Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al...

65

Transcript of Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al...

Page 1: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

1

Page 2: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

2

Marcelo Teixeira

A caminho do vulcãoCamino al volcán

Ilustrações / IlustracionesTerumi Moriyama

Prefácio / PrefacioUrbano Tavares Rodrigues

Page 3: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

3

A caminho do vulcão / Camino al volcánDR © 2009, Marcelo Teixeira y Terumi MoriyamaDR para esta edición © 2009Editorial La Rana del Sur y Edições Porta do Cavalo

Julio de 2009. Se tiraron 1,000 ejemplaresJulho de 2009. Edição de 1.000 exemplares

Primera edición, Cuernavaca, Morelos, México: 2009ISBN: 978-970-9792-09-6

Ilustraciones / Ilustrações: Terumi MoriyamaIlustración de portada / Ilustração da capa: Terumi MoriyamaTraducción al español: Antonio SarabiaPortada / Capa: Alejandro Aranda

Todos los derechos reservados, incluida la reproducción en cual-quier formaTodos os direitos reservados, incluindo a reprodução sob qualquer forma

Impreso y hecho en MéxicoImpresso e fabricado no México

Page 4: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

4

ConteúdoContenido

Malcolm Lowry na Lisboa de Fernando Pessoa..............5

A caminho do vulcão...........................................................7

Malcolm Lowry en la Lisboa de Fernando Pessoa........35

Camino al volcán................................................................37

Page 5: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

5

Malcolm Lowryna Lisboa

de Fernando Pessoa

A mistura de rigor e fantasia dá a esta curta nar-rativa, escrita com invulgar talento, uma originalidade envolvente, que nos leva a lê-la de um fôlego.

Marcelo Teixeira estudou previamente os acontecimen-tos marcantes do dia em que o navio britânico Stra-thaird passou por Lisboa —a feira do livro no Rossio, o interesse dos jornais e do povinho pelo aparecimento do monstro de Loch Ness, na Escócia, e outros factos

Page 6: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

6

mais anódinos— para neles reunir, nesse dia em que o escritor Malcolm Lowry esteve em Lisboa, o Álvaro de Campos, o engenheiro naval com estágio em Glasgow e o futuro autor de Debaixo do vulcão, obra-prima da lite-ratura mundial.

A longa peregrinação de Álvaro e Malcolm por bares e tabernas dessa Lisboa dos anos trinta, as considerações do primeiro sobre Portugal e o mundo, sobre a liberdade, de que o país estava privado, e até sobre o amor, quando Malcolm puxa o assunto, a identificação, já quase no fi-nal, de Álvaro de Campos e Fernando Pessoa, tudo isso é perfeito e fascinante.

Marcelo Teixeira revela uma agilidade literária e uma se-gurança no diálogo que lhe abrem caminho, se assim o desejar, a outros voos no domínio da ficção.

Este seu A caminho do vulcão é, na sua complexidade e riqueza, um texto absoluto que espero o público confir-me, tanto em Portugal como no México, onde também será divulgado e de onde é natural a subtil ilustradora, Terumi Moriyama.

Um livro que seduz e não se esquece mais.

Urbano Tavares Rodrigues

Escritor, membro da Academia de Ciências de Lisboae da Academia Brasileira de Letras

Page 7: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

7

A caminho do vulcão

Page 8: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

8

A

M. N.

Page 9: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

9

Desceu as escadas do navio. Cumpriu sem entusias-mo as formalidades da alfândega e atravessou uma pra-ça onde se perfilavam já carros americanos, camionetas transportavam barris de vinho, bacalhau seco e carnes diversas, burros puxavam, serenos, carroças de frutas e hortaliças. Aguadeiros cruzavam a rua, amoladores de facas e tesouras anunciavam a passagem, os engraxado-res aproveitavam para dormitar um pouco mais, mulhe-res equilibravam na cabeça trouxas de roupa lavada.

Ignorou o bulício que o rodeava para procurar refúgio no anonimato da cidade. Abandonou-se em bairros sombrios, ruas escondidas, becos de suspeita fé, cruzan-do-se com gente de ar humilde, rudeza de gestos e olhar furtivo, evitando a roupa que pendia das sacadas ou as crianças descalças que lhe estendiam a mão. Por vezes detinha-se à porta de uma carvoaria, comeu algo numa casa de pasto, espreitava um pátio envelhecido, mas logo seguia por uma travessa mais esconsa, espantando cães e gatos ou percebendo nos gemidos de uma janela a respiração imoderada de corpos em plena entrega.

Page 10: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

10

Agora, parara à porta de uma taberna. Levantou a ca-beça, dirigiu o olhar para o interior. Entrou. A dispersão do fumo obedecia ao remanso da voz que saía de uma remota telefonia em cima de uma barrica.

Os beijos são como as rosasTêm espinhos e perfume…

Assentando o corpo em velhos bancos de madeira, ho-mens jogavam às cartas em silêncio, cigarro ao canto dos lábios, boina elevada, limpando o suor da testa os que a sorte parecia abandonar. Noutra mesa, duas mulheres trocavam palavras, contendo o riso; uma terceira apoia-va a cabeça nos braços dobrados sobre a mesa.

Page 11: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

11

As pétalas nascem da alma…E os espinhos do ciúme…

Encostado ao balcão, um homem de maneiras polidas. Óculos redondos, laço sob o bigode curto, copo numa mão, um cigarro ardendo na outra. Ao fundo, as prate-leiras cediam aos anos, alinhando por assombro garrafas escurecidas; nas paredes, cartazes desfaziam-se abando-nados, descobrindo azulejos resistentes a longas noites de fumo e ebriedade.

Foi directo ao balcão. O cliente solitário olhou-o, incli-nou-se um pouco, respeitosamente, antes de levar o copo aos lábios. Do outro lado, ouviu-se:

—Bom dia, cavalheiro. O que vai desejar?

Hesitou na resposta, as mesmas dificuldades por que passara de manhã, não compreendera uma só palavra.

—Vino —arriscou.

O empregado ajeito o pano sobre um dos ombros, pegou num copo de vidro.

—Assim está bem, cavalheiro?

—Yes.

—O homem de bigode aproximou-se.

—Can I help you?

—Obrigado, creio que o empregado já entendeu.

Page 12: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

12

—Parece que sim… Em qualquer bar se entra para be-ber —sorriu—. É inglês?

—Sim, sou. E o senhor?

—Português.

—Ah, fala muito bem inglês.

—Estive alguns anos em Glasgow.

