MARGINALIZAÇÃO SOCIAL E DESAGREGAÇÃO FAMILIAR ” · Assaltos, sequestros, violência de todo...

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“ MARGINALIZAÇÃO SOCIAL E DESAGREGAÇÃO FAMILIAR ”

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E

DESAGREGAÇÃO FAMILIAR ”

“MARGINALIZAÇÃO SOCIAL E DESAGREGAÇÃO FAMILIAR”

POR

Cel. Av. GENALDO MAIA PAES, BRASIL

Trabalho de Investigação apresentado ao Colégio Interamericano de Defesa como requisito para a obtenção do diploma de aprovação no Curso Superior de Defesa Continental.

Washington D. C., Maio de 1996.

Certifico que revisei este Trabalho de Investigação, encontrando-o ajustado à Normativa e Metodologia do Colégio Interamericano de Defesa.

_________________________________________ Assessor Coordenador _______________ Data

NOTA ACLARATÓRIA

As opiniões emitidas, no presente trabalho, são de exclusiva responsabilidade do autor e não representam a posição do Colégio Interamericano de Defesa (CID).

ÍNDICE

INTRODUÇÃO................................................................................................................. 1 CAPÍTULO

I A MARGINALIZAÇÃO E A VIOLÊNCIA Pobreza......................................................................................................... 3 Criminalidade e Violência............................................................................ 4

II A CRISE SOCIAL E A FAMÍLIA

Fundamentos da Crise Social....................................................................... 8 A Questão Fundiária.......................................................................... 8 A Urbanização e seus Problemas...................................................... 9 A Legislação Penal e o Sistema Penitenciário.................................10 O Desempenho do Estado................................................................11 O Dualismo Social...........................................................................11 Analfabetismo/Instrução/Educação.................................................13 A Atuação Política...........................................................................14

As Vítimas..................................................................................................14 Fatores da Desagregação Familiar..............................................................15

III SOLUÇÕES PROPOSTAS

Considerações Preliminares........................................................................19 Medidas Propostas......................................................................................20

IV CONCLUSÃO...........................................................................................22

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INTRODUÇÃO

Com a aceleração do crescimento econômico, os governos voltam suas atenções para o grave problema da pobreza e das desigualdades sociais, tratando-as como assunto não só social mas, principalmente, político.

Apesar do progresso na sua redução, a pobreza continua a prevalecer em toda a Améria Latina. Uma característica que distingue os países dessa região, em relação aos demais em

desenvolvimento, é a extensão e profundidade da pobreza humana urbana. Cerca de dois terços (2/3) da população que vive na pobreza absoluta — aqueles que são pobres, não apenas em termos de renda, porém, que são desprovidos de suas necessidades básicas — mora nas grandes cidades.

Não foi apenas a pobreza que se espalhou por esses países, durante a década passada mas, uma desigualdade extrema na distribuição das rendas, que é vista como o coração de todos os problemas sociais da região — os 20% mais pobres da população recebe menos de 4% da renda total.

Esses fatores — distribuição de rendas e pobreza — contribuiram definitivamente para motivar outros personagens da vida social, criando uma nova sistemática de vida com valores próprios, distorcidos e irreais, que devido a efetivação do seu uso, começaram a fazer parte do cotidiano da vida das pessoas.

A violência e a criminalidade passaram a imperar nas grandes cidades, transformando-as em prisões particulares de seus habitantes, com a insegurança pessoal dificultando e impondo mais restrições ao direito de ir e vir. Assaltos, sequestros, violência de todo tipo e ordem impõem um constante estado de choque à população.

Nas ruas é marcante o constrangimento das pessoas com a presença cada vez maior de mendigos e de moradias improvisadas sob túneis, encostas ou, em qualquer desnível do terreno que permita a instalação de um barraco. Os carros estacionam sobre calçadas, como se ali fosse local permitido e, os pedestres fazem malabarismos para caminhar entre eles. Os guardadores de veículos estão em toda parte, exigindo pagamento como se fossem proprietários da via pública. Nas esquinas e sinais de trânsito os pedintes pedem ou oferecem algum tipo de ajuda.

As famílias diariamente, bem cedo, se dispersam buscando coletivos urbanos e enfrentando longas horas para chegar ao trabalho ou a escola. Seus pensamentos, hoje, são as oportunidades e disputas materiais pela sobrevivência e satisfação pessoal, deixando esquecidos e desvalorizados a moral e o sentimento familiar.

A violência familiar aumenta a cada dia, sendo extremamente altas as estatísticas de espancamentos de mulheres e crianças, abuso sexual de menores, homossexualismo, mães menores e drogas.

Nas escolas é cada vez maior a violência entre os jovens e a disseminação de valores e

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estereótipos transnacionais, com a valorização de marcas e etiquetas de bens de consumo. Enfim, estes são alguns dos aspectos pelos quais passam as sociedades e cujos desenvolvimentos

transformam-se em Marginalização Social e Desagregação Familiar, assuntos sobre os quais iremos abordar neste trabalho.

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CAPÍTULO I

A MARGINALIZAÇÃO E A VIOLÊNCIA

Pobreza

Os aspectos de pobreza e marginalização obrigatoriamente nos direciona às famílias próximas ao limite da linha de pobreza e indigência.

A linha de pobreza é definida pelas Nações Unidas (ONU) como a renda mínima para adquirir duas cestas básicas de alimentos, determinadas pelos padrões nutricionais da Organização Mundial de Saúde (OMS). A indigência, a mais extrema forma de pobreza, é definida como qualquer renda que não seja suficiente para adquirir uma cesta básica de alimentos.

A prolongada crise econômica do início dos anos oitenta, provocada pelo pagamento da dívida externa, impôs profundas mudanças na estrutura social de toda a América Latina, fazendo aumentar os níveis de pobreza e indigência e provocando uma queda de 1.1% na renda per capita média anual.

Ao final daquela década, as medidas de ajuste estrutural da economia, adotadas para controlar a inflação e restabelecer o crescimento econômico, complicaram ainda mais a situação social e mergulharam os países num processo ultra-inflacionário.

As áreas rurais foram as primeiras a sentir o impacto avassalador desse processo, onde a agricultura dependente de produtos e equipamentos importados não resistiu e sucumbiu à recessão e ao desemprego.

As pequenas economias rurais, que tradicionalmente passavam de pais para filhos, produzindo o suficiente para a subsistência familiar e oferecendo os excessos aos mercados municipais mais próximos, desesperadamente deixaram de produzir ou foram arrematadas a preços vis.

Nessas áreas, a infra-estrutura econômica básica é a agricultura, não existindo outra atividade econômica que possa absorver ou sustentar até mesmo parcela dessa mão de obra. O seguro social inexiste e a saída para satisfazer suas necessidades básicas de sobrevivência foi a retirada para a cidade grande, onde existem maiores e melhores oportunidades.

Milhares e milhares de pessoas humildes, sem nenhuma escolaridade, completamente despreparadas para o mercado de trabalho das grandes cidades, deixavam suas origens tradicionais para buscar um novo e desconhecido horizonte de vida. Assim, começa o processo migratório que cruelmente arrastou e arrasta famílias ao desespero, ao sofrimento e à fome.

Na cidade, totalmente desconhecida, partem à procura de lugares distantes, normalmente favelas

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da periferia, para acomodar a família e seus pertences. Iniciam a busca incessante e febril de emprego, sem experiência ou prática, enfrentando a concorrência da grande massa de desempregados, que se acumula nos grandes centros (Anexo 1). É uma luta que se torna ferrenha e desesperada. Com o passar dos dias, os recursos vão se eximindo e as oportunidades tornando-se escassas, enquanto a família passa pelo processo de adaptação aos costumes, vivendo em constante estado de choque moral e social. Depois de algum tempo, começa a medir seus valores e já aceita qualquer ocupação, mesmo que não seja digna.

Aquele que encontra uma oportunidade de trabalho automàticamente entra na rotina do operário urbano, vivendo em locais distantes do serviço, consumindo extensas horas em transportes coletivos, onde deixa razoável parte do salário, alimentando-se mal, quando o faz.

Com o passar do tempo, mesmo acostumado com pouco, constata que a sobra do salário não é suficiente para alimentar a família pois, na cidade grande tem gastos que não havia no interior. Planeja para sua mulher procurar emprego, como forma de aumentar a renda, sabendo que os filhos não poderão ir a escola para tomar conta da casa. E assim, vai queimando as etapas da dignidade para vencer a fome e prosseguir vivendo.

O desemprego, lugar comum no cotidiano do trabalhador, ronda permanentemente seus lares, fazendo novas vítimas a cada dia — é o maior responsável pela miséria e causa incontestável da luta de milhares de pessoas que vivem na informalidade. A revolução tecnológica, a globalização da economia e o desenvolvimento de formas mais competitivas de produção legaram milhões de desempregados e subempregados à América Latina e, na virada do século, mais de oito milhões de postos de trabalho deixarão de existir, sòmente no mercado brasileiro.

Aqueles que não tiveram êxito tornam-se prisioneiros da miséria e da fome, transformando-se num “lumpesinato” perambulante, constituído de adultos e crianças, que são ao mesmo tempo vítimas e ameaças. Mendigos, alcóolatras, vagabundos e crianças que dormem sob as marquises ou nas ruas e praças constituindo o refugo da sociedade: os vencidos afinal ou por antecipação.

Criminalidade e Violência

Segundo o relatório do comitê presidido por Alain Peyrefitte, a respeito do crescimento da

violência na sociedade francesa, o aumento da violência evidenciou-se na ampliação das cifras da criminalidade violenta. A esta violência criminal se agrega uma violência comum: como se a vida, ela mesma, se tornasse violenta . Uma agressividade nova marca as relações pessoais e sociais, criando um sentimento geral de insegurança que, por sua vez, faz com que a sociedade desacredite nas regras de direito e, na qual, certas pessoas são tentadas a fazer justiça com as próprias mãos.

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Dentre as diferentes causas sociais costumeiramente citadas para a criminalidade, temos a pobreza e a marginalização de amplos estratos da sociedade. Contudo, quando constatamos que consideráveis segmentos das populações pobres e marginalizadas não engrossam as estatísticas criminais, percebemos a insuficiência da explicação.

O sociólogo americano Robert Merton observou que toda sociedade valoriza determinadas metas (aspirações legitimadas ou valorizadas) e institucionaliza os meios (canais ou instrumentos legais ou costumeiros) para alcançá-las . Sua teoria explica os comportamentos divergentes (eventualmente, mas não necessariamente criminosos) da disjunção entre metas e meios. O comportamento ajustado é o da pessoa que se vale dos meios institucionalizados para alcançar as metas valorizadas e, por isso mesmo, ambicionadas. Quando, porém, os meios institucionalizados são insuficientes ou inalcançáveis, ou as metas são vistas como inadequadas, surgem os comportamentos divergentes. Segundo o autor, podem ser de quatro (4) tipos :

a) Se o indivíduo muito deseja atingir as metas e os meios são ou lhe parecem inalcançáveis ou inadequados, ele adota o comportamento “inovador”, valendo-se de meios não-institucionalizados, o que pode ou não constituir crime. Este é o comportamento mais freqüente que corresponde à chamada criminalidade comum.

b) Quando a pessoa desiste das metas, mas se conforma com os meios institucionalizados, adota um comportamento “ritualista”, ou seja, cumpre os ritos sem qualquer compromisso com os resultados. Este comportamento não costuma tipificar-se como crime.

c) A indiferença em relação às metas e aos meios constitui o comportamento “evasivo”: dos vagabundos, dos alcoólatras e dos viciados em drogas. Corresponde, o mais das vezes, a delitos leves.

d) Pode ocorrer que o indivíduo não só rejeite as metas e os meios, mas ainda pretenda que a sociedade mude a ambos. É o comportamento “rebelde”, que chega a por em questão a própria ordem jurídica que categoriza uma dada conduta como crime. Esse comportamento, essencialmente disruptivo, pode levar ao crime político e à violência política .

A explicação e a tipologia mertoniana, tendo em vista a redução da criminalidade, apontam no

sentido de duas vertentes de políticas sociais: as que se preocupam em aumentar os meios institucionalizados disponíveis — o que se poderia traduzir pela melhoria na distribuição das oportunidades sociais, e as que preconizam uma revisão das metas sociais valorizadas, comportando a valorização de outras metas, mais amplamente acessíveis.

Ao analizarmos as causas da criminalidade, constatamos que a violência é uma de suas várias formas de atuação, sendo ambas produtos de valores da sociedade e, portanto características intrínsecas do ser humano.

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Em algumas estruturas sociais, são banalizadas e estimuladas pela generalizada sensação de impunidade, tornando-se meio não institucionalizado daqueles indivíduos que almejam vantagens indevidas em detrimento de terceiros, não somente através de delitos contra o patrimônio, como também por relações econômicas injustas, como a do empregador que explora o empregado.

Quem nos dias de hoje — mais do que nunca, invariavelmente — não é capaz de narrar alguma forma de violência de que fora vítima direta, ou mesmo algum membro da família?

Tais situações se verificam nos locais de trabalho, vias públicas, estacionamentos, estabelecimentos comerciais, escolas, dentro das próprias casas, enfim em todos os ambientes, dificultando o relacionamento interpessoal, essencial ao convívio social.

O fenômeno violência demonstra as várias facetas de que se reveste, necessariamente contando com o indivíduo agente ativo ou passivo e manifestando-se das seguintes formas:

a) Violência do Homem contra o Homem - está presente simbolicamente em todas as mitologias, representada na judaico-cristã pelo episódio em que Caim mata seu irmão Abel, podendo-se afirmar que a história da civilização não pode ser escrita sem as guerras que a marcaram. De fato, esta é a única (e grande) violência que engloba todas as outras formas, já que o homem é sempre autor e vítima, de forma direta ou não.

b) Violência do Homem contra o Meio-Ambiente - constitui-se na exploração, com finalidades econômicas, dos recursos naturais do planeta de forma desordenada e inconsequente, tornando palpável o risco de exaurimento do ambiente, pondo em risco a própria sobrevivência do gênero humano. A chamada conscientização ecólogica é movimento recente e pretende reverter a destruição da natureza.

c) Violência da Sociedade e do Estado contra o Homem - a sociedade organizada baseia-se no princípio da preponderância do coletivo sobre o individual, sendo que a sublimação dessa óptica pode constituir opressão violenta; da mesma forma que os desvios de conduta de integrantes das classes dirigentes, não raro estão pouco preocupados com o bem comum, em face dos seus próprios interesses.

d) Violência da Tecnologia contra o Homem - diz-se da Ciência sem Humanismo; da busca incessante de progresso científico-tecnológico sem as necessárias considerações éticas, que devem partir do fundamento de que a ciência deve servir ao homem, e não o contrário.

e) Violência em Meios de Comunicação - tópico integrante dos aspectos sociológicos da violência, aqui abordado conforme Leonel Archanjo Affonso, em sua obra A Violência Urbana: “... fator que tem contribuido de forma atentatória às garantias do cidadão, constituindo uma realidade dominante, que envolve diversos planos, entre eles familiar, social, político, econômico, histórico, psicológico, geográfico e religioso.”

O homem, como ser interativo do meio social, ao receber estímulos de certas formas de violência, estabelece sentimentos e reações orgânicas, que sensibilizam as células do próprio feto, possuindo, ao

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estabelecer os primeiros contatos sociais, uma predisposição aos fatores de violência como forma instintiva de reação a esse meio social.

Nas comunidades desassistidas em educação, saúde e segurança, o processo de marginalização social tende a tornar mais aparente e compulsiva esta reação instintiva ao meio social, podendo constituir-se na primeira etapa de uma sucessão de tragédias, que irão esfacelar as fases de desenvolvimento da vida da criança (Anexo 2). Neste caso, a falta de atenção médica e alimentar adequadas desde o prenatal, impedirão um rendimento escolar razoável, que se refletirá em sua integração social, numa reação negativa encadeada, cujo resultado final será um adolescente completamente desajustado e de complicada recuperação.

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CAPÍTULO II

A CRISE SOCIAL E A FAMÍLIA

Fundamentos da crise social

A crise social pode ser analisada de forma vasta, intensa e profunda, afetando fundamentalmente os princípios de nossa sociedade. Há um desmoronamento da identidade de costumes e de religião, de princípios e de valores de consciência e, de interesses e aspirações.

É, pois, um traumático movimento de mudanças, quando as normas que permitem a convivência social deixam de ser observadas, gerando obstáculos ao exercício das liberdades e garantias individuais.

É possível elencar as prováveis causas do problema que tanto assusta a sociedade, atribuíveis aos fatores a seguir, abordados no decorrer deste trabalho: - a questão fundiária

Examinando a questão fundiária, percebe-se a falta de vontade política para buscar soluções para o problema, sendo cada vez maior o número de concentrações populares e ocupações indevidas pelos movimentos dos trabalhadores rurais sem terra. A radicalização dos movimentos está dificultando o diálogo com as autoridades, emperrando as negociações e tornando mais difícil a implantação de uma reforma agrária democrática e tecnicamente correta.

A cada dia mais pessoas afloram a esses movimentos. É como se removessem a terra e de lá surgissem! Milhares de indivíduos, aparentemente aqueles desprovidos dos recursos do trabalho da terra, comparecem a atos públicos e invasões, pleiteando uma gleba para fixação e plantio. As desapropriações têm sido feitas sem um critério justo e razoável e não vêm produzindo os resultados esperados. Por outro lado, os proprietários ameaçados de desapropriação começam a reagir às ocupações e ao processo público. Os governos já admitem que este não é o método adequado para desenvolver os assentamentos e começam a reduzir suas atuações.

Em alguns países entretanto, esses litígios apresentam aspectos políticos mais claramente identificados com a melhoria das condições de vida e os níveis de pobreza e abandono em que se encontram a região e seus habitantes, normalmente de origem indígena.

A indefinição de uma política fundiária prorroga a manutenção dos problemas da estrutura rural, que é fator responsável pela violência provocada pelas más condições de vida dos rurícolas e causa

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determinante da inexistência de qualquer perspectiva de progresso para o homem do campo. É sabido que a falta de resolução para a questão fundiária é responsável direta, não somente pela

perpetuação e intensificação das correntes migratórias do campo para os grandes centros urbanos, como, também, pelos conflitos rurais na disputa de terras.

Aqueles que são forçados a deixar o campo, na realidade, ao chegarem às cidades, verificam que em seu novo ambiente não estarão a salvo dos flagelos (fome, doença e abandono). Estatísticas mostram que hoje a maior faixa de pobreza está na periferia das grandes cidades, ficando as áreas rurais com o maior contingente de indigentes. - a urbanização e seus problemas

Favorecendo a promiscuidade social, a saturação demográfica e a desorganização social urbana irão exacerbar a violência, que encontra seu mais aparente nascedouro nas favelas, cortiços e palafitas.

De modo geral, a população marginalizada não está tão próxima dos centros de negócios, mas já se generalizou a expressão “periferias” para indicar esses sítios de miséria. Seus habitantes são os que mais sofrem: com as grandes distâncias a percorrer até o local de trabalho; com a ausência ou insuficiência de equipamentos sociais urbanos; enfim, com a ausência do aparelho estatal, o que lhes acarreta enormes dificuldades para o atendimento das necessidades básicas da vida. Ficam à mercê de pequenos comerciantes inescrupulosos, de políticos demagogos, da proteção e exploração de quadrilhas de criminosos, das incursões truculentas de uma polícia mal preparada. O medo e a violência fazem parte do cotidiano e os índices de criminalidade nessas áreas são costumeiramente altos, a despeito de a maioria da população ser, paradoxalmente, pacífica e ordeira.

Tenham o nome de mocambos, alagados ou favelas, o fato alarmante é que, conforme adverte Arthur Rios, “... os núcleos habitacionais assim criados e desenvolvidos crescem num ritmo duas vezes maior que o de toda a cidade. A população das cidades aumenta duas vezes mais rápido que a população do país. ... nos países cuja população cresce de 2,5% a 3,5%, a urbanização cresce a 5% e 7%, e a favelização atinge 10% a 14% ao ano.”

Quando se procura conhecer mais de perto a realidade das favelas descobre-se que pode haver esperanças. A socióloga americana Janice Perlman, tendo desenvolvido magnífico trabalho de campo, para o qual, inclusive, residiu na maior favela brasileira — a Rocinha — dá-nos conta do enorme esforço dos favelados para se organizarem e progredirem. Diz: “Em resumo, eles têm as aspirações da burguesia, a perseverança dos pioneiros e os valores dos patriotas. O que eles não têm é uma oportunidade de satisfazer suas aspirações.”

A segregação social tem caracterizado as cidades contemporâneas: os trabalhadores são afastados, cada vez mais, do centro e das demais classes. As cidades modernas se subdividem em setores: para

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dormir, para trabalhar, para divertir-se, etc. Assim, os setores para dormir ficam desprotegidos durante o dia e os setores de escritórios, por exemplo, ficam desprotegidos à noite. Os menores, que retornam da escola mais cedo para casa ficam desassistidos, a mercê de subculturas divergentes das “gangues de rua”.

O desaparecimento da rua como lugar natural de encontro, deu origem às avenidas, viadutos e trevos pelos quais as pessoas passam em seus veículos motorizados, cruzam-se, mas não se encontram.

Some-se a isso a automatização dos serviços, como o dos supermercados e dos bancos: tudo favorece ao isolamento. Os moradores perdem seus pontos de referência e suas identidades.

A exploração econômica do migrante, quando chega à grande cidade, se traduz pela baixa remuneração recebida, sob a justificativa de se tratar de mão-de-obra despreparada, o que apenas elevará os índices de miseráveis amontoados nas periferias urbanas.

A miséria desintegra o núcleo familiar, dando origem à aparição de novos menores carentes e infratores e casos de prostituição infanto-juvenil, num quadro de degradação que, em pouco tempo, convencerá o migrante da impossibilidade de ascender socialmente no “paraíso” urbano.

Pedintes e vagabundos, toda sociedade os têm, e são tolerados enquanto não se tornarem agressivos. Ainda assim, constitui um dever das autoridades tirá-los das ruas na tentativa de reeducá-los e torná-los minimamente produtivos. Certo que a crise econômica os aumentou em número, mas parece tê-los aumentado também uma equivocada política de direitos humanos, que os deixa abandonados à própria sorte sob o duvidoso conceito do direito de ir e vir do “povo de rua”. Duvidoso em relação às crianças que devem sujeitar-se a um pátrio poder, se não dos pais, de algum substituto, quando os primeiros não o puderem exercer. É um absurdo — que nenhuma crise econômica justifica — o estado de abandono material e moral a que se têm relegado os chamados meninos e meninas de rua: explorados pelos mais velhos dentre eles e, pior, explorados — segundo denúncias públicas — por dezenas de organizações que recebem dólares do exterior para ajudá-los — pasmem — a permanecer nas ruas!

Merece destaque na problemática urbana, o binômio menor/droga que realimenta a violência, aumentando as estatísticas de crime contra a vida e o patrimônio. Estas ocorrências são fortemente favorecidas por uma legislação penal inadequada ante às exigências provocadas pelo ritmo vertiginoso das mudanças sociais que, assim, tornaram obsoleta e ultrapassada. - a legislação penal e o sistema penitenciário

O aparato jurídico-penal dos países latino-americanos é alvo normalmente de severas críticas por parte da imprensa e das respectivas populações, em face dos distúrbios sociais ocorridos. A ineficácia e inoperância de uma justiça anacrônica e assoberbada, facilmente perceptíveis através dos noticiários, além de contribuir para a impressão generalizada de impunidade e descrédito no sistema penal, acaba por estimular ainda mais os distúrbios sociais.

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A delinquência se expandiu, tornando ultrapassados os valores de fiança e as penalidades previstas para serem aplicadas. O policial já não tem a vontade para fazer valer a lei pois, sabe que a sua aplicação é fraca e sem resultado prático. O infrator, sentindo o pouco peso das consequências dos seus atos, sente-se estimulado a outras práticas, talvez mais criminosas pois, tem também a seu favor a nova política de direitos humanos que só assiste ao delinquente. Com isso, o policial, quando na prática da ação policial,tende a usar da truculência, como forma de fazer-se respeitar e castigar (a seu ver) o meliante. Daí, toda essa geração de perda de valor moral da força policial, diante de um estado cada vez mais crítico de criminalidade.

Delitos que poderiam ser facilmente reprimidos tornam-se cada vez mais permissivos, incomodando ao cidadão comum e portando potenciais aspectos de violência e malandragem. Como exemplo, são vistos os “flanelinhas”,os lavadores de carro, os pedintes postados em sinais de trânsito, os mendigos etc... . E assim, as cidades e seus habitantes vão se curvando consentidamente isto é, sucumbindo à marginalidade, imoralidade e prostituição. - o desempenho do Estado

A ausência e a omissão do Estado também se convertem em fatores geradores de crise, quando revela passividade diante dos abusos praticados pelo poder econômico, na complacência e na fraqueza ante às pressões das oligarquias rurais e na indiferença e desapreço pelas questões sociais, mostrando-se incompetente para montar e gerir uma infra-estrutura capaz de enfrentar a problemática da saude pública ou reagir às afrontas do crime organizado.

Some-se a isso, a aparente condescendência diante do poder cartelizado dos meios de comunicação de massa, a ostensiva e incontestável debilidade frente às pessoas externas e, a priorização conferida a interesses individuais ou de grupos, em detrimento daqueles socialmente relevantes. - o dualismo social

Não se pode deixar de considerar a grave violência praticada contra a nacionalidade que representa a existência de uma minoritária classe econômica e social de poder aquisitivo privilegiado e uma outra, constituída e destinada à imensa legião de miseráveis e párias, aos quais não será possível qualquer ascenção no meio social, por lhes faltar, entre outros, o requisito primário e indispensável a essa pretensão que é a condição de serem alfabetizados.

A existência desses dois “mundos” tão diferentes acirra os conflitos sociais entre pobres e ricos, cuja desigualdade abissal repousa na má distribuição das rendas nacionais.

A renda pode ser mal distribuída porque os esforços são mal distribuídos na população, assim como o conhecimento, qualidade do trabalho e esforço produtivo. Enfim, existe uma série de variáveis que

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podem resultar numa distribuição de renda desigual que, ainda assim, não seria injusta desse ponto de vista. Recente estudo do Banco Mundial relata que são quatro os fatores mais importantes que

determinam a posição na escala de rendas: educação, sexo, raça e localização. A educação é o mais importante entre eles. As pessoas com menos de cinco (5) anos de educação

escolar, dependendo do país, têm um percentual variável de encontrar-se entre os 20% mais pobres da população. Por exemplo, na Argentina estas pessoas teriam um estimado de 69%, de encontrar-se entre os 20% mais pobre da população, enquanto que, no Brasil, teriam 42% de chance desta ocorrência.

As mulheres tendem a ser mais pobres que os homens. Normalmente, encontra-se disparidades entre os salários pagos a homens e aqueles pagos às mulheres, estando as mães solteiras entre os chefes de família que estão significativamente abaixo da linha de pobreza. A idade é outro fator: muitas mulheres pobres são mais velhas e com menor potencial para melhorar sua habilidade, através de treinamento e educação.

A raça está diretamente relacionada com a pobreza e a desigualdade de rendas em muitos países. Comparativamente, as populações indígenas apresentam elevados percentuais de pouca escolaridade, em relação aos não indígenas. O mesmo acontece, em alguns países, com os negros. POBREZA E EXPECTATIVA DE VIDA NA AMÉRICA LATINA

População

Segmentos

Sociais

Expectativa

País

em

Pobres

Indigentes

(*)

de vida

milhões

Milhões

% Pop.

Milhões

% Pop.

(anos)

Argentina

30,0

9,9

30,0

3,3

10,0

71

Bolívia

7,4

5,2

70,3

3,0

40,5

60

Brasil

145,5

75,0

51,7

31,5

21,7

66

Chile

13,2

3,9

29,5

1,2

9,1

72

Colômbia

33,0

16,5

50,0

6,0

18,2

69

Equador

11,9

5,5

46,7

2,7

22,7

70

México

95,3

38,2

40,1

15,3

16,0

65

9

POBREZA E EXPECTATIVA DE VIDA NA AMÉRICA LATINA

Peru 25,1 13,4 53,4 6,7 26,7 65 Uruguai

3,2

0,7

21,9

0,3

9,4

72

* Nível de subsistência Fontes: Cepal, Banco Mundial e Fundação Getúlio Vargas. Baseado em estudo publicado em “Conjuntura Econômica”, abril 1993.

Existem variações acentuadas na distribuição de rendas e de desenvolvimento humano, dentro de um mesmo país, apesar de estarem embutidos nos seus dados nacionais. Há regiões, de um mesmo país, que apresentam indicadores de desenvolvimento humano comparáveis ao primeiro mundo, enquanto outras, estão próximas de áreas de extrema pobreza. Essas diferenças, também, são refletidas em quase todos os indicadores sociais.

O crescimento econômico e a redistribuição de renda, ou melhorias de condições sociais, alavancam um ao outro e geram um processo praticamente sustentado. A fonte para isso não é mais o Estado assumindo o papel principal, mas a sociedade, o setor privado fazendo uma grande contribuição. O Estado simplesmente poderia adotar uma série de medidas para ajudar.

O desenvolvimento de um país é função da acumulação de capital financeiro, econômico e humano e, esse último, se verifica na infância e na adolescência. Se o capital humano não é desenvolvido nessa fase, é claro que vai se reduzir a capacidade do indivíduo de receber um maior quinhão de renda. - analfabetismo/ instrução/ educação

Um dos pilares básicos para o sucesso das estratégias de desenvolvimento é a acumulaçãode capital humano, pelo aperfeiçoamento da cobertura e qualidade da educação. Na América Latina, o acesso à educação varia enormemente entre diferentes grupos e regiões. Podemos enumerar tres fatores que contribuem para esta diferenciação.

Em muitos países, não é a falta de recursos orçamentários a causa da atual situação mas, a ineficiência e a prioridade para atendimento ao nível universitário. Comprovadamente, não condiz com a realidade de desenvolvimento dos paises.

A qualidade da educação vem se refletindo nos resultados dos exames vestibulares e, principalmente, nos altos índices de reprovações e desistências anuais. Estes sintomas caracterizam uma inadequação na relação ensino/aprendizagem, havendo necessidade de uma revisão e atualização dos métodos utilizados.

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Como se isso não bastasse, é extremamente alto o índice de evasão escolar no ensino fundamental (45%), com ligeira tendência de queda no ensino médio (36%). Ou seja, menos de 50% dos alunos que ingressam no ensino fundamental conclue o ensino médio, dificultando acentuadamente a formação de mão-de-obra com conhecimento e capacitação, atuais exigências da competição no mercado de trabalho.

A falta de instrução mínima impossibilita o indivíduo de buscar condições de progresso individual (Anexo 3). Despreparado para a vida, ingressa no mercado de trabalho de forma quase clandestina, submetendo-se a baixos salários e condições de trabalho desfavoráveis, não conseguindo, desta forma, suprir suas necessidades básicas de alimentação, higiene, vestuário etc.

Como resultante de tal frustação, surgem condutas alternativas na tentativa de realização no sistema social em que tenta penetrar, desembocando, não raro, em soluções marginais na luta pelo “ter” e pelo “poder”. Nesse ambiente de frustações e decepções, podem aflorar psicopatias até então latentes, com consequências imprevisíveis para o equilíbrio já comprometido do meio social. - a atuação política

Outro fator da crise social prende-se diretamente à questão das políticas nacionais. Na maioria dos países latino-americanos, a atuação política tem-se mostrado ineficaz, ineficiente e

corrupta, e a figura do político encontra-se inteiramente desacreditada. Como consequência dessa atuação omissa dos políticos, enquanto classe dirigente, é apontada a perda de identidade cultural do povo, em face da absorção de culturas estrangeiras, notadamente a norte-americana.

Sucessivos governos mantiveram-se absolutamente insensíveis à gradual perda de espaço das manifestações culturais, podendo-se afirmar que a cultura em geral está cada vez mais restrita a uma parcela minoritária da população, residindo aí mais uma faceta do dualismo social.

Apesar dos esforços de diversos governos para realizar e manter planos de estabilização econômica, adotando e/ou tornando suas moedas fortes, é notória a sua substituição a nível interno como no exterior pelo dólar norte-americano, em transações comerciais. Outra manifestação é a desconsideração do idioma pátrio que, cada vez mais, é relegado a segundo plano, sendo bastante comum a utilização do idioma inglês nas áreas de publicidade e das comunicações de uma forma geral.

Pode-se citar, também, o estelionato político fundamentado na infidelidade partidária e os constantes escândalos de corrupção nas diversas esferas da administração pública, caracterizados, não raro, por ministérios acéfalos e indefinidos quanto às suas atribuições.

A problemática social está associada à crise política e esta, por sua vez, à econômica, numa situação que degrada os países desde os primórdios de sua história.

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As Vítimas

Analisando as causas prováveis da atual crise social e de suas influências na vida diária das populações das grandes cidades, constatamos que todos somos, ou seremos, algozes e vítimas de seus efeitos perturbadores e insidiosos.

São vítimas, os ricos e a classe média, cada vez mais presos em suas casas e apartamentos, com medo dos assaltos e sequestros. Mas, também, são algozes, na medida em que contribuem para criar cidades que se desumanizam, ou quando pagam o preço da truculência particular.

São vítimas, os operários que sofrem duplamente: pela más condições de habitação e transporte e porque se dobram à lei iníqua dos “Robin Hoods” locais. Porém, transmudam-se em algozes quando, nas suas reinvidicações e movimentos, paralisam as cidades impondo injusto sofrimento a toda a comunidade citadina.

São vítimas, os marginalizados em geral, que sofrem, além da miséria hereditária ou adquirida, da fome, do descaso, da doença física ou mental, da violência de maus policiais e de eventuais grupos de extermínio. Algozes também da cidade, cujos equipamentos coletivos poluem e destroem, dos velhos e crianças que atacam, algozes de si mesmos, quando recusam as escassas oportunidades de ajuda e promoção que o poder público ou, a caridade particular lhes oferece.

São vítimas, os jovens de todas classes, precocemente destruídos pelo vício e pela socialização perversa das subculturas divergentes. Algozes uns dos outros, e dos pais que, por eles, muitas vezes sacrificam sonhos e oportunidades e não terão a recompensa de vê-los melhores.

São vítimas, os policiais que se arriscam em confrontos, frequentemente inferiorizados em meios, e que sofrem também por suas famílias, quase sempre desprotegidas enquanto estão no trabalho. Algozes, sempre que pretendem impor-se pela truculência ou vendem suas armas a interesses escusos.

São vítimas, os criminosos pelas oportunidades sociais que não tiveram, muitos deles, na infância e na adolescência, pela socialização adequada que não aconteceu e pelas penas que sofrem no horror dos estabelecimentos penais, penas que não estão prescritas em lei. Algozes de toda a população pelos crimes que praticam, pela violência desnecessária e indiscriminadamente aplicada; algozes de si mesmos, quando se guerreiam e atassalham em busca do domínio.

Fatores da Desagregação Familiar

A evolução da humanidade, desde os seus estágios ancestrais até o mundo civilizado de hoje, passou necessariamente pelo surgimento da instituição da família, como unidade básica de formação dos

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grupos sociais organizados. O desenvolvimento da civilização humana, desde então, ocorreu, por uma questão de lógica e de

ordem natural, de forma sistemática ao longo das incontáveis e sucessivas gerações, cabendo sempre aos pósteros o prosseguimento do trabalho dos ancestrais.

É à família que cabe a suprema missão de renovar os indivíduos do grupo social, assegurando sua perpetuação no tempo.É pois, no seio familiar que o indivíduo recebe sua formação básica que, por iniciar-se desde seu nascimento, fixa alicerces irremovíveis que posteriormente apenas receberão acréscimos ao longo do seu crescimento. Adequado, portanto, o conceito segundo o qual é a família celula mater da sociedade.

Entretanto, com o desenvolvimento da sociedade e o aperfeiçoamento dos mecanismos de organização política, a família sofreu um processo que se pode chamar de estatização, ou seja, justamente por sua importância, a família passou a sofrer a interferência do Estado, não só em suas relações internas, como também nas suas funções básicas, pelo que hoje se pode afirmar que a formação do jovem não depende apenas e tão-somente da família.

Outras instituições sociais têm coparticipação e responsabilidade na formação do caráter dos jovens, no entanto, mesmo não sendo a família o fator determinante nesse processo, ela é a estrutura basilar e que desempenha importantíssimo papel na socialização dos jovens.

Com isso, partindo da responsabilidade que é atribuída à família como instituição social e a quem cabe a educação dos filhos, é conveniente ressaltar que não bastam apenas a estrutura e a coesão familiar. Há que existir um mínimo de equilíbrio relativamente à situação econômica e social. Dessa afirmativa há que se inferir que — sendo a sociedade a resultante do grupo familiar, e cabendo à família a formação e consolidação dos valores morais, sociais e éticos — os valores familiares e nacionais se confundem.

Como função institucional predominantemente biológica, cultural e integrativa, a instituição familiar tem passado por profundas mudanças em razão da própria conjuntura sócio-econômica e sócio-cultural vigentes.

Dadas as características básicas de cada tipo de família, hão de ser destacados fatores que contribuem para a sua desagragação, no momento em que há qualquer tipo de alteração nos seus conceitos. Em sequela, tal e qual um organismo vivo, a saúde social depende obrigatoriamente da harmonia e estabilidade de cada uma das partes que compõem o seu todo.

Assim, é válido supor que determinada sociedade perseguirá com mais desenvoltura sua evolução material e espiritual, tanto mais se fizerem presentes e ativos os valores que fundamentam a construção familiar.

Por outro lado, seria utópico desejar que o quadro social de determinada amostragem pudesse constituir-se única e exclusivamente de células perfeitas, o que equivale a dizer que é absolutamente normal

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a existência de desajustes sociais. Todavia, o nível de tais desajustes deve ser analisado sob a ótica de sua tolerabilidade, ou seja, um

elevado grau de deterioração da família, enquanto celula mater, pode levar ao sério comprometimento do equilíbrio de todo o tecido social.

A estabilidade do núcleo familiar verificar-se-á na exata proporção dos meios de que ela necessita para desenvolver-se e, que não se limitam a aspectos materiais mas, interligam-se como interdependentes a elementos psicossociais, que podem ser enfeixados como de ordem comportamental, ética e moral.

Ora, visto o bem-estar social como resultante direto do atendimento, ao menos mínimo, das necessidades básicas essenciais à dignidade da pessoa humana, como por exemplo, emprego com remuneração justa, habitação, saude, lazer, etc., é inegável que, a carência destas condições materiais, refletir-se-á na consecução da estabilidade emocional necessária ao cultivo dos valores de ordem moral e espiritual que, em última análise, sustentam a instituição familiar.

A crise social, que não se restringe à esfera econômica, mas espraia-se pela perda de referenciais abstratos fundamentais, é causa inquívoca de desvalorização e desintegração de núcleos familiares, tendo como consequência direta, o desconforto social gerado por comportamentos desajustados e, por sentimentos nostálgicos em relação à figura da família tradicional e conservadora.

O indivíduo desajustado, por ser órfão do respaldo proporcionado pela estrutura familiar, torna-se propenso à atitudes anti-sociais, personalidade potencialmente criminofílica.

Cabe assim salientar que não é só a família pobre que se desagrega, mas também a das classes mais favorecidas, sendo a primeira afetada primordialmente pela faceta econômica da crise, e as últimas por questões existenciais nascidas da perda do que chamamos de referenciais abstratos de ordem psicossocial.

Esta distinção repousa na constatação de que crise social, embora afete toda população, o faz de forma menos grave em relação a aquelas pessoas que vivem em localidades afastadas das grandes metrópoles, com o que queremos dizer que o stress causado pelas condições de vida em grandes cidades é preexistente a qualquer crise, tornando-se todavia um fator sublimador de seus efeitos. Observemos as famílias rurais onde a autoridade paterna é inquestionável. A prole numerosa nessas famílias é elemento concreto onde todos residem sob o mesmo teto e exercem, via de regra, atividades no setor primário. Aí o nível cultural é baixo e a instrução, quando existe, é adquirida na própria família.

A família urbana que compõe a grande maioria dos municípios, é diferenciada da rural pela mudança de enfoque nas suas funções, onde se destaca a educação dos filhos.

A melhoria dos níveis de educação propicia uma maior mobilidade vertical, além dos valores morais, cívicos, culturais e religiosos que são bem conservados. As atividades econômicas exercidas pela família urbana são multivariadas, com destaque para o setor terciário da economia, além da melhoria nos níveis de saude, habitação e alimentação.

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Já a família estabelecida nas grandes metrópoles, tem nos condicionantes físicos, econômicos e sociais os fatores responsáveis pela grande desorganização em sua estrutura. A começar pela exiguidade dos espaços habitacionais, onde convive de forma mais próxima com outras famílias, na partilha quase promíscua de costumes.As atividades econômicas exercidas são variadas, tanto pela heterogeneidade de instrução como pela disponibilidade de empregos observada.

A vida das famílias nas megalópoles reflete as condições geradas pela própria evolução da sociedade.

Os problemas familiares são, em geral, o reflexo do ambiente vivido, onde dificuldades como as grandes distâncias a percorrer, entre trabalho, escola e lazer; a vida agitada; o alto custo dos bens e serviços; a falta de solidariedade humana; a quase ausência de controle social;os sofisticados meios de perversão da moral e dos bons costumes; as residências cada vez menores; o pouco contato entre os componentes da família; as drogas; bem como o grande índice de adultério nas grandes cidades tem contribuido para a desagregação da família.

Ainda, o clima generalizado de insatisfações de toda ordem gera o desrespeito do homem para com o seu semelhante e, ainda, deste para com a estrutura social, que não consegue satisfazê-lo, aliado às dificuldades no relacionamento social, o desemprego, a falta de informações e orientação adequada em todos os níveis, que induzem atitudes negativas em relação ao próximo, com a consequente perda da noção de comunidade.

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CAPÍTULO III

SOLUÇÕES PROPOSTAS

Considerações Preliminares

Atualmente, qualquer política a nível nacional que materialize através de Objetivos de Governo a persecução de Objetivos Nacionais Permanentes (ONP’s), encontrará óbices relevantes, tais como:

a) o nível das carências sociais, exigindo recursos extraordinários, prolongada execução e técnica responsável;

b) o constante inchaço das populações urbanas desvalidas, na sua maioria moradores de favelas, oriundos em em grande parte do êxodo rural;

c) a debilidade dos Estados no enfrentamento de grupos poderosos que defendem interesses contrários a uma radical reforma agrária;

d) dificuldades dos Estados quanto à eventual manipulação dos meios de comunicação por grupos econômicos insatisfeitos com as mudanças necessárias;

e) as peculiaridades da atuação de grande parte da classe política, indiferente às reais necessidades e carências da população;

f) a alienação e insensibilidade das elites e de expressivos segmentos sociais mais bem favorecidos. Os óbices acima enumerados repercutem significativamente sobre a consecução dos ONP’s,

devido principalmente ao dualismo social (paz social) e à baixa qualidade de vida da maioria do povo (progresso).

Pode-se assim concluir que, embora o povo mantenha seus anseios e aspirações, os desequilíbrios, os interesses econômicos divorciados da realidade social e a eliminação da classe média, importante e

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necessário fator de intermédio entre os grupos dos ricos e muito ricos, e os segmentos dos pobres e dos miseráveis, podem gerar uma grave ameaça à Paz Social.

A Paz Social, que se define pela predominância da conciliação sobre o conflito, tem, na falta de emprego e de perspectiva de melhoria de vida, fator de grave comprometimento, gerador de insatisfações e ressentimentos que acabam por se traduzir em agressividade, violência, enfim, em criminalidade.

Medidas Propostas

Como pensar soluções? Parece-nos que, em primeiro lugar, pensando positivamente, ou seja, admitindo que nossas

sociedades tem capacidade para superar os elementos dissociativos da crise social e da violência, temos uma concepção predominantemente funcional da sociedade, isto é, a visão de que os conflitos constituem contingências, podendo prevalecer sobre eles os processos associativos e cooperativos. Desse modo,alguns aspectos e influências da crise social podem ser circunscritos e reduzidos, desde que se adotem as medidas sociais adequadas.

Já não se fala mais em capital físico, nem em capital humano, mas começa-se a falar no capital social, que é a sociedade liderando o processo e as comunidades tomando as decisões. Realmente, hoje mais do que nunca, as instituições e as comunidades estão envolvidas com propostas que levem à solução dos principais problemas sociais das grandes cidades. Movimentos de cidadania e de civilidade transformam-se em atos comuns, sensibilizando grande parte das populações e irmanando a todos no combate a violência e no estabelecimento da paz urbana.

Nessa linha, devem ser pensadas as medidas de natureza social. Necessitamos de política persistente e consistente visando à integração da grande massa de marginalizados. Precisamos ampliar as oportunidades sociais, através da educação e do trabalho. Os menores carentes e a população jovem da rua necessitam ter um atendimento prioritário, através de planos e ações que visem a sua reintegração à sociedade e o seu aproveitamento futuro no mercado de trabalho.

Há que haver maior conscientização dos empresários com os problemas nacionais. Com o afastamento gradativo do Estado das principais atividades econômicas, a participação do setor privado na vida nacional tornou-se maior, havendo, por isso, mais responsabilidade e envolvimento do empresariado com a cidadania, principalmente, em termos sociais. As empresas devem proporcionar oportunidades de desenvolvimento social, estimulando a educação e a capacitação técnica-profissional de seus empregados e coordenando com o Estado projetos para aproveitamento de jovens, provenientes de suas instituições

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assistenciais. Não podemos deixar de repensar nossas cidades, no sentido de humanizá-las, concebendo e

implantando programas voltados para a qualidade de vida e para a interação das relações sociais cotidianas dos bairros. Uma das ações mais importantes é garantir a presença permanente do Estado nas favelas e bairros mais carentes, através da prestação dos serviços públicos que se fazem essenciais ao desenvolvimento digno da vida diária de seus habitantes.

Mas, precisamos diminuir a pressão demográfica sobre as grandes cidades: redirecionando, através de estímulos e desestímulos, as migrações internas (para cidades de menor porte e áreas de colonização); incentivando a reestruturação fundiária e a adoção de medidas de apoio às atividades agropastoris, estimulando a presença do homem no campo com escola, saúde e previdência e; monitorando o crescimento demográfico, através do estímulo a programas de planejamento familiar com o concurso das empresas e entidades da sociedade civil.

Não se pode deixar de pensar nas medidas tendentes a reforçar a eficácia do aparelho jurídico-repressivo do Estado, exatamente porque as medidas sociais são de efeito lento. Devemos pensar nas três pernas do sistema: polícia, justiça criminal (e junto a ela o ministério público) e sistema penitenciário. Reformular as polícias, militares e civis, integrando seus esforços para obter mais qualidade; aprimorar a justiça criminal, alcançando, com segurança, mais celeridade; aparelhar a polícia, especialmente a federal, e o ministério público para o combate ao crime organizado, o que significa reforçar seus serviços de inteligência; aprimorar os sistemas penitenciários, aliviando-os e logrando mais segurança e um efetivo trabalho de ressocialização. Para tanto, será, certamente, necessário rever a legislação vigente.

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CAPÍTULO IV

CONCLUSÃO

A ausência e a omissão do Estado, a falta de vontade política das classes dirigentes e das elites, a inércia permissiva da sociedade como um todo, em síntese, somos os grandes responsáveis pela crescente crise social que aflige nossos países.

A conjuntura ora analisada impõe a urgente adoção de providências corretivas e preventivas para debelar as causas reais dessa crise, ao contrário de medidas paliativas voltadas para seus efeitos, como até agora tem sido feito.

As medidas propostas, na sua totalidade, apenas reforçam e enfatizam aspirações já explicitadas através da manifestação de diversos setores da sociedade, inteiramente aceitas pelo Poder Público, sem que, no entanto, este tenha assumido o compromisso e a responsabilidade de seu efetivo implemento. Com isso, seria caracterizado o que se pode denominar de omissão por transferência, observada nas manifestações individuais ou coletivas, através da qual se atribui a outrem o que deveria constituir sua própria contribuição.

A década de noventa, vem trazendo a recuperação das economias e a motivação da moral social. Alguns grilhões que, fazia tempo, sufocavam as sociedades, foram e estão sendo lentamente desfeitos, despertando a população para conhecimentos e posições que não imaginava alcançar. Não foram somente os segmentos mais bem aquinhoados da sociedade que o perceberam porém, todos em maior ou menor grau, puderam constatar a sua presença.

A continuar o trajeto das reformas políticas e econômicas que se fazem no continente americano, espera-se o consubstanciamento dos fatores sociais com suas respectivas mudanças, já a partir do corrente

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ano, fazendo-se necessário investir e crescer em capital social, como forma de garantir as reformas realizadas e permitir que não haja retrocesso político.

A redução da pobreza, melhoramentos em educação, nutrição e saúde terão um forte impacto no crescimento econômico. Por sua vez, o crescimento econômico causará melhoras nos padrões de vida e fará decrescer o número de marginalizados sociais. Os objetivos gêmeos de crescimento econômico e redução da pobreza reforçam-se mutuamente e necessitam ser empreendidos juntos.

Face aos rumos das atuais reformas estruturais, é inquestionável que, somente com a participação de todos os segmentos da sociedade, será possível realizar a transformação social, controlando e revertendo o quadro da atual crise que emperra o desenvolvimento dos países, como nações livres e soberanas.

ANEXO 1

DESEMPREGO URBANO (1) ( Percentuais Médios Anuais )

Pais \ Ano

1991

1992

1993

1994

1995 (2)

Argentina

6.5

7.0

9.6

11.5

18.6

Bolívia

7.3

5.8

5.4

5.8

-

Brasil

4.8

5.8

5.4

5.1

4.7

Chile

7.3

4.9

4.1

6.3

5.6

Colômbia

10.2

10.2

8.6

8.9

8.6

Pais \ Ano

1991

1992

1993

1994

1995 (2)

Equador 8.5 8.9 8.9 7.8 8.4 Guatemala

6.4

5.7

5.5

5.2

4.3

México

2.7

2.8

3.4

3.7

6.4

Paraguai

16.0

14.7

13.2

13.7

14.3

Perú

5.9

9.6

9.9

8.8

8.2

Venezuela

10.1

8.1

6.8

8.7

10.3

Fonte: CEPAL, sobre as bases de informações oficiais. (1) Cifras obtidas de pesquisas residenciais nos respectivos paises. (2) Valores preliminares.

ANEXO 2

ATENÇÃO PRÉ-NATAL E AO PARTO. ACESSO A SERVIÇOS DE SAÚDE

Pré-natal

(%) (1)

Parto

(%) (1)

Acs. Svç.

Saú.(%) (2) Argentina

96

95

92

Bolívia

38

29

40

Brasil

65

84

75

Chile

91

99

95

Colômbia

59

59

80

Equador

47

26

70

Guatemala

34

23

60

México

89

89

89

Paraguai

76

32

60

Perú

68

46

50

Venezuela

74

82

90

Fonte: Organização Mundial de Saúde. (1) Ano 1990. (2) Ano 1993.

ANEXO 3

PERCENTUAIS DE ALFABETISMO (1)

Pais \ Sexo

% Masc.

% Fem.

Argentina

97

96

Bolívia

86

72

Brasil

84

81

Chile

95

94

Colômbia

88

86

Equador

89

85

Guatemala

65

48

México

90

84

Paraguai

93

89

Perú

93

87

Venezuela

88

91

Fonte: Organização Mundial de Saúde. (1) Valores disponíveis entre 1992-1994.

BIBLIOGRAFIA 01. Affonso, Leonel Archanjo. A Violência Urbana. Belo Horizonte, O Alferes, 1985. 02. Balbi, Sandra. Desemprego, o grande nó do Plano Real. Rio de Janeiro, O Jornal do Brasil, jan.1996. 03. Birou, Alain. Dicionário das Ciências Sociais. Lisboa, Dom Quixote,1933. 04. Bottomore, T. B.. Introdução à Sociologia. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1973. 05. Contador, Cláudio. No Reino dos Desiguais. Revista de Problemas Brasileiros. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1995. 06. Cordovil, Hélio de Figueiredo. Violência na Sociedade Brasileira A. Rio de Janeiro, Escola Superior de Guerra (ESG),1991. 07. Helwege, Ann. Poverty in Latin America. Journal of Interamerican Studies and World Affairs, 1995. 08. Macedo, Felipe . Há Vagas. São Paulo, Revista Isto É, out. 1995. 09. Merton, Robert. Sociologia - Teoria e Estrutura. São Paulo, Mestre Jou, 1970. 10. Perlman, Janice E.. O Mito da Marginalidade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977. 11. Peyrefitte, Alain. Reponses a la Violence. Paris, Presses Pocket, 1977. 12. Rios, José Arthur. A Favela - Problema ou Resgate ? Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1986.