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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO MARIA CRISTINA DO AMARAL MOREIRA A RECONTEXTUALIZAÇÃO DO DISCURSO DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS EM UMA COLEÇÃO DIDÁTICA DE CIÊNCIAS RIO DE JANEIRO 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

MARIA CRISTINA DO AMARAL MOREIRA

A RECONTEXTUALIZAÇÃO DO DISCURSO DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM

CIÊNCIAS EM UMA COLEÇÃO DIDÁTICA DE CIÊNCIAS

RIO DE JANEIRO

2013

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Maria Cristina do Amaral Moreira

A RECONTEXTUALIZAÇÃO DO DISCURSO DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM

CIÊNCIAS EM UMA COLEÇÃO DIDÁTICA DE CIÊNCIAS

Tese de doutorado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em

Educação em Ciências e Saúde do

Núcleo de Tecnologia Educacional para

a Saúde da Universidade Federal do Rio

de Janeiro como requisito parcial à

obtenção do título de Doutor em

Educação em Ciências e Saúde.

Orientador: Prof.ª Dr.ª Isabel Martins

RIO DE JANEIRO

2013

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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial desta tese para fins de estudo e pesquisa, desde que a fonte seja citada.

M838r Moreira, Maria Cristina do Amaral.

A recontextualização do discurso da pesquisa em educação em ciências em uma coleção didática de ciências. / Maria Cristina do Amaral Moreira. – Rio de Janeiro: UFRJ/NUTES, 2013.

169 p.; 30 cm. Orientadora: Isabel Martins. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde, Rio de Janeiro, 2013.

Referências bibliográficas: f. 148-160.

1. Ensino de ciências. 2. Livro didático - Avaliação. 3. Tecnologia Educacional em Saúde - Tese. I. Martins, Isabel. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Pós-Graduação em Educação em Ciências e Saúde. III. Título.

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Maria Cristina do Amaral Moreira

A RECONTEXTUALIZAÇÃO DO DISCURSO DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM

CIÊNCIAS EM UMA COLEÇÃO DIDÁTICA DE CIÊNCIAS.

Tese de doutorado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em

Educação em Ciências e Saúde do

Núcleo de Tecnologia Educacional para

a Saúde da Universidade Federal do Rio

de Janeiro como requisito parcial à

obtenção do título de Doutor em

Educação em Ciências e Saúde.

Aprovada em ________________________.

__________________________________________________ Profa. Dra. Isabel Gomes Rodrigues Martins – UFRJ

__________________________________________________ Prof. Dr. Orlando Gomes de Aguiar Junior – UFMG

__________________________________________________ Profa. Dra. Sandra Lucia Escovedo Selles – UFF

__________________________________________________ Profa. Dra. Laísa Maria Freire dos Santos – UFRJ

__________________________________________________ Profa. Dra. Rita Vilanova Prata – UFRJ

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Para Jaime, Maria Helena e Fred

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AGRADECIMENTOS

Finalizar um trabalho de tese é algo que tem uma dimensão muito solitária, com muitos percalços no caminho, mas por outro lado esse trabalho não teria sido concluído sem a ajuda de muitos professores, colegas, amigos e familiares.

Devo muito ao grupo LEME do NUTES/UFRJ, às muitas segundas-feiras de extensos debates. Tratando-se de um grupo em formação, como integrante tenho muito a agradecer, a começar pela professora Isabel Martins que acima de tudo apostou em mim, incluindo-me no grupo como sua orientanda. Agradeço também aos colegas Amanda Lima, Angélica Cosenza, Francine Pinhão, Mônica Lobo, Simone Pinto, Téo Bueno, Laísa Freire, Cristina Cohen, Lucia Pralon, Luisa Vilardi, Mirna Quesado, Lucia Lino, e aos professores(as) Guaracira Gouvêa, Luiz Rezende, Flavia Rezende e Rita Vilanova que conviveram comigo mais de perto, tanto no doutorado como em congressos, e muito contribuíram nas trocas de referenciais e discussões sobre o meu trabalho.

Aos professores com os quais convivi nos cursos do NUTES: Miriam Struchiner e Vera Helena de Siqueira, Alexandre Brasil, Flavia Rezende, Isabel Martins, Branca Fallabela, o meu agradecimento.

Aos professores Orlando Aguiar Junior, Sandra Selles, Rita Vilanova, Laísa Freire dos Santos e Guaracira Gouvêa, Simone Salomão e Isabel Martins vai um agradecimento especial por contribuírem na arguição desta tese, aprimorando-a e contribuindo para o campo de pesquisa em Educação em Ciências.

Aos professores(as)/autores(as) do livro didático Construindo Consciências, Carmen De Caro; Mairy Loureiro dos Santos; Maria Emília de Castro Lima; Nilma Soares da Silva; Ruth Schmitz de Castro e Selma Ambrozina de Moura Braga, Orlando Gomes de Aguiar Junior e Helder de Figueiredo e Paula agradeço imensamente a oportunidade de ter conhecido a obra que escreveram, de grande interesse para a Educação em Ciências, em especial o meu reconhecimento aos dois últimos professores pela disponibilidade de seu tempo, em participar de conversa preliminar à realização da pesquisa.

Aos meus colegas de turma: Ana, Andrea, Carol, Juliana, Luziane, Marcus Vinicius e Teo, companheiros sensacionais, um grupo aplicado com garra e disciplina para acertar, a minha gratidão.

Aos funcionários da secretaria e de outros espaços do NUTES, Caio, Lúcia, Ricardo.

À minha instituição de trabalho, Escola Municipal José de Alencar, em especial as diretoras Ana Paula e Heldenir e colegas que compreenderam o meu momento e sempre me incentivaram, assim como os funcionários da escola.

Aos meus tios, Leda e José Golovac (agradecimento póstumo) pela paciência e compreensão em todo esse momento de dor na família, todo o meu amor. A minha prima Adriana e afilhada Nanda que se ressentiram da minha presença esses anos, mas que respeitaram esse momento, o meu agradecimento. A Eliane (agradecimento póstumo) e Luiz Felipe por estarem sempre por perto nas datas mais marcantes de minha vida.

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Ao meu amigo Marcus Vinicius Pereira que, além de parceiro nas discussões sobre educação, foi meu companheiro, irmão, disponível em qualquer situação, o agradecimento muito sincero.

Entre tantos amigos(as), gostaria de citar alguns que me ajudaram muito com suas presenças, palavras e pensamentos positivos, como Renata, Tonico, Matti, Karin, Maia, Andrea, Rô, Ciça, Fátima, Clarinha, Patrícia, Leila, Tânia, Juarez, Letícia, Saulo, Silvana, Vicki, Angela Mascelani, Angela Dias, Mercedes, Gilda, Teca, Dirlei, Tune, Ophélio, Cecy, Eduardo, Márcia, queridos, muito obrigada!

E, finalmente, aos meus pais e irmão (homenagem póstuma), fonte de admiração e inspiração, a quem dedico essa tese.

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Não é puro idealismo, acrescente-se, não esperar que o mundo mude radicalmente para que se vá

mudando a linguagem. Mudar a linguagem faz parte do processo de mudar o mundo. A relação

entre linguagem-pensamento-mundo é uma relação dialética, processual, contraditória.

(FREIRE, 2001, p.68)

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MOREIRA, Maria Cristina do Amaral. A recontextualização do discurso da pesquisa em Educação em Ciências em uma coleção didática de ciências. Rio de Janeiro, 2013. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Saúde) – Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.

Adotando o enquadramento teórico-metodológico da Análise Crítica do Discurso

(ACD) de Chouliaraki e Fairclough (1999) e de Fairclough (2001, 2003), esta tese

investigou as relações entre a pesquisa em Educação em Ciências e o Ensino de

Ciências. Interessamo-nos pelos discursos da pesquisa e do ensino de ciências, na

centralidade do livro didático e no número expressivo desses materiais autorados

por pesquisadores do campo da pesquisa da Educação em Ciências. Nesse sentido,

a relação dialética entre pesquisa em Educação em Ciências e o Ensino de Ciências

nos permite entender práticas sociais em negociação. As trocas de ideias e opiniões

entre estas práticas sugerem bases de possíveis consensos, adesões, assim como

controvérsias, caracterizando limites e resistências entre discursos. A análise da

coleção didática Construindo consciências foi realizada em duas fases interligadas: a

análise de conjuntura, compreendendo a discussão das vertentes da pesquisa em

Educação em Ciências em confluência com políticas educacionais e influências do

mercado editorial, e a da análise textual, consistindo da busca por relações

intertextuais e interdiscursivas em seis excertos selecionados do livro didático.

Analisamos vocabulário, gramática, coesão textual e aspectos da linguagem que

caracterizam o discurso da ciência escolar em hibridização com os da pesquisa em

Educação em Ciências. Os resultados apontaram que pesquisas em Educação em

Ciências recontextualizadas no discurso da coleção didática contribuem para: a

inclusão da perspectiva do estudante; o entendimento do discurso da ciência como

prática social e institucional; a confluência de elementos da linguagem, tais como

agenciamento e processos relacionais, na dimensão social do conhecimento

científico; a valorização de atitudes emancipatórias coletivas; a aproximação

necessária entre linguagem científica e linguagem cotidiana, entre outros aspectos.

Observamos também consistentes articulações entre vertentes, tais como

Concepções Alternativas e Ciência-Tecnologia-Sociedade e o discurso da ciência

escolar, o que reflete uma hibridização de discursos em maior consolidação com

essas ideias para o Ensino de Ciências.

Palavras-chave: Análise crítica do discurso. Livro didático de ciências. Pesquisa em

educação em ciências. Educação em ciências. Hibridização de discursos.

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MOREIRA, Maria Cristina do Amaral. The discourse of research in science education embedded in the discourse of science textbook. Rio de Janeiro, 2013. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Saúde) – Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.

The thesis examined the relationship between Science Education research and

Science Education, according to Chouliaraki and Fairclough (1999) and Fairclough

(2001, 2003) theoretical and methodological frameworks. We are interested in the

discourses of research and science education via textbook´s centrality and the

significant number of these materials authored by researchers from the field of

Science Education research. In this sense, the relationship between research in

Science Education and Science education is dialectic and, particularly, in this study,

constitutive of social practices in trading. Furthermore, the exchange of ideas and

opinions among these practices both suggest possible consensus, as expressed by

the bases of controversies characterizing limits and strengths, as well as adhesion

between discourses. The analysis aimed intertexts and interdiscourses in a textbook,

named Construindo Consciências for Elementary School (teacher's manual and

student´s book) through six excerpts from the book intersecting strands of research.

We analyzed vocabulary, grammar, cohesion and textual aspects of language that

characterize the discourse of school science in hybridization with the research in

Science Education. The results show that research in Science Education embedded

in the discourse of the textbook contributes to: the inclusion of student voice, the

possibility that the student has to learn socially, in understanding the discourse of

science as a social and institutional, in the various forms taken by the discourse of

science, at the confluence of language elements such as agency, relational

processes in the social dimension of scientific knowledge; in developing

emancipatory collective attitudes; approach required between the scientific language

and everyday language, among other things discussed in this thesis. We observed, in

our analysis that certain lines of research articulate better to the science school

discourse, which reflects a greater consolidation of ideas for the science education.

