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Marcelo Duarte

TEM LAGARTIXA NO COMPUTADOR

Série Vaga-Lume

E

Revisão: Ivany Picasso Batista (coord.), Glair Picolo Coimbra

Editoração eletrônica: Studio 3, Eduardo Rodrigues

Impressão e Aca e Editora Ltda. ISBN 85 08 08059 X

Digitalização: SCS

TEXTO Gerente editorial: Fernando Paixão

ditora adjunta: Carmen Lúcia CamposEditora assistente: Marcia Camargo

Suplemento de trabalho: Nilson Joaquim Silva Preparação dos originais: Maria Luiza Xavier Souto

ARTE

Ilustrações: Robson Araújo Editora de arte: Suzana Laub

Editor de arte assistente: Antonio Paulos

Editora Ática, 2001, 1ª edição, 1ª impressão

bamento: Lis Gráfica

Este e-book:

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Sumário

O primeiro emprego a gente nunca esquece.................................................4 Conhecendo Marcelo Duarte ...............5 1. Uma lagartixa na sala........................7 2. Um hipopótamo no elevador..........12 3. Correndo atrás do primeiro emprego............................................................15 4. Dois velhinhos de volta à escola .....20 5. O dia da entrevista..........................23 6. É hora de chamar os amigos...........29 7. O primeiro dia de trabalho .............33 8. O poderoso chefão .........................38 9. Um trote ou um aviso? ...................41 10. Saindo escondido de todos...........44 11. Que garoto mais grosseiro! ..........45 12. Um plano de fuga..........................48 13. Um computador muito suspeito...51 14. Onde está Nicodemos?.................54 15. Cerejas do tamanho de maçãs......56 16. Um tour pelo InfoCity ...................59 17. Lar, doce lar...................................63 18. A trombada das latinhas ...............65 19. Posso ir com você? .......................68 20. O mistério da flor negra................71 21. "Descobri algo terrível".................74 22. A misteriosa saída de tio Chico.....78 23. Os perigos do vírus .......................81 24. A segunda mensagem...................83 25. Tradição de família........................85

26. Augusto tem um problema .......... 88 27. Almoço com os astros .................. 91 28. Olho espião na sala de Ikeda........ 96 29. Bolo de cenoura melequenlo....... 98 30. Plano frustrado .......................... 100 31. A doença de Augusto ................. 102 32. A gangue da Tulipa Negra .......... 104 33. Meu querido diário secreto ....... 106 34. Uma fruta podre no cesto.......... 113 35. A vida é feita de escolhas........... 116 36. Abram alas para o caubói........... 118 37. Um mundo fascinante................ 122 38. Adivinhe quem vem para jantar. 124 39. Nicodemos confessa tudo.......... 127 40. Descoberto o arquivo secreto.... 132 41. Sessão de terapia ....................... 137 42. "Senti algo estranho" ................. 139 43. Imagens comprometedoras ....... 142 44. Um rosto bastante conhecido.... 145 45. A cilada....................................... 148 46. A coleção de Bruno .................... 152 47. Pizza para viagem....................... 155 48. A história chega ao fim .............. 158 49. Tudo terminou bem ................... 163 50. Quase tudo terminou bem ........ 166 51. A história continua ..................... 169 Contracapa ....................................... 173

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O primeiro emprego a gente nunca esquece

O poderoso chefão levou o maior susto quando se deparou com aquele bando de adolescentes esparramados pelo escritório.

É assim que começa a aventura desta turma, que vive a emoção do primeiro emprego. Um empregão: elaborar um site para jovens! Já pensou, fazer o que mais gosta e ainda ganhar para isso?

Porém, quando J. P. começa a achar a atitude de um dos seus chefes meio suspeita, o sonho vira pesadelo.

Tem ainda aquelas mensagens vindas pela internet: o que significam? Além disso, com tanta gente trocando de nome, só podia mesmo dar muita confusão!

Mas a situação pode piorar, principalmente para quem não gosta de pizza de lagartixas!

Esta história vai fazer você morrer... de rir! E ainda tem romance, mistérios e muitas surpresas até o último parágrafo.

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Conhecendo Marcelo Duarte

Marcelo Duarte é um autor consagrado entre os jovens e um respeitado jornalista. Ele escreveu dois outros livros da Vaga-Lume, série, aliás, que inspirou seu gosto pela leitura. Também desenvolve jogos educativos, já tendo feito jogos sobre cinema, futebol e curiosidades para garotas. Segundo ele, criar estratégias de jogos e tramas de histórias são trabalhos bem parecidos.

Marcelo Duarte tem um site na internet, www.guiadoscuriosos.com.br, que traz textos contendo informações curiosas. A propósito, muitas das experiências dos personagens de Tem lagartixa no computador foram um pouco vividas por ele, ao desenvolver esse site e se embrenhar naquele "novo mundo" da internet. Mas mais do que tudo, sua grande inspiração para o livro foi a pequena lagartixa que frequentava seu escritório e percorria a tela de seu computador, como que querendo fazer parte da história.

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Para Maísa, que tem muito medo de lagartixas.

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1. Uma lagartixa na sala

Splaft!

João Pedro correu para ver que estranho barulho era aquele que vinha da sala. Encontrou sua mãe em cima do sofá, tentando alcançar o teto com os chinelos.

— João Pedro, pega uma vassoura! Tem uma lagartixa aqui no teto. Eu tenho horror a esse bicho!

— Dá azar matar lagartixa dentro de casa, mãe.

— Azar nada! — retrucou a mãe. — Vamos, pega logo. Daqui a pouco, ela escapa...

— Por que matar um bichinho que não faz mal nenhum?

— Lagartixa não serve para nada. E eu tenho nojo desse bicho — disse ela.

E, finalmente, fez valer sua autoridade:

— Pega logo a vassoura, estou mandando.

A lagartixa, com seu corpo transparente, permanecia imóvel naquela junção entre a parede e o teto, de cabeça para baixo. Quando João Pedro chegou com a vassoura de piaçava, o bichinho pareceu entender o que lhe estava sendo reservado e ficou em posição de alerta.

— Sabe o que estou pensando, mãe? Como a lagartixa consegue subir pelas paredes?

— Sei lá. E não estou nem um pouco preocupada com isso agora.

Nicodemos, avô de João Pedro, entrou na sala, arrastando os pés cobertos por meias pretas e chinelos de couro. Antes mesmo de ver toda a cena, ele foi perguntando:

— E o jantar?

— Calma! — disse Marta, procurando a melhor mira para liquidar a inimiga. — Primeiro a lagartixa!

— Salsicha de novo? — Nicodemos reclamou. — Será que você não sabe fazer algo diferente? É omelete de salsicha, salsicha com batata, estrogonofe de salsicha, salsicha à milanesa...

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Marta não gostou do comentário e, como se diz, soltou os cachorros:

— Não precisa gritar que o surdo aqui é o senhor... Cadê seu aparelho auditivo?

— E ainda salsicha aperitivo?! Aquela pequenininha? Que horror! — Vovô Nicodemos ajeitou a blusa de lã cinza e saiu da sala vociferando: — Se eu soubesse que só iria comer salsicha nessa casa, não teria gasto tanto dinheiro com minha dentadura nova. A velha serviria muito bem...

— Assim não dá. O senhor está mais surdo que uma porta! — reagiu Marta.

— Torta do quê? Aposto que é de salsicha também...

A discussão acabou assustando a lagartixa, que buscou refúgio atrás do grande móvel da sala. Era ali que ficava a TV, o videocassete, algumas garrafas de bebidas e copos, meia dúzia de porta-retratos, um exemplar da Bíblia com capa de couro e uma imagem de São Jorge.

— Ô, bicho danado! — amaldiçoou Marta. — Quando seu pai chegar, vamos arrastar esse móvel. Eu é que não vou dormir sabendo que tem um bicho desse em casa...

Foi só falar e os dois já ouviram o barulho da chave na porta da frente. Afonso entrou com o ar cansado de sempre. João Pedro correu para dar um abraço no pai e contar as novidades:

— A mamãe tentou matar uma lagartixa, mas o bicho deu o maior drible nela. Ela está escondida atrás do armário.

— Você vai ter de matar esse bicho! — avisou Marta.

— Lagartixa não faz mal a ninguém... — riu Afonso.

— Não falei, mãe? — concordou João Pedro.

— Ah, é? Seu pai dorme de barriga para cima e de boca aberta. Imagine se esse bicho aparecer no teto de nosso quarto — Marta passou, então, a imaginar uma cena tirada de um livro de terror: — Aí, a lagartixa pode se assustar com seu ronco, perder o equilíbrio e cair lá de cima, dentro de sua boca. O que você acha disso?

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Afonso fez uma cara de nojo. Mas uma cara divertida, como se não estivesse nem um pouco preocupado com a apavorante situação. E tratou logo de mudar de assunto:

— Estou morrendo de fome! Esse negócio de pegar o metrô abarrotado para voltar pra casa acaba com qualquer um. O que vamos ter para o jantar?

— Lagartixa frita, com molho de grilo e casquinha de besouro — brincou João Pedro.

Foi a vez de Marta fazer uma careta, antes de entrar na cozinha. Afonso achou o comentário engraçado e emendou um "eu quero a minha à milanesa". Também entrou na

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cozin ue estav

da b estava contando que comp ...

alto da cidade. Mais anim

desligue o computador e venha jantar...

de papel na mão:

arroz, feijão, frango ensop

rticipantes precisam responder a perguntas sobre geografia. Cada respo

ntou Afonso.

tes pode

— Programa cultural no Brasil? Esquece, meu filho.

ha e apanhou um pacotinho de amendoins salgados qa dentro do armário.

— Esse amendoim não venceu não? — Marta alertou.

— Venceu? De quanto? Eu nem sabia que ele tinha jogado — riu Afonso, despejando uma boa quantidade dentro

oca. — Ah, hoje uma senhora rou uma máquina de lavar roupa por uma pechincha

— Onde? — interessou-se Marta.

— Não sei. Quando ia dizer, ela desceu do elevador.

Afonso estava muito animado naqueles dias. Ele tinha acabado de arrumar um emprego de ascensorista no InfoCity Plaza, um dos mais modernos arranha-céus de São Paulo. As grandes empresas de internet e tecnologia estavam todas se instalando lá. Diziam que o preço do metro quadrado dos escritórios do InfoCity era o mais

ado ainda ficava quando sentia o cheirinho da comida vindo da cozinha, seguido do aviso...

— Está na mesa! — gritou Marta da porta. — João Pedro,

João Pedro veio para a mesa com uma folha

— Qual é a capital da Nigéria? Quem sabe?

— O que é isso agora?

Marta colocou travessas comado, purê de batata e salada de chuchu sobre os

descansos que já estavam na mesa.

— A capital da Nigéria é Lagos — completa João Pedro. Isso é um jogo que eu e o Bruno inventamos. Chama-se Geo Trip. Pode dar um excelente programa de televisão. Pra começar, cada jogador sorteia um destino. Aí ele fica sabendo quantas milhas vai precisar para chegar lá. Os pa

sta certa dá direito a um número de milhas.

— E quem erra? — pergu

— Quem erra perde as milhas. Mas os participanm pular três perguntas.

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Marta colocou a jarra com suco de caju na mesa.

— O povo só quer saber de violência, de mulher rebolando... Vamos sentando pra comer. A Karin telefonou dizen

mões e gritou com toda a força:

obremesa? Mas eu nem comi ainda a torta de salsicha!

do que vai chegar tarde hoje. Chame o seu avô.

João Pedro abriu os pul

— Vovô, está na mesa!

Nicodemos chegou todo preocupado:

— S

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2. Um hipopótamo no elevador

Na manhã seguinte, Flávia chegou ao InfoCity às sete e meia. Usava óculos escuros para esconder os olhos cheios de sono. O saguão ainda se encontrava bem vazio e os oito elevadores estavam parados no térreo. Ela entrou no mais próximo da recepção e cumprimentou Afonso:

— Bom dia! Décimo quarto, por favor!

— Pois não — respondeu ele, solícito. — Lá vamos nós: décimo quarto andar, sem escalas.

Como o elevador estava vazio, Afonso resolveu puxar conversa.

— Que broche bonito a senhorita carrega aí! É um porquinho?

Flávia riu.

— Não, não. É um hipopótamo.

— Hipopótamo?!? — ele levou o maior susto. — Puxa, que estranho. Por que um hipopótamo?

— É que eu trabalho num site chamado Hipopótamo.

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— Ah, a senhorita trabalha com internet?

— É — Flávia foi econômica na resposta.

— Eu não entendo nada de internet, sabe. Sou velho demais para essas coisas. Mas tenho dois filhos que adoram ficar no computador. Comprei um para eles no mês passado. Foi uma alegria lá em casa! É um modelo bem simples e estou pagando em 24 prestações.

— Que idade tem seus filhos?

— A Karin, a mais velha, está com 16. O João Pedro tem 14 anos.

O elevador chegou, a porta se abriu. Flávia pôs um pé para fora, mas continuou falando.

— Daqui a um mês, nosso site entrará no ar. Ele terá jogos e informações bem legais para adolescentes. Vou arrumar dois broches para seus filhos.

— Ah, é muita gentileza sua. Tenho um filho que adora jogos. Vou falar com ele, sim.

Flávia fez um aceno e saiu. O elevador partiu. Como era muito cedo, ela imaginou que seria a primeira a chegar ao escritório. Mas a porta do conjunto 141 já estava destrancada. A mesa da recepcionista continuava vazia. Ao entrar, Flávia encontrou Ikeda na sua sala, em frente do computador. Ele estava todo curvado, com a nuca apoiada no espaldar da cadeira. Pelo visto, o cabelo espetadinho não tinha se encontrado com um pente naquela manhã. Já o sono deixava os olhos do rapaz nissei ainda mais fechados.

Os dois eram os principais responsáveis pelo site. Foram contratados quatro meses antes para o desenvolvimento do projeto. Flávia tinha trabalhado como editora de uma revista feminina antes de se aventurar na nova área.

— Você dormiu aqui? — perguntou Flávia.

— Não. Passei em casa para tomar um banho e trocar de roupa — respondeu ele, segurando um bocejo.

— E como está o site? — Flávia chegou mais perto para olhar a tela do computador.

— Consegui terminar a parte de programação. Está na hora de contratarmos o pessoal para fazer os jogos.

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— Para falar a verdade, ando muito insegura com tudo... — disse Flávia em tom de desabafo. — É a primeira vez que exerço um cargo de chefia na vida. Tenho medo de contratar as pessoas erradas, de não ser uma chefe que impõe respeito, de não fazer os textos direito.

— Entendo as suas preocupações — disse Ikeda. — Mas, para ser um chefe respeitado, você precisa colocar em prática duas coisas. Ser sempre justa e não querer agradar a todos o tempo inteiro.

— É, Ikeda, até parece fácil...

— E é, se você tiver o dom.

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3. Correndo atrás do primeiro emprego

Marta e Karin tiravam os pratos da mesa enquanto vovô Nicodemos saía reclamando da sobremesa ("Gastei uma fortuna com a minha dentadura nova e só me servem pudim de pão nesta casa").

Quando deu a última colherada no tal pudim, Afonso se lembrou de um caso engraçado que acontecera bem na hora do almoço:

— Olha só o que eu sou obrigado a ouvir...

— Ouve porque quer! — retrucou Marta, antes mesmo que ele iniciasse o relato.

— Você queria que eu fizesse o quê? Tapasse os ouvidos? Ora! — Afonso não gostou nada do comentário.

— Conta logo, pai! — pediu João Pedro.

— Vou contar. Tem um sujeito muito divertido no décimo andar. Ele entrou no elevador com mais três sujeitos. Estavam saindo pra almoçar. O sujeito propôs uma charadinha, que era mais ou menos assim: cinquenta vacas passaram por uma cidade. Um carro desgovernado atropelou uma e ela morreu. Quantas ficaram?

— Fácil: 49 — respondeu João Pedro.

— Também pensei isso. Mas o sujeito disse que estava errado.

— Errado? — estranhou João Pedro. — Não pode ser. Cinquenta menos um dá 49. Se não for 49, qual é o certo?

— Não sei. Quando ele ia responder, o elevador chegou ao térreo. E todos desceram. Fiquei danado de raiva! Da próxima vez, vou ficar parando em todos os andares. Ninguém desce antes de contar o final da história!

Afonso também se lembrou de contar ao filho que, logo cedo, havia conhecido uma moça que trabalhava num site de jogos.

— Qual é o nome do site, pai?

— Hipopótamo.

— Que nome mais engraçado!

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— Também achei — riu Afonso. — Ela estava usando um broche com um hipopótamo. Quando vi, pensei que fosse um porco. Não podia imaginar que alguém andasse com um hipopótamo no peito.

— O que você acha de eu levar os meus jogos para ela ver? — sugeriu João Pedro, como se uma lâmpada tivesse se acendido em sua cabeça.

— Não sei. Essa gente não gosta de ser incomodada, filho!

— Mas meus jogos são ótimos, pai.

— E a escola? — preocupou-se Afonso.

— Estou de férias. As aulas só recomeçam no final de fevereiro. Vou ficar três meses sem fazer nada.

— Está bem, está bem — rendeu-se o pai. — Vou conversar com a moça, quando a encontrar de novo...

— Que moça?! — Marta berrou da cozinha.

— Que ouvido, hein! Se eu pedisse que você trouxesse um cafezinho agora, aposto que você não ouviria...

— Surdo aqui só seu pai... Não mude de assunto. Que moça é essa?

— Uma moça que trabalha lá no prédio. Ela falou de um site e o João Pedro quer arrumar uma boquinha lá.

— Que idade tem essa moça? — Marta insistia no interrogatório.

— Deve ter 20, 21 anos. Por quê? Está com ciúmes?

— Ciúmes, eu? — desdenhou. — Imagine! Outra igual a mim você não acha tão fácil por aí. Ainda mais dentro do elevador.

— Chega de papo-furado! — João Pedro interrompeu. — Pai, você leva algumas idéias minhas para eles verem?

— Levo. O máximo que pode acontecer é eles usarem o papel para fazer rascunho depois.

* * *

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Na manhã seguinte, Karin acordou muito cedo. Pelo segundo ano consecutivo, ela tinha arrumado uma vaga de monitora da equipe de lazer do Grande Hotel São Pedro, um hotel de luxo a duas horas de São Paulo. Deu a última olhada em sua mala antes de fechá-la. Tomou uma xícara de leite com chocolate, comeu meio pãozinho com requeijão e duas bolachas de água-e-sal. A perua do hotel iria passar às seis e meia para apanhá-la. A movimentação fez João Pedro acordar mais cedo que o habitual.

— Bom dia, João! — disse Karin, apressada, passando por ele no corredor.

— Bom dia!

— Você não quer mesmo ir pro hotel comigo? — Karin voltou para conversar com ele. — Falei com o chefe de lá, o Heitor, sobre os jogos que você criou e ele ficou bastante interessado.

— Não vai dar... É melhor ficar por aqui. O papai vai tentar arrumar um estágio pra mim naquele site de jogos.

— Não comece a contar com o ovo dentro da galinha — alertou Karin.

— Não vem gorar, não!

O interfone começou a tocar na cozinha. Karin correu para atender, enquanto João Pedro espiava pela janela o carro azul parado em frente ao prédio. Karin despediu-se do pai, que ainda calçava as meias. Depois deu um beijo no irmão.

— Ah, João, agora o hotel tem uma sala de computação. Se quiser, pode me mandar um e-mail.

— Legal. Vou escrever para contar todas as novidades.

— Vamos, Karin! — chamou a mãe — Vou descer com você!

* * *

Afonso ajeitou o nó da gravata e foi entrando devagarzinho no conjunto 141. Na porta, havia o nome Toy.Net e o desenho de um palhacinho pulando para fora da

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tela de um computador. Carregando um envelope na mão, ele se aproximou da mesa da secretária. Percebeu que ela também usava um broche de hipopótamo na lapela do uniforme azul-marinho.

— Bom dia! Eu poderia falar com aquela moça morena, de cabelos curtos, que trabalha aqui?

— A Flávia? — perguntou a secretária.

— Desculpe, não sei o nome dela... Olha, é aquela ali — apontou ele.

— É a Flávia. Qual é o seu nome mesmo?

— Afonso. Sou ascensorista do edifício.

— Eu sei. Já fiz algumas viagens com o senhor. Um minutinho só, por favor. Vou chamá-la.

Thaís, a secretária, deixou a mesa e foi ao encontro de Flávia. Ela anunciou o visitante. Flávia virou-se e logo reconheceu Afonso.

— Como vai? — ela estendeu a mão com simpatia. — O senhor veio buscar os broches que eu prometi, certo?

— Na verdade, eu vim incomodá-la por outro motivo.

— Não é incômodo algum — Flávia sorriu para deixar o homem um pouco menos tenso. — Pode dizer.

— Ontem à noite, contei pro meu filho a história do site e ele ficou bastante entusiasmado.

— Que boa notícia!

— Ele adora inventar jogos, sabe? Pediu que eu trouxesse alguns trabalhos dele para a senhorita dar uma olhada.

— Pode me chamar de você, por favor. Não somos tão formais aqui.

— Desculpe. Pra você dar uma olhada.

Afonso esticou o envelope e o entregou nas mãos de Flávia. Na mesma hora ela tirou as folhas de papel que estavam dentro dele e começou a ler o texto impresso. Parecia interessada. Lia página por página. Afonso não sabia se pedia licença e ia embora ou se continuava ali, esperando uma resposta.

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— Olha, se não for bom, não se preocupe — disse ele. — O João Pedro é jovem e ainda está aprendendo...

— Gostei muito! — Flávia interrompeu a frase do ascensorista.

— Como assim? — Afonso foi surpreendido com o entusiasmo da moça.

— Gostei muito! As perguntas são bem criativas, desafiadoras. E você chegou na hora certa. Estou entrevistando alguns garotos para prestar consultoria aqui. Preciso de gente nova, que entenda e goste de mexer com computadores.

Flávia foi até a sua mesa e voltou com uma agenda:

— Vamos fazer o seguinte: diga para seu filho estar aqui amanhã às 10 horas. Quero conhecê-lo!

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4. Dois velhinhos de volta à escola

Vovô Nicodemos colocou o aparelho auditivo na orelha direita. Ele só fazia isso em duas ocasiões: às 6 da manhã, hora em que começava O Pulo do Gato, jornal radiofônico que ele ouvia diariamente, ou quando Bartolomeu, seu melhor amigo, vinha para jogar uma partida de dominó. Certa vez, ele se esqueceu de colocar o aparelho. Bartolomeu tocou a campainha, tocou, tocou e acabou desistindo. Depois disso, Nicodemos nunca mais se esqueceu de colocar o aparelho auditivo. O amigo chegou e os dois se posicionaram à mesa da cozinha para iniciar a partida. As peças foram distribuídas e o jogo começou. Era o momento em que os dois aproveitavam para conversar.

— Sabe o que descobri? — perguntou Bartolomeu, colocando uma peça na mesa.

— Um jeito de seus cabelos pararem de cair... — brincou Nicodemos.

— Olha só quem fala. O roto falando do rasgado...

— Diga logo o que você descobriu.

— Minha filha jogou fora a única máquina de escrever que havia em casa! — Bartolomeu falou aquilo numa mistura de tom catastrófico e condenatório.

— Não me diga! — surpreendeu-se Nicodemos, erguendo a pecinha que preparava para colocar na mesa.

— E agora? Como vou escrever meus poemas?

— Bem, tudo tem seu lado bom...

— O que você está querendo dizer? — Bartolomeu ameaçou atirar uma das peças do dominó na cabeça do amigo.

— Nada, nada. Nós viemos aqui pra jogar dominó ou pra conversar? — Nicodemos pareceu se irritar com a demora do amigo em baixar suas peças.

— Lembra-se daquele poema "Para a razão do meu viver"? — prosseguiu Bartolomeu.

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— Já ouvi esse poema umas oitocentas vezes... E minha sorte foi ter tirado o aparelho do ouvido nas outras mil e quinhentas! Por que você não falou com sua filha?

— E você acha que eu não falei?

— E o que ela disse? — quis saber Nicodemos.

— Ela disse que a máquina de escrever era um trambolho, que estava ocupando muito espaço e que eu poderia usar o computador dela.

Nicodemos não tinha nem o três nem o seis. Comprou, em silêncio, duas pecinhas, até encontrar o número que precisava.

— Essa juventude só fala em computador — observou Nicodemos. — É computador pra cá, computador pra lá. É tudo computador.

— Minha filha não sai da frente daquela tela. Aquele meu genro, largadão, não quer saber de nada. Ela disse que esse tal de computador corrige os erros de ortografia, mostra filmes e até toca música...

— Daqui a pouco, o computador dela vai fazer poemas sozinho — disse Nicodemos.

Foi a vez de Bartolomeu comprar algumas peças.

— Nico, você não acha que a gente deveria aprender a mexer nesse negócio?

— Não, não. Nós dois já passamos da idade. Estamos velhos demais. Eu não lembro mais nem como ligar um liquidificador...

— Velho, nada! Nós estamos inteirões...

— Inteirões de reumatismo!

— Ora, Nico. Estou falando sério. Vamos fazer um curso pra aprender a mexer com o computador. Ninguém vai ficar sabendo. Quando seu neto vier se exibir na sua frente, você dá o troco.

— Sabe que não é má idéia? — Nicodemos começou a se interessar.

Fazia tempo que os dois não se sentiam tão bem. O curso de computação seria uma forma de sair um pouco da rotina.

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— E onde será que encontraremos uma escola? — perguntou Nicodemos. — Quando éramos moços, você se lembra?, nós atravessávamos esta cidade a pé. Hoje, eu não tenho mais condições de ficar andando muito.

— Fique tranquilo — Bartolomeu deu um tapinha nas costas do amigo. — Já me informei e soube que foi inaugurada a melhor escola de computação da cidade naquele prédio novo, o tal de InfoCity. São apenas algumas estações de metrô daqui de casa.

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5. O dia da entrevista

João Pedro estava nervoso. Era o dia de sua entrevista. Nada poderia dar errado. Sabia que o pessoal que lida com internet costuma se vestir de modo informal. Por isso, colocou uma camiseta pólo preta e uma calça cáqui, um par de tênis cinza e cinto preto. Comprou até um aparelho de barbear descartável para tirar o bigodinho que já se manifestava. Queria ser o mais discreto possível e impressionar ao mesmo tempo.

— É naquele escritório ali — indicou seu pai, ao abrir a porta do elevador. — Boa sorte, filhão!

— Obrigado.

Bateu na porta com delicadeza. Tentou a maçaneta e percebeu que a porta estava aberta. Foi abrindo devagarzinho. Entrou. Deu alguns passos e parou, torcendo para que alguém o visse logo. Do outro lado do escritório, Flávia levantou os olhos e perguntou:

— Você é o João Pedro, filho do seu Afonso? O garoto sentiu um alívio.

— Sou.

— Espere um pouquinho aqui. Antes vou entrevistar o Augusto, que chegou primeiro. Depois falaremos.

Flávia chamou outro garoto, aparentemente da mesma idade de João Pedro, e pediu que ele entrasse em sua sala. João Pedro apanhou uma revista sobre videogames e ficou folheando para passar o tempo. Longo tempo.

* * *

Augusto sentou-se na cadeira em frente à Flávia e cruzou as pernas discretamente. Ela abriu um caderno e anotou o nome do garoto na primeira linha da folha. Depois escreveu a data.

— Você foi recomendado pela professora Salete, uma grande amiga de minha mãe.

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— Dona Salete foi minha professora de Geografia este ano. Passei com média 10. Eu adoro Geografia!

— Nós estamos precisando de alguém que organize um guia de férias para jovens. Dicas de lugares legais. Pode ser acampamento, parque temático, cidades com esportes radicais.

