Margaret moore [warrior] - 14 - guerreiro em missão - margaret moore

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Um guerreiro em missão Margaret Moore Série Warrior Série Warrior Série Warrior Série Warrior – Vol. 4 Vol. 4 Vol. 4 Vol. 4 Copyright © 2OO3 by Margaret Moore Originalmente publicado em 2OO3 por Harlequin Historicals Título original: IN THE KING' S SERVICE Digitalização: Palas Atenéia Digitalização: Palas Atenéia Digitalização: Palas Atenéia Digitalização: Palas Atenéia Revisão: Palas Atenéi Revisão: Palas Atenéi Revisão: Palas Atenéi Revisão: Palas Atenéia Este Livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos. Sua comercialização é estritamente proibida.

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Um guerreiro em missão

Margaret Moore

Série Warrior Série Warrior Série Warrior Série Warrior –––– Vol. 4 Vol. 4 Vol. 4 Vol. 4

Copyright © 2OO3 by Margaret Moore

Originalmente publicado em 2OO3 por Harlequin Historicals Título original: IN THE KING' S SERVICE

Digitalização: Palas AtenéiaDigitalização: Palas AtenéiaDigitalização: Palas AtenéiaDigitalização: Palas Atenéia Revisão: Palas AtenéiRevisão: Palas AtenéiRevisão: Palas AtenéiRevisão: Palas Atenéiaaaa

Este Livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos.

Sua comercialização é estritamente proibida.

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Warrior SerieWarrior SerieWarrior SerieWarrior Serie

. A Warrior's Heart (992) 2. A Warrior's Quest (993) 3. A Warrior's Way (994)

4. The Welshman's Way (995) 5. The Norman's Heart (996) 6. The Baron's Quest (996) 7. A Warrior's Bride (998) 8. A Warrior's Honor (998) 9. A Warrior's Passion (998)

1O. The Welshman's Bride (999) 11. A Warrior's Kiss (2OOO)

12. The Overlord's Bride (2OO) 13. A Warrior's Lady (2OO2)

14. In the King's Service (2OO3)

Um guerreiro em missãoUm guerreiro em missãoUm guerreiro em missãoUm guerreiro em missão

Diziam que com apenas um sussurro ele conquistava o coração de uma donzela… E agora Sir Blaidd estava lançando seu notório

charme para Lady Rebecca Throckton. Deveria ela confiar naquele homem? Um trauma de infância tornou-a descrente do casamento, ainda assim o guerreiro galês a fazia sentir que tinha o direito de

amar e ser amada!

Apesar de não poder se envolver em um romance durante a missão secreta que cumpria em nome do rei, Sir Blaidd descobriu-se

arrebatado por Rebecca. Por certo, aquele não seria um mero idílio, como tantos outros que tivera em sua vida mundana. Era um

sentimento fadado a ser eterno!

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Capítulo UmCapítulo UmCapítulo UmCapítulo Um Sir Blaidd Morgan, cavaleiro do reino, amigo e homem de confiança de

Henry III, campeão de torneios e capaz de conquistar o coração de uma mulher com apenas um sussurro, puxou as rédeas de seu cavalo, fazendo-o parar. Água pingava do capuz encharcado do capote de lã e suas botas estavam enlameadas. Um aroma de folhas úmidas se desprendia do bosque a sua esquerda. À direita, algumas vacas pastavam em um prado sob o abrigo de um carvalho. Ao menos agora, podia divisar a aldeia e o castelo mais adiante.

— Aquele deve ser o castelo Throckton. Graças a Deus! — disse ele a seu escudeiro enxarcado. — Temia que tivéssemos tomado a bifurcação errada há algumas milhas e fôssemos obrigados a dormir na floresta esta noite.

O escudeiro ajustou o capuz do capote à cabeça. — Pensei que vocês galeses fossem acostumados à chuva. — De fato sou, Trev. E devo isso ao estilo de treinamento de seu pai.

Mas isso não quer dizer que goste dela. Blaidd e o pai de Trevelyan Fitzroy, sir Urien, eram velhos amigos. Ele o

treinou nas artes da guerra, que incluíam praticar em quaisquer condições meteorológicas.

O rapaz de dezesseis anos indicou a fortaleza que apreciara à distância. — Não pensei que lorde Throckton fosse um homem tão importante.

Aquela residência é um castelo! — É mais suntuosa do que imaginei — confessou Blaidd. Em uma visão mais acurada, parecia uma construção sólida, com

paredes internas e externas, uma luxuosa portaria e uma enorme casa no centro. Blaidd conhecia poucos castelos como aquele e imaginou se o rei Henry não ficaria surpreso ao ser informado da extensão da residência do lorde Throckton, se já não o soubesse. Aquilo talvez explicasse as suspeitas do rei.

— Nem todos os homens importantes freqüentam a corte — comentou Blaidd, enquanto instigava o alazão preto, Aderyn Du, a trotar. — Nossos pais são um exemplo disso.

— Acredita que lady Laelia é tão bela quanto dizem? — inquiriu o escudeiro.

Blaidd voltou-lhe um sorriso fraterno. — Provavelmente não, mas não há mal algum em conferirmos. — Atravessamos toda essa distância, para que possa confirmar isso? —

indagou Trev, incrédulo. Blaidd não estava disposto a pô-lo a par do verdadeiro motivo pelo qual

Henry o havia enviado, portanto, limitou-se a sorrir. — O que mais um nobre cavaleiro poderia fazer se não apreciar? Ouvi

muitas histórias sobre a beleza de lady Laelia e decidi que a jornada valeria a pena. Minha mãe está começando a se desesperar, achando que nunca encontrarei uma esposa.

— Então se lady Laelia fizer jus à beleza apregoada, casar-se-á com ela? A gargalhada estridente de Blaidd ecoou acima do barulho da chuva e do

trote dos cavalos. — A beleza não é o único atributo que um homem deve levar em

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consideração quando o assunto é casamento. — Suponho que não — replicou Trev, em tom vacilante. — Claro que não — afirmou o cavaleiro. — Então já pensou sobre o assunto antes? —Claro que sim — afirmou Blaidd. -— Mas nunca encontrei a mulher

certa. — E por isso que namora tantas? — Não me relacionei com tantas assim. Não vou negar que gosto da

companhia feminina, mas não sou esse estupendo amante que os fofoqueiros pintam.

— Mas Gervais disse… — Seu irmão tem tanto conhecimento de minha vida amorosa quanto

você. Resignado, Trev permaneceu em silêncio durante a travessia da ponte de

pedra que levava à aldeia. Blaidd ficou satisfeito. Não gostava de discutir seus relacionamentos amorosos com ninguém

Devido às chuvas, o rio estava cheio. A água revolta batia contra os alicerces da ponte. Aquela era uma refinada obra de engenharia. Incomum para um lugar tão distante do norte e a oeste de Londres.

A chuva começou a abrandar e Blaidd pôde observar melhor a aldeia. Compreendia vários chalés de barro e sapê. Lojas e tendas, algumas com moradias acima, margeavam o prado da aldeia.

Tinha visto lugarejos em pior estado, mas também conhecera muitos em condições melhores. A igreja não era muito imponente também, o que o levou a suspeitar que muito pouco da renda de lorde Throckton, proveniente de seus inquilinos, era destinada à caridade. Parecia que boa parte dela era gasta com pedras, areia e exímios pedreiros para seu castelo.

A aldeia estava deserta, entretanto, Blaidd tinha a impressão de estar sendo observado. Por certo, os aldeãos invisíveis especulavam sobre a identidade dos forasteiros e o que os trouxera ali.

A julgar pela maneira como Blaidd montava, a presença do escudeiro e a insígnia no escudo que trazia consigo, seria fácil concluir que se tratava de um cavaleiro da guarda real.

A chuva havia cessado quando eles se aproximaram de uma ampla construção que parecia ser uma hospedaria. Blaidd estava avaliando se valia à pena passar a noite naquele lugar, quando uma mulher de cabelos pretos desgrenhados apareceu em uma das janelas abertas do segundo andar. Ela se inclinou sobre a janela a tal ponto que os seios volumosos pareciam querer saltar pela camisola larga.

Depois de o fitar por alguns segundos, exibiu um sorriso atrevido e assoviou. No instante seguinte, várias outras mulheres, similares na aparência, assomaram às outras janelas.

— Que lindo soldado, não acham? — gracejou a mulher de cabelos pretos. — Aposto que também é valente na cama.

As demais gargalharam em uníssono e, em seguida, outra se manifestou.

— Que linda arma possui, milorde. Adoraria vê-la de perto. — Eu prefiro o mais novo — atalhou outra. Blaidd olhou por sobre o

ombro. Com a face rubra,

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Trev se encontrava logo atrás dele. O cavaleiro exibiu um sorriso divertido quando passaram em frente à residência.

— Desculpe-nos, estimadas damas — disse como se estivesse se referindo à rainha da Inglaterra. — Mas meu escudeiro e eu seremos obrigados a declinar de tão generosa oferta.

— Oh, escutem-no! — gritou a de cabelos pretos. — Não possui a voz mais linda que jamais ouviram? — suspirou com olhar sonhador. — Galeses! Já ouvi falar muito bem deles — e com um gesto deixou claro a que se referia. — Entre, bonitão, e sussurre algo impróprio em meu ouvido. É o mínimo que pode fazer, uma vez que não vai ficar.

Blaidd levou a mão ao coração e curvou-se de leve. — Que pena! Temo não poder atender a tão tentador convite. Mas tenho

negócios a tratar no castelo e não podemos nos deter por muito tempo. Em seguida, instigou o cavalo a trotar, mas antes que pudessem partir,

uma jovem, cuja idade equivalia a de Trev, assomou à porta do casarão. O cabelo loiro se encontrava em completo desalinho, a camisola justa quase colava ao corpo e os olhos esverdeados os fitavam com intensidade. Mas apesar do rosto angelical, o jeito como ela se recostava à porta e o sorriso malicioso estampado na face sem maquiagem, denunciava a vasta experiência que devia possuir naquele ofício. Enquanto seguiam adiante, Blaidd lamentou a perda precoce da inocência, embora entendesse que a pobreza oferecia poucas opções a algumas mulheres.

Foi então que percebeu que Trev não o estava seguindo e virou-se para ver o que estava acontecendo. O cavalo do escudeiro se encontrava parado em frente à porta do casarão e o rapaz fitava a jovem como que hipnotizado.

Blaidd praguejou: — Fitzroy! Trev estremeceu com o grito, fustigou o cavalo e, em segundos, estava

cavalgando a seu lado. — Ela é uma prostituta como as outras — disse Blaidd. — Eu sei. Não sou mais criança — resmungou Trev sem encará-lo. —

Minha audição também é perfeita. Escutei o que elas disseram. — Então sabe que deve esquecer aquela menina. O escudeiro

enrubesceu. — Tenho dinheiro. — Não estou discutindo se pode pagar ou não. Aquele não é um lugar

adequado para você. Além das pulgas e percevejos, mulheres em lugares como esse irão roubá-lo com todo o prazer. Um homem sensato deve se manter longe de confusão.

— Está falando como meu pai. — Obrigado pelo elogio — replicou o cavaleiro. — Além disso, sou

responsável por sua segurança enquanto estiver a meu serviço. Se seu pai soubesse que o deixei freqüentar um bordel, teria uma síncope. Mas não sem antes me arrancar a cabeça fora.

— Já esteve em uma dessas casas? — Nunca quis nem precisei freqüentá-las — respondeu Blaidd com

sinceridade. Para seu alívio, alcançaram os portões do castelo Throckton, pondo um

ponto final àquela conversa. Sentinelas que patrulhavam a fortaleza

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caminhavam pelo alto das muralhas. Do outro lado da portaria, havia mais um portão em carvalho maciço e grosso com batentes de metal que levava a uma ala externa.

Blaidd abaixou o capuz e dirigiu-se através da porta levadiça em direção à portaria, passando pelo que podia se chamar de buraco da morte. Se inimigos ficassem presos entre as grades de madeira da porta levadiça e o sólido portão interno, os defensores do castelo poderiam facilmente jogar pedras ou óleo fervente através daquele buraco. Tal pensamento fê-lo estremecer.

Quando chegou ao portão interno desmontou e entregou as rédeas de Aderyn Du a Trev que já se encontrava a seu lado.

Antes que Blaidd pudesse expressar uma saudação, um painel do lado direito do portão se abriu. Por certo, os sentinelas que montavam guarda no alto do muro alertaram os de baixo sobre os visitantes.

Um rosto fino, emoldurado por um grosso capuz de lã marrom apareceu na abertura. Os brilhantes olhos azuis do sentinela fitavam Blaidd com desconfiança.

— Quem é você e o que quer? — inquiriu com aspe-reza. — É uma mulher! — exclamou Trev, em um tom de voz mais alto do que

desejava. Passados os primeiros momentos de espanto, Blaidd fez como de

costume quando encontrava uma mulher. Exibiu um sorriso encantador. — Não sabia que lorde Throckton possuía amazonas em suas tropas. Com uma expressão inquisitiva, os olhos azuis o inspecionaram

demoradamente. Desde a cabeça molhada, passando pela espada pendurada na cintura até a sola das botas enlameadas. Então a expressão se suavizou quando ela avistou Aderyn Du.

Blaidd se empertigou. Por certo seu cavalo era um belo animal, mas não estava acostumado a ser preterido por ele.

Voltando a atenção ao cavaleiro, a expressão rude voltou a se estampar na face delgada.

— Não respondeu a minha pergunta. — Ele é sir Blaidd Morgan — interveio um incrédulo Trev, como se o

mundo inteiro tivesse obrigação de conhecer a identidade do mentor. Blaidd, no entanto, não partilhava do mesmo pensamento. Por certo,

aquela fêmea nunca viajara para o norte de Londres ou leste de Gales. — Como disse meu escudeiro, sou sir Blaidd Morgan — respondeu ele,

em tom calmo. — Vim em visita social ao lorde Throckton, desde que nos deixe atravessar o portão.

A mulher torceu o nariz. — Veio para cortejar lady Laelia, como muitos já vieram antes. Bem, boa

sorte. — Espero tê-la, desde que lady Laelia valha à pena ser cortejada. — Vejo que não possui falsa modéstia, senhor cavaleiro — retrucou a

desconhecida. — Deve ser interessante ver como um galês se desempenha. O senhor é galês, não?

Aquela altura, Trev estava louco de indignação. — Permitirá que esta mulher lhe fale desse jeito? Temos de permanecer

aqui como um par de mascates, suplicando para entrar?

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Blaidd continuou a sorrir, e enquanto respondia a Trev, não afastava o olhar do rosto delicado.

— De fato, se ela é a sentinela, eu não só vou deixá-la falar dessa forma, como vou permitir que nos faça esperar, se essa for sua vontade.

A mulher riu debochadamente. — Vou lhe dar um crédito por seus modos, senhor galês. Entre, e seja

bem-vindo. Em seguida, fechou o painel e em instantes o som do pesado portão

sendo puxado se fez ouvir. — Finalmente! — resmungou Trev. — Por Deus, Blaidd, essa é a mais

rude… — Não se incomode com isso. Viemos sem ter sido convidados, portanto

não podemos nos queixar de uma não tão amistosa acolhida. — Espero que lorde Throckton seja mais educado. — Estou certo de que sim. É obrigação de todo nobre oferecer sua

hospitalidade a outro. O escudeiro não lhe deu resposta, mas pela expressão contrariada no

rosto do rapaz, Blaidd deduziu que ele ainda estava aborrecido. Para ser sincero consigo mesmo, também se sentira incomodado com o

jeito atrevido daquela mulher, mas sabia como lidar com o desrespeito. Como não nascera nobre, só fora aceito na corte depois de muitas vitórias em campeonatos e de reconhecida sua amizade com o rei.

Apesar daquela não ser a maneira pela qual costumava ser acolhido, tanto em castelos quanto pelas mulheres, não se ofendia tão facilmente quanto Trev. Quanto àquela desconhecida, estava curioso para ver a totalidade de sua face. Se tivesse a metade do fascínio daqueles olhos azuis, a estada seria mais interessante do que pensara.

Embora não pudesse perder o foco em seu verdadeiro e mais importante propósito.

Os portões se abriram lentamente e Blaidd e seu escudeiro adentraram em um amplo e graminoso pátio. À frente se encontrava a proteção mais interna do castelo, com torres nas laterais.

Vários guardas armados — todos homens — encontravam-se a postos na portaria. A mulher de olhos azuis, escondida pela longa capa marrom, aguardava próximo ao portão, como se ela própria o tivesse aberto. A face era delgada, a pele pálida e os olhos azuis pareciam maiores do que o rosto. Mas as feições eram harmônicas e quando Blaidd observou os lábios carnudos, o primeiro pensamento que lhe veio a mente foi beijá-la.

— Espero que perdoe minha insistência, senhor. Freqüentemente recebemos visitas de subordinados do rei que nos levam a suspeitar de todos.

Subordinados? pensou Blaidd. Não estava mais disposto a lhe perdoar a insolência, tivesse ela olhos estonteantes ou não.

— Ele não é um subordinado — vociferou Trev, fazendo eco com seus pensamentos. — Este cavaleiro é amigo do rei Henry e…

— Trev, por favor. Permita-me lidar com esta serviçal — interrompeu-o Blaidd, aproximando-se da amazona até ficarem a um palmo de distância.

Ela se empertigou, enquanto Blaidd a examinava dos pés à cabeça. — Qual é seu nome, criada? — questionou com calma aparente antes de

lhe lançar um sorriso que seus oponentes na luta armada aprenderam a temer.

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A mulher ergueu o queixo em uma atitude desafiadora. — Becca. — Diga-me, Becca. Sempre fala dessa maneira com seus superiores? — Não costumo falar com ninguém que se julgue meu superior. Aquela era, sem dúvida, a mais insolente criada que ele conhecera. — Se esta é a hospitalidade que um nobre deve esperar no castelo

Throckton, não me causa espécie o fato do lorde não estar em alta estima na corte do rei.

O olhar impassível da amazona por fim vacilou. Mas apenas por um breve momento.

— Se isso é verdade, apenas confirma o que penso da corte inglesa. — E o que sabe sobre ela? Os olhos azuis se dilataram com o que Blaidd reconheceu como uma

perplexidade fraudulenta. — Não disse que sabia algo sobre a corte inglesa, senhor. Disse que isso

confirma o que penso dela. Ela se inclinou com uma graciosidade inesperada. — Sinto se o ofendi, sir Blaidd. O cavaleiro inclinou a cabeça, enquanto a fitava não muito crédulo em tal

mudança de comportamento. — Sente? — Se o que falei causar algum problema para lorde Throckton, sim. — E

então ela sorriu, com uma expressão tão jovial que o fez pensar em ter achado uma flor em botão em meio às folhas secas do outono. — Mas se minha opinião sincera o fez pensar que sou uma subalterna insolente, não estou nem um pouco arrependida.

Mediante a magia daquele sorriso, a raiva de Blaidd se desfez. — Talvez eu seja piedoso e não conte a lorde Throckton sobre a

impertinência de sua sentinela. — Talvez ele não se surpreenda — o sorriso da amazona secou, mas sua

expressão não denotava preocupação. Em seguida, ajustou a capa ao corpo delgado e sorriu outra vez. — Não estava com pressa para conhecer lady Laelia. Acho que o senhor terá alguma chance.

— Enfim pareço ter lhe inspirado alguma boa impressão. Estou quase me considerando noivo.

Os olhos azuis brilhantes tornaram a mudar, adotando uma expressão séria.

— Não parece ter conhecido concorrentes a sua altura até agora, sir Blaidd Morgan de Gales, mas o terá a partir desse momento. Desejo-lhe sorte, se pensa que Laelia e seu dote o farão feliz.

— A verei no castelo? — a pergunta lhe escapou dos lábios sem que percebesse.

— Espero que não — retrucou ela, parecendo sincera. Os sentinelas próximos tentavam conter o riso. Blaidd Morgan gostava de conviver com pessoas sorridentes a seu redor,

mas detestava ser o motivo do riso. E há muito tempo ninguém ousava fazê-lo.

Irritado, girou nos calcanhares e montou em Aderyn Du. — Vamos, Trev — ordenou com rispidez. O escudeiro obedeceu-lhe de

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pronto. — Acha que ela é mesmo uma sentinela? — perguntou enquanto

atravessavam o pátio. — Seja quem for, acho que não é muito boa da cabeça e espero não

tornar a vê-la. Quando sir Blaidd Morgan se afastou, Becca lançou um olhar aos guardas

e ao chefe deles, homem grisalho e alto. — Pobre homem. Acho que não esperava por uma recepção como esta. Todos irromperam em uma gargalhada. — Já chega, rapazes — ordenou Dobbin, o chefe dos sentinelas. —

Voltemos ao trabalho. Quando os guardas retornaram a seus postos, Dobbin juntou-se a Becca,

no cômodo próximo da portaria destinado ao descanso dos sentinelas quando não estavam a postos. A construção de pedra era provida apenas de uma mesa e dois bancos e aquecida por uma lareira.

Becca e Dobbin penduraram seus capotes em uma cavilha próxima à porta, e se encaminharam para os bancos postados de frente para a lareira.

Dobbin esticou as pernas e suspirou. — Estou muito velho para ficar em pé na chuva. — Poderia ter ficado aqui dentro. — Muito arriscado. — Eles eram ágeis no ataque — observou Becca. Dobbin lhe lançou um

olhar astuto. — E o que teria lhes dito se eu não estivesse por perto? Ela sorriu marota, reconhecendo a sapiência do velho guarda. Por certo,

teria sido ainda mais impertinente. Afinal, tratava-se de mais um cavaleiro que vinha conferir se a beldade de Throckton fazia jus a tal adjetivo e cortejá-la se achasse que sim.

— Grande sujeito para um galês — afirmou Dobbin. — Monta com perfeição e tem ombros e pernas de um grande lutador.

— Atrevo-me a dizer que deve ser um campeão de torneios — concordou Becca, enquanto esticava a saia molhada para que pudesse secar mais rápido. O chaveiro pendurado em sua cintura tilintou com o movimento.

— E um homem muito bonito, apesar daqueles cabelos. Nunca vi um nobre com cabelos à altura dos ombros como um selvagem.

— Talvez seja moda entre os galeses. — Nunca os vi usá-los assim — replicou Dobbin. — E conheci muitos

deles em torneios. Becca pousou a mão sobre o ombro do guarda. — Que tal eu perguntar-lhe por que não o corta? Dobbin quase caiu do

banco. — Acho melhor não. Ele parecia querer estrangulá-la há pouco. Temi que

o fizesse quando de você se aproximou. Becca tentou não se lembrar da maneira como seu coração batera

descompassado quando o belo cavaleiro se acercou dela com aquele olhar penetrante. Nunca um homem lhe lançara olhar igual.

— Está bem. Não vou perguntar — concordou, sorrindo para o amigo. — A julgar por sua empáfia, não me surpreenderia se sir Blaidd

esperasse conquistar Laelia com apenas um sorriso.

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— Só espero que o lorde não fique furioso ao saber como você tratou um cavaleiro da corte do rei Henry.

— Pois eu espero que fique — retrucou Becca. Em seguida, encurvou os ombros, baixou o queixo e falou com voz grossa em uma imitação do senhor do castelo de Throckton. — Ignore-a, sir Blaidd. Ela é sem juízo e tola. Apenas uma mulher.

Dobbin meneou a cabeça. — É melhor tomar cuidado, milady, ou qualquer dia desses, seu pai se

irritará de verdade. E então, o que será de você?

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Capítulo DoisCapítulo DoisCapítulo DoisCapítulo Dois Enquanto Trev terminava de carregar a bagagem para o quarto que

dividiriam, Blaidd esperou por lorde Throckton no vasto saguão. Aguardava de pé e de costas para a maciça lareira. O calor agradável o aquecia gradualmente.

Seu humor começou a melhorar quando avistou o quarto, que, como o resto da fortaleza, era amplo e mais opulento do que imaginava. Depois de adentrar o pátio de pedra, notou a enorme construção que deveria ser o saguão e o que supôs ser uma capela, a julgar pelos vitrais. Blaidd concluiu que a construção de dois andares deste lado do jardim, próximo ao saguão, abrigava os aposentos que a família e alguns criados ocupavam, bem como o solar do lorde. Os quartos construídos por sobre o estábulo deveriam ser destinados aos sentinelas e cavalariços. Os demais cômodos que podia identificar eram a cozinha, próxima ao saguão com uma ampla chaminé e a oficina do ferreiro. A masmorra, uma enorme estrutura circular à esquerda da entrada, parecia ter sido construída há varias décadas ao contrário do saguão, da capela e da imponente portaria, que aparentavam ser construções recentes.

O interior do saguão somente se comparava ao do castelo do rei. Finas tapeçarias cobriam as paredes, retratando batalhas e caçadas. A mobília era nova, brilhante e sem máculas. O aroma delicado de alecrim e verbena dos incensos invadia suas narinas.

Grossos toros de madeira sustentavam o teto e as bandeiras de cavaleiros, que deviam obediência a lorde Throckton, balançavam, movimentando o ar. Era uma numerosa coleção e a maior parte dela desconhecida. Poderiam as suspeitas do rei sobre a deslealdade de Throckton ter fundamento?

O rosto da sentinela lhe veio à mente. Como seria seu semblante dormindo? Os olhos azuis brilhantes cerrados e os seios erguendo e baixando no ritmo da respiração?

Sentiu o corpo aquecer ainda mais e aquilo não tinha nada a ver com o fogo da lareira. Como seria Becca na cama? Não fazia o estilo de mulher passiva. Quando decidia se entregar a um homem, devia fazê-lo com entusiasmo. Por certo lhe corresponderia à altura.

Percebeu os evidentes sinais de excitação de seu corpo e apressou-se em lembrar que tinha uma missão importante a cumprir. Devia parecer interessado em lady Laelia. Não podia perder tempo se distraindo com uma serviçal assim como Trev não deveria voltar àquele bordel, não importava o quanto a jovem lhe parecera atraente.

— Seja bem-vindo ao castelo Throckton, sir Blaidd! — uma voz profunda o saudou.

Blaidd se voltou para olhar em direção a uma escadaria em caracol no final do saguão. Um homem robusto, com vasta cabeleira grisalha e ombros largos, caminhava em sua direção. Estava impecavelmente vestido, trajando uma túnica azul escura com um cinturão dourado. Por sua maneira e desenvoltura, concluiu que se tratava do senhor do castelo.

Quando lorde Throckton alcançou a plataforma da escadaria, aproximou-se apressado com um sorriso prazeroso nos lábios que revelava os dentes

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alvos. Blaidd, no entanto, passara anos convivendo com a hipocrisia dos

cortesãos e logo notou que o sorriso amistoso não combinava com a expressão dos olhos castanhos. Eles eram tão circunspectos quanto os da amazona que guardava o portão.

Blaidd sentiu um frio na espinha. Era como se estivesse caminhando em areia movediça, embora a reação do lorde fosse compreensível. Que homem não suspeitaria da visita inesperada de um cavaleiro? Além disso, sua própria aversão a subterfúgios talvez o tornasse mais suspeito ainda.

— Saudações, lorde Throckton — retribuiu, inclinando-se. — Péssimo tempo para uma viagem — disse o nobre. — O que me torna ainda mais grato por sua hospitalidade. — É um prazer recebê-lo — o sorriso do lorde se alargou, mas o olhar

não perdeu a tonalidade sombria. — Suponho que não seja o mero acaso que o trouxe até aqui.

— Tem razão — replicou Blaidd com o mais amistoso dos sorrisos. — No entanto, o que me motivou a vir é um assunto que prefiro discutir a sós, se possível.

— Claro! Podemos conversar em meu solar. Dizendo isso, o dono do castelo guiou Blaidd em direção à escadaria pela

qual acabara de descer. Quando alcançaram o segundo pavimento, o lorde o orientou a entrar em uma confortável sala que deixava clara a opulência e o gosto pelo luxo do dono. Novas tapeçarias de cores variadas decoravam as paredes. Cadeiras de carvalho com assentos de seda na cor rubi estavam espalhadas em pontos estratégicos do cômodo e uma extensa mesa, coberta de pergaminhos e recipientes com tinta, destacava-se no ambiente. Cortinas de linho pendiam das janelas altas e estreitas, que fechadas impediam a entrada da brisa fria da primavera.

Com um suspiro de satisfação, o lorde se deixou afundar no acento sedoso da cadeira por detrás da mesa, e lhe indicou com um gesto o assento do lado oposto.

— Por acaso possui algum parentesco com sir Hu Morgan? — questionou lorde Throckton assim que o hóspede se acomodou.

Blaidd não escondeu a surpresa pelo fato de o nobre conhecer seu pai. — Sou seu filho. Conheceu-o? — Não. Como acredito que saiba, não costumo freqüentar a corte —

respondeu o lorde, sorrindo. Westminster e Londres são muito barulhentas e povoadas para meu gosto. Mas ouvi falar dele. É um homem muito bem relacionado.

— Meu pai também não costuma ir à corte com freqüência — informou Blaidd, decidido a não comentar sobre as importantes amizades que ele possuía. — Compartilha sua antipatia pelas cidades e prefere ficar em casa.

— Com sua mãe que é reputada como a mulher mais bela de seu tempo — observou o nobre, dando de ombros. — É um homem sábio. — Blaidd limitou-se a concordar com um gesto de cabeça. — Lembro-me de que muitas pessoas ficaram chocadas com o fato de lady Liliana casar-se com um homem de origem tão humilde.

Embora o comentário não fosse pontuado por malícia ou desrespeito, o queixo de Blaidd se contraiu como sempre acontecia quando alguém se referia

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daquela forma ao casamento de seus pais. — Meu pai era um cavaleiro quando eles se uniram. — E belo como o filho — elogiou o lorde. — Suponho que tenha a

intenção de fazer a corte a minha filha. — As qualidades de lady Laelia são comentadas na corte, e sou um

homem solteiro. Espero que a origem de meu pai não seja um empecilho para o senhor. Quero sua permissão para conhecê-la.

— Decerto que sim. Tenho grande respeito por homens que venceram na vida — retrucou lorde Throckton em tom sincero. — E minha filha também.

— Então posso contar com sua aquiescência para cortejá-la, se assim for o desejo de lady Laelia?

O nobre pôs-se a brincar com o anel em seu dedo anular esquerdo e, em seguida, lançou-lhe um olhar avaliador. A atmosfera na sala mudou completamente.

— O senhor não perguntou pelo dote, sir Blaidd. — Pelo que ouço falar das prendas de sua filha, creio que ela seja o

próprio tesouro. O nobre pareceu lisonjeado. — Concordo, mas suponho que não lhe desagradará o fato de saber que

o dote dela não será pequeno — fez uma pausa deliberada. — Mas também não será o maior do qual já ouviu falar. Posso lhe adiantar que desde que minha filha completou doze anos de idade, recebo freqüentes ofertas de pretendentes e nenhum até agora reclamou da quantia.

Blaidd sorriu para o anfitrião. — Apesar de meus trajes, não sou um homem pobre que considera

apenas o dote quando se trata de uma noiva. Estou trajando vestes ordinárias para evitar os ladrões nas estradas.

— Devo alertá-lo, sir Blaidd, que não é o coração de Laelia que deve conquistar. E sim minha estima. Seja o senhor um cavaleiro ou um plebeu, bem apessoado ou não, amigo do rei ou não, é a mim que deve impressionar, não a ela. Eu recusei todos os pretendentes que vieram até agora. Ainda está disposto a cortejá-la?

Blaidd assentiu. — Se estiver disposto a me dar uma oportunidade, milorde. — Estou, e é bem-vindo a ficar o tempo que quiser — o nobre apoiou-se nos braços da cadeira e se ergueu. — Agora que chegamos a um acordo, sir Blaidd, o jantar já deve estar

pronto e eu estou faminto. Podemos? — disse, indicando a saída. O cavaleiro seguiu lorde Throckton até a sala de jantar repleta de mesas,

cadeiras, criados e guardas. Trev os aguardava junto a uma das mesas. Depois de um discreto aceno de cabeça a Blaidd, o escudeiro continuou a observar a opulência do lugar.

Os homens presentes pareciam ansiosos pelo início do jantar. Não podia culpá-los, a julgar pelo aroma agradável que emanava da cozinha.

— Aqui está minha adorável Laelia — disse o lorde. O olhar de Blaidd seguiu o gesto do anfitrião e o que

viu o deixou bem impressionado. Já vira beldades irretocáveis na corte, mas nunca conhecera mulher mais bela do que aquela diante de si. Trajando

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um vestido de veludo azul claro, lady Laelia era uma visão angelical, com feições perfeitas, pescoço delicado e cascatas de cabelos loiros caindo sobre os ombros delgados. A imagem ficava ainda mais perfeita pela atitude modesta da dama. Ela baixou a cabeça e fitou o chão de junco.

— Não é uma beldade? — De fato, milorde, faltam-me palavras para expressar meu

encantamento. Lorde Throckton deu de ombros, orgulhoso, e continuou a caminhar pelo

aposento como um alazão imponente. Blaidd arriscou um olhar a sua volta e uma onda de choque o envolveu

inexorável. Que diabos estava fazendo aquela serviçal sentada à mesa principal? Não

se tratava de uma simples criada? E se não o fosse, quem seria ela? O que estaria fazendo, montando guarda no portão?

Talvez fosse uma amiga de lady Laelia, e aquele interrogatório não passasse de uma brincadeira.

Mas então, por que estaria sentada enquanto o lorde Throckton ainda estava de pé?

Os olhos azuis brilhantes encontraram os seus e, mesmo àquela distância, Blaidd podia notar que ela se divertia com sua surpresa. Enquanto lhe sustentava o olhar, um sentimento de determinação apossou-se dele. Quem quer que fosse aquela mulher, e o que quer que estivesse pensando, iria se arrepender do dia em que o fizera de tolo.

Lorde Throckton caminhou um pouco mais à frente e tomou a mão da bela loira.

— Esta é minha filha, lady Laelia. Laelia este é sir Blaidd Morgan. A jovem não ergueu a cabeça ou os olhos. Ele se inclinou, tomando a

mão direita da dama e levou-a aos lábios. — Milady, os rumores sobre sua beleza não lhe fazem justiça. Fora um elogio pouco original. Costumava se empenhar em exaltar a

beleza de uma dama, mas a presença da insolente vassala parecia embotar-lhe a mente.

— Seja bem-vindo ao nosso lar — replicou lady Laelia, erguendo um par de belos olhos verdes para fitá-lo. O tom de voz era agudo e ansioso, como o de uma menina. Ou de uma mulher, tentando parecer mais jovem.

A moça de cabelos castanhos limpou a garganta. Seria ela alguma parenta louca? Isso explicaria seu comportamento impróprio.

Lorde Throckton ergueu as grossas sobrancelhas e franziu o cenho, olhando na direção da suposta criada.

— Sir Blaidd, esta é Rebecca. Minha outra filha. Filha? repetiu Blaidd para si mesmo. Nunca ninguém havia mencionado que o lorde tinha outra filha. Talvez

por ela não ser tão bela quanto Laelia, mas bastante insolente. A falta de beleza física, podia explicar sua rudeza. A inveja podia tê-la

transformado em uma megera amarga. — Nenhum elogio para mim, sir Blaidd? — provocou Rebecca, inclinando

a cabeça para o lado e esboçando um sorriso cínico. — Admito que não sou páreo para Laelia, mas os cortesãos não são especialistas em lisonjas? Por certo não irá me desapontar.

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Aceitando o desafio, Blaidd levou a mão ao peito e adotou um tom de voz baixo e provocante que costumava reservar para encontros amorosos.

— Longe de mim desapontar uma dama… sob qualquer pretexto. Ele se aproximou e lhe tomou a mão, erguendo-a até os lábios.

Depositou um beijo suave sobre as articulações dos dedos delicados, e ergueu o olhar para fitá-la.

— A senhorita, milady, é a mulher mais surpreendente que jamais conheci.

A face delicada se tornou rubra, enquanto ela retirava a mão apressada. — Não considero isso um elogio, senhor cavaleiro. Não me impressionou. Ele curvou os cantos dos lábios em um sorriso indolente que costumava

dar a uma mulher depois de ter feito amor com ela. — Asseguro-lhe que um homem gosta de ser surpreendido por uma

mulher, e uma dama que consegue fazê-lo é uma criatura rara. Por um breve instante os olhos dela se dilataram de surpresa, e Blaidd

conteve um grito de triunfo. Mas logo em seguida ela o fitou com o já familiar brilho zombeteiro no

olhar. — Criaturas? — ela perguntou. — É isso que as mulheres significam para

o senhor? Criaturas? Blaidd sentiu os músculos tensionarem e em instantes se tornou o

cavaleiro que vencera muitos torneios. — Considero as mulheres que fazem troça com seus convidados meras

criaturas. — Becca, já ouvimos o bastante por hora! — declarou lorde Throckton.

Dizendo isso, passou apressado pela filha e sentou-se em uma cadeira de espaldar alto que lembrava um trono. — Este homem é nosso convidado e deve ser tratado como tal.

Ela desviou o olhar de Blaidd para se reportar ao pai. — Eu o estou tratando como faço com todos os pretendentes de Laelia. A forma como a irmã comprimiu os lábios confirmava a informação de

lady Rebecca. — Danação, Becca! Esse é o problema. Quando vai aprender a se

comportar? Por que não se porta como sua irmã? — Porque não sou igual a ela. — Sabe ao que estou me referindo! — lorde Throckton fez um gesto

brusco, indicando um acento a seu lado direito. — Sente-se, sir Blaidd. Não dê importância a Rebecca. — E olhando ao redor perguntou. — Onde está esse padre? Vamos dar graças antes de jantarmos.

Concluindo que aquele tratamento entre pai e filha devia ser costumeiro, pois do contrário, não discutiriam na presença de um estranho, o cavaleiro optou por obedecer ao lorde Throckton e tomou o acento destinado aos convidados de honra, entre o anfitrião e lady Laelia. Becca se acomodou ao lado esquerdo do pai e, para sua surpresa, depois que a prece foi feita, ficou em silêncio.

A conversa versou sobre os ex-pretendentes de lady Laelia. Toda vez que se fazia silêncio, a dama permanecia calada e limitava-se a responder de forma concisa às perguntas de Blaidd, não obstante o esforço do cavaleiro em parecer galante.

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Parecia que haviam lançado um feitiço naquele lugar, neutralizando sua capacidade de atrair as mulheres. Por outro lado, tinha de continuar no castelo Throckton mais algum tempo. Se cortejar a dama era a forma de consegui-lo, teria uma boa desculpa para se demorar.

Olhou em volta e descobriu Trev, conversando com uma jovem criada que lhe servia o vinho. A menina gingava o corpo e enrolava uma mecha dos cabelos castanhos entre os dedos enquanto falava. Os sinais femininos de interesse, pensou Blaidd. Talvez devesse lembrar ao escudeiro seus deveres como convidados.

— … então mandei aquele janota às favas — disse lorde Throckton, interrompendo-lhe os pensamentos. A voz do nobre já estava alterada pela quantidade de vinho que bebera. — Foi o último que expulsei antes do senhor.

Aquilo significava que seu relato estava chegando ao fim, pensou Blaidd aliviado.

O anfitrião apoiou as duas mãos na mesa e se ergueu. Blaidd ameaçou seguir-lhe o exemplo, mas o lorde o deteve.

— Vou ao toalete. Este vinho francês tem efeito imediato sobre meus sensíveis intestinos — informou o nobre, piscando para Blaidd. — Mas é bom demais para ser evitado — acrescentou, afastando-se e deixando apenas uma cadeira vazia entre o cavaleiro e lady Rebecca.

Blaidd não resistiu à tentação. — Então, milady — começou ele. — Costuma bancar a sentinela? Becca lhe voltou um olhar impassível. — Não, senhor cavaleiro. — Mas hoje resolveu se divertir a minhas custas? — Não apenas eu. A tropa também se entreteve deveras. Desculpe-me

se não achou graça. Ele não acreditou no pretenso arrependimento da dama. — Ninguém gosta de ser feito de tolo. — Concordo. Especialmente os jovens cavaleiros que costumam ter o

mundo a seus pés. Mas a humildade engrandece a alma, não acha? — Claro que sim. É uma pena que a senhorita não possua essa virtude. — Como pode afirmar isso? Claro que sou humilde. Como não poderia

ser, se tenho de me comparar a minha irmã todos os dias. — E o que a motivaria, senão a arrogância, a se achar no direito de fazer

troça com um cavaleiro? — E o senhor se julga humilde? Um homem que sorri para todas as

mulheres que conhece como se elas estivessem salivando de desejo por si? — Becca! — ofegou lady Laelia. Blaidd havia esquecido a presença da outra dama. — Não se incomode, milady — acalmou-a o cavaleiro. — Não estou

ofendido. Apesar disso a expressão de Laelia não se suavizou. Ao contrário, seus

lábios se contraíram e a face enrubesceu. Blaidd já vira muitas mulheres em guerra. Conhecia aqueles sinais.

— Se está tão disposta a falar, minha irmã — rosnou entre dentes. — Por que não conta a ele sobre o dia que caiu da macieira?

Foi a vez da face de Becca se tornar rubra. Ela lançou um olhar gélido à irmã. Blaidd teve a impressão de estar em meio a uma linha de fogo entre dois

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inimigos. — Gostaria de escutar essa história, milorde? — o tom de voz sereno não

combinava com a expressão furiosa de Laelia. — É muito interessante. — Acho que já ouvi histórias demais por esta noite. Em vez disso, não

poderíamos escutar música? — questionou Blaidd, tentando apaziguar os ânimos.

Lady Rebecca continuou a fitá-lo com frieza. — Ouvi dizer que os galeses são excelentes cantores. Talvez possa

confirmar essa fama. — Ele é um convidado de honra, não um trovador — protestou lady

Laelia. Blaidd sorriu para as duas damas, demonstrando que não ficara

ofendido. — É verdade que a maioria dos galeses são bons cantores, o que muito

nos orgulha. Se desejar ouvir minha humilde voz se arriscar em uma melodia, terei prazer em satisfazê-la.

Naquele momento, lorde Throckton surgiu, caminhando cambaleante até onde estavam e afundando em sua cadeira.