—Eu sou de Chestershire, no Noroeste.

Elevou o copo na direcção do português.

—Chamo-me Malcolm.

—Álvaro. Cheers!

—Cheers!

Bebeu tudo de uma vez e largou o copo com ímpeto na pedra do balcão, sobressaltando o português, calando as mulheres. Os jogadores olharam de viés, aproximou-se o taberneiro. Limpou a boca com a manga da camisa, perguntou:

—O que fazia na Escócia, senhor Álvaro? Foi visitar o habitante do Ness?

—O habitante do Ness?

—Não lê jornais? Há algumas semanas apareceu um monstro num lago. Coitados, os escoceses devem estar mortos de medo… —disse, soltando uma gargalhada.

Page 13: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

13

—Estudei Engenharia Naval.

—Ah, sim?! Vasco da Gama não deixou descendentes, senhor Álvaro?

O português não fez o mínimo esforço para sorrir. Sentiu o desconforto da chalaça, arrependia-se de ter iniciado conversa com aquele rapaz. Olhou para o dono da taber-na. Malcolm apercebeu-se do embaraço.

—Peço-lhe o favor de me desculpar se fui indelicado.

Baixou o olhar por um momento. Retomou a conversa:

—Eu sou escritor. Escrevi um romance… Foi publicado há alguns dias…

—Felicito-o sinceramente —disse Álvaro, apazigua-dor—. Como se chama?

—Malcolm, já lhe disse.

—Referia-me ao romance…

—Ah… Ultramarina… É a história de um rapaz que faz a sua primeira viagem e que tem de se afirmar no mun-do da marujada. É uma iniciação muito dolorosa, senhor Álvaro.

—Acredito que sim. Presto-lhe a minha homenagem pela sua ousadia em escrever sobre isso.

—Há alguns anos fiz uma grande viagem ao Oriente num cargueiro.

Page 14: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

14

—Isso terá ajudado a conhecer esse meio.

—Foi indispensável… Não há outra forma de entrar na-quele mundo, senhor Álvaro. Ali, o novato deve obede-cer cegamente a uma única regra: a de nunca se queixar, de nunca dar parte de fraco. Se o obrigam a limpar a co-zinha num dia que não lhe tocava, tem de fazê-lo; se o obrigam a beber para ver até onde aguenta, é abrir mais uma garrafa; se dorme no convés porque a sua cama está ocupada, que tenha bons sonhos… Sabe, senhor Álvaro, quando um barco levanta âncora e deixa um porto come-ça uma vida completamente diferente, com regras pró-prias e uma justiça… muito particular. E nada de fazer queixas ao capitão, senão ainda é pior... Resistir é a única maneira de ser aceite pelos outros.

—Vivere non est necesse…

—Velho Pompeu. Aprendi-o no porão, no meio de uma tempestade.

—O que o levou a embarcar?

Malcolm sorriu. Fixou o companheiro, encolheu os om-bros:

—O desejo de conhecer o mundo, a rebeldia da juventu-de… Sei lá...

—Entendo-o perfeitamente. São necessidades huma-nas… poeticamente legítimas.

—É verdade… Mas o mar não é para poetas, senhor Ál-varo.

Page 15: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

15

Ficaram em silêncio por momentos.

—Pode pedir-me uma aguardente, por favor?

—É para já, meu capitão —disse Álvaro, sorrindo.

Pediu duas. Ficaram em silêncio a observar o dono da ta-berna encher dois copos estreitos. Beberam um pouco.

—O que o trouxe a Lisboa, senhor Malcolm?

—Estou de passagem, a caminho de casa. Cheguei há pouco de Gibraltar. Está embarcado, senhor Álvaro?

Page 16: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

16

—Não, não… Sou correspondente comercial.

Malcolm olhou-o, inquisitivo. Álvaro atalhou a pergun-ta.

—É uma longa história —Levantou o copo—. Aos en-contros fortuitos!

O inglês imitou-o, bebeu o resto da aguardente. Fez um gesto ao homem que os olhava do outro lado do balcão e pediu outra.

—Bebe sempre assim, senhor Malcolm?

A bebida traz utilidade aos sonhos, concede destemor…

—Porque bebo, senhor Álvaro?

Comprimiu os lábios, o seu olhar entristeceu. Tirou de um bolso do casaco uma carta. Abriu-a, estendeu-a ao português juntamente com uma fotografia. Uma rapari-ga, vinte e poucos anos, cabelos compridos, sorriso em cima de um vestido de chiffon. Era bonita.

—Talvez esteja a habituar-me à solidão…

—Não devia, meu amigo. É muito novo para isso.

Álvaro devolveu-lhe a fotografia.

—Quantos anos tem, senhor Malcolm?

—Ainda é cedo para saber, meu caro. Dir-lhe-ei mais adiante.

Page 17: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

17

Mas não disse. Espalhou algumas moedas na pedra do balcão e saiu bruscamente enquanto o patrão arrumava no passeio umas mesas para o almoço.

* * *

Subiu e desceu avenidas importantes, ruas sem nome. Em todos os lugares tentou fugir da recordação, libertar-se da dor, das mágoas, deixar as feridas, os demónios, deixar Granada… Atravessou praças, percorreu jardins, sombra que não foge do passado mas de si própria. Som-bra de uma Granada devastada…

Maldita cidade, maldita pensão Carmona…

—Morra Carmona! —ouviu-se de uma das janelas.

Parou, sobressaltado. Percorreu com os olhos portas e janelas, todos os recantos, a rua emudecera. Ao fundo, um homem aproximava-se.

—Não foi em vão que brindámos aos encontros fortui-tos —disse Álvaro.

—Eu não teria tanta certeza, meu caro. Nada acontece por acaso.

—Tem razão. Digamos, então, que apenas antecipámos os festejos.

Começaram a andar em silêncio.

—Quem é Carmona, senhor Álvaro?

Page 18: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

18

—O nosso presidente. Ninguém que valha a pena conhe-cer, meu amigo.

Um cartaz numa parede tentava seduzir quem passava. Pararam.

—Já tinha visto um olhar assim?

—É medonho… Espero nunca ver este homem —dis-se Malcolm, sem retirar os olhos do cartaz—. Já viu o filme?

—Ainda não. É sonoro, na Alemanha não se fala noutra coisa.

Page 19: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

19

Continuaram. Passeavam sem urgência, descobrindo a cada instante uma proximidade aprazível. Malcolm ia observando os edifícios que ladeavam a rua. Lugares de comércio miúdo, pequenos palacetes de inspiração árabe, casas de espectáculos, teatros, bares. Uma igreja aparecia agora.

—Bonito edifício…

—É verdade, mas vai preferir este. Também acolhe as almas e o padre não é o único a beber —disse Álvaro a sorrir, enquanto a sua mão empurrava o braço do inglês na direcção de um bar.

Álvaro pediu duas bebidas. O empregado pousou os co-pos no pequeno balcão de madeira.

—O senhor é meu convidado.

—Com a condição de retribuir depois.

—Combinado... —disse, levantando o copo.

—A que brindamos, senhor Álvaro?

—À harmonia do universo?

—Parece-me bem.

—À harmonia do universo!

—À harmonia do universo!

Beberam tudo de uma vez. Malcolm ergueu o copo vazio na direcção do empregado.

Page 20: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

20

—Apesar de os tempos estarem em desarmonia —disse Álvaro.

—É verdade, meu amigo, mas em nenhuma época esti-veram completamente pacificados.

—Pois não. E estas guerras… A China e o Japão, a Bolívia e o Paraguai... Olhe, salva-se o México, que vai estabele-cer outra vez relações diplomáticas com o Peru e com a Venezuela.

—Já é um passo na harmonia do universo —disse o in-glês, a sorrir.

—Sim… E deveria servir de exemplo, senhor Malcolm.

—Então um brinde ao México.

—Ao México!

—Ao México!

Um cliente olhou-os de lado, desejou-lhes as boas-noites e saiu.

—Deixe-me oferecer-lhe mais uma bebida, senhor Ál-varo.

—Seria indelicado recusar.

Malcolm encostou-se à parede. Passou as costas da mão pelos lábios; com a outra, mostrou dois dedos ao empre-gado e pediu a bebida que dava fama à casa.

Page 21: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

21

—Que bebida maravilhosa. É uma especialidade portu-guesa?

—De Lisboa.

—Não está certo. Deveria ser nacional.

—Universal…

—Como contributo para a harmonia —disse Malcolm, a rir.

—E contribuiria bastante… —acrescentou Álvaro.

—A todas as bebidas que contribuem para a harmonia universal! —disse Malcolm, entornando um pouco de licor.

—A todas! —concordou o português.

Pousaram os copos vazios.

—Mais uma, senhor Malcolm? A última. Para o cami-nho.

—La del estribo, como dizem os mexicanos.

—Faz-nos falta um cavalo…

—Vamos ao México comprá-lo, senhor Álvaro.

Entregou um copo ao inglês.

—Vamos ao México... – insistiu Lowry.

Page 22: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

22

—Farei tudo para lá estar. Falo a sério.

—Eu também. Quando é que vamos? No próximo ano?

—Ou dentro de dois anos? Três, três anos está bem…

—Daqui a três anos lá estarei à sua espera.

—Dou-lhe a minha palavra de que tudo farei para lá es-tar. Havemos de vingar Zapata. Ao México!

—Outra vez, senhor Álvaro? A Emiliano Zapata!

—Viva Zapata!

Page 23: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

23

Esvaziaram de novo os copos.

—Em que dia nos encontramos no México?

—Ora, senhor Malcolm, qualquer dia serve para os ami-gos se encontrarem. Até o Dia dos Mortos…

—Acho que deviam ir andando —ouviu-se de forma pouco amigável do outro lado do balcão—. O barco para o México não tarda muito a sair e ainda correm o risco de o perder e de apanhar o que vai para o Aljube.

* * *

O dia arrefecera, começava a desaparecer. Caminharam de maneira vagarosa. Cruzaram a rua, passando entre alguns táxis parados à frente do Teatro Nacional. Do ou-tro lado, um ajuntamento de pessoas trazia alguma ani-mação à praça do Rossio.

—Parece ser dia de festa.

—É uma feira do livro; começou hoje.

Dezenas de pequenas barracas alinhavam-se à volta do lago. Todas expunham livros, revistas, panfletos, vasta literatura, para todos os gostos, de todos os formatos, ao alcance de qualquer aforro, anunciando instantes de far-to prazer, afiançando horas de distracção, prometendo mudar a vida. Álvaro e Malcolm misturaram-se com as pessoas que paravam, pegavam num livro, devolviam-no, avançavam alguns passos, tornavam a parar olhando nova oferta, voltavam a seguir…

Page 24: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

24

—Espero ter o prazer de um dia ver aqui o seu livro, senhor Malcolm.

—Espero ter o prazer de lho oferecer antes disso.

—Muito obrigado. Tentarei não o defraudar como leitor.

O jovem inglês observava com atenção todas as banca-das. Ensaiou a intimidade com alguns escritores, a maior parte dos nomes nada lhe dizia. Eça de Queiroz, Maurice Renard, Reinaldo Ferreira… De vez em quando, Álvaro apontava um livro, pegava noutro, contava-lhe a histó-ria, falava-lhe do autor, continuavam sem pressas.

Page 25: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

25

Anoitecera completamente. Levantaram a gola do ca-saco, atravessaram a praça, desapareceram pela Rua da Prata. Aos poucos, a cidade perdia vida.

—Por que razão escreve, senhor Malcolm?

Não respondeu imediatamente.

—Nunca pensei nisso a sério. Talvez acredite que a lite-ratura nos torna melhores.

—Pode ser, pode ser... Mas não acha que a literatura pode ser também uma forma de negar a vida?

—Porque inventa uma vida paralela?

—Finge a vida. E fingindo-a não faz mais do que negá-la…

—Mas isso aconteceria também, por exemplo, com a música.

—A música é uma interpretação da vida; a literatura é uma forma de sonharmos.

—Eu diria que reinventa a vida. E reinventando-a pode humanizar-nos…

—Não nos tornaria melhores também a pintura, senhor Malcolm? Haveria por isso menos gente a pedir nas ruas? Ou mais civilidade no vapor para o Porto se fosse instalada uma grafonola no comboio? Poderia dar-lhe mil respostas, todas diferentes umas das outras, todas inconclusivas.

Page 26: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

26

De repente, Álvaro parou, levantou o braço esquerdo, indicador esticado:

—É aquele o meu navio —disse, apontando para uma janela do primeiro andar—. Há dez anos.

Procurou umas chaves nos bolsos.

—Espere um minuto, por favor.

Malcolm viu o português desaparecer por uma porta. Retirou um pacote da algibeira, enrolou um cigarro. A rua estava deserta. Ao longe, demorado, um carro eléc-trico começava a nascer. Observou a montra de uma loja com aparente desinteresse, carimbos, placas metálicas com palavras desconhecidas, pequenas bandeiras, me-dalhas, troféus, a glória a um passo de distância. Levou o cigarro à boca, ajudava a medir a demora de Álvaro. O eléctrico aproximava-se agora, engrandecia, desper-tando ruidosamente a noite. Deu alguns passos, numa vitrina raparigas de fingimento aconselhavam a roupa desse Verão.

Mas a noite não traz apenas bons conselhos. Com ela surgem também os fantasmas que o dia esconde da me-mória, o passado encoberto em desafectos, a esperança asfixiada em surdina. Com ela regressam os passeios pela tarde nas margens do rio Genil, as metáforas reno-vadas de desejo, os murmúrios aflitos debaixo de chou-pos e salgueiros, um corpo a implorar sol.

Janine, não creias nos prenúncios de uma cigana. Não creias, meu amor… a ventura está nas caminhadas pelos labirintos

de Albaicín, nos gestos incompletos dos jardins de Alhambra, na sombra das laranjeiras, no nosso éden…

Page 27: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

27

Amaldiçoada cidade onde as bocas se perderam em ro-teiros de silêncios, na incapacidade temerosa de uma palavra.

Janine…

O som de uns passos apressados roubou-lhe a voz da memória compungida. Um grupo de soldados cruzou a rua, afirmando as sombras na luminescência das linhas dos eléctricos. Pisou o cigarro, olhou para o primeiro an-dar do edifício, as luzes estavam já caladas.

—Desculpe estes minutos, meu caro.

Álvaro estendeu-lhe a mão, tinha um livro.

—É para si. Com muito prazer.

Page 28: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

28

Malcolm aceitou o livro, pousou o olhar na capa, leu o título: English Poems.

—Agradeço-lhe, muito reconhecido. É seu amigo este Fernando Pessoa?

—Sim, há muito tempo.

Recomeçaram a andar em silêncio. Numa esquina, al-guns guardas olharam-nos, acompanharam-lhes os pas-sos. A noite emudecia no amarelo inseguro que nascia dos candeeiros.

—Este país parece estar a preparar-se para uma guerra; só se vêem militares nas ruas, senhor Álvaro…

—Há muita gente descontente, senhor Malcolm. An-teontem, o Governo comemorou cinco anos, fizeram uma grande festa no Coliseu, mas numa cidade do Norte houve confrontos. Há poucos dias explodiu um depósito de munições da Marinha. Não se sabe se foi acidente ou atentado… Há muita gente que não gosta deste Governo.

—O senhor gosta?

—Penso que temos de ser governados, é inevitável nas sociedades humanas. Um presidente ou um rei, aqui ou em Inglaterra, precisamos de um dirigente, alguém res-ponsável pela manutenção da ordem, pela aplicação das leis, alguém que proporcione bem-estar às pessoas, que lhes permita sonhar...

—Que as iluda…

Page 29: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

29

—Que as iluda, é verdade. O pior é que se acabou a liber-dade neste país, senhor Malcolm. Num país de analfabe-tos, até para editar um livro é preciso autorização.

—Faz parte do exercício do poder. E sabe que nenhum poder gosta de ser afrontado.

—É evidente que não gosta. Mas aqui deram-se ao des-pudor de o decretar, foi aprovado há pouco tempo. Pri-meiro mudaram a Constituição, depois estabelecem a censura. Não sei o que virá a seguir…

Caminhantes surgiam aos poucos de pequenas ruas late-rais. Aqui e ali, silhuetas apressadas emergiam, um pe-queno grupo, outro maior, a noite renascia.

—Acabou a sessão no antigo República. Qualquer dia é a República que se acaba…

—Não seja pessimista, meu caro… Tem saudades de ou-tros tempos?

—Não falo da Monarquia, meu amigo. Nem é o facto de esta gente ser ou não monárquica, é a sua natureza... Eu simpatizo com a Monarquia, confesso, mas garanto-lhe que isto não tem nada a ver com essa inclinação. A ver-dade é que este país retrocede, meu caro.

Malcolm tirou do bolso do colete um relógio.

—O que não retrocede é o tempo, senhor Álvaro. Tenho de ir andando, o barco não tarda a sair. Agradeço-lhe tão amável companhia. Espero poder retribuir-lha um dia.

—Foi um grato prazer, meu querido amigo.

Page 30: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

30

Apertaram calorosamente as mãos.

—Permita-me que lhe chame um táxi.

Do outro lado da rua, junto a um café, um carro aguardava.

—Hei, senhor Juca!

O taxista rodou a cabeça e saiu para abrir a porta; Mal-colm aproximou-se. De repente deteve-se, acercou-se de novo.

—Ama alguém, senhor Álvaro?

Os olhos do amigo fixaram-no.

Amo-a, Ofélia? Recordo-a para além de vê-la entrar no escritório, bom dia senhor Mário, bom dia senhor Fernando,

destapar a máquina de escrever, recolher fichas, acudir ao telefone…

A mão acariciou o bigode...

…ordenar livros, organizar arquivos, telegramas ditados, a letra miúda, as cartas perfumadas, os fins de tarde a olhar o

Tejo... O que guardo de si, Ofélia?

—Ama alguém? —insistiu.

—Não se pode viver sem amar.

—É uma bonita frase.

—É sua, use-a no próximo romance.

Page 31: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

31

—Não sabemos o que o amanhã trará…

Sorriram ambos. Malcolm entrou no táxi, acenou com a mão. Álvaro ficou a ver o carro desaparecer pela rua abaixo. A noite ficou mais escura de repente.

* * *

Um demorado rugido acordou Lisboa. Sereno, ondulan-do suavemente sobre um mar de calmaria, o Strathaird ia deixando a cidade para trás. As águas submetiam-se com facilidade à passagem do navio, das suas chaminés libertava-se um fumo que adensava as nuvens e logo enegrecia o céu.

Page 32: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

32

Na amurada do paquete, Malcolm fumava um cigarro e observava a costa que mansamente ia desaparecendo —Coberta por noite indefinível, Lisboa não era agora mais do que uma difusa mancha de casario. Tinha nas mãos o livro que o amigo lhe oferecera e, folheando-o, viu com surpresa que lhe estava dedicado.

A Malcolm,

Amante das letras e dos mistérios do mundo.Porque não se pode viver sem amar.Com o afecto sincero do seu

Fernando Pessoa

Não sabemos o que o amanhã trará… pensou Malcolm Lo-wry. E sorriu.

FIM

Page 33: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

33

Page 34: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

34

GOSTA DESTE CONTO?CONSERVE-O, DELE SE IMPRIMIRAM

APENAS 1.000 EXEMPLARES

Page 35: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

35

Malcolm Lowryen la Lisboa

de Fernando Pessoa

La combinación de rigor y fantasía confieren a este breve relato, escrito con un talento poco común, una en-volvente originalidad que nos empuja a leerlo, sin pau-sa, hasta el final.

Marcelo Teixeira estudió previamente los acontecimien-tos más importantes del día en que el navío británico Strathaird pasó por Lisboa —la feria del libro en Rossio, el interés de los diarios y del hombre de la calle por la

Page 36: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

36

aparición del monstruo de Loch Ness en Escocia, y otros sucesos más triviales— para con ellos reunir, el día en que el escritor Malcolm Lowry puso pie en Lisboa, a Ál-varo de Campos, ingeniero naval con estudios en Glas-gow, y al futuro autor de Bajo el Volcán, obra maestra de la literatura mundial.

La larga peregrinación de Álvaro y Malcolm por los ba-res y tabernas de la Lisboa de los años treinta, las con-sideraciones del primero sobre Portugal y el mundo, o sobre la libertad de la que carecía el país, y hasta sobre el amor cuando Malcolm menciona el asunto, la identifica-ción, ya casi al final, de Álvaro de Campos con Fernando Pessoa, todo es perfecto y fascinante.

Marcelo Teixeira revela una agilidad literaria y una se-guridad en los diálogos que le abren camino, si así lo deseara, a otras aventuras en el dominio de la ficción.

Este su Camino al Volcán es, por su complejidad y rique-za, un éxito absoluto como espero corroborará el público tanto en Portugal como en México, donde también será divulgado y de donde es originaria la magistral ilustra-dora Terumi Moriyama.

Un libro que seduce y que ya nunca se olvida.

Urbano Tavares Rodrigues

Escritor, miembro de la Academia de Ciencias de Lisboay de la Academia Brasileira de Letras.

Page 37: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

37

Camino al volcán

Page 38: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

38

A

M. N.

Page 39: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

39

Descendió la pasarela del barco. Se sometió con des-gano a las formalidades aduaneras y luego no se detuvo en la plaza por donde circulaban ya carros americanos, camionetas con barricas de vino, bacalao seco, y carnes diversas, mezclados con algunos burros tirando con mansa resignación carretas de frutas y hortalizas. Los aguadores recorrían la calle junto a los afiladores de cu-chillos y tijeras que se anunciaban al pasar. Los limpia-botas sin clientes aprovechaban el momento para dor-mitar un poco más, unas mujeres equilibraban sobre sus cabezas canastas de ropa lavada.

Ignoró el bullicio que le rodeaba para hundirse sin pér-dida de tiempo en el anonimato de la ciudad. Se alejó por barrios sombríos y calles apartadas de esquinas inciertas, cruzándose con gente menesterosa, arisca de gestos y mirada furtiva, sorteando ropa pendiente de barandas y niños descalzos que le tendían una mano al pasar. Se demoró ante las puertas de una carbonería, a espiar un patio ruinoso, y a desayunar cualquier cosa en un humilde figón, para luego proseguir su camino por una callejuela que le pareció aún más escondida que las

Page 40: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

40

otras, ahuyentando perros y gatos famélicos o percibien-do, tras los gemidos de una ventana, la desacompasada respiración de dos cuerpos enardecidos.

Se detuvo en el umbral de una taberna y alzó la cabeza para lanzar una mirada al interior. Entró. La disper-sión del humo se diría obedecer a un remanso de voz procedente de un aparato de radio arrinconado sobre una barrica.

Los besos son como rosastienen espina y perfume…

Sentados en viejos bancos de madera, el cigarro en la comisura de los labios, la boina levantada, varios hom-bres jugaban a la baraja en silencio. Aquellos a quienes la suerte parecía abandonar se limpiaban el sudor de la frente. Más allá dos mujeres intercambiaban palabras alegremente conteniendo la risa; una tercera apoyaba la cabeza en sus brazos doblados sobre la mesa.

Los pétalos nacen del alma…las espinas de los celos…

Un hombre de ademanes comedidos, bigote muy corto, anteojos redondos, corbata de lazo, la copa en una mano y el cigarrillo encendido en la otra, se apoyaba en la ba-rra. Del otro lado, las repisas alineaban una oscura pobla-ción de botellas resistentes al paso del tiempo. En las pa-redes se deshacían carteles añosos descubriendo azulejos inmunes a las repetidas noches de humo y ebriedad.

Fue directo a la barra. El cliente solitario lo miró y se inclinó un poco, con atento respeto, antes de llevarse la copa a los labios. Tras el mostrador escuchó:

Page 41: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

41

—Buenos días, caballero, ¿qué desea tomar?

Titubeó al responder. El mismo problema que durante su desayuno en el figón: no comprendía una sola pala-bra.

—Vino —aventuró.

El empleado se echó la servilleta al hombro y acercó una copa de vidrio.

—¿Está bien así, caballero?

—Yes.

Page 42: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

42

El hombre del bigote se aproximó.

—Can I help you?

—Muchas gracias, creo que el empleado entendió.

—Parece que sí… de todas formas a los bares se entra a beber —sonrió—. ¿Es usted inglés?

—Sí, ¿y usted?

—Portugués.

—Ah, habla muy bien el inglés.

—Estuve algunos años en Glasgow.

—Yo soy de Chestershire, al noroeste.

Levantó su copa en dirección del portugués.

—Me llamo Malcolm.

—Álvaro. ¡Salud!

—¡Salud!

Bebió todo de golpe antes de estampar su copa con estré-pito sobre la lisa piedra del mostrador, sobresaltando al portugués y callando a las mujeres. Los jugadores le mi-raron de través mientras se aproximaba el tabernero. Él se limpió la boca con la manga de la camisa y preguntó:

—¿Y que fue a hacer en Escocia, señor Álvaro? ¿Visitar al inquilino del Ness?

Page 43: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

43

—¿Al inquilino del Ness?…

—¿No lee los periódicos? Hace algunas semanas apare-ció un monstruo en el lago. Pobrecillos escoceses, deben de estar muertos de miedo… —añadió soltando una carcajada.

—Estudié ingeniería naval.

—¿Ah, sí? ¿Vasco de Gama no dejó descendientes, señor Álvaro?

El portugués no hizo el menor esfuerzo por sonreír. Le mortificaba la burla. Deploró haber iniciado la charla con aquel joven. Se volvió a mirar al dueño de la taberna. Malcolm advirtió su embarazo.

—Por favor, discúlpeme esta falta de delicadeza.

Bajó la vista un momento. Luego retomó el diálogo:

—Soy escritor. Escribí una novela… Fue publicada hace unos días…

—Lo felicito de todo corazón —dijo Álvaro, apacigua-dor—. ¿Cómo se llama?

—Malcolm, como le dije.

—Me refería a la novela…

—Ah… Ultramarina… es la historia de un joven que hace su primer viaje en barco e intenta abrirse paso en el mun-do de la marinería. Es una iniciación muy dolorosa, se-ñor Álvaro.

Page 44: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

44

—Se lo creo. Me descubro ante usted por atreverse a es-cribir sobre el tema.

—Hace varios años hice una larga travesía a Oriente a bordo de un carguero.

—Le habrá ayudado el conocer el medio.

—Fue indispensable… No hay otra forma de entrar en ese mundo, señor Álvaro. Allí, el novato debe obedecer ciegamente una única regla: la de nunca quejarse, nunca mostrar debilidad. Si le obligan a limpiar la cocina el día en que no le tocaba, tiene que hacerlo; si le empujan a beber para observar hasta qué punto aguanta, hay que abrir otra botella; si duerme en cubierta porque su cama está ocupada, que tenga buenos sueños… Sabe, señor Álvaro, cuando un barco leva anclas y deja el puerto co-mienza una vida por completo distinta, con reglas pro-pias y una justicia… muy particular. Y nada de quejarse con el capitán, puede ser peor... Resistir es la única ma-nera de que le acepten los otros.

—Vivere non est necesse…

—Viejo Pompeyo. Lo leí en la bodega, en medio de una tempestad.

—¿Y qué le llevó a embarcar?

Malcolm sonrió. Miró a su interlocutor antes de encoger-se de hombros:

—El deseo de conocer el mundo, la rebeldía juvenil… qué sé yo...

Page 45: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

45

—Lo entiendo muy bien. Son necesidades humanas… poéticamente legítimas.

—Es verdad… pero el mar no es para poetas, señor Ál-varo.

Los dos guardaron silencio un momento.

—¿Puede pedirme un aguardiente, por favor?

—Desde luego, mi capitán —respondió Álvaro, son-riendo.

Pidió dos. Hicieron una pausa mientras observaban al dueño de la taberna llenar hasta el borde dos copas es-trechas. Bebieron un sorbo.

—¿Qué le trajo a Lisboa, señor Malcolm?

—Estoy de pasaje, camino a casa. Llegué hace un rato de Gibraltar. ¿Está usted en un barco, señor Álvaro?

—No, no… Soy corresponsal comercial.

Malcolm lo miró inquisitivo. Álvaro atajó su pregunta antes de que le saliera al encuentro:

—Es una larga historia —levantó el vaso—. ¡A los en-cuentros fortuitos!

El inglés lo imitó bebiéndose el resto del aguardiente. Hizo un gesto al hombre que les observaba desde el otro lado de la barra y pidió más.

—¿Bebe así siempre, señor Malcolm?

Page 46: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

46

La bebida da substancia a los sueños, confiere valor…

—¿Por qué bebo, amigo mío?

Apretó los labios y su mirada se entristeció. De una de las bolsas del saco extrajo una carta. La abrió y se la ex-tendió al portugués junto con una fotografía. Una chica de veintitantos años, el cabello largo y la sonrisa en lo alto de un vestido de chiffon. Era bonita.

—Tal vez empiece a habituarme a la soledad…

—No debía, meu caro. Es muy joven para eso.

Álvaro devolvió la fotografía.

—¿Cuántos años tiene, señor Malcolm?

—Todavía es pronto para saberlo, amigo. Se lo diré más adelante.

Pero no lo dijo. Esparció algunas monedas sobre la pie-dra de la barra y salió abruptamente mientras el patrón sacaba unas mesas a la acera preparando la hora del al-muerzo.

* * *

Remontó y descendió avenidas importantes, calles sin nombre. En todos los lugares intentaba huir del recuer-do, librarse del dolor, de la amargura, dejar heridas y demonios, dejar Granada… Atravesó plazas, recorrió jardines, sombra que no huía del pasado sino de sí mis-ma. Sombra de una Granada devastada…

Page 47: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

47

Maldita ciudad, maldita pensión Carmona…

—¡Muera Carmona! —Oyose en una ventana.

Se detuvo sobresaltado. Exploró puertas y ventanas, ins-peccionó rincones, la calle estaba muda. Al fondo, un hombre se aproximaba.

—No fue en vano que brindáramos a los encuentros for-tuitos —dijo Álvaro.

—Yo no compartiría esa certeza, amigo mío. Nada suce-de por casualidad.

—Tiene razón. Digamos, entonces, que apenas anticipá-bamos los festejos.

Comenzaron a caminar en silencio.

—¿Quién es Carmona, señor Álvaro?

—Nuestro presidente. Nadie que valga la pena conocer, meu caro.

Un cartel fijado sobre un muro intentaba atraer a quien pasaba. Se detuvieron.

—¿Ya había visto una mirada así?

—Es horrenda… Espero nunca ver a ese hombre —dijo Malcolm sin retirar los ojos del cartel—. ¿Ya vio el fil-me?

—Todavía no. Es sonoro, en Alemania no se habla de otra cosa.

Page 48: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

48

Continuaron paseando sin urgencia, descubriendo a cada instante una proximidad apacible. Malcolm iba observando los edificios que bordeaban la calle. Locales de comercio al menudeo, pequeños palacetes de inspi-ración árabe, casas de espectáculos, teatros, bares. Una iglesia apareció frente a ellos.

—Bonito edificio…

—Es verdad, pero va a preferir éste. También acoge las almas y el sacerdote no es el único en beber —dijo Álva-ro sonriendo mientras su mano empujaba el brazo del inglés en dirección a un bar.

Page 49: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

49

Álvaro pidió dos bebidas. El empleado posó dos copas pequeñas sobre la madera del mostrador.

—El señor es mi invitado.

—Con la condición de corresponderle más tarde.

—De acuerdo... —dijo levantando la copa.

—¿Por qué brindaremos, señor Álvaro?

—¿A la armonía del universo?

—Me parece bien.

—¡A la armonía del universo!

—¡A la armonía del universo!

Bebieron todo de un trago. Malcolm, mostrando su copa vacía, hizo una nueva señal al empleado.

—A pesar de que los tiempos no están en armonía —dijo Álvaro.

—La verdad, amigo mío, es que en ninguna época estu-vieron completamente afines.

—Pues no. Y estas guerras… en China, Japón, Bolivia y Paraguay... Mire, se salva México que va otra vez a establecer relaciones diplomáticas con Perú y con Venezuela.

—Ya es un paso hacia la armonía del universo —dijo el inglés con una sonrisa.

Page 50: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

50

—Sí… y debería servir de ejemplo, señor Malcolm.

—Entonces brindemos por México.

—¡Por México!

—¡Por México!

Un cliente los miró de través, les deseó buenas noches y se fue.

—Déjeme ofrecerle una bebida más, señor Álvaro.

—Sería maleducado rehusar.

Malcolm se recostó contra la pared. Se pasó el dorso de una mano por los labios y con la otra, mostrando dos dedos al empleado, pidió la bebida que daba nombre al lugar.

—Qué bebida maravillosa. ¿Es una especialidad portu-guesa?

—De Lisboa.

—No está bien. Debería ser nacional.

—Universal…

—Como contribución a la armonía —dijo Malcolm riendo.

—Y contribuiría bastante… —agregó Álvaro.

Page 51: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

51

—¡Por todas las bebidas que contribuyen a la armonía universal! —dijo Malcolm, derramando un poco de licor.

—¡Por todas! —concordó el portugués.

Dejaron las copas vacías.

—¿Una más, señor Malcolm? La última, para el camino.

—La del estribo, como dicen los mexicanos.

—Nos haría falta un caballo…

Page 52: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

52

—Vamos a México a comprarlo, señor Álvaro.

Entregó una copa al inglés.

—Vamos a México... -insistió Lowry.

—Haré todo por ir. Hablo en serio.

—Yo también. ¿Cuándo vamos? ¿El año próximo?

—O dentro de dos años… ¿O tres? Tres años está bien…

—De aquí a tres años estaré esperándolo.

—Le doy mi palabra de que haré todo lo posible por ir. Tenemos que vengar a Zapata. ¡Por México!

—¿Otra vez, señor Álvaro? ¡Por Emiliano Zapata!

—¡Viva Zapata!

Vaciaron de nuevo sus copas.

—¿Qué día nos encontramos en México?

—Mire, señor Malcolm, para que los amigos se encuen-tren cualquier día sirve. Hasta el Día de los Muertos…

—Ya es hora de que se vayan —escucharon decir en for-ma poco amigable del otro lado de la barra—. El barco para México no tarda en salir. Corren el riesgo de per-derlo y de agarrar el que va para la cárcel de Aljube.

Page 53: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

53

* * *

La tarde refrescaba acercándose a su término. Camina-ron despacio. Al cruzar la calle pasaron entre los taxis detenidos frente al Teatro Nacional. Un poco más allá, una gran aglomeración de personas animaba la plaza de Rossio.

—Parece ser día de fiesta.

—Es una feria del libro; comenzó hoy.

Decenas de pequeños cobertizos se alineaban alrededor de la fuente. Todos exponían libros, revistas, panfletos,

Page 54: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

54

literatura para todos los gustos, de todos los formatos, al alcance de cualquier bolsillo, anunciando instantes de placer, horas de distracción, prometiendo transformar la vida. Álvaro y Malcolm se mezclaron con la gente que se detenía, tomaba un libro, lo devolvía, avanzaba unos pasos, se paraba de nuevo a mirar otra oferta, tornaba a seguir…

—Espero tener el gusto de encontrarme un día aquí con su libro, señor Malcolm.

—Espero tener el gusto de ofrecérselo antes.

—Muchas gracias. Trataré de no defraudarlo como lector.

El joven inglés observaba con atención los expendios. In-tentó reconocer algunos escritores. La mayor parte de los nombres nada le decía. Eça de Queiroz, Maurice Renard, Reinaldo Ferreira… De vez en cuando, Álvaro señalaba un libro, cogía otro, le contaba el tema, le hablaba del autor, avanzaban sin prisa.

Anocheció por completo. Se levantaron el cuello de las chaquetas, atravesaron la plaza y desaparecieron por la calle de la Plata. Poco a poco la ciudad perdía vida.

—¿Por qué razón escribe, señor Malcolm?

No respondió inmediatamente.

—Nunca pensé en eso en serio. Tal vez creo que la litera-tura nos hace mejores.

—Puede ser, puede ser... ¿Pero no considera que la litera-tura es tal vez también una forma de negar la vida?

Page 55: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

55

—¿Porque inventa una vida paralela?

—Finge la vida. Y al fingirla no hace más que negarla…

—Pero eso acontecería también, por ejemplo, con la música.

—La música es una interpretación de la vida; la literatu-ra es otra forma de soñarnos.

—Yo diría que reinventa la vida. Y reinventándola pode-mos humanizarnos…

—¿No nos haría mejores, entonces, también la pintura, señor Malcolm? ¿Habría por eso menos gente mendi-gando en las calles? ¿Sería más civilizado el vapor para Porto si se le instalara un gramófono? Podría darle mil respuestas, todas diferentes unas de otras, y ninguna se-ría concluyente.

Page 56: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

56

De repente, Álvaro se detuvo, levantó el brazo izquierdo estirándolo para señalar:

—Aquel es mi barco —dijo apuntando hacia una venta-na del primer piso—. Desde hace diez años.

Buscó unas llaves en sus bolsillos.

—Espere un minuto, por favor.

Malcolm observó al portugués desaparecer por una puerta. Sacó tabaco del bolso y se enrolló un cigarrillo. La calle estaba desierta. A lo lejos, retardado, un tranvía asomaba en la distancia. Contempló el aparador de una tienda con desinterés: matasellos, placas metálicas con palabras desconocidas, banderitas, medallas, trofeos, la gloria a un paso de distancia. Se llevó el cigarrillo a la boca, ayudaba a medir la demora de Álvaro. El tranvía se aproximaba y, al agrandarse, despertaba ruidosamen-te la noche. Dio algunos pasos. En otra vitrina unos ma-niquíes femeninos exhibían la ropa del verano.

Pero la noche no trae buenos consejos. Con ella vienen también los fantasmas que durante el día esconde la me-moria, el pasado que encubre desafectos, la esperanza asfixiada en sordina. Con ella regresan los paseos por la tarde en las márgenes del río Genil, las metáforas reno-vadas de deseo, los murmullos afligidos bajo álamos y sauces, un cuerpo implorando sol.

Janine, no creas los augurios de la gitana. No los creas, amor mío… la ventura está en las caminatas por los laberintos de Albaicín, en el aspecto incompleto de los jardines de la Al-hambra, en la sombra de los naranjos, en nuestro edén…

Page 57: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

57

Maldita ciudad donde las bocas se perdieron en derro-teros de silencios, en la temerosa incapacidad de una palabra.

Janine…

El sonido de unos pasos apresurados robó la voz a la memoria compungida. Un grupo de soldados cruzaba la calle, imponiendo sus sombras a la claridad de las líneas del tranvía. Pisó su cigarrillo y miró hacia el edificio, las luces del primer piso estaban ya apagadas.

—Disculpe estos minutos, meu caro.

Álvaro extendía el brazo con un libro en la mano.

—Es para usted. Con muchísimo gusto.

Page 58: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

58

Malcolm aceptó el libro, se detuvo a mirar la cubierta y leyó el título: English Poems.

—Se lo agradezco en verdad, muchas gracias. ¿Es amigo suyo este Fernando Pessoa?

—Sí, desde hace bastante tiempo.

Recomenzaron su paseo en silencio. Al llegar a la es-quina la mirada de unos guardas les acompañó varios pasos. La noche enmudecía en el incierto amarillo que comenzaba en los faroles.

—Este país parece estar preparando una guerra; sólo se ven militares en la calle, señor Álvaro…

—Hay un gran descontento, señor Malcolm. Anteayer, el gobierno conmemoró cinco años en el poder con una gran fiesta en el Coliseo, pero en una ciudad del Nor-te hubo enfrentamientos. Hace pocos días explotó un depósito de municiones de la Marina. No se sabe si fue accidente o atentado… A mucha gente no le gusta este gobierno.

—¿A usted le gusta?

—Creo que debemos ser gobernados, es inevitable en las sociedades humanas. Un presidente o un rey, aquí o en Inglaterra, es preciso tener un jefe responsable del man-tenimiento del orden, de la correcta aplicación de la ley, alguien que proporcione bienestar a las personas, que les permita soñar...

—Que las engañe…

Page 59: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

59

—Que las engañe, es verdad. Lo peor es que se acabó la libertad en este país, señor Malcolm. En esta nación de analfabetos hasta para editar un libro se necesita au-torización.

—Forma parte del ejercicio del poder. Se sabe que a nin-gún poder le gusta ser confrontado.

—Es evidente que no les gusta. Pero aquí cometieron la desfachatez de decretarlo. Fue autorizado hace muy poco tiempo. Primero cambiaron la Constitución, des-pués establecieron la censura. No sé lo que vendrá más tarde…

Algunos caminantes surgían poco a poco de las peque-ñas calles aledañas. De aquí y allá emergían siluetas presurosas, un pequeño grupo, otro mayor salía de un teatro.

—Acabó la función en el viejo República. Cualquier día lo que se acaba es la república…

—No sea pesimista, amigo mío… ¿Tiene nostalgia de otro tiempo?

—No hablo de la Monarquía, ni del hecho de que esta gente sea o no monárquica, está en su naturaleza... Yo simpatizo con la Monarquía, lo confieso, pero le aseguro que esto nada tiene que ver con esa inclinación. La ver-dad es que este país retrocede, meu caro.

Malcolm sacó un reloj del bolsillo del chaleco.

—Lo que no retrocede es el tiempo, señor Álvaro. Ten-go que irme, el barco no tarda en salir. Le agradezco

Page 60: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

60

tan amable compañía. Espero poder retribuírsela algu-na vez.

—Fue un gran placer, querido amigo.

Se apretaron las manos con calor.

—Permítame que le llame un taxi.

Del otro lado de la calle, ante un café, aguardaba un auto.

—¡Hey, señor Juca!

El taxista tornó la cabeza y salió para abrir la puerta. Malcolm se aproximó. De improviso se detuvo y se tor-nó hacia su amigo.

—¿Ama a alguien, señor Álvaro?

Su interlocutor lo miró con fijeza.

¿Amo a Ofelia? La miro entrar en la oficina, buenos días se-ñor Mario, buenos días señor Fernando, destapar la máquina

de escribir, acomodar tarjetas, responder el teléfono…

La mano acarició el bigote...

…ordenar libros, organizar archivos, telegramas dictados, la letra pequeña, las cartas perfumadas, los finales de la tarde

mirando el Tajo... ¿Qué atesoro de ti, Ofelia?

—¿Ama a alguien? —insistió.

—No se puede vivir sin amar.

Page 61: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

61

—Es una bonita frase.

—Es suya, úsela en su próxima novela.

—No sabemos lo que el mañana traerá…

Ambos sonrieron. Malcolm entró en el taxi despidién-dose con una señal de la mano. Álvaro miró el auto desaparecer calle abajo. La noche pareció más oscura de repente.

Page 62: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

62

* * *

Un demorado rugido despertó Lisboa. Sereno, ondu-lando suavemente sobre un mar en calma, El Strathaird dejaba tras de sí la ciudad. Las aguas se sometían con docilidad al paso del navío, sus chimeneas liberaban un humo que espesaba las nubes y ennegrecía el cielo.

Apoyado en la barandilla de cubierta, Malcolm fuma-ba un cigarrillo mientras observaba la costa desaparecer mansamente. Lisboa no era ya más que la difusa mancha del caserío cubierta por la noche indefinible. Tomó el li-bro que su amigo le había ofrecido, al ojearlo advirtió con sorpresa que estaba dedicado.

A Malcolm,

Amante de las letras y de los misterios del mundo. Porque no se puede vivir sin amar.Con el afecto sincero de

Fernando Pessoa

No sabemos lo que el mañana traerá… se dijo Malcolm Lowry, y sonrió.

FIN

Page 63: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

63

Page 64: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

64

¿LE GUSTA ESTE CUENTO QUE ES SUYO?CONSÉRVELO, SÓLO SE IMPRIMIERON

1,000 EJEMPLARES.

Page 65: Marcelo Teixeira A caminho do vulcão Camino al volcánrazonyraiz.com/wp-content/uploads/2016/04/Marcelo-Teixeira_Camino... · de que o país estava privado, e até sobre o amor,

65