— É moleza — disse Augusto. — Eu coleciono guias de viagem. Meu sonho é conhecer o mundo inteiro.

— Você já visitou algum país? — perguntou Flávia.

— Não. Conheci o Rio de Janeiro e fui algumas vezes para a praia, no Guarujá. Meu pai nunca teve dinheiro para pagar uma viagem para mim. Aí, encontrei um guia de viagem num sebo de livros e fiquei encantado com aqueles lugares maravilhosos.

— Mas como você sabe que são tão maravilhosos?

— Ora. Imagine as pirâmides do Egito. Elas foram construídas há quase cinco mil anos. Dá para imaginar? É a única das sete maravilhas do mundo antigo que ainda existe.

— O que mais você sabe sobre elas? — Flávia resolveu testar a fundo os conhecimentos do garoto.

— A principal pirâmide foi construída pelo faraó mais rico do Egito, Quéops. A construção demorou vinte anos. Ele usou 100 mil operários e 2,3 milhões de blocos de pedra, cada um pesando duas toneladas e meia.

— Você sabe tudo mesmo, hein! — aplaudiu ela. — Eu não conheço as pirâmides, mas acho que deve ser algo realmente espetacular.

— São oitenta pirâmides, a maior delas tem 148 metros de altura.

— Que grande! Bem, eu já fui pra Paris. Fiquei encantada com a Torre Eiffel. Gostaria de passar minha lua-de-mel lá. Paris é uma cidade tão romântica...

— Você subiu na torre? — Augusto perguntou.

— Subi. Fui até o último andar. A vista de Paris é um charme.

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— Li que a Torre Eiffel tem 318 metros de altura e a terceira plataforma fica a 276 metros. Ah, sabe quanto ela pesa?

— Não faço a menor idéia — Flávia balançou a cabeça.

— Dez toneladas.

— Puxa, Augusto, você sabe tudo!

Entusiasmado, Augusto continuou:

— A torre foi inaugurada em 1889, depois de dois anos, dois meses e cinco dias de construção.

— Só falta você dizer quantas peças de ferro e quantos parafusos foram utilizados... — brincou Flávia.

— Foram 18 mil pedaços de ferro e 2,5 milhões de parafusos. Ela é pintada a cada sete anos e são gastos 60 toneladas de tinta.

— Chega, chega. Você está contratado!

* * *

Flávia despediu-se de Augusto e percebeu que mais um garoto havia chegado. Ele usava um turbante amarelo e um grande anel no dedo.

— Você está esperando alguém? — perguntou Flávia.

— Flávia?

— Eu mesma.

— Sou o Michael, filho de dona Rosa...

— Dona Rosa... — ela parecia não ligar o nome à pessoa.

— Rosa Patuá, a vidente.

— Ah, sim! — lembrou-se finalmente. — Sua mãe não vem?

— Ela pediu que eu viesse no lugar dela.

— Ah, sim. Um minutinho, por favor. Agora preciso conversar com João Pedro. Depois falo com você.

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João Pedro fechou a revista e entrou na sala logo atrás de Flávia. Ela comentou que tinha lido e gostado muito dos textos que ele havia escrito.

— O trabalho é o seguinte: precisamos de mil perguntas e respostas sobre diferentes assuntos. Você pode fazer em casa ou pode vir fazer aqui. Tanto faz. O prazo para a entrega é de um mês.

— É... Huuummm... Posso perguntar uma coisa? — João Pedro falou devagar, quase engasgando, com medo de dizer algo errado.

— Claro.

— Eu costumo fazer esses testes em parceria com um amigo chamado Bruno... Em dois, sempre é mais fácil.

— Aqueles que você me mandou foram feitos pelos dois?

— Foram.

— Tudo bem. Vocês podem dividir o trabalho. Mas o pagamento também terá de ser dividido entre os dois.

— Topo! — concordou João Pedro.

— Espero vocês aqui amanhã cedo para uma reunião de apresentação do site. Agora vou ter de conversar com o outro garoto que está aí fora.

— Ele vai cuidar do quê? — perguntou João Pedro, enquanto se levantava da cadeira e acompanhava Flávia em direção à porta.

— De uma seção sobre astrologia. Agora só vai ficar faltando alguém para a área de cinema.

— Cinema?!? — exclamou João Pedro com entusiasmo.

— É. Você conhece alguém?

— Conheço. É uma... uma amiga. O nome dela é Maria Carolina. Adora cinema e escreve superbem.

— Quantos anos ela tem?

— Ela tem um ano a mais que eu. Está com quinze.

— Os textos dela já foram publicados em algum lugar?

— A Maria Carolina assina uma coluna sobre cinema no jornalzinho da escola. Faz o maior sucesso.

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— Você está quase me convencendo... — Flávia ficou encantada com o entusiasmo do garoto. — Diga para ela vir aqui amanhã com alguns textos. Prometo dar uma avaliada.

João Pedro saiu do escritório da Toy.Net com um sorriso que começava numa orelha e terminava na outra.

* * *

O turbante amarelo que o garoto sentado na recepção usava estava tirando a concentração de Thaís. O acessório era estranho demais. Parecia uma abóbora madura. Michael era um garoto bonito, de rosto fino, cabelos e olhos bem escuros. Tinha braços magros e ombros ligeiramente caídos. Enquanto esperava, ele se deliciava com pedacinhos de pele, que arrancava das laterais das unhas. Depois de despedir-se de João Pedro, Flávia chamou Michael.

— Não demorou tanto assim, né? — Flávia procurou iniciar a conversa.

— Foi rápido. Eu estava recebendo vibrações e nem percebi o tempo passar.

— Vibrações?

— É. Eu me comunico com alguns seres de outras dimensões.

Flávia ficou com vontade de rir, mas percebeu que ele falava sério. Por isso, fez uma cara de espanto e emendou uma nova pergunta:

— Que tipo de seres?

— Vários tipos. Sou muito amigo dos Clóclis, uma sociedade de seres que habitam pêlos de gatos.

Flávia não aguentou e disparou uma gargalhada.

— Desculpe. Achei isso engraçado.

— Não tem importância — Michael ficou sem graça.

— Bem, o que aconteceu com sua mãe? Estava esperando ela aqui para conversarmos sobre o site... Quero que ela seja nossa consultora esotérica.

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— Eu sei. Mas a mamãe não gosta dessa onda de computadores. Por isso, ela quer que eu faça o trabalho no lugar dela...

— Você? — Flávia não esperava por essa novidade. — Olha, Michael, não tenho nada contra você. É a primeira vez que te vejo. Mas você parece muito jovem pra assumir esta responsabilidade.

Ele ajeitou o turbante amarelo com cuidado. Depois coçou levemente o cotovelo e cruzou os braços. Era como se fizesse uma coreografia de gestos para ganhar tempo.

— Muito jovem? No Tibete, alguns lamas têm a metade da minha idade — comparou ele. — Estudo astrologia com minha mãe desde os 7 anos. Ela é uma excelente professora. Faço mapa astral, leio cartas, búzios e tarô há cinco anos. O site não é para jovens? Pois eu sou jovem. E sei mexer com computadores. Você não irá se decepcionar!

Diante de tantos argumentos, Flávia resolveu incluir Michael no time de colaboradores do Hipopótamo.

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6. É hora de chamar os amigos

João Pedro resolveu se beliscar para ter certeza de que não estava sonhando. Além de conseguir o trabalho que ele tanto sonhara, Flávia autorizou que ele chamasse mais dois amigos. Eufórico era pouco para resumir seu estado de espírito. Quando chegou em casa, arrancou o par de tênis e pulou no sofá da sala. O telefone ficava numa mesinha, bem ao lado. O primeiro a saber da novidade deveria ser o Bruno, seu companheiro na criação de jogos.

— Oi, Bruno! É o João Pedro.

— Fala aí, J. P. Tudo legal?

— Tudo. Descolei um trampo para você.

— Trabalho?!? — resmungou Bruno. — Tô fora. Estou de férias.

— Vamos trabalhar num site na internet.

— Opa, tô dentro — o amigo mudou de idéia instantaneamente. — E o que nós vamos fazer lá? Servir café?

Bruno era considerado o gozador da turma. Era tão magro que as calças pareciam sempre largas. Cortava o cabelo apenas a cada três meses. Andava com passos longos, ajeitando os óculos com a ponta do dedo. A vaidade ficava longe. Não ligava para roupas, vestia as camisetas que ganhava de presente. Tinha sempre uma piada na ponta da língua.

— Não. Vamos criar os textos dos jogos que vão entrar no ar.

— Interessante... Mas, talvez, eu não seja a pessoa mais indicada para esse trabalho. Um minuto que vou chamar o professor Buster para conversar com você.

Ah, sim, um detalhe que ficou faltando falar sobre Bruno. Ele adorava criar personagens engraçados para divertir os amigos. E interpretava-os com maestria. Por exemplo, quando ia a lanchonetes com os amigos, ele encarnava o papel do mestre-cuca Alcachofra, um cozinheiro aposentado que vivia achando defeitos em todos os pratos.

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Não era o único. Certa vez, durante uma aula de biologia, Bruno apresentou o professor Clorofila. Tinha também um bombeiro chamado Lito Chamas e um guia de turismo batizado de Paco Tequila.

— João Pedro? Aqui é o professor Buster. Como vai? O Bruno me contou que você tem um emprego para mim...

O sotaque todo impostado que Bruno fazia era muito engraçado. João Pedro não tinha outra alternativa a não ser participar da piada. Sabia que era preciso ficar lá aguentando a brincadeira até o amigo se cansar.

— É verdade, professor. É um trabalho numa empresa de informática.

— Bem, o Bruno deve ter dito que eu não entendo nada de computador. Para mim, computador é como eu fico quando dou uma martelada no dedo. E só!

Sim, sim, outro detalhe. Os personagens inventados por Bruno, invariavelmente, eram sujeitos atrapalhados, que aprontavam a maior confusão. João Pedro sabia bem disso.

— Você aprende, professor Buster. Eu posso lhe ensinar tudo. Precisamos de sua criatividade lá. Ninguém faz perguntas melhores para jogos do que você.

— Isso é verdade. Tenho uma boa que acabei de criar. Você sabe, por exemplo, o que é micologia?

— Micologia? Quais são as alternativas?

— Alternativa A: é a ciência que estuda os micos de circo; alternativa B: é a ciência que estuda os fungos; alternativa C: é a ciência que estuda as micoses.

— Acho que é a C.

— Errou. Micologia é a ciência que estuda os fungos.

— Viu só? Você está no time. Vamos começar amanhã.

— E quanto vamos ter de pagar pra eles? — Bruno parou de imitar o professor Buster e voltou a falar com sua voz normal.

— Como pagar?!? Nós vamos receber!

Bruno soltou um grito de felicidade.

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— Vamos receber?!? Não acredito. Quer dizer que vou trabalhar num lugar superbacana, fazendo o que gosto e ainda vou ganhar dinheiro? Viva! Quando é que eu começo?

— Vamos nos encontrar na frente do InfoCity às 8h45. Não se atrase, tá? A Flávia, que é a chefona do site, marcou uma reunião às nove horas.

— Estarei lá!

— Só mais uma coisinha, Bruno. Deixe o professor Buster em casa. Vá sozinho!

* * *

Maria Carolina não parecia estar com a atenção voltada para o iogurte natural desnatado, as fatias de queijo branco ou as nectarinas que sua mãe cortara. Estava concentrada no aparelho de telefone que ficava no corredor de entrada. Ela já tinha se levantado duas vezes para atender. A primeira era para a sua irmã e a segunda, engano. O telefone tocou novamente e ela correu com a impressão de que "agora é ele". Acertou.

— Oi, Pê! Como foi a entrevista?

— Superlegal, Carol! — João Pedro falou quase gritando. — Tenho duas ótimas notícias para te contar. Você está ocupada?

— Não, não. Pode falar. Estou na cozinha, olhando para a torradeira. Adoro ver as fatias de pão saltarem. Isso me lembra cinema. E você sabe muito bem quem são meus dois amores: você e o cinema. Mas isso não interessa agora. Diga quais são as duas novidades...

— A primeira é que fui aprovado na entrevista...

Maria Carolina soltou um grito de felicidade.

— Parabéns, Pê! Estou muito orgulhosa... Deixe eu adivinhar a segunda: você comprou o meu presente de Natal.

— Ainda não... É sobre cinema.

Ele repetiu, entusiasmado, o convite que recebera para colaborar com o site e contou que ela também teria a chance de passar pela entrevista:

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— Você poderá ser a colunista de cinema!

— Eu? Não acredito — a garota estava tremendo de felicidade e nervosismo. — Isto é sério?

— Seriíssimo. A entrevista é amanhã cedo.

Maria Carolina tinha uma dupla razão para comemorar. Desde que as férias começaram, ela andava triste por ficar longe de João Pedro. Agora ia poder estar bastante com ele. Ao mesmo tempo, poderia realizar o sonho de escrever sobre cinema.

— Serei convidada para todas as pré-estréias, para a festa do Oscar... Já imaginou eu sentada ao lado de um galã como o Tom Cruise?

— Tom Cruz-Credo, isso sim!

— Não seja ciumento, Pê. Ah, e me esqueci de dizer que o melhor de tudo isso é que se eu conseguir a vaga, vou trabalhar ao seu lado.

— Agora melhorou a história. Podemos trocar beijinhos o dia inteiro.

— Nada disso. Trabalho é trabalho. Teremos de nos comportar. Beijinhos só na hora do almoço.

— Só na hora do almoço? — resmungou o namorado. — Não é pouco?

— Se tivermos uma hora de almoço, não.

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7. O primeiro dia de trabalho

Quando Flávia entrou na sala, viu uma porção de adolescentes espalhados pelos dois sofás da entrada. João Pedro levantou-se para fazer as apresentações.

— Bom dia, Flávia!

— Esta é a sua turma? — perguntou ela.

— É! Este é o Bruno e esta, a Maria Carolina.

— Sejam bem-vindos.

Os dois sorriram juntos, como se tivessem ensaiado, e esperaram Flávia chamá-los para a entrevista. Ambos foram aprovados e contratados como colaboradores até que as aulas se reiniciassem.

— Vocês podem se ajeitar por aqui — Flávia apontou para duas mesas vazias. — Daqui a pouco, faremos uma reunião para apresentar melhor a proposta a vocês.

Daí a pouco, Ikeda chegou e levou um susto com aquele bando de garotos espalhados pelas mesas. Cumprimentou a todos com um leve aceno de cabeça e foi direto para a sala de Flávia, que separava alguns papéis empilhados havia alguns dias na mesa auxiliar do computador.

— O que aconteceu aqui? — perguntou Ikeda. — Alugamos a sala para algum acampamento de férias?

— Não, é a turma do João Pedro. Parecem animados.

* * *

Na pequena sala de reuniões, Ikeda e Flávia começaram a apresentar o projeto do novo site para os garotos. Havia folhas de papel e canetas em cima da mesa hexagonal, mas todos pareciam tão compenetrados que nem seria preciso tomar nota de qualquer coisa.

— Em primeiro lugar, gostaria de falar sobre a nossa empresa — Flávia iniciou a apresentação. — O site Hipopótamo é o primeiro projeto do grupo Toy.Net. A empresa é comandada pelo doutor Newton Assumpção, advogado que

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representa um grande grupo internacional que resolveu investir na internet. O grupo está gastando 12 milhões de dólares neste site de entretenimento para jovens.

— Doze milhões de dólares? Uau! — espantou-se João Pedro. — É mais que toda a minha mesada até o resto da vida.

— Só se você viver mais de 400 anos!!! — riu Bruno, ao seu lado.

— Vocês foram escolhidos como nossos colaboradores porque o doutor Assumpção quer uma equipe jovem, que saiba exatamente como agradar a essa faixa etária — cortou Flávia, antes que os comentários tirassem a atenção do grupo.

— Eu e a Flávia estaremos aqui para coordenar o trabalho de vocês — complementou Ikeda.

— O que iremos fazer exatamente? — perguntou Augusto.

— Bem, vocês irão preparar alguns textos e jogos, como nós combinamos — explicou Flávia. — Além disso, temos outra tarefa importante para vocês. Uma equipe de redatores preparou uma série de textos informativos sobre escola, relacionamento com os pais, sexualidade. Queremos que vocês leiam e opinem sobre eles antes de eles irem para o ar. Queremos linguagem jovem, criativa e divertida. O que vocês não gostarem ou não entenderem deverá ser refeito.

Bruno levantou a mão e, autorizado por Ikeda, fez mais uma pergunta:

— Precisamos vir todos os dias? Estou perguntando isso porque tenho aula de caratê toda terça e quinta...

— Não, não. Vocês não precisam cumprir um horário tão rígido — disse Flávia. — O importante é terminar as tarefas nos dias combinados. Vou cobrar isso de vocês. Mais alguma pergunta?

Ninguém mais se manifestou.

— Ótimo! — vibrou Flávia. — Mãos à obra!

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Maria Carolina abriu a bolsa e começou a tirar bonequinhos para colocar em cima do monitor do computador. Ela ocupou a mesa que ficava em frente à de João Pedro. Sempre que quisesse, poderia levantar a cabeça para admirar o rostinho de seu namorado.

— Ei, Carol, por que você está colocando essas coisas aí? — estranhou João Pedro.

— Outro dia, estava vendo um filme sobre uma empresa de informática e percebi que as pessoas que trabalhavam lá faziam isso. Dizem que é para deixar o ambiente mais alegre...

João Pedro ficou observando a namorada tirar um estranho bonequinho vermelho, do tamanho de uma caixa-de-fósforos, e colocá-lo em cima do monitor do computador. O boneco tinha um olho normal e outro todo branco.

— E esse aí? É aquele pirata, o Jack-Caolho?

A menina abriu um sorriso:

— É um Daruma. Um talismã japonês. Comprei numa lojinha no bairro da Liberdade.

— Veio com defeito. Ele só tem um olho...

— É assim mesmo. Eu pintei um dos olhinhos e fiz um pedido. Quando este pedido for atendido, eu devo pintar o outro olhinho.

— E qual foi o pedido? — João Pedro ficou curioso.

— Não posso dizer — respondeu ela, com um jeitinho meigo. — É segredo. O Daruma não gosta que a gente fique espalhando os pedidos.

— Preciso trazer algo de casa também.

— Não precisa, não. Já trouxe pra você...

Ela tirou da bolsa um porta-retrato. Nele havia uma foto que os dois tiraram na festa de despedida da escola, uma semana antes.

— Obrigado — agradeceu João Pedro, ruborizado, por estar sendo observado por todos em volta. — Você pensa mesmo em todos os detalhes.

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— Tive uma idéia para começar — disse Maria Carolina.

— Qual? — João Pedro achou mesmo que seria uma ótima idéia mudar de assunto o quanto antes.

— Vou criar uma seção chamada "Filmes para você ver namorando".

— Legal!

— Tem alguma sugestão, Pê?

— A ilha dos homens-esqueletos...

— Tá louco? Você levaria sua namorada, no caso eu, para ver um filme horripilante desse?

— Claro que não. Não foi uma boa sugestão.

— Pensei em algo como Destinos açucarados. Vi em vídeo outro dia e adorei de paixão! Você viu?

— Não. Prefiro Destinos com adoçante. Estou precisando fazer dieta...

Naquele instante, Maria Carolina desejou que João Pedro fosse um pouco menos comédia e um pouco mais romance. Durante o resto da tarde, ela ficou analisando mentalmente o comportamento do namorado. Ele continuava o "molecão" de sempre. Mesmo tendo agora uma série de responsabilidades, continuava um menino. Parecia que os dois já não tinham mais as mesmas afinidades de dois anos atrás, quando trocaram o primeiro beijo no pátio da escola. Maria Carolina estava sentindo um amadurecimento mais rápido. Meninos da mesma idade eram um problema.

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8. O poderoso chefão

Discretamente, Bruno chamou João Pedro de ladinho e passou a fazer a imitação do professor Buster, que agora se autoproclamava "a maior nulidade em computadores do planeta".

— João Pedro, apareceu um quadrinho dentro de minha tela que está me atrapalhando. Como faço pra isso sumir daqui?

— É só fechar a janela, Bruno.

Bruno olhou em volta, com olhos preocupados.

— Bruno?!? Já falei que me chamo professor Buster. E de que janela você está falando? Estão todas fechadas. Não percebeu que o escritório tem ar-condicionado?

— Não, não — riu João Pedro. — Estou falando da janela do computador, professor. Janela é essa telinha que apareceu em cima da tela principal. Todos os programas que usamos neste computador trabalham com janelas, que são estas telas. Se você apertar este sinalzinho que está no canto de cima, a tela irá ficar guardada nesta barra, pronta para ser usada daqui a pouco. Mas, se você quiser fechar o texto e guardá-la no arquivo, deve clicar em cima do x.

* * *

No meio da tarde, a porta do escritório se abriu. Um homem gordo, bastante suado, passou pela garotada sem esboçar qualquer cumprimento. Usava um terno cinza bastante apertado, que destoava da camisa azul-celeste. O homem entrou na sala principal do escritório, fechando a porta atrás de si. Daí a pouco, o telefone interno de Thaís tocou e ela foi até a sala. Tudo indicava que aquele era o doutor Assumpção.

Os garotos acompanharam toda a cena em silêncio. Era a primeira vez que viam o poderoso chefão do site. Claro que todos tinham comentários a fazer. Mas, como nem todos se conheciam bem, era melhor ficar quieto. Até que Michael

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quebrou a barreira do silêncio e disparou uma para todos ouvirem:

— Agora já entendi por que o site se chama Hipopótamo...

A gargalhada foi geral. Parecia que todos estavam querendo dizer algo, mas alguém precisava tomar a iniciativa.

— Vocês viram o corte de cabelo dele? Deve ter sido moda nos anos 60, no tempo da Jovem Guarda!

— A essa altura, a Jovem Guarda já deve estar num asilo...

A brincadeira serviu para descontrair o ambiente. Augusto e Michael, que não faziam parte da turma de João Pedro, acharam que era o momento das apresentações.

— Eu sou o Augusto — ergueu a mão, saudando todos ao mesmo tempo. — Vou escrever sobre viagens e pontos turísticos.

— Oi, eu sou o Michael, mas vocês podem me chamar pelo nome artístico: Guru Zen. Sou especialista em astrologia, ocultismo, tarô, quiromancia...

— Quiro o quê? — interrompeu Bruno.

— Quiromancia. Eu aprendi a ler mão.

— Alermão é fácil — Bruno aproveitou a deixa para fazer um de seus trocadilhos. — Eu também sei: Volkswagen, Telefunken, aftasdóem hemorroidasidem...

* * *

— Pelo visto, você e a Flávia assaltaram algum jardim-de-infância, Ikeda! — disse o doutor Assumpção, referindo-se aos jovens que viu trabalhando no escritório. — Quantos você contratou?

— No total, cinco.

— Quanto estamos pagando? — o advogado esfregava um lenço branco na camisa para limpar alguns pingos de café que caíram nela.

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— Meio salário mínimo. Todos sem registro, sem assistência médica e sem nenhum benefício, como você mandou. Dissemos que eles não precisam vir todos os dias para não criar vínculo empregatício.

— Ótimo, Ikeda. Essa molecada até pagaria para trabalhar aqui. Mas eu não acho justo. Eles devem estar muito felizes. Com esse dinheiro, vão poder comprar muito algodão-doce e pipoca — soltou uma sonora gargalhada.

Depois de rir da própria piada, ajeitou-se na cadeira, limpou a garganta com uma tossidinha e mudou de assunto:

— E aquele nosso outro negócio, como anda?

— Tenho feito um pouco todas as noites.

— Quando vai ficar pronto?

— Junto com o site.

— Perfeito. Ikeda, você é um gênio!

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9. Um trote ou um aviso?

O primeiro dia de trabalho foi exaustivo para Maria Carolina, que chegou cansada em casa. Apanhou uma banana no cesto de frutas da cozinha e foi para seu quarto. Tirou a roupa, enrolou-se numa toalha e foi direto para o banheiro, que ficava bem em frente ao quarto. Trancou a porta. Desde que assistira ao filme Psicose, ela nunca mais conseguiu tomar banho de porta destrancada. Sempre imaginava que algum maníaco iria entrar com uma faca na mão, puxar a cortina do chuveiro e lhe dar um sem-número de golpes. Maria Carolina viu o filme duas vezes seguidas. Em um livro sobre curiosidades de cinema, ela ficou sabendo que o sangue que escorria pelo ralo era chocolate líquido. Mesmo assim, continuava impressionada.

Debaixo do chuveiro, ela foi se lembrando de tudo o que havia feito e estava feliz da vida. Escrever resenhas de filmes era o que ela mais gostava de fazer. Maria Carolina tinha um caderno com os comentários dos filmes que já havia assistido. Quer dizer, nem todos. Ela foi a primeira vez ao cinema, aos 5 anos, com seu pai. Viram um desenho animado da Turma da Mônica. Maria Carolina ficou com vontade de fazer xixi na última cena e o pai teve de correr com ela até o banheiro. De desenho em desenho, ela passou a se interessar por filmes. Começou a escrever o caderno quando faltava uma semana para completar 9 anos, e chegou até a inventar uma série de códigos para colocar na ficha técnica. Criou, por exemplo, uma pontuação de uma a três estrelas para classificar cada filme. Se achasse o ator principal muito bonito, desenhava um gatinho. Aqueles marcados com um coração vermelho tinham sido vistos ao lado de João Pedro; um coração e uma boquinha significavam que os dois trocaram beijos na hora dos trailers.

* * *

O relógio na parede marcava 10h45 da noite quando o delegado Cid Osório da Gama entrou em sua sala. Colocou a pasta com o laptop em cima da mesa e jogou suas chaves ao

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lado. Preferiu usar a garganta para chamar seu assistente, Frederico. Frederico entrou com uma folha de papel na mão.

— Espero que você tenha um bom motivo para me fazer voltar à delegacia a uma hora dessas!

— Recebemos uma mensagem estranha no final da tarde...

— Que mensagem? — preocupou-se Cid.

— Prefiro que o senhor leia.

Frederico estendeu a folha e entregou-a ao delegado. Cid Osório trabalhava na função de chefe de investigadores da divisão de informática. A função tinha sido criada há poucos meses pela Polícia Civil. O fato rendeu uma série de reportagens. Por isso, Cid vestia sempre ternos impecáveis, feitos sob medida por um alfaiate do centro da cidade. Tinha uma coleção de quarenta diferentes gravatas, mas a sua preferida era aquela azul com pequenos desenhos de algemas que estava usando. Engraxava os sapatos todos os dias com um garoto que já o esperava na porta da delegacia. Os outros policiais o apelidaram de "Robocop" porque ele entendia muito de tecnologia. Ele era especialista em rastrear e-mails anônimos. Recentemente, descobrira um fã obsessivo que enviava mensagens ameaçadoras a uma apresentadora de TV.

Cid leu a mensagem devagar: "Um vírus está prestes a se espalhar pela cidade, pelo Estado, pelo país, pelo continente, pelo mundo. Ele vai sair deste bairro. Vocês precisam evitar".

— Pode ser apenas um trote! — ponderou o assistente.

— O texto não é ameaçador, como todos os outros. Parece que é de alguém pedindo ajuda... Você descobriu de onde ele veio, Frederico?

— Fizemos uma busca e descobrimos que o remetente tomou uma série de precauções para não ser descoberto. O e-mail foi enviado de um cybercafé do centro da cidade, com uma conta anônima.

— Huuummm... Amanhã, iremos até esse cybercafé e faremos uma averiguação.