— O que se passou aqui? — Becca foi… — Desagradável como sempre sou — interrompeu ela. — Sir Blaidd

acabou de se oferecer para cantar uma melodia galesa. — Verdade? — perguntou o lorde, ignorando a primeira parte do

comentário da filha. — Isso é maravilhoso! Sempre quis ouvir uma canção galesa. Mas antes, o que me diz de um pouco de dança? — E voltando-se para a jovem serva com a qual Trev estivera conversando. — Meg, traga a harpa de Rebecca! Bran, Tom, afastem as mesas!

Enquanto os criados se apressavam em cumprir de pronto as ordens do patrão, o cavaleiro se voltou admirado para o anfitrião.

— Sua filha toca harpa? — questionou Blaidd. — E muito bem — replicou lorde Throckton inclinando-se para sua

direita. — Mas não tão bem quanto minha Laelia dança. Aquilo explicava a urgência na dança. Queria ressaltar os dotes da filha

casadoura. Meg voltou, trazendo consigo o instrumento. O modo cuidadoso como o

entregou a Rebecca, sugeria o valor inestimável que ele possuía para sua dona, embora fosse uma harpa simples.

Enquanto lady Rebecca ajustava o instrumento, Blaidd se ergueu e estendeu a mão para Laelia. Ela aceitou de pronto e deixou que ele a guiasse para o centro do salão.

E então a impertinente dama começou a tocar. E que talento possuía! pensou Blaidd. Enquanto dedilhava as cordas,

balançava o corpo, perdida nos acordes suaves da música. Se vivesse em Gales, seria muito mais valorizada do que a irmã por seu

talento. Lady Laelia era uma excelente dançarina, mas o fazia com o automatismo de um soldado em marcha.

A dança chegou ao fim, e todos aplaudiram com entusiasmo. Blaidd afastou-se de Laelia, caminhando em direção à irmã.

— Magnífico, milady. Seu talento é invejável. Se dança tão bem quanto

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toca, encantaria a corte. Espero que me conceda o prazer da próxima dança. Em vez de se mostrar lisonjeada, a dama o fitou como se quisesse

fulminá-lo. Com movimentos lentos, se ergueu, apertando a harpa até que as juntas ficassem brancas.

— Se me der licença, sir Blaidd. Vou me retirar. E assim o fez.

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Capítulo TrêsCapítulo TrêsCapítulo TrêsCapítulo Três Movimentar-se na fria escuridão da capela era como mergulhar nas

águas geladas de um rio à noite, refletiu Becca, enquanto fechava a pesada porta atrás de si. Antes de seu acidente, durante os meses quentes de verão, costumava sair do castelo ao anoitecer para um mergulho no tanque abaixo do moinho.

Aquele tipo de aventura acabou quando caiu da macieira. Afastando aqueles dias felizes da mente, caminhou vagarosamente,

apoiando uma das mãos na parede para guiar seus passos. O ar tinha o aroma de umidade e incenso. Uma única vela ardia próximo

à imagem da Virgem Maria. A luz da lua penetrava através das janelas estreitas.

Becca se ajoelhou em frente à santa e uniu as mãos em uma prece. — Pai do céu. Fazei com que o dia de amanhã seja melhor, para que eu

possa cavalgar um pouco. Se eu não puder, conceda-me o dom de manter minha boca fechada para não dizer coisas das quais me arrependa. Faça com que eu não tenha inveja de Laelia. Ela não tem culpa de ser bonita. Ajudai-me a conter minha raiva por não poder ter um pretendente como… — suspirou fundo e apertou as mãos até as juntas se tornarem brancas. — Por não ter um homem que deseje casar comigo — corrigiu. — Não quero ser desagradável, mas ter outro cavaleiro em nossa casa, desejando cortejar Laelia é difícil de suportar! — a voz se elevou cheia de rancor. — E agora apareceu esse homem cujo sorriso e voz me fazem sentir como se estivesse envolta em um manto de veludo. O mero roçar de seus lábios em minha mão, faz-me o sangue ferver… — prendeu a respiração sem poder conter o rubor que lhe assomava à face. — Oh, Deus! Afastai esses pensamentos luxuriosos de minha mente. Permiti-me aceitar meu destino.

No silêncio que se seguiu à fervorosa oração, Becca ouviu a porta se abrir e depois fechar.

Assustada, tentou se levantar de imediato, apesar de ter uma das pernas um pouco mais curta. Contendo um espasmo de dor, olhou ao redor e avistou a silhueta de um homem próximo à janela. Não havia como não reconhecê-lo. Nenhum homem no castelo Throckton usava o cabelo na altura dos ombros.

Estaria Deus brincando com ela? Enviar justo o cavaleiro que lhe inspirava os pensamentos que acabara de rogar para que Ele os afastasse de si?

Decidida a não deixar seus pensamentos transparecerem, ergueu o queixo em uma atitude desafiadora.

— O que deseja, sir Blaidd? — Como sabe que sou eu? — inquiriu, enquanto se aproximava dela. — Seus cabelos são característicos. Além disso, todos no castelo, sabem

como essa porta range e teriam cuidado se quisessem entrar sem serem ouvidos.

Ele se aproximou, encurtando a distância entre eles. — Não tinha intenção de entrar despercebido. Estava procurando por

meu escudeiro e a vi entrar aqui. Achei que seria uma boa oportunidade para me desculpar de qualquer ofensa que lhe tenha feito.

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O tom de sua voz parecia bastante sincero, apesar de ele não ter motivos para se desculpar. Além disso, Becca nunca vira um cavaleiro expressar arrependimento, muito menos com relação a ela.

— O senhor não sabia que sou aleijada — disse ela, decidindo ser um pouco magnânima também. — Desculpe se aborreci um convidado de honra de meu pai. Não é o comportamento adequado para uma dama.

— O que diz de recomeçarmos, milady? Becca contornou o altar de madeira até que ele ficasse entre ambos

como uma barreira defensiva. — Concordo, sir Blaidd. Esqueçamos minha insolência no portão e seu

convite para dançar e comecemos de novo. — Excelente! O prazer genuíno que o cavaleiro demonstrava a surpreendeu e a

agradou ao mesmo tempo. Talvez o nobre estivesse apenas sendo educado e tentando evitar

problemas enquanto fosse hóspede de seu pai. — Agora que chegamos a um acordo, o senhor pode se retirar. Não é

adequado ficarmos sozinhos aqui. — Suponho que não. Mas antes pode responder a uma pergunta? Ela consentiu. — Costuma brincar de sentinela ou aquela foi uma acolhida especial? — Apenas de vez em quando — replicou, decidida a não admitir que o

vira se aproximar com o escudeiro e decidira testá-lo para saber se era tão arrogante quanto os outros.

Blaidd se curvou em uma mesura. — Sinto-me honrado por ter me destacado da horda de pretendentes que

vêm cortejar sua irmã. — Tem razão, senhor cavaleiro, o senhor é um entre muitos que já

vieram. — Então quis pôr-me à prova antes que eu conhecesse sua irmã mais

nova? Espero ter passado no teste, uma vez que sua opinião parece ter muito valor para lady Laelia.

Becca cruzou os braços sobre o peito. — Sou a caçula. — Perdoe-me — disse ele, tomado de surpresa. — Ela parece menos…

madura. A dama o olhou com desconfiança. Não sabia se podia considerar aquilo

um elogio. — Isso explica a necessidade de casá-la. Assim ficará livre para aceitar

seus próprios pretendentes. Ela o fitou, estarrecida. Nunca alguém sugerira que ela estivesse solteira

por causa de Laelia. — Nunca houve ofertas de casamento para mim. — Como assim? Nenhuma? O cavaleiro parecia de fato chocado. Becca lutou para manter seu autocontrole e resolveu mudar de assunto. — Não estava procurando por seu escudeiro? — Sim. Quero me certificar de que ele não se meta em confusão. É a

primeira vez que sai do seio da família e tem o gosto da liberdade. Muitos

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homens nessa situação acabam agindo sem medir as conseqüências. — Acha que ele roubará alguma coisa? — Não. Ele nunca faria isso. — O que teme …? — deteve-se, pensando no jovem que conversava com

Meg. Em seguida, conteve uma imprecação, encaminhando-se para a porta. — Sua preocupação tem fundamento, sir Blaidd. Se ele tentar

importunar qualquer uma de nossas criadas, serei obrigada a pedir a meu pai que os mande embora. Eu já vi os problemas que um belo nobre pode causar…

Blaidd a segurou pelo braço. O contato era caloroso, forte e irresistível. — Não vejo razão para se preocupar tanto. Trev é um bom rapaz, e

quando eu o encontrar, farei uma severa recomendação para que… — Está dizendo que lhe recomendará não seduzir as serviçais? —

questionou ela, com olhar cético. — Exatamente — replicou Blaidd em tom firme. Aquilo poderia ser o suficiente para deter o adolescente, mas as criadas

daquele castelo eram sua responsabilidade e não permitiria que nenhum convidado abusasse delas.

— Isso não quer dizer que ele lhe obedecerá. Seu escudeiro e Meg são muito jovens para pensar nas conseqüências — argumentou Becca, escancarando a porta.

Quando deu um passo em direção ao pátio, avistou Meg saindo da cozinha e se encaminhando em direção aos aposentos dos empregados. Sozinha. Não querendo ser vista pela criada, voltou à capela, deixando a porta entreaberta. Blaidd parou muito próximo a ela. O corpo másculo perfeito a apenas alguns centímetros de distância.

— O que foi? — perguntou, seguindo-lhe o olhar. — Lá está Meg — retrucou ela, apontando em direção à criada e

tentando ignorar a força que emanava da presença viril. A serviçal subiu apressada a escada externa e com apenas um olhar para

trás, adentrou o aposento. Blaidd suspirou aliviado. — Aquela era a criada com quem Trev estava conversando e a essa hora

ele já se recolheu. Foi um dia bastante cansativo. Assim que ele completou a frase a porta da cozinha se abriu e seu

escudeiro saiu para o jardim. O jovem olhava ao redor como a procurar alguém. Instantes depois, aparentando uma certa frustração, voltou para a cozinha, batendo a porta atrás de si.

Blaidd soltou uma imprecação. — Vejo que terei de ter uma conversa austera com Trev. — Concordo — retrucou Becca. — Dou-lhe minha palavra de cavaleiro da realeza que direi a Trev que se

não adotar uma conduta impecável, não só o mandarei de volta como o envergonharei perante o pai.

— Não me parece uma punição tão rígida para um menino dessa idade. — Fala isso por que não conhece o pai dele. Já ouviu falar de sir Urien

Fitzroy? — O homem que treina os cavaleiros nas artes da guerra? — Sim. Eu mesmo fui treinado por ele. E acredite-me, milady, não

haverá castigo maior para Trev. De repente Becca se sentiu penalizada pelo rapaz.

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— Espero que isso não seja necessário. Falarei com Meg também. Hesitou por instantes e depois resolveu explicar sua reação. Não queria

que ele a considerasse tão severa. — Tivemos uma criada chamada Hester. Era ainda mais bela do que Meg

e talvez um pouco mais atrevida. Certo dia, um jovem cavaleiro que viera com a intenção de cortejar Laelia, partiu sem ao menos se despedir. Achamos que meu pai o dispensara por não achá-lo adequado. Algumas semanas depois, descobrimos que Hester esperava um filho dele. O nobre encheu a pobre criada de promessas a fim de levá-la para a cama. Pedi a meu pai que enviasse um mensageiro, levando a notícia do bebê. Esperava que ele lhe mandasse algum dinheiro, ou mesmo uma carta com palavras de apoio, mas tudo o que o cavaleiro fez foi dizer que Hester deveria ser grata por ele a ter introduzido na arte do amor.

Becca estremeceu de revolta. — A luxúria daquele homem destruiu Hester. Para seu infortúnio ela

perdeu o bebê, e com ele toda sua alegria de viver. Blaidd lhe acariciou o queixo. — Acho que não é apenas sua irmã ou os portões deste castelo que você

protege, milady — disse ele em tom suave. — Sua preocupação é tocante. Becca deu um passo atrás, afastando-se daquele toque firme e daquela

voz cativante. — Prometo-lhe solenemente que não permitirei que Trev faça algo tão

repugnante. — Obrigada — murmurou ela, ofegando. Blaidd estendeu a mão e a pousou sobre o ombro delgado. Rebecca

entreabriu os lábios para pedir que se afastasse, mas as palavras lhe morreram na garganta. Nunca alguém a tocara daquela maneira. Como se ela fosse frágil e preciosa.

Sendo assim, não resistiu quando ele a puxou para si. Para ser sincera consigo mesma, não tinha vontade de protestar. Deslizou as mãos em torno do corpo viril permitindo o que estava por vir.

E então ele a beijou. Os lábios sensuais roçaram os dela em um contato macio. Becca recostou-se ao corpo másculo, permitindo que Blaidd aprofundasse o beijo, enquanto o correspondia com igual intensidade.

Que sensação maravilhosa! Depois de todos aqueles, anos à sombra de Laelia, pensar que um homem podia desejá-la. Ele a fazia acreditar ser uma mulher normal e atraente. O desejo que emanava daquele homem lhe incendiava o corpo e lhe embotava a mente.

Uma das mãos de Blaidd deslizou ao longo das costas franzinas até alcançar as nádegas e pressionou-a de encontro ao corpo viril excitado, enquanto a outra a amparava. Becca precisava daquele suporte para não desfalecer de desejo. Sem poder conter o clamor de seu corpo, deslizou as mãos pelos ombros largos, sentindo os músculos exaltados.

Um grito ecoou no ar, anunciando a troca da guarda e recordando-a de onde estava e de quem ela era. Não era a bela Laelia. Não passava de uma jovem de beleza comum. A moça cujo defeito físico impedia que qualquer homem se interessasse por ela. E aquele belo cavaleiro estava ali para cortejar sua irmã.

Então por que ele a beijava? O que almejava com aquilo? Sedução?

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Poder? Não permitiria que homem algum a usasse para seu propósito, qualquer que fosse.

Pensando assim o empurrou. — Essa é sua idéia de conduta honrada? — inquiriu, indignada. — Pensa

que só pelo fato de ser aleijada e solitária devo estar ansiosa por ser seduzida? — Deus, não! — exclamou Blaidd, quando conseguiu recobrar o

equilíbrio. — Juro-lhe, milady… — Pode jurar pelo que quiser, mas me beijar é uma maneira estranha de

cortejar Laelia. Ou sou apenas um meio de por em prática sua técnica? Blaidd se empertigou. As costas tão eretas quanto uma lança. — Não tinha a intenção de beijá-la quando vim até aqui e para seu

governo, não tenho o hábito de seduzir as filhas de meus anfitriões, por mais tentadoras que sejam.

— Então o que significou esse beijo? — Se não sabe, então foi um estúpido engano, o qual não cometerei

outra vez — replicou feroz. Ótimo. Era mais fácil lidar com homens irados. — Se eu fosse o senhor, não tentaria seduzir Laelia também —

aconselhou-o. — Ela pode parecer um pouco tonta, mas quando se trata de homens e seus truques sujos, minha irmã os conhece todos.

Blaidd aproximou-se, parecendo ainda mais alto e ameaçador. Cada centímetro do corpo atlético refletia o guerreiro acostumado a vencer torneios.

— Não costumo lançar mão de truques sujos quando desejo conquistar uma mulher, portanto seus conselhos são inúteis. E devo dizer que esse beijo foi um tanto ousado para uma modesta donzela de limitada experiência. O que me faz imaginar o que a senhorita estaria fazendo aqui a essa hora da noite. E não tente me convencer que é uma devota que de repente foi tomada por uma vontade súbita de rezar — vociferou ele, percorrendo com olhar malicioso o corpo franzino. — Interrompi alguma coisa? Estava esperando alguém?

— Como ousa se referir a mim nestes termos? — perguntou Becca, com a face rubra de raiva.

— Como se atreve a suspeitar da probidade de meus propósitos? — O senhor me beijou! — E a senhorita correspondeu! — Não tive escolha. — Claro que teve. Poderia ter me impedido a qualquer momento. Mas

não o fez, ao contrário, gostou. — Oh! Trata-se de um especialista em sentimentos' femininos? — Apenas sei reconhecer quando o desejo de uma mulher corresponde

ou supera o meu. — De todos os homens arrogantes, pretensiosos e hipócritas que já

conheci… — Sim. Você os supera. — Seu… seu vil e repugnante aproveitador! Nunca mais ouse se

aproximar de mim novamente! — disparou, dando um passo à frente, determinada a se afastar daquele homem.

— Acredite-me, não o farei! — gritou Blaidd a suas costas. Todos as imprecações galesas escaparam de seus lábios em um

murmúrio de frustração e raiva. Como aquela mulher ousava por em dúvida

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sua honradez? Por certo, beijá-la fora um tanto… Ora, havia sido um idiota, deixando-se levar pelo desejo e esquecendo o verdadeiro propósito de sua estada no castelo. Descobrir se lorde Throckton estava conspirando contra o rei Henry.

Não seria capaz de cumprir seu dever se o anfitrião o expulsasse no dia seguinte devido a sua ousadia. Deveria ter se controlado, não obstante quão tentadora fosse a dama.

— Tola! — resmungou, enquanto Blaidd, se dirigia apressado ao prédio que abrigava o quarto dos hóspedes.

Quando alcançou o cômodo que dividia com Trev, abriu a porta com cuidado e adentrou o aposento pé ante pé. Um braseiro ficava localizado próximo a sua cama, bem como o baú que continha a bagagem dos dois. A esquerda, estava posta uma mesa com uma bacia de água destinada à higiene. Não havia tapeçarias ou tapetes, mas o lugar era bastante confortável.

Para seu desagrado, Trev ainda não havia adormecido. — Onde esteve? — questionou o escudeiro, erguendo-se em um impulso.

— Estava começando a me preocupar. — Procurando você — retrucou Blaidd, com sinceridade. O rapaz lhe lançou um olhar inquisitivo. — Estou aqui há bastante tempo. O cavaleiro resolveu abordar o assunto sem rodeios. — Não sem antes andar à procura de Meg, a bela criada. A face do adolescente se tornou rubra de vergonha. — Esteve me espionando? — Vi quando foi procurá-la no jardim, como qualquer pessoa poderia ter

visto — replicou Blaidd cansado de acusações por aquela noite. — Observei-a sair apressada da cozinha e você foi logo atrás dela.

— E que mal há nisso? — Preste atenção no que vou lhe dizer. Meg é uma serviçal e você um

nobre que está hospedado na casa de seu senhor. Seria um insulto à hospitalidade de nosso anfitrião, envolver-se com a criadagem.

— E se ela… estiver interessada? Blaidd recordou um conselho que certa vez seu pai lhe dera. — Certos atos acarretam responsabilidades para um homem honrado. E

se ela ficasse esperando um filho seu? — Oh! — exclamou o escudeiro envergonhado. — Nesse caso você teria dinheiro o suficiente para sustentá-la? E o que

faria se um dia um rapaz batesse à sua porta alegando ser seu filho? Teria coragem de acolher um bastardo?

— Não havia pensado nisso — confessou o mancebo, pensativo. — Mas com uma prostituta seria diferente…

— Não vai freqüentar nenhum prostíbulo enquanto estiver sob minha guarda! — afirmou Blaidd em tom autoritário que pareceu surtir efeito.

Trev engoliu em seco, concordando. Blaidd sentiu uma pontada de arrependimento pelo tom ríspido com que

se referiu ao rapaz. Afinal, ele mesmo não tivera uma atitude apropriada aquela noite. Não sabia qual seria a repercussão de seu ato.

— Talvez tenhamos que partir amanhã.

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Os olhos do adolescente se dilataram de surpresa. — Por quê? — Tive uma discussão com lady Rebecca. E antes que me recrimine,

devo lhe dizer que sei que foi uma idiotice de minha parte. Trev, no entanto, não o criticou. — Parece-me uma dama afeita a discussões. Acho que o pai e a irmã

também não aprovam seu comportamento. Talvez eles lhe dêem razão. — Descobriremos amanhã — disse Blaidd, descalçando as botas. —

Agora durma. Talvez tenhamos que voltar à estrada mais cedo do que esperávamos.

Quando o escudeiro adormeceu, Blaidd fitou o teto pensativo. Se tivessem de partir no dia seguinte, como ma explicar o fracasso de sua missão ao rei?

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Capítulo QuatroCapítulo QuatroCapítulo QuatroCapítulo Quatro Na manhã seguinte, lady Laelia se encontrava de péssimo humor. Becca

havia aprendido com a experiência que o melhor a fazer naquelas ocasiões era permanecer em silêncio até que a irmã se dignasse a falar. Sendo assim, limitou-se a observar Meg ajudar Laelia a amarrar as fitas do lindo vestido de veludo verde-esmeralda, em frente ao amplo espelho do quarto que dividiam. Em seguida, a irmã mais velha se sentou ao tocador repleto de potes de creme e perfumes e começou a pentear os cabelos, passando em seguida a se dedicar às jóias.

Becca não possuía fitas ou badulaques e as suas poucas jóias estavam guardadas em uma pequena caixa com desenhos em alto-relevo que ficava guardada ao lado de sua cama. O leito de Laelia era recoberto por lençóis de linho e grandes travesseiros. Cortinas acetinadas cor de pêssego bloqueavam o ar frio da manhã. A cama de Becca era tão suntuosa quanto a da irmã. Não era afeita a usar trajes tão caros, porém não dispensava o conforto.

Quando eram crianças, costumavam dividir a cama, que agora pertencia a Becca. Cochichavam animadas até o sono chegar, mas tudo mudou depois do acidente da irmã mais nova. Laelia não podia mais dividir o leito com Rebecca e o lorde comprou uma cama nova para ela.

Era fácil deduzir o motivo pelo qual Laelia estava tão aborrecida naquela manhã. Ficara furiosa quando Rebecca saiu claudicante em disparada pelo corredor. Sem contar com a recepção pouco calorosa que a caçula havia dispensado a sir Blaidd no portão.

Laelia ficara sabendo antes do jantar da troça que Becca fizera com o cavaleiro por ocasião de sua chegada, e a discussão que tivera com Blaidd no salão parecia ter aumentando ainda mais sua ira. Por sorte, Laelia estava dormindo quando Becca voltou da capela, poupando-a de uma desagradável discussão.

Mas naquele momento, à luz do dia, e levando em conta que o pai nunca tomava seu partido, decidiu que o melhor seria não tocar no assunto. Não havia motivos para acreditar que sir Blaidd seria considerado merecedor da mão de Laelia.

Por sua vez, também não se comportara como uma dama. A despeito da beleza e da voz macia do cavaleiro, deveria ter se retirado da capela no momento em que ele chegou.

Por essa razão e para evitar maiores conflitos, decidiu não dizer nada sobre o encontro noturno com o cavaleiro, pelo menos enquanto ele estivesse disputando a mão da irmã.

— Foi muito rude com sir Blaidd ontem à noite — manifestou-se Laelia, observando a expressão pensativa da outra pelo espelho. — E sobre a brincadeira de mau gosto no portão, aposto que Dobbin a incentivou a fazê-lo.

— Claro que não. Foi idéia minha — replicou Becca determinada, enquanto tentava amarrar as fitas de sua túnica. Estava usando um vestido marrom simples por baixo e raramente necessitava de assistência para se vestir.

— O que torna o fato ainda pior. E depois, sair claudicando pelo salão como… uma… sei lá o que! Se sir Blaidd decidir partir hoje, a culpa será toda

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sua! Não lhe agradava o fato de ser repreendida como uma criança. — Parece muito empolgada com o galês. Não sabia que se impressionava

tão facilmente. — O quê? — inquiriu Laelia, indignada, enquanto Becca penteava os

cabelos para depois prendê-los o mais rápido possível e tentar escapar daquela discussão. — Não estou impressionada, mas não posso negar que ele é bonito, charmoso e um cortesão. Há de concordar comigo que, dada à opinião de papai sobre a rainha Eleanor, não é sempre que recebemos um homem da corte aqui.

Parecia que sir Blaidd tinha uma vantagem na opinião de Laelia. — Desculpe-me, por um momento esqueci-me de sua obsessão por ser

apresentada à corte. — Enquanto você prefere ficar enfurnada aqui neste… deserto, cercada

de camponeses. — Gosto deles — retrucou Becca em tom sereno, enquanto arrumava a

própria cama. — Será que nunca terá respeito por sua classe? — Eu tenho, bem como pelas responsabilidades inerentes a ela, mas não

almejo casar com um homem só para ser apresentada à corte. — Essa não é a única coisa que admiro em sir Blaidd. E me atrevo a

dizer que o simples fato de ele ser um homem lhe desagradou. Você detesta os homens.

— Isso não é verdade. — É sim! — vociferou Laelia. — Nenhum homem que veio aqui até hoje

gozou de sua simpatia. — Porque todos eram superficiais, mimados e arrogantes. — Não pode dizer isso de sir Blaidd. Suas roupas e seus aparatos

militares são simples e ele não me parece arrogante. De fato, o cavaleiro trajava vestes bastante comuns quando chegou ao

portão. Um capote de lã pendendo dos ombros largos e a calça de tecido grosseiro colada às coxas musculosas. No jantar, usava uma túnica simples com alguns bordados na bainha e uma camisa branca por baixo.

— Talvez se vista dessa maneira por ser pobre — argumentou Becca. O que significaria que o cavaleiro não estaria à altura de desposar Laelia.

— Papai disse que ele é rico. Rebecca se viu tentada a lhe lembrar que o pai também cometia

enganos. As censuras públicas que lançava à esposa do rei não era uma atitude inteligente.

— E o corte de cabelo dele? Não me parece o estilo adequado à corte do rei.

Laelia considerou as palavras da irmã por alguns instantes como se fosse uma questão de importância nacional.

Os cabelos longos lhe caem bem. Mesmo assim, se nos casarmos, pedirei que os apare.

— E se ele não concordar? Laelia lançou um sorriso presunçoso que sempre a desconcertava. Era

cheio da superioridade feminina que ela nunca iria possuir. — Estou certa de que ele fará tudo que eu pedir — afirmou Laelia,

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fitando-a presunçosa. — Sir Blaidd me parece um tanto tosco, mas darei um jeito nisso.

Becca imaginou Blaidd modificado até parecer com todos os nobres refinados que ela conhecera. Talvez fosse melhor fazer Laelia ver que o cavaleiro não era tão maravilhoso quanto ela imaginava.

— Não o acho adequado para você pelo simples fato de ele ser belo e charmoso. Um homem como ele deve ter hordas de amantes e gostar de mantê-las. Talvez i nunca seja um marido fiel.

Laelia observou seu belo reflexo no espelho, sem esboçar a mínima preocupação.

— Não me surpreenderia o fato de ele ter amantes, agora. Mas depois que nos casarmos, não ficará tentado a mantê-las.

— Se sir Blaidd for um homem lascivo, não mudará; com o casamento, não importa quem seja a esposa ou o quanto ele disser que a ama.

Satisfeita com sua aparência matinal, Laelia suspirou profundamente e encarou a irmã.

— Você não consideraria um arcanjo um bom marido. Antes que Becca pudesse argumentar que arcanjos não se casam, Laelia

lhe lançou um olhar austero, indicando que já estava na hora de rumarem para a capela para a missa matinal.

— Vá à frente — disse Becca. — Tenho um assunto a tratar com Meg. Quando ficaram a sós, a serviçal ergueu o olhar, temerosa. — Espero não ter feito nada errado, milady — apressou-se a criada,

franzindo a testa. — Ou esquecido algo. — Não vou lhe chamar atenção — afirmou Becca em tom sereno,

indicando o banco próximo ao tocador. Meg se sentou insegura, como se o banco fosse desaparecer debaixo de si. — Quero lhe falar sobre Trevelyan Fitzroy.

A criada tensionou o corpo. — Não fiz nada de indecoroso! — Acredito em você, mas quero alertá-la para que tome cuidado. Estou

certa de que ele é um persuasivo e fascinante jovem, mas você é uma criada e ele um nobre. Se esse rapaz tentar tomar liberdades, autorizo-a a repeli-lo com o vigor necessário e se ele insistir, conte-me imediatamente. Não vamos permitir que nossos hóspedes faltem com o respeito a nossos criados. Não quero que tenha o mesmo destino de Hester.

Ela mesma havia conhecido as terríveis conseqüências da sedução na noite anterior, pensou Becca.

— Claro que eu lhe contaria, milady. Nenhum escudeiro de fala macia se aproveitará de mim.

— Fico feliz que pense assim — disse Becca aliviada — Agora, é melhor nos apressarmos. Meu pai ficará furioso se eu chegar atrasada à missa.

Meg se ergueu de pronto. — Fico agradecida, milady, por me alertar. Becca assentiu, dirigindo-se à porta. — Milady! — Sim? A criada parecia mais nervosa do que costumava ficar quando Laelia

tinha um ataque de nervos.

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— A senhorita tem vestidos tão lindos! Por que não os usa? Becca lançou um olhar à túnica simples que trajava e ao cinto com o

molho de chaves pendurado que abria! todas as portas do castelo, exceto o baú que se encontrava no solar do lorde.

— Meus vestidos de lã são confortáveis e não preciso me preocupar em sujá-los. Não me sinto à vontade em um traje requintado.

— Se os usasse, acabaria se acostumando a eles — contra-argumentou a criada.

— Acho que esse tipo de vestimenta não me cai bem — declarou Becca, dando de ombros. — Além disso, o que importa minha aparência? Já me conscientizei de que nunca serei uma mulher bonita.

— Mas também não é feia — insistiu Meg. — Não quer ser uma donzela para o resto de sua vida, quer? Se trajasse vestidos requintados e penteasse os cabelos como sua irmã, ficaria muito mais bonita.

— Não estou disposta a me enfeitar para agradar homem algum — retrucou Becca indignada. — Se alguém se interessar por mim, terá de ser pelo que sou, e se isso não for o suficiente, é por que esse alguém não me merece.

— Sim, milady — concordou a criada, corando. — Desculpe-me, não quero parecer desrespeitosa.

Becca fitou Meg com ternura. — Eu que é que lhe peço desculpas por não controlar meu

temperamento. Sei que teve a melhor das intenções. — Entendi o que milady quis dizer — afirmou a serviçal. — Sobre um

homem lhe dar valor pelo que é. Acho que isso vai acontecer antes do que a senhorita imagina.

— E um dia os homens caminharão sobre a lua — completou Becca, sorrindo. — Venha, estamos atrasadas — disse, disparando pela porta.

Embora temendo ser expulso do castelo, Blaidd se encaminhou à capela como se nada tivesse acontecido no dia anterior. Não queria que ninguém percebesse o quanto era importante para ele permanecer ali.

A despeito de seu comportamento impetuoso e atrevido, nutria a esperança de que lady Rebecca admitisse que ele não forçara aquele beijo e guardasse em segredo o que acontecera na noite anterior.

Pensando assim, o cavaleiro abriu a porta da capela e viu o senhor do castelo de Throckton e sua bela filha se voltarem sorridentes em sua direção. Em seguida, apartaram-se para que ele tomasse lugar entre os dois. O que tornava óbvia sua acolhida.

Blaidd observou as demais pessoas presentes e seu olhar pousou na dama, parcialmente oculta pelo robusto soldado grisalho que se encontrava no comando da sentinela no dia de sua chegada. O homem assentiu com um certo interesse e algo mais que o cavaleiro não sabia definir, quando a dama lhe sussurrou ao ouvido, talvez… afeição.

A julgar pelo lugar que ocupava, o guarda devia ser o chefe da sentinela e por certo, conhecia lady Rebecca desde criança. Talvez tivesse o tipo de afeto paterno que alguns criados desenvolvem pelos filhos de seus senhores.

Quando Becca percebeu que o cavaleiro os fitava, encarou-o com o mesmo desprezo que se costuma dispensar a um fora da lei.

Temendo mais uma vez por sua estadia no castelo, Blaidd caminhou até

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próximo ao altar. — Bom dia, sir Blaidd! — cumprimentou-o o lorde, efusivo. — Folgo em

saber que não é como muitos jovens de hoje que demonstram desrespeito pela fé, a não ser que uma Cruzada esteja a ela relacionada.

O modo amigável como o lorde o tratava o fez lamentar ainda mais seu comportamento na noite anterior.

— Há muitos jovens mais devotos do que eu. Alguém atrás de si fungou com audível desdém e não foi difícil deduzir

de quem se tratava. O padre chegou e pôs-se a rezar a missa. Blaidd não conseguia se

concentrar nas palavras do pároco. A imagem de lady Rebecca dirigindo-se ao pai ao final da cerimônia e dizendo-lhe que ele não passava de um vil e imoral patife que devia ser expulso do castelo, não lhe saia da mente.

Ao término da missa, aquela imagem estava tão vivida, que ele não se conteve em olhar para trás, tentando localizá-la, mas Becca já havia desaparecido.

Por um lado sentiu-se aliviado, mas por outro temia que aquilo só estivesse adiando o inevitável. Se tinha de ser desmascarado, preferia que fosse de uma vez.

Talvez fosse essa a intenção de lady Rebecca. Atormentá-lo com a cruel expectativa. Se fosse esse o objetivo da dama, iria frustrá-la em seu intento. Sir Blaidd Morgan não admitia que nenhum homem ou mulher o fizesse de tolo, pensou enquanto seguia o lorde e lady Laelia em direção ao jardim. Assim que saíram para a brisa da manhã, avistou Becca, conversando com alguns soldados próximo à caserna e decidiu descobrir qual era sua verdadeira situação no castelo. Disse ao anfitrião e sua bela filha que gostaria de perguntar algo sobre sua bagagem a lady Rebecca e encaminhou-se ao local onde ela estava.

Becca se mostrou bastante surpresa ao vê-lo. — Se me dá licença, Dobbin — desculpou-se ao velho guarda. — Nosso

hóspede parece querer me falar. O criado anuiu, antes de ordenar que os demais criados o seguissem. — De fato, desejo trocar algumas palavras com a senhoria, caso não se

importe — afirmou, tentando não parecer impaciente, embora seus nervos estivessem esticados como uma flecha num arco. — Há algum lugar mais privado, onde possamos conversar?

A dama ergueu uma sobrancelha. — Acha que me arriscaria a ficar sozinha com o senhor outra vez? —

perguntou em tom sereno. — O que quer que deseje falar, terá de dizê-lo aqui. Blaidd carregou o sobrolho. — Gostaria de saber se pretende contar a seu pai sobre… — em vez de

completar a frase, lançou-lhe um olhar sugestivo. — E por que não o faria? — Becca fitou-o com a frieza com que sir Urien

Fitzroy costumava encará-lo quando ele falhava no treinamento. — Porque lhe dei minha palavra que aquilo não se repetiria. — Não deveria ter acontecido a primeira vez. Ela parecia se divertir com sua aflição. Afinal, estava no controle da

situação. — Concordo e peço desculpas por meu comportamento. Às vezes, o

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desejo supera a razão. Becca suspirou exasperada. Seu olhar pousou abaixo da cintura de

Blaidd e depois voltou a encará-lo. — Neste aspecto, o senhor é como a maioria dos homens. Mas como

está se desculpando de novo, serei tolerante — o olhar de lady Rebecca tornou-se ainda mais frio. — Mas não interprete isso como um sinal de liberdade. Aconselho-o a evitar situações que requeiram posteriores escusas.

Ele se curvou em uma reverência, decidido a não desafiá-la. — Tentarei. — É melhor se esforçar de verdade, ou não logrará êxito em cortejar

minha irmã. Agora se me der licença, verei em que pé está o almoço. — Dizendo isso, afastou-se com o andar altivo de uma rainha, ainda que claudicante.

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Capítulo CinCapítulo CinCapítulo CinCapítulo Cincocococo Alguns dias chuvosos se passaram, durante os quais Blaidd se esforçou

para evitar lady Rebecca. Era óbvio por seu comportamento, que ela comungava do mesmo pensamento. Apesar de se encontrarem diversas vezes no salão, só se falavam durante as refeições ou quando era extremamente necessário. Becca tocava a harpa sempre que o pai pedia e Blaidd dançava com lady Laelia.

Ele passava a maior parte do tempo com a bela dama, como era a obrigação de um pretendente. Apesar da beleza estonteante da filha mais velha, aquilo se tornava cada vez mais maçante. Laelia não costumava lhe fazer perguntas pessoais e se mostrava esquiva em falar sobre sua família ou seu lar.

Por fim, após inúmeras tentativas em achar um assunto que lhe despertasse o interesse, Blaidd encontrou um quando mencionou a corte. A dama se mostrou animada, fazendo várias perguntas sobre o rei, as damas e °s lordes.

Quando não estava sendo interrogado por Laelia, desfrutava da companhia de lorde Throckton, disputando jogos de damas e xadrez e esperando que o nobre expressasse suas opiniões políticas para tentar descobrir algum indício de descontentamento por parte do anfitrião com o reinado de Henry. Para seu infortúnio, Throckton o estimulava a passar a maior parte do tempo com Laelia, como se aquilo fosse um grande favor e nunca tocava em assuntos polêmicos ou dizia algo que sugerisse estar planejando uma rebelião.

Apesar de suas obrigações como pretendente no castelo, Blaidd mantinha sua atenção sempre voltada para o nobre, e ao que parecia Throckton não se comportava de modo suspeito. Se estivesse planejando uma insurreição, fazia-o com extrema discrição.

Ainda assim, havia indícios que impediam Blaidd dei descartar por completo a possibilidade de uma conspiração. Não podia ignorar a fortaleza que Throckton construíra no entorno de seu castelo. Era como se estivesse esperando um confronto a qualquer momento. A guarda compreendia mais de cem homens rigorosamente treinados e armados. Blaidd havia passado a maior parte de sua vida em companhia de guerreiros e sabia reconhecer os melhores.

Um lorde poderia alegar a necessidade de proteger suas terras, mas poucos investiam tantos recursos nisso. Onde Throckton arranjaria tanto dinheiro para pagar os soldados, comprar todo aquele armamento e sustentar o castelo? Seus negócios pareciam prósperos, mas não seriam suficientes para arcar com aquela despesa, a não ser que contasse com outras fontes.

Mas o anfitrião aparentava ser um homem tão gentil e pacífico… Seu pai sempre lhe dissera para não confiar nas aparências, mas Blaidd

achava difícil aceitar que um homem pudesse ser tão hospitaleiro com um cortesão do rei que pretendia destruir.

Outro aspecto que chamou a atenção de Blaidd fora a posição de lady Rebecca no castelo. Por direito, como irmã mais velha, lady Laelia deveria ser a castelã. Mas ali acontecia exatamente o contrário. A governância da casa

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parecia tarefa exclusiva de Rebecca. Ela se movimentava pelo castelo com o molho de chaves tilintando em sua cintura, dando ordens aos empregados e conversando com os mascates que batiam à porta.

Teria de descobrir o que lady Laelia fazia além de se manter bela e enfeitada.

Mas não era o único a parecer entediado ali. Trev estava começando a dar sinais de enfado. Fora obediente ao conselho de Blaidd a respeito das criadas, mas um jovem ocioso e uma bela criada sempre solícita poderiam se meter em confusão se o tempo não clareasse nos próximos dias.

Por fim, após uma tarde nublada, na qual ele e Trev combinaram cavalgar no dia seguinte, chovendo ou não, o sol raiou em uma manhã típica de primavera. Blaidd acordou bem disposto e resolveu galopar pelos Prados ao redor.

Estava de tão bom humor que se descobriu assoviando quando saiu da missa naquela manhã, ladeado por lorde Throckton e lady Laelia e seguido por Trev. Lady Rebecca havia desaparecido. Por certo, estaria dando Ordens na cozinha.

— Que belo dia, não sir Blaidd? — questionou o anfitrião. — Próprio para uma caçada. Acompanha-me?

— Será um prazer, milorde — retrucou Blaidd, sorrindo para lady Laelia. — Nos dará o prazer de sua companhia? — questionou, percebendo o olhar preocupado que ela lançou ao pai.

— Claro que sim! — gritou o lorde. — Não tenha medo, Laelia. Estou certo de que sir Blaidd irá moderar o galope se lhe pedir.

O cavaleiro teve de lutar para não deixar transparecer seu desapontamento. Ansiava por um galope e estava certo de que Aderyn Du também.

Lady Laelia o fitou com angústia. — Temo não ser uma boa amazona, milorde. Se preferir cavalgar

sozinho, entenderei. — Não se preocupe — retrucou, Blaidd em tom gentil, colocando de lado

a frustração.— Trotaremos apenas. De que outra forma poderia apreciar sua bela propriedade? Ou se preferir, podemos ficar aqui — acrescentou, lembrando que deveria cortejá-la, mesmo que isso significasse perder a oportunidade de conversar com o lorde.

— Isso não será necessário — interveio o pai. — Ela irá conosco, não é Laelia?

— Claro, papai — e dirigindo-se a Blaidd. — Espero que compreenda meus temores.

Aquelas palavras fizeram sua mente voar para uma outra dama que não partilhava dos mesmos melindres Seria mais fácil imaginar lady Rebecca montando em pêlo do que temendo o galope.

— Fique tranqüila, milady — assegurou-lhe, tentando afastar a irmã mais nova da mente. — Minha maior recompensa será sua companhia.

Laelia o fitou com gratidão e admiração. Parecia que ele havia lhe oferecido a vida em sacrifício.

Algum tempo depois, Blaidd se encontrava no estábulo, selando Aderyn Du. Os batedores e outros criados que iam a pé, já estavam a postos próximos ao portão interno. Um cavalariço aproximou-se, trazendo consigo um alazão

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marrom ornado com uma sela requintada e brilhante que, por certo, destinava-se a lady Laelia.

Blaidd deslizou o olhar pela construção e percebeu um andaime em um muro do lado leste do castelo. Não havia homens trabalhando lá naquele momento. Talvez estivessem em outra parte da residência. Lorde Throckton mencionara um portão que precisava de reparos no dia anterior.

Deveria ter prestado mais atenção naquilo do que na brincadeira de lady Rebecca quando chegara.

Aderyn Du abanava a cabeça e raspava as patas no chão, demonstrando ansiedade em galopar. Blaidd desejava não ter que manter as rédeas tão apertadas, mas talvez mais tarde pudesse fazer outro passeio sozinho. Lorde Throckton e lady Laelia não iriam sentir sua falta por algumas horas.

Blaidd observava a porta do estábulo, imaginando se não deveria entrar e apressar Trev, quando lady Rebecca assomou à entrada, guiando uma notável égua. Trajava uma vestimenta simples como sempre, com exceção de uma longa capa cinza e um par de luvas de couro rústicas. Era óbvio que iria cavalgar.