Keywords: Critical discourse analysis. Science textbook. Research in science

education. Science education. Hybridization of discourses.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Estratégias discursivas em cadeias intertextuais 38

Quadro 2 Tipos de processos relevantes na análise textual 41

Quadro 3 Livros didáticos autorados por pesquisadores do campo da educação em ciências

44

Quadro 4 Formação acadêmica e ocupação dos autores de acordo com

a edição de 2010

48

Quadro 5 Os excertos selecionados para a análise da pesquisa 55

Quadro 6 Intertexto, pesquisador e estratégia discursiva da assessoria pedagógica

97

Quadro 7 As ideias da pesquisa em educação em ciências no livro didático

104

Quadro 8 Sequência de cientistas 115

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Percentagem de livros didáticos aprovados e autorados por

pesquisadores nos PNLD 2011 e 2012 22

Tabela 2 Número de páginas e distribuição em unidades e capítulos dos volumes da coleção didática

52

Tabela 3 Número de ocorrências das seções na coleção didática Construindo Consciências

53

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACD Análise Crítica do Discurso

CTS Ciência, Tecnologia e Sociedade

EC Educação em Ciências

EJA Educação de Jovens e Adultos

HCF História da ciência e a filosofia

IBECC Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura

IDEB Índice de desenvolvimento da Educação Básica

LD Livro Didático

LDB Lei de Diretrizes e Bases

LDC Livro Didático de Ciências

LSF Linguística Sistêmico-funcional

MAST Museu de Astronomia e Ciências afins

MCA Movimento das concepções alternativas

PISA Programme for International Student Assessment

PNLD Programa Nacional do Livro Didático

PNLEM Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio

PUC Pontifícia Universidade Católica

UFF Universidade Federal Fluminense

UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization

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SUMÁRIO

1 CONTEXTO E JUSTIFICATIVA 15

1.1 UM PERCURSO PESSOAL 15

1.2 SOBRE A PESQUISA E O ENSINO 17

2 O PROBLEMA DE PESQUISA E QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO 21

2.1 O PROBLEMA E OS OBJETIVOS DA PESQUISA 21

2.2 O QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO 27

2.2.1 A análise crítica do discurso de Fairclough 28

2.2.2 O papel da teoria sistêmica de Halliday no estudo 32

2.2.3 Ferramentas analíticas 35

2.2.3.1 As condições de produção do texto 36

2.2.3.1.1 Intertextualidade 36

2.2.3.1.2 Interdiscursividade 39

2.2.3.2 Categorias de análise textual 39

2.2.3.2.1 Léxicos e vocabulário 40

2.2.3.2.2 Transitividade 40

2.2.3.2.3 Coesão Textual 42

3 DESCRIÇÃO DO CORPUS 43

3.1 CRITÉRIOS PARA A DELIMITAÇÃO DO CORPUS DA PESQUISA 43

3.2 O LIVRO DIDÁTICO CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS 47

3.2.1 A autoria 47

3.2.2 Organização da coleção 50

3.2.2.1 Manual do professor 50

3.2.2.2 Livro do aluno 52

3.2.2.3 Excertos selecionados 54

3.2.2.3.1 Seções específicas 55

3.2.2.3.2 O contexto dos excertos selecionados 58

4 ANÁLISE DA CONJUNTURA 65

4.1 A INFLUÊNCIA DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS 65

4.1.1 As vertentes de pesquisa 67

4.1.1.1 Movimento das concepções alternativas 68

4.1.1.2 Modelos e modelagem 71

4.1.1.3 Natureza da Ciência e História e Filosofia da Ciência 74

4.1.1.4 Ciência, tecnologia e sociedade 78

4.1.1.5 Estudos da linguagem 81

4.2 INFLUÊNCIAS DOS SEGMENTOS SOCIAIS NO BRASIL 84

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4.2.1 Políticas educacionais e recomendações curriculares oficiais 85

4.2.2 Produção e mercado editorial 88

5 ANÁLISE TEXTUAL 90

5.1 A ASSESSORIA PEDAGÓGICA 90

5.1.1 Interdiscurso na assessoria pedagógica 90

5.1.1.1 Um discurso institucional na assessoria pedagógica 91

5.1.1.2 O discurso do movimento das concepções alternativas, história e filosofia da ciência e modelagem no ensino de ciências

93

5.1.2 Intertextualidade na assessoria pedagógica 95

5.1.2.1 Os pesquisadores e as ideias da pesquisa em educação em ciências 95

5.1.2.2 A concepção da obra na assessoria pedagógica 96

5.2 O LIVRO DO ALUNO 101

5.2.1 O discurso modalizado 102

5.2.2 As vertentes da pesquisa nos excertos 103

5.2.2.1 Movimento das concepções alternativas dos alunos (MCA) 105

5.2.2.2 História da ciência e natureza da ciência 111

5.2.2.3 CTS, risco e responsabilização, empoderamento e cidadania 116

5.2.2.4 Linguagem 119

6 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 127

6.1 O CARÁTER HÍBRIDO DO TEXTO 127

6.2 O DISCURSO DO ESTUDANTE REPRESENTADO NO DISCURSO DO MOVIMENTO DAS CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS

130

6.2.1 Antecipação do erro 131

6.2.2 A mescla entre o discurso do MCA, modelagem, pedagógico e o discurso da ciência

132

6.2.3 O discurso normativo do professor e o discurso do MCA 133

6.3 O DISCURSO DO AGENCIAMENTO/DIALOGISMO NO DISCURSO DO CONSTRUTIVISMO

133

6.4 O DISCURSO DO SOCIAL E O DISCURSO DA PESQUISA EM CTS 134

6.4.1 O discurso da confiança, risco e responsabilização 135

6.4.2 O discurso da ciência como prática humana em interseção com a História da Ciência e CTS

136

6.4.3 O discurso do especialista da cidadania no discurso CTS 137

6.5 O DISCURSO DA CERTEZA E INCERTEZA NO DISCURSO DA NATUREZA DA CIÊNCIA

138

6.6 O DISCURSO DO COTIDIANO EM ARTICULAÇÃO COM O DISCURSO DA CIÊNCIA E CTS

139

6.7 O DISCURSO DA CULTURA EM ARTICULAÇÃO COMO DISCURSO DA CIÊNCIA

140

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6.8 O DISCURSO DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NO LIVRO DIDÁTICO CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS

141

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 142

7.1 O LIMITE ESPERADO 145

7.2 ESTUDOS FUTUROS 146

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 148

ANEXOS 161

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15

1 CONTEXTO E JUSTIFICATIVA

Mudança não é trabalho exclusivo de alguns homens, mas dos homens que a escolhem [...]

(FREIRE, 1979, p.52).

1.1 UM PERCURSO PESSOAL

O cenário a ser descrito constitui uma preocupação pessoal desde a minha

formação como bióloga. O interesse no ensino de ciências foi se complexificando em

minha trajetória de vida, tanto do lugar de professora de ciências, de longa

caminhada, por inquietações geradas na sala de aula, como na posterior inserção na

pesquisa em Educação em Ciências, até chegar ao doutoramento.

Portanto, o primeiro motivo que me levou a pensar neste estudo e nas

questões que trago como reflexão tem relação com a minha prática em aulas de

ciências, em diferentes escolas privadas e públicas, principalmente com foco no

Ensino Fundamental, com alguma experiência no Ensino Médio e na Educação de

Jovens e Adultos (EJA). Portanto, questões do ensino e aprendizagem de ciências

permeiam os trinta e dois anos de minha experiência como profissional do ensino de

ciências, voltados à educação básica.

Um segundo motivo, o qual se evidencia no fazer desta pesquisa, está

associado ao movimento de formação acadêmica, iniciado há vinte e um anos,

desde a minha especialização em ensino de biologia em 1992, pela Universidade

Federal Fluminense (UFF). Na época, interessava-me pelas concepções prévias e

alternativas de estudantes de 6º e 7º anos do Ensino Fundamental em relação à

teoria biológica da evolução. A abordagem teórica do construtivismo de Bachelard,

da psicogenética de Piaget e do socioconstrutivismo de Vygotsky, entre outros,

embasavam meus estudos.

Na sequência de minha formação como pesquisadora, o interesse modificou-

se para a experimentação/laboratório, no contexto escolar. Na dissertação de

mestrado o foco era entender como a experimentação/laboratório de ciências pode

contribuir para o ensino-aprendizagem desta disciplina. A pesquisa sobre

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experimentação também analisou o papel da linguagem, em relatórios produzidos

pelos estudantes, em atividade de investigação, em aulas de laboratório escolar.

Atualmente, na presente tese, volto o olhar especificamente para aspectos do

estudo da linguagem, na capacidade que colocam a dialogar questões sociais, como

metas e programas educacionais, pesquisas em Educação em Ciências e outras

mais pontuais, tais como o discurso da ciência ensinado nas escolas. Fato é que,

cotidianamente, a maioria das ações/relações, em nossa sociedade, passa a ser

mediada por documentos/textos escritos manualmente ou digitalizados, integrando a

dimensão da linguagem com mais representatividade na contemporaneidade

(FAIRCLOUGH, 2003). Portanto, a linguagem passou a constituir um desafio por seu

enredamento no mundo social, constituindo uma robusta dimensão a estabelecer

sentidos nas tramas sociais estudadas por pesquisadores de diversas áreas, em

confluência com as ciências sociais.

A trajetória de pesquisa, aqui lembrada, é importante para que pudesse

distinguir a pesquisa que realizo hoje da que fiz anteriormente. Na primeira fase

(especialização/mestrado), entendo que foi possível articular questões relativas à

prática pedagógica em sala de aula, a partir do indivíduo ou aulas de ciências, em

situações de aprendizagem desta disciplina. Nesta tese, há um deslocamento no

foco central da pesquisa, ou seja, a busca volta-se para o aprofundamento de

questões da linguagem envolvendo o discurso, em livros didáticos de ciências,

entendendo a linguagem em uso do material educativo como parte constituinte do

discurso da ciência em sala de aula. Mesmo contendo interação com a prática

pedagógica, é preciso frisar que o foco da investigação não está nos professores e

estudantes. O fundamental no presente estudo é a racionalidade política, social,

cultural, ética e de valores voltada para a prática do ensino de ciências, configuradas

nas lutas de poder, ideias, situações, interpretações e outras dimensões sociais, que

juntas constituem e orientam o conjunto de questões, pressupostos da pesquisa e

do ensino nas sociedades contemporâneas.

Portanto, para além das inquietações da prática pedagógica, que por si só

não constituem um problema de pesquisa, a tese que se apresenta entende o

contexto social da pesquisa em Educação em Ciências pelos referenciais da

linguagem, ou seja, considera a própria linguagem o contexto social a ser estudado.

Neste sentido, trabalhemos com o discurso e o texto do livro didático de ciências,

eles mesmos como contexto social da pesquisa.

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1.2 SOBRE A PESQUISA E O ENSINO

As preocupações com o ensino de ciências estão presentes no cotidiano de

vários profissionais, abrangendo um contingente grande de indivíduos da sociedade.

Estudos reforçam a necessidade de que a ciência, ensinada na escola, deva, acima

de tudo, alcançar a meta de uma formação mais cidadã, reflexiva, inclusiva e

igualitária para os estudantes na contemporaneidade (KRASILCHICK, 2000,

CACHAPUZ et al., 2005, FRACALANZA e MEGID NETO, 2006, NARDI, 2007,

MARTINS, 2006, 2007, 2011).

Apesar do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) ter atingido

em 2011 “as metas estabelecidas em todas as etapas do ensino básico - anos

iniciais e anos finais do ensino fundamental e ensino médio” (BRASIL, 2011)1, ainda

persistem preocupações como, por exemplo, o desempenho alcançado pelos

estudantes brasileiros no Programme for International Student Assessment (PISA)2.

O estudante brasileiro, nos anos de 2003 e 2006, em relação ao de outros países da

América Latina, não apresentou modificações no desenvolvimento de sua formação

científica. O nível de proficiência do estudante no Brasil foi um dos mais baixos

(proficiência nível 1), representando um conhecimento científico limitado, aquele que

em geral está associado e aplicado a poucas situações familiares, expressando

explicações científicas óbvias e quase sempre acompanhadas de evidências simples

(WAISELFISZ, 2009). Essa situação persistiu e não se modificou no último PISA,

ocorrido em 2009, no qual o Brasil ocupou a posição de 59º lugar, resultado

alcançado pelos estudantes em reposta aos índices de avalição do letramento

científico (nas disciplinas de matemática e ciências), ficando à frente somente de

dois países da América Latina, a saber, Argentina e Peru (OECD, 2009)3 .

Em geral, as pesquisas em educação, voltadas aos vários processos de

ensino-aprendizagem teóricos e metodológicos, costumam relacionar os resultados

ruins, alcançados em avaliações, testes e índices de aprendizagem às questões

internas da escola. Para Arroyo (2011), o foco no intraescolar ignora relações entre

educação e sociedade, empobrecendo a gestão de políticas, sua formulação, 1 IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Portal do MEC. Disponível em

<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1 80&Itemid=336>. 2 O PISA realiza testes periódicos e semelhantes em diversos países (aproximadamente 57

participantes) para avaliar a qualidade da educação em diversos níveis de conhecimento incluindo as competências de ciências. 3 Disponível em <http://dx.doi.org/10.1787/888932343342>.

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avaliação e análise. Esta consideração é relevante por reforçar a necessidade de

incluir disputas extraescolares configuradas no âmbito educacional que, para esse

autor, ao invés de provocarem desânimo nos pesquisadores, deveriam, ao contrário,

instigar as pesquisas (ARROYO, 2011, p.11).

No campo da pesquisa em Educação em Ciências, as formas de melhorar4 o

ensino de ciências têm constituído foco de estudo de vários pesquisadores. Há,

neste campo, uma sólida discussão sobre os principais objetivos da pesquisa, seus

resultados e limites, ideias consolidadas, bem como a necessidade de entender,

sobretudo, processos que estimulam as pesquisas na sua relação com a educação.

Duit (2007) considera que há pelo menos alguns consensos entre os

pesquisadores da Educação em Ciências, em particular esses que dizem respeito à

ideia da melhoria do ensino. No entanto, mesmo apostando na melhoria do ensino,

pesquisadores consideram que questões, importantes para Educação em Ciências

no passado, têm retornado potencializadas, portanto, merecendo ser reexploradas

com compromisso duplicado entre os profissionais da educação, principalmente as

que se referem à natureza da ciência em contextos educacionais (FENSHAM, 2012).