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10. Saindo escondido de todos

Fazia tanto tempo que vovô Nicodemos não saía de casa que ele nem sabia mais que roupa usar. O que se veste para ir a uma aula de computação? Pensou numa roupa de astronauta, mas não tinha nenhuma no armário. Sentiu saudade de sua mulher Lolita, que sempre deixava a roupa que ele deveria vestir depois do banho em cima da cama. Fazia três anos que Lolita havia morrido.

De lá para cá, ele se lembrava de ter saído para passear duas ou três vezes apenas. E, em todas elas, dava uma desviada até o cemitério para lhe deixar flores.

Escolher a camisa foi o mais fácil. Todas eram brancas. Pegou a mais nova, que havia ganhado do filho e da nora no último aniversário. Vestiu uma calça azul, sapatos pretos e tirou os suspensórios do fundo da gaveta. O apartamento estava vazio. Todos estavam trabalhando. Quando voltasse da aula, ele ainda estaria assim. Ele não queria estragar a surpresa.

— Onde o senhor vai tão chique? — estranhou o zelador, ao cruzar com ele no corredor.

— Gripe? Vitamina C e cama! Vitamina C e cama! É infalível.

— Não, não. Eu perguntei se o senhor vai dar um rolê...

— Esperando um bebê? O que você andou aprontando? Desculpe, mas acho que é melhor você contar isso para o síndico.

Ao sair do prédio, viu Bartolomeu se aproximando. Nicodemos achou engraçado o amigo estar de calça jeans, tênis branco e uma camisa azul. Levava também um guarda-chuva pendurado no braço esquerdo.

— Vamos logo! Não podemos chegar atrasados no primeiro dia de aula.

Nicodemos, que esquecera seu aparelho em casa, não ouviu nada.

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11. Que garoto mais grosseiro!

No segundo dia de trabalho, o ambiente no escritório já parecia estar bem mais descontraído. Mesmo assim, todos estavam naquele processo de ir se conhecendo aos poucos, ainda com alguma reserva. Michael e Maria Carolina conversavam diante da máquina de refrigerantes.

— Este emprego é o máximo! — disse Michael. — Eu sempre sonhei em trabalhar num lugar em que me dessem essas fichinhas para tirar refrigerantes destas máquinas sem pagar nada...

— É, ontem, eu tomei duas latinhas...

— Só? Pois eu peguei onze. Fiquei com vontade de arrotar a tarde inteira.

Maria Carolina ficou horrorizada com aquele comentário. Não poderia ter sido mais vulgar. No dia anterior, ela já achara o garoto convencido demais quando ele pediu que fosse chamado pelo nome artístico. Depois daquela grosseria, então, decidiu que só iria chamá-lo pelo nome de verdade para contrariá-lo.

— Que horror, Michael! — irritou-se ela. — Isso é coisa que se diga na frente de uma menina?

— Por quê? Meninas não arrotam?

— Claro que arrotam, Michael, mas com fineza.

— Ah, é? E como é que se arrota com fineza? — debochou Michael.

— Nós não fazemos concurso de arroto, como vocês, homens!

— Tá bom, tá bom...

Augusto passou por eles, com um olhar baixo e tristonho. Não falou nada. Os dois acharam estranho e comentaram:

— O que será que aconteceu com o Augusto? — perguntou Maria Carolina. — Ontem, ele estava superanimado. Hoje parece outra pessoa.

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— Não sei. Talvez ele seja de Gêmeos. Os nativos de Gêmeos são assim. Mudam de humor muito depressa — analisou Michael, num tom bastante sério.

— Reparou como os olhos dele estavam vermelhos? — observou Maria Carolina. — Parece até que chorou...

— Não, não reparei. Os únicos olhos que os meus olhos conseguem contemplar são os seus...

A garota sentiu um calor subir por todo o corpo e se concentrar no rosto até atingir as orelhas. Não estava esperando por aquela cantada barata. Era só o que faltava agora! Quando a temperatura voltou ao normal, Maria Carolina achou que era bom cortar as asinhas do colega:

— Pois, se os seus olhos continuarem contemplando os meus olhos, eles correm o risco de amanhecer roxos... Meu namorado é ciumento, sabia?

— Desculpe, só quis lhe fazer um elogio — Michael assustou-se com a resposta, que lhe soou como um cruzado no queixo.

— Desta vez, passa — Maria Carolina jogou a latinha no lixo e saiu decidida.

* * *

As empresas de internet buscavam criar uma forma de diminuir a tensão de seus funcionários, geralmente gente muito jovem. O Toy.Net instalou duas máquinas de fliperama e uma mesa de pingue-pongue num cantinho do escritório, além da máquina de refrigerantes. Todos tinham o direito de interromper um pouco o trabalho para uma jogada. João Pedro venceu a primeira partida contra Bruno. Aí Bruno propôs um novo desafio.

— Quero ver você ganhar do professor Buster... — e começou a imitar seu personagem.

Uma nova partida foi iniciada e, para tirar a concentração de João Pedro, o professor Buster começou a fazer uma série de perguntas.

— Por que precisamos digitar este "www" antes do nome de um site, J. P? — perguntou.

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— Isto aí é a abreviatura de world wide web — explicou João Pedro, com os olhos grudados no vai-e-vem da bolinha branca.

— Nossa, parece grego.

— Mas é inglês. Significa "teia espalhada pelo mundo". A internet é uma grande teia de computadores.

— Já sei quem inventou a internet: o Homem-Aranha!

— Engraçadinho! — João Pedro não achou graça da piada.

— Ih, não é só aranha que aparece no computador. João Pedro, o que significa aquele caracol que aparece nos endereços eletrônicos?

Bruno bateu um saque bem colocado e marcou seu primeiro ponto.

— Na internet, a arroba, nome do símbolo que parece caracol, significa "o lugar em que você está". Veja o seu endereço eletrônico: [email protected]. Significa que o Bruno, você, está no servidor da empresa Toy.Net.

— Bruno? Você está me confundindo de novo. Sou o professor Buster.

João Pedro empatou a partida.

— Sei, sei — João Pedro às vezes se cansava com a brincadeira, mas gostava muito de Bruno e não reclamava.

— E esse "com"? Significa que estou com alguém ao meu lado? Se você não estivesse aqui, seria bruno@toy. net.sem.br?

Uma cortada fulminante de João Pedro desempatou a partida:

— Esta foi para você aprender a falar menos bobagem.

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12. Um plano de fuga

Na saída da escola de computação, Bartolomeu estava muito contente, diferente de Nicodemos, que saiu com um bico maior que o de uma cegonha.

— Você me disse que o computador tocava música, passava filme... Não vi nada. Só a tela branca. Até o microondas lá de casa é mais divertido...

— Deixa de ser chato, Nico. Foi só a primeira aula...

— O que achei da professora Paula? Gozado. No crachá dela, estava escrito Dinorá... A didática é um tanto fraca. Veja só: passei lá 50 minutos e aprendi a apertar um único botão.

— Que culpa ela tem se você não achava o botão para ligar o computador? Lembre que ela mandou você treinar em casa e...

Bartolomeu levou um susto quando a porta do elevador se abriu. Deu um jeito de se esconder atrás de um vaso de plantas, que ficava bem no meio do corredor.

— O que foi, homem? — assustou-se Bartolomeu.

— Quieto! — Nicodemos levou o dedo aos lábios e puxou o amigo para trás da planta também. — Meu filho é o ascensorista daquele elevador. Não sabia que ele trabalhava neste edifício. Se ele nos vir aqui, vai estragar toda a nossa surpresa. Todos vão saber que estamos fazendo o curso.

— É verdade — Bartolomeu ficou mais calmo. — Precisamos bolar um plano. Você tem alguma idéia?

— Pular pela janela? Está maluco? A gente iria se esborrachar lá na calçada.

— Eu não disse nada...

— Escada? É mais razoável, mas eu não consigo. Ah, tive uma idéia, Bartolomeu. Você vai até uma loja de fantasias e aluga uma barba postiça, um chapéu e um par de óculos escuros. Traz tudo até aqui e eu saio disfarçado.

— Pode deixar. Isso vai ser divertido...

— Vestido? Só se for pra você!

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— É, Nico, você está cada dia mais surdo... É nisso que dá quando você esquece o aparelho...

— Ah, e ainda um vestido acima do joelho? Veja lá o que você vai fazer...

* * *

Nicodemos resolvera voltar para dentro da escola de computação. Só assim não corria o risco de ser visto pelo filho. Sentou-se no sofá da recepção, bem em frente à mesa da telefonista.

— Estou esperando um amigo... — disse ele.

— O senhor quer ler um jornal? — perguntou ela, solícita.

— Não, o nome dele é Bartolomeu. Não conheço nenhum Juvenal...

— E uma revista? — insistiu ela.

— Errou de novo. Ele não é da Bela Vista. Nós somos vizinhos. Moramos aqui perto, no bairro do Sumaré. Viemos de metrô. São oito estações daqui.

Foi aí que a moça percebeu que Nicodemos não escutava direito e preferiu parar de conversar. O velhinho acompanhava o movimento do ponteiro de segundos no relógio branco na parede. Estava impaciente. Achava que o amigo deveria ser mais rápido. O tempo foi passando e ele ficou com vontade de ir ao banheiro.

— Mocinha, por favor, onde fica o banheiro dos homens?

— O senhor pode usar qualquer um do final do corredor, não importa.

Nicodemos se levantou e tomou a direção do corredor.

— Primeira porta? É esta aqui.

Distraído, ele nem percebeu a placa de "almoxarifado" na parede ao lado. Entrou e bateu a porta com força. Estava tudo escuro e ele não encontrou o interruptor de luz. Tropeçou numa vassoura e resmungou:

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— Terminam de fazer a limpeza e não guardam o material no lugar. Esta escola não é das melhores...

Continuou tateando as paredes. Mas acabou enfiando o pé num balde, rodopiou e caiu no chão. Ao bater a cabeça, ficou desacordado.

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13. Um computador muito suspeito

Às 6 horas da tarde, os escritórios começavam a se esvaziar e o movimento dos elevadores era bastante intenso. Muitos vinham lotados dos andares mais altos e iam direto para o térreo. Por isso, era preciso ter certa paciência nesse horário. No saguão do décimo quarto andar, Michael pegou na mão de Thaís. Começou a esfregar o dedo indicador na palma da mão dela, a pedido da própria.

— Vejo uma viagem na sua vida! — disse Michael, agora no papel de Guru Zen, com certo estilo. — Estou vendo uma viagem muito próxima... Acertei?

— Acertou. Vou com minha mãe pra Fortaleza nas férias.

— Viu? Ah, aqui também posso ver que você está apaixonada por alguém que não lhe dá muita atenção...

— Que incrível! É isso mesmo! — Thaís surpreendeu-se.

— Algo está te preocupando muito.

— Nossa, Michael! Estou estudando para prestar o vestibular e estou com muito medo de não entrar na faculdade. Você acertou tudo!

A figura de Michael, com um turbante amarelo na cabeça e uma capa roxa, mais os comentários entusiasmados de Thaís fizeram pessoas de outros conjuntos, que também esperavam o elevador, aproximarem-se para ouvir melhor.

— Aprendi com minha mãe. Ainda sou um principiante. Ela, sim, é uma especialista em ciências ocultas. — Michael aproveitou a pequena aglomeração que se formou em volta dele e começou a distribuir cartõezinhos de cor laranja que ele trazia no bolso. Em letras vermelhas, havia o desenho de uma bola de cristal, cercada de estrelinhas, mais o nome e o telefone de sua mãe. — Se quiserem algo mais profundo, procurem por dona Rosa. Ela é uma pessoa extremamente ocupada, recebe empresários, políticos, artistas... Só atende com hora marcada.

* * *

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O delegado Cid e seu assistente, Frederico, aceitaram o café oferecido pelo dono do lugar. Era um cybercafé bem arrumado no centro da cidade. Havia cinco computadores enfileirados numa grande bancada. Do outro lado serviam pão de queijo, croissants simples e recheados, café e sucos.

— O que nós descobrimos é que a mensagem foi enviada daquele computador ali — apontou Frederico.

— O senhor tem algum registro de quem usou esta máquina ontem?

— Não, delegado — respondeu o homem, um japonês magro, de cabelos brancos e escorridos. — Nós não temos nenhum controle. Não pedimos identidade, nada.

— Sei, sei. Desculpe, qual é mesmo o seu nome?

— Kikuchi.

— Senhor Kikuchi, por acaso o senhor se recorda de alguma característica física das pessoas que usaram esta máquina? Algo que tivesse chamado a sua atenção... Uma pessoa com pressa, nervosa, preocupada...

— Quem ficou aqui ontem à noite foi meu filho — explicou Kikuchi. — Eu estava fora... Ele entende mais de computadores do que eu. A idéia de montar este negócio foi dele. Meu filho tem outro trabalho durante o dia e vem aqui apenas à noite.

— Precisamos falar com ele — disse Cid — talvez seu filho possa nos ajudar... O Frederico virá aqui à noite. Peça a ele que esteja aqui por volta das 9 horas.

— Sim, senhor. Mas será que vocês não poderiam dizer o que está acontecendo?

— Por enquanto, não. Estamos investigando. Muito obrigado e passar muito bem.

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14. Onde está Nicodemos?

O clima na casa de Afonso estava tenso. Bartolomeu recebia uma saraivada de perguntas:

— Quando foi que você viu o papai pela última vez? — Afonso perguntou aquilo pela oitava vez.

— Logo que a aula terminou. Eram quatro e meia. O Nico ficou no saguão e eu desci pela escada. Demorei a encontrar a loja de fantasias. Quando voltei, às 7 horas, ele tinha desaparecido. A escola tinha fechado.

— Por que vocês não contaram sobre o curso? — Marta entrou na conversa.

— Era para fazer uma surpresa pra vocês — Bartolomeu abriu o jogo. — Também não queríamos que vocês achassem que éramos velhos demais para aprender a usar o computador.

— E justo hoje que eu tinha feito um bife de coxão-duro para o jantar e rapadura para a sobremesa. Era a chance de testar a dentadura nova de seu pai... — Marta disse, com ar desconsolado.

— O que faremos? — perguntou Bartolomeu.

— Vamos ligar para os hospitais da região — Afonso tentou agir com a cabeça fria num momento de muita tensão. — Espero que não tenha acontecido nada a ele.

* * *

Dentro do almoxarifado, vovô Nicodemos foi recobrando os sentidos. A cabeça ainda doía muito. Também sentia dores nos braços e no pescoço. Devagar, conseguiu desentalar o pé do balde, que tinha sido o causador de tudo. Para evitar nova tragédia, resolveu se arrastar até a porta. Só aí se levantou e, mancando muito, saiu dali.

— Vou cancelar a minha matrícula amanhã mesmo — bufou.

As luzes da escola de informática estavam todas apagadas. Conseguia enxergar apenas uma luzinha vermelha

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piscando no canto de uma parede. Resolveu usar aquilo como referência até encontrar um interruptor. Ao chegar mais perto, percebeu que um feixe de luz muito estreito saía de um pequeno aparelho branco, cruzando o corredor de uma parede a outra. Nicodemos arrastou a perna e passou por baixo do feixe. Um alarme disparou. Forte, muito forte. Em menos de um minuto, dois seguranças abriram a porta. Um deles falou no walkie-talkie:

— Central, central. QRU no décimo quarto andar!

Na linguagem dos radioamadores, a sigla QRU significa uma situação estranha, de algum perigo. O outro segurança apontou o dedo para Nicodemos e disse:

— Fique parado, não se aproxime!

— Acertou! Estou todo quebrado, mas aguentei firme.

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15. Cerejas do tamanho de maçãs

A família de Bruno era grande. Em sua casa, além do pai, da mãe e de seus três irmãos, morava também um tio que já tinha tentado de tudo na vida, mas sempre fracassara (embora nunca tenha admitido isso). O nome dele era Francisco. Chico era irmão da mãe de Bruno. Tio e sobrinho se davam muito bem e, naquela noite, como ficaram para jantar depois dos outros, estavam sozinhos na mesa da cozinha.

— Como está o trabalho, Bruno?

— É muito legal, tio Chico — respondeu Bruno, servindo-se de arroz, feijão, couve e frango à milanesa. — Fico bolando jogos o dia inteiro.

— Ótimo, ótimo. Sempre achei você um talento.

— Ah, tive uma idéia maravilhosa. Talvez o senhor possa me ajudar.

— Conte-me, conte-me — animou-se tio Chico. — Você sabe que eu tenho muito faro para os negócios.

— Lembra que eu estava desenhando uma coleção de monstrinhos?

— Sim, você já me falou sobre isso.

— Desenhei mais ou menos 150 monstrinhos, pensando em selecionar os melhores. Inventei nomes e poderes para cada um deles.

— Hummm... Continue! — pediu tio Chico.

— Aí é que vem a minha idéia.

— Qual é?

— Não vou jogar nenhum fora. Vou procurar alguém que queira lançar os 150 monstrinhos juntos. O que o senhor acha?

Tio Chico coçou o cavanhaque, mexeu a boca e franziu a testa. Tudo ao mesmo tempo.

— Olha, Bruno, acho que isso é uma fria. Ouça a voz da experiência de seu tio: nenhuma criança — nenhuma — conseguiria decorar os nomes de 150 personagens!

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— O senhor acha mesmo?

— Claro! Escolha uns cinco ou seis e pronto. Tá bom demais! Ou você acha que algum pai iria ficar comprando figurinhas, bonequinhos, jogos e outros badulaques de 150 personagens!

— É, o senhor deve estar certo. Vou escolher alguns e jogarei os outros fora.

— Mais uma coisinha: crianças não gostam de monstros. Escolha algo mais angelical. Crianças têm medo de monstros.

— Pode deixar, tio Chico — Bruno apanhou mais um pedaço de frango e pôs mais arroz no prato. — E o senhor? O que tem feito de bom?

— Vou ficar rico, Bruno. Muito rico!

— Outra vez?

— Desta vez não tem erro — Chico esfregou as mãos. — Fiquei sócio de uma empresa de agronomia que está pesquisando uma nova semente para produzir cerejas do tamanho de maçãs.

— Noooooooossa, que legal! — o garoto ficou realmente entusiasmado e sua boca começou a salivar. — Só de imaginar já fico com água na boca.

— Terão de inventar o Prêmio Nobel da Agricultura especialmente para nós, eu e meu sócio, Vic Passion. E esse será apenas o começo de um grande negócio. Depois produziremos uvas do tamanho de melões e jabuticabas do tamanho de melancias.

* * *

O som do celular começou baixinho e foi aumentando gradativamente. Só assim Ikeda percebeu que o aparelho soava dentro de sua pasta de couro. Abriu-a, tirou o aparelho e atendeu a ligação.

— Alô!

— Luciano? — uma voz bastante familiar estava do outro lado da linha.

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— Oi, pai. Aconteceu alguma coisa?

— A polícia esteve aqui.

— A polícia?!? — Ikeda levou um susto.

— Calma, filho.

— O que eles queriam?

— Fizeram algumas perguntas estranhas. Queriam saber se alguém suspeito andou usando um de nossos computadores ontem...

— E o que o senhor respondeu?

— Bem, eu disse que não estava aqui ontem à noite. Eles querem falar com você. Voltarão esta noite, às 9 horas.

— Não vi nada estranho...

— Diga isso a eles, então.

— O senhor jura que eles não perguntaram nada sobre aquele outro assunto?

— Também fiquei preocupado, mas acho que uma coisa não tem nada a ver com a outra.

— Assim eu fico mais tranquilo. Estarei aí hoje à noite.

— Você já conseguiu as provas para colocar aquele bandido na cadeia?

— Ainda não, pai. Mas estou cada vez mais perto.

— Tenho medo de que descubram o seu disfarce.

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16. Um tour pelo InfoCity

João Pedro estava fazendo xixi em um dos três mictórios do banheiro, o mais próximo da porta de entrada. Augusto entrou e instalou-se no mictório da outra ponta, deixando o do meio vago.

— Estava mesmo querendo falar com você... — disse João Pedro.

— Pode falar — consentiu Augusto.

— Comecei a fazer as perguntas sobre geografia e queria algumas informações sobre a Estátua da Liberdade.

— Sei tudo sobre a Estátua da Liberdade — jactou-se Augusto.

— Você já foi a Nova York? — perguntou João Pedro.

— Nunca — respondeu Augusto. — Mas tenho vários livros que falam tudo sobre as mais importantes cidades dos Estados Unidos. O que você precisa saber?

— Estou querendo algum número interessante que pode se transformar em uma pergunta...

— Eu sei que a estátua tem 45,3 metros de altura. Do pedestal até a tocha, ela mede 91,5 metros.

— O que mais, Augusto? — entusiasmou-se João Pedro.

— Ela pesa 225 toneladas e veio da França desmontada em 214 pacotes.

— A Estátua da Liberdade veio da França?

— Exatamente. Foi um presente dos franceses. O desenhista usou a mãe como modelo.

— Uau! Tem mais algum dado interessante? — quis saber João Pedro.

— São 167 degraus da entrada até o topo do pedestal. Depois são mais 168 degraus até a cabeça. Outros 54 degraus levam à tocha. Portanto, temos um total de 389 degraus.

— Perfeito!!! Esta é a pergunta que vou fazer — completou João Pedro, lavando as mãos. — "Quantos degraus

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você precisa subir para chegar à tocha da Estátua da Liberdade?" Valeu, Augusto. Até mais!

Augusto ficou aliviado com a saída de João Pedro. Ele não conseguia mais disfarçar uma estranha dor que sentiu ao urinar. O que estaria acontecendo com ele?

* * *

Fazia tempo que Bruno estava com vontade de fazer um tour pelo InfoCity. De fora, o prédio parecia uma daquelas torres futuristas que se vêem em filmes de ficção científica. Era todo prateado. Tinha uma estrutura incrível. No térreo, havia uma academia de ginástica, com piscina aquecida e salão de beleza, um mini-shopping center e uma alameda de serviços. Dois restaurantes e uma praça de alimentação, que oferecia quinze diferentes tipos de comida, funcionavam no primeiro andar. O arranha-céu foi projetado para que as pessoas que ali trabalhem não precisem sair durante a hora do almoço. O InfoCity também tinha um edifício-garagem anexo, com capacidade para 780 veículos.

"Quanto será que custou tudo isto?", perguntava-se Bruno, caminhando pelos corredores, admirando cada detalhe.

No final de um corredor, deu de cara com a central de operações. Ficou com vontade de ver aquilo de perto e entrou. Um operador correu para impedi-lo.

— Ei, rapaz! Não viu a placa lá fora?

— Que placa? — perguntou Bruno.

— "Proibida a entrada de pessoas estranhas" — disse o operador.

— E quem é estranho aqui? Eu? Por acaso, eu tenho os cabelos verdes? Arrasto correntes? Tenho serpentes na cabeça? Não, senhor, não aceito ser chamado de estranho.

— É estranho, sim. Eu não conheço você.

— Se é assim, você também não pode estar aqui dentro. Não conheço você também... Já para fora!

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O homem não aguentou a argumentação de Bruno e se deu por vencido. Esticou a mão e se apresentou.

— Antônio, chefe da sala de operações.

— Muito prazer. Eu sou o Bruno. Trabalho no décimo quarto andar.

— Você gostaria de conhecer os controles?

— Claro. Puxa, quantos aparelhos de TV vocês têm aqui! O meu sonho é ter uma parede assim. Poderia ver 300 canais de TV a cabo ao mesmo tempo.

— Este é o nosso circuito interno de TV. Temos 145 câmaras espalhadas por todo o prédio. Monitoramos tudo 24 horas por dia.

— Que bacana! Onde está o meu andar?

Antônio ordenou que um dos operadores acionasse as câmaras dos corredores do décimo quarto andar.

— Que legal! — entusiasmou-se Bruno. — Aqui, entre nós, tem também dentro do banheiro feminino?

— Não, não — riu Antônio. — Sempre fazem a mesma pergunta, sabia? É preciso respeitar a privacidade. As

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câmaras estão localizadas nos corredores de cada andar para saber quem entrou e quem saiu dos escritórios.

— Olha ali! — apontou Bruno. — Aquele é um dos meus chefes, o Ikeda. Ih, mas ele está tão atrapalhado que entrou na sala errada!

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17. Lar, doce lar

Os seguranças do InfoCity levaram Nicodemos até o distrito policial do bairro para registrar um boletim de ocorrência.

— O senhor tem direito a dar um telefonema — avisou o escrivão.

— Ah, eu sabia. Eu sabia. Está me pedindo dinheiro...

— Como?!? — espantou-se o escrivão.

— Está me pedindo dinheiro para ir ao cinema...

— O senhor está louco!

— Pouco? No meu tempo, a caixinha era um cafezinho, no máximo uma cerveja. Agora vocês pedem dinheiro para o cinema. Daqui a pouco, o que vai ser? Relógios, passagens aéreas, carros...

A situação só não engrossou porque Afonso chegou justamente naquele momento, depois de ter sido avisado por um faxineiro do edifício, que reconheceu Nicodemos.

— Papai!

— É o seu pai? — perguntou o escrivão. — Ele está me ofendendo...

— Não estou devendo nada. Não vou pagar caixinha pra sair daqui, entendeu?

Afonso pediu que o pai parasse de falar. Explicou ao escrivão que ele tinha um problema auditivo. Depois, mais calmo, ajudou o pai a contar ao policial o que havia acontecido na escola de informática. Nicodemos assinou o boletim de ocorrência e foi liberado. Afonso ainda passou num pronto-socorro para cuidar de um pequeno corte que havia na perna do pai. Só chegaram em casa às cinco e meia da manhã. Marta estava de pé, preparando um bule de café na cozinha. Ela ficou feliz em rever Nicodemos, apesar de toda a sua rabugice.

— Que bom que o senhor voltou! Deve estar com uma fome! Vou preparar alguma coisa para o senhor comer...

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Nicodemos não entendeu uma única palavra. Por isso disparou:

— Estou com fome, Marta. O que vamos ter de café?

— O meu leite! — lembrou Marta assustada, correndo para a cozinha.

— Omelete? Omelete de quê? — perguntou Nicodemos.

Como estava na cozinha, Marta não ouviu a pergunta. Ao voltar para a sala, porém, reparou que Afonso tirava um cochilo no sofá. Chamou o marido:

— Acorda, Afonso! Levanta... e se espreguiça!

Nicodemos ouviu e ficou bravo:

— Omelete de salsicha?!? Outra vez?

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18. A trombada das latinhas

Michael vinha equilibrando três latinhas de refrigerante e não percebeu que estava em rota de colisão com o doutor Assumpção, que entrou na sala apressado. Os dois trombaram e as latinhas se espalharam pelo chão. Michael levou o maior susto.

— Mil desculpas — disse o menino, todo sem graça.

— Nossa, você está mesmo com sede, hein, rapazinho!

— É que eu aproveitei a viagem e já peguei bebida pra toda a galera.

— Qual é o seu nome?

— Michael. Mas eu prefiro ser chamado pelo meu nome artísti... Ah, esqueça. É só Michael.

— Qual é a sua função aqui?

— Cuido da seção "Horóscopo Kids"!

— Muito bom, muito bom. Qual é o seu nome mesmo?

— Michael.

— Eu sou o doutor Assumpção, superintendente do site.

Michael achou engraçado a pompa do cargo. Pensou baixinho: será que, se ele for promovido, passará a ser chamado de o "hiperintendente" do site? Mas se limitou a responder:

— Tô sabendo! Muito prazer.

— Você está gostando do trabalho?

— Por enquanto, está bem legal.

— Você gosta de navegar na internet?

— Adoro — e resolveu fazer uma piadinha. — Navego tanto que já troquei meu monitor por uma escotilha e o meu mouse por um remo...

O sisudo doutor Assumpção continuou falando como se não tivesse entendido a tirada de Michael.

— E você tem muitos amigos que também gostam de internet?

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— A galera toda fica navegando. Ainda mais nas férias.

— É mesmo, Rafael?

— Michael.

— Ah, sim, Michael. Nós vamos fazer uma grande campanha de lançamento. Outdoors, anúncios de rádio e TV, páginas duplas em revistas. Queremos todos os jovens ligados em nosso site.

— Pode deixar. Vou avisar todos os meus amigos.

— Muito bem, muito bem. Gostei muito de você, Natanael!

O doutor Assumpção esticou sua mão gorda e peluda na direção de Michael. O pulso apareceu um pouco para fora da manga da camisa e Michael pôde reparar a figura de uma flor negra tatuada no pulso do doutor Assumpção.

— Muito prazer também!

— Ah, e se for possível, deixe um pouco de refrigerante para os outros também!

— Combinado!

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19. Posso ir com você?

Bruno entrou na salinha de Ikeda com um disquete na mão:

— Terminei as cem perguntas sobre futebol que você me pediu!

— Já??? — surpreendeu-se Ikeda. — Você é mesmo rápido, hein...

Ikeda apanhou o disquete, colocou-o no drive e abriu o arquivo. A primeira pergunta era: "Qual foi o país que disputou a final da Copa do Mundo de 1994, nos Estados Unidos, contra o Brasil: França, Itália ou Holanda". Ikeda leu e respondeu:

— Alternativa B. Itália.

— Certo — aplaudiu Bruno.

— Vamos à próxima: qual foi o primeiro apelido futebolístico de Pelé: Gasolina, Reizão ou Neguinho? — Acho que é a C.

— Errou. Foi Gasolina.

— Parabéns, Bruno. Está muito legal! Entregue o disquete a alguém da tecnologia e diga que é para colocar tudo no ar o mais rápido possível.

O garoto levou as ordens tão ao pé da letra que deixou a sala de Ikeda em alta velocidade. Tanto que nem cumprimentou Flávia, que cruzou com ele na saída da sala. Ela pediu licença e, antes mesmo de ouvir qualquer resposta, foi entrando.

— Vai ficar trabalhando até tarde?

— Não, não. Estou de saída. Tenho um compromisso importante.

— Que pena! Pensei em convidá-lo para irmos a um barzinho conversar e relaxar um pouco. Temos trabalhado tanto... Acho que merecemos uma parada.

— Hoje não dá. Pode ficar para outro dia?

— Pode. Bem, na verdade, continuo um pouco insegura. Não sei se esses garotos são os melhores que eu podia ter

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contratado. E se o doutor Assumpção e os investidores não gostarem do material? Queria falar sobre isso. Mas você nunca tem tempo!

— Calma, Flávia. A garotada é ótima. Todos são esforçados. Estou um pouco atrapalhado esta semana. Mas minha vida deve sossegar um pouco logo. Quer dizer, nossas vidas.

— Espero que sim.

* * *

Thaís ficou observando à distância a conversa entre Ikeda e Flávia. Pelo visto, ele já estava se preparando para sair. Era preciso agir rápido. Quando Ikeda se despediu de Flávia, Thaís já tinha guardado todas as suas coisas e desligado o computador. Levantou-se e saiu logo atrás dele. Tudo conforme o planejado. No corredor, no entanto, Thaís simulou apenas uma agradável coincidência:

— Também já está indo embora? — perguntou ela.

— É. Tenho um compromisso no centro — respondeu Ikeda.

— Estou indo pra lá. Podemos ir juntos?

— Claro. Vou pegar o metrô na Paulista.

O elevador chegou. Estava quase cheio. Os dois entraram e completaram a lotação. Afonso cumprimentou-os com um aceno de cabeça.

— O que você vai fazer no centro? — quis saber Ikeda.

— Preciso trocar um presente numa loja. E você? Mora por aqueles lados?

— Não. Moro aqui pertinho, na rua Carlos Sampaio, conhece?

— Não é tão pertinho.

— Dá pra ir a pé. São doze quadras. Demoro quinze minutos pra chegar em casa.

— Então, o que você vai fazer no centro?

— Vou encontrar um amigo de faculdade, o Reinaldo.

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"Térreo", avisou o ascensorista. Todos desceram e tomaram a direção da rua. Afonso subiu para pegar mais passageiros.

* * *

O ascensorista virou discretamente os olhos e espiou o relógio do presidente de uma empresa de jogos para computador chamada MicroHard, que ocupava todas as salas do décimo oitavo andar. Faltavam apenas dez minutos para o fim de mais um dia de expediente. Duas secretárias no fundo do elevador trocavam uma receita de batata recheada com carne moída. Um office-boy estava entretido com uma revista sobre skate, enquanto uma executiva tentava encontrar as chaves do carro numa enorme bolsa preta.

— Ah, menina, você viu quem está namorando a Beth Rodrigues?

A receita da batata recheada havia terminado entre o terceiro e o segundo andar e as duas moças engataram um novo assunto.

— Beth Rodrigues... aquela atriz da novela das seis?

Afonso detestava as fofocas que começavam entre o primeiro andar e o térreo. Quase nunca dava para ouvir o final da história.

— É, aquela de cabelinho curto, que faz o papel da irmã mais nova do Fernando Gomes.

Térreo. Afonso pensou em deixar a porta fechada até que elas terminassem o assunto. Mas os passageiros o matariam. Ele abriu as portas.

— Então, ela está namorando o...

— Valeu, Afonso! — o office-boy deu um tapinha nas costas do ascensorista e falou bem alto, justo na hora em que o nome do namorado da atriz ia ser revelado.

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20. O mistério da flor negra

A campainha tocou. Dona Rosa veio até a porta, olhou pelo olho mágico e viu tudo escuro no corredor.

— Quem é? — perguntou ela.

— A senhora não é vidente? Deveria saber...

Ela reconheceu a voz, riu e abriu a porta. Era seu filho, Michael.

— Eu sempre caio nessa pegadinha...

Os dois se abraçaram.

— Uma vidente precisa saber de tudo bem antes. Até o que vai cair na prova pra que eu não precise ficar estudando aquele monte de coisas.

— Mesmo se eu soubesse o que iria cair na prova, eu nunca lhe diria.

— Minha própria mãe...

— Como foi o seu dia hoje?

— Tranquilo. Escrevi as previsões para Peixes, Aquário e Áries.

— Usou os livros da mamãe?

— Claro. Só dei uma mexidinha para deixar a linguagem mais jovem.

— Excelente! — ela ficou toda orgulhosa.

— Ah, mãe! Você sabe o que significa uma flor preta tatuada no pulso?

— Como assim?

— É que o dono do site tem uma flor preta tatuada no braço. Uma vez, a senhora falou sobre um grupo de magia negra que usava uma flor tatuada no pulso... Pensei que pudesse ter alguma relação.

— Que flor era? — perguntou

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dona Rosa.

— Como assim? Que diferença faz?

— O grupo de magia negra usa uma flor de lótus preta.

— Não reparei.

— Então, não posso responder a sua pergunta.

— E agora? — disse Michael, coçando o queixo. — E se esse sujeito for um membro desse grupo?

— Você precisa tentar olhar a flor de novo.

— Como? O sujeito se veste com camisa de manga comprida, abotoaduras, terno...

— Por que você não se oferece para ler a mão dele?

— Tá louca, mãe? Já pensou o que o pessoal do escritório ia ficar falando de mim?

* * *

O investigador Frederico chegou quinze minutos atrasado. Pediu desculpas, sentou-se ao lado de Luciano e começou a lhe fazer algumas perguntas.

— Seu pai já lhe disse que estive aqui hoje na hora do almoço?

— Já.

— Você se lembra de ter visto alguém estranho aqui ontem?

— Estranho como?

— Acho que usei a palavra errada. Estou procurando alguém suspeito. A nossa delegacia recebeu uma mensagem vinda deste computador ontem à noite.

— Que tipo de mensagem?

— Não posso revelar por enquanto. Não quero causar nenhum pânico, pois pode ser apenas um trote.

— Um trote? Entendo.

— Então, me ajude, faça um esforço de memória: alguém suspeito usou este computador ontem à noite?

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— Tivemos um bom movimento ontem. Lembro-me de um garoto que ficou algum tempo nesta máquina e também de um homem bem grisalho, que parecia ter uns 60 e poucos anos.

— Eles já tinham vindo aqui alguma vez?

— Não me recordo. Acho que não. Mas preciso confessar que sou péssimo para guardar fisionomias.

— Nosso departamento estará monitorando estas máquinas. Gostaria que você ficasse de olho nos seus clientes.

— Vou ficar.

— Lembre-se: se algum suspeito passar por aqui, ligue pra mim. Aqui está o meu cartão. Até logo.

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21. "Descobri algo terrível"

A semana havia passado rápido demais. "Ainda bem que o sábado estava se aproximando", pensava Maria Carolina. Ela estava ansiosa para ver o novo filme com Sandra McCloud que estreara no dia anterior.

J. P. levantou sorrateiramente os olhos para ver a namorada trabalhando. Ela estava de óculos e folheava algumas revistas sobre cinema. J. P. começou a reparar em cada detalhe de seu rosto. Ela tinha cabelo curto repicado, um nariz delicado e usava três brincos na orelha esquerda e quatro, na direita.

— Maria Carolina, preciso contar uma coisa pra você.

— O que foi?

— Estou com medo...

— Medo de quê?

— Descobri algo terrível sobre o Ikeda...

— Como assim? — berrou ela.

— Psiu! — J. P. colocou o dedo indicador na frente dos lábios. — Não dá para falar aqui dentro.

— Está bem, está bem — cochichou Maria Carolina.

— Hoje à noite, saindo daqui, vamos tomar um sorvete na Boneco de Neve?

— Fechado. Um sorvete cai muito bem com este calor.

Maria Carolina se sentiu no meio de um suspense.

— Isto é cinema! E dos bons!

* * *

No corredor do décimo quarto andar, Michael segurava a mão de uma loira escultural que trabalhava numa agência de viagens, a três portas da Toy.Net. Deslizava seus dedos pela palma da mão da garota, dizendo palavras que a deixavam toda sorridente. Daí a pouco, Michael entregou um cartão a ela, que agradeceu com um beijo e foi embora. Bruno, que

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vira tudo à distância, aproximou-se com uma nota de 10 e entregou a Michael:

— Tá aqui!

— Obrigado! Não falei que eu ia conseguir pegar na mão desta loirona? Quer apostar que eu também consigo pegar na mão daquela ruiva do conjunto 1408? Mais 10 reais?

— Não, chega! — Bruno desistiu. — Já cansei de perder dinheiro pra você. E o que era aquele cartãozinho que você passou pra ela?

— Ela pediu meu telefone. Disse que quer sair comigo... Sou o maior galã deste escritório! As mulheres se atiram por mim...

— É, se atiram no precipício... — Bruno encerrou o assunto.

* * *

— Uma bola de chocolate e uma de limão, por favor! Do que você quer, Carol?

— Creme e flocos. No copinho.

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Os sorvetes foram servidos. João Pedro e Maria Carolina sentaram-se numa das mesinhas do terraço da sorveteria. Era uma noite muito quente e o lugar estava cheio. Maria Carolina passou em casa para tomar um banho e trocar de roupa. Voltou vestida com uma saia preta e um collant sem mangas igualmente preto. Ela equilibrava seu 1,58 metro numa sandália de salto muito alto. O toque final ficou por conta de uma faixa no cabelo. Apesar de Maria Carolina ter caprichado tanto, João Pedro não fez nenhum comentário à sua beleza. Isso a deixava bastante chateada, embora ela se segurasse para não demonstrar. Preferia pensar que todos os garotos eram assim. E ponto.

— Estou muito curiosa para saber o que aconteceu... — ela puxou o assunto.

— É o seguinte. Ontem à noite, antes de sair, fui deixar alguns textos na mesa do Ikeda. Ele já havia ido embora, mas esqueceu a porta da sala aberta. Por isso, resolvi entrar.

— E daí? — Maria Carolina estava impaciente.

— Quando coloquei as folhas em cima da mesa, vi o pedacinho de uma pasta. Estava escrito "Vírus Mortal".

— Daria um belo nome de livro, que depois poderia ser adaptado para o cinema, não acha?

— Não resisti e abri.

— Já sei: você foi infectado? — brincou ela, apesar de todo o suspense.

— Tomei um choque. Havia várias anotações do Ikeda sobre um vírus que seria capaz de apagar todos os arquivos de todos os computadores do mundo. E, pelo que li, ele entrará em ação no dia 20 de dezembro...

— Será que você não está enganado? Pode ser que ele esteja testando justamente um sistema para nos proteger contra outros vírus...

— É, pode ser que seja isso. Mas, se não for, estaremos sendo cúmplices de uma grande armação virtual.

— Por que você não pergunta para ele?

— Ele vai saber que eu mexi na mesa dele.

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— Pode ser. Podemos investigá-lo nos próximos dias — sugeriu Maria Carolina. — Se percebermos algo suspeito, o melhor é avisar o doutor Assumpção. Ele está investindo 12 milhões de dólares, e um sabotador pode colocar tudo a perder.

— Por que será que ele está fazendo isso? Será que ele é um agente contratado por um site concorrente?

— Ainda não sabemos se ele está fazendo isso, Pê. Não podemos acusá-lo sem provas. Precisamos investigar.

— Você está certa, Carol.

— Precisamos também de um guardanapo. Acabei de deixar um pouquinho de sorvete de flocos cair na minha saia.

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22. A misteriosa saída de tio Chico

Os almoços dominicais eram uma festa na casa de Bruno. A casa ficava cheia, ou melhor, abarrotada de gente. Fora o tio Chico, ele tinha duas outras tias, casadas, irmãs de sua mãe, que sempre apareciam e traziam os respectivos maridos e filhos. A avó e o avô também vinham. No total, eram dezessete pessoas para comer. Logo cedo, a mãe de Bruno começava os preparativos para a macarronada. Descascava os tomates, picava a cebola, deixava a carne para refogar. A turma consumia quase 5 quilos de macarrão, além de muitas almôndegas. Chovesse ou fizesse sol, ninguém perdia aquele almoço. Foi por isso que Bruno achou estranho quando o tio Chico avisou logo cedo: "não precisa colocar prato na mesa para mim hoje". Disse que tinha um compromisso importante. "Deve ser o tal negócio das frutas gigantes", imaginou Bruno. "Se o negócio der certo, teremos de comprar baldes para comer a salada de frutas da sobremesa."

Chico vestiu uma calça cinza, uma camisa branca e um blazer azul-marinho, já meio apertado nas laterais, o mesmo que usara no dia em que assinou o contrato da sociedade para a construção de uma fábrica de chuteiras de bico quadrado. Ele acreditava que um calçado assim evitaria que os jogadores dessem chutes sem direção. Bruno chegou a usar um protótipo delas. Uma vez só. Os amigos riram tanto com seus chutes sempre errados que o modelo foi direto para o lixo. Nenhum lojista se interessou pela novidade. A fábrica de tio Chico só conseguiu vender dois pares: um para um museu de excentricidades de Miami e outro para um palhaço chamado Chicletão, que trabalhava num circo que estava de passagem pela cidade. Bruno foi até a janela e viu Chico entrar num carrão importado, dirigido por um homem negro, de cavanhaque e cabeça raspada. O carro logo virou a esquina e já Bruno se desinteressou, achando melhor dar uma lida no caderno de esportes do jornal.

* * *

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O carro parou em frente a uma loja de frutas nos Jardins, um dos bairros mais nobres de São Paulo. Pelos veículos guardados no estacionamento, era possível ter uma idéia do poder aquisitivo da clientela. O local era bastante colorido. As frutas eram todas selecionadíssimas. Tio Chico ficou até impressionado com o tamanho das bananas e das laranjas. Foi apresentado pela primeira vez a algumas frutas importadas da Colômbia, que nunca tinha visto antes. Cada freguês recebia atendimento personalizado. A loja chegava ao requinte de vender abacaxi, manga e tangerina já descascados, em embalagens fechadas a vácuo.

— Meu caro Chico! — alegrou-se um homem de pele bronzeada, cabelos brancos desalinhados e um charuto entre os dedos.

— Olá, Vic... O movimento está ótimo hoje, hein?

— Não tenho do que me queixar. Quando você tem qualidade e bom atendimento, os clientes não reclamam do preço. Está vendo aquela caixinha de morangos? Paguei 75 centavos ao produtor e estou vendendo por 6 reais. Fruta é um bom negócio.

— Por que você mandou me chamar? Alguma novidade?

— Preciso que você vá a Portugal daqui a alguns dias.

Tio Chico vibrou por dentro com a notícia.

— Portugal? Como assim... Portugal?

— Aquele país. Portugal. Conhece? Pedro Álvares Cabral, caravelas, fado, bacalhau...

— Isso eu sei, mas... o que é preciso fazer em Portugal?

— Levar um disquete para alguns agrônomos portugueses que estão nos ajudando em nossa pesquisa — explicou Vic Passion.

— Não é mais fácil mandar pelo Correio? Não que eu não queira ir...

Bravo, Vic tirou o charuto da boca e cerrou as sobrancelhas, que pareciam duas taturanas.

— Meu caro sócio... Você acha que eu vou mandar pelo Correio alguns de nossos segredos para produzir frutas

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gigantes? Não, não e não. Você vai levar o disquete como se fosse um tesouro.

Tio Chico assentiu com a cabeça.

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23. Os perigos do vírus

Ao voltar para o trabalho na segunda-feira, Maria Carolina acessou a internet atrás de informações sobre vírus. Vira e mexe, o assunto era destaque nos noticiários de TV, rádio, jornais e revistas. Mas ela nunca viveu o problema tão de perto. Por isso, achou importante se informar melhor sobre o assunto. Descobriu, por exemplo, que o primeiro vírus mundial, que se chamava Sexta-Feira 13, surgiu em 1989 e iniciou seu ataque a partir da Inglaterra. Leu depois sobre o I Love You, criado por um estudante tailandês e que causou prejuízos de bilhões de dólares no ano 2000.

"Se eu recebesse um e-mail com o título Sexta-Feira 13, não abriria", pensou Maria Carolina. "Não vi o filme, porque morria de medo daquele vilão, o Jason. Ah, mas o I Love You, eu não resistiria... Que perigo eu corri!"

Maria Carolina encontrou também dicas de especialistas sobre como evitar a contaminação do computador. Resolveu copiá-las e distribuir uma cópia para todo o pessoal do escritório. Escreveu o seguinte:

• Cuidado com e-mails de pessoas desconhecidas ou que contenham arquivos executáveis (com ".exe" no final). Mesmo pessoas conhecidas podem estar repassando arquivos que receberam pela internet. Utilize um antivírus antes de abri-los em seu computador.

• Não coloque em seu computador arquivos de origem desconhecida (disquetes emprestados por um amigo de um amigo do vizinho do seu primo). Evite também programas piratas.

• Compre um bom antivírus e faça a atualização dele pela web frequentemente. Novos vírus são criados todos os dias.

"Já fiz minha parte", pensou, bem contente.

* * *

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Michael passou a manhã inteira com o pensamento longe, esperando que alguma idéia desabasse de repente sobre sua cabeça. Ele tinha passado todo o final de semana bolando um jeito de conseguir ver novamente a flor negra do pulso do doutor Assumpção. Assim, quando o patrão saiu de sua sala e tomou a direção do banheiro, achou que era a hora de colocar seu plano em ação. Michael entrou no banheiro. Assumpção olhou para a porta e o saudou:

— Como vai, Manoel?

— Michael.

— Michael, sim, sim. Como vai?

— Tudo bem.

— Pelo visto, você continua tomando bastante refrigerante, né?

— Minha bexiga é meio rebelde.

O doutor Assumpção terminou. "É agora", pensou Michael. "Ele vai ter de arregaçar as mangas pra lavar as mãos". Errado. O superintendente ignorou a pia e saiu do banheiro.

— Que sujeito mais porco! — resmungou Michael.

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24. A segunda mensagem

O delegado Cid e seu assistente estavam diante do computador, olhando para a tela. Havia uma nova mensagem:

"As crianças vão chorar com seus presentes de Natal. Vocês não podem deixar o vírus estragar esta festa".

— É, com certeza, da mesma pessoa — disse o delegado.

— Estamos lidando com um sujeito profissional, profundo conhecedor de sistemas — explicou Frederico. — O e-mail veio de um provedor da Malásia, na Ásia. Acho que ele sacou que estávamos atrás dele.

— O que será que ele está querendo dizer com isso? — Cid parecia pensar em voz alta. — Pode ser que o vírus tenha o nome de algo ligado ao Natal, como Papai Noel, Noite Feliz, Bate o Sino...

— Panetone, Nozes, Peru assado... — completou Frederico.

— É, são alternativas — o delegado não se entusiasmou muito com os palpites e tratou logo de mudar de assunto. — Alguma novidade naquele cybercafé?

— Conversei com o filho do dono na semana passada, mas ele não me ajudou muito. Não se lembrava de ninguém. Prometeu ficar de olho.

— Prometem, mas não ficam de olho — irritou-se Cid. — No fundo, os dois devem ter medo de que os bandidos se vinguem deles. Tenho um plano melhor. Vamos colocar a agente Maria para vigiar o local.

— Mas ela já está numa missão, doutor!

— Que missão?

— Ela está atuando na Missão Machado, lembra?

— Tem razão, tem razão.

— Coloque, então, o investigador Ivan de tocaia neste lugar. Ele deve ir todos os dias neste local e passar um bom tempo num computador. Peça que ele anote as características das pessoas e o horário em que estiveram lá.

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25. Tradição de família

Afonso chegou em casa com a camisa branca empapada de suor. A gravata já estava larga no pescoço.

— Que calor insuportável! — resmungou.

— Tira logo essa camisa que eu já ponho pra lavar — disse Marta, num tom autoritário, um pouco rude.

— E o papai? — perguntou Afonso, obedecendo à ordem.

— Cada dia mais estranho. Quando cheguei hoje em casa, ele estava falando ao telefone. E ficou assim quase uma hora.

— Ele deve estar ligando para o Bartolomeu. Os dois podem estar planejando agora um curso de capoeira, de sobrevivência na selva, ou seja, essas coisinhas próprias para a terceira idade...

— Bartolomeu, nada! Pelo tom, parecia que ele estava falando com uma amiga. Você conhece alguma amiga de seu pai?

— Talvez a Imperatriz Leopoldina ou a Princesa Isabel...

— Não brinque. Estou falando sério — irritou-se Marta.

— Pode ser alguma prima dele, sei lá. Não importa. Só sei que vou beber uma cervejinha antes do jantar!

— Por que você não toma um banho primeiro, homem? — sugeriu a mulher.

— Pensei que o jantar já estivesse pronto — desconversou Afonso.

— Está, mas eu dou uma esquentada no microondas antes de servir. O João Pedro não veio com você?

— Ah, ele pediu que você guardasse um prato pra ele. Teve de ficar lá de novo.

— De novo? Este menino está trabalhando demais. Ele tem apenas 14 anos!

— É só por enquanto. O começo é sempre mais difícil. Quando o tal do site entrar no ar, ele terá de ir lá somente

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três vezes por semana. E meio período. Empreguinho bom, não? Queria um desses!

— Pelo menos, o João Pedro está feliz da vida.

— Isso é verdade. Nunca vi ele acordar tão rápido...

— Pudera. Ele sempre quis trabalhar com computador e com jogos. Lembra como você ficava irritado quando ele vinha com aquele monte de perguntas? Qual é a capital da Venezuela? Quem inventou a lâmpada? Quais os dois países que não fazem divisa com o Brasil?

Afonso voltou da cozinha com uma garrafa de cerveja numa das mãos e um copo na outra.

— E eu cheguei a pensar que o João Pedro fosse seguir a tradição de minha família...

— Que tradição, homem?

— Ora, Marta, não se faça de desentendida. Você sabe muito bem. Minha família sempre trabalhou em empregos em que se escuta a conversa dos outros pela metade.

— Como assim?

— Que memória fraca! Meu avô Asdrúbal foi motorneiro de bonde. Ele iniciou essa tradição. Vovô adorava ouvir as conversas daqueles homens engravatados que sentavam nas primeiras filas do bonde.

— Ouvir a conversa dos outros é muito feio — provocou Marta.

— Nesse caso, não. As pessoas fazem de propósito. Sabem que estão sendo ouvidas por um desconhecido e querem despertar curiosidade. Se não quisessem, ficariam em silêncio.

— Deve ter sido a sua família quem inventou essa teoria.

— Papai foi motorista de táxi. Ele adorava fazer corridas com casais ou duas senhoras. Era quando as conversas rendiam mais.

— Esticou tanto o ouvido para escutar a conversa dos outros que acabou surdo — ironizou Marta.

— E a mamãe? Fez curso de aeromoça, mas não foi aprovada.

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— Esta eu não sabia. Por quê?

— Era baixa demais. Ouvir conversa em avião deve ser o máximo. Acabou trabalhando como garçonete num restaurante. Sempre se aproximava com muita discrição, mas às vezes as pessoas paravam a conversa e esperavam que ela se retirasse. Mamãe ficava furiosa.

— É, sua mãe adorava mesmo um fuxico — atiçou Marta.

— Não se trata disso. É um desejo de conhecer melhor o ser humano. Saber o que há por dentro daquela pessoa que a gente nunca viu antes e que, possivelmente, jamais verá outra vez. Desde criança, eu sonhava em ser ascensorista.

— Huuum... Agora descobri por que você mexe tanto no controle remoto da TV! Você não consegue...

— Não, é que eu... — interrompeu Afonso.

— Deixa eu terminar, homem. Ouve! Você não deixa ninguém terminar uma frase!

— Pode ser. O melhor de tudo é ficar imaginando a vida daquelas pessoas e o final das histórias que começamos a ouvir.

— Casei-me com um louco e não sabia. Ainda bem que o João Pedro irá interromper essa interessantíssima tradição — ironizou Marta.

— Bom, ainda temos a Karin. Talvez ela queira ser atendente de uma central de bipe...

— Pode tirar o cavalinho da chuva. Sua filha pretende ser dentista.

— Dentista?! Acho meio estranho uma dentista se chamar Karin... Pior: dentista põe aquele monte de coisa na boca do cliente e não escuta conversa de ninguém. Fala sozinho o tempo todo.

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26. Augusto tem um problema

Faltava apenas uma semana para o lançamento do site. Flávia resolveu reunir a equipe de conteúdo para uma avaliação do trabalho até ali. Seria também uma excelente oportunidade para passar alguns recados.

— O que está faltando na sua parte, Michael?

— Terminei o perfil astrológico de todos os signos. Falta agora fazer o cruzamento entre um signo e outro. Quem combina com quem.

Maria Carolina ficou com vontade de saber se Peixes, seu signo, combinava com Gêmeos, signo de J. P, mas achou melhor ficar quieta.

— Aposto que Peixes combina com Aquário — brincou João Pedro. — Pelo menos, lá em casa, meu peixinho não sai do aquário.

Flávia achou graça da piada e abriu um sorriso. Mas Michael, que levava seu trabalho a sério, não entendeu a brincadeira.

— Errado — Michael fez um gesto negativo com o dedo indicador. — Peixes é um signo de água e combina muito bem com Câncer e Escorpião.

— Que Peixes é um signo de água eu não tinha a menor dúvida! — J. P. continuou tirando sarro da cara de Michael.

Flávia achou melhor acabar com as brincadeiras e continuar a reunião.

— Michael, você precisa terminar estes textos até depois de amanhã. Vou querer revisá-los antes de colocar no ar.

— E você, Carol? — prosseguiu a diretora de texto. — Já temos resenhas de quantos filmes?

— Não contei, mas acho que já fiz de uns setenta. Dividi em "filmes para crianças", "filmes para garotos", "filmes para garotas" e "filmes para ver namorando".

Bruno estava se sentindo um tanto fora da conversa. Por isso, resolveu puxar um pouco as luzes dos holofotes para sua direção:

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— Um sujeito entrou num parque. Ele não percebeu que havia um cachorro deitado num banco e sentou-se em cima dele. Qual é o nome do filme?

Maria Carolina disse que não sabia.

— Sento em um dálmata — Bruno respondeu e todos deram uma boa gargalhada. — Já que ninguém respondeu, vou fazer outra: num lugar onde só existiam pizzas, as de aliche foram expulsas pelas pizzas de ervilha. Qual é o nome do filme?

De novo, ninguém sabia a resposta.

— Aliche no país das más ervilhas — disse Bruno, com ar vitorioso.

Flávia riu outra vez. E lançou um desafio:

— O que você acha de escrever uma seção de piadas no site, Bruno?

— Eu topo! — respondeu, ainda mais vitorioso. — Tenho um caderno com uma porção de piadas.

— Vou pedir ao Ikeda que crie uma nova área no site — Flávia disse com entusiasmo. — As crianças adoram essas coisas. E, além do mais, a parte de perguntas é a mais adiantada de todas, né?

— Temos 780 perguntas prontas! — respondeu, orgulhoso, J. P. — Estão todas no ar.

— Maravilha! — aplaudiu Flávia. — Só falta sabermos como está a sua parte, Augusto.

Ele não ouviu. Parecia estar longe da reunião. Olhava distraído para a ponta do lápis, que segurava nos dedos.

— Augusto! — repetiu Flávia.

Só aí ele percebeu que era sua vez de falar.

— O que aconteceu? Já estava viajando? — Flávia preferiu suavizar o clima, pois sabia que todos eles vinham trabalhando demais.

— Desculpe! — disse Augusto, num tom gelado.

— O que falta para você terminar sua parte?

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— Estou escrevendo agora os textos sobre os parques aquáticos. Quando eu terminar isso, o material da primeira fase do site estará pronto.

— Excelente também! — vibrou Flávia.

— Será que posso sair agora? — pediu ele. — Estou precisando resolver um assunto particular. Prometo voltar logo.

— Claro que pode. A reunião está no fim. Vocês todos estão de parabéns! Estou orgulhosa e confiante que nosso site fará grande sucesso. Ainda mais que descobrimos agora que teremos um concorrente...

— Concorrente? — J. P. levou o maior susto com a palavra. — Como assim?

— Descobrimos que um outro site de entretenimento para crianças entrará no ar na mesma época que o nosso, às vésperas do Natal.

— É mesmo?! — perguntou ele, imaginando que algumas peças do quebra-cabeça começavam a fazer sentido.

* * *

Augusto parou em frente ao portão branco e olhou para o luminoso com o nome do lugar. Estava nervoso. Com medo. Mas precisava encarar a realidade. Entrou. Viu uma pequena fila de três pessoas diante do balcão. Ficou atrás da última. Não dava mais para desistir. Ao chegar sua vez, não disse uma única palavra. Apenas esticou um pedaço de papel e recebeu um envelope lacrado. Saiu de lá com pressa. Na rua, apesar das recomendações para não abrir o envelope, ele não resistiu. Rasgou uma das laterais e puxou a folha de dentro. Quando leu o que estava escrito, teve vontade de chorar. E chorou.

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27. Almoço com os astros

A reunião acabou ao meio-dia. J. P. resolveu ficar no escritório na hora do almoço para adiantar a seção de piadas. Bruno trouxe um sanduíche de casa. Assim, Maria Carolina saiu sozinha para comer no restaurante por quilo que ficava no primeiro andar do edifício. Ao chegar lá, encontrou Michael sozinho numa mesa. Ficou em dúvida se deveria se sentar com ele ou escolher outra mesa. Desde aquela discussão em frente à máquina de refrigerantes, a garota havia evitado ficar a sós com ele. Mas Michael, assim que a viu, acenou, apontando a cadeira à sua frente.

— Posso me sentar aqui com você? — disfarçou ela, equilibrando a bandeja na mão.

— Claro, à vontade! — Michael foi todo gentil. Apesar de terem se visto um pouco antes, na sala de reuniões, só agora Michael conseguia admirar em detalhes a beleza de Maria Carolina. Ela usava calça comprida cor-de-gelo, uma blusa azul com bolinhas brancas e tamancos pretos. Ele percebeu que Maria Carolina tinha seios maiores que a maioria das garotas da sua idade.

— Você come sempre aqui? — Maria Carolina resolveu puxar um assunto qualquer, antes que Michael viesse com alguma de suas baixarias.

— Não, só de vez em quando. Mas hoje estava com vontade de comer ravióli de abóbora e aqui sempre tem.

— Ah, eu também adoro esse prato. As massas daqui são excelentes...

— O melhor daqui é a vista...

— A vista é horrível! Só dá pra ver prédios e carros!

— Depende de como você vê as coisas. Pra mim, hoje, a vista está maravilhosa.

Engraçado. Desta vez, Maria Carolina não ficou tão irritada com o comentário. Durante o almoço, a má impressão que ela tivera de Michael foi mudando aos poucos. Ele não era tão metido assim. Era até um garoto bastante espirituoso. Os dois nunca tinham tido a oportunidade de conversar. Descobriram, por exemplo, que ambos haviam

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estudado francês. Ela o achava um pouco estranho. Na hora de escrever seus textos no computador, por exemplo, ele sempre acendia um incenso e colocava o turbante amarelo.

— E o turbante? Você não coloca para sair na rua?

— Não. Podem pensar que sou um faquir. Vão acabar me obrigando a deitar numa cama cheia de pregos.

— Mas qual é a função do turbante?

— Você promete que não conta pra ninguém?

— Prometo!

— Eu coloco meu walkman lá dentro e fico ouvindo umas fitas de tecno que gravei.

Entre uma garfada e outra, a garota se divertia com as histórias que Michael contava. Propositadamente, ela começou a comer em bocados menores e a mastigar um número maior de vezes para que o almoço durasse mais tempo.

— E o incenso? — provocou ela.

— Bem, você sabe, é preciso fazer um pouco de encenação, ainda mais que sou tão novo — Michael respondeu com uma incrível sinceridade. — Todos precisam acreditar que eu entendo disso pra me respeitar.

— Quer dizer que você só acerta se as pessoas acreditarem nisso?

— É mais ou menos assim.

— Você não adivinha o futuro de ninguém?

— Prefiro dizer de outro jeito. Na verdade, nós ajudamos as pessoas a recuperar suas forças e a perseguir seus sonhos.

— Não entendi.

— Quando a pessoa vai se consultar, ela está angustiada, sem energia. Precisa ouvir palavras de incentivo. Ela precisa acreditar nela mesma. Quer ver só? Vou tentar com você: "Maria Carolina, você está entrando numa fase benéfica para tomar decisões, estabelecer objetivos e tratar de assuntos relacionados ao trabalho".

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O comentário foi tão amplo que, evidentemente, a garota acabou concordando com a cabeça.

— Posso ler sua mão? — continuou Michael.

Maria Carolina largou a faca e esticou a mão esquerda. Seus dedos eram finos, longos e suavam um pouquinho.

— Percebo que você é uma menina moderna, ousada.

— Sou mesmo!

— Também é um pouco ansiosa, certo?

— Certíssimo!

— Você adora viajar. Uma viagem para o exterior está em seus planos...

— É. Estou guardando o dinheiro deste trabalho para conhecer Hollywood...

— Tem mais: vejo aqui que você está atrás de um grande amor para a sua vida, um amor verdadeiro.

— É verdade! Você é muito bom mesmo. Como conseguiu descobrir tanta coisa a meu respeito sem nunca ter conversado direito comigo?

— Bem, minha mãe me ensinou a ser bastante observador. Você está com as unhas pintadas de azul. Por isso, eu disse que você é moderna e ousada. Suas unhas são curtas e estão lascadas. Você deve roer as unhas de vez em quando por causa da ansiedade...

Maria Carolina estava boquiaberta com a astúcia do amigo.

— E a viagem?

— Agora que o preço dos pacotes turísticos diminuiu, as chances de alguém viajar pra fora são enormes. E, para garantir, eu disse que você tinha planos, e não que iria viajar para o exterior.

Depois de uma pequena pausa, ela fez mais uma pergunta:

— E a história do grande amor? Você sabe muito bem que tenho um namorado.

— Mas ele não é o grande amor que você espera. Esse amor ainda está por vir.

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— E se eu perguntasse quando ele vai surgir?

— Talvez ele já tenha surgido e você não tenha reparado...

A mão de Maria Carolina começou a suar frio.

* * *

Todos estranharam quando tio Chico anunciou que teria de viajar imediatamente para Portugal. Ao mesmo tempo ficaram felizes imaginando que, desta vez, o negócio em que ele havia entrado era sério. Tio Chico arrumou a mala em menos de uma hora e foi direto para o Aeroporto Internacional de Guarulhos. Insistiu para que ninguém o acompanhasse.

A viagem para Portugal levou dez horas. O vôo foi bastante agradável e ele ficou muito satisfeito com o hotel quatro estrelas que Vic lhe reservara numa travessa da avenida Liberdade, uma das principais de Lisboa. O único contratempo que teve foi encontrar o interruptor para acender a luz do banheiro. Ele descobriu que, em Portugal, o interruptor de luz do banheiro fica sempre do lado de fora.

Depois de um tempo no quarto, um mensageiro do hotel bateu na porta e lhe entregou um fax. Era de Vic. Dizia:

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"Chico, o disquete deverá ser entregue hoje, às 11 da noite, num bar chamado Alcântara Mar. Os nossos amigos agrônomos estarão vestidos de preto e vão estar sentados na segunda mesa à direita de quem entra. Para não ter erro, eles estarão com uma garrafa de Pisang Ambon, um licor de cor esverdeada, em cima da mesa. Não falhe!"

Chico olhou o relógio. Ainda eram 2 da tarde. Seu estômago fez questão de lembrar que ele ainda não havia almoçado. A última refeição tinha sido no avião. Saiu para um passeio e entrou numa lanchonete que ficava a pouco menos de 200 metros do hotel. O lugar estava vazio. "É que o horário do almoço já passou", pensou Chico. Ele sentou-se numa cadeira do balcão. O que parecia ser o dono veio lhe atender.

— O senhor faz sanduíche de presunto e queijo? — perguntou Chico.

— Faço — respondeu o homem e ficou ali parado, esperando. Chico ficou olhando o homem. Os dois estavam em silêncio, um olhando para o outro. Chico resolveu repetir a pergunta:

— O senhor faz sanduíche de presunto e queijo?

— Faço...

— Então, por que o senhor não me faz um?

— Ora, o senhor só perguntou se eu fazia. Não disse que ia querer um.

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28. Olho espião na sala de Ikeda

Quando estava tenso, João Pedro era muito autoritário. Dava ordens em voz alta, gesticulava muito e bufava se alguém tentasse argumentar algo em contrário. Quem enfrentava a fúria de J. P. nesse momento era Bruno, que já estava acostumado com o jeito do melhor amigo.

— Agora você precisa me ajudar num negócio — disse João Pedro.

— O que é?

— Preciso entrar no computador do Ikeda.

— Não sei, não, J. P. Você está meio gordinho. Não sei se vai conseguir entrar num computador tão pequenininho.

— Sem piadinhas. Agora o assunto é sério.

— Então me diga pra que você precisa entrar no computador dele...

— Estou suspeitando que ele é um agente duplo.

— Agente duplo?

— Acho que ele trabalha para o outro site de crianças e está aqui para sabotar o projeto do doutor Assumpção.

— Que sujeito mais sacana! — Bruno apertou os dentes com raiva. — Estou com vontade de jogar o meu mickey na cabeça dele...

— Não é mickey. É mouse!

— Ah, é. Claro que vou te ajudar. O que precisamos fazer?

— Vou ficar de olho na sala dele. Na hora em que ele sair e deixar o computador ligado, eu entro lá e dou uma fuçada nos arquivos.

— Que belíssima idéia! E você quer que eu faça o quê?

— Está vendo a Thaís?

— Estou. Ela tem um corpão, né?

— Tem. Mas não é sobre isso que vamos falar agora.

— Qual é o seu plano?

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— Você precisa tirá-la dali enquanto eu entro na sala do Ikeda e espio o computador.

— E o que você sugere que eu faça?

— Pegue um de seus balões e leve para a copa. Estoure um deles e a chame. Faça uma grande sujeira por lá e peça a ajuda dela. Preciso de três minutos.

— Estou indo!

* * *

Na delegacia, Cid recebeu um comunicado de que catorze novas mensagens haviam chegado ao e-mail da delegacia. Dez eram spams, mensagens indesejadas que chegam sem a autorização do destinatário. Cid deletou todas elas, sem abri-las.

— Quanto lixo! — resmungou ele. — Como será que essa gente descobre o meu e-mail?

Das quatro mensagens que restaram, a mais importante vinha da agente Maria, que estava em missão especial. O texto, bastante sucinto, dizia o seguinte:

Machado recebeu três telefonemas de Portugal ontem. O interlocutor se apresentou como "sócio de Vic Passion". Cada ligação foi feita de um telefone diferente. Anotei os três. Consegui ouvir um deles da extensão e achei a conversa meio estranha. Eles falaram de um projeto de frutas gigantes. Pode ser um código.

— Esse sujeito deve estar aprontando alguma — deduziu Cid. — Vic Passion? Deve ser um nome falso. Temos de acionar a Interpol, a polícia internacional. Peça a eles que rastreiem estas ligações. Precisamos agir antes que seja tarde.

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29. Bolo de cenoura melequenlo

Assim que desligou o telefone, o doutor Assumpção ouviu duas batidinhas na porta de sua saleta.

— Entre!

A porta se abriu e Michael entrou.

— Ah, é você, Miguel?

— Michael.

— Sim, sim. A sua mãe não tinha um nome mais fácil para lhe dar?

— Ela é fã do Michael Jackson.

— Sei, sei. Aquele jogador de basquete?

— Não, o cantor.

— Sei, sei. Mas o que o traz aqui?

O garoto abriu a tampa de um tupperware que trazia na mão.

— É que a minha mãe preparou esse bolo de cenoura com cobertura de chocolate e fiquei sabendo que o senhor adora.

— Huuum... Bolo de cenoura com cobertura de chocolate... De fato, adoro. Posso pegar um pedaço?

— Claro. Ah, cuidado com a cobertura que ela ficou meio melequenta.

Sem cerimônia, o roliço advogado enfiou os dedos no pote e apanhou o pedaço maior. Devorou um, dois, três pedaços. Michael ficou feliz da vida. Os dedos do doutor Assumpção estavam ficando lambuzados e ele fez questão de não trazer guardanapos. Ele teria de ir ao banheiro para lavar as mãos.

— Mais um? — perguntou o menino.

— Chega, chega. Desse jeito, vou arrebentar.

Michael concordou apenas em pensamento.

— Que é isso? O senhor está tão em forma. — "Em forma de barril", Michael pensou.

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— Dê os meus parabéns a sua mãe! — disse o doutor Assumpção. — Ela é uma excelente doceira.

Lambeu os dedos e voltou ao trabalho. Michael ficou com cara de bobo. Decididamente, o sujeito era um grande porco. A frustração do garoto, porém, passou logo. Ele olhou por cima do ombro do patrão e viu o descanso de tela do computador. Era a mesma flor que havia em seu pulso: uma tulipa negra.

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30. Plano frustrado

João Pedro estava de olho grudado na sala de Ikeda. Já tinha visto Michael e Maria Carolina chegarem juntos e não gostara nada da cena. Mas decidiu que iria se preocupar com isso mais tarde. Agora ele não podia se desconcentrar. Para disfarçar, ficou lendo as notícias que chegavam a todo instante num portal. Na área de esportes, soube que o craque Zuba havia sido convocado pela primeira vez para defender a Seleção Brasileira de Futebol. Ele só interrompeu sua leitura quando viu Ikeda sair do escritório. Então se levantou e chegou até a porta da sala para ver se o chefe tinha esquecido o computador ligado. Azar. Ainda não foi dessa vez que seu plano deu certo.

* * *

Bartolomeu e Nicodemos foram proibidos pelos filhos de continuar fazendo o curso de computação. Disseram que era muito perigoso os dois saírem sozinhos. Tinham apenas permissão para ir um à casa do outro, já que moravam no mesmo quarteirão. Por isso, a rotina do dominó à tarde voltou. Bartolomeu também foi proibido de tirar o aparelho auditivo.

— Sabe quem a gente poderia convidar pra jogar dominó? — Bartolomeu iniciou um novo assunto.

— Quem? — Nicodemos foi seco como sempre.

— Lembra-se do Eurípedes? Ele jogava bocha no clube. Aquele grisalho alto, que sempre usava um lenço no bolso da camisa. Faz tempo que não vejo ele.

— O Eurípedes morreu — contou Nicodemos.

— Não me diga... Morreu de quê?

— Catarata.

— Catarata? — Bartolomeu estranhou. — Mas eu não sabia que catarata matava...

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— É. Mas empurraram ele! — Bartolomeu baixou a sua última peça e declarou sua vitória. Depois riu da própria piada.

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31. A doença de Augusto

Ao passar pela mesa de Augusto, Flávia percebeu que havia alguma coisa estranha. A tela estava branca e ele parecia imóvel.

— Augusto, por favor, venha até a minha sala.

Ele foi.

— Tudo bem com você?

— Tudo.

— Não estou sentindo muita firmeza nesse "tudo"! Você está estranho. Acho que aconteceu alguma coisa. Você não quer compartilhar isso com alguém?

Lágrimas começaram a brotar dos olhos do jovem. Ele ficou sem graça de chorar na frente de sua chefe e tentou disfarçar.

— Estou parecendo as Cataratas do Iguaçu, não?

— Não — riu Flávia. — O volume de água lá é muito maior.

— Tem razão. São 3 milhões de metros cúbicos de água por minuto.

— Uau! Não vá chorar 3 milhões de metros cúbicos de lágrimas aqui na minha sala, hein! Vamos morrer afogados.

O tom da conversa acabou baixando a guarda de Augusto, que resolveu se abrir:

— Estou com um sério problema...

— É relacionado a drogas? — interrompeu Flávia.

— Não. Nada de drogas. Descobri que estou com diabetes!

— Diabetes?

— É. Estava sempre com sede, sentia uma dor muito grande quando urinava. Procurei um médico e ele pediu o exame. Deu positivo.

— Você tem algum caso de diabetes na família?

— Meu avô, pai do meu pai, era diabético.

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— Pelo que sei, uma das características do diabetes é que é uma doença hereditária...

— Estou muito assustado. Nos últimos dias entrei em vários sites médicos e olha só o que encontrei.

Augusto tirou uma folha de sulfite dobrada de dentro da carteira. Quando a abriu, Flávia viu que se tratava de uma página da internet impressa. Uma manchete no alto da página dizia: "Diabetes é a sexta causa de morte no Brasil. São 25 mil óbitos por ano".

— Fiquei apavorado com isso! — Augusto demonstrava nervosismo em cada palavra que dizia. Até a voz parecia sair mais fraca.

— Calma lá! Você está pessimista demais. Pra sua sorte, você descobriu logo que tem o problema. Agora precisamos saber como cuidar dele. O que você acha de jantar amanhã em casa?

— Jantar na sua casa? — estranhou Augusto.

— Meu pai é médico. Clínico geral. Ele poderá explicar direitinho pra você como é a doença e os cuidados que deve tomar. Além disso, poderá lhe indicar um médico.

— Você faria isso por mim?

Os olhos de Augusto voltaram a se iluminar.

— Claro que sim. Amanhã, às 8 da noite. Moro aqui pertinho, na rua Coronel Oscar Porto. Vou anotar o número do prédio e do apartamento neste pedaço de papel.

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32. A gangue da Tulipa Negra

Dona Rosa estava tirando as cartas de tarô para uma cliente antiga quando a porta se abriu. Ela levantou os olhos para ver quem estava chegando tão cedo em casa. Era Michael. Por que será que ele não tinha ido até a academia de ginástica, como fazia todas as quintas-feiras, depois de sair do trabalho?

— Com licença, Hiezza — desculpou-se com a cliente. — Só preciso ver se aconteceu algo com meu filho. Volto em um minutinho.

Ela foi ao encontro do filho na sala de visitas. Michael estava um tanto agitado:

— Mãe, mãe!

— O que foi, Michael?

— Descobri que flor era.

— Do que você está falando?

— Da flor no pulso do doutor Assumpção. É uma tulipa negra.

— Não é uma flor de lótus?

— Não. Agora vi direito. Tulipa. Aquela que dá na Holanda.

— Se é mesmo uma tulipa, não tem nenhuma ligação com magia negra.

— Tem certeza?

O garoto parecia um pouco decepcionado.

— Absoluta.

— E eu fiz tanto esforço para conseguir ver aquela flor!

Dona Rosa voltou para terminar a consulta. Depois foi preparar o jantar. Durante a refeição, o assunto voltou à tona. Michael contou como tinha sido difícil ver a tal flor. Foi quando seu pai resolveu se intrometer:

— Você falou em tulipa negra?

— Foi — concordou Michael.

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— Isso me faz lembrar de um caso que repercutiu bastante na cidade há alguns anos. Um advogado famoso, se não me engano o nome dele era Machado, deu um golpe milionário numa grande editora chamada Livros Tulipa. Ele falsificou a assinatura do contador da empresa, que acabou ficando preso durante algum tempo, até que a polícia conseguiu descobrir a verdade.

— Mas o que tem a "tulipa negra" a ver com isso?

— A mutretagem acabou sendo descoberta. O advogado foi preso e se matou logo depois. Aí o filho dele montou uma gangue batizada de Tulipa Negra, que tinha planos de matar todos os herdeiros da editora e também toda a família do contador. Mas um alcaguete avisou a polícia a tempo e o sujeito foi capturado.

— O filho desse advogado continua preso? — perguntou Rosa.

— Parece que não. Ele pegou uma pena pequena, cumpriu uma parte na cadeia e já foi solto. Não sei que fim ele levou.

— Essa história é bem interessante, pai, mas acho que não tem nada a ver com o meu patrão. Deve ser apenas alguma tatuagem dos tempos de adolescente.

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33. Meu querido diário secreto

Eram sete e meia da noite quando Maria Carolina chegou em casa. Ela estava com o pensamento longe. O almoço com Michael não saía de sua cabeça. Estava com uma sensação estranha. Pegou um pedaço de torta de banana em cima da mesa de jantar e seguiu para seu quarto.

Apanhou o CD que estava bem na frente da estante e o colocou no aparelho de som. Adorava a faixa número 1, chamada "Esperando na janela". Aliás, de todo o CD, era a única música de que gostava. Maria Carolina já havia prometido várias vezes a si mesma não gastar tanto dinheiro com um CD só por causa de uma música. Mas, quase sempre, não conseguia cumprir a promessa. Ligou o computador. Tirou as sandálias. Trocou a calça jeans por um short azul-turquesa e a camiseta por um top de alcinhas. Abrindo o correio, viu que havia um e-mail com o título "Novas adivinhações". O remetente era Michael.

Maria Carolina,

Ao chegar em minha casa, consultei a bola de cristal de mamãe e descobri mais um montão de coisas sobre você:

• Você gosta de andar de mãos dadas com seu namorado.

• Você não consegue ficar um dia sem receber carinho.

• Você não tem vergonha de mostrar quando gosta de alguém. E quer uma pessoa que partilhe de suas emoções.

• Você tem um montão de CDs. E adora comprar trilhas de filmes.

• Você chorou quase um oceano Atlântico de lágrimas quando viu Titanic. E viu mais de uma vez. Quatro talvez.

• Você quer alguém para fazer planos. E para realizá-los.

Acertei alguma coisa? Beijos e boa-noite. Michael

P.S.: Você adora comer pão de queijo quentinho.

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Maria Carolina até derramou duas lágrimas de felicidade. Queria que Michael lhe escrevesse mais. Respondeu imediatamente:

Michael,

Você acertou tudo em cheio. A bola de cristal da sua mãe é mesmo infalível. Ou será que você já usou esta mensagem com outras garotas, hein?

Ah, esqueci de perguntar uma coisinha importante: qual o seu signo?

Outro beijo. Carol.

Depois de enviar a mensagem, Maria Carolina achou melhor apagá-la. João Pedro costumava usar seu computador de vez em quando e ela não queria que ele encontrasse nenhum e-mail de Michael.

Ela aproveitou que o computador estava conectado para visitar um site que havia descoberto alguns dias antes. Era um diário secreto virtual. As garotas podem escrever tudo o que desejam pela internet, sem o perigo de algum irmão xereta ou a mãe terem acesso a ele. Digitou o endereço e esperou a página entrar. Aí colocou seu login, que é uma espécie de nome digital: mcarol. Depois a senha. Ela digitou: jplove.

Maria Carolina ficou com vontade de escrever em seu diário virtual todas as sensações daquele almoço e daquele e-mail que acabara de receber. Abriu a página e começou a escrever:

Olá, Diário Secreto! Almocei hoje com um menino chamado Michael. Trabalha no mesmo site que eu. Estou apaixonada por ele. Não sei por que direito, mas acho que finalmente encontrei a minha alma gêmea. Confesso que, quando o vi pela primeira vez, achei-o meio esquisito. Mas, no almoço de hoje, conheci um garoto superdivertido, inteligente, que gosta das mesmas músicas que eu, que viu os mesmos filmes que eu vi, que leu livros que eu não li. Tem uma luz cativante que sai de seus olhos. Ele é dois anos mais

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velho que eu. Falamos muito sobre horóscopo. Sabe o mais engraçado? Na hora de pagar, ele abriu a carteira e vi que ele carregava um santinho de Santo Expedito. Quando perguntei quem era, ele deu pra mim. Posso estar sendo precipitada, eu sei, mas preciso arriscar. Gosto muito do J. P., mas queria mais de nosso relacionamento. Vontade de viver o presente, mas pensar no futuro. Vontade de ter alguém que pense em mim 24 horas por dia. Que não tenha vergonha de dizer que me ama. Que me traga flores nos dias menos importantes porque, quando a gente ama, todos os dias são importantes. Não sei explicar direito, mas acho que Michael pode ser assim. Fiquei morrendo de vontade de que ele me beijasse ali mesmo no restaurante. Louco, né? Acabei de enviar um e-mail para ele e já estou ansiosa pela resposta.

Antes de desconectar o site do Diário Secreto, Maria Carolina resolveu trocar a senha. Tirou a antiga jplove e escolheu uma nova senha: mikelove.

* * *

Não era sempre que Afonso e João Pedro voltavam juntos. Mas, desta vez, os dois saíram no mesmo horário e se encontraram na saída do prédio. O pai perguntou como tinha sido o dia do filho e, depois de ouvir um "tudo bem", disparou uma série de histórias:

— Parece que uma agência de publicidade comprou o último andar e a cobertura — comentou Afonso. — Custou quase 2 milhões de dólares.

João Pedro caminhava, quieto, com sua mochila nas costas.

— Dois caras de um site médico do nono andar fizeram uma aposta pra ver quem tinha mais títulos: Corinthians ou Palmeiras. Uma produtora de moda de um site feminino do sétimo andar recebeu um arranjo de flores lindo. Deve ter custado mais de 100 reais! Disseram que ela já foi namorada de um cantor de axé. Será que foi o sujeito quem mandou? O pessoal da empresa de pagers do quarto andar, a BipLegal,

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teve um aumento de salário hoje por causa do aumento de produtividade. Todos estavam felizes.

E assim, emendando uma história na outra, os dois chegaram em casa. Marta levou um susto com a cara emburrada de João Pedro.

— O que ele tem, Afonso?

— Não sei, mulher. Viemos conversando o caminho todo...

O garoto estava se roendo por dentro depois que viu Maria Carolina chegando do almoço com Michael. Durante a tarde, ele contou, os dois foram juntos duas vezes até a máquina de refrigerantes. Antes de ir embora, ela foi até a mesa de Michael para se despedir. Maldito Michael! Naquele momento, sua fúria era tão grande que João Pedro só pensava em colocar uma bomba dentro daquele turbante e acender o pavio.

Mais tarde, já mais calmo, ele resolveu pedir ajuda à irmã. Ligou para ela e disse que queria entrar num chat para os dois conversarem. Karin pediu que ele esperasse até que todos os hóspedes voltassem para os quartos. Combinaram de se "encontrar" numa sala de bate-papo às onze e meia.

Nesse horário, os dois começaram a trocar mensagens:

De JP para Karin:

Estou morrendo de ciúmes da Carol. Hoje, ela foi almoçar com um cara lá do escritório que eu detesto. Os dois pareciam muito amiguinhos.

De Karin para JP:

Ora, ter ciúmes é a coisa mais natural do mundo. Quem ama alguém de verdade tem medo de perder esse amor. Mas, até alguns dias atrás, você não parecia tão preocupado com a Carol. Preferia sempre sair com seus amigos, e ela acabava indo ao cinema com a irmã.

De JP para Karin:

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A culpa é dela, que sempre escolhe filmes de que eu não gosto.

De Karin para JP:

É, mas quando você escolhia aqueles filmes de luta, ela sempre acompanhou você.

De JP para Karin:

Acompanhou porque quis. Eu nunca obriguei ela a ir.

De Karin para JP:

Não. Ela foi porque gosta de você. E as mulheres sabem cuidar muito mais da relação do que os homens. Vocês, homens, é que não percebem isso.

De JP para Karin:

Você acha que, se eu convidá-la para ver um desses filminhos água-com-açúcar, ela vai gostar mais de mim?

De Karin para JP:

Não é só isso, maninho. Você precisa demonstrar que também gosta dela. No fundo, toda garota deseja um namorado romântico.

De JP para Karin:

Lembra quando eu mandei aqueles poemas para a Carol? Ela ficou brava comigo.

De Karin para JP:

Ela ficou brava com a sua mentira. Você disse que tinha escrito especialmente pra ela. Até que ela descobriu que você havia copiado tudo de um livro. Mesmo que você não seja um poeta, algo que você escreva com seu coração já será suficientemente grande.

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De JP para Karin:

Mas, fora isso, ela não tem motivos para se queixar de mim...

De Karin para JP:

Será? Lembra o que você deu para ela no último aniversário? Um vale-CD!

De JP para Karin:

Ah, não! Esta não foi uma bola fora. Foi uma superideia minha. Ela poderia escolher o CD que quisesse... Até 14,99 reais.

De Karin para JP:

Não seria melhor se você tivesse arriscado comprar um CD do gosto dela?

De JP para Karin:

Tá bom, tá bom. Já estou me sentindo o pior namorado do mundo. Ai, como é difícil agradar uma mulher! O que você sugere que eu faça agora para limpar a minha barra?

De Karin para JP:

Para começar, por que você não liga para ela agora só para desejar boa-noite? É um jeito de demonstrar atenção e carinho. Lembra-se do Téo, meu primeiro namorado? Ele sempre fazia isso e eu dormia pensando nele.

De JP para Karin:

Já tentei ligar, mas o telefone está ocupado. Ela devia estar na internet. Vou tentar mais tarde.

Os dois desligaram a conexão.

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Em Águas de São Pedro, Karin abriu um sorrisinho ao pensar na aflição do irmão. O medo de perder a namorada. E pensou: "Ah, homens, precisam se sentir ameaçados para se ligarem...".

No quarto, João Pedro começou a visualizar Michael, tentando imaginar o que teria despertado o interesse de sua namorada.

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34. Uma fruta podre no cesto

— Qual é a senha? — apenas uma fresta da porta se abriu.

— "Só tomo suco de graviola de canudinho."

A porta se fechou, o segurança tirou a correntinha e abriu passagem para a figura que estava diante dele.

— Onde está o "Maracujá"?

— Na sala do fundo — apontou o segurança.

Ele entrou sem bater. Vic Passion, o "Maracujá", estava atrás de uma mesa de vidro, recostado a uma cadeira verde. Todos ali usavam nomes de frutas como codinomes. O dele era o mais apropriado de todos, pois Vic Passion tinha o rosto todo enrugado, como um maracujá.

— Tudo pronto, Tamarindo?

— Faltam apenas dois dias para nos tornarmos os homens mais ricos do mundo!

— Não vejo a hora de meter a mão no dinheiro e parar de usar esses codinomes ridículos que você inventou. — Maracujá suspirou.

— Sabe a primeira coisa que vou fazer? — Tamarindo provocou. — Vou contratar o Bill Gates para ser meu motorista.

— Tarde demais, meu caro. Já o contratei para ser jardineiro lá em casa.

Os dois riram muito e resolveram fumar charutos que Maracujá tinha em sua gaveta.

— As caixas com o antivírus já foram despachadas de Portugal — informou Tamarindo. — Tudo está saindo "mamão-com-açúcar". A mercadoria estará aqui dentro de 48 horas, exatamente quando todos estiverem desesperados. Ninguém jamais suspeitará que a mesma mão que oferece a banana é a que arremessa a casca no chão.

— Perfeito, perfeito. Haverá uma corrida alucinada atrás de nosso antivírus e poderemos cobrar quanto quisermos...

— O vírus está pronto?

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— O "laranja" que arrumamos prometeu que fará o último teste hoje. No dia 20 de dezembro, só teremos de esperar as crianças morderem a maçã.

— Não vou querer descascar nenhum abacaxi, ouviu?

— Pode ficar tranquilo, Maracujá!

* * *

Ao acender a luz de sua sala, o delegado Cid percebeu que uma lagartixa subiu rapidamente pela parede e se alojou no teto, ao lado da pequena cúpula que iluminava o lugar.

— Que susto! É só uma lagartixa. Ô bichinho feio!

— Delegado Cid, delegado Cid!

— Calma, Frederico. Você sabe pra que servem as lagartixas?

— Não faço a menor idéia. Mas não é pra falar sobre isso que eu vim até aqui.

— Então diga, o que foi, homem?

— Conseguimos rastrear aquela segunda mensagem que recebemos, via um provedor da Malásia.

— E de onde foi que ela saiu?

— De uma sala vazia no décimo quarto andar do InfoCity.

— Do InfoCity?!

— Exatamente. A pessoa entrou na sala e usou um telefone que estava instalado ali.

— Ótimo, ótimo. Amanhã, faremos uma diligência no InfoCity. Parabéns, Frederico. Acho que estamos chegando perto.

Quando olhou de novo para o teto, a lagartixa havia sumido.

* * *

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Nicodemos escondeu o jornal embaixo da almofada de sua cadeira de balanço. Colocou o aparelho auditivo para conseguir ligar para Bartolomeu.

— Sabe o que vou fazer? — perguntou.

— A esta hora da noite? Huuuummm... Dormir! Aliás, eu já estava fazendo isso.

— Hoje não! — bronqueou Nicodemos. — Sabe qual vai ser a primeira coisa que vou fazer amanhã de manhã?

— Acordar!

— Sem gracejos, por favor. Estou falando sério...

— Pare com este joguinho de adivinhação e conte logo.

— Vou tirar o dinheiro de minha caderneta de poupança e comprar uma passagem para a Bahia. Eu sempre quis conhecer a Bahia.

— Seu filho já sabe disso? — Bartolomeu ficou preocupado.

— Ainda não. E não quero que você diga nada até eu chegar em casa com a passagem, combinado?

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35. A vida é feita de escolhas

Quando o relógio tocou, Maria Carolina só teve uma reação. Esticou o braço esquerdo e foi tateando até encontrar o botão que desligava o alarme irritante. A noite foi péssima. Sonhou que J. P. e Michael tinham brigado em pleno escritório por sua causa. Sua mente estava confusa. Não sabia como seria encarar os dois dali a pouco.

Por precaução, ela tinha colocado também o rádio-relógio para despertar. Desta vez, porém, foi acordada por uma música. Maria Carolina deixava sempre numa FM que apresentava, naquele horário, um programa com o melhor das trilhas dos filmes. Ela ouviu o finzinho de uma música do U2 que encerrava Forças do destino, uma comédia romântica com Sandra Bullock e Ben Affleck. Adorou o filme. Pena que João Pedro não quis acompanhá-la. Teria sido mais emocionante ver a fita com a cabeça recostada no ombro do namorado, sentindo a mão dele apertar a sua. Delícia é trocar beijinhos rápidos naqueles pedaços em que não há legenda nenhuma para ler.

Tomou banho fazendo uma pequena retrospectiva de seu namoro. Foi para a cozinha e encontrou a irmã, Solange, preparando o café da manhã das duas. O pai e a mãe já tinham saído. Quando sentou à mesa, Maria Carolina deixou duas lágrimas escorrerem por seu rosto. Solange percebeu e perguntou:

— O que aconteceu? Por que você está chorando?

— É de felicidade! — respondeu Maria Carolina, passando um guardanapo de papel pelo rosto. — Acordei muito feliz.

E contou tudo que tinha acontecido no dia anterior. Maria Carolina admirava muito a irmã, três anos mais velha, e achou que ela poderia ajudá-la com algum conselho. Solange ouviu tudo em silêncio, ora tomando um gole de café com leite, ora mordendo uma torrada de pão de fôrma com requeijão. Quando Maria Carolina terminou de contar a história, Solange largou a xícara e falou, com ar sério:

— Carol, você está na idade de descobrir que a vida é feita de escolhas. Está na hora de você fazer uma escolha!

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— Mas e se eu fizer a escolha errada? Se eu largar o J. P. e não gostar do Michael?

— Não existe escolha errada. Todas as nossas escolhas são certas, porque foram feitas por nós. Você precisa saber o que quer pra você e escolher. O destino se encarregará do resto.

Maria Carolina ficou feliz com a conversa. E voltou para seu quarto ainda pensando nos conselhos da irmã. Antes de sair, resolveu ver se Michael havia respondido a sua mensagem. Se tivesse respondido, pensou ela, seria sinal de que o interesse dele era verdadeiro. Bingo! Lá estava ela.

Oi, Carol (posso te chamar assim?)!

Nunca usei a bola de cristal de mamãe para conhecer ninguém. Só você! E olha que ela me contou mais coisas a seu respeito:

Você está querendo companhia para ver o novo filme da Meg Ryan no sábado. Com direito a pipoca!:-] Acertei?

Um beijo. Michael.

P.S. Meu signo é Escorpião. Combina muito bem com Peixes...

Maria Carolina estava com tanta pressa que só teve tempo de responder a mensagem com um "aceito". Cheio de pontos de exclamação.

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36. Abram alas para o caubói

Todos pararam de digitar quando João Pedro entrou no escritório. Foi distribuindo bom-dia pelas mesas como se nada estivesse acontecendo. Ninguém teve coragem de dizer nada. Até que passou por Maria Carolina:

— Oi, Pê!

— Oi, Carol!

— O que você está fazendo com esta coisa na cabeça?!

Ele ficou todo sorridente:

— Ah, você reparou?

— Claro que reparei! — disse ela.

— É o meu novo estilo — ele ajeitou o chapéu de caubói. — Você não acha que estou parecendo um daqueles mocinhos do cinema americano?

— Olha... Pra dizer a verdade...

— Sei que você adora clássicos de bangue-bangue.

A conversa dos dois foi interrompida quando Bruno viu o chapéu de João Pedro. Primeiro veio o susto, depois a incredulidade e, por fim, a gargalhada.

— Um usa turbante, o outro chapéu de mocinho de bangue-bangue. Não sei se compro um cocar de índios, uma cartola ou um capacete para vir trabalhar...

Apesar de fazer o gênero "largadão", Bruno adorava ficar reparando nas roupas dos outros. Ficava patrulhando os corredores e o pátio da escola. Se alguém viesse com uma roupa, com um tênis ou com um corte de cabelo que ele achasse esquisito, o coitado seria alvo de uma saraivada de piadinhas.

— Sem gracinhas, Bruno. A partir de hoje, este é o meu novo estilo.

— Tá bom, tá bom. Eu paro de mexer com você. Agora vá até lá atender o telefone...

— Pra mim? — estranhou João Pedro. — Quem é?

— O John Wayne!

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* * *

O administrador do InfoCity já estava à espera dos policiais. O delegado Cid e o investigador Frederico chegaram com seus pontuais quinze minutos de atraso.

— Sentem-se, por favor! Tomam água ou café?

— Café! — pediram os dois.

— Em que posso ajudá-los? — perguntou Álvaro, o administrador.

— Recebemos um trote de um hacker que veio daqui.

— Hacker? — assustou-se. — O que é isso? Algum tipo de terrorista?

— Isso mesmo. Um terrorista de computadores... Ele invade computadores, espalha vírus para destruir informações de empresas, de bancos e de órgãos governamentais. São uma verdadeira praga.

— Meu Deus! Isso é um perigo neste prédio. Temos quase duzentas empresas de tecnologia aqui dentro!

— Sei disso. O InfoCity é o sistema nervoso das empresas de informática da cidade. Quantas pessoas trabalham aqui?

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— São quase 3 mil pessoas — respondeu Álvaro.

usou a sala 1401

ugada ainda — explicou Álvaro. — Está

arquivadas durante um mês. Em q

acia prestar depoimento, mas acab

o.

ou Frederico. — Você não acha que é muit

legado. — O senh

minha secretária que tire uma cópia dele agora mesmo.

* * *

— Quanta gente! — espantou-se Frederico.

— De onde veio o trote? — perguntou o administrador.

— Segundo nossas investigações, o bandido, que está vazia — explicou o delegado Cid.

— É. Ela não foi alao lado da Toy.Net.

— Quem tem a chave da sala? — quis saber o delegado.

— O corretor que trabalha para o proprietário, o chefe da segurança e eu. Mas temos câmaras espalhadas por todos os corredores. As imagens são

ue dia o trote foi enviado?

— No dia 13 de dezembro — respondeu Frederico.

— Deixe-me ver, deixe-me ver — Álvaro coçou a cabeça. Abriu sua agenda de mesa e estalou os dedos. — Está aqui. Neste dia, prendemos um senhor que estava escondido numa sala do décimo quarto andar. Ele contou uma história meio estranha. Foi para a deleg

ou liberado em seguida.

— Um senhor de que idade? — interessou-se Frederic

— Mais de 70 anos, com certeza — informou Álvaro.

— Por que você quer saber? — indagou o delegado Cid.

— Quando estive no cybercafé daquele japonês, lembra?, ele me falou que tinha visto um homem de idade avançada usando um computador na noite da primeira mensagem — explic

a coincidência?

— Uma boa pista, Frederico! — elogiou o deor sabe como podemos localizar esse velho?

— Fácil! Nós fizemos um boletim de ocorrência. Vou pedir a

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Os policiais entraram no elevador com um sorriso de missão cumprida. Cid dobrou a folha de papel e a colocou no bolso do paletó. Estava tudo lá: nome completo, endereço, telefo

er no Info-City? Será

os sempre que este tipo de crime seria come

acontecido. Se a polícia não prendesse o criminoso, ele poderia voltar lá para acertar as contas com os delatores.

ne. Para eles, o mistério das mensagens ameaçadoras estava prestes a ser solucionado.

— Se todos os casos fossem assim tão fáceis... — sorriu Cid.

Afonso nunca tinha visto os dois homens no prédio. Tinham cara de detetives particulares, pensou. Não, não. Eram policiais. O que será que eles vieram faz

que receberam alguma denúncia de programas piratas? A televisão vinha falando disso o tempo todo.

— E veja como os tempos mudaram — complementou o delegado. — Imaginam

tido por um garotão e agora estamos atrás de um senhor de cabelos brancos...

Um crime no InfoCity? Alguém foi morto? Será que o assassino desceu no meu elevador? Afonso estava amedrontado. Seu pensamento ficou confuso. Cenas de sangue, mortes, tiros vinham à sua mente. Afinal, transportava dezenas de senhores de cabelos brancos, aparentemente inofensivos, para cima e para baixo todos os dias. O que fazer agora? Contar para o filho, João Pedro, que também trabalhava lá? Espalhar a notícia pelo prédio o mais depressa possível? Não, não. Afonso achou melhor ficar quieto, como se nada tivesse

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37. Um mundo fascinante

De tanto insistir, Thaís finalmente conseguiu ir almoçar com Ikeda. Os dois foram comer um sanduíche na InfoMeal, lanchonete supertransada que ocupava o primeiro andar do edifício. Todos os sanduíches foram batizados com nomes de termos de informática. Desse modo, um sanduíche de presunto e queijo se transformou no Interface, enquanto um de peito de peru com queijo branco foi denominado Pixel.

— O que você vai querer? — perguntou Ikeda, segurando o cardápio.

— Quero um Hipertexto — respondeu Thaís.

— Como é este?

— Queijo quente no pão de fôrma. Mas, por favor, peça que tirem a casca do pão. Detesto aquela casca do pão de fôrma.

— OK. E para beber?

— Um chá gelado com limão.

— Você já experimentou o suco de melancia daqui? É uma delícia! — sugeriu Ikeda.

— Obrigada, não gosto de sucos de cor vermelha — agradeceu Thaís.

— Como assim?

— Não gosto de suco de melancia, suco de beterraba, groselha, suco de morango...

— Mas você come melancia?

— Como. O que eu não gosto é do suco.

— Sei, sei — ele achou estranho, mas preferiu não espichar o assunto.

Enquanto os pratos não vinham, os dois conversavam.

— O site já está pronto? — perguntou Thaís.

— Pronto, todinho, não. Mas já dá para estrear. Pra dizer a verdade, um site nunca fica cem por cento pronto.

— Então, o trabalho de vocês não acaba nunca...

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— É. Temos de ficar colocando coisas novas o tempo todo. Se um internauta entra na página e vê sempre tudo igual, ele não se entusiasma em voltar.

— E você acha que este site fará sucesso? — indagou a secretária.

— Espero que sim. Esse mundo da informática é fascinante. Cada vez mais, quem não souber lidar com um computador estará de fora das transformações do mundo.

— É verdade — concordou Thaís.

— Para os jovens, como esta turma que está colaborando com a gente, a informática e suas ramificações são um mercado de trabalho novo, com um futuro enorme pela frente.

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38. Adivinhe quem vem para jantar

Augusto estava tão ansioso quanto no dia da entrevista de trabalho. Sentia o suor empapar a sua camisa nova. Tocou a campainha e foi atendido pela própria Flávia. Ela estava com calça jeans e uma blusa branca, num estilo bem despojado, mas elegante. Uma tiara prendia seu cabelo para trás, realçando os traços de seu rosto. Ela o recebeu com um sorriso que iluminou ainda mais sua face:

— Que bom que você veio. E que pontualidade, hein!

Ela segurou o braço de Augusto e foi conduzindo o garoto pelo interior do apartamento. Era um imóvel antigo, mas bem conservado e com uma decoração clássica. A primeira parada foi na cozinha. A mãe de Flávia, Mercedes, estava fechando o forno. Limpou a mão no avental e veio cumprimentar Augusto.

— Muito prazer e seja bem-vindo à nossa casa. Por favor, fique à vontade!

Depois Flávia o levou até a sala, onde o doutor Abraão lia o caderno de Economia do jornal.

— Papai, este é o Augusto!

— Muito prazer — largou o jornal e levantou-se para cumprimentar o visitante. — Minha filha falou muito bem de você.

Augusto agradeceu, já um pouco menos tenso. Doutor Abraão pediu que ele se sentasse e começaram a conversar sobre viagens. O médico contou algumas de suas aventuras em países tão diferentes como o Marrocos e a Itália. Relatou um congresso médico que aconteceu na Finlândia e o dia em que brigou com um gondoleiro em Veneza. Augusto estava adorando a conversa. O tema prosseguiu por todo o jantar. Praticamente só o doutor Abraão falou. Apenas na hora do café, de volta à sala, Flávia pediu licença e disse que iria ajudar a mãe a tirar a mesa. O médico achou que era o momento de discorrer sobre o diabetes:

— A Flávia me falou que você está com diabetes...

— É sim. Estou muito assustado — confessou Augusto.

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— Que nada! Você é um rapaz bastante corajoso. Tem gente até bem mais velha que você que esconde a dor, não faz o exame e, quando a doença já está num estágio mais avançado, arrepende-se. Alguém da sua família já teve diabetes?

— Meu avô, pai do meu pai. Ele morreu faz algum tempo.

— Que idade ele tinha? — perguntou o médico.

— Se não me engano, ele tinha 74 anos.

— O diabetes não é um bicho-de-sete-cabeças. O fator hereditário é uma das principais causas. Mas ele também pode ser causado por obesidade, traumas emocionais, estresse.

Augusto estava concentrado na explicação do pai de Flávia.

— Pra começar, você precisa ter um regime alimentar correto — continuou a falar. — Alguns alimentos passarão a ser proibidos, como doces e açúcar. Atividades físicas também são importantes. Você pratica algum esporte?

— Não, não tenho tempo — respondeu Augusto.

— É, mas vai ter de achar tempo pra isso — advertiu o doutor Abraão. — Caminhada, bicicleta, musculação. Tudo isso será importante pra você.

— Vou fazer.

— Mais uma coisa importante. Você terá de fazer todos os anos uma visita ao oftalmologista. Pessoas com diabetes podem ter problemas com a vista. A prevenção é sempre o melhor remédio.

Apesar de estar mais confiante com a conversa, Augusto ainda tinha alguns medos.

— Sabe, doutor Abraão, eu li que o diabetes é a sexta causa de morte no Brasil. Fiquei com muito medo de morrer.

— Veja bem, Augusto. Nada de medo. Pense o seguinte: você sabe quantas pessoas morrem atropeladas em São Paulo por dia? São centenas, mas você nem pensa nisso quando vai atravessar a rua. É assim que você irá lidar com a sua doença e viver muitos e muitos anos. Um professor meu da

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faculdade, Marcus Aurelius Torero, dizia uma frase muito sábia: "Viver é perigoso".

Augusto voltou mais animado para casa. Antes de dormir, rezou um Pai-Nosso e uma Ave-Maria, prática abandonada logo depois que havia feito a primeira comunhão. Rezou em voz baixa, deitado e de olhos fechados. Pediu muita força para vencer a doença.

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39. Nicodemos confessa tudo

Nicodemos estava furioso. Foi arrancado da cama por dois policiais. Não teve tempo nem de trocar o pijama listrado de azul e branco nem de colocar seu aparelho auditivo.

— Espero que o senhor tenha um bom motivo para me prender — despejou sua fúria sobre o delegado.

— Vou direto ao assunto: o senhor mandou mensagens para a delegacia?

Ele entendeu o seguinte: "O senhor marcou uma viagem para a Bahia?" Na hora, ficou com ódio de Bartolomeu. Só podia ter sido ele quem espalhara a notícia. Ah, ele ia ver só!

— Perfeitamente — respondeu Nicodemos. — E o que o senhor tem com isso? Faço o que eu quero, quando quero.

O delegado Cid ficou chocado com a frieza do ancião.

— O senhor atuou nisso sozinho?

Ele entendeu: "Quem contou foi o seu vizinho!" E ficou com mais raiva ainda do amigo. Ou melhor, naquela altura, ex-amigo.

— Bartolomeu. Guarde bem este nome: Bartolomeu Nascimento de Andrade. Vou tirar o couro dele!

O assistente Frederico tomou nota do nome do comparsa. Cid continuou o interrogatório:

— Há mesmo um vírus ou foi só um trote?

Ele entendeu: "Para comer marisco, é preciso ser forte". Nicodemos estava irritado com as perguntas do delegado. Por que a polícia precisava saber se ele iria comer marisco, vatapá, acarajé? O velhinho ficou ofendido.

— Não duvide de mim, doutor. Eu sou um septuagenário, mas sou capaz de fazer mais coisas do que o senhor imagina.

— Para mim, é o suficiente! Prenda este homem, Fred.

Frederico colocou as algemas nos pulsos de Nicodemos, que não conseguia compreender como uma simples viagem à Bahia podia causar tanto rebuliço.

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— Mande prender também esse tal de Bartolomeu Nascimento de Andrade, o cúmplice dele — ordenou o delegado.

* * *

Um dos segredos mais bem guardados de Bartolomeu era a redinha que ele usava no cabelo na hora de dormir. Segundo ele, a redinha ajudava a diminuir a queda de cabelos. Quando sua filha entrou no quarto, aos prantos, Bartolomeu não teve tempo de esconder a peça.

— Papai, papai. A polícia está aqui... — as lágrimas a impediram de terminar a frase.

Bartolomeu calçou os chinelos e foi para a sala. Dois investigadores do Grupo de Operações Especiais da polícia o aguardavam.

— Boa noite — disse o mais alto dos dois.

— O senhor conhece Nicodemos Praxedes Ribeiro? O que será que o amigo tinha aprontado? Por que a

filha estava chorando tanto? Será que Nicodemos havia batido as botas? Sim, só poderia ser isso. Bartolomeu sentiu as pernas bambearem.

— Conheço. Pobrezinho... Ele era o meu melhor amigo.

O investigador retirou o par de algemas do cinto e estendeu-o na direção de Bartolomeu.

— O senhor está preso!

— Preso?!? — as pernas de Bartolomeu bambearam ainda mais forte. Desta vez, ele teve mesmo que se sentar numa poltrona. — Vocês estão achando que fui eu quem matou o Nicodemos?

— Ele não morreu. Ele está preso. E confessou que agiu junto com o senhor.

A filha de Bartolomeu não conseguia parar de chorar e assoar o nariz. Já tinha gasto uma caixa e meia de lenços de papel. Seu marido a abraçava e repetia "calma, meu bem" sem parar.

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— É verdade. Nós agimos juntos... Mas eu não sabia que frequentar uma escola de informática escondido da família era crime, juro!

As mãos de Bartolomeu foram algemadas, momento em que sua filha teve um ataque histérico e desmaiou.

— Vamos! — o investigador mais alto apontou a direção da porta. — O senhor prestará depoimento na delegacia.

* * *

Bartolomeu calçou os chinelos e foi para a sala. Dois investigadores do Grupo de Operações Especiais da polícia o aguardavam.

— Boa noite — disse o mais alto dos dois.

— O senhor conhece Nicodemos Praxedes Ribeiro?

O que será que o amigo tinha aprontado? Por que a filha estava chorando tanto? Será que Nicodemos havia batido as botas? Sim, só poderia ser isso. Bartolomeu sentiu as pernas bambearem.

— Conheço. Pobrezinho... Ele era o meu melhor amigo.

O investigador retirou o par de algemas do cinto e estendeu-o na direção de Bartolomeu.

— O senhor está preso!

— Preso?!? — as pernas de Bartolomeu bambearam ainda mais forte. Desta vez, ele teve mesmo que se sentar numa poltrona. — Vocês estão achando que fui eu quem matou o Nicodemos?

— Ele não morreu. Ele está preso. E confessou que agiu junto com o senhor.

A filha de Bartolomeu não conseguia parar de chorar e assoar o nariz. Já tinha gasto uma caixa e meia de lenços de papel. Seu marido a abraçava e repetia "calma, meu bem" sem parar.

— É verdade. Nós agimos juntos... Mas eu não sabia que frequentar uma escola de informática escondido da família era crime, juro!

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As mãos de Bartolomeu foram algemadas, momento em que sua filha teve um ataque histérico e desmaiou.

— Vamos! — o investigador mais alto apontou a direção da porta. — O senhor prestará depoimento na delegacia.

* * *

Afonso pediu para conversar com o delegado. Queria saber o que tinha acontecido com seu pai. Depois de cinquenta minutos sentado num banco de madeira do distrito policial, ele foi atendido. Quando entrou na sala, logo reconheceu o delegado. Era o mesmo que tinha transportado no elevador alguns dias antes e que estava procurando um criminoso... "um senhor de cabelos brancos!"

— Com licença, doutor! — pediu Afonso, ainda mais confuso, imaginando cenas de seu pai dando um tiro em alguém. — Meu pai... está... preso. O que foi que ele fez?

— Filho do senhor Nicodemos? — perguntou Cid.

— Sou.

— Acho melhor o senhor procurar um bom advogado. Seu pai acaba de confessar um crime...

— Crime? — a palavra saiu engasgada da boca de Afonso. — Ele matou alguém?

— Não. Seu pai estava preparando um vírus para espalhar nos computadores da cidade. Ele e um tal de Bartolomeu Nascimento de Andrade. O senhor conhece?

Afonso estava boquiaberto com a notícia. Então, era por essa razão que os dois tinham se matriculado no curso de informática?

— Conheço... Ele... ele... é... nosso vizinho...

* * *

Já sem algemas, Bartolomeu foi colocado na mesma sala em que Nicodemos esperava para ser interrogado. O

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carcereiro trabalhava há quinze anos naquele distrito e nunca tinha visto alguém tão velho ser preso.

— Com certeza vocês vão aparecer na imprensa — disse o carcereiro, tentando ser simpático. — Já estou vendo as manchetes dos jornais: "Vovôs vão parar no xilindró" ou coisa parecida.

Os dois trocaram olhares enfurecidos, cada um culpando o outro por estar ali naquela situação.

— Dedo-duro! — Nicodemos lançou a primeira farpa.

— Ah, eu? — Bartolomeu parecia soltar fogo pelas narinas. — O que você aprontou agora, velho pirado?

Nicodemos continuava sem o aparelho auditivo e entendeu tudo a sua maneira: "o que você contou ao delegado?".

— A culpa é sua, que não soube guardar um segredo meu...

— Segredo? Você começou tudo isso quando não quis entrar naquele elevador...

— Exatamente. É sobre Salvador... Eu disse que era segredo. Por que você contou ao delegado?

Nesse momento, Bartolomeu percebeu que o amigo estava sem o aparelho. Não adiantaria continuar a discussão. Achou melhor ficar quieto e esperar que o delegado o chamasse.

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40. Descoberto o arquivo secreto

Fazia dois dias que João Pedro estava tentando invadir a sala de Ikeda para fuçar nos seus arquivos, mas sem sucesso. Sua pressa era maior ainda agora que seu avô tinha sido preso. Queria provar quem era o verdadeiro vilão da história. Fazia dois dias também que ele sentia que Maria Carolina estava evitando ficar sozinha com ele.

— Você está tão estranha comigo... — resmungou ele, falando por cima da divisória baixa que separava os dois.

— Estranho está você com este chapéu — pela primeira vez ela criticava o chapéu de caubói que ele passou a usar.

— É isso? Eu tiro! — arremessou o chapéu no chão. — Melhorou?

— Olha, J. P., não quero ficar podando você. Faça o que achar melhor.

— Mas você não vê que estou tentando chamar a sua atenção?

— Minha atenção? Pois existem maneiras mais simples...

— Me diga quais são...

Ela titubeou um pouco antes de responder.

— Nós já namoramos há dois anos. Você devia saber, né?

— Vamos ao cinema no sábado? Podemos ver Perdidos de amor.

— Você está me convidando para ver um filme de amor? Precisamos medir a sua febre...

— Estou falando sério.

— Depois, conversaremos sobre isso, tá? Lembra que combinamos não namorar no horário de trabalho?

João Pedro concordou com a cabeça. Depois levantou-se de sua mesa e veio até bem perto da namorada.

— Espero que você não tenha contado nada pra ninguém sobre o Ikeda — sussurrou ele.

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— Claro que não! — Maria Carolina ficou brava com a desconfiança dele. — Para quem você acha que eu iria contar?

— Pensa que eu não vi você e o guru de papinho desde segunda-feira?

— Deixa de ser bobo. Estávamos conversando sobre astrologia. Ele está preparando o meu mapa astral...

— Engraçado, né? — João Pedro foi tomado por um incontrolável acesso de ciumite aguda. — Por que será que ele não veio aqui perguntar se eu queria o meu também?

— Naquela reunião, você ficou tirando sarro dele — Maria Carolina tomou as dores da nova paixão. — E, pelo que eu sei, você não acredita em horóscopo.

— Acertou. Também não acredito em duendes, Papai Noel, coelhinho da Páscoa, alienígenas e vendedores de loja de roupa.

— Vendedores de loja de roupa?! — Maria Carolina estranhou aquele personagem tão diferente dos demais.

— Quando você pede alguma coisa pra experimentar, eles dizem sempre que a roupa ficou perfeita. Você se olha no espelho e está parecendo um saco de batata.

A discussão só não se estendeu porque os dois viram que Ikeda tinha apanhado a sua bolsa e saíra do escritório. João Pedro fez a averiguação de sempre e, viva!, o chefe tinha esquecido o computador ligado.

— Até que enfim! — João Pedro esfregou as mãos. — É hora de atacar.

— Você tem certeza de que não estamos fazendo nada de errado?

— Absoluta. Vamos salvar a empresa. Eu e você seremos promovidos. Fique aqui e me dê cobertura. Se alguém entrar, avise-me imediatamente.

João Pedro entrou na sala de Ikeda e começou a mexer nos arquivos. Procurou em primeiro lugar na pasta "Meus Documentos". Precisava ser rápido. Não encontrou nenhum nome suspeito. Partiu para um novo diretório e encontrou uma pasta com o nome "Top Secret".

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— Deve estar aqui!

João Pedro abriu as pastas e encontrou uma série de arquivos com nomes estranhos. Finalmente, localizou um arquivo com o título "Plano do Vírus".

— Achei! — ficou mais feliz do que no dia em que marcou o gol de falta que deu à sua classe o título de campeão do torneio de futebol do colégio.

A mão que segurava o mouse tremia, numa mistura de medo e felicidade. Ele começou a ler.

Todos os dados das crianças que se cadastrarem no site Hipopótamo serão desviados para o escritório contratado em Portugal. De lá, partirá um vírus poderoso que pode tumultuar todo o sistema de computadores do mundo em poucos dias. Por serem curiosas, as crianças não resistirão a abrir o arquivo que acompanhará a mensagem. O vírus se espalhará para todas as pessoas que estão cadastradas naquele computador, também usado pelos pais. Só existe um antivírus capaz de evitar esta destruição dos sistemas. A operação começará três dias antes do Natal.

— Meu Deus, é amanhã! Preciso gravar isso no disquete que trouxe.

Foi o que João Pedro fez. Sacou um disquete do bolso da camisa, gravou tudo rapidamente e voltou para sua mesa.

— Conseguiu, J. P.? — Maria Carolina estava roendo as beiradinhas das unhas.

— Está aqui! — mostrou o disquete que estava no bolso da calça. — Eu sabia que esse Ikeda era um sabotador. Precisamos avisar o doutor Assumpção imediatamente.

— Por que não falamos com a Flávia primeiro? — sugeriu Maria Carolina. — Afinal, foi ela quem nos contratou...

— Ora, Carol. Você não percebeu como ela e o Ikeda são amiguinhos? E se os dois estiverem juntos nesta parada?

— Pode ser...

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— Pode ser. É. Vamos falar direto com a única pessoa que está sendo passada para trás nesta história, o doutor Assumpção.

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41. Sessão de terapia

O diploma da Associação Brasileira de Medicina, pendurado na parede, trazia o nome da psiquiatra Marina Gaudêncio escrito em letras góticas. A sala pequena tinha duas poltronas e uma mesinha. Marina sentava-se sempre na cadeira preta, mais velha, mas com encosto alto. Para o paciente, sobrava a cadeira com braços de metal e couro preto. Sobre a mesa, um relógio, uma caixinha de lenço-de-papel e um cinzeiro. Flávia começou a fazer terapia havia três semanas e estava gostando bastante dos resultados. Antes pensava que terapia era coisa só de gente louca, que iria gastar dinheiro à toa ("prefiro fazer compra-terapia nas lojas do shopping", ria). Conversando com amigas, foi perdendo o preconceito e resolveu experimentar. Ia até o consultório duas vezes por semana, aproveitando a sua hora de almoço.

— Estou bem melhor com relação à insegurança que sentia.

— Excelente! — aprovou a médica. — A ansiedade diminuiu?

— Diminuiu. Acho que sou capaz de comandar a equipe, sim, e pensar em coisas criativas para o site. Vou seguir a sua sugestão: farei o que estiver ao meu alcance da melhor forma possível.

— Muito bom, Flávia. Não tem nada que não se aprenda...

— Mas é sobre outro assunto que eu queria falar com você hoje...

— Qual? — perguntou a médica.

— Tem um menino de 16 anos trabalhando comigo...

— Como ele se chama?

— Augusto. Ele é um menino muito interessante. Inteligente, misterioso, bonito. Parece que tem mais de 16 anos. Não parece que tenho cinco anos a mais que ele... Comecei a sentir algo diferente... Fiquei com vontade de cuidar dele. Não sei...

— O que você está sentindo? Algum tipo de atração?

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— É. Já fiquei com vontade de beijá-lo, acredita? De vez em quando, acho que é tudo uma grande loucura. Vão dizer que eu o peguei para criar... Sei lá. Ele precisa de alguém da idade dele.

— O que está assustando você é o que vão dizer, os comentários? — disparou a doutora Marina.

— Não! — Flávia falou e corrigiu imediatamente. — Sim. É isso mesmo. Se eu aparecer com ele em casa e apresentá-lo como namorado, meu pai vai ficar horrorizado. Não quero decepcionar meu pai de novo.

— De novo? — questionou a médica. — Quais foram as outras vezes?

— Meu pai queria que eu fosse médica, como ele. Eu passei a adolescência inteira dizendo que iria prestar vestibular para Medicina. Na hora de preencher a ficha de inscrição, eu coloquei "jornalismo" e não contei pra ninguém. Quando fui aprovada, em vez de festejar, meu pai se decepcionou. Depois ele me deu a maior força, mas no fundo acho que ficou triste comigo.

— E, por ter escolhido o que você queria, e não ter seguido o desejo de seu pai, você se sente fracassada?

— Em parte, sim. Sempre tive a sensação de que nunca fiz o que meu pai esperava que eu fizesse.

— Será que você não está se cobrando demais? Pelo que você me contou das outras vezes, seu desempenho na escola sempre foi um dos melhores. Você sabe falar duas línguas, inglês e francês. Arrumou um excelente emprego assim que saiu da faculdade. Quantas pessoas nem chegam perto disso e não se sentem fracassadas? Se você enxergar as coisas de outro modo, vai perceber que é uma vitoriosa. Acredite nisso e tudo irá mudar na sua vida. Aliás, o que você está esperando para dar uma chance a seu coração e conhecer melhor esse garoto?

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42. "Senti algo estranho"

Entre 12 horas e 2 da tarde, a praça de alimentação do InfoCity superlotava. Pessoas equilibravam as bandejas com prato de comida, latinha de refrigerante, talheres e doces, entre as mesas, procurando um lugarzinho. Depois das 2, o movimento diminuía e era mais fácil comer sem atropelos. Eram mais ou menos 2h15 quando Bruno, Augusto e Michael desceram até o primeiro andar do edifício para fazer um lanche rápido.

— Qual é o sanduíche que engorda menos? — perguntou Augusto.

— Sanduíche de brisa! — respondeu Bruno, olhando o cardápio.

Quando o garçom trouxe seu lanche, Bruno resolveu interpretar o seu mais famoso personagem: o mestre-cuca Alcachofrinha. Ergueu o pratinho e ficou examinando o sanduíche. Depois, imitando um sotaque afrancesado, teceu seus comentários:

— A carne desse hambúrguer foi amassada por mãos amadoras — disparou, para espanto dos dois amigos, que não conheciam esta sua faceta. — A circunferência, como vocês podem perceber, não está exata. Ela pende para o lado esquerdo, o que faz o queijo escorrer em uma única direção.

Terminado o "show" de Bruno, Augusto aproveitou o clima descontraído para falar da descoberta de seu diabetes. Os amigos fizeram uma série de perguntas e prometeram lhe dar a maior força. Como ainda tinham 25 minutos de almoço foram dar uma olhada na livraria que havia no mini-shopping dentro do InfoCity.

— Vou aproveitar e comprar o presente de Natal do meu pai aqui — avisou Bruno, olhando as promoções da seção dos mais vendidos. — Logo, logo estas lojas vão estar uma loucura. Todo mundo deixa para comprar na última hora.

— Eu estou duro — disse Michael. — Só vou comprar umas lembrancinhas. Nada de presente caro.

— Também não vou comprar nada — concordou Augusto. — Quero guardar dinheiro para fazer uma viagem.

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— Para onde você vai? — perguntou Bruno.

— Quero ir para a Itália — respondeu Augusto.

— Itália? Com o salário que nos pagam, não dá nem pra comprar um quilo de uva-itália... — ironizou Bruno.

— Não tem lugarzinho melhor, não? — provocou Michael.

— A Itália é um sonho antigo. Quero conhecer o Coliseu, o Vaticano, a cidade de Veneza...

— Veneza eu não preciso conhecer — interrompeu Bruno. — Sempre que chove, o meu bairro inunda. Fica a maior Veneza!

— O Coliseu era um estádio, né? — quis saber Michael. — Ele foi destruído por alguma torcida organizada de futebol?

— O Coliseu tinha capacidade para 50 mil pessoas. Ali os cristãos tinham de enfrentar os gladiadores e as garras dos leões. Mas o Coliseu foi destruído pelos terremotos dos anos de 442, 508 e 851.

— Sabe tudo, hein! — aplaudiu Bruno. — Você precisa se inscrever naquele programa de TV, o Só Responde Quem Sabe.

— Imagine! — riu Augusto. — Acho que esses programas são todos arranjados...

— Já que você gosta tanto da Itália, você sabe por que a Torre de Pisa é torta daquele jeito? — desafiou Michael.

— Foi um problema de engenharia.

— O engenheiro bebeu vinho demais e errou nos cálculos?

— A torre foi projetada para abrigar o sino da catedral da cidade. Quando três dos oito andares estavam prontos, os engenheiros notaram uma pequena inclinação, causada por um afundamento do terreno.

— E o que eles fizeram?

— Resolveram compensar a falha, fazendo os outros andares um pouco maiores no lado mais baixo. Só que a estrutura afundou ainda mais pelo excesso de peso.

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— Quanta inteligência... — Michael comentou e, em seguida, sentiu uma ligeira tontura. Os dois amigos perceberam.

— Tudo bem com você? — perguntou Augusto.

— Senti algo estranho. Meus amigos de outra dimensão, os clóclis, estão me mandando um aviso: a Maria Carolina está correndo perigo...

— Cló... o quê? — Augusto fez uma careta.

— Amigos de outra dimensão? — Bruno também estranhou o comentário. — Você pirou?

— No caminho, eu explico. Precisamos voltar para o escritório. Vamos!

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43. Imagens comprometedoras

Frederico abriu a porta com tanta força que alguns papéis da mesa do delegado Cid chegaram a sair do lugar.

— Novidades no caso, senhor!

— Conte-me tudo! — levantou-se o delegado.

— A agente Maria acabou de ligar. Ela teve acesso às imagens do circuito interno do prédio no dia da segunda mensagem. Deu pra ver quem foi a pessoa que entrou na sala 1401.

— Que maravilha! — vibrou o delegado. — Quem é esse sujeito? Precisamos capturá-lo imediatamente!

— Fique tranquilo, chefe. A agente Maria vai segurá-lo lá até chegarmos no prédio.

— Vamos depressa! Ah, e mande soltar o velho.

* * *

João Pedro encontrou o número do telefone celular do doutor Assumpção num caderno de anotações de Thaís.

— Vamos ligar agora mesmo. Não temos tempo a perder! — disse ele, enquanto discava os oito números que apareciam na agenda.

O próprio doutor Assumpção atendeu.

— Alô!

— Doutor Assumpção?

— Eu mesmo.

— Quem está falando é o João Pedro.

— Que João Pedro?

— Trabalho aqui no Hipopótamo.

— Hã?! Ah, você é um dos garotos? Sei. O que você quer?

— Desculpe estar ligando no seu celular, mas acabei de descobrir algo muito importante.

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— Não enrole, garoto. Diga logo.

— Descobri que o Ricardo Ikeda está sabotando o seu site. Ele está preparando um vírus para destruir o seu negócio.

Do outro lado da linha, o doutor Assumpção fez uma pequena pausa.

— O senhor está me ouvindo? — João Pedro perguntou.

— Sim, estou. Quer dizer que ele é um sabotador?

— É. O plano dele será executado amanhã, junto com o lançamento do site. O senhor precisa evitar...

— Que sujeitinho mais pilantra. Você tem alguma prova disso para levarmos até a polícia?

— Tenho. Fiz uma cópia dos planos num disquete.

— Você precisa sair daí imediatamente — ordenou o doutor Assumpção. — Você está correndo risco de vida.

— Vou sair agora mesmo. Pra onde devo ir?

— Vamos nos encontrar... vamos nos encontrar... no meu escritório de advocacia. Fica aqui no bairro de Santana. Anote o endereço que vou lhe passar, pegue um táxi e venha pra cá.

— Estou indo agora mesmo.

— Mais alguém sabe desse vírus?

— A Maria Carolina, que trabalha aqui comigo, também sabe.

— É melhor ela vir também. Rápido. Precisamos agir antes que seja tarde.

* * *

Thaís descobriu qual era a melhor maneira de conseguir almoçar com Ikeda. Ficava sempre preparada. Quando ele saía, ela ia logo atrás. Foi assim que os dois foram almoçar juntos novamente no InfoMeal. Eles tinham terminado de comer a sobremesa: Thaís comeu uma torta de ricota com cobertura de frutas vermelhas e Ikeda, um bolo de chocolate recheado de damasco.

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— Não consigo entender: você não toma sucos de cor vermelha, mas pediu essa cobertura de frutas vermelhas.

— É mesmo um mistério! — brincou ela. — Lembrei-me agora de perguntar uma coisinha: o site Hipopótamo está protegido contra vírus?

Ikeda levou um susto com a pergunta. Ficou um momento em silêncio e olhou fixamente para os grandes olhos castanhos de Thaís:

— Que vírus?

— Qualquer vírus... Talvez um vírus novo muito poderoso, capaz de bagunçar todos os computadores do mundo inteiro.

Thaís disse a frase pausadamente, limpando os lábios com um guardanapo de papel. Ikeda estava visivelmente nervoso com o comentário. Nem percebeu que dois homens haviam se aproximado e estavam logo atrás dele.

— Pode confessar. Nós já sabemos de tudo — finalizou Thaís.

Foi aí que os dois homens se uniram a ela.

— Muito bem, agente Maria! — saudou o delegado Cid. — Agora nós assumimos...

— Agente Maria?! O que está acontecendo aqui? — Ikeda ameaçou se levantar.

— Quietinho aí. Temos algumas perguntas a lhe fazer.

— Ei, este aqui é aquele rapaz que interroguei no cyber-café — observou Frederico. — É o filho do dono.

— Huuum. Por isso é que ele não lembrou quem usou o computador naquele dia — o delegado juntou as duas pontas.

Ikeda manteve-se calado diante das evidências.

— Temos uma cópia da fita de uma câmara do décimo quarto andar que mostra você entrando numa sala vazia, vizinha à do escritório — contou a agente Maria, a ex-Thaís. — Dessa sala saiu uma mensagem que chegou à nossa delegacia. Você irá nos acompanhar agora até a delegacia.

— Um mo-mento, de-lega-do — gaguejou Ikeda, tremendo de medo. — Tenho uma revelação a fazer.

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44. Um rosto bastante conhecido

Quando Augusto, Michael e Bruno voltaram ao escritório, ele estava completamente vazio.

— Não tem ninguém aqui! — disse Bruno.

— Continuo sentindo algo estranho... — Michael repetiu.

— Eles devem ter ido dar uma volta a cavalo. Aliás, ele anda irresistível hoje com aquele chapéu de caubói... — divertiu-se Bruno.

— Estou falando sério — cortou Michael. — E tem algo a ver com aquela tulipa negra.

— Que tulipa negra? — Flávia tinha acabado de entrar e ouviu de relance a conversa dos três.

Michael contou, então, toda a história, que foi ouvida com a maior atenção e no mais absoluto silêncio.

— Veja que coincidência — interrompeu Flávia. — Tulipa é o nome da empresa que está lançando o site de crianças que vai concorrer com o nosso.

— Tulipa? Livros Tulipa? — berrou Michael.

— É. É isso aí. Eles fazem livros e agora estão entrando também no mercado de sites infantis.

Michael aproveitou para relatar a história que seu pai havia contado sobre o desfalque da tal editora.

— Será que o doutor Assumpção tem alguma ligação com essa história? — uma luz se acendeu na cabeça de Michael.

— Podemos entrar no site de algum jornal e fuçar os arquivos — sugeriu Flávia, preocupada com a história. — Vamos fazer isso imediatamente!

Eles estavam mais próximos da mesa de Augusto. O garoto sentou-se e digitou o site do jornal Diário Paulistano. Depois abriu o botão "Arquivo". Havia um campo para escrever o assunto procurado. Ele digitou "caso tulipa" e deu um OK. Uma rápida pesquisa mostrou que havia três reportagens sobre o assunto. Eles abriram a primeira e não encontraram nada interessante. Na segunda, porém,

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acharam uma foto de Manoel Machado Júnior, filho do doutor Machado. Ele estava com um paletó por cima das mãos, escondendo suas algemas. Tinha acabado de ser preso por formação de quadrilha.

— Esta cara parece bem familiar — observou Michael.

— Familiar demais — concordou Bruno.

— Vamos fazer uma manipulação desta imagem — sugeriu Augusto. — Vou copiá-la em outro arquivo. Agora vamos colocar uns 60 quilos a mais neste Manoel Machado. Um cabelo estilo tigelinha. Apagamos os óculos... O que temos aqui?

Bruno e Michael levaram um susto. Augusto respondeu à própria pergunta:

— O doutor Newton Assumpção, nosso chefe, em carne e osso.

— Em banha e osso — corrigiu Bruno.

— Um impostor! — Flávia deixou seu corpo despencar na cadeira mais próxima.

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45. A cilada

João Pedro e Maria Carolina chegaram ao endereço que o doutor Assumpção havia passado. A tensão era tanta que nem repararam que estavam entrando num edifício residencial de dois blocos, um chamado "Vistalinda" e outro, "Inspiração". O zelador estava com o rádio ligado num volume ensurdecedor. Autorizou a entrada dos dois sem ao menos levantar o rosto e indicou o elevador dos fundos quando João Pedro disse que ia até o 702.

— Só espero que ele reembolse este táxi — resmungou João Pedro. — Foram 25 reais. Dá quase um quarto do meu salário.

— Você não disse que íamos ser promovidos? — lembrou Maria Carolina. — Então, o nosso salário também será aumentado.

— Com certeza — concordou João Pedro. — Vice-presidentes, como nós, devem ter um salário muito melhor. Fora as mordomias. Vou querer um videogame e uma TV de 44 polegadas na minha sala.

— Se é assim, vou pedir um DVD — completou Maria Carolina.

Ao chegar no sétimo andar, os dois caminharam por um longo corredor. O 702 era a última porta. Tocaram a campainha. O próprio doutor Assumpção veio atender.

— Que bom que vocês chegaram... Estava preocupadíssimo.

Ele trancou a porta assim que os dois entraram e tirou a chave da fechadura.

— Vamos até a minha sala. Preciso ver este disquete.

O doutor Assumpção sentou-se diante do computador e colocou o disquete no driver. Abriu o arquivo e leu tudo. Os dois garotos estavam sentados à sua frente.

— O Ikeda sabe que vocês pegaram estas informações?

— Não — respondeu João Pedro. — Esperamos ele sair pra almoçar. Quando fugimos, ele ainda não tinha voltado.

O advogado pegou o telefone e fez uma ligação interna.

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— Venha até a sala, por favor!

Um minuto depois, o sujeito com cara enrugada entrou.

— São eles, Tamarindo? — perguntou Vic Passion.

— São — concordou Assumpção. — Descobriram o vírus. O que faremos agora, Maracujá?

João Pedro e Maria Carolina sentiram um gelo por dentro. Que história era essa de "Tamarindo" e "Maracujá"? Ela ficou apavorada quando viu que o homem carregava uma arma na cintura.

— Vamos ter de fazer uva-passa deles! — disse Maracujá.

— Moleques intrometidos! — o doutor Assumpção deu um soco na mesa. — Quase que o nosso plano vira suco.

— Quer dizer que o Ikeda não é um sabotador? — perguntou João Pedro. De repente ele entendera tudo.

— Não. Eu encomendei o vírus. O site é apenas uma fachada para espalhar o vírus. O que eu quero é vender o antivírus. Mas vocês não estarão vivos para ver o final da história.

Maria Carolina começou a chorar. Ela nunca havia se sentido tão dentro de um filme como agora, mas não imaginava que seria um filme de terror.

— Maracujá, peça a seu capanga que amarre os dois — ordenou o doutor Assumpção. — Primeiro, vamos enviar o vírus para o QG de Cingapura, via Portugal. Tenho dois amigos que farão o serviço. Não temos tempo a perder. A publicidade do site entrará no ar em todos os programas infantis amanhã cedo. À noite, quando escurecer, nós damos um sumiço nestes garotos.

* * *

Maria Carolina e João Pedro estavam trancados num lavabo minúsculo. Os vãos entre os azulejos marrom-escuros estavam cheios de limo. O vaso sanitário não tinha nem tampa nem assento. A torneira da pia insistia em gotejar e o rolo de papel higiênico estava pendurado no lugar reservado

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para a toalha de rosto. O espelho estava trincado na parte de cima. Não havia sabonete, muito menos toalha.

— O que faremos agora? — João Pedro estava impaciente. — Daqui a pouco, eles irão nos matar.

— Isso parece mesmo um filme — disse Maria Carolina, segurando uma lágrima. — Em vez de nos liquidarem logo, os bandidos resolveram nos trancar neste banheirinho sujo. Ou seja, nós vamos conseguir escapar.

— E se este filme não tiver final feliz? — provocou João Pedro.

— Todos têm.

— Pra mim, ele só não terá um final feliz se você não ficar comigo.

— Por favor, Pê, não é hora... — Maria Carolina não esperava aquela declaração de João Pedro. Ou melhor, esperava, mas não naquela situação. Ou melhor ainda, esperava esta declaração havia muito tempo, não mais agora.

— Gosto muito de você e fiquei com ciúmes de ver você e o Michael tão íntimos — João Pedro continuou falando.

— Não sei se é o melhor momento e o melhor local para isso, mas preciso falar com você. Espero que você me entenda. Gosto muito de você, mas descobri que estou apaixonada pelo Michael.

— Apaixonada?! — João Pedro achou que aquela era sua sentença de morte. — Como apaixonada? Você só almoçou um dia com ele. Desculpe, mas é impossível alguém se apaixonar em um simples almoço.

— Não sei explicar, só sei que aconteceu — Maria Carolina percebeu que João Pedro estava com os olhos baixos e tristonhos. Mas não podia esconder seu sentimento.

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46. A coleção de Bruno

Os garotos não estavam acreditando nas manobras, costuradas e ziguezagues que Flávia vinha fazendo com seu carro. Baixinho, ela repetia para si mesmo: "Eu acredito, eu posso. Eu acredito, eu posso". Enquanto isso, Bruno dava as coordenadas para chegar à sua casa. A bem da verdade, ele não estava gostando nem um pouco do plano que os amigos tinham bolado.

— Poxa vida, gente! Demorei séculos para juntar esta coleção e agora vocês querem acabar com ela... Não é justo.

— É por uma boa causa, Bruno — disse Michael, em tom firme.

— Precisamos salvar nossos amigos — completou Augusto. — Você não viu o que estava escrito no jornal?

— Olha, jornalistas inventam muita coisa... — contra-atacou Bruno. — Eles precisam vender jornal e criam umas histórias meio estranhas.

— Precisamos arriscar. Estava escrito no jornal que ele morre de medo disso — insistiu Michael. — O cara era tão chato que os companheiros de cela resolveram se vingar. Amarraram ele com lençóis, abriram sua boca à força e fizeram ele engolir umas cinco...

— Vocês me convenceram — rendeu-se Bruno. — Flávia, agora vire à direita. É aquela terceira casa ali, do lado direito. A do portão verde.

O carro parou em frente ao portão. Apenas Bruno desceu:

— Esperem aqui. Vou pegar a caixa e já volto. Bruno entrou na casa e sumiu pela porta principal.

— Precisamos passar ainda na pizzaria para completar o disfarce.

— Será que eles ainda estão vivos? — Flávia estava preocupadíssima. — E pensar que eu coloquei vocês nesta enrascada...

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— Você não tem culpa! — Augusto, que estava no banco da frente, segurou o braço de Flávia com carinho. Ela sentiu um leve arrepio e gostou muito daquela sensação.

* * *

Depois de quatro toques, Ikeda finalmente atendeu o celular:

— Alô!

— Onde você está? — o doutor Assumpção perguntou de bate-pronto.

— No... no escritório.

— Engraçado. Estava ligando aí e ninguém atendeu. Não importa. Venha pra cá imediatamente — ordenou. — Estamos no escritório de Santana. Dois garotos descobriram o plano.

— Que garotos?!

— Sei lá. Não lembro os nomes deles. Isto é o que menos importa agora. Eles estão presos aqui.

— O que faremos? — a voz de Ikeda estava vagamente trêmula.

— Precisamos colocar o plano em prática agora mesmo.

— Mas faltou o último teste.

— Não temos tempo para o último teste. Venha pra cá. É uma ordem.

* * *

Por precaução, Flávia preferiu parar seu carro em frente ao posto de gasolina que ficava na esquina do prédio do doutor Assumpção.

— Não seria melhor chamar a polícia? — Bruno perguntou pela quinta vez desde que saíram de sua casa.

— A gente só vai ver se os dois estão mesmo aí dentro — explicou Michael. — Por isso, coloquei esse disfarce de entregador de pizza.

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— Se é só pra ver se eles estão lá, por que vocês colocaram os meus bichinhos aí dentro?

— Vamos precisar deles se colocarmos em prática o plano B...

— Qual é o plano B? — perguntou Bruno.

— O doutor Assumpção me reconhece e sai correndo atrás de mim...

Flávia ficou apavorada com essa possibilidade e propôs trocar de papel com Michael.

— É pior. Ele irá reconhecê-la na hora. Comigo será diferente. Sou apenas um entregador de pizza. Ele nem vai olhar direito pra mim.

Apesar do momento de tensão, Bruno não perdeu a mania de tentar desanuviar o clima com mais uma de suas piadas:

— Está bem. Mas, se ele lhe der uma caixinha, você vai dividir por quatro.

Ao entrar no prédio, com a caixa redonda de papelão na mão, Michael nem percebeu a chegada silenciosa de um carro da polícia.

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47. Pizza para viagem

A campainha tocou. O segurança sacou a arma e encostou na porta. Espiou pelo olho mágico e viu a figura de Thaís. Assumpção fez sinal com a mão para o brutamontes guardar a arma.

— Você por aqui, Thaís?

— Desculpe incomodá-lo, doutor Assumpção, mas coisas estranhas aconteceram no escritório esta tarde e resolvi correr até aqui. O seu celular está desligado?

— Que coisas estranhas? — o advogado ficou intrigado.

— Quando voltei do almoço, surpreendi a Flávia dentro de sua sala, mexendo em uns papéis.

— Flávia? Nos meus papéis? O que ela queria?

— Não sei. Fiquei sem ação. Quando perguntei o que fazia lá, ela me empurrou e disse que isso não era da minha conta. Estou supernervosa. Acho que o senhor deveria ir comigo até lá agora mesmo.

— Bem, eu... eu não posso. Estou... recebendo... umas visitas de fora. Meu assistente irá com você. Tragam ela até aqui. Por bem ou por mal.

O doutor Assumpção logo imaginou que os dois garotos haviam contado a história do vírus para Flávia e ela tinha tentado descobrir algo. Malditos garotos! Flávia deveria ser silenciada.

Dois minutos depois que Thaís e o segurança saíram, o doutor Assumpção ouviu a campainha da porta do fundo. Agora só poderia ser o Ikeda! Estava tão certo disso que, desta vez, não teve o trabalho de espiar pelo olho mágico. Abriu a porta direto. Viu um garoto com uma caixa de pizza na mão.

— Eu não pedi pizza nenhuma! — bronqueou.

— Tem certeza? — retrucou o menino, levantando a cabeça.

Só assim doutor Assumpção reconheceu seu rosto.

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— Você não é o Jardel?

— Michael! Michael! Michael! — berrou, nervoso, abrindo a tampa da caixa e colocando o plano B em prática. — Esta é à moda da casa. Pizza com lagartixas.

Duas dezenas de lagartixas, de diferentes tamanhos, surgiram em cima da pizza, grudando suas patinhas na mussarela. O garoto as arremessou para cima do advogado, que teve um ataque histérico.

— Eu odeio lagartixas! Tenho nojo destes animais! Tirem isto de cima de mim! Socorro, socorro...

No mesmo instante, o delegado Cid e mais dois investigadores derrubaram a porta da frente e deram voz de prisão ao advogado.

— Eu confesso, eu confesso! — O doutor Assumpção pulava, sacudia o corpanzil, tentava se livrar da roupa. — Eu imploro, tirem estes bichos de cima de mim!!!

Michael, que estava disfarçado de entregador, chamou Augusto, Bruno e Flávia, que tinham ficado escondidos na escada. Eles foram abrindo as portas para procurar os dois amigos. Depois de percorrer três cômodos, Michael descobriu o banheiro em que os dois estavam presos.

— Michael! — iluminou-se Maria Carolina, atirando-se nos braços dele.

— Carol, que bom ver vo... — Michael não esperava aquela reação tão efusiva, ainda mais na presença de João Pedro. Ele ainda cochichou no ouvido dela:

— O João Pedro está vendo...

Ela respondeu, também baixinho, no ouvido de Michael:

— Já conversei com ele. O Pê sabe que estou apaixonada por você!

A palavra "apaixonada" encheu seus ouvidos. Ele chegou a sentir um leve tremor nas pernas. João Pedro não gostou do abraço apertado que os dois deram, mas estava feliz em se ver livre de novo. Saiu na frente para não ver coisa pior. Todos foram para a sala. Chegando lá, encontraram o doutor Assumpção algemado e com as calças molhadas de xixi.

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48. A história chega ao fim

— Por que será que os jornalistas estão demorando? — cochichou o delegado Cid a seu assistente.

— Calma, calma — respondeu ele. — A imprensa sempre atrasa um pouco, mas já deve estar chegando.

Enquanto os policiais cuidavam em vistoriar os cômodos do apartamento, atendendo a pedidos dos garotos, a agente Maria relatou toda a história, tomando o maior cuidado para não deixar escapar nenhum detalhe:

Vamos começar, então, falando sobre Ricardo Ikeda, que é um nome falso. Descobrimos que o nome verdadeiro dele é Luciano Kikuchi, filho do senhor Massaro Kikuchi, ex-contador da Livros Tulipa.

O doutor Manoel Machado era advogado desta mesma editora. Ele falsificou a assinatura do senhor Massaro numa tramóia para se apropriar de um dinheiro que seria usado para o pagamento de impostos. O senhor Massaro ficou um mês preso, até que a verdade veio à tona.

— Eu é quem descobri isso — vangloriou-se Michael, sentado ao lado de Maria Carolina.

— E você nem tem ainda uma bola de cristal! — suspirou a menina. — Ah, o Harry Potter não chega a seus pés...!

A agente Maria continuou:

Quando a polícia descobriu o plano, o doutor Manoel Machado foi para a cadeia e o senhor Massaro acabou libertado. Envergonhado, Manoel se matou no segundo dia de prisão. O filho dele, Manoel Júnior, também chamado de "Machadinho", prometeu se vingar da editora Livros Tulipa. Formou uma gangue, batizada por ele mesmo de "Tulipas Negras". A idéia era provocar um incêndio na gráfica da editora.

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— Um dos bandidos denunciou a quadrilha e a polícia prendeu o Machadinho antes que ele colocasse seu plano em ação — detalhou o delegado Cid, que olhava insistentemente para o relógio. — Eles foram presos em flagrante, com galões de gasolina no carro. Os repórteres? Onde está a imprensa que nunca aparece quando a gente precisa?

Ricardo, ou melhor, Luciano, era garoto quando tudo isso aconteceu. A prisão do pai o traumatizou muito. Com medo de alguma represália contra sua família, ele resolveu acompanhar todos os passos de Machadinho quando este saiu da cadeia. Em sua investigação, descobriu que Machadinho trocou seu nome para Newton Assumpção...

— Nossa, quanta gente trocou de nome nesta história! Agora até eu estou em dúvida se realmente me chamo Bruno...

—... ou Professor Buster, "a maior nulidade em computadores do planeta" — provocou João Pedro.

A mudança de nome chamou a atenção de Luciano. Isso parecia muito suspeito. Foi aí que ele resolveu se aproximar mais.

— Como sou fera em computadores, consegui um emprego na empresa dele e fui ganhando a confiança — Luciano fez um parênteses na explicação da agente Maria. — Depois de certo tempo, ele me propôs o negócio do vírus.

Luciano decidiu chamar a atenção da polícia. Começou a mandar mensagens para o delegado Cid. Ele queria que o negócio de Machadinho fosse localizado e que o bandido fosse apanhado em flagrante. Quando a polícia foi interrogá-lo pela primeira vez, ele não tinha ainda provas suficientes. Por isso, preferiu esperar mais um pouco. Foi aí que teve a idéia de mandar uma mensagem do escritório da sala ao lado do site.

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— No final das contas, ficou provado que esse Machadinho é mesmo um grande picareta! — riu Bruno com o trocadilho.

O disfarce de secretária dele também me ajudou muito. Descobri que ele vinha se encontrando com Vic Passion, ou melhor, Vitorio Paixão, um dos maiores estelionatários do país. Boa coisa não poderia ser. Descobrimos a existência do vírus quando localizamos um sócio de Vic em Portugal, Francisco Tortini.

— Francisco Tortini? — Bruno sentiu seu corpo ficar gelado por dentro. — Este é o meu tio... Não pode ser. Deve haver algum engano. Meu tio é mais inofensivo que bicho de goiaba!

— Inofensivo? Conte outra. Ele levou o disquete com o vírus para Portugal... — disse o investigador Fred.

— O Bruno está com a razão — interrompeu Luciano. — Eles me contaram que tinham arrumado um trouxa para levar o disquete até Portugal. O cara não sabia de nada...

— Prometo investigar melhor esta história. Temos de interrogar o doutor Machado e seu comparsa, Vitorio. Agora estes bandidos ficarão um bom tempo desconectados do mundo, atrás das grades! — finalizou o delegado Cid. — Ah, finalmente, os jornalistas chegaram! Sejam bem-vindos. Pode deixar, Maria. Agora é a minha vez de contar a história.

Algemado, Machadinho foi fotografado quase à exaustão pelos fotógrafos de todos os jornais da cidade e também filmado por cinco redes de TV, enquanto era conduzido para fora do apartamento pelo assistente Frederico. Ao passar pelos garotos, ainda com o rosto desfigurado, ele ameaçou:

— Eu voltarei. Voltarei para acabar com a vida de cada um de vocês.

Menos assustada, depois de ver o vilão da história preso, Maria Carolina suspirou com alívio. E até fez um comentário divertido:

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— No cinema, é assim. O bandidão promete voltar no final. Se o filme for um sucesso, já fica tudo pronto para lançarem a parte 2.

* * *

Na calçada em frente ao prédio, os garotos se despediam da agente Maria antes de entrar no carro de Flávia. Michael ficou para trás de propósito. Esperou que ninguém pudesse ouvi-lo para pedir um favor.

— Lembra que eu li a sua sorte naquele dia?

— Claro que lembro.

— Por favor, não conte pra ninguém que errei tudo, certo? Isso poderá arruinar a minha carreira...

Maria piscou o olho esquerdo e deu um beijo no rosto do garoto.

— Pode confiar em mim...

* * *

Flávia fez questão de deixar cada um em sua casa. Mas ela traçou um itinerário bastante esquisito, de tal modo que Augusto ficasse por último. Foi o que aconteceu quando João Pedro desceu.

— Só falta você! — disse Flávia.

— Olha, Flávia, eu posso ir de metrô. Você deve estar cansada.

"Nossa, que cavalheiro! Ele está preocupado comigo...", pensou Flávia, dividida entre abrir o jogo com Augusto ou simplesmente tirar toda esta história da cabeça.

— Você está menos assustado com o diabetes?

— Estou. Sabe, foi ótimo conversar com seu pai. Aliás, toda a sua família foi muito amável comigo. A começar por você.

— Obrigada. Eles também gostaram muito de você. Querem que você apareça outras vezes...

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— Claro que sim!

Flávia resolveu fazer a pergunta que a estava atormentando desde a hora do almoço:

— Você tem namorada, Augusto?

Ao contrário do que ela imaginava, ele não se perturbou com a pergunta.

— Não. Já fiquei com algumas meninas, tive alguns rolos, mas nunca namorei nenhuma... As meninas da minha idade só querem saber de garotos mais velhos. Acham que somos muito crianças, que não sabemos beijar, que só falamos bobagem...

Flávia diminuiu a velocidade, deu seta para a direita e entrou no estacionamento de um supermercado. Encontrou uma vaga e parou o carro. Soltou o cinto de segurança e virou o corpo em direção a Augusto.

— Augusto, pode parecer loucura, mas eu preciso confessar que estou louca por você. Se você quiser, eu quero namorar você. Mas, antes que você responda, eu preciso fazer uma coisa.

O "uma coisa" foi um demorado beijo na boca.

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49. Tudo terminou bem

Apenas as luzes dos dois abajures estavam acesas. Afonso e Marta, deitados, conversavam.

— Que história mais incrível, não? — disse Afonso.

— Felizmente tudo terminou bem... — Marta fez o sinal-da-cruz.

— Você lembra por que nos apaixonamos?

Marta estranhou a pergunta. Será que não tinha entendido direito? Pediu que ele a repetisse.

— Você lembra por que nos apaixonamos?

— Claro, homem. Um dia eu entrei num elevador e lembrei que havia esquecido minha sombrinha. Você deixou a porta aberta e ficou esperando um tempão.

— Isso mesmo...

— O escritório onde eu trabalhava ficava no fim de um corredor. O pessoal que estava dentro do elevador ficou uma arara com você.

— É, dois foram se queixar com o síndico.

Marta abriu um sorriso gostoso, como se a cena estivesse acontecendo de novo ali na sua frente:

— E você foi mandado embora. Foi a maior declaração de amor que uma mulher poderia receber... Mas por que se lembrar disso agora?

— Hoje no elevador duas senhoras estavam conversando sobre esse assunto. Diziam que muitos casamentos terminam porque o marido e a mulher, depois de um tempo, esquecem por que se apaixonaram. Aí o amor diminui e pode até acabar. Eu queria saber se você lembrava...

— Não tenho do que me queixar do meu maridinho. Estou muito feliz. Parece que tudo começou ontem, mas iremos completar dezoito anos de casados em 28 de abril.

— Está meio longe ainda... Que tal sairmos para passear no sábado?

— Eu adoraria.

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— Vou te levar para conhecer um prédio ali perto do InfoCity que tem um elevador panorâmico lindo, lindo, lindo.

Os dois trocaram um doce beijo antes de apagarem a luz.

* * *

Tio Chico foi interrogado pela polícia portuguesa e, com a intervenção do delegado Cid, conseguiu provar que também tinha sido vítima do golpe de Vic Passion. Levou a polícia até o local onde havia entregue os disquetes. Dois outros membros da quadrilha de Vic Passion foram presos. Chico acabou liberado em seguida. Quando chegou ao hotel, ele ligou para a família. Bruno atendeu:

— Oi, tio Chico! O senhor já está livre?

— Livre como um pássaro.

— Que loucura, hein! Quase tive um tio terrorista internacional...

— Escapei por pouco. Mas tudo passou e é isso o que importa.

— Ainda bem! — suspirou Bruno. — Quando o senhor volta?

— Acho que vou ficar mais um tempo por aqui... Talvez muito mais tempo.

— Como assim? Os vôos estão todos cheios?

— Nada disso — riu tio Chico. — Acho que vou abrir um negócio aqui em Portugal. Arrumei um sócio.

Bruno abaixou a cabeça e colocou a mão na testa, temendo mais uma encrenca de seu tio:

— Negócio? Sócio? Explique melhor isso...

— Outro dia, entrei numa lanchonete e fiquei conversando com o dono, um sujeito muito simpático. O nome dele é Joaquim Manuel. Ele reclamou que os negócios estavam fracos. Foi aí que eu tive a grande idéia. Vamos abrir um rodízio de bolinhos de bacalhau. O que você acha?

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— Rodízio de bolinhos de bacalhau?! — Bruno chegou à conclusão de que seu tio estava mesmo endoidando. — Mas todos os bolinhos de bacalhau não devem ser de bacalhau?

— São, mas o segredo vai estar na massa. Tio Chico parecia estar esperando mesmo a pergunta. — Teremos várias misturas na massa: queijo, ervas finas, cogumelos, azeitonas... Sou ou não sou um gênio?

— É... — balbuciou Bruno.

— Preciso desligar agora que a ligação está saindo muito cara. Diga a sua mãe que depois escrevo para ela.

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50. Quase tudo terminou bem

Alguns dias depois, Michael ligou para Maria Carolina e os dois ficaram conversando por mais de uma hora. Descobriram ainda muitas outras afinidades, com exceção de comida japonesa, que ela adorava e ele torcia o nariz.

— Mas, se você quiser ir a um restaurante japonês, não tem problema — disse ele. — Como um sanduíche antes de sair de casa...

Assim que desligaram, o telefone voltou a tocar. Maria Carolina pensou que Michael havia se esquecido de comentar algo. Ou iria simplesmente dizer que já estava com saudade.

— Alô! — disse ela, mais do que entusiasmada.

— Oi, Carol! Sou eu, o João Pedro.

— Oi, Pê! Tudo bem com você?

— Tudo. Desculpe estar ligando tão tarde. Estava tentando há um tempão, mas só dava ocupado...

— É... é que eu estava usando a internet.

— Pensei que você estivesse falando com o guru...

Maria Carolina não respondeu. João Pedro prosseguiu:

— Pensei muito naquilo que conversamos aquele dia que estivemos presos naquele banheiro...

— Sabe, Pê, eu não queria que fosse daquele jeito, naquele lugar. Mas eu tinha medo de morrer sem contar tudo para você.

— Acho que não tenho sido um bom namorado... Mas será que não mereço uma chance? Eu posso melhorar...

— Não é questão de melhorar. Você sempre foi muito legal, muito divertido, muito amigo. Só guardo lembranças boas de nós dois.

— Mesmo? — interrompeu o garoto.

— Com certeza. Você foi muito importante na minha vida. E o carinho que tenho por você, Pê, ninguém nunca vai tirar de mim. Mas aconteceu de eu me apaixonar por outra pessoa de repente.

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— Eu não mereço perder você — sibilou João Pedro.

— Bobagem, Pê. Logo vai conhecer outra garota que complete você mais do que eu.

— Ah, Carol, isso vai ser difícil...

— Vai nada. Pensa que eu não sei que a Diana morre de amores por você? Eu tinha muito ciúmes dela por sua causa.

— Sério? — espantou-se João Pedro. — E por que você nunca me falou nada sobre o interesse dela?

— Pra quê? Pra deixar você mais interessado? Nada disso.

— E agora — disparou João Pedro — podemos continuar sendo amigos?

— Não sei. Preciso de um tempo pra pensar nisso.

* * *

Solange fechou o livro que estava lendo e abaixou o volume do aparelho de som. Prestou atenção na história que a irmã acabara de lhe contar. Maria Carolina ouvia muito os conselhos que a irmã lhe dava.

— Você acha que eu devo continuar sendo amiga do Pê?

— Depende. Que tipo de amiga?

— Devo continuar telefonando, mandando e-mails para ele como se nada tivesse acontecido entre nós?

— Acho que não, Carol. Isso não iria fazer bem para nenhum de vocês dois agora. É melhor dar um tempo até as feridas cicatrizarem...

— Como assim? Não entendi...

— Lembra quando eu terminei com o Zé Luís para ficar com o Ivan? Decidi que ia ficar amiga do Zé Luís. Ele começou a me contar de suas novas namoradas, de seus projetos, de sua família. Fui ficando confusa. É como se eu ainda fizesse parte da vida dele e eu não fazia mais. Cheguei a sentir ciúmes de uma tal de Juliana. E o Ivan sacou isso. Quase brigamos por causa disso. Não é bom ficar dividida. Nosso coração precisa ser de uma pessoa só.

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Maria Carolina concordava com a cabeça:

— Como devo me comportar, então? Fazer de conta que o Pê não existe nem nunca existiu?

— Não precisa radicalizar. Na escola, vocês continuarão se encontrando e continuarão sendo colegas. Mas nada de confidências, segredinhos. E, por mais que você sinta vontade, nada de "só mais um beijinho". Resista, resista, resista. O que acabou, acabou.

* * *

Se ela dissesse simplesmente que não queria mais namorar, tudo bem, seria mais fácil engolir. Mas ser trocado por outro menino era demais. João Pedro estava bastante irritado. Ficou olhando para o teto, chutou o pé da cama, rasgou a foto de Maria Carolina que estava numa prateleira em cima de sua cama. Não conseguia deixar de ficar se comparando com o "rival". O que eu fiz de errado? Era a primeira vez que ele levava um fora. Quem é abandonado fica sempre numa posição inferior. Ele sentiu todos os estágios da raiva durante cinco minutos. Depois, olhou para os lados como se quisesse se certificar de que ninguém ouvia o que ele estava pensando. Apanhou o telefone com a maior naturalidade do mundo e discou:

— Por favor, a Diana está?

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51. A história continua

Os garotos se encontraram no escritório. O clima estava triste. Os computadores nem foram ligados e todos esvaziavam as suas gavetas. Maria Carolina começou colocando um panda de pelúcia, que estava em cima do computador, dentro de uma bolsa de couro.

— Todos os nossos sonhos acabaram com um simples clique — choramingou ela.

— Tudo tem seu lado bom — disse Michael, que pela primeira vez apareceu sem seu turbante amarelo. — Pelo menos, eu conheci você!

A cada comentário do jovem guru, João Pedro se enchia de fúria. Mas não queria demonstrar, em hipótese alguma, que estava sofrendo com a perda de Maria Carolina.

— E eu que pensei que iria finalmente para a Itália... — Augusto tirou seus guias de turismo de um armário para colocá-los numa caixa de papelão de uma marca de bolacha.

— É melhor esperar mesmo um pouco — contemporizou Bruno. — Assim dá tempo de eles reformarem o Coliseu e endireitarem a Torre de Pisa. Quando você chegar lá, pode ser que tudo esteja novinho em folha!

Flávia e o ex-Ikeda, agora Luciano, chegaram juntos, com um astral bem melhor que o dos garotos.

— Temos uma boa notícia pra vocês! — anunciou Luciano.

— É isso mesmo! — Flávia ajudou a aumentar o suspense.

— A notícia da prisão do Machadinho saiu na primeira página de todos os jornais — continuou Luciano.

— Tem alguma foto nossa? — perguntou Bruno.

— Não. Só a do delegado Cid — respondeu Flávia.

— E, afinal, qual é a boa notícia? — lembrou Maria Carolina.

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— Ficamos famosos da noite para o dia — voltou a falar Luciano. — E... e... e... conseguimos um patrocinador para o nosso site! Nós vamos abrir uma nova empresa para lançá-lo.

Um clima de festa tomou conta dos garotos.

— Isto quer dizer que vocês poderão terminar o que estavam fazendo. E pagaremos bem mais pelo trabalho de vocês. Se o site der certo, vocês serão nossos colaboradores fixos.

Os cinco ficaram emocionados. João Pedro abraçou Bruno, que abraçou Augusto, que abraçou Flávia, que abraçou João Pedro, que abraçou Luciano, que abraçou Bruno. Só Michael e Maria Carolina ficaram se abraçando e não se desgrudaram.

— Finalmente, vou poder comprar o meu DVD! — Maria Carolina comemorou. Abriu sua caixa, tirou lá de dentro o talismã Daruma e pintou o outro olhinho preto do boneco.

— Não poderemos usar o antigo nome — avisou Flávia. — Precisamos inventar um novo nome para o nosso site. Alguém tem alguma sugestão?

Vários nomes (e justificativas) foram disparados em poucos minutos: Playground ("é o lugar em que as crianças gostam de brincar"), Rinoceronte ("maior e melhor que um hipopótamo"), Divertido ("porque é divertido"), Zona Total ("para mostrar que o site é bem agitado") e assim por diante. Nenhum conseguia a aprovação geral. Até que...

— Tenho uma idéia! — Bruno levantou o dedo. — Que tal "Lagartixa"?

A primeira reação foi uma gargalhada geral. Depois todos vibraram e aprovaram a idéia.

— Vou agora mesmo registrar o nome do site — pediu licença Luciano. — Meu pai, como vocês sabem, é contador e vai cuidar de toda a parte burocrática para abertura da nova firma.

— Enquanto isso, nós vamos voltar ao trabalho — ordenou Flávia. — Tirem tudo da caixa agora, agora, agora. Reunião daqui a quinze minutos na minha sala.

Bruno fez uma cara de desânimo e avisou:

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— Não vou poder trabalhar por um bom tempo. Estou sem o meu monitor.

Flávia olhou para a mesa do garoto e percebeu que realmente só havia o teclado e o mouse em cima dela. Faltava o monitor.

— O que aconteceu com ele? — perguntou.

Todo feliz, Bruno assumiu o papel do Professor Buster, que apenas João Pedro teve a oportunidade de conhecer:

— O João Pedro disse que meu computador estava precisando de um descanso de tela...

— É verdade — concordou João Pedro. — Falei sim. Descanso de tela é uma imagem que você coloca no monitor quando não está usando.

— Ih! É isso? — ainda imitando o atrapalhado professor, Bruno colocou as duas mãos na cabeça. — Então, fiz besteira. Eu comprei um pacote turístico de sete dias para Porto Seguro e mandei a tela pra lá! A uma hora dessas, ela deve estar na praia, tomando uma água-de-coco e descansando bastante.

Fim

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Contracapa

Tudo começa com o site Hipopótamo, onde João Pedro, seu amigo Bruno e sua namorada Maria Carolina vivem a aventura do primeiro emprego. Mas o que parecia o emprego dos sonhos, acaba virando um pesadelo.

Algumas estranhas ameaças começam a aparecer nos computadores da polícia. É um trote ou um aviso?

Um site para adolescentes, misteriosas mensagens via internet, uma sinistra gangue chamada Tulipa Negra, um ascensorista muito curioso, uma inusitada criação de lagartixas, dois amigos meio atrapalhados e cinco jovens talentosos. Esta história vai falar disto tudo e muito mais, recheada de mistério, romance e humor.