Becca nunca se mostrava disposta a desfrutar da companhia deles. As obrigações de castelã pareciam absorver todo seu tempo.

Seus olhares se encontraram por instantes e Blaidd teve ímpetos de desviar o rosto como um garoto tímido. Mas ele era um guerreiro, e portanto continuou a fitá-la.

Esperou que ela o ignorasse. Mas Becca não o fez. — Parece surpreso, senhor cavaleiro — observou ela, enquanto alinhava

sua égua com Aderyn Du, como se antecipasse uma disputa de corrida de cavalos. — O fato de ter uma perna mais curta do que a outra não me impede de cavalgar.

— Estou certo de que não, milady. Seria necessário muito mais para impedi-la de fazer qualquer coisa — retrucou ele. — Apenas pensei que suas obrigações não lhe permitissem tempo para o lazer.

Um sorriso zombeteiro curvou os cantos dos lábiosda dama e iluminou os olhos azuis. Ela parecia tão ansiosa por sair do castelo quanto ele e Aderyn Du.

— Não sou indispensável. Fiquei enfurnada lá dentro por um bom tempo. A criadagem vai ficar feliz ei» se livrar de mim por algumas horas.

— Comandar é uma tarefa árdua — concordou ele — E o tempo tem estado sombrio.

— Pensei que os galeses fossem acostumados a chuva — replicou Becca, alargando ainda mais o sorris! enigmático. Era como ver o sol brilhar por detrás das nuvens. Gracioso e bem-vindo.

— Somos acostumados, pois dias como este são raros em Gales, mas isso não significa que não os apreciamos. Estou ansioso por aproveitar este.

— Seu cavalo parece comungar do mesmo pensamento. — Sim — concordou Blaidd, deslizando a mão pelo cerro do animal. —

Ele precisa de um bom galope para se acalmar. — O que será impossível se cavalgar com Laelia. — Tem razão, mas espero ter outra chance mais tarde. Becca concordou, fitando Aderyn Du. — É um lindo animal. Posso? — perguntou, esticando o braço para

acariciar o focinho do alazão.

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— Custou-me uma fortuna, mas valeu cada moeda — afirmou Blaidd, orgulhoso.

Aderyn Du não era arredio, mas aceitou a carícia de lady Rebecca com inesperada simpatia. Blaidd observava inebriado as mãos enluvadas deslizando pela crina do animal.

— Qual é o nome dele? — Aderyn Du — informou o cavaleiro, focando sua Menção nos olhos

azuis brilhantes. — É galês, não? — Sim. Significa ave negra. Dei-lhe este nome porque ele costuma voar

quando galopa. Ela sorriu, um som mais agradável ainda do que o brilho de seu olhar. — Combina com ele — disse ela, indicando sua égua. — Esta é Claudia.

Não fui eu que escolhi esse nome — Becca apressou-se em explicar. — Também é muito veloz.

— Qual nome teria dado a ela se o tivesse escolhido? Lady Rebecca ponderou por instantes, franzindo os lábios carnudos. — Rebelde. Ela lhe voltou um sorriso que o fez desejar tomá-la em seus braços e

beijá-la até que ambos perdessem o fôlego. — Vejo que estão prontos! Assustado como se tivesse sido pego beijando a filha do anfitrião em

pleno jardim, Blaidd se virou para encontrar lorde Throckton, descendo a escada, apressado. O nobre trajava as vestes de costume e sua capa parecia forrada de pele de lobo.

O cavaleiro tentou disfarçar o embaraço com um sorriso encantador. — Sim, milorde. Estava admirando as paredes de seu castelo. Lorde Throckton gesticulou para o cavalariço que guiava o alazão

marrom para que viesse em sua direção. — Estes muros ainda estão inacabados, mas ainda não tive recursos para

finalizar a obra. Não com as taxas desse ano no patamar que se encontram. Aposto que seu pai notou o aumento.

— É verdade — retrucou Blaidd com sinceridade. — Mais dinheiro para a coroa, menos para mim. E tão terei de esperar

até o próximo ano para acabar portão dos fundos e alguns merlões nas paredes do lado leste. É uma pena, mas o que posso fazer?

Blaidd deu de ombros. Era estranho se sentir aliviado ante a possibilidade de o anfitrião não ser tão abastado quanto parecia.

— Laelia já está a caminho — acrescentou lorde Throckton, piscando para o hóspede. — Sabe como são as mulheres.

Algumas, pensou Blaidd, observando lady Rebecca dirigir-se ao portão sem falar com o pai.

— Onde está seu escudeiro? Ele não vem conosco? — Já está aqui, milorde — disse Blaidd ao ver Trev sair do estábulo,

guiando seu cavalo. — Está tão ansioso por uma cavalgada quanto eu. — O pai dele goza de grande fama — observou o nobre. — Foi ele que o

treinou? — Sim, milorde. A mim, a meu irmão Kynan e a Trev, claro. — Seria interessante se tivesse uma conversa com Dobbin, o

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comandante de minha sentinela, para lhe ensinar alguns truques — disse o lorde, sorrindo.

— Com prazer — retrucou Blaidd. — Na verdade, gostaria de praticar um pouco. Do contrário, meu braço ficará tão enferrujado quanto uma lâmina exposta à chuva.

O anfitrião soltou uma sonora gargalhada. — Duvido muito! Ansioso por começar a cavalgar, Blaidd olhou para o portão. Lady

Rebecca estava conversando e rindo com os soldados como se fosse um deles. Mas ela nunca seria. Era uma mulher. Mas, além disso, havia algo em Becca que a destacava dos demais. Era como se possuísse uma maturidade e inteligência que a diferenciava de todos.

— Suponho que sua outra filha irá juntar-se a nós? — perguntou Blaidd, voltando sua atenção ao anfitrião.

— Como? — tomado de surpresa, o nobre seguiu o olhar de Blaidd. — Oh, sim. Certamente — respondeu em tom indiferente. — Mas ficará conosco por muito pouco tempo. Vai cavalgar pelos arredores do castelo e só voltará quando tiver vontade.

— Com um guarda, naturalmente. Lorde Throckton franziu a sobrancelha, meneando a cabeça em um gesto

negativo. — Ele a perderia de vista antes de alcançarem os limites do castelo.

Rebecca sempre fez isso. — Mas mesmo suas terras sendo seguras, uma mulher sozinha sempre

corre o risco de… — Ela ficará bem — interrompeu-o o lorde. — Rebecca faz isso há anos.

Além disso, não existe fora da lei que consiga pegá-la. — Milorde — insistiu Blaidd, surpreso com a falta de preocupação de

lorde Throckton com a filha. — Por certo deve haver um ou dois sentinelas que cavalguem bem para acompanhá-la.

— Acredite-me, ela faz isso desde criança — replicou o anfitrião sorrindo, mas demonstrando impaciência. — Tentei alertá-la, proibi-la, amedrontá-la, e nada surtiu efeito. A única alternativa seria amarrá-la ao pé da cama. Se souber de algum outro meio para convencê-la, será bem-vindo, mas não lhe garanto que vá funcionar.

Blaidd percebeu o quão insistente fora e procurou reparar o estrago. Afinal, lady Rebecca era responsabilidade do pai e não dele.

— Desculpe-me, milorde. O nobre pareceu esquecer o assunto de imediato. Com um sorriso largo,

colocou a mão no ombro de Blaidd. — Não há necessidade de se desculpar. Sua observação foi deveras

pertinente, mas esse caso é uma exceção. Agrada-me o fato de falar o que o preocupa e não o que eu quero escutar — em seguida, voltou o olhar para a entrada principal do castelo. — Em nome de Deus, onde será que se meteu Laelia! Apresse-se minha filha, se não nem ao meio-dia conseguiremos sair daqui! — gritou ele, ecoando contra as paredes do castelo e chamando atenção de todos.

— Estou aqui, papai! Não precisa gritar — respondeu a linda dama, aparecendo à entrada do saguão. — Estava vestindo minha capa.

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Laelia se aproximou com o rosto ainda corado. A requintada capa de lã azul com apliques de pele de raposa realçava ainda mais sua beleza e elegância.

Outro cavalariço, segurando uma égua branca se aproximou. De pronto, Blaidd se ofereceu para ajudá-la.

Juntou as mãos em concha como um calço para auxiliá-la a montar, mas lançou um olhar ao portão para ver lady Rebecca pulando por sobre a sela de seu cavalo sem nenhuma ajuda.

A pressão do pé de Laelia contra a palma de sua mão, lembrou-lhe do que ele deveria estar fazendo. Dar atenção a ela e não a irmã.

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Capítulo SeisCapítulo SeisCapítulo SeisCapítulo Seis O sol quente daquele dia radiante de primavera ajudara a secar a

estrada antes enlameada pelas chuvas dos últimos dias, com exceção de pequenas poças ao longo do caminho.

A caçada começou quando alcançaram o bosque. Os cães iam à frente farejando tudo que encontravam e os cascos dos cavalos golpeavam a lama, produzindo um barulho que fazia revoar a passarada da floresta.

Os batedores haviam partido na frente, e os demais criados cuja função era transportar as armas, tomar conta dos cachorros e carregar a caça para casa se encontravam um pouco atrás. Ocasionalmente, ouvia-se as gargalhadas deles e Blaidd podia distinguir a de lady Rebecca entre elas. Ela parecia estar se divertindo bastante. O cavaleiro cavalgava entre uma silenciosa lady Laelia e seu pai.

Outro estouro de gargalhadas se fez ouvir e dessa vez, além da de Becca, reconheceu a de Trev. Blaidd olhou para trás e constatou que o jovem escudeiro havia se reunido ao divertido grupo que acompanhava a filha caçula.

— Deve perdoar lady Rebecca — disse o anfitrião com expressão aborrecida. — Ela passa muito tempo em companhia dos camponeses. É outro costume que não consigo fazê-la perder.

Blaidd notou que Laelia também não aprovava o comportamento da irmã.

— É raro uma dama se sentir tão à vontade com seus criados — observou Blaidd, optando por um comentário neutro.

Aquilo lhe recordava a própria mãe. Ela recebera uma educação refinada, e no entanto era muito atenciosa com toda a criadagem. Blaidd não conseguia se imaginar vivendo em um castelo onde os nobres tratavam os subalternos como escravos.

— Diga-me, é verdade que a rainha está grávida? — questionou lorde Throckton.

Blaidd tentou não parecer surpreso com a pergunta inesperada. — Sim. O anfitrião sorriu debochado. — Pelo que ouvi falar do amor de Henry pela esposa, causa-me espanto

ela já não ter lhe dado um herdeiro. Se não me engano, faz dois anos que estão casados, não?

Blaidd deu de ombros. — Quem pode explicar por que isso acontece até nos casamentos mais

felizes? Além do mais, ela era muito nova quando se casaram. — Bem jovem — concordou lorde Throckton, olhando de soslaio para

Laelia, que parecia não prestar atenção na conversa. — Mandaram rezar uma missa em intenção ao nascimento de um filho

homem. — É natural. Todo homem deseja um herdeiro — retrucou o anfitrião

com um tom de desgosto na voz. Todo nobre ansiava por um filho homem para herdar seu nome, título e terras. Blaidd não era uma exceção, embora desejasse ter filhas também. — Mas se Deus não nos dá herdeiros, esperamos por um genro que nos dê netos varões — continuou lorde Throckton.

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— Minha mãe está ansiosa por um neto — sorriu o cavaleiro. — Creio que eu a esteja frustrando nesse sentido.

— Isso será solucionado, tão logo se case. Estou certo de que qualquer mulher que escolha ansiará por cumprir seu papel de esposa.

— Pai! — gritou Laelia, escandalizada. — Não seja grosseiro! — Não se ofenda, milady — interveio Blaidd, sorrindo. — Meu pai

costuma dizer que é dever de todos os pais embaraçar os filhos, para se vingarem das noites sem dormir que passaram quando eram bebês.

Lorde Throckton e a filha sorriram divertidos. — Simon de Montfort continua sendo o favorito entre as damas da corte

— afirmou Blaidd, tentando desviar o assunto para a corte do rei. — Quem é esse? — inquiriu Laelia, com os olhos cintilando de

curiosidade. — Pelo nome parece francês. — É nascido francês, mas renunciou a suas propriedades e títulos

franceses em favor dos ingleses. O rei o nomeou recentemente o conde Leicester.

— Então ele não é um parente da rainha? — Não. Muitos barões ingleses ficaram insatisfeitos com o casamento de

Montfort com a irmã do rei. Eles acharam que deveriam ter sido consultados se aprovavam ou não, uma vez que ela quebrou o voto de castidade que teve de fazer quando o marido morreu.

— Ela fez um voto de castidade? — Admirou-se Laelia. — Para quê? — Por respeito ao ex-marido, claro — interveio lorde Throckton. — Isso

deveria mantê-la fora das maquinações políticas de seus irmãos. Fiquei chocado quando soube que ela concordou.

Para um homem que vivia tão longe da corte, lorde Throckton parecia bem informado. O que não era muito suspeito. Seu pai também quase não se aventurava a sair de casa, mas sempre se mantinha informado sobre o que estava acontecendo na nobreza por intermédio dos filhos e dos amigos. Quem sabe o anfitrião também não tinha esse mesmo costume?

— O senhor não conhece Simon de Montfort — explicou Blaidd. — Ele é um homem muito habilidoso. Apesar de sua nacionalidade, acho que podemos esperar grandes feitos seus no futuro. Ele acredita em um conselho permanente, algo que ele chama de parlamento para aconselhar o rei e administrar o governo. Muitos barões e cavaleiros são simpáticos a suas idéias.

Lorde Throckton franziu o cenho. — Montfort deveria manter segredo sobre suas idéias, cunhado ou não,

pode aborrecer Henry. — Pois eu espero que ele ouça Simon e aprecie suas idéias. — Como pode um galês admirar o rei? Pelo que me consta, ele não é

nada generoso no tratamento com os galeses. — É verdade. E estou ciente das justas queixas de meu povo. Mas não

sou afeito a guerras e batalhas. Prefiro a diplomacia. Sendo assim, tento representar os galeses na corte, defendendo-os sempre que posso. Além disso, Henry é meu legítimo rei, jurei-lhe fidelidade quando recebi o título de cavaleiro. É meu dever honrá-lo.

— Aversão à violência é um estranho sentimento em se tratando de um cavaleiro — declarou Rebecca.

Blaidd não se dera conta da aproximação da dama e de Trev.

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Puxou as rédeas de Aderyn Du, deixando que lady Laelia e o pai cavalgassem à frente. Quando os cavalos do escudeiro e de Becca parearam com o dele, instigou o animal a trotar.

— O fato de ser treinado para lutar não significa que anseie por fazê-lo. Já presenciei as atrocidades da guerra, e garanto-lhe, não há de que se orgulhar nela.

— E se a diplomacia não surtir efeito? Os homens são obrigados a partir para a luta armada.

— Se todos os recursos falharem, então concordo que não há outra saída senão a guerra. Porém, muitas vezes os nobres vão para a guerra apenas por ganância ou poder, sem se importar quantas mortes custarão sua ambição.

— Um nobre pensamento — opinou lorde Throckton, fitando-o por sobre o ombro. — Gostaria que o rei comungasse dele.

— Acredito que Henry está ansioso por evitar a guerra, milorde — garantiu Blaidd. — Ele é um homem pacífico por natureza. Mas também é recém-casado. Acredito que com a idade adquirirá maior sapiência e menos vontade de agradar a esposa.

— Sim, acho que devemos lhe dar uma chance — afirmou lorde Throckton, voltando a olhar para frente.

Naquele instante, alcançaram uma bifurcação na estrada que curvava para o oeste, através de uma extensa floresta e vegetação rasteira.

— Já ouvi bastante sobre guerras e reis — declarou lady Rebecca. — Adeus.

Sem mais uma palavra, fustigou o flanco do cavalo e disparou em cavalgada pelo estreito caminho.

Ninguém pareceu surpreso com a atitude da dama, com exceção de Blaidd. As terras de Throckton podiam ser seguras, mas e se ela sofresse uma queda?

Não se atreveria a ofender o anfitrião ou lady Laelia a seguindo, mas não conseguia aceitar o fato de deixar uma dama cavalgar sozinha.

— Trev, vá com lady Rebecca. O mancebo o encarou atônito. — Mas, vou perder a caça… Blaidd lhe voltou um olhar austero que o fez corar e obedecer-lhe de

imediato. — Não era necessário — disse lorde Throckton quando o rapaz partiu em

disparada. — Quando ela alcançar o prado do outro lado do rio, ele jamais a alcançará.

— Espero que esteja certo, milorde. Quero que meu escudeiro perceba o quanto tem de melhorar sua montaria se não conseguir alcançá-la — explicou Blaidd, satisfeito por ter encontrado uma desculpa coerente.

Estava confiante de que Trev a alcançaria, e pôs-se a imaginar o que Becca acharia de sua atitude. Por certo não ficaria nada satisfeita, mas seria bom descobrir que podia ser surpreendida e não necessariamente por um jovem escudeiro.

— Os batedores já estão preparados, milorde! — gritou um dos criados. — Excelente! — retrucou um lorde Throckton bem-humorado. — Se a caçada vai começar, acho melhor me retirar — disse lady Laelia,

rumando para a estrada. — Boa caçada, milorde — desejou Blaidd, cumprindo seu dever de

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pretendente. Lorde Throckton chamou dois guardas para acompanhá-los até o castelo. Uma atitude concernente a um pai cuidadoso, pensou Blaidd deixando

para trás os rumores excitados da caçada. — Desculpe-me por lhe furtar do prazer de juntar-se a eles — disse a

bela dama com os olhos verdes cheios de remorso. Blaidd tentou disfarçar sua frustração. — Não se preocupe. Prefiro a companhia de um bela mulher a um bando

de cachorros e cavalos. Laelia corou, baixando o olhar. — Suponho que esteja acostumado a ver belas mulheres na corte. — Muitas, mas não tão graciosas quanto milady — afirmou o cavaleiro,

lamentando a própria falta de o originalidade. Estava descobrindo que lady Laelia nunca lhe inspirava um elogio mais genuíno. — É uma pena que nunca tenha estado lá.

— Meu pai não gosta de viajar. — Pode ser perigoso — concordou Blaidd. — É o que ele diz, mas eu gostaria muito de conhecer o rei, os nobres e

as elegantes damas. — Elas não ficariam felizes em conhecê-la, pois sua beleza ofuscaria a

todas. A face de Laelia se tornou rubra de vergonha. — E eu me atrevo a dizer que deve haver poucos homens tão elegantes,

belos e valentes como o senhor na corte. — Há muitos mais belos do que eu e bravura pode ser medida de várias

formas. — Diga-me, há outros homens com os cabelos tão longos quanto os seus

na corte? É um novo estilo entre os cavaleiros? Blaidd soltou uma gargalhada. — Não. Muito poucos. Neste quesito, sou um tanto fora de moda. — Então por que não os corta? — Porque gosto deles assim. O nariz arrebitado de Laelia se enrugou. — Mas se não está na moda entre os cortesãos… Tentando manter a mente no verdadeiro motivo de sua estadia, tentou

ser o mais gentil possível e responder às perguntas fúteis de lady Laelia. — Não gosta deles? A dama corou. Desta vez mais intensamente. — Fazem-no parecer um tanto… selvagem. — E isso não lhe agrada, milady? — Não — respondeu ela, com uma determinação que o surpreendeu. No momento seguinte a breve vitalidade pareceu devanear. — Não que eu tenha o direito de criticá-lo, sir Blaidd. — É livre para expressar sua opinião — replicou o cavaleiro com

sinceridade. Afinal, a dama dissera algo que parecia verdadeiro. — A bem da verdade, não fico feliz com sua desaprovação, mas se é o que pensa, deve dizer.

— Não ficou aborrecido comigo? — Claro que não — afirmou Blaidd, sorrindo. Lady Laelia o fitou com

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desconfiança. — Milady, sou o tipo de homem que sempre prefere ouvir a opinião

sincera de uma mulher. Por mais cruel, prefiro-a ao subterfúgio. — Está sendo sincero? — inquiriu a dama, com os olhos brilhando de

admiração. — Bem, desde que feita com educação. Laelia franziu o cenho. — Sim. Há mulheres que possuem a língua muito afiada. — Suponho que esteja se referindo a sua irmã? — Rebecca consegue ser bastante desagradável, quando quer — a

expressão do rosto de traços perfeitos se fechou, mas parecia sincera. — Tento ser compreensiva com ela. Afinal, deve ser terrível saber que nunca conseguirá um marido. O que não é de se admirar. Com a perna defeituosa e a língua ferina que tem, que homem poderia se interessar por ela? Por outro lado, é reconfortante saber que meu pai terá alguém para ampará-lo na velhice.

Blaidd não estava surpreso com a convicção de Laelia sobre o destino de Becca. Esta era a sina de toda a irmã caçula que não se casava. Mas no caso de lady Rebecca parecia um grande desperdício. Não parecia talhada para tal desventura.

Ao contrário. Rebecca fora feita para administrar o lar de um esposo. Podia imaginá-la cercada por criadas alegres, crianças barulhentas e alguns bichos de estimação. O marido a tomaria nos braços depois de um longo dia de trabalho e a beijaria até que lhe faltasse o ar…

Blaidd admoestou-se, afastando da mente o pensamento absurdo. Olhou Laelia de soslaio. A bela dama cavalgava a seu lado em trote lento. Não parecia ser do tipo que gostava de animais ou mesmo de crianças. Mas aquilo não era da sua conta. Não estava ali para cortejá-la… ou a quem quer que fosse.

Becca e Trevelyan voltaram ao castelo no meio da tarde. Que menino

maroto era aquele escudeiro, pensou Rebecca, preparando-se para desmontar. O jovem, no entanto já havia descido do próprio cavalo e estava a seu

lado estendendo a mão para ajudá-la. Quem, senão um adolescente maroto gritaria para impedi-la de se

afastar, dizendo que iria vomitar se ela não parasse para ajudá-lo? Temendo que o escudeiro estivesse doente, Becca puxou as rédeas de

seu alazão para esperá-lo. Quando o rapaz a alcançou, confessou que fora a única forma que encontrara para detê-la. Em seguida, contou-lhe que seria envergonhado perante todos se voltasse sem ela. Além disso, sir Blaidd Morgan o iria repreender de um modo que só um cavaleiro sabia fazer.

Sensibilizada com o apelo do escudeiro, permitiu que ele cavalgasse em sua companhia. Durante o passeio, Trevelyan lhe revelou fatos interessantes sobre sir Blaidd Morgan. Todos refletiam a alta estima em que o cavaleiro era tido na corte, tanto por mulheres Como por homens.

— Ele é o melhor amigo do rei — afirmou o rapaz, orgulhoso. Becca imaginou como o pai reagiria àquela informação. Lorde Throckton

não fazia segredo de seu antagonismo a Henry. Mas ela não era uma espiã. A conversa que o pai e o cavaleiro haviam

tido naquela manhã, daria a ele uma boa idéia sobre as inclinações políticas de

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sir Blaidd. Se aquilo o desclassificaria para a mão de Laelia, só o tempo diria. Mas o tempo parecia ser um aliado de Blaidd.

Laelia se mostrava cada dia mais impressionada com o pretendente, e o pai não lhe fizera nenhuma objeção até o momento. Fato que não causava espanto. O galês era um homem atraente, inteligente e muito interessante.

— Veja! — exclamou Trev. — Sir Blaidd se aproxima. Por favor, déixe-me ajudá-la, do contrário meu mentor me decapitará.

Becca seguiu o olhar do rapaz para ver o cavaleiro se aproximando com expressão austera e resolveu atender a seu pedido.

Os dois riam divertidos quando foram interrompidos por um furioso Blaidd.

— Presumo que o passeio tenha sido bastante agradável — disparou Blaidd, não contendo o comentário sarcástico. — Já que o estenderam por metade do dia — concluiu, cruzando os braços sobre o peito.

Trevelyan baixou os olhos, corando. Becca levou as mãos enluvadas à cintura, indignada com a arrogância do galês.

— Como se atreve a repreendê-lo? Seu escudeiro apenas cumpriu a ordem desnecessária que lhe deu.

Blaidd pareceu ignorá-la, voltando-se para Trev. — Leve os cavalos para o estábulo e ajude a tratá-los. O rapaz obedeceu de imediato, afastando-se com os dois animais. Becca cerrou os punhos, batendo contra o peito de Blaidd. — Seu presunçoso arrogante! Por que envergonhou o rapaz dessa

maneira? Blaidd segurou-lhe a mão com força necessária para detê-la. — Peço-lhe desculpas por me preocupar com seu bem-estar. Deveria ter

esquecido meu dever de cavaleiro e permitido que corresse o risco de ser atacada ou morta se esse era seu desejo.

Becca se desvencilhou, erguendo o queixo em uma atitude desafiadora. — Por acaso pedi sua proteção? Ele se aproximou até ficarem a milímetros de distância. — Meu dever de cavaleiro, não depende de sua aprovação. Levo-o tão a

sério quanto minha lealdade ao rei. Mas nem a proximidade nem as palavras pareciam intimidar Becca. — Mesmo que eu não a deseje? — Sua vontade não me isentará de meu dever. Enquanto se encaravam como dois cães ferozes, um pensamento ocorreu

a Becca. Nunca ninguém se preocupara tanto com seu bem-estar. A fúria de sir Blaidd não diminuía ante sua condição física. Ele a tratava de igual para igual.

Em seguida, outro pensamento ainda mais curioso lhe veio à mente. A expressão de Blaidd quando a viu chegar com o escudeiro fora a mesma que costumava observar nos homens que disputavam a atenção de Laelia. Estaria ele com ciúmes? O absurdo da suposição a fez sorrir.

— Por acaso a estou divertindo? Becca não podia revelar o que acabara de imaginar, senão seria ele a rir. — Acho interessante o fato de não ter pudor em discutir comigo. Os

homens costumam me tratar como uma criança delicada. — Tenho plena consciência de que não é mais uma criança, milady —

disse Blaidd em um sussurro aveludado e sensual.

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Embora soubesse que aquelas palavras não tinham a intenção de seduzi-la, Becca não pôde evitar a miríade de sensações que a invadiram naquele momento. Desejo, luxúria e subjugação.

— Fico feliz que pense assim — afirmou Becca, decidida a manter seu ponto de vista. — Portanto, não tente me impedir de fazer o que quero.

— Por mais tentado que fique a atender seu pedido, devo lhe lembrar que meu dever de cavaleiro me impede. Se insistir em arriscar sua vida, farei tudo que estiver a meu alcance para impedi-la. Por hora, a menos que esteja planejando outra cavalgada, desejo-lhe um bom dia, milady.

Ela o observou afastar-se apressado, imaginando se Laelia estaria lhe dando o devido valor. Aquele homem valia por mil dos janotas que o antecederam.

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Capítulo SeteCapítulo SeteCapítulo SeteCapítulo Sete Blaidd limpou as gotas de suor que lhe assomavam à fronte, e inclinou-

se outra vez, empunhando a espada com ambas as mãos. Um fio de sangue escorria do corte no peito desnudo. Dobbin aproveitara bem os segundos de distração do cavaleiro. Assim como o pai e sir Urien, o chefe dos sentinelas era um homem vigoroso para sua idade. E um hábil e experiente espadachim. Todos os truques e fintas que Blaidd costumava usar, não surtiram efeito contra o oponente.

Dobbin se moveu em torno dele com passos lentos, baixando a espada em sinal de ataque. O galês virou o corpo com um movimento rápido e em seguida com deliberada calma, baixou a espada até encontrar a do oponente.

— O que o senhor está esperando? — inquiriu Trev da platéia de soldados que assistiam a luta.

Blaidd teve vontade de fulminá-lo, mas não podia perder o controle como fizera há quatro dias quando o escudeiro e lady Rebecca voltaram do passeio a cavalo.

Trev ainda se mostrava magoado com o ocorrido. Becca tinha razão. O rapaz apenas cumprira suas ordens. No mesmo dia Blaidd procurou o escudeiro e desculpou-se, dizendo que fora impetuoso e que também havia sido repreendido em público pela própria lady Rebecca. Trev o ouviu em silêncio e em seguida concordou, mas desde então não voltara a ser o mesmo.

Ao menos Becca parecia tê-lo perdoado. Sua atitude em relação a ele não melhorara nem piorara depois do episódio.

Dobbin movimentou a ponta da espada devagar, preparando-se para o golpe, mas antes que pudesse desferi-lo, Blaidd, com um giro rápido de punho, desarmou-o, atirando a espada do oponente aos pés de… lady Rebecca.

— Muito bem, senhor cavaleiro — cumprimentou ela em tom frio em meio ao burburinho de vozes masculinas excitadas. Em seguida, inclinou-se, pegou a pesada arma e lhe entregou.

Becca trajava um vestido simples de lã marrom e seus bastos e belos cabelos estavam atados em um coque.

Blaidd preferia a vestimenta singela às sedas e veludos que limitavam os movimentos das damas. Ela parecia estar sempre pronta para um desafio, doméstico ou não.

Embainhando a espada, Blaidd tentou não transparecer a emoção na voz.

— Obrigado, milady. — Está sangrando. Espero que não seja nada sério. O cavaleiro baixou o olhar para fitar o próprio peito, ciente dos olhos

azuis fixos nele. — Não. Já tive ferimentos piores. — Lady Laelia lhe envia suas escusas, mas hoje se encontra combalida e

não se juntará a nós no salão. — Oh, sinto muito. Não é nada grave, é? Desviando o olhar do torso musculoso, Becca fitou-o nos olhos. Ele

parecia preocupado com o mal-estar de Laelia, mas não de maneira excessiva. Depois de todo aquele tempo, ainda não sabia precisar os verdadeiros

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sentimentos de Blaidd pela irmã. — Apenas uma dor de cabeça. Laelia tem esses achaques de vez em

quando. Nada que um dia de descanso não consiga sanar. Becca deu alguns passos em direção a Dobbin, que secava o rosto

afogueado na manga da túnica. Tinha de desviar a atenção daquele físico avantajado e tentador.

— Por Deus! — dizia ele aos soldados a seu redor. — Estava certo de que a luta estava ganha. Aquele Fitzroy parece fazer jus à fama que tem. Nunca vi um movimento tão rápido — e erguendo a voz. — Pode nos mostrar esse golpe com detalhes?

Becca voltou o olhar a Blaidd e, para sua sorte, ele já havia vestido a túnica.

O cavaleiro olhou na direção dos homens. — Agora? — Ou mais tarde, se preferir — redargüiu Dobbin, cordato. Blaidd sorriu. — Não vejo porque deixarmos para depois — disse ele, retirando a túnica

mais uma vez. Becca girou nos calcanhares, decidida a partir, mas o chamado de

Dobbin fê-la estacar. — Espere, milady. Depois que ele nos ensinar o movimento, a senhoria

podia lhe mostrar sua pontaria — e sorrindo orgulhoso para Blaidd. — Eu a ensinei e posso lhe garantir que é tão boa quanto os melhores arqueiros dos quais já ouviu falar. Não consegue atingir a mesma distância que a força masculina, mas supera os homens em pontaria.

Embora fosse orgulhosa com sua destreza com arco, não se sentia inclinada a demonstrar essa particularidade a Blaidd Morgan.

— Não serão necessárias demonstrações. Creio que o senhor cavaleiro acreditará em sua palavra.

— Acontece, Dobbin, que também sou um exímio arqueiro. Meu pai fez questão de que os filhos fossem treinados com todas as armas — afirmou Blaidd sorrindo, mas com um brilho de desafio no olhar. — Talvez possamos dar início a uma nova competição.

Aprender a arte de manejar o arco fora sugestão de Dobbin, quando ela se encontrava acamada após o acidente. O sentinela prometera ensiná-la tão logo se recuperasse para que Becca não se sentisse tão vulnerável.

Logo Rebecca percebeu o mérito daquela idéia. Doravante, teria algo em que pensar além de sua incapacidade. Temendo que lorde Throckton não aprovasse, os dois decidiram não lhe contar nada até que ela se tornasse uma exímia atiradora.

Becca alimentara a ilusão de que ele ficaria orgulhoso, mas tudo que o lorde fez fora fitá-los com olhar cético.

— Se precisar dela para defender o castelo, eu a chamarei. Por certo seu pai nunca o fizera, mas naquele momento estava sendo

requisitada para confirmar a perícia de Dobbin como professor. Pensando assim, sorriu complacente. — Como posso resistir a tal desafio? Espero não ferir sua suscetibilidade,

quando eu vencer. — Mandarei dois sentinelas providenciarem os arcos e os alvos. —

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Apressou-se Dobbin, antes que sir Blaidd mudasse de idéia. — Enquanto isso, pode nos mostrar o movimento.

Algum tempo depois, Dobbin havia aprendido a técnica de desarmamento com apenas um giro da lâmina. Becca e Blaidd se preparavam para lançarem as flechas. Apostas haviam sido feitas e ela imaginou quem seria o favorito entre os dois. Por certo, o velho amigo sentinela optara por sua pupila.

Embora sir Blaidd estivesse vestido com uma túnica que lhe chegava abaixo dos joelhos, Becca tentou não prestar atenção ao oponente, enquanto ele amarrava a fita de couro ao braço esquerdo. Um dos guardas postou-se a seu lado, entregando-lhe um arco de madeira e uma aljava repleta de setas.

Outro sentinela forneceu os mesmos apetrechos à dama que de pronto armou o arco para atirar.

— Vence o que conseguir os dois melhores lançamentos de três tentativas? — sugeriu Blaidd, apontando o próprio arco.

— Como quiser — retrucou ela. Os soldados que estavam próximos se afastaram e Becca ergueu o arco.

Em instantes, o mundo ao redor Pareceu sumir de sua mente. Concentrava-se apenas no alvo. Fez pontaria e aguardou Dobbin dar o sinal.

Quando ele o fez, o familiar som agudo da corda esticada ecoou em seus ouvidos quando estalou. A flecha voou pelo ar até pousar no centro do alvo. Sorrindo de satisfação, Becca fitou o alvo de Blaidd.

A flecha do oponente, tal como a sua, estava pousada no centro do alvo. Um ruído misto de admiração e desânimo soou atrás deles, enquanto Trev e Dobbin se encaminhavam aos alvos para verificar quem fizera o melhor lançamento. Becca aguardou impaciente enquanto os dois discutiam entre si.

— Dobbin disse que seu talento é natural — comentou Blaidd enquanto esperavam a decisão. — Acho que ele tem razão, não só com o arco como com a harpa. Seria muito admirada na corte com tantas aptidões.

Becca não pôde deixar de imaginar como se sentiria, sendo bem quista e prezada ao invés de ser considerada uma desajustada.

Dobbin ergueu a mão. — A dama venceu! Um novo rumor de aprovação ecoou quando os juizes retornaram.

Trevelyan Fitzroy parecia ter sido informado de que o mundo iria acabar no dia seguinte.

Becca havia notado uma certa animosidade entre o escudeiro e Blaidd desde o dia do passeio deles pelo rio. Não podia evitar uma pontada de remorso por ter sido a causa da discórdia, apesar de concluir que a culpa fora de Blaidd que repreendera o rapaz injustamente.

Mas no momento, o humor de sir Blaidd Morgan parecia inabalável, mesmo tento feito o pior lançamento.

— Acho que terei de me esforçar mais da próxima vez — declarou, preparando-se para lançar outra vez.

Becca imitou-lhe o gesto. Ao grito de Dobbin, uma nova revoada de flechas cortou o ar. A da dama atingiu o alvo. Fora do centro.

Com um suspiro exasperado, ela voltou o olhar para a flecha de Blaidd. Ela estava próxima ao local da anterior. Desta vez não restavam dúvidas. Um exultante Trevelyan devolveu a flecha ao escudeiro, enquanto um desanimado

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Dobbin retirou a dela do alvo. — Desculpe-me pela escolha das palavras — murmurou Becca entre

dentes. — Não foi digno de uma dama. — A senhorita não gosta de perder — declarou em tom sereno. —

Tampouco eu. Quanto a suas palavras, posso lhe garantir que muitas mulheres da corte seriam capazes de fazer um soldado corar com seu linguajar.

— E, sem dúvida, o senhor deve ter sido íntimo de muitas delas. — De algumas — retrucou Blaidd. — O suficiente para perceber que ser

uma dama não é uma condição conferida apenas pelo nascimento. Muitas mulheres de castas mais baixas são mais refinadas do que as damas da corte.

Por certo ela não se encaixava na imagem que Blaidd fazia de uma dama, pensou ela.

— Vamos à terceira tentativa — disse, selecionando outra flecha. — Com todo prazer, milady. Becca comprimiu os lábios, decidida a vencê-lo. Dessa vez, para alívio da

dama, sua flecha atingiu a mosca do alvo. Um lançamento ainda melhor que o primeiro. A de Blaidd, no entanto, passou longe do centro do alvo.

Becca pulou de alegria, mas em seguida se conteve. Não queria dar a impressão de que estava tripudiando sobre o adversário.

— Uma clara vitória de milady — gritou Dobbin, enquanto Trevelyan corria em direção ao alvo.

— Santo Deus! Péssimo lançamento. Sir Urien iria se envergonhar de mim. — declarou Blaidd, comprimindo os lábios como se quisesse conter uma risada.

— Talvez sim, talvez não! — retrucou Becca, lançando-lhe um olhar furioso. — Errou o alvo de propósito?

Ele a fitou surpreso e meneou a cabeça em negativa. — Asseguro-lhe, milady, que nunca perco de propósito. Estava rindo

porque Santo Deus não foi a primeira expressão que me veio à mente. Tão veemente foi a afirmação que Becca se viu inclinada a acreditar no

oponente, mas tinha de se certificar de que ele não a estava enganando. — Lançaremos de novo. E desta vez faça o melhor que puder. — Eu fiz — protestou ele. — E não costumo mentir para uma dama. —

Após alguns minutos de tensão, Blaidd deu de ombros. — Muito bem. Se é o que deseja, atiraremos de novo. — Ótimo. Dobbin e Trevelyan se aproximaram confusos ao vê-los se prepararem

para um novo lançamento. — O que está acontecendo, milady? — Temo que sir Blaidd achou gentil me deixar ganhar. Talvez possa

esclarecer ao cavalheiro que sou uma adversária que sabe perder. Dobbin encarou o cavaleiro com seriedade. — Bem, sir Blaidd, lady Rebecca não gosta de perder, é claro, mas é

melhor jogar limpo. Blaidd se empertigou. — Eu não a deixei ganhar. Apenas fiz um mau arremesso. Trev pode

confirmar que isso já aconteceu antes. — Sir Blaidd é um exímio arqueiro — contrapôs o escudeiro, insatisfeito

com a situação.

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— Mas de vez em quando cometo alguns erros — insistiu Blaidd com sinceridade. — Lembra-se da vez que atingi seu pai na perna?

Os olhos de Becca se dilataram de surpresa, enquanto Dobbin soltava um assovio.

— Feriu sir Urien Fitzroy? — questionou o chefe dos sentinelas, atônito. — Sim. No ano passado. Ele estava tão confiante em minha pontaria que

se postou ao lado do alvo. Todos os olhares se voltaram para Trev, que corando, confirmou as

palavras do cavaleiro. — Precisava ouvir o sermão que ele fez. Por certo, mereci cada

imprecação que meu treinador lançou contra mim. — Talvez seja mesmo um mau atirador — concordou Becca, por fim. — E então? Quer tentar mais uma vez ou aceitará sua vitória? — Se teve coragem de confessar que atingiu o famoso Urien Fitzroy,

concordarei com minha vitória. Blaidd pareceu relaxar e seus olhos se encontraram por alguns instantes,

até que os dois se dessem conta do mundo a seu redor e desviassem o olhar. Naquele momento, Meg surgiu correndo em direção à patroa. Lady

Rebecca agradeceu a Deus pela interrupção. A criada lançou um olhar fortuito ao jovem Fitzroy antes de se pronunciar.

— O vendedor de vinhos chegou, milady. — Oh! Se me dão licença — disse Becca, olhando ao redor. — Terei de

encomendar os vinhos ou vocês não terão o que beber no domingo. — Os guardas bebem vinho em vez de cerveja? — perguntou Blaidd,

surpreso. — Os dois. Meu pai costuma dizer que homens com a barriga cheia de

comida e boas bebidas ficam mais agradecidos e, portanto, leais. Trate-os bem e eles protegerão sua família e terra. Mas o vinho é servido apenas aos domingos. Durante a semana bebem cerveja — e elevando o tom de voz. — Ou meu pai iria à falência do jeito que eles bebem.

Um coro de protestos ecoou no ar e Becca sorriu divertida. — Temos os melhores soldados da Inglaterra, servindo o lorde Throckton

— declarou Dobbin, orgulhoso. — Sim. Devo concordar que possui uma sentinela de elite — manifestou-

se Blaidd. — E o vinho que servem é de excelente qualidade também — inclinou-se em uma mesura, piscando para Becca. — E obrigado, milady. Espero continuar apreciando o vinho fino, a ótima comida e a agradável companhia pelo resto da minha estada aqui.

— E por quanto tempo será? — perguntou Becca, sem pensar. Os olhos castanhos se ergueram. — Está sugerindo que já me demorei deveras? — inquiriu o cavaleiro,

provocando um silêncio constrangedor no grupo. — De forma alguma — a dama apressou-se em esclarecer, imaginando o

que o pai faria se soubesse da pergunta impertinente que fizera ao hóspede. — Quero apenas calcular quanto devo encomendar do melhor vinho.

— Espero que não esteja insinuando que me excedo na bebida. — Isso nunca passaria por minha mente — protestou, um tanto nervosa.

— Sempre mantemos um bom estoque de vinhos finos, mas estou certa de que meu pai fará questão que consuma os melhores do mercado, portanto

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tenho de saber quanto comprar. Não tive a intenção de ofendê-lo. — Só queria certificar-me, milady — redargüiu Blaidd, voltando-lhe um

sorriso encantador. Ela o fitou, incrédula. — Estava troçando de mim, sir Blaidd? O cavaleiro a encarou com expressão bem humorada. — Perdoe-me de novo, milady. Não pude resistir à tentação. Um belo espécime de homem como aquele nunca deveria pronunciar a

palavra tentação para uma dama. Irritada, lady Rebecca tentou se convencer de que estava furiosa com

ele, apesar do sorriso, dos olhos brilhantes e do bom humor com que perdera o desafio no tiro ao alvo.

— Tenha um bom dia, senhor cavaleiro — declarou ela, girando nos calcanhares e partindo o mais rápido que o ritmo claudicante lhe permitia com a criada em seu encalço.

— É uma criatura muita especial, não? — questionou Dobbin, aproximando-se de Blaidd. Atrás deles, os soldados começaram a recolher os arcos e alvos.

Blaidd notou que Trev partiu antes dos soldados. — Ensinou-lhe muito bem a manejar o arco e flecha. — É fácil quando o pupilo é inteligente e interessado. — Ainda assim. Ela possuiu uma habilidade não-usual para uma dama.

Fico surpreso pelo fato de o pai ter permitido isso. Dobbin corou, dando um passo à frente. — Bem, ele não teve conhecimento do fato — mediante o olhar surpreso

de Blaidd, apressou-se em explicar. — Decidi ensiná-la depois de seu acidente. Todos diziam que ela não voltaria sequer a andar. A menina passava os dias entristecida e deitada em uma cama sem poder se mexer. Tentei pensar em algo que lhe trouxesse de volta a alegria de viver — abriu os braços num gesto de rendimento. — Sou apenas um soldado e, portanto, só podia pensar em algo relacionado ao meu ofício.

— Parece que sua idéia foi aprovada por lady Rebecca. Um sorriso tímido iluminou o semblante envelhecido do soldado. — De fato. Blaidd decidiu aproveitar a oportunidade para satisfazer sua curiosidade. — Suponho que ela tenha caído de uma árvore? — Sim. Lady Rebecca sempre foi muito travessa. Vivia dando

cambalhotas e subindo em árvores. — Presumo que o pai sempre a repreendia? Uma expressão aborrecida perpassou o rosto do soldado. — Sim. E ainda o faz. Não estou dizendo que lorde Throckton não se

preocupe com ela. Ficou muito aborrecido quando a filha se acidentou. Todos nós sofremos muito ao vermos aqueles ossos miúdos expostos. Fico nauseado só de pensar. Já ouvi gritos de adultos por muito menos e lady Rebecca não disse um ai. Nem quando o curandeiro tentou pô-los no lugar.

Blaidd já vira muitas fraturas e tinha de concordar que as expostas eram as mais doloridas e fatais.

— Foi um milagre ela ter sobrevivido. — Seria preciso mais do que uma fratura exposta para derrubá-la —

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afirmou Dobbin, como um pai orgulhoso. Em seguida, estendeu a mão para pegar o arco que Blaidd ainda segurava. — Vou guardar isso, senhor.

— Obrigado. Ao observar o chefe da sentinela se afastar, Blaidd se deu conta de que

deveria ter perguntado sobre a guarda e a fortaleza e não sobre lady Rebecca, não obstante o quanto a achasse intrigante.

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Capítulo OitoCapítulo OitoCapítulo OitoCapítulo Oito Observando a cama estreita vazia, Blaidd suspirou exasperado. Onde

diabos havia se metido Trev? O escudeiro havia bebido mais cerveja do que devia e saiu cambaleando do salão antes que ele desse conta. Logo em seguida, o cavaleiro se desculpou e saiu a sua procura. Esperava que o rapaz tivesse ido para o quarto, mas pelo visto se enganara.

Talvez tivesse ido à caserna encontrar alguns amigos que fizera entre os soldados ao longo daqueles dias e pagar a dívida que havia contraído, apostando nele na disputa do arco e flecha.

Ou quem sabe estaria no estábulo, cuidando dos cavalos? Ou mesmo cochilando sobre um monte de feno?

Girou nos calcanhares para deixar o quarto e se encontrou cara a cara com Meg. Suspirou aliviado. Ao menos, Trev não estava com ela.

A criada corou e apertou com ambas as mãos a bainha do avental. — Eu… eu vim… quer dizer… gostaria de lhe falar. Embora estivesse curioso em saber o que a criada tinha a dizer, a pressa

em encontrar o escudeiro falou mais alto. — Não pode esperar até amanhã? Ela meneou a cabeça em negativa, com expressão de desespero no

olhar. — É muito importante. Blaidd pensou em uma possível explicação para a presença inesperada

da serviçal. Não seria a primeira vez que uma dama enviava a criada como mensageira.

— Estou certo de que lady Laelia compreenderá que estou… — parou ao perceber a angústia da jovem. — Não foi sua patroa que a enviou?

Outra possibilidade lhe veio à mente, enchendo-o de alegria. — Então foi lady Rebecca? — Deus! Não! Estou aqui para lhe dizer… Um lampejo de esperança se acendeu no âmago de Blaidd. Talvez

tivesse negligenciado uma poderosa fonte de informações. — Sim? — inquiriu, solícito, estimulando-a a falar. Meg respirou fundo e

as palavras lhe saíram como uma torrente. — Lady Rebecca é a dama mais bondosa que jamais conheci. Acho que

ela lhe tem apreço e o senhor lhe corresponde. Ou pelo menos, deveria. Ela é um milhão de vezes melhor do que a irmã e um homem inteligente devia preferi-la a lady Laelia. O senhor nutre sentimentos por minha ama, não?

Tomado de surpresa, Blaidd não sabia o que responder. Não podia arriscar sua estadia no castelo, confessando seus verdadeiros sentimentos a uma criada. Para todos os efeitos, ele estava cortejando lady Laelia.

— Não, mas… — Senhor, perdoe-me por insistir — interrompeu-o a criada. — Espero

que não pense que só porque lady Rebecca não é tão bela quanto a irmã, não sirva para desposá-la. Lady Laelia é mimada, egoísta e… — Todo o corpo da criada tremia, mas estava determinada a ir até o fim. — E talvez seja estéril também.

Blaidd percebeu a lealdade canina implícita no desesperado discurso. Não

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podia deixar de admirar a criada por possuí-la e a patroa por ter feito por merecê-la. Mas não se atreveria a revelar o que ia em seu coração a ninguém dentro daquele castelo.

— Penso que está agindo de acordo com o que pensa ser o melhor para sua ama…

— Estou tentando lhe dizer para se casar com ela e tirá-la dessa casa. Blaidd notou um outro tipo de desespero no tom de voz de Meg que o

deixou em alerta. — Por que acha que ela deve se afastar de sua família? — Porque eles não lhe dão o devido valor. Os dois a tratam como uma

escrava. — Não há nenhuma outra razão? A criada ergueu os olhos castanhos para fitá-lo suplicante. — Desejo que lady Rebecca seja muito feliz e penso que isso seria

possível com o senhor. Temo que lorde Throckton a case com alguém que a fará infeliz.

— Nada além disso? — O que poderia ser pior? Blaidd poderia pensar em uma possibilidade pior. Um traidor não era o

único a sofrer as conseqüências de seus atos. Todas suas terras e bens seriam confiscados para a coroa. Se lorde Throckton fosse considerado culpado, as filhas ficariam pobres, perderiam o título e teriam de lutar para se sustentarem em um mundo com poucas chances para mulheres solteiras de castas inferiores. Ou casariam com um plebeu ou iriam para um convento.

Isso se não fossem consideradas cúmplices do pai. Nesse caso, seriam condenadas à morte também.

Blaidd repetiu para si mesmo que não devia pensar daquela maneira. Seu dever de lealdade era para com o rei. Estava ali para salvaguardar Henry e não as filhas de Throckton.

Ainda assim, a afirmação de Meg de que o pior que poderia acontecer a lady Rebecca seria um casamento arranjado trouxe-lhe algum alívio. Aquilo queria dizer que a criada desconhecia possibilidade pior.

Pensando assim, forçou-se a sorrir. — Devo dizer-lhe que a despeito de acreditar que sua ama teria melhor

destino se casando comigo, talvez ela discorde. — A princípio, sim. Mas penso que poderia convencê-la. — E para tanto eu não deveria amá-la? — O senhor não a ama? A pergunta o tomou de assalto. Era óbvio que Meg era uma daquelas

criadas que têm grande apreço por suas amas. Do contrário, por que acharia que ele a amava?

— Gosto de lady Rebecca, mas isso não quer dizer que eu a ame. A criada o fitou com olhar cético. — Isso já é um bom começo. Se passar mais tempo com ela, acabará

concordando que minha ama merece uma vida melhor. — E se lady Rebecca não me achar adequado para ela? Para sua surpresa, Meg sorriu como se ele tivesse feito uma pergunta

tola. — Acho que isso não será um problema. Como lhe disse, lady Rebecca

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lhe tem apreço. Sei o que estou dizendo. E mais que isso, ela o respeita. Não conheço nenhum homem além do pai e de Dobbin que lhe inspire esse sentimento.

A criada deu um passo atrás, preparando-se para deixar o quarto. — Por favor, não lhe conte o que fiz. Ela não aprovaria. — Estou certo de que não. Mas vou pensar no que me falou. Meg concordou com um gesto de cabeça e disparou pela porta do quarto,

deixando-lhe a mente em polvorosa, enquanto procurava Trev. Encaminhou-se primeiro ao estábulo. O céu estava parcialmente coberto

por nuvens, mas não havia ameaça de chuva. Apenas uma brisa suave. Talvez levasse Aderyn Du para uma cavalgada no dia seguinte. Quem sabe lady Rebecca também fosse cavalgar e ele a encontrasse como Trev o fizera. E depois a ajudasse a desmontar. Colocaria suas mãos em torno da cintura delgada e deixaria que o corpo franzino deslizasse pelo seu até atingir o chão.

Assim que abriu a porta do estábulo, Aderyn Du relinchou, cumprimentando-o. Blaidd esticou o braço, acariciando o focinho do animal. Em seguida, verificou as baias e o celeiro à procura de Trev.

Encaminhou-se ao jardim, imaginando onde poderia estar o escudeiro. Não devia ter ido longe, mas não podia esquecer que Trev era jovem e estava alcoolizado.

— Danação! — murmurou entre dentes. Sir Urien nunca o perdoaria se algo de ruim acontecesse a seu filho.

Dirigiu-se a passos largos até o portão onde alguns guardas estavam encostados em suas lanças.

— É assim que guardam o castelo? Quase dormindo? — Desculpe, senhor — murmurou o mais jovem. — Viram meu escudeiro passar por aqui? Os guardas se entreolharam. — Sim, milorde. — Não perceberam que o rapaz não estava em condições de ficar

andando por ai? — inquiriu, dirigindo-se ao guarda mais velho. — Ele nos pareceu normal, senhor. — Ele estava bêbado! — Um tanto cambaleante — manifestou-se o mais jovem. — Mas falou

conosco normalmente. — Sabem me dizer se ele foi para a aldeia? Os dois soldados afirmaram que sim e o mais velho apontou com a lança

para frente. — Nesta direção, senhor. Blaidd se precipitou através do portão interno, correndo até alcançar a

portaria principal, Dobbin se encontrava conversando com alguns guardas. Quando viu quem se aproximava, interrompeu o que estava fazendo para atender o cavaleiro.

— Presumo que esteja procurando seu cavaleiro? — Sim. — Estava um tanto bêbado. — Pode estar certo. — E procurando diversão? — Acho que sim — retrucou Blaidd em tom seco, temendo saber

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exatamente que tipo de entretenimento atraíra Trev. — Se me permite, senhor. Por que não deixa o rapaz se divertir? — Porque ele está sob minha responsabilidade e ambos sabemos o que

pode acontecer em um prostíbulo. Dobbin concordou, mas não saiu do caminho. — Um escudeiro seguro de si e orgulhoso como ele, não há de apreciar

que vá atrás dele — observou o chefe da sentinela. — Talvez seja melhor deixá-lo se aventurar um pouco. Já é crescido o suficiente para ficar sob as asas de seu mentor.

— Qual seria sua reação se soubesse que lady Rebecca se esgueirou pelo quarto de um homem?

— Bem, nesse caso seria diferente. Ela é uma dama, Trevelyan é um escudeiro.

— Não para mim. O pai dele está contando comigo para tomar conta dele, e isso significa mantê-lo longe de confusão. E um prostíbulo é o lugar mais indicado para se meter em uma.

Sem esperar pela resposta de Dobbin, apressou-se através da portaria do castelo e disparou pela estrada.

Admoestando-se por não ter tido pulso com o rapaz, Blaidd decidiu começar a busca pelo prostíbulo. Se Trev não estivesse lá, procuraria pelas tavernas próximas.

Pouco tempo depois, escancarou a porta do bordel para encontrar uma mixórdia de homens e prostitutas seminuas. A jovem loura que viram encostada ao portão quando chegaram à cidade não se encontrava.

A mulher de cabelos pretos que primeiro chegou à janela caminhava com afetação de um lado para outro. Blaidd concluiu que devia ser a dona do prostíbulo.

— Ora, ora. Vejam quem está aqui! — exclamou ela, fitando-o de cima a baixo. — O belo e impetuoso soldado.

— Meu escudeiro está aqui? — Quem? — Sabe muito bem de quem estou falando. Ele está aqui com a garota

loura? — Talvez esteja lá em cima ou talvez não. O que lhe importa se o rapaz

quer se distrair um pouco? — Saia da minha frente, mulher. Vim buscá-lo, portanto acho melhor me

dizer em que quarto ele está ou destruirei este lugar até encontrá-lo. A mulher fitou-o, furiosa, precipitando-se pela escada. — O primeiro à esquerda — informou-o em tom seco. Quando Blaidd se aproximou, ela tratou de prevenir a empregada. — Hester! — gritou. Blaidd jogou o ombro contra a porta, arrombando-a e adentrou o quarto.

A menina estava totalmente vestida e Trev também. Estava esparramado na cama, deitado de barriga para baixo.

— Ele caiu em sono profundo — disse a menina, amedrontada com a proximidade de Blaidd. — Eu não lhe fiz nada, juro.

— Ele fez algo com você? — perguntou o cavaleiro, erguendo Trev. Não encontrou nenhum corte ou ferimento, o que o deixou aliviado.

A jovem prostituta meneou a cabeça em negativa. A julgar pelo aspecto

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da cama e das vestimentas deles, devia estar dizendo a verdade. — Onde está o dinheiro dele? — inquiriu, amparando o escudeiro

inconsciente. Teria de arrastar até o castelo. Ela apontou para a algibeira atada ao cinto de Trev. — Se faltar uma moeda, voltarei para buscar e se arrependerão de ter

usurpado — garantiu Blaidd, encaminhando-se para a porta. — Por que não volta de qualquer maneira? — questionou a jovem

prostituta, com voz suave. — Não costumo freqüentar prostíbulos. — Acha-se muito superior a nós, não? — ela provocou-o. — Bem, não é

exceção. Blaidd estacou e a fitou com compaixão. — Se o seu nome é Hester, lady Rebecca me contou sobre sua desdita.

Sinto muito. Os olhos da prostituta se dilataram e ele imaginou quão bela e inocente

aquela mulher fora um dia. — Vou lhe pedir um favor. Se Trev voltar aqui, mande-o de volta. A

primeira vez dele com uma mulher não deve ser… bem, assim. A pureza que há pouco divisara no olhar de Hester se devaneou. — Se eu mandar os fregueses embora, não conseguirei me sustentar. — Então farei seu esforço valer à pena — replicou Blaidd, enfiando a mão

na própria algibeira e lhe atirando uma moeda de prata. — Mais uma vez, sinto muito pelo que aconteceu em seu passado. Envergonho-me dos homens que não honram suas atitudes.

Ela olhou para a moeda em sua mão e depois para ele. Em seguida, segurou a porta para que os dois passassem.

No momento que Blaidd passou por Hester, ela lhe acariciou o peito com um movimento sensual.

— Volte mais tarde, senhor, e eu farei sua visita valer à pena. As prostitutas que estavam reunidas ao pé da escada começaram a se

dispersar, sorridentes. Então, a expressão de Hester voltou a ficar séria. — Pelo bem de lady Rebecca, volte aqui para conversarmos — sussurrou

ela. — Tenho algo importante a lhe dizer. No caminho de volta ao castelo, Blaidd pôs-se a pensar nas palavras da

prostituta. Primeiro fora Meg quem suplicara pela ama e agora a ex-criada mostrava-se preocupada com Rebecca.

Talvez o castelo de Throckton encerrasse mais segredos do que supunha. — Como pôde fazer isso? — reclamou Laelia no momento que Becca

adentrou o quarto. A bela dama ainda se encontrava acamada pelo mal súbito. — Ir para o pátio misturar-se com os guardas, interrompendo seus deveres e depois desafiar sir Blaidd para uma disputa de arco e flecha!

— Como está sua cabeça? Melhor, espero. — Não tente mudar de assunto! Como pode agir de maneira tão

inadequada para sua posição? — Fui até lá para comunicar a sir Blaidd que você se encontrava

combalida. Quanto ao desafio, foi idéia? dele, não minha. Não o teria ofendido se o recusasse?

Laelia estreitou os olhos e comprimiu os lábios.

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— E como ele descobriu que você é uma exímia atiradora? Por certo você lhe disse.

Becca a fitou atônita. — Eu nunca citaria uma proeza tão indigna de uma dama! — Então foi Dobbin! Vou falar com papai sobre ele… — Não se atreva! — gritou Becca. — Deixe-o fora de suas queixas! Eu

aceitei o desafio, não ele. Uma batida fraca à porta interrompeu o tenso colóquio. Em seguida, Meg

adentrou o quarto com passos tímidos. — Está atrasada! — vociferou Laelia. — Sim, milady. Desculpe-me — suplicou a criada, correndo até o

toucador e pegando a escova. — Vou pentear seus cabelos primeiro, sim? — Está certo — concordou Laelia, erguendo-se em um impulso. Em

seguida, vestiu o roupão de linho e encaminhou-se ao toucador. — Pensa que esqueci que obrigou sir Blaidd a mandar seu escudeiro

atrás de você… — Não lhe pedi que fizesse aquilo — interrompeu Becca. — Acho que

papai também deixou isso claro para ele. — Ele o fez porque é um cavalheiro — argumentou uma furiosa Laelia. —

Quando vai aprender a se comportar como uma dama? Becca retirou o lenço e sacudiu a cabeça para soltar os cabelos. — Não sei por que está tão aborrecida. Sir Blaidd não foi atrás de mim.

Teve todo o tempo do mundo para desfrutar de sua companhia durante o vagaroso retorno ao castelo. Queria que o escudeiro os acompanhasse? Devia estar agradecida a mim.

— Pois não estou! Disparando pelo campo como uma fora da lei, vestida como uma criada e lançando flechas com a maestria de um soldado. Não sei como não é motivo de troça no castelo!

— Dobbin queria mostrar como… — E o que me importa o que Dobbin queria? — retrucou Laelia, furiosa. Enquanto Meg lançava um olhar de apoio à ama por sobre a cabeça de

lady Laelia, Becca lamentava o fato de ter envolvido Dobbin naquela contenda. Na verdade, quisera mostrar a Blaidd sua habilidade com o arco.

— Tem razão — concordou a irmã caçula, atirando o lenço sobre a cama. — Eu quis desafiá-lo. Arrependo-me por isso.

— Deve mesmo lamentar! Que atitude indigna! — Está esquecendo que possuo um defeito físico. Isso me torna indigna

a meu sangue nobre de qualquer forma. Laelia virou-se para fitar a irmã, interrompendo o trabalho da criada. — Não precisava ser. Bastava se comportar com decência. — Se eu agir da forma que acha adequada, morrerei de tédio — replicou

Becca com sinceridade. — Papai não parece se incomodar muito com isso — hesitou por instantes. — Ou pelo menos não com tanta freqüência. Não há motivo para ficar tão aborrecida.

— Papai se cansou de tentar controlá-la — argumentou Laelia. — Ele desistiu, mas eu não o farei. Não é tarde demais para você mudar e se tornar mais… mais…

— Casadoura? — Sim!

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— Devia deixar de se preocupar com minhas chances de casar. Eu já não me importo com isso há muito tempo.

— Você é minha irmã. É natural que me preocupe com você. — Aprecio sua atenção, minha irmã — replicou Becca. — Mas não

pretendo mudar. E se isso implica não me casar, que seja assim — concluiu, dirigindo-se à porta. — Acabei de lembrar algo que me esqueci de dizer ao cozinheiro.

Saiu apressada e encaminhou-se à escada. Na verdade, aquela fora apenas uma desculpa que encontrara para por fim à discussão. Não queria mais falar sobre sir Blaidd, sua deficiência ou casamento. Tudo que desejava era ficar sozinha.

Avançou pelo sombrio corredor, iluminado apenas pelo fogo que ainda crepitava na lareira do salão.

Estacou em frente à porta e perscrutou o pátio. Estava vazio, com exceção dos soldados que montavam guarda na muralha do castelo.

Encaminhou-se apressada à capela tão furtiva quanto podia. Uma vez no aconchego do lugar, imaginou se sir Blaidd apareceria de novo, mas logo afastou o pensamento. Seria melhor não pensar no cavaleiro nunca mais, apesar da imagem dele seminu, circulando Dobbin com a espada em punho não lhe sair da mente.

Aquele homem era diferente de todos que conhecera. Ao que parecia o nobre agradara também à irmã e ao pai. Fato que o

tornava um possível futuro marido para Laelia. Aquilo significava que Becca teria de vê-los casados, visitá-los com freqüência e até segurar seus filhos no colo…

Diante de tal visão, concluiu que mentira quando dissera à irmã que não se importava em ficar solteira. Pensava assim antes, quando observava o comportamento dos homens que vinham disputar a mão de Laelia. Porém, seus sentimentos haviam mudado desde a chegada de sir Blaidd Morgan. Se pudesse casar com ele… ou com alguém parecido…

Mas não havia ninguém como ele. Sua vida poderia ser pior. Afinal, era filha de um lorde abastado. Nunca

morreria de fome ou de frio. Tinha amigos ali no castelo e Dobbin era como um segundo pai.

Fez uma prece silenciosa em agradecimento por tudo que possuía. Em seguida, ergueu-se e fez o sinal da cruz. Quando voltou ao pátio, olhou para o portão a fim de ver quem estava montando guarda naquela noite e viu dois homens caminhando em direção à porta do castelo. Um carregava o outro que parecia estar inconsciente.

A silhueta máscula com os cabelos compridos não lhe deixou dúvidas. Eram sir Blaidd e seu escudeiro.

Temendo que o rapaz estivesse ferido, apressou o passo o máximo que pôde em direção aos dois.

— Sir Blaidd! — chamou quando estava próxima. — Ele está ferido? O cavaleiro estacou. — Não. Sinto lhe dizer, milady, mas Trev abusou da bebida. O rapaz ergueu a cabeça como se o pescoço fosse feito de borracha. — Não estou…bêbado — murmurou. — Só sonolento. Blaidd exibiu um meio sorriso e ergueu a sobrancelha.

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— Algumas vezes os jovens fazem coisas bastante tolas — observou Becca. — Deixe-me ajudá-lo.

Moveu-se para o lado oposto do cavaleiro, deslizando o braço por baixo do ombro de Trev.

— Não precisa se incomodar — protestou Blaidd. — Posso carregá-lo sozinho.

— Se teve de arrastá-lo até aqui, imagino que esteja cansado. Apesar de minha perna, sou perfeitamente capaz de lhe dar uma mão. Ou um ombro, neste caso — argumentou Becca em tom amistoso, deitando por terra a resistência de Blaidd.

No caminho para o quarto, a dama fitou o rapaz meneando a cabeça. — Durante o jantar, percebi que ele estava um tanto alterado. Devia ter

alertado Meg para parar de servi-lo. — E eu devia tê-lo impedido de beber — redargüiu Blaidd. — Ele está sob

minha responsabilidade. — Onde o encontrou? Blaidd contraiu a mandíbula, adotando uma expressão tensa e Becca

deduziu a resposta antes que ele a expressasse. — No bordel. Mas cheguei a tempo de impedi-lo de fazer algo estúpido.

— Ele a fitou nos olhos. — Há sempre lugares deprimentes para homens desesperados e mulheres desesperançadas.

— Há anos venho sugerindo que meu pai encontre uma forma de fechar aquele lugar, mas ele não concorda. Acha que os homens precisam de um local onde possam se divertir.

— Diversão muito pouco saudável, diga-se de passagem. Tanto para as prostitutas quanto para os fregueses. — O tom incisivo de Blaidd a impressionou.

Só quando alcançaram a porta do quarto, ocorreu a Becca que discutir prostituição com um cavalheiro era algo um tanto indecoroso para uma dama.

Com esforço ela o ajudou a colocar Trevelyan na cama. Cada um retirou uma bota dos pés do rapaz. Em seguida o cavaleiro cobriu-o com um lençol e de pronto começou a roncar.

Blaidd a fitou com intensidade. A face máscula de traços perfeitos brilhava, irradiada pela luz da lua que se projetava através dos vidros das janelas estreitas. Em seguida, fez um gesto para que ela deixasse o quarto e a seguiu.

Ele fechou a porta atrás de si, deixando-os sozinhos no corredor. — Obrigado por sua ajuda — sussurrou Blaidd. — Sem ela, seria difícil

arrastá-lo pela escada. Becca não conseguia pensar em nada para dizer. Blaidd se aproximou dela como que atraído por um ímã. Os olhos

castanhos estavam ocultos pelas sombras, mas lady Rebecca podia sentir a intensidade deles a fitá-la.

— Milady, está correndo algum perigo aqui? — questionou Blaidd em tom urgente.

A pergunta a tomou de assalto. — Claro que não. Este é meu lar. — Não há nada a que faça temer por seu bem-estar futuro? Sim, havia, pensou Becca, mas nunca o admitiria para um quase

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estranho. — Não. Por que pergunta? — Meg me disse algo essa manhã que me fez achar que não está segura

aqui. — Ela está enganada! — Mais tarde, teria uma longa conversa com a

criada sobre sua atitude atrevida. — Tem certeza? Meg disse que eles não a estimam da forma como

merece e eu, pelo pouco que observei, concordo com sua criada. — Dizendo isso, estendeu a mão e tocou-lhe a face delicada. Todo o corpo de Becca tremeu ante o contato suave. Devia impedi-lo de prosseguir, mas… não conseguia. — É feliz aqui, milady?

— Sim — retrucou ela, com um profundo suspiro. Em seguida, lançou mão de toda a força que possuía e deu um passo atrás. — Não faça isso.

— Desculpe-me. — Está cortejando minha irmã. — De fato, esse foi o motivo que me trouxe aqui. Sua irmã é uma jovem

agradável a seu modo, mas… — Mas, o quê? Becca teve vontade de gritar. — Talvez ela não seja a mulher adequada para mim.

— Oh! — foi tudo que Becca conseguiu balbuciar. Uma mistura de esperança e dúvida se mesclava em seu íntimo.

— Na verdade, estou inclinado a achar que deveria estar cortejando a irmã caçula.

Temerosa e confusa, agastada e deleitada, Becca viu-se incapaz de falar. E nem teve tempo de fazê-lo. Naquele instante, ele a tomou nos braços,

envolvendo-a em um abraço protetor e lhe cobriu os lábios em um beijo apaixonado.

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Capítulo NoveCapítulo NoveCapítulo NoveCapítulo Nove Sir Blaidd Morgan havia beijado muitas mulheres, mas nenhuma fizera

aflorar o sentimento profundo que lhe invadia o peito naquele momento. Depois de vários relacionamentos superficiais, Blaidd achava que um dia

teria de se casar por força do dever de formar uma família e ter herdeiros. Julgava estar destinado a um casamento sem amor.

A esperança de escapar daquele tenebroso destino, fora o último pensamento que concatenara antes de mergulhar na paixão que Becca lhe inspirava. Todo o mundo ao redor pareceu desaparecer. Tudo que tinha em mente eram os lábios carnudos e macios e a intensidade com que ela retribuía o beijo. Os dedos delicados escorregavam por seus cabelos, enquanto a dama pressionava o corpo contra o dele.

Explodindo de desejo, Blaidd aprofundou o beijo, explorando com a língua experiente a boca que se entreabria, permissiva. Em seguida, suspendendo o corpo franzino, encostou-a contra a parede.

Becca sequer percebeu o contato frio e áspero das pedras contra as costas. Concentrava-se na mão máscula que deslizava por suas costelas, atingindo-lhe a curva dos seios fartos.

Enquanto ele os acariciava com toques firmes e provocantes, todo o corpo de Becca pareceu incendiar de desejo. Um sentimento novo e maravilhoso que ela jamais experimentara. Excitada, deslizou os braços pela cintura reta de Blaidd, escorregando as mãos pelas costas largas e pressionado os quadris contra o corpo viril como se quisesse mesclar-se a ele.

Com movimentos rápidos e precisos, o cavaleiro começou a desatar os laços do corpete do vestido sem encontrar resistência. Quando conseguiu, deslizou a mão pelo tecido de lã, envolvendo-lhe um dos seios. Por sobre o tecido fino da roupa de baixo, esfregou o mamilo intumescido, fazendo-a ofegar ante a inesperada e deliciosa carícia.

No instante seguinte, ele interrompeu o beijo para traçar uma linha de fogo pelo queixo, pescoço e o colo macio. Becca arqueou o corpo, roçando a cabeça nas pedras da parede fria. Arquejante, sentiu a veste de lã e a roupa de baixo serem afastadas e a língua quente lhe provocar a ponta dos mamilos.

Ela segurou a cabeça de Blaidd com ambas as mãos, temendo desfalecer enquanto o cavaleiro se demorava naquela doce tortura.

Becca soltou um gemido lânguido que pareceu incendiá-lo de desejo. Ele ergueu a cabeça e lhe tomou os lábios em outro beijo profundo e exigente.

Eram como dois guerreiros travando a batalha do amor. As carícias se tornaram ousadas e urgentes, motivadas por luxúria e desejo.

Os quadris firmes de Blaidd roçavam contra os dela, deixando claro o estado de excitação em que ele se encontrava.

Ela correspondia com igual intensidade. Nunca desejara tanto uma coisa quanto ansiava por aquele homem.

Blaidd escorregou a coxa por entre as pernas de Becca, e ela comprimiu o centro de sua feminilidade contra os músculos exaltados. Uma sensação primitiva e desesperada a envolveu, enquanto repetia o mesmo movimento para frente e para trás contra o corpo másculo, ao mesmo tempo que ele mordiscava e sugava alternadamente os mamilos intumescidos.

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De repente, uma onda de espasmos de prazer que pareciam nascer de seu ventre fez o corpo franzino estremecer em êxtase.

Blaidd se empertigou, afastando-se tão vacilante quanto ela sem seu apoio.

— Becca… milady… perdi o controle. Com o sangue ainda pulsando nas veias e a respiração entrecortada, a

dama ergueu o olhar para fitá-lo. Os cabelos longos do cavaleiro se encontravam em total desalinho. Em algum momento ela lhe abrira a túnica assim como Blaidd fizera com seus laços. Sentia os lábios túmidos e molhados.

Oh, Deus! pensou Rebecca. Acabara de agir como uma prostituta! Esquecera sua condição de dama de alta casta, e que como tal deveria se comportar com dignidade.

Ainda assim, ansiava por se atirar de novo naqueles braços fortes e lhe implorar para que fizesse amor com ela.

Blaidd levantou o corpete do vestido cobrindo os ombros delicados. Em seguida lhe ergueu o queixo com uma das mãos.

— Perdoe-me. Eu não podia ter feito isso. — Eu é que devia tê-lo impedido. — Nunca deveria tê-la beijado. — E eu deveria esbofeteá-lo se tentasse. Blaidd exibiu um sorriso sensual. — Suponho, milady, que estávamos ambos inebriados. Deveríamos nos

comportar de outra maneira e no entanto… — Não fomos capazes de nos controlar. Ele concordou. — E agora estamos diante de um impasse, a não ser que eu pare de

cortejar sua irmã. — Você quer… fazer isso? O sorriso de Blaidd se alargou. — Estou certo de que não quero mais cortejar sua irmã. Prefiro fazê-lo

com a filha caçula de lorde Throckton. Embora explodindo de felicidade, Becca não queria causar sofrimento à

irmã. — Acho que meu pai e Laelia ficarão bastante aborrecidos com isso. A mão masculina deslizou pelas costas de Becca. — Acho que o aborrecimento de Laelia não durará muito. Não demorará

até que outro homem venha pleitear sua mão. Quanto a seu pai, parece que ele gosta de mim, não?

— Sim. — Então o que importa qual das filhas eu escolher? — Tem razão, mas, ainda assim, não quero que causemos problemas os

quais podemos evitar. Primeiro, deve deixar claro que não tem mais intenção de cortejar Laelia e partir. Depois de um tempo, pode voltar para uma visita. Como se deu tão bem com meu pai, isso não levantará suspeitas — Becca sorriu, brincando com a fita da túnica do cavaleiro. — E então aos poucos você me descobriria. Talvez a essa altura, alguém estivesse cortejando Laelia. Desta forma, não haveria susceptibilidades feridas.

Blaidd ficou pensativo por alguns instantes. — Parece que já tem tudo planejado.

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— Tenho raciocínio rápido. — E lógico também. Farei como disse, mas temo não poder partir tão

cedo. Uma partida intempestiva levantaria suspeitas. — Tem razão. Dentro de uma semana, então? — Será o tempo necessário para fazer lady Laelia perceber que seus

sentimentos por mim não são verdadeiros. Melhor ainda, posso utilizar esse tempo para conhecê-la melhor, milady, embora tenha certeza do que sinto por você — sussurrou Blaidd, inclinando-se em sua direção.

Desta vez o beijo foi terno e profundo, fazendo-os perder a noção do tempo e do espaço até que um som metálico no quarto ao lado os despertou.

— Por Deus! Acho que Trev caiu da cama! — exclamou Blaidd, afastando-se.

— Temos que sair daqui antes que alguém nos veja — disse Becca, recompondo-se.

— Até amanhã, então — murmurou Blaidd, depositando um beijo rápido nos lábios carnudos.

Lady Rebecca precipitou-se pelo corredor, parecendo flutuar nas nuvens. Trev de fato havia caído da cama e derrubado o candelabro que se

encontrava no criado mudo. Aliviado por ter sido aquele o som que os interrompera, Blaidd recostou-

se à porta deixando escapar o ar dos pulmões. Por Deus, em que confusão estava se metendo? A despeito de seus sentimentos por aquela inebriante mulher, não podia

esquecer que viera até ali em missão ao rei Henry. Não deveria ter se apaixonado. Mas era assim que se sentia do fundo de seu coração.

Pior ainda, estava enamorado da filha de um suposto traidor da coroa. E se lorde Throckton fosse culpado? Seria condenado à morte por sua

causa. Como Becca encararia o fato? Seria seu amor forte o suficiente para

transpor esse obstáculo? E qual seria a reação do rei e de sua própria família quando revelasse a

intenção de casar com a filha de um traidor? Nenhum nobre desposaria uma dama nessas condições.

Passou as mãos pelos cabelos e deixou-se afundar na cama. Talvez estivesse se preocupando à toa. Havia uma grande possibilidade das suspeitas de Henry serem infundadas. Em todas as conversas que tivera com lorde Throckton, o nobre não revelara nada comprometedor além de algumas críticas ao rei. Se não tivesse conhecido Becca, já teria voltado e dito a Henry que seus temores não encontravam eco.

Por outro lado, havia fatos que careciam de esclarecimento. Não só o fato de o lorde ter transformado seu Castelo em uma fortaleza. As palavras de Meg e da ex-criada Hester o faziam acreditar que Becca corria perigo naquela residência. Era seu dever se certificar de que aqueles segredos não incluíam uma conspiração contra o rei.

Quanto tempo levaria para descobrir a verdade fosse ela qual fosse? Retirou as botas e se despiu da túnica. Em seguida, olhou para a lua que

lançava um brilho prateado através da janela e traçou um plano de ação. Ficaria ali por mais quinze dias. Se não conseguisse descobrir nenhuma

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evidência de conspiração, então se convenceria de que as suspeitas do rei eram infundadas.

Trev piscou várias vezes até se acostumar à claridade. Agradeceu a Deus o fato de estar no castelo de Throckton. A cabeça latejava, a boca estava seca e seu estômago parecia… Ergueu o corpo com dificuldade e antes que pudesse levantar, alguém segurou uma bacia a sua frente. O escudeiro vomitou tudo que havia bebido na noite anterior.

Depois que acabou, ergueu os olhos para deparar com Blaidd fitando-o com olhar severo.

— Oh Deus, estou morrendo… — murmurou o rapaz. — Não, não está — garantiu o cavaleiro, sentando-se na beirada da

cama. — Ontem à noite se excedeu na bebida e agora está pagando por isso. Trev revirou os olhos, encarando a parede para evitar a expressão

austera do mentor. Blaidd nunca saberia o que ele estava sentindo. Toda a mulher por quem se interessava se mostrava acessível.

— Por que não me deixa sozinho por alguns instantes até que eu me recupere um pouco mais? Depois pode discorrer sobre os perigos da cerveja como sei que está ansioso por fazer.

— Acho que já aprendeu sua lição quanto à bebida. É sobre os perigos de freqüentar um prostíbulo que desejo lhe falar.

O escudeiro estreitou os olhos. Então aquilo não fora um sonho. Teria conseguido fazer alguma coisa com aquela loira da qual só conseguia se lembrar do sorriso?

— Não se lembra? — inquiriu Blaidd. Trev fechou os olhos, envergonhado. Teria sua primeira vez com uma

mulher sido apenas uma transação de negócios? E se Blaidd estivesse certo de quando lhe disse que ela poderia estar doente?

Rolou na cama de modo que pudesse encarar o cavaleiro de frente e com muito esforço conseguiu se sentar.

— Fiz amor com ela? — questionou com um tom de pânico na voz. — A mulher estava doente?

— Não há como saber se ela está doente ou não. Portanto, teve sorte em não ter ido muito longe.

Trev recostou-se ao travesseiro e suspirou aliviado, dissipando a vergonha que sentira instantes atrás.

— Sendo assim, a reprimenda que vou lhe dar não será um décimo da que eu daria se tivesse ido às vias de fato. — Mediante o silêncio do rapaz, Blaidd continuou. — Mas antes gostaria de saber o que o levou a agir daquela maneira.

O escudeiro se sentiu ainda mais tolo ao tentar explicar o que o motivara.

— Estava decepcionado com você. — Já lhe pedi desculpas por tê-lo seguido no pátio aquela noite. E não

creio que destruí a honra de Gales por ter perdido o desafio para lady Rebecca. No entanto, entristece-me o fato de ter sido o motivo que o levou a procurar um bordel. Nenhum homem honrado encontra prazer entre os lençóis de uma rameira.

— Estes não foram os motivos de meu aborrecimento. — Então quais foram? — indagou Blaidd, franzindo; o cenho. O escudeiro

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deu de ombros e desviou o olhar. — O que levaria o filho de sir Uriel Fitzroy a agir de maneira tão desvairada?

O rosto de Trev corou de imediato. — Meg — murmurou. — Ela… mal me nota quando você está por perto. Blaidd o fitou com ternura, recordando os ciúmes infundados que tivera

em sua juventude. — Por isso quis afogar as mágoas, atirando-se nos braços de uma

mulher que nunca o recusaria? Trev, meu caro, devia ter falado comigo. Se Meg presta atenção em mim, não é pelo motivo que está pensando. E mesmo que fosse eu não a corresponderia. Como você, sou um convidado nesta casa. Jamais tiraria proveito da criada de lorde Throckton, mesmo que ela se atirasse em meus braços, coisa que jamais faria, pois ela acha que devo casar com sua ama.

O escudeiro arregalou os olhos, surpreso. — Ela veio até a mim, sugerindo que eu levasse lady Rebecca comigo. Trev franziu o cenho, confuso. — Mas ela é aleijada. Blaidd ergueu-se em um impulso e encaminhou-se para a mesa no

centro do quarto. — Acho que terei de lhe fazer um sermão para não julgar as pessoas por

sua aparência física. Colocou um pouco de água em uma bacia, tentando controlar a raiva.

Trev estava apenas refletindo o pensamento de todos que soubessem de sua escolha. Além disso, Blaidd estava acostumado ao preconceito. Muitos nobres da corte faziam troça dos galeses em suas costas. Com exceção daqueles que o haviam enfrentado nos torneios.

Mas desta vez seria diferente. Becca estaria na berlinda. Caminhou até a cama, estendo o recipiente ao rapaz. — Beba devagar. Trev obedeceu de pronto e Blaidd continuou: — Lady Rebecca pode não ser o protótipo da beldade como a irmã, mas

tem outras qualidades. É uma boa pessoa, inteligente e gentil, toca harpa como um anjo e administra este castelo como nossas mães fazem em nossas casas e… — parou, temendo estar revelando muito de seus sentimentos. — Devia respeitá-la por todas essas prendas, apesar de seu defeito físico.

— Mas eu a admiro e respeito muito — argumento Trev, pousando o recipiente no criado mudo. — Apenas não sabia que gostava tanto dela.

Blaidd pegou a bacia, levando-a de volta à mesa. Em seguida, destampou a bandeja e o aroma do pão fresco se espalhou pelo ambiente.

— É melhor tentar comer algo para se recuperar dessa carraspana — sugeriu, tentando desviar o assunto.

Sorrindo das vicissitudes da vida, Becca cantarolava Para si mesma,

enquanto avaliava um lindo vestido de veludo azul que o pai lhe dera de presente no último Natal. Agora que não precisava se enfeitar para atrair a benção de um homem, tinha vontade de fazê-lo.

— Parece muito bem disposta esta manhã — observou Laelia, enquanto Meg ajudava a irmã a escolher um vestido.

— Está fazendo um lindo dia lá fora — retrucou Becca, radiante. De fato

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o sol brilhava em todo seu esplendor em um céu límpido e claro. A brisa fresca agitava as cortinas de linho e o aroma de ervas vindo do jardim preenchia o ambiente. E acima de tudo, Blaidd Morgan estava apaixonado por ela a ponto de querer cortejá-la. E quem sabe um dia… desposá-la.

Ficara horas acordada, rolando na cama após o encontro furtivo com o cavaleiro. Recordara cada beijo, cada carícia e todas as palavras que ele dissera. Não poderia se sentir mais feliz.

Observou o vestido em suas mãos e franziu o cenho. Se não quisesse levantar suspeitas, deveria agir como se nada tivesse mudado e se trajar do mesmo modo de sempre. Além disso, o vestido de veludo atrapalharia seus movimentos durante a cavalgada que pretendia fazer.

— Não esperava tanta disposição de sua parte, depois de tão poucas horas de sono. Foi se deitar muita tarde esta noite — disse a irmã.

Becca a fitou de soslaio, e seus olhos se encontraram com os de Meg, que a encarava com expressão surpresa.

— Oh, sim. Tive que dar algumas orientações ao cozinheiro. Papai me disse que ele está condimentando a comida em excesso.

E fora verdade. À tarde conversara com Rowan sobre esse assunto. Quando Laelia observou a veste nas mãos da irmã, arregalou os olhos. — Vai se vestir como uma dama hoje? — Pensei ter visto um rasgo nele, foi só — afirmou, colocando-o no

lugar. Em seguida, lançou mão de um vestido de lã, não tão luxuoso quanto o

primeiro, porém gracioso e que lhe caía muito bem. — Então, suponho que vá continuar agindo como um homem também?

— Laelia suspirou exasperada. — Sei que tem muito orgulho de sua habilidade com o arco, mas como conseguirá um homem que queira casar com uma dama que gosta de atividades masculinas.

A irmã caminhou em sua direção e Becca não pôde esconder a surpresa ao perceber a preocupação sincera em seu olhar.

— Importo-me com sua felicidade. Acredite-me. Lady Rebecca tomou as mãos de Laelia e a fitou com ternura. — Se um dia eu me casar, quero ser amada e respeitada. Do contrário,

prefiro ficar sozinha. — Acho que não somos diferentes neste ponto. Também desejo ser

amada. E não apenas por minha beleza. Acho que com sir Blaidd terei essa chance.

Pela primeira vez, Becca percebeu que não era a única filha de lorde Throckton que era julgada por uma característica ímpar. Passara toda sua vida desejando ser tão graciosa quanto a irmã. Mas agora percebia que a beleza também podia ser um fardo.

Apesar de se sentir pesarosa, esperava que Laelia não atrapalhasse sua felicidade quando ficasse sabendo de seu relacionamento com Blaidd. Afinal, a beleza da irmã lhe dava uma vantagem que Becca nunca possuiria. A chance de conhecer o verdadeiro amor dentre os muitos cavalheiros que vinham cortejá-la.

Laelia se encaminhou para a porta, sorrindo. — Não se atrase para a missa — avisou antes de desaparecer pela porta. No momento em que ficaram a sós, a criada parou de amarrar as fitas do

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vestido da ama dirigindo-se a ela com expressão excitada. — E então, milady? Becca corou, embaraçada. — O que quer saber? Meg deu um passo em sua direção com os olhos brilhando de

curiosidade. — Bem… sir Blaidd … disse-lhe alguma coisa? Não podia confiar um segredo daquela importância a uma criada. Se o

pai ou a irmã soubessem da verdade por meio de fofoca dos serviçais… — Acho que está esquecendo seu lugar. Não é da conta de uma criada

discutir o relacionamento de sua ama com um hóspede. Meg baixou o olhar, enrubescendo. — Estava apenas tentando… — Não pedi sua opinião. A criada concordou. — Desculpe, milady. — Desta vez está perdoada. Mas, doravante tente se portar de maneira

adequada. — Sim, milady — murmurou a criada, antes de sair apressada do quarto. Becca saiu em seguida, caminhando a passos lentos. Por mais que lhe

doesse magoar Meg, não podia permitir que a língua solta da criada estragasse a chance que tinha de ser feliz.

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Capítulo DezCapítulo DezCapítulo DezCapítulo Dez Blaidd puxou as rédeas de Aderyn Du, estacando no topo da colina,

quando avistou Becca cavalgando pelo prado junto ao rio. Era a melhor amazona que ele conhecera. Galopava como se ela e a égua fossem uma só criatura.

Seu espírito competitivo e a evidente vontade de galopar de seu alazão o fizeram fustigar o animal e em instantes cruzava o prado em direção a lady Rebecca.

Ela olhou por sobre o ombro, avistando-os. Pensou que Becca fosse diminuir a velocidade, mas não se surpreendeu quando ela bateu no flanco da égua para aumentar o galope.

De imediato, Blaidd imitou-lhe o gesto. O vento soprava em seus ouvidos, enquanto o cavalo voava em direção à amazona.

Em instantes, o cavaleiro passou por Becca como um furacão. Aquela manhã, após tomarem o desjejum, a filha caçula de lorde

Throckton mencionara que iria cavalgar Pelo prado próximo ao rio. Após algum tempo gasto em companhia de lady Laelia, Blaidd afirmou que seu alazão necessitava se exercitar. Como esperava, a bela dama declinou do convite para um galope e ele vislumbrou uma oportunidade de ficar a sós com Becca.

Levou algum tempo até encontrar o local que lady Rebecca mencionara, uma vez que não pediu informações para não levantar suspeitas.

Ao passar pela aldeia, pensou no que Hester havia lhe dito na noite anterior. Saberia a prostituta algo importante? Talvez algum dos soldados de Throckton deixara escapar algo em sua alcova.

A égua de Becca fez uma curva em direção ao bosque. Blaidd puxou as rédeas de Aderyn Du, quase o fazendo cair de costas e seguiu o mesmo caminho que a dama. Em instantes, estavam trotando por entre as árvores e a vegetação espessa da floresta.

Blaidd avistou o traseiro da égua virar outra curva e a seguiu, mas elas haviam desaparecido. Puxou as rédeas de Aderyn Du e apurou os ouvidos, mas tudo que escutou foi o barulho das aves nos galhos e um farfalhar de folhas secas quando um esquilo se moveu.

Olhou à direita e viu uma abertura que parecia ter sido feita recentemente através dos galhos quebrados. Talvez ela tivesse deixado o caminho aberto de maneira proposital, ou fora forçada a fazê-lo. Aderyn Du estremeceu como se também pressentisse algo estranho.

Alerta, o cavaleiro desembainhou a espada e desmontou. — Estou desarmada, senhor cavaleiro — a voz de Becca se fez ouvir de

algum lugar entre a folhagem. Suspirando aliviado, Blaidd guardou a espada. — Onde está? — Não consegue me ver? — Claro que não — redargüiu, puxando as rédeas do cavalo através dos

galhos quebrados. — Está se escondendo? — Não exatamente. Blaidd verificou a mata ao redor, mas não conseguiu avistá-la. — O que quer dizer com isso?

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— Que estou em um lugar onde pode me ver. Claudia é que está escondida.

— Quer brincar de esconder, milady? E qual é será o prêmio? — Quero que passemos um tempo juntos onde ninguém possa nos ver —

replicou Becca. A voz cada vez mais próxima à medida que ele avançava para a direita.

Com movimentos lentos, Blaidd amarrou as rédeas de Aderyn Du em uma árvore próxima e seguiu o som da voz feminina.

— Espero que ninguém estranhe o fato de eu decidir exercitar meu alazão justamente no dia em que você manifestou vontade de cavalgar.

— Essa é uma atividade quase cotidiana para mim. E mesmo que achem que nos encontraríamos no caminho, pensarão que eu me apressaria até que me perdesse de vista como sempre faço. Nunca iriam imaginar que eu pararia para que me alcançasse.

Blaidd avistou a bainha do vestido de Becca e sorriu. — E consegui — disse, tomando-a nos braços. Ela lutou por um momento, fingindo lhe dificultar a tarefa. — Eu facilitei sua busca — argumentou, com pretensa contrariedade. —

Devia ter me deitado no chão Para que não me achasse. — E se sujar de lama? Enquanto Becca envolvia o pescoço largo com ambas as mãos, fitou o

chão coberto de poeira e folhas e soltou uma gargalhada. — E o que diria quando voltasse imunda? — questionou Blaidd, beijando-

a de leve nos lábios. — Que eu caí. Algumas vezes isso acontece. Os lábios quentes e macios desceram pelo pescoço delgado. — Onde está sua égua? Becca inclinou a cabeça para trás em direção ao som de um relincho,

deixando o caminho livre para que ele lhe beijasse o queixo. — Tem um pequeno vale logo à frente. — Vejo que conhece bem este bosque. — Costumo passar muitas horas aqui. — Sozinha? — Quase sempre. Ele afastou a cabeça lançando-lhe um olhar inquisitivo. — Devo ficar com ciúmes? — Claro que não. Costumo vir em companhia de Dobbin. É aqui que

pratico minha pontaria com o arco. O sorriso malicioso de Blaidd fez seu coração disparar. Em seguida ele a

beijou apaixonadamente. Becca perdeu a noção do mundo a seu redor até que seu vestido resvalasse na lama.

Lançando mão de toda a força que possuía, Becca interrompeu o beijo. Se não o fizesse, estava certa de que eles iriam longe demais. Depois de fazer amor com Blaidd, não conseguiria manter o relacionamento deles em segredo. Ansiaria por acordar cada manhã ao lado daquele homem extraordinário.

— Por que não pega seu cavalo e me acompanha? — propôs Becca. — Há um imenso toro ali adiante. Trouxe minha harpa. Tocarei para você.

Blaidd exibiu um sorriso luminoso. — Adoraria ouvi-la tocar.

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Pouco tempo depois, estavam sentados lado a lado no tronco de um carvalho caído.

— Você conhece minha família. Fale-me da sua — pediu Becca. — Com prazer. Por onde devo começar? — Por onde quiser. — Muito bem. Meu pai era um pastor de ovelhas em sua adolescência,

depois se tornou um escudeiro e por fim um cavaleiro. Seu casamento com minha mãe foi arranjado, mas por sorte eles se apaixonaram profundamente. Tenho um irmão que se chama Kynan e duas irmãs: Meridyth e Gwyneth. Somos uma família bastante unida.

— Todos têm nomes incomuns — observou ela. Blaidd soltou uma gargalhada.

— O meu não é usual sequer entre os galeses. Blaidd significa lobo em minha língua natal. Meu pai queria dar um nome imponente ao primogênito.

— Ele combina com você — concordou Becca. Em seguida, lançou-lhe um olhar apreciativo. — Com esse nome e os cabelos compridos, é o protótipo do homem indomável.

— Acha que devo cortá-los? — Não, a menos que essa seja sua vontade — respondeu com

sinceridade. — Na verdade, não consigo imaginá-lo com outro corte. Aquelas palavras trouxeram um sorriso sedutor à face máscula, e Becca

tentou formular outra pergunta para não se atirar nos braços fortes e lhe suplicar que a possuísse.

— Como seu pai se tomou um cavaleiro? — Emryss DeLanyea, o patrão de meu pai, percebeu sua vocação e não

permitiu que seu nascimento plebeu o impedisse de progredir. — Era um homem muito sábio. — Sim, Emryss DeLanyea é um dos homens mais bondosos que conheço.

Espero que quando eu estiver no comando das propriedades de meu pai possa ser tão distinto como chefe, justo como juiz e bom como marido como ele e meu pai são.

Becca tomou a mão máscula na sua. — Acho que será. E muito bom para seu escudeiro. Uma combinação

perfeita de mentor e amigo. Blaidd a fitou diretamente nos olhos. — Verdade? — Sim. E Dobbin também pensa assim. — O crédito não é todo meu. Trev é um bom rapaz. Um tanto

autoconfiante e impetuoso, mas tem apenas dezesseis anos. — Como você era quando tinha dezesseis anos? —-questionou Becca,

brincando com uma mecha de cabelos de Blaidd. Ele a fitou fingindo ofensa. — Não ouviu falar que eu fui o melhor adolescente que os britânicos

conheceram? Julgava até ensinar alguns truques de espada para sir Urien quando fui escolhido para ser treinado por ele. — Blaidd meneou a cabeça, recordando dos desvarios da juventude. — Quase tive meu braço arrancado fora por uma espada. Becca sorriu divertida.

— Gostaria de estar lá. — Para assistir minha humilhação?

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— Não. Para ver como era quando adolescente — afirmou Becca, encostando a cabeça ao ombro largo. — Aposto que tinha muitas namoradas.

Blaidd a fitou com ternura, acariciando-lhe o queixo. — E você? Como era aos dezesseis anos? Becca suspirou profundamente

e desviou o olhar. — Se me considerou uma bruxa rebelde quando me conheceu imagino o

que pensaria se convivesse comigo quando eu tinha essa idade. — Se era rebelde, tinha uma causa justa, suponho. Ela deu de ombros. — Laelia não pode evitar o fato de ser bonita, da mesma forma que eu

de ser aleijada. Eu sei disso, mas às vezes me esqueço — ergueu o olhar para fitá-lo. — Por isso quero evitar que ela sofra quando descobrir nosso relacionamento.

Blaidd lhe lançou um olhar firme, e a atmosfera ao redor encheu-se de tensão.

— Ela talvez se aborreça, não obstante o que façamos. Está preparada para isso?

Becca concordou. — Não estou disposta a abrir mão de você apenas para não contrariar

Laelia. Além disso, não faltam pretendentes para minha irmã. O cavaleiro exibiu um sorriso amarelo. — Fico envaidecido em saber que posso ser substituído tão facilmente. — Não foi isso que quis dizer. — Eu sei, querida — retrucou Blaidd, beijando-lhe a ponta do nariz. Em

seguida, deslizou o braço pela cintura delgada, puxando-a para si e a beijou terna e profundamente, até que Becca sentiu a paixão crescer a um ponto perigoso e se afastou. — Espero que sua mãe goste de mim.

Ele lhe beijou a fronte. — Estou certo de que toda minha família a apreciará muito. — Não conheci minha mãe. Ela morreu quando eu ainda era um bebê. — Sinto muito. Becca deu de ombros. — Devia lamentar por meu pai. Ela era sua segunda esposa. A mãe de

Laelia foi a primeira, e morreu no parto de minha irmã. É por isso que não somos parecidas. Ele se casou uma terceira vez. Ela morreu de parto também, mas desta vez o bebê não se salvou. Meu pai costuma dizer que Deus não quis que ele tivesse filhos homens — ela fitou o rosto de traços perfeitos è não resistiu à vontade de lhe beijar o queixo. — Suponho que queira ter filhos homens também.

— Sim e filhas também, com olhos azuis brilhantes e faces rosadas, que cavalguem, lancem flechas e toquem harpa.

— É muito exigente, senhor cavaleiro — afirmou, explodindo de felicidade.

— Sim. Mas acho que vou conseguir. Dependerá da dama que eu desposar. Para ser franco já tenho uma em vista… e em meus braços.

Blaidd era um homem maravilhoso e extremamente atraente, pensou Becca. E de repente um novo pensamento lhe veio à mente.

— Já tem filhos? — Não — redargüiu Blaidd, categórico. — Pelo menos não que eu saiba.

Mas se alguma das mulheres com quem fiz amor, alegasse ter um filho meu,

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iria reconhecê-lo como legítimo. — Não esperaria nada menos do que isso de sua parte. Você é um

homem honrado — afirmou Becca, acariciando a face máscula. Admirava a honestidade do cavaleiro, embora não pudesse deixar de sentir uma ponta de ciúme pelas mulheres que haviam passado por sua alcova.

— Seu pai pareceu se conformar com o fato de não ter tido varões. Muitos homens continuam tentando pela vida afora.

— Talvez por considerar muito doloroso se casar outra vez. Dizem que ele amava muito a primeira e a terceira esposa.

— E sua mãe? Becca desviou o olhar com expressão fechada. — Não muito. Pelo menos nunca fala sobre ela. — Talvez por amá-la mais do que às outras, não possa suportar as

penosas lembranças. Lady Rebecca o fitou com gratidão. Nunca havia Pensado naquela

possibilidade. Blaidd adotou uma expressão grave. — Por falar em seu pai, não pude deixar de perceber que ele não

simpatiza muito com o rei. Acho que ele não deveria proclamar isso tão abertamente.

Becca suspirou exasperada, brincando com a fita da túnica de Blaidd e tentando evitar a tentação de deslizar a mão por dentro dela e acariciar o peito musculoso.

— Não é a pessoa do rei que lhe desagrada. É o modo como Henry favorece os parentes da esposa, só por que são seus familiares. Pelo que ouvi falar da corte, meu pai tem uma certa razão.

— A despeito de ter razão ou não, um homem sábio não divulga certas idéias a todos que encontra.

— Então não concorda que Henry está enchendo seu governo de franceses que não têm as mesmas boas intenções dos ingleses? Que querem apenas encher suas algibeiras e lhe dar maus conselhos?

Foi a vez de Blaidd suspirar, irritado. — Não posso dizer que concordo com o rei em todas as suas decisões,

mas sei que ele é um homem bom e devoto, que com um bom parlamento, como quer Simon de Montfort, irá se sair muito bem. E acima de tudo Henry é meu legítimo soberano, a quem jurei o dever da fidelidade… assim como seu pai. — Becca foi tomada de assalto pela sinceridade das palavras do cavaleiro. — Acredita que lorde Throckton permanecerá fiel a esse juramento?

Os olhos da dama se dilataram de surpresa. — Claro. Do contrário, seria traição. Blaidd concordou. — E as conseqüências seriam desastrosas para ele e para as filhas. Becca o fitou, incrédula. — Está insinuando que meu pai seria capaz de cometer traição só porque

discorda de certas atitudes do rei? Blaidd se ergueu e lhe segurou as mãos para ajudá-la a levantar. O

contato firme e macio a fez estremecer. — Estou tentando dizer que se lorde Throckton não quiser levantar

suspeita sobre sua lealdade, deverá ser mais cuidadoso no que diz. — Está duvidando da lealdade de meu pai? — inquiriu Becca, com olhar

assustado.

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— Não. Apenas alertando-a para o fato. E espero que você o previna de forma que ele não fique aborrecido — Blaidd acariciou a face delicada. — Acredite-me, é para o bem dele.

— Farei o possível. Ele exibiu aquele sorriso devastador mais uma vez, fazendo-a prender a

respiração. — Sabe o que acontece quando fica tão próxima a mim? Ela meneou a cabeça em negativa. — Terei de beijá-la. E assim o fez. Becca o correspondeu com tamanha intensidade, que

quando voltou a si estava acomodada no colo de Blaidd que havia sentado no toro do carvalho.

— Blaidd? — murmurou ela, enquanto o cavaleiro passava língua pelo contorno da orelha delgada, enviando fagulhas elétricas por todo seu corpo.

— Estou descobrindo que não sou tão forte quanto pensava. Se continuarmos nesse ritmo, vou querer fazer amor com você aqui e agora, com o chão lamacento ou não. É melhor eu pegar minha harpa.

— Tem razão — replicou Blaidd. — Fique sabendo que aprecio muito sua sapiência e autocontrole. Acho que deixei essas qualidades perdidas em algum lugar no prado.

Algum tempo depois, Becca se encontrava sentada no toro de madeira, dedilhando o mavioso instrumento.

— Sabe tocar? — perguntou a dama ao vê-lo embevecido com a música. — Não divinamente como você. Os olhos de Becca se dilataram de surpresa. — Verdade? Sabe tocar? Adoraria que dedilhasse uma canção para mim. Blaidd aceitou o instrumento. Não era um modelo requintado, mas o

cavaleiro o manuseava como se fosse feito de ouro e pedras preciosas, o que muito a agradou.

— Acho que nunca serei capaz de lhe dizer não, milady. Becca lhe lançou um olhar maroto. — Talvez ajudasse se parasse de me chamar de milady. — Temo que ficarei na palma de sua linda mão — declarou, depositando

um beijo nela. — Para o resto de minha vida, Becca. A voz profunda e sensual de barítono, somada às palavras que ele

acabara de proferir, fizeram-na engolir em seco. — Pois estou mais propensa a pensar que conseguirá qualquer coisa de

mim, senhor cavaleiro. Bastará pedir. Blaidd ergueu as sobrancelhas, lançando-lhe um olhar sedutor. — É mesmo? Becca corou, cruzando os braços sobre o colo. — É melhor cantar agora. Ele a fitou com intensidade por alguns momentos e depois pôs-se a

dedilhar o delicado instrumento e a entoar uma bela balada galesa. Becca não fazia idéia do que as palavras queriam dizer, mas sentia-lhes

o significado. Tratava-se de uma canção de amor. Para ela. Sir Blaidd Morgan era uma curiosa mistura de civilidade e selvageria,

cortesia e primitivismo no amor. Era capaz de cantar, tocar um instrumento, cavalgar com maestria, lançar flechas com extrema precisão, dançar, lutar…

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Haveria algo que aquele belo espécime masculino não conseguiria fazer? Becca pareceu despertar de seus devaneios quando a música cessou. — Canta divinamente, apesar de eu não ter entendido uma palavra. — A canção fala de um homem que se encontra longe de sua terra,

pensando na mulher amada. — Percebi que era uma canção de amor, pelo sentimento contido no tom

de sua voz. — E que outro tipo de melodia eu cantaria para você? — sussurrou ele,

pousando a harpa sobre o toro de madeira com cuidado e a tomando nos braços. — Se eu pudesse passaria o dia todo entoando canções de amor para você.

O rosto de Becca se iluminou em um sorriso. — Pensei que um guerreiro como você, se entedias-se com esse tipo de

coisa. Blaidd colocou um cacho dos cabelos de Becca para trás da orelha. — Tem razão. Já estou sentindo falta de um pouco de ação. — E que tipo de ação seria senhor cavaleiro? — Beijos, carícias, fazermos amor… — informou Blaidd, inclinando-se

para beijá-la. Com o movimento, a harpa escorregou e ele se virou para apanhá-la. A dama ergueu o olhar para o céu, observando a posição do sol. — Acho que está na hora de voltarmos. Já estamos aqui há bastante

tempo. — Por mim ficaríamos aqui o dia todo. — Eu também gostaria de continuar desfrutando de sua companhia —

afirmou ela, recolhendo a harpa. — Mas temos que ser cuidadosos. — Esforçarei-me para que lady Laelia se desencante de mim. — O que não será tarefa fácil, uma vez que é um homem fascinante. Por

certo, ela perdoará alguns defeitos que encontrar. Sei que não pode evitar ser tão belo, mas poderia não se mostrar tão encantador.

Blaidd não sorriu, ao contrário a fitou com olhar preocupado. — Fiz o possível para enfadar Laelia esta manhã — disse dando um

passo em sua direção e enlaçando-a pela cintura. — Mas também não posso ser tão desagradável. Desejo continuar desfrutando do apreço de seu pai, do contrário não me dará permissão para cortejar sua outra filha.

Becca recostou a cabeça ao peito musculoso. — O que fará se ele se opor? — A seqüestrarei na calada da noite. — Parece-me bastante excitante. Mas não está falando sério, está? Blaidd exibiu uma expressão séria. — Na verdade, sim. Se for a única forma de tê-la a meu lado, estou

disposto a arriscar. Becca depositou um beijo suave na face máscula. — Rezemos para que não seja preciso. Agora vá. Esperarei um pouco e

depois voltarei para o castelo. — Sou eu quem vai esperar. Não quero que fique aqui sozinha. Permita-

me proteger a quem estimo. A dama pensou em argumentar, mas se calou mediante o olhar

obstinado de Blaidd.

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— Se prefere assim, farei uma concessão. Mas com uma condição. — Qual? — questionou ele, franzindo o cenho. — Outro beijo antes partir. O sorriso sedutor não deixou dúvidas que seu pedido seria atendido. — Com todo prazer, milady.

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Capítulo OnzeCapítulo OnzeCapítulo OnzeCapítulo Onze Aquela manhã, Rowan, o cozinheiro, estava tendo um de seus ataques

costumeiros. Pelo menos duas vezes por semana ele brigava com seus dois ajudantes.

Depois de escutar todas as acusações que ele fizera aos auxiliares, Becca chamou os dois para conversar no pátio.

Quando saíram, a brisa fresca fez com que a saia da dama se colasse aos tornozelos. Com um rápido olhar ao redor constatou que Blaidd não estava lá. Ele e seu escudeiro se encontravam no jardim externo, treinando com Dobbin e alguns soldados.

A amizade que vinha se estreitando entre o chefe da sentinela e o cavaleiro a agradava sobremaneira. Os dois eram parecidos em muitos aspectos: fortes, capacitados e seguros de si. Àquela altura, já não tinha dúvidas do que sentia por Blaidd. Ela o amava. Um sentimento forte e profundo que crescera nos últimos dias, à medida que passavam agradáveis momentos a sós:

Laelia já não parecia tão disposta a desfrutar da companhia do cavaleiro, ao contrário do pai, que passava cada vez mais tempo com Blaidd. Jogavam xadrez e conversavam com freqüência sobre política.

Tentou afastar o pensamento do amado e concentrar-se na reprimenda que teria de dar aos dois ajudantes do cozinheiro.

Depois de ouvir a versão da história dos dois e ponderar sobre o ocorrido, decidiu lhes oferecer trabalho no estábulo onde estava precisando de mão-de-obra. Sabia que depois da discussão que tiveram com Rowan, o cozinheiro não os aceitaria de volta.

Agora teria de arranjar alguém para ajudar nas tarefas da cozinha. — Becca! Ela girou o corpo para encontrar o pai, descendo apressado a escada. O

lorde trazia em uma das mãos um pergaminho enrolado e encaminhava-se em sua direção.

— Sim? — respondeu solícita, imaginando que notícia o deixara tão excitado.

— Vamos receber convidados. Chegarão hoje ao meio-dia. Um príncipe dinamarquês e um séquito de cinqüenta nobres. Eu os esperava por esses dias, mas esta mensagem informa que eles estão próximos daqui.

Becca fitou o pai, perplexa. — Um príncipe dinamarquês? Com cinqüenta homens? — repetiu,

incrédula. — Por que estão vindo para cá? — Disse que vêm a negócios. Talvez a fama da beleza de sua irmã tenha

chegado àquelas paragens. Que acha de Laelia se tornar uma princesa? Becca olhou ao redor para se certificar de que não tinham testemunhas

para aquele diálogo. — Tem noção do que está dizendo? — retrucou indignada. — Príncipe ou

não, aquele povo tem sido nosso inimigo há séculos! A expressão de lorde Throckton permaneceu impassível. — Isso foi há muito tempo. Não estamos mais em guerra com eles.

Portanto, se o príncipe estiver interessado em comprar nossa lã, não me

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oporei. — E o que o rei pensará disso? O lorde deu de ombros. — Henry não se importará. Desde que eu pague meus impostos para que

ele possa dar presentes aos parentes franceses da esposa, posso negociar com quem quiser.

Recordando o aviso de Blaidd, Becca entreabriu os lábios para argumentar, mas o pai ergueu a mão em um gesto de impedimento.

— Não vou discutir esse assunto com você. Providencie quartos para toda a comitiva do príncipe Valdemar e cuide para que não falte comida nem o melhor vinho à mesa.

— Sir Blaidd Morgan ainda está aqui — insistiu a filha. — E ele é um grande amigo do rei.

— Claro que é! E se quiser pode contar tudo sobre Valdemar ao amigo. Será bom para Henry saber que existem outros povos, além dos franceses — piscou, com um sorriso maroto. — E não será nada mau uma competição pela mão de Laelia, não acha?

Animado, lorde Throckton se encaminhou ao está-bulo para providenciar acomodação para os cavalos da comitiva.

Quando ficou sozinha, Becca pôs-se a pensar no absurdo daquela situação. Aquela atitude lhe parecia uma afronta a Blaidd.

Por outro lado, se Laelia fosse oferecida em casamento ao príncipe, seu amado ficaria livre para cortejá-la. E a irmã por certo não sofreria com a união dos dois, caso se tornasse uma princesa.

Mas o que Blaidd pensaria da aliança de sua família com um dinamarquês?

Iria perguntar a ele, decidiu Becca. Por certo, o cavaleiro saberia qual seria a reação do rei. Se Blaidd achasse a visita arriscada, tentaria dissuadir o pai de realizar negócios com Valdemar.

Porém, quando Becca girou nos calcanhares para realizar seu intento, um guarda gritou da muralha do castelo, anunciando a chegada de uma comitiva.

Imediatamente, um séquito digno de um príncipe adentrou o portão interno. As bandeiras com brasões dinamarqueses agitavam à brisa leve e um rumor de língua estrangeira encheu o ambiente.

Um loiro de proporções gigantescas, por certo o príncipe, aproximou-se até ficar à frente do grupo de homens armados e trajando armaduras. A capa azul, presa por um broche dourado, encontrava-se jogada por sobre os ombros largos. Sua armadura brilhava contra o sol e o nobre inspecionou o pátio com ar presunçoso.

Becca observou atônita, enquanto toda a comitiva se Posicionava no pátio. Instantes mais tarde, lorde Throckton apareceu na entrada do estábulo, fitando o Príncipe como um mercador a uma bolsa cheia de moedas.

Becca se encaminhou à escada. Dobbin e Blaidd, seguidos por um arquejante Trevelyan Fitzroy, atravessaram o portão atrás do último dinamarquês. O chefe da sentinela parecia chocado e confuso. O cavaleiro trazia no rosto uma expressão impassível, mas ela podia perceber o olhar inquisitivo, através do cenho franzido do amado.

Blaidd atravessou o pátio, sob o olhar desdenhoso dos dinamarqueses, dirigindo-se direto ao senhor do castelo, enquanto Dobbin permaneceu no

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portão com seus homens. — Saudações, príncipe Valdemar! — cumprimentou-o lorde Throckton. O príncipe dinamarquês parou a seu lado. Não pela saudação do lorde,

mas por ter avistado lady Laelia que apareceu à entrada do saguão. Pela primeira vez, sob o olhar observador de um homem, a irmã não

baixou o olhar, fingindo falsa modéstia. Ela o encarou como se nunca tivesse visto um homem antes.

O príncipe parecia ignorar tudo ao redor, enquanto lhe sustentava o olhar.

Lorde Throckton fez um gesto para que a filha mais velha se aproximasse.

— Príncipe Valdemar, deixe-me apresentar minha filha Laelia. Ela sorriu e se curvou em uma mesura graciosa com uma determinação

que fez os olhos de Becca dilatarem de surpresa. O dinamarquês fez uma meia mesura com garbo. — Estou honrado, milady — disse com voz grave e carregada de

sotaque. Laelia sorriu com mais prazer. Não àquele tímido que ofertava a todos os

seus pretendentes, mas um genuíno. — Encantada, príncipe Valdemar. — Dispense o príncipe, graciosa dama — replicou ele, em um óbvio

cortejo. — Chame-me apenas de lorde Valdemar. Laelia pareceu confusa assim como o pai e a irmã. — Sou descendente do rei da Dinamarca, mas não da rainha —

esclareceu o nobre. Um príncipe bastardo, concluiu Becca. O pai de repente não se mostrava

tão impressionado. — E esta é minha filha caçula, lady Rebecca. Tomada de assalto, Becca curvou-se apressada, desequilibrando-se

ligeiramente. O olhar de Valdemar era de desprezo. Mas ela estava acostumada àquele

tipo de reação por parte dos homens belos e arrogantes. Naquele momento Blaidd alcançou a escada e o príncipe lhe voltou o

mesmo olhar zombeteiro, analisando-o de cima a baixo e deixando claro o ar de desaprovação pelas vestes simples que o cavaleiro trajava.

— Quem é este? — inquiriu como se estivesse dando uma ordem. Uma expressão furiosa perpassou o rosto de Blaidd Por um breve

instante e Becca temeu que ele fosse empunhar a espada, mas ele não o fez. Em vez disso, o cavaleiro substituiu o evidente desabado por um sorriso

radiante. — Sou sir Blaidd Morgan, de Gales. O dinamarquês exibiu um sorriso afetado. — Um galês? Pensei que todos os galeses fossem baixos. A fria expressão de Blaidd a assustou. — Como pode ver, não somos — replicou ele. — Não mais do que os

dinamarqueses são piratas. Valdemar voltou o olhar a Laelia, que o observava como se ele fosse

feito de ouro e depois soltou uma sonora gargalhada que ecoou pelas paredes de pedra do castelo.

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— Bem, já fomos. Mas isso é passado. Agora negociamos o que queremos adquirir.

— Exatamente! — gritou lorde Throckton, correndo para postar-se entre os dois. — Lorde Valdemar está aqui para negociar lã — fez uma pausa. — E honrar-nos com sua presença, claro!

Dizendo isso, guiou os dois nobres através do saguão. Laelia, por hora esquecida, apressou-se atrás deles.

— Sir Blaidd é um amigo íntimo do rei, milorde — continuou o senhor do castelo. — E um grande lutador. Agora, entrem e vamos beber alguma coisa.

As últimas palavras do pai ecoaram na mente de Becca como um aviso. Embora tudo que quisesse naquele momento era falar com Blaidd, tinha de tomar todas as providências para receber os convidados.

Para seu desespero, não poderia furtar um momento sequer em companhia de Blaidd naquela noite, ou nos próximos dias.

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Capítulo DozeCapítulo DozeCapítulo DozeCapítulo Doze A luz fraca da lua, Blaidd escorregou como uma aranha por uma corda

que havia pendurado em um dos merlões. Havia achado um ponto escondido pela torre que ficava fora da linha de visão dos guardas. Seu objetivo era escapar do castelo sem ser visto para uma visita ao bordel.

A chegada do arrogante dinamarquês fora como o ressoar de um alarme. Mesmo apaixonado, deveria ter se empenhado mais em descobrir se lorde Throckton era um homem perigoso ou não, pressionado Meg para que ela lhe dissesse a verdade, ou mesmo ter visitado Hester mais cedo.

Agora a criada de Becca se encontrava deveras atarefada com o trabalho extra, resultante da visita dos dinamarqueses. Blaidd havia se esforçado para ficar o máximo de tempo possível em companhia de lorde Valdemar e Throckton, na tentativa de descobrir se aquela aliança era puramente comercial ou se ocultava alguma razão escusa, mas até aquele momento não lograra êxito. Segundo os criados que consultara, aquela era a primeira vez que um dinamarquês vinha ao castelo. Por intermédio deles, soube também que lorde Throckton costumava receber estrangeiros em sua residência e nem sempre o motivo era a bela Laelia.

Aquilo não era necessariamente um sinal de infidelidade. Podia ser uma evidência de que a renda de lorde Throckton provinha de transações comerciais com estrangeiros.

Nos últimos dias, não tinha tido chance de falar com lady Rebecca para saber sua opinião sobre a visita dos dinamarqueses. Assim como Meg, a ama se encontrava absorvida na execução das tarefas domésticas.

Duvidava que ela tivesse suspeitado de algo. Naquele dia na floresta, Becca deixara claro que acreditava na lealdade do pai ao rei. Laelia, por sua vez, estava completamente fascinada pelo príncipe, mas seu desinteresse pela política era evidente.

Lorde Throckton continuava um excelente anfitrião, mas se esquivava de qualquer questionamento que Blaidd se arriscava a fazer referente aos estrangeiros.

Deveria ter sido mais diligente, pensou o cavaleiro. Não permitindo que os sentimentos o cegassem a ponto de por sua felicidade acima do dever.

Ao tocar o chão, Blaidd se esgueirou pela parede lateral do castelo, oculto pela sombra dos prédios, até deixar a fortaleza de lorde Throckton e se dirigir ao bordel.

Antes de entrar no prostíbulo, certificou-se de que ninguém o havia seguido. Sua chegada foi saudada com exclamações de surpresa e risinhos das poucas que se encontravam no salão. A mulher de cabelos pretos se aproximou do cavaleiro com olhar triunfante e sorriu.

— Sabia que sua visita era apenas uma questão de tempo. — Não consegui resistir — afirmou, deslizando o olhar pelas prostitutas

presentes. — Onde está a jovem loira? — Estava certa de que a escolheria. Ela me contou como a despia com o

olhar no dia em que veio buscar aquele rapaz. Se aquela beldade do castelo não lhe permite tocá-la, nossa Hester é igualmente bela para recompensá-lo.

Blaidd sentiu-se enojado, mas tinha de continuar a fingir.

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— Quanto ela vale? — Cinco pence. — Cinco é muito. — Não para tê-la, como o senhor mesmo poderá comprovar. O cavaleiro enfiou a mão na algibeira, que se encontrava

deliberadamente esvaziada e tirou as moedas. — Onde ela está? A mulher acenou com a cabeça em direção à escada. — Como da outra vez, terá de esperar um pouco. Nossa Hester é muito

ocupada. O sorriso sardônico da dona do prostíbulo era disforme e Blaidd desviou

o olhar para evitar a náusea. — Farei companhia enquanto espera — ofereceu-se uma outra

prostituta. — Não pretendo esperar — e voltando-se outra vez Para a mulher de

cabelos pretos. — Quanto custará para que ela se livre de quem quer que esteja com ela?

O sorriso vampiresco se alargou. — Mais cinco pence. Blaidd praguejou, mas optou por pagar. Havia perdido bastante tempo e

precisava voltar ao castelo o mais rápido possível. A mulher encaminhou-se à escada e ele a seguiu de pronto. As demais

prostitutas puseram-se a rir e a tagarelar. Quando chegaram à porta do quarto, Blaidd tentou ignorar os sons

abafados que transpunham a fina parede. A dona do prostíbulo bateu com o punho rechonchudo contra a porta,

parecendo que ia derrubá-la. — Ei, moendeiro! Seu tempo acabou. Os sons grotescos cessaram de imediato. — Tão rápido? — uma voz masculina rouca se fez ouvir. — Sim. Saia! Podiam ouvir os impropérios que o homem dizia, enquanto se vestia

apressado. Em seguida, a porta se escancarou e um grande e rubro homem apareceu com a camisa desabotoada e as calças e botas nas mãos.

— Sua vaca velha, o que está acontecendo? Quando avistou Blaidd, pareceu ficar ainda mais furioso. Bufando de

raiva, saiu pisando firme pelo corredor em direção à escada. A dona do prostíbulo escancarou a porta, sorrindo com escárnio. — Vá. Divirta-se. Blaidd teve de se esgueirar para passar pela porta obstruída pelo

abdômen dilatado da mulher. Hester estava deitada na cama com o lençol puxado até a altura dos

seios. Quando o avistou, exibiu um sorriso malicioso. — Oh, é o senhor? Blaidd aproximou-se da alcova, mantendo a maior distância possível da

porta. — Quando estive aqui, insinuou que tinha algo relacionado a lady

Rebecca a me dizer. O que é? — inquiriu o cavaleiro sem rodeios. Hester escorregou para fora da cama, deixando o lençol para trás.

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— É só isso que deseja? — questionou com voz melosa, enquanto se encaminhava à mesa de madeira lascada que continha um odre de vinho e dois copos de vidro.

— Sim — retrucou Blaidd, em tom seco. Ela se serviu do vinho, e se recostou na mesa, deixando à mostra o

corpo esguio, coberto apenas pelas madeixas de cabelos loiros. — Tem certeza? — Absoluta. Portanto, se inventou um pretexto para me fazer vir até

aqui, diga-me e eu irei embora — redargüiu, girando nos calcanhares. — Pode ficar com o dinheiro que paguei por minha visita e invente o que quiser para justificar minha partida precoce.

— Mesmo que eu alegue que não conseguiu dar conta do recado? Com a mão na maçaneta, Blaidd fitou-a por sobre o ombro. — Se acha que alguém vai acreditar, fique à vontade. Hester se precipitou para a porta, cobrindo a mão máscula com a dela. — Não vá. Não estava mentindo. Tenho algo importante a lhe dizer. Blaidd retirou a mão, fazendo com que a dela pendesse ao lado do corpo. — Então por que toda essa encenação? Ela deu de ombros. — Todo o homem espera algo assim. E o senhor é um homem, não? — Não desse tipo. — Então é uma exceção — afirmou ela, sorridente enquanto se

encaminhava a uma pilha de roupas pousadas ao lado da mesa. Em seguida, vestiu um roupão e sentou-se na beirada da cama.

— Ouvi dizer que é amigo do rei. — Sim. — Um grande amigo? — Pode-se dizer que sim. — Então ele lhe daria ouvidos se atestasse a idoneidade de uma pessoa? — Provavelmente. — Ótimo, porque terá de ajudar lady Rebecca. Um frio percorreu a espinha de Blaidd. — Acha que ela corre perigo? — Sim, mas não por culpa dela. Terá de dizer isso ao rei se as coisas…

piorarem. Blaidd estreitou o olhar. — O que quer dizer com isso? Hester pôs-se a brincar com uma mecha de cabelos, sem lhe responder

diretamente. — Ouvi dizer que tem estrangeiros no castelo? — Sim — confirmou o cavaleiro certo de que as prostitutas teriam dado

conta da chegada da comitiva de Valdemar. — Não é a primeira vez que os dinamarqueses vêem aqui, mas até então

não revelavam sua nacionalidade. Diziam que eram alemães, mas um deles, que certa feita veio aqui em busca de diversão, deixou escapar a verdade.

Blaidd tornou-se ainda mais apreensivo. Se aquilo fosse verdade, porque tanto segredo se o motivo da visita fosse apenas comercial?

Por outro lado, se fosse uma conspiração, por que Valdemar proclamava sua nacionalidade tão abertamente?

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— Não há nada de ilegal no fato dos dinamarqueses negociarem com um lorde inglês.

— Acha que negociar é o objetivo do príncipe? — questionou Hester, indicando com o dedo a direção do castelo. — Acredita que aquela velha raposa não tem outros planos? Lorde Throckton está pensando em aliar-se aos dinamarqueses e a lã não tem nada a ver com isso. Com seu exército coligado ao deles e mais alguns barões que se opõem a Henry, podem marchar para Londres e depor o rei.

O pensamento de Hester fazia sentido. Se aquele fosse o plano de Throckton, seria uma rebelião declarada. Mas como podia uma prostituta saber o que um lorde estaria planejando?

— Estou aqui há semanas — começou Blaidd. — Sei que Throckton não concorda com algumas atitudes do rei, mas daí para traição é uma longa distância.

Hester exibiu um sorriso malicioso. — Aposto que pensa que ele não tem ambições. Que está satisfeito com

seu castelo e suas propriedades? Que não almeja o poder que outros nobres desfrutam na corte?

— Lorde Throckton não me parece um homem obcecado pelo poder. — Então ele o está enganando também com seus sorrisos e mentiras.

Por que acha que rechaçou todos os pretendentes de Laelia até hoje? Está esperando alguém com real poder e influência para desposá-la.

— Ou está pretendendo um bom casamento para a filha. — Acha que ele se importa com as filhas? Minha mãe era criada daquele

castelo, ela trabalhou lá durante os seus três casamentos. Ele não fazia segredo de seu desejo por um filho homem. Ela escutou o lorde amaldiçoar a última esposa por ter lhe dado mais uma filha inútil.

— Ele trata as filhas muito bem — protestou Blaidd, não querendo acreditar no que ouvia.

— Porque lhe é conveniente. Laelia é útil para arranjar um casamento que lhe dê vantagens e Rebecca para administrar as tarefas domésticas do castelo. Aquele homem não passa de um maquinador mentiroso e hipócrita. Finge ser um anfitrião gentil, mas na verdade é egoísta e ambicioso.

— Posso entender porque se sente assim. Sei que ele não a ajudou quando engravidou.

— Pode estar certo disso — retrucou ela, cerrando os punhos. — Chamou-me de rameira e me expulsou do castelo. Se eu tivesse ficado lá, meu bebê teria sobrevivido. Em vez disso, ele nasceu aqui… neste lugar imundo. Throckton é tão bom que matou seu próprio neto!

Blaidd a fitou atônito. — Então, lorde Throckton é… — Meu pai — completou Hester. — Não vê como me pareço com Laelia? De fato, as duas mulheres se pareciam. Os olhos verdes, os cabelos

loiros e a linha do queixo. — Foi por isso que lady Rebecca tentou ajudá-la? Hester o fitou direto nos olhos. — Ela não sabe — afirmou, com um sorriso amarelo. — Ninguém sabe,

exceto ele, eu e agora você. Minha mãe era bem paga para guardar segredo. E o fez, até a hora de sua morte quando me contou e me fez jurar nunca dizer

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nada a ninguém. — A jovem franziu o cenho ante o olhar incrédulo do cavaleiro. — Que foi? Acha que apenas damas e lordes conseguem manter a palavra empenhada?

— Estou surpreso pelo fato de você não ter revelado a verdade quando ele a expulsou do castelo.

— Tive vergonha de ser filha dele. — E lhe deu um sorriso melancólico. — Sim. Nós plebeus podemos nos envergonhar de nosso sangue nobre quando ele é motivo de vergonha. Mas foi pelo bem de Rebecca que não disse nada. Ela era a única a me tratar com decência naquela casa. E minha querida irmã ama o pai embora ele não mereça. Por que acha que, apesar de ele a tratar como uma escrava, Rebecca continua a administrar o castelo? Não há ninguém mais leal e bondosa do que ela. A verdade a destruiria. Foi por isso que não bradei aos ventos a verdadeira natureza daquele facínora. E tem mais. Acha que só por que não tem uma esposa leva uma vida de monge? Nenhuma menina com mais de quinze anos lhe escapa à vista. — Tomou fôlego e continuou, exaltada. — Ele não as estupra, se é isso que está pensando. Mas é um mestre na arte da sedução e rico. Escolhe as que lhe agradam e depois lhes dá dinheiro para que elas guardem segredo. Lady Rebecca não tem conhecimento de nada que o pai faz.

Blaidd sentiu um grande pesar enquanto ouvia o relato da jovem. Becca era amorosa e leal. Não acreditaria que o pai fosse capaz de coisas assim. Mas ele o era e aquelas não eram mentiras inventadas por uma mulher rancorosa.

— Portanto — continuou Hester. — Quando digo que esses dinamarqueses não estão aqui para negociar, devia acreditar. Alguns deles gostam de se gabar e certa vez um me falou que um dia viveria aqui para sempre.

— É obvio que você não tem nenhum apreço por lorde Throckton — argumentou Blaidd. — Como saberei que o que está me contando é verdade?

— Para lhe dizer a verdade, não sei — retrucou ela, cruzando as pernas. — Talvez eu seja uma rancorosa que esteja inventando um monte de mentiras. Talvez eu não tenha revelado a verdade até agora por apreço a única pessoa que me tratou bem quando um cavaleiro bastardo me emprenhou e sumiu no mundo. Se é isso que pensa, sinto muito — ergueu a mão, apontando para a porta. — Pode se retirar.

Blaidd não saiu do lugar. — Hester, estou propenso a pensar que lorde Throckton não seja o que

aparenta, mas para acreditar em tudo que me disse, precisarei de provas. Ela deu de ombros. — Acredite se quiser. Mas se constatar que eu estou falando a verdade,

quero que saiba que lady Rebecca é inocente. Quero que um amigo do rei saiba disso.

— Dou-lhe minha palavra que se ele for um traidor, farei tudo que estiver a meu alcance para evitar que lady Rebecca sofra as conseqüências.

Hester ergueu-se em um impulso. — Ótimo. Agora vá e diga àquela porca que não arranjarei mais dinheiro

para ela essa noite. Aposto que ela já arrancou o suficiente do senhor. Blaidd deu alguns passos em direção à porta e parou, voltando o olhar

para fitá-la. Seria filha de um lorde? Estava propenso a acreditar que sim. Fez uma mesura como se estivesse diante de uma rainha.

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— Aprecio deveras o que a motivou a me contar tudo isso. Agradeço-lhe de coração e um dia talvez, lady Rebecca lhe agradeça também.

Hester anuiu e o cavaleiro girou nos calcanhares, desaparecendo pela porta.

Na manhã seguinte, Becca parou hesitante na escada que levava ao

pátio. Dobbin a esperava ao fundo, recostado à parede, com a cabeça baixa e os braços cruzados sobre o peito. A expressão preocupada a fez estremecer.

— O que aconteceu? — perguntou, descendo lentamente. — Algum problema com os homens?

Dobbin se empertigou, descruzando os braços. — Com um homem — esclareceu o chefe da sentinela. — Qual? — inquiriu, deduzindo que se tratava de um dos soldados. — O

que ele fez? Em vez de responder, Dobbin segurou-a pelo braço, guiando-a até uma

aléia mais adiante, como se não quisesse que ninguém testemunhasse aquela conversa.

— Qual é o problema? — indagou Becca, intrigada com a expressão consternada do soldado.

Dobbin cocou o queixo. A aparência cansada denotava a falta de descanso.

— Diga-me logo! — Desculpe, milady, mas ontem à noite sir Blaidd Morgan foi até a aldeia

visitar o bordel. O coração de Becca pareceu perder uma batida. Como seria possível?

Logo ele, que se mostrara tão indignado quando o escudeiro fizera o mesmo? — Tem certeza? Dobbin confirmou, entristecido. — Sim. Charlie estava de sentinela no portão principal e viu quando sir

Blaidd se esgueirou pela muralha e saiu do castelo escondido. Ele o reconheceu pelo comprimento dos cabelos, por isso não disparou o alarme. Charlie veio a mim e eu o mandei segui-lo para descobrir aonde ia. — Tocou-lhe o braço com ternura. — Desculpe-me por lhe dar tal notícia. Eu também me enganei a respeito dele. Nunca pensei que sir Blaidd fosse capaz disso.

Becca suspirou fundo, tentando controlar as emoções. — Eu também não. — Por isso achei que devia saber. Percebi o que está acontecendo entre

vocês e estava feliz pela senhorita — parou por instantes, clareando a garganta. — Mas, por mais que isso possa feri-la agora, seria pior deixá-la prosseguir nesse romance e sofrer muito mais no futuro.

De fato, Becca sentia como se seu coração tivesse sido estilhaçado em mil pedaços. As palavras de Dobbin destruíram a imagem honrada que tinha do cavaleiro. Ele não passava de um patife lascivo e mentiroso que a enganara com palavras suaves e beijos apaixonados. Sentia-se agradecida pelo fato de não ter feito amor com Blaidd.

— Becca… lady Rebecca — chamou Dobbin, arrancando-a de seus devaneios. — Talvez seja hora de ele partir.

— Pode acreditar. E de hoje não passará — afirmou ela em tom rude. Apesar da raiva, sentia um nó na garganta que não se desfazia.

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— Que explicação dará a seu pai? — Espero não ter de dar nenhuma. Depois da conversa que terei com sir

Blaidd, ele partirá por vontade própria. Do contrário, pelo menos Laelia ficará sabendo da verdadeira natureza de seu pretendente.

— Se bem a conheço, não resta dúvida que ele desejará partir de pronto. Quer que eu e alguns de meus homens o sigamos para deixar claro que ele não será bem-vindo aqui outra vez?

— Depois das cicatrizes que eu lhe deixarei? — meneou a cabeça em negativa. — Não será necessário.

— Como quiser, milady — replicou Dobbin em tom pesaroso. Becca lhe tocou o braço. — Imagino como foi difícil para você me dar essa notícia e lhe sou muito

grata. Agora é melhor eu me apressar para a missa. O hipócrita do sir Blaidd deve estar lá e depois da cerimônia encontrarei um modo de mandá-lo de volta a Londres.

Dobbin observou Becca se encaminhar a passos lentos em direção à capela. Era uma dama digna de todo o respeito, lealdade e amor. Acima de tudo era filha de uma mulher extraordinária e que qualquer homem do mundo, exceto Throckton, iria se orgulhar de chamar de filha.

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Capítulo TrezeCapítulo TrezeCapítulo TrezeCapítulo Treze Blaidd soube que algo estava errado no momento em que avistou Becca

na capela. Ela estava muito pálida e encarava-o com ar acusatório. O que teria acontecido? Teria adivinhado que ele mentira sobre o real

motivo de sua vinda ao castelo? Ou seria algo diferente? Teria ele porventura sido visto entrando no bordel? Isso sem dúvida explicaria aquele olhar magoado e ao mesmo tempo desapontado.

Como poderia explicar-lhe o que estivera fazendo lá sem lhe contar o que Hester dissera e, conseqüentemente, o motivo de sua vinda a Throckton? Precisava pensar em algo e com urgência.

Do seu lado esquerdo, lorde Throckton encarava-o com olhar inquisitivo. Lady Laelia que se encontrava ao lado do pai e Valdemar ao lado dela não pareciam prestar atenção a mais nada a não ser um no outro.

Blaidd olhou outra vez em direção a Becca. Ela ainda o encarava como se houvesse sido vilmente traída. Procurou desviar o olhar e ser paciente. Nada poderia ser feito naquele momento, a não ser que quisesse provocar uma cena. Sua vontade era pegá-la pela mão e arrastá-la até algum lugar reservado, onde pudesse descobrir o que ela estava pensando e tentar consertar tudo.

Não podia, no entanto, inventar uma desculpa e sair da capela antes do final da missa. Nem tampouco deveria deixar transparecer sua impaciência enquanto aguardava que lorde Throckton, lady Laelia e Valdemar resolvessem sair afinal.

Becca estava na porta da capela. Ela não disse uma palavra sequer, apenas o fitou com um olhar significativo e encaminhou-se em direção à fortaleza.

— Trev, pode ir à frente e tomar seu desjejum — ordenou ao escudeiro. — Vou me juntar a você em breve. Vou ver se encontro uma pedra para amolar minha espada.

Trev assentiu e retirou-se com outras pessoas que se dirigiam ao saguão, deixando Blaidd livre para seguir Becca, que abria a porta da sala de armas e desaparecia lá dentro.

Ao se aproximar da estrutura de pedra, Blaidd verificou se alguém o estava observando. Os sentinelas pareciam ocupados vigiando os arredores e não prestavam atenção ao pátio e todos os convivas encontravam-se no saguão para o café-da-manhã.

Ele esgueirou-se para o interior da torre e caminhou pelos corredores curvos. A sua direita, havia prateleiras cheias de espadas. E ao lado delas havia cavilhas seguravam as aljavas. Do lado esquerdo, encontravam-se pendurados os arcos e havia prateleiras menores para as flechas. No centro do salão, havia uma lareira e um banco onde provavelmente eram feitos os consertos. Caçambas, trapos e algumas ferramentas jaziam no solo.

— Becca? — chamou ele com cautela. — Estou aqui. Blaidd seguiu em direção à voz e descobriu uma escada que levava a um

andar inferior, que poderia ser um depósito ou talvez celas para prisioneiros. Ao descer, ficou aliviado por não encontrar celas e sim um grande salão

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vazio. Uma única janela fornecia uma parca luz ao ambiente. Becca encontrava-se no centro do aposento, os braços cruzados sobre o

peito, em atitude de raiva e defesa. — Onde esteve na noite passada? — perguntou sem rodeios. — Nós tínhamos combinado encontrar-nos? — Se vai fingir ignorância, saiba que não vai funcionar —— vociferou ela. Pelo visto, o assunto era mais sério do que supunha. — Você me enganou passando-se por um nobre honrado — continuou

Becca —, mas não passa de um homem lascivo, imoral e hipócrita! Não havia dúvida de que ela descobrira seu paradeiro da noite anterior. — Alguém lhe disse que eu fui ao bordel. — Sim. — Quem? — Alguém em quem deposito total confiança. — Seu informante também lhe disse que fiquei pouco tempo lá? — Isso não vem ao caso. Não sei quanto tempo demora esse tipo de

negócio — replicou ela. — Becca, eu não fui lá para isso… — Claro! Você foi lá apenas para conversar — argumentou cética. Blaidd fitou suas feições zangadas por um instante e decidiu o que fazer.

Ele poderia esconder as suspeitas a respeito do pai dela, porém isso significaria concordar que a visita ao bordel havia sido para seu prazer. Ou poderia ser honesto. Confiar nela o bastante para contar-lhe a verdade e preveni-la sobre o perigo que corria caso o pai estivesse tramando contra a coroa.

— Quando fui atrás de Trev naquela noite e o encontrei no bordel, Hester me disse que tinha algo importante a contar-me a seu respeito. Fui lá ontem para descobrir de que se tratava.

Os olhos de Becca se estreitaram. — E você esqueceu o assunto até a noite passada? — Concordo que não deveria ter deixado passar tanto tempo, mas… — Que maravilha ouvi-lo dizer que deveria ter se regalado antes —

retrucou. — Estou sendo honesto — argumentou com firmeza. Os olhos de Becca piscaram várias vezes, mas seus lábios

permaneceram cerrados. — Suponhamos que esteja dizendo a verdade. Que coisa tão importante

Hester tinha para dizer-lhe? — Os dinamarqueses já haviam visitado o castelo antes. — Claro que não. Isso é absurdo! Eu saberia caso tivessem vindo antes. — Eles alegaram ser alemães. Becca pareceu confusa por um breve instante, mas logo em seguida seus

olhos brilharam de exaltação. — Dinamarqueses, alemães, que diferença isso faz? — Se eles não tivessem nada a esconder, por que mentiram sobre sua

verdadeira nacionalidade? — Isso se Hester estiver certa. Como ela chegou a tal conclusão? — Um deles esteve no bordel e contou-lhe. Ela lançou-lhe um olhar de descrença. — Você está questionando os negócios de meu pai baseado em

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suposições de uma rameira? E uma que meu pai expulsou desta casa? Ela provavelmente quer nos causar problemas. E por que ela contaria isso a você e não a mim?

— Porque ela ouviu dizer que sou amigo do rei. Ela quer protegê-la e eu também. Você poderia estar correndo grande perigo, Becca, se seu pai estiver tramando contra a coroa.

— Traição? — ela lutou por ar. — Que loucura é essa? Meu pai é tão leal ao rei quanto você! E eu não vou ficar aqui ouvindo esses disparates!

Becca tentou afastar-se, mas uma mão firme impediu-lhe o movimento. — Ele é leal ao rei, Becca? Tem certeza disso? — Claro! Como ousa insinuar o contrário? — Seu pai vive reclamando de Henry e das recompensas que ele dá aos

parentes da esposa. — Ele e muitos outros homens, inclusive você. — Mas eu não estou entretendo dinamarqueses em minha casa, nem

construindo fortalezas com uma fortuna que decididamente não pode ter vindo do lucro destas terras. Nem tampouco contratei soldados armados até os dentes com habilidades de guerra.

Becca deu um passo atrás como se ele fosse portador de doença contagiosa.

— E por que meu pai não pode receber um príncipe dinamarquês? Nós não estamos em guerra com a Dinamarca. Por que não fazer alianças comerciais? Quanto à riqueza dele… não tenho a mínima idéia das finanças de meu pai, mas estou certa de que provêm de dinheiro honesto. E que homem de posses não almeja ter sua propriedade protegida?

— Becca, não é apenas isso — disse Blaidd. — A lealdade de seu pai já foi questionada. Porque exatamente não sei, mas Henry me enviou até aqui para encontrar indícios de uma conspiração ou para assegurá-lo de que suas suspeitas são infundadas.

— O quê? — gritou ela. A incredulidade dava lugar à repulsa em seu tom de voz. — Oh Deus! Foi por isso que me fez tantas perguntas sobre a lealdade dele! Está tentando fazer com que eu incrimine meu próprio pai!

Blaidd tentou segurá-la pelo braço, mas ela esquivou-se. — Foi por isso também que me beijou? Seu… seu… pulha desprezível! E

me fez acreditar que gostava de mim? Era tudo uma trama para que eu lhe contasse tudo que sabia sobre os negócios dele? Achou que se eu me apaixonasse faria tudo que quisesse? Que me voltaria contra meu pai?

Becca tentou correr em direção à porta, mas suas pernas fraquejaram e acabou caindo ao chão.

Blaidd ajoelhou-se ao lado dela e envolveu-lhe a cintura com um dos braços para ajudá-la a levantar.

— Ouça-me, Becca! Por favor! Ela esquivou-se e lutou para ficar de pé. — Deixe-me em paz, seu mentiroso! Prefiro jazer neste chão até morrer

a aceitar sua ajuda! — Eu a amo — gritou Blaidd desesperado. — Por isso lhe contei a

verdade. Apesar de todo seu corpo tremer, ela conseguiu levantar-se. — Estou certa que sim — zombou ela. — Ama-me tanto, que suspeita

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que meu pai seja um traidor e quer que eu forneça provas de sua culpa. Você sabe muito bem o que acontecerá a mim e a Laelia se meu pai for julgado culpado. Sendo inocente ou não. Nossas terras serão confiscadas para a coroa e nós ficaremos sem um tostão. Isso se continuarmos vivas. E o que você ganhará se ele for condenado? Terras? Um condado? Poder? Riqueza?

— Eu estou tentando salvá-la! Como pode ter certeza de que ele não é realmente um traidor? Se tem provas, diga-me — implorou Blaidd.

— Eu não preciso provar que ele é inocente. Ele é meu pai! — E por isso você acha que o conhece tão bem? Conhece-o o bastante

para saber que Hester é filha dele? — O quê? Você ficou louco! — Ela se parece com Laelia. Nunca notou a semelhança? — Claro que não porque não existe! Além disso, eu saberia se fosse

verdade. Uma coisa dessas é difícil ocultar. — Ela disse que a mãe jurou guardar segredo como parte da barganha

que fez com seu pai quando descobriu que estava grávida. Ele pagou-lhe para que guardasse silêncio. Ela fez Hester jurar também que não revelaria a verdade.

— Até descobrir que um homem procura por atos ilícitos em nome do rei. Que senso de moral conveniente ela possui!

— Até que ela julgou que havia necessidade de proteger uma pessoa com quem se preocupa. Por causa de sua bondade, ela quer vê-la a salvo. E devido ao que ela sabe sobre os negócios de seu pai, teme que você esteja em perigo, como eu também — Blaidd tomou-lhe as mãos entre as suas. — Becca, eu vim até aqui a pedido do rei. Eu realmente menti sobre minha intenção de cortejar Laelia e sinto muito por isso. Mas o que aconteceu entre nós não foi falso. Eu a amo e quero me casar com você. Se não me importasse com você, não estaria aqui tentando avisá-la. Já ouvi o suficiente para mandar prender seu pai. Eu poderia ter guardado o que descobri para mim sem revelar minhas suspeitas.

Becca afastou as mãos das dele. Ela estava calma agora. Calma até demais.

— Não importa o que diga ou pense, meu pai é leal a Henry. Se fosse traição proclamar que o rei favorece os parentes da esposa em detrimento de seu reinado, as masmorras da Inglaterra estariam repletas. Sugiro, sir Blaidd, que o senhor retorne à corte imediatamente e diga ao rei o que acha que sabe. Mas esteja preparado, porque se acusar meu pai, vou contar a todos que o senhor encontrou tais evidências na alcova de uma prostituta e que tentou tirar vantagem da filha de seu anfitrião com propósitos sórdidos.

— Você vai contar a seu pai o que eu lhe disse? Blaidd assistiu à mudança de expressão no rosto dela e aguardou uma

resposta. Se ela lhe contasse, ele e Trev com certeza descobririam onde havia celas para os prisioneiros no castelo de Throckton. Ele não poderia arriscar-se a esse ponto. Tinha que mantê-la em silêncio até estarem longe dali.

— Não — respondeu ela por fim. — Porque acho que está errado e nada conseguirá provar. Vou dizer a ele que você partiu porque…

— Diga-lhe que eu cheguei à conclusão que a mulher que amo não retribui minha afeição e não vi motivos para ficar.

Becca assentiu com um gesto breve de cabeça.

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— Está bem — ela subiu os degraus sem olhar para trás. Enquanto a via afastar-se, Blaidd rezava para que algum dia ela

entendesse o que ele havia feito e o porquê e acreditasse que ele realmente a amava.

Que ironia do destino, pensou. Quando por fim encontrou o amor, ele não lhe trouxe felicidade. Apenas o desespero de saber o que poderia ter tido e jamais teria.

Limpando as lágrimas que escorriam pelo rosto, Becca atravessou o pátio

apressada. Sir Blaidd Morgan tinha que estar enganado! Além disso, Blaidd tinha vindo até ali com falsas Pretensões. Era um

mentiroso que se aproveitou de sua solidão e vulnerabilidade para engendrar seus esquemas.

Ficaria feliz quando ele partisse. Muito feliz! Entrou no saguão e constatou que todos já haviam terminado o

desjejum. — Onde está meu pai? — perguntou a Bran. O rapaz apontou na direção em que ele se encontrava e Becca não

esperou por outra palavra. Começou a subir a escada. Sua perna doía, mas isso não a incomodava.

Estava determinada a contar-lhe que sir Morgan havia partido. Estacou no meio da escada e encostou-se à fria parede. Não era

verdade. Queria mesmo fitar o rosto do pai. Comparar suas feições às de Hester. Tentar descobrir se havia algum indício de verdade no que ela dissera a Blaidd. Pois, mesmo tendo negado veementemente a veracidade daquelas palavras, frases soltas e conversas vinham-lhe à mente como fios de lã tentando formar uma tapeçaria. Olhares trocados quando pensavam que ela não estava vendo. As serviçais que pareciam partir tão repentinamente. A tolerância do pai pelo "esporte" masculino.

Naquele momento, as palavras de Valdemar chegaram a seus ouvidos, arrancando-a de seus devaneios.

— Você acha que vou me casar com aquela aleijada? Pois não vou. Não por esse dote insignificante.

Atordoada continuou a subir os degraus. A porta do salão estava aberta e pôde divisar a figura do pai sentado atrás de uma enorme mesa de carvalho. Sua espada e suas jóias brilhavam contra a luz do sol. Valdemar, irritado, caminhava de um lado para outro.

— Tenha cuidado — seu pai ordenou. — E sente-se. Vamos discutir o assunto como homens civilizados. Ou você é um pirata, como insinuou sir Morgan?

— Eu sou o filho do rei da Dinamarca! — E eu vou aumentar o dote para trinta mil marcos. Becca espantou-se com a soma. Para que ele se casasse com ela? Não podia acreditar no que ouvia. O que seu pai estava tramando? Valdemar sentou-se em uma cadeira onde ela só podia ver seus pés. — E quanto ao outro assunto? — perguntou ele. — O que aquele galês

está fazendo aqui? — É mais um pretendente à mão de Laelia, que já teria partido se você

me tivesse avisado de que viria mais cedo do que pretendia.

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Valdemar entrou em seu raio de visão, gesticulando irritado. — Não há nada que me impeça de vir até aqui. Nossos países não estão

em guerra. Ou, ao menos, não ainda e depois serão os dinamarqueses, você e seus aliados contra Henry e seus amigos franceses.

Becca levou a mão à boca para impedir um grito. Deus do céu! Blaidd tinha razão! Ela deveria ter acreditado nele.

Estaria certo em tudo que dissera? — Ele não é nenhum tolo — comentou Valdemar. Becca apurou os ouvidos para não perder uma palavra da conversa. Se

eles suspeitassem de Blaidd, ele poderia estar em grande perigo. — E Morgan é amigo de Henry. Você deve torcer para que ele acredite

que tudo que tratamos são apenas negócios ou os planos que eu e seu pai fizemos irão por água abaixo.

— Ele acreditou em você — assegurou o príncipe. — Até agora, acho que sim — concordou lorde Throckton. — E Laelia não

está inclinada a aceitar a corte dele, portanto talvez ele parta esta semana mesmo. Quanto a minha outra filha, ela pode ser aleijada e ter uma língua afiada, mas o acordo entre seu pai e eu inclui uma aliança através de casamento.

Becca sentiu-se nauseada e incapaz de mover-se. Seu próprio pai era um traidor e planejava usá-la para atingir seus objetivos sórdidos.

— Eu prefiro sua outra filha. Caso-me com ela por metade desse dote. — Laelia não faz parte da barganha. — Nem mesmo por um quarto do dote? Eles as estavam negociando como se fossem cavalos de corrida! — Valdemar, se não deseja casar-se com Rebecca, que seja. Seu pai, o

rei, tem vários outros filhos. Qualquer um deles servirá e ele herdará estas terras quando eu me tornar duque e terá poderes em Londres, quando Laelia se tornar rainha.

Como Laelia se tornaria rainha? Quem seu pai cogitava ser o novo rei da Inglaterra?

— Isso no caso de Henry aceitá-la — argumentou Valdemar. Ele não pretendia matar o rei? Talvez ela tivesse entendido errado e seus

planos não eram de rebelião, pensou Becca esperançosa. Sua esperança esvaiu-se ao ouvir as próximas palavras.

— Quando nos livrarmos de Eleanor e seus parentes, tenho certeza de que a beleza de minha filha convencerá Henry a aceitar o inevitável.

Qualquer tramóia envolvendo um membro da família real significava traição. Não havia dúvida agora que seu pai era um traidor. Ele planejava aliar-se aos dinamarqueses para efetuar mudanças no governo. Uma vez eliminada Eleanor, Laelia tomaria seu lugar no trono… enquanto seu pai teria o poder, fazendo o rei comer em suas mãos.

— Por que não matamos logo o homem? — perguntou Valdemar. — Porque ele é meu rei, condecorado perante Deus. — A mulher dele também foi — argumentou Valdemar. — Mas ela é francesa — vociferou lorde Throckton, de uma maneira que

ela jamais vira. Parecia um estranho. E talvez fosse. Talvez ela nunca tivesse conhecido seu caráter. — Você poderá perder a contenda e terminar morto — lembrou

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Valdemar. — E eu continuarei casado com sua filha sem graça. E agora, o que fazer, pensou Becca. Contar tudo a Blaidd? Acusar seu

próprio pai de traição? As vidas da família dos traidores também corriam perigo, mesmo que fossem inocentes. E mesmo que o rei as perdoasse, ficariam sem um centavo e para sempre conhecidas como filhas de um traidor.

— Nós não perderemos se seu pai mantiver a palavra. Eu não vou lutar sozinho. Além disso, se ganharmos você voltará para a Dinamarca com muitas posses. E quanto a continuar casado com minha filha, qual o problema? Arranje uma amante.

— Do jeito como fala, não parece gostar muito da sua própria filha. — Ela sempre foi uma pedra em meu sapato, como a mãe dela. Eu não

derramei uma lágrima quando aquela mulher morreu. E se você quiser trancar sua mulher em um convento quando ela já lhe tiver dado um filho ou dois, não tenho objeção nenhuma.

O comentário sobre sua mãe aumentou ainda mais a raiva de Becca e sua indignação.

— Então por que insiste em nosso casamento? — Porque, caro Valdemar, bastardo ou não, você é filho de um rei e

meus netos terão sangue real correndo em suas veias. Becca ouviu o som de cadeiras rangendo contra o assoalho. Ela sabia o

que tinha a fazer. Contaria tudo a Blaidd. Seu pai escolhera seu rumo, ela escolheria o dela e o da irmã. E se tinha que escolher entre o pai culpado e pessoas inocentes, então sua decisão já estava tomada.

Quando se virou para descer a escada, sua perna fraquejou e ela soltou um grito de dor.

— Há quanto tempo estava aí escutando? Olhou por sobre o ombro e encontrou o pai a encará-la como uma ave de

rapina com Valdemar a seu lado.

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Capítulo QuatorzeCapítulo QuatorzeCapítulo QuatorzeCapítulo Quatorze Quando Becca encarou o pai, era como se estivesse vendo um completo

estranho. Lutando contra as lágrimas, ela tentou manter o autocontrole e ganhar mais tempo.

— Perguntei há quanto tempo está aqui. — Acabei de chegar e notei que não estava sozinho, então resolvi voltar

mais tarde — disse ela, forçando-se a sorrir para Valdemar. — Espero que o senhor não esteja reclamando de suas acomodações ou da comida — tentou gracejar.

— De forma nenhuma. Estava justamente dizendo a seu pai o quanto admiro a senhorita.

Até uma criança podia ver que ele mentia. — É mesmo? Fico muito grata pelo cumprimento, milorde. O pai estudava atentamente sua expressão como se quisesse adivinhar

se ela mentia. Por fim relaxou. — Você parece estar sentindo dor, Rebecca — disse ele sorrindo. —

Talvez Valdemar possa oferecer-lhe o braço para ajudá-la a descer a escada. Eu tenho alguns assuntos importantes a tratar.

Ela assentiu, satisfeita por ter conseguido disfarçar sua angústia. — Tem certeza de que não estava procurando por mim, lady Rebecca? —

inquiriu o príncipe. Sua respiração quente fustigava-lhe o ouvido e seu braço a segurava com firmeza. Becca sentiu-se nauseada. Preferia ter uma serpente enrascada ao corpo.

— Não, milorde — retrucou, tentando fingir que aquela proximidade não lhe causava repulsa. — Como eu disse, tinha algo a tratar com meu pai.

O príncipe estacou de súbito. — O que foi? — perguntou ela. — Preciso dizer-lhe que a princípio julguei que a senhorita não era tão

agradável quanto sua irmã — disse ele, tocando-lhe a face, enquanto seu olhar percorria-lhe o corpo inteiro. — Mas, pensando bem, talvez eu esteja enganado.

— O senhor certamente está enganado se julga que me lisonjeia dizendo tais coisas.

— A senhorita não fica contente por um príncipe querer passar algum tempo a seu lado? — perguntou, encostando-a à parede.

Era impossível para Becca continuar fingindo que não estava nauseada com aquela desprezível presença.

— Não — retrucou, ao mesmo tempo em que tentava livrar-se dele. — Saia do meu caminho, milorde.

— Seu pai me disse que a senhorita era tempestuosa. Talvez o casamento com a senhorita pudesse ser divertido, afinal. — E, antes que ela pudesse abrir a boca para contestar, ele puxou-a para si e cobriu-lhe os lábios em um beijo possessivo.

Horrorizada com aquela carícia indesejada, lutou para afastá-lo, empurrando-o e chutando suas pernas.

Entretanto, nada disso parecia surtir efeito. Os braços fortes do príncipe circundavam-na tenazes, ao mesmo tempo em que ele forçava a língua para

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dentro de sua boca. Ela mordeu-o com toda força que possuía. Proferindo uma praga em sua língua natal, o príncipe soltou-a, pulando

para trás. Becca perdeu o equilíbrio momentaneamente, mas lutou para manter-se

de pé. — Você, sua gata selvagem, deveria sentir-se agradecida por um

príncipe da Dinamarca querer beijá-la — vociferou ele, começando a limpar o sangue que lhe escorria pelos lábios.

— Pois eu preferia beijar um camelo. — E eu também, mas parece que nossos pais têm outros planos para

nós. Ao ouvir aquelas palavras, Becca, perdeu o controle de vez. — Se o senhor fosse tão maravilhoso quanto pensa que é, reconsideraria

qualquer coisa que pudesse levantar a ira da Inglaterra contra o senhor e o seu país.

Valdemar encarou-a surpreso. Oh Céus! O que ela fez? Becca ouviu um barulho atrás de si e deparou com o pai descendo a

escada em direção a eles. Sua face estava escarlate de ira. Ao se aproximar, lorde Throckton agarrou-a pelo braço com tanta força,

que a fez gritar de dor. — Pai, solte-me. O senhor está me machucando. Ele ignorou-a e apertou mais ainda. — Deixe-nos a sós, Valdemar — grunhiu, enquanto arrastava a filha

pelos degraus de pedra. Valdemar desapareceu ao chegar ao fundo da escada. — Pai, pare! Meu braço está doendo. Ele não a soltou. Em resposta, puxou-a com mais força. — Cale-se, garota estúpida! — Pai, por favor, minha perna… — Eu não quero saber de sua perna aleijada. Ele abriu a porta do solar e empurrou-a para dentro. Becca caiu ao chão

de pedra, apoiando-se nas mãos e nos joelhos. Antes que conseguisse levantar-se, ele fechou a porta. — Então você estava escutando nossa conversa, sua bisbilhoteira, sua

espiã hipócrita. Sentindo uma dor aguda na perna, Becca andou de joelhos até a mesa e,

segurando com força na beirada, conseguiu levantar-se. Ela mediu com o olhar a distância entre o pai e a porta.

— Eu não ouvi nada — mentiu. Ele levantou a mão e esbofeteou-a com força, fazendo-a sentir o gosto

de sangue na boca. — Eu deveria tê-la despachado para um convento há muito tempo, sua

aleijada inútil. Você é como sua mãe. Ela também não prestava. Deu à luz a uma garota antes de morrer.

Naquele momento, os últimos vestígios de respeito e amor por aquele homem se esvaíram, dando lugar a uma raiva que a queimava por dentro.

— Como ousa falar assim de minha mãe? — gritou ela, encarando-o. — E

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como se atreve a me chamar de imprestável? Quem vem tomando conta desta casa nos últimos dez anos, enquanto ouve o senhor exaltar os predicados de Laelia? Ela é quem deveria estar à frente dos serviços domésticos, não eu.

Becca encaminhou-se até ele, empurrando-lhe o peito e forçando-o para trás.

— Eu fui uma tola, pai. Uma estúpida, carente de afeto, tentando chamar a atenção de qualquer forma possível. Por Deus! Eu preferia que o senhor tivesse me enviado a um convento. Ao menos lá eu não teria presenciado suas adulações a Laelia, enquanto proclamava minha deficiência todos os dias. Mas eu não sou deficiente, pai. O senhor sim, pois está tramando quebrar um juramento sagrado e desonrar a si mesmo e a sua família. Está armando uma guerra que levará à destruição e morte, porque tem ciúme do poder de uma mulher.

Becca encarou-o, com desgosto de um dia ter pensado que ele era o melhor homem sobre a face da terra.

— Como pôde trair um juramento que fez ao rei? Como pôde usar Laelia e a mim nos seus esquemas sórdidos?

— Você é uma tola! — retrucou, ao mesmo tempo em que circundava a mesa. — Você não entende nada de política ou da corte! Aquela francesa arrogante se tornou rica e poderosa. Se Henry não pode ver que está arruinando o país, alguém deve fazê-lo enxergar! — Ele esmurrou a mesa com força.

— Mas não por meio de guerra e rebelião! — gritou Becca. — Pessoas vão morrer por causa disso. E o senhor está propiciando aos dinamarqueses fincarem o pé neste país.

— O dia que eu ouvir a opinião de uma pirralha abusada… — A menos que o senhor mande Valdemar embora e pare com esse

esquema repugnante, estará correndo perigo de ser preso por traição em alto grau — cortou ela.

— Se eu fosse você, não tentaria delatar-me para o rei, garota. As coisas não ficarão boas para você nem para Laelia se eu for acusado. Por outro lado, Laelia vai se casar com Henry quando nos livrarmos de Eleanor. E você é o meio de assegurar uma aliança com o rei da Dinamarca. Você acha que eles vão se importar com o desenrolar das coisas? Claro que não! Meu Deus! Henry é apenas um menino tentando brincar de rei.

Becca encarava-o em silêncio. — Se for tão esperta quanto parece, ficará a meu lado e se casará com

Valdemar — ele respirou fundo, tentando recobrar a calma. — Você poderá continuar aqui, se está preocupada com os camponeses. Afinal, o príncipe é um homem bonito.

— Oh, pai! Quão pouco o senhor conhece sobre mim! — Danação, garota, você será esposa de um príncipe! — bradou ele

batendo outra vez o punho na mesa. — Eu serei a filha de um traidor, casada com um homem que não me

suporta! Recuso-me a participar dessa trama e me esforçarei para que Laelia também não o faça.

Lorde Throckton fitou-a como se ela fosse uma criada que o desagradasse.

— E como pretende fazer isso? Você é propriedade minha, Rebecca.

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Posso fazer com você o que eu quiser. — Se eu tiver que fornecer provas contra o senhor, eu o farei, pois não

vou arriscar meu país e as pessoas que amo. — Você acredita mesmo que pode me derrubar? Você, uma mulher, que

mais parece um garoto? — ele caminhou até ela, empunhando a espada. — Esta é sua última chance.

Tremendo e sem conseguir se mover, Becca se limitou a fitá-lo enquanto ele apontava a espada para sua garganta.

— Pretende matar-me, pai? É tão degenerado a ponto de tirar a vida da própria filha?

— Você não é minha filha! Naquele momento, lorde Throckton fez um movimento com a espada,

cortando-lhe a face. — Eu lhe disse que sua mãe não prestava para nada, nem como amante,

então tive que procurar por outra. É por isso que sei que não é minha filha. Eu a fiz confessar. Você descende de uma mulher pior do que uma prostituta e um soldado comum.

Becca encarou-o estupefata. Aquela revelação explicava muita coisa. Mas quem…?

A resposta atingiu-a como um raio. Havia um homem que a amava como um pai.

— Dobbin! — murmurou ela. — Sim, Dobbin. Você pertence à gentalha. Por isso se dá tão bem com

ela. — Se isso é verdade, por que ele continua a viver aqui? — Você acha que eu permitiria que soubessem que minha mulher teve

um caso com um soldado? — Ou talvez quisesse torturá-lo? — atacou ela. — Cale-se — ordenou ele, movendo mais uma fez a espada. — Que explicação o senhor dará para minha morte? — Becca olhava em

volta ponderando se seria capaz de aproximar-se da porta e escapar daquele monstro. — Precisará dar uma desculpa convincente ou terá sérios problemas. As pessoas gostam de mim e tenho muitos amigos.

— Você é louca. Sempre foi, mas eu relevava. Hoje, porém, tentou atacar-me. Tentou matar o próprio pai. Eu lhe garanto que derramarei muitas lágrimas de arrependimento e pesar. Mas não tive outra opção senão defender-me, matando-a.

— Sir Blaidd Morgan pode estar desconfiado de que o senhor está mentindo — argumentou, tentando ganhar tempo. — Entre a chegada de Valdemar e minha morte, quem pode saber o que ele depreenderá?

Becca não tinha intenção de envolver o homem amado, pois temia pô-lo em perigo, entretanto estava desesperada tentando salvar a própria vida.

— Morgan? Ah, já sei o que pretende fazer. Correr para ele e contar-lhe o que ouviu. Acha que ele vai acreditar em você e protegê-la? — o homem deu uma gargalhada sinistra. — Aquele galês pode fazer ou dizer o que quiser depois que estiver morta. Eu também tenho amigos na corte.

Becca arriscou um olhar por sobre o ombro, cogitando suas chances de escapar.

— Tarde demais, Rebecca. Você não pode correr tão rápido. Eu a

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alcançaria antes que atingisse a escada. Lorde Throckton deu mais um passo em sua direção, mas ela esquivou-

se, esgueirando-se pela parede, correndo o mais depressa que pôde. Ele ergueu a espada para desferir mais um golpe.

Com toda a energia que foi capaz de reunir, Becca jogou-se de encontro à janela, abrindo-a e começando a gritar por socorro.

Uma miríade de rostos com expressão chocada olhava em direção ao solar. Dentre eles, uma figura masculina com longos cabelos negros se destacava.

Naquele instante, lorde Throckton puxou-a para dentro pelo vestido.

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Capítulo QuinzeCapítulo QuinzeCapítulo QuinzeCapítulo Quinze No instante em que Blaidd ouviu Becca gritar, desembainhou a espada e

atravessou o pátio. Subiu a escada circular que levava ao solar de três em três degraus e usando o ombro arrombou a porta.

Segurando uma espada ensangüentada em sua mão, lorde Throckton apontava-a em direção a Becca que jazia no chão. A face estava lívida como a neve e o lado direito sangrava. Ela parecia… morta!

— Becca — gritou Blaidd, com o coração disparado, enquanto corria em sua direção.

— Guardas — berrou lorde Throckton. — Guardas! Uma ira selvagem explodiu no coração de Blaidd, quando se voltou para

o assassino. — Seu monstro traidor e sanguinário! Nem todos os soldados da

Inglaterra poderão ajudá-lo agora. A cor desapareceu do rosto de Throckton, enquanto Blaidd se

aproximava. Naquele instante, Dobbin e outros dois soldados surgiram à soleira da

porta e fitaram horrorizados a cena que se desvendava à sua frente. — O que estão esperando? — bradou o lorde. Os olhos faiscavam de

raiva. — Matem-no! Não vêem que ele está me atacando? Ele já matou lady Rebecca!

— É a sua espada que está ensangüentada. Não a minha — vociferou Blaidd, tentando controlar a onda de ódio que lhe turbava a visão. Uma morte rápida era muito pouco para aquele assassino.

Com medo e pânico estampados no olhar, lorde Throckton levantou sua arma.

— Fui obrigado a fazer isso. Estava me defendendo. Becca está mancomunada com este galês! Ela me fez toda sorte de acusações e em seguida tentou matar-me! Ambos estão tramando contra mim e contra o rei! Eles planejam liquidar-me e tomar minhas terras.

— Onde está a arma dela? — inquiriu Blaidd. Lorde Throckton hesitou por alguns instantes.

— Ela… ela tentou estrangular-me. Blaidd começou a circundá-lo, pronto para atacar caso ele fizesse algum

movimento. — Mentiroso! — bradou Blaidd. Com os olhos cheios de ira, Dobbin sacou da espada lentamente. — Então não bastou casar-se pelo poder e dinheiro, primeiro com a mãe

de lady Laelia e depois de Rebecca. Julguei que tinha desistido de suas ambições. Um homem de bem teria enxergado que possuía duas jóias, especialmente Rebecca e teria orgulho das filhas. Mas você continua o mesmo canalha mesquinho e lascivo que sempre foi. Eu não levantarei um dedo para ajudá-lo e se sir Morgan der a ordem, terei prazer em matá-lo.

— Eu estou lhes dizendo que este homem veio a mando do rei para liquidar-me — vociferou Throckton. Seu corpo todo tremia. — Façam o que eu digo ou mandarei executá-los.

— Eu não falaria de execução se fosse você — disse Blaidd encarando

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seu inimigo. — Throckton, está preso em nome do rei, sob acusações de assassinato e traição.

Antes que o lorde pudesse protestar, Blaidd dirigiu-se aos guardas. — Na qualidade de representante do rei, asseguro-lhes que, se o

ajudarem, serão considerados igualmente traidores. Querem ajudar o homem que matou lady Rebecca?

Com repugnância estampada no rosto, os soldados guardaram as armas. — Está certo em uma coisa, Throckton — continuou Blaidd. A voz era fria

como a lâmina de sua espada. — Eu fui enviado pelo rei, embora não para assassiná-lo. Henry já suspeitava de seus esquemas contra a coroa. Vim para cá em busca de evidências de traição. E agora você matou a própria filha.

— Eu não sou um traidor! Vocês, seus desgraçados, não vêem que ele está mentindo? Prendam este homem nas masmorras. E Rebecca tentou matar-me.

— É mentira — a voz de Becca era quase um sussurro. Espanto e alívio estampavam-se no rosto de Blaidd. Deus, ela estava

viva! Ele correu em sua direção, mas Dobbin a alcançou primeiro. O soldado a tomou nos braços, enquanto Blaidd ajoelhava-se na frente dela.

— Ele nunca teve senso de direção — disse Dobbin, enquanto examinava o ferimento da filha. — A espada deve ter sido desviada pelas costelas. O ferimento está feio, mas já vi piores.

Blaidd baixou a cabeça em uma prece silenciosa. Em seguida, ergueu o olhar para fitar a mulher que adorava e viu o horror refletido nos olhos dela.

Com os instintos aguçados por anos de treinamento, Blaidd virou-se de repente e, ainda de joelhos, enfiou a espada no peito de lorde Throckton.

A espada que o homem empunhava caiu por terra e ele desabou sobre a mesa. Lorde Throckton ainda tentou se levantar, mas era tarde demais. Tombou para o lado, morto.

O grito de Becca quebrou o silêncio. O coração de Blaidd estava contrito quando se virou em direção à mulher

amada. — Becca, não me restou outra opção. Ela não respondeu. Apenas enterrou o rosto no peito de Dobbin. — A morte seria o fim dele, de qualquer modo — suplicou Blaidd,

tentando fazê-la entender que ele fora forçado a agir assim. Dobbin encarou-o com o olhar gélido. — Chega de conversa, sir Blaidd. Ela precisa de tratamento, não de

palavras. Eu cuidarei dela. — Está bem — concordou Blaidd, levantando-se. Um sentimento de

desânimo se abateu sobre ele. Será que o soldado não conseguia ver que ele agira em legítima defesa?

E Becca seria capaz de perdoá-lo por tirar a vida de seu pai, mesmo sendo ele um traidor?

E se todos ali reagissem da mesma forma que Dobbin, com raiva e hostilidade? Ele e Trev estariam em perigo. Precisavam desaparecer daquele castelo o mais rápido possível.

Os dois soldados ainda permaneciam à soleira da porta em silêncio. Blaidd segurou a espada. Se tentassem segurá-lo, iriam se arrepender amargamente.

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Antes que ele alcançasse a porta, Valdemar passou pelos guardas e entrou no aposento. Parou abruptamente quando viu o corpo de lorde Throckton estirado no chão. Uma exclamação de surpresa escapou-lhe dos lábios.

Surpreso pela chegada de Valdemar, Blaidd lembrou que era o representante do rei e deveria agir como tal. Pegou-o pelo braço e puxou-o em direção à porta.

— Vamos conversar lá fora. Onde esta lady Laelia? Valdemar explodiu. — Eu não sei. Blaidd não acreditava nele, mas era melhor que ela não estivesse ali

para ver o pai morto e a irmã ferida. Blaidd descobriu que a escada estava repleta de soldados e serventes

curiosos. Ele ordenou que se retirassem todos, exceto Meg, a quem enviou ao solar para ajudar a ama.

Quando todos se dispersaram, ele encarou Valdemar. — Como ousa segurar-me desse modo como se eu fosse um criminoso

comum — disse o príncipe, soltando-se. — Como ousa tramar contra meu rei? — respondeu Blaidd. Valdemar fitou-o espantado. — Não sei do que está falando. — Claro que sabe. Você e seu aliado que agora está morto no solar. A

aliança foi desfeita. Com os olhos fixos na espada de Blaidd, Valdemar deu um passo atrás. — Não havia conspiração nenhuma. Nossa aliança era apenas comercial. Blaidd encarou o homem por um longo tempo. — Não acredito no que diz e duvido que o rei vá acreditar. Ele não é

propenso a ter boa vontade com estrangeiros que tramam contra a coroa da Inglaterra. Portanto, sugiro, lorde príncipe, que o senhor desapareça enquanto tem chance. Se ficar, estará se arriscando a ser preso por suspeita de envolvimento nos esquemas de lorde Throckton.

Valdemar levou a mão à espada e falou com mais confiança. — Suas acusações são infundadas. Onde estão as provas? — Henry ouvirá o que se passou aqui e quem estava envolvido —

respondeu Blaidd, nem um pouco intimidado. — Ele já tem suas suspeitas sobre lorde Throckton e agora as terá sobre o senhor e seu pai. Em seu lugar, ficaria o mais longe possível da Inglaterra, a menos que deseje começar uma guerra.

Valdemar ruborizou. — Esta conversa sobre guerra é ridícula e o senhor não ousaria prender-

me — gaguejou ele. — Eu sou filho do rei da Dinamarca! Além do mais, o senhor não tem qualquer autoridade aqui.

— Como aqui não é a Dinamarca, eu tenho mais autoridade que o senhor — retrucou Blaidd. — E é por causa de seu pai que o deixo partir. Não quero começar uma guerra com a Dinamarca por alguém tão insignificante.

A boca de Valdemar se abriu, mas não proferiu palavra alguma e seu rosto se tornou quase púrpura. Em seguida, girou nos calcanhares e partiu.

Becca abriu os olhos lentamente. Ela se encontrava deitada na luxuosa

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cama de lorde Throckton. Meg estava ao lado de uma enorme mesa no canto do aposento, mexendo algo em uma bacia. A cortina estava semi-serrada e a única iluminação do ambiente era a do alvorecer.

O que ela estaria fazendo ali? O que teria acontecido? As lembranças do que ouvira vieram-lhe à mente em turbilhão. O ataque

que a deixara ferida e a investida fatal da espada de Blaidd. O homem que ela acreditara ser seu pai durante toda a vida tentara

matá-la. E, em vez disso, ele próprio perdera a vida pelas mãos do homem que ela amava.

O flanco direito doía intensamente, mas a dor física não significava nada em comparação à dor da alma. Talvez aquilo fosse um castigo por ela não ter acreditado nas palavras de Blaidd.

Becca tinha que vê-lo o mais breve possível para pedir-lhe perdão por dele duvidar.

Tentou sentar-se, mas a dor forte forçou-a a permanecer deitada. — Não tente mover-se — disse Dobbin de algum lugar dentro do quarto.

— Vai acabar abrindo os pontos. Becca não havia notado a presença dele na cabeceira da cama. O

soldado se inclinava sobre ela e lhe tomava as mãos nas suas, apertando-as com força.

Aquele homem era seu verdadeiro pai. Como estava orgulhosa dele. Como pôde não ter notado antes? Eles tinham a mesma cor de olhos, o mesmo formato de nariz. Como não notara que Hester se parecia mais com Laelia do que ela própria?

Naquele instante, Meg caminhou em direção à cama com a bacia nas mãos. Seus olhos, circundados por olheiras, demonstravam alívio.

— A senhorita está acordada? — E você está derramando água no chão — disse Dobbin. Meg não lhe deu atenção e continuou sorrindo enquanto se aproximava. — Posso trazer-lhe algo para comer, milady! Rowan fez uma canja

especial. Ele disse que a senhorita ficaria curada em dois tempos. Becca sorriu de volta. — Se Dobbin não fizer objeções. — Acho que uma sopa lhe faria bem — declarou ele. — Eu também não

me importaria de comer um pouco de pão com queijo. Meg assentiu e saiu do quarto apressada. — Você perdeu muito sangue até que eu conseguisse botar esses pontos

no lugar — informou Dobbin. — Portanto, tem que ficar de repouso ou estragará meu trabalho.

— Onde está sir Morgan? — Não sei. A expressão e o tom de voz de Dobbin lhe revelaram que ele precisaria

tomar conhecimento das razões de Blaidd para agir como agiu. Ele precisava saber também o motivo da visita dele ao bordel.

— Ele não esteve com Hester pelos motivos que você pensa — informou Becca. — Ela lhe revelou informações importantes.

Pela primeira vez, viu a cor sair da face de Dobbin. — O que ela lhe contou? Becca podia adivinhar o motivo daquela preocupação.

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— Hester contou-lhe que os dinamarqueses já haviam vindo aqui antes, fazendo-se passar por alemães. Ela julgou que meu… que lorde Throckton estava tramando algo e pediu-lhe para proteger-me da ira do rei. Ela também contou a Blaidd que Throckton era pai dela.

A respiração de Dobbin tornava-se pesada. Becca segurou-lhe a mão calejada.

— Eu sei o que pensou que eu ia dizer. Que você é meu verdadeiro pai. O próprio lorde Throckton me contou antes de tentar matar-me.

Dobbin ruborizou-se. Em seguida, levantou-se abruptamente e caminhou até a janela.

— Por que não me contou você mesmo? — perguntou ela gentilmente. Sem fitá-la ele começou a falar. — Porque sei o que faria se eu lhe tivesse contado. Teria deixado o

castelo de lorde Throckton, pois nunca viveria uma mentira — ele levantou os olhos azuis e encarou-a. — Mas você merece ser uma lady como sua mãe era. — Ergueu as mãos para o céu. — O que eu teria para oferecer-lhe? Sua mãe foi a mais fina, corajosa e meiga criatura que já conheci e o que ela viu em mim… — Nesse ponto as palavras morreram em sua garganta.

— Um bom homem. Foi isso que ela viu — Becca disse com convicção. — E você a amava.

— Tem razão. Eu a amava — Dobbin murmurou, enquanto retornava e se sentava de volta no banco ao lado da cama. — Mas eu também fui um egoísta. Nunca deveria tê-la engravidado. Deveria ter me contentado em adorá-la à distância.

— Estou certa de que ela também o amava, Dobbin. — Ela era boa e terna, mas também forte como ferro. Tinha que ser,

para agüentar a dor que seu pai lhe impingia. Ele tentou aniquilar sua personalidade. Do mesmo modo que tentou fazer com você.

— Ela tinha seu amor para dar-lhe forças. — Não no início. Eu a admirei desde o primeiro instante em que a vi. Mas

quando percebi o que estava acontecendo, lutei contra esse sentimento. E ela também. Sua mãe era uma mulher honrada.

— Mas era infeliz e achou conforto em você e depois amor. Estou feliz por ela ter tido você para amá-la. E tenho orgulho de você ser meu pai.

— E eu estou mais do que orgulhoso de tê-la. Minha filha. Um profundo silêncio inundou o quarto onde as emoções falavam mais

do que as palavras. Em seguida, a expressão de Dobbin mudou, dando lugar à preocupação. — Você não pode contar a mais ninguém sobre isso, Becca. Isso deve

permanecer um segredo. — Por que não? Não tenho vergonha de admitir que você é… — Pelo pessoal de Throckton. Quem mais intercederá por eles junto ao

rei e o fará crer que ninguém mais aqui suspeitava dos esquemas dele? Laelia pode ser a mais velha, mas não tem seu desembaraço.

Becca concluiu que ele tinha razão. — Compreendo — murmurou ela. —Mas não gosto disso. — E você acha que eu gosto? — perguntou Dobbin, franzindo o cenho. —

Mas não temos escolha. Tem que pensar nas pessoas que dependem de você e eu em meus homens.

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— Onde está Laelia? Você lhe contou sobre…? — Da última vez que tive notícias dela, estava na capela, chorando. Ele

contou-lhe o que aconteceu. Não foi difícil para Becca adivinhar a quem ele se referia e seu coração se

encheu de pesar pela irmã e por Blaidd. — Blaidd disse alguma coisa sobre o que vai acontecer agora? Dobbin meneou a cabeça em sinal de negativa. — Não que eu saiba, mas ele tomou o controle do castelo. E ordenou que

os dinamarqueses partissem. Eles saíram de madrugada. — Eu quero vê-lo, Dobbin, o mais breve possível. Você poderia achá-lo

para mim? Eles foram interrompidos por uma forte batida na porta. — Ah, deve ser Meg com a canja — disse Dobbin, levantando-se. Mas não foi Meg quem entrou no quarto. Era sir Blaidd Morgan com o semblante taciturno e vestido para batalha.

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Capítulo DezesseisCapítulo DezesseisCapítulo DezesseisCapítulo Dezesseis Ou assim pareceu a Becca, pois ele usava uma armadura de malhas de

ferro sob a capa, esporas nas botas e trazia um elmo embaixo do braço. Sua espada batia contra a coxa e ele marchava como um soldado em

uma parada e não como um homem que vinha ver a mulher amada que salvara da morte.

— Espero que esteja recuperada, milady. — Estou — respondeu desanimada pelo modo frio com que ele falou. — Sinto muito ser o porta-voz de mais más notícias. Becca tentou levantar-se, apesar da dor que sentia. — Que más notícias? — Sinto ter que informá-la, milady, mas sua irmã… — Ele hesitou, mas

em seguida continuou. — Parece que ela… que sua irmã fugiu. — Fugiu? — gritou Becca incrédula. — Assim parece — a expressão de Blaidd tornou-se ainda mais sombria.

— Na noite passada, ela disse que ficaria velando o corpo de seu pai na capela. Não vi inconveniente algum nisso, desde que um dos serviçais lhe fizesse companhia. Aparentemente, o serviçal pegou no sono e quando acordou sua irmã não estava mais lá. Eu ordenei uma busca em todo o castelo. E isto foi encontrado em seu quarto.

Blaidd aproximou-se do leito e entregou-lhe um bilhete. Becca leu imediatamente. Era um bilhete sucinto de despedida,

informando a irmã que estava fugindo com Valdemar e que ela poderia ficar com todas as suas roupas e jóias.

Becca leu-o três vezes até conseguir compreender o que Laelia havia feito e o porquê. Em seguida, ergueu os olhos para encarar Blaidd e Dobbin com expressão preocupada.

— Ela fugiu com Valdemar — informou desconsolada. — Lady Laelia sempre quis ir para a corte, mas eu pensei que era a da

Inglaterra — comentou Dobbin, sem esconder uma ponta de escárnio. — Não estou convencido de que ela foi por vontade própria — declarou

Blaidd. Becca dirigiu-se a Dobbin. — Seus homens o informariam caso pressentissem alguma coisa errada

dentro das paredes do castelo, não é? Mesmo que você estivesse cuidando de mim?

— Claro, milady, ninguém conseguiria passar pelos meus sentinelas. — Seus sentinelas não me viram pular a fortaleza — concluiu Blaidd. — Tem certeza disso, sir Morgan? — inquiriu Dobbin, levantando as

sobrancelhas. — Isso pode significar algum tipo de revanche por Parte de Valdemar —

comentou Blaidd, mudando de assunto. — Se ela quisesse ir e não ser vista — sugeriu Becca. — Existe uma

passagem secreta que apenas a família tem conhecimento, mas acho que posso confiar no senhor, sir Morgan.

— E onde fica? — Fora do castelo. A entrada é na capela.

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— Talvez os dinamarqueses tivessem encontrado essa passagem — sugeriu Blaidd. — Talvez Throckton tenha contado a eles. Eles podem ter entrado por ela e raptado lady Laelia.

— Duvido — disse Dobbin. — O senhor não notou como ela olhava para aquele príncipe? E, após o que aconteceu, ela devia estar temerosa de que o senhor a levasse presa. Não admira ter fugido com ele. Eu não perderia meu tempo procurando-a.

— Você pode não perder seu tempo, mas é exatamente o que farei — retrucou Blaidd. — Eu dei aos dinamarqueses a oportunidade de partirem ilesos. Se houver a mínima chance de eles terem raptado lady Laelia, eu a trarei de volta. — Por fim ele olhou na direção de Becca. Dessa vez com deferência. — A senhorita, por certo, quer ter certeza de que essa foi a escolha dela, milady!

— Sim. Claro. Quero ter absoluta certeza de que Laelia foi embora desta casa de livre e espontânea vontade.

— Eu vou pegar vinte dos seus homens e partir ao encalço deles — informou Blaidd a Dobbin.

— Os dinamarqueses são cinqüenta — lembrou ele. — Por isso mesmo, vinte de seus homens tão bem treinados serão

suficientes para uma luta justa. — Vinte e um porque eu também vou — retrucou Dobbin. Blaidd girou nos calcanhares. Em seguida, virou-se outra vez para

encarar Becca. — Se ela partiu por ter medo de mim, não havia motivo para isso. Eu

tenho plena consciência de que nenhum outro membro de sua família, soldado ou serviçal estava envolvido nos planos de seu pai e pretendo fazer Henry tomar conhecimento desse fato.

Quando avistou a comitiva dos dinamarqueses a apenas dez milhas do

castelo Throckton, Blaidd teve a satisfação de concluir que talvez lady Laelia tivesse vindo com Valdemar por vontade própria. Se ele a tivesse raptado, teria ordenado que seus homens partissem a todo galope e a essa altura já estariam muito mais longe dali. Eles provavelmente estavam todos acompanhando o ritmo lento do cavalgar de Laelia.

Valdemar estava à frente da comitiva e um vulto coberto com um manto azul, deixando de fora apenas uma vasta cabeleira loura, cavalgava a seu lado. Outro sinal de que não havia sido seqüestrada.

A despeito de toda a evidência, Blaidd ainda estava determinado a falar com eles.

Gritando para que os homens de Dobbin o seguissem, Blaidd fustigou Aderyn Du em um galope alucinante.

Valdemar girou em sua sela ao ouvir o barulho da cavalaria. A sua volta, os cavalos de seus soldados moviam-se nervosos. Muitos desistiram de tentar controlá-los e começaram a cavalgar pela estrada. Outros se juntaram a eles, desobedecendo às ordens do príncipe. Naquele instante, a mulher começou a gritar.

Blaidd pensou que Valdemar fosse tentar fugir, mas ele permaneceu parado ao lado da moça loura, que de fato era Laelia. Quando Blaidd e seus homens os alcançaram, eles eram os únicos membros da comitiva que

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restaram. Até a carruagem com as malas de Valdemar havia desaparecido estrada abaixo em uma nuvem de poeira.

O dinamarquês posicionou seu cavalo em frente à dama, formando um escudo entre ela e Blaidd com os soldados de Dobbin.

— Julguei estar livre para partir — disse ele em tom arrogante. — Você com certeza estava livre para deixar a Inglaterra, Valdemar, e

quanto mais cedo melhor — respondeu Blaidd. — É por causa da moça que vim atrás de você.

Laelia trotou para frente até posicionar seu cavalo ao lado do príncipe. — Eu decidi vir com ele — informou ela e Blaidd mal podia acreditar que

aquele tom firme e decidido pertencia à mesma moça frágil e insegura que conhecera no castelo. — O senhor não é meu pai, nem meu irmão. Não tem autoridade sobre mim, portanto não pode me obrigar a voltar com o senhor.

— Desde que a senhorita não tem pai ou irmão, o rei é seu guardião legal até que venha a casar-se. Portanto, na qualidade de representante do rei, tenho autoridade sobre a senhorita, sim — respondeu Blaidd.

— Pois o senhor está olhando para o homem com quem pretendo me casar.

Blaidd voltou a atenção para Valdemar e viu medo nos olhos do homem. Mas não se tratava de medo de dor ou morte. Ele parecia um homem temeroso de perder algo muito importante.

— Você pretende casar-se com ela? — Sim — respondeu o príncipe sem hesitar. — Pretendo desposar esta

mulher. — Vai levá-la mesmo sem um dote? — insistiu Blaidd, apesar de achar

que já sabia a resposta. — Se Laelia for com você agora, só terá a roupa do corpo. O pai dela era um traidor e tudo que ele possuía será confiscado pela coroa. O rei poderá tirar-lhe até mesmo o título.

— Estou interessado na mulher, não no dote ou no título — respondeu Valdemar com desdém. — Ela será minha esposa e a mãe de meus filhos. Dou-lhe minha palavra de que ela não será uma amante, e sim a esposa do príncipe.

Blaidd percebeu sinceridade naquelas palavras e nos olhos de Valdemar. — Eu acredito em você — disse ele, arriscando um sorriso. — Talvez

você não seja um pirata, afinal. Os ombros do príncipe relaxaram. — Vai me deixar levá-la então? — Sim. — Blaidd virou-se para Laelia. — Você entende o que está

deixando para trás? Laelia sorriu e nunca lhe pareceu tão linda e feliz. — Sim. E o que estou ganhando também. Eu amo Valdemar e ele

também me ama. — Você talvez jamais possa retornar à Inglaterra, nem mesmo para fazer

uma visita. O queixo delicado de Laelia começou a tremer e seus olhos se encheram

de lágrimas. — Só sentirei falta de Becca. Por favor, diga a ela que um dia ela

também vai achar a felicidade ao lado de um homem que a ame. E diga-lhe que, se Deus quiser, um dia nos encontraremos.

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Valdemar cobriu-lhe a mão com a dele. — Vá para seu navio, Valdemar — disse Blaidd. — Eu levarei a

mensagem a sua irmã, lady Laelia. — O que dirá a seu rei? — perguntou Valdemar. Blaidd ficou pensativo

por um momento. — Que lady Laelia se apaixonou por um viking e com ele fugiu — Blaidd

deu um sorriso. — Ele gosta de histórias de amor e ação. — Adeus, sir Blaidd Morgan — disse Valdemar, sorrindo de volta. —

Estou feliz por não tê-lo encontrado em circunstâncias de guerra. Teria sido um grande desperdício matá-lo.

— Eu também me arrependeria de matá-lo — respondeu Blaidd, enquanto observava Valdemar e Laelia desaparecerem na estrada. Juntos.

Quando Blaidd retornou ao castelo, Meg abriu-lhe a porta dos aposentos de lorde Throckton e o fez entrar. Becca estava sentada na luxuosa cama. Seus lindos cabelos castanhos estavam soltos e caíam como uma cascata pelos ombros delicados. Ela parecia jovem, adorável e vulnerável.

Sir Blaidd Morgan, cavaleiro do reino, campeão de torneios, amigo do rei e com fama de levar uma mulher para cama apenas com um sussurro, sentiu-se de repente tímido e sem palavras.

Enquanto permanecia parado a encará-la, todos os erros que cometera passavam por sua mente. Matara o pai dela. Cortejara-a em sua própria casa sob falsas alegações. Mentira para ela. Será que seu amor seria suficiente para superar tudo isso? Ou ela o odiaria para sempre?

Blaidd aguardava em silêncio que ela dissesse algo que lhe desse alguma pista dos sentimentos dela.

— Meg — disse ela. — Deixe-nos a sós, por favor. Quando a moça saiu, fechando a porta, Blaidd esperou que a tensão

diminuísse, mas aconteceu justamente o contrário. Ele não sabia o que dizer. O silêncio continuou até que ele não conseguiu mais agüentar. Então

resolveu falar sobre Laelia. — Sua irmã partiu com Valdemar por vontade própria. Becca concordou, sua expressão não denotava nada além de interesse

pelas notícias. — Eu já desconfiava. — Eu precisava ter certeza. — Sim e fico-lhe grata por isso. Eu só queria que tivéssemos tido a

chance de despedir-nos. — Ela também estava triste por deixá-la — assegurou-lhe ele. — Laelia

disse que a senhorita era a única pessoa de quem sentiria falta. Disse também que espera que encontre a felicidade algum dia.

Becca olhou para as mãos pousadas sobre o colo. — Compreendo. — Eu realmente acredito que ela ame Valdemar e que a recíproca seja

verdadeira — continuou Blaidd, aproximando-se do leito. — Laelia não tem dote e mesmo assim ele a quis. Eles pretendem se casar. E se eu não acreditasse nisso, não os teria deixado partir.

— O senhor não teria deixado? — Eu represento o rei, milady. — Sim. Estou ciente disso.

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Ele imediatamente desejou ter dito qualquer outra coisa. — Então, diga-me, o que acontecerá comigo agora, sir Morgan? Ele queria dizer: "Agora nós nos casamos". Mas não podia. O futuro dela

dependia de Henry e não dele. Mesmo se o rei acreditasse que ela era inocente, para provar sua

lealdade, ela teria que fazer tudo que Henry ordenasse. Blaidd esperava convencer o rei da inocência dela e persuadi-lo a deixá-

los casar, mas se isso não fosse possível, não teriam outra escolha senão acolher a vontade do rei. A vida de Becca dependia disso.

Portanto, saber que ele a amava apenas aumentaria a angústia de Becca. Pelo bem dela então, só lhe restava manter a distância e não dizer nenhuma palavra de amor.

— O que o senhor acha que o rei fará com a filha de um traidor? — perguntou ela, verbalizando seus próprios pensamentos. — Eu irei para a prisão?

— Ele não tem nenhuma acusação contra a senhorita — respondeu Blaidd. — A senhorita não conspirava com seu pai. Tenho absoluta certeza disso, portanto o rei também a terá.

— O senhor tem tanta influência assim sobre ele? — Acredito que ele me ouvirá, milady. E eu garantirei sua inocência. — Fico-lhe grata. Ele retirará meu título e herança? — Honestamente não sei, milady. Acho que há boas chances de o rei

permitir que mantenha seu título e pelo menos uma parte das propriedades de seu pai para um dote.

— Então, suponho que, como todos os homens que têm poder sobre uma mulher, o rei vai querer me arranjar um marido. Talvez a rainha Eleanor tenha um parente que precise de uma esposa.

O coração de Blaidd perdeu uma batida. — Eu não diria essas coisas alto, milady. — Eu sei e não direi. A menos que queira que Henry duvide de minha

lealdade — Becca encarou-o com firmeza. — Diga-me, sir Blaidd, o senhor acha que algum nobre estará disposto a relevar as atividades de meu pai e casar-se comigo?

— Ninguém poderá forçá-la a casar-se contra sua vontade, milady. É contra a lei da igreja. Contudo… — ele hesitou. — Eu não recomendaria que a senhorita recusasse uma ordem do rei, devido ao que aconteceu com sua família. Se a senhorita recusar um homem que o rei escolher ou qualquer outra ordem real, poderá levantar as suspeitas dele sobre sua lealdade.

Becca franziu o cenho. — Então, mesmo não sendo presa, também não serei livre? Se tiver a

sorte de ficar sob a guarda do rei, terei que fazer o que ele ordenar. É assim? A mente de Blaidd subjugou o coração. A vida dela dependia daquilo. — Sim, milady. — E se eu fugisse como Laelia? Não havendo herdeiros, o que

aconteceria com esta propriedade? — Por que a senhorita está perguntando isso? Pretende fugir? — Eu ficaria livre assim, não ficaria? — Não, não ficaria. Henry por certo tomaria sua fuga como evidência de

culpa. Como todos os reis, ele teme conspirações. Ele a perseguiria até

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encontrá-la. E então seria executada — Blaidd ajoelhou-se ao lado da cama. — Ele jamais voltaria a acreditar em sua inocência. A senhorita não deve cogitar isso. Não, se teme por sua vida.

— Talvez eu considere que uma vida assim não vale a pena ser vivida. — Não diga uma coisa dessas! — gritou Blaidd, aflito, temendo que ela

fizesse algo drástico. Havia tanto que ele queria dizer-lhe, mas a precaução o silenciava. — Então, o que virá a seguir, sir Blaidd? — inquiriu ela com voz

embargada, fazendo-o sentir um desejo intenso de tomá-la nos braços. — Suponho que o rei terá que ser informado do que aconteceu aqui. O senhor irá em pessoa, ou tomará conta do castelo e esperará as ordens do rei?

— Eu irei informar o rei pessoalmente. Essa será a melhor forma de garantir sua misericórdia para com a senhorita.

— Seria melhor ainda se eu fosse com o senhor. Eu juraria minha inocência e lealdade à coroa.

Se ela fosse uma mulher delicada e submissa, Blaidd concordaria com aquela sugestão, porém com seu temperamento explosivo e a língua afiada, Becca seria capaz de enfrentar o rei de igual para igual.

— Isso não seria sábio. — Por que não? O senhor acha que não consigo falar por mim mesma? — Na verdade, acho que pode. O que a senhorita poderia dizer é que me

preocupa. — O senhor acha que eu iria piorar as coisas? — Becca, eu conheço Henry. Se Laelia pudesse ir em seu lugar… — Laelia não pode. Ela fugiu com aquele dinamarquês! — gritou ela. Por mais que desejasse, Blaidd não podia tocá-la. — Mesmo se eu concordasse, a senhorita está muito ferida para viajar a

Londres. Eu lhe dou minha palavra de que o farei acreditar em sua inocência. Ela encarou-o com firmeza. — Não estou questionando suas boas intenções, nem sua capacidade de

persuasão, sir Morgan. Mas este é meu lar, e as pessoas que me cercam são responsabilidade minha. Cabe a mim falar por elas. Não me negue esta oportunidade.

Ele não poderia negar-lhe nada. — Muito bem — disse Blaidd. — Partiremos para Londres juntos, então. — Fico imensamente grata. Agora preciso repousar, sir Morgan. — Sim, claro — concordou ele, saindo do quarto. Quando ficou sozinha, Becca fechou os olhos e se deitou. Tinha uma

vontade imensa de dar vazão às lágrimas que insistiam em escorrer-lhe pelo rosto pálido.

Sentia-se tão sozinha! Seu falso pai estava morto, a irmã fugira e Blaidd tinha sido tão frio, tão distante, como um soldado na troca da guarda. Mesmo quando se ajoelhou próximo à cama, não parecia o homem por quem se apaixonara.

Becca obteve as respostas sobre os sentimentos dele e não foram aquelas que esperava. O que quer que tivesse existido entre eles, havia mudado.

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Capítulo DezesseteCapítulo DezesseteCapítulo DezesseteCapítulo Dezessete Uma semana depois, Blaidd, Trev, Becca, Meg e uma tropa de dez

solados chegaram à maior cidade da Inglaterra. Dobbin permanecera em Throckton para tomar conta do castelo e das terras até que lady Rebecca retornasse ou outro senhor viesse tomar posse das propriedades do recém-finado lorde Throckton.

Claudia também permanecera lá. O chefe da sentinela não permitiu que Becca cavalgasse até que a ferida em seu flanco sarasse. Ela e a criada viajavam em um confortável coche com acentos de veludo e almofadas.

Uma vez na cidade, Becca decidiu que era o momento de ela e Blaidd se separarem, como fizeram cada vez que pararam nas estalagens ao longo do caminho até Londres. Ele encontraria felicidade com outra mulher e ascenderia na corte. Ela, por sua vez, seria submetida à vontade do rei, uma vez que a traição de seu pai não lhe deixara escolha.

Apesar da mentira que o cavaleiro utilizara para entrar no castelo de Throckton, Becca não lhe guardava nenhum rancor. Seus sentimentos por ela eram verdadeiros e o que acontecera depois, fora culpa do pai e não dele. Diversas vezes tivera vontade de lhe dizer aquilo, mas bastava fitar a expressão austera do cavaleiro e as palavras lhe morriam na garganta.

O coche rumou através de Smithfield em direção a New Gate. A medida que se aproximavam da cidade, o burburinho agitado ia aumentando. Mugidos de vacas, balidos de ovelhas, pessoas conversando e rindo e cachorros latindo. O típico alvoroço citadino.

— Por Deus, milady! — exclamou Meg a seu lado, quando afastou a lona lateral do coche e observou o tumulto a seu redor. — Nunca vi tanta gente concentrada em um só lugar!

— Tampouco eu — concordou Rebecca. Um rebanho de bois passou pelo coche como um rio. As duas mulheres

se ocultaram sob a lona, temendo que a força dos animais tombasse o veículo e as atirassem ao chão.

— Oh, aquilo foi aterrorizante! — afirmou Meg, quando o rebanho passou e o coche começou a se movimentar em direção aos portões da cidade.

Sempre que passavam por um aglomerado de pessoas, Becca olhava através da lona para se certificar de que Blaidd ainda as seguia. E lá ia o cavaleiro, movimentando-se com a tranqüilidade de quem atravessa uma estrada deserta.

— Imagino quanto tempo levará até que cheguemos ao palácio — disse Becca, quando o coche estacou em um caminho estreito para esperar que outra carruagem passasse primeiro. — Não que eu esteja ansiosa — acrescentou.

Meg parecia aflita. — Tomara que antes do jantar, milady — replicou ansiosa. — Estou

faminta. Ao contrário de Becca, que não sentia muito apetite nos últimos dias. O coche pôs-se em movimento outra vez, e a dama se recostou no

assento de veludo. — Por que não cochila um pouco, milady! — sugeriu Meg. — Dobbin

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disse que o descanso seria seu melhor remédio. — Estou admirando a paisagem — redargüiu, embora estivesse um tanto

nervosa para dormir. Em breve chegariam ao palácio onde seu destino seria selado. Um futuro sem Blaidd.

Permaneceram caladas por um bom tempo, cada uma observando um lado da cidade e a multidão de pessoas apinhadas. Mascates e indigentes se mesclavam a pessoas de diferentes status. Um mundo completamente diferente que fez Becca ansiar por uma cavalgada com Claudia pelos prados de seu castelo. E pensar que Laelia daria o braço direito para estar em um lugar como aquele.

Tentou não pensar na irmã, ou invejar a possível felicidade que ela estivesse sentindo ao lado de Valdemar. Afinal, não esperara o mesmo de Laelia quando nutria a esperança de se casar com Blaidd?

O coche parou outra vez. — O que foi agora? — murmurou Becca, afastando a lona para ver o que

os havia detido. Foi então que deparou com o suntuoso portão ornamentado e

imponentes muralhas. Blaidd havia desmontado e, circunspecto, conversava com os guardas armados.

O palácio do rei em Westminster. Agora que haviam chegado, o coração de Becca parecia querer saltar

pela boca. As palmas das mãos trêmulas se encontravam úmidas de suor. E se Henry não acreditasse em sua inocência? Se a prendesse na torre?

Blaidd se afastou dos sentinelas, encaminhando-sê em direção ao coche. Ergueu os olhos para fitá-la com a mesma expressão austera dos últimos dias.

— Ficaremos instalados nos aposentos de meu irmão Kynan no palácio. Não verá o rei hoje. Ele saiu em uma caçada. Terá de esperar até amanhã ou o dia seguinte.

Becca sentiu-se aliviada pelo adiamento daquele encontro, mas tentou não demonstrar. A recepção estava sendo melhor do que esperara. Presumira que ficaria em uma hospedagem em vez do palácio do rei.

— A encontrarei mais tarde para tomarmos um refresco, milady — informou Blaidd, girando nos calcanhares. — Procurarei Kynan e lhe direi que tem convidados.

Trajando um dos belos vestidos de Laelia, de veludo azul escuro e bordados dourados, Becca respirou fundo e escancarou a porta do salão principal dos aposentos de sir Kynan Morgan no palácio. Seu olhar vagou pela mesa posta com jarras de vinho, cálices de prata, travessas de frutas, pães frescos variados e guloseimas, e deteve-se no homem parado próximo à janela. Com uma das mãos pousadas sobre a sacada, observava a cidade que se descortinava além do palácio.

Parecia-lhe um tanto familiar, mas ainda assim diferente. Talvez pelos trajes opulentos que usava. Nunca vira Blaidd vestido com roupas de veludo ou outros tecidos finos. Até as botas eram ornadas com relevos em prata. Ao menos não cortara os cabelos. Sendo assim, ainda mantinha a intrigante mistura do elegante e do rústico.

E então ele se virou para Becca descobrir que não se tratava de Blaidd, mas outro homem que parecia seu irmão gêmeo.

— Lady Rebecca, presumo? — perguntou em tom cordial.

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— Sim. O senhor deve ser sir Kynan Morgan. — A suas ordens, milady — declarou o jovem galês, inclinando-se em

uma mesura e exibindo um sorriso franco. Sua semelhança com Blaidd era óbvia. Parecia possuir o mesmo charme e autoconfiança.

Ele fez um gesto, indicando a mesa. — Tomamos a liberdade de mandar servir uma pequena refeição aqui

mesmo. Meu irmão e eu supomos que não quisesse jantar no salão principal do palácio.

— Desde que não sou uma convidada do rei — replicou a dama. — Agradeço a consideração e a pequena afeição.

O sorriso de Kynan se alargou enquanto puxava duas cadeiras para perto da mesa.

— Então, que tal começarmos? — Sem sir Blaidd? — Não estou certo de quando meu irmão voltará, portanto acho inútil

esperarmos. Ele compreenderá — garantiu Kynan, piscando para ela. — Além disso, estou esfomeado. E a senhorita?

Becca sorriu satisfeita, concluindo que seria um alívio ser poupada do silêncio angustiante e da presença sorumbática de Blaidd.

Ao perceber o andar claudicante da dama, o olhar de Kynan pousou na saia do vestido de veludo e uma ruga de preocupação apareceu entre seus olhos.

— Posso mandar servir a refeição em seu quarto se seu ferimento ainda a incomoda.

— Obrigada, mas não claudico devido a minha injúria recente — informou Becca, acomodando-se na cadeira. — Mas sim em virtude de um acidente que tive há dez anos.

A face do cavalheiro se tornou rubra. — Desculpe-me, não quis… — Estou surpresa que seu irmão não tenha mencionado minha limitação

— disse em tom casual, imaginando porque Blaidd não o fizera. — Não nos falamos muito hoje — informou Kynan, tomando seu assento. Becca teve vontade de perguntar onde Blaidd fora, mas insegura,

deteve-se. Seria melhor manter a discrição, uma vez que, ao que tudo indicava, seu amado não quisera revelar ao próprio irmão o que acontecera entre eles em Throckton.

Depois do que pareceu um longo tempo, Kynan se referiu a ela em um tom de voz macio que muito lhe lembrava o do irmão.

— Não se preocupe, milady. Blaidd me informou de maneira geral o que aconteceu em Throckton e estou certo de que nada de mal vai lhe suceder. Henry ficou um tanto aborrecido, mas com Blaidd pedindo clemência para a senhorita, será difícil o rei não ceder. Ele confia em meu irmão.

Becca concordou e se forçou a sorrir. — Ficarei grata por tudo que ele puder fazer em meu favor. Naquele instante, a porta se abriu com um movimento suave e Blaidd

assomou à entrada do salão. Como pôde tê-lo confundido com Kynan? O irmão mais novo podia ter a

mesma beleza trigueira e o charme envolvente, mas lhe faltava o poder e a imponência que identificara em Blaidd desde o primeiro instante em que o viu.

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Oh, Deus! Como lamentava o destino que se descortinava a sua frente. Se ao menos pudesse voltar no tempo e reparar todo o dano que a traição de seu pai causara. Escutar o que Blaidd dizia. Confiar no homem amado.

Temendo que seus olhos revelassem o sentimento que nutria por aquele homem, baixou-os, fitando as mãos.

— Lady Rebecca — disse Blaidd em tom brusco. — Consegui uma audiência com Henry amanhã pela manhã.

— Obrigada — murmurou, repetindo para si mesma que quanto antes seu destino fosse decidido, melhor.

Em seguida, ergueu-se sem fitá-lo. Não conseguia estar tão próxima de Blaidd sem poder tocá-lo. Aquela angústia, somada ao nervosismo pelo encontro que teria com o rei, era mais do que podia suportar.

— Acho que estou satisfeita. Estava tudo excelente. Obrigada, sir Kynan. Boa noite, sir Blaidd — disse, deixando o salão com um farfalhar do veludo.

Depois que a dama partiu, Kynan fitou o irmão como se ele fosse um estranho.

— Por Deus do céu, Blaidd! Nunca o vi se referir de maneira tão rude a uma dama!

O irmão mais velho se deixou afundar na cadeira antes ocupada por Becca.

— Não fui grosseiro. — Não me refiro às palavras e sim aos modos. Não importa se ela é filha

de um traidor ou não… — Não necessito de lições de etiqueta — vociferou Blaidd, partindo um

pedaço de pão. — Pois eu acho que sim. Blaidd não lhe respondeu. Em vez disso pôs-se a comer e beber. O irmão permaneceu em silêncio por alguns minutos, observando-o com

olhar avaliador. Blaidd fingiu não perceber sua observação e tentou focar a atenção na comida.

— Não mencionou que ela era aleijada. — Isso não é importante. — Mas deveria ter me prevenido. Pensei que ela se locomovesse daquela

forma devido ao ferimento recente. Acabei por fazer um comentário indelicado — reclamou Kynan, enquanto Blaidd levava uma maçã à boca. — O que acha que Henry fará com ela?

— Não sei — redargüiu o cavaleiro. — Gervais Fitzroy pensa que se eu interceder a seu favor, Becca… lady Rebecca não será condenada por traição. Se ela se tornar uma sentinela da guarda real, Henry terá controle sobre sua fortuna e isso ajudará a lhe aplacar a ira.

— Isso é bom, não? O irmão mais velho deu de ombros. — Até que ele decida casá-la com alguém de sua escolha ou da família

da esposa. Lady Rebecca não terá direito a recusar quem quer que o rei escolha, do contrário, suscitará suspeitas de deslealdade.

— Compreendo — comentou Kynan. — Pelo menos escapará da sentença de morte. É melhor que seu dote seja considerável. Qual o homem que estaria disposto a casar com a filha aleijada de um traidor?

Todas as emoções conturbadas que oprimiam o peito de Blaidd nos

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últimos dias, pareceram irromper com a força de uma tsunami. Com um gesto brusco, atirou a maçã sobre a mesa, despedaçando-a. Em seguida, ergueu-se como um Deus da guerra pronto para a batalha.

— Não se atreva a chamá-la de aleijada de novo! Kynan o fitou atônito. — Por Deus, meu irmão. O que está se passando… — Parou, arregalando

os olhos quando se deu conta do que estava acontecendo. — Você a ama. Blaidd lutou para não perder o controle. — Eu a respeito e admiro. — Não é só isso o que sente por ela — afirmou Kynan, aproximando-se a

passos lentos da mesa, sem tirar os olhos do irmão. — Você a ama de verdade.

— Acha que pode ler a mente alheia, agora? — inquiriu Blaidd, cruzando os braços.

— Não. Mas sei quando um homem se interessa de verdade por uma mulher. O que aconteceu entre vocês em Throckton?

— Já lhe disse. Kynan meneou a cabeça em negativa. — Não me contou tudo. Nunca o vi assim antes. Algo transformou meu

alegre e charmoso irmão em um rude e mal humorado soldado. Ou devo dizer alguém?

— Não quero falar sobre isso. — Não? Estamos diante de outra coisa estranha. Sempre fui seu

confidente… Blaidd cerrou os punhos. — Chega, Kynan! — Ainda não. Primeiro me responda uma pergunta. Você a ama? Blaidd não respondeu, mas a expressão de seu olhar, revelava toda a

verdade. — Deus do céu, meu irmão! — ofegou Kynan. — Não é possível que

queira se casar com ela. Kynan já testemunhara as lutas do irmão no campo de batalha. Conhecia

a expressão gélida em seu rosto quando lutava. Era a mesma que ele adotava naquele momento.

— E que importância tem se eu quiser? Com os olhos dilatados de surpresa, Kynan deu um passo atrás,

afundando na cadeira atrás de si. — Não pode estar falando sério! O que dirá nosso pai? E mamãe? Sem

mencionar o rei. O pai dela era um traidor. Sabe disso melhor do que ninguém!

— De fato, sim — replicou Blaidd. — Eu mesmo o matei, lembra-se? Embora ele merecesse tal fim, fui eu quem desferiu o golpe fatal e contou a ela toda a verdade. Lady Laelia fugiu da cidade, em parte por causa do que fiz. E agora, o futuro de Becca está nas mãos de Henry e ela não pode desobedecer a sua decisão. Portanto, pode se acalmar, meu irmão. Mesmo que o rei desse consentimento, como lady Rebecca poderia aceitar como esposo aquele que causou a ruína de sua família?

A expressão de Kynan se suavizou. — Sinto que sofra por isso, mas acho melhor que seja assim. Ela é filha

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de um traidor. Além do mais, a corte está repleta de belas mulheres que o farão esquecê-la.

Com um suspiro exasperado, Blaidd se encaminhou para a porta. — Fala isso por que nunca amou de verdade — girou nos calcanhares e

escancarou a porta. — Ou não diria tal asneira.

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Capítulo DezoitoCapítulo DezoitoCapítulo DezoitoCapítulo Dezoito Trajando um robe de veludo azul que pertencera a Laelia, Becca se

afastou apressada da janela, quando a porta de seu quarto se escancarou. Com expressão austera e o cenho franzido, Blaidd adentrou, fechando a

porta atrás de si. — Becca, você me odeia? — disparou ele, com ás mãos na cintura. Tomada de assalto por sua entrada intempestiva e a pergunta

estarrecedora, levou alguns instantes para concatenar qualquer pensamento lógico.

— Claro que não. A expressão do rosto masculino de traços perfeitos se suavizou de

imediato. — Entenderia se me odiasse. Ela o fitou incrédula, enquanto as palavras saíam dos lábios de Blaidd

como uma torrente. — Arruinei sua vida. Matei seu pai e em parte fui o causador da fuga de

sua irmã com o dinamarquês. Por minha causa, está na iminência de perder seu título e propriedades e terá de fazer o que o rei mandar…

Ele estava se culpando pelo que acontecera? pensou Becca atônita. — Você não destruiu minha vida! — interrompeu-o, ela. — Lorde

Throckton o fez. Ele sim foi responsável por uma conspiração, não você — Becca se aproximou com passos lentos. — Você fez o que era necessário para salvar sua vida e a minha.

— Eu menti para você desde o início e… — Oh, Blaidd! — murmurou Becca, tomando as mãos fortes nas suas. —

Não é capaz de perceber que compreendo que estava obedecendo às ordens do rei? Que no dever de cavaleiro da guarda real, era obrigado a cumprir suas determinações? Que foi incumbido a desmascarar uma conspiração contra a coroa? Asseguro-lhe que não o odeio.

Ele a fitou com tanta intensidade que Becca teve a impressão que ia desfalecer. Aquele que estava a sua frente, não era o guerreiro poderoso, mas um homem vulnerável e ansioso por seu perdão.

— Quanto a meu pai… — Sabia do risco que corria, mas não suportaria ocultar a verdade por mais tempo. — Ele está bem vivo. — Blaidd a encarou como se ela tivesse tido um ataque de loucura. — Lorde Throckton não é meu pai. Ele me revelou antes de morrer. Sou filha de Dobbin.

— Dobbin é seu pai? — questionou Blaidd, incrédulo. — Sim — retrucou ela, dando de ombros. — Embora minha mãe fosse a

segunda esposa de lorde Throckton. Sou a filha bastarda de um soldado. Não lhe contei antes, porque desejava falar ao rei em nome do povo de Throckton. Fazê-lo ciente de que eles não são traidores.

Blaidd não parecia totalmente convencido. — Se isso for verdade, por que Throckton a reconheceu como filha

legítima? Becca não o podia culpar pela dúvida, dado a natureza do lorde. Quem

poderia lhe imputar ação tão altruística? — Fez isso para que ninguém soubesse da traição da esposa. Mas agora

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entendo toda a afeição que Dobbin nutre por mim. Becca uniu as mãos numa súplica. — Rogo-lhe que não diga nada ao rei. Se ele souber que não tenho

direito de reivindicar Throckton, mandará outro senhor para lá. Se eu não tiver direito às propriedades, não poderei garantir o bem-estar dos inquilinos da aldeia nem dos empregados do castelo — ela o fitou com o olhar repleto de amor e de esperança. — Guardará meu segredo?

Blaidd franziu as sobrancelha e começou a caminhar pelo quarto a passos lentos.

— Se eu revelar a Henry que não é filha de lorde Throckton, ele não poderá considerá-la como uma tutelada real. Confiscaria todos seus bens e a deixaria sem nada. E não podemos esquecer a vergonha…

— Não me envergonho pelo fato de Dobbin ser meu legítimo pai! — gritou ela.

Blaidd estacou, com um sorriso encantador nos lábios. — Nem deveria. Alguns dos melhores amigos de meu pai são bastardos.

— Ele a fitou com um brilho intenso no olhar. — Se dependesse de mim, iria lhe sugerir que contasse a verdade a Henry. Perderia toda sua fortuna e algumas pessoas, cuja opinião não lhe importa, poderiam vê-la com desdém, mas a filha de um soldado não seria considerada uma ameaça ao trono. Não gozaria de seu título nem riqueza, mas seria livre para fazer o que quisesse.

Embora o pensamento da liberdade fosse tentador, Becca não podia considerar apenas sua dita.

— Não posso me dar ao luxo de pensar apenas em mim mesma. E os aldeãos? Os criados? O que seria deles?

Uma expressão de excitamento perpassou o rosto másculo. — Eu e Gervais Fitzroy, o irmão de Trev, poderíamos convencer Henry a

entregar a aldeia e as propriedades a alguém de boa índole. Gervais é um excelente político. Poderia selecionar ótimos candidatos. Portanto, não precisa se preocupar com eles. É hora de pensar em si mesma.

Becca se afastou alguns passos, tentando pôr os pensamentos em ordem.

— Sempre haverá a opção do convento. É para onde vão pobres bastardas como eu.

— Tenho outra sugestão. O corpo de Rebecca estremeceu quando o cavaleiro se aproximou,

falando com um tom de voz profundo e vibrante. — Seria capaz de confiar em mim depois de tudo que fiz? — perguntou

Blaidd em tom suave, tomando as mãos delicadas nas suas e a fitando com intensidade.

— Estava errada quando não dei ouvidos ao que me contou sobre lorde Throckton — replicou Becca em um sussurro.

— Então acredita em mim? — Totalmente. — E não me odeia? — Não. Não o odeio. — Eu a amo Becca — declarou Blaidd em um sussurro. Os olhos

castanhos brilhavam de emoção. — Seria possível… quer dizer… ainda é capaz de nutrir algum sentimento por mim?

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O coração de Lady Rebecca parecia querer saltar pela garganta. Sir Blaidd Morgan, cavaleiro da guarda real, campeão de torneios se encontrava prostrado diante dela, a aleijada, desafortunada e bastarda Becca, oferecendo-lhe o mais precioso de todos os presentes: seu amor.

— Não só sou capaz como o amo com toda a força do meu ser, senhor cavaleiro.

Um momento de hesitação se seguiu em que os olhares apaixonados se encontraram em uma confissão tácita do profundo amor que os unia. No momento seguinte, Becca se encontrava nos braços protetores de Blaidd. Os lábios capturados em um beijo apaixonado. Felicidade, esperança e alívio se mesclavam dentro dela, em um redemoinho de sensações eletrizantes. Sem controle das próprias emoções, ela colou o corpo franzino ao dele como se quisesse que os dois se transformassem em um só.

— Você é uma mulher extraordinária. Ficarei orgulhoso em torná-la minha esposa — murmurou Blaidd, enquanto lhe beijava o pescoço. — Se você aceitar.

— Se eu aceitar? — repetiu Becca, inebriada de felicidade. — Claro que aceito!

Com um toque gentil e suave, Blaidd afastou uma mecha de cabelo da fronte da dama.

— Temos que manter a audiência com o rei. — Jurarei qualquer dever de lealdade que lhe aprouver — garantiu

Becca. — E por certo sua disposição em me desposar dirimirá quaisquer dúvidas que o rei tiver sobre minha obediência.

A expressão de Blaidd se fechou. — Mesmo que ele concorde que você não oferece ameaça ao trono,

Henry talvez já tenha em mente alguém com quem eu deva casar. Becca escorreu as mãos pelo peito musculoso. — Tenho uma idéia, senhor cavaleiro, que dificultaria ao rei recusar seu

pedido. Se fizesse amor comigo esta noite? A honradez não o obrigaria a tornar nossa união legal aos olhos de Deus e da lei?

Apesar do desejo primitivo ansiar por aceitar a sugestão da mulher que tanto desejava, não podia esquecer seu lado racional.

— Muitos nobres fazem amor com mulheres que nunca desposarão. Eu mesmo já o fiz. Não estou negando o desejo de pôr em prática este plano, mas…

— Quero fazer amor com você esta noite, Blaidd Morgan — sussurrou Becca, resoluta. — O que quer que aconteça, terei esta noite para recordar para o resto de minha vida. Por favor, não me negue isso.

Como poderia recusar um convite tão tentador da mulher amada? Pensando assim, a tomou nos braços, fitando-a com ternura e desejo.

— Quero torná-la minha esposa, mais do que tudo na vida e estou disposto a fazer o que estiver a meu alcance para conseguir.

Becca traçou a linha dos lábios sensuais com o polegar. — Acredito em você — afirmou ela, depositando um beijo suave nos

lábios que há pouco acariciava. Mais apaixonado do que nunca e determinado a fazê-la sua esposa,

Blaidd pensou em algo que até então não lhe ocorrera. Um último sacrifício que estava disposto a fazer para torná-la sua.

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— Se Henry recusar, oferecerei a renúncia de meu título e todos os privilégios que ele encerra. Ele não terá o que objetar se eu não for mais um cavaleiro, mas apenas um de seus simples soldados.

— Faria isso por mim? — perguntou Becca, incrédula. Ele lhe acariciou a face como fizera naquela primeira noite na capela e as

mesmas fagulhas de desejo percorreram o corpo delgado. — Sem arrependimento algum. Iria se importar de ser esposa de um

simples soldado? — Meu verdadeiro pai, o homem que sempre amei como tal, é apenas

um soldado comum. Preferiria viver em um chalé modesto como sua esposa do que em um palácio com quem quer que fosse.

As palavras de Becca varreram os últimos vestígios de dúvida da mente de Blaidd. Aquela era a mulher com a qual ele queria viver o resto da vida e nenhum homem, nem mesmo o rei, iria impedi-lo.

Imbuído de tal certeza, cedeu ao desejo ardente que o consumia. Todas as células de seu corpo estavam cientes do contato feminino e dos trajes luxuriosos que ela vestia.

Blaidd tomou-lhe os lábios em um beijo ousado e Becca relaxou de encontro ao peito musculoso, entreabrindo a boca em um convite explícito à intimidade e sentindo seu robe deslizar pelo corpo até cair no chão.

Blaidd escorregou a mão pelo tecido fino da camisola como se fosse a pele macia da mulher amada que ele ansiava por tocar. As mãos firmes e longas lhe apertaram as nádegas, enquanto ele traçava com a língua, uma linha de fogo do queixo delicado, passando pelo pescoço, até o colo macio e quente.

Enterrando as unhas nos ombros largos, Becca lutou por ar, quando Blaidd lhe baixou as alças da camisola. Em seguida, ele tomou um dos mamilos intumescidos nos lábios, sugando-o com avidez e ouviu o gemido rouco que se formou na garganta da mulher amada.

O cavaleiro parecia não ter pressa. Com movimentos lentos, alternava as carícias ousadas com beijos cá-lidos nos seios fartos, fazendo-a ofegar.

Blaidd a sentiu se mexer e antes que pudesse perceber o que estava acontecendo, ela tomou a face máscula com ambas as mãos e a puxou em direção a sua, apossando-se de seus lábios com uma avidez que o fez atingir o limite máximo da excitação.

As mãos firmes percorriam todo o corpo feminino, tocando-a, estimulando-a a lhe corresponder o desejo.

As carícias pareciam lançar labaredas que consumiam em fogo o corpo de Becca. Na ânsia de se entregar, rasgou as fitas que prendiam a túnica de Blaidd e deslizou a mão pelo tórax avantajado, esfregando-lhe os mamilos entre os dedos delicados até que ele gemesse de prazer.

O cavaleiro interrompeu o beijo e em seguida, retirou a veste pela cabeça, jogando-a para o lado. Os olhos ávidos percorreram a figura franzina a sua frente. Os cabelos de Becca se encontravam em total desalinho como se eles já tivessem dormido juntos. A camisola branca à altura da cintura delgada reluzia contra a luz da lua que penetrava pela janela. Os mamilos rijos desciam e subiam com o arfar da respiração ofegante. Blaidd nunca se sentira tão inflamado. No instante seguinte, os corpos se encontravam colados de novo. A única barreira que existia entre os dois era o tecido fino da camisola e o calção

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que ele ainda não despira, mas que não conseguia esconder a evidente excitação.

De repente, Becca deu um passo atrás. Por um assombroso momento ele imaginou se a dama havia voltado atrás naquela decisão, até que, fitando-o com intensa paixão, a amada deslizou a camisola pelo corpo, revelando as curvas perfeitas do corpo franzino. Em seguida, exibiu um sorriso lascivo e estendeu os braços para recebê-lo.

Os olhos castanhos pousaram no ferimento no flanco de Becca. Ele havia se esquecido daquele detalhe.

— Se eu a machucar… — Estou certa de que será gentil comigo. A expressão de Blaidd era de preocupação. — Temo não me controlar. Desejo-a tanto! Becca o fitou nos olhos e lhe acariciou o queixo. — Entrego-me inteira a você, sir Blaidd Morgan. De corpo e alma. Agora

e para sempre. — Eu pertenço a você, milady. Aconteça o que acontecer, sempre serei

seu. — Então faça amor comigo, por favor. Do contrário, serei capaz de gritar

de frustração e acordar toda a guarda real. Becca não precisou falar mais nada. Ele a ergueu nos braços,

carregando-a até a cama e depositando o corpo frágil entre os lençóis macios. Em seguida, retirou o calção e as botinas e em instantes estava deitado

ao lado da mulher amada. Deslizou um braço pelos ombros delgados, puxando-a para si. Com a outra mão, explorou com movimentos lentos o corpo feminino. A pele era tão macia quanto imaginara.

— Serei gentil — prometeu Blaidd, beijando-a profundamente. Deleitada pelo toque firme e excitante e segura do amor dos dois, Becca

relaxou contra o corpo másculo excitado. Não podia fazer movimentos bruscos sob pena de abrir o ferimento que Dobbin tinha tratado com tanto esmero. O curativo estava bem colado ao corpo, portanto não oferecia sérios riscos. Nada que a impedisse de se entregar ao homem amado.

Becca começou a explorar o corpo forte e musculoso deitado a seu lado. A pele quente. Os ombros largos. O tórax avantajado.

Blaidd nunca fora tocado de forma tão provocadora. Em seguida, ela inclinou a cabeça e lhe tomou um dos mamilos nos lábios, em uma doce tortura, fazendo-o inclinar a cabeça para trás e gemer.

O som rouco a fez deleitar-se com o poder que possuía em excitá-lo. Era como se aquele homem extraordinário estivesse em seu poder. Um pensamento que a estimulava a continuar. Deslizou a perna pelo abdômen definido e a postou entre as coxas musculosas. Blaidd abriu os olhos.

— Becca, o que… — Silêncio, senhor cavaleiro. Não queremos causar alarme, lembra-se? Ignorando uma pontada de dor na ferida, ela juntou os pulsos largos,

levando-os acima da cabeça de Blaidd. Em seguida, inclinou-se até que os seios fartos resvalassem o peito musculoso e lhe tomou os lábios em um beijo explorador.

As carícias faziam o cavaleiro se contorcer e os movimentos dos quadris firmes a excitavam ainda mais.

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Lutando por ar, Blaidd abriu os olhos outra vez. — Solte minhas mãos, por favor — suplicou ele com voz rouca. — Ainda não terminei, senhor cavaleiro. — Solte-me — repetiu ele, ofegante. — Não suportarei essa tortura por

muito tempo. — Eu o estou torturando? Em resposta, ele se desvencilhou com extrema facilidade. Envolvendo o

corpo franzino com ambas as mãos, deitou-a sobre a cama com um movimento suave.

— É melhor ficar imóvel, meu amor — disse em tom suave. — Não quero arriscar abrir esse ferimento.

Becca pensou em protestar, mas desistiu quando ele postou as mãos firmes ao lado de sua cabeça e se inclinou para beijar-lhe os seios.

Permanecer imóvel? Aquilo era impossível. Os movimentos de Becca eram involuntários. Era como se seu corpo tivesse adquirido vida própria.

Apoiando o peso do corpo em um dos cotovelos, ele a manteve cativa sob si, enquanto deslizava a mão até o ventre feminino, fazendo-a apartar as pernas para recebê-lo. Blaidd escorregou os dedos pelo centro da feminilidade pulsante, acariciando-a com movimentos lentos e rítmicos.

Becca sentiu a tensão crescer dentro de si. Queria mais daquele prazer. Reconhecia aquela sensação e o que viria no final como ocorrera quando estavam a sós no corredor do castelo.

E então o cavaleiro retirou a mão, fazendo-a descerrar as pálpebras para encontrá-lo encarando-a com um olhar de fogo.

— Relaxe, querida. Olhe para mim, meu amor — sussurrou ele, empurrando o corpo para frente. — Quero que saiba que a amo e sempre amarei — concluiu Blaidd penetrando-a com um movimento lento e preciso.

Becca ofegou, sentindo alguns momentos de dor. — Eu a estou machucando? Quer que eu pare? — questionou ele, com o

cenho franzido de preocupação. — Não! — suplicou a dama. — Não pare. Quero que me possua por

completo. — Dizendo isso, puxou-o para outro beijo apaixonado. Movido pelo fogo contido nas palavras de Becca, ele começou a se

mover. No início, de modo lento e cuidadoso e depois mais rapidamente. Em instantes, todo o desconforto inicial foi substituído por uma série de

sensações indescritíveis. Cada centímetro do corpo feminino parecia vivo e ciente do contato

quente e prazeroso que lhe provocava espasmos de prazer. Agora eles eram apenas um. Os corações batiam em uníssono, unidos por uma tensão que a fazia gemer e cerrar as pálpebras e a impulsionava a se mover cada vez mais rápido de encontro ao homem amado.

Até que a tensão foi substituída por uma onda de espasmos que lhe sacudiam o corpo até levá-la ao ponto máximo do prazer, enquanto ouvia o som gutural escapar da garganta de Blaidd quando ele experimentou seu próprio clímax.

Com o coração batendo na garganta e o corpo suado, o cavaleiro recostou a cabeça aos seios fartos.

— Oh Deus, Rebecca! — murmurou Blaidd. — Eu nunca… foi maravilhoso… Eu a amo.

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Quando conseguiu controlar a respiração, a dama lhe acariciou os cabelos e sorriu.

— Nunca senti nada igual em toda a minha vida. Eu também o amo muito.

Blaidd se ergueu, apoiando o peso do corpo sobre o cotovelo. — Espero que seu ferimento não tenha aberto de novo. Deixe-me ver —

disse ele, fitando o curativo. — Dobbin nunca me perdoaria por isso. — Não me importo se tiver sangrando de novo. E Dobbin por certo o

perdoará. Ele gosta muito de você — afirmou ela, voltando-lhe um sorriso encantador.

— Se ele descobrisse que fizemos amor antes de nos casarmos, sem dúvida, iria me matar.

— Então não lhe direi nada. Blaidd se afastou e examinou o ferimento. — Parece não ter sofrido nenhum dano. — Ótimo — afirmou Becca em tom maroto. — Mas terá de resistir a mais

um esforço, pois não permitirei que saia dessa cama sem repetir o que acabamos de fazer.

— Quer fazer amor comigo outra vez? Agora? Apesar de onde se encontrava e dos corpos nus, a face de Becca se

tornou rubra. — E o que mais podemos fazer? — Conheço muitos outros modos — murmurou-lhe o cavaleiro ao ouvido,

enquanto lhe acariciava o ventre. Embora sentisse a resposta imediata do próprio corpo, Becca fingiu não

entender. — Outros modos? — Ficarei feliz em lhe ensinar. — Agora? — Por que não? Tem algo melhor em mente? — Dormir, talvez — provocou-o Becca com deliberada indiferença. — Se preferir assim… A dama sorriu e puxou-o para si, tomando-lhe os lábios em um beijo

ousado que deixava claro seu desinteresse pelo sono.

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Capítulo DezenovCapítulo DezenovCapítulo DezenovCapítulo Dezenoveeee Kynan parou em frente à porta do quarto de lady Rebecca, e hesitante

ergueu a mão para bater. Não era sua função acordá-la, mas não sabia mais o que fazer. O dia já havia amanhecido e Blaidd e lady Rebecca tinham uma audiência matinal marcada com o rei. Não encontrara o irmão, tampouco a criada da dama. Portanto, alguém tinha de despertá-la para o compromisso que se daria em algumas horas.

Pensando assim, bateu de leve à porta, sem no entanto obter resposta. Ao menos ela não poderia culpá-lo por não ter tentado ajudá-la. Experimentou mais uma vez e resolveu ser mais enfático. — Milady! Está cordada? — O que seria aquilo? Recostou o ouvido à

porta, tentando discernir algum som. — Milady! Soava como uma… luta. Sem pensar, desembainhou a espada e

adentrou apressado no quarto para encontrar o irmão vestindo o calção e encarando-o com a face rubra. A dama, atônita, encontrava-se coberta apenas por um lençol.

— Oh, Deus! Desculpem-me! — ofegou Kynan, girando nos calcanhares e desaparecendo do quarto. Uma vez do lado de fora, fechou a porta e recostou-se a ela com a espada pendendo em uma das mãos. Em seguida, quase caiu, quando a porta se escancarou atrás de si.

Tentou recobrar o equilíbrio e girou o corpo para se encontrar cara a cara com o irmão que agora trajava os calções e a túnica ainda aberta. Trazia o par de botas na mão esquerda e a espada na direita.

Lady Rebecca, já envolta por um grosso cobertor, sorria radiante. A cascata de cabelos castanhos espalhados sobre o travesseiro emoldurava o rosto delicado. Observando a expressão serena da dama, Kynan pôde perceber o que o irmão vira nela.

Mas no momento Blaidd não parecia disposto a explicar seus sentimentos. Empurrou Kynan de leve e bateu a porta atrás de si.

— Deveria ter esperado até que alguém permitisse sua entrada — resmungou o irmão mais velho, aborrecido.

— Tem razão. Desculpe-me, mas estava ficando tarde e não consegui encontrar a criada nem você. Não queria que lady Rebecca se atrasasse para a audiência…

— Danação, o rei! — Blaidd olhou através da janela mais próxima. — Que horas são?

— Quase nove. — Meu Deus! — exclamou Blaidd, alarmado. — Por que não me acordou

antes? — Eu o teria feito, se soubesse onde estava. O rosto de Blaidd se encontrava rubro de vergonha. — Não tinha a intenção de… bem… passar a noite aqui — explicou,

enquanto se abaixava para vestir as botas. — Tenho algo para lhe contar. Blaidd ergueu o olhar. — O que é? — Nossos pais chegaram quando o dia amanheceu.

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Os olhos do cavaleiro se dilataram de surpresa. — Eles estão aqui? Agora? Por quê? — perguntou irritado. — Para me visitar. — E por que não me disse que eles viriam? — Porque eu não sabia exatamente quando chegariam. Eles pegaram um

bom tempo pela estrada, senão só estariam aqui na próxima semana. Kynan estava certo. Ninguém podia precisar uma data quando se tratava

de uma viagem tão longa. — Antes assim. Quanto mais cedo eles conheçam a mulher com quem

vou me casar, melhor. O irmão o fitou nos olhos, surpreso. — Ela concordou? Blaidd exibiu um sorriso radiante. — Pode estar certo de que sim — respondeu, batendo de leve no ombro

do irmão. — Depois da noite que tivemos, espero que Henry não se oponha. Onde estão nossos pais agora?

— Com os Fitzroys. — Não tenho tempo de encontrá-los antes de minha audiência. Diga-lhes

que os verei depois — dizendo isso, Blaidd girou nos calcanhares, mas antes de adentrar o quarto da dama estacou. — E não conte nada sobre mim e lady Rebecca. Eu mesmo quero lhes dar a notícia.

Becca exibiu um sorriso preguiçoso quando Blaidd retornou ao quarto. — Espero que seu irmão não tenha ficado aborrecido — disse, enquanto

o cavaleiro se aproximava da cama. — Ele parecia ter visto um fantasma. Blaidd se inclinou, beijando-lhe a fronte. — Ele se recuperará. Por hora, minha querida, é melhor se levantar ou

nos atrasaremos para a audiência com o rei. Becca deslizou até a beirada da cama, sentindo o corpo ainda dolorido.

Em seguida, encarou-o com olhar inquisitivo. — Algo mais aconteceu, não? — perguntou, desconfiada. — O que foi?

Está arrependido por… — Nem pense nisso — afirmou ele em tom firme. — Meus pais acabaram

de chegar. Fiquei surpreso, pois não sabia que viriam para a corte. — Oh! — Foi tudo que Becca conseguiu expressar. Não havia pensado no

resto da família de Blaidd, e em como reagiriam ao saber que o filho mais velho iria se casar com uma mulher aleijada e filha de um traidor.

Parecendo adivinhar-lhe os pensamentos, ele lhe voltou um sorriso confortador e lhe acariciou o queixo.

— Não se preocupe, meu amor. Quando eles a conhecerem, entenderão minha escolha. Agora vamos tratar de nos tornarmos apresentáveis.

Becca concordou, tentando não transparecer sua inquietação. Após uma batida apressada na porta, Meg adentrou correndo. — Oh, milady. Desculpe-me pelo atraso. Não quis… De repente, a criada parou boquiaberta, quando deparou com Blaidd no

quarto e com dama nua na cama. — Aguardarei por você no salão principal. Arrume-se o mais rápido que

puder, meu amor — disse Blaidd em tom calmo, antes de se retirar cumprimentando a criada, cuja expressão de espanto se transformou em um sorriso de felicidade.

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Depois que o cavaleiro se retirou, Meg correu em direção à ama. — Oh, milady. Ele vai se casar com a senhorita. Que boa notícia… — Onde você se meteu? — questionou Becca, sorrindo com a alegria da

criada. A face de Meg se tornou rubra de imediato. — Eu? Bem… dormindo. Caí no sono e perdi a hora. — Onde dormiu? A crida desviou o olhar. — No palácio, claro. — Sozinha? — Não fizemos nada de mais, milady. Juro-lhe! — gritou ela, justapondo

as mãos em uma súplica. — Estávamos apenas conversando e de repente nos sentimos cansados. E quando dei por mim acordei recostada ao ombro de Trevelyan. Ele ficou tão surpreso quanto eu.

— Trevelyan Fitzroy? — Sim. Ele é um perfeito cavalheiro. Assim como sir Blaidd. Só queria

conversar comigo. Pode acreditar. Eu não o deixaria tomar nenhuma liberdade. — Não estou em posição de lhe atirar a primeira pedra — declarou,

Becca, erguendo-se. — Agora procure o mais elegante vestido de minha irmã. Preciso parecer bem aos olhos do rei.

E a família de Blaidd, pensou ela. Que por certo a acharia a ruína do filho.

De braços dados com Blaidd, Becca tentou não demonstrar o nervosismo que a consumia por dentro, enquanto adentravam o salão do rei. Ao menos agora estava certa do amor de Blaidd, o que a fazia se sentir ainda mais segura.

— Ainda penso que seria melhor que me deixasse falar por você — observou o cavaleiro, quando pararam em frente à grossa porta de madeira entalhada e guardada por dois soldados. — Você poderia responder às perguntas que ele lhe fizesse, mas deixaria a argumentação por minha conta. Afinal, eu o conheço melhor do que você e Henry confia em mim.

Becca concordou, incapaz de falar. Um dos guardas reconheceu Blaidd e abriu a porta, permitindo-lhes a

entrada. A dama prendeu a respiração ao constatar que o salão estava repleto de

gente. Homens e mulheres trajando vestes opulentas em uma mistura de verde, azul e vermelho. Os ornamentos, em ouro e prata, brilhavam em torno dos pescoços e dedos. O ar estava impregnado de perfumes. À distancia, destacavam-se dois tronos postados em uma plataforma e cobertos por um dossel, onde se encontravam o rei e rainha. Henry não era um homem velho, mas a esposa parecia bem mais nova, e obviamente grávida.

Enquanto avançavam pela multidão, Becca se sentia mal vestida e patética, apesar de estar usando o mais sofisticado vestido de Laelia. Blaidd, por sua vez, estava magnífico em uma túnica de veludo preta, calções pretos e botas polidas. Caminhava imponente ao longo do salão como se ele fosse o rei. Era óbvia a intimidade do cavaleiro com aquele ambiente, enquanto ela… pertencia ao castelo Throckton.

Blaidd lhe tomou a mão na sua e a fitou com olhar apaixonado. Em seguida, observou a multidão ao redor.

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Becca seguiu o olhar do amado e reconheceu Trevelyan Fitzroy parado ao lado de um homem que devia ser seu irmão. Junto a eles estava um casal de senhores, cujo olhar era mais intenso do que o de Blaidd.

— São meus pais — sussurrou ele, enquanto Becca notava a semelhança dele com o homem mais velho. A mãe era uma senhora altiva que devia ter sido ainda mais bela do que Laelia em sua juventude.

— Seja bem-vindo, sir Blaidd! Quando Henry o cumprimentou, Becca focou sua atenção no rei. Pisando

na plataforma, o casal se curvou em uma reverência. — Saudações, meu soberano — retrucou Blaidd, sorrindo. — Rainha

Eleanor — continuou em tom afável. — A maternidade lhe fez bem, majestade. A rainha exibiu um sorriso radiante, não resistindo ao charme do

cavaleiro que tornava o simples comentário em um grande elogio. — Fui informado dos funestos acontecimentos no castelo Throckton —

manifestou-se o rei, focando sua atenção em Becca. — Esta, suponho, é a filha caçula de Throckton?

— Sim, vossa majestade. Esta é lady Rebecca, sua súdita leal. — Assim o dizes. — Sim. Porque estou certo de que é verdade, vossa majestade. Henry ergueu as sobrancelhas. — Tem prova do que afirma? — A presença da dama aqui e sua disposição em lhe jurar lealdade. — É verdade, milady? — Sim, vossa majestade — replicou Rebecca, fitando-o diretamente nos

olhos. O rei voltou o olhar a Blaidd. — Ela pode ser tão sutil quanto o pai e sua vinda aqui não passar de um

embuste. Afinal, juramentos são feitos apenas de palavras. Rei ou não, aquele homem acabara de lhe insultar a honra. Esquecendo

os conselhos prévios de Blaidd, a dama deu um passo à frente. — Majestade — disse ela em tom firme. — Asseguro-lhe que sou uma

mulher tão honrada quanto qualquer pessoa nesta corte. Henry franziu o cenho. — Acha mesmo milady? — Sim, acho. E quanto ao direito às propriedades, terei de confessar que

não sou filha de lorde Throckton. Um burburinho excitado de vozes encheu o ambiente. O rei e a rainha

fitavam-na estupefatos. Blaidd se remexeu a seu lado, mas Becca permaneceu impassível.

— Sou filha da segunda esposa de lorde Throckton com um outro homem.

— Está revelando a esta corte que é uma bastarda? — inquiriu Eleanor, incrédula. — Com que propósito?

— Para provar o que estou alegando: que sou uma mulher honesta. — Então não pode reclamar as propriedades de lorde Throckton —

aparteou o rei. — Sei disso. — Não será tutelada desta corte e sairá daqui sem nada. — E desta forma, não tenho motivos para ansiar por poder, uma vez que

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o fato de ser ilegítima e não ter fortuna não me permite nenhuma autoridade. Henry concordou. — Ah, um bom argumento. — E verdadeiro, vossa majestade. Juro-lhe pela minha vida assim como

juro ser sua súdita fiel. — Não há o que temer a respeito de lady Rebecca, meu soberano —

confirmou Blaidd, tomando a mão delicada na sua. — Tenho algo a acrescentar, vossa majestade. Peço vossa permissão para casar-me com esta dama.

Outro murmúrio de surpresa se fez ouvir no salão. — Não a escutou, sir Blaidd? — questionou a rainha. — Esta mulher não

é uma dama. — Por título, não — concordou o cavaleiro. — Mas em todos os outros

sentidos, sim. E, portanto merecedora de ser esposa de um cavaleiro. Henry parecia um tanto irritado e ignorou Becca ao se reportar a Blaidd. — Está ciente dos fatos? Ela não possui dote e nenhuma propriedade.

Não goza de um título. Será como desposar uma camponesa. — Vossa majestade, devo lembrá-lo que meu pai nasceu camponês? No

entanto, se acha que ela está muito aquém de minha posição, renunciarei à qualidade de cavaleiro. Serei apenas um soldado fiel de sua guarda. Rejeitarei minha categoria e os privilégios inerentes a ela — várias exclamações de espanto pipocaram na assembléia, mas Blaidd as ignorou. — Farei isso com prazer, se for a condição para que possa casar-me com lady Rebecca.

Becca tensionou o corpo, esperando que o rei ou a rainha expressassem o que toda a platéia devia estar pensando: que Blaidd não podia estar falando sério. Que nenhum cavaleiro se disporia a abrir mão de seu título por uma bastarda pobre e aleijada.

Henry carregou as sobrancelhas e apertou os braços do trono. — Está declarando a seu rei, para o qual jurou lealdade, que se ele não

permitir que se case com essa mulher, abandonará a corte? — Embora ainda seja leal a vossa majestade até a morte, renunciarei a

meu título. — Está dando um ultimato a seu rei? — Não, majestade — replicou Blaidd. — Estarei sempre a seu dispor,

mas caberá ao senhor escolher se lhe servirei como um cortesão ou um simples soldado. Minha ausência na corte não será uma perda para vossa majestade. Está cercado de conselheiros ingleses inteligentes e sagazes.

Um novo murmúrio cresceu no salão. Dessa vez por vozes inglesas lisonjeadas e francesas insatisfeitas.

— Talvez sim — redargüiu Henry. — Mas perderei um campeão de torneios e um dos raros homens em quem deposito total confiança.

Àquela altura, o som abafado de vozes excitadas se tornara constante. — No entanto, sir Blaidd — continuou o rei. — Não vejo razão para tão

extremo sacrifício. — A expressão de simpatia se transformou em um sorriso. — Aceito sua escolha para esposa. Talvez ambos sejam tão abençoados quanto eu e Eleanor.

Becca pensou que fosse explodir de felicidade. Mas antes que tivesse tempo para perceber o que estava acontecendo, Blaidd a tomou nos braços, beijando-a apaixonadamente. Trevelyan Fitzroy irrompeu em um aplauso e os

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demais o seguiram, enquanto uma onda de risos e vivas ecoou no ambiente. Parecia que a decisão do rei agradara não só ao casal de amantes, mas a todos ao redor.

Ambos interromperam o beijo quando o rei se manifestou, referindo-se à esposa em tom de voz alto.

— Acho que acabei de ganhar a lealdade de sir Blaidd para o resto de minha vida.

— Vossa majestade já a possuía — confirmou o cavaleiro. Henry se ergueu, caminhou até o casal e, segurando Becca pelos

ombros, depositou um beijo suave em sua face. — Deve ser uma mulher e tanto. Becca fitou-o nos olhos com ternura e viu, não um monarca insolente,

mas sim um jovem soberano tentando fazer justiça. — Blaidd é um cavaleiro e tanto e lhe servirá com toda a lealdade, vossa

majestade. — Eu sei ou não concordaria com esse casamento — afirmou ele antes

de retornar ao trono. Quando estava acomodado, voltou-se aos presentes. — Permitiremos este casamento como um prêmio pelo excelente

desempenho de sir Blaidd no cumprimento de seu dever e como recompensa o empossarei do castelo de Throckton e de todas as terras ao redor bem como os lucros que delas provir.

Desta vez, Becca não pôde conter um grito de alegria ao mesmo tempo em que se atirava nos braços do homem amado. Blaidd parecia um tanto embaraçado pela atitude da dama, mas logo relaxou quando o rei soltou uma gargalhada.

— Beije-a, homem! — ordenou Henry. — Sei que anseia por fazê-lo. — Se meu rei ordena, eu obedeço — redargüiu o cavaleiro, sorrindo. Em

seguida cingiu a dama pela cintura e puxou-a para si, tomando-lhe os lábios em um beijo ousado até que ela ofegasse.

O rei limpou a garganta. — Sir Blaidd, creio que as demais damas estão corando com tão

entusiástica demonstração. Se quiser continuar a expressar seu amor, o aconselho a levar sua dama para outro lugar. Discutiremos os acontecimentos recentes e a situação de Throckton em outra oportunidade.

— Sim, vossa majestade — retrucou Blaidd, inclinando-se em uma mesura. — Obrigado meu soberano.

De mãos dadas, o casal se retirou do salão, alheio aos olhares curiosos e aos sussurros excitados.

Uma vez no corredor, correram até uma sacada próxima onde se beijaram demoradamente.

— Não acredito que o rei lhe presenteou com Throckton — disse ela, quando por fim interromperam o beijo.

— Tampouco eu — disse uma voz grave atrás deles. — Pensei que havia perdido o juízo, rapaz.

Ambos se voltaram para encontrar os pais de Blaidd, acompanhados de Kynan, Trev e Gervais Fitzroy.

Com um sorriso radiante na face, Blaidd fez as apresentações. Becca curvou-se em uma mesura, sentindo-se mais nervosa do que

quando estivera na presença do rei.

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— Sir Hu, lady Liliana, sir Gervais. — Asseguro-lhe que estou em meu juízo perfeito — afirmou Blaidd. — Tanto quanto um homem apaixonado costuma estar — replicou o pai,

sorrindo. — Quase nos matou a todos de susto, quando afirmou que abriria mão de sua condição de cavaleiro.

A mãe de Blaidd lançou um olhar repreensivo ao marido e tomou a mão de Becca na sua.

— Há muito que não me choco com o que esses homens fazem, minha querida — declarou ela, encarando Becca com ternura. — Em minhas orações sempre pedi que Blaidd arranjasse uma boa esposa. Se ele a ama a ponto de abrir mão de seu título, então estou certa de que é uma mulher excepcional. Ficarei orgulhosa em chamá-la de filha.

Emocionada com as palavras da futura sogra, Becca abraçou-a com entusiasmo. Todo o temor que tinha em relação ao futuro se dissipou em meio àquelas pessoas que doravante seriam sua família.

Depois que se separaram cada uma se dirigiu a seu par. Lady Liliana tomou o braço do marido, dirigindo-se ao casal. — Acompanham-nos em um bom vinho ou têm assuntos a tratar, como

por exemplo, a data do casamento? — Temos sim. Iremos nos juntar a vocês mais tarde — redargüiu Blaidd. Os pais se retiraram, deixando o casal em companhia dos mais moços. O filho mais velho de sir Urien Fitzroy foi o primeiro a se manifestar. — Quem diria — começou ele com um sorriso nos lábios. — Que Blaidd

sairia em uma missão e voltaria com uma esposa! — e batendo de leve no ombro do amigo continuou. — Fiquei feliz por não ter perdido seu título e ganhado ainda o legado de lorde Throckton.

— Obrigado — agradeceu o cavaleiro. E voltando-se para Trev. — E você? Quer se mudar comigo para o norte e ser meu escudeiro?

O rapaz o fitou com olhar radiante. — Adoraria. Dobbin prometeu ensinar-me alguns truques com a lança.

Não seria interessante aprender com ele e depois exibir esses truques a meu pai?

Os dois se entreolharam sorrindo. — Sir Urien é ainda mais exigente quando se refere ao treinamento com

lança. — Blaidd explicou a Becca. E voltando-se para os amigos. — Agora se me dão licença tenho assuntos a tratar com minha futura esposa.

Kynan revirou os olhos. — Assuntos, sim, claro. Deixaremos vocês a sós para… conversarem. — Sim, mas depois quero que me conte todos os detalhes do que

aconteceu em Throckton — disse Gervais. E dirigindo-se à dama. — Prazer em conhecê-la.

Quando os amigos desapareceram no corredor, Blaidd puxou-a para si. — Enfim sós. Becca olhou por sobre o ombro em direção aos sentinelas postados à

porta do salão. — Nem tanto. — Nada que me impeça de beijá-la, futura senhora Rebecca Morgan —

murmurou ele, inclinando-se em sua direção. — Nem a mim de o corresponder com todo meu amor, senhor cavaleiro.

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Pretendo beijá-lo todos os dias pelo resto de minha vida — replicou Becca, erguendo-se nas pontas dos pés.

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