Maria Aparecida Costa · 1 Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Vai para o Arquivo...
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TOMADA DE TESTEMUNHO
(transcrição)
Maria Aparecida Costa 31/7/2013 – Completo
DEPOENTE: MARIA APARECIDA COSTA
Categoria do depoente: Vítima civil
Tipo de arquivo: Áudio
Duração: 02:01:45
Ocasião: Testemunho colhido por integrantes da CNV
Data: 31/7/2013
Local: São Paulo, SP.
Responsáveis pela
tomada de depoimento: Luci Buff e Raíssa Wihby.
NUP: 00092.002323/2013-89
Nomes citados:
Che Guevara; desembargador Otávio Gonçalves; Fleury; Linda Taiá;
Valentin; Celso Antunes Horta; Vilma Marcon; Márcia Mafri; Aninha Buste;
Terezinha Zerbini; Maria Barreto Leite; Cidinha Santos; Rose Nogueira; Rita
Sipahi; Celeste Martins
Locais citados: DOPS; Operação Bandeirantes (OBAN); DOI-CODI; Presídio Tiradentes;
Torre das Donzelas
Organizações citadas: ALN; Grupo Tático Armado da ALN (GTA); CCC; MDB; PSDB; PT; Ordem
de Advogados (OAB); JUC
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Vai para o Arquivo Nacional. 1
Maria Aparecida Costa – Está certo. 2
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Se você quiser começar, prestar o 3
seu relato. 4
Maria Aparecida Costa – Bom, eu vou fazer assim, um breve apanhado de como eu 5
cheguei à militância, que tipo de militância que eu acho que talvez, a partir daí, vocês 6
coloquem um...enfim. Eu vivi todo o período de 64, eu era universitária e num primeiro 7
momento eu tinha apenas uma visão social de igualdade, de justiça, toda uma formação 8
religiosa que pendente muito a isso, não é? Teologia da libertação, teologia da 9
libertação, enfim, e tinha uma militância estudantil de centro acadêmico na Faculdade 10
de Direito de São Francisco. Mas, a partir do golpe de 64 eu estava, acho que no 11
segundo ano de faculdade, segundo para terceiro, começa a haver, então, todo 12
um...muda completamente a situação política e, claro, começa a mudar também o seu 13
enfoque com relação ao que estava acontecendo, enfim, houve uma quebra institucional 14
e eu tenho perguntado, esse tempo todo, o que teria acontecido se eu não tivesse havido 15
essa quebra institucional, a ditadura, talvez eu tivesse seguido o caminho normal de uma 16
estudante, teria feito minha militância acadêmica, teria me formado, talvez militado em 17
algum partido político, mas, enfim, teria sido um outro, um outro rumo. Mas esse rumo 18
muda na medida em que, com a ditadura, um fechamento político cada vez maior, as 19
formas de atuação política vão ou diminuindo ou elas se tornam fechadas para nós. 20
Então comecei, eu, pelo menos, comecei a buscar com outras pessoas, outros jovens, 21
outros cidadãos, uma forma de você combater aquilo que tinha se colocado, que na 22
ditadura, que desde o primeiro se mostrou violento, aliás, ela foi violenta desde o 23
primeiro momento, à medida que ela derruba um governo legalmente eleito pela força 24
das armas, mais ainda, ela se inaugura com vários episódios já de punição, de tortura, de 25
assassinatos. Bom, então é dentro deste quadro que eu acho que vai se agravando o 26
fechamento cada vez maior, cada vez nos sentimos mais sem meios, sem caminhos e 27
para mim, pelo menos, surge...e, para outros tantos, como politicamente eu comecei a 28
fazer esse enfrentamento com o que está...com este país, com esta ditadura que vai se 29
consolidando cada vez mais e surge, então, a questão da...como militar eu sabia que eu 30
queria, de alguma forma, eu me sentia...e acho que a minha geração se sentiu levada, 31
uma parte dela, a tomar uma posição diante do que estava aí. Qual seria a sua posição? 32
Combater a ditadura, buscar a volta de um Estado onde os direitos fossem respeitados, 33
onde se voltasse ao esquema de liberdade, sem censura, sem prisões. E aí cada um 34
buscou seu rumo, eu sou da geração também que me forma, eu acho que soube, da 35
Revolução Cubana, que tem uma grande influência. Che Guevara, que são, na América 36
Latina, aqueles que tiveram uma influência, acho que muito grande, como heróis, como 37
apontando um caminho e dentro disso eu acabo chegando, para minha convicção, que 38
esta ditadura não abriria mão de seu poder, daquilo que ela tinha empalmado e que a 39
maneira de ser combatida seria, pelo menos eu entendia, através da luta armada, então 40
eu acabo me filiando à ALN e atuo perante temporada, uma grande temporada aqui em 41
São Paulo. Mas quando há o sequestro do embaixador, logo em seguida, em setembro, 42
há muitas quedas da ALN aqui em São Paulo e a partir daí meu nome cai, cai não é? 43
Chegam até o apartamento que estava alugado, tem meu nome legal, eu trabalhava, eu 44
tinha uma...eu era militante e, ao mesmo tempo, eu advogava, trabalhava no escritório, 45
mas aí cai, cai com tudo o meu nome e, então a organização decide que eu devo sair do 46
país, mas para fazer isso me mandam para o Rio, de onde eu sairia. Mas aí quando eu 47
estou no Rio, Marighella é morto aqui em São Paulo, em novembro, enfim, as 48
possibilidades de sair se tornam inviáveis e eu sou presa em dezembro de 68, no Rio de 49
Janeiro, até por um... 50
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Não é 69? 51
Maria Aparecida Costa – Desculpe, 69, exatamente, em 69. 52
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Porque você falou do 53
embaixador. 54
Maria Aparecida Costa – Não, exatamente, em 68, AI-5, toda aquela situação, mas 55
não, é 69, aí eu fui presa em 69, no Rio de Janeiro. Então, sou presa, levada ao DOPS de 56
lá e do DOPS, de lá eu sou trazida para a Operação Bandeirantes aqui em São Paulo. 57
Bom, esta é a primeira etapa das coisas. Vamos encarar um...vamos encarar, bom e o 58
que acontece dentro disso? No DOPS do Rio há todo um nível de pressão, de estar 59
presa, enfim, quem prendeu era, ele era ligado ao DOPS, mas também ao Exército, o 60
Otávio, o desembargador Otávio Gonçalves, que era até, que era meu colega de 61
faculdade. 62
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Em São Paulo? 63
Maria Aparecida Costa – Em São Paulo. Ele, na ocasião ele, nós éramos inimigos 64
cordiais, vamos assim dizer, eu sabia que ele era do CCC, etc. e que sabia que eu era de 65
esquerda, mas as coisas ficavam ainda a um nível de...discutíamos muito, brigávamos 66
muito, mas nunca, na minha cabeça, nunca passou que ele tivesse um envolvimento tão 67
profundo, tão entranhado com a repressão. 68
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Deixa eu só te perguntar uma 69
coisa, esse Otávio, ele foi citado em outro depoimento, mas a depoente dizia que ele era, 70
ele fazia Geografia, ele circulava pela FFLCH como um estudante de Geografia 71
também. 72
Maria Aparecida Costa – O mesmo Otávio? 73
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – O mesmo Otávio, exatamente, ele 74
circulava nos meios universitários, então disso... 75
Maria Aparecida Costa – Eu não tinha conhecimento disso, ele estava acho que uma 76
turma depois da minha, alguma coisa assim. 77
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Mesmo do CCC? 78
Maria Aparecida Costa – Ele mesmo e já tinha ouvido. 79
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Trabalhava na OBAN? 80
Maria Aparecida Costa – Sim, porque então foi, ele e nós, na Faculdade de Direito ele 81
era conhecido como alguém pertencente ao CCC, e o CCC na ocasião fazia, ele chegou 82
a agredir colegas, enfim, ele tinha uma atuação pesada e claramente de direita, mas 83
como na ocasião circulava tanta coisa, se sabia que era. Mas, por exemplo, isto que ele 84
circulava, por exemplo, nunca tive, não sabia disso e aí, enfim, depois que eu saí da 85
faculdade, nunca mais nos reencontramos, mas eu sempre guardei a imagem que dele 86
como alguém do CCC, que era de direita e ponto, não é? Eu só vim perceber que não 87
era bem isso, que ele estava realmente ligado a todos os mecanismos, à estrutura mais 88
profunda de repressão quando da minha prisão, que, assim, foi realmente por acaso, eu 89
estava na...circulando na avenida Copacabana, enfim, eu cumpri com o ponto, então, 90
eles estavam de férias e ele estava com um colega dele, um amigo, assim, e ele me vê 91
passar e então ele chega por trás e me pega e me segura, assim, pelos braços, ele é um 92
homem alto, forte, não é? E ele: “Você está presa, Cidinha, você está presa.” Aí, sabe? 93
Aquela primeira reação, eu até sempre lembro disso, que foi até de achar que ele estava 94
brincando, que era uma brincadeira de mau gosto, porque também não tinha noção que 95
ele soubesse que eu era de esquerda, mas, aí percebi, ele: “Não, é sim, Cidinha.” Eu 96
percebi que, de fato, ele estava falando sério, aí, recuei, falei: “Quê isso, imagina, não 97
sou eu, sou outra pessoa, você está me confundindo.” Aí ele disse: “Não, o seu sorriso, 98
as covinhas do seu rosto são inconfundíveis, é você sim, o Exército está atrás de você.” 99
Aí ele me deixou com um outro amigo dele, que é uma pessoa que era um faixa preta 100
qualquer coisa e ele foi entrar em contato, enfim, com o Exército, chamou e aí se forma 101
e eu percebo nisso tudo, que ele tem, na verdade, ele tem uma ligação direto com o 102
Exército, também há uma rede de coisas e ele, então, dá notícia. 103
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Ele seria da inteligência. A gente 104
não sabe, de fato, mas ele era. 105
Maria Aparecida Costa – Se ele era, talvez eu não soube exatamente qual era o...qual 106
era a função, exatamente, dele, mas ele estava ligado, ele chama o Exército e, também, 107
depois da minha prisão no Rio, eu não vejo mais, ele cumpriu a missão. 108
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Você acha mesmo que foi o 109
acaso? 110
Maria Aparecida Costa – Eu acredito que foi o acaso, sim, eu acredito que, de fato, foi 111
uma circunstância de ele, realmente, me reconhecer na rua, não creio que houvesse, que 112
tenha havido qualquer tipo de planejamento ou que tenha havido uma campana anterior. 113
Eu, porque se fosse assim, eu acho que as consequências teriam sido outras, talvez 114
tivesse, sabe? Teria seguido, talvez já descoberto onde era o meu apartamento, eu creio 115
que se fosse campana, o desdobramento teria sido outro, eu acredito que, de fato, foi um 116
infeliz acaso, foi uma coincidência, pelo menos pela forma como a coisa se deu e pelo 117
que...porque, de fato, eles não tinham nada, não sabiam onde eu morava, não tinham 118
qualquer, não atingiam, por exemplo, outras pessoas que...se tivesse sido um processo 119
de campana mesmo, de montado, tal, seria de...creio que seria de outra forma, porque, 120
inclusive, a pessoa que caiu comigo era um jovenzinho que estava entrando, estava 121
chegando, nem existia, nem era um menino procurado, nem nada. Bom, isso leva a crer 122
que foi, de fato, um acaso, pelo fato de sermos...ainda conheciam muito, porque, de 123
fato, me reconheceu, tal. Bom, e aí eu sou levada para o DOPS, há todo um aparato 124
nessa prisão, me chama e tal, é público, é uma situação, enfim, difícil, até chega, na 125
hora que eu estou sendo presa, chega um jornalista, que se apresenta como jornalista e 126
eu sou levada por um [trecho incompreensível], primeiro eu não consigo identificar, 127
mas, enfim, são muitas pessoas, imagina uma prisão, e chama a polícia. E uma coisa 128
assim, e aí vem pessoa que se apresenta assim, como jornalista, e aí ele me fala assim: 129
“Não, mas você não disse o seu nome, me fala o seu nome, quem é você? Porque eu 130
publico, aproveita, é uma chance.” Aí eu tenho o meu nome legal, eu falei: “Não sei o 131
que está acontecendo.” Enfim. Mas uma coisa muito, ele tinha umas desde...claro, 132
queria saber porque ali e eles diziam: “Não, é um terrorista.” Eles nos chamaram de 133
terroristas: “Terrorista e tal.” E junta gente e tal, uma coisa toda, mas, enfim, aí eu vou 134
para o DOPS do Rio de Janeiro e, aí, menina, me levam na presença do delegado do 135
DOPS que eu não sei o nome, que eu não sei quem é, eu acho até que um dia, de 136
repente, eu acho até que eu gostaria de identificar mais essas questões. Mas eu vou para 137
lá, conto uma história, uma história montada na minha cabeça e...mas, enfim, por algum 138
tempo ela surte efeito, eu, completamente, que eu conheci, assim, que eu fosse a pessoa, 139
enfim, que o Exército estava à procura, que o Otavinho dizia que eu era e ele dizia: 140
“Não, mas ela é.” Eu: “Não, eu não sou.” Então, ficamos nesse jogo de empurra: “É, 141
não é, é, não é.” Enfim, vão à casa do rapaz que foi preso comigo, descobrem uma série 142
de coisas, mas, por enquanto, a coisa continua num nível assim de, eu acho que o 143
[trecho incompreensível] não tinha, não sei exatamente o que estava, se era ou se não 144
era e...mas aí voltam com coisas da casa do rapaz e, enfim, pressionam para saber onde 145
eu morava, claro, mas aí eu dei o nome do hotel que eu já tinha mais ou menos, já 146
estava mais ou menos, claro: “Não, se eu for presa vou dizer que eu estava em tal 147
lugar.” Isso você vai ganhando mais um tempo, etc. Mas aí chega o momento que eles 148
voltam loucos porque não acham nada, depois eu dei um outro endereço qualquer, 149
também eles voltaram muito afim de, com muita sede, com muito ódio disso tudo. 150
Agora, e eles queriam me torturar, levar para baixo, quer dizer, até aí a coisa tinha ido 151
na base do...das ameaças, do empurrão, de uma, vamos dizer assim, da violência lá em 152
cima, na própria sala do delegado, mas, aí o delegado não, disse que não, que eu não ia, 153
disse que eu ia esperar ser trazida para São Paulo. E aí me levaram para uma cela, meio 154
que aos trancos e barrancos, mas a coisa ficou, a coisa ficou por aí, no Rio de Janeiro. E 155
aí eu venho, no dia seguinte eu venho para a Operação Bandeirantes e na Operação 156
Bandeirantes, aí as coisas mudam, assim, de figura, do ponto de vista de tratamento, de 157
acolhida, porque não que lá no Rio tenha sido suave, não foi isso, mas, vamos dizer 158
assim, no pau de arara não houve, vamos dizer assim, uma violência, vamos dizer 159
assim, mais pesada, chega um ponto que você começa, que isso é loucura, mas, a gente 160
começa a graduar o nível de violência, que é uma coisa muito...quando você pensa esses 161
[trecho incompreensível], mas que loucura isso, mas é meio assim mesmo, diante do 162
quadro do que as pessoas passaram, do que aconteceu, tudo que foi exercitado, você 163
acaba graduando, você diz, hoje: “Nossa, mas, a violência que eu passei no DOPS.” Aí 164
eu digo assim: “Não, é que eu não, a violência da OBAN foi muito mais pesada, muito 165
mais pesada, e depois, enfim.” Mas, fica num DOI-CODI, o DOI-CODI, você já é 166
recebido assim, com choque elétrico, com tudo que você tem direito, quer dizer, pelo 167
fato, inclusive, de ser mulher, a questão de ser mulher, aí vocês estão falando da questão 168
de gêneros, o simples fato, eu acho que você, você está no meio de homens, só homens, 169
não? Só homens que têm sobre você um olhar, como diria? É um olhar que te...o fato de 170
você ser mulher também, você percebe que é um, talvez uma raiva muito maior, eu não 171
sei se pela questão de achar que uma mulher estar fazendo isso, que uma moça está 172
fazendo isso e é uma forma também, muito de querer te desqualificar de todas as 173
maneiras. Então, inclusive, o mínimo que você ouve é que você é uma vaca, é a boa-174
vinda, é a maneira como você é chamada e isto foi num crescendo e eu acho que você se 175
sente exposto, você é exposto, você, enfim, se encontra diante deles de uma dupla 176
maneira, você está inteiramente nas mãos enquanto ser humano e na tua condição 177
feminina, você está nu, você está à mercê disso tudo. Então, bom, que se...aí eu acho 178
que o DOI-CODI são, é uma cortina, é o que acontece com aqueles que são levados para 179
lá, pau de arara, cadeira do dragão, cadeira do dragão, que era um experimento 180
diabólico também, enfim e, todas essas questões. Eu passo um mês, mais ou menos, 181
antes de ser levada para o DOPS, agora, dentro dessas coisas eu tentei assim, aliás, faz 182
tempo que eu acho que eu tento reconstituir mais coisas, quem eu vi? O que aconteceu? 183
E eu percebo o seguinte: que é um, que é um vazio, é um branco, eu não consigo, eu não 184
consigo recompor esse tempo, eu sei assim, eu fiquei três dias sem dormir, isso eu tenho 185
muito claro, porque eu sentia um frio imenso e eu já não sabia, eu fiquei três dias numa 186
situação de tensão, enfim, vi tudo que acontece, é uma coisa assim, que se apaga e, 187
lembro, fiquei, você ficava naquelas celinhas fechadas, luz direta e etc. Eu estive com 188
uma menina, eu não me lembro o nome dela, não era de São Paulo, encontrei um outro 189
companheiro, mas não os vi. Encontrei Flora, que estava ali, nos encontramos sendo 190
arrastadas pelos corredores e etc. e eu não consigo, não consigo recompor muito as 191
pessoas que estavam lá, eram as conhecidas, eram as três equipes do...as três equipes 192
eram o Homero, o Albernaz, que era um e tinha um outro que eu não consigo nem 193
lembrar o nome de guerra dele, que eles se revezavam dia e noite, enfim, funcionava 24 194
horas, era funcionamento ininterrupto e direto e tem isso, essa questão. Agora, nessa 195
coisa do próprio funcionamento do DOI-CODI, que uma coisa, assim, que me marcou, 196
que eu, assim, eu me lembro que eu passei um natal, eu só fui depois disso para o 197
DOPS, mas era questão de que existia comida que era fornecida por alguém de 198
forma...por empresa de fora, que era assim, elas vinham naquelas embalagens, era até 199
uma coisa muito avançada, eu me lembro que eu, acho que eu nunca nem tinha visto, 200
vinha, acho que nas embalagens, embalagens industriais assim, eu acho, era alumínio, 201
eu não me lembro. Mas, que era fornecida tanto assim que acho que, no dia de natal, um 202
dos carcereiros de cá passou dizendo o seguinte: “Hoje eles estão mandando uma 203
comida muito melhor para que vocês comemorem o natal, tem até um pedacinho de 204
peru aí dentro.” Me lembro que era e veio, de fato, uma comida diferenciada. Agora, 205
havia esse tipo de coisa, como se sabe que sempre houve, sempre houve ligações, houve 206
uma ligação entre empresários e a repressão, no caso do DOI-CODI principalmente, eu 207
não consigo lembrar de onde, quem era, eu acredito até, que eu acho, que se comentava, 208
a gente falava na época, se tinha suposição, mas não sei, mas existia esse tipo de coisa, 209
de fornecimento de comidinha para os presos, de onde vinha? Não era deles, não era do 210
Exército, evidentemente que não, não sei se alguém que passou por lá mais ou menos 211
nessa época, os companheiros, tal, conseguem, com mais detalhes relembrar isso, mas, 212
enfim, é um fato. Bom e depois, assim, toda... 213
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Você ficou sem contato com a 214
sua família durante todo esse período? 215
Maria Aparecida Costa – Fiquei, eu não tinha noção se eles sabiam ou se eles não 216
sabiam o que tinha acontecido. 217
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Você não chegou a dar o seu 218
nome para o jornalista? 219
Maria Aparecida Costa – Não dei, não dei, enfim. Eu achei tudo muito estranho e não 220
iria assumir naquele momento quem eu era, então eu vim do Rio, assim, porque eu tinha 221
acabado, o dia que eu fui presa era o dia do aniversário da minha mãe e tal, eu tinha até 222
acabado de telefonar para ela, aquelas ligações de, ainda de cabines, tal, para dizer que 223
estou viva. 224
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Seus pais sabiam da sua 225
militância? 226
Maria Aparecida Costa – Bom, eles não sabiam, exatamente, o tipo de militância que 227
eu...no que eu estava, vamos dizer assim, o que eu tinha optado, o meu envolvimento, 228
mas eles sabiam que eu estava, que eu estava em alguma coisa meio séria, isso até uma, 229
até o dia de ser presa, que sabiam que eu, algo eu estava fazendo, porque já tinha saído 230
de casa e a gente se via de vez em quando. Mas, depois das quedas aqui de São Paulo, 231
eu cheguei a encontrá-las, porque eu pretendia mesmo sair e eu achava, eu deixei uma 232
carta, tentando outro rumo até para a segurança deles etc., porque eu fico, qualquer 233
coisa eles podiam dar aquela carta, mas, eles não sabiam exatamente o que tinha 234
acontecido, qual era, mas sabia que era uma situação mais difícil. Tanto que aí 235
chegamos a nos vermos duas vezes, aí nos encontrávamos no cemitério, meu pai me 236
levava um dinheiro, alguma coisa e, enfim, mas ele chegou a ser levado à Operação 237
Bandeirantes nesse meio tempo, porque quando houve as quedas eu, meu apartamento 238
caiu, eu até fui dormir na minha própria casa e depois eu não voltei, mas eles nem 239
estavam fazendo campana lá, porque eu acho que eu não pensava que isso pudesse 240
acontecer. Mas eu não tinha para onde ir, foi uma situação, nós nos vimos numa 241
situação muito difícil com as quedas de setembro, mas aí eles voltaram algumas vezes lá 242
e houve um momento que eles levaram meu pai para o DOI-CODI até para, em parte, 243
para dizer: “Entregue sua filha, que ela será bem tratada, o senhor deve estar em contato 244
com ela.” Ele dizia: “Não, nunca vi minha filha.” “Não, o senhor entregue.” E aí a coisa, 245
com ele, depois ele me contando que começou numa assim: “Vamos fazer um acerto, 246
vamos tratá-la bem.” Aí eles falaram: “Olha, sua filha está envolvida nisto, aquilo.” 247
Entendeu? “E, se nós encontrarmos, assim, nós vamos matá-la.” Aí disse que eles 248
brincavam, disse que eles interrogavam, brincavam com uma arma na frente dele, 249
jogavam para cima, deixavam cair, mas, o meu pai era um italiano firme em algumas 250
coisas, aí ele falou: “Olha, então tem o seguinte, também, se vocês matarem, eu enterro 251
envolvida na bandeira brasileira.” E assim terminou a história e ele ficou lá uma tarde 252
retido e não e voltou para casa, tal. Mas, enfim, eles ficaram sabendo, eu só vim a vê-los 253
no DOPS, no DOPS, depois de estar lá, acho que uma semana, uma semana e tanto, aí 254
eles conseguiram me ver, mas durante todo o período da Operação Bandeirantes não. E, 255
enfim, aí no DOPS foi outra etapa, aí foi a etapa do Fleury, inclusive depois que eu fui 256
para a Operação Bandeirantes, que eu fui para o Tiradentes. Aliás, eu voltei para o 257
DOPS, sei lá, eu não me lembro se foi em 70 mesmo, mas eu acho que foi uns quatro, 258
cinco ou seis meses depois, eu voltei para lá e aí houve outra sessão de tortura com o 259
próprio Fleury e a equipe dele, do qual a gente identifica Fleury, que eles usavam nomes 260
que, enfim, eles também usavam seus nomes de guerra, não sei quem são, mas, o 261
Fleury, sim, eles eram comandados pelo Fleury e, enfim, em linhas gerais, eu fiquei três 262
anos meio presa e acabei saindo até por uma medida judicial, depois foi julgamento e 263
fui condenada a menos tempo do que eu já tinha passado. E, em linhas gerais, essa é a 264
trajetória, eu não sei o que vocês gostariam de contar, de, assim, algo mais que eu 265
possa... 266
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Você, no presídio Tiradentes, recebia 267
visita? 268
Maria Aparecida Costa – Sim, recebia visitas, recebia visitas da minha família, depois 269
tiveram uma atitude extrema e meu pai, religiosamente, todas as visitas, claro que 270
passavam, todos eles, por uma revista pesada, mas tinha, eu tinha visita só deles. 271
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – E você estava com outras mulheres? 272
Maria Aparecida Costa – Sim, nós ficamos, nós estivemos na Torre das Donzelas, 273
chamava Torre das Donzelas, houve um momento que nós ficamos até com um, o 274
máximo que nós tivemos lá foram 50, mas era assim, muito rotativo. E tínhamos um 275
coletivo das presas, conseguimos nos estruturar e, para aquilo, depois que você passava 276
por isso tudo, o Tiradentes era aonde você respirava, era onde você estava legalizado, 277
era onde você tinha um maior acesso a advogado e você estava entre companheiros. 278
Então, eu recebi visitas, recebi visitas deles e, enfim, todas as famílias se esforçavam 279
para levar o melhor possível e havia toda uma estrutura nossa lá, um coletivo solidário, 280
muito solidário, eu acho que o que você pode falar era assim: muita solidariedade, 281
havia, sim, diferenças, havia momentos que divergiam sobre, enfim, nós já estávamos 282
presos, mas, enquanto presos, havia uma visão de sermos, continuarmos resistentes, não 283
à ditadura, o cerco que existia sobre nós, então, muitas vezes havia, bom, greve de 284
fome. Isso é assim, vamos protestar sim, mas isso era completamente ultrapassado pela 285
situação comum que se vivia, nós estávamos, nós éramos sobreviventes e resistimos de 286
alguma forma e nos vimos como pessoas, nós éramos presos políticos e você tinha uma 287
forma a manter uma determinada postura, você não tinha acabado por ter passado por 288
isso tudo, porque estava presa. Eu acho que todos nós vimos como uma continuidade da 289
luta ali dentro, em um outro momento, de formas muito mais restritas, não é? Enfim, 290
confinados, mas, existia essa, então, estávamos e o básico era isso, era a solidariedade, a 291
acolhida dos que chegavam, muitas mulheres com filhos, as crianças que iam visitar, 292
tudo isso estava muito presente e nos ajudávamos mutuamente, eu acho que é uma coisa 293
que, ainda hoje, quando você reencontra uma companheira, independente do que esteja 294
fazendo hoje, há esse laço daquele momento comum que você viveu e que era um 295
momento comum que você viveu. Então, são laços muito fortes, são laços para a vida, 296
eu acho, independente das afinidades, claro, laços maiores, outros menores. 297
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – E você conta que você, num 298
determinado momento, foi, teve que voltar ao DOPS, saindo do próprio presídio, se é 299
correto isso, e foi para apuração, novas apurações? Novas investigações? 300
Maria Aparecida Costa – É, tinha tido algumas quedas ainda, talvez tardias ou dentro 301
da ALN ou de pessoas ligadas à ALN e, enfim, pessoas que me conheciam e então, 302
tenta, dentro das circunstâncias, aí eu fui levada de volta para prestar novos, novos 303
esclarecimentos a respeito. 304
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Mas e você ficava no DOPS ou era 305
levada e devolvida? 306
Maria Aparecida Costa – Não, foi assim, nesse...não, eu acho que eu já tinha ido uma 307
ou duas vezes e tinha voltado para a Operação Bandeirantes também, mas coisa assim, 308
de ir e voltar, agora, essa de...que eu fui e fiquei no DOPS, eu acho que lá esses três, 309
quatro ou cinco dias e, enfim, fiquei lá mesmo até eles, clarear o quadro, como eles 310
pretendiam, mas eles... 311
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – De tortura e depoimentos, 312
naquela rotina, acareação. 313
Maria Aparecida Costa – Foi, depoimentos, tal, aquela rotina, acareação, exatamente. 314
Então, eu fiquei mais um, mais...acho que foi isso, uns quatro, cinco dias, uma semana e 315
depois eu voltei, aí me mandaram de volta para o presídio, mas havia os pontos 316
específicos de iniciação com o pessoal da ALN. 317
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Mas, nesse período que você foi, você 318
foi torturada também ou não? 319
Maria Aparecida Costa – Sim, sim, foi uma grande sessão de pau de arara, lá no 320
segundo andar, que você via a linha térrea ali embaixo, a via férrea, era e eles estavam 321
muito, até seus...bom, sempre estavam, eu acho que é isso. 322
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Você disse, no começo, que a 323
tortura, você viveu a tortura como um ser humano e como uma mulher, se você pudesse 324
explicar o...se você pudesse explicar um pouco como você vivenciou isso dessas duas 325
maneiras, é importante porque aí nós consideramos, por exemplo, como mulher e você 326
foi vítima de violência sexual na medida em que você foi obrigada a desnudamento 327
forçado, foi colocada numa situação de indisposição justificável e eu não sei se eles, se 328
é o seu caso, de eles terem feito ameaças de cunho sexual, que era comum eles fazerem 329
esse tipo de coisa. 330
Maria Aparecida Costa – Sim, vamos dizer assim, houve ameaças, mas eu não sofri, 331
diretamente, nenhum tipo de estupro ou algo assim, não, isso não aconteceu, eu acho 332
que a questão que fica é isso, o simples fato de você, nós, eu acho que a gente tem que 333
pensar, nós éramos todas jovens, completa, sei lá, um caso assim, pressupunha, talvez, 334
uma coisa, apesar de você ser militante, de você saber dos métodos, etc., mas, o 335
enfrentamento da realidade é muito outro, porque, por mais que você possa ouvir: “Não, 336
há tortura, eles são violentos.” Isso é colocação teórica, outra coisa é quando você está, 337
de fato, numa situação, porque a tortura em si é aquela situação de completo, de 338
completa, de você estar absolutamente nas mãos de pessoas que decidem sobre tudo, 339
sobre o seu corpo, sobre a sua vida, sobre o grau de dor que você deve ou não sentir, 340
sobre aquilo que é mais ou menos eficiente, ou seja, você está absolutamente 341
vulnerável, absolutamente na mão de outros que dispõem de você. Então, isto, por si, o 342
você estar à disposição de um mecanismo de repressão, de violência, que tem todo o 343
poder sobre a sua, sobre a sua pessoa, sobre você, por si já é o começo da maior 344
violência e isso é uma coisa, vamos dizer assim, você não estava simplesmente preso, 345
você estava preso por um mecanismo nem institucional, institucional num primeiro 346
momento em que foi decidido, em que a tortura era o meio a ser utilizado, não é isso? 347
Não era um acaso: “Ah, então, o Tomás não deixou fulano enlouquecido, mas tem o 348
superior dele que, eventualmente...” Não, não era isso, mas estava nas mãos deste 349
mecanismo que foi organizado desta forma, como uma maneira de obter informações, 350
de desaparecer, de aniquilar os movimentos de oposição. Então, por si, a estrutura onde 351
você entra é o terror institucionalizado do Estado, então eu acho que é importante aonde 352
estava o terror desde o começo, o que é realmente? Então, eu acho que isto é uma coisa, 353
como ser humano, você está dentro de um mecanismo desses, você está absolutamente, 354
como ser humano, à disposição do outro, então isto é uma das coisas, talvez, mais 355
terríveis que a pessoa, que um ser humano se defronta, por um lado, você não está 356
absolutamente à mercê. Isto já é uma coisa que, quando você se depara com isto, é uma 357
realidade que por si já é violenta e você se defronta com a violência que se traduz, 358
espancamento, choque elétrico, pau de arara, a cadeira do dragão, no meio das ameaças, 359
no meio de você estar despido. É isso que eu digo, como mulher, era uma coisa que até 360
talvez naquela própria origem, gente [trecho incompreensível] de um jeito, de maneira 361
geral, bom, assim, sei que tinha tido, que não tido qualquer convivência com a 362
violência. Tem uma amiga minha que escreveu um livro que eu achei brilhante, ela 363
coloca isso, que ela até conta a história dela, que é um pouco a minha, porque nós 364
estudamos juntas em colégio de freiras, mil anos de freiras, como diz, moças assim, 365
protegidas, com famílias também, que sempre protegeram, não é? De uma forma, então, 366
nós estávamos talvez muito, até muito menos preparadas, porque éramos aquelas 367
jovenzinhas que tínhamos sido educadas para sermos futuras mães, donas de casa, 368
prendadas, bordávamos uma série de coisas e você se vê, tudo bem, é uma época de 369
uma militância que você fez, mas, de alguma forma, você ainda tem uma formação que, 370
quando você se defronta com isso é um peso imenso, porque é algo completamente fora 371
da sua experiência de vida, que é uma experiência que não convivia, nunca conviveu, a 372
não ser em palavras, a não ser em teorias, a não ser em suposições com o tipo dessa 373
realidade concreta. Então, por isso eu digo, como ser humano, todos nós tivemos 374
absolutamente e, eu acho que o peso é igual para todos nós, homens, mulheres e todos 375
aqueles que passaram nas mãos deles, que viveram essa situação de vulnerabilidade 376
absoluta, nas mãos de um terror institucionalizado, são a situação e acresce, essa 377
questão, você tem tudo isso e você é obrigado a se despir, os homens também foram, 378
mas talvez, para uma mulher, eu acho que isso tem um peso terrível, pela sua formação, 379
pela formação social, ideológica, você por si já é uma exposição, aumenta ainda mais a 380
tua exposição. 381
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – As construções sociais, o 382
significado do corpo, da sua sexualidade, então isso vai... 383
Maria Aparecida Costa – Do chamado, você não precisa se expor como mulher, você 384
tenta se, normalmente você é educada e visto como, para proteger a sua feminilidade, 385
não é? Para que ela se exponha em outras situações, situações de escolha amorosa, 386
quando você escolhe, você está pronta, outra coisa é você ser jogada nesse monte de 387
coisa e, enfim, e estar, aos olhos, aos olhos e às mãos. Bom, é meio isto. 388
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Tchau, gente. 389
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Tchau, obrigada. 390
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Uma outra coisa que você falou, 391
que foi muito interessante, quer dizer, muitas coisas que você disse que, interessantes, 392
mas, o absurdo que é você criar graus sobre a violência que você sofre, de repente você 393
se vê dizendo: “Que bom, isso é menor do que aquilo.” Mas é violência absoluta em 394
todos os sentidos, tanto do espancamento, quanto do choque, qualquer coisa, do grito, 395
da ameaça. 396
Maria Aparecida Costa – Da ameaça, exatamente. 397
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Tudo isso é violento tanto quanto 398
e é muito interessante isso que você disse, porque nós ficamos sabendo por meio de um 399
outro depoimento que eles tinham uma receita da tortura e eles mesmos tinham um 400
grau, assim: bom, o último, então, é o pau de arara, antes disso vem aquilo e aquilo 401
para, testando, realmente, qual é o limite do suportável e assim, o terror está em tudo, 402
inclusive nessa capacidade de medir a violência nesses termos. 403
Maria Aparecida Costa – Exatamente, eu acho que isso é uma coisa que, só depois, 404
talvez, você vá, você consegue sair e ver isso, porque à medida que você, tudo é uma 405
mesma violência, você não faz essas gradações na sua cabeça, porque tudo é criado num 406
esquema de terror, eles próprios partem, é um grande teatro e em parte é uma profunda 407
realidade para eles, é um exercício, vamos dizer assim, prazeroso para eles, isto que eu 408
acho... 409
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Para gozo nisso? Deles? 410
Maria Aparecida Costa – Eu nunca vi um gozo acontecido, mas, você percebe, é uma 411
coisa que fica assim, porque à medida que é muito ódio, à medida...a vontade de 412
destruição do outro como inimigo, que nos viam como inimigos, mas a maneira de, do 413
que, de como eles olhavam, você percebe, assim, que não existia nenhum, nenhuma 414
reticência para eles, nenhum limite e que tudo era válido, tudo poderia ser feito, 415
dependia só deles, uns eram mais discretos, outros deixavam muito claro nos seus 416
gritos, na sua maneira de ser, de que era uma função que eles cumpriam sem problemas, 417
vamos dizer assim. Então, eu acho que é mais essa questão, até existia, existia isso 418
mesmo e, talvez, para a gente mesma, em que medida você, bom, foi mais, foi menos? 419
E, de alguma forma, eu acho que a tortura, eu até acabei fazendo um mestrado em 420
Direito Constitucional e que o tema é justamente a vedação constitucional da tortura, 421
porque eu acho que é alguma coisa que ficou tão pesada que em algum momento eu 422
precisava, de algum jeito, trabalhar isso comigo mesma, trabalhar até onde ela foi 423
suportável, até onde não foi, se deveria ser sido mais suportável ou menos, enfim, 424
sempre se questiona, eu, pelo menos, me questionei durante muito tempo sobre várias 425
coisas e sobre esse mecanismo que é criado. Então, este, falei: “Bom.” De alguma forma 426
foi quase uma catástrofe, mas eu tinha que falar sobre isso, alguém me perguntou: 427
“Mas, por que você está falando sobre tortura?” Falei: “Não, porque eu preciso repensar 428
sobre mim mesma.” Sobre sua relação com a tortura, porque chega um ponto que é 429
muito complicado, nessa relação de, daqueles que torturam e você que é torturado, todo 430
esse mecanismo, até que ponto o ponto que você resiste, o ponto que você deixa de 431
resistir e as cobranças que você faz pelo resto da vida porque você não conseguiu 432
resistir, do que você, acho que deveria ter sido mais, deveria ter sido melhor para você 433
mesmo. Então, além do mais, eu acho que essa tortura não acaba, desse ponto de vista, 434
ela é uma coisa que vai sempre te... 435
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Inclusive essa própria, esse 436
próprio questionamento parece fazer parte da tortura. Você, como assim, você coloca 437
essa, essa questão de quanto você poderia ter aguentado mais, é uma violência pura, 438
assim, a resposta imediata, não tinha que ter aguentado nada, eu estava sendo...é uma 439
violência desmedida, que não pode nem ser dita em alguma medida, que a gente não 440
consegue, às vezes, nem falar, porque, exatamente... 441
Maria Aparecida Costa – É muito subjetivo, porque como você reage num ambiente 442
de tortura, tem muito a ver também com quem é você, qual é a tua formação, enfim, tem 443
uma série de coisas, tem a ver com ideologia, sim, etc., eu acho que é uma coisa 444
poderosa no enfrentamento da ditadura, da tortura, mas a par disso você é um militante 445
com matiz de formação, você não deixou de ser você para ser um militante, você é um 446
militante com aquilo que você traz da sua vida e é nessa condição que você é jogado 447
neste, neste tipo de ambiente e é algo que eu acho que você, que as pessoas, sei lá, se 448
colocam, uns mais, outros menos, mas eu acho que algo que vem, que permanece, que 449
as pessoas buscam de uma forma ou de outra trabalhar isso. E aí eu resolvo: “Não, vou, 450
eu preciso pensar.” Você passa muitos anos, tanto assim que eu falei: “Não, eu vou lá, 451
porque eu posso acrescentar para a Comissão da Verdade.” Porque eu não consigo 452
sequer lembrar claramente o que aconteceu nesses primeiros dias, eu não sei e nem 453
depois, parece que é algo que eu deletei, eu quis deletar e hoje eu quero recuperar, em 454
algum momento você dizia assim: “Não.” Então, é hora de você, isso foi muito tempo 455
que deveria, claro, é um processo que, de muito tempo, venho tentando encarar isso de 456
frente, então, até o meu mestrado foi uma forma... 457
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Que ano foi, Maria Aparecida, o 458
mestrado? 459
Maria Aparecida Costa – Foi em 2008. 460
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Ah, 2008, mais recente. 461
Maria Aparecida Costa – Bem mais recente, eu comecei, enfim, acho que fez até 462
2005, é, 2008 que eu apresentei minha dissertação e foi até interessante, interessante 463
assim, do ponto de vista até do histórico da formação deste país, a tortura na formação 464
deste país como um valor aceito, é incrível, tanto assim que nós vemos como aconteceu, 465
ela continua, ela continua, entendeu? Acabou e continua ali, em todas as delegacias, é a 466
forma que tem de, é um meio e é um meio usado com naturalidade, ora, como não sair 467
porque faz parte de uma formação e, ao mesmo tempo, eu acho que não existe, de fato, 468
uma, vamos dizer assim, um posicionamento, uma luta, apesar de muitos, há muitas 469
entidades que denunciam, que lutam, é um trabalho que está sendo feito há muito 470
tempo, hoje, contra a tortura que está instalada, que isso tem sido denunciado por várias 471
organizações, etc. Mas, eu acho que isso é um trabalho que tem que continuar e tem que 472
se aprofundar, porque ela está aí, como é que a gente vai conseguir que isso deixe de 473
acontecer? Quando você vai conseguir outros mecanismos, você precisa de mecanismos 474
de repressão, enfim, a sociedade em algum âmbito tem que ser protegida, entendeu? De 475
determinados atos, etc., sim, isto é uma realidade, porém há formas e formas de você 476
fazer isso, se você... 477
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Qual é o limite da violência 478
institucionalizada, a gente precisa pensar sobre isso. 479
Maria Aparecida Costa – Eu acho que a gente tem que pensar, não é? Não, assim, 480
você tem que dar ênfase para outro tipo de investigação, você tem que disponibilizar 481
meios, tudo bem, agora, você não pode usar, como a forma de triagem imediata, a 482
tortura, onde que nós estamos? Quando você tortura um outro, quando é permitido que 483
um outro ser humano seja torturado, eu acho que você decai, enquanto sociedade, é 484
aquela coisa, uma coisa é aquilo que você possa ter, de pessoal: “Ah, fulano fez isso 485
com minha família, daí eu tenho sentimentos de profundo ódio.” Isso é uma história, 486
mas isso fica ao nível da sua vivência interior, se você não consegue, inclusive, ter 487
mecanismos de perdão, de justificativa, aí é uma história, eu estou falando daquilo que 488
vem para fora, daquilo que é usado e aceito numa sociedade. Acho que é aceito, é 489
normal, ora, é bandido, tem mais é que apanhar antes de mais nada, depois a gente vai 490
ver, está certo? Então, como? Como que você pode aceitar a um outro ser humano seja 491
espancado, assim, sofra a dor, sofra a dor imposta por outro ser humano, eu acho que 492
isso é o grande questionamento, porque até nesse trabalho que eu fui desenvolvendo, 493
numa altura que ela chama muito a atenção para isso que, só entre os humanos existe a 494
tortura, nenhuma outra espécie infringe dor à sua própria espécie, só o humano que é 495
capaz de provocar no outro dor para obter alguma coisa. Isso, para mim, é de um peso e 496
é uma coisa que gente chama, que a gente nunca pode perder a perspectiva, então, em 497
qualquer nível. Nós falamos com presos políticos, mas o mesmo você pode dizer? 498
Claro, para essa tortura que está aí hoje, ela é injustificável, ela é combatida, ela não 499
pode ser aceita, é uma degradação nossa enquanto pertencentes à raça humana, eu acho, 500
e à sociedade, não defendo a impunidade, não é isso, outros meios, outra formas que 501
você tem que buscar, essa é a mais fácil, você chega e dá porrada, agora você imagina a 502
degradação de quem também dá porrada. 503
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Essa é uma preocupação das 504
recomendações, isso é uma grande preocupação. 505
Maria Aparecida Costa – Eu acho que é, esse é o grande, entre os vários objetivos... 506
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – É, [trecho incompreensível] de anunciar 507
isso como política pública. Agora, com relação à maternidade, você, nesse período, não 508
enfrentou, você disse das companheiros que chegavam com crianças, você não tinha 509
filhos, nesse período? 510
Maria Aparecida Costa – Não, não tinha, não, então esse sofrimento acrescido eu não 511
tive. Porque eu imagino, com a maternidade posterior, o que deve ser para uma mulher 512
que tem filhos ou que ficam lá fora ou que ficam nas mãos dele, como tantas crianças 513
ficaram, é um, eu fico pensando, assim, que é uma coisa... 514
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Inominável. 515
Maria Aparecida Costa – Inominável. 516
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Essas crianças que estavam no 517
Tiradentes eram bebês de colo, eram crianças de que idade? Mais ou menos. 518
Maria Aparecida Costa – Olha, tinha, eu acho que tinha, a Linda tinha o bebê mais 519
novo, quando ela ficou no Tiradentes acho que o bebê dela tinha, muito, uns quatro 520
meses, foi o que mais... 521
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Lembra o sobrenome da Linda? 522
Maria Aparecida Costa – Acho que era Linda Taiá, ela foi presa grávida, foi um 523
negócio... 524
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Enfim, estava amamentando, tinha 525
crianças... 526
Maria Aparecida Costa – Tinha criança pequena, era um bebezinho, eu sei que depois 527
ela foi para o Rio e tal, ela era do Rio e havia outras crianças de dois, três anos, mas não 528
vinham fazer visita, não, assim, não ficavam lá, não permaneciam, elas iam nos dias de 529
visita, aos sábados. Então, os sábados eram os dias mais luminosos e mais sombrios 530
também, porque eles chegavam, era ótimo e, depois, eles iam embora e as crianças, de 531
vez em quando conseguíamos levar lá para dentro para conhecer como é que eram as 532
celas, crianças, essas crianças traziam, era uma festa, você vê, criança, alegria, tal, todo 533
mundo paparicava uma coisinha, uma lembrancinha e elas, assim, desenhavam, eram 534
todas...agora e as mães, depois que elas iam embora, era muito doloroso, muito, muito, 535
porque acho que você, separado do seu filho, é terrível, é terrível. 536
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – E essa comunicação externa era só aos 537
sábados? Ou vocês podiam, vocês tinham um outro tipo de comunicação por escrito, 538
com advogado? 539
Maria Aparecida Costa – Advogado. 540
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Qualquer dia? 541
Maria Aparecida Costa – Eu acho que era qualquer dia, nós podíamos receber 542
advogados, em princípio era qualquer dia e as visitas, eram aos sábados só e a 543
comunicação, basicamente, era essa, se podia escrever cartas, as cartas eram enviadas à 544
Auditoria, tanto que você recebia, como o que você mandava, passava pela censura 545
antes, os livros a mesma coisa e as revistas, os dias de visita eram revistas pesadas e era, 546
enfim, todo, todo um aparato. 547
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – As carcereiras tratavam vocês 548
como presas comuns ou tinha um tratamento especial? Ou diferente, não digo especial, 549
mas, diferente. 550
Maria Aparecida Costa – Eu acho que o processo com as carcereiras foi um processo, 551
porque eu não cheguei, eu não fui das primeiras a ir, mas também peguei quase no 552
início, mas já havia companheiras, já havia um mínimo de organização lá no Tiradentes. 553
Mas num primeiro momento, as que chegaram foram, as dificuldades foram muito 554
maiores, porque nós éramos julgadas como terroristas, enfim, a política na cabeça era: 555
“Elas eram as terroristas.” Então, a primeira impressão é essa, tranca pesada, um 556
distanciamento, elas eram as representantes da repressão lá fora e elas tinham medo e 557
cumpriam, tal. Com o tempo, não? E com a convivência, de alguma forma, elas foram 558
percebendo, enfim, que nós não éramos assassinas, assim, as assassinas que eles diziam, 559
que nós éramos pessoas, enfim, que tinham, nós éramos pessoas que acreditávamos em 560
alguma coisa e estávamos, mas não éramos nada daquilo que elas imaginavam e daquilo 561
que era apresentado. Então, se estabeleceu, minimamente, havia algumas que eram até 562
mais acessíveis, que procuravam, de alguma forma, facilitar algumas coisas e outras que 563
já eram mais distantes, mas eu acho que, no decorrer disso tudo, elas tiveram um, elas 564
começaram a perceber qual era, de fato, a realidade, então se estabeleceu esse tipo de 565
coisa, algumas eram até mais acessíveis, cumpriam o seu papel etc. [Trecho 566
incompreensível] pesadas, eram carcereiras, mas, foi isso, enfim, eu acho que elas eram 567
tratadas como carcereiras, mas com respeito, e elas nos tratavam, eu acho que, de uma 568
maneira geral, com respeito também, e chegou o momento que algumas, até com uma 569
certa admiração por umas e outras, que foram conhecendo mais e etc. Mas, foi assim, 570
todo um processo de, que elas começaram a perceber, porque elas eram muito 571
acionadas, às vezes tinha companheiras passando mal, tinha a questão de ver criança, 572
questão de...então, elas foram percebendo que eram muito de pessoa, de que éramos 573
presas, mas éramos presas em que havia uma identidade, que elas podiam reconhecer 574
uma identidade humana, que, enfim, nós não éramos seres políticos, bravos, horríveis, 575
terríveis, todos dispostos a acabar com tudo, inclusive com elas, não era isso a 576
realidade, não era essa. 577
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Chegou a conhecer o capelão 578
Roberto? Acho que nessa época tinha, foi, esse capelão foi citado. 579
Maria Aparecida Costa – Não lembro. 580
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Você não falou muito da sua 581
experiência no movimento, na ALN, qual era o seu papel e se você se você pudesse 582
falar um pouco de como as mulheres, qual era, se existia um papel específico das 583
mulheres dentro do partido, se não, se o tratamento das mulheres era o mesmo dentro do 584
partido e fora, coisas desse tipo. 585
Maria Aparecida Costa – Ah, interessante isso, porque olha, é o seguinte: bom, eu 586
entrei num primeiro momento no apoio e depois eu acabo indo para o grupo de, para o 587
GTA, o Grupo Tático Armado, enfim, e fui, participei de algumas ações. 588
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Treinamentos? Você? 589
Maria Aparecida Costa – Também, de treinamentos, alguns treinamentos. 590
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Você sabia atirar? 591
Maria Aparecida Costa – Sim, sabia, não sabia, não era nenhuma exímia, mas sabia, 592
sabia, enfim, até se passava por um treinamento e, enfim, mas vamos dizer assim, eu 593
nunca cheguei a perceber nenhum tipo de discriminação pessoalmente, porque, enfim, 594
nós fazíamos as tarefas que tinham que ser feitas igualmente e, claro, cada um tinha um 595
papel. Talvez é mais fácil fazer isso com uma mulher, olhar, poder fazer o que eles 596
chamavam levantamento, tal, talvez chamasse menos atenção, mas, em termos assim, de 597
atuação, de fazer as coisas, eu nunca, nunca senti isso, de deixar de fazer alguma coisa 598
por ser mulher, talvez por ser meio frágil, sim, num primeiro momento foi difícil, foi 599
difícil convencê-los de que havia uma condição de militância. Mas, depois as coisas 600
foram e também, eu acho que também é o seguinte: fica difícil isso, porque eis que 601
haviam menos mulheres, menos mulheres no GTA, então grande parte os homens 602
faziam muitas coisas, agora, é verdade, talvez você levantando isso, talvez seja uma 603
coisa que eu não tenha me pensado, porque como a gente sempre achou que estamos 604
fazendo tudo junto a mesma coisa, cada um com uma tarefa, talvez você colocando isso, 605
pelo menos na minha fase, talvez as tarefas, vamos dizer assim, alguma de...que se tinha 606
que chegar com mais imposição, etc., talvez tenha ficado para eles, eu não sei se isso era 607
consciente ou não. Mas, enfim, fazíamos juntos, pertencíamos a...fazíamos as mesmas 608
ações, mas algumas coisas talvez tenham ficado meio, não sei se naturalmente com eles 609
ou por achar que talvez as mulheres não dessem conta, sabe? Mas nunca vi esse tipo de 610
coisa: “Ah, você vai participar ou não vai participar porque você é mulher.” Não, 611
sempre você participa e ponto e, então nunca senti esse tipo de nos tratar com mais, 612
sabe? Com mais diferença, talvez até existisse, mas eles talvez, também, se 613
esforçassem. 614
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Você podia contar um pouco como essa 615
experiência de vida afetou, de alguma maneira, a questão da maternidade, você vê 616
ligação com isso? 617
Maria Aparecida Costa – Eu, bom, eu acho que as minhas filhas reclamam demais de 618
que eu sou profundamente, muito controladora, mas eu sou, como dizer? Eu acho que 619
traz, desse ponto de vista assim, a questão da perda é muito complicado, eu não sei se 620
tem uma ligação totalmente direta com a tortura, mas com a prisão, sim, você...é difícil 621
você perceber que você vive num mundo que não há aqueles riscos que a gente viveu, 622
claro, há riscos de outra forma, eu acho que qualquer mãe tem os seus sobressaltos com 623
os seus filhos numa sociedade que se vive, da maneira como as coisas se colocam, eu 624
acho que isso faz parte da tua ligação com os teus filhos e tal, é meio por aí. Mas, talvez 625
é um pouco acrescido porque eu acho que sempre fica aquela questão de ter sido preso, 626
de separação, de perda, de perdas não, de companheiros, de perdas de coisas importante, 627
eu acho que isso, de alguma forma, é algo que marca, que, então, um apego terrível, um 628
medo de perda muito grande, que eu acho que tem ligações com essas questões todas, 629
de alguma maneira. É como diz, a gente quer tudo, mas acho que, pela vida, você, é 630
uma marca que fica, eu não sei se isso, quer dizer, assim, para mim, nunca, esta questão 631
nunca me impediu o desejo de filhos, de querer ter filhos, mas eu acho que tudo isso 632
pesa na maneira, na maneira de querer proteger esses filhos, é isso, na maneira 633
excessiva de querer proteger. É aquela briga entre a liberdade deles, foram feitos para o 634
mundo, mas, talvez seja muito mais acentuado, talvez sejam até características pessoais, 635
mas eu acho que isso acentua. 636
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Esse percurso, não é? 637
Maria Aparecida Costa – Esse percurso acentua, não é? 638
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – E como que eles recebem, enfim, cada 639
pessoa recebe de uma maneira, essa sua experiência como mulher ativa politicamente, 640
militante, esse passado, como é que essa geração te vê? Especialmente suas filhas? Ou, 641
pelo menos, como você percebe essa... 642
Maria Aparecida Costa – Eu acho que elas, que elas vêm com compreensão, elas vêm 643
com, às vezes, com uma certa admiração, elas, é difícil para mim algumas coisas, 644
quando é muito elas me perguntam: “Posso ficar?” porque às vezes são conversas 645
difíceis, talvez, ultimamente se tem conversado mais, porque também é o meu trajeto, 646
elas sempre souberam que eu fui presa, que tinha um DOI-CODI, sempre foi 647
conversado, meu marido é um político, que também foi preso, foi torturado e tal, uma 648
vez ele entrou na coisa com uma ação contra o comandante do DOI-CODI, então elas 649
sempre cresceram num ambiente que sempre se falou de política, se há determinados 650
valores que se têm com relação à vida, com relação ao avanço do país, etc. E, 651
pessoalmente, eu acho que talvez elas tenham até uma curiosidade maior de saber, mas 652
eu tenho uma certa dificuldade de conversar com elas, principalmente, sei lá, talvez 653
questão de tortura, tal, eu e mesmo assim, às vezes elas reclamam: “Você nunca fala 654
nada, você não conta, tem que contar, a senhora tem que tirar, assim.” Acho, bom, eu 655
acho que o fundamental é saber que a minha geração e eu, dentro da minha geração, a 656
gente fez uma opção política e, porque se queria transformar este mundo e eu acho que 657
cabe a cada geração transformar o mundo em que vive, uns de um jeito, outros de outro, 658
depende do seu momento histórico. Mas, eu acho que elas têm compreensão, elas têm, 659
têm até uma vontade de saber mais e é isso, elas, nunca tive, assim, talvez, problemas de 660
rejeição. Agora, a mais velha, a mais velha não, a mais velha parece que viveu um 661
momento mais difícil meu. Também, que ela acha que a vida dela sempre esteve 662
presente a questão da ditadura, do que aconteceu e que ela não conseguia entender, que 663
ela sempre, sempre esteve presente e a gente nunca conseguiu falar muito, direito sobre 664
isso. Mas que para ela foi muito pesado, foi muito pesado isso tudo que aconteceu, 665
apesar de ela ter nascido já algum tempo depois, então, não, já no fim, mais na época, 666
nasceu em 81 e tal, mas ela talvez tenha sentido a presença muito maior, talvez a gente 667
tenha passado isso de uma maneira muito inconsciente, foi preciso que ela chamasse 668
minha atenção, porque eu achava, falava assim: “Não, mãe, eu nunca te passei essas 669
coisas, porque nunca nós conversamos, nunca fiquei fazendo, fiquei com preguiça, foi 670
terrível.” Eu acho que são coisas que vêm no contexto no momento, é um momento que 671
você conversa, um momento, mas, nunca, procurei seguir a vida, enfim, foi de uma 672
forma, mas ela me disse que na vida dela, ela, a ditadura esteve muito presente, que, de 673
alguma forma, o desconhecido, porque ela não sabia o que teria acontecido, que ela 674
sempre imaginou, mas ela imaginava, ela não conseguia ter acesso. Porque eu também, 675
talvez a gente, tem hora que você nem sabe o que eles querem, também, por que 676
colocar? E às vezes você acha que você manter um certo equilíbrio, é você não fazer da 677
sua prisão, da sua história, o prato do dia, todo dia você contando ou a menor e, na 678
verdade, às vezes você se cala demais, talvez seja isso, talvez tenha sido calado demais. 679
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Para poupar? 680
Maria Aparecida Costa – Eu acho que para poupar, para poupar e, olhe, talvez porque, 681
para poupar a si mesmo, de alguma forma, eu acho que a consciência está muito 682
interligada. 683
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Você disse que a tortura não termina 684
nunca, ela perdura, pelo que eu entendi, durante toda a vida num certo sentido, então, 685
são as feridas, as marcas, mas os efeitos outros e o que você me diz em relação ao 686
medo, medo durante a vida, você já falou na proteção, no receio de perda, na proteção 687
excessiva, no controle, mas e o medo? 688
Maria Aparecida Costa – Medo? O medo, eu acho que o medo existe, o medo fica e é 689
um combate, sempre, é um combate diário, porque senão ele te, poderia até ter um 690
efeito paralisante, eu acho que de qualquer maneira você tem que tomar conhecimento 691
de que existe ou de que está aí e até para superar, até para poder tocar de outra forma, 692
até para poder, enfim, viver, atuar, essas coisas, mas, eu acho que, também, isso deve 693
ser uma coisa muito individual. É estranho, eu nunca conversei assim com os meus 694
companheiros e companheiras, não é? Essas questões, nestas nuances, a gente nunca se 695
abordou talvez, todo mundo, um ou outro, eu acho que ele surge e tal, quando você tem, 696
mas, assim, não é um tema que eu, acho até que era uma coisa, assim, que devíamos ter 697
conversado mais, poderíamos ter conversado, porque eu creio que, para todos, de uma 698
forma ou de outra, é um tema delicado, havia uma diretriz: preso não fala, para algumas 699
organizações era o seguinte, preso não fala, ponto. Para outras é o seguinte: segura 48 700
horas, três dias e depois tenta segurar as coisas, enfim, havia coisa, mas, o básico é isto, 701
quem é preso não deve falar, não deve implicar outras pessoas. Mas tem a verdade, era 702
isto e este é o seu padrão, este é o seu padrão e eu acho internalizado em cada um de 703
nós, muitos conseguiram, muitos não conseguiram, muitos morreram no silêncio, 704
muitos preferiram se calar, seguiram, morreram, não aguentaram, não falaram, outros 705
sobreviveram, falaram menos, outros falaram mais, mas esta é a questão, este era o, 706
vamos dizer assim, o critério do valor humano ou seja, o critério da resistência à tortura 707
e uma situação do terror institucionalizado, então esta é uma questão em torno da qual 708
giram muitas coisas. 709
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Isso é muito interessante, você 710
falar dessa maneira, acho que nunca ninguém, nunca ouvi ninguém falando, é muito 711
interessante, isso explica, por exemplo, a culpa que muitas pessoas carregam, até hoje, 712
de, às vezes, ter falado sobre um companheiro numa situação de tortura, assim, que não 713
achou outra maneira, sei lá, entregou e essas pessoas carregam essa culpa que parece 714
irreparável, inescapável e falam com muita dor, até hoje, sobre isso. 715
Maria Aparecida Costa – Mas é exatamente isso, você tocou no assunto, porque é isso 716
mesmo. 717
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – É o critério do valor humano, 718
você deixa de ser o...você é menos humano porque você não aguentou uma coisa que, 719
na verdade, não é feita para ser aguentada, você não tem que aguentar uma, a questão de 720
desumanidade. 721
Maria Aparecida Costa – Exato, uma situação de desumanidade, mas, veja, isto é uma 722
coisa muito complicada, uma coisa é a visão racional que você possa ter disso, tortura 723
não é feita para ser aguentada, mas, por outro lado, a tua visão de você mesmo, como 724
militante, mais como ser humano e como militante, se você deixa, se você, na tortura, 725
não age ou não consegue se pôr da maneira, não só como os outros esperam, mas da 726
maneira como você acha que tinha que ser, que deveria ter sido, você se diminuiu, como 727
ser humano e como militante. E se você perde sua condição de militante, você perde sua 728
condição política, você perde uma coisa que era fundamental, porque você foi para isso, 729
porque você acreditava em determinadas posturas políticas, uma ideologia, um caminho 730
e, de repente você se vê como que traindo tudo isso, como você, você trai a si mesmo, 731
antes de você trair um companheiro que é preso, que você fala, você está traindo a você 732
mesmo e isto é uma coisa muito complicada, porque para dizer: “Não, mas, eu não 733
aguentei.” Mas, algo dentro de vocês, mas, devia ter, então, porque você foi fraco, se 734
você foi fraco, pessoa fraca não merece tais coisas, não merece tais coisas, não tem 735
direito a tais coisas, não tem direito a tais coisas. É um processo muito complicado, é 736
um, eu acho que essas são [trecho incompreensível], você quer falar de saudade, 737
marcas, é isso, como você lidar com este ser, que você sai depois que você é preso e 738
torturado e que você fale mais, menos e que você não morre, que você está aí, que você 739
não aguenta enfrentar a morte, como é que fica? Como você recompõe este ser humano, 740
como você voltasse a se respeitar, como você voltar a achar que você vale alguma coisa. 741
Então, esse é um ponto muito complicado, difícil e eu sei exatamente do que os meus 742
companheiros estão sempre falando, porque a coisa que eu acho que grande parte de nós 743
experimentou e experimenta e não é algo que você resolve, que você resolve fácil, pode 744
vir a resolver. 745
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Agora, naquela fase, como você 746
historiou, de desagregação da ALN, com as baixas, como é que fica essa militância, 747
vamos dizer, você sente fora dessa rede que desagregou de certa maneira? Ou você 748
continua com o sentimento de pertencimento à resistência, embora não seja maior nessa 749
entidade que, vamos dizer, por assim dizer, teria desaparecido? 750
Maria Aparecida Costa – Eu acho o seguinte: não, eu continuo sentindo um 751
pertencimento, porque nunca, há desagregações, grandes quedas aqui em São Paulo e 752
tal, mas mesmo na época? Não, eu ainda me sentia pertencente ao que continuava, eu, 753
na mesma, apesar da morte do Marighella e tal, se tinha uma visão de que haveria de 754
continuar, de que existia, enfim, condições políticas para ir adiante, que de um velho 755
que, [trecho incompreensível], que estava assumindo, então eu me sentia, eu me sentia 756
participando. 757
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Você voltou a militar depois de 758
73? É, você foi solta em 73. 759
Maria Aparecida Costa – Não, eu saí em 73, não, eu passei uma temporada 760
aguardando o meu julgamento, até o julgamento, trabalhando, eu fui trabalhar e tal e aí a 761
minha militância, eu não voltei a ter uma militância, assim, organizada. Eu, no 762
momento, fui do, nem era MDB, quando tinha a grande frente ampla, tal, mas aí depois, 763
quando houve a cisão PSDB e tal, eu acabei me afastando e houve um momento em que 764
eu pertencia ao PT, depois de algum tempo eu fui para o PT, mas não desenvolvi a 765
minha militância e aí passei a atuar em, vamos dizer assim, pontualmente, em questões 766
da Ordem de Advogados, em algumas questões sindicais, em um dos movimentos, 767
então, é uma coisa mais pontual, não organizada. Enfim, tem sido assim, Comissão da 768
Verdade, que foi uma das coisas que a gente, assim, nós nos mobilizamos, enfim, um 769
grupo, vários grupos que contribuem para isso, enfim, existe em Brasília e tal ou então 770
tem sido uma atuação mais pontual, não de um engajamento assim, um determinado 771
partido ou uma coisa específica. 772
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – A sua formação religiosa é católica, 773
você disse no começo, sobre Teologia de Libertação, etc., catolicismo... 774
Maria Aparecida Costa – Católica, eu estudei 11 anos. 775
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Você falou que estudou em colégio de 776
freira. 777
Maria Aparecida Costa – Onze anos em colégio de freira. 778
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Aqui em São Paulo? 779
Maria Aparecida Costa – Não, em Santo André, eram as freiras salesianas, nós 780
morávamos em Santo André e, depois eu entrei na faculdade, entrei em 63 e aí eu fui 781
para a JUC, eles tinham um grupo de JUC dentro da faculdade, que foi aí uma passagem 782
muito importante, porque eu tinha algumas ideias sociais, você sempre tem uma visão 783
do outro, eu queria fazer coisas, enfim e aí a JUC foi, assim, um caminho maravilhoso, 784
foi uma abertura na minha cabeça cristã, eu tinha um caminho, eu podia militar e era 785
importante e aliás, batia com o que eu achava, que você está no mundo pelo outro, 786
enfim, de alguma forma você em alguma responsabilidade com este mundo que você 787
vive, de mudar e melhorar e tal. Então, eu encontrei tudo isso na JUC, foi ótimo, mas aí 788
depois participei de encontros, tal, eu fazia parte dela na faculdade. Mas aí com o tempo 789
eu fui me distanciando e, por isso eu digo que eu não tenho religião, eu não me mantive 790
católica, enfim, não tenho religião, vamos dizer assim, deixei de acreditar, como dizem 791
que a crença é um dom, talvez eu tenha perdido o dom da fé, às vezes eu fico pensando 792
porquê, então, mas, foi uma coisa importante, foi, foram valores importantes, que eu 793
acho que eu tive, principalmente, assim, Teologia da Libertação foi, talvez, 794
fundamental, para eu enxergar, entender o mundo, a ter meu papel nele. 795
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Esse seu mestrado chegou a ter se 796
constituído ou não? 797
Maria Aparecida Costa – Não, não acabei, porque eu fiz esse mestrado numa situação 798
muito difícil, assim, em termos de saúde, meu marido internado, foi, ele passou vários 799
períodos internado, então eu acabei fazendo uma coisa, eu achei, até pensei em dar uma 800
mexida nisso, eu acho que a primeira parte acabou, com o histórico de torturas etc., mas, 801
tem umas conclusões jurídicas que eu até melhoraria, mas acabei não deixando como 802
livro, não. Mas foi um período difícil, eu não consegui articular, não consegui 803
desenvolver tudo que precisava, então, mas, ficou assim, de alguma forma foi 804
importante, para mim, pelo menos pessoalmente, e eu acho que ele tem até um conteúdo 805
interessante, acho que [trecho incompreensível] e tal, eu tenho até trabalhado em alguns 806
pontos para transformar mais em artigos, em algumas coisas assim, com relação a esse 807
aspecto de tortura, enfim, no momento atual. 808
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Certo. 809
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Tem só uma coisa aqui, desculpa 810
insistir nesse ponto, mas, é que eu preciso especificar algumas coisas sobre a... 811
Maria Aparecida Costa – O que você achar que puder. 812
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Não, mas é só, bem pontual sobre 813
isso, você disse que na tortura, na OBAN, você levou choque, você chegou a levar 814
choques nas genitálias? 815
Maria Aparecida Costa – Não sei. 816
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Não sabe? 817
Maria Aparecida Costa – Não sei, se eu te falar que sim, que não, não vou estar te 818
falando a verdade, eu não sei. 819
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Porque a gente confere isso como 820
um tipo de violência sexual. 821
Maria Aparecida Costa – É uma loucura tão grande, tudo acontecendo ao mesmo 822
tempo, eu não sei. 823
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Não, mas era usual que eles... 824
Maria Aparecida Costa – Era usual, sim, sim, eram, assim... 825
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Muito usual, no ânus... 826
Maria Aparecida Costa – É horrível, fez muito na cadeira do dragão, sei lá, risco para 827
todos os lados, você vira uma coisa só, é simplesmente isso, então eu não sei te falar. 828
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Acho que eu posso, com os 829
dados, pode ser? Seu nome completo? 830
Maria Aparecida Costa – Maria Aparecida Costa. 831
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Antes você quer falar mais 832
alguma coisa? 833
Maria Aparecida Costa – Não, eu acho que quero falar da importância do trabalho que 834
vocês estão fazendo, agradecer, assim, a compreensão de vocês, a maneira delicada que 835
vocês... 836
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Nós é que temos que agradecer e muito. 837
Maria Aparecida Costa – Assim, de conduzir isto, eu acho que eu queria, isso que eu 838
vou deixar registrado e o papel da Comissão da Verdade, o resgate desse passado, 839
enfim, escrever a história que, de fato aconteceu, deixar para as novas gerações que o 840
conhecimento do que elas estão vivendo não foi de graça, que é importante ter essa 841
noção de que essa liberdade que se tem hoje foi uma conquista de todos os que foram 842
resistentes, seja lá onde for, mas foi uma luta para se chegar nela e que deve ser 843
aperfeiçoada, deve ser aprofundada, mas é preciso conhecer isso. E eu acho, inclusive, 844
também, às vezes eu fico pensando que, depois que vocês fizerem um grande apanhado 845
disso tudo, com as conclusões gerais, isso tudo tem que ser discutido, as próprias Forças 846
Armadas é importante, é importante, eu acho, até por uma questão de democratização de 847
um pensamento militar, saber que quando você fala que ele estava organizado, o 848
Exército estava organizado, as Forças Armadas estavam organizadas, quando foi isso? 849
Como se deu para que, vejam, eu acho que até hoje eles têm aquela noção 850
corporativista, fala-se de tortura, fala-se de todos, espera aí, vamos ver, sim, como 851
instituição esteve envolvida, sim, sustentou a ditadura e tal, mas é preciso desconstruir 852
isto, é preciso eles se apossarem, também, da própria história deles, porque o Exército 853
não se apossa da sua história, do seu papel histórico, das interferências que tem feito ao 854
longo do...ao longo da história do Brasil, por quê? Se você não fizer isso também, vão 855
sempre se ver à margem como guardiãs de uma história, como eles fazem parte dessa 856
história, o papel deles é outro. Sei lá, então eu fico pensando como, não sei, mas de 857
levar isso, inclusive para essas instituições que levaram diretamente ligadas, envolvidas 858
nisso tudo, além, claro, para a juventude, para que saibam, não naquele sentido de que, 859
ora, vamos cultuar o passado, só não vamos conhecer o passado, conheça como ele foi, 860
para daí, que se possa, de fato, caminhar, para que eles caminhem sabendo para onde 861
estão caminhando, enfim, também se apossem de sua própria história. É isso que eu 862
queria deixar registrado. 863
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Vamos. Você tinha um apelido 864
ou codinome à época dos... 865
Maria Aparecida Costa – Tinha, Cristina, Vera, Lúcia. Está bom, mas eram os mais... 866
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Usados? É para o arquivo, às 867
vezes, para a busca no arquivo, eles usavam. Data de nascimento? 868
[Dados pessoais removidos]. 869
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Você disse, a pergunta é se 870
alguém testemunhou os fatos, você disse que foi presa com uma outra pessoa. 871
Maria Aparecida Costa – Não, quando eu fui, era um menino, mas no Rio eu fui presa 872
com um menino chamado Valentin, que é só o que se sabe dele, que é Valentin, nunca 873
mais ele...eu tenho a impressão que ele estava entrando, deu um azar imenso de ser 874
preso comigo, ele estava entrando, tinha algumas coisas que foram apreendidas, 875
algumas coisas na casa dele, mas devia ser, era muito jovenzinho, eu acho, e depois nem 876
a organização não se sabe mais dele. 877
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Ele é desaparecido? 878
Maria Aparecida Costa – Não, não é desaparecido. 879
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Não é desaparecido? 880
Maria Aparecida Costa – Não é desaparecido e você sabe que [trecho 881
incompreensível], eu fui presa com ele, nós, eu tinha acabado de conhecer, então, nós 882
falamos: “Olha eu sou fulano.” Quando nós tínhamos presos, ele, aí eu falei: “Olha, eu 883
sou fulana, qual o seu, me dá um nome qualquer para a gente se chamar e, estamos 884
paquerando, ponto.” Bom, aí foi isso, ele foi comigo, coitadinho, fomos para o DOPS, 885
tal, aquele salão imenso e eu contando uma história, uma história enlouquecida que eu 886
não era, imagina, a Maria Aparecida Costa, eu era outra pessoa, “olha meu documento, 887
estou aqui no Rio porque eu vim do Paraná, vim fazer a vida aqui, tudo”, mas eu tinha 888
que justificar, eu estava com dólares, então eu tinha que fazer um [trecho 889
incompreensível] daqui, “eu estive aqui como turista” e o delegado me olhava e falava 890
assim: “Ou você é muito cínica ou você está dizendo a verdade.” Porque aquela cara 891
assim, carinha assim, imagina, fazer programa, mas eu tinha dólar, eu: “eles pagam 892
dólar” e o menino lá: “E quem é?” “Ah, a gente estava se paquerando.” “Bom, vai, vai”, 893
aí eles acabam indo, o menino dá o endereço, eles vão na casa dele e, descobrem 894
panfleto, descobrem, acho que bala de fuzil, descobrem, eu acho que ele guardava as 895
coisas, enfim, eu não sei nada dele. Mas voltam com tudo isto, eles ficam loucos, mas, 896
Geni, Geni, equipe de busca, aquela truculência e vem a mãe dele, a mãe dele era assim, 897
você imagina uma, aquela senhora espanhola, mais ou menos da minha altura, baixinha, 898
mas velha, quase de xale, de roupa preta, ela me chega desesperada, chorando, ela entra 899
na sala daquele delegado, ela se ajoelha aos pés dele e olha para mim e diz assim: “Essa 900
vagabunda, essa vagabunda que perdeu meu filho, ela não presta, meu filho é um 901
menino, pelo amor de Deus, meu filho, solta o meu filho, mas, é ela.” Aí ficou um 902
negócio assim, que eu não, que eu nunca mais esqueci, era uma cena incrível, mas, eu vi 903
a dor daquela mulher, pelo que eu percebi ela saiu assim, sofrendo, pedindo pelo filho, 904
foi uma coisa terrível, terrível de ver aquilo e eu nunca mais soube do menino, eu 905
soube... 906
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – E eles soltaram? 907
Maria Aparecida Costa – Não sei. 908
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Você não sabe? 909
Maria Aparecida Costa – Nem a organização, a gente sabe que ele chama Valentin, da 910
ALN, não sei nem se era da ALN, mas devia ser de alguma organização de esquerda e 911
só isso. E aqui no DOI-CODI eu me lembro do Tufão, que eu me lembro de a gente ter 912
se visto. 913
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – No DOI-CODI. 914
Maria Aparecida Costa – Que foi assim, mas a gente nem, a gente se cruzou e tal e 915
havia outros companheiros mais, eu também [trecho incompreensível]. 916
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – E é na Bandeirantes, você disse? 917
Maria Aparecida Costa – Na Bandeirantes, é. E aí depois no DOI, aqui no DOPS eu 918
acabei, depois é tão cheio o DOPS, o DOPS era cheio de gente, eu fiquei numa cela tão 919
grande, agora, me pergunta quem é, eu me lembro de ter visto o Celso Antunes Horta, a 920
gente se viu, tanto que houve uma acareação e... 921
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Zota? 922
Maria Aparecida Costa – Horta, ele... 923
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Tem a mulher dele que... 924
Maria Aparecida Costa – Mas, assim, o que eu consigo me lembrar e isso é uma coisa 925
terrível porque eu fiquei uma temporada lá e eu não, eu acho que foi um processo assim, 926
que eu estou querendo eu mesma resgatar alguns, que eu não consigo relembrar, lembro, 927
assim, a primeira visita do meu pai, isso eu lembro, levaram algumas coisas e só. E aí, 928
depois eu me vejo mais no Tiradentes. 929
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – No Tiradentes, e no Tiradentes 930
você lembra de...das mulheres com quem você... 931
Maria Aparecida Costa – As mulheres? Ah, eu me lembro de muita gente, lembro, 932
não, estive com a Selma, com a Vilma Marcon, com a Arlete, com a Celeste, que eu 933
acho que você já tem todas aí, a Celeste, a Idoína, a minha cara presidenta, não é? A 934
Márcia Mafri, que morreu recentemente, que éramos muito amigas, Aninha Buste, 935
Terezinha Zerbini, a Maria Barreto Leite, enfim, aí foi uma época, Cidinha Santos, que 936
era uma menina extremamente valorosa. Incrível e...sim? 937
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Tem alguém que você tem 938
contato, que você acha que a gente poderia entrar em contato para falar? Que você tenha 939
o contato para falar. 940
Maria Aparecida Costa – Mulheres, assim? Então, a Rose já veio, certamente a Rose 941
Nogueira, Rita Sipahi. 942
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – A Rose vem, mas ela ainda não 943
veio. 944
Maria Aparecida Costa – É, ela ainda está acamada, ela está com problema. 945
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Da queda? 946
Maria Aparecida Costa – É, a Rita Sipahi. 947
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – A Rita. 948
Maria Aparecida Costa – Eu não sei se já... 949
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Já, já falou. 950
Maria Aparecida Costa – Já falou? Bom, a Aninha é do Rio, Aninha Buste está no 951
Rio. 952
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – A gente entrou em contato com 953
ela. 954
Maria Aparecida Costa – Já entraram? Tem a Celeste Martins. 955
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – A Celeste, não, se você tiver o 956
contato da Celeste seria muito bom. 957
Maria Aparecida Costa – Como é que seria? Como é que... 958
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – E-mail, tal, eu tenho, você tem 959
meu e-mail, não é? Se você pudesse passar para mim o e-mail dela, aí eu entro em 960
contato. 961
Maria Aparecida Costa – Aí você entra em contato. Ela, tem a Ideoína, quem? Bom, 962
eu acho que você já viu, Leonora, o pessoal que já está aí, que já falou aí. 963
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Não, mas depois você pensa e aí 964
me manda. 965
Maria Aparecida Costa – É, eu vejo, você quer na área das mulheres? 966
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Você disse que também seu 967
marido, se ele quisesse falar seria bom, seria nosso grupo, geralmente quando são 968
homens a gente coloca, tem as coordenadoras e um homem para fazer o... 969
Maria Aparecida Costa – Eu não sei como é que ele está, porque eu acho que ele vai, 970
segunda-feira vai haver um ato lá na Faculdade de Direito. 971
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Caminhada até a Auditoria? 972
Maria Aparecida Costa – Não, mas antes da caminhada vai haver, acho que 973
depoimento na faculdade lá de São Francisco, para a Comissão Nacional mesmo. 974
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Acho que é estadual mesmo, não 975
é? 976
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Acho que é estadual ou é OAB, não, a 977
Dra. Rosa vai estar. 978
Maria Aparecida Costa – A Rosa vai estar lá na Ordem, na OAB e depois vai haver 979
uma na Faculdade de Direito, onde vão ser ouvidos, meu marido vai ser ouvido, mas eu 980
tive a impressão que lá vai ser Comissão Nacional da Verdade, porque vai ser ouvido 981
ele, o Diogo vai ser ouvido, aparecem como depoentes ele, o Edibal e acho que os três. 982
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – É, em parceria, eu acho, em parceria. 983
Maria Aparecida Costa – Eu acho que, então, eu não sei se uma coisa exclui a outra. 984
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – É, porque essa, o caráter é 985
diferente, essas audiências públicas têm um caráter diferente dessas privadas, dessas que 986
são, que a gente narra mais detalhadamente, tem umas perguntas mais específicas, a 987
gente tem formulário, se ele se interessar, se ele quiser falar, ele é muito bem-vindo. 988
Maria Aparecida Costa – Mas aí não seria na Comissão aqui, é que lá é uma Comissão 989
mais... 990
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Não, não, seria aqui, mas por 991
outro grupo, não o nosso e de gênero. 992
Maria Aparecida Costa – Ah, entendi, aí, se for o caso, eu poso passar o nome dele e 993
você encaminha, que ele tem uma trajetória... 994
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Exatamente, importante, é muito 995
importante que a gente escute, dê espaço para o maior número de pessoas possível. Os 996
fatos que você narrou foram denunciados? 997
Maria Aparecida Costa – Ah, eu acho que algumas coisas foram denunciadas, assim, 998
na Auditoria. 999
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Ah, mas, aí não entra, você não 1000
recorreu a nenhuma instituição internacional, nenhuma, não? Ah, desculpa. E, por quê? 1001
Maria Aparecida Costa – Que pergunta que você me põe, não, por quê? Difícil 1002
responder, porque, talvez porque eu soube a denúncia já tinha sido feita em conjunto na 1003
Auditoria, os fatos já estavam postos e, enfim, talvez isso tenha deixado, estão pensando 1004
em deixar esses mecanismos internacionais para casos de desaparecidos, etc., vamos 1005
dizer assim, no caso isso é um caso de tortura sim, mas ela já estava posta e, então, eu 1006
acho que eu vi que, como ela estava nesse contexto mais geral, nunca recorri 1007
especificamente a nenhum. 1008
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – E à Justiça, você também não 1009
recorreu? 1010
Maria Aparecida Costa – Não. 1011
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Pelo mesmo motivo, Auditoria 1012
Militar? Processo na Anistia? Na Comissão da Anistia? 1013
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Você aceita mais um café? 1014
Maria Aparecida Costa – Ah, isso, olha seria ótimo, seria muito bem-vindo. 1015
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Eu aceito, por favor. Obrigada. 1016
Há algo que o Estado brasileiro pode fazer em relação às violações indicadas? 1017
Maria Aparecida Costa – Eu tenho a impressão que eu te coloquei, eu acho que eu já 1018
falei que o...eu acho que, não sei se está registrado. 1019
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – É muito importante, a 1020
redemocratização do pensamento militar, você falou que foi o último que você tinha... 1021
Maria Aparecida Costa – É, eu acho que isso, uma atuação visando a retificação da 1022
tortura como método, como método de utilizar a vida das pessoas como apuração de 1023
fatos e, realmente, e levar esse, as conclusões finais, tal, as escolas, as novas gerações 1024
para que elas, assim, se apossem do passado e valorizem, de alguma forma, valorizar 1025
nesse sentido de compreender que muitos estiveram envolvidos para que hoje você 1026
possa viver um mundo sem censura, etc. Uma democracia que tem muito a que se 1027
aperfeiçoar ainda, desse ponto de vista, não? Mas, a gente não pode idealizar o que se 1028
vive, mas, por outro lado, também não se pode desconsiderar que é muito diferente você 1029
viver sob uma ditadura e você viver sob uma democracia, ainda que ela seja imperfeita, 1030
que tenha que ser aperfeiçoada, enfim. 1031
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Alguma mudança institucional? 1032
Porque uma das coisas que a Comissão pode propor são mudanças institucionais, então, 1033
talvez tivesse alguma. 1034
Maria Aparecida Costa – O meu é com adoçante. Mudanças institucionais, mas aí 1035
[trecho incompreensível], uma enciclopédia, mas, assim, emergente. 1036
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Pontual, emergencial. 1037
Maria Aparecida Costa – Eu acho assim, que tem, sim, que você, de alguma forma, 1038
trazer uma participação popular maior na nossa democracia, os mecanismos disso 1039
podem ser os mais variados, eu não vou propor a democracia participativa direto com 1040
plebiscito, não é isso, mas, eu acho um mecanismo realmente que se descubra formas de 1041
acolhimento, de sugestões, de que o cidadão se sinta, de alguma forma, responsável, 1042
participante pelo destino da pátria dele, país dele, da própria democracia que ele vive. 1043
Mas, se puderem falar alguma coisa de forma política. Mas eu acho que é outro 1044
momento, não tem. 1045
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – A mudança institucional com 1046
relação àquilo que tem a ver com a herança ou alguma coisa que você pontue nesse 1047
sentido. 1048
Maria Aparecida Costa – É, eu acho que o mais que eu vejo é, realmente, uma 1049
mudança de pensamento, sabe? Essa redemocratização das forças de segurança, das 1050
questões, eu acho assim, eu acho... 1051
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Isso é uma mudança institucional 1052
também. 1053
Maria Aparecida Costa – Eu acho que nesse enfoque, claro, é um processo, é um 1054
trabalho longo, não só para a minha geração, então eu acho que... 1055
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – É permanente, não é? 1056
Maria Aparecida Costa – É permanente, enfim, a utopia, é um pacto com o futuro, 1057
alguém disse isso e eu nunca esqueci, você só constrói o futuro se você tiver grandes 1058
utopias, um futuro maior, não precisa se contentar com...é meio isso. 1059
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Se você quiser, a gente acabou 1060
com as perguntas, se você quiser dizer mais alguma coisa que você julgue importante, 1061
fique à vontade, não sei se você tem mais alguma coisa. 1062
Maria Aparecida Costa – Eu acho que, assim, para, talvez uma última coisa, o apoio 1063
da minha família, que foi muito importante, que eles estiveram todo esse tempo, assim, 1064
ao lado, apesar de eles não serem políticos, apesar de, eu achei isso, é algo, também, que 1065
me ajudou muito. 1066
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Você tem irmãos? 1067
Maria Aparecida Costa – Uma só. 1068
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Mas, família, você diz família de 1069
origem, família sua, que você constituiu? 1070
Maria Aparecida Costa – A que eu constitui, ela tem tido essa acolhida ao longo da 1071
vida, mas, naquele, eu até me lembro, naqueles momentos difíceis, era com pai e mãe, 1072
minha irmã, eles sempre presentes, entendeu? Porque a gente sempre foi assim, 1073
relativamente, média bem ali, várias dificuldades, eu acho legal, assim, a luta que eles 1074
tiveram e, de alguma forma, é um reconhecimento, lamento, talvez, não ter deixado 1075
claro para a minha mãe isso, ela está internada, ela passou por desesperos na vida dela, 1076
com a minha prisão e tal, e eu acho que esse é um registro particular da comissão, mas 1077
eu acho que... 1078
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Não, mas é importante a gente 1079
entender. 1080
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – O papel da família, a repercussão da 1081
família, o apoio, o interessante mesmo sem a família ser engajada propriamente na...mas 1082
é engajada. 1083
Maria Aparecida Costa – É engajada com filho. 1084
Luci Buff (Comissão Nacional da Verdade) – Com filho no amor. 1085
Maria Aparecida Costa – É, engajada num outro jeito, de uma outra maneira. 1086
Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – Bom, vou desligar. 1087