Não obstante as inúmeras facetas de interação, a pesquisa e o ensino

constituem práticas sociais distintas e particulares, cada uma caracterizada por

atores, metas e compromissos próprios. As singularidades de espaços tão diversos,

como universidades, por um lado, e escolas, por outro, indicam que não é possível

uma aplicação direta dos resultados das investigações no ensino. Como, então,

devemos pensar as contribuições possíveis e reais da pesquisa em Educação em

Ciências para o ensino de ciências?

A escola é reconhecidamente o lugar onde o conhecimento pedagógico de

conteúdo relevante é produzido por professores (TARDIF, 2003). Portanto, ao

chegar ao espaço escolar, o conhecimento necessariamente passa por processos

de transformação, ou seja, não é acriticamente incorporado às práticas escolares.

Essas questões, corroboradas pelas pesquisas da linguagem (OGBORN et al., 1996;

KRESS et al., 2002) problematizam as formas pelas quais as contribuições, de uma

prática social são empregadas por outra. Em geral, passam por uma série de

4 Melhorar o ensino de ciências diz respeito aos resultados de pesquisa já consolidados do campo da

educação em ciências que procuram formas de promover o ensino aprendizagem do conhecimento científico.

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19

recontextualizações, movimentos de incorporação do conhecimento gerado numa

prática e mediado por outra.

Diferentes contextos servem de mediação para que a pesquisa de Educação

em Ciências chegue à sala de aula, por exemplo, por intermédio de artigos em

periódicos de formação de professores, cursos ou atividades de desenvolvimento

profissional, projetos envolvendo pesquisadores de diversas linhas de pesquisa e

instituições escolares e materiais educativos, compreendendo caminhos diversos de

recontextualizações.

Nesta pesquisa nos interessou o estudo dos materiais educativos como um

dos contextos de recontextualização da pesquisa no ensino. Mais especificamente,

interessou-nos o número crescente de livros didáticos de ciências, publicados no

Brasil e autorados por pesquisadores da Educação em Ciências sugerindo locus de

aproximação entre as práticas em investigação da pesquisa e do ensino. Essa

aproximação pode suscitar simultaneamente elementos semelhantes e

descontínuos, na forma particular de articular domínios especializados, análogos a

territórios em fronteiras (AKKERMAN e BAKKER, 2011).

Com base em Halliday (1993), podemos dizer que práticas sociais, tais como

a pedagógica e a acadêmica, configuram focos, objetivos, formas de lidar com seus

dilemas, pressupostos, formulações e métodos, bastante diferenciados. Os estudos

de linguagem entendem que essas práticas envolvem gêneros discursivos

específicos. Isso não significa pensar apenas nos impedimentos dos movimentos de

uma prática a outra, mas, para além dos obstáculos relacionados à reconstrução

verbal destas práticas, nos interessa, sobretudo, os aspectos que promovem a

aproximação entre a pesquisa e o ensino de ciências.

Portanto, nessa tese discutimos como os aspectos da pesquisa em Educação

Ciências são incorporados no texto do livro didático de ciências. O livro didático,

nesse sentido, pode ser considerado artefato que cumpre a função específica de

construir pontes entre práticas em interseção (AKKERMAN e BAKKER, 2011,

p.134). Se considerarmos que a mudança/recontextualização do ensino de ciências

realiza-se por transformações de linguagem, envolvendo o ensino, é possível inferir

que essa passa necessariamente por mudanças no livro didático.

Fairclough (2001) propõe a análise de discurso para compreender as

mudanças sociais e como essas mudanças estabelecem outras formas para a

estrutura social. Mudança para Fairclough (2004) se dá a partir de duas relevantes

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orientações epistemológicas; a primeira delas está voltada à especificidade dos

eventos discursivos transformando práticas e ordens do discurso, e a segunda

entende as mudanças de práticas nos e através de domínios e instituições sociais

(FAIRCLOUGH, 2004).

A ideia de mudança não é objeto apenas dos estudos da linguagem. Pode ser

entendida de diversas maneiras. Por exemplo, mudança social para Paulo Freire é

assim entendida:

A rebeldia é ponto de partida indispensável, é deflagração da justa ira, mas não é suficiente. A rebeldia enquanto denúncia precisa se alongar até uma posição mais radical e crítica, a revolucionária, fundamentalmente anunciadora. A mudança do mundo implica a dialetização entre a denúncia da situação desumanizante e o anúncio de sua superação, no fundo, o nosso sonho. É a partir deste saber fundamental: mudar é difícil, mas é possível, que vamos programar nossa ação politico-pedagógica, não importa se o projeto com o qual nos comprometemos é de alfabetização de adultos ou de criança, se a ação é sanitária, se é de evangelização, se de formação de mão de obra técnica (FREIRE, 1999, p.88).

Na nossa concepção, a partir dessas contribuições, a mudança social

envolve, pelo menos em parte, mudanças identificadas nos textos, sobretudo no que

diz respeito à dialetização a que se refere Freire (1999), promovendo uma rebeldia

no sentido de resistência, oposição ao que está colocado como pronto, acabado.

Portanto, o sentido de mudança adotado nesta tese diz respeito à escolha, não

exatamente a um processo natural, mas a uma necessidade humana de

transformação e de atuação social consciente, crítica e organizada. O ensino

produtivo (textos e discursos) pode fazer da sala de aula um espaço que, embora

convivendo com ideias que reproduzam o status quo, possa estimular a

transformação de sentidos e de sujeitos (CARDOSO, 2005).

Portanto, interessa-nos saber o que vem a ser mudança na incorporação

possível dos discursos da pesquisa em Educação em Ciências, mesmo que em

pequenos nichos, no texto do livro didático.

Desta forma, estes conjuntos de questões levantadas, entre outras possíveis,

compreendem o cenário da pesquisa de tese. A linguagem é ponto de partida e, ao

mesmo tempo o de chegada nesse estudo, entendendo que essa não é a única,

mas, uma das escolhas possíveis, do amplo contexto social a que estamos

submetidas.

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2 O PROBLEMA DE PESQUISA E O QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO DE REFERÊNCIA

A transformação de nossas ideias sobre a realidade e a transformação da realidade são

processos que caminham juntos. (LÖWY, 2010, p.29)

Nesse capítulo, a intenção é esclarecer o problema e os objetivos da

pesquisa, assim como os principais elementos da Análise Crítica do Discurso (ACD)

que foram levados em consideração no decorrer das análises. A ACD tem uma

variedade de escopos, o que pode levar naturalmente a métodos analíticos distintos

de pesquisa, isso quer dizer que os procedimentos privilegiados foram selecionados

de forma a responder satisfatoriamente ao problema de pesquisa específico da tese.

2.1 O PROBLEMA E OS OBJETIVOS DA PESQUISA

Neste item, assinalamos três dimensões fundamentais a serem exploradas na

construção do nosso problema de pesquisa: o livro didático, o ensino de ciências e a

pesquisa em Educação em Ciências.

Pode-se argumentar que o livro didático é o componente escolar que mais

contribui com práticas para o ensino de ciências, ou seja, com o que é ensinado

sobre ciências nas aulas de ciências. Para o ex-ministro da educação Cristovam

Buarque, há duas ações/gestões governamentais que realmente deram certo no

Brasil: uma é a merenda escolar, e a outra é a distribuição de livros didáticos,

realizada pelo governo federal5. No caso dos livros didáticos, consideramos que o

investimento governamental com o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)

representa em parte o nível de preocupação voltado a esse material didático

(Programa TV Senado, 2012).

5 Segundo Buarque (2012), esses projetos deram certo principalmente em relação à abrangência dos

mesmos no território nacional; são poucos os municípios que ainda não foram contemplados com a implementação da merenda escolar e com a distribuição do livro didático. No entanto, o educador considera que esses projetos ainda têm muito a melhorar.

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Pautadas em estudos da educação, na relevância histórica, na produção,

circulação e consumo do livro didático na sociedade de um modo geral,

consideramos o texto do livro didático o principal representante do discurso6 da

ciência na escola.

O fenômeno social específico que estamos estudando refere-se ao crescente

número de pesquisadores da área de Educação em Ciências, que têm autorado

livros didáticos de ciências, biologia, química e física.

Em 2013, foram aprovadas 34 coleções didáticas no Sistema de Avaliação do

Livro Didático de Ciências 2011 e de Biologia, Física e Química 2012 (PNLD)7,

sendo que nove delas (aproximadamente 37% do total) têm pesquisadores da área

de Educação em Ciências entre seus autores (Tabela 1).

Tabela 1: Percentagem de livros didáticos aprovados e autorados por pesquisadores nos PNLD 2011 e 2012

PNLD LIVROS APROVADOS LIVROS AUTORADOS POR

PESQUISADORES

2011 - Ciências 11 3

2012 - Química 5 3

2012 - Física 10 2

2012 - Biologia 8 1

TOTAL 34 (100%) 9 (37%)

O destaque dado pelo PNLD aos livros dos pesquisadores nas avaliações, a

presença de pesquisadores entre seus autores, e a centralidade ocupada pelo livro

didático nas aulas das escolas brasileiras constituem aspectos que, reunidos,

apontam para a relevância do estudo desenvolvido na tese.

No Brasil, os livros didáticos são amplamente disponíveis e frequentemente

utilizados por professores, constituindo um poderoso recurso didático que

desempenha fundamental papel na estruturação das atividades de sala de aula

(MARTINS, 2006). Bittencourt (2003, p.5) assinala que

As pesquisas e reflexões sobre o livro didático permitem apreendê-lo em sua complexidade. Apesar de ser um objeto bastante familiar e de fácil identificação, é praticamente impossível defini-lo. Pode-se constatar que o livro didático assume ou pode assumir funções diferentes, dependendo das condições, do lugar e do momento em que é produzido e utilizado nas diferentes situações escolares. Por ser um objeto de “múltiplas facetas”, o

6 Discurso no seu caráter semiótico e não só como texto escrito.

7 <http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=668&id=12391&option=com_content&view article>.

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livro didático é pesquisado enquanto produto cultural; como mercadoria ligada ao mundo editorial e dentro da lógica de mercado capitalista; como suporte de conhecimentos e de métodos de ensino das diversas disciplinas e matérias escolares; e, ainda, como veículo de valores, ideológicos ou culturais.

A necessidade de educação científica para todos, aliada às dificuldades que

rondam o ensino de ciências, como o alto índice de fracasso escolar, a rejeição à

ciência por parte dos estudantes repercutem nos sucessivos movimentos de

renovação do ensino de Ciências, alguns já bastante explorados pelas investigações

da pesquisa em Educação em Ciências e que resumimos a seguir.

Krasilchick (1987, 2000) considera que a partir da Lei de Diretrizes e Bases

da Educação (LDB) nº4061/61 houve a ampliação da participação das ciências no

currículo escolar e das disciplinas científicas (biologia, física e química) pelo

substancial aumento de carga horária, proporcionado a partir dela. Posteriormente,

com a LDB 5.692/71, a disciplina ciências passa a ser obrigatória para as oito séries,

do então chamado primeiro grau (KRASILCHICK, 1987, 2000).

Vilma Barra e Karl Lorenz (apud FERREIRA, 2007), em estudo realizado em

1986, consideraram a década de 1960 a fase de renovação mais ampla do ensino

de ciências. Nessa década, realizaram-se inúmeros investimentos na educação

através de centros e comitês americanos e ingleses, na produção de materiais

didáticos e no financiamento de projetos para o ensino de Ciências, que não só

foram traduzidos e utilizados no Brasil, mas também estimularam a produção de

projetos nacionais. Mesmo com pouca ressonância por encontrarem-se ainda

distantes do trabalho docente (FERREIRA, 2007), destacam-se nesta época as

ações propostas, por exemplo, pelo Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e

Cultura (IBECC-UNESCO).

Nos anos 1970, as demandas para o ensino de ciências relacionavam-se a

mudanças na forma de ensinar, questionando a excessiva ênfase na memorização

de termos científicos, valorizando aspectos da vivência dos estudantes e investindo

na superação de visões ingênuas sobre ciência8. Essas mudanças, bem como a

obrigatoriedade da disciplina Ciências, demandavam novos livros didáticos para

8 Maldaner, Zanon e Auth (2006) entendem que na década de 1970 “havia uma preocupação maior

com a estruturação do conhecimento científico (Física, Química e Biologia e Geologia)”, na compreensão do que era ciência. A produção e validação desse conhecimento estavam fortemente apoiadas em uma concepção positivista de ciência e na crença de que a aplicação de seus resultados pudesse resolver os graves problemas que afligiam a humanidade, bem como prever e evitar que novos problemas surgissem.

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essa disciplina e inauguraram novas questões em relação ao livro didático como, por

exemplo, a do perfil diferenciado para o autor do livro, uma vez que os currículos de

ciências previam o ensino de, no mínimo, três grandes áreas do conhecimento

(biologia, física e química).

