - a duração, endereço e foro; IV - a definição das obrigações e responsabilidade de cada sociedade consorciada, e das prestações específicas; V - normas sobre recebimento de receitas e partilha de resultados; VI - normas sobre administração do consórcio, contabilização, representação das sociedades consorciadas e taxa de administração, se houver; VII -forma de deliberação sobre assuntos de interesse comum, com o número de votos que cabe a cada consorciado; VIII - contribuição de cada consorciado para as despesas comuns, se houver”.

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Luís Eduardo SCHOUERI246 manifesta o entendimento que, se o consórcio limita-se

a um determinado empreendimento, até mesmo pela própria definição legal, apenas em torno

deste é que poderá existir uma sociedade “de segundo grau” entre as consorciadas, devendo a

disciplina dos preços de transferência se limitar às relações produzidas no seu âmbito,

afastando-se daquelas que com ele nada tenham a ver.

No mesmo sentido em relação aos condomínios, em que somente se justifica a

aplicação das regras de preços de transferência nos limites da compropriedade, já que nesta

figura jurídica sequer existe o animus societatis.

5.3.1.3.5. Parentes, cônjuges e companheiros – Em relação aos parentes e cônjuges,

basta a comprovação da existência de uma relação entre as partes – o que pode ser feito

através de uma certidão pública – para que se dê sua vinculação. Curiosa é, entretanto, a

inserção dos companheiros como determinantes da existência de vinculação, já que haverá,

sempre, uma presunção de que um deles estará localizado no Brasil e o outro abroad.

É que companheiro, no sentido utilizado pela lei da união estável (Lei n.º 9.278/96),

pressupõe a existência de “união estável”, o que pode ser difícil de caracterizar quando uma

das partes está no Brasil e a outra no exterior, sem haver “coabitação”.

Acrescente-se que a Instrução Normativa 38/97 veio trazer o conceito de

companheiro em seu art. 2º, § 3º, dispondo que “considera-se companheiro de diretor, sócio

ou acionista controlador da empresa domiciliada no Brasil, a pessoa que com ele conviva em

caráter conjugal, conforme o disposto na Lei n.º 9.278, de 10 de maio de 1996”,247 o que

contribui ainda mais para essa perplexidade.

A disposição legislativa é no sentido de que o companheiro deva ser “pessoa física

residente no exterior”, nada dispondo, entretanto, que o diretor ou o sócio ou acionista

controlador em participação direta ou indireta na empresa brasileira, do qual aquele é

companheiro, resida, necessariamente, no Brasil. Neste caso, com exclusão de qualquer outro,

parece-nos possível haver uma coabitação, suficiente para caracterizar a união estável e,

assim, atribuir a característica de companheiros a ambos.

246 SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 41.247 Atualmente presente na IN/SRF n.º 243/2002 em artigo, parágrafo e incisos de mesmo número.

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5.3.1.3.6. Agentes e distribuidores – A Lei n.º 9.430/96 atribui o caráter de

vinculadas às pessoas pela existência de mero relacionamento comercial entre elas,

independente de vínculo societário ou administrativo. Tratam-se, portanto, de vínculos

contratuais que a lei impõe como suficientes para aplicação das regras de transfer pricing

entre as partes relacionadas.

Neste dispositivo foi contemplado o chamado estabelecimento permanente pessoal,

centro de imputação de relações jurídicas, mediante um contrato de mandato, comissão etc. É

a forma pela qual uma empresa não residente opera, sendo equiparada a pessoa jurídica

residente, através de um sujeito dependente, um mandatário, que recebe poderes que lhe

permite celebrar contratos em nome e por conta e risco da empresa mandante, atuando

economicamente de forma dependente àquela.

Dentre estes sujeitos dependentes estão o agente e o representante, que são

responsáveis pela angariação de negócios para o representado, de forma autônoma e habitual.

A habitualidade, conforme aponta Heleno Taveira TÔRRES,248 configura um dos elementos

de qualificação precípuos do estabelecimento permanente pessoal, que depende, para existir,

da estabilidade da presença da empresa não residente através de um intermediário, além do

grau de dependência que deve haver deste em relação àquela.

Verifica-se tratar-se de previsão extremamente incomum, não encontrando paralelo,

inclusive, na Convenção Modelo da OCDE. A Instrução Normativa 38/97 foi que introduziu o

detalhamento deste tipo de relação comercial, conforme prevê seu art. 2º, § 4º.249 Referido

dispositivo dispõe:

“I - a vinculação somente se aplica em relação às operações com os bens, serviços ou direitos para os quais se constatar a exclusividade;

II - será considerado distribuidor ou concessionário exclusivo, a pessoa física ou jurídica titular desse direito relativamente a uma parte ou a todo o território do país, inclusive do Brasil;

III - a exclusividade será constatada por meio de contrato escrito ou, na inexistência deste, pela prática de operações comerciais, relacionadas a um tipo de bem, serviço ou direito, efetuadas exclusivamente entre as duas empresas ou exclusivamente por intermédio de uma delas”.

248 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 181249 Atualmente presente na IN/SRF n.º 243/2002 em artigo, parágrafo e incisos de mesmo número.

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Do mesmo modo, criticável esta disposição legislativa que inclui as relações de

exclusividade como passíveis de serem submetidas às regras de preços de transferência. Isso

porque, como bem aponta Luís Eduardo SCHOUERI, a existência de condições vantajosas,

negociadas entre fornecedor e agente, distribuidor ou concessionário, certamente decorrerá

não da existência de um interesse comercial comum – limitado que está, este, ao sucesso do

produto –, nem de um relacionamento entre as partes (ainda que não societário, eis que

inexistente), “mas da garantia de compras mínimas e dos esforços para o desenvolvimento do

produto e do mercado”.250

5.3.1.3.7. Interposta pessoa – O conceito de interposta pessoa foi primeiramente

utilizado pela Instrução Normativa 38/97,251 aparentemente trazendo uma innovatione em

relação ao rol presente na Lei n.º 9.430/96.

Originalmente previstas no art. 2º, § 5º, da IN/SRF n.º 38/97 e atualmente na vigente

IN/SRF n.º 243/2002, as operações realizadas por intermédio das interpostas pessoas encontra

a seguinte regulamentação:

“§ 5º Aplicam-se, também, as normas sobre preço de transferência às operações efetuadas pela pessoa jurídica domiciliada no Brasil, por meio de interposta pessoa não caracterizada como vinculada, que opere com outra, no exterior, caracterizada como vinculada à empresa brasileira.”

Parece tratar-se, a principio, de uma estratégia da Receita Federal na tentativa de

coibir toda e qualquer eventual manobra que as empresas procurassem intentar para a prática

de condições vantajosas por meio de pessoas interpostas, de sua confiança. Para Heleno

Taveira TÔRRES, contudo, “é muito intuitivo que a legislação sobre o controle de preços de

transferência, ao alargar o conceito de pessoa ligada, envolveria, necessariamente as formas

de interposição de pessoas, no que se mostra até redundante, pois normalmente são, estas

250 SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 45.251 A redação original do parágrafo de mesmo número do artigo de mesmo número da IN/SRF n.º 38/97 era da seguinte lavra: “§ 5º Às operações efetuadas por meio de interposta pessoa, não caracterizada como vinculada à empresa no Brasil, por meio da qual esta opere com outra, no exterior, caracterizada como vinculada, aplicam-se, também, as normas sobre preços de transferências de que trata esta Instrução Normativa”.

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pessoas jurídicas, filiais ou empresas controladas, enquadrando-se noutras hipóteses de

‘pessoas vinculadas’”,252 entendimento do qual corroboramos.

Em razão do conteúdo finalístico da legislação e do fato de que a escolha entre

importar uma mercadoria por conta própria ou por meio de um intermediário contratado para

esse fim – que pode ser uma conduit-company ou uma base-company (trading, licensing

company, finance)253 – é livre e perfeitamente legal, não se podendo presumir, de logo, a

existência de uma tentativa de fraude ou simulação.

Na “importação por conta e ordem de terceiro”, cuja disciplina surgiu no seio da Lei

n.º 10.637/02, que prescreve, por seu art. 27, que “a operação de comércio exterior realizada

mediante utilização de recursos de terceiro presume-se por conta e ordem deste (...)”,254 o fato

de o importador (de direito), na qualidade de mandatário do adquirente (importador de fato),

registrar a declaração de importação em seu nome, não fica caracterizada uma operação

própria, mas por ordem do adquirente, mandante, que o contratou para tal fim.

Ainda que o importador seja o responsável pelo recolhimento dos tributos incidentes

na importação ou efetue pagamentos ao fornecedor estrangeiro, com recursos financeiros

fornecidos pelo adquirente para a operação contratada, a empresa contratante é a verdadeira

adquirente das mercadorias importadas e não a empresa contratada, que é, nesse caso, uma

mera prestadora de serviços, intermediária (interposta pessoa).

Embora a importadora promova o despacho de importação em seu nome e efetue o

recolhimento dos tributos incidentes sobre a importação de mercadorias (II, IPI, Cofins-

Importação, PIS/Pasep-Importação e Cide-Combustíveis), é a adquirente – a mandante da

252 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 181.253 Conforme expõe Heleno Taveira TÔRRES, tanto as conduit como as base-companies, quando estabelecidas em paraísos fiscais, podem ter finalidade estritamente elusiva, mas não necessariamente, cabendo ao Fisco comprovar a interposição de pessoa como meio para praticar preços em condições vantajosas. Idem. Ibidem. p. 181.254 No art. 1º, § único da IN/SRF 225/02 também encontramos a definição normativa de “importação por conta e ordem de terceiro”: “Entende-se por importador por conta e ordem de terceiro a pessoa jurídica que promover, em seu nome, o despacho aduaneiro de importação de mercadoria adquirida por outra, em razão de contrato previamente firmado, que poderá compreender, ainda, a prestação de outros serviços relacionados com a transação comercial, como a realização de cotação de preços e a intermediação comercial”. Esta regulamentação toma como base normativa a Medida Provisória 2.158-35/01, que dispõe, em seu art. 80, inc. I: “A Secretaria da Receita Federal poderá: I – estabelecer requisitos e condições para a atuação de pessoa jurídica importadora por conta e ordem de terceiro (...)”.

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operação de importação – que efetivamente faz vir a mercadoria de outro país, em razão do

negócio jurídico internacional.255

Sendo o importador “por conta e ordem” um mero prestador de serviço (interposta

pessoa) e a empresa adquirente da mercadoria a importadora de fato, a essa pessoa jurídica

devem ser aplicadas regras previstas na legislação de preços de transferência.

Desta forma, quando empresas brasileiras, subsidiárias ou coligadas de empresas

sediadas no exterior, promovem importações através de interpostas pessoas por sua conta e

ordem para o Brasil, de produtos fornecidos por suas matrizes ou outras subsidiárias ou

coligadas estrangeiras, em termos fiscais, a operação se dá entre empresas vinculadas,

devendo-se observar, nesse caso, as regras de preços de transferência de que tratam os artigos

18 a 24 da Lei n.º 9.430/96, assim também no que se refere às importações próprias ou por

sua conta e ordem realizadas de países ou dependências com tributação favorecida ou que

oponham sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas, haja ou não sua

vinculação com o exportador estrangeiro.256

Em decorrência, ainda, das cada vez mais ousadas e inovadoras estratégias

comerciais, o legislador brasileiro introduziu, em nosso ordenamento, o conceito de

“importação por encomenda”. Conforme dispõe o art. 11 da Lei n.º 11.281/06, “a importação

promovida por pessoa jurídica importadora que adquire mercadorias no exterior para revenda

a encomendante predeterminado não configura importação por conta e ordem de terceiros”.

Na forma do § 3º deste mesmo artigo, a lei determina que “considera-se promovida na forma

do caput deste artigo a importação realizada com recursos próprios da pessoa jurídica

255 Conseqüentemente, embora seja o importador o contribuinte dos tributos, o adquirente das mercadorias torna-se responsável solidário pelo seu recolhimento, seja porque ambos têm interesse comum na situação que constitui o fato gerador dos tributos, seja por previsão expressa legal, conforme os arts. 124, I e II da Lei n.º 5.172, de 1966 - CTN; arts. 103, I, e 105, III, do Decreto n.º 4.543, de 2002; arts. 24, I, e 27, III, do Decreto n.º 4.544, de 2002; arts. 5º, I, e 6º, I, da Lei n.º 10.865, de 2004; e arts. 2º e 11 da Lei n.º 10.336, de 2001. O real adquirente das mercadorias será o responsável solidário pelas obrigações fiscais geradas pela importação efetivada, também por força da presunção legal expressa no artigo 27 da Lei n.º 10.637, de 2002, em virtude de que dela são os recursos utilizados na operação. Em razão desta responsabilidade solidária pelos tributos incidentes nas importações, é necessário que os adquirentes que contratarem as operações de importação através de interpostas pessoas mantenham os comprovantes de recolhimento de tributos não efetuados eletronicamente por meio do Siscomex, referentes às transações que forem realizadas, em boa guarda e ordem pelo prazo decadencial previsto na legislação tributária.256 A ocultação do real adquirente na importação, mediante fraude ou simulação, além de acarretar o perdimento da mercadoria, tem sérias implicações perante a legislação do Imposto de Renda, relativamente aos preços de transferência. Por essa razão, o adquirente deve sempre se fazer identificar nas declarações de importação, cujas mercadorias tenha adquirido no exterior.

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importadora, participando ou não o encomendante das operações comerciais relativas à

aquisição dos produtos no exterior”.257

Tratam-se, a “importação por conta e ordem de terceiros” e a “importação por

encomenda”, de dois institutos jurídicos distintos, como mesmo dispõem o art. 11, caput, da

Lei n.º 11.281/06, acima referido, e seu § 2º, ao determinar que “a operação de comércio

exterior realizada em desacordo com os requisitos e condições estabelecidos na forma do § 1º

deste artigo presume-se por conta e ordem de terceiros, para fins de aplicação do disposto nos

arts. 77 a 81 da Medida Provisória no 2.158-35, de 24 de agosto de 2001”.

Os próprios conceitos jurídicos de uma e de outra são suficientes para individualizá-

las: a primeira pressupõe a utilização de recursos de terceiro na operação de importação, e a

contratação do intermediário importador por este terceiro; a segunda, ao contrário, impede a

utilização, ainda que parcialmente, de numerário de terceiro na operação, mas impõe a

necessidade de vinculação deste terceiro com o importador, mediante contrato, para que se dê

tal qualificação (de “importação por encomenda”) à operação.

Por tudo, verifica-se, em ambas as situações, que se tratam de operações de

comércio exterior realizadas com a presença de “interpostas pessoas”. O legislador ordinário,

atento a isso, fez questão de tornar clara que a disciplina dos preços de transferência se aplica,

também, no âmbito das importações realizadas por tais “interpostas pessoas”, assim, ao dispor

em seu art. 14, que “aplicam-se ao importador e ao encomendante as regras de preço de

transferência de que trata a Lei n.º 9.430, de 27 de dezembro de 1996, nas importações de que

trata o art. 11 desta lei”.

O que não quer dizer, conforme já procuramos demonstrar, que as importações “por

conta e ordem de terceiros”, ao contrário, não estariam submetidas a tais regras, devido a

ausência de disciplinamento legal neste sentido – em que pese a existência de disciplinamento

infralegal. É que há de prevalecer o conteúdo finalístico da lei de regência do controle de

preços, que busca exatamente atingir as pessoas vinculadas na forma em que estabelece, não

sendo admissível, portanto, que mero procedimento estratégico comercial – a introdução de

257 A IN/SRF n.º 634/2006, que regulamenta tal dispositivo, vem estabelecer de forma clara, no § único de seu art. 1º, que “não se considera importação por encomenda a operação realizada com recursos do encomendante, ainda que parcialmente”.

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intermediários na operação de comércio exterior – viesse a ser suficiente para permitir

exatamente o que procura coibir as regras de tranfer pricing: a elisão fiscal.

Tal discussão perde efeito quando a outra parte da operação, isto é, aquela com a

qual a “interposta pessoa” realiza a operação, for domiciliada em “paraíso fiscal” ou em

“paraíso societário”, conforme veremos a seguir.

5.3.2. Pessoas independentes localizadas em países ou dependências com

tributação favorecida e que oponham sigilo relativo à composição societária de pessoas

jurídicas ou a sua titularidade

A previsão de aplicabilidade das regras de preços de transferência nas operações

envolvendo pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil, e qualquer pessoa

física ou jurídica, ainda que não vinculada, residente ou domiciliada em país que não tribute a

renda ou que a tribute a alíquota máxima inferior a vinte por cento é uma inovação nas regras

de transfer pricing introduzidas pelo direito brasileiro, nada havendo nesse sentido no Modelo

de Convenção da OCDE e conseqüentemente nos acordos bilaterais firmados pelo Brasil, eis

que estes tomam aquele como padrão. Tratam-se dos chamados países “com tributação

favorecida”.

Ana Cláudia Akie UTUMI bem esclarece esse conceito:

“Por definição legal, todo aquele país que não tribute a renda, ou a tribute em alíquota máxima inferior a vinte por cento, será tido como país com tributação favorecida. E as empresas brasileiras que negociarem bens, serviços ou direitos com empresas ou pessoas físicas domiciliadas nesse país, estarão sujeitas ao controle dos preços de transferência”.258

São os denominados tax heaven jurisdictions, formas típicas de concorrência fiscal

prejudicial, conforme manifesta Heleno Taveira TÔRRES.259 É importante que se ressalte que

a lei toma a alíquota mínima de 20% (vinte por cento) como sendo aquela efetiva, e não a

nominal, levando-se em conta, por isso, outro aspecto do critério quantitativo da norma, a

base de cálculo. Isso porque, um determinado país pode vir a instituir uma alíquota de

258 UTUMI, Ana Cláudia Akie. Países com tributação favorecida no direito brasileiro. In: TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional aplicado. p. 233.259 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 75.

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imposto superior a 20%, mas estabelecer que sua incidência se dê sobre um determinado (e

mínimo) percentual do lucro.260

A previsão de aplicabilidade das regras de preços de transferência nestas operações

aparece inicialmente no art. 24 da Lei n.º 9.430/96, tendo a seguinte redação:

“Art. 24. As disposições relativas a preços, custos e taxas de juros, constantes dos arts. 18 a 22, aplicam-se, também, às operações efetuadas por pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil, com qualquer pessoa física ou jurídica, ainda que não vinculada, residente ou domiciliada em país que não tribute a renda ou que a tribute a alíquota máxima inferior a vinte por cento”.

A regulamentação, atualmente, aparece no art. 39 da Instrução Normativa 243/2002,

litteris:

“Art. 39. As disposições relativas a preços de transferência de bens, serviços e direitos e sobre taxas de juros, constantes desta Instrução Normativa, aplicam-se, também, às operações efetuadas por pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil, com qualquer pessoa física ou jurídica, ainda que não vinculada, residente ou domiciliada em país ou dependência que não tribute a renda ou que a tribute a alíquota inferior a vinte por cento, ou ainda, cuja legislação interna oponha sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas ou a sua titularidade”.

A Lei n.º 10.451/2002 acrescentou, ao art. 24 da Lei n.º 9.430/96, o parágrafo 3º,

dispondo que, “para os fins do disposto neste artigo, considerar-se-á separadamente a

tributação do trabalho e do capital, bem como as dependências do país de residência ou

domicílio”.

A introdução do conceito de dependência adveio da necessidade de serem evitadas

interpretações prejudiciais ao que efetivamente pretende a lei, de modo a serem os

dispositivos legais aplicados não só quando se tratam de países, no sentido strictu de Estado

soberano, mas também às suas dependências que, por si próprias, não seriam considerados de

“tributação favorecida”. Neste sentido, concordamos com Ana Cláudia Akie UTUMI, que

260 Assim como no tratamento dado pelas Antilhas Holandesas, que é uma dependência do Reino dos Países Baixos, conforme expõe Ana Cláudia Akie UTUMI. Naquela dependência, a alíquota do imposto sobre a renda é de 35%, enquanto que a base sobre a qual será aplicada representa apenas 8% do lucro auferido, o que resulta em uma carga tributária de 2,8%, em muito inferior aos 20% estabelecido nominalmente pela legislação brasileira. Neste sentido, UTUMI, Ana Cláudia Akie. Países com tributação favorecida no direito brasileiro. In: TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional aplicado. p. 233.

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prefere adotar a locução “jurisdição com tributação favorecida”261 para bem identificar aquilo

que pretende a lei atingir.

A alteração introduzida pela Lei n.º 10.451/2002 teve por objetivo a consideração,

de forma separada, da tributação do trabalho e do capital, bem como as dependências do país

de residência ou domicílio, introduzindo em nosso ordenamento a regulamentação necessária

para incluir as dependências de países como jurisdições de tributação favorecida, inovando

em relação ao conceito previsto no dispositivo legal original, que somente previa países,

assim entendidos como Estados soberanos, como passíveis de serem qualificados como tax

heavens.

Louvável, nos parece, a iniciativa do legislador. A inserção do conceito de

dependência cai como uma luva para que não haja dúvidas quanto a aplicação das regras de

preços de transferência quando se está diante de um país que, apesar de não ser considerado

“de tributação favorecida”, possui dependências que se enquadram em tal conceito, como é o

caso de Portugal – onde se tributa a renda em alíquota superior a 20% – que tem sob sua

jurisdição a Ilha da Madeira, dependência com tributação favorecida.

O conceito de país com tributação favorecida dependerá, sempre, da análise do

tratamento tributário dado ao ente com o qual a pessoa física ou jurídica residente ou

domiciliada no Brasil estiver transacionando. Assim, em estando localizado em determinada

jurisdição para a qual foram atribuídos regimes especiais de incentivo e, em conseqüência

disso, não tribute a renda ou a tribute em alíquota (efetiva) não superior a 20%, ainda que

aquele Estado não seja considerado de tributação favorecida, a lei abriu a possibilidade de

uma dependência daquele Estado ser considerado de tributação favorecida, atingindo o

conteúdo teleológico da norma e assim, possibilitando a sujeição das operações com ele

realizadas às regras de transfer pricing.262

Já a norma que prevê quanto à aplicação das regras de preços de transferência nas

operações envolvendo pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil, e qualquer

261 Neste sentido, Idem. Ibidem. p. 230.262 Para Ana Cláudia Akie UTUMI, existindo determinada região de um país que esteja sujeita a regime jurídico especial, este poderia ser considerado como de tributação favorecida especialmente para as operações realizadas a partir daquela região, por ser, o conceito de país com tributação favorecida, dinâmico, “a depender da natureza do ente com o qual se transaciona e do tratamento tributário atribuído pelo país de residência às suas rendas”. Idem. Ibidem. p. 240.

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pessoa física ou jurídica, ainda que não vinculada, residente ou domiciliada em país cuja

legislação interna oponha sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas ou a sua

titularidade, foi introduzida pelo art. 4º da Lei n.º 10.451, de 10 de maio de 2002, aparecendo

também na norma complementar, constante do mesmo artigo referido anteriormente (art. 39

da IN/SRF n.º 243/02).

A previsão constante do art. 4º da Lei n.º 10.451/02 é a seguinte:

“Art. 4º. As disposições relativas a preços, custos e taxas de juros, constantes dos arts. 18 a 22 da Lei n.º no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, aplicam-se, também, às operações efetuadas por pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil, com qualquer pessoa física ou jurídica, ainda que não vinculada, residente ou domiciliada em país ou dependência cuja legislação interna oponha sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas ou à sua titularidade”.

Tratam-se das jurisdições que podem ser enquadradas no conceito de países ou

dependências “com regime societário favorecido”, assim como denomina Heleno Taveira

TÔRRES, para quem “são aqueles que mantém um regime societário flexível, permitindo a

constituição de sociedades sem maiores formalidades (ausência de um mínimo de capital

social, possibilidade de haver ações ao portador, ausência de limites de endividamento etc.).

Nestes, há uma legislação protetora dos negócios, a garantir os investidores com um risco

mínimo, além da manutenção de confidencialidade dos negócios com regras de segredos

comerciais e bancários”.263

Esta novel determinação vem no sentido de impedir manobras dos contribuintes

destinadas a práticas elisivas sem se submeterem às regras de preços de transferência, eis que,

a partir do momento em que um determinado país ou dependência guarde sigilo relativo à

composição societária de pessoas jurídicas ou a sua titularidade, o Fisco ficaria inibido de

aplicar a legislação destinada a controle de preços, uma vez que, para sua aplicação, as

empresas deverão ser (i) vinculadas, nos termos já anteriormente expostos, ou (ii) uma delas

estar localizadas em país ou dependência que ofereça tributação favorecida, entendida como a

que tribute a renda em alíquota efetiva não superior a 20%.

263 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 80. O ilustre Professor apresenta, separadamente, os conceitos de países com tributação favorecida (“paraísos fiscais”), países com regime societário favorecido (“paraísos societários”), países com regimes bancários e financeiros favorecidos (“paraísos bancários”) e países com regime penal favorecido (“paraísos penais”). Cf. Idem. Ibidem. p. 78-85.

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Quanto a segunda disposição, é suficiente que uma das partes esteja localizada em

país com tributação favorecida, bastando para isso que se identifique seu nome nas listas

constantes das instruções normativas expedidas pela Receita Federal, ainda que não haja

vinculação. Neste aspecto, é dispensável qualquer pesquisa quanto à composição societária ou

a titularidade da empresa estrangeira.

Já em relação à primeira, para que se identifique se uma empresa é ou não vinculada,

é indispensável a pesquisa de sua composição societária ou titularidade, pois de que modo

seria possível a identificação dos laços de vinculo sem que se investigasse os nomes dos

sócios, associados, diretores, seus parentes, cônjuges e companheiros? Certamente a

legislação brasileira restaria inaplicável, lembrando que os dispositivos neste sentido

introduzidos não encontram precedentes em outras legislações nem no Modelo da OCDE,

sendo uma inovação nas regras de transfer pricing podendo servir, inclusive, como modelo

para as demais soberanias.

Por sua vez, regulamentando os dispositivos acima referidos, foi editada a Instrução

Normativa 188, de 6 de agosto de 2002, apresentando a relação das jurisdições que a Receita

Federal considera como de tributação favorecida ou cuja legislação interna oponha sigilo

relativo à composição societária de pessoas jurídicas ou à sua titularidade, em número de 53.

Conforme o art. 1º daquela norma regulamentar, são as seguintes as jurisdições que

perfazem os conceitos referidos: I - Andorra; II - Anguilla; III - Antígua e Barbuda; IV -

Antilhas Holandesas; V - Aruba; VI - Comunidade das Bahamas; VII - Bahrein; VIII -

Barbados; IX - Belize; X - Ilhas Bermudas; XI - Campione D’Italia; XII - Ilhas do Canal

(Alderney, Guernsey, Jersey e Sark); XIII - Ilhas Cayman; XIV - Chipre; XV - Cingapura;

XVI - Ilhas Cook; XVII - República da Costa Rica; XVIII - Djibouti; XIX - Dominica; XX -

Emirados Árabes Unidos; XXI – Gibraltar; XXII - Granada; XXIII - Hong Kong; XXIV -

Lebuan; XXV - Líbano; XXVI - Libéria; XXVII - Liechtenstein; XXVIII - Luxemburgo (no

que respeita às sociedades holding regidas, na legislação luxemburguesa, pela Lei n.º de 31 de

julho de 1929) ; XXIX - Macau; XXX - Ilha da Madeira; XXXI - Maldivas; XXXII - Malta;

XXXIII - Ilha de Man; XXXIV - Ilhas Marshall; XXXV - Ilhas Maurício; XXXVI - Mônaco;

XXXVII - Ilhas Montserrat; XXXVIII - Nauru; XXXIX - Ilha Niue; XL - Sultanato de Omã;

XLI - Panamá; XLII - Federação de São Cristóvão e Nevis; XLIII - Samoa Americana; XLIV

- Samoa Ocidental; XLV - San Marino; XLVI - São Vicente e Granadinas; XLVII - Santa

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Lúcia; XLVIII - Seychelles; XLIX - Tonga; L - Ilhas Turks e Caicos; LI - Vanuatu; LII - Ilhas

Virgens Americanas; e LIII - Ilhas Virgens Britânicas.

Neste contexto, parece-nos de todo legítima a iniciativa, não padecendo de qualquer

vício, eis que evidentemente buscando atingir os mesmos fins que vinham sendo buscados

desde a introdução das regras de preços de transferência pela lei de 1996.264

Temos, contudo, que não se trata de lista taxativa, mas exemplificativa, ainda que na

norma complementar não haja qualquer indicação num ou noutro sentido. Isso porque a lei

ordinária define os países com tributação favorecida de forma genérica, bastando, para que

seja assim considerado, que preencha os requisitos dispostos naquela lei.

Não poderá ser outra a conclusão, eis que o Uruguai, por exemplo, que tributa os

lucros das operações de empresas que realizam atividades de offshore e de comércio

internacional realizadas na sua zona franca com alíquotas inferiores a 1%, não aparece na lista

da instrução normativa, mas que certamente será considerado, para efeito de aplicação das

regras de preços de transferência, como país com tributação favorecida.

É importante ainda frisar que, ao contrário do que defende Alberto XAVIER,265 se

trata de norma impositiva que determina a submissão às regras de preços de transferência toda

e qualquer operação em que uma das partes esteja localizada em jurisdição com tributação

favorecida ou que oponha sigilo societário, independente de serem, as partes, consideradas

como vinculadas.

Para o autor, a lei brasileira não teria submetido as pessoas ao regime dos preços de

transferência, mas ao de uma inversão do ônus da prova, de modo que a dedutibilidade das

264 Discordamos, neste ponto, da afirmação de Ana Cláudia Akie UTUMI, de que teria a Instrução Normativa 188/2002 inovado neste aspecto, ao ampliar o conceito de país com tributação favorecida para países ou dependências cuja legislação interna oponha sigilo relativo à composição societária das pessoas jurídicas ou à sua titularidade. Neste sentido, a autora manifesta: “Todavia, não há qualquer dispositivo de lei neste aspecto, trata-se de uma determinação da Instrução Normativa que não dispõe de qualquer amparo legal e, desta forma, padece do vício de ilegalidade”. Cf. UTUMI, Ana Cláudia Akie. Países com tributação favorecida no direito brasileiro. In: TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional aplicado. p. 240. Para nós, não se trata de uma ampliação do conceito já existente, mas da introdução de um novo, realizada que foi pelo art. 4º da Lei n.º 10.451/2002, posteriormente regulamentado pela IN/SRF n.º 188/2002, que trouxe o rol de países que perfazem as características de (i) países ou dependências que não tributam a renda ou que a tributam à alíquota inferior a 20% ou (ii) cuja legislação interna oponha sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas ou à sua titularidade.265 Cf. XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Tributação das operações internacionais. p. 310.

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despesas somente seria aceita na hipótese de o contribuinte comprovar o caráter das operações

em causa e que as remunerações não apresentem um caráter anormal ou exagerado. Ficamos

com o entendimento de Heleno Taveira TÔRRES,266 para quem a presunção simples

estipulada não afasta o regime de preços de transferência, mas exige-o exclusivamente.

Por fim, necessário enfatizar que entendemos serem plenamente aplicáveis as regras

de preços de transferência quando a operação for realizada entre interposta pessoa, tanto na

condição de “importadora por conta e ordem” quanto “importadora por encomenda”, e

“pessoa física ou jurídica, ainda que não vinculada, residente ou domiciliada em país cuja

legislação interna oponha sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas ou a sua

titularidade”.

Tal entendimento poderia ser prejudicado pela novel legislação aplicável às

“importações por encomenda”, que determina a aplicação das regras de preços de

transferência a tais operações. Introduzida pela Lei n.º 11.281/06, somente veio estabelecer,

na forma de seu art. 14, que “aplicam-se ao importador e ao encomendante as regras de preço

de transferência de que trata a Lei n.º 9.430, de 27 de dezembro de 1996, nas importações de

que trata o art. 11 [importações por encomenda] desta Lei n.º” (grifos nossos).

Partindo-se da assertiva de que a determinação para a aplicação das regras de preços

de transferência previstas na Lei n.º 9.430/96 às operações envolvendo “pessoa física ou

jurídica, ainda que não vinculada, residente ou domiciliada em país cuja legislação interna

oponha sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas ou a sua titularidade” foi

introduzida pelo art. 4º da Lei n.º 10.451/2002, não encontrando precedente na Lei n.º

9.430/96, poderia se afirmar que as importações por encomenda não estariam sujeitas ao

controle de preços, desde que a parte localizada no estrangeiro atendesse àqueles requisitos

prescritos na Lei n.º 10.451/2002, ou seja, esteja localizada em “paraíso societário”.

Ora, tal afirmação esbarraria, primeiramente, naquele mesmo problema

anteriormente por nós apontado em relação ao conteúdo teleológico da lei que disciplina o

controle de preços: o combate a elisão fiscal. Uma vez tendo sido disciplinado que o controle

de preços de transferência se aplica quando forem observadas operações de comércio exterior

266 Neste sentido, TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 262.

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envolvendo partes residentes, uma em território brasileiro, outra em território estrangeiro, que

atendam aos requisitos de vinculação estabelecidos na lei, ainda que haja um intermediário

(interposta pessoa, como “importador por conta e ordem” ou “importador por encomenda”)

residente em território brasileiro entre os negociantes, ou ainda que se trate de estrangeiro

residente em país considerado “paraíso fiscal” ou “paraíso societário”, outra interpretação não

pode ser dada.

Um segundo aspecto seria a previa determinação da aplicação destas regras nas

operações realizadas entre residentes no Brasil e residentes em “paraísos societários”, na

forma do art. 4º da Lei n.º 10.451/02, que não exclui, obviamente, as “interpostas pessoas”,

por atenderem, sem sombra de dúvida, o requisito de “residentes no Brasil”.

Deste modo, conforme já manifestamos, são plenamente aplicáveis todas as regras

de transfer pricing quando as operações forem realizadas a partir de “interpostas pessoas”,

inclusive quando estas forem com “pessoa física ou jurídica, ainda que não vinculada,

residente ou domiciliada em país que não tribute a renda ou que a tribute a alíquota máxima

inferior a vinte por cento” ou com “pessoa física ou jurídica, ainda que não vinculada,

residente ou domiciliada em país cuja legislação interna oponha sigilo relativo à composição

societária de pessoas jurídicas ou a sua titularidade”,267 pela existência de expressa previsão

legal neste sentido: em relação à primeira hipótese, na forma do art. 24 da Lei n.º 9.430/96;

em relação à segunda, na forma do art. 4º da Lei n.º 10.451/02.

Com mais razão, ainda, caso não se considere que a “importação por encomenda” se

trate de uma operação realizada por “interposta pessoa”, considerando-se o próprio

“importador por encomenda” como verdadeiro importador (importador “de fato” e “de

direito”) e não o encomendante. Em sendo a operação assim definida, não há como se fugir da

aplicação das regras de transfer pricing, a uma pela expressa previsão contida no art. 14 da

Lei n.º 11.281/06, a duas pelo dispositivo presente no art. 4º da Lei n.º 10.451/02.

267 Em sentido contrário, Marcelo Fróes Del FIORENTINO, para quem “é correto afirmar que a regra de preço de transferência obtida a partir do art. 4º da Lei n.º 10.451/02 (...) é aplicável em relação à ‘importação por conta e ordem de terceiros’ (bem como a importação diretamente realizada por pessoa jurídica domiciliada no Brasil); sendo inaplicável no âmbito da ‘importação por encomenda’ por absoluta falta de previsão legal para tanto, o que permite caracterizar uma (...) ‘vantagem tributária’ quando da adoção da ‘importação por encomenda’ em detrimento da adoção da ‘importação por conta e ordem de terceiros”. FIORENTINO, Marcelo Fróes Del. Importação por encomenda e o aparente benefício decorrente do abrandamento das regras de preços de transferência. Revista Dialética de Direito Tributário. vol. 131. ago./2006. p. 66.

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5.4. Pressupostos objetivos

Os pressupostos objetivos são necessários para que sejam determinados os critérios e

quais métodos de controle serão aplicados pelas autoridades fiscais, que diferem para as

operações comerciais ativas – exportações de bens, serviços e direitos – e operações

comerciais passivas – importações de bens serviços e direitos –, devendo ainda ser

consideradas as operações financeiras ativas – mútuos concedidos a pessoas domiciliadas no

exterior – e operações financeiras passivas – mútuos recebidos por pessoas domiciliadas no

Brasil.

A aplicação dos métodos de controle dependerá, sempre, da existência de

divergência entre o preço pactuado e aquele arm’s length, que corresponde ao valor normal

dos bens, serviços ou direitos, o que é indispensável para que se dê a relevância fiscal e

consequentemente a incidência dos tributos devidos tendo como base de cálculo o valor

apurado a partir dos ajustes decorrentes desta divergência.

Importa ainda ressaltar que, como bem observa Alberto XAVIER,268 as regras de

preços de transferência, por expressa disposição legal, não se aplicam às operações de

transferência de tecnologia (royalties e assistência técnica, científica, administrativa ou

assemelhada), permanecendo estas subordinadas às condições de dedutibilidade constantes da

legislação fiscal vigente, indo contra a prática internacional, que as submete ao regramento do

princípio arm’s length e não a limites presumidos de dedução.

5.5. Vantagem “anormal”

Como assinala Heleno Taveira TÔRRES,269 os preços praticados entre partes

vinculadas (ou entre partes que preencham os requisitos da lei brasileira, na condição de

interpostas pessoas ou quando um dos pólos da relação estiver localizado em jurisdição com

tributação ou regime societário favorecidos) devem ser fixados como aqueles de livre

concorrência, determinados a partir do confronto dos preços praticados no respectivo mercado

sob condições equivalentes por partes não relacionadas, ideal do princípio arm’s length. 268 Cf. XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Tributação das operações internacionais. p. 312. 269 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 183.

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Contrariu sensu, não sendo observada a fixação dos preços de acordo com aqueles

praticados no mercado sob circunstâncias semelhantes, estar-se-á distanciando do “valor

normal” daquela mercadoria, bem ou serviço, dando azo à instauração da relação jurídica

presente no conseqüente da norma geral e abstrata que contém a aplicação dos métodos de

controle dos preços de transferência, concorrendo, assim, para a aferição do que a doutrina

chama de “vantagem anormal”, ou “uma indesejável transferência artificial de riqueza

tributável entre as empresas”.270

Esta vantagem anormal, por sua vez, será identificada a partir do confronto dos

preços efetivamente praticados pelas partes com aqueles “de referência”, obtidos através da

aplicação de um dos métodos admitidos pela legislação do país que esteja realizando o

controle.

Uma vez efetuada a comparabilidade e verificada a vantagem anormal e existindo

um nexo de causalidade entre ela a relação de reciprocidade entre as partes envolvidas na

operação, novamente instaura-se uma relação jurídica tributária, tendo no pólo passivo a

pessoa residente, no pólo ativo a administração tributária e, como objeto, o tributo devido

incidente sobre a base de cálculo formada pelo rendimento que decorre da divergência

encontrada.

A vantagem anormal, portanto, deve ser isolada através da comparabilidade, tudo

com o objetivo de se apurar se os preços de transferência atenderam ou não ao princípio arm’s

length.

5.5.1. Critérios de comparabilidade

A OCDE, através de suas Guidelines, apresenta uma relação daquilo que entende

como elementos adequados de análise e comparabilidade, a partir de um guia para aplicação

do princípio arm’s length (“Guidance for Applying the Arm’s Length Principle”),271

oferecendo, primeiramente, a razão para o exame da comparabilidade.

270 Cf. Idem. Ibidem. p. 168.271 OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. pp. I-7 – I-15.

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Dificuldade não há, como visto, em se obter plena interpretação do princípio, o

mesmo não se podendo dizer quanto a sua implementação. A tarefa de encontrar situações

suficientemente análogas que possam servir de parâmetro para a determinação do preço arm’s

length.

A aplicação do art. 9º do Modelo OCDE não dispensa, mas ao contrário, impõe, uma

prévia análise da comparabilidade antes que se proceda aos ajustes. O mesmo organismo

avalia que, para que as comparações sejam úteis, as características economicamente

relevantes das situações objeto de comparação devem ser suficientemente comparáveis.

Para que as operações, por sua vez, sejam consideradas comparáveis, nenhuma das

diferenças, se existirem, entre as situações objeto de comparação, poderá afetar materialmente

a condição (preços ou margens, por exemplo) sendo examinada, sendo que ajustes razoáveis

devem ser feitos para eliminar o efeito de quaisquer destas diferenças.

Conforme ainda as Guidelines, ao serem efetuadas as comparações, as diferenças

materiais entre as transações objeto de comparação devem ser levadas em consideração e,

objetivando estabelecer o grau da comparabilidade real e consequentemente proceder aos

ajustes apropriados a fim de estabelecer as condições arm’s length, faz-se mister comparar

determinados atributos das transações ou empresas que poderiam afetar condições em

negócios at arm’s length.

Tais atributos, nos dizeres da OCDE, incluem (i) as características da propriedade ou

serviços objeto de transferência, (ii) as funções desempenhadas pelas partes, levando em

consideração os ativos utilizados e os riscos assumidos, (iii) os termos contratuais, (iv) as

circunstâncias econômicas das partes e (v) as estratégias de negócios praticadas pelas

partes.272

Concluindo a exposição dos motivos para o cumprimento dos atos de

comparabilidade, o guia deixa claro que a extensão que cada um destes fatores importa para o

estabelecimento da comparabilidade irá depender da natureza da transação e do método de

272 Cf. parágrafo 1.17 das Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations da OCDE: “Attributes that may be important include the characteristics of the property or services transferred, the functions performed by the parties (taking into account assets used and risks assumed), the contractual terms, the economic circumstances of the parties, and the business strategies pursued by the parties”. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. I-8.

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controle adotado, dentre aqueles que denomina de “Traditional transaction methods” –

presentes no Chapter II das Guidelines – e “Transactional profit methods” – presentes no

Chapter III.

Em estudo direcionado à comparabilidade quando objeto de comparação operações

realizadas no âmbito das novas tecnologias de comunicação e Internet,273 manifesta a OCDE

que o conceito de comparabilidade é central para a aplicação do princípio arm’s length e que

consiste na ligação entre o princípio e a metodologia dos preços de transferência para se

chegar ao preço parâmetro, tendo como objetivo buscar o melhor nível de comparabilidade.

Reconhece, entretanto, que há situações exclusivas e casos envolvendo intangíveis que os

métodos tradicionais podem não ser consistentemente aplicáveis de forma isolada ou

excepcionalmente não poderem ser aplicados como um todo.

Conforme aquele organismo, tal aspecto pode se tornar um problema em se tratando

de operações de comércio eletrônico, na medida em que é patente a dificuldade de se

determinar de que se trata realmente a transação e ainda em se conhecer suficientemente sobre

uma transação realizada por terceiros para concluir que sejam comparáveis.

Ainda em relação a este aspecto, a OCDE aponta que o uso de países com tributação

favorecida pode aumentar em razão da facilidade proporcionada pela Internet para integrar

funções / pessoas localizadas em qualquer lugar por opção do negócio. Com a dificuldade na

obtenção de dados relevantes localizados fora de sua jurisdição, onde as informações não

estiverem disponíveis para identificar as transações relevantes e para facilitar a realização das

análises de comparabilidade e funcional, há o evidente risco de dupla tributação, já que a

determinação da alocação das receitas e despesas pode ser impedida por estes fatores.

A OCDE aponta que diversas jurisdições, quando desafiadas pelos efeitos do uso

crescente de países com tributação favorecida nos negócios, têm procurado contornar os

problemas introduzindo regras de CFC – Controlled Foreign Corporations,274 de modo que,

havendo o crescimento de tais operações, a conseqüência será o aumento da necessidade de

outros países introduzirem tais regras em seus respectivos ordenamentos jurídicos. No

273 Cf. OECD. OECD Tax Policy Studies No. 10: E-commerce: Transfer Pricing and Business Profits Taxation. p. 61.274 Sobre a CFC legislation, v. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 125-131.

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entendimento daquele organismo internacional, tais regras devem, entretanto, serem apenas

medidas de suporte, devendo, para a determinação do poder impositivo a ser exercido pelo

Estado envolvido, haver uma alocação apropriada dos lucros de acordo com o princípio arm’s

length.

Vejamos, com mais vagar, os atributos a que se referem a OCDE.

5.5.1.1. Características dos bens ou serviços (Characteristics of property or

services) – É comum que as características dos bens ou serviços sirvam para diferenciar seus

valores no mercado, importando, deste modo, que a comparabilidade entre as transações

controladas e as não controladas deve ser avaliada levando-se em consideração estas

características.

É necessário, conforme expõe Heleno Taveira TÔRRES,275 focalizar quais são as

características mais relevantes para fins de comparação, variando conforme o tipo de bem ou

serviço. Conforme dispõem as Guidelines, são essenciais, no caso de transferência de bens

tangíveis, as características físicas do bem, sua qualidade e confiabilidade, e sua

disponibilidade e volume de fornecimento; em se tratando de serviços, a natureza e a

quantidade dos serviços prestados; e no caso de bens intangíveis, a forma de transacioná-los –

venda ou licenciamento –, o tipo de propriedade – patente, marca registrada ou know-how – a

duração e o grau de proteção jurídica e os benefícios atendidos pelo uso daquele bem.276

5.5.1.2. Análise funcional (Functional analysis) – A avaliação das funções

desempenhadas pelas partes relacionadas pode também ser necessária para que se possa

determinar se as transações (uma controlled e outra não) são comparáveis, na medida em que,

quando se tratarem de duas empresas independentes, os seus ganhos estarão diretamente

relacionados com as funções que cada uma exerce.

A partir da análise funcional é possível a identificação das atividades

economicamente significativas desenvolvidas pelas empresas, independentes e associadas,

275 Idem. Ibidem. p. 185.276 Cf. parágrafo 1.19 das Guidelines. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. I-9.

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bem como as responsabilidades que assumem ou que deverão assumir. Deve-se levar em

conta, ainda, a estrutura e a organização do grupo empresarial submetido ao controle, se se

trata de controlada, filial, agência etc.

A análise funcional geralmente funciona como ponto inicial nos procedimentos para

identificação do preço de transferência segundo o princípio arm’s length, de forma conjunta à

análise dos riscos e obrigações assumidos na transação com a parte relacionada, da

confirmação dos pagamentos e da operação de comércio exterior.277

Dentro desta análise funcional, são apontadas, pelas Guidelines, quais funções

merecem ser identificadas por possuirem relevância para a aferição da comparabilidade,

dentre elas design, fabricação, montagem, pesquisa e desenvolvimento, serviços, compras,

distribuição, marketing, publicidade, transporte, financiamento e gerenciamento,278 devendo

ser levado em conta o significado econômico de cada uma das funções desenvolvidas como

principais em termos de freqüência, natureza e valor (custo, preço) para as partes respectivas.

Na análise, devem ser ainda considerados os ativos que são ou serão empregados, os

tipos de ativos utilizados, se imobilizados ou equipamentos, se intangíveis e ainda sua

natureza, tais como idade, valor de mercado, localização, proteção a direitos de propriedade

disponíveis etc., bem como avaliados os riscos assumidos por cada parte, levando-se em

consideração que quanto maiores os riscos, maiores costumam ser as remunerações de quem

os assume.279

Do que decorre que, em havendo significativas diferenças entre os riscos assumidos

pelas partes em transações controladas e não controladas, e sendo difíceis ou mesmo

impossíveis quaisquer ajustes, esvai-se a comparabilidade. Deve-se levar em conta, ainda, a

alocação dos riscos entre empresas associadas, uma vez que tal característica é suficiente para

influenciar as condições das transações realizadas entre elas.

277 Neste sentido, AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. O preço de transferência e critérios de comparabilidade. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira. (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 69.278 Cf. parágrafo 1.21 das Guidelines. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. I-10.279 Cf. parágrafos 1.22 e 1.23 das Guidelines. Idem. Ibidem. p. I-10.

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Neste contexto, são apresentados os tipos de riscos: flutuações nos custos de entrada

e nos preços de saída; riscos de perda associados aos investimentos em ou ao uso de bens,

ativos e equipamentos; riscos relativos ao sucesso ou perda do investimento em pesquisa e

desenvolvimento; riscos financeiros tais como os causados pelas taxas de câmbio e variação

das taxas de juros; riscos de crédito, dentre outros.280

A alocação dos riscos entre as partes pode ser determinada a partir da análise das

funções exercidas por cada parte relacionada. Exemplo citado pela OCDE consiste na

diferença que pode haver entre uma situação em que um distribuidor se responsabiliza pelo

marketing e propaganda e outra em que atue somente como agente, assumindo, no primeiro

caso, os riscos pelos investimentos naquelas atividades e, no segundo, sendo reembolsado

proporcionalmente à sua atividade.281

Antonio Carlos Rodrigues do AMARAL nos apresenta de que podem se tratar os

resultados obtidos a partir da realização da análise funcional:

“Esta análise funcional torna aparente uma série de elementos determinantes para aplicação dos métodos de aferição do preço de transferência, mediante ajustes na alocação de itens de receitas e despesas. Entre eles, a caracterização da operação entre partes relacionadas (através da transferência de propriedades tangíveis ou intangíveis ou a prestação de serviços) e a identificação do grau de relacionamento entre o contribuinte e os estabelecimentos afiliados”.282

O mesmo autor apresenta os elementos e as características da operação que entende

identificáveis a partir da realização da análise funcional, quais sejam: participantes na

transação; funções levadas a efeito por cada parte; receitas obtidas em decorrência das

funções desempenhadas; despesas incorridas por cada parte para prática de suas funções;

ativos empregados em cada função; riscos assumidos pelas partes, incluindo todos os critérios

e acordos estabelecidos para compensação das partes envolvidas; intangíveis envolvidos nos

280 Cf. parágrafo 1.24 das Guidelines. Idem. Ibidem. p. I-10.281 Neste sentido, o parágrafo 1.25 das Guidelines: “For example, when a distributor takes on responsibility for marketing and advertising by risking its own resources in these activities, it would be entitled to a commensurately higher anticipated return from the activity and the conditions of the transaction would be different from when the distributor acts merely as an agent, being reimbursed for its costs and receiving the income appropriate to that activity. Similarly, a contract manufacturer or a contract research provider that takes on no meaningful risk would be entitled to only a limited return”. Idem. Ibidem. p. I-11.282 O autor aponta que a legislação norte americana, “na perquirição do grau de comando exercido por uma parte sobre a outra na transação entre empresas relacionadas”, “dá uma ampla definição de controle, focando na sua realidade, e não na forma ou meios de seu exercício”. AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. O preço de transferência e critérios de comparabilidade. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira. (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 70.

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serviços prestados; valor e custo dos intangíveis utilizados; propriedade de cada intangível;

pagamentos efetuados e a quem; e suportes de crédito obtidos.283

De tal análise restará possível a apuração de quem é a parte principal na operação,

pela identificação dos riscos assumidos e de quem os assumiu de forma mais substancial –

segundo ainda o mesmo autor –, sob a teoria da existência de uma participação mais

significativa nos resultados do negócio para a parte que assumiu maiores riscos.284

João Dácio ROLIM285 manifesta que devem ser levados em conta os fatores

econômicos na análise funcional, conclusão a que chega a partir da doutrina de Jill C.

PAGAN e J. Scott WILKIE, segundo os quais “a análise econômica funcional é um

importante instrumento para estabelecer critérios racionais para específicas estratégias de

preços intragrupo”.

Segundo o autor, os juristas citados têm o seguinte entendimento:

“Uma política de preços que é consistente com a recompensa pelo risco e com a contribuição econômica não só dentro das características organizacionais das empresas transnacionais, mas também dos setores econômicos ou industriais em que elas operam, estará mais em sintonia com a definição de preços que seriam comparáveis se estivéssemos na situação de empresas não vinculadas (‘arm’s length’)”.286

O autor conclui que a análise funcional depende da consideração dos fatores

econômicos para que se tenha por completa, conforme sua manifestação a seguir transcrita:

“Portanto, não há como reduzir o objetivo da lei e não levar em consideração fatores econômicos principalmente na análise funcional, por exemplo, dos riscos envolvidos em cada jurisdição por distintas empresas de um mesmo grupo econômico: riscos de mercado, país, crédito, liquidez, operacional, câmbio, capital próprio ou de terceiros, capital de giro recebido via capitalização ou empréstimo, existência de ‘hedging’ ou não, termos contratuais (volume, contingências, moeda) e outras condições econômicas, tais como similaridade de mercados geográficos, tamanho e sofisticaçao dos mercados, alternativas disponíveis aos contratantes etc”.287

283 Idem. Ibidem. p. 70.284 Idem. Ibidem. p. 71.285 ROLIM, João Dácio. A adoção pelo direito brasileiro da análise econômica dos preços de transferência e (des) vantagens dos Acordos Antecipados de Preços. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira. (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 213.286 Idem. Ibidem. p. 214.287 Para o autor, “esta análise econômica na determinação dos preços de transferência poderá ser feita também em Acordos Antecipados com o próprio fisco, em circunstâncias especiais, nas quais os métodos tradicionais de apuração de margem de lucro ou pela maneira em que instrumentalizados pela normalização doméstica se

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Conforme manifesta a OCDE em seu relatório E-Commerce: Transfer pricing and

business profits taxation,288 a análise funcional, tomada como “uma análise das funções

desempenhadas (levando em consideração os ativos utilizados e os riscos assumidos) pelas

empresas associadas em transações controladas e por empresas independentes em transações

comparáveis não controladas”, tem agora sua implementação dificultada, tendo em vista que a

revolução nas comunicações torna as transações entre partes relacionadas mais complexas e

exclusivas, tanto na avaliação das funções quanto nos ajustes a serem considerados.

Neste sentido, para a análise funcional, o comércio eletrônico apresenta a questão,

por exemplo, de como se alocar as funções desempenhadas por um computador, como

mensurar quanto de função é atribuída à propriedade do servidor e do software, ao

desenvolvimento e adaptação do programa original, ou à programação do computador etc.

Surge a questão concernente a se tais dificuldades em aplicar os métodos

transacionais tradicionais, aos quais foi atribuída prioridade pela OCDE, resultarão no

aumento do uso dos métodos considerados “of last resort”, quais sejam os métodos

transacionais sobre o lucro (TNMM e PSM).

5.5.1.3. Termos contratuais (Contractual terms) – A comparabilidade ainda pode

depender da análise dos termos dos contratos firmados entre as partes relacionadas, em que

poderão ser identificadas as responsabilidades, riscos e benefícios a serem repartidos entre

elas, eis que se tratam de obrigações (legais, contratuais) assumidas, resultando em efeitos

jurídicos que devem ser considerados na análise comparativa. Trata-se, em verdade, de uma

parte da análise funcional.

Os termos do contrato podem, contudo, ser desconsiderados na hipótese de ser

identificada uma disparidade entre a forma da operação e a substância econômica, ou ainda

quando ambas coincidirem, porém as condições acertadas entre as partes não sejam

razoavelmente pactuadas entre pessoas não relacionadas.

demonstrarem inadequados ou insatisfatórios”. Idem. Ibidem. p. 215. Sobre Acordos de Preços Antecipados, v. subcapítulo 8.1 deste trabalho.288 Cf. OECD. OECD Tax Policy Studies No. 10: E-commerce: Transfer Pricing and Business Profits Taxation. p. 62.

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Por outro lado, como afirmam as Guidelines, o objeto da análise não

necessariamente será um contrato escrito, podendo servir para os mesmos fins

correspondências ou comunicações entre as partes e, em não existindo written terms, as

relações contratuais das partes podem ser deduzidas por suas condutas e princípios

econômicos que geralmente governem as relações entre partes independentes.

Firma-se ainda a assertiva de que somente entre partes independentes o contrato

tende a ser cumprido em seus estritos termos, tendo em vista a divergência de interesses que

deve haver entre os contratantes, o que certamente não ocorre quando se tratam de partes

relacionadas, eis que a divergência de interesses não existe. Deste modo, a OCDE289

recomenda que se examine se as condutas das partes estão conforme os termos do contrato, se

este está sendo seguido estritamente ou se estão acobertando uma fraude ou simulação, o que

demandará análises suplementares a fim de serem determinados os verdadeiros termos da

transação.

5.5.1.4. Circunstâncias econômicas (Economic circunstances) – É certo que o preço

arm’s length pode variar de acordo com as peculiaridades dos diversos mercados em que é

praticado. Deste modo, é indispensável que os mercados em que atuem as partes relacionadas

e as independentes sejam comparáveis e que as diferenças não tragam conseqüências

materiais aos preços ou ainda que ajustes apropriados possam ser feitos.

As Guidelines290 apontam os elementos para efeito de comparação entre o preço

praticado entre partes independentes e o que se realiza com pessoas relacionadas: localização

geográfica, tamanho dos mercados, disponibilidade de bens e serviços substituíveis, níveis de

fornecimento e demanda no mercado como um todo e em regiões particulares, poder de

compra dos consumidores, custos de produção e de transporte, nível de mercado (se varejo ou

atacado), tempo das transações etc.

5.5.1.5. Estratégias negociais (Business strategies) – As estratégias negociais

podem estar relacionadas a diversos aspectos inerentes a condução dos negócios das

289 Cf. parágrafo 1.29 das Guidelines. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. I-12.290 Cf. parágrafo 1.30 das Guidelines. Idem. Ibidem. p. I-13.

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empresas, dentre elas a inovação, diversificação, aversão a riscos, avaliação de mudanças

políticas, leis trabalhistas etc., que devem ser levadas em consideração para a determinação da

comparabilidade das transações controladas e não controladas.

Deve-se levar em conta, ainda, as situações nas quais podem as empresas estar

eventualmente envolvidas, dentre elas aquelas que impõem a necessidade de redução de

preços para fins de penetração em novos mercados ou ainda a existência de custos altos para o

desenvolvimento de tal empreitada (custos iniciais ou despesas com trabalhos de marketing) e

consequentemente a obtenção de níveis de rendimento menores que aqueles obtidos por

outros contribuintes operando no mesmo mercado.

Heleno Taveira TÔRRES acrescenta, a estes, outros aspectos que devem ser levados

em consideração, “como a possibilidade de pluralidade de resultados, com a aplicação dos

métodos de determinação do preço normal, quando há recurso a mais de um método ou em

virtude de os dados utilizados não serem adequados, além das hipóteses de serem as

operações comparadas pouco compatíveis entre si”.291

5.5.2. Análises produto a produto e transação a transação

A determinação do preço arm´s length pode ser realizada através de duas maneiras:

através da análise produto a produto e através da análise transação a transação.

É premissa adotada pela OCDE que a obtenção do preço arm´s length efetivo pode

depender da avaliação em conjunto de transações isoladas ou de uma avaliação

individualizada de todos os componentes de uma transação, sendo necessário seu

desmembramento.

A regra, conforme manifesta Heleno Taveira TÔRRES,292 é a do desmembramento

da transação para a análise produto a produto, sendo exceção o critério da “cesta de produtos”

(basket approach), ou análise transação a transação, em especial nos casos em que seja difícil

a segregação do fornecimento de certas mercadorias da respectiva prestação de serviços.

291 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 187.292 Idem. Ibidem. p. 189.

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Neste casos, somente com uma apuração global de linhas de produtos ou outros agrupamentos

é que poderá se chegar ao preço parâmetro efetivo.

Desta feita, em se aplicando uma análise pelo basket approach, não mais interessa

saber o preço individual de cada produto ou serviço, mas o total negociado considerando uma

transação em si, que agregue diversas unidades de um produto ou serviço, ou ainda de um

produto fornecido juntamente com um serviço.

No direito brasileiro, ao contrário da proposta da OCDE, encontra-se a regra geral

positivada, calando-se a norma em relação a eventual utilização da regra excepcional. A Lei

n.º 9.430/96, instrumento introdutório primário das normas de preços de transferência, não foi

que trouxe, no entanto, tal prescrição.

Foi através da norma complementar que a Secretaria da Receita Federal veio

estabelecer que deve ser adotado o mecanismo de controle produto a produto, na forma do art.

4º, § 2º da IN/SRF n.º 38/97 e atualmente na forma do artigo e parágrafo de mesmos números

da IN/SRF n.º 243/2002, no que se refere às importações, e na forma do art. 14 das mesmas

instruções normativas, no que se refere às exportações.

Estabelecem, tais dispositivos, que se aplica o método “por bens, serviços ou

direitos”, determinando, deste modo, uma análise produto a produto. Vejamos a redação

destes dispositivos:

“Art. 4º Para efeito de apuração do preço a ser utilizado como parâmetro, nas importações de empresa vinculada, não-residente, de bens, serviços ou direitos, a pessoa jurídica importadora poderá optar por qualquer dos métodos de que tratam os arts. 8º a 13, exceto na hipótese do § 1º, independentemente de prévia comunicação à Secretaria da Receita Federal.

(...)

§ 2º Na hipótese de utilização de mais de um método, será considerado dedutível o maior valor apurado, devendo o método adotado pela empresa ser aplicado, consistentemente, por bem, serviço ou direito, durante todo o período de apuração”.

“Art. 14. As receitas auferidas nas operações efetuadas com pessoa vinculada, ficam sujeitas a arbitramento quando o preço médio de venda dos bens, serviços ou direitos, nas exportações efetuadas durante o respectivo período de apuração da base de cálculo do imposto de renda e da CSLL, for inferior a noventa por cento do preço médio praticado na venda dos bens, serviços ou direitos, idênticos ou similares, no

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mercado brasileiro, durante o mesmo período, em condições de pagamento semelhantes”.

Em sentido diametralmente oposto, o Modelo OCDE não dispõe que

necessariamente haverá de ser feita uma análise produto a produto ou transação a transação.

Ao contrário, omitindo-se a este respeito, possibilita haja a comparação entre transações

envolvendo agrupamentos de produtos entre empresas associadas e independentes, sem que se

leve em consideração o preço individual, eis que irrelevante para a apuração do preço arm´s

length.

Entendemos, com Luís Eduardo SCHOUERI,293 que é o próprio padrão arm´s length

que vai impor a utilização de um método produto a produto ou transação a transação,

dependendo, sua aplicabilidade, da existência de “pacotes” (basket, cestos) semelhantes, para

o que importa a lucratividade da somatória dos produtos e não destes considerados

isoladamente.

A interpretação mais coerente com o sistema constitucional brasileiro, em se

considerando que o legislador infraconstitucional, ao instituir as regras de preços de

transferência, o fez conduzido pelo princípio arm´s length, é a de que não há vedação para a

utilização do basket approach para a análise comparativa, afastando-se, assim o dispositivo

presente na norma complementar que estabelece como passível de utilização somente o

método produto a produto.

5.5.3. Similaridade

A IN/SRF n.º 38/97 vem apresentar o conceito de “similaridade”, na forma de seu

art. 26, repetido no art. 28 da IN/SRF n.º 243/2002, atualmente em vigor. Transcrevemos, in

verbis:

“Art. 26. Para efeito desta Instrução Normativa, dois ou mais bens, em condições de uso na finalidade a que se destinam, serão considerados similares quando, simultaneamente:

I - tiverem a mesma natureza e a mesma função; e

293 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 56.

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II - puderem substituir-se mutuamente, na função a que se destinem;

III - tiverem especificações equivalentes”.

O conceito de similaridade, conforme aponta Luis Eduardo SCHOUERI,294 foi

desenvolvido pela jurisprudência norte-americana, em que aplicado na forma da Seção 482 do

IRC, inspirando, por sua vez, o Relatório da OCDE e atingindo a internacionalidade que hoje

a ele é reconhecida. O mesmo ilustre professor traz à tona a semelhança existente entre o

conceito de similaridade dado pela norma complementar brasileira e aquele existente no

Código de Valoração Aduaneira.

No Código de Valoração Aduaneira podemos encontrar, em seu art. 15, § 2º, “b”, a

seguinte descrição:

“Neste acordo, entende-se por ‘mercadorias similares’ as que, embora não se assemelhem em todos os aspectos, têm características e composição material semelhantes, o que lhes permite cumprir as mesmas funções e serem permutáveis comercialmente. Entre os fatores a serem considerados para determinar se as mercadorias são similares incluem-se a sua qualidade, reputação comercial e a existência de uma marca comercial”.

Neste sentido, o autor observa ser “essencial na seleção de produtos idênticos e ou

similares”, “a questão da marca, qualidade e reputação comercial. Estes requisitos aparecem

em ambos os casos. A importância deste aspecto foi também salientado no relatório da OCDE

quanto, examinando o exemplo do café colombiano, compara-o com o café brasileiro,

afirmando que seria necessário identificar se a origem do café exige o pagamento de um preço

maior (prêmio) ou menor (desconto) no mercado aberto, o que se pode facilmente descobrir

em bolsas de mercadorias, ou pelos preços praticados por distribuidores”.295

É necessário que se ressalte, entretanto, que os conceitos não se equivalem

totalmente, tendo em vista que o Código de Valoração, através do mesmo artigo e parágrafo,

alínea “d”, dispõe que “somente poderão ser consideradas ‘idênticas’ ou ‘similares’, as

mercadorias produzidas no mesmo país que as mercadorias objeto de valoração” e, na alínea

“e”, que “somente serão levadas em conta mercadorias produzidas por uma pessoa diferente,

quando não houver mercadorias idênticas ou similares, conforme o caso, produzidas pela

mesma pessoa que produziu as mercadorias objeto de valoração”.

294 Cf. Idem. Ibidem. p. 59.295 Idem. Ibidem. p. 60.

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As disposições destas duas alíneas não encontram aplicabilidade no conceito de

similaridade para fins de controle dos preços de transferência, eis não haver qualquer

impedimento, nas regras de transfer pricing, quanto a consideração de serem similares

mercadorias produzidas em países distintos e por não imporem, como regra, a análise

comparativa prioritária entre mercadorias produzidas pela própria empresa, eis que a forma

adotada para o controle de preços consiste exatamente na comparação entre empresas

distintas.

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6

Métodos de controle sobre

os preços de transferência

6.1. Breve histórico da positivação dos métodos de controle sobre os preços de

transferência

Especificamente sobre a matéria que aqui nos toma, a OCDE publicou, em 1979, um

relatório denominado “Transfer Pricing and Multinational Enterprises”, discorrendo sobre a

aplicação do art. 9º do Modelo e que veio estabelecer os “métodos” aplicáveis para definição

do preço at arm’s length, seguido de outros relatórios, publicados em 1984 e 1995, este,

atualmente em vigor com as atualizações de 1996, 1997 e 1999, e com a denominação de

“Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations”.

Trata-se de documento crucial que oferece direção tanto às administrações fiscais

quanto aos contribuintes nas questões de preços de transferência nos países membros da

OCDE,296 tendo servido, também, como modelo tanto para os países membros quanto não

membros na elaboração de tratados bilaterais e de sua legislação interna, como é o caso do

Brasil.

As convenções internacionais editadas com o escopo de evitar a dupla tributação

internacional com base no Modelo OCDE introduzem o princípio arm’s length, ao dispor que,

desde que empresas associadas pratiquem em suas relações comerciais e financeiras

condições especiais, que empresas não relacionadas (independentes) não manteriam, poderão

ser feitos ajustes no lucro pelas administrações tributárias dos Estados Contratantes. Este

dispositivo aparece no art. 9º da Convenção Modelo da OCDE.

Assim, na forma do § 1º do art. 9º da Convenção Modelo da OCDE:

296 Neste sentido, Martin PRZYSUSKI: “The seminal document that offers guidance to both tax administrations and taxpayers on transfer pricing issues within the OECD countries is the Transfer Pricing Guidelines which were last published by the OECD in 1995”. PRZYSUSKI, Martin. Invitation to comment on transactional profit methods. A practitioner’s response to the OECD. p. 1. Disponível em <http://www.oecd.org/dataoecd /51/33/37227281.pdf>. Acesso em 28.01.007.

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“Where a) an enterprise of a Contracting State participates directly or indirectly in the management, control or capital of an enterprise of the other Contracting State, or b) the same persons participate directly or indirectly in the management, control capital of an enterprise of a Contracting State and an enterprise of the other Contracting State, and in either case conditions are made or imposed between the two enterprises in their commercial or financial relations which differ from those which would be made between independent enterprises, then any profits which would, but for those conditions, have accrued to one of the enterprises, but, by reason of those conditions, have not so accrued, may be included in the profits of that enterprise and taxed accordingly”.

Os métodos aplicáveis para a obtenção do preço arm’s length a que se refere o

Modelo OCDE foram introduzidos pelas Guidelines e são conhecidos como CUP –

Comparable Uncontrolled Price Method, RPM – Retail Price Metod, CPM – Cost Plus

Method, tratados como “transacionais tradicionais”, bem como aqueles chamados de

“transacionais com base no lucro”, PSM – Profit Split Method e TNMM – Transactional Net

Margin Method. Os primeiros, dependentes da análise das operações realizadas e os segundos

são predeterminados a examinar os lucros decorrentes de transações controladas entre

empresas associadas.

Tais métodos têm o objetivo de apurar o preço arm’s length. Uma vez obtidos,

precedem-se aos ajustes na base de cálculo dos tributos incidentes sobre a renda exigidos no

país de residência da parte submetida a controle, ao que denominamos de ajustes primários.

Estes ajustes têm clara intenção de proceder a correção do preço praticado de forma anômala,

ou seja, em divergência com aquele arm’s length.

Importa enfatizar que, à toda evidência, aquele organismo internacional adotou o

princípio arm’s length, em consonância com o art. 9º de seu modelo de convenção em matéria

tributária sobre a renda e o capital. O item 6 do prefácio de suas Guidelines, que dispõe que

“para assegurar a correta aplicação do método da entidade separada, os países membros da

OCDE adotaram o princípio ‘arm’s length’, sob o qual o efeito de condições especiais nos

níveis de rendimento devem ser eliminados” (em tradução para o vernáculo) esclarece

qualquer dúvida neste sentido.

No direito brasileiro, somente a partir de 1996 é que surgiram as normas que

primeiro vieram instituir o conceito e as regras aplicáveis aos preços de transferência, sendo

cediço que até o advento destas normas o Brasil não dispunha de qualquer referência ao

transfer pricing, introduzidas que foram através de lei ordinária e de instruções normativas

editadas pela Secretaria da Receita Federal que vieram regulamentá-la.

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Editada a Lei n.º 9.430/96, os preços de transferência passaram a ser periodicamente

controlados, objetivando-se minimizar ou evitar as perdas decorrentes das estratégias adotadas

pelas empresas de remeter lucros para o exterior através da transferência de preços entre

matrizes e subsidiárias.

No que se refere às operações passivas – importação –, por seu art. 18, a lei

determina que “os custos, despesas e encargos relativos a bens, serviços e direitos, constantes

dos documentos de importação ou de aquisição, nas operações efetuadas com pessoa

vinculada, somente serão dedutíveis na determinação do lucro real até o valor que não exceda

ao preço determinado por um dos seguintes métodos:” PIC – Preços Independentes

Comparados, PRL – Preço de Revenda menos Lucro, CPL – Custo de Produção mais Lucro.

As regras de controle de preços de transferência nas importações, ainda conforme a

lei, não se aplicam aos casos de royalties e assistência técnica, científica, administrativa ou

assemelhada, os quais permanecem subordinados às condições de dedutibilidade constantes

da legislação aplicável a cada caso.

Para as operações ativas – exportações –, prevê seu art. 19 que “as receitas auferidas

nas operações efetuadas com pessoa vinculada ficam sujeitas a arbitramento quando o preço

médio de venda dos bens, serviços ou direitos, nas exportações efetuadas durante o respectivo

período de apuração da base de cálculo do imposto de renda, for inferior a noventa por cento

do preço médio praticado na venda dos mesmos bens, serviços ou direitos, no mercado

brasileiro, durante o mesmo período, em condições de pagamento semelhantes”.

Referido artigo determina que, sendo verificado que o preço de venda nas

exportações é inferior àquele limite de noventa por cento, as receitas das vendas nas

exportações serão determinadas tomando-se por base o valor apurado segundo um dos

seguintes métodos: PVEx – Preço de Vendas nas Exportações, PVA – Preço de Venda por

Atacado no País de Destino, diminuído do lucro, PVV – Preço de Venda no Varejo no País de

Destino, diminuído do lucro, CAP – Custo de Aquisição ou de Produção mais Tributos e

Lucro.

Os juros pagos ou creditados por pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil a não

domiciliadas e as receitas financeiras decorrentes de mútuo auferidas por aquelas primeiras

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recebem tratamento específico, dispondo o art. 22 da lei que, para fins de dedução e

tributação, devem ser utilizados respectivamente os limites máximos e mínimos

correspondentes ao “montante que não exceda ao valor calculado com base na taxa Libor,

para depósitos em dólares dos Estados Unidos da América pelo prazo de seis meses, acrescida

de três por cento anuais a título de spread, proporcionalizados em função do período a que se

referirem os juros”.

Cumpre-nos fazer algumas considerações relevantes sobre as diferenças na forma de

tratamento dado ao transfer princing pelo direito brasileiro e por aquela organização

internacional.

6.2. Da possível identidade existente entre os métodos da OCDE e os brasileiros

Os métodos da OCDE estão previstos em suas Guidelines e divididos em

“Traditional transaction methods” e “Transactional profit methods”, sendo que ambas as

classes são aplicáveis tanto às operações ativas (exportações) quanto passivas (importações).

Os métodos brasileiros estão, por sua vez, previstos na Lei n.º 9.430/96, atualmente

regulamentada pela IN/SRF n.º 243/2002 e alterações posteriores.

Os métodos “tradicionais transacionais” da OCDE são os seguintes:

(i) CUP – Comparable Uncontrolled Price Method;

(ii) RPM – Retail Price Method; e

(iii) CPM – Cost Plus Method.

Aqueles denominados de “transacionais baseados no lucro das operações” por

aquela organização internacional são os que seguem:

(i) PSM – Profit Split Method e

(ii) TNMM – Transactional Net Margin Method.

Os métodos previstos na legislação brasileira, conforme nos apresenta a Lei n.º

9.430/96, por sua vez, estão divididos para as operações passivas (importações) e ativas

(exportações).

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Para as importações, as normas brasileiras prevêem os seguintes métodos:

(i) PIC – Preços Independentes Comparados;

(ii) PRL – Preço de Revenda menos Lucro; e

(iii) CPL – Custo de Produção mais Lucro.

As operações de exportação estão sujeitas aos seguintes métodos:

(i) PVEx – Preço de Vendas nas Exportações;

(ii) PVA – Preço de Venda por Atacado no País de Destino, diminuído do lucro;

(iii) PVV – Preço de Venda no Varejo no País de Destino, diminuído do lucro; e

(iv) CAP – Custo de Aquisição ou de Produção mais Tributos e Lucro.

Pode-se perceber, conforme as relações acima, que a legislação brasileira não

comporta os dois métodos “transacionais baseados no lucro das operações” previstos nas

Diretrizes da OCDE, o que significa dizer que, pela rigidez da legislação brasileira, tais

métodos nunca poderão ser aplicados, a menos que consideremos o entendimento esposado

supra, quando se tratarem de operações realizadas entre partes associadas localizadas uma no

território nacional e outra em jurisdições com as quais o Brasil mantenha acordo internacional

que contenha disposição nos moldes daquela presente no art. 9º da Convenção Modelo.

Inicialmente, podemos comparar os métodos do modelo com os brasileiros, fazendo

a seguinte relação:

Tipo de operação OCDE BrasilMétodos transacionais tradicionais

CUP PICRPM PRLImportaçãoCPM CPLCUP PVExRPM PVARPM PVV

Exportação

CPM CAPMétodos transacionais baseados no lucro das operações

PSM (sem semelhante)Importação / Exportação TNMM (sem semelhante)

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A partir do exame e da comparação entre os métodos, poder-se-á verificar que

aqueles previstos no Brasil e aqueles eleitos pela OCDE guardam uma certa paridade. Paulo

Ayres BARRETO, no entanto, discorda que haja semelhanças entre os métodos sugeridos

pela OCDE e aqueles impostos pela legislação tupiniquim.

Conforme manifesta o ilustre autor, os métodos PIC e PVEx perdem identidade em

relação ao método CUP da OCDE por impor, a lei de regência destes métodos de controle, a

utilização de “média aritmética dos preços” para a comparação, o que poderá “implicar

incidência que refoge ao fato conotado pela regra-matriz do imposto sobre a renda”,297

afastando-se do fim pretendido de se apurar o preço parâmetro, de mercado.

Em relação aos métodos PRL, CPL, PVA, PVV e CAP, por trabalharem com

margens de lucro prefixadas pela lei, tratando-se, portanto, de verdadeiras presunções, o autor

manifesta haver uma absoluta dissonância com aqueles sugeridos pela OCDE, aliado ainda ao

fato de trabalharem, também aqueles, com preços e custos médios. A padronização das

margens de lucro, por serem aplicadas indistintamente aos diversos setores econômicos,

refoge daquilo que verdadeirmente buscam os métodos “similares” proposto por aquele

organismo internacional (RPM e CPM), ou seja, a obtenção do preço de mercado, na medida

em que não propõem margem de lucro fixada a priori.298

Necessário enfatizar que, perante o direito brasileiro, a apuração do preço de

referência deve ser realizada sempre através da aplicação de um dos métodos disponíveis,

tendo-se em mente que sua finalidade é satisfazer os critérios do arm’s length principle, o que

será obtido através de retificações nos preços praticados para fins fiscais.

Os métodos têm como finalidade encontrar o preço praticado por partes não

relacionadas em iguais condições em situações comparáveis, atendendo ao diretamente

princípio (pelos métodos de comparação) ou indiretamente (pesquisa de dados e margem).

O dever de utilizar um dos métodos contemplados na lei é uma imposição do

legislador brasileiro que, em que pese ter confessadamente se inspirado na disciplina

internacional do transfer pricing introduzida pela OCDE, não partilha da mesma liberdade

presente naquele foro, que não impõe (e nem poderia, pela própria natureza daquela 297 BARRETO, Paulo Ayres. Imposto sobre a renda e preços de transferência. p. 113 / 117.298 Neste sentido, idem. Ibidem. p. 115 / 117 / 118.

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organização) a utilização de qualquer um dos métodos, abrindo-se a possibilidade de outros

serem eleitos, desde que visem atender o princípio arm’s length.

Deste modo, a utilização dos métodos pode se configurar como (i) uma imposição

legal, assim no sistema brasileiro, e como (ii) mera sugestão, como disposto nas Guidelines

da OCDE, em que afirmada a liberdade de se determinar o preço de transferência através de

outros métodos que não aqueles mencionados, desde que, como dito, respeitem o princípio, o

que somente será obtido caso o preço de referência (objetivo) encontrado for equivalente ao

de mercado. Heleno Taveira TÔRRES299 observa, porém, que no sistema brasileiro o

atendimento daquele critério não pode ser visto isoladamente, tendo-se que conciliá-lo ao

princípio da capacidade contributiva.

Finalmente, cumpre observar que no Brasil não existe previsão legislativa quanto à

aplicação dos métodos de controle sobre bens intangíveis, ao contrário da disciplina

introduzida no âmbito da OCDE. Deste modo, royalties, assistência técnica e científica têm

condições de dedutibilidade de despesas em disciplina mantida na forma de legislação

específica, atualmente consolidada no Regulamento do Imposto de Renda (RIR) – Decreto n.º

3.000/99 -, através de seus arts. 351 a 355.

6.3. Dos métodos previstos nas Diretrizes da OCDE

É de suma importância a avaliação dos métodos previstos nas Diretrizes da OCDE –

que se tratam de uma espécie de “regulamento” do modelo de convenção – para que, tendo

em mãos aquelas disposições – sempre lembrando tratarem-se de sugestões, eis que não têm

força normativa –, tenhamos condições de (i) compará-las com as disposições – desta vez,

normativas – da legislação brasileira e (ii) procedermos à avaliação quanto a sua

aplicabilidade às operações de que nos dedicamos neste trabalho, vele dizer, de e-commerce.

A utilização dos métodos de fixação dos preços de transferência dá-se para

determinar se as condições que regem as relações comerciais ou financeiras entre empresas

relacionadas estão conforme o princípio arm’s length. Deve-se ressaltar que não existe um

299 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 211.

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método único passível de ser utilizado em todas as circunstâncias, não sendo, também,

necessário rejeitar quaisquer deles.

Conforme já afirmado, as empresas que realizam operações internacionais são

inteiramente livres para recorrer a outros métodos além dos descritos nas Guidelines da

OCDE, desde que os preços fixados satisfaçam o princípio arm’s length, em conformidade

com as diretrizes enunciadas.

É conceito comum – tanto perante a OCDE quanto a legislação brasileira – que o

contribuinte deverá manter toda documentação relativa ao modo como os preços de

transferência foram fixados e disponibilizá-la assim que submetida a procedimento de

fiscalização (auditoria).

Outrossim, é firmado que o princípio arm’s length não exige a aplicação de mais de

um método, o que implicaria, caso exigido, em uma carga considerável para os contribuintes

sujeitos a comprovação dos preços de transferência, de modo que às administrações tributárias

e aos contribuintes não é imposto que apliquem todos ou mesmo alguns métodos em suas

análises a fim de se comprovar qual seria o mais adequado.

No contexto desta fungibilidade de métodos permitida, a OCDE dispõe, em suas

Guidelines, que, havendo dificuldade na escolha de um determinado método, poderá ser

selecionado aquele que represente de melhor forma possível o preço arm’s lengh, permitindo

ainda, em uma abordagem flexível, que, em casos complexos em que nenhum dos métodos

seja conclusivo, sejam utilizados em conjugação os dados obtidos através de métodos

distintos, em que procurar-se-á chegar a uma conclusão consistente com aquele princípio,

satisfatória para todas as partes – contribuintes e Fisco –, tendo em atenção as circunstâncias

específicas, o conjunto de dados disponíveis e a credibilidade relativa dos diferentes métodos

utilizados.300

300 Conforme o Chapter I, “C”, “x”, parágrafo 1.69 das Guidelines: “While in some cases the choice of a method may not be straightforward and more than one method may be initially considered, generally it will be possible to select one method that is apt to provide the best estimation of an arm's length price. However, for difficult cases, where no one approach is conclusive, a flexible approach would allow the evidence of various methods to be used in conjunction. In such cases, an attempt should be made to reach a conclusion consistent with the arm's length principle that is satisfactory from a practical viewpoint to all the parties involved, taking into account the facts and circumstances of the case, the mix of evidence available, and the relative reliability of the various

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Sendo certo ainda que não é possível estabelecer regras precisas que contemplem

todos os casos, de modo geral, é permitido às partes tentar chegar a um acordo razoável, tendo

em vista a falta de precisão dos diversos métodos e a preferência por um maior grau de

comparabilidade, e uma relação mais direta e mais estreita com a operação submetida a

controle.

Destarte, informações relevantes, como as que dizem respeito a operações no

mercado aberto não idênticas, ainda que similares, às operações vinculadas, não devem ser

rejeitadas pela simples razão de não satisfazerem totalmente a um determinado critério de

comparabilidade tomado de forma rígida. De igual modo, informações referentes a empresas

que efetuam operações com empresas associadas podem ajudar a compreender a operação

submetida a controle ou ainda fornecer indicações para futuras investigações.

A OCDE manifesta, por final, que há que se acolher qualquer método, desde que

seja aceitável para os membros do grupo multinacional que intervenham na operação ou nas

operações sujeitas ao controle de preços, e também para as Administrações Fiscais dos países

a que ficará submetido o método aplicado.

6.3.1. Métodos transacionais tradicionais

Os métodos considerados tradicionais (traditional transactional methods) pela

OCDE são denominados de CUP – Comparable Uncontrolled Price Method, RPM – Retail

Price Metod, e CPM – Cost Plus Method.

As Guidelines da OCDE trazem, em seu parágrafo 3.49, que os “métodos

tradicionais” são preferenciais em relação aqueles “transacionais baseados no lucro das

operações”, não deixando de reconhecer, entretanto, conforme seu parágrafo 3.50, que há

casos em que, quando em última alternativa os métodos tradicionais não puderem ser

methods under consideration”. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. I-27.

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aplicados de forma consistente ou excelente, os métodos transacionais sobre o lucro deverão

ser aplicados. Conclui, por outro lado, que de um modo geral seu uso é desencorajado.301

Quando da edição das Guidelines, em 1995, conforme mesmo afirmado no parágrafo

3.49 já referido, a experiência demonstrava que na maioria dos casos era possível a aplicação

dos métodos transacionais tradicionais. Desde então, entretanto, os métodos transacionais

sobre o lucro vêm sendo utilizados em maior escala tanto pelos contribuintes quanto pelas

administrações fiscais, em especial por trabalharem com a integração das funções internas dos

grupos multinacionais e também com intangíveis exclusivos e de alto valor.

Adicionalmente, a OCDE está atualmente revisando o tratamento dos métodos sobre

o lucro como parte do processo de monitoramento do uso das Guidelines, conforme manifesta

em seu relatório “E-Commerce: Transfer pricing and business profits taxation”.302

Nada obstante este asserto, observa-se que a própria OCDE tem mantido o método

CUP como preferencial, sobretudo quando as operações sob análise estejam relacionadas a

operações de e-commerce. No relatório, que objetiva dar orientações para o controle dos

preços de transferência nas operações de e-commerce e apresenta diversas situações diferentes

envolvendo este tipo de negócio,303 é sugerido se iniciar a análise a partir do exame quanto a

existência de transações comparáveis realizadas por partes independentes de modo que o

método CUP possa ser aplicado e, diante da dificuldade em encontrar produtos ou serviços

suficientemente comparáveis ou ainda de sua indisponibilidade, que possam prejudicar a

confiabilidade do método, outros “tradicionais” poderão ser utilizados (RPM e CPM) de

forma isolada ou em conjunto, primeiramente e, posteriormente, os “transacionais baseados

no lucro das operações” (PSM e, em especial, o TNMM).

301 As disposições das Guidelines são as seguintes: “3.49 Traditional transaction methods are to be preferred over transactional profit methods as a means of establishing whether a transfer price is at arm's length, i.e. whether there is a special condition affecting the level of profits between associated enterprises. To date, practical experience has shown that in the majority of cases, it is possible to apply traditional transaction methods”; “3.50 There are, however, cases where traditional transaction methods cannot be reliably applied alone or exceptionally cannot be applied at all. These would be considered cases of last resort. (…)”. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. III-17.302 Cf. OECD. OECD Tax Policy Studies No. 10: E-commerce: Transfer Pricing and Business Profits Taxation. p. 80.303 As situações tratadas no relatório são: e-tailing transactions of a subsidiary, e-commerce auction model, web hosting arrangement e computer reservation system. Cf. OECD. OECD Tax Policy Studies No. 10: E-commerce: Transfer Pricing and Business Profits Taxation. p. 11.

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Tais orientações levam em consideração a existência, em larga escala, da

transferência de bens intangíveis – sobretudo tecnologia, software e marcas – e serviços –

como os de telecomunicações e de provimento de acesso a internet – e a distribuição das

funções desempenhadas por cada parte envolvida nas operações.

Conforme manifesta a OCDE, em seu relatório,304 a análise transacional pode ser

mais difícil de ser aplicada de forma separada em se considerando a velocidade, a freqüência,

o sigilo e a integração das trocas através da Internet e o desenvolvimento de intranets entre as

empresas transnacionais, resultando na necessidade de se considerar grupos de transações de

partes relacionadas ao invés de se considerar cada transação separadamente.

A mobilidade das funções, segundo ainda o relatório, também há que ser

considerada como um empecilho para se atribuir determinadas transações a determinadas

jurisdições. É dizer, na impossibilidade de se identificar quem realiza determinada função e

em que local, torna-se impossível identificar qual soberania tem legitimidade para exercer seu

poder impositivo.

Em se considerando ser impossível de avaliação das transações adequadamente em

bases separadas, a OCDE manifesta que suas Guidelines, no capítulo I, prevêem a

possibilidade de serem “agregadas” as transações que sejam extremamente ligadas ou

contínuas, prescrevendo as regras aplicáveis, e que as operações de comércio eletrônico

podem se enquadrar neste tipo de transações, sendo-lhe aplicáveis tais regras, portanto.

Vejamos, pois, com mais vagar, os métodos sugeridos por aquela organização

internacional.

6.3.1.1. Comparable Uncontrolled Price (CUP) – Método de controle de preços de

transferência que consiste em comparar o preço de bens ou de serviços transferidos numa

operação vinculada (“operação controlada”) com o preço faturado em relação a bens ou

304 Cf. OECD. OECD Tax Policy Studies No. 10: E-commerce: Transfer Pricing and Business Profits Taxation. p. 60.

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serviços transferidos no âmbito de uma operação entre empresas independentes, em

circunstâncias comparáveis.305

Trata-se de método de “comparação direta”, conforme denomina o Prof. Heleno

Taveira TÔRRES,306 passível de utilização tanto nas operações ativas quanto nas passivas. O

ilustre professor nos traz a noção de que se trata o método de comparação direta:

“O que permitem os métodos de comparação direta é confrontar os preços dos produtos ou serviços transferidos em uma transação controlada com o preço cobrado em transações com sujeitos independentes, em condições semelhantes de pagamento. Por essa razão, usa a doutrina dizer que esse método de ‘confronto de preços’ constitui a expressão mais típica de determinação de preços arm’s length, o que é bem distinto de dizer que seja a única forma de alcançar um preço arm’s length, porque consente uma comparação direta com os preços praticados com empresas independentes e reflete as condições do mercado (de livre-concorrência)”.307

Luís Eduardo SCHOUERI é seguidor da doutrina neste sentido. Expõe o autor:

“Por esta conceituação, verifica-se que a referência aos preços independentes comparados é, por si só, uma busca pelo parâmetro arm’s length. Dos três métodospropostos pela OCDE, este é o único que efetivamente compara uma transação entre pessoas ligadas com transações efetivamente ocorridas entre pessoas independentes (Ist-Ist-Vergleich), já que nos demais métodos a investigação sempre parte da indagação de como teriam agido pessoas independentes em igual situação (hypothetischer Fremdvergleisch; Soll-Ist Vergleich)”.308

A OCDE tem o CUP como método preferencial, sem prejuízo dos demais, desde que

seja possível identificar transações comparáveis no mercado aberto, por considerá-lo o meio

mais direto e consistente para aplicar o princípio arm’s length, com o que concorda Paulo

Ayres BARRETO, ao afirmar que se trata do método que observa a regra do não favoritismo

de forma mais efetiva e que melhor reflete a existência de possíveis ocorrências de

transferência indireta de lucro.309

305 Conforme o glossário das Guidelines da OCDE: “Comparable uncontrolled price (CUP) method - A transfer pricing method that compares the price for property or services transferred in a controlled transaction to the price charged for property or services transferred in a comparable uncontrolled transaction in comparable circumstances”. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. G-3.306 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 217.307 Idem. Ibidem. p. 217.308 SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 75. Grifos do original.309 Cf. BARRETO, Paulo Ayres. Imposto sobre a renda e preços de transferência. p. 104.

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Para que se considere, destarte, uma operação não controlada comparável com uma

transação controlada para os fins de aplicação deste método, uma das duas condições

seguintes é indispensável de ser atendida:

(i) caso haja diferenças entre as transações sendo comparadas ou entre as empresas

que estejam realizando tais operações, estas não poderão afetar materialmente o preço no

mercado aberto;

(ii) sendo observadas, entretanto, dificuldades em encontrar transações entre partes

independentes suficientemente similares àquelas controladas que não possuam diferenças que

ensejem um impacto material no preço, são admitidos alguns ajustes racionais determinados

para eliminar os efeitos materiais das diferenças eventualmente existentes.

Firmada na premissa da preferência do método CUP, a OCDE potencializa sua

utilização mesmo que haja dificuldades na tentativa de efetuar os ajustes razoáveis

necessários para tornar as operações comparáveis, devendo ser suplementado, se necessário,

por outros métodos apropriados, por sua vez dependentes de avaliação quanto a sua

confiabilidade, devendo cada esforço ser efetuado para ajustar os dados de modo a serem

apropriadamente usados naquele método preferencial. A confiabilidade relativa do método

CUP, destarte, é afetada pelo grau de correção ao qual os ajustes podem ser efetuados para

alcançar a comparabilidade.310

O que pode não consultar, contudo, ao atendimento à condição da identidade das

operações, o que acarreta o substancial insucesso do método, conforme bem observa Heleno

Taveira TÔRRES,311 para quem torna-se indispensável que a comparação se apóie em

310 Neste sentido, as Guidelines da OCDE apresentam, como exemplo para a aplicação do método CUP, a comparação entre uma operação de venda de grãos de café colombiano realizada por uma empresa independente de tipo, quantidade e qualidade similares ao negociado entre duas empresas associadas, considerando que as transações controladas e não controladas acontecem ao mesmo tempo, no mesmo estágio de produção e distribuição e sob condições similares. Caso a única transação não controlada disponível envolva grãos de café brasileiro, pode ser apropriado indagar se a diferença entre os grãos de café possui um efeito material no preço, tal como se a origem dos grãos de café comanda uma elevação ou um desconto no preço geralmente no mercado aberto, informação esta possível de ser obtida nos commodity markets ou ser deduzida pelos preços dos vendedores. Caso esta diferença afete materialmente o preço, alguns ajustes podem ser apropriados. Caso um ajuste razoável preciso não possa ser feito, a confiabilidade do método CUP estaria reduzida, e poderia ser necessário combinar o método CUP com outros métodos menos diretos, ou usar outros métodos em seu lugar. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. II-4.311 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 219.

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parâmetros menos rígidos, considerando a possibilidade de serem tomadas operações

similares no que se refere às características dos bens e condições de venda.

Em decorrência das dificuldades em se encontrar operações comparáveis, ora por

inexistirem operações realizadas por empresas independentes nos mesmos moldes daquelas

submetidas a controle, ora por serem identificadas operações similares, mas que não

comportam ajustes suficientes para que se tornem comparáveis, ou ainda que existentes tais

ajustes, sua realização seja por demais onerosa para as partes envolvidas ou ainda para as

administrações tributárias responsáveis pelo controle, tem se observado seu substancial

abandono para a definição do preço arm’s length.

Tais premissas, como se verá, possuem plena aplicabilidade aos métodos

transacionais eleitos pela legislação brasileira sob a denominação “PIC” e “PVEx”.

Por derradeiro, cumpre acrescentar que o “confronto de preços” efetuado pelo

método CUP pode ser efetuado tomando por base uma venda similar efetuada entre empresas

independentes, ao que a doutrina denomina “confronto externo”, e uma venda similar entre

uma empresa do grupo – que está submetido ao controle – e um terceiro independente,

denominado de “confronto interno”.312

Segundo preceitua Luís Eduardo SCHOUERI, é recomendado o controle externo

“no caso em que o objeto do negócio é homogêneo, quase padronizado, ou para prestações de

serviços comuns no mercado, bem como para as mercadorias cujo padrão de produção e

qualidade é normatizado, ou ainda para as mercadorias cotadas em bolsa de mercadorias”.313

O controle externo (ou comparação externa) tem como parâmetro operações realizadas entre

empresas terceiras não ligadas, evitando-se o uso de qualquer negócio realizado por qualquer

das partes vinculadas que realizam a operação objeto de controle.

312 Conceituação e classificação sugerida por Guglielmo MAISTO. MAISTO, Guglielmo. Il “transfer price” nel diritto tributário italiano e comparato. p. 106. Utilizando-se desta classificação, Heleno Taveira TÔRRES afirma que é preferencial a aplicação do método do “confronto de preços” para obtenção do preço arm’s lengthnas transações que tenham por objeto as cessões de bens materiais. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 218. Utiliza-se da classificação sugerida, também, Luís Eduardo SCHOUERI, apenas substituindo a locução “controle” por “comparação”. SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 75.313 Idem. Ibidem. p. 76.

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O controle interno (ou comparação interna), por sua vez, toma como parâmetro

operações realizadas entre uma empresa independente e outra do mesmo grupo submetido ao

controle, sendo esta considerada adequada quando tratar-se de grupos empresariais em que

ocorram relações comerciais com empresas vinculadas e outras com empresas não vinculadas,

sendo indispensável, via de regra, o confronto de interesses que se impõe quando se tratam de

terceiros independentes.314

Heleno Taveira TÔRRES,315 contudo, não vê relevância nesta classificação, por não

gerar qualquer efeito típico, podendo o método aplicável ser o mesmo e a conseqüência

jurídica também, independente de ser efetuada uma comparação “interna” ou “externa”,

rechaçando o entendimento de outros autores no sentido de validar tal classificação com a

finalidade de justificar a necessidade de respeito ao sigilo fiscal em uma comparação (externa)

e não na outra.

6.3.1.2. Resale Price Method (RPM) – O método do preço de revenda é o método

de preço de transferência que toma por base o preço pelo qual um produto comprado de uma

empresa associada é revendido a uma empresa independente, sendo deduzida do preço de

revenda uma margem bruta e, o resultado obtido pode ser considerado, após o ajustamento

relativo a outros custos conexos com a compra do produto (por exemplo, tributos

alfandegários), um preço arm’s length.316

314 Cf. Idem. Ibidem. p. 75.315 Tendo em vista que a ficção da autonomia contábil dos estabelecimentos permanentes para fins fiscais ter como objetivo apenas a determinação do rendimento tributável, não sendo oponível aos meios e efeitos fiscalizatórios, por sempre ter sido facultado ao Fisco utilizar dados obtidos através de investigações realizadas em toda a pessoa jurídica, inclusive através da troca de informações com outros países. Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 225.316 Cf. o parágrafo 2.14 das Guidelines: “2.14 The resale price method begins with the price at which a product that has been purchased from an associated enterprise is resold to an independent enterprise. This price (the resale price) is then reduced by an appropriate gross margin (the "resale price margin") representing the amount out of which the reseller would seek to cover its selling and other operating expenses and, in the light of the functions performed (taking into account assets used and risks assumed), make an appropriate profit. What is left after subtracting the gross margin can be regarded, after adjustment for other costs associated with the purchase of the product (e.g. customs duties), as an arm's length price for the original transfer of property between the associated enterprises. This method is probably most useful where it is applied to marketing operations”. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. II-4.

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Heleno Taveira TÔRRES trata o RPM como “método de comparação indireta”,317

porque sua utilização demandará a existência de uma outra operação, realizada com terceiro

necessariamente não relacionado com as partes vinculadas, na qualidade de adquirente das

mercadorias oriundas da operação sob controle, sendo a primeira transação (de comércio

exterior) comparada com a segunda (de revenda interna ou exportação).

A comparação não reside na questão dos preços praticados, mas em uma segunda

etapa, na fixação da margem de revenda, de modo que o parâmetro objetivo está localizado na

transação efetuada entre o comprador no país e um terceiro independente, por sua vez

adquirente deste bem, transação esta que deve apresentar o preço de mercado, sendo este dado

obtido da própria empresa.318

Este preço, objetivo, deve ser obtido pelas leis normais de mercado e livre de

eventuais alterações propositais pelas partes negociantes, diante da própria inexistência de

qualquer elemento de conexão entre elas, sendo a objetividade, entretanto, relativa, enquanto

seja possível a existência de oscilações entre as diversas operações realizadas em determinado

período. As margens de lucro, por sua vez, devem ser apuradas com base em dados

específicos contemporâneos à transação submetida a controle.319

Em relação a este método, muito se tem discutido, em especial em foros

brasileiros,320 quanto a sua aplicabilidade em operações em que o revendedor agregue algum

valor ao bem por ele adquirido da pessoa vinculada. Esta expectativa já era prevista nas

Guidelines da OCDE, conforme seu parágrafo 2.22, que dispõe:

“Uma margem apropriada de preço de revenda é mais fácil de ser determinada onde o revendedor não acrescenta nada substancial ao valor do produto. Diferentemente, pode ser mais difícil de usar o método do preço de revenda para alcançar um preço arm’s length quando, antes da revenda, os bens são reprocessados ou incorporados em um produto mais complicado, de tal modo que sua identidade se perde ou se transforma (por exemplo quando componentes se agregam a produtos acabados ou semi-acabados). Outro exemplo no qual a margem do preço de revenda requer um cuidado particular é quando o revendedor contribui substancialmente à criação ou manutenção de propriedade intangível, associada ao produto (por exemplo, marcas

317 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 219.318 Neste sentido, SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 87.319 Neste sentido, TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 220.320 A partir do entendimento fiscal presente inicialmente na IN/SRF n.º 38/97 da Receita Federal, que regulamenta os métodos de controle dos preços de transferência, mas que não encontra respaldo na lei. Neste sentido, Idem. Ibidem. p. 221.

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ou nomes comerciais), que pertençam à empresa associada. Em tais casos, não é fácil avaliar a contribuição ao valor final do produto, dada pelos bens transferidos originalmente”.321

Conforme expõe Gerd W. ROTHMANN,322 para a OCDE o método do preço de

revenda é admitido tanto na hipótese de revenda do produto sem alterações substanciais

quanto naquela em que haja alteração na natureza do bem, ou ainda, caso seja incorporado a

outro bem, advertindo ainda que, nestes casos, aquele organismo remete para o método CPM,

definido como “mais útil onde bens semi-acabados são vendidos entre partes vinculadas”,

conforme o parágrafo 2.32 das Guidelines, entendimento que vem sendo preconizado nos

Estados Unidos e Canadá, sendo que neste último recebeu, inclusive, regulamentação neste

sentido. Na Alemanha, conforme manifesta citado autor, é também permitida a aplicação do

método em ambas as hipóteses, o que convencionou chamar de “função pura de revenda” e

“função ampliada de revenda”.

As Guidelines da OCDE ainda prevêem a possibilidade de ser utilizada a margem de

revenda obtida por uma empresa independente em transações não controladas comparáveis

como guia, além daquela margem do mesmo revendedor obtida com a venda de produtos

adquiridos em operações não controladas.

Para que se considere uma operação como comparável, devem ser observados os

mesmos critérios previstos nas considerações efetuadas sobre o método CUP, devendo um

deles ser atendido: (i) caso haja diferenças entre as transações sendo comparadas ou entre as

empresas que estejam realizando tais operações, estas não poderão afetar materialmente o

preço no mercado aberto; (ii) sendo observadas, entretanto, dificuldades em encontrar

transações entre partes independentes suficientemente similares àquelas controladas que não

possuam diferenças que ensejem um impacto material no preço, são admitidos alguns ajustes

racionais determinados para eliminar os efeitos materiais das diferenças eventualmente

existentes.

Há que ser considerado que a consistência do método pode ser prejudicada quando

da existência de diferenças materiais no modo em que as empresas relacionadas e as empresas

321 Conforme tradução para o vernáculo elaborada por ROTHMANN, Gerd W. O método do preço de revenda e a produção legal. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 158.322 Idem. Ibidem. p. 158.

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162

independentes conduzem seus negócios, o que poderá acarretar a inaplicabilidade do método

dada a incomparabilidade das transações.

Não menos importante é a observação feita em relação a que atributos de

comparabilidade devem ser considerados como de maior importância, tais como (i) as

características da propriedade ou serviços objeto de transferência, (ii) as funções

desempenhadas pelas partes, levando em consideração os ativos utilizados e os riscos

assumidos, (iii) os termos contratuais, (iv) as circunstâncias econômicas das partes e (v) as

estratégias de negócios praticadas pelas partes, quando, para a análise sob o RPM, estes se

revelarem mais importantes que aqueles relacionados aos produtos sendo transferidos, o que

poderá ocorrer quando a margem de lucro precisar ser determinada para uma empresa

relacionada que não tenha utilizado ativos exclusivos – como intangíveis de alto valor – para

adicionar valores significativos ao produto sendo transferido.

Comparando o método CUP com o RPM, em se submetendo transações

comparáveis em todas as características que não apenas àquelas relacionadas ao produto

sendo transferido, o segundo método produzirá uma medida mais consistente do preço arm’s

length. Em comparação àquele primeiro método, este exige menos ajustes em razão de

pequenas diferenças nos produtos terem menor probabilidade de causar efeitos materiais nas

margens de lucro que no preço, conforme ainda manifesta a OCDE em suas Guidelines.

Finalizando, algumas outras características importantes que podem influenciar a

consistência do RPM, exigindo a realização de ajustes, conforme a OCDE aponta, são:

(i) o grau de atividades desenvolvidas pelo revendedor (se meros serviços de agente,

em que apenas é responsável pela transferência de produtos para terceiros, ou se assume o

risco integral da propriedade juntamente com a responsabilidade pelos riscos envolvidos em

publicidade, marketing, distribuição e garantia dos bens, financiamento e outros serviços

correlatos, criação ou manutenção de propriedade intangível relacionada ao bem etc.);323

323 As Guidelines apresentam um exemplo de aplicação do RPM coerente com esta situação em seus parágrafos 2.29 e 2.30, relacionado a concessão de garantia por um dos distribuidores de uma determinada mercadoria e não por outro.

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163

(ii) existência ou não de exclusividade na venda do produto concedida ao

revendedor;324

(iii) diferenças existentes nas práticas contábeis efetuadas entre as operações

controladas e as não controladas objeto de comparação.

Luís Eduardo SCHOUERI325 observa não haver incompatibilidade intrínseca entre o

método do preço de revenda e o fato de haver produção local, revelando-se, contudo, um

maior ou menor grau de dificuldade em se apurar qual o percentual do diferencial de preço

que se refere a margem de lucro e qual o acréscimo aplicável pelo valor agregado localmente,

restando o método plenamente aplicável desde que seja possível a segregação destes valores.

Anota, o autor, que esta tarefa de segregação não difere daquela praticada

objetivando a apuração dos percentuais relativos a cada função desempenhada pelo

revendedor (armazenamento, promoção, transporte, distribuição, garantia etc.), de cuja

fixação é depende a apuração da margem de lucro.326

6.3.1.3. Cost Plus Method (CPM) – O método do custo majorado é o método de

preço de transferência que toma como base os custos suportados pelo fornecedor de bens ou

de serviços no âmbito de uma operação vinculada. A estes custos é acrescida uma margem327

de modo a obter um lucro adequado (mark up) tendo em atenção as funções exercidas, os

ativos utilizados, os riscos assumidos e as condições de mercado. O resultado obtido após o

adicionamento da margem de ganho acrescido aos custos mencionados pode ser considerado

um preço arm’s length da operação original entre empresas associadas.328

324 As Guidelines apresentam um exemplo de aplicação do RPM coerente com esta situação em seu parágrafo 2.31, em que uma subsidiária possui contratualmente a obrigação de vender somente um determinado produto e prestar assistência, enquanto outras empresas, na qualidade de distribuidoras, têm como encargo somente a transferência do bem para terceiros325 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 90.326 Idem. ibidem. p. 90.327 É o que se denomina de mark up, conforme o glossário das Guidelines da OCDE: “Cost plus mark up: A mark up that is measured by reference to margins computed after the direct and indirect costs incurred by a supplier of property or services in a transaction”. OECD. OECD 1995 Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. G-4.328 Cf. o parágrafo 2.32 das Guidelines: “2.32 The cost plus method begins with the costs incurred by the supplier of property (or services) in a controlled transaction for property transferred or services provided to a related purchaser. An appropriate cost plus mark up is then added to this cost, to make an appropriate profit in light of the functions performed and the market conditions. What is arrived at after adding the cost plus mark up to the above costs may be regarded as an arm's length price of the original controlled transaction. This method

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Similar ao RPM, o CPM compara a margem de lucro bruto obtida em uma transação

controlada com as margens de lucro bruto obtidas em uma transação similar não controlada. A

comparação efetuada apresenta uma estimativa da margem de lucro bruta que uma das partes

relacionadas, submetida ao controle de preços, poderia ter obtido caso tivesse realizado as

mesmas funções para empresas independentes e consequentemente proporciona uma

estimativa do pagamento que aquela parte deveria ter esperado, e que a outra parte deveria ser

submetida a pagar, em condições arm’s length, para realizar as mesmas funções.329

A OCDE afirma, através de suas Guidelines, que este método é provavelmente mais

útil em operações de venda de bens semi-acabados realizadas entre partes relacionadas, em

operações em que partes relacionadas tenham firmado acordos comuns de facilidades ou de

fornecimento a longo prazo.

Têm-se como prioritário o método de comparação que utiliza a margem obtida em

uma operação comparável realizada entre a parte submetida a controle e outra independente,

servindo a comparação com uma operação realizada entre outras partes independentes como

guia.

Para que se considere uma operação como comparável, devem ser observados os

mesmos critérios previstos nas considerações efetuadas sobre os métodos CUP e RPM,

devendo um deles ser atendido: (i) caso haja diferenças entre as transações sendo comparadas

ou entre as empresas que estejam realizando tais operações, estas não poderão afetar

materialmente o preço no mercado aberto; (ii) sendo observadas, entretanto, dificuldades em

encontrar transações entre partes independentes suficientemente similares àquelas controladas

que não possuam diferenças que ensejem um impacto material no preço, são admitidos alguns

ajustes racionais determinados para eliminar os efeitos materiais das diferenças eventualmente

existentes.

Há que ser considerado que a consistência do método pode ser prejudicada quando

da existência de diferenças materiais no modo em que as empresas relacionadas e as empresas probably is most useful where semifinished goods are sold between related parties, where related parties have concluded joint facility agreements or long-term buy-and-supply arrangements, or where the controlled transaction is the provision of services”. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. II-11.329 Neste sentido, Luís Eduardo SCHOUERI expressa que o método do custo mais lucro implica uma comparação hipotética com terceiros, por apenas de fazer com relação à margem de lucro. SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 109.

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independentes conduzem seus negócios, o que poderá acarretar a inaplicabilidade do método

dada a incomparabilidade das transações.

Não menos importante é a observação feita em relação a que atributos de

comparabilidade devem ser considerados como de maior importância, tais como (i) as

características dos bens ou serviços objeto de transferência, (ii) as funções desempenhadas

pelas partes, levando em consideração os ativos utilizados e os riscos assumidos, (iii) os

termos contratuais, (iv) as circunstâncias econômicas das partes e (v) as estratégias de

negócios praticadas pelas partes, quando, para a análise sob o CPM, estes se revelarem mais

importantes que aqueles relacionados aos produtos sendo transferidos, o que poderá ocorrer

quando a margem de lucro precisar ser determinada para uma empresa relacionada que não

tenha utilizado ativos exclusivos – como intangíveis de alto valor – para adicionar valores

significativos no produto sendo transferido.

Conforme bem observa Luis Eduardo SCHOUERI,330 a OCDE alerta para o fato

que, sob este método, serão prioritários ajustes em relação a outros fatores que não os

decorrentes de diferenças no produto, podendo-se considerar aqueles acima referidos como

dignos de atenção.

Comparando o método CUP com o CPM, em se submetendo transações

comparáveis em todas as características que não apenas àquelas relacionadas ao produto

sendo transferido, o segundo método produzirá uma medida mais consistente do preço arm’s

length. Em comparação àquele primeiro método, este exige menos ajustes em razão de

pequenas diferenças nos produtos terem menor probabilidade de causar efeitos materiais nas

margens de lucro que no preço, assim como ocorre em relação ao RPM.

A confiabilidade relativa do CPM, destarte, é afetada pelo grau de correção ao qual

os ajustes podem ser efetuados para se alcançar a comparabilidade, citando-se como exemplo

diferenças no grau de eficiência na produção versus a busca por custos mais baixos, a

determinação dos custos incorridos em operações em que as empresas estejam cobrindo

custos para apenas se manter no mercado ou ainda quando não é possível se estabelecer

qualquer referência entre os custos incorridos na produção e o valor do bem no mercado,

citando como exemplo, a OCDE, o caso de uma descoberta de alto valor ser realizada e seu

330 Cf. Idem. Ibidem. p. 109.

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proprietário ter incorrido em custos baixos na pesquisa a ela correspondente. Do mesmo

modo, quando da existência de diferenças no emprego de bens materiais nas atividades das

empresas que realizam as operações submetidas a comparação, se próprios ou objeto de

locação, leasing etc. 331

Assim como no RPM, a comparabilidade pode ser ainda afetada pela existência de

diferenças nas práticas contábeis efetuadas entre as operações controladas e as não

controladas objeto de comparação, o que demandará necessários ajustes para assegurar a

consistência dos dados utilizados.

6.3.2. Métodos transacionais baseados no lucro das operações

Os métodos denominados de “transacionais baseados no lucro das operações”

(Transactional Profit Methods) por aquela organização internacional são: PSM – Profit Split

Method e TNMM – Transactional Net Margin Method.

Ao contrário do que dispõe a legislação brasileira – que a princípio se baseou no

princípio arm’s length e assim também nas OECD Guidelines –, a OCDE introduziu outros

métodos para o controle dos preços de transferência, disponíveis para utilização enquanto os

métodos tradicionais não possam ser aplicados de forma consistente ou excepcionalmente não

possam ser aplicados como um todo, assim como dispõe o parágrafo 3.1 de suas Diretrizes.

Inicialmente, havia um consenso internacional de que poderiam ser empregados

quaisquer outros métodos para a apuração de um preço arm’s length, devendo-se, contudo,

dar-se preferência aos métodos chamados de “tradicionais”. Atualmente, a OCDE aceita

qualquer método baseado no lucro, desde que estes partam do critério transacional, ou seja,

apurem os lucros gerados em cada transação controlada específica, rejeitando-se métodos

331 As Guidelines apresentam, em seu parágrafo 2.35, uma comparação entre duas operações realizadas, uma entre partes vinculadas e outras não, em que a primeira consiste na venda de um determinado produto e a segunda na venda de outro produto, similar. Neste exemplo, a OCDE conclui pela incomparabilidade das transações, tendo em vista as empresas objeto de comparação possuem diferenças significativas no grau de eficiência de suas produções. Cf. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. II-12

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baseados no lucro global, entendidos como contrários ao princípio arm’s length,332 sem

prejuízo, nada obstante, de permanecerem os métodos “tradicionais” como preferenciais.

Tratam-se de métodos de fixação dos preços de transferência que consistem em

verificar os lucros gerados por determinadas operações controladas entre uma ou mais

empresas associadas, sendo aceitáveis somente os métodos PSM e TNMM ou outros que a eles

sejam equivalentes, eliminando-se, de pronto, o chamado Global Formulary Apportionment

(GFA), por não proporcionar aproximação consistente com o arm’s length.

Vejamos de que modo a OCDE trata dos dois métodos transacionais baseados no

lucro.

6.3.2.1. Profit Split Method (PSM) – O “Método Transacional da Divisão do

Lucro” é um método de controle dos preços de transferência com base nos lucros da operação,

que consiste em identificar o lucro combinado a dividir entre as empresas associadas na

seqüência de uma operação controlada (ou de operações controladas que podem ser

englobadas) e em proceder à posterior repartição desses lucros entre as empresas associadas,

assente numa base economicamente válida, idêntica à repartição dos lucros que teria sido

combinada e refletindo um acordo baseado no princípio arm’s length.333

Este é o primeiro dos métodos alternativos eleitos pela OCDE no rol previsto nas

Guidelines, destinado ao controle dos preços de transferência em transações nas quais, em

razão do extremo inter-relacionamento nelas presente, seja impossível uma avaliação em

bases separadas, tais como as transações em que empresas independentes acertam uma forma

de parceria334 e nela uma forma de divisão dos lucros.

O método objetiva eliminar, nos lucros, o efeito de condições especiais feitas ou

impostas em transações controladas, através da determinação da divisão de lucros que

empresas independentes teriam esperado alcançar realizando as mesmas transações,

identificando, primeiramente, o lucro a ser dividido entre as empresas associadas decorrente

332 Neste sentido, SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 124.333 Cf. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. III-2.334 Que Luís Eduardo SCHOUERI compara ao consórcio no direito brasileiro. Cf SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 126.

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das transações controladas em que tenham participado, e posteriormente o dividindo entre

aquelas empresas em uma base economicamente válida, que aproxime a divisão dos lucros

que deveria ter sido estimada e considerada em um acordo efetuado at arm’s length.

O lucro a ser dividido deve ser representado pelo lucro total da transação (e não da

empresa) ou um lucro residual, i.e., o lucro que não pode ser imediatamente imputado a

apenas uma das partes, citando-se como exemplo o lucro resultante de um intangível

exclusivo e de alto valor.

A contribuição de cada parte é baseada em uma análise funcional (functional

analysis), que consiste na análise das funções desempenhadas (considerando os ativos

utilizados e os riscos assumidos) por cada parte sendo admitido o uso de dados de mercado

externo confiáveis disponíveis, o que inclui percentuais de divisão de lucros ou ganhos

observados entre empresas independentes com funções comparáveis.335

A OCDE apresenta nos parágrafos 3.6 a 3.9 de suas Guidelines os pontos fortes e

fracos deste método, considerando como um dos primeiros o fato de o PSM não depender

diretamente de transações comparáveis muito próximas, e consequentemente, poder ser

utilizado em casos em que nenhuma transação entre empresas independentes possa ser

identificada, já que a alocação dos lucros é baseada na divisão de funções entre as próprias

empresas associadas, estando a relevância dos dados externos obtidos de empresas

independentes limitada a avaliação das contribuições que cada empresa associada faz às

transações, e não para determinar diretamente a divisão do lucro.

Conseqüência disso é que o PSM possui flexibilidade por levar em consideração

fatos e circunstâncias específicos, possivelmente exclusivos das empresas associadas que não

estejam presentes em empresas independentes, enquanto ainda constituindo um método de

apuração do preço arm’s length de modo que reflita o que empresas independentes realmente

tenham efetuado se submetidas às mesmas circunstâncias.

335 Conforme aponta Martin PRZYSUSKI, o PSM tende a ser aplicado quando da existência de bens intangíveis compartilhados entre empresas e lucros não usuais a serem comprovados em um contexto de preços de transferência. PRZYSUSKI, Martin. Invitation to comment on transactional profit methods. A practitioner’s response to the OECD. p. 3. Disponível em <http://www.oecd.org /dataoecd/51/33/ 37227281.pdf>. Acesso em 28/01/2007.

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Outro ponto forte apontado é o fato de que sob o PSM é menos provável que alguma

das partes da operação controlada seja considerada como tendo obtido um resultado extremo

ou improvável em seus lucros, tendo em vista que ambas as partes na transação são avaliadas,

o que é deveras importante quando submetidas à análise as contribuições relacionadas a bens

intangíveis empregados nas operações controladas.

Um dos pontos fracos, por sua vez, se relaciona ao fato de os dados externos de

mercado considerados na avaliação da contribuição que cada empresa associada efetua às

operações controladas estarão menos intimamente conectados àquelas transações se

comparado com a utilização dos outros métodos disponíveis, em função da natureza dos

dados externos de mercado ser vaga e resultar em alocações de lucros mais subjetivas.

As dificuldades na aplicação do PSM são também consideradas como pontos fracos

pela OCDE. Apesar de se basear menos em dados externos à operação controlada, as

empresas associadas e as Administrações Tributárias dos Estados podem, de igual modo,

terem dificuldades em acessar informações de suas afiliadas estrangeiras, bem como ainda em

razão de, em se procurando estabelecer comparação com empresas independentes, geralmente

estas não costumam utilizar o PSM para estabelecer seus preços de transferência (exceção se

faz quando se tratarem de joint ventures).336

Adicionalmente, ainda existem as dificuldades relacionadas a determinação das

receitas e custos coletivos, pela necessidade de padronização de suas demonstrações contábeis

e a identificação de despesas operacionais associadas com as transações submetidas a

controle, bem como a alocação dos custos entre as transações e outras atividades das

empresas.

336 Conforme Heleno Taveira TÔRRES, tratam-se, as joint ventures, de modelos de associações temporárias de cooperação, cuja origem se encontra na prática empresarial desenvolvida nos países de sistema jurídico do tipo Common Law, tendo como sua tradução literal “empreendimento conjunto”, entre duas ou mais empresas, com ou sem a criação de uma entidade distinta delas, com a finalidade de desenvolvimento de uma atividade econômica específica e transitória, em um setor de comum interesse. O ilustre professor acrescenta que, perante o direito brasileiro, não existe tal figura como espécie societária, o que não prejudica a existência de sua formação concreta, que consiste na constituição de um empreendimento conjunto por contrato, como num consórcio, sendo exteriorizada sob uma das formas de sociedades legalmente previstas. A decisão entre constituir uma joint venture, um estabelecimento permanente ou uma filial, ou ainda uma empresa independente, deve levar em conta o aspecto tributário. TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. 2. ed. p. 284.

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São apontados nas Guidelines, finalmente, dois métodos para a estimativa da divisão

de lucros, baseados tanto nos lucros projetados quanto reais, denominados pela OCDE de

“contribution analysis” e “residual analysis”.337

Sob o primeiro método, os lucros coletivos, que correspondem ao lucro total das

transações submetidas a controle, devem ser divididos entre as empresas associadas baseado

no valor relativo das funções desenvolvidas por cada empresa, complementado-se tanto

quanto possível por dados de mercado externos que indiquem como empresas independentes

tenham dividido seus lucros em circunstâncias similares, sendo que, em casos em que o valor

relativo das contribuições possa ser determinado diretamente, pode não ser necessário estimar

o valor real de mercado de cada contribuição das partes, ou de modo contrário, em havendo

dificuldades, poderá depender dos fatos e circunstâncias de cada caso.

O segundo método funciona dividindo o lucro coletivo em duas etapas, sendo que,

na primeira, a cada parte é alocado lucro suficiente para lhe possibilitar uma remuneração

básica apropriada pelo tipo de transação em que está incumbida, determinada a partir de

comparação com remunerações obtidas por empresas independentes realizando transações

similares. Na segunda etapa, qualquer lucro residual, ou perda, remanescente após a divisão

efetuada na etapa anterior, deve ser alocado entre as partes baseado em uma análise dos fatos

e circunstâncias que devem indicar como este lucro residual deve ter sido dividido entre

empresas independentes, sendo que indicadores das contribuições das partes com bens

intangíveis e posições de barganha338 podem ser particularmente úteis neste contexto.

6.3.2.2. Transactional Net Margin Method (TNMM) – Denominado de “Método

Transacional da Margem Líquida do Lucro”, é o método de controle dos preços de

transferência baseado no lucro da operação e que consiste em verificar a margem de lucro

337 Conforme disposto nos parágrafos 3.15 a 3.25 das Guidelines, em que é afirmado ainda que tais métodos não são exaustivos nem mutuamente excludentes. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. III-5 – III-8.338 A posição de barganha de uma empresa é maior quando ela é a única fabricante de um produto, sendo menor quando concorre com outras empresas. Neste sentido, SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 127.

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líquida em relação a uma base adequada (por exemplo, os custos, as vendas ou os ativos) que

um contribuinte obtém a partir de uma ou várias operações controladas.339

Tem-se que o TNMM opera de maneira similar aos dois métodos tradicionais RPM e

CPM, o que significa que deve ser levado em consideração, para que haja consistência, que a

margem liquida do contribuinte obtida em uma transação controlada deve ser estabelecida

com referência a margem líquida que o mesmo contribuinte obtém em operações não

controladas comparáveis e, em não sendo possível, a margem liquida que seria obtida em uma

operação comparável por uma empresa independente pode servir como orientação.

Uma análise funcional da empresa associada e, em último caso, da empresa

independente, é requerida para determinar se as transações são comparáveis e que ajustes

podem ser necessários para se obter resultados consistentes, e adicionalmente os outros

requisitos de comparabilidade dispostos nas Guidelines da OCDE, em seus parágrafos 3.34 a

3.40.

Luís Eduardo SCHOUERI340 observa, em atenção ao quanto disposto nas

Guidelines, haver extrema importância na análise funcional e que os ajustes necessários para a

satisfação da comparabilidade são maiores que nos métodos tradicionais, tendo em vista estes

tradicionais se basearem em margens brutas e os demais partirem de margens líquidas, que

comportam um número muito maior de variáveis.

Assim como apontados os pontos fortes e fracos do PSM, a OCDE faz o mesmo em

relação ao método sob análise. São apontados como fortes os seguintes aspectos: margens

líquidas são menos afetadas por diferenças nas transações que os preços, como em geral no

método CUP; margens líquidas podem ser mais tolerantes a algumas diferenças funcionais

entre transações controladas e não controladas que margens de lucro brutas; diferenças nas

funções desempenhadas entre empresas são frequentemente indicadas em variações em

despesas operacionais, consequentemente, as empresas devem ter uma grande variação de

margens de lucro bruto, mas permanecem obtendo amplamente níveis similares de lucro

liquido; desnecessidade de serem determinadas as funções desempenhadas e as

responsabilidades assumidas por mais de uma das empresas associadas, bem como,

339 Cf. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. G-7.340 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 127.

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consequentemente, de serem padronizados os demonstrativos contábeis de todos as partes

envolvidas na operação ou ainda de serem alocados os custos para todas estas partes.

É apontada como a maior fraqueza a possibilidade de o lucro liquido de um

contribuinte ser influenciado por alguns fatores que podem não ter efeitos ou ter efeitos pouco

substanciais ou diretos no preço ou nas margens brutas, aspectos que tornam difíceis as

determinações precisas e consistentes das margens líquidas at arm’s length.

Observação oportuna é feita no sentido de que qualquer método de apuração do

preço arm’s length depende de informações obtidas em transações não controladas que, por

sua vez, podem não estar disponíveis ao tempo em que ocorrem as operações controladas, o

que pode dificultar o interesse do contribuinte em aplicar especialmente o TNMM. Outrossim,

os contribuintes podem não ter acesso a informações específicas suficientes sobre os lucros

atribuíveis em transações não controladas para uma aplicação válida do método.

Tal situação pode não ocorrer em relação a Administração Fiscal do Estado que

esteja efetuando o controle de preços, já que esta pode ter informações – não obtidas pelo

contribuinte submetido ao controle – em decorrência de outros procedimentos fiscalizatórios

realizados em outros contribuintes. Diante disso, a OCDE manifesta seu posicionamento

quanto a não ser justo aplicar qualquer método de controle de preços sem que os dados

obtidos pelo Fisco que tenham servido de parâmetro para as retificações necessárias para se

chegar ao preço arm’s length na operação, sejam disponibilizados para o contribuinte que

esteja submetido ao controle – obviamente respeitando-se os limites de sigilo impostos pelas

leis tributárias do país –, de modo que a este possa ser concedido o direito a ampla defesa e ao

contraditório.341

Ao contrário do PSM, que é um método bilateral, o TNMM é um método

unilateral,342 em que somente uma das partes envolvidas na operação submetida a controle

tem seus dados verificados, a exemplo dos demais métodos, chamados de “tradicionais”.

Nada obstante, por haver inúmeros fatores não relacionados aos preços de transferência que 341 Neste sentido, o parágrafo 3.30 das Guidelines. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. III-11.342 Martin PRZYSUSKI observa que, tendo em vista se tratar de método unilateral, o TNMM é melhor aplicado em operações em que haja lucros de uma empresa singular que não contribua para o desenvolvimento de qualquer intangível de valor. Cf. PRZYSUSKI, Martin. Invitation to comment on transactional profit methods. A practitioner’s response to the OECD. p. 3. Disponível em <http://www.oecd.org/dataoecd/51/33/37227281.pdf>. Acesso em 28/01/2007.

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influenciam as margens liquidas e que, por isso, podem causar menor consistência ao TNMM,

aumenta a preocupação quanto a viabilidade de uma análise unilateral, que pode não levar em

conta a rentabilidade geral de um grupo transnacional nas operações controladas para fins de

comparabilidade, ou pode potencialmente atribuir a um membro do grupo um nível de lucro

que deixa completamente os outros membros com níveis de lucro improváveis, sejam eles

altos ou baixos.

6.3.3. Do tratamento dado aos juros, intangíveis e serviços

O Modelo OCDE trata de forma bem objetiva a questão da dedutibilidade dos juros

quando as partes envolvidas forem relacionadas.

Enquanto o art. 9º do modelo traz a disciplina das relações entre empresas

associadas para fins de controle das transferências de preços, o § 6º do art. 11 do mesmo

modelo apresenta o tratamento que deve ser dado quando a questão envolver o pagamento de

juros.

Referido dispositivo dispõe que, caso, em razão de um relacionamento especial entre

o devedor e o credor ou entre ambos e um terceiro, o montante de juros, considerando o

respectivo crédito, exceda o montante que seria acordado pelo devedor e pelo credor na

ausência de tal relacionamento privilegiado, somente o valor correspondente ao não excedente

é que será considerado arm’s length.

No que se refere aos intangíveis, as Guidelines da OCDE contém um capítulo

próprio sobre o assunto, intitulado de “Special Considerations for Intangible Property”, em

que aquele organismo internacional apresenta algumas considerações relacionadas ao trato

das transações envolvendo propriedade intangível, considerando que tais transações são muito

difíceis de serem avaliadas para fins fiscais.

O capítulo trata da aplicação dos métodos apropriados para o estabelecimento dos

preços de transferência em transações envolvendo propriedade intangível utilizada em

atividades comerciais (trade intangibles), bem como as de marketing (marketing

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intangibles).343 Conforme preleciona Luís Eduardo SCHOUERI, “os primeiros versam sobre

as propriedades intelectuais cuja criação e desenvolvimento, de regra, exigem vultosos

investimentos, para o que o seu criador espera obter um retorno adequado; os últimos são

aqueles bens imateriais que ajudam na exploração comercial de um produto ou serviço

(marcas comerciais, listagem de clientes, canais de distribuição etc.)”.344

A OCDE considera, como “propriedade intangível”, os direitos de uso de ativos

industriais, tais como patentes, marcas e nomes comerciais, desenhos ou modelos, bem como

direitos de propriedade artística e literária, e propriedade intelectual como know-how e

segredos comerciais.

Os intangíveis comerciais345 compreendem as patentes, o know-how, desenhos, e

modelos usados na produção de um bem ou na provisão de um serviço, bem como os direitos

intangíveis, que são, eles próprios, ativos transferidos para clientes ou utilizados na operações

do negócio, assim como o software. Tais bens são geralmente criados a partir de pesquisa e

desenvolvimento (em inglês R&D, ou Research and Development) custosas e de alto risco,

para as quais o respectivo desenvolvedor busca obter o reembolso das despesas e lucro através

da venda de produtos, contratos de serviço, ou acordos de licenciamento.

Os intangíveis de marketing consistem em marcas e nomes de comércio que dão

suporte ao uso comercial de um produto ou serviço, listas de clientes, canais de distribuição, e

nomes, símbolos, ou imagens exclusivos que possuem um valor promocional importante para

o produto envolvido. Seus valores, por sua vez, dependem de diversos fatores, dentre eles a

reputação e credibilidade da marca ou nome de comércio promovidos pela qualidade dos bens

e serviços disponibilizados sob o nome ou a marca no passado, o grau de controle de

qualidade na pesquisa e desenvolvimento, distribuição e disponibilidade dos bens ou serviços

negociados, a extensão e o sucesso das campanhas promocionais, incluindo propaganda e

campanhas de marketing etc.

Segundo Luís Eduardo SCHOUERI, “nem toda atividade de pesquisa e

desenvolvimento produz um intangível comercial, assim como nem toda atividade de

343 Neste sentido, TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 256.344 SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 139.345 A OCDE distingue os intangíveis comerciais em trade intangibles e marketing intangibles. OECD. 1995OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. VI-2.

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marketing gera um intangível para comercialização. Há, por exemplo, atividades de

marketing, como estratégias de vendas, relações públicas, controle de qualidade etc. que

podem ter um impacto limitado ao próprio período em que se produziram e neste caso não se

consideram um ativo intangível, mas mera despesa corrente”.346

Em linha com o que definem as Guidelines, o Prof. Heleno Taveira TÔRRES347

manifesta que tal classificação não é rigorosa, eis que há bens intangíveis que podem ser

considerados tanto como comerciais quanto de marketing, dentre eles a propriedade

intelectual (know how e segredos de comércio).

A OCDE considera “know-how” um conceito pouco preciso, apresentando no § 11

dos Comentários ao art. 12 do Modelo OCDE a seguinte definição:

“Know-how é toda informação técnica não divulgada, capaz ou não de ser patenteada, que é necessária para a reprodução industrial de um produto ou processo, diretamente ou sob as mesmas condições; em se considerando que é derivada da experiência, know-how representa o que um fabricante não pode saber por mero exame do produto ou mero conhecimento do progresso da técnica”. Ao conceito podem ser acrescentados os processos ou fórmulas confidenciais ou outras informações confidenciais envolvendo experiências industriais, comerciais ou científicas não cobertas por patente. 348

A dificuldade na aplicação do princípio surge desde que haja, no bem intangível

sujeito ao controle, uma característica especial complicando a pesquisa de comparabilidade e

em alguns casos tornando difícil o estabelecimento do valor ao tempo da transação, bem como

diante da existência, por razoes de negócio apropriadas ao relacionamento entre as empresas

associadas, a estruturação da transferência de um maneira que empresas independentes não o

fariam.

A OCDE acrescenta que a análise de comparabilidade depende tanto da perspectiva

de quem transfere quanto de quem recebe a propriedade intangível, sendo que, em relação ao

primeiro, o princípio arm’s length deve levar em conta o preço pelo qual uma empresa

independente comparável estaria disposto a transferir a propriedade e, na perspectiva de quem

recebe, o fato de que uma empresa independente pode ou não estar preparada para pagar tal

346 SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 139.347 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 257.348 Cf. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. VI-3 (em tradução livre para o vernáculo).

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preço, dependendo do valor e utilidade da propriedade intangível em seus negócios, devendo

ser considerado que esta empresa somente deverá pagar uma taxa de licença se o benefício

que está esperando proteger com o uso do bem é satisfatório, considerando outras opções

disponíveis.

Conclui, aquele organismo internacional, que a utilidade da propriedade intangível

deve ser considerada quando se for determinar a comparabilidade, o que evidencia a

importância de serem levados em conta todos os fatos e circunstâncias quando da

determinação da comparabilidade das transações.

Considerando este aspecto, Heleno Taveira TÔRRES aponta que “os fatores que

influenciam a determinação dos preços praticados podem variar consideravelmente, em face

de diferentes circunstâncias: i) ligadas à venda do bem; ii) vinculadas à existência de um

acordo de licença baseado no pagamento de royalties; iii) a remuneração pelo uso do

intangível pode ser incluída no preço das mercadorias, por exemplo, semi-elaborados, com o

aproveitamento para o processamento adicional dos produtos; iv) o preço de transferência

pode ser um preço de conjunto, por exemplo, das coisas mais a propriedade intangível; v)

também pode ser praticado um preço conjunto que compreenda todo o tipo de bens

intangíveis, com assistência técnica e treinamento – nesse caso, pode ser necessário

considerar cada item em separado para a verificação do preço normal”.349

As Guidelines da OCDE apresentam os fatores relevantes que devem ser

considerados na comparabilidade entre as operações controlada e não controlada, quais sejam:

os benefícios esperados oriundos da propriedade intangível, possivelmente determinados

através do calculo do valor líquido presente; limitações na área geográfica em que os direitos

devem ser exercidos; restrições na exportação dos bens produzidos mediante o uso de

qualquer direito transferido; a característica de exclusividade ou não dos direitos transferidos;

o investimento de capital (para construir novas plantas ou comprar máquinas especiais), as

despesas de instalação (start up) e com o trabalho de desenvolvimento requerido pelo

mercado; a possibilidade de sub-licenciamento, a rede de distribuição do licenciado, e se o

licenciado tem o direito de participar em desenvolvimentos adicionais da propriedade pelo

licenciador.

349 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 257.

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Em se tratando de patente, a análise de comparabilidade deve considerar sua

natureza (se do produto ou do processo), e o grau e a duração da proteção dados sob as leis de

patente dos países relacionados, considerando a hipótese de novas patentes poderem ser

desenvolvidas rapidamente com base nas anteriores, de modo que a proteção efetiva da

propriedade intangível deve ser consideravelmente prolongada. O período em que a patente

tende a manter seu valor econômico no mercado ainda deve ser considerado, tendo em vista

que uma patente completamente nova e única (invenção, nova idéia) pode tornar uma patente

existente rapidamente obsoleta. Outros fatores consistem no processo de produção para o qual

a propriedade é utilizada, e o valor que este processo adiciona ao produto final.

Outrossim, analisando as funções desenvolvidas, incluindo ativos usados e riscos

assumidos, os riscos considerados devem incluir as responsabilidades sobre o produto e

ambientais, que se tornaram importantes como nunca antes, ainda segundo a OCDE.

Finalmente, aquele organismo internacional considera adequada para o

estabelecimento do preço arm’s length nos casos de venda ou licenciamento de propriedade

intangível, quando o mesmo proprietário tenha transferido ou licenciado propriedade

intangível comparável sob circunstâncias comparáveis para empresas independentes, a

utilização do método CUP, bem como o RPM, caso a empresa associada sub-licencie a

propriedade para terceiros. Os mesmos métodos são possíveis de serem utilizados nos casos

de venda de bens que incorporem propriedade intangível.

Este aspecto é observado por Luís Eduardo SCHOUERI, na seguinte passagem:

“No caso de venda de bens que incorporam bens intangíveis, pode-se também cogitar do emprego dos métodos dos preços independentes comparados ou do método do preço de revenda. No caso de estarem envolvidos bens intangíveis para comercialização (uma marca, por exemplo), importa considerar o valor agregado pela marca a partir da aceitabilidade, pelo consumidor, da importância geográfica, da participação no mercado etc. Para tanto, usam-se, de início, outros bens com marcas comparáveis; na ausência destes, pode ser útil examinar as vendas de produtos que seriam idênticos, não fosse a falta da marca, para, a partir daí, apurar o valor que a marca agregou ao bem. No caso de intangíveis comerciais, a análise comparativa considerará, ainda, o valor a eles atribuível e a importância de pesquisa e desenvolvimentos constantes”.350

Caso haja intangíveis de marketing envolvidos, a análise de comparabilidade deve

considerar o valor adicionado pela marca de comércio, tendo em conta a aceitação pelo

350 SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 141.

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consumidor, importância geográfica, divisões de mercado, volume de vendas e outros fatores

relevantes. Em se tratando de intangíveis comerciais, a análise de comparabilidade deve

adicionalmente considerar o valor atribuível aos intangíveis (patentes protegidas ou outros

intangíveis exclusivos) e a importância das funções de pesquisa e desenvolvimento.

A OCDE considera ainda o aspecto de haver dificuldade em encontrar transações

não controladas comparáveis quando em pauta propriedade intangível muito valiosa, do que

decorrerá possível inaplicabilidade dos métodos transacionais tradicionais e o TNMM,

principalmente quando as partes envolvidas na transação possuem propriedade intangível

altamente valorizada ou ativos exclusivos usados na transação que a distinguem daquelas de

concorrentes potenciais, para os quais o método PSM pode ser apropriado mesmo que haja

problemas práticos em sua aplicação.

Em todos os casos, como bem observam Luís Eduardo SCHOUERI351 e Heleno

Taveira TÔRRES,352 a OCDE recomenda que, em não havendo certeza quanto a valoração da

propriedade intangível, Fisco e contribuinte deverão procurar resolver a questão, levando em

consideração os preços acordados entre empresas independentes, em circunstâncias

comparáveis, o que nos parece ser possível através de um Advance Pricing Arrangement.353

6.3.4. Da relação de hierarquia existente entre os métodos previstos pela OCDE

Nas Guidelines da OCDE, os métodos transacionais tradicionais são considerados

como preferenciais aos outros métodos,354 sendo os métodos transacionais baseados no lucro

tratados como métodos utilizáveis somente em último caso (last resort methods), ficando seu

uso limitado àquelas situações excepcionais em que não haja dados disponíveis ou em que os

351 Cf. Idem. Ibidem. p. 142.352 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 259.353 Conforme definição dada por Heleno Taveira TÔRRES, o Advance Pricing Arrangement (APA) se trata de “um acordo que, em relação com transações a realizar no futuro entre empresas vinculadas, predetermina um conjunto de critérios que são considerados aceitáveis e que têm como finalidade a fixação de preços de transferência para as transações objeto do acordo, com vigência para um período de tempo determinado e preestabelecido”. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 312. Sobre o Advance Pricing Arrangement (APA) trataremos em capítulo porvindouro.354 Cf. parágrafos 2.49 e 3.49 das Guidelines. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. III-16 – III-17.

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dados disponíveis não possuam confiabilidade suficiente para uma utilização consistente nos

métodos considerados tradicionais.

Em relação a este aspecto, recentemente a OCDE levantou a questão quanto a

adequação da consideração de os métodos transacionais com base no lucro serem last resort

methods. Tal questão surgiu no âmbito de processo de consulta355 instaurado por aquela

organização objetivando tratar de algumas das deficiências práticas das Guidelines e

monitorar sua utilização.356

A consideração quanto a preferência dos métodos tradicionais, o que em

conseqüência coloca os métodos transacionais baseados no lucro em segundo plano, por ter

sido sugerida em 1995, quando as operações sujeitas ao controle de preços não possuíam

decerto as complexidades que hoje se apresentam, conforme vem manifestando a doutrina

internacional, não mais deve prevalecer.

Do que decorre que aos métodos baseados no lucro deve ser concedida a qualidade

de métodos alternativos, em prejuízo daquela sua classificação atual como métodos utilizáveis

somente em último caso (last resort), tendo em vista que, atualmente, há diversas situações

em que estes métodos são os mais adequados para a apuração efetiva dos preços arm’s length,

em especial quando as operações controladas envolverem intangíveis (sobretudo marcas e

355 Desde 2003, a Working Party n. 6 do Comitê de Assuntos Fiscais (Comitee on Fiscal Affairs – CFA) da OCDE, vem realizando consultas públicas objetivando tratar destas deficiências, por ter identificado como um dos principais problemas que podem ser atribuídos às Guidelines o fato de as orientações oferecidas serem particularmente vagas quando aplicados, na prática, os diversos métodos aceitos, tendo em vista a sua complexidade, acarretando diversas incertezas na comunidade sujeita ao controle de preços em relação a exatamente como estes métodos devem ser, de fato, aplicados. Em diversas disputas, tem sido observado que tanto as administrações tributárias quanto os contribuintes têm interpretado as orientações de maneira diferente e mutuamente excludentes, o que tem resultado em diversas controvérsias em muitas jurisdições fiscais. A questão quanto à manutenção ou não dos transactional profit methods como métodos utilizáveis somente em último caso é uma das onze questões submetidas nas consultas efetuadas pela OCDE aos membros da transfer pricing community. Neste sentido, PRZYSUSKI, Martin. Invitation to comment on transactional profit methods. A practitioner’s response to the OECD. p. 1. Disponível em <http://www.oecd.org/dataoecd/51/33/37227281.pdf>. Acesso em 28/01/2007.356 Este processo de monitoramento já estava previsto nas Guidelines em seu anexo “Guidelines for monitoring procedures on the OECD transfer pricing guidelines and the involvement of the business community”, a elas aditado em fevereiro de 1998, em linha com o quanto já disposto em seu parágrafo 3.55 em relação a aplicação dos métodos tradicionais e dos métodos com base nos lucros das operações. De acordo com os parágrafos 2 e 3 do anexo, “o propósito principal do monitoramento é examinar como a legislação dos países membros, regulamentos e práticas administrativas podem tornar necessárias emendas ou adições. (...)” e “o monitoramento é esperado que seja um processo permanente e acobertar todos os aspectos das Guidelines, mas com ênfase especial no uso dos métodos transacionais baseados no lucro. (...)”. Cf. OECD. 1995 OECD Transfer PricingGuidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. pp. AN-1 – AN-2.

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propriedade intelectual) e as funções das empresas relacionadas forem altamente integradas, o

que pode acarretar a falibilidade dos métodos tradicionais.

Tal posicionamento decorre da constatação de que, em diversos casos, os métodos

transacionais sobre o lucro são não somente adequados, mas indispensáveis, tais como

naqueles que envolvam operações com bens intangíveis, em que pode ser difícil encontrar

operações não controladas comparáveis, o que prejudica, de pronto, a utilização do método

CUP. Do mesmo modo em relação ao CPM, que tem aplicação limitada no que se refere a

operações envolvendo serviços e inaplicável quando envolvendo propriedade intelectual. O

RPM, por sua vez, tende a não ser aplicável quando da existência de valor adicionado ao bem

ou serviço submetido ao controle.

Ainda de acordo com aquele organismo internacional, transações envolvendo o

desenvolvimento de intangíveis por diversas empresas do grupo, fora de uma Cost

Contribution Arrangement,357 têm o método transacional baseado no lucro conhecido por

Profit Split Method (PSM) como o mais apropriado para a obtenção do preço arm’s length

intra-grupo, o que o torna preferencial em relação aos demais.

Partindo-se ainda da premissa da OCDE de que o método CUP é aquele que

constitui a expressão mais típica de determinação de preços arm’s length, porque consente

uma comparação direta com os preços praticados com empresas independentes e reflete as

condições do mercado (de livre-concorrência), pode-se concluir, por outro lado, que a

prioridade deveria ser considerada em relação àquele método que utilize os dados disponíveis

comparáveis mais consistentes, alterando-se a ordem de preferência caso a caso, de modo que,

sendo possível a utilização do TNMM a partir de dados comparáveis internos (disponíveis na

357 Um Cost Contribution Arrangement, ou “Acordo de Repartição de Custos”, constitui um quadro fixado de comum acordo entre empresas objetivando partilhar os custos e os riscos do desenvolvimento, da produção ou da obtenção de ativos, de serviços ou de direitos, e determinar a natureza e a dimensão da parte de cada participante nos resultados da atividade de desenvolvimento, de produção ou de obtenção dos referidos ativos, serviços ou direitos. É neste sentido que as Guidelines o definem, em seu parágrafo 8.3: “A CCA is a framework agreed among business enterprises to share the costs and risks of developing, producing or obtaining assets, services, or rights, and to determine the nature and extent of the interests of each participant in those assets, services, or rights”. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. VIII-2. Ainda de acordo com as Guidelines, por seu parágrafo 8.8, para que um CCAsatisfaça o princípio arm’s length, a contribuição de cada participante deve ser coerente com o que uma empresa independente concordaria em contribuir em circunstâncias comparáveis considerando os benefícios que razoavelmente espera obter a partir do acordo: “For the conditions of a CCA to satisfy the arm’s length principle, a participant’s contributions must be consistent with what an independent enterprise would have agreed to contribute under comparable circumstances given the benefits it reasonably expects to derive from the arrangement”. Idem. Ibidem. p. VIII-4.

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própria empresa submetida ao controle), este pode ser mais adequado que utilizar o método

CUP quando este for se basear em dados externos (de terceiros não relacionados com a

operação controlada) menos consistentes para efeitos de comparação.

Considerando que, dentre os métodos tradicionais, aquele que de melhor maneira

oferece condições para a obtenção de dados comparáveis é o CUP, mas que sua consistência

depende da qualidade das informações obtidas, sejam elas internas ou externas e que, havendo

dificuldades na obtenção de dados internos ou externos para utilização através dos outros dois

métodos tradicionais, Martin PRZYSUSKI358 manifesta que deve ser dada mais liberdade aos

contribuintes para a aplicação dos demais métodos tradicionais ou dos métodos baseados no

lucro dada a ausência de preços comparáveis não controlados (CUP), sendo certo ainda que

diversos contribuintes necessitam recorrer aos métodos transacionais baseados no lucro para

firmar a natureza arm’s length dos preços por eles praticados.

Entendemos, com o autor, que tais métodos não devem ser relegados a condição de

último recurso, tendo em vista a necessidade de sua utilização em determinadas situações de

negócio específicas e ainda quando da ausência de dados consistentes disponíveis para os

outros métodos, tidos como preferenciais (os tradicionais), bastando-se que sirva para refletir

um preço at arm’s length.359

6.4. Dos métodos previstos na legislação brasileira

Os métodos previstos na legislação brasileira, conforme nos apresenta a Lei n.º

9.430/96, estão divididos para as operações passivas (importações) e ativas (exportações).

Para as importações, as normas brasileiras prevêem os seguintes métodos: (i) PIC – Preços

Independentes Comparados; (ii) PRL – Preço de Revenda menos Lucro; e (iii) CPL – Custo

de Produção mais Lucro. As operações de exportação estão sujeitas aos seguintes métodos: (i) 358 Cf. PRZYSUSKI, Martin. Invitation to comment on transactional profit methods. A practitioner’s response to the OECD. p. 1. Disponível em <http://www.oecd.org/dataoecd/51/33/37227281.pdf>. Acesso em 28/01/2007359 A conclusão em seus comentários a questão n. 1 formulada no processo de consulta da OCDE, intitulada “Status of transactional profit methods as last resort methods” foi baseada nestes argumentos. De acordo com asconclusões do autor, “in sum, although one could certainly make a good case for the CUP method being the preferred method for setting transfer prices, it is much harder to argue, certainly from a practical standpoint and especially given the lack of good quality transactional data, that an explicit hierarchy should be imposed among the other transfer pricing methods. Ironically, in a vast majority of transfer pricing situations, taxpayers ‘resort’ to the so called ‘methods of last resort’ to defend their transfer prices”. PRZYSUSKI, Martin. Invitation to comment on transactional profit methods. A practitioner’s response to the OECD. p. 2. Disponível em <http://www.oecd.org/ dataoecd /51/33/37227281.pdf>. Acesso em 28/01/2007

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PVEx – Preço de Vendas nas Exportações; (ii) PVA – Preço de Venda por Atacado no País de

Destino, diminuído do lucro; (iii) PVV – Preço de Venda no Varejo no País de Destino,

diminuído do lucro; e (iv) CAP – Custo de Aquisição ou de Produção mais Tributos e Lucro.

Os métodos de controle também comportam, como qualquer outro objeto, outra

classificação. A classificação, como já apontamos neste trabalho – fato cultural que é –, é ato

intelectual revelado pela linguagem, podendo se revelar como útil ou inútil, mas nunca como

verdadeira ou falsa.

Neste sentido, podemos classificar, conforme sugere Heleno Taveira TÔRRES,360

também os métodos previstos na legislação brasileira, como métodos de comparação diretos e

indiretos, possuindo como características definitórias, os primeiros, o fato de prescindirem de

levantamentos de dados ou de definição de margens de lucro, servindo para a comparação a

simples identificação do preço de mercado praticado com produtos similares, em condições de

pagamento semelhantes. Os segundos, ao contrário, dependerão de dados coletados e de

margens de referência, e trabalham com a demonstração de qual poderia ser o preço praticado

em uma transação sem vantagens, em prejuízo de comparações baseadas em operações de fato

concretizadas.

Sua classificação em métodos aplicáveis às operações passivas e métodos aplicáveis

às operações ativas, não foi expressamente estabelecida nas Diretrizes da OCDE, que não

distinguiram os métodos, através de suas denominações, em destinados a operações de

importação ou de exportação, sendo certo que cada um deles tem sua aplicabilidade em ambas

as espécies de operação. O legislador brasileiro, ao contrário, preferiu denominar

individualmente cada um dos métodos mediante sua distinção para cada espécie de operação

de comércio exterior.

Definidas as características que acomodam os métodos a cada uma das classes

propostas, temos que o método dos Preços Independentes Comparados (PIC) e o método de

Preço de Venda nas Exportações (PVEx) se enquadram nos métodos diretos. Os demais,

preenchem as características definitórias dos métodos indiretos.

360 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 216.

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Na doutrina de Heleno Taveira TÔRRES podemos encontrar a distinção presente

nesta classificação, conforme explana o ilustre Professor:

“Métodos de comparação simples ou direta são o PIC (preços independentes comparados) e o PVEx (preço de venda nas exportações). Os demais, pela necessária interação que exigem entre coleta de dados e margens de referência (preço de revenda menos lucro, custo de aquisição ou de produção mais lucro etc.), são os métodos de comparação complexa ou indireta. E para estes a determinação dos preços, por meio de documentos específicos que a legislação prevê, é tão importante quanto a definição das margens de lucros, para os métodos que as exigem”.361

Vejamos de que forma trata a legislação brasileira dos métodos aplicáveis aos preços

de transferência, tanto os diretos quanto os indiretos, percorrendo as normas legais e

infralegais atinentes a matéria.

6.4.1. Dos métodos aplicáveis às operações passivas (importações)

No que se refere às operações passivas – importação –, por seu art. 18, a Lei n.º

9.430/96 determina que “os custos, despesas e encargos relativos a bens, serviços e direitos,

constantes dos documentos de importação ou de aquisição, nas operações efetuadas com

pessoa vinculada, somente serão dedutíveis na determinação do lucro real até o valor que não

exceda ao preço determinado por um dos seguintes métodos:” PIC – Preços Independentes

Comparados, PRL – Preço de Revenda menos Lucro, CPL – Custo de Produção mais Lucro.

6.4.1.1. Preços Independentes Comparados (PIC) – Classificado como método de

comparação direta, trata-se de método destinado a confrontar os preços dos produtos

transferidos em uma transação controlada com o preço praticado em transações com partes

independentes, em condições de pagamento equivalentes. Trata-se do método mais simples,

que objetiva verificar a ocorrência de transferência de preços a partir da comparação efetuada,

a fim de se apurar eventual superfaturamento.

A prática de superfaturamento pode ter como objetivo, como de fato costuma ter,

uma redução indevida da base de calculo dos tributos sobre a renda – IRPJ e CSLL –,

361 Idem. Ibidem. p. 290.

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reduzindo, conseqüentemente, os tributos a pagar, o que o controle dos preços de

transferência visa seja evitado.

De acordo com o inc. I do art. 18 da Lei n.º 9.430/96, o método PIC é “definido

como a média aritmética dos preços de bens, serviços ou direitos, idênticos ou similares,

apurados no mercado brasileiro ou de outros países, em operações de compra e venda, em

condições de pagamento semelhantes”.

O método PIC tem como objetivo, deste modo, a determinação do custo de bens,

serviços e direitos, adquiridos no exterior, dedutível na determinação do lucro real e da base

de cálculo da CSLL.

Para a definição da média determinada pelo legislador, a norma complementar

editada pela Secretaria da Receita Federal é que vem traçar os parâmetros. O parágrafo único

do art. 8 da IN/SRF n.º 243/2002 prescreve:

“Art. 8º. (...)

Parágrafo único: Por esse método, os preços dos bens, serviços ou direitos, adquiridos no exterior, de uma empresa vinculada, serão comparados com os preços de bens, serviços ou direitos, idênticos ou similares:

I - vendidos pela mesma empresa exportadora, a pessoas jurídicas não vinculadas, residentes ou não-residentes;

II - adquiridos pela mesma importadora, de pessoas jurídicas não vinculadas, residentes ou não-residentes;

III - em operações de compra e venda praticadas entre outras pessoas jurídicas não vinculadas, residentes ou não-residentes”.362

Efetuada a comparação, em sendo diagnosticado que o preço da importação

realizada seja maior que aquele de referência (que é considerado arm’s length), esta diferença

será considerada como custo ou despesa indedutível para fins de determinação das bases de

cálculo do IRPJ e da CSLL, o mesmo se dizendo quando se tratarem de bens destinados ao

362 Luis Eduardo SCHOUERI classifica a comparação que será efetuada com os dados obtidos nos dois primeiros casos como “comparação interna” e no último como “comparação externa”. SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 77. Para Heleno Taveira TÔRRES, a classificação em “comparação interna” e “comparação externa” não apresenta utilidade, conforme já apresentamos neste trabalho. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 225.

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ativo fixo da importadora, cuja amortização, depreciação ou baixa levarão em conta o preço

arm’s length e não o preço praticado.

A mesma instrução normativa da Receita Federal estabelece, na forma de seu art. 38,

que será considerada satisfatória a comprovação, nas operações com empresas vinculadas,

quando o preço ajustado, a ser utilizado como parâmetro, divirja, em até 5% (cinco por cento),

para mais ou para menos, daquele constante dos documentos de importação, não sendo

exigido nenhum ajuste na apuração do imposto de renda e na base de cálculo da CSLL. Ou

seja, havendo divergência de no máximo 5% (cinco por cento) entre o preço praticado e o

preço parâmetro, prevalecerá o preço praticado, tendo-se por aceito o preço de transferência

realizado.

Sendo o PIC um método intensivamente dependente de análise de comparabilidade,

o legislador infralegal, seguindo os passos das Guidelines da OCDE – que também possui

critérios para ajustes, conforme já apresentamos neste trabalho –, autoriza sejam efetuados

determinados ajustes, para que se possa atingir grau de comparabilidade suficiente para se

operar com o método. Tal prerrogativa encontra fundamento na própria norma legal que

regulamenta, que dispõe devam ser as operações comparáveis, e não idênticas (a identidade

certamente iria resultar na inaplicabilidade do método), implicando haja semelhança somente

em seus pontos essenciais.

A IN/SRF n.º 243/2002 apresenta quais os ajustes permitidos no método PIC,

dispondo em seu art. 9º, que os valores dos bens, serviços ou direitos serão ajustados de forma

a minimizar os efeitos provocados sobre os preços a serem comparados, por diferenças nas

condições de negócio, de natureza física e de conteúdo.

Tais ajustes, de acordo com este dispositivo, quando objeto de controle bens,

serviços e direitos idênticos, devem estar relacionados com (i) prazos de pagamento,

observando-se a taxa de juros normalmente aplicada pela empresa vendedora ou, na falta ou

impossibilidade de seu conhecimento, Selic ou Libor + 3%; (ii) quantidades negociadas,

devendo os ajustes ser efetuados com base em documentos de emissão da empresa vendedora,

que demonstrem a prática de preços menores quanto maiores as quantidades adquiridas por

um mesmo comprador; (iii) obrigação por garantia de funcionamento do bem ou da

aplicabilidade do serviço ou direito, devendo o valor integrante do preço, a esse título, não

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186

exceder o resultante da divisão do total dos gastos efetuados, no período de apuração anterior,

pela quantidade de bens, serviços ou direitos, com garantia em vigor, no mercado nacional,

durante o mesmo período; (iv) obrigação pela promoção, junto ao público, do bem, serviço ou

direito, por meio de propaganda e publicidade; (v) obrigação pelos custos de fiscalização de

qualidade, do padrão dos serviços e das condições de higiene; (vi) custos de intermediação,

nas operações de compra e venda, praticadas pelas empresas não vinculadas, consideradas

para efeito de comparação dos preços; (vii) acondicionamento; e (viii) frete e seguro.

O artigo seguinte daquela norma complementar determina ainda que os preços

deverão ser ajustados em função das diferenças de natureza física e de conteúdo, devendo ser

considerados, para tanto, os custos relativos à produção do bem, à execução do serviço ou à

constituição do direito, exclusivamente nas partes que corresponderem às diferenças entre os

modelos objeto da comparação.

Ademais, observa-se que a instrução normativa inova em relação a lei que

regulamenta, ao dispor que, não sendo possível identificar operações de compra e venda no

mesmo período a que se referirem os preços objeto de controle, a comparação poderá ser feita

com preços praticados em operações efetuadas em períodos anteriores ou posteriores, desde

que ajustados por eventuais variações nas taxas de câmbio das moedas de referência,

ocorridas entre a data de uma e de outra operação. Tal prerrogativa não consta originalmente

da lei, que é omissa neste sentido.363

6.4.1.2. Preço de Revenda menos Lucro (PRL) – Classificado pela doutrina como

método de comparação indireta, é definido como a média aritmética dos preços de revenda

dos bens ou direitos, diminuídos (i) dos descontos incondicionais concedidos; (ii) dos

impostos e contribuições incidentes sobre as vendas; (iii) das comissões e corretagens pagas;

(iv) da margem de lucro de (iv.i) sessenta por cento, calculada sobre o preço de revenda após

deduzidos os valores referidos anteriormente e do valor agregado no País, na hipótese de bens

importados aplicados à produção; (iv.ii) vinte por cento, calculada sobre o preço de revenda,

nas demais hipóteses.

363 Apesar de, em relação ao método equivalente, aplicável às exportações (PVEx), ter sido determinado que a comparação deverá ser efetuada em relação a operações realizadas no mesmo período, conforme o caput do art. 19 da Lei n.º 9.430/96.

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187

Trata-se de método que objetiva a demonstração segura da inexistência de

superfaturamento na importação, o que reduziria o lucro da empresa residente e aumentaria

aquele da empresa não-residente, através da quantificação dos custos incorridos pelo

importador-revendedor, e sua comparação com o valor de revenda diminuído de uma margem

de lucro pré-definida. O valor apurado será considerado como o preço de livre concorrência

(arm’s length), submetendo a diferença encontrada à tributação.

Este método pressupõe a existência de duas operações distintas e de três partes,

também distintas.364 A primeira operação é a de importação, que fica submetida ao controle

de preços, tendo como partes o exportador não-residente e o importador residente, ambos

realizando uma transação que esteja sujeita a apuração do preço arm’s length na forma da

legislação em vigor. A segunda operação é de revenda, onde aparecem o importador-

revendedor residente e um terceiro independente (em relação aos outros dois). O método será

aplicado à partir da apuração dos preços praticados na primeira operação, com todos os

critérios de levantamento de custos, para que se defina o preço praticado na segunda

operação, diminuída dos lucros correspondentes, visando a identificação da presença de

eventual superfaturamento.

Tomando-se por base as margens pré-fixadas de lucro pela lei, qualquer divergência

apurada entre o valor apurado com base nestas margens e aquele efetivamente praticado, será

indicadora de que a operação não se realizou at arm’s length, ensejando o surgimento de uma

relação jurídica tributária que trará em seu conseqüente a obrigação de pagar os tributos sobre

o lucro tendo por base o valor da diferença encontrada.

O Prof. Heleno Taveira TÔRRES nos esclarece de que modo se operacionaliza este

método e das características dos dados que lhe são inerentes:

“O método realiza-se em duas fases: i) determinação do preço de revenda, a partir da primeira operação (importação) e ii) aplicação da margem de lucro (de vinte ou de sessenta por cento), para os fins de isolar a eventual presença de alguma divergência relevante entre o preço de referência e aquele de mercado. Em vista disso, quanto a primeira, o ‘preço de revenda’ deve constituir um dado objetivo, determinado pelas leis normais de mercado, mesmo que saibamos da dificuldade para aferir uma efetiva conformidade entre o preço que surge a partir da aplicação do método (preço de referência) e o princípio do preço de livre concorrência, na medida que o

364 Neste sentido, TÔRRES, Heleno Taveira. Controle sobre preços de transferência. Legalidade e uso de presunções no arbitramento da base de cálculo dos tributos. O direito ao emprego do melhor método. Limites ao uso do PRL-60 na importação. Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT. Belo Horizonte. ano 1. n. 6. nov/dez 2003. p. 30.

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contribuinte está sempre sujeito às variações de preços no período (i); e quanto às ‘margens de lucro’, estas são predefinidas, mas podem ser apuradas de modo divergente, com base em dados específicos, contemporâneos à transação, nos limites da legislação em vigor (ii)”.365

Parece-nos, de longe, tratar-se o PRL do método que mais tem causado polêmica nos

meios jurídicos, desde que foi colocada a seguinte questão: o método PRL tem sua utilização

limitada a meras operações de revenda ou é admissível aplicá-lo a operações em que o

importador-revendedor acrescenta alguma utilidade ao bem?

É distinto o tratamento dado ao método pela Lei n.º 9.430/96 em sua redação

original, regulamentada pela IN/SRF n.º 38/97, do tratamento dado pela Lei n.º 9.959/2000,

atualmente regulamentada pela IN/SRF n.º 243/2002. Faremos análises individualizadas,

portanto.

6.4.1.2.1. Do tratamento dado pela Lei n.º 9.430/96 em sua redação original – A

introdução, em nosso ordenamento jurídico, do método PRL, trouxe para os tribunais pátrios

uma discussão inerente aos limites de aplicação deste método, sobretudo em função do

regulamento editado pela Secretaria da Receita Federal que trazia, expressamente, a

impossibilidade de sua utilização quando os bens importados através da operação submetida a

controle sofressem processo de transformação.

No direito internacional, a OCDE, já prevendo eventuais incertezas quanto a

aplicabilidade do método Resale Price (RPM) – que é equivalente ao nosso PRL – nas

operações em que o bem adquirido sofresse algum processo de transformação, ou a ele fosse

agregado algum valor material ou ele próprio viesse a outro bem agregar algum valor, fez

constar em suas Guidelines a seguinte orientação:

“Uma margem apropriada de preço de revenda é mais fácil de ser determinada onde o revendedor não acrescenta nada substancial ao valor do produto. Diferentemente, pode ser mais difícil de usar o método do preço de revenda para alcançar um preço arm’s length quando, antes da revenda, os bens são reprocessados ou incorporados em um produto mais complicado, de tal modo que sua identidade se perde ou se transforma (por exemplo quando componentes se agregam a produtos acabados ou semi-acabados). Outro exemplo no qual a margem do preço de revenda requer um cuidado particular é quando o revendedor contribui substancialmente à criação ou manutenção de propriedade intangível, associada ao produto (por exemplo, marcas

365 TÔRRES, Heleno Taveira. Controle sobre preços de transferência. Legalidade e uso de presunções no arbitramento da base de cálculo dos tributos. O direito ao emprego do melhor método. Limites ao uso do PRL-60 na importação. Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT. Belo Horizonte. ano 1. n. 6. nov/dez 2003. p. 30.

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ou nomes comerciais), que pertençam à empresa associada. Em tais casos, não é fácil avaliar a contribuição ao valor final do produto, dada pelos bens transferidos originalmente”.366

Trabalhando com a analogia que se faz possível no caso presente, dado que ambos

os métodos – RPM e PRL – possuem características essenciais equivalentes, tem-se por certo

que a OCDE admite sua aplicação inclusive nas hipóteses em que o revendedor altera a

natureza do bem, em que pese alertar para o fato de que sua aplicação pode tornar-se mais

difícil, remetendo à utilização de outro método (o CPM), ao observar, em outro parágrafo, que

“este método [CPM] provavelmente é mais útil onde bens semi-acabados são vendidos entre

partes vinculadas (...)”.367

O legislador brasileiro, contudo, em que pese aparentemente ter seguido o princípio

norteador dos preços de transferência adotado por aquele organismo internacional, o que se

conclui quando da leitura da exposição de motivos do projeto de lei que se transformou na Lei

n.º 9.430/96, não absorveu o conteúdo daquela orientação dada sobre a aplicação do método

RPM, eis que não veio introduzi-la em nosso ordenamento jurídico.

Instaurada a controvérsia inicial, a esta foi “colocada mais lenha” quando da edição

da Instrução Normativa 38/97, que primeiro veio regulamentar a aplicação dos métodos. Por

esta norma complementar, a Secretaria da Receita Federal veio expressamente estabelecer:

“Art. 4º. (...)

§ 1º A determinação do preço a ser utilizado como parâmetro, para comparação com o constante dos documentos de importação, quando o bem, serviço ou direito houver sido adquirido para emprego, utilização ou aplicação, pelo própria empresa importadora, na produção de outro bem, serviço ou direito, somente será efetuada com base nos métodos de que tratam os arts. 6° e 13”.

366 Tradução para o vernáculo do parágrafo 2.22 das Guidelines, que assim dispõe: “An appropriate resale price margin is easiest to determine where the reseller does not add substantially to the value of the product. In contrast, it may be more difficult to use the resale price method to arrive at an arm's length price where, before resale, the goods are further processed or incorporated into a more complicated product so that their identity is lost or transformed (e.g. where components are joined together in finished or semi-finished goods). Another example where the resale price margin requires particular care is where the reseller contributes substantially to the creation or maintenance of intangible property associated with the product (e.g. trademarks or tradenames) which are owned by an associated enterprise. In such cases, the contribution of the goods originally transferred to the value of the final product cannot be easily evaluated”. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. II-7.367 Conforme disposto no parágrafo 2.32 das Guidelines: “This method probably is most useful where semifinished goods are sold between related parties, (…)”. Idem. ibidem. p. II-11.

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A interpretação mais adequada – e favorável ao contribuinte – que se possa dar a

este dispositivo é aquela sugerida por Gerd W. ROTHMANN:

“Isto quer dizer que o método do preço de revenda não se aplica quando o bem importado for empregado, utilizado ou aplicado pelo importador na produção de outro bem. Daí se conclui que qualquer processo industrial que não implique ‘produção de outro bem’ é perfeitamente admissível, não afastando o método”.368

Do que decorre ser o método PRL perfeitamente aplicável, no direito brasileiro, aos

casos que a doutrina alemã chama de “função ampliada de revenda”, afastando-se as hipóteses

em que o bem importado é utilizado para produzir outro bem, entendo-se como a operação de

modificação da natureza do bem com finalidade de criar espécie nova, diversa da do primeiro.

Tal determinação, conclui-se, contrapõe-se à orientação da OCDE, para quem a

aplicação do método equivalente (RPM) é possível inclusive nos casos em que a manipulação

acarreta a perda da identidade do produto, em que pese tornar-se mais difícil.369

Luis Eduardo SCHOUERI tem a seguinte opinião sobre a questão:

“Em resumo, nota-se que não há incompatibilidade intrínseca entre o método do preço de revenda e a circunstância de haver produção local; a questão está no maiorou menor grau de dificuldade de se apurar qual o percentual do diferencial de preço que se refere a margem de lucro e qual aquele plus que se explica pelo valor agregado localmente. Havendo condições de se separarem estes valores, então o método do preço de revenda é plenamente aplicável”.370

Posição da qual não destoa Gerd W. ROTHMANN, que assim manifesta:

“Dentro da liberdade de escolha do método de apuração dos preços de transferência, que a Lei n.º 9.430/96 confere ao contribuinte, é, pois, perfeitamente lícito aplicar o método do preço de revenda nas hipóteses em que o revendedor submete a mercadoria importada a operações industriais, agregando-lhe valor. O limite da aplicação deste método foi delineado, com muita propriedade e em harmonia com a prática internacional, pela IN/SRF n.º 38/97, que impede seu uso somente no caso em que é produzido outro bem, de natureza diversa daquele importado pelo revendedor”.371

Igualmente, manifestamos nosso entendimento de que havia, na forma da IN/SRF n.º

38/97, uma distinção relacionada à extensão de aplicabilidade entre os métodos RPM e PRL,

368 ROTHMANN, Gerd W. O método do preço de revenda e a produção legal. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 158.369 Neste sentido, SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 90.370 Idem. Ibidem. p. 90.371 ROTHMANN, Gerd W. O método do preço de revenda e a produção legal. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 163.

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discordando, neste sentido, do entendimento supra exposto de Gerd W. ROTHMANN quanto

a delineação deste método estar “em harmonia com a prática internacional”, já que, no direito

nacional, à hipótese de transformação do bem, seria inaplicável o método PRL, não sendo esta

a orientação da OCDE quanto a aplicação do RPM.

O Prof. Paulo de Barros CARVALHO nos esclarece esta questão, com a precisão

que lhe é peculiar:

“O fato de o revendedor agregar algum valor ao produto, aprimorando-o para o consumo, não é empecilho ao emprego deste método, especialmente quando o valor agregado é quantificável e configure a razão preponderante da aquisição pelo consumidor (...) Em conseqüência, inexiste incompatibilidade entre o método do preço de revenda e a circunstância de haver produção local, quando esta não altera as particularidades do bem importado. O conceito de ‘revenda’ não exclui o de ‘industrialização’. (...) Por todo o exposto, ainda que fosse legal a restrição constante da IN/SRF n.º n. 38/97, apenas quando o revendedor submeter o bem importado a operação modificadora de sua natureza, criando nova espécie de bem, diverso do primeiro, será vedado utilizar o método preço de revenda menos lucros. Em quaisquer outras hipóteses, mesmo havendo processo industrial, inexistindo transformação na essência do bem importado, ter-se-á por lícito o emprego do referido método”.372

6.4.1.2.2. Do tratamento dado pela Lei n.º 9.430/96 com a redação dada pela Lei n.º

9.959/2000 – A Lei n.º 9.959/2000 operou significativa modificação ao inc. II do art. 18 da

Lei n.º 9.430/96, introduzido ao método PRL a possibilidade de sua aplicação “na hipótese de

bens importados aplicados à produção”. Seguiu-se sua regulamentação pela IN/SRF n.º

32/2001 e, atualmente, na forma da IN/SRF n.º 243/2002.

Primeiramente, veio a Lei n.º 9.959/2000 estabelecer a possibilidade de utilização do

método PRL na hipótese de bens importados aplicados à produção, admitindo a diminuição,

da média aritmética dos preços de revenda, da margem de lucro de sessenta por cento,

calculada sobre o preço de revenda depois de deduzidos os descontos incondicionais

concedidos, os impostos e contribuições incidentes sobre as vendas, as das comissões e

corretagens pagas e o valor agregado no País.

372 CARVALHO, Paulo de Barros. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. In: UKMAR, Victor. ALTAMIRANO, Alejandro C. TÔRRES, Heleno Taveira (coords.). Impuestos sobre el comercio internacional. p. 706.

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Fundado neste artigo, por sua vez, vieram as instruções normativas da Receita

Federal373 estabelecer que “a determinação do preço a ser utilizado como parâmetro, para

comparação com o constante dos documentos de importação, quando o bem, serviço ou

direito houver sido adquirido para emprego, utilização ou aplicação, pela própria empresa

importadora, na produção de outro bem, serviço ou direito, somente será efetuada com base

nos métodos de que tratam o art. 8º, a alínea "b" do inciso IV do art. 12 e o art.13”. Tais

métodos são, respectivamente, PIC, “PRL-60” 374 e CPL, excluindo-se, de pronto, o método

“PRL-20”.375

Em resumo, a Secretaria da Receita Federal determinou, através da IN/SRF n.º

38/97, que o método PRL-20 não poderia ser utilizado pelos contribuintes para apurar o preço

parâmetro de bem, serviço ou direito importado de coligada estrangeira para fins de produção

de outros bens, serviços e direitos no Brasil (art. 4º, §1º). Essa situação perdurou até a edição

da Lei n.º 9.959/2000, que, apesar de não trazer novo método para o cálculo de preços

parâmetro na importação, criou uma nova margem de lucro para o já existente método PRL: a

margem de 60% (sessenta por cento) na hipótese de bens importados e aplicados na produção

local (PRL-60). A regulamentação, por sua vez, deu-se através da Instrução Normativa

32/2001, hoje revogada e substituída pela IN/SRF n.º 243/2002.

Observe-se, do exposto, que somente com o advento da Lei n.º 9.959/2000 é que foi

validamente introduzida em nosso ordenamento jurídico a vedação quanto a utilização do

PRL-20 nas hipóteses de bens importados destinados a produção, o que era anteriormente

feito tão somente pela instrução normativa regulamentadora daquela lei.

373 Inicialmente através da IN/SRF n.º 32/2001 e atualmente conforme disposto na IN/SRF n.º 243/2002, cujas redações são idênticas.374 Assim como passou a ser denominado pela doutrina e jurisprudência brasileiras o método do Preço de Revenda menos Lucro constante do art. 18, inc. II, item “d”, subitem “1”, que estabelece a margem de lucro de 60% (sessenta por cento) calculada sobre o preço de revenda nas hipóteses em que o bem, serviço ou direito sejaempregado, utilizado ou aplicado, pela própria empresa importadora, na produção de outro bem, serviço ou direito. Utilizando-se desta denominação, TÔRRES, Heleno Taveira. Controle sobre preços de transferência. Legalidade e uso de presunções no arbitramento da base de cálculo dos tributos. O direito ao emprego do melhor método. Limites ao uso do PRL-60 na importação. Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT. Belo Horizonte. ano 1. n. 6. nov/dez 2003. p. 21.375 Assim como passou a ser denominado pela doutrina e jurisprudência brasileiras o método do Preço de Revenda menos Lucro constante do art. 18, inc. II, item “d”, subitem “2”, que estabelece a margem de lucro de 20% (vinte por cento) calculada sobre o preço de revenda nas hipóteses em que o bem, serviço ou direito não seja empregado, utilizado ou aplicado, pela própria empresa importadora, na produção de outro bem, serviço ou direito. Idem. p. 31.

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A interpretação fiscal desta novel determinação surgiu através da Solução de

Consulta da COSIT n. 9, de 30 de maio de 2003, em que a Receita Federal expressa que as

“operações que se enquadram no conceito de produção de outro bem”, constante da IN/SRF

n.º 243/2002, são “aquelas em que haja alteração de bem importado, que envolva

transformação ou agregação de seu valor, para posterior comercialização no mercado

nacional”.

Considerando estarmos diante de “verdadeiros dilemas de linguagem e menos de

reais problemas jurídicos”, Heleno Taveira TÔRRES nos apresenta a melhor interpretação

que pode ser concedida ao conceito extraído da norma editada pela Receita Federal, que não

parece ter eliminado a ambigüidade presente na redação do dispositivo:

“Certamente que o conceito de produção de outro bem ou aquele do art. 2º da Lei n.ºn. 9.959/00, de hipótese de bens importados aplicados à produção são expressões ainda muito vagas, mas é inequívoco que se projetam para aceitar o câmbio necessário de função, utilidade ou emprego do bem importado, exatamente pelo quanto mais agrega a Solução de Consulta da COSIT n. 9, de 30 de maio de 2003: ‘que envolva transformação’, que se expressa mais como uma fórmula para dar clareza à expressão anterior (alteração de bem importado) do que propriamente como uma hipótese autônoma e destacada. Contudo, a preocupação com a ‘agregação de seu valor’ em nada se presta para definir adequadamente o que seja aplicação ou emprego do bem importado na produção de outro bem. Até porque isso também é relativo, especialmente nos casos de reduzido valor agregado no Brasil, o que geralmente ocorre”.376

Destarte, o que se tem presente no direito brasileiro é a possibilidade de ser aplicado

o PRL-20 (i) quando o bem importado é revendido simplesmente, sem qualquer modificação

ou agregação em seu valor e (ii) quando o bem importado é utilizado na produção de outro

bem, desde que não seja aquele (o bem importado) objeto de transformação e, contrariamente,

o método não poderá ser aplicado, remetendo-se para o PRL-60, desde que o bem seja objeto

de transformação que lhe altere sua funcionalidade, emprego ou utilidade, condicionada –

observando-se o princípio da segurança jurídica e de certeza do direito – à existência de

provas inequívocas da existência desta transformação, preponderando a verdade material

sobre a mera presunção legal, corolário do princípio da capacidade contributiva, que se

apresenta no art. 145, § 1º da Constituição Federal.

376 TÔRRES, Heleno Taveira. Controle sobre preços de transferência. Legalidade e uso de presunções no arbitramento da base de cálculo dos tributos. O direito ao emprego do melhor método. Limites ao uso do PRL-60 na importação. Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT. Belo Horizonte. ano 1. n. 6. nov/dez 2003. p. 33 (grifos do original).

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6.4.1.2.3. Da jurisprudência fiscal atinente à matéria – Sobre a questão da

aplicabilidade do método PRL-20 antes da edição da Lei n.º 9.959/2000 e respectiva

regulamentação, nosso tribunal administrativo tem se manifestado de forma reiterada.

Cita-se, como exemplo, o caso de uma indústria farmacêutica contra a qual havia

sido lavrado auto de infração para exigir o pagamento do Imposto de Renda Pessoa Jurídica

(“IRPJ”) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”), relativos aos anos-

calendário de 1997 e 1998, que teriam sido pagos a menor em virtude da incorreta aplicação

do método de Preço de Revenda Menos Lucro (“PRL”) para a apuração do preço parâmetro

de princípios ativos importados de coligada estrangeira para a posterior fabricação de

medicamentos no Brasil. A prática do PRL, anteriormente à edição da Lei n.º 9.959/2000, era

expressamente vedada pela IN/SRF n.º 38/97.

De acordo com o Conselho de Contribuintes, a escolha do método para o cálculo do

preço parâmetro fica a critério do contribuinte, podendo ser aquele que lhe for mais favorável,

sem que haja a necessidade de aprovação do fisco ou mesmo a comprovação de qual seria o

método que apresentasse de forma mais adequada o preço arm’s length. O Conselho aduziu,

em sua decisão que, àquela época, a Lei n.º 9.430/96 não fazia qualquer ressalva à utilização

do método PRL para a importação de bens para a produção local, sendo inadmissível,

portanto, que simples instrução normativa viesse a fazê-la, sob pena de violação ao princípio

da legalidade.

Referido tribunal administrativo também decidiu que, mesmo que um bem

importado seja submetido a um processo de beneficiamento ou industrialização, tal como a

adição de excipientes e de embalagem, não deixaria de ser um objeto de revenda e, assim, ser

possível seu preço parâmetro ser apurado pelo método PRL.

O que, ao nosso ver, foi corroborado com a própria edição da Lei n.º 9.959/00, que

apenas trouxe uma nova margem de lucro (60%) mas, por outro lado, manteve todos os

termos da Lei n.º 9.430/96 no que se refere aos preços de transferência de bens importados e

revendidos no Brasil.

A decisão do Conselho também veio demonstrar o entendimento daquele órgão

quanto a impossibilidade de aplicação do método PIC diante da inexistência de operações

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realizadas pela matriz estrangeira com terceiros mas, apenas, com suas coligadas, bem como

da aplicação do método CPL, quando nem a empresa brasileira, nem o fisco brasileiro, teriam

condições legais de exigir que empresa estrangeira apresentasse a abertura de seus custos para

a aplicação desse método.

Neste sentido, conclui o Conselho de Contribuintes que se o entendimento da

fiscalização federal prevalecesse – no sentido de que o PRL-20 não poderia ter sido aplicado

para o cálculo do preço parâmetro dos princípios ativos por ela importados – e, ainda, tendo

em vista a comprovada impossibilidade de aplicação dos demais métodos (PIC e CPL), não

haveria método válido para aplicar no caso em concreto, transferindo-se ao fisco brasileiro o

ônus de provar que os preços praticados pela empresa não eram equivalentes aos que seriam

praticados entre partes não relacionadas.

Essa decisão do Conselho de Contribuintes é um importante precedente no que se

refere à aplicabilidade do método até o surgimento do PRL-60. Não tendo havido a

propositura de Recurso Especial por parte da União Federal (até mesmo pelo seu não

cabimento, diante da inexistência de decisões sobre o assunto àquela época), o acórdão teve

seu trânsito em julgado naquele tribunal. Transcrevemos sua ementa:

“IRPJ - PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA – MÉTODOS DE CONTROLE DE PRODUTOS IMPORTADOS DE EMPRESAS LIGADAS – MÉTODO DO PREÇO DE REVENDA MENOS LUCRO – PRL – De acordo com o artigo 18 da Lei n.º 9.430/96, serão dedutíveis na determinação do lucro real, os custos, despesas e encargos relativos a bens, serviços e direitos, constantes dos documentos de importação ou de aquisição, nas operações efetuadas com pessoa ligada, até o valor que não exceda ao preço determinado dentre um dos seguintes métodos: Preços Independentes Comparados - PIC, Preço de Revenda menos Lucro - PRL e Custo de Produção mais Lucro - CPL. Desta forma, em não havendo na lei limitação ao uso do método PRL para os bens importados que sofrem alguma manipulação no país antes de serem revendidos, não é possível que a Administração Tributária, por meio de Instrução Normativa, cuja função é de interpretar a norma legal e, portanto, diretamente subordinada à lei, venha alterar a mesma, para vedar a utilização do método PRL”.377

6.4.1.3. Custo de Produção mais Lucro (CPL) – Método de comparação indireta, o

CPL é definido como o custo médio de produção de bens, serviços ou direitos, idênticos ou

377 Acórdão 101-94628 - Recurso: 134780 - Primeira Câmara - Processo: 16327.000796/2002-28 - Recorrente: Bristol Myers Squibb Brasil Ltda. (nova denominação de Bristol Myers Squibb Brasil S.A.) -Recorrida/Interessado: 10ª Turma / DRJ - São Paulo/SP - Data da Sessão: 07/07/2004 - Relator: Paulo Roberto Cortez - Decisão: Dar provimento por unanimidade. No mesmo sentido, os acórdãos prolatados nos seguintes recursos: 137.928, 137.537, 136.791, 130.729. Em sentido contrário, o acórdão prolatado no Recurso 141.424.

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similares, no país onde tiverem sido originariamente produzidos, acrescido dos impostos e

taxas cobrados pelo referido país na exportação e de margem de lucro de vinte por cento,

calculada sobre o custo apurado.

A lei ordinária limita-se a tratar do conceito do método e a indicar, como

componentes do custo a ser considerado, os fretes e seguros pagos pelo importador, os

tributos incidentes no país de origem das importações e dos devidos no Brasil sobre as

importações e exportações,378 deixando à vontade do legislador infralegal os demais informes

concernentes à sua aplicação.

Na forma da norma complementar que regulamenta o dispositivo presente no art. 18,

III da Lei n.º 9.430/96, os custos de produção deverão ser demonstrados discriminadamente,

por componente, valores e respectivos fornecedores, bem como poderão ser utilizados dados

da própria unidade fornecedora ou de unidades produtoras de outras empresas, localizadas no

país de origem do bem, serviço ou direito.

A instrução normativa ainda apresenta o rol dos custos que poderão ser considerados

na apuração de preço por esse método, incorridos na produção do bem, serviço ou direito,

excluídos quaisquer outros, ainda que se refiram a margem de lucro de distribuidor atacadista.

Conforme o § 4º do art. 13 da IN/SRF n.º 243/2002, são os seguintes os custos a serem

considerados:

“I - o custo de aquisição das matérias-primas, dos produtos intermediários e dos materiais de embalagem utilizados na produção do bem, serviço ou direito;

II - o custo de quaisquer outros bens, serviços ou direitos aplicados ou consumidos na produção;

III - o custo do pessoal, aplicado na produção, inclusive de supervisão direta, manutenção e guarda das instalações de produção e os respectivos encargos sociais incorridos, exigidos ou admitidos pela legislação do país de origem;

IV - os custos de locação, manutenção e reparo e os encargos de depreciação, amortização ou exaustão dos bens, serviços ou direitos aplicados na produção;

378 Neste sentido, OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Preços de transferência – o método do Custo mais Lucro – o conceito de custo – o método do Custo mais Lucro e as indústrias de alta tecnologia – como conciliar dispêndios intensivos, com pesquisas e desenvolvimento, com esse método. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 331.

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V - os valores das quebras e perdas razoáveis, ocorridas no processo produtivo, admitidas pela legislação fiscal do país de origem do bem, serviço ou direito”.

Como é de praxe na prática administrativa brasileira, é certo que a Administração

Fiscal pretenderá que o rol da instrução normativa seja taxativo, o que não encontra qualquer

embasamento, eis que a Lei n.º 9.430/96 é omissa neste sentido e elegeu o custo de produção

como critério, o que deve abranger todos os gastos incorridos para que seja consumada a

produção.379

Conforme manifesta Ricardo Mariz de OLIVEIRA, há plena identidade entre o rol

da instrução normativa e aquele presente no art. 46 da Lei n.º 4.506/64 e este “é

reconhecidamente um elenco exemplificativo e não exaustivo, caráter este que a própria

Administração Tributária reconheceu mais de uma vez, através dos Pareceres Normativos

CST n.ºs 127/75, 1/77 e 6/79”,380 de modo a se concluir que a interpretação dada ao rol da

instrução normativa deve ser a mesma.381

Outrossim, assim como as Guidelines da OCDE, a legislação brasileira admite, no

caso de utilização de produto similar para a aferição do preço, o ajuste do custo de produção

em função das diferenças entre o bem, serviço ou direito adquirido e o que estiver sendo

utilizado como parâmetro.

Importante observação faz Luís Eduardo SCHOUERI em relação a qual das

sistemáticas de custo (planejado, normal ou histórico) é admitida pelas autoridades brasileiras

na apuração do preço arm’s length, eis que, conforme manifesta, “as autoridades

administrativas excluem quaisquer custos que não os incorridos na produção do bem, serviço

ou direito”.382

Quanto às sistemáticas de custo, manifesta o ilustre professor:

379 Neste sentido, OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Preços de transferência – o método do Custo mais Lucro – o conceito de custo – o método do Custo mais Lucro e as indústrias de alta tecnologia – como conciliar dispêndios intensivos, com pesquisas e desenvolvimento, com esse método. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 333.380 Idem. Ibidem. p. 333381 É digno de observação que o método CAP, aplicável às exportações, e que equivale ao método CPL aplicável às importações, não apresenta rol taxativo, do que se conclui que todos os custos incorridos na produção são inequivocamente considerados no conceito de custo.382 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 117.

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“O custo histórico baseia-se apenas nas contas passadas da empresa: computam-se os custos efetivamente incorridos, sem qualquer correção. (...)

Visando a afastar pelo menos o problema das oscilações de custos, refletidas no custo histórico, encontra-se a técnica do custo normal, a qual em lugar de buscar custos efetivamente incorridos, considera os custos efetivos em que ‘normalmente’ se incorre, em média. (...)

Finalmente, o cálculo do custo planejado é voltado ao futuro. É o custo que se espera venha a se tornar custo efetivo. Daí o seu caráter de dever ser, já que se fixa uma estimativa de produção e, a partir de estudos técnicos e econômicos de consumo, bem como à vista da experiência decorrente da observação constante do processo produtivo, chega-se ao custo planejado para o produto”.383

Traçando um paralelo entre as três sistemáticas, conclui como de melhor adequação

ao princípio arm’s length esta última, ao contrário, portanto, do entendimento das autoridades

brasileiras, que seguem a primeira sistemática.

Concordamos, portanto, com o entendimento do autor no sentido de que, se a

sistemática brasileira de preços de transferência se baseia no princípio arm’s length, não se é

permitido dar interpretação à lei afastando-se daquele princípio, de modo que é possível se

questionar a aplicabilidade da limitação quanto ao emprego de outro método que não o do

custo histórico.384

6.4.2. Dos métodos aplicáveis às operações ativas (exportações)

No que se refere às operações ativas – exportações –, por seu art. 19, caput, a Lei n.º

9.430/96 determina que “as receitas auferidas nas operações efetuadas com pessoa vinculada

ficam sujeitas a arbitramento quando o preço médio de venda dos bens, serviços ou direitos,

nas exportações efetuadas durante o respectivo período de apuração da base de cálculo do

imposto de renda, for inferior a noventa por cento do preço médio praticado na venda dos

mesmos bens, serviços ou direitos, no mercado brasileiro, durante o mesmo período, em

condições de pagamento semelhantes” e, na forma de seu § 3º, em sendo “verificado que o

preço de venda nas exportações é inferior ao limite de que trata este artigo, as receitas das

vendas nas exportações serão determinadas tomando-se por base o valor apurado segundo um

dos seguintes métodos”.

383 Idem. Ibidem. p. 113.384 Cf. Idem. Ibidem. p. 118.

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Os métodos a que se refere a lei são os seguintes: I - Método do Preço de Venda nas

Exportações – PVEx; II - Método do Preço de Venda por Atacado no País de Destino,

Diminuído do Lucro – PVA; III - Método do Preço de Venda a Varejo no País de Destino,

Diminuído do Lucro – PVV; e IV - Método do Custo de Aquisição ou de Produção mais

Tributos e Lucro – CAP. O mesmo artigo dispõe, em seu § 1º, que “caso a pessoa jurídica não

efetue operações de venda no mercado interno, a determinação dos preços médios a que se

refere o caput será efetuada com dados de outras empresas que pratiquem a venda de bens,

serviços ou direitos, idênticos ou similares, no mercado brasileiro”.

Para se estabelecer a comparabilidade, alguns ajustes são permitidos, conforme

preceitua o § 2º do art. 19 da Lei n.º 9.430/96:

“Art. 19 (...)

§ 2º. Para efeito de comparação, o preço de venda:

I - no mercado brasileiro, deverá ser considerado líquido dos descontos incondicionais concedidos, do imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços, do imposto sobre serviços e das contribuições para a seguridade social - COFINS e para o PIS/PASEP;

II - nas exportações, será tomado pelo valor depois de diminuído dos encargos de frete e seguro, cujo ônus tenha sido da empresa exportadora”.

Ao contrário do que determina em relação às operações passivas, em relação a estas

(ativas), o legislador não simplesmente estipula que, em sendo realizadas operações com

pessoa vinculada, os preços deverão ser considerados, para fins fiscais – de dedução das bases

de cálculo dos tributos incidentes sobre a renda / lucro – de acordo com aqueles apurados a

partir da aplicação de um ou outro método que especifica. Estipula, ao contrário, que, em

havendo divergência, observada uma margem de tolerância de 10%, entre o preço praticado

nas operações com parte vinculada e aquele praticado na venda dos mesmos bens, serviços ou

direitos, no mercado brasileiro, sem ainda estabelecer qualquer comparação com os métodos

que apresenta, então o preço deverá ser considerado, também para os mesmos fins fiscais, à

partir de um destes métodos que apresenta.

6.4.2.1. Do critério imposto pelo art. 19 da Lei n.º 9.430/96: inconstitucionalidade e

fuga do padrão arm’s length – Nota-se que em relação às operações ativas, o legislador

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determinou como parâmetro de comparação o mercado brasileiro, o que, conforme manifesta

Heleno Taveira TÔRRES, “é um non-sens, pois as relações de comparação com clientes

residentes pode destoar do que se perfaz com pessoas não residentes, quebrando-se o

princípio arm’s length”,385 em especial pelo critério das “condições de pagamento

semelhantes”, inatingível quando se trata de comparação entre operações de exportação e de

venda no mercado nacional, somente alcançável através da apuração do preço médio de

mercado internacional.

A necessidade de aplicação dos métodos parte, portanto, da constatação de que o

preço praticado em uma operação controlada não tenha satisfeito o padrão arm’s length,

tomado, de acordo com o que quis o legislador brasileiro, como o preço médio praticado na

venda dos mesmos bens, serviços ou direitos, pela mesma ou por outras empresas no mercado

brasileiro, durante o mesmo período, em condições de pagamento semelhantes.

Por outro lado, o legislador brasileiro impõe, desde que não satisfeita a aproximação

ao padrão arm’s length conforme acima considerado, a adequação do preço a um outro padrão

arm’s length, agora na forma dos requisitos presentes nos métodos que apresenta na lei.

O que, para nós, representa certa perplexidade: hora o legislador considera como

arm’s length o preço praticado entre o próprio exportador e outras empresas, localizadas no

território nacional; ou ainda o preço praticado por outras empresas, não necessariamente

exportadoras, na venda para outras empresas, todas localizadas em território nacional; hora

considera como arm’s lengh o preço apurado de acordo com (um dos) métodos que estipula.

385 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 242. O ilustre professor manifesta esta contingência da norma quando trata, em tópico específico, do método PVEx, nos levando a crer que a considera existente somente na hipótese de se optar pela aplicação deste método. Entendemos, contudo, que tal contingência se manifesta em todos os métodos aplicáveis às exportações, eis que se trata de condição presente na norma para que se evite sejam aplicados os métodos de controle. Assim, desde que “o preço médio de venda dos bens, serviços ou direitos, nas exportações efetuadas durante o respectivo período de apuração da base de cálculo do imposto de renda, for inferior a noventa por cento do preço médio praticado na venda dos mesmos bens, serviços ou direitos, no mercado brasileiro, durante o mesmo período, em condições de pagamento semelhantes”, conforme o caput do art. 19, observando-se que, conforme seu § 1º, “caso a pessoa jurídica não efetue operações de venda no mercado interno, a determinação dos preços médios a que se refere o caput será efetuada com dados de outras empresas que pratiquem a venda de bens, serviços ou direitos, idênticos ou similares, no mercado brasileiro”, aplica-se o § 3º, que dispõe que “as receitas das vendas nas exportações serão determinadas tomando-se por base o valor apurado segundo um dos seguintes métodos” (referindo-se aos quatro métodos disponíveis). Em outras palavras, se não satisfeita a condição prevista no caput ou § 1º do art. 19 da Lei n.º 9.430/96, deve ser a aplicação de um dos métodosprevistos em seu § 3º.

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Temos por evidente que a lei brasileira acabou por introduzir verdadeira afronta ao

princípio basilar dos preços de transferência, o arm’s length, em razão da ausência de

previsão consistente no que se refere a apuração do preço que o respeite. Isso porque, caso se

constate que o preço praticado em uma exportação é equivalente àquele apurado no mercado

nacional, considerados os ajustes em ambos, a lei estipula que não se faz necessária a

aplicação dos métodos de apuração, estes, por sua vez, verdadeiramente direcionados a

obtenção do preço arm’s length, se considerarmos que a expectativa internacional gira em

torno destes métodos, espelhados que estão naqueles sugeridos pela OCDE e utilizados pelos

Estados que possuem regras próprias de transfer princing e nos tratados internacionais.

Conforme preleciona Heleno Taveira TÔRRES,386 não há que se falar em

comparabilidade entre ambos dada a evidente existência do impacto do câmbio, da sujeição a

burocracia aduaneira, da existência de produtos de outras nacionalidades concorrentes,

inexistentes quando se fala em mercado exclusivamente interno. Deste modo, ainda que se

efetuados os ajustes, conforme previstos no § 2º do art. 19 da Lei n.º 9.430/96, os preços

apurados no mercado interno não serão arm’s length, mas uma ficção jurídica distorcida em

relação à realidade e inaptos a representar a efetiva capacidade contributiva da parte

submetida ao controle de preços.

Poder-se-ia encontrar uma identidade entre os preços praticados na exportação e

aqueles praticados no mercado nacional não fosse a limitação dos ajustes prevista no § 2º do

art. 19, que Agostinho Toffoli TAVOLARO387 entende ser ilegal, por não haver, na lei,

qualquer limitação aos ajustes a serem efetuados.

Conclui-se que o regramento de apuração do “preço parâmetro” introduzido pela Lei

n.º 9.430/96 (i) é inconstitucional, por induzir a um possível excesso de tributação, ferindo de

morte o princípio da capacidade contributiva e (ii) não busca efetivamente a apuração de um

preço arm’s length, tendo em vista que, satisfeita a primeira condição (de o preço praticado

estar conforme aquele que a lei impõe comparabilidade), não será necessária qualquer

retificação que seria impositiva caso se encontrasse alguma diferença em relação ao preço

encontrado de acordo com um dos métodos previstos como adequados para a apuração do

preço arm’s length.

386 Cf. Idem. Ibidem. p. 242.387 TAVOLARO, Agostinho Toffoli. Precios de transferencia. Consejo Profesional de Ciências Econômicas de la Capital Federal, Sexto Congreso Tributário. Trabajos de Investigación. t. I. p. 495.

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Tais desacertos do legislador nacional se tratam, em verdade, de limitação imposta

pelo legislador às alternativas para a apuração do parâmetro arm’s length, o que autoriza o

contribuinte prejudicado a discutir os critérios impostos, desviados que estão daquele

princípio.388

Sendo a comparabilidade um requisito para se apurar a adequação do preço

controlado ao preço parâmetro, o legislador infralegal, seguindo os passos das Guidelines da

OCDE, autoriza sejam efetuados determinados ajustes, para que se possa atingir grau de

comparabilidade suficiente. Tal prerrogativa encontra fundamento na própria norma legal que

regulamenta, que dispõe devam ser as operações comparáveis, e não idênticas.

A IN/SRF n.º 243/2002 apresenta quais os ajustes permitidos nos métodos, dispondo

em seu art. 15, que os valores dos bens, serviços ou direitos serão ajustados de forma a

minimizar os efeitos provocados sobre os preços a serem comparados, por diferenças nas

condições de negócio, de natureza física e de conteúdo.

Tais ajustes, de acordo com este dispositivo, quando objeto de controle bens,

serviços e direitos idênticos, devem estar relacionados com (i) prazos de pagamento,

observando-se a taxa de juros normalmente aplicada pela empresa vendedora ou, na falta ou

impossibilidade de seu conhecimento, Selic ou Libor + 3%; (ii) quantidades negociadas,

devendo os ajustes ser efetuados com base em documentos de emissão da empresa vendedora,

que demonstrem a prática de preços menores quanto maiores as quantidades adquiridas por

um mesmo comprador; (iii) obrigação por garantia de funcionamento do bem ou da

aplicabilidade do serviço ou direito, devendo o valor integrante do preço, a esse título, não

exceder o resultante da divisão do total dos gastos efetuados, no período de apuração anterior,

pela quantidade de bens, serviços ou direitos, com garantia em vigor, no mercado nacional,

durante o mesmo período; (iv) obrigação pela promoção, junto ao público, do bem, serviço ou

direito, por meio de propaganda e publicidade; (v) obrigação pelos custos de fiscalização de

qualidade, do padrão dos serviços e das condições de higiene; (vi) custos de intermediação,

nas operações de compra e venda, praticadas pelas empresas não vinculadas, consideradas

para efeito de comparação dos preços; (vii) acondicionamento; (viii) frete e seguro; e (ix)

riscos de crédito.

388 Neste sentido, SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 79. BARRETO, Paulo Ayres. Imposto sobre a renda e preços de transferência. p. 117.

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O art. 17 daquela norma complementar determina ainda que os preços deverão ser

ajustados em função das diferenças de natureza física e de conteúdo, devendo ser

considerados, para tanto, os custos relativos à produção do bem, à execução do serviço ou à

constituição do direito, exclusivamente nas partes que corresponderem às diferenças entre os

modelos objeto da comparação.

Observa-se, ainda, que a norma complementar inova em relação a lei que

regulamenta, ao dispor que, não sendo possível identificar operações de compra e venda no

mesmo período a que se referirem os preços objeto de controle, a comparação poderá ser feita

com preços praticados em operações efetuadas em períodos anteriores ou posteriores, desde

que ajustados por eventuais variações nas taxas de câmbio das moedas de referência,

ocorridas entre a data de uma e de outra operação. Tal prerrogativa não consta originalmente

da lei, que é omissa neste sentido.389

Vejamos os métodos previstos na lei que, a nosso ver, estão, todos, sujeitos às

considerações acima expostas.

6.4.2.2. Preço de Venda nas Exportações (PVEx) – É definido como a média

aritmética dos preços de venda nas exportações efetuadas pela própria empresa, para outros

clientes, ou por outra exportadora nacional de bens, serviços ou direitos, idênticos ou

similares, durante o mesmo período de apuração da base de cálculo do imposto de renda e em

condições de pagamento semelhantes.

A norma complementar regulamentadora limitou-se, e é o quanto basta, a dispor

que, para efeito deste método, serão consideradas apenas as vendas para outros clientes não

vinculados à empresa no Brasil e que se aplicam aos preços a serem utilizados como

parâmetro por este método, os ajustes a que nos referimos anteriormente, relacionados a

obtenção da comparabilidade entre o preço controlado e aquele praticado no mercado

nacional a servir de parâmetro, conforme, respectivamente, os §§ 1º e 2º do art. 23 da IN/SRF

n.º 243/2002.

389 Apesar de ter sido determinado, conforme o caput do art. 19 da Lei n.º 9.430/96, que a comparação deverá ser efetuada em relação a operações realizadas no mesmo período.

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6.4.2.3. Preço de Venda por Atacado no País de Destino, Diminuído do Lucro

(PVA) – É definido como a média aritmética dos preços de venda de bens, idênticos ou

similares, praticados no mercado atacadista do país de destino, em condições de pagamento

semelhantes, diminuídos dos tributos incluídos no preço, cobrados no referido país, e de

margem de lucro de quinze por cento sobre o preço de venda no atacado.

Dada a falta de precisão da lei em relação a alguns aspectos, novamente o legislador

infralegal contribuiu para o esclarecimento necessário. Na forma do § 1º do art. 24 da IN/SRF

n.º 243/2001, ficou estipulado que se consideram “tributos incluídos no preço”, aqueles que

guardem semelhança com o ICMS e o ISS e com as contribuições Cofins e PIS/Pasep.

Estipulou, também no mesmo artigo, agora em seu § 2º, que “a margem de lucro a

que se refere este artigo será aplicada sobre o preço bruto de venda no atacado”, finalizando,

em seu § 3º, que se aplicam-se aos preços a serem utilizados como parâmetro por este método,

os ajustes a que nos referimos anteriormente, relacionados a obtenção da comparabilidade

entre o preço controlado e aquele praticado no mercado nacional a servir de parâmetro.

6.4.2.4. Preço de Venda a Varejo no País de Destino, Diminuído do Lucro (PVV) –

É definido como a média aritmética dos preços de venda de bens, idênticos ou similares,

praticados no mercado varejista do país de destino, em condições de pagamento semelhantes,

diminuídos dos tributos incluídos no preço, cobrados no referido país, e de margem de lucro

de trinta por cento sobre o preço de venda no varejo.

As considerações feitas ao método PVA são plenamente aplicáveis a este, eis que

somente diferem em relação ao formato da negociação dos bens no mercado do país de

destino: naquele método, no atacado; neste, no varejo.

6.4.2.5. Custo de Aquisição ou de Produção mais Tributos e Lucro (CAP) – É

definido como a média aritmética dos custos de aquisição ou de produção dos bens, serviços

ou direitos, exportados, acrescidos dos impostos e contribuições cobrados no Brasil e de

margem de lucro de quinze por cento sobre a soma dos custos mais impostos e contribuições.

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A exemplo dos demais métodos, dada a falta de precisão da lei em relação a alguns

aspectos, novamente o legislador infralegal se fez indispensável para contribuir para os

esclarecimento necessários à aplicação deste método.

Conforme o § 1º do art. 26 da IN/SRF n.º 243/2006, fica definido que integram o

custo de aquisição, os valores de frete e seguro pagos pela empresa adquirente, relativamente

aos bens, serviços e direitos exportados. Na forma de seu § 2º, dispõe que será excluída dos

custos de aquisição e de produção a parcela do crédito presumido do IPI, como ressarcimento

das contribuições Cofins e PIS/Pasep, correspondente aos bens exportados. O § 3º,

finalmente, determina que a margem de lucro de que trata o método CAP será aplicada sobre

o valor que restar após excluída a parcela do crédito presumido a que se refere o § 2º,

anteriormente referido

No contexto do § 4º, a instrução normativa traz uma inovação à aplicação do

método, tomando por base a expectativa de sua aplicação, também, quando tratar-se de

interposta pessoa, o que, para nós, em linha com o que entende Heleno Taveira TÔRRES,390 é

um alargamento do âmbito subjetivo de fiscalização e controle plenamente aceitável. Referido

§ 4º dispõe que “o preço determinado por este método, relativamente às exportações diretas

efetuadas pela própria empresa produtora, poderá ser considerado parâmetro para o preço

praticado nas exportações efetuadas pela empresa, por intermédio de empresa comercial

exportadora, não devendo ser considerado o novo acréscimo a título de margem de lucro da

empresa comercial exportadora”.

6.4.3. Das características gerais dos métodos aplicáveis às operações passivas

(importações) e operações ativas (exportações)

Diversas disposições constantes das normas complementares que regulamentam a

norma primária geral e abstrata que estabelece os deveres instrumentais necessários para o

controle dos preços de transferência são aplicáveis tanto às importações quanto às

exportações. Vejamos quais são, em breve síntese.

390 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 175.

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6.4.3.1. Apuração dos custos e preços médios – Alguns dos métodos, para serem

aplicados, exigem a apresentação de informações, seja de parte do contribuinte, seja do Fisco,

através de documentos produzidos por terceiros. Tal imposição aparece no art. 21 da Lei n.º

9.430/96, atualmente regulamentado na forma do art. 29 da IN/SRF n.º 243/2002, e, como

observam Luís Eduardo SCHOUERI391 e Heleno Taveira TÔRRES,392 a atuação de terceiros

na produção das informações não é mera faculdade, mas uma exigência da lei.

O dispositivo legal possui a seguinte redação:

“Art. 21. Os custos e preços médios a que se referem os arts. 18 e 19 deverão ser apurados com base em:

I - publicações ou relatórios oficiais do governo do país do comprador ou vendedor ou declaração da autoridade fiscal desse mesmo país, quando com ele o Brasil mantiver acordo para evitar a bitributação ou para intercâmbio de informações;

II - pesquisas efetuadas por empresa ou instituição de notório conhecimento técnico ou publicações técnicas, em que se especifiquem o setor, o período, as empresas pesquisadas e a margem encontrada, bem como identifiquem, por empresa, os dados coletados e trabalhados.

§ 1º As publicações, as pesquisas e os relatórios oficiais a que se refere este artigo somente serão admitidos como prova se houverem sido realizados com observância de métodos de avaliação internacionalmente adotados e se referirem a período contemporâneo com o de apuração da base de cálculo do imposto de renda da empresa brasileira.

(...)

§ 3º As publicações técnicas, as pesquisas e os relatórios a que se refere este artigo poderão ser desqualificados mediante ato do Secretário da Receita Federal, quando considerados inidôneos ou inconsistentes”.

Importante observação faz Luís Eduardo SCHOUERI393 em relação às declarações

das autoridades fiscais previstas no inc. I do art. 21 da Lei n.º 9.430/96, se poderiam ou não

ser obtidas pelos contribuintes ou somente pelo Fisco.

Considerando que tal regra tem como condicionante a existência de “acordo para

evitar a bitributação ou para intercâmbio de informações” firmado entre os Estados em que

possuem residências as partes vinculadas, o autor entende que o legislador deve ter cogitado

391 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 63.392 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 263.393 SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 65.

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dos acordos que possuam cláusula equivalente a do art. 26 do Modelo OCDE,394 o que

poderia inibir a aceitação, pelas autoridades de um dos Estados contratantes, de documentos

solicitados pelos particulares às autoridades fiscais do outro Estado, por a convenção-modelo

apenas versar sobre a troca de informações entre autoridades e não entre particular e

autoridade.

O autor esclarece que, por o texto da lei não exigir que as informações se obtenham

na forma do acordo, mas apenas determinar que haja um acordo para evitar a tributação ou

para intercambio de informações entre os Estados envolvidos na troca de informações, é

plenamente aceitável que o próprio contribuinte obtenha os documentos e sejam estes

utilizados como prova para a apuração dos preços e custos médios. É valido, portanto,

qualquer declaração firmada pela Autoridade Fiscal, desde que seja, esta, pertencente a uma

jurisdição com a qual o Brasil mantenha acordo internacional firmado para evitar a

bitributação ou para troca de informações.

Já as publicações, as pesquisas e os relatórios oficiais a que se refere o artigo de lei

encontram um condicionante para serem aceitos: somente serão admitidos como prova se

houverem sido realizados com observância de métodos de avaliação internacionalmente

adotados e se referirem a período contemporâneo com o de apuração da base de cálculo do

imposto de renda da empresa brasileira. Poderão, ainda, ser desqualificados mediante ato do

Secretário da Receita Federal, quando considerados inidôneos ou inconsistentes.

Primeiramente, vemos que tais imposições apenas se aplicam sobre as publicações,

as pesquisas e os relatórios preparados por empresa ou instituição de notório conhecimento

técnico ou pelas autoridades, eis que nada dispõe a lei quanto à sua aplicação sobre as

394 Conforme a redação constante do Decreto 85.051/80, que promulga a Convenção entre a República Federativa do Brasil e o Grão-Ducado de Luxemburgo para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre a Renda e o Capital (em que consta como art. 27 e não 26, como no original do Modelo OCDE), podemos traduzir o dispositivo da seguinte forma: “Troca de informações - 1. As autoridades competentes dos Estados Contratantes trocarão entre si as informações necessárias para aplicar as disposições da presente Convenção e as das leis internas dos Estados Contratantes relativas aos impostos que são objeto da Convenção, na medida em que a tributação nelas prevista for conforme com a Convenção. Todas as informações deste modo trocadas serão consideradas secretas e só poderão ser comunicadas às pessoas ou autoridades encarregadas do lançamento ou cobrança dos impostos que são objeto da presente Convenção; 2. O disposto no parágrafo 1 não poderá, em caso algum, ser interpretado no sentido de impor a um dos Estados Contratantes a obrigação: a) de tomar medidas administrativas contrárias à sua legislação ou à sua prática administrativa ou à outro Estado Contratante; b) de fornecer informações que não poderiam ser obtidas com base na sua própria legislação ou no âmbito da sua prática administrativa normal ou das do outro Estado Contratante; c) de transmitir informações reveladoras de um segredo comercial, industrial, profissional ou de um processo comercial ou informações cuja comunicação seria contrária à ordem pública”.

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declarações elaboradas pelas mesmas autoridades, tenham sido elas solicitadas e obtidas tanto

pelo contribuinte quanto pela autoridade fiscal do Estado que esteja submetendo os métodos

de controle.

A doutrina brasileira vem observando que os conceitos de empresa ou instituição de

notório conhecimento técnico ou publicações técnicas, métodos de avaliação

internacionalmente adotados, e a qualificação de inidôneos ou inconsistentes que pode ser

dada aos documentos é vago ou ambíguo.

Luís Eduardo SCHOUERI395 entende que, em decorrência deste dispositivo, haveria

ampla liberdade na adoção do método de avaliação que se entendesse como o mais adequado.

O Prof. Heleno Taveira TÔRRES,396 por sua vez, defende a utilização dos métodos com base

em princípios internacionais de avaliação identificados por instituições internacionais (p.e., a

OMC), sobre os quais existe, inclusive, uma convenção internacional, não assinada pelo

Brasil, mas que por si só demonstra a existência de um padrão mundial e, neste sentido, pode

ser invocado como apto para que se dê efetivo cumprimento à regra impositiva brasileira.

No que concerne à possibilidade de os documentos serem desqualificados por ato do

Secretário da Receita Federal, existe absurda vaguidade no conceito, permitindo-se inclusive

o arbítrio, já que a legislação não veio qualificar o que se poderia entender por inidoneidade e

inconsistência atribuíveis aos documentos.

O mesmo há que se dizer em relação a se uma empresa ou instituição dispõe ou não

de notório conhecimento técnico. Novamente, neste caso, pode agir o livre arbítrio da

Autoridade Fiscal, o que eventualmente ocasionará a não aceitação da pesquisa e

consequentemente o arbitramento da receita tributável pela Receita Federal.397

Em todos os casos, há que ser sempre invocado em favor do contribuinte o direito a

ampla defesa e ao contraditório, previstos no art. 5º, LV da Constituição Federal, que consiste

395 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 65.396 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 268.397 Neste sentido, o Ato Declaratório Executivo SRF n.º 37, de 26 de julho de 2002, que procede à desqualificação de pesquisa técnica apresentada nos termos do art. 21 da Lei n.º 9.430/96, na forma de seu art. 1º: “Fica desqualificada a pesquisa técnica realizada pela empresa Price Waterhouse Coopers, apresentada pela pessoa jurídica Janssen–Cilag Farmacêutica Ltda., inscrita no CNPJ/MF n.º 51.780.468/0001-87” (DOU de 29.7.2002).

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na única possibilidade de o contribuinte vir a contestar eventual discricionariedade ou arbítrio

praticado pela Autoridade que possa vir a lhe prejudicar, atentando contra outro princípio que

lhe é assegurado, qual seja, o da capacidade contributiva, na medida em que a desqualificação

do documento, ainda que idôneo e representando efetivamente o preço arm’s length, para o

contribuinte e não para o fisco, autorizará este último a adotar outro método, nem sempre

hábil a determinar a efetiva base tributável, ou ainda, o arbitramento previsto no art. 148 do

CTN.

Neste sentido, Heleno Taveira TÔRRES ressalta que “em uma ou em outra

oportunidade, deverá o secretário da Receita Federal agir utilizando-se de ato plenamente

motivado e fundamentado, como forma de garantia dos direitos do contribuinte, permitindo

sempre o contraditório e ampla defesa no respectivo procedimento”.398

Tal argumento encontra pleno respaldo no art. 148 do CTN, que determina que

“quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de

bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular,

arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações

ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo

terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória,

administrativa ou judicial”.

Já em virtude deste dispositivo, vemos como possível para o contribuinte dispor de

todos os meios de prova admitidos para contestar o lançamento efetuado pela autoridade

fiscal, não havendo que se falar, outrossim, na limitação deste direito pela Lei n.º 9.430/96.

Primeiramente porque, conforme observa Heleno Taveira TÔRRES, não poderia

mera lei ordinária tratar de “lançamento tributário”, matéria exclusiva de lei complementar,

conforme previsto no art. 146 da Constituição Federal. Em sendo o arbitramento uma forma

de lançamento tributário, qualquer regramento a ele aplicável deve vir na forma de lei

complementar e, tendo sido o CTN recepcionado como lei complementar pela Constituição de

1988, as regras nele dispostas deverão prevalecer.

398 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 272.

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De outra forma, ainda se considerando haver uma imposição na Lei n.º 9.430/96 no

sentido de restringir o direito do contribuinte, enquanto permita a existência de um ato

discricionário ou arbitrário por parte do Fisco que venha a ocasionar o arbitramento, esta não

poderia vir a prejudicar o direito do contribuinte de produzir e apresentar todas as provas em

direito admitidas para comprovar os preços e custos médios apurados conforme, inclusive, os

documentos inicialmente desqualificados pela autoridade.

Isso porque se tratam de momentos distintos: o primeiro, regulado pela Lei n.º

9.430/96, em que documentos comprobatórios poderão servir de prova suficiente dos custos e

preços médios para a comprovação do princípio arm’s length, que podem ser desqualificados

pelo Secretário da Receita Federal e, em decorrência, ser realizado o arbitramento do lucro da

pessoa jurídica; o segundo, em que, uma vez realizado o arbitramento, deverá ser permitido ao

contribuinte o exercício do contraditório e da ampla defesa, em que serão fornecidas todas as

provas necessárias e suficientes para, agora, “desqualificar” o arbitramento feito pela Receita

Federal.

Em se considerando esta interpretação sistemática, combinando-se o art. 21, § 3º da

Lei n.º 9.430/96 com o art. 148 in fine do CTN, é perfeitamente válida a norma jurídica

perante nosso sistema constitucional tributário.

Observa-se, finalmente, que a instrução normativa que regulamenta a Lei n.º

9.430/96 apresenta relação de documentos que se consideram adequados como meio de prova

dos preços e custos médios. Dispõe o § 2º do art. 29 da IN/SRF n.º 243/2002:

“Art. 29. Além dos documentos emitidos normalmente pelas empresas, nas operações de compra e venda, a comprovação dos preços a que se refere esta Instrução Normativa poderá ser efetuada, também, com base em:

(...)

§ 2º Consideram-se adequadas a surtir efeito probatório as publicações de preços decorrentes:

I - de cotações de bolsas de valores de âmbito nacional;

II - de cotações de bolsas reconhecidas internacionalmente, a exemplo da de Londres, na Inglaterra, e da de Chicago, nos Estados Unidos da América;

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III - pesquisas efetuadas sob a responsabilidade de organismos internacionais, a exemplo da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da Organização Mundial de Comércio (OMC)”.

O § 3º do mesmo artigo vem permitir a possibilidade de serem utilizados períodos

diferentes daquele a que se referir o preço praticado pela empresa, determinando, entretanto,

que o valor apurado será ajustado em função de eventual variação na taxa de câmbio da

moeda de referência, ocorrida entre os dois períodos.

O primeiro dos dispositivos citados tem o condão, unicamente, de servir como

sugestão, por não poder enfrentar a lei que regulamenta pretendendo arrolar os únicos

documentos passíveis de aceitação, pois se assim não fez a lei, não caberia ao mero

instrumento regulamentar fazê-lo.

O segundo, por sua vez, trata-se de inovação benéfica ao contribuinte, libertando-o

do risco de ser submetido ao regime de arbitramento caso não encontre elementos de pesquisa

suficientes para a necessária comprovação dos custos e preços médios no mesmo período

daquele a que se referir ao preço por ele praticado, condicionando, somente, aos ajustes

necessários no câmbio em decorrência da variação ocorrida entre os períodos considerados.

Há que se observar que, em todos os casos, estamos diante de provas, usadas ora

pelo contribuinte, ora pelo Fisco, objetivando a demonstração dos elementos utilizados para

obter os valores de preços ou custos médios na aplicação do método de apuração do preço

arm’s length.

Trata-se de um dos fatos que devem ser construídos e que servirão para a aplicação

do ajuste na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, fato este que depende da linguagem

competente para que se considere como jurídico, o que somente será possível através das

provas em direito admitidas.

Dardo SCAVINO399 nos ensina que um fato não prova nada, simplesmente porque

os fatos não falam, se obstinam em um silêncio absoluto do qual uma interpretação sempre

deve resgatá-los. É o interprete que prova, que se vale da interpretação de um fato para

demonstrar uma teoria.

399 SCAVINO, Dado. Filosofia actual: pensar sin certezas. p. 39.

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Neste sentido, é imprescindível que um evento seja relatado pela linguagem

competente para se tornar um fato jurídico, ou seja, pela linguagem das provas em direito

admitidas.

O evento se esvai no tempo, sendo possível alcançá-lo somente através das marcas e

vestígios que deixa. Mas nem sempre esta tarefa apresenta-se fácil, tendo em vista que os

indícios nem sempre são suficientes para justificar a ocorrência de um evento. Diante disso, o

legislador opta por introduzir no sistema jurídico um enunciado prescritivo que encerra uma

presunção, determinando o quanto basta para que um evento pode ser transformado, pela

linguagem, em fato jurídico.

Tratam-se, pois, das presunções legais, que servirão para constituir um fato jurídico

que deverá corresponder ao evento, podendo, no entanto, a ele não corresponder. Neste caso,

estaremos diante de uma ficção em sentido lato, correspondente a uma realidade jurídica que

não encontra precedente na realidade social. A contrapartida é a ficção jurídica em sentido

estrito, que é aquela em que o fato jurídico é construído com base em características previstas

em um enunciado legal, mas que não correspondem necessariamente a um evento,

independentemente de provas.

As presunções legais, por sua vez, podem ser divididas em presunções relativas e

absolutas, as primeiras sujeitas a contra-prova da existência do fato jurídico presumido e as

segundas não, encerrando uma presunção juris et de jure, em que não se admite prova em

contrário (ainda que ela seja produzida).

Maria Rita FERRAGUT apresenta, com propriedade, o conceito de presunção legal

relativa, retomando-se, aqui, a questão das presunções, já anteriormente ventilado neste

trabalho:

“As presunções legais relativas caracterizam-se, basicamente, por (a) estarem sempre contidas numa proposição geral e abstrata; (b) poderem também ser uma proposição individual e concreta quando do ato de aplicação do direito; (c) serem meios indiretos de prova; (d) serem compostas por um fato indiciário que implique juridicamente a existência de um outro fato, indiciado; (e) contemplarem uma probabilidade de ocorrência do evento descrito no fato; (f) poderem prever a riqueza da base calculada, quando utilizadas com fundamento no princípio da praticabilidade, e não em decorrência de ilícitos praticados pelo contribuinte; (g) dispensarem o sujeito que tem a presunção a seu favor do dever de provar a ocorrência do evento descrito no fato indiciado, mas não de provar o fato indiciário e

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(h) admitirem prova a favor de outros indícios, e em contrário ao fato indiciário, à relação de implicação e ao fato indiciado”.400

O conhecimento do fato jurídico se dá, neste sentido, por meio da relação jurídica de

implicação que existe entre os indícios e o fato indiciado, superando-se a impossibilidade ou

as dificuldades existentes para se provar fatos mediante provas diretas ou ainda para se evitar

fraudes à lei. A subsidiariedade deste tipo de prova é mantida, vez que ao contribuinte é

facultado o exercício do direito de produzir provas em contrário.

Na teoria de Maria Rita FERRAGUT encontramos, também, a presunção legal

qualificada, que, ao contrário da relativa, que permite ampla dilação probatória, e da absoluta,

que veda qualquer espécie de prova em sentido contrário, permite “apenas certas provas em

contrário ao fato indiciário, à relação de implicação e ao fato indiciado”.401

No que se refere às presunções legais absolutas, se confrontarmos seu conceito com

o primado da ampla defesa e do contraditório previsto no art. 5º, LV, da Constituição Federal,

imediatamente as temos por inconstitucionais, por se tratar de mandamento que deve ser

acatado, desprezando-se quaisquer provas produzidas em sentido contrário. Ao que a autora

chama de “verdades legais”, já que o direito reconhece como ocorrido algo (um suposto

evento) que sequer pode ter tido existência, inclusive se assim for provado.

Podem-se admitir, no entanto, as presunções absolutas quando, facultado ao

contribuinte o exercício do direito de produzir provas ou sendo-lhe permitida a elisão

daquelas produzidas pelo Fisco, ou tomadas juris tantum, este se omitir, passando o Fisco a

proceder o uso do instituto do arbitramento para satisfazer seu anseio arrecadatório.

Deste modo, considerando a classificação sugerida pela ilustre doutora, parece-nos

adequado tratar como presunções relativas os dados obtidos através dos métodos de apuração

dos custos e preços médios, na medida em que, em que pese a legislação brasileira permitir

como provas somente aqueles documentos obtidos na forma do que previsto no art. 21 da Lei

n.º 9.430/96 e no § 2º do art. 29 da IN/SRF n.º 243/2002, em havendo sua desqualificação

pela Autoridade Fiscal, deverá ser concedido ao contribuinte o direito à ampla defesa e ao

contraditório, a ser exercido contra o arbitramento que seja feito pela mesma autoridade,

400 FERRAGUT, Maria Rita. Presunções no direito tributário. p. 78.401 Idem. Ibidem. p. 82.

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permitindo-lhe assim comprovar que tais dados oferecidos como aptos a demonstrar o preço

arm’s length eram (e continuam sendo) plenamente válidos.

Alberto XAVIER nos traz importante conclusão a respeito desta questão:

“É certo que o § 2º do art. 21 da Lei n.º 9.430/96 estabelece uma presunção legal relativa ao dispor que ‘admitir-se-ão margens de lucro diversas das estabelecidas nos arts. 18 e 19, desde que o contribuinte as comprove, com base em publicações, pesquisas ou relatórios elaborados de conformidade com o disposto neste artigo’.

Todavia, o direito à prova pelo contribuinte não deve restringir-se a esse elemento componente do preço (margem de lucro), mas abranger todos os elementos relevantes para o caso concreto”.402

De modo que, em se tratando de presunção relativa, ao contribuinte nunca se deve

negar o direito de comprovar que o preço praticado se reveste de caráter objetivo naquele caso

submetido ao controle, em que pese a lei, através de presunções legais, apresentar métodos

legítimos para a determinação do preço que servirá para a comparação com aquele praticado.

6.4.3.2. Da possibilidade de alterações nos percentuais previstos no art. 18 e no

caput do art. 19 da Lei n.º 9.430/96 e nos métodos de ajuste previstos em seus itens II a IV do

§ 3º – O estabelecimento de margens de modo relativo pelo legislador tem, a nosso ver,

intuito de permitir alcançar de forma mais consistente o padrão arm’s length, eis que, em se

considerando imutáveis as margens pré-estabelecidas, as modificações nos padrões de

mercado certamente poderiam acarretar uma infinidade de desacertos em relação aos preços

praticados e submetidos a controle, tanto em prejuízo do contribuinte quanto em seu

benefício.

Caso nos deparássemos com margens absolutas, certamente nos depararíamos

também com rendas fictícias, o que poderia destoar do conceito constitucional de renda como

acréscimo patrimonial, e bem assim o princípio da capacidade contributiva.

As alterações poderão ser efetuadas pelo Ministro de Estado, conforme preceitua o

art. 20 da Lei n.º 9.430/96, mas também poderão ser pleiteadas pelo contribuinte, desde que as

402 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Tributação das operações internacionais, p. 318.

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comprove, com base em publicações, pesquisas ou relatórios, conforme o § 2º do art. 21 da

mesma lei.

Esta possibilidade de alteração não é arbitrária, eis que deve seguir determinadas

regras dispostas em normas complementares. Não se trata, portanto, de uma “norma tributária

em branco”,403 devendo ser efetivada desde que se identifique que os percentuais já não mais

estão prestando para a realização do princípio arm’s length.404

A Lei n.º 9.430/96 admite como instrumento de prova para se alterar os percentuais

visando sua adequação ao princípio arm’s length aqueles mesmos documentos que são aceitos

como prova para a apuração dos custos médios que serão utilizados na análise de

comparabilidade, conforme os incisos de seu art. 21, verbis:

“I - publicações ou relatórios oficiais do governo do país do comprador ou vendedor ou declaração da autoridade fiscal desse mesmo país, quando com ele o Brasil mantiver acordo para evitar a bitributação ou para intercâmbio de informações;

II - pesquisas efetuadas por empresa ou instituição de notório conhecimento técnico ou publicações técnicas, em que se especifiquem o setor, o período, as empresas pesquisadas e a margem encontrada, bem como identifiquem, por empresa, os dados coletados e trabalhados”.

No mais, a própria lei estabelece que as pesquisas e os relatórios oficiais devem ser

realizados com observância de métodos de avaliação internacionalmente adotados e se

referirem a período contemporâneo com o de apuração da base de cálculo do imposto de

renda da empresa brasileira, bem como poderão ser desqualificados mediante ato do

Secretário da Receita Federal, quando considerados inidôneos ou inconsistentes.

Em relação à alteração de percentuais, a IN/SRF n.º 243/2002 traz sua

regulamentação nos arts. 32 e 33 no que se refere àquelas solicitadas pelo Ministro de Estado

e no art. 34 àquelas de iniciativa do contribuinte.

Heleno Taveira TÔRRES405 sublinha que a Portaria do Ministério da Fazenda 95, de

30 de abril de 1997, ao contrário do que dispõe a lei, não traz expressamente a admissão do

403 Neste sentido, TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 291.404 Neste sentido, SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 71.405 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 294.

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uso das publicações, pesquisas e relatórios acima referidos como parâmetros para a

modificação das margens, no que incorreria em evidente afronta ao principio da legalidade,

eis que não são admitidos, em nosso sistema, espécies de “regulamento autônomo” com

pretensão de inovar na ordem jurídica.

Já as instruções normativas que vieram regulamentar a Lei n.º 9.430/96, quais sejam

a IN/SRF n.º 38/97, a IN/SRF n.º 32/01 e finalmente a IN/SRF n.º 243/02, em que pesem

trazerem expressamente a possibilidade do uso destas publicações, inovaram na relação dos

documentos necessários para a produção de provas destinada a instruir o procedimento de

solicitação de alteração dos percentuais efetuados por entidades de classe ou por empresa.

Neste sentido, conclui o ilustre professor, juntamente com Ana Claudia Akie

UTUMI, referindo-se à Portaria 95/97, entendimento extensível às instruções normativas

citadas:

“Este tipo de ampliação dos recursos probatórios, naquilo que não for mais benéfico ao contribuinte, é de todo inaceitável, prevalecendo o disposto no artigo 21, porquanto a Portaria 95/97, nesse particular, superou a própria previsão legal quanto à sua finalidade, criando novos critérios de prova. É vitanda a inconstitucionalidade. Sim, porque tanto pode implicar redução dos elementos dedutíveis (nas importações), como um aumento fictício dos ganhos (nas exportações), mas sempre incorrendo num alargamento indevido da base de cálculo do imposto sobre a renda, sem cominação legal própria”.

406

De suma importância a exposição da relação dos documentos que são aceitos na

produção de provas destinada a instruir o procedimento de solicitação de alteração dos

percentuais efetuados por entidades de classe ou por empresa, para fundamentar este

entendimento.

Conforme a Portaria 95/97 e o art. 34 da IN/SRF n.º 243/2002, são os seguintes os

documentos: “I - demonstrativo dos custos de produção dos bens, serviços ou direitos,

emitidos pela empresa fornecedora, domiciliada no exterior; II - demonstrativo do total anual

das compras e vendas, por tipo de bem, serviço ou direito, objeto da solicitação; III -

demonstrativo dos valores pagos a título de frete e seguros, relativamente aos bens, serviços

406 TÔRRES, Heleno Taveira. UTUMI, Ana Claudia Akie. O controle fiscal dos preços de transferência e os meios de prova admitidos para a definição de preços e custos médios. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 195. No mesmo sentido, SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 70.

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ou direitos; IV - demonstrativo da parcela do crédito presumido do IPI, como ressarcimento

das contribuições PIS/Pasep e Cofins, correspondente aos bens objeto da solicitação”.

Estes demonstrativos, por sua vez, deverão ser corroborados com os seguintes

documentos, conforme determina o § 1º do mesmo artigo da IN/SRF n.º 243/02: “I - cópia dos

documentos de compra dos bens, serviços ou direitos e dos demais documentos de pagamento

dos impostos incidentes na importação e outros encargos computáveis como custo, relativos

ao ano-calendário anterior; II - cópia dos documentos de pagamento dos impostos e taxas

incidentes na exportação, cobrados no país exportador; III - cópia de documentos fiscais de

venda emitidos no último ano-calendário, nas operações entre a empresa vinculada,

domiciliada no exterior, e as empresas atacadistas, não vinculadas, distribuidoras dos bens,

serviços ou direitos, objeto da solicitação; IV - cópia de documentos fiscais de venda a

consumidores, emitidos por empresas varejistas, localizadas nos países de destino dos bens,

serviços ou direitos, com indicação do respectivo preço cobrado”.

O mesmo artigo ainda dispõe, por seu § 3º, que os documentos referidos no art. 29

da mesma instrução normativa poderão instruir o processo de solicitação de alteração de

percentuais, que correspondem aos mesmos previstos no rol do art. 21 da Lei n.º 9.430/96,

quais sejam: “I - publicações ou relatórios oficiais do governo do país do comprador ou

vendedor ou declaração da autoridade fiscal desse mesmo país, quando com ele o Brasil

mantiver acordo para evitar a bitributação ou para intercâmbio de informações; II - pesquisas

efetuadas por empresa ou instituição de notório conhecimento técnico ou publicações

técnicas, onde se especifique o setor, o período, as empresas pesquisadas e a margem

encontrada, bem assim identifique, por empresa, os dados coletados e trabalhados”. Neste

aspecto, plenamente válida a instrução normativa, em prejuízo da ausência de dispositivo

neste sentido na Portaria 95/97.

Em relação a este aspecto, estamos com o ilustre Professor, devendo prevalecer o

quanto disposto na lei e não na instrução normativa que a regula, tampouco na portaria.

Recentemente, em relação às margens parametrizadas na Lei n.º 9.430/96

disponíveis para utilização nos métodos aplicáveis às exportações, a Lei n.º 11.196, de 21 de

novembro de 2005, trouxe, por seu art. 36, a seguinte disposição, em linha com o que já

estipulado no art. 20 da primeira lei.

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O art. 20 da Lei n.º 9.430/96 dispõe:

“Art. 20. Em circunstâncias especiais, o Ministro de Estado da Fazenda poderá alterar os percentuais de que tratam os arts. 18 e 19, caput, e incisos II, III e IV de seu § 3º”.

A disposição constante da lei recentemente editada preceitua:

“Art. 36. Fica o Ministro da Fazenda autorizado a instituir, por prazo certo, mecanismo de ajuste para fins de determinação de preços de transferência, relativamente ao que dispõe o caput do art. 19 da Lei n.º no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, bem como aos métodos de cálculo que especificar, aplicáveis à exportação, de forma a reduzir impactos relativos à apreciação da moeda nacional em relação a outras moedas.

Parágrafo único. O Secretário-Geral da Receita Federal do Brasil poderá determinar a aplicação do mecanismo de ajuste de que trata o caput deste artigo às hipóteses referidas no art. 45 da Lei n.º 10.833, de 29 de dezembro de 2003”.

Por sua vez, a previsão do art. 45 da Lei n.º 10.833/2003 é a seguinte:

“Art. 45. A Secretaria da Receita Federal poderá estabelecer normas, tendo em vista condições especiais de rentabilidade e representatividade de operações da pessoa jurídica, disciplinando a forma de simplificação da apuração dos métodos de preço de transferência de que trata o art. 19 da Lei n.º no 9.430, de 27 de dezembro de 1996.

§ 1º O disposto no caput não se aplica em relação às vendas efetuadas para empresa, vinculada ou não, domiciliada em país ou dependência com tributação favorecida, ou cuja legislação interna oponha sigilo, conforme definido no art. 24 da Lei n.º9.430, de 27 de dezembro de 1996, e art. 4º da Lei n.º 10.451, de 10 de maio de 2002.

§ 2º A autorização de que trata o caput se aplica também na fixação de percentual de margem de divergência máxima entre o preço ajustado, a ser utilizado como parâmetro, de acordo com os métodos previstos nos arts. 18 e 19 da Lei n.º 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e o daquele constante na documentação de importação e exportação”.

Conforme manifesta Luís Eduardo SCHOUERI, “as margens fixas não prevalecem

diante do princípio arm’s length, sendo lícito, tanto ao contribuinte como ao Fisco, proceder à

análise comparativa demonstrativa da existência de outros percentuais”,407 apontando haver,

no caso específico das exportações, em que são adotados os métodos que tomam como base

os custos de produção ou de aquisição, evidente impossibilidade de se atingir o padrão arm’s

length quando objeto de comparação operações que não se equivalem em relação aos riscos,

por exemplo, de fabricação e comercialização, daí decorrendo a necessidade da “relatividade

407 SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 121.

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das margens fixas propostas pelo legislador tendo em vista a necessária prevalência do

princípio arm’s length”.408

6.4.3.3. Ausência de indicação do método – Importante debate vem travando a

doutrina no que concerne às conseqüências da falta de indicação de método de apuração do

preço arm’s length pelo contribuinte antes de ser submetido a procedimento de fiscalização,

ou quando, ainda que tendo indicado, não apresentar os documentos ou apresentá-los e estes

serem desconsiderados pela autoridade fiscal.

A obrigação de indicação do método encontra-se no art. 40, I da IN/SRF n.º

243/2002, juntamente com a determinação da apresentação dos documentos utilizados pelo

contribuinte como suporte para determinação do preço praticado e as respectivas memórias de

cálculo. No mesmo artigo, por seu parágrafo único, a instrução normativa prescreve a

possibilidade de a fiscalização determinar o preço com base nos documentos que dispuser,

aplicando qualquer um dos métodos.

É certo não haver, tanto da parte do contribuinte quanto do Fisco, a obrigação de,

dentre os diversos métodos aplicáveis, encontrar aquele que seja melhor, bastando que apenas

um seja aplicado e, consequentemente, documentado, para que o preço arm’s length seja

demonstrado e suficientemente utilizado para fazer frente a legislação que obriga sejam as

operações praticadas com preços de mercado.

Diante da ausência de indicação do método pelo contribuinte, cabe à autoridade

fiscal utilizar-se de um daqueles previstos na lei para chegar ao preço arm’s length. Heleno

Taveira TÔRRES409 manifesta que, nestes casos, não ficará o Fisco obrigado a aplicar o

melhor método – no sentido de mais favorável ao contribuinte – diante da própria desídia do

contribuinte, eis que seria um prestígio a inércia.

Luis Eduardo SCHOUERI,410 contrariamente, entende que ao contribuinte sempre

deverá ser garantida a aplicação do melhor método (a ele mais favorável), de modo que a

408 Idem. Ibidem. p. 121.409 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 251.410 SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 68.

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escolha de um método pelo contribuinte não o vincula, caso contrário se estaria aceitando a

possibilidade de criar obrigação tributária não prevista em lei.

Firmados na premissa de que a lei garante a aplicação do melhor método ao

contribuinte, assim conforme o § 4º do art. 18 – no que se refere as importações – e o § 5º do

art. 19 – no que se refere às exportações –, ambos da Lei n.º 9.430/96, entendemos ser direito

do contribuinte pleitear a aplicação do método que lhe seja mais favorável, devendo lhe ser

permitido o direito à ampla defesa e ao contraditório quando se deparar, ainda que

inicialmente não tenha exercido o direito de escolha do método, com um método aplicado

pelo Fisco que lhe seja menos favorável.411

6.4.4. Dos métodos aplicáveis aos juros, intangíveis e serviços

A prática de operações desrespeitando o princípio arm’s length pode ocorrer não

somente por intermédio dos preços combinados em operações de importação e exportação,

podendo-se encontrar, na prática, a transferência de preços também através da transferência

de juros, bens intangíveis e serviços.

Os juros pagos ou creditados por pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil a não

domiciliadas e as receitas financeiras decorrentes de mútuo auferidas por aquelas primeiras

recebem tratamento específico, dispondo o art. 22 da Lei n.º 9.430/96 que, para fins de

dedução e tributação, devem ser utilizados respectivamente os limites máximos e mínimos

correspondentes ao “montante que não exceda ao valor calculado com base na taxa Libor,

para depósitos em dólares dos Estados Unidos da América pelo prazo de seis meses, acrescida

de três por cento anuais a título de spread, proporcionalizados em função do período a que se

referirem os juros”.

De tal imposição estão excluídos os juros decorrentes de contratos registrados no

BACEN, independentemente de qual taxa tenha sido pactuada. As demais operações, que não

contem com contratos registrados no BACEN, estarão sujeitas às regras de preços de

transferência, ou seja, em havendo divergência no valor dos juros praticados em comparação

411 Neste sentido, TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. 251.

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com os requisitos do art. 22 da lei, a retificação na base de cálculo dos tributos sobre a renda

deverá ocorrer.

Quanto a este aspecto, Paulo Ayres BARRETO412 enxerga evidente

inconstitucionalidade, entendendo se tratar de uma presunção legal absoluta, com a qual nosso

sistema não coaduna, por não haver previsão legal quanto a método alternativo ou abertura

para produção de provas. Segundo o autor, “não podemos admitir o recurso às ficções e

presunções absolutas para erigir a norma tributária padrão. A regra-matriz de incidência assim

produzida não encontra fundamento de validade em norma de superior hierarquia – a

Constituição Federal – por contrariar valores nela inscritos”.413

Partindo de uma interpretação sistemática da lei, Heleno Taveira TÔRRES entende

haver meios de o contribuinte contestar a taxa de spread prevista na lei, apresentando

documentos ou qualquer outro meio de prova legítimo, requerendo sua modificação para

aquela corrente no mercado no momento da realização da operação controlada.414

No que concerne aos intangíveis, a legislação brasileira exclui os royalties e

assistência técnica, cientifica, administrativa ou assemelhada da sujeição a aplicação dos

métodos dos preços de transferência, remetendo estas espécies à legislação que impõe as

condições de dedutibilidade vigentes, tanto nas operações passivas – em que há

expressamente a exclusão, na forma do art. 18, § 9º da Lei n.º 9.430/96 – quanto ativas – pela

inexistência de qualquer referência no art. 19 da mesma lei.415

A instrução normativa que regulamenta a matéria, por sua vez, esclarece qualquer

dúvida, ao dispor expressamente que tais métodos não são aplicáveis tanto nas operações

412 BARRETO, Paulo Ayres. Imposto sobre a renda e preços de transferência. p. 119.413 Idem. Ibidem. p. 145.414 Neste sentido, TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 255.415 Não concordamos com o entendimento de Luis Eduardo SCHOUERI no sentido de que a ausência, na lei, de impedimento de aplicação dos métodos em relação às operações de exportação não inibiria o contribuinte de aplicá-los também quando se tratar de operações com intangíveis. É que, em que pese não haver tal impedimento expresso, ao contrário do que ocorre em relação às importações, por outro lado, a mesma lei não apresenta qualquer método que fosse passível de aplicação em tais operações. Neste sentido, a IN/SRF n.º 243/2002 vem dispor por seu art. 43, que “as normas sobre preços de transferência de que trata esta Instrução Normativa não se aplicam aos casos de royalties e assistência técnica, científica, administrativa ou assemelhada”, valendo tanto para as operações passivas quanto ativas. Não fosse possível a interpretação supra, este artigo da instrução normativa seria inaplicável, dada sua evidente inconstitucionalidade. V. SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 145.

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ativas quanto passivas, quando tendo por objeto royalties e assistência técnica, científica,

administrativa ou assemelhada.416

Tal distinção é vista como inconstitucional por Luís Eduardo SCHOUERI, por

implicar tratamento desigual entre operações de importação ou exportação de bens materiais e

imateriais, entendendo se devam aplicar, às operações com bens intangíveis, “as mesmas

regras e os mesmos métodos válidos para quaisquer outros bens, direitos e serviços, sempre

com base no princípio arm’s length”.417

Necessário adentrarmos no conceito de royalties dado pela legislação brasileira, bem

como naquele de assistência técnica, científica e administrativa. No que se refere ao primeiro

dos conceitos, de acordo com o art. 22 da Lei n.º 4.506/64, “os rendimentos de qualquer

espécie decorrentes do uso, fruição, exploração de direitos, tais como (a) direito de colher ou

extrair recursos vegetais, inclusive florestais; (b) direito de pesquisar e extrair recursos

minerais; (c) uso ou exploração de invenções, processos e fórmulas de fabricação e de marcas

de indústria e comércio; (d) exploração de direitos autorais, salvo quando percebidos pelo

autor ou criador do bem ou obra” são classificados como royalties.

Eduardo Pugliese PINCELLI faz importante distinção entre as definições dadas para

royalties pelas ciências jurídica e econômica e pela linguagem ordinária, no seguinte sentido:

“A definição jurídica de ‘royalties’, como se pode observar, é mais restrita que as significações construídas pela linguagem ordinária, não abrangendo, por exemplo, os rendimentos auferidos pelo autor ou criador da obra, no caso de exploração direta de direitos autorais. Por outro lado, a acepção prescrita pelo art. 22 da Lei n.º 4.505/64 é mais abrangente do que a concepção econômica, que compreende ‘royalties’ apenas como a remuneração da propriedade industrial. O conceito jurídico abrange a propriedade industrial (marcas, patentes, tecnologia não-patenteada etc.), mas contém, igualmente, em sua extensão, os direitos de autor, exceto quando explorados pelo próprio criador da obra”.

418

416 Assim, na forma do art. 43 da IN/SRF n.º 243/2002: “Art. 43. As normas sobre preços de transferência de que trata esta Instrução Normativa não se aplicam aos casos de royalties e assistência técnica, científica, administrativa ou assemelhada”.417 SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 148. O autor aponta haver, ainda, em relação aos limites de dedutibilidade impostos aos royalties e a assistência técnica, evidente inconsistência, diante de nosso ordenamento jurídico ter abolido, em 1995, o “princípio da bi-tributação econômica”. Ver, neste sentido, idem. Ibidem. p. 148.418 PINCELLI, Eduardo Pugliese. A tributação das operações internacionais de transferência de tecnologia no direito brasileiro. Dissertação de mestrado. PUC - 2005. p. 126.

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No que se refere ao segundo conceito invocado, conforme aduz Gabriel Francisco

LEONARDOS,419 a “assistência técnica, científica, administrativa ou assemelhada” a que se

refere a legislação, comporta a tecnologia não-patenteada, ou know-how, não estando a

remuneração paga por sua exploração abrangida no conceito de royalties, ao contrário do

pensamento de Túlio ROSENBUJ420 e Eduardo Pugliese PINCELLI,421 em linha com a

doutrina de PONTES de MIRANDA,422 que entendem que a tecnologia não-patenteada,

suscetível ou não de registro no INPI, como bem incorpóreo, pode ser objeto de direito de

propriedade e, portanto, sua exploração ser remunerada através de royalties.

O Prof. Heleno Taveira TÔRRES, em artigo de sua autoria sobre o regime tributário

dos contratos de serviços técnicos e de assistência técnica, enfatiza que, nada obstante os

conceitos não se confundirem, vezes há em que são firmados “contratos mistos” e a respectiva

remuneração se dá através de royalties. A distinção, contudo, não possui relevância, eis que

em ambos os aspectos as regras de preços de transferência não são aplicáveis. Neste sentido,

aduz o professor:

“Todo contrato de assistência técnica leva em conta uma dada prestação de serviço, por uma obrigação de fazer visando a um fim predeterminado. O Know-how esgota-se na transferência ou emprego de um dado conhecimento. Por isso, nos contratos mistos, de prestação de serviços e know-how, verifica-se que o fim do serviço, muitas vezes, consiste na própria aplicação do know-how, enquanto elemento de execução, apenas. Nesses casos, em vista da dificuldade de separar um e outro, finda-se por cobrar royalties, aplicando-se, aos serviços de assistência técnica, o mesmo regime de fornecimento de know-how. Como a cobrança de tributos sobre transferência de tecnologias, no geral, não levam em conta a natureza jurídica de cada uma, pouco se discute a respeito da importância das distinções”.423

Os dispositivos que, ao largo do princípio arm’s length¸ trazem os critérios e

vedações de deduções, encontram-se na legislação infraconstitucional. O art. 71 da Lei n.º

4.506/64 impõe que a dedução de despesas com royalties para efeito de apuração de

rendimento líquido ou do lucro real sujeito ao imposto de renda, será admitida quando

necessárias para que o contribuinte mantenha a posse, uso ou fruição do bem ou direito que

419 LEONARDOS, Gabriel Francisco. Tributação da transferência de tecnologia. p. 79 apud PINCELLI, Eduardo Pugliese. A tributação das operações internacionais de transferência de tecnologia no direito brasileiro. Dissertação de mestrado. PUC - 2005. p. 127.420 ROSEMBUJ, Tulio. Intangibles: la fiscalidad del capital intelectual. p. 205 apud Idem. Ibidem. p. 128.421 PINCELLI, Eduardo Pugliese. A tributação das operações internacionais de transferência de tecnologia no direito brasileiro. Dissertação de mestrado. p. 127.422 PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. Tomo 16. pp. 41/571-572 apud Idem. Ibidem. p. 128.423 TÔRRES, Heleno Taveira. Regime tributário da propriedade industrial e transferência de tecnologia nos contratos de serviços técnicos e de assistência técnica. In: TÔRRES, Heleno Taveira (coord.). Comércio internacional e tributação. p. 662.

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produz o rendimento, apresentando, em seu parágrafo único, os royalties que não são

dedutíveis. No que se refere ao know-how, o mesmo diploma legal dispõe em seu art. 52 sobre

o tratamento, observando-se, tanto nos royalties quanto nos pagamentos por assistência

técnica, científica, administrativa ou assemelhada, o quanto disposto no art. 50 da Lei n.º

8.383/91.

Finalmente, observa Heleno Taveira TÔRRES424 que somente os pagamentos de

serviços decorrentes de contrato de consultoria técnica que implique em transferência de

tecnologia, e desde que haja anuência do INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial,

é que não estarão sujeitos às regras de preços de transferência, sofrendo a incidência do

Imposto de Renda na fonte. Não havendo a transferência de tecnologia, as regras de transfer

pricing são plenamente aplicáveis.

A questão dos royalties, como visto anteriormente neste trabalho, é disciplinada de

forma diferente pela OCDE. Aquela organização internacional considera como royalties

somente os quantitativos compreendidos dentro do padrão arm’s length, ou seja, o valor

acordado entre as partes na ausência de relações especiais, considerando os valores normais

de mercado, ficando o excedente sujeito a tributação na forma da legislação de cada um dos

Estados contratantes – quando da existência de um Convênio firmado nos moldes do Modelo

OCDE – ou submetido a outro regime convencional, como o dos dividendos.425

6.4.5. Dos tratados internacionais assinados pelo Brasil e a possível antinomia com

a legislação brasileira

Em que pese a inexistência de hierarquia na aplicação dos métodos previstos na

legislação brasileira, devendo ser aplicado aquele que seja mais benéfico ao contribuinte,

muito se tem discutido quanto ao cabimento da aplicação de outros métodos que não aqueles

previstos na lei, desde que dirigidos ao atendimento do princípio arm’s length.

A corrente que entende pela impossibilidade da utilização de outros métodos

fundamenta no tipo do sistema brasileiro, que é submetido à estrita legalidade, no sentido de

424 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 259.425 Neste sentido, Idem. Ibidem. p. 260.

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que não havendo disposição expressa de lei autorizando a utilização de um outro método,

negada estará esta possibilidade. A lei brasileira, pelo contrário, não simplesmente autoriza a

aplicação dos métodos, mas obriga sejam utilizados.

Heleno Taveira TÔRRES bem expõe este entendimento:

“Os métodos utilizáveis são os que estão contidos na Lei n.º 9.430/96, sem concessão para os contribuintes usarem um outro, e muito menos discricionariedade para as autoridades administrativas modificarem os que foram prescritos legalmente. Se há alguma liberdade, esta circunscreve-se aos métodos que a lei permite; mas, uma vez selecionado, fica o contribuinte obrigado a manter método, por bem, serviço ou direito, durante todo o período de apuração do imposto”.426

Aqueles que firmam a possibilidade partem da premissa de que, tendo o legislador

brasileiro se inspirado nos dispositivos constantes do Modelo da OCDE – e o fez objetivando

atingir o princípio arm’s length – e, não tendo, tanto o modelo quanto o relatório que lhe traz

esclarecimentos (e sugestões) inibido a utilização de outros métodos, o mesmo deveria ser

considerado no sistema brasileiro.

Tal assertiva, caso se tenha por verdadeira, poderia fazer efeitos em se tratando de

operações sujeitas ao controle de preços de transferência realizadas por pessoa residente no

Brasil e outra localizada em jurisdição com a qual este país possua acordo internacional

firmado, e desde que este tenha sido elaborado com base no Modelo da OCDE.

Em sentido mais ou menos amplo, podemos considerar o posicionamento de Paulo

Borba CASELLA, juntamente com Thelma Perez Soares CORREA e Ralph SAPOZNIK –

manifestado em artigo produzido em co-autoria –, e ainda de Paulo Ayres BARRETO e Luis

Eduardo SCHOUERI.

Os ilustres juristas citados em primeiro, considerando este aspecto, afirmam a

necessidade de haver uma adequação da regulação nacional dos preços de transferência em

relação ao direito internacional tributário brasileiro, na medida em que não se trata, este, de

426 Idem. Ibidem. p. 212.

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assunto estritamente interno, para quem “toda e qualquer regulamentação terá de levar em

conta também o que acontece além do quintal de casa”.427

Na visão destes autores, as convenções internacionais celebradas pelo Brasil com

outros Estados criam direitos e obrigações entre sujeitos de direito internacional, no que

concerne ao conteúdo destes tratados, devendo ser interpretadas e aplicadas de acordo com o

conjunto do ordenamento jurídico brasileiro, no qual se inserem.428

De modo que, tendo o Brasil compartilhado com Estados estrangeiros, através de

convenções internacionais, regras aplicáveis a apuração dos lucros auferidos em operações de

comércio exterior realizadas entre partes relacionadas, deverá submeter-se – e assim também

o co-contratante estrangeiro – e fazer com que seus jurisdicionados se submetam aos ditames

destes tratados, eis que valem como norma vigente de direito tributário internacional e direito

tributário interno. Tratam-se de “regras cujo alcance é a autolimitaçao recíproca de duas

soberanias fiscais”.429

As convenções internacionais, das quais o Brasil é signatário, editadas com o escopo

de evitar a dupla tributação internacional, introduziram previamente o princípio arm’s length

em nosso sistema jurídico, ao dispor que, desde que empresas associadas430 pratiquem em

suas relações comerciais e financeiras condições especiais, que empresas não relacionadas

(independentes) não manteriam, poderão ser feitos ajustes no lucro pelas administrações

tributárias dos Estados Contratantes. Este dispositivo aparece no art. 9º das convenções, cuja

redação foi inspirada (para não dizer copiada) do artigo da Convenção Modelo da OCDE de

mesmo número.431

427 Neste sentido, CASELLA Paulo Borba. CORREA, Thelma Perez Soares. SAPOZNIK, Ralph. Preço de transferência: “Interface” entre direito interno e direito internacional. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 279.428 Sobre tratados internacionais e sua forma de entrada em vigor no ordenamento jurídico nacional, sua vigência e extinção, v. REZEK, José Francisco. Direito internacional público – Curso elementar. pp. 11-112.429 Idem. Ibidem. p. 282.430 O conceito utilizado na norma do dispositivo convencional corresponde, na forma de nosso ordenamento jurídico, às controladoras, controladas e coligadas, além dos estabelecimentos permanentes, que sem sombra de dúvidas estão inseridos no conceito de partes relacionadas.431 Assim, na forma do § 1º do art. 9º da Convenção Modelo da OCDE: “Where a) an enterprise of a Contracting State participates directly or indirectly in the management, control or capital of an enterprise of the other Contracting State, or b) the same persons participate directly or indirectly in the management, control capital of an enterprise of a Contracting State and an enterprise of the other Contracting State, and in either case conditions are made or imposed between the two enterprises in their commercial or financial relations which differ from those which would be made between independent enterprises, then any profits which would, but for

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Mais que ordens impostas mutuamente pelos signatários das convenções, trata-se de

verdadeira garantia aos residentes dos Estados contratantes de terem seus rendimentos

tributados na forma prevista, garantia esta que somente será confirmada caso nenhum dos

signatários puder modificar este compromisso através de alteração legislativa interna e

unilateral, introduzindo regra nova ou antinômica em relação à prevista no acordo,

desrespeitando o direito internacional público e os demais contratantes.432

Esta garantia poderá advir, no direito brasileiro, da disposição prevista no art. 5º, §

2º da Constituição Federal de 1988, que dispõe que “os direitos e garantias expressos nesta

Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou

dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, tomando-se,

neste sentido, o acordo internacional como norma hierarquicamente superior à legislação

infraconstitucional – assim como dispõe o art. 98 do Código Tributário Nacional –, podendo-

se inclusive considerá-lo como compartilhando o mesmo patamar da Constituição Federal.

Permitimo-nos enfatizar, pela importância – assim como fizeram aqueles

digníssimos autores em seu artigo –, a assertiva de Alberto XAVIER no sentido de que “se o

Estado brasileiro assegura a nível constitucional, a vigência de direitos e garantias decorrentes

dos tratados internacionais, isso significa que ele próprio tem o dever de conformar a sua

ordem interna com o direito convencional, não podendo, assim, emitir leis

infraconstitucionais contrárias às normas daquele”.433

those conditions, have accrued to one of the enterprises, but, by reason of those conditions, have not so accrued, may be included in the profits of that enterprise and taxed accordingly”.432 Neste sentido, SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 155. O autor apresenta a divergência que há na doutrina quanto a se os tratados são adotados pelo ordenamento interno, quando não perdem sua natureza internacional, ou transformados em direito interno, devendo ser interpretados segundo os princípios a ele (direito interno) aplicáveis. Para o autor, “a teoria da ‘transformação’ encontra seu maior obstáculo no fato de que os acordos internacionais, mesmo ratificados, continuam a se submeter às normas de direito internacional, para a sua entrada em vigor e rescisão. Com efeito, se o tratado se ‘transformasse’ em direito interno, a sua eventual denúncia pelo outro Estado contratante, não poderia ter o efeito de retirá-lo da ordem jurídica do primeiro Estado. Se isso acontece, é porque o tratado, ainda que aplicável internamente, não deixa de ser norma de direito internacional. Idem. Ibidem. p. 153.433 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Tributação das operações internacionais. p. 118. O ilustre professor é defensor da corrente “monista”, “pela qual os tratados são recebidos como tal na ordem nacional e não como leis internas”, posição contrária a do Prof. Roque Antonio CARRAZZA, que defende a teoria “dualista”, para quem os tratados internacionais devem “passar pelo referendo do Congresso Nacional, para serem incorporados ao direito interno do País (art. 49, I, da CF)”, entendendo ainda que “a fonte primária do Direito Tributário não é o tratado internacional, mas o decreto legislativo que o ratifica”. Cf. CARRAZZA, Roque Antonio. Mercosul e tributos estaduais, municipais e distritais. Revista de Direito Tributário. vol. 64. p. 185. Sobre as teorias monista e dualista, v. REZEK, José Francisco. Direito internacional público. Curso elementar. p. 4.

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228

Enxergamos, já num primeiro momento, que a lei introdutora das normas de preços

de transferência no direito brasileiro (Lei n.º 9.430/96) veio extravasar o conceito de pessoa

vinculada dado pelo art. 9º das convenções assinadas pelo Brasil, considerando como

passíveis de serem submetidas às regras do transfer pricing não só as associadas, mas todas

aquelas previstas em seu art. 23.

Deste modo, parece-nos evidente e nisso concordamos parcialmente com os autores

acima referidos que, em havendo uma operação realizada entre partes relacionadas, e uma

destas partes esteja localizada em um Estado com o qual o Brasil possua acordo firmado em

que conste o art. 9º retro citado, somente poderão incidir as regras de preços de transferência

desde que estas partes relacionadas sejam associadas, assim consideradas aquelas conforme a

previsão do art. 9º. Entretanto, caso as empresas não sejam associadas, em que pese

enquadradas nos conceitos presentes no art. 23 da Lei n.º 9.430/96, não poderá ser feita a

aplicação das regras de transfer pricing, pela limitação presente no acordo internacional.

Ainda conforme o Prof. Alberto XAVIER,434 nas relações entre Estados signatários

de tratado internacional, deverão prevalecer as disposições convencionais em relação a todos

os casos de “vinculação” definidos na Lei n.º 9.430/96 e que ultrapassarem o círculo das

relações de interdependência.

Deste entendimento parece não compartilhar o Prof. Heleno Taveira TÔRRES, que

manifesta:

“(...) é nosso entendimento que o Fisco não se encontra impedido de aplicar as regras de preços de transferência, no caso de transações entre empresas que, embora se considerem vinculadas, segundo a definição do art. 23 da Lei n.º 9.430/96, não sejam ‘associadas’ ou ligadas, como determina a convenção. O teor da convenção, nesse particular, não limita o direito interno”.435

Não estamos, contudo, satisfeitos com essa conclusão. Parece-nos mais adequado o

entendimento de que, em simplesmente havendo um acordo firmado pelo Brasil e outra

soberania que traga inserto o princípio arm’s length, instaurada estará a garantia, para os

Estados contratantes e para os contribuintes submetidos a suas jurisdições, o direito e a

obrigação de serem constituídas relações jurídicas tributárias tendo por objeto a tributação do

434 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Tributação das operações internacionais, p. 325.435 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 306.

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lucro obtido a partir da aplicação de qualquer método possível destinado para a apuração do

preço arm’s length, e não somente aqueles introduzidos pela lei brasileira.

Mais evidente se torna essa assertiva ao se considerar, na linha do entendimento de

Paulo Ayres BARRETO, que a Lei n.º 9.430/96 não positivou o princípio arm’s length, para

quem, das comparações e ajustes efetuados mediante a aplicação dos métodos previstos na

legislação brasileira, “obtém-se não o preço que teria sido pactuado entre partes não

relacionadas, mas outro preço, influenciado pelos critérios definidos na legislação aplicável,

distinto do praticado pelo mercado, dando ensejo a ajustes que distorcem a base calculada do

imposto sobre a renda, infirmando a materialidade do fato jurídico previsto no antecedente da

norma geral e abstrata”.436

Firmados na premissa de que o arm’s length foi positivado no direito brasileiro,

ainda que parcialmente, mas dispondo a lei de conteúdo teleológico objetivo no sentido de

atingi-lo, compartilhamos da assertiva do autor no sentido de que as normas dos acordos

internacionais incorporadas ao direito interno que contemplem referido padrão prevalecerão

sobre as demais prescrições legais sobre o assunto em relação às partes alcançadas pelo

acordo.437

O que nos parece suficiente para fundamentar nosso entendimento quanto (i) a

inaplicabilidade da limitação de utilização unicamente dos métodos previstos na Lei n.º

9.430/96 quando se tratarem de operações realizadas entre partes associadas, uma residente

no Brasil e outra residente em país com o qual este mantenha acordos firmados que possuam,

em seu bojo, artigo com redação equivalente àquela constante do art. 9º do Modelo da OCDE;

e (ii) contrariu sensu, sua plena aplicabilidade quando, a despeito de existirem tratados

firmados, as operações submetidas a controle sejam realizadas por partes relacionadas, ainda

que não associadas, eis que neste aspecto a convenção internacional não fará efeito, mas tão

somente a lei, que introduziu, em nosso ordenamento, novos conceitos para partes

relacionadas ou equivalentes a estas (localizadas em países com tributação ou regime

societário favorecido etc.).

436 BARRETO, Paulo Ayres. Imposto sobre a renda e preços de transferência. p. 178.437 Neste sentido, idem. Ibidem. p. 178.

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Em sendo priorizada a busca do padrão arm’s length pelas regras de preços de

transferência, parece-nos perfeitamente condizente com tal conteúdo finalístico a aplicação de

qualquer método que seja suficiente para se chegar àquele preço, inclusive quando diante de

legislação (como é o caso da brasileira) que imponha rigidez na escolha e a limite a partir de

um rol pré-determinado, o que demandará, inequivocamente, diversas discussões jurídicas.

Entendimento do qual não destoa Agostinho Toffoli TAVOLARO,438 ao firmar sua

posição quanto inaplicabilidade da lei interna quando em conflito com tratado firmado pelo

Brasil, embasada no art. 98 do Código Tributário Nacional, defendendo, outrossim, a plena

aplicabilidade dos comentários e relatórios elaborados pela OCDE ao seu modelo de

convenção, sobretudo as Guidelines, na interpretação e aplicação dos tratados internacionais

firmados pelo Brasil.

Paulo Ayres BARRETO, em que pese considerar não ter sido positivado o princípio

arm’s length em nosso sistema jurídico, adota o seguinte entendimento:

“Podemos concluir, em relação aos acordos de bitributação que contemplam em seu bojo o padrão arm’s length, nos termos em que enunciado pela Convenção Modelo da OCDE, em seu art. 9º, que deverá prevalecer, em relação aos preços de transferência, a aplicação das normas construídas pelo intérprete, tendo em consideração o conteúdo desses acordos. Vale dizer, as específicas regras que exsurjam do acordo internacional – porquanto especiais e não produtoras de antinomias totais – prevalecem sobre as demais prescrições normativas sobre o assunto, em relação às partes alcançadas pelo referido acordo. É a única hipótese em que se poder afirmar categoricamente a prevalência do padrão arm’s length”.

439

Cumpre-nos, finalmente, reproduzir o entendimento de Luciana Rosanova

GALHARDO, no que se refere à vigência concomitante da legislação interna e de tratado

internacional versando sobre o mesmo assunto, qual seja, preços de transferência:

“Importa notar que os tratados internacionais não revogam a legislação interna, mas apenas lhe retiram a eficácia interna com relação ao caso amparado pelo tratado internacional; assim, a norma interna permanece intacta e em pleno vigor, sendo aplicada a outras situações não amparadas pelos tratados internacionais”.

440

438 TAVOLARO, Agostinho Toffoli. Tributos e preços de transferência. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira. (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. pp. 49-50.439 BARRETO, Paulo Ayres. Imposto sobre a renda e preços de transferência. p. 172.440 GALHARDO, Luciana Rosanova. Preços de Transferência – Limites a fiscalização. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 253 (grifos do original).

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De fato, no caso presente, não haveria mesmo que se falar na revogação da lei que

estabelece os métodos de controle dos preços de transferência, caso contrário haveria uma

lacuna na disciplina das situações que necessitassem do controle fiscal dos preços praticados

entre empresas residentes no Brasil vinculadas com outras residentes em país com o qual este

não tenha acordo internacional firmado.

Pode-se, ademais, considerar que tampouco perderá, a legislação interna, sua

eficácia, desde que não se tratem, acordo internacional e lei interna (Lei n.º 9.430/96, neste

caso), de normas antinômicas, sendo plenamente possível o atendimento do princípio disposto

naquela norma por esta, utilizando-se dos métodos nela previstos sem prejuízo da utilização

de outros, ainda que não prescritos, tudo com a finalidade de se alcançar o preço parâmetro

(arm’s length).

Do que não diverge a autora, ao concluir que “não há o que se falar em conflito em

relação às disposições dos Tratados e às da Lei n.º 9.430/96, mas apenas que estas devem

subordinar-se àquelas”.441

441 Idem. Ibidem. p. 256.

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232

7

Ajustamentos correlativos e

o problema da bitributação

7.1. Da realização dos ajustes primários e a conseqüente bitributação

Os ajustes efetuados através dos métodos sugeridos pela OCDE ou daqueles

impostos pela legislação brasileira – ajustes primários – podem acarretar a necessidade de

serem realizados ajustes correspondentes no Estado de residência da parte vinculada àquela

submetida ao controle de preços.

É que o ajuste primário poderá trazer como conseqüência uma dupla imposição

tributária, e para que o princípio seja plenamente atendido, ou seja, para que somente o preço

at arm’s length esteja sujeito à incidência tributária, evitando-se esta dupla incidência, a

OCDE propôs, no art. 9º, § 2º do Modelo, um mecanismo de ajuste a ser realizado no Estado

da outra parte relacionada no negócio.

Dispõe o art. 9º, § 2º da Convenção Modelo, em tradução para o vernáculo:

“Quando um Estado contratante incluir nos lucros de uma empresa deste Estado – e tributar nessa conformidade – os lucros pelos quais uma empresa do outro Estado contratante foi tributada neste outro Estado, e os lucros incluídos desde modo constituírem lucros que teriam sido obtidos pela empresa do primeiro Estado, se as condições impostas pelas duas empresas tivessem sido as condições que teriam sido estabelecidas entre empresas independentes, o outro Estado procederá ao ajustamento adequado no montante do imposto aí cobrado sobre os lucros referidos. Na determinação deste ajustamento, serão tomadas em consideração as outras disposições desta Convenção e as autoridades competentes dos Estados contratantes consultar-se-ão se necessário”. 442

A doutrina vem tratando o procedimento de ajuste correlativo ora como uma

obrigação dos Estados signatários dos convênios que possuam artigo com este sentido, ora

442 Do original, em inglês: “2. Where a Contracting State includes in the profits of an enterprise of that State —and taxes accordingly — profits on which an enterprise of the other Contracting State has been charged to tax in that other State and the profits so included are profits which would have accrued to the enterprise of the first-mentioned State if the conditions made between the two enterprises had been those which would have been made between independent enterprises, then that other State shall make an appropriate adjustment to the amount of the tax charged therein on those profits. In determining such adjustment, due regard shall be had to the other provisions of this Convention and the competent authorities of the Contracting States shall if necessary consult each other”.

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como mera faculdade. Pode-se dizer que, até mesmo naquelas convenções em que tal

dispositivo não esteja presente, mas que tenham por escopo a consagração do princípio arm’s

length e evitar a bitributação internacional, os ajustamentos correlativos devem ser realizados.

Isso porque, uma vez efetuado um ajuste – primário – por um dos Estados

contratantes e, em decorrência deste ajuste, o princípio resulte comprometido, restará também

comprometido o cumprimento da finalidade do acordo, que é a eliminação da bitributação.

7.2. Dos ajustes correlativos como forma de se evitar a bitributação

Não pode ser considerado como mera proposta a regra presente no art. 9º, § 2º do

Modelo OCDE: trata-se de uma regra impositiva, devendo os ajustes correlativos ser

realizados na hipótese de o preço ajustado na forma de um dos métodos passarem a sofrer do

fenômeno pluriimpositivo internacional.

Tal ajuste correlativo exige que o outro Estado concorde com o primeiro ajuste

efetuado, o que pode não ser uma tarefa das mais fáceis, já que este outro Estado certamente

já dispõe de uma tributação mais favorável e, aceitando realizar o ajuste, sofrerá perda de

arrecadação. De todo modo, em havendo dispositivo neste sentido na convenção assinada

pelas diferentes jurisdições, nenhum empecilho, especialmente neste sentido, poderá ser

invocado para que não sejam permitidos os ajustes correlatos.

Há ainda que se considerar que, à ausência de dispositivo nos moldes do art. 9º, § 2º

da Convenção Modelo – o que é praxe nas convenções de que o Brasil é signatário –, o

princípio arm’s length restará violado e conteúdo teleológico do tratado não será atendido,

desde que este vise evitar o fenômeno pluriimpositivo.

Em que pese o princípio poder sofrer as mais diversas interpretações pelos Estados

que a ele se submetem, é certo que ele possui um único objetivo que é o de proporcionar uma

tributação mais perto da realidade, por isso que implica na utilização de métodos para a

obtenção do preço parâmetro, não condizendo com sua finalidade a introdução de ajustes

primários e o afastamento dos ajustes correlativos.

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A própria Convenção Modelo sugere em que hipóteses devem ser realizados os

ajustes correlativos. Interpretando o art. 25 daquela convenção, temos elementos suficientes

para nos convencer de que, através de um procedimento amigável, poderá ser concretizado o

intuito do art. 9º, § 2º do mesmo modelo.

A redação do art. 25 da Convenção Modelo pode ser traduzida para o vernáculo da

seguinte forma:443

“1. Quando um residente de um Estado contratante considerar que as medidas tomadas por um ou ambos os Estados contratantes conduzem ou poderão conduzir, em relação a si, a uma tributação em desacordo com a presente Convenção, poderá independentemente dos recursos previstos pela legislação nacional desses Estados, submeter o seu caso à apreciação da autoridade competente do Estado contratante de que é residente.

2. Essa autoridade competente, se a reclamação se lhe afigurar fundada e não estiver em condições de lhe dar uma solução satisfatória, esforçar-se-á por resolver a questão através de acordo amigável com a autoridade competente do outro Estado contratante, a fim de evitar uma tributação em desacordo com a Convenção.

3. As autoridades competentes dos Estados contratantes se esforçarão por resolver, através de acordo amigável, as dificuldades a que possa dar lugar a aplicação da Convenção. Elas poderão também entrar em acordo com vistas a evitar a dupla tributação nos casos não previstos pela Convenção.

4. As autoridades competentes dos Estados contratantes poderão comunicar-se diretamente a fim de chegarem a acordo nos termos indicados nos parágrafos anteriores. Se, para facilitar a realização desse acordo, se tornarem necessárias trocas de entendimentos verbais, esses entendimentos poderão ser efetuados no âmbito de uma comissão de representantes das autoridades competentes dos Estados contratantes.”

443 Conforme a redação constante do art. XXV da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, concluída entre o Brasil e a França, assinado aos 10 de setembro de 1971, aprovado pelo Decreto Legislativo n.º 87, de 27 de novembro de 1971, e promulgada pelo Decreto n.º 70.506 , de 12 de maio de 1972. A redação original, em inglês, da Convenção Modelo da OCDE, dispõe: “1. Where a person considers that the actions of one or both of the Contracting States result or will result for him in taxation not in accordance with the provisions of this Convention, he may, irrespective of the remedies provided by the domestic law of those States, present his case to the competent authority of the Contracting State of which he is a resident or, if his case comes under paragraph 1 of Article 24, to that of the Contracting State of which he is a national. The case must be presented within three years from the first notification of the action resulting in taxation not in accordance with the provisions of the Convention. 2. The competent authority shall endeavour, if the objection appears to it to be justified and if it is not itself able to arrive at a satisfactory solution, to resolve the case by mutual agreement with the competent authority of the other Contracting State, with a view to the avoidance of taxation which is not in accordance with the Convention. Any agreement reached shall be implemented notwithstanding any time limits in the domestic law of the Contracting States. 3. The competent authorities of the Contracting States shall endeavour to resolve by mutual agreement any difficulties or doubts arising as to the interpretation or application of the Convention. They may also consult together for the elimination of double taxation in cases not provided for in the Convention. 4. The competent authorities of the Contracting States may communicate with each other directly, including through a joint commission consisting of themselves or their representatives, for the purpose of reaching an agreement in the sense of the preceding paragraphs”.

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O que não significa, no entanto, que tal procedimento deverá ser adotado ou mesmo

que deverá resolver o problema pluriimpositivo, assim como manifestam Heleno Taveira

TÔRRES444 e Francisco Alfredo Garcia PRATS.445

A despeito da existência desta possível forma de resolução do problema, é apontado

pelo Prof. Heleno Taveira TÔRRES446 que este tipo de procedimento tem funcionado

precariamente e que poucas vezes houve o reconhecimento por um Estado do direito do outro

tributar os lucros decorrentes de uma transferência de preços, de modo a permitir ao

contribuinte um reembolso de valores pagos incidentes sobre a parcela do lucro que foi

submetida a ajuste, ou mesmo que tenham-lhe sido disponibilizados meios para eliminar os

efeitos da dupla tributação.

No que se refere especificamente ao tratamento dado pelo Brasil, em que pese a

inexistência de dispositivo nos mesmos termos do § 2º do art. 9º da Convenção Modelo em

acordos firmados com jurisdições estrangeiras, estes mesmos tratados trazem expressa a

imposição presente no art. 25 do mesmo modelo, de modo que podemos afirmar que, a

despeito da ausência da regra específica de tratamento, poderão as partes interessadas invocar

o quanto disposto no art. 25 (ou outro que tenha a mesma disposição) para ver resolvido

eventual fenômeno pluriimpositivo que lhe seja prejudicial.447

Alheio a essa problemática, têm-se discutido no plano internacional a introdução de

um procedimento obrigatório de arbitragem, determinado à solução de litígios entre os

Estados em matéria de ajustes dos preços de transferência, podendo-se citar Francisco Alfredo

Garcia PRATS448 como um dos precursores desta teoria, defendendo a necessidade de se fazer

constar dos convênios internacionais uma cláusula de arbitragem vinculante sujeitando os

Estados a procederem aos ajustes necessários para se garantir a manutenção do princípio

arm’s length.

444 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 311445 Cf. PRATS, Francisco Alfredo Garcia. Tributacion de las rentas empresariales. Fiscalidad Internacional. p. 251 apud ZUCHETTO, Aline. O controle e o ajuste dos preços de transferência na importação e exportação veiculados pela legislação brasileira. Dissertação de Mestrado. PUC – 2004. p. 49.446 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 311.447 Como exemplo, podemos citar a Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, concluída entre o Brasil e a França, já referida anteriormente. 448 Cf. PRATS, Francisco Alfredo Garcia. Tributacion de las rentas empresariales. Fiscalidad Internacional. p. 252 apud ZUCHETTO, Aline. O controle e o ajuste dos preços de transferência na importação e exportação veiculados pela legislação brasileira. Dissertação de Mestrado. PUC – 2004. p. 49.

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O Prof. Heleno Taveira TÔRRES449 apresenta importante consideração a respeito da

aplicação dos ajustes correlativos, no sentido de que o controle dos preços de transferência

possui fundamento na teoria da separação da contabilidade (separate accounting theory),

enquanto a técnica dos ajustes correlativos funda-se na teoria da entidade econômica

(economic entity theory), por determinar a retificação automática de ajuste, em face do

resultado fiscal total obtido pelas empresas. Em virtude disso, aponta o professor, no plano

internacional está pacificado o entendimento de que é do Estado de residência da empresa que

realiza a transferência de preços a incumbência de eliminar a possibilidade da dupla tributação

internacional “econômica”.450

Cumpre ainda enfatizar que os ajustes correlativos não serão passíveis de serem

realizados quando o Estado de residência da outra parte vinculada não tribute os rendimentos

ou os lucros, quando este mesmo Estado conceda isenção ou qualquer outra espécie de

incentivo fiscal para o tipo de rendimento objeto de ajuste pelo outro Estado, ou o ajuste

efetuado servir para reduzir o lucro tributável ou o imposto devido pela empresa submetida ao

controle.

Finalizando, a OCDE aponta que as administrações fiscais estão enfrentando um

número crescente de casos em que devem ser avaliados os efeitos dos intangíveis, por ter se

tornado, a economia global, mais “baseada na informação”.

De acordo com o relatório E-commerce: Transfer Pricing and Business Profits

Taxation da OCDE,451 os intangíveis, com o desenvolvimento das tecnologias de

comunicação, passaram a ser prontamente utilizáveis pelas companhias transacionais, antes de

uso limitado em razão da distância entre um potencial usuário e sua localização (a OCDE

exemplifica com tecnologias de produção e bancos de dados de marketing). Outros

intangíveis poderão ainda ser desenvolvidos para utilização especialmente na Internet e

449 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 310.450 A dupla tributação econômica é entendida pela OCDE como sendo aquela que duas pessoas diferentes são tributáveis com relação a mesma renda ou o mesmo capital, ao contrário da dupla tributação jurídica, que consiste na situação em que a mesma renda ou o mesmo capital é tributável nas mãos de uma mesma pessoa por mais de uma jurisdição (conforme arts. 23 “a” e “b” dos Comentários ao Modelo OCDE). O Prof. Heleno Taveira TÔRRES considera equivocada a locução “dupla tributação econômica”, tendo em vista não existir “concurso impositivo entre duas ou mais legislações fiscais soberanas contemporaneamente incidentes sobre o mesmo suporte fático dotado de elementos de estraneidade”. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 307.451 Cf. OECD. OECD Tax Policy Studies No. 10: E-commerce: Transfer Pricing and Business Profits Taxation. P. 64.

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haverá menos clareza na distinção entre transações envolvendo intangíveis e aquelas

envolvendo bens materiais e serviços.

Segundo aquela organização internacional, a concessão de compensação decorrente

dos ajustes se torna mais complexa com a integração das operações por parte das empresas,

em decorrência da intensificação da complexidade das transações controladas. Deste fato

decorre a dificuldade encontrada pelas administrações fiscais no isolamento dos lucros

oriundos das transações com contribuintes localizados em país com o qual mantém acordo

contra bitributação, o que prejudica os procedimentos necessários para eliminá-la através dos

ajustes.

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8

Hipóteses de não aplicação de ajustes

8.1. Acordo de Preços Antecipado (Advance Pricing Arrangement – APA)

Diversas são as situações em que os mecanismos de ajuste dos preços de

transferência previstos na lei ou mesmo os sugeridos nas Guidelines da OCDE podem ser de

difícil aplicação, apresentando insegurança para o contribuinte ou para o Fisco quanto ao

montante a ser considerado no ajuste, ou resultem ou não evitem a pluritributação

internacional.

Ou, independente deste aspecto, pode se mostrar mais adequada a fixação de

critérios, métodos e operações comparáveis a serem considerados para o controle dos preços

de transferência em um determinado período de tempo, no interesse do contribuinte e dos

Estados tributantes, visando a identificação do preço arm’s length, inibindo as administrações

tributárias de efetuar retificações não na forma dos critérios definidos.

Para atingir estes objetivos a OCDE introduziu em suas Diretrizes452 o Acordo de

Preços Antecipado (APA – Advance Pricing Arrangement),453 conceituando-o como “um

acordo que, em relação com transações a realizar no futuro entre empresas vinculadas,

predetermina um conjunto de critérios que são considerados aceitáveis e que têm como

finalidade a fixação de preços de transferência para as transações objeto do acordo, com

vigência para um período de tempo determinado e preestabelecido”.454

452 Sobre este assunto, as Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations da OCDE apresentam, em um anexo, diretrizes específicas. V. Annex - Guidelines for conducting Advance Pricing Arrangements under the Mutual Agreement Procedure ("MAP APAs"). OECD. OECD 1995 Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. pp. AN-19 – AN-52.453 A OCDE adota “Advance Pricing Arrangement”, utilizando-se da sigla APA. A mesma sigla é utilizada pelo Fisco dos EUA para designar “Advance Pricing Agreement”. No Brasil, a doutrina vem utilizando da mesma sigla, para designar, indistintamente, “acordo prévio de preços”, “acordo antecipado de preços” e “acordo de preços antecipado”, possuindo, todas, o mesmo conteúdo semântico.454 Conforme a definição dada por Heleno Taveira TÔRRES. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 312. Do original das Guidelines, presente em seu parágrafo 4.124, colhemos: “4.124 An advance pricing arrangement ("APA") is an arrangement that determines, in advance of controlled transactions, an appropriate set of criteria (e.g. method, comparables and appropriate adjustments thereto, critical assumptions as to future events) for the determination of the transfer pricing for those transactions over a fixed period of time. An APA is formally initiated by a taxpayer and requires negotiations between the taxpayer, one or more associated enterprises, and one or more tax

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O mesmo parágrafo do Relatório da OCDE que apresenta o conceito, ainda dispõe

que o acordo deverá ser da iniciativa do contribuinte, depende de negociações entre ele, as

empresas associadas e os Estados tributantes e será intentado para suplementar os

mecanismos tradicionais administrativos, judiciais e dos tratados internacionais para resolver

questões relacionadas aos preços de transferência, sendo mais úteis quando tais mecanismos

falham ou são difíceis de serem aplicados.

Trata-se de uma valoração objetiva e consensual do princípio arm’s length,

vinculando contribuinte e Administração Fiscal ao quanto disposto no acordo, evitando-se,

assim, qualquer ajuste primário desde que o contribuinte observe rigorosamente o método

avençado.

A adoção de um APA pode resultar, portanto, em maior segurança para o

contribuinte em relação ao tratamento tributário que será dado às operações submetidas ao

acordo e na eliminação da bitributação oriunda dos ajustes efetuados em conseqüência da

aplicação dos métodos de controle por um Estado tributante e da não efetivação dos ajustes

correlatos no outro Estado no qual se localiza a empresa vinculada.

Em linha com o que dispõem as Diretrizes da OCDE, o APA pode ser unilateral,

bilateral ou multilateral. O primeiro, unilateral, envolverá apenas o contribuinte submetido ao

controle de preços e o Estado que o submeterá ao controle, de modo que o outro ou os outros

Estados em que localizadas as partes vinculadas que participem da operação controlada não

estarão envolvidos.

Tal procedimento poderá não afetar a responsabilidade tributária das empresas

vinculadas que estejam localizadas em outros Estados, acarretando bitributação. A adoção

deste tipo de APA servirá, tão somente, para garantir ao contribuinte o método que será

aplicado naquelas operações a serem realizadas pelo tempo determinado no acordo, não

servindo para evitar a ocorrência do fenômeno pluriimpositivo.

administrations. APAs are intended to supplement the traditional administrative, judicial, and treaty mechanisms for resolving transfer pricing issues. They may be most useful when traditional mechanisms fail or are difficult to apply”. OECD. OECD 1995 Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. IV-41.

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O APA bilateral ou multilateral envolverá, necessariamente, a empresa sujeita ao

controle de preços, as partes vinculadas e os respectivos Estados em que se encontrem. Nestes

casos, que podem envolver ou não Estados signatários de tratados internacionais conforme o

Modelo da OCDE, o APA é conduzido através do procedimento amigável (Mutual Agreement

Procedure – MAP), previsto no art. 25 daquele modelo.

A OCDE manifesta em suas Guidelines que os métodos bilaterais ou multilaterais

são mais adequados para assegurar que os acordos irão reduzir os riscos de dupla tributação,

trarão tratamento justo para todas as partes e Estados envolvidos e irão possibilitar maior

segurança para os contribuintes. Do mesmo modo, em função de não haver a possibilidade,

conforme a legislação interna de um país, de haver um acordo direto entre a administração

tributária e o contribuinte, somente sendo possível através de uma autoridade competente do

Estado signatário do tratado internacional através de um procedimento amigável (MAP).455

Parece-nos ser o caso do Brasil: em nosso ordenamento, não existe disposição legal

que permita a realização de um acordo entre contribuinte e Fisco, a despeito da opinião de

alguns juristas no sentido de que a consulta fiscal456 poderia ser um instrumento destinado a

gerar um APA unilateral. Na hipótese de não sendo aceita a modalidade unilateral, o APA

poderia ser realizado através do procedimento amigável na modalidade bilateral ou

multilateral.

O procedimento da consulta fiscal encontra-se disposto nos arts. 46 a 53 do Decreto

n.º 70.235/72 e nos arts. 48 a 50 da Lei n.º 9.430/96. Pelo método da “consulta prévia”, que é

455 Neste sentido, o parágrafo 4.131 das Guidelines. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. IV-42456 José Wilson Ferreira SOBRINHO aponta algumas das conseqüências da resposta à “consulta tributária” (ou fiscal), em especial a responsabilidade estatal no caso de o contribuinte ter suportado prejuízos por ter agido conforme a resposta obtida: “O agente público, no momento em que se assina determinada resposta, dissolve-se no seio do Estado enquanto corpo normativo. Desaparece o individual para surgir o estatal. Logo não se pode admitir que uma resposta dada a uma consulta tributária seja algo que se situe no mesmo nível de uma opinião doutrinária. Quando a consulta tributária é respondida, essa resposta traduz o pensamento do Estado em sua dimensão de administração fiscal. Trata-se, por isso mesmo, de uma manifestação que se poderia chamar de oficial. (...) Queira-se ou não, a resposta oferecida pelo fisco funciona como poderoso elemento ordenador de comportamentos, ou seja, é um instrumento sinalizador para o planejamento tributário. O consulente organiza sua vida fiscal de acordo com a resposta obtida. (...) O princípio da confiança fiscal leva o contribuinte a acreditar na manifestação do fisco, principalmente quando existe um caminho jurídico para isto: a consulta tributária. Não parece razoável, assim, que se possa descartar, a priori, qualquer responsabilidade estatal.” SOBRINHO, José Wilson Ferreira. Sobre a consulta tributária (uma decisão do Supremo Tribunal Federal). Repertório IOB de jurisprudência. 1. quinzena de out./1996. n. 19/96. p. 450. Neste sentido, entendemos ser também possível a responsabilização estatal caso o contribuinte, obtendo resposta a uma consulta e agindo a ela conforme, seja surpreendido com uma autuação fiscal manifestando o descontentamento do Fisco com o procedimento adotado.

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241

aquela em que o contribuinte submete ao Fisco sua dúvida sobre as repercussões tributárias

que um determinado fato jurídico possa vir a acarretar, não há óbices para que o contribuinte

apresente uma questão envolvendo preços de transferência, em especial em relação aos

métodos aplicáveis às operações que pretenda realizar.

Contudo, vem a doutrina divergindo em relação à possibilidade ou não de a consulta

fiscal ser utilizada para se formar um APA. Antonio Carlos Rodrigues do AMARAL457 e

Paulo Ayres BARRETO458 defendem sua utilização, enquanto Luís Eduardo SCHOUERI459 e

Mauro SILVA,460 este apoiando-se na doutrina daquele professor, entendem pela

impossibilidade de sua utilização, sob o fundamento de não haver possibilidade jurídica, em

um procedimento de consulta, “de ser descrito um fato determinado” ou “pela

incompatibilidade entre o procedimento da consulta e as negociações necessárias envolvendo

Fisco e contribuinte para a celebração de um APA unilateral”, tendo em vista tal

procedimento não comportar as necessárias análises in loco das operações do contribuinte

consulente, diante da inexistência de um fato determinado insuscetível de questionamentos

pelo Fisco.

Partindo-se desta premissa, portanto, não seria possível a realização de APA

unilateral no Brasil, (i) por não haver dispositivo legal prevendo expressamente esta

possibilidade e (ii) por não se adequar a consulta fiscal para tal fim.

No que concerne ao APA bilateral ou multilateral, firmado através de um

procedimento amigável (MAP), o contribuinte residente no Brasil que tenha suas operações

sujeitas ao controle dos preços de transferência poderá, através da solicitação deste

procedimento, obter um acordo, desde que presente um tratado internacional que contenha os

arts. 9 e 25 do modelo da OCDE.

457 AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. O preço de transferência no Brasil e a experiência internacional. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Tributos e preços de transferência, p. 14.458 Neste sentido, expõe o autor: “Visando à integração com os institutos de direito constantes de nosso ordenamento jurídico, pode-se fazer uma analogia entre os acordos prévios de preços e o prodecimento de consulta em matéria tributária, a qual, na esfera de competência federal, encontra seu fundamento nos artigos 48 a 50 da Lei 9.430/96”. BARRETO, Paulo Ayres. Imposto sobre a renda e preços de transferência. p. 109.459 SCHOUERI, Luís Eduardo. Algumas reflexões sobre a consulta em matéria fiscal. In: Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas. v. 3. n. 10. p. 119-140. São Paulo: RT, 1995.apud SILVA, Mauro. A utilização do Acordo de Preços Antecipado (APA) no regime de controle de preços de transferência. Revista dialética de direito tributário. v. 137. fev./07. p. 96. 460 SILVA, Mauro. A utilização do Acordo de Preços Antecipado (APA) no regime de controle de preços de transferência. Revista dialética de direito tributário. v. 137. fev./07. p. 96.

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242

O MAP, conforme nos apresenta Alberto XAVIER,461 é concluído através de um

acordo em forma simplificada ou acordo executivo, possuindo procedimento mais simples e

tendo dispensável a ratificação do Poder Legislativo, sendo que na sua maioria são

negociados por agentes diplomáticos, o que seria, em um primeiro momento, incompatível

com os ditames da Constituição Federal de 1988, na forma de seus arts. 49, I e 84.

A doutrina de José Francisco REZEK462 parece eliminar qualquer entendimento

neste sentido, quando manifesta que os acordos executivos, em sendo subprodutos de acordos

vigentes, dispensaria nova aprovação do Congresso, eis que já previamente abonados quando

da aprovação dos tratados. Em sendo o acordo executivo uma espécie de interpretação ou

suplementação do tratado já previamente aprovado pelo Legislativo, dispensaria “nova”

aprovação pelo Congresso Nacional.

O procedimento amigável poder originar-se, de acordo com o art. 25 do Modelo

OCDE, desde que o contribuinte considere esteja havendo tributação, por um ou mais dos

Estados contratantes, em desacordo com o que dispõe a Convenção Internacional, sendo a

bitributação um exemplo disso.

Deste modo, em havendo fundamento para tanto, ou seja, desde que o contribuinte

identifique que determinada operação submetida a controle de preços de transferência esteja

sujeita a bitributação e sendo esta operação realizada entre partes residentes em países que

tenham firmado acordo internacional que contenha os arts. 9 e 25 do Modelo OCDE, no caso,

o Brasil e uma outra soberania, poderá ser requerido pelo contribuinte residente no Brasil o

início de um procedimento amigável objetivando a formação de um Advance Pricing

Arrangement.463

Desta opinião corrobora João Dácio ROLIM:

“Em havendo tratado internacional com o país da empresa vinculada com a empresa brasileira, evidentemente aquele prevalecerá dentro dos critérios possivelmente mais

461 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Tributação das operações internacionais, p. 202.462 Cf. REZEK, José Francisco. Direito internacional público. 8. ed. p. 62.463 Neste sentido, Mauro SILVA manifesta: “Esse procedimento amigável pode resultar na celebração de um acordo em forma simplificada ou acordo executivo entre a autoridade competente do Brasil e do(s) Estado(s) com o(s) qual(is) haja(m) acordo(s) para evitar a bitributação com cláusula prevendo o procedimento amigável”. SILVA, Mauro. A utilização do Acordo de Preços Antecipado (APA) no regime de controle de preços de transferência. Revista dialética de direito tributário. vol. 137. fev-07. p. 100.

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flexíveis para a determinação das margens de lucro, de acordo com o art. 98 do CTN. Assim, um acordo antecipado de preços poderá ser apresentado ao fisco brasileiro, na hipótese de existência de Acordo Internacional para evitar a bitributação, com base em critérios e métodos de apuração aceitos economicamente para preservar o princípio ‘arm’s length’ adotado pelo Tratado”.464

Conforme expõe o Auditor Fiscal da Receita Federal Mauro SILVA,465 a celebração

do APA por meio do procedimento amigável percorre diversas etapas, sendo que, na primeira,

o contribuinte interessado submete à autoridade competente de sua residência um

requerimento demonstrando que o regime de controle de preços de transferência a que estão

submetidas determinadas operações não é adequado, por estar importando ou poder importar,

p. e., em bitributação.

Na seqüência, a autoridade fiscal deverá proceder a avaliação do requerimento

quanto a sua adequação, bem como quanto a possibilidade de ser efetuado um APA unilateral

– o que, como vimos, no Brasil não encontra previsão legal – ou bilateral, aceitando instaurar

procedimento amigável, submetendo-o à outra soberania, de residência da parte vinculada.

De sua parte, o Estado estrangeiro deverá se manifestar quanto a sua aceitação ou

não do início do procedimento amigável, prosseguindo-se as negociações em caso afirmativo.

Havendo definição em sentido positivo, estará firmado o APA, devendo o contribuinte

interessado ser informado através de um “memorando de entendimento” que poderá, ou não,

concordar com os termos do acordo firmado.

Corroborando todos – Estados e contribuinte –, dos termos do acordo, este possuirá

força vinculante, ficando inibidos os Estados a alterarem as condições previstas e o

contribuinte a não aceitá-las, não havendo que se falar em quaisquer ajustes possíveis que não

aqueles previstos nos termos do acordo.466

464 ROLIM, João Dácio. A adoção pelo direito brasileiro da análise econômica dos preços de transferência e (des) vantagens dos Acordos Antecipados de Preços. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 211. 465 SILVA, Mauro. A utilização do Acordo de Preços Antecipado (APA) no regime de controle de preços de transferência. Revista dialética de direito tributário. vol. 137. fev-07. p. 101.466 Assim como previsto no parágrafo 4.136 das Guidelines: “At the conclusion of an APA process, the tax administrations should provide confirmation to the associated enterprises in their jurisdiction that no transfer pricing adjustment will be made as long as the taxpayer follows the terms of the arrangements”. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. IV-44.

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244

O mesmo autor entende que “o contribuinte não participa diretamente das

negociações para celebração do entendimento entre as Administrações tributárias”,467 com o

que não concordamos, eis que as Guidelines da OCDE expressamente dispõem que os

contribuintes interessados no acordo estão autorizados a participar no procedimento de

obtenção do APA, apresentando o caso e negociando com as administrações fiscais

envolvidas, fornecendo as informações necessárias e alcançando um acordo nas questões de

preços de transferência, o que, na visão daquelas empresas interessadas, é visto como uma

vantagem em relação ao procedimento amigável (MAP) convencional,468 premissa da qual

Heleno Taveira TÔRRES469 compartilha.

João Dácio ROLIM nos apresenta o que entende por vantagens e desvantagens de

um Acordo de Preços Antecipado:

“As suas vantagens são, à primeira vista, a certeza de afastar contingências perante o fisco, evitando desgaste de processos fiscais e aplicação de multas,facilitar o planejamento de orçamentos gerenciais, dentre outras específicas em função da atividade econômica exercida. As desvantagens seriam uma eventual mudança nas condições de mercado (que poderiam ser contempladas no Acordo), o tempo empenhado até um Acordo final, custos de preparação e estudos e talvez pelo fato de ser declarado de antemão pelo próprio contribuinte”.470

Finalmente, entendemos pela possibilidade de sua concretização ainda que esteja

nosso sistema tributário submetido ao princípio da estrita legalidade e não haver, na lei,

qualquer disposição expressa tratando desta questão. O embasamento para a realização de um

MAP encontra-se, a nosso ver, na própria Constituição Federal, na medida em que este

diploma dispõe, em seu art. 5º, § 2º, que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição

não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados

internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, em combinação com o art.

467 SILVA, Mauro. A utilização do Acordo de Preços Antecipado (APA) no regime de controle de preços de transferência. Revista dialética de direito tributário. vol. 137. fev-07. p. 102.468 Conforme o parágrafo 4.135 das Guidelines: “Typically, associated enterprises are allowed to participate in the process of obtaining an APA, by presenting the case to and negotiating with the tax administrations concerned, providing necessary information, and reaching agreement on the transfer pricing issues. From the associated enterprises' perspective, this ability to participate may be seen as an advantage over the conventional mutual agreement procedure”. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. IV-44.469 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 312. 470 ROLIM, João Dácio. A adoção pelo direito brasileiro da análise econômica dos preços de transferência e (des) vantagens dos Acordos Antecipados de Preços. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 216.

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98 do CTN, que dispõe que “os tratados e as convenções internacionais revogam ou

modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”.

Partindo-se destes dispositivos e interpretando-os conforme o entendimento de José

Francisco REZEK acima exposto, em relação aos acordos executivos, temos por

perfeitamente válida a adoção de um APA – que decorre necessariamente de um MAP471 –

perante o sistema jurídico brasileiro.

8.2. Safe Harbours472

As Guidelines da OCDE prevêem a existência de situações em que o regime de

controle dos preços de transferência não é aplicável, desde que tais situações se subsumam a

normas de legislação interna que imponham a adoção de um método para determinadas

transações ou, como no caso da legislação brasileira, limites aceitáveis de divergência entre o

preço parâmetro e o preço efetivamente praticado pelas partes vinculadas.

O conceito de safe harbour, em matéria fiscal, está relacionado às situações em que

são atribuídas a determinados contribuintes regras mais simples que aquelas impostas aos

demais, desde que preencham determinadas condições. A International Fiscal Association,

em seu glossário, dispõe que tal locução é reservada para os casos em que as autoridades

fiscais dispõem que transações compreendidas em determinadas faixas serão aceitas sem que

haja qualquer questionamento.

Luís Eduardo SCHOUERI473 aponta que, nos casos de preços de transferência, as

exigência administrativas podem ir desde uma total exoneração da obrigação de atender às

normas de preços de transferência até a obrigação de atender a determinados deveres

471 No que se refere ao atual cenário da evolução dos negócios realizados com base nas novas tecnologias de comunicação, a OCDE aponta que vem sendo observado um número crescente de pequenas empresas multinacionais, o que se deve ao fato de a revolução nas comunicações ter reduzido os custos nas transações, ocasionando, ademais, um crescimento no número de exames de transferência de preços realizados pelas administrações fiscais. Em conseqüência, as autoridades fiscais poderão não estar aptas a lidar com o crescimento no número de casos envolvendo MAPs (Mutual Agreement Procedures). Cf. OECD. OECD Tax Policy Studies No. 10: E-commerce: Transfer Pricing and Business Profits Taxation. p. 64.472 Harbour no inglês britânico ou harbor no inglês americano. Significa “porto” e a expressão safe harbourdenota um porto seguro (safe = seguro), ou algo que proporciona proteção contra um risco conhecido.473 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 149.

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instrumentais – conforme prevê o § 4.95 das Guidelines474 –, citando como exemplo a

exigência de o contribuinte estabelecer seus preços de transferência por um método mais

simplificado ou de dar informações específicas. O mesmo sistema pode ainda, conforme a

OCDE, excluir determinadas transações da submissão às normas de preços de transferência ou

permitir que se apliquem regras mais simplificadas, exemplificando, o ilustre professor, com a

definição de patamares mínimos, como ocorre na legislação brasileira, e a fixação de faixas

nas quais os preços ou lucros devem se encaixar.475

São apontados como fatores que sustentam o uso dos safe harbours, os seguintes:

simplificação das exigências para determinados contribuintes na determinação das condições

arm’s length para as transações controladas; proporcionar certeza para uma categoria de

contribuintes de que os preços de transferência serão aceitos sem a necessidade de posterior

revisão; e evitar à administração fiscal a tarefa de conduzir exames suplementares e auditorias

de tais contribuintes em relação a seus preços de transferência.476

Em contrapartida, alguns problemas podem ser considerados no uso do mesmo

mecanismo, que devem ser sopesados em relação aos benefícios esperados, originados dos

seguintes fatores: a implementação de um safe harbour em um determinado Estado não

afetaria somente a tributação naquela jurisdição, mas também interferiria na tributação das

empresas vinculadas em outras jurisdições; pela dificuldade em estabelecer critérios

satisfatórios para definir os safe harbours, e consequentemente poderem potencialmente

produzir preços ou resultados que podem não ser consistentes com o princípio arm’s

length.477

A OCDE, discorrendo sobre estes problemas em suas Guidelines, aponta como um

deles a situação em que, uma vez que os safe harbours impõem um método de preços de

transferência simplificado, é improvável que este método corresponda, em todos os casos,

àquele mais apropriado aos fatos e circunstâncias do contribuinte submetido ao controle,

citando como exemplo a situação em que um percentual mínimo de lucro é imposto em um

método baseado no lucro quando o contribuinte poderia ter usado o método PIC ou outros

474 OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. IV-32.475 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 149.476 Cf. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. IV-33.477 Cf. Idem. Ibidem. p. IV-34.

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método transacionais, o que poderia ser considerado como inconsistente com o princípio

arm’s length.478

É ainda considerada pela OCDE a circunstância de que alguns setores poderiam ser

particularmente adequados para o uso dos safe harbours, dentre eles os setores de

commodities, indústrias de óleo e mineração, em que o método seria aplicável com elevado

grau de precisão e pouco distanciamento do princípio, eis que tais setores são padronizados e

há larga publicidade dos preços de mercado praticados.

Entretanto, por estes mesmos setores produzirem uma larga variedade de resultados,

os safe harbours não estariam aptos a satisfazer os anseios fiscais, do mesmo modo que a

existência de preços de mercado publicados também facilitariam o uso dos métodos

transacionais, o que dispensaria o uso dos safe harbours.479

Neste sentido, aquela organização internacional interpreta que o uso dos safe

harbours pode ocasionar arbitrariedade por raramente se enquadrar nas variações de fatos e

circunstâncias mesmo quando se trata de empresas do mesmo ramo de negócios. Este sistema

ainda seria prejudicado caso se necessitasse, como de fato ocorre, de pesquisas amplas para se

estabelecer com precisão os parâmetros do safe harbour para satisfazer o princípio do preço

parâmetro, o que iria contra um de seus propósitos, de simplificar a atuação da administração

fiscal.480

Segundo ainda aponta a OCDE, há ainda o risco de dupla imposição tributária e de

dificuldades no chamado procedimento amigável (Mutual Agreement Procedure). Isso porque

o estabelecimento de regras de safe harbour por um Estado pode forçar a empresa a

aproximar seus resultados artificialmente para se adequar aos parâmetros estabelecidos ou

mesmo ocasionar um resultado prejudicial para a tributação do outro Estado, em que

residentes as empresas vinculadas, o que pode não ser aceito por aquele Estado e resultar na

tributação pelo princípio arm’s length, diferentemente do primeiro Estado tributante, o que

resultaria na dupla tributação. A contestação quanto a este fato somente seria possível,

478 Já que, como manifesta aquele organismo internacional, o princípio arm’s length “requires the use of a pricing method that is consistent with the conditions that independent parties engaged in comparable transactions under comparable conditions would have agreed upon in the open market”. Idem. Ibidem. p. IV-35.479 Cf. Idem. Ibidem. p. IV-35.480 Cf. Idem. Ibidem. p. IV-35.

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destarte, caso o contribuinte comprovasse que o preço estabelecido através do safe harbour

corresponde àquele arm’s length, podendo inclusive fazê-lo a partir de um MAP.

A dupla tributação pode, da mesma forma, ocorrer quando mais de um Estado adote

os safe harbours através de métodos conflitantes, em especial quando cada Estado esteja

interessado em proteger suas receitas fiscais, sendo improvável que haja na prática uma

harmonização de regras que viesse a eliminar este fenômeno pluriimpositivo.481

O uso dos safe harbours pode, ainda, como sublinham as Guidelines da OCDE, ser

um canal para o planejamento tributário, eis que podem resultar potencialmente em uma

redução na tributação da renda pelo país que impôs o método, na medida em que preços ou

lucros não de acordo com o princípio arm’s length surjam, permitindo que a renda tributável

seja movida para Estados com tributação baixa ou jurisdições com tributação favorecida (tax

heavens).482

A OCDE aponta, finalmente, que o safe harbour ocasiona problemas de igualdade e

uniformidade, já que, com sua implementação, surgem dois sistemas de regramento na área de

transfer pricing, um requerendo conformidade com o princípio arm’s length e outro com um

sistema simplificado de condições.483

Deste modo, tendo em vista que os safe harbours podem ser aplicados tendo como

partes envolvidas determinadas espécies de contribuinte e outras não, é evidente que poderá

ocorrer discriminação e distorções competitivas, já que contribuintes em situações

semelhantes, ainda que não equivalentes, serão submetidos a regimes tributários distintos. A

submissão a um tratamento tributário preferencial configura afronta ao princípio da igualdade,

no Brasil possuidor de alto grau axiológico, constitucional por excelência.

Em resumo, a utilização dos safe harbours pode atingir diversos objetivos

relacionados à necessidade de controle dos preços de transferência, mas pode, de igual

maneira, ocasionar diversos problemas, dentre eles a formação dos preços praticados entre

empresas associadas tomando como base seus limites, a eventual redução na receita fiscal dos

481 Cf. Idem. Ibidem. p. IV-38.482 Cf. Idem. Ibidem. p. IV-39.483 Cf. Idem. Ibidem. p. IV-39.

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Estados que os implementam, bem como naquelas jurisdições em que localizadas as empresas

vinculadas, e ainda, a formação de preços distorcidos em razão de as regras de safe harbours

não corresponderem com o princípio arm’s length.

Nos termos do direito brasileiro, podemos considerar como regras de safe harbour

as seguintes, presentes na Lei n.º 9.430/96 e norma complementar regulamentadora, IN/SRF

n.º 243/2002:

(i) art. 19, caput e § 1º, da Lei n.º 9.430/96: exportações cujo valor seja igual ou

superior a 90% do preço médio praticado no mercado brasileiro;

(ii) art. 22, § 4º da Lei n.º 9.430/96: contratos de empréstimo registrados no

BACEN;

(iii) art. 30 da IN/SRF n.º 243/2002: exportações para empresa vinculada, com o

objetivo de conquistar mercado, em outro país, para os bens, serviços ou direitos de produção

no território brasileiro, podendo ser efetuadas a preços médios inferiores a noventa por cento

dos preços médios praticados no Brasil;

(iv) art. 38 da IN/SRF n.º 243/2002: margem de divergência de até 5%, para mais

ou para menos, entre o preço ajustado a ser utilizado como parâmetro, em comparação ao

preço efetivamente praticado;484

(v) art. 35 da IN/SRF n.º 243/2002, com a redação dada pela IN/SRF n.º 383/2003:

lucro líquido, antes da provisão da CSLL e do imposto de renda, decorrente das receitas de

vendas nas exportações para empresas vinculadas, em valor equivalente a, no mínimo, cinco

por cento do total dessas receitas, considerando a média anual do período de apuração e dos

dois anos precedentes, não se aplicando em relação às vendas efetuadas para empresa,

vinculada ou não, domiciliada em país ou dependência com tributação favorecida, ou cuja

legislação interna oponha sigilo;

(vi) art. 36 da IN/SRF n.º 243/2002: receita líquida das exportações, no ano-

calendário, não excedente a cinco por cento do total da receita líquida no mesmo período, não

484 Impõe-se observar que, superado o percentual tido como limite, todo o valor correspondente à divergência deverá ser oferecido a tributação, e não somente a diferença entre os 5% e o valor total divergente apurado.

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se aplicando em relação às vendas efetuadas para empresa, vinculada ou não, domiciliada em

país ou dependência com tributação favorecida, ou cuja legislação interna oponha sigilo;

Observamos, no entanto, que as duas últimas situações não se enquadram

exatamente no conceito de safe harbour conforme estabelecido pela IFA e por nós trabalhado,

já que a IN/SRF n.º 243/2002 estabelece, no artigo posterior, que tal condição não implica a

aceitação definitiva do valor da receita reconhecida com base no preço praticado, o qual

poderá ser impugnado, se inadequado, em procedimento de ofício, pela SRF.485

A par disso, as regras impostas pelas instruções normativas regulamentadoras da Lei

n.º 9.430/96 somente serão válidas desde que encontrem precedentes na lei que

regulamentam, isto é, se não introduzirem regras novas ou contra aquelas dispostas naquele

dispositivo. Caso contrário, é lídima a alegação de manifesta ilegalidade perpetrada pela

norma complementar, o que na prática não interessa ao contribuinte contestar, desde que suas

determinações lhe sejam benéficas, como ocorre no caso do art. 38 da IN/SRF n.º 243/2002.

485 Neste sentido, SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 151. Para o autor, estes artigos, “longe de conferir definitividade aos preços praticados, apenas servem como instrumento de fixação de ônus da prova, na medida que conferem às autoridades administrativas o ônus de demonstrar que preços praticados em operações de que tratam os artigos 33 e 34 da IN/SRF n.º 38/97 [que correspondem aos atuais 35 e 36 da IN/SRF n.º 243/2002], comprovados com base nos documentos relacionados com a própria operação, não atendem ao princípio arm’s length”. Idem. Ibidem. p. 151.

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251

9

Conclusões

O comércio internacional passou a ter uma relevância muito grande nas últimas

décadas, trazendo como conseqüência a distribuição estratégica das operações comerciais

pelas empresas, ocasionando a criação e a multiplicação de estabelecimentos de toda a

natureza em diversas partes do mundo, dentro de um aspecto estratégico e de sobrevivência

das empresas.

Aliado a este contexto comercial, as empresas também passaram a adotar práticas

propositais de aumento de custos ou redução de preços segundo os interesses do grupo, ao que

se convencionou chamar de “preços de transferência” (transfer pricing), tornando

indispensável às diversas soberanias adotarem normas de determinação dos preços pelos quais

as operações de transferência entre partes relacionadas deverão se realizar.

O interesse pelo controle dos preços de transferência surgiu, por sua vez, da

necessidade de minimizar a dupla tributação internacional sobre as rendas das empresas, o

que levou diversos organismos internacionais a se debruçarem em pesquisas objetivando

encontrar soluções para o problema, já desde a primeira metade do século passado.

Em relação ao conceito de “preço de transferência”, entendemos deva ser mais

adequado tratá-lo de forma neutra, destituído de qualquer adjetivo que possa lhe atribuir uma

qualificação positiva ou negativa, antes, portanto, de um juízo de valor, inclusive quanto à

licitude de sua utilização.

Consideramos, neste sentido, como sendo o valor legalmente admitido pela

autoridade fiscal como aquele praticável entre empresas interdependentes, para fins de

dedução do custo nas importações ou admissibilidade como receita de exportação nas

operações que envolvam bens, direitos, serviços e juros praticados entre pessoas vinculadas

residentes e domiciliadas em diferentes jurisdições fiscais. Ou, conforme estipula a legislação

brasileira, ainda que não vinculadas, desde que uma das partes esteja localizada em país ou

dependência considerado como de “tributação favorecida” (tax heaven jurisdiction) ou que

oponha sigilo societário.

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O ideal dos Estados de inibir a prática de preços estrategicamente influenciados por

relações intra-grupo tem como pano de fundo a aplicação do princípio arm’s length, pelo qual

se tem o preço que seria estipulado ou normalmente praticado entre duas partes

independentes, sem qualquer vinculação entre si, correspondente ao preço objetivo, de

mercado ou de livre concorrência, sob condições análogas.

Especificamente sobre esta matéria, a OCDE publicou, em 1979, um relatório

denominado “Transfer pricing and multinational enterprises”, discorrendo sobre a aplicação

do art. 9º do Modelo de Convenção de sua autoria, e que veio estabelecer os “métodos”

aplicáveis para definição do preço arm’s length, seguindo-se outros relatórios, publicados em

1984 e 1995, este, atualmente em vigor com as atualizações de 1996, 1997 e 1999, e com a

denominação de “Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax

Administrations”.

A OCDE tem manifestado que, a partir da última década, um dos aspectos que vem

gerando forte impacto no controle de preços é o desenvolvimento da área do comércio

eletrônico, decorrente da revolução ocorrida nas comunicações através de novas tecnologias,

tendo sido reconhecido, em âmbito internacional, que o comércio eletrônico trouxe novos e

significantes problemas para as administrações tributárias, levando a OCDE e outras

autoridades tributárias a iniciar estudos que vêm sendo acompanhados por cientistas de

diversas disciplinas em âmbito mundial, com o objetivo de colaborar na solução das

complicadas questões surgidas no seio tanto das multinational enterprises quanto das

autoridades tributárias.

Antes de 1996, o Brasil não dispunha de qualquer referência ao transfer pricing,

apesar de seu principio norteador já haver sido previamente inserido em nosso ordenamento

jurídico, havendo, anteriormente a este período, diversos acordos internacionais em vigor

contemplando tal princípio, bem como legislação especificamente destinada ao seu

cumprimento.

As regras de transfer pricing impõem que, verificando-se divergência entre o preço

praticado e aquele de livre concorrência, entram em cena os métodos destinados à

manutenção do princípio, exercendo, a Administração Tributária, o controle sobre os preços

de transferência com objetivos fiscais e extrafiscais.

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253

Uma vez aplicados os métodos com os respectivos critérios de ajuste, em havendo

divergência entre o resultado encontrado e aquele arm’s length, poderá ocorrer uma

retificação dos preços e da respectiva contabilidade, para mais ou para menos, tudo com o

propósito de aproximar os preços considerados na apuração do lucro aos de mercado,

formados em uma transação entre sujeitos independentes, em condições de livre concorrência.

Considerando que os princípios podem ser tratados como “valores” ou como

“limites objetivos”, ao buscar atingir o princípio “valor” da capacidade contributiva, o

princípio “limite-objetivo” arm’s length age para resgatar a efetiva capacidade econômica

omitida quando da manipulação dos preços pelas partes relacionadas, através de sub ou

superfaturamento, e oferecer à tributação os valores correspondentes, consagrando, assim,

outro princípio da tributação, qual seja o da generalidade, que impõe deva o tributo alcançar

todas as pessoas até o limite da respectiva capacidade contributiva, sem distinções ou

privilégios.

Tal princípio vem sendo tratado pela doutrina como verdadeiramente válido para

orientar as regras de transfer pricing, em que pese haja diversas posições criticando sua

potencialidade para representar a única forma de se chegar ao preço parâmetro. Perante o

direito brasileiro, ele aparece através do estabelecimento de uma série de presunções legais

através das definições e métodos previstos na Lei n.º 9.430/96, porém, a doutrina brasileira

não aceita, à unanimidade, ter sido o princípio validamente introduzido em nosso sistema.

Em verdade, o legislador brasileiro objetiva, com a prescrição dos métodos de

controle dos preços de transferência, a positivação do princípio em nosso sistema jurídico,

ainda que para isso se utilize de regras que se traduzam em verdadeiras presunções legais

relativas, forma legal e reconhecidamente válida para o exercício do poder impositivo

tributário, afastando-se, desde logo, possam trilhar do mesmo caminho as presunções

absolutas ou ficções, por não se compaginarem com os princípios constitucionais que

norteiam o sistema jurídico tributário em nosso país.

Parece-nos mais apropriado interpretar, portanto, que o princípio arm’s length foi

efetivamente introduzido em nosso ordenamento jurídico desde que se considere haver, tanto

na legislação interna quanto naquela advinda de acordos internacionais, permissão para a

utilização de métodos de apuração dos preços de transferência iniciados a partir de presunções

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relativas, em que haja ampla possibilidade de dilação probatória, ampla defesa e contraditório,

sob pena de, não havendo, estar-se diante de normas que geram presunções absolutas,

intoleráveis em nosso sistema constitucional.

Contrariu sensu, somente uma interpretação extensiva do princípio é que poderia lhe

remover a pecha da inconstitucionalidade, ou seja, desde que se admita que o contribuinte

pratique preços diferentes daqueles de mercado caso possua uma razão econômica para tanto,

do que adviria a substituição das normas legais vigentes e o reconhecimento de sua

inconstitucionalidade, ocasionando ainda a distorção do conceito original do princípio.

No Brasil, é visualizada uma ampliação do alcance destas regras inibidoras da

prática de preços de transferência afastados do princípio arm’s length, ao serem dirigidas,

também, além das trocas entre estabelecimentos de pessoas vinculadas situados em diferentes

territórios, às operações realizadas com pessoas localizadas em países de tributação

favorecida (tax heavens) e de regime societário favorecido, independentemente de haver

qualquer espécie de vinculação. O próprio conceito de pessoa vinculada é bastante extenso na

legislação brasileira, considerando, ainda, como vinculadas, consórcio ou condomínio e até o

companheiro de qualquer dos diretores, sócios ou acionistas controladores.

O mecanismo de controle dos preços de transferência age sobre a base de cálculo

presente no critério quantitativo da regra-matriz de incidência, sendo integrantes do regime de

controle de preços de transferência os tributos incidentes sobre a renda, cobrados no âmbito

de cada soberania. No Brasil, de acordo a Constituição Federal de 1988, foi atribuída à União

Federal a competência para a instituição dos tributos tendo como fato gerador o auferimento

de renda, conforme prevêem os arts. 153, III e 195, I, “c”, sendo, respectivamente, o “Imposto

de Renda” e a “Contribuição Social sobre o Lucro Líquido”.

O fato jurídico que desencadeia a aplicação dos métodos de controle dos preços de

transferência são as operações de compra e venda de bens ou serviços com preços divergentes

dos de mercado e o impacto que tais atos jurídicos causam na formação da base de cálculo dos

tributos incidentes sobre a renda das partes envolvidas. Cada método possui seu respectivo

critério de ajuste, para que se possa dar à operação submetida a controle a comparabilidade

necessária em relação à outra ou às outras operações que servirão de parâmetro.

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Os elementos de análise para fins de controle dos preços de transferência dependem

de alguns pressupostos, subjetivos e objetivos, além daqueles relacionados ao elemento de

estraneidade e à existência de nexo causal entre a vantagem anormal e a relação de

reciprocidade.

As normas de controle sobre os preços de transferência são aplicáveis somente nas

relações entre pessoas físicas e jurídicas residentes no Brasil e pessoas físicas ou jurídicas

residentes no exterior, não sendo aplicáveis, portanto, às relações entre pessoas domiciliadas

internamente. Trata-se de elemento que possui conexão de natureza subjetiva (pessoal)

constituído pela qualificação de “não residente” a uma das partes da relação, devendo estar

esta submetida a outro ordenamento tributário, de outra soberania.

Necessariamente, um dos seguintes requisitos deverá ser atendido: (i) a parte

residente no exterior deve ser “pessoa vinculada” – por relações recíprocas de controle,

dependência ou vínculo econômico faticamente determinável – àquela localizada no país que

aplicará as normas sobre preços de transferência; ou, (ii) embora não vinculada, seja

domiciliada em país ou dependência com tributação favorecida ou que oponha sigilo relativo

à composição societária de pessoas jurídicas. Este segundo requisito foi introduzido pelo

direito brasileiro, nada havendo nesse sentido no Modelo de Convenção da OCDE e

conseqüentemente nos acordos bilaterais firmados pelo Brasil, eis que estes tomam aquele

como arquétipo.

A aplicação dos métodos de controle dependerá, sempre, da existência de

divergência entre o preço pactuado e aquele arm’s length, o que é indispensável para que se

dê a relevância fiscal e consequentemente a incidência dos tributos devidos tendo como base

de cálculo o valor apurado a partir dos ajustes decorrentes desta divergência.

Uma vez efetuada a comparabilidade e verificada a vantagem anormal e existindo

um nexo de causalidade entre ela a relação de reciprocidade entre as partes envolvidas na

operação, instaura-se uma relação jurídica tributária, tendo no pólo passivo a pessoa residente,

no pólo ativo a administração tributária e, como objeto, o tributo devido incidente sobre a

base de cálculo formada pelo rendimento que decorre da divergência encontrada. A vantagem

anormal, portanto, deve ser isolada através da comparabilidade, tudo com o objetivo de se

apurar se os preços de transferência atenderam ou não ao princípio arm’s length.

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Conforme expõe a OCDE, ao serem efetuadas as comparações, as diferenças

materiais entre as transações objeto de comparação devem ser levadas em consideração e,

objetivando estabelecer o grau da comparabilidade real e consequentemente proceder aos

ajustes apropriados a fim de estabelecer as condições arm’s length, faz-se mister comparar

determinados atributos das transações ou empresas que poderiam afetar condições em

negócios at arm’s length, que consistem nos seguintes: (i) as características da propriedade ou

serviços objeto de transferência, (ii) as funções desempenhadas pelas partes, levando em

consideração os ativos utilizados e os riscos assumidos, (iii) os termos contratuais, (iv) as

circunstâncias econômicas das partes e (v) as estratégias de negócios praticadas pelas partes.

A determinação do preço arm´s length pode ser realizada através de duas maneiras:

através da análise produto a produto e através da análise transação a transação, sendo

premissa adotada pela OCDE que a obtenção do preço arm´s length efetivo pode depender da

avaliação em conjunto de transações isoladas ou de uma avaliação individualizada de todos os

componentes de uma transação, sendo necessário seu desmembramento.

A regra, no direito brasileiro, é a do desmembramento da transação para a análise

produto a produto, sendo exceção o critério da “cesta de produtos” (basket approach) ou

análise transação a transação, ao contrário da proposta da OCDE. Encontra-se tal regra geral

positivada em nosso ordenamento, calando-se, no entanto, em relação a eventual utilização da

regra excepcional. A interpretação mais coerente com o sistema constitucional brasileiro,

contudo, em se considerando que o legislador infraconstitucional, ao instituir as regras de

preços de transferência, o fez conduzido pelo princípio arm´s length, é a de que não há

vedação para a utilização do basket approach para a análise comparativa.

O direito brasileiro dispõe que dois ou mais bens, em condições de uso na finalidade

a que se destinam, serão considerados similares quando, simultaneamente, tiverem a mesma

natureza e a mesma função; puderem substituir-se mutuamente, na função a que se destinem

e; tiverem especificações equivalentes. É essencial, na seleção de produtos idênticos e ou

similares, a questão da marca, qualidade e reputação comercial. Nas regras de transfer

pricing, quanto à consideração de serem similares mercadorias produzidas em países distintos,

não há, como regra, a necessidade de análise comparativa prioritária entre mercadorias

produzidas pela própria empresa, eis que a forma adotada para o controle de preços consiste

exatamente na comparação entre empresas distintas.

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Os métodos de controle dos preços de transferência sugeridos pela OCDE estão

previstos em suas Guidelines e divididos em “Traditional Transaction Methods” e

“Transactional Profit Methods”, sendo que ambas as classes são aplicáveis tanto às operações

ativas (exportações) quanto passivas (importações). Os métodos brasileiros estão, por sua vez,

previstos na Lei n.º 9.430/96, atualmente regulamentada pela IN/SRF n.º 243/2002 e

alterações posteriores.

Os métodos “tradicionais transacionais” da OCDE são os seguintes: (i) CUP –

Comparable Uncontrolled Price Method; (ii) RPM – Retail Price Method; e (iii) CPM – Cost

Plus Method. Aqueles denominados de “transacionais baseados no lucro das operações” por

aquela organização internacional são: (i) PSM – Profit Split Method e (ii) TNMM –

Transactional Net Margin Method.

O método CUP é o método de controle de preços de transferência que consiste em

comparar o preço de bens ou de serviços transferidos numa operação vinculada (“operação

controlada”) com o preço faturado em relação a bens ou serviços transferidos no âmbito de

uma operação entre empresas independentes, em circunstâncias comparáveis.

O método RPM é o método de preço de transferência que toma por base o preço pelo

qual um produto comprado de uma empresa associada é revendido a uma empresa

independente, sendo deduzida do preço de revenda uma margem bruta e, o resultado obtido

pode ser considerado, após o ajustamento relativo a outros custos conexos com a compra do

produto (por exemplo, tributos alfandegários), um preço arm’s length.

O método CPM é o método de preço de transferência que toma como base os custos

suportados pelo fornecedor de bens ou de serviços no âmbito de uma operação vinculada. A

estes custos é acrescida uma margem de modo a obter um lucro adequado (mark up) tendo em

atenção as funções exercidas, os ativos utilizados, os riscos assumidos e as condições de

mercado. O resultado obtido após o adicionamento da margem de ganho acrescido aos custos

mencionados pode ser considerado um preço arm’s length da operação original entre

empresas associadas.

O PSM é um método de controle dos preços de transferência com base nos lucros da

operação, que consiste em identificar o lucro combinado a dividir entre as empresas

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associadas na seqüência de uma operação controlada (ou de operações controladas que podem

ser englobadas) e em proceder à posterior repartição desses lucros entre as empresas

associadas, assente numa base economicamente válida, idêntica à repartição dos lucros que

teria sido combinada e refletindo um acordo baseado no princípio arm’s length.

O TNMM é o método de controle dos preços de transferência baseado no lucro da

operação e que consiste em verificar a margem de lucro líquida em relação a uma base

adequada (por exemplo, os custos, as vendas ou os ativos) que um contribuinte obtém a partir

de uma ou várias operações controladas.

A OCDE tem o CUP como método preferencial, sem prejuízo dos demais, desde que

seja possível identificar transações comparáveis no mercado aberto, por considerá-lo o meio

mais direto e consistente para aplicar o princípio arm’s length.

Firmada na premissa da preferência do método CUP, a OCDE potencializa sua

utilização mesmo que haja dificuldades na tentativa de efetuar os ajustes razoáveis

necessários para tornar as operações comparáveis, devendo ser suplementado, se necessário,

por outros métodos apropriados, por sua vez dependentes de avaliação quanto a sua

confiabilidade, devendo cada esforço ser efetuado para ajustar os dados de modo a serem

apropriadamente usados naquele método preferencial. A confiabilidade relativa do método

CUP, destarte, é afetada pelo grau de correção ao qual os ajustes podem ser efetuados para

alcançar a comparabilidade

Aquela organização internacional, em 1995, apresentou em seu relatório

(Guidelines) que a experiência demonstrava que na maioria dos casos era possível a aplicação

dos métodos transacionais tradicionais. Desde então, entretanto, os métodos transacionais

sobre o lucro vêm sendo utilizados em maior escala tanto pelos contribuintes quanto pelas

administrações fiscais, em especial por trabalharem com a integração das funções internas dos

grupos multinacionais e também com intangíveis exclusivos e de alto valor. Atualmente, a

OCDE está revisando o tratamento dos métodos sobre o lucro como parte do processo de

monitoramento do uso das Guidelines, conforme manifesta em seu relatório E-Commerce:

Transfer pricing and business profits taxation.

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Nada obstante, a própria OCDE tem mantido o método CUP como preferencial,

inclusive quando as operações sob análise estejam relacionadas a operações de e-commerce,

sugerindo se iniciar a análise a partir do exame quanto a existência de transações comparáveis

realizadas por partes independentes de modo que o método CUP possa ser aplicado e, diante

da dificuldade em encontrar produtos ou serviços suficientemente comparáveis ou ainda de

sua indisponibilidade, que possam prejudicar a confiabilidade do método, outros

“tradicionais” sejam utilizados (RPM e CPM) de forma isolada ou em conjunto,

primeiramente e, posteriormente, os “transacionais baseados no lucro das operações” (PSM e,

em especial, o TNMM).

Nas Guidelines da OCDE, os métodos transacionais tradicionais são considerados

como preferenciais aos outros métodos, sendo os métodos transacionais baseados no lucro

tratados como métodos utilizáveis somente em último caso (last resort methods), ficando seu

uso limitado àquelas situações excepcionais em que não haja dados disponíveis ou em que os

dados disponíveis não possuam confiabilidade suficiente para uma utilização consistente nos

métodos considerados tradicionais.

Em relação a este aspecto, recentemente a OCDE levantou a questão quanto a

adequação da consideração de os métodos transacionais com base no lucro serem last resort

methods. Tal questão surgiu no âmbito de processo de consulta instaurado por aquela

organização objetivando tratar de algumas das deficiências práticas das Guidelines e

monitorar sua utilização.

A consideração quanto a preferência dos métodos tradicionais, o que em

conseqüência coloca os métodos transacionais baseados no lucro em segundo plano, por ter

surgido em 1995, quando as operações sujeitas ao controle de preços não possuíam decerto as

complexidades que hoje se apresentam, conforme vem manifestando a doutrina internacional,

não mais deve prevalecer.

Do que decorre que aos métodos baseados no lucro deve ser concedida a qualidade

de métodos alternativos, em prejuízo daquela sua classificação como métodos utilizáveis

somente em último caso (last resort), tendo em vista que, atualmente, há diversas situações

em que estes métodos são os mais adequados para a apuração efetiva dos preços arm’s length,

em especial quando as operações controladas envolverem intangíveis (sobretudo marcas e

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propriedade intelectual) e as funções das empresas relacionadas forem altamente integradas, o

que pode acarretar a falibilidade dos métodos tradicionais.

É firmada a premissa de que o princípio arm’s length não exige a aplicação de mais

de um método, o que implicaria, caso exigido, em uma carga considerável para os

contribuintes sujeitos a comprovação dos preços de transferência, de modo que às

administrações tributárias e aos contribuintes não é imposto que apliquem todos ou mesmo

alguns métodos em suas análises a fim de se comprovar qual seria o mais adequado.

No contexto da fungibilidade de seus métodos, a OCDE dispõe que, havendo

dificuldade na escolha de um, poderá ser selecionado aquele que represente de melhor forma

possível o preço arm’s lengh, permitindo ainda, em uma abordagem flexível, que, em casos

complexos em que nenhum dos métodos seja conclusivo, sejam utilizados em conjugação os

dados obtidos através de métodos distintos, em que se procurará chegar a uma conclusão

consistente com aquele princípio, satisfatória para todas as partes – contribuintes e Fisco.

A OCDE manifesta, por final, que há que se acolher qualquer método, desde que

seja aceitável para os membros do grupo multinacional que intervenham na operação sujeita

ao controle de preços, e também para as Administrações Fiscais dos países que ficarão

submetidas ao método aplicado.

Os métodos previstos na legislação brasileira, por sua vez, estão divididos para as

operações passivas (importações) e ativas (exportações). Para as importações, as normas

brasileiras prevêem os seguintes métodos: (i) PIC – Preços Independentes Comparados; (ii)

PRL – Preço de Revenda menos Lucro; e (iii) CPL – Custo de Produção mais Lucro. Já as

operações de exportação estão sujeitas aos seguintes métodos: (i) PVEx – Preço de Vendas

nas Exportações; (ii) PVA – Preço de Venda por Atacado no País de Destino, diminuído do

lucro; (iii) PVV – Preço de Venda no Varejo no País de Destino, diminuído do lucro; e (iv)

CAP – Custo de Aquisição ou de Produção mais Tributos e Lucro.

A legislação brasileira não comporta os dois métodos “transacionais baseados no

lucro das operações” previstos pela OCDE, o que significa dizer que, pela rigidez da

legislação brasileira, tais métodos nunca poderão ser aplicados, a menos que se tratem de

operações realizadas entre partes associadas localizadas uma no território nacional e outra em

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jurisdição com a qual o Brasil mantenha acordo internacional que contenha disposição nos

moldes daquela presente no art. 9º da Convenção Modelo, no nosso ver.

No Brasil não existe previsão legislativa quanto à aplicação dos métodos de controle

sobre bens intangíveis, ao contrário da disciplina introduzida no âmbito da OCDE. Deste

modo, royalties, assistência técnica e científica têm condições de dedutibilidade de despesas

em disciplina mantida na forma de legislação específica, atualmente consolidada no

Regulamento do Imposto de Renda (RIR) – Decreto n.º 3.000/99, através de seus arts. 351 a

355.

Os métodos previstos na legislação brasileira, assim como aqueles sugeridos pela

OCDE, podem ser classificados como diretos e indiretos. Os primeiros são considerados

diretos pelo fato de prescindirem de levantamentos de dados ou de definição de margens de

lucro, servindo para a comparação a simples identificação do preço de mercado praticado com

produtos similares, em condições de pagamento semelhantes. Os segundos, ao contrário,

dependerão de dados coletados e de margens de referência, e trabalham com a demonstração

de qual poderia ser o preço praticado em uma transação sem vantagens, em prejuízo de

comparações baseadas em operações de fato concretizadas. Temos que o método dos Preços

Independentes Comparados (PIC) e o método de Preço de Venda nas Exportações (PVEx) se

enquadram nos métodos diretos; os demais, preenchem as características definitórias dos

métodos indiretos.

O método PIC é aquele destinado a confrontar os preços dos produtos transferidos

em uma transação controlada com o preço praticado em transações com partes independentes,

em condições de pagamento equivalentes. Trata-se do método mais simples, que objetiva

verificar a ocorrência de transferência de preços a partir da comparação efetuada, a fim de se

apurar eventual superfaturamento.

O método PRL consiste na apuração da média aritmética dos preços de revenda dos

bens ou direitos, diminuídos (i) dos descontos incondicionais concedidos; (ii) dos impostos e

contribuições incidentes sobre as vendas; (iii) das comissões e corretagens pagas; (iv) da

margem de lucro de (iv.i) sessenta por cento, calculada sobre o preço de revenda após

deduzidos os valores referidos anteriormente e do valor agregado no País, na hipótese de bens

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importados aplicados à produção; (iv.ii) vinte por cento, calculada sobre o preço de revenda,

nas demais hipóteses.

Consderamos tratar-se o PRL do método que mais tem causado polêmica nos meios

jurídicos, desde que foi colocada a questão concernente a se o método PRL tem sua utilização

limitada a meras operações de revenda ou é admissível aplicá-lo a operações em que o

importador-revendedor acrescenta alguma utilidade ao bem.

No direito internacional, a OCDE, já prevendo eventuais incertezas quanto a

aplicabilidade do método Resale Price (RPM) – que é equivalente ao nosso PRL – nas

operações em que o bem adquirido sofresse algum processo de transformação, ou a ele fosse

agregado algum valor material ou ele próprio viesse a outro bem agregar algum valor,

procedeu a algumas orientações através de suas Guidelines.

Em nosso sistema jurídico, somente com o advento da Lei n.º 9.959/2000 é que foi

validamente introduzida a vedação parcial de utilização do método nas hipóteses de bens

importados destinados a produção, o que era anteriormente feito tão somente por instrução

normativa editada pela SRF.

A partir deste dispositivo legal, o que se tem presente no direito brasileiro é a

possibilidade de ser aplicado o método PRL-20 – que estabelece a margem de lucro de 20%

(vinte por cento) calculada sobre o preço de revenda nas hipóteses em que o bem, serviço ou

direito não seja empregado, utilizado ou aplicado, pela própria empresa importadora, na

produção de outro bem, serviço ou direito – (i) quando o bem importado é revendido

simplesmente, sem qualquer modificação ou agregação em seu valor e (ii) quando o bem

importado é utilizado na produção de outro bem, desde que não seja aquele (o bem

importado) objeto de transformação e, contrariamente, o método não poderá ser aplicado,

remetendo-se para o PRL-60 – que estabelece a margem de lucro de 60% (sessenta por cento)

calculada sobre o preço de revenda nas hipóteses em que o bem, serviço ou direito seja

empregado, utilizado ou aplicado, pela própria empresa importadora, na produção de outro

bem, serviço ou direito –, desde que o bem seja objeto de transformação que lhe altere sua

funcionalidade, emprego ou utilidade, condicionado à existência de provas inequívocas da

existência desta transformação, preponderando a verdade material sobre a mera presunção

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legal, corolário do princípio da capacidade contributiva, que se apresenta no art. 145, § 1º da

Constituição Federal.

O método CPL, último aplicável às operações de importação, é definido como o

custo médio de produção de bens, serviços ou direitos, idênticos ou similares, no país onde

tiverem sido originariamente produzidos, acrescido dos impostos e taxas cobrados pelo

referido país na exportação e de margem de lucro de vinte por cento, calculada sobre o custo

apurado.

O método PVEx consiste na apuração da média aritmética dos preços de venda nas

exportações efetuadas pela própria empresa, para outros clientes, ou por outra exportadora

nacional de bens, serviços ou direitos, idênticos ou similares, durante o mesmo período de

apuração da base de cálculo do imposto de renda e em condições de pagamento semelhantes.

O método PVA apura o preço a partir da média aritmética dos preços de venda de

bens, idênticos ou similares, praticados no mercado atacadista do país de destino, em

condições de pagamento semelhantes, diminuídos dos tributos incluídos no preço, cobrados

no referido país, e de margem de lucro de quinze por cento sobre o preço de venda no

atacado.

O método PVV define o preço pela média aritmética dos preços de venda de bens,

idênticos ou similares, praticados no mercado varejista do país de destino, em condições de

pagamento semelhantes, diminuídos dos tributos incluídos no preço, cobrados no referido

país, e de margem de lucro de trinta por cento sobre o preço de venda no varejo.

Finalmente, o método CAP apura o preço através da média aritmética dos custos de

aquisição ou de produção dos bens, serviços ou direitos, exportados, acrescidos dos impostos

e contribuições cobrados no Brasil e de margem de lucro de quinze por cento sobre a soma

dos custos mais impostos e contribuições.

Tem-se, ainda, que a prática de operações desrespeitando o princípio arm’s length

pode ocorrer não somente por intermédio dos preços combinados em operações de importação

e exportação, mas também através da transferência de juros, bens intangíveis e serviços.

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Os juros pagos ou creditados por pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil a não

domiciliadas e as receitas financeiras decorrentes de mútuo auferidas por aquelas primeiras

recebem tratamento específico, dispondo o art. 22 da Lei n.º 9.430/96 que, para fins de

dedução e tributação, devem ser utilizados respectivamente os limites máximos e mínimos

correspondentes ao “montante que não exceda ao valor calculado com base na taxa Libor,

para depósitos em dólares dos Estados Unidos da América pelo prazo de seis meses, acrescida

de três por cento anuais a título de spread, proporcionalizados em função do período a que se

referirem os juros”. De tal imposição estão excluídos os juros decorrentes de contratos

registrados no BACEN.

Entendemos haver meios de o contribuinte contestar a taxa de spread prevista na lei,

apresentando documentos ou qualquer outro meio de prova legítimo, requerendo sua

modificação para aquela corrente no mercado no momento da realização da operação

controlada, o que evitaria a evidente inconstitucionalidade ocasionada pela utilização de uma

presunção legal absoluta.

No que concerne aos intangíveis, a legislação brasileira exclui os royalties e

assistência técnica, cientifica, administrativa ou assemelhada da sujeição a aplicação dos

métodos dos preços de transferência. A instrução normativa que regulamenta a matéria

também dispõe expressamente que tais métodos não são aplicáveis tanto nas operações ativas

quanto passivas.

Esta distinção é vista como inconstitucional, por implicar tratamento desigual entre

operações de importação ou exportação de bens materiais e imateriais, devendo se aplicar, às

operações com bens intangíveis, as mesmas regras e os mesmos métodos prescritos para as

outras espécies de bens, direitos e serviços, sempre com base no princípio arm’s length.

Tal questão é disciplinada de forma diferente pela OCDE, que considera como

royalties somente os quantitativos compreendidos dentro do padrão arm’s length, ou seja, o

valor acordado entre as partes na ausência de relações especiais, considerando os valores

normais de mercado, ficando o excedente sujeito a tributação na forma da legislação de cada

um dos Estados contratantes – quando da existência de um Convênio firmado nos moldes do

Modelo OCDE – ou submetido a outro regime convencional, como o dos dividendos.

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A utilização dos métodos pode se configurar como (i) uma imposição legal, assim

no sistema brasileiro, e como (ii) mera sugestão, como disposto nas Guidelines da OCDE, em

que afirmada a liberdade de se determinar o preço de transferência através de outros métodos

que não aqueles mencionados, o que, entendemos, vale entre os países signatários de acordos

internacionais nos termos do art. 9º do Modelo.

Em que pese a inexistência de hierarquia na aplicação dos métodos previstos na

legislação brasileira, devendo ser aplicado aquele que seja mais benéfico ao contribuinte,

muito se tem discutido quanto ao cabimento da aplicação de outros métodos que não aqueles

previstos na lei, desde que dirigidos ao atendimento do princípio arm’s length.

De modo que, tendo o Brasil compartilhado com Estados estrangeiros, através de

convenções internacionais, regras aplicáveis a apuração dos lucros auferidos em operações de

comércio exterior realizadas entre partes relacionadas, deverá submeter-se – e assim também

o co-contratante estrangeiro – e fazer com que seus jurisdicionados se submetam aos ditames

destes tratados, eis que valem como norma vigente de direito tributário internacional e direito

tributário interno.

As convenções internacionais editadas com o escopo de evitar a dupla tributação

internacional introduziram em nosso ordenamento o princípio arm’s length, dispondo que,

desde que empresas associadas pratiquem em suas relações comerciais e financeiras

condições especiais, que empresas não relacionadas (independentes) não manteriam, poderão

ser feitos ajustes no lucro pelas administrações tributárias dos Estados Contratantes (cf. art. 9º

da Convenção Modelo da OCDE).

A lei ordinária introdutora das normas de preços de transferência no direito

brasileiro (Lei n.º 9.430/96) veio extravasar o conceito de pessoa vinculada dado pelas

convenções assinadas pelo Brasil, considerando como passíveis de serem submetidas às

regras do transfer pricing não só as associadas, mas todas aquelas previstas em seu art. 23.

Deste modo, em havendo uma operação realizada entre partes relacionadas, e desde

que uma destas partes esteja localizada em um Estado com o qual o Brasil possua acordo

firmado em que conste o art. 9º nos moldes da Convenção Modelo, somente poderão incidir

as regras de preços de transferência desde que estas partes relacionadas sejam associadas,

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assim consideradas aquelas conforme a previsão do art. 9º. Entretanto, caso as empresas não

sejam associadas, em que pese enquadradas nos conceitos presentes na Lei n.º 9.430/96, não

poderá ser feita a aplicação das regras de transfer pricing, pela limitação presente no acordo

internacional.

De outro modo, em simplesmente havendo um acordo firmado pelo Brasil e outra

soberania que traga inserto o princípio arm’s length, instaurada estará a garantia, para os

Estados contratantes e para os contribuintes submetidos a suas jurisdições, o direito e a

obrigação de serem constituídas relações jurídicas tributárias tendo por objeto a tributação do

lucro obtido a partir da aplicação de qualquer método possível destinado para a apuração do

preço arm’s length, e não somente aqueles introduzidos pela lei brasileira.

Firmados na premissa de que o arm’s length foi positivado no direito brasileiro,

ainda que parcialmente, mas dispondo a lei de conteúdo teleológico objetivo no sentido de

atingi-lo, temos que as normas dos acordos internacionais incorporadas ao direito interno que

contemplem referido padrão prevalecerão sobre as demais prescrições legais sobre o assunto

em relação às partes alcançadas pelo acordo.

O que nos parece suficiente para fundamentar nosso entendimento quanto (i) a

inaplicabilidade da limitação de utilização unicamente dos métodos previstos na Lei n.º

9.430/96 quando se tratarem de operações realizadas entre partes associadas, uma residente

no Brasil e outra residente em país com o qual este mantenha acordos firmados que possuam,

em seu bojo, artigo com redação equivalente àquela constante do art. 9º do Modelo da OCDE;

e (ii) contrariu sensu, sua plena aplicabilidade quando, a despeito de existirem tratados

firmados, as operações submetidas a controle sejam realizadas por partes relacionadas, ainda

que não associadas, eis que neste aspecto a convenção internacional não fará efeito, mas tão

somente a lei, que introduziu, em nosso ordenamento, novos conceitos para partes

relacionadas ou equivalentes a estas (localizadas em países com tributação ou regime

societário favorecido etc.).

Em sendo priorizada a busca do padrão arm’s length pelas regras de preços de

transferência, parece-nos ainda perfeitamente condizente com tal conteúdo finalístico a

aplicação de qualquer método que seja suficiente para se chegar àquele preço, inclusive

quando diante de legislação (como é o caso da brasileira) que imponha rigidez na escolha e a

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limite a partir de um rol pré-determinado, o que demandará, inequivocamente, diversas

discussões jurídicas.

Outrossim, não há que se falar na revogação da lei que estabelece os métodos de

controle dos preços de transferência pelas normas dos acordos internacionais, caso contrário

haveria uma lacuna na disciplina das situações que necessitassem do controle fiscal dos

preços praticados entre empresas residentes no Brasil vinculadas com outras residentes em

país com o qual este não tenha acordo internacional firmado.

Pode-se, ademais, considerar que tampouco perderá, a legislação interna, sua

eficácia, desde que não se tratem, acordo internacional e lei interna, de normas antinômicas,

sendo plenamente possível o atendimento do princípio disposto naquela norma por esta,

utilizando-se dos métodos nela previstos sem prejuízo da utilização de outros, ainda que não

prescritos, tudo com a finalidade de se alcançar o preço parâmetro (arm’s length).

Os ajustes efetuados a partir da aplicação dos métodos sugeridos pela OCDE ou

daqueles impostos pela legislação brasileira são chamados de primários, e podem ocasionar a

necessidade de serem realizados ajustes correspondentes no Estado de residência da parte

vinculada àquela submetida ao controle de preços. Tal conseqüência é prevista no Modelo de

Convenção da OCDE, sendo impositiva sua aplicação desde que os Estados contratantes

tenham anuído a acordo contendo termos equivalentes ao do modelo.

Entendemos, contudo, que até mesmo naquelas convenções em que tal dispositivo

sobre os ajustes correlativos não esteja presente, mas que tenham por escopo a consagração do

princípio arm’s length e evitar a bitributação internacional, os ajustamentos correlativos

devem ser realizados.

Isso porque, uma vez efetuado um ajuste – primário – por um dos Estados

contratantes e, em decorrência deste ajuste, o princípio resulte comprometido, restará também

comprometido o cumprimento da finalidade do acordo, que é a eliminação da bitributação.

Deste modo, não pode ser considerada como mera proposta a regra presente no art.

9º, § 2º do Modelo OCDE, tratando-se de regra impositiva, devendo os ajustes correlativos ser

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realizados na hipótese de o preço ajustado na forma de um dos métodos passar a sofrer o risco

do fenômeno pluriimpositivo internacional.

Tal ajuste correlativo exige que o outro Estado concorde com o primeiro ajuste

efetuado, o que pode não ser uma tarefa das mais fáceis, já que este outro Estado certamente

já dispõe de uma tributação mais favorável e, aceitando realizar o ajuste, sofrerá perda de

arrecadação. No entanto, em havendo dispositivo neste sentido na convenção assinada pelas

diferentes jurisdições, este suposto empecilho não poderá ser invocado para que não sejam

permitidos os ajustes.

Há ainda que se considerar que, à ausência de dispositivo nos moldes do art. 9º, § 2º

da Convenção Modelo – o que é praxe nas convenções de que o Brasil é signatário –, o

princípio arm’s length poderá restar violado e o conteúdo teleológico do tratado – o de evitar

o fenômeno pluriimpositivo – poderá não ser atendido.

Nada obstante, interpretando o art. 25 daquele modelo de convenção, temos

elementos suficientes para nos convencer de que, através de um procedimento amigável,

poderá ser concretizado o intuito do art. 9º, § 2º do mesmo modelo, bastando que na

convenção internacional assinada pelos Estados exista previsão equivalente àquela. As

convenções assinadas pelo Brasil possuem tal dispositivo, podendo ser, portanto, aplicável tal

entendimento.

O que não significa, no entanto, que tal procedimento será adotado ou mesmo que

resolverá o problema pluriimpositivo. A despeito da existência desta possível forma de

resolução do problema, tem sido observado que poucas vezes houve o reconhecimento por um

Estado do direito do outro tributar os lucros decorrentes de uma transferência de preços, de

modo a permitir ao contribuinte um reembolso de valores pagos incidentes sobre a parcela do

lucro que foi submetida a ajuste, ou mesmo que lhe tenham sido disponibilizados meios para

eliminar os efeitos da dupla tributação.

No que se refere especificamente ao tratamento dado pelos acordos internacionais

firmados pelo Brasil, a despeito da ausência da regra específica de ajustes correlativos,

poderão as partes interessadas invocar o quanto disposto no art. 25 (ou outro que tenha a

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mesma disposição) para ver resolvido eventual fenômeno pluriimpositivo que lhe seja

prejudicial.

O procedimento de ajuste correlativo encontra óbice, no entanto, no fato de o

controle dos preços de transferência possuir fundamento na teoria da separação da

contabilidade (separate accounting theory) e a técnica dos ajustes correlativos fundar-se na

teoria da entidade econômica (economic entity theory), por determinar a retificação

automática de ajuste, em face do resultado fiscal total obtido pelas empresas.

Por outro lado, diversas são as situações em que os mecanismos de ajuste dos preços

de transferência previstos na lei ou mesmo os sugeridos nas Guidelines da OCDE podem ser

de difícil aplicação, apresentando insegurança para o contribuinte ou para o Fisco quanto ao

montante a ser considerado no ajuste, ou resultem ou não evitem a pluritributação

internacional.

Ou, independente deste aspecto, pode se mostrar mais adequada a fixação de

critérios, métodos e operações comparáveis a serem considerados para o controle dos preços

de transferência em um determinado período de tempo, no interesse do contribuinte e dos

Estados tributantes, visando a identificação do preço arm’s length, inibindo as administrações

tributárias de efetuar retificações não na forma dos critérios definidos.

Tais objetivos podem ser atingidos através do chamado Acordo de Preços

Antecipado (APA – Advance Pricing Arrangement), valoração objetiva e consensual do

princípio arm’s length, vinculando contribuinte e Administração Fiscal ao quanto disposto no

acordo, evitando-se, assim, qualquer ajuste primário desde que o contribuinte observe

rigorosamente o método avençado.

Sua adoção pode resultar em maior segurança para o contribuinte em relação ao

tratamento tributário que será dado às operações e na eliminação da bitributação oriunda dos

ajustes efetuados em conseqüência da aplicação dos métodos de controle por um Estado

tributante e da não efetivação dos ajustes correlatos no outro Estado no qual se localiza a

empresa vinculada. Inversamente, tal procedimento poderá não afetar a responsabilidade

tributária das empresas vinculadas que estejam localizadas em outros Estados, acarretando

bitributação. A adoção deste tipo de APA servirá, assim, tão somente para garantir ao

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contribuinte o método que será aplicado naquelas operações a serem realizadas pelo tempo

determinado no acordo, não servindo para evitar a ocorrência do fenômeno pluriimpositivo.

Em nosso ordenamento não existe disposição legal que permita a realização de um

acordo entre contribuinte e Fisco, ainda que a consulta fiscal pudesse ser considerada como

um instrumento destinado a gerar um APA. No entanto, entendemos que o APA pode ser

realizado através do procedimento amigável, originado, de acordo com o art. 25 do Modelo

OCDE, desde que o contribuinte considere esteja havendo tributação, por um ou mais dos

Estados contratantes, em desacordo com o que dispõe a convenção internacional, sendo a

bitributação um exemplo claro disso.

Deste modo, em havendo fundamento para tanto, ou seja, desde que o contribuinte

identifique que determinada operação submetida a controle de preços de transferência esteja

sujeita a bitributação e sendo esta operação realizada entre partes residentes em países que

tenham firmado acordo internacional que contenha os arts. 9 e 25 do Modelo OCDE, no caso,

o Brasil e uma outra soberania, poderá ser requerido pelo contribuinte residente no Brasil o

início de um procedimento amigável objetivando a formação de um Advance Pricing

Arrangement.

Finalmente, entendemos pela possibilidade de sua concretização ainda que esteja

nosso sistema tributário submetido ao princípio da estrita legalidade e não haver, na lei,

qualquer disposição expressa tratando desta questão, isso com fundamento no art. 5º, § 2º da

Constituição Federal, que dispõe que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não

excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados

internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, em combinação com o

art. 98 do CTN, que dispõe que “os tratados e as convenções internacionais revogam ou

modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”

(grifamos).

A OCDE prevê, de outra forma, a existência de situações em que o regime de

controle dos preços de transferência não é aplicável, desde que tais situações se subsumam a

normas de legislação interna que imponham a adoção de um método para determinadas

transações ou, como no caso da legislação brasileira, limites aceitáveis de divergência entre o

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preço parâmetro e o preço efetivamente praticado pelas partes vinculadas. Tratam-se dos safe

harbours.

Os seguintes fatores sustentam seu uso: simplificação das exigências para

determinados contribuintes na determinação das condições arm’s length para as transações

controladas; proporcionar certeza para uma categoria de contribuintes de que os preços de

transferência serão aceitos sem a necessidade de posterior revisão; e evitar à administração

fiscal a tarefa de conduzir exames suplementares e auditorias de tais contribuintes em relação

a seus preços de transferência. Por outro lado, os seguintes problemas podem ser considerados

no uso deste mecanismo: a implementação de um safe harbour em um determinado Estado

não afetaria somente a tributação naquela jurisdição, mas também interferiria na tributação

das empresas vinculadas em outras jurisdições; dificuldade em estabelecer critérios

satisfatórios para definir os safe harbours, e consequentemente poderem produzir preços ou

resultados que podem não ser consistentes com o princípio arm’s length.

Em resumo, a utilização dos safe harbours pode atingir diversos objetivos

relacionados à necessidade de controle dos preços de transferência, mas, de igual maneira,

pode ocasionar diversos problemas, dentre eles a formação dos preços praticados entre

empresas associadas tomando como base seus limites, a eventual redução na receita fiscal dos

Estados que os implementam, bem como naquelas jurisdições em que localizadas as empresas

vinculadas, e ainda, a formação de preços distorcidos em razão de as regras de safe harbours

não corresponderem com o princípio arm’s length.

No direito brasileiro, podemos considerar existentes algumas regras de safe harbour,

quais sejam as previstas no art. 19, caput e § 1º e no art. 22, § 4º da Lei n.º 9.430/96; nos arts.

30 e 38 da IN/SRF n.º 243/2002; e nos art. 35, com a redação dada pela IN/SRF n.º 383/2003,

e 36 da IN/SRF n.º 243/2002

Observamos, no entanto, que as duas últimas situações não se enquadram

exatamente no conceito de safe harbour por nós trabalhado, já que a IN/SRF n.º 243/2002

estabelece que tal condição não implica a aceitação definitiva do valor da receita reconhecida

com base no preço praticado, o qual poderá ser impugnado, se inadequado, em procedimento

de ofício, pela SRF.

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