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Boletim Técnico da Escola Politécnica da USP Departamento de Engenharia de Construção Civil ISSN 0103-9830 BT/PCC/352 Marco Antônio Penido de Rezende Alex Kenya Abiko São Paulo – 2004 Inovação tecnológica nas edificações e a introdução da estrutura metálica em Minas Gerais

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Boletim Técnico da Escola Politécnica da USP Departamento de Engenharia de Construção Civil

ISSN 0103-9830

BT/PCC/352

Marco Antônio Penido de Rezende Alex Kenya Abiko

São Paulo – 2004

Inovação tecnológica nas edificações e a introdução da estrutura metálica em Minas

Gerais

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Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Departamento de Engenharia de Construção Civil Boletim Técnico – Série BT/PCC Diretor: Prof. Dr. Vahan Agopyan Vice-Diretor: Prof. Dr. Ivan Gilberto Sandoval Falleiros Chefe do Departamento: Prof. Dr. Alex Kenya Abiko Suplente do Chefe do Departamento: Prof. Dr. Orestes Marraccini Gonçalves Conselho Editorial Prof. Dr. Alex Abiko Prof. Dr. Francisco Ferreira Cardoso Prof. Dr. João da Rocha Lima Jr. Prof. Dr. Orestes Marraccini Gonçalves Prof. Dr. Paulo Helene Prof. Dr. Cheng Liang Yee Coordenador Técnico Prof. Dr. Alex Abiko O Boletim Técnico é uma publicação da Escola Politécnica da USP/ Departamento de Engenharia de Construção Civil, fruto de pesquisas realizadas por docentes e pesquisadores desta Universidade. O presente trabalho é parte da tese de doutorado apresentada por Marco Antônio Penido de Rezende, sob orientação do Prof. Dr. Alex Kenya Abiko: “Inovação Tecnológica nas Edificações e a Introdução da Estrutura Metálica em Minas Gerais”, defendida em 06/08/2003.

A íntegra da tese encontra-se à disposição com o autor e na biblioteca de Engenharia Civil da Escola Politécnica/USP.

FICHA CATALOGRÁFICA

Rezende, Marco Antônio Penido de

Inovação tecnológica nas edificações e a introdução da estrutura metálica em Minas Gerais / Marco Antônio Penido de Rezende, Alex Kenya Abiko. -- São Paulo : EPUSP, 2004.

22 p. – (Boletim Técnico da Escola Politécnica da USP, Departa- mento de Engenharia de Construção Civil ; BT/PCC/352)

1. Inovações tecnológicas 2. Construção civil 3. Estruturas metá- licas I. Abiko, Alex Kenya II. Universidade de São Paulo. Escola Politécnica. Departamento de Engenharia de Construção Civil III. Título IV. Série ISSN 0103-9830 CDU 6 69 624.014

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INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NAS EDIFICAÇÕES E A INTRODUÇÃO DA ESTRUTURA METÁLICA EM MINAS GERAIS

Marco Antônio Penido de Resende

Alex Kenya Abiko

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi sistematizar e analisar os fatores determinantes da inovação na tecnologia da construção das edificações brasileiras. A sua particularidade se encontra em dois aspectos principais. Em primeiro lugar utiliza, de forma inédita em um trabalho brasileiro, a teoria Neo-Schumpeteriana e a teoria dos Produtos e Sistemas Complexos na análise do processo de inovação das edificações. Em segundo lugar sua pesquisa emp~irica se faz sobre uma das mais abrangentes inovações do setor ocorridas nas últimas décadas, a estrutura metálica soldada, que ainda não havia sido estudada sob o ponto de vista do seu processo de inovação.

O resultado final leva ao estabelecimento de 16 fatores como os mais importantes no processo de inovação além de uma proposta para o estabelecimento do ciclo de vida do produto edificação e da análise do papel dos agentes da cadeia produtiva mais imediata no processo de inovação.

INNOVATION IN BUILDING´S TECHNOLOGY AND THE INTRODUCTION OF STEEL STRUCTURE IN THE STATE OF MINAS GERAIS, BRAZIL

ABSTRACT

This paper aims at systematizing and analyzing factors that determine the technological innovation in Brazil’s construction of buildings. The paper peculiarity lies in two main features. To begin with, it utilizes the Neo-Schumpeterian Theory and Complex Products and System Theory to analyze the innovation process for buildings for the first time. Secondly, its empirical research covers one of the more comprehensive innovations that happened during the last decades, i.e., the welded steel structure. It had not yet been studied from the innovation viewpoint.

The final result leads to the identification of the sixteen most important factors of the innovation process besides a proposal to set the life cycle of the building product and the analysis of the role of production chain agents closer to the innovation process.

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1. INTRODUÇÃO

Esse boletim se baseia na tese de doutorado de mesmo nome defendida no PCC-POLI-USP. Nesse trabalho de síntese procurou-se mostrar todos os aspectos abordados no trabalho. Entretanto alguns deles – considerados menos significativos – foram suprimidos ou muito sintetizados em detrimento de outros. Foi o caso da revisão da literatura sobre inovação nas edificações e da apresentação das teorias sobre inovação.

Renovo aqui todos os agradecimentos feitos na tese aos professores e funcionários do PCC, aos membros da banca, aos colegas de universidade e de curso, e a família.

1.1 Objetivo

Estabelecer os fatores determinantes da inovação na tecnologia construtiva das edificações brasileiras.

1.1.1 Objetivos específicos

• Definir “inovação na tecnologia construtiva das edificações”;

• Sintetizar o pensamento Neo-Schumpeteriano com relação à inovação tecnológica;

• Sintetizar a Teoria de Produtos e Sistemas Complexos com relação à inovação tecnológica e aos modelos propostos para o processo de inovação;

• Sintetizar e utilizar a teoria de Rogers (1995) com relação à forma de difusão das inovações;

• Levantar, sistematizar e analisar à luz da teoria Neo-Schumpeteriana os estudos já elaborados sobre inovação tecnológica nas edificações brasileiras e os relacionados a ela, buscando estabelecer os aspectos mais importantes desse processo;

• Analisar os modelos para inovação tecnológica existentes, estudar sua aplicabilidade à construção de edificações e propor mudanças nos modelos existentes ou apresentar modelos alternativos que representem a inovação no setor, particularmente utilizando a Teoria de Produtos e Sistemas Complexos;

• Utilizar a teoria e modelos desenvolvidos para analisar a introdução e a difusão da estrutura metálica nas edificações do Estado de Minas Gerais, Brasil, verificando sua eficácia e a possibilidade de transformações nos mesmos. Além disso, identificar durante tal análise, aspectos particulares desse processo de inovação.

1.2. Método

Como marco teórico o trabalho utiliza três teorias distintas e complementares. A teoria Neo-Schumpeteriana, a teoria dos Produtos e Sistemas Complexos e a teoria de difusão de inovações de Rogers (1995). A confrontação do marco teórico com a literatura sobre o tema permitiram o estabelecimento de hipóteses, que por sua vez, exigiram a elaboração de uma pesquisa de campo para o seu aprofundamento. Por sua originalidade e abrangência a pesquisa escolhida foi a introdução da estrutura metálica soldada em Minas Gerais.

Essa pesquisa envolvia a complexidade e a necessidade de pesquisa qualitativa típicas dos estudos de caso. Entretanto, apresentava duas particularidades que, de certa forma, a retiravam do contexto específico de um estudo de caso. Em primeiro lugar, seu universo de pesquisa não é uma empresa ou um processo particular mas sim, todo o Estado de Minas. Esse aspecto em si não deixaria de conformar a pesquisa como um estudo de caso, até mesmo um país pode ser o universo de um estudo de caso. O que tira esta pesquisa do contexto

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exclusivo do estudo de caso é a necessidade de um cuidadoso levantamento quantitativo – nos moldes típicos de uma pesquisa de “survey” – para o estudo da difusão do produto.

Embora acreditemos, como Yin (1984), que não há incoerência entre o estudo de caso e a utilização de dados quantitativos, a dimensão e a importância da pesquisa quantitativa dentro do contexto desta pesquisa exigem uma abordagem particular - uma abordagem que aliás não é nova, pois as pesquisas sobre inovação freqüentemente têm de utilizar tanto dados qualitativos quanto quantitativos (FREEMAN & SOETE, 1997; BARROS & CRUZ, 1978). Portanto, essas duas características diversas (necessidades de dados quantitativos e qualitativos) não constituíram um problema mas sim, um ganho de qualidade para o desenvolvimento do trabalho, pois, dessa forma, pôde-se dispor de dados qualitativos e quantitativos com relação à questão em estudo.

Do ponto de vista qualitativo, o método para a pesquisa baseia-se em Yin (1984). Estabelecida a estrutura geral da pesquisa, era necessário determinar as formas e os levantamentos a serem feitos. Foram utilizados basicamente dois tipos de fontes: entrevistas com pessoas chave envolvidas no processo e registros existentes nas empresas, associações e instituições

Do ponto de vista quantitativo, o estudo da difusão de um determinado produto é o estudo de como está se dando o aumento (ou diminuição) de sua utilização ao longo do tempo (ROGERS, 1995). Como comentam Barros e Cruz (1978) é fundamental a mensuração desse processo para que ele possa ser estudado quantitativamente. O produto, neste caso, é a estrutura metálica (soldada). Para quantificar a sua utilização foram utilizados a área total das edificações construídas em estrutura metálica por ano, o número total de obras e a quantidade de empresas que utilizaram a estrutura.

A fonte para esse levantamento quantitativo foram as próprias empresas de construções metálicas. Buscaram-se informações em todas as empresas de construções metálicas do Estado associadas à Associação Brasileira da Construção Metálica - ABCEM e à Associação Mineira da Construção Metálica - AMICEM, ou naquelas que, desde meados dos anos 70, vêm efetuando compras destinadas a construções metálicas junto a siderúrgicas (ou distribuidores) ou, ainda, naquelas citadas nas entrevistas qualitativas.

2. Hipóteses

2.1. A teoria Neo-Schumpeteriana e o processo de inovação

A teoria Neo-Schumpeteriana permite uma nova compreensão do processo de inovação nas edificações . Essa compreensão permite superar a dicotomia usualmente apresentada entre a tecnologia ou o mercado e a economia como os fatores preponderantes no processo de inovação que perpassa a maioria dos trabalhos desenvolvidos sobre o tema. Com esse conceito a tecnologia ganha um desenvolvimento e autonomia próprios, mas sem desconhecer os vínculos com a economia, a sociedade e o mercado. Dessa maneira, ao invés de se considerar apenas isoladamente cada um dos fatores, é possível compreender melhor a interação entre eles e também o próprio processo de inovação.

Sob o ponto de vista da construção civil, não se trata de negar todas as questões e especificidades do subsetor discutidas anteriormente mas sim, de acrescentar a elas a tecnologia. Ou seja, o grau de desenvolvimento tecnológico e sua trajetória passam a ser tão importantes na análise da inovação quanto as formas de acumulação de capital, a organização da mão-de-obra ou outras características do subsetor.

Tomemos, a título de exemplo, a análise das diversas tentativas de mudanças mais amplas no processo de construção de edificações ocorridas no Brasil nas últimas décadas. Segundo a visão até então vigente, elas fracassaram sobretudo devido a problemas socioeconômicos e às inter-relações características do subsetor. O que está se propondo é que o limite do

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desenvolvimento tecnológico também foi um fator ligado ao fracasso dessas tentativas. Em outras palavras, elas não fracassaram somente por causa da especificidade do processo construtivo das edificações em si, da questão fundiária, das mudanças econômicas ou de qualquer outro fator levantado anteriormente, mas também porque as tecnologias utilizadas não estavam evoluídas o suficiente. E, quando se diz isto, o que se quer destacar não são os problemas técnicos; mas o fato de que nenhuma das tecnologias estava evoluída o bastante para apresentar uma diminuição de custos ou um aumento de qualidade suficientes para levarem à difusão dessas tecnologias.

Com base em uma análise crítica da bibliografia, em contatos com empresários e na própria vivência do autor como construtor, propõem-se 17 fatores como primordiais para a inovação na tecnologia construtiva das edificações brasileiras. Esses fatores são apresentados a seguir.

1. Mudanças no produto edificação - as inter-relações da tecnologia construtiva com o seu produto, a edificação, se dão de forma tão intensa e recíproca, que às vezes se torna difícil saber se a inovação começou pelas novidades na edificação ou na tecnologia construtiva. No capítulo 2, foi comentado inclusive como as inovações na tecnologia construtiva e no produto edificação eram geradas até no século XIX dentro de um mesmo universo de conhecimentos. Nesse mesmo capítulo foi ressaltado também como a partir daquele mesmo século, o conhecimento sobre o edificar foi dividido em duas grandes áreas do saber - correspondentes, hoje, a aproximadamente as áreas dos projetos e concepções arquitetônicos e da tecnologia construtiva - tendo cada uma desde então uma certa autonomia em relação à outra. Entretanto essa divisão não impede que mesmo hoje continue havendo uma grande inter-relação entre as duas, advinda inclusive da questão básica da grande vinculação entre o produto - neste caso a edificação - e o seu processo de produção, neste caso, a tecnologia construtiva. Evidentemente nem todas as mudanças no produto edificação irão gerar mudanças na tecnologia construtiva. Mas um dos elementos importantes da inovação na tecnologia construtiva são as transformações que ocorrem no produto edificação ao longo do tempo.

2. NECESSIDADES DOS CLIENTES / USUÁRIOS

Os clientes ou usuários podem ter novas solicitações em relação à execução das obras, como por exemplo a exigência de um prazo mais curto ou um menor impacto ambiental. Essas solicitações podem levar a mudanças na tecnologia construtiva. É importante lembrar que se trata, nesse caso, de necessidades em relação à tecnologia construtiva e não, ao produto em si. No caso de necessidades em relação ao produto, a influência será sobre o produto e depois, em alguns casos, indiretamente sobre a tecnologia construtiva, como foi visto no item anterior: “Mudanças no produto edificação”.

Por outro lado, a própria construtora pode ser vista aqui também como uma usuária da tecnologia construtiva, gerando também necessidades não satisfeitas, como por exemplo necessidade de componentes com maior facilidade de armazenamento ou transporte.

3. Paradigma tecnológico – representa o limite tecnológico vigente, dentro do qual a tecnologia construtiva irá se desenvolver (DOSSI, 1988). Mudanças no paradigma tecnológico poderão permitir mudanças mais radicais na tecnologia construtiva.

4. Situação econômica – embora também influenciem boa parte dos demais fatores citados, os fatores econômicos têm uma influência direta sobre a tecnologia construtiva. Eles podem levar à adoção ou ao abandono de inovações tecnológicas, na medida em que interferem

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diretamente no custo da mão-de-obra e dos demais insumos e na própria demanda do subsetor.

Dentre os aspectos econômicos, cabe destacar a política econômica adotada pelo governo. Kandir (1983) vê nela, um do motivos da instabilidade do mercado habitacional. Ao mesmo tempo, existem alguns aspectos mais evidentes de sua influência como a facilidade ou não na importação de produtos e o preço da moeda local em relação ao dólar que podem ser decisivos na viabilização da introdução de novos produtos, equipamentos e/ou tecnologias.

Retornando à questão mais ampla da economia como um todo, a crise econômica dos anos 80, ao provocar a busca por menores custos, e a estabilização da moeda (fim da inflação elevada), ao valorizar os ganhos com as atividades produtivas em relação às financeiras, favoreceram a introdução de melhorias na tecnologia construtiva.

5. Novas formas organizacionais – novas formas de estruturar e organizar a produção já são, em si, uma mudança na tecnologia construt iva. Além de permitir maior eficiência, diminuição de custos e/ou aumento de qualidade, podem levar a mudanças em vários outros aspectos da tecnologia. Por outro lado, novas formas de construir podem exigir novas formas organizacionais.

6. Novos materiais, componentes e insumos – essa tem sido uma das maiores origens de mudanças na tecnologia construtiva. Os produtos que chegam ao canteiro de obras são, cada vez mais, industrializados. A história de desenvolvimento do setor é a história da substituição de produtos mais artesanais e trabalhados no próprio canteiro por produtos cada vez mais industrializados (LEMOS, 1989; FARAH, 1996). A introdução do cimento, assim com a dos materiais plásticos e, mais recentemente, das paredes em gesso acartonado são exemplos desse tipo de modificação que, na maior parte das vezes, não significa – ou não deveria significar – a simples introdução de um novo material mas sim, a adoção de técnicas e materiais compatíveis com essa inovação.

O tipo de produto irá determinar o tipo de processo de inovação a ser adotado. Dessa forma, há desde produtos que têm um processo de inovação muito semelhante ao dos demais produtos industrializados e que são voltados – além das construtoras – para o cliente final, como no caso das cerâmicas ou das tintas, até produtos mais parecidos com um típico Produto Complexo (PoSCo), como no caso dos elevadores ou das paredes de gesso acartonado.

Nas próximas seções, essa questão será retomada e mais discutida.

7. Mão-de-obra – as características da mão-de-obra influenciam todo o processo de inovação tecnológica – por exemplo, a falta de trabalhadores na Europa do pós-guerra influenciou decisivamente a opção pelas construções industrializadas. Modificações em suas características podem ser decisivas para mudanças na tecnologia a ser utilizada. Ao mesmo tempo, determinados tipos de inovações só se tornam possíveis se há modificações em suas características.

A liberdade política de organização, a legislação trabalhista e a formação educacional e cultural exercem influência direta sobre a mão-de-obra.

Merece destaque também a grande segmentação entre a mão-de-obra operacional (oficiais e ajudantes) e a gerencial (engenheiros), as quais apresentam características bem diferenciadas.

8. Novas ferramentas, equipamentos e máquinas – a introdução de novos equipamentos pode provocar mudanças incrementais ou mesmo mais radicais, dependendo do tipo de equipamento introduzido.

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No Brasil, as betoneiras e as serras elétricas podem ser citadas como exemplos de equipamentos que, por diminuírem custos e permitirem um aumento de qualidade, se tornaram obrigatórios até mesmo em pequenas obras.

Com relação a esse fator, vale a pena lembrar ainda a existência e utilização das empresas de aluguel de equipamentos, as quais têm um lógica de atuação distinta da de empresas que adquirem equipamentos para o aumento de sua capacidade produtiva.

9. Perspectivas de lucro – vários autores (MANSFIELD, 1965; DOSI, 1988; FREEMAN & SOETE, 1997) citam a perspectiva de lucro como um fator decisivo no processo de inovação. De fato, a possibilidade de maiores lucros com a inovação – seja através da diminuição dos custos, ou seja através da obtenção de uma melhor qualidade ou, ainda, do aumento as vendas – tem-se mostrado como fator primordial ao longo da história das mais importantes inovações (UTERBACK, 1996; FREEMAN & SOETE, 1997). A construção de edificações não é uma exceção.

Durante muitos anos, os ganhos maiores com a comercialização do produto e a vinculação com a terra urbana foram citados como causas de um suposto desinteresse do setor pela inovação. Ball (1988) e a própria história de desenvolvimento do setor (FARAH, 1996) demonstram como essas visões são unilaterais.

Entretanto não se trata aqui de retomar esse debate. O objetivo é apresentar os principais fatores do processo de inovação e suas características. A perspectiva de lucros é um fator importante pois, a princípio, quanto maior a possibilidade de lucros, maior a possibilidade de sucesso da inovação. Diz-se “a princípio” porque, no processo de inovação, todos esses fatores que estão sendo estudados atuam ao mesmo tempo, sendo portanto impossível vincular o processo a um só deles. Por exemplo, uma inovação com perspectivas de bons lucros mas que apresente alto custo de implantação ou exija mão-de-obra especial pode ter um processo mais lento que o de outra com perspectivas de menores lucros mas que não demande modificações na mão-de-obra.

10. Concorrência / vantagem competitiva – a possibilidade de se ampliar o mercado de atuação na medida em se que oferecem produtos com qualidade diferenciada (ou custos menores ) é também um aspecto significativo no processo de inovação. Se, para os primeiros inovadores, a busca de uma vantagem competitiva pode ser o fator decisivo, para os mais tradicionais, esse mesmo fator pode ser o receio de ser ultrapassado pela concorrência. Dessa forma, a necessidade de “ganhar” – ou, pelo menos, não perder – clientes leva as empresas a inovar.

11. Problemas ou melhorias nas tecnologias existentes – problemas nas tecnologias existentes podem levar ao aperfeiçoamento das mesmas ou até ao surgimento de novos insumos (produtos para construção). Podem ainda ser feitas modificações visando à melhoria de performance da tecnologia existente. Esses tipos de modificações são em geral criadas pelas próprias construtoras.

12. Mediadores da inovação – Winch (1998) trouxe para o processo de inovação na construção o conceito de “mediadores da inovação” (“innovation brockers”). Esses agentes atuariam no processo de inovação, no sentido de criarem um “campo neutro” onde os novos produtos poderiam ser analisados e discutidos com uma certa neutralidade em relação aos fornecedores e demais agentes nele envolvidos. Por esse motivo, teriam a vantagem de serem aceitos por todos os demais agentes da cadeia produtiva como dignos de confiança, tornando-se assim um elo importante no processo de inovação. O papel de “medidores da inovação” é em geral desempenhado por institutos de pesquisa ou universidades, com financiamento governamental ou privado. No Brasil, um exemplo desse tipo de agente seria o Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo -IPT.

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13. Trajetória tecnológica – a trajetória tecnológica (NELSON & WINTER,1982), ou seja, o tipo de tecnologia utilizada pelo subsetor, as razões dessa opção e as rotinas decisórias e de produção criadas a partir dessas opções influenciam nas novas opções e na criação das tecnologias das empresas do subsetor.

A partir de seu próprio conceito percebe-se que a trajetória tecnológica sofre grande influência da cultura empresarial e local e da estrutura social. Portanto, a influência da cultura e da sociedade está sendo considerada atuando não de forma direta sobre a tecnologia construtiva mas sim, de forma indireta, como por exemplo sobre a trajetória tecnológica.

14. Normas / legislação – as normas e legislação podem facilitar o processo de inovação tanto ao apresentarem novas necessidades a serem satisfeitas, quanto ao se basearem mais nos resultados a serem obtidos das construções (avaliação de desempenho) do que nas características dos materiais e componentes utilizados.

Normas e legislação que se prendam demasiadamente às características dos produtos existentes ou que se preocupem em descrever mais as características dos produtos a serem utilizados do que o desempenho necessário tendem a dificultar o processo de inovação1.

15. Associações de classe – as associações de classe atuam como importantes divulgadores de novas tecnologias e também como local para troca de informação entre os profissionais. A importância que podem ter depende muito da articulação que se estabelece em torno da inovação.

16. Custo para implantação da inovação – o custo para implantação exerce uma influência no sentido inversamente proporcional para a introdução da inovação. Em geral, quanto maior o custo da nova tecnologia, maior a dificuldade para sua de introdução.

17. Ação governamental – no capítulo três foram comentados quatro tipos de ações principais do governo em relação às inovações tecnológicas em geral: 1) no financiamento de pesquisas; 2) no preparo de mão-de-obra qualificada; 3) nas diversas questões relativas à normalização e regulamentação, sobretudo nas voltadas à proteção do consumidor e do meio ambiente; 4) enquanto importante consumidor/comprador de inovações. No caso brasileiro percebe-se que a ação governamental é importante e deve ser considerada pois, retomando cada um desses tipos de ações temos: 1) do ponto de vista da pesquisa, o governo além de financiar, por meio das agências específicas várias pesquisas na área, mantém alguns dos principais institutos de pesquisa como o Departamento de Engenharia de Construção Civil da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, o IPT, e o Núcleo Orientado à Inovação da Edificação – NORIE da UFRGS; 2) em relação a preparação da mão-de-obra qualificada também há uma atuação significativa por meio das Universidades Públicas Federais e Estaduais, não só na graduação como também por meio da pós-graduação; 3) a importância das normas e regulamentações no processo de inovação tecnológica das edificações já foi vista em outra seção. Cabe aqui destacar a importância da ação governamental no estabelecimento de várias dessas normas como o novo código do consumidor, ou as várias legislações municipais sobre as características das habitações; 4) finalmente com relação a utilização do poder de compra do governo, cabe destacar a importância de programas como o QUALIHAB da CDHU-SP.

Além dessas atuações ainda pode haver um tipo de ação mais direta do governo conjugando uma política de financiamento com uma de desenvolvimento tecnológico como aconteceu na Europa do pós-guerra mais genérica, ou incentivando algum tipo de opção tecnológica mais 1 A questão das relações entre normalização e inovação é complexa, e não se pretende esgotar o seu debate aqui. A tendência atual parece ser não só buscar normas mais baseadas no desempenho, como elaborar normas específicas para as novas tecnologias. Ver CIB. Working with performance approach in building . Roterdam: CIB., 1982.. e CIB. Importance of technical approval in civil contruction. Roterdam: CIB,1994

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específica como por exemplo o uso de estruturas de aço, ou de materiais com menor impacto sobre o meio-ambiente.

2.2. Os Produtos e Sistemas Complexos e a Cadeia Produtiva Imediata

Utilizando-se da Teoria dos Produtos e Sistemas Complexos (PoSCo) Winch (1998,2000) propõe um modelo para o processo de inovação na construção de edificações. Nesse modelo o foco não é o desenvolvimento da tecnologia construtiva como se fez na análise anterior mas a atuação dos diversos agentes envolvidos com a produção das edificações. Analisando criticamente o modelo proposto por Winch e adaptando-o à situação brasileira propõe-se um modelo que poderia ser muito bem ser chamado de “PoSCo Imperfeito”. Nele, diferentemente de um típico PoSCo, o mercado estaria presente como um importante fator de intercâmbio entre os clientes, fornecedores e construtoras. Outra diferença em relação à proposta de Winch (1998,2000) é o acréscimo de dois agentes: os financiadores na superestrutura da inovação e a mão-de-obra na infra-estrutura da inovação.

FIGURA 1 – Agentes e forças atuantes no processo de inovação das edificações

brasileiras com representação dos incorporadores

FONTE: REZENDE, 2003, p. 141

Como superestrutura da inovação têm-se os clientes/usuários, os regulamentos, os financiadores e os mediadores da inovação (“innovation brokers”).

Como infra-estrutura da inovação, têm-se os fornecedores, os fornecedores especiais, os especialistas e a mão-de-obra.

Clientes/ usuários Normas / legislação

Mediadores da inovação

CONSTRUTORAS / PROJETISTAS

Fornecedores Fornecedores especiais

Mão-de-obra

Financiadores

Superestrutura da inovação

“Integr

Especialistas

Mercado

Infra – estrutura da inovação

Incorporadores

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A compreensão de quem são esses agentes é a usualmente utilizada e portanto nesta síntese se optará por omiti- las, a exceção dos mediadores da inovação e dos fornecedores especiais.

Os “mediadores da inovação” (“innovation brokers”) são associações, empresas e instituições que, embora não tenham uma ligação direta com os fabricantes ou outros agentes do processo, possuem, no mesmo tempo, de recursos humanos e infra-estrutura com capacidade para testar novos produtos, exercendo um papel de certa “neutralidade” dentro do processo de inovação. Tanto para usuários quanto para construtoras, projetistas e até mesmo fornecedores de materiais e produtos, os mediadores da inovação passam a ser importantes como agentes confiáveis na divulgação e teste de novos produtos. No caso do Brasil, institutos como o IPT e centros de pesquisas como os existentes no PCC-POLI-USP e no NORIE da UFRGS exercem esse papel.

Os fornecedores especiais congregam todos os fornecedores ligados ao que se convencionou chamar de “projetos complementares” da edificação, tais como elevadores, sistemas de ventilação, sistemas de iluminação, sistemas de segurança, sistemas para “edifícios inteligentes” etc. Nesse caso, a relação aproxima-se de um típico PoSCo. O contato da construtora é direto com os fornecedores, e os produtos podem sofrer modificações de acordo com as exigências e necessidades da construtora.

Como integradoras do sistema têm-se as construtoras e as empresas de projetos. Completando como pano de fundo todo o diagrama e permeando todos esses agentes estão o próprio desenvolvimento econômico e o paradigma tecnológico, ambientes nos quais todo o processo de inovação está “imerso” e que têm influência decisiva sobre ele.

Finalmente, vale lembrar ainda as situações em que a incorporação não esteja acontecendo por meio da construtora. Nesses casos, tem-se um outro agente, o incorporador, com atuação direta entre os clientes, os financiadores e as construtoras como ilustra a Fig. 1. Nesses casos os incorporadores podem ter influência decisiva sobre o tipo de tecnologia e produtos a serem utilizados. Por isso tem importante papel no processo de inovação.

2.3. Ciclo de Vida

Ao se analisar como um novo produto edificação foi se formando ao longo do tempo, percebe-se que a tecnologia construtiva evoluiu de maneira muito associada à criação do novo produto. Dessa forma, as pesquisas em busca de um novo produto praticamente se confundem com o estabelecimento ou retomada de novas tecnologias construtivas. Esse aspecto está presente em todos os estilos arquitetônicos, mas aparece de maneira exemplar na arquitetura clássica ou gótica. Nesse sentido, a maior parte das inovações de processo se faz junto com o estabelecimento do novo produto.

É possível, assim, propor um ciclo de vida para o produto edificação que inclua não só as inovações de produto como também as de processo. Um ciclo que inclua a evolução da tecnologia construtiva e do design. A evolução far-se-ia em três fases (Fig. 2):

a) Fase de transformação

É a etapa onde começam a acontecer mudanças que vão progressivamente se acelerando: de pequenas e localizadas passam a se fazer de forma cada vez mais ampla (tanto em termos de design como de tecnologia). Buscam-se formas cada vez mais diferenciadas do estilo dominante. Em geral é nessa fase que surgem também novas tecnologias e componentes, os quais vão sendo gradualmente incorporados às edificações.

b) Nascimento do novo produto

Aos poucos começa a haver soluções de design e tecnologia que se sobressaem em relação às demais. Essas soluções começam a ser cada vez mais utilizadas e “repetidas”, sendo possível definir características comuns a todas as edificações elaboradas a partir de então. Surge o que

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os especialistas da história da arquitetura denominam um “novo estilo” e que é um novo produto edificação. Tem-se assim uma padronização tanto do design quanto da tecno logia construtiva utilizada.

FIGURA 2 – Inovações no produto edificações ao longo do tempo

FONTE: REZENDE, 2003, p. 143.

c) Consolidação do novo produto

Nessa fase o novo produto (= estilo) torna-se completamente “dominante”. Quase todas as construções utilizam as suas soluções tecnológicas e elementos de design. As mudanças acontecem mais nos detalhes do que na concepção global. Do ponto de vista tecnológico, busca-se mais o aperfeiçoamento das tecnologias já utilizadas do que a introdução de novas tecnologias.

Mas as mudanças e modificações não param,. e assim, aos poucos dá-se início a uma nova fase de transformação.

3. INTRODUÇÃO DA ESTRUTURA METÁLICA SOLDADA EM MINAS GERAIS

A análise da introdução da estrutura metálica soldada em Minas Gerais permite uma divisão em dois períodos distintos. No primeiro período compreendido fundamentalmente pela década de 80, onde há praticamente a atuação de somente duas empresas, com a preponderância de uma delas e o início da difusão do produto e a década de 90 onde essa difusão se amplia.

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Consolidação

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Entre os fatores internos importantes para o pioneirismo da primeira empresa a utilizar a estrutura metálica soldada no Estado destacam-se a motivação da equipe, a busca de mercado, o desenvolvimento tecnológico e a preparação da mão-de-obra. Entre os fatores externos destacam-se a criação da AÇOMINAS, a atuação da USIMINAS e demais siderúrgicas. A grande importância da motivação interna à empresa para a introdução da estrutura metálica levou a consideração desse fator como uma das características importantes no processo de inovação.

Ao longo dos anos 80 vão se fazer várias mudanças que contribuirão de maneira importante para a maior difusão nos anos 90. Entre elas destacam-se: a) as mudanças nos cursos de engenharia e arquitetura incluindo disciplinas relacionadas ao cálculo e utilização da estrutura metálica; b) a atuação das associações de classe, sobretudo da Associa ABCEM e do marketing associado das siderúrgicas; c) publicação de diversas obras sobre o tema de construções metálicas e divulgação das obras executadas; d) a revisão das normas para cálculo e construção de estruturas metálicas.

3.1. Aspectos quantitativos da difusão

Como foi comentado na metodologia, a difusão do uso da estrutura metálica foi avaliada, ano a ano, segundo quatro parâmetros complementares: área construída, número de obras executadas e número de empresas atuantes.

Para uma análise desse processo, torna-se necessária a sua comparação com outros trabalhos sobre inovação. Em um trabalho sobre a difusão tecnológica nas indústrias de calçados e têxtil, Cruz e Barros (1978) utilizaram para análise o modelo proposto por Mansfield 2. Esse modelo baseia-se na lucratividade advinda da inovação e nos custos (investimento) para introduzi- la. Nesta pesquisa, infelizmente não foi possível obter esses dados.

Entretanto, a curva resultante do modelo de Mansfield é a mesma proposta por Rogers (1995), quando faz um estudo mais genérico sobre os processos de difusão das inovações, não tanto do ponto de vista econômico, como Mansfield, mas sob uma ótica sociológica e cultural. Segundo Rogers (1995), várias pesquisas sobre o processo de difusão têm encontrado essa mesma curva, o que permite tomá-la como uma curva padrão para o processo de difusão das inovações. Trata-se da chamada curva “S”, assim denominada por causa da forma aproximada de “S” (ver Fig.3). A curva “S” mostra o número acumulado de unidades que adotaram a inovação ao longo do tempo. Segundo Rogers (1995), há um período crítico nessa curva 3, relacionado ao início do aumento da utilização da inovação, quando entre 10 a 25% das unidades do sistema começam a adotá- la. Rogers (1995) chama esse intervalo de “decolagem” (“take off”) da inovação.

Rogers (1995) comenta ainda que uma dificuldade na utilização dessa teoria acontece quando a difusão da inovação não atinge 100% de uso, ou seja, o total da população. Essa é a situação da estrutura metálica, já que em nenhum país do mundo ela atingiu sequer metade do número total de edificações (50% de uso). Nesses casos, o autor recomenda que se levem em consideração os demais produtos ou idéias que, juntos, compõem o total da população. A questão passa a ser que porcentagem do número total de edificações poder-se- ia considerar como um máximo possível para a estrutura metálica (1/3 como nos EUA? Uma porcentagem menor, como na França?). Fica difícil determinar, a priori, esse número. Mas é exatamente por esse motivo que a teoria desenvolvida por Rogers (1995) se torna interessante. A partir dela poder-se-ão fazer considerações a respeito do processo de difusão com base em sua própria evolução, sem que seja necessário definir, antecipadamente, a porcentagem máxima a

2 MANSFIELD. “Technical change and the rate of imitation”. Econometrica, v. 29, n.4,p. 741-66, 1961 3 Segundo o autor, uma vez ultrapassado esse período, a possibilidade de a inovação se difundir por todas ou, ao menos, pela maior parte das unidades do sistema é muito grande.

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ser atingida, o que seria impossível nesse estágio de desenvolvimento do processo. Aliás, nesse caso – como se verá adiante – não é possível nem mesmo obter o total de unidades do sistema (área construída total, no. total de obras no Estado) para períodos posteriores a 1987.

FIGURA 3 – A curva “S”

FONTE: Baseada em Rogers (1995)

Mas, a utilização dessa teoria não pôde ser feita por uma simples transposição. Como já foi dito a curva “S” mostra o número acumulado de unidades que adotaram a inovação ao longo do tempo. Usualmente ela é obtida simplesmente somando o total de unidades de cada período analisado com os anteriores. Por exemplo para um produto “x” qualquer, em que no primeiro período teríamos 10 novos usuários no segundo período 20 novos usuários e no terceiro período 30 novos usuários, teríamos para o primeiro período a soma acumulada de 10, para o segundo 30 e o terceiro 60.

Entretanto ao se somar cumulativamente a área total de construções feitas em estrutura metálica ou o número de obras utilizando estrutura metálica, seria obtida uma curva sempre crescente que de forma alguma seria representativa da evolução acumulada do processo de inovação e portanto deixaria de ser análoga a curva “S” padrão. É que as “unidades de inovação” adotadas na presente pesquisa apresentam características bem distintas das usualmente encontradas. Para se pensar em uma curva realmente análoga a curva “S” padrão há que se pensar no que seria representativo do número total de unidades usuárias da inovação em cada período. O universo do número total de construções feitas no Estado se renova a cada a cada ano. Como o universo das unidades é “zerado” a cada ano, a curva que irá identificar o crescimento da inovação será a curva resultante do total de unidades a cada ano. Ou seja, tanto os gráficos representativos da área total em metros quadrados construídos a cada ano , como do número de obras, e o de empresas de estrutura metálica serão aqueles que maior semelhança apresentam com uma típica curva “S”. De fato, embora esse tipo de curva possa apresentar inflexões, o que não acontece com uma curva “S” padrão, essa curva é a que mais se aproxima da curva “S” do ponto de vista conceitual, apresentando inclusive uma certa estabilização quando o processo de difusão atingir o seu máximo, como acontece com uma curva “S” padrão.

No.

UN

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TEMPO

Decolagem

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Examinando-se as curvas sobre estrutura metálica, à luz dessa aproximação teórica, nota-se que nenhum dos gráficos apresenta uma típica “curva S”, como propõe Rogers (1995). Entretanto, traçando-se uma curva aproximada pelos pontos intermediários, é possível encontrar uma curva mais passível de análise. O primeiro tipo de unidade utilizado, a quantidade de área construída (ver gráfico 1), mostra uma curva em crescimento, com uma clara mudança de inclinação que, segundo a teoria de Rogers estaria indicando o início do período de decolagem.

Entretanto, só uma análise ao longo dos próximos anos poderá levar a uma conclusão decisiva sobre esse momento no processo de difusão. Nesse sentido é importante lembrar a ressalva feita por Rogers (1995) de que, mesmo que as curvas padrão tenham sido reafirmadas na maior parte dos trabalhos, existe sempre a possibilidade de processos de difusão que sejam atípicos. No caso da estrutura metálica, como estamos ainda no início do processo, podemos fazer análises baseadas na idéia de que se trata de um processo típico, mas só a análise futura desse processo poderá ratificar o acerto dessa hipótese. Além disso, a pequena quantidade de estudos específicos sobre os processos de inovação no subsetor também dificulta o estabelecimento de parâmetros para comparação.

Gráfico 1 - curva aproximada das áreas construídas

FONTE: REZENDE, 2003, p. 187.

No gráfico 2, tem-se a curva aproximada do número de edificações feitas em estrutura metálica a cada ano. Nessa curva o crescimento é bem suave até por volta de 1998, quando se inicia uma forte mudança. Além da confirmação de um período inicial do processo de difusão (a curva ainda não atingiu o seu “máximo”) e da provável decolagem do processo torna-se muito difícil tecer qualquer outra hipótese a partir dessa curva.

0

20000

40000

60000

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anos

77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01

Anos

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Gráfico 2 - curva aproximada do número de obras ano-a-ano

FONTE: REZENDE, 2003, p. 188.

O gráfico 3, apresenta a curva formada pelo número de empresas que atuaram a cada ano. O crescimento e as mudanças na sua inclinação (1985 e 1995-1996) indicam que o processo provavelmente atingiu o período de decolagem. A dúvida ficaria em relação ao ponto exato do início desse processo (se comparado com os demais gráficos).

Concluindo, além da constatação de um crescimento do processo de difusão a partir de meados dos anos 90, já identificado pela leitura direta dos gráficos, a teoria de Rogers (1995) permite afirmar – ainda que de forma provisória, na medida em que o processo está em andamento – que a fase considerada por Rogers (1995) como crítica no processo foi vivida a partir de 1993/1994, havendo portanto uma tendência de o processo se acelerar nos próximos anos.

A comparação com a evolução geral do setor em Minas por meio, respectivamente, da área licenciada para construções (1977-1987)4 e do valor construído (1990-2000), revela que o processo de difusão da estrutura metálica tem seguido um movimento de certa forma independente em relação ao desenvolvimento geral do setor. Somente a crise vivida no início dos anos 90 parece ter afetado a difusão da estrutura metálica, como já foi discutido anteriormente.

4 Infelizmente não há dados para depois de 1987.

Número de obras

0

5

10

15

20

25

77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 20002001

Anos

Nº.

de

unid

ades

n obras

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Gráfico 3 - curva aproximada do no. de empresas construtoras de edificações

com estrutura metálica

FONTE: REZENDE, 2003, p. 189.

Uma hipótese nesse sentido permite imaginar que se trata de um processo de difusão bem consistente, na medida em que aparentemente não depende do desenvolvimento geral do setor (a não ser no caso de uma crise muito acentuada) para se consolidar nos próximos anos.

Outro aspecto relativo à comparação do subsetor como um todo é a pequena porcentagem do total da área construída (máximo de 2%) feita em estrutura metálica durante a década de 80. Esse dado sugere uma grande possibilidade de crescimento, na medida em que há países (como, por exemplo, os EUA) onde esse uso chega a 33% do total.

Infelizmente não há dados disponíveis para o período posterior a 1987 em relação às áreas construídas, o que permitiria conclusões mais definitivas sobre o processo de difusão das estruturas metálicas e inclusive sobre a sua “decolagem”.

4. CONCLUSÕES

O uso da teoria Neo-Schmumpeteriana para a compreensão da inovação na tecnologia construtiva das edificações brasileiras revelou-se bastante útil. A partir dessa teoria foi possível dar à tecnologia um novo papel: um papel em que ela atua de forma ativa – e decisiva – no seu próprio desenvolvimento. As demais condições sociais não deixam de ter significado, mas a tecnologia passa a ser também um componente importante nesse processo. É no seu próprio desenvolvimento que se encontrará boa parte da explicação para que ela seja como é.

Nº. de empresas

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1

2

3

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7

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77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 20002001Anos

N.º

empr

esas

número empresas

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Apenas com a adoção dessa perspectiva se torna possível compreender plenamente as razões do fracasso das tentativas de inovações mais radicais na tecnologia construtiva das edificações brasileiras. Essas razões estão ligadas ao limite do próprio desenvolvimento tecnológico, no sentido de que as tecnologias propostas não eram capazes de reduzir custos ou acrescentar qualidades em uma ordem de grandeza suficiente para alavancar o processo de inovação.

Além da importância mais genérica da tecnologia no processo de inovação, a teoria Neo-Schumpeteriana permitiu também compreende- lo de uma forma que supera a clássica dicotomia entre o mercado e o desenvolvimento tecnológico como o fator determinante do processo de inovação. No modelo proposto, tanto o mercado como o desenvolvimento tecnológico são considerados no processo de inovação, mas não de forma igual: cada um determina elementos específicos no processo. Por exemplo, se o mercado é o grande responsável pelas demandas por inovações, é no paradigma tecnológico que se encontrarão os limites possíveis ao estabelecimento dessas inovações, e é na trajetória tecnológica que será possível obter muitas explicações para o modo como elas ocorrem.

Dessa forma chegou-se a um modelo em que tanto o mercado como o desenvolvimento tecnológico são considerados simultaneamente e determinam, de acordo com as suas especificidades, os fatores básicos da inovação tecnológica.

Entretanto um modelo tão genérico não permitiria uma análise mais profunda do processo de inovação tecnológica. Por isso, foram estudados e caracterizados, de forma mais específica, que fatores do mercado e do desenvolvimento tecnológico atuam nesse processo. A partir desse estudo foram encontrados 18 fatores como determinantes principais: 1) modificações no produto; 2)necessidades dos clientes (usuários, empreendedores, construtores etc.) em relação à tecnologia construtiva; 3)mudanças no paradigma tecnológico, tanto no sentido mais restrito (DOSI, 1988) como no mais amplo (FREEMAN & PEREZ, 1988); 4)situação econômica (tanto nacional como regional e local) e mudanças na política econômica; 5)novas formas organizacionais; 6)novos materiais, componentes ou insumos; 7)mudanças na mão-de-obra; 8)novas ferramentas, equipamentos e máquinas; 9)perspectivas e obtenção de lucros; 10)concorrência entre as empresas e busca de vantagem competitiva; 11)problemas ou melhorias nas tecnologias existentes; 12)atuação dos “mediadores da inovação”; 13)trajetória tecnológica; 14)normas / legislação; 15)atuação das associações de classe; 16)custo para implantação da inovação; 17) ação do governo; 18)motivação.

Por meio da análise do estudo de caso, constatou-se a aplicabilidade desses fatores como base para o estudo do processo de inovação. Evidentemente alguns fatores foram mais importantes que outros, mas mesmo aqueles que não se mostraram muito importantes no estudo de caso não revelaram uma inconsistência com o processo de inovação que justificasse a sua exclusão. Esse é o caso por exemplo dos fatores “modificações no produto” e “mediadores da inovação”. A relação entre as modificações no produto e a tecnologia é tão óbvia e foi identificada tantas vezes em outros estudos sobre a inovação que seria um contra-senso excluí- la. Já os “mediadores da inovação” são uma categoria relativamente nova no estudo da inovação, e ainda não há qualquer estudo no país identificando especificamente a sua atuação (pelo menos, não com esse nome). Entretanto, embora sejam uma categoria nova, o fato é que os “mediadores da inovação” já vêm atuando no mercado e no processo de inovação, mesmo antes que houvesse uma teoria nomeando-os. Esse é o caso, por exemplo, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo – IPT, que durante boa parte do século XX foi um típico mediador de inovações para as construções e é tido por VARGAS (1994) como fundamental para o desenvolvimento inicial da tecnologia da construção no país. Quando se constata que a atuação dos “mediadores da inovação” é reconhecida por estudiosos, mesmo que não se dê a eles o nome de “mediadores da inovação”, e que estudos

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internacionais têm se dedicado a mostrar sua atuação, fica fácil inferir que essa categoria deve continuar sendo proposta, pelo menos até que haja mais estudos sobre o tema.

Por outro lado, na análise do estudo de caso, a questão da motivação presente na empresa pioneira foi um fator importante no processo de inovação. Irradiada a partir do interesse de seu proprietário, essa motivação foi fundamental no sentido de manter preparada toda uma equipe para deflagrar o processo de inovação quando se criaram as demais condições para sua ocorrência. Além disso, sua importância foi igualmente significativa na conquista das primeiras obras. Diante disso, a motivação foi incorporada também como um fator primordial no processo de inovação.

As proposições feitas até aqui tiveram como foco central a tecnologia construtiva. Mudando-se o foco para a cadeia produtiva e tomando-se como fundamento a Teoria de Produtos e Sistemas Complexos, foi possível estabelecer um outro modelo explicativo, que não se opõe mas, ao contrário, complementa o anterior (Fig. 1). Como nas demais propostas feitas a partir da Teoria de Produtos e Sistemas Complexos (MILLER et al., 1995; WINCH, 1998), o modelo é subdividido em três partes: superestrutura da inovação, integradores do sistema e infra-estrutura da inovação. Os integradores do sistema são os agentes responsáveis pela produção do produto em si e portanto, neste caso, são as construtoras e os projetistas5. A superestrutura é composta pelos agentes e aspectos normativos que conformam as exigências e necessidades básicas (demandas) em relação ao produto. No caso das edificações brasileiras, são os clientes, as normas e a legislação, os financiadores e os “mediadores da inovação”. Cumpre lembrar que esses últimos, têm uma posição especial, na medida em que atuam mais estudando e dando confiabilidade às inovações do que criando demandas em relação ao produto. Já a infra-estrutura é composta por agentes que atuam mais como “fornecedores” em relação ao produto. No caso das edificações, são os fornecedores em geral, os fornecedores especiais (elevadores, sistemas de ventilação, segurança etc.), os especialistas (consultores em qualidade, racionalização da construção, conforto ambiental etc.) e a mão-de-obra. Uma característica inovadora em relação ao modelo proposto por WINCH (1998, 2000) é a presença do mercado como elemento importante de troca entre as construtoras, os clientes e os fornecedores. Em um típico produto complexo, as relações entre os fornecedores, os produtores e os clientes sempre se fazem diretamente e não por meio do mercado. Entretanto, no caso da construção de edificações não há como negar a presença do mercado em diversas relações entre os fornecedores, os clientes e as construtoras. Portanto torna-se imprescindível a sua inclusão no diagrama (Fig. 1), para que este guarde uma relação mais precisa com a realidade.

Esse modelo também se revelou eficaz na análise do estudo de caso. Entretanto, a questão da importância do mercado não pôde ser checada, pois a relação dos fornecedores de estrutura metálica com os integradores do sistema se faz muito mais de forma direta – como é característico dos fornecedores especiais – do que por meio do mercado. Por outro lado, a presença do mercado na estrutura produtiva do setor não só é demostrada em vários dos estudos analisados (entre outros, SABBATINI, 1989; AMORIM, 1995; FARAH, 1996) como pode ser facilmente constatada a partir de um rápido exame em qualquer jornal de circulação diária ou nos outdoors da cidade, onde será possível encontrar anúncios de cerâmicas, tintas e outros produtos dirigidos totalmente ao “mercado” (cliente final e construtoras). Por isso, a manutenção do mercado como um elemento importante no diagrama.

O avanço no estudo do processo de inovação levou também ao estabelecimento do ciclo de vida do produto edificação. Para se definir esse ciclo era fundamental caracterizar, de maneira unívoca, o que era um produto novo em edificações. A solução foi encontrada ao se

5 A inclusão dos projetistas mostra-se necessária porque a coordenação e o desenvolvimento dos projetos se faz muitas vezes de forma independente das construtoras.

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utilizar o conceito de um novo estilo de época arquitetônico, que se caracteriza exatamente por apresentar uma solução formal e tecnológica nunca antes utilizada, capaz de satisfazer amplamente as necessidade e desejos da época e sociedade em que é criado.

O ciclo de vida proposto compõe-se de três fases: transformação, nascimento do novo produto e consolidação, conforme ilustra a Fig. 2. Na fase de transformação têm origem as primeiras mudanças (tanto tecnológicas como formais), que começam gradativamente a se acelerar tanto em quantidade como em qualidade. Na segunda etapa, surge o novo produto. Na terceira, a sua utilização é consolidada. Após a terceira fase, reinicia-se um novo ciclo sobre o produto existente. Essa, é aliás, uma característica específica do produto edificação em relação aos produtos industrializados: o surgimento de um novo produto não se faz de forma descontínua, como no modelo de Albernathy-Utterback, mas em continuidade ao desenvolvimento do produto anterior. Os historiadores mostram que, até o século XIX, a evolução da tecnologia construtiva e do design se fazia sob forma e ritmo bastante similares, sendo os novos estilos resultantes dessas transformações (BENÉVOLO, 1976; GIEDION, 1982; PETERS, 1996). Portanto, até o século XIX, a curva das inovações no produto e no processo construtivo apresentava uma evolução semelhante, sendo possível tomar uma só curva para representar as inovações de produto e processo (tecnologia construtiva). Entretanto, a ruptura entre o desenvolvimento tecnológico e do design ocorrida no século XIX tornou muito difícil estabelecer um gráfico para a evolução das inovações na tecnologica construtiva ao longo dos anos seguintes. A “autonomia” entre o desenvolvimento tecnológico e o design parece ter se acelerado ao longo do século XX, embora a ausência de um novo estilo depois da arquitetura moderna coincida também com a ausência de uma tecnologia construtiva diferente da utilizada até então. Por outro lado, o ciclo de vida do produto (tempo de duração dos estilos) está diminuindo. Enquanto que para o produto “estilo grego antigo” é possível se falar em um ciclo de 500 anos, para o “gótico” esse período se reduz para 300 anos e, no caso da arquitetura moderna, mal consegue completar 100 anos. Concluindo, a curva do ciclo de vida do produto parece continuar válida, embora o número de anos de cada ciclo de vida esteja diminuindo. Já a obtenção de um modelo para o desenvolvimento da tecnologia construtiva relacionado com essa evolução do produto tornou-se, a partir do século XIX, muito difícil.

Do ponto de vista da análise mais estrita do processo de inovação no estudo de caso, alguns outros aspectos merecem ser destacados. Por exemplo, sem a consideração da política econômica adotada no país e do comércio mundial, não há como entender o porquê da presença da arquitetura de ferro e da quase total a ausência da estrutura metálica no país até há alguns anos.

Outro aspecto significativo nesse processo foi o desenvolvimento da própria siderurgia nacional. Somente quando começou a haver uma oferta de aço superior à demanda é que se iniciou o interesse das siderúrgicas pela estrutura me tálica.

Entretanto foi na empresa de construções metálicas – e não nas siderúrgicas – que ocorreram o impulso inicial e o desenvolvimento da tecnologia para a utilização da estrutura metálica soldada. Esse aspecto contrapõe-se à idéia em geral aceita de que a inovação no subsetor parte quase sempre dos fabricantes. No caso da estrutura metálica foi a construtora que inicialmente promoveu a inovação.

Poder-se-ia argumentar que as empresas de construção metálica são fornecedores e não, construtores propriamente ditos. Sob esse aspecto, a inovação continuaria de fato vindo dos fornecedores.

Entretanto, a empresa pioneira atuou muito mais como uma construtora do que como uma simples fornecedora, já que, em boa parte das obras, ela se responsabilizava por toda a construção (estrutura e acabamento).

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Ainda poder-se- ia dizer que o fato de a empresa de construção metálica ter atuado como construtora é a prova cabal de que as construtoras são, em geral, avessas à inovação.

Não há como negar esse argumento, pelo menos em seu primeiro aspecto: a empresa de construção metálica atuou várias vezes em toda a obra, devido à inexistência de mais construtoras para fazê- lo. Mas há ainda três outros aspectos que também não podem ser negados: a) a primeira obra foi exatamente para uma construtora; b) depois disso, algumas obras se fizeram também com e para as construtoras; c) e o mais importante: quando argumentam que a inovação vem dos fornecedores, os autores pensam nos grandes fornecedores – como, por exemplo, as siderúrgicas – e nunca em pequenas empresas, como as de construção metálica. Portanto, o fato de a inovação ter partido de uma pequena empresa de construção metálica, que é uma empresa de construção e não exatamente um fabricante no sentido tradicional do termo, é um aspecto novo nesse processo.

Os fabricantes (siderúrgicas) vieram depois mas, mesmo assim, tiveram e continuam a ter uma grande importância no processo de difusão. Atuam disponibilizando e garantindo estoques para as construtoras, divulgando o uso do produto por meio de congressos, palestras e publicações e fornecendo apoio técnico.

Apesar de só recentemente a AÇOMINAS ter iniciado a sua fabricação de perfis (2002), ela teve importância nesse processo, ajudando a divulgar, de forma decisiva, o produto.

O processo brasileiro teve algumas particularidades em relação ao resto do mundo, destacando-se a inexistência da fabricação de perfis usinados e o uso da estrutura metálica com os demais elementos tradicionais da construção. Embora até a segunda guerra mundial os países desenvolvidos também utilizassem sistemas de vedação mais tradicionais, o mesmo não acontecia com os equipamentos, que eram mais sofisticados (EGGEN e SANDAKER, 1995). Além disso, depois da segunda guerra, o uso de painéis de vedação intensificou-se. O mesmo não aconteceu no caso estudado. A construtora pioneira desenvolveu um método construtivo para evitar o uso de equipamentos mais sofisticados – como, por exemplo, gruas – e construía quase sempre utilizando alvenaria de tijolo como vedação.

Embora defendida pelo proprietário da construtora, essa forma de construir é questionada por outros construtores e especialistas, que vêem na utilização da alvenaria de tijolos um problema do ponto de vista de cronograma (tempo elevado) e tecno lógico (fissuras e trincas nas paredes).

Como o método utilizado pela construtora pioneira parece ter resolvido a questão de cronograma, restaria solucionar a questão das fissuras. O proprietário da Módulo garante que, se tomados alguns cuidados, não há problemas de fissura, com o que outros engenheiros não concordam. Uma boa solução para esse impasse seria elaborar um trabalho mais sistemático sobre as diversas obras feitas pela Módulo, muitas delas com mais de dez anos. Enquanto não for elaborado esse trabalho, fica difícil chegar a uma conclusão definitiva. De qualquer forma, a situação do mercado brasileiro hoje é bem diferente da verificada na década de 80, pois já existem várias empresas que oferecem alternativas de vedação.

O pequeno número de perfis fornecidos pela Cia. Siderúrgica Nacional - CSN levou as empresas de construções metálicas a elaborar seus próprios perfis a partir de chapas soldadas. Tanto nos EUA como na Europa, a estrutura metálica era fornecida por meio de perfis fabricados nas usinas. No processo brasileiro são as próprias empresas construtoras que têm de fabricar os perfis, mostrando, mais uma vez, a sua importância no processo de inovação. Para compreender melhor esse aspecto há de se mencionar o desenvolvimento da solda, que, por meio de custos menores e maior qualidade, permitiu a fabricação de perfis soldados a custos compensadores, o que não acontecia na primeira metade do século XX.

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O processo de difusão da estrutura metálica em Minas tem guardado um certa autonomia em relação ao desenvolvimento geral do subsetor, embora pareça ter sido afetado no período de crise mais acentuada.

A análise do processo de inovação permite-nos falar em duas fases: uma, vivida durante a década de 80, quando a empresa pioneira fez praticamente sozinha as primeiras construções; outra, a partir da década de 90, quando a difusão do produto aumentou e várias outras empresas entraram no mercado.

O processo de difusão parece ter ultrapassado a sua fase mais crítica, quando iniciou o que ROGERS (1995) denomina sua “decolagem” (1993-1994). Seguindo-se essa hipótese, a sua difusão tenderia a se acentuar nos próximos anos. Entretanto só o desenvolvimento do processo poderá corroborar o acerto dessa hipótese.

Finalizando, pensando em futuras pesquisas e estratégias de desenvolvimento para o setor, é importante lembrar que o fato de as modificações mais radicais ocorridas na produção industrial apresentarem quase sempre uma diminuição de custos superior a 50% não deve servir de desestímulo à pesquisa de inovações no subsetor. Entretanto é importante deixar de lado a ilusão de que propostas de inovações que impliquem mudanças relativamente amplas no sistema produtivo e economia prevista de custo em torno dos 10 ou 15% seriam facilmente incorporadas pelo mercado. Com o objetivo de aprofundar os conhecimentos relativos à inovação na tecnologia construtiva das edificações são sugeridos alguns estudos:

a) Fruto da própria metodologia do trabalho, a primeira recomendação não poderia deixar de ser no sentido de que se façam outros estudos de casos de inovações significativas ocorrida nos subsetor, para que se tenha, em um futuro não muito distante, uma maior certeza sobre as proposições feitas. Levando-se em consideração a importância econômica do subsetor e o pequeno número de estudos já feitos, essa recomendação ganha ainda maior destaque.

b) As obras feitas pela construtora pioneira fornecem um amplo material – que não deve ser desperdiçado – para o estudo da interface entre a alvenaria e a estrutura metálica.

c) O setor apresenta várias características próprias que têm de ser consideradas na implantação de qualquer inovação tecnológica: a) importância da comercialização, b) terra urbana, c) imobilidade do produto, d) baixo capital de investimento e flexibilidade nos métodos de produção, e) produção incompleta por projeto, f) longo ciclo de vida, g) papel das normas e regulamentações, h) grande número de pequenas empresas, i) grande vinculação com o desenvolvimento econômico do país, j) elevado custo e tempo de produção, k) menor produtividade em relação aos países desenvolvidos. É preciso distinguir, entre tais características, aquelas que estão mais intrinsecamente ligadas ao setor (como, por exemplo, a terra urbana) e aquelas que se devem ao seu próprio estágio de desenvolvimento tecnológico (como, por exemplo, o grande número de pequenas empresas). Mas, de qualquer forma, tornam-se importantes os estudos no sentido de se conhecer melhor qualquer dessas características e de se identificarem transformações nas mesmas.

d) Se realmente estiver se iniciando, como acreditam Freeman e Perez (1988), um novo ciclo de Kondratieff baseado nas novas tecnologias de informação, pesquisas da aplicação dessa tecnologia na produção das edificações devem ser incentivadas, pois pode advir daí um grande salto de produtividade e qualidade nas construções.

e) Estudos de prospectiva tecnológica, como o que por ora se desenvolve no âmbito do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comercio Exterior (www.mdic.gov.br), no sentido de se identificarem as possibilidades e limitações para o desenvolvimento do subsetor

f) Estudos de diagnósticos da cadeia produtiva da construção de edificações em geral e especificamente da de estrutura metálica, no sentido de identificarem gargalos e problemas para o desenvolvimento tecnológico do subsetor e da estrutura metálica no país. Aliás, em

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relação a esse aspecto se desejarem ampliar a participação no subsetor de edificações torna-se imprescindível que os fabricantes de estrutura metálica - cada vez mais - pensem de forma estratégica a médio e longo prazos buscando identificar claramente quais têm sido as barreiras à sua maior participação no mercado.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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