Nas décadas de 1970 e 1980, houve investimento relevante no livro didático

que, como instrumento escolar, passou a uniformizar o ensino de ciências por

diversas razões, entre elas a desqualificação da formação profissional, a criação das

licenciaturas curtas e a precarização das condições de ensino. Nessa fase é que

ocorre a consolidação da distribuição dos conteúdos nas várias coleções didáticas

como modelo hegemônico: no 6º ano (ambiente, sem vida, com ar-água-solo),

conteúdos de biologia no 7º e 8º anos (seres vivos e corpo humano) e física e

química no 9º ano (AGUIAR JUNIOR, 2004).

Maldaner, Zanon e Auth (2006) consideram que pouco tem mudado nos livros

didáticos ao longo dos anos; apesar de todo o aparente investimento na sua

atualização, eles ainda preservam roteiros tradicionais de ensino configurados em

sequências lineares e fragmentadas de conteúdo (MALDANER, ZANON e AUTH,

2006).

Martins (2007) aponta que os livros didáticos expressam “a naturalização de

alguns formatos de apresentação” através das “estabilidades de certos enunciados e

configurações de organização”. Portanto, o ensino de ciências veiculado nos livros

apóia-se em “escolhas realizadas dentro de um conjunto possível de visões de

ensino e aprendizagem, que circulam na prática social de ensinar ciências na

escola” (MARTINS, 2007, p.111). Entre os fatores que influenciam estas visões

destacam-se o conhecimento produzido pela pesquisa em Educação em Ciências,

as avaliações de desempenho, as orientações curriculares oficiais e os programas

de formação continuada.

Nesta tese, optamos por analisar os livros didáticos com referência a dois

contextos recentes que têm marcado seu desenvolvimento: (i) a consolidação do

campo da pesquisa em Educação em Ciências e (ii) a presença de pesquisadores

entre seus autores.

A orientação da tese caminhou no sentido de entender se e como o

conhecimento produzido pelos pesquisadores, que circula nos congressos e é

veiculado nos periódicos especializados, está presente no livro didático de ciências,

nas ideias incorporadas no livro. O estudo analisou excertos da coleção didática

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Construindo Consciências, escritos por oito autores (as), são eles (as): Carmen De

Caro Martins; Helder de Figueiredo e Paula; Mairy Loureiro dos Santos; Maria Emília

de Castro Lima; Nilma Soares da Silva; Orlando Gomes de Aguiar Junior; Ruth

Schmitz de Castro e Selma Ambrozina de Moura Braga.

Os pesquisadores não foram lembrados unicamente pelo seu papel de

especialistas da Educação em Ciências. Ressaltamos que a maioria dos autores da

coleção analisada possui vasta experiência em formação docente (ensino

fundamental, médio e superior), a dupla inserção na pesquisa e no ensino os habilita

sobremaneira a compreender o panorama cotidiano do ensino de ciências. Quer

dizer, além de produtores são também “consumidores, transmissores e

implementadores do conhecimento produzido em outras instâncias” (SANTOS, 2001,

p. 17). Em outras palavras, o tempo dedicado à pesquisa, à interseção que a maioria

deles tem com a formação de professores e à extensa prática pedagógica, todos

esses fatores somados fazem desses autores um grupo de particular identidade e

interesse. Nesse sentido, o livro didático selecionado é considerado produto social

vinculado à produção, circulação e recepção de textos por sujeitos participantes em

práticas discursivas relacionadas tanto à pesquisa como ao ensino.

O objetivo desse trabalho, então, foi o de compreender como aspectos da

pesquisa em Educação em Ciências, tais como suas problemáticas, bases teóricas

formulações, experiências, resultados relacionados etc, são recontextualizados e

incorporados na coleção didática foco da análise do estudo. Defendemos a tese de

que a hibridização dos discursos da pesquisa em Educação em Ciências no livro

didático precisa ser compreendida no sentido de identificar nos discursos presentes,

como estes constituem o ensino de ciências. De certa forma, essa pesquisa poderá

contribuir para a discussão assinalada por Martins (2007) na qual a autora entende

que “mudanças discursivas podem trazer mudanças nas atividades sociais

constituídas por estes discursos”.

Apresentar o problema de pesquisa dessa maneira permite-nos estabelecer a

constituição mútua entre discurso e sociedade, na qual a pesquisa dessa tese se

insere: os discursos e ideias do livro didático podem sugerir, refletir, refratar os

discursos da pesquisa em relação aos do ensino de ciências.

O discurso da pesquisa, não sendo o mesmo do ensino, uma vez que ambos

pertencem a práticas socioculturalmente diferentes, leva-nos a tentarentender como

o primeiro coloniza/não coloniza, negocia/não negocia com o segundo. Portanto, as

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considerações que trazemos têm como foco os embates discursivos entre pesquisa

e ensino de ciências no livro didático num ciclo de recontextualizações de discursos

da pesquisa no âmbito escolar. Enfim, ao propor o estudo das relações entre eles,

afastamo-nos de uma perspectiva que estabelece uma relação normativa e

assimétrica entre discursos, embora reconheçamos que esta possa estar presente,

uma vez que são comuns estudos que identificam, por exemplo, pressões exercidas

pelo discurso da ciência sobre o discurso da ciência escolar (CHOULIARAKI e

FAIRCLOUGH, 1999; MARTINS, 2007).

No que diz respeito à pesquisa em Educação em Ciências, são muitos os

desafios que têm exigido da universidade uma ação no sentido da transformação da

sociedade. Embora o que se pense socialmente sobre a ciência não seja só reflexo

do que se aprende na escola, existe uma gama de relações sociais da qual a escola

faz parte e não pode furtar-se da responsabilidade social desse pertencimento.

Assim, neste estudo problematizamos alguns destes, relacionados

fundamentalmente a questões relativas à construção de uma linguagem da ciência

escolar que, ao se tornar hegemônica, implica um tipo de sociedade e de cidadão.

O reconhecimento de especificidades sociais nos levou a privilegiar o discurso

da pesquisa em Educação em Ciências brasileira que, não obstante, encontra-se

relacionado ao discurso da pesquisa em Educação em Ciências em nível

internacional.

A opção por quadro teórico e metodológico da ACD foi necessário para

explorar as dimensões mutuamente constitutivas entre pesquisa e ensino que se

dão principalmente no caso específico de livros didáticos, autorados por

pesquisadores da Educação em Ciências. Ao enfatizar a relação indissolúvel entre

práticas sociais e discursos (FAIRCLOUGH, 1992), a ACD pode discutir a mudança

discursiva como um produto, bem como um fator de promoção da mudança social.

Nossa principal hipótese é que a recontextualização e a incorporação das

ideias da pesquisa em Educação em Ciências nos livros didáticos materializa um

nicho de mudança discursiva, que desafia as abordagens tradicionais hegemônicos,

enfatizando a transmissão hierárquica e descontextualizada dos conteúdos

científicos no ensino de ciências. Dessa forma, entender as relações hegemônicas

como dialéticas faz muita diferença, quer dizer, as ideologias não são vistas como

aquelas que apenas sustentam relações de dominação, mas também nelas ocorrem

mudanças destas relações (FAIRCLOUGH, 2001).

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O presente estudo mobiliza esse conjunto de interrelações na formulação do

problema a ser investigado.

2.2 O QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO

Para a ACD, o problema social de um estudo envolve mais do que a

formulação de uma questão de investigação. Com base na crítica explanatória de

Baskhar, a ACD compreende a realidade extradiscursivamente, entendendo que o

que pensamos sobre certo fenômeno social não pode ser considerado o fenômeno

social em si. Isso quer dizer que objetos que estão no mundo são mediados pelos

discursos nos textos aos quais temos acesso.

A base ontológica da abordagem teórico-metodológica da ACD é o realismo

crítico9. Nessa forma de entender o mundo social, estruturas sociais assumem status

de realidade, reconhecidas e estudadas pelos efeitos que causam no social

(BHASKAR, 1998). Nesse sentido, o conhecimento sobre as coisas é falível, sujeito

a reformulações.

Se o próprio mundo é um produto ou a construção de nosso conhecimento, então nosso conhecimento certamente seria infalível, pois como poderíamos errar sobre algo? Como dizer que as coisas não são como supomos que sejam? Realismo é, portanto, necessariamente uma filosofia falível e que deve ter cuidado com conceitos simples de correspondência com a verdade. É preciso reconhecer que o mundo só pode ser conhecido a partir de descrições particulares, em termos de discursos disponíveis, embora não se entende daí que uma descrição ou explicação é melhor do que outra (SAYER, 2000, p.2, tradução nossa).

A contribuição do realismo crítico na pesquisa é a de que, por meio dela, seja

possível imprimir à ciência social a crítica das práticas sociais, entendendo o mundo

social independentemente dos nossos pensamentos e conhecimento sobre ele, o

que não significa que conhecimentos não possam afetar o mundo. Desta forma,

nesta tese, assumimos a posição de pesquisadores visando tanto a uma dimensão

descritiva, como a outra performática, na linguagem formulada por intermédio dos

dados que criamos.

9 O realismo crítico adotado por Fairclough (2001) fundamenta-se nas ideias de Bhaskar. A força do

argumento de Bhaskar no seu livro Uma Teoria Realista da Ciência (1977) está relacionada à distinção entre as dimensões da ontologia e epistemologia – dimensões intransitivas e transitivas, respectivamente – e às implicações que essas distinções têm para o entendimento da prática científica (LÓPEZ, 2003, p.76).

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2.2.1 A análise crítica do discurso de Fairclough

No que diz respeito às diversas perspectivas teóricas sob o rótulo da ACD, a

adotada baseia-se na de Fairclough (2001, 2003). A escolha por essa perspectiva se

deu principalmente devido ao seu potencial como orientação teórica, tanto por

atribuir centralidade ao funcionamento da linguagem, como por incluir uma

abordagem social para a compreensão do discurso.

Um primeiro aspecto destacado por essa orientação teórico-metodológica diz

respeito à discussão do papel central ocupado pela linguagem na produção do novo

capitalismo, constituindo as instituições modernas (RESENDE e RAMALHO, 2006;

FAIRCLOUCH, 2003; GIDDENS, 2001). O novo capitalismo é, sobretudo, marcado

pela radicalização dos traços básicos da modernidade, tais como: separação-tempo

e espaço, mecanismos de desencaixe (como as rotinas desencaixadas das

tradições) e reflexividade institucional. A separação espaço-tempo é crucial nos

mecanismos de desencaixe, na qual as relações sociais são deslocadas dos seus

contextos locais de interação e reestruturadas em novas extensões de espaço-

tempo. No ensino de ciências, podemos considerar inúmeros mecanismos de

desencaixe no livro didático, por exemplo, o estudante que não se reconhece ao

estudar o próprio corpo, ou mesmo o ambiente do qual faz parte. Outro exemplo, a

ser citado em relação ao ensino de ciências é a possibilidade do estudante só

reconhecer, como animais, espécies não endêmicas do local onde vive, em

descrições da natureza como ambientes selvagens, relacionando-os aos retratados

em filmes ou desenhos animados.

Como assinalado no parágrafo anterior, outro aspecto importante do novo

capitalismo é a reflexividade10 que no contexto da modernidade recente11 baseia-se

em informações que vêm de fora dos indivíduos, ou seja, em conhecimento gerado

pelos sistemas de especialistas (RESENDE e RAMALHO, 2006). Para Giddens

(2002, p.10), “não só estudos acadêmicos, mas todo o tipo de manuais, guias, obras

10 A reflexividade é um dos elementos do dinamismo da modernidade que “consiste no fato de que as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz de informação renovada sobre estas próprias práticas, alterando assim constitutivamente seu caráter” (GIDDENS, 1991, p. 45). 11

Chouliaraki e Fairclough (1999) utilizam a expressão modernidade tardia no livro “Discurso na modernidade tardia”. No entanto, são várias as tentativas de denominação para a teoria da sociedade como diagnóstico de nosso tempo, tais como modernidade reflexiva, modernidade líquida, pós-modernidade. Optamos pelo uso de modernidade recente como expressão que engloba esse conjunto de denominações e resume essa fase da modernidade que vivemos.

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terapêuticas e de autoajuda contribuem para reflexividade da modernidade” por

constituírem, eles mesmos, processos sociais fundamentais ao entendimento

sintomático dos fenômenos sociais da atualidade. Nesse sentido, podemos

problematizar não só os textos de pesquisa, mas também os próprios livros didáticos

e respectivos manuais dirigidos ao professor como locus de produção de

conhecimentos, impactando a reflexividade.

Chouliaraki e Fairclough (1999) entendem que o discurso na modernidade

recente é sempre contraditório, complexo e ambivalente, no qual por um lado temos

as incertezas (risco, questões de segurança) e, por outro, a reflexividade. Por isso,

tanto a ambiguidade, como a ambivalência no discurso (que circula na prática social

significando uma ação social pela permanência ou pela modificação na forma de

agir) assemelham-se a formulações marxistas, como as que estabelecem que “na

medida em que lutamos para transformar a realidade quando a entendemos, e na

medida em que melhor a entendemos, mais lutamos para transformá-la” (LÖWY,

2010, p.29).

Widdowson (1996) sublinha que a importância da ACD está justamente no

entendimento das relações entre linguagem e sociedade, assim como na

compreensão do processo dialético que permeia essas relações. Segundo esse

autor, o maior potencial da ACD está na epistemologia desta abordagem que, de

forma sucinta, entende a linguagem como prática social.

Para Bakhtin (2003), toda manifestação linguística se dá como discurso

(enunciado) e diz respeito ao uso coletivo da língua, legitimada por alguma instância

na atividade humana socialmente organizada, ou seja, institucionalizada. Nesta

pesquisa o livro didático de ciências é considerado representante de disputas,

decisões e ações curriculares, uma vez que serve de roteiros oficiais para estruturar

a escolarização institucionalizada (GOODSON, 1998).

Assim, nesse estudo uma das principais preocupações é com as relações de

poder e com a construção ideológica no discurso das diversas esferas sociais,

entendendo-as como práticas políticas e ideológicas. Inscreve-se na esfera política

por estabelecer, manter e transformar as relações de poder, e na ideológica por

constituir, naturalizar, legitimar, reificar, transformar significados gerados na relação

de poder, tanto pelo exercício como na luta pelo poder.

Os discursos, portanto, são concebidos como lugar de investimentos sociais,

históricos e ideológicos por meio de sujeitos que interagem em situações concretas

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de produção. A característica das transformações na modernidade recente, as quais

nos interessam, consiste no entendimento de que essas são transformações que

ocorrem na própria linguagem e, portanto, no discurso. A preocupação que temos

com a opacidade dos discursos, bem como com as transformações constantes dos

discursos na própria linguagem, são dependentes do entendimento da prática

comunicativa, e, nesse sentido, o discurso pode ser um excelente locus para

“esconder” ideologias.

Além do quadro de estabilidades e relações de poder, podemos encontrar

nesses espaços aspectos contrahegemônicos no discurso. Portanto, um aspecto a

destacar é o caráter dinâmico da análise que realizamos, não constituindo algo

definitivo, podendo ser comparada a uma fotografia do momento social na

articulação dos discursos encontrados nos excertos do livro didático.

No que tange ao nosso interesse e de acordo com a ACD, as relações entre

discursos e práticas sociais envolvem processos macrossociais, tais como o da

colonização de uma prática social pela outra, processo esse que contribui para a

hibridização de elementos das várias práticas sociais. A compreensão da relação

entre os processos de colonização e hibridização dos discursos, no livro didático,

são meios para entender a função social dos discursos nas práticas.

Respaldamo-nos no conceito de hibridização como um conjunto de

negociações (articulações) sem supressão das diferenças, ou seja, como o lugar da

renegociação (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999). Entretanto, reconhecer

processos de colonização e hibridização é uma tarefa complexa, pelo fato de que

certos discursos encobrem outros, por intermédio de eufemismos, negação, conflito

entre muitos outros processos de ocultação. Essa tem sido a principal contribuição

da ACD que, em última instância, procura por intermédio da análise do discurso

desvelar os usos e abusos de poder em opacidade no discurso, tarefa nem sempre

alcançada pelo analista. A análise do livro didático foca neste aspecto híbrido dos

textos como norma da modernidade recente12 (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH,

1999).

12

Chouliaraki e Fairclough (1999) chamam o período recente da modernidade utilizando a expressão “modernidade tardia” emprestada de Giddens (1997). Para Giddens, a modernidade tardia traz consigo uma diferença nas relações vividas pelas pessoas, e que tem na razão o elemento que promove a produção da confiança e elimina ou minimiza os riscos nas sociedades contemporâneas. Entretanto, por se tratar de expressão não utilizada por muitos filósofos e sociólogos aderimos à expressão modernidade recente.

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31

Um conceito fundamental nesse estudo é o da recontextualização, sobretudo

a das diversas redes que vão constituindo os discursos, no amplo acesso dos

indivíduos ao conhecimento produzido por sistemas de especialistas (estilos de vida

e práticas em geral) (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999). Quando a busca é

pela recontextualização de um discurso, esse pode ocorrer pela/na mediação de

recursos da mídia, periódicos acadêmicos especializados, entre outros, produzindo

formas pelas quais as pessoas se relacionam em suas vidas particulares com os

diversos aspectos políticos, econômicos, educacionais etc.

Recontextualização envolve processos pelos quais os discursos se articulam

em rede, na tendência do conhecimento em determinado contexto tomar

emprestado, reordenar, reconfigurar os sentidos de acordo com os princípios de

contexto emprestado (MARTIN e VEEL, 1978). Portanto, o discurso da pesquisa em

Educação em Ciências em que focamos é aquele recontextualizado no universo do

ensino de ciências e incorporado no texto do livro didático, que tanto pode estar

associado ao discurso da ciência escolar, ao pedagógico, em uma configuração que

mescla dois ou mais discursos, e ainda em composição com os outros tipos de

discursos (mídia, divulgação, institucionais etc.).

A dificuldade de reconhecimento de discursos colonizadores e hibridizados

em articulação diz respeito aos processos de ajuste do discurso recontextualizado e

incorporado ao texto, entendidos como aqueles que envolvem

pessoas particulares em relações particulares com recursos particulares, aplicando tecnologias a materiais em determinadas relações sociais de produção. [...] Toda a prática de produção é uma combinação de recursos físicos e simbólicos, em níveis variados, e é sempre um momento significativo porque todas as práticas são como dissemos, construções-reflexivas de uma prática que é parte de uma prática (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999, p.23, tradução nossa).

A definição acima nos ajuda a pensar o texto como uma tecnologia, isto é,

aparato material destinado a realizar um propósito social específico, através de uma

prática de produção e, nessa perspectiva, os livros didáticos são importantes

tecnologias discursivas. Entretanto, o sentido dado às condições sociais na

produção de texto não implica um determinismo inexorável.

Por fim, parece relevante explicar um pouco mais o sentido que conferimos à

mudança social. Em geral, a mudança envolve movimentos diferenciados, envolve

escolhas diferenciadas. Esses movimentos não são simples de se identificar – os

deslocamentos são sutis, ou seja, a mudança é tênue, e muitas vezes não é

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evidenciada. É possível que a mudança esteja em cada palavra do texto e, ao

mesmo tempo, não seja marcada textualmente, aspecto este derivado da natureza

estratificada da linguagem.

Mudanças envolvem formas de transgressão e cruzamento de fronteiras,

como também a reunião de convenções existentes em novas combinações,

exploradas em ocorrências que comumente se coíbem. Em relação à dimensão

textual do discurso, as mudanças deixam marcas no texto que podem ser mesclas

de estilos, vocabulários (técnicos ou não), marcadores de autoridade e familiaridade,

formas sintáticas típicas (escrita, oralidade) etc.

ACD está interessada tanto em efeitos sociais sobre os textos, bem como

efeitos sociais dos textos, de forma coerente com a ideia de que pessoas respondem

a textos de uma forma ativa, interessada e transformadora (MARTINS, 2007). Neste

estudo, não estamos investigando os efeitos sociais dos textos, mas a dimensão na

qual eles podem atuar causalmente sobre estruturas, provocando mudanças,

pequenas mudanças, nichos de atuação que podem levar à transformação.

2.2.2 O papel da teoria sistêmica de Halliday no estudo

A perspectiva de linguagem adotada pela ACD apoia-se em muitos aspectos

na teoria linguística sistêmico-funcional de Michael Halliday. Nessa pesquisa ela foi

fundamental por dois aspectos: o primeiro deles diz respeito à caracterização de

texto, que para esse autor é produto de uma série de escolhas13, e o segundo, pela

possibilidade que essa linguística traz em tipificar o discurso canônico da ciência.

No que concerne à questão da escolha, essa perspectiva foi importante na

identificação dos sistemas representados (cada qual representando um tipo de

escolha) em relação às possibilidades de escolhas disponíveis. Quando

empregamos uma linguagem, assumimos certos posicionamentos que podem ser

desvelados na análise. É desta forma que, na perspectiva do referencial teórico-

metodológico, processos ideológicos se atrelam ao funcionamento da linguagem e

permitem analisar relações de dominação no discurso.

13

Escolha, neste contexto, quer dizer “um ato inconsciente, guiado, por motivos individuais, segundo nossas intenções, vontades, afetividade, subjetividade, mas também por razões sociais, históricas e culturais, ditadas pelo contexto” (SARDINHA, 2007).

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33

A linguística de Halliday contribuiu na identificação de elementos da

linguagem por intermédio de uma das três funções da linguagem, que segundo esse

autor agem juntamente. Para efeito de estudo desta tese o interesse voltou-se

preferencialmente para a função ideacional da linguagem. Para Fairclough (2001) a

função ideacional da linguagem e os sentidos ideacionais do discurso têm o papel

de fundamentalmente significar e referenciar (FAIRCLOUGH, 2001). Quer dizer, uma

vez que o discurso pode ser entendido como uma representação do mundo social,

ele é também um modo de ação no mundo, com possibilidades de agenciamento

(dimensão acional), ou seja, pessoas podem agir sobre o mundo e sobre outras

pessoas, por isso é também chamada de sistêmica.

Embora possa parecer que esse autor dê mais destaque para a linguagem

verbal e escrita por sua relevância social, o trabalho que realizou engloba outras

dimensões da linguagem. Compartilhado por Chouliaraki e Fairclough (1999), o texto

é uma categoria de mediação voltada não somente para o que está escrito, mas

considerado como uma dimensão multisemiótica, quer dizer, combinando o que está

escrito com imagens, esquemas, tabelas, gráficos etc., e, sobretudo, entendendo-o

como uma superfície visual, na qual está sendo trabalhado intrinsecamente o que é

escrito (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999). Nessa tese, os textos serão

estudados a partir da dimensão multisemiótica, e não como um conjunto de

partículas de significados fixas e atemporais, mas antes de tudo, uma “forma textual

característica de participação nas relações sociais” (SMITH, 1990 apud

CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999, p.46). A semiótica qualifica os textos como

construções multimodais, isto é, como entidades que articulam “diferentes modos

semióticos, que refletem princípios e possibilidades de representação e interpretação

definidas pela cultura na qual se inscrevem” (MARTINS, 2007, p.97). Neste sentido a

análise permite compreender o evento social e o efeito de certos discursos no texto

como já assinalamos.

Para Halliday e Hasan (1976) a linguagem sendo um sistema de significados,

possui formas pelas quais é expressa, ou seja, embora deem importância ao léxico e

à gramática da linguagem usada, chamam atenção também para os mecanismos de

estruturação do texto. A linguagem é ela mesma uma semiótica social, ou seja, o

sistema social ou cultural, entendido como sistema de significados que forma a

realidade, em contexto sociocultural (HALLIDAY, 1978). Por exemplo, o discurso

canônico da ciência que envolve fazer, falar, pensar, ler e escrever ciência entre

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outros, combina variadas maneiras de discurso verbal, de expressão matemática, de

representação gráfico-visual, operacionalizando-as simultaneamente no mundo. Em

geral, essas ações, em relação à ciência, embora presentes no cotidiano das aulas

não costumam ser ensinadas nas escolas (MARTIN, 1993) e, dessa forma, o livro

didático se torna a "principal fonte de modelos de linguagem científica escrita para a

maioria dos alunos" (WIGNELL e EGGINS, 1987 apud HALLIDAY e MARTIN, 1993,

p.167).

Portanto, a pesquisa, a ciência, o ensino, por pertencerem a sistemas

socioculturais diferenciados, apresentam descontinuidade na linguagem. As

formulações, contidas no livro didático, constituem texto que se origina e circula

nesta prática. A análise do discurso do livro didático, como momento da prática

social de ensinar ciências, permite, por exemplo, compreender processos culturais,

históricos e conceituais envolvendo esta prática.

A preocupação da tese não se restringe aos aspectos estruturais que

constrangem o livro didático, move-se para os de natureza dinâmica. Isso quer dizer

que nosso interesse volta-se também para aspectos não tão estruturais, ou seja,

aqueles capazes de sobrepor os aspectos formais e captar melhor os históricos e as

fronteiras presentes entre práticas sociais (MARCUSCHI, 2008). Por isso, além de

um modo de produção textual, e de constituir material empírico a ser estudado, o

livro didático é categoria discursiva que abre para o entendimento do problema de

pesquisa, tanto na dimensão do modo social quanto do linguístico (CHOULIARAKI e

FAIRCLOUGH, 1999).

A presença do discurso de uma vertente/linha de pesquisa da pesquisa em

Educação em Ciências pode ser significada em vários níveis de entendimento na

perspectiva da ACD: a que discursos ela costuma estar associada, qual o significado

desta associação, quais elementos são destacados e quais não têm sido articulados

a esse discurso no livro didático. A configuração final pode revelar um discurso da

vertente da pesquisa mais voltado às recomendações oficiais, ou às pesquisas da

área da Educação em Ciências, ou às necessidades da prática pedagógica, ou à

vida cotidiana das pessoas, de forma isolada como veremos pelas análises.

Portanto, os textos que analisamos nesse estudo, ao mesmo tempo em que

resultam das práticas sociais de seus produtores, traduzem desigualdades sociais,

fruto da própria sociedade. Os significados dos textos não são unilaterais; eles

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simbolizam as interações entre produtores e leitores, e os traços linguísticos não são

arbitrários, constituindo discursos em opacidade.

2.2.3 Ferramentas analíticas

Na perspectiva da ACD, as análises são usualmente conduzidas em duas

fases interligadas: uma análise da conjuntura14 e uma análise textual15, permitindo

estabelecer relações entre as dimensões discursivas macro e micro sociais que

estão conectadas ao problema em questão.

A dimensão macro diz respeito à natureza das práticas sociais inerentes à

pesquisa, no caso a pesquisa em Educação em Ciências, e aos discursos altamente

contextualizados que a constituem. Além disso, essa dimensão implica também

aspectos sociais, históricos, políticos e econômicos envolvendo essa prática. Na

conjuntura da tese, os aspectos de estabilidade são os aspectos estruturais do

gênero que permitem entender ritualizações, controle;16 mas, como já dissemos, há

também pontos de tensão, instabilidade e flexibilidade não tão ritualizados. Portanto,

o livro didático é concebido como um gênero do discurso complexo, híbrido,

heterogêneo, intercalado por diferentes gêneros que o tematizam como gênero

discursivo, constitui objeto cultural que se (re)modela conforme demandas externas

e princípios epistemológicos para o ensino, preconizados em documentos oficiais e

saberes da prática docente. Desta forma, o problema social dessa e de qualquer

pesquisa é formulado a partir de um conjunto de fatos, não estáveis e diversificados

que compõem a conjuntura estrutural a ser analisada.

A dimensão micro é constituída por textos que são gerados e circulam nas

práticas sociais em questão, uma vez que os textos contêm marcadores discursivos

de seus processos sociais de construção e seu estudo nos esclarece sobre os

processos sociais em que estão vinculados (MARTINS, 2007).

14

“Conjunturas são conjuntos relativamente estáveis de pessoas, materiais, tecnologias e práticas, em seu aspecto de permanência relativa, em torno de projetos sociais específicos” (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999, p.22). 15

Na ACD há três tipos de análises que atuam juntas são elas análise da conjuntura, da prática particular e do discurso. Como nessa pesquisa focamos na relação entre discursos à análise da prática particular não foi fundamental, mas, de qualquer forma aspectos das práticas envolvidas foram discutidos. 16

Ordem do discurso entendido como organização social e controle de variação linguística (FAIRCLOUGH, 2003).

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2.2.3.1 As condições de produção do texto

A primeira dimensão da análise textual diz respeito às condições de produção

do texto do livro didático e que se baseia na propriedade de que textos estão

repletos de fragmentos de outros textos mais ou menos implícitos, podendo

assimilar, contradizer, ressoar, ironizar esses fragmentos (FAIRCLOUGH, 2001).

As dimensões analíticas da intertextualidade e interdiscursividade são

utilizadas para identificar o conjunto de discursos da pesquisa presentes/ausentes

no livro didático de ciências (FAIRCLOUGH, 2001, 2003).

A distinção feita entre intertextualidade e interdiscursividade serve, no caso

desta tese, principalmente para o texto da assessoria pedagógica (manual do

professor), no qual a análise depende unicamente da forma como se constroem os

discursos entre si. Fairclough (2001) considera essas duas dimensões na categoria

da intertextualidade, distinguindo-as em manifesta e constitutiva respectivamente,

sendo que a primeira tem foco na dialogicidade, enquanto a segunda, na

heterogeneidade dos textos.

2.2.3.1.1 Intertextualidade

O termo intertextualidade foi cunhado por Kristeva no final dos anos 1960, em

trabalho realizado por Bakhtin. Segundo Bakhtin (1986), cada enunciado17 é um elo

na cadeia da comunicação, seja ele uma conversa, um romance ou um artigo

científico, só podendo ser entendido no contexto de cada um deles.

Textos e enunciados trazem uma dimensão comunicativa no sentido de

responderem a outros anteriores e, anteciparem o que estão por vir. Daí a noção de

intertexto, no qual todo texto é constituído de outros textos (FAIRCLOUGH, 2001).

Esse é um princípio importante que caracteriza o uso que fazemos da linguagem nas

comunidades das quais fazemos parte. O significado dado ao texto, ou seja, a

maneira como o construímos, depende deste pertencimento.

17

Há muita oscilação conceitual de termos como discurso, texto, enunciado e outros. Há tantas definições quantas teorias a respeito, e, às vezes, até mesmo entre pesquisadores de uma mesma linha teórica (FLORES e TEIXEIRA, 2005). Grosso modo, é possível dizer que enunciado, em certas teorias, equivale à frase ou a sequências frasais, concebido como unidade da comunicação, de significação, necessariamente contextualizado. Para Voloshinov (pseudônimo usado por Bakhtin), (1926) os termos enunciação, enunciado concreto, enunciado estão diretamente ligados a discurso verbal, à palavra e ao evento (BRAIT, 2005).

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37

É nas práticas sociais que a comunidade constrói os vínculos intertextuais

fundamentais para a semântica do texto, a análise do discurso e, o estudo dos

sistemas sociais, como por exemplo, a pesquisa em Educação em Ciências permite

entender como a comunidade científica constrói seus intertextos nas diversas

vertentes/linhas de pesquisa em convergência com essa prática. Os vínculos

intertextuais, a serem desenvolvidos no capítulo que apresenta a análise da

conjuntura, podem aparentemente estar explícitos, quando identificamos que textos

incluem temas parecidos, ou de mesmo assunto, ou implícitos. Identificar

temas/tópicos linguisticamente semelhantes é uma tarefa complexa porque além de

da utilização de termos diferentes para significar a mesma coisa, nem sempre há

concordância do significado do que é um mesmo tema/tópico. Para avançar nessa

direção e outras relacionadas, deve-se incluir para além da sintaxe outras

dimensões linguísticas, tais como o entendimento de noções de gênero, tipo textual,

registro, discurso especializado, padrão temático, ideologia, vozes sociais entre

outros (LEMKE,1992).

A intertextualidade é ao mesmo tempo constitutiva e condição para a leitura

porque significar textos, quer dizer, construir sentido entre textos, não se faz a partir

de um único texto. O que significa que o analista constrói “sentidos, a partir das

relações que se estabelecem entre os diferentes discursos que atravessam o texto e

aqueles mobilizados pelo analista” (MARTINS, 2007, p.101).

A intertextualidade reforça a dialogicidade de um texto, ou seja, reúne a voz

de autores e outros indivíduos chamados no texto (FAIRCLOUGH, 2003). Em

relação às vozes do discurso representado (indireto/paráfrase/pressuposição) e do

discurso representador (direto/citação) presente no texto, pode-se dizer que existem,

entre os tipos de discurso, duas escalas que se sobrepõem: a primeira é aquela em

que o limite entre discurso representador e representado, está explícito e claramente

marcado; e a segunda, em que a extensão do discurso representado se traduz na

voz do discurso representador.

Dependendo do texto, seja ele artigo científico, palestra ou mesmo uma

conversa, há diferenças no que é citado, quando, como e por quê. Essa é uma

variável fundamental a respeito de como o discurso é representado e do

entendimento da representação que pode ir além do ideacional ou conteúdo da

'mensagem,' para incluir aspectos do estilo e do contexto dos enunciados

representados.

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Por isso, no caso da assessoria pedagógica do livro didático em foco, para

compreender os discursos ressaltados em diálogo com a pesquisa em Educação em

Ciências, empregamos a categoria da intertextualidade na busca por esses

discursos representador ou representado. Na identificação da dimensão intertextual

utilizamos as estratégias discursivas desenvolvidas por Fairclough (2001) tais como,

citação, paráfrase e pressuposição apresentadas no Quadro 1.

Quadro 1: Estratégias discursivas em cadeias intertextuais

ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS

DEFINIÇÃO REPRESENTAÇÃO DO

DISCURSO

Citação Citações são representações diretas do

discurso, ou seja, reproduzem exatamente a voz do pesquisador.

Direto

Paráfrase

A paráfrase não utiliza palavras exatas do discurso representado, mas o discurso

reformulado pelo autor, ou seja, caracteriza a representação discursiva indireta. A

paráfrase possibilita identificar mescla de vozes no discurso.

Indireto

Pressuposição

A pressuposição é uma maneira intertextual de mesclar ao discurso construído pelo autor do texto “vozes já estabelecidas ou dadas”.

Essas informações dadas podem ser de outros ou podem ser de textos prévios do (a) produtor (a) do texto. Isso pode possibilitar o entendimento de aspectos da constituição

ideológica dos textos.

Indireto

Além de citações, paráfrases e pressuposições, a intertextualidade pode estar

expressa de outras formas no livro didático de ciências, por exemplo, na inclusão de

desenhos feitos por estudantes de forma a mostrar diferentes maneiras de

representar, por exemplo, o ar (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, 9º ano, p. 63).

Como veremos, no texto intitulado “Entre as partículas existem espaços vazios” são

apresentados desenhos com finalidade de comparação entre concepções dos

estudantes. A comparação, nesse caso, foca nas dificuldades que muitas vezes os

estudantes têm de conceber o espaço vazio entre as partículas do ar, aspecto

fundamental na compreensão do modelo científico para o entendimento da estrutura

da matéria.

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2.2.3.1.2 Interdiscursividade

A dinâmica da interdiscursividade é interna, depende de mecanismos de

redundância textual, ou seja, de repetições de temas ou ideias de discursos

preexistentes. No que se referem às relações interdiscursivas, essas se concentram

principalmente em aspecto relevante da análise textual, a saber, a análise de

gêneros.

Um gênero opera como "um modo de atuação sociodiscursivo numa cultura e

não como um simples modo de produção textual" (MARCUSCHI, 2008, p.17). Em

outras palavras, é um formato discursivo estável, que está intrinsecamente

relacionado a uma prática social.

Assim, "gêneros são realizados em significados e formas acionais em textos"

(FAIRCLOUGH, 2003, p 67.), ritualizados em atividades com elementos previsíveis

que ocorrem em uma ordem previsível, podendo ocasionalmente variar incluindo

elementos novos (FAIRCLOUGH, 2003). Quer dizer, os gêneros não são apenas

“superestruturas determinísticas, mas também formações interativas,

multimodalizadas e flexíveis de organização social e de produção de sentidos”

(MARCUSCHI, 2008, p.17).

Por exemplo, o livro didático de ciências é um gênero tipicamente relacionado

ao discurso científico, entremeado pelas demandas pedagógicas organizadas em

sequência didática (a apresentação da situação, questões conceituais, os módulos e

a produção final, exames, exercícios de compreensão). Constitui um tipo de texto

inequivocamente associado às atividades do discurso pedagógico realizadas em

sala de aula.

Nesse sentido, a decodificação da interdiscursividade também depende da

capacidade de leitura do sujeito leitor, por intermédio dos interdiscursos produzidos.

Dessa forma, a interdiscursividade pode ser compreendida nas escolhas lexicais, no

vocabulário específico utilizado no texto, na transitividade e na coesão lexical.

2.2.3.2 Categorias de análise textual

Juntamente com as condições de produção do texto que constituem uma

análise mais interpretativa, utilizamos uma análise mais descritiva com base nos

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marcos linguísticos dos textos (FAIRCLOUGH, 2001). Em nossas análises textuais

três categorias nos serviram. São elas: o vocabulário, a gramática (transitividade) e

elementos de coesão textual.

2.2.3.2.1 Léxicos e vocabulário

Os léxicos e vocabulário expressam compromissos e adesão a certos

enquadramentos ou visões de mundo. A relação entre palavras e significados não é

fixa como já apontado anteriormente. Os significados potenciais são instáveis,

envolvem lutas entre atribuições conflitantes de significados, podendo ser vistos

como um fator de conflito ideológico (FAIRCLOUGH, 2003).

Há, por exemplo, diferenças quanto ao uso da expressão “aluno” ou "sujeitos

de aprendizagem" e cada uma delas compreende marcadores discursivos de

orientação teórica diferenciada. Quando utilizamos a palavra aluno, queremos dizer

no sentido metafórico “discípulo” e que na escola quer dizer aquele que está na

posição de quem recebe um aprendizado. Já “sujeito de aprendizagem” é uma

expressão entendida como sujeito que conhece (epistêmico) e pode se remeter, por

exemplo, à teoria do desenvolvimento e aprendizagem de Piaget para quem

aprendizagem é necessariamente um processo, no qual há interações entre o sujeito

e o mundo ao seu redor. Portanto, o que se escolhe como expressão, vocabulário,

citação, já inclui em parte o sentido que queremos atribuir ao texto.

2.2.3.2.2 Transitividade

Fairclough (2003), a partir das ideias de Halliday sobre as metafunções da

linguagem (ideacional, interpessoal e textual), propõe uma recontextualização para

essa perspectiva e sugere que há três significados principais presentes em todos os

textos: o identificacional, o representacional (ideacional) e o acional. Para o autor,

podemos encontrar ação, representação e identificação, simultaneamente, tanto na

análise de textos completos, como em pequenos trechos.

Em nossa pesquisa, como já assinalamos, focalizamos em estratégias

analíticas voltadas ao significado representacional ou ideacional do discurso. A

dimensão ideacional pode, na linguística sistêmica de Halliday, ser apreendida por

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meio de análises da transitividade. Esta é identificada a partir dos tipos de processos

codificados nas orações e seus elementos, ou seja, verbos e os participantes. Para

Fairclough (2001), há dois tipos principais de processos: um representado por

verbos que marcam uma relação entre os participantes e outros que marcam uma

ação de um participante sobre outro, direção a um determinado objetivo

(FAIRCLOUGH, 2001). Fairclough (2003) expande essa classificação como no

Quadro 2.

Quadro 2: Tipos de processos relevantes na análise textual (reproduzido de FAIRCLOUGH 2003 p.141)

TIPO DE PROCESSO PARTICIPANTES-CHAVES CIRCUNSTÂNCIAS

Material Ator ou afetado Material

Verbal Ator Verbal

Mental Experimentador, Fenômeno Mental

Relacional Transportador, atributo, valor Relacional (dois tipos)

Existencial Existente Existencial

Esse quadro traduz a ideia de que, para Fairclough (2001, 2003), as escolhas

são processos com significação cultural, política e ideológica. Assim, a análise da

transitividade permite identificar aspectos relacionados à agência, causalidade e

responsabilidades (implícitas ou explícitas).

Nossa opção por esta categoria analítica se justifica, uma vez que a

transitividade pode nos ajudar a entender, por intermédio de questões de

agenciamento, as formas de hibridização entre, por exemplo, o discurso científico e

discursos que expressam objetivos pedagógicos. Enquanto o primeiro geralmente

não indica agenciamento, o segundo tipicamente inclui formulações que deixam

claro o ponto de vista representado.

Outra característica relacionada à transitividade, e que nos interessa por estar

está muito presente – embora não exclusivamente - no discurso científico e em suas

recontextualizações, é o grau de nominalização ou a quantidade de grupos nominais

de uma oração. A nominalização é uma categoria discursiva na qual se observa a

conversão de processos em nomes. Nesta conversão, pode haver a omissão de

elementos semânticos, tais como tempo verbal ou exclusão de referências a

participantes (FAIRCLOUGH, 2001).

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Para Thompson (1994), a nominalização é um tipo de metáfora gramatical

que realinha os elementos da mensagem. Assim, uma importante função da

nominalização é a de encapsulamento e, uma vez que o processo é um elemento

central na oração e os outros elementos são definidos a partir de sua relação com

eles, se for nominalizado, ocorrerá um inevitável efeito dominó sobre os outros

elementos. Quando um processo é expresso como uma coisa pela nominalização,

ela se tornará, então, um participante abstrato metafórico.

Halliday e Martin (1993) esclarecem que a metáfora gramatical está presente

na linguagem desde os gregos nos seus primeiros relatos científicos e que, ao longo

dos anos, foi se espalhando pelos países, tornando-se o que costumeiramente

chamamos de linguagem da ciência. Uma metáfora gramatical não é uma forma

diferente de falar o que seria dito numa forma congruente (literal). No literal, o nível

do sentido (semântico-discursivo) mapeia-se diretamente no nível da expressão

(léxico-gramatical), e vice-versa (SARDINHA, 2007). Na metáfora gramatical ocorre

uma tensão, um recurso da língua é usado como outro (exemplo: verbos que se

tornam nomes).

2.2.3.2.3 Coesão textual

A coesão textual diz respeito a como os períodos e parágrafos são

construídos no texto, ou seja, como orações são ligadas em frases e como essas se

unem para formar unidades maiores nos textos. Vocabulário de um mesmo campo

semântico, repetição de palavras, o uso de sinônimos próximos, conectivos como

conjunções, pronomes, artigos e expressões como sinonímia e hiponímia constituem

marcadores coesivos. A coesão textual forma o que denominamos a arquitetura do

texto, caracterizando um modo significativo de trabalho ideológico que ocorre em um

argumento, texto ou obra.

A partir dessa resumida exposição do referencial teórico-metodológico e das

categorias de análise decorrentes do mesmo, partimos para a descrição do corpus

de pesquisa que para a ACD está sempre aberto à ampliação e complementação.

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43

3 DESCRIÇÃO DO CORPUS

Neste capítulo, o objetivo é esclarecer o conjunto de orientações, estratégias,

opções e percursos tomados na coleta de informações acerca da realidade

pesquisada. Descrevemos o corpus de pesquisa considerando três aspectos

relevantes da sua concepção. O primeiro trata da escolha da coleção didática entre

outras com características semelhantes; o segundo, da caracterização da obra

escolhida (livro do aluno e manual do professor, temáticas, unidades e capítulos,

ciência referência); e o terceiro, das seções específicas e dos excertos selecionados

do livro didático, que constituem o foco principal da análise textual. Esses aspectos,

relatados desta forma, não refletem exatamente um caminho cronológico

estabelecido nessa pesquisa, mas a ordem conferida diz respeito apenas ao caráter

da opção tomada para apresentação do material a ser analisado. Além disso, a

apresentação dos excertos já estabelece uma posição de análise, uma vez que a

abordagem usada emprega alguns elementos contextuais dos trechos selecionados

por meio da interpretação da pesquisadora.

3.1 CRITÉRIOS PARA A DELIMITAÇÃO DO CORPUS DA PESQUISA

Coleções novas de livros didáticos de ciências (ciências, química, física e

biologia) têm chegado às escolas nos últimos anos em ciclos trienais alternados

(ensino fundamental e ensino médio), conferidos pelos PNLD. Ao longo de nossa

prática docente, permeada pelo constante contato com estes materiais, identificamos

a “novidade” expressa de que algumas dessas coleções tinham como autores,

pesquisadores experientes do campo da Educação em Ciências.

Afirmamos isso, com base no conjunto de livros didáticos que possuem estas

características e estão listados no Quadro 3. Essas coleções de livros didáticos

foram avaliadas nos últimos PNLD (2011/2012),18 sendo que muitos desses livros já

estavam presentes em PNLD anteriores (2008/2009). O estudo que realizamos não

tem a intenção de comparar coleções e nem a pretensão de analisar todos os textos

18

Estamos nos referindo aos PNLD dos últimos anos do EF e do EM.

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contidos nos compêndios, mas esse conjunto é importante para identificar a

representatividade dos textos em análise e da coleção selecionada para a tese.

Quadro 3: Livros didáticos autorados por pesquisadores do campo da Educação em Ciências

COLEÇÃO AUTORIA NÍVEL EDITORA

CIÊNCIAS BJ Nélio Bizzo e Marcelo Jordão EF Editora do

Brasil

CIÊNCIAS: NATUREZA & COTIDIANO

José Trivellato, Silvia Trivellato, Marcelo Motokane, Julio Foschini Lisboa e Carlos Kantor

EF FTD S.A.

CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS

Carmen Maria De Caro, Helder de Figueiredo e Paula, Mairy Barbosa Loureiro dos Santos, Maria Emilia Caixeta de Castro Lima, Nilma Soares da Silva, Orlando Aguiar Junior, Ruth Schmitz de Castro e Selma Ambrozina de Moura Braga.

EF Scipione

SER PROTAGONISTA QUÍMICA

Julio Cesar Foschini Lisboa

EM Edições

SM

QUÍMICA Eduardo Fleury Mortimer e Andréa Horta Machado

EM Scipione

QUÍMICA PARA A NOVA GERAÇÃO – QUÍMICA CIDADÃ

Eliane Nilvana Ferreira de Castro, Gentil de Souza Silva, Gerson de Souza Mól, Roseli Takako, Matsunaga, Sálvia Barbosa Farias, Sandra Maria de Oliveira Santos, Siland Meiry França Dib, Wildson Luiz Pereira dos Santos

EM Editora Nova

Geração

QUANTA FÍSICA

Carlos Aparecido Kantor, Lilio Alonso Paoliello Junior, Luis Carlos de Menezes, Marcelo de Carvalho Bonetti, Osvaldo Canato Junior, Viviane Moraes Alves,

EM Editora PD

FÍSICA EM CONTEXTOS – PESSOAL – SOCIAL – HISTÓRICO

Alexander Pogibin, Maurício Pietrocola, Renata de Andrade, Talita Raquel Romero

EM Editora

FTD

NOVAS BASES DA BIOLOGIA

Nélio Bizzo EM Ática

No Quadro 3, a lista de autores é composta de nomes de pesquisadores

ativos no campo e sistematicamente envolvidos em atividades de formação de

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professores e que fazem parte do evento social, relativamente atual, no qual

pesquisadores têm ocupado a posição social de autores de livros didáticos.

Em análise preliminar, percebemos que as primeiras coleções de autores

pesquisadores surgem aproximadamente por volta de 10 anos atrás. Além disso, a

maioria delas (três coleções são exceções no Quadro 3) é escrita fugindo ao padrão

de um ou dois autores por coleção didática, demonstrando preocupação em montar

equipes multidisciplinares na elaboração das coleções didáticas (MOREIRA e

MARTINS, 2010).

Outro fato que consideramos importante relatar, e que se relaciona à escolha

da coleção para o corpus de pesquisa, é que, em princípio, tínhamos como objetivo

analisar mais de uma coleção do conjunto das obras mostradas no Quadro 3.

Contudo, ponderamos acerca da viabilidade da conclusão do estudo no prazo

pretendido, tendo em vista as demandas que se colocavam para o trabalho,

privilegiando análises de conjuntura articuladas às observações pormenorizadas de

fragmentos textuais. Mesmo se tivéssemos optado por trabalhar com mais de uma

coleção, mesmo que nos circunscrevendo a uma mesma disciplina (Física, Química

ou Ciências) ou nível de ensino (Fundamental ou Médio), a extensão do corpus

poderia ser excessiva.

Dessa forma, optamos por focalizar em apenas uma coleção e, além disso,

reduzir o corpus a excertos (de uma a duas páginas). A extensão e os critérios de

seleção do corpus foram, portanto, objetos de nossa preocupação, sobretudo no

contexto de algumas das críticas aos procedimentos analíticos da ACD. Por

exemplo,

[...] Por investigar, segundo Stubbs, apenas fragmentos de textos, os analistas críticos do discurso deveriam prestar-se a explicações mais plausíveis acerca dos motivos que os levam a selecionar os dados randomicamente e a organizá-los de modo a extrair interpretações que comprovem as hipóteses aventadas (RODRIGUES-JÚNIOR, 2009, p.107).

Um aspecto a ser esclarecido em relação à pesquisa que desenvolvemos diz

respeito às formulações a que chegamos ao decorrer da investigação realizada. A

busca não é exatamente por generalizações e comprovação de hipóteses, mas o

enfoque dado é na adoção de posicionamento visando e privilegiando a construção

histórica das relações de poder num viés mais exploratório, entendendo que estas

não são dadas, nem são possíveis de serem estabelecidas, exclusivamente por

meio da análise da materialidade do texto.

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Nesse sentido, após considerar aspectos tais como: o perfil dos autores, o

contexto de elaboração da obra, as possibilidades de acesso aos mesmos para

eventuais consultas e a afinidade da pesquisadora com a disciplina ciências no

Ensino Fundamental, foi selecionada a coleção Construindo Consciências, composta

por quatro volumes (6º ao 9º ano do Ensino Fundamental).

Para determinar quais os excertos seriam analisados, optamos por consultar

os autores, com a finalidade de obter deles, sua visão sobre quais trechos do livro,

no momento da elaboração, tiveram influência de algum aspecto da pesquisa em

Educação em Ciências. Foram realizadas duas consultas, uma presencial e outra a

distância, com dois dos autores: os professores Orlando Aguiar Junior e Helder de

Figueiredo e Paula, respectivamente.

A partir destas consultas, estabelecemos um diálogo entre a informação

prestada pelos autores acerca dos trechos nos quais eles apontaram ter mobilizado

aspectos das pesquisas em Educação em Ciências e o conteúdo do livro didático.

Metodologicamente, a voz dos autores nos ajudou a fazer a seleção dos excertos do

livro didático que se constituiriam no corpus da tese, evitando que esta fosse

baseada unilateralmente na leitura e identificação de marcadores textuais pela

pesquisadora. De certa forma, esse foi um recurso de atentar à crítica, em geral

direcionada às pesquisas que se utilizam da ACD, de um grau de circularidade

inerente, na medida em que estas podem buscar dados que “refletem ideologias já

estabelecidas e, concomitantemente, as ideologias buscam dados que as

representem” (RODRIGUES-JÚNIOR, 2009, p.107).

Por essas razões, a consulta aos autores oportunizou uma escolha menos

arbitrária dos excertos a serem analisados19. Além disso, foi uma escolha que nos

pareceu acertada, uma vez que a fala dos(as) autores (as) do livro mobiliza

diferentes vozes sociais e intertextos relacionados às suas trajetórias profissionais,

leituras e pesquisas, evidencia a prioridade atribuída a determinadas linhas de

pesquisa, relaciona abordagens e conteúdos a resultados de pesquisa.

Esses aspectos também foram importantes para o desenvolvimento de uma

importante parte da análise, a saber, a análise de conjuntura, pois permitiram

19

Este procedimento de escolha do corpus de análise possibilitou vislumbrar algumas das maneiras pelas quais os autores significavam o livro didático, em geral, e a coleção, em particular. Entretanto, optamos por não tratar estas consultas como parte do material empírico por considerarmos que elas encaminhavam a investigação na direção de outros objetivos, divergentes daqueles estabelecidos inicialmente.

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identificar quais dentre as diversas linhas de pesquisa do campo da Educação de

Ciências necessitariam ter sua história, constituição e desenvolvimento

problematizados. O fato de termos conversado apenas com dois dos oito autores

não nos parece ter sido um limitante severo, na medida em que o grupo de oito

autores trabalha em colaboração há pelo menos dez anos e, apesar de trilharem

carreiras de pesquisa individuais, compartilham não só pressupostos teóricos, mas

também experiências de trabalho. Além disso, é importante ressaltar que não

buscamos representatividade, no sentido estatístico, nem exaustão das

possibilidades de significação.

Consideramos ainda que a consulta aos autores permitiu o estabelecimento

de uma relação de troca entre pesquisadores. Assim, o fato da interação entre a

pesquisadora e os autores do material analisado não se dar somente quando da

conclusão da pesquisa permitiu explicitar objetivos, bem como dilemas, negociar

sentidos e estabelecer uma parceria na qual os autores não só contribuem, mas

também se implicam nas demandas da pesquisa.

3.2 O LIVRO DIDÁTICO CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS

Na descrição da coleção analisada, destacamos dois aspectos principais: a

autoria (formação acadêmica e profissional dos autores) e os aspectos da

organização da coleção didática (distribuição em unidades e capítulos, temáticas, e

sessões dos livros e excertos selecionados).

3.2.1 A autoria

De acordo com informação encontrada na própria coleção didática, a equipe

de autores possui envolvimento em projetos de pesquisa de ensino, reformulação

curricular e formação continuada de professores de Ciências, Biologia, Física e

Química. Além disso, segundo outras informações, também contidas no livro, os

quatro volumes do livro didático foram, previamente, entregues a professores de

quatro capitais brasileiras a fim de que fizessem críticas e observações e receberam

pareceres de especialistas de diversas áreas por meio de consultorias sobre a obra

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didática. A equipe que integra os autores (as) desse livro didático compreende o

Grupo APEC – Ação e Pesquisa em Educação em Ciências- que realiza projetos

com foco na melhoria do ensino-aprendizagem de Ciências, em geral, vinculados à

Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O Quadro 4, a seguir, apresenta tanto a formação acadêmica como as atuais

ocupações profissionais dos autores (as) da coleção didática.

Quadro 4: Formação acadêmica e ocupação dos autores de acordo com a edição de 2010

AUTOR GRADUAÇÃO MESTRADO DOUTORADO OCUPAÇÃO ATUAL

Carmen De Caro

Ciências Biológicas UNICAMP

Biologia Vegetal – Genética UNICAMP

Educação UFMG

Professora do Colégio Técnico e Curso de Especialização do Cecimig da UFMG

Helder de Figueiredo

e Paula Física UFMG

Educação Tecnológica CEFET-MG

Educação UFMG

Professor do Colégio Técnico da UFMG e do Programa de pós-Graduação da Faculdade de Educação da UFMG

Mairy Loureiro

dos Santos

História Natural UFMG

Ecologia UnB

Professor de Metodologia de Ensino de Ciências em escola de Ensino Superior

Maria Emília

Caixeta de Castro Lima

Química UFMG

Educação UFMG

Educação UNICAMP

Professora de Metodologia de Ciências/Química da UFMG

Nilma Soares da

Silva

Química UFMG

Educação UFMG

Educação UFMG

Diretora do Centro de ensino de Ciências e Matemática (CECIMIG) e coordenadora do PIBID de Química na Faculdade de Educação na UFMG.

Orlando Aguiar Junior

Física UFMG

Tecnologia CEFET-MG

Educação em Ciências

Leeds (England)

Professor de Metodologia de Ensino de Ciências/Física da Faculdade de Educação da UFMG

Ruth Schmitz de

Castro

Física UFMG

Ciências USP

Coordenadora Pedagógica da Escola Legislativo do ALMG

Selma Ambrozina de Moura

Braga

Ciências - Hist. Nat.

UFMG

Educação PUC- SP

Educação UFMG

Professora de Ciências do Centro Pedagógico e do Curso de Especialização em Ensino de Ciências, Biologia, Física e Química.

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49

As informações do quadro corroboram a diversidade, competência e

experiência que o grupo apresenta nas disciplinas ciências, Educação em Ciências e

áreas afins.

De forma a entender a inserção dos pesquisadores como autores, fizemos

uma pesquisa em acervo, localizado na biblioteca da Faculdade de Educação da

USP, denominado LIVRES20. Esse estudo21, mesmo que de forma pouco

aprofundada e de caráter restrito, por tratar-se de um único acervo, teve

representatividade pelo grande número de livros que tivemos acesso. Nesse

levantamento foi possível caracterizar perfis de autores dos livros didáticos de

ciências no contexto sócio-histórico do desenvolvimento da disciplina escolar de

ciências. Encontramos que a maioria dos autores dos livros didáticos, em décadas

passadas, era oriunda do magistério ou profissionais com designação de técnicos

em educação. Outras profissões, em menor número, foram identificadas para os

autores de livro didático, tais como a de médicos e ainda pessoas relacionadas à

religião (padre).

Outro aspecto assinalado nesta pesquisa foi o fato de que os autores de livros

didáticos em geral assumiam papel de formadores de professores, relacionando “o

que” com “o como” a ser ensinado, o que ainda parece fazer parte da concepção

dos livros didáticos atuais, como apontaremos nas análises textuais (MOREIRA e

MARTINS, 2010).

A despeito dessas considerações, entendemos que autores de livro têm

realmente uma função relevante, no aspecto que vincula à concepção da obra ao

que é a obra, ou seja, o sujeito/autor reunindo na sua obra um modo de expressar,

imprimindo um estilo.

Aguiar Junior (2004) aponta para uma modificação nesse grupo de autores de

livro didático de ciências, os quais nos últimos anos e especialmente nos grupos que

ele qualifica de “alternativos”:

20

Banco de dados de livros escolares brasileiros de 1810 até 2005, projeto da professora Circe Bittencourt da faculdade de Educação da USP. Disponível em: <http://paje.fe.usp.br/estrutura/livres/>. 21

O nosso interesse foi procurar saber se esse movimento de autoria era relativamente atual ou uma tradição nessa área. Anotamos informações específicas acerca do autor do livro, sua formação, atuação profissional, e vinculação institucional com base em dados (anotações e fotografias) disponíveis nos próprios exemplares dos livros didáticos, tais como: edição, editora, ano de publicação, os autores, profissão dos autores, equipe de autores, exemplar do professor ou do aluno, série/ano letivo de destino, entre outras.

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os autores são pesquisadores ou professores que estiveram muito próximos da pesquisa acadêmica em educação em ciências. Além disso, vários desses novos autores estiveram recentemente envolvidos com reformas curriculares, atuando nestas, como consultores, produzindo materiais e programas para formação continuada de professores (AGUIAR JUNIOR, 2004, p.6-7).

Há nessa citação a ideia de que, certos livros, por intermédio de seus autores,

disponibilizam inovações detalhadas para o uso do professor. O interessante nesse

artigo de Aguiar Junior (2004, p.7), e que converge para o que discutimos nessa

pesquisa, diz respeito ao grupo de autores e sua inserção na pesquisa de Educação

em Ciências, para o qual “o livro é assumido enquanto Projeto de Ensino aberto,

flexível, em permanente mudança”.

3.2.2 Organização da coleção

Os quatro volumes da coleção didática estão organizados da mesma forma

contendo: capa, autores, apresentação e sumário no início do livro. O texto é

disposto em unidades (4 a 5, dependendo do volume) e capítulos. Cada capítulo (1 a

5 por unidade) apresenta seções temáticas, além do texto principal, tais como

Trocando ideias, Mãos à obra, Faça em seu caderno, O que você aprendeu sobre,

cada uma delas voltadas aos objetivos específicos de aprendizagem. Ao final de

cada unidade há indicações de leituras (livros, artigos), vídeos e sites para a

consulta dos estudantes. A coleção analisada contém também uma bibliografia nas

últimas páginas do livro do aluno e outra no manual do professor (assessoria

pedagógica).

3.2.2.1 Manual do professor

Um ‘manual do professor’, como a própria denominação utilizada no âmbito

do PNLD indica, é um texto endereçado a esse grupo de profissionais que tem o

propósito de esclarecer aspectos do projeto editorial e da proposta curricular

pedagógica, bem como apresentar características específicas do livro em relação a

obras semelhantes, sugestões de atividades etc. O manual do professor, nessa

coleção didática, recebe o nome de “Assessoria Pedagógica” e localiza-se no final

do livro do aluno no exemplar destinado a este profissional.

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O texto da Assessoria Pedagógica é dividido em cinco partes que

descreveremos a seguir. A primeira página, contendo uma apresentação da

proposta, tem o formato de uma carta endereçada aos professores (CONSTRUINDO

CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.4). Em seguida, a segunda e a terceira

partes, denominadas ‘Nossa concepção de currículo e de educação em Ciências’

(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.5-16) e ‘A estrutura e

os recursos da coleção’ (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica,

p. 17-24), respectivamente, compondo o texto comum aos quatro volumes (do 6º ao

9º anos). As páginas seguintes (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria

pedagógica, p. 25-89) envolvem sugestões sobre cada unidade a ser desenvolvida

e, por conseguinte, são diferentes para cada volume. Finalmente as páginas finais

(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.90-92), são dedicadas

à listagem das referências utilizadas pelos autores. A assessoria pedagógica nos

quatro volumes, embora apresente pequenas diferenças, totaliza o mesmo número

de páginas.

Em nossas análises nos voltamos para a parte do texto que é idêntica nos

quatro volumes da obra (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica,

p.5-24). Além da extensão do texto da assessoria pedagógica (92 páginas em cada

livro), dois motivos nos levaram a focar nas primeiras vinte e quatro páginas deste

manual: o primeiro motivo diz respeito ao alcance que o texto comum tem na prática

escolar, compreendendo uma leitura endereçada a todos os professores das quatro

séries finais do Ensino Fundamental. Um segundo motivo, relaciona-se ao conteúdo

do texto, uma vez que envolve a parte da assessoria pedagógica que mais cita

pesquisadores do campo de pesquisa em Educação em Ciências, mesmo não

excluindo a possibilidade de identificar citações e comentários relacionados à

pesquisa e a pesquisadores em outras seções do manual.

O texto da assessoria pedagógica foi importante na discussão dessa pesquisa

pelas representações discursivas referidas à pesquisa em Educação em Ciências

encontradas. De fato, a referência explícita feita à pesquisa em Educação em

Ciências logo nas primeiras palavras, endereçadas aos professores, dimensiona a

importância que o grupo de autores confere à influência desse tema no que será

apresentado ao longo do livro didático.

A leitura dessa Assessoria pedagógica é importante. Apresentamos aqui nossas opções fundamentadas nas pesquisas em educação em ciências,

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discutimos algumas dificuldades que os professores podem encontrar ao longo do seu trabalho e sugerimos formas de intervenção de modo que se superem obstáculos (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.4, grifo dos autores).

A análise que realizamos dos textos da assessoria pedagógica foi importante

como complementação do corpus de análise, tanto pela caracterização do texto do

livro didático pelos autores, quanto para a identificação de vários discursos

relacionados à pesquisa incorporados ao texto.

3.2.2.2 Livro do aluno

Numa visão geral, a quantidade de páginas, temas, unidades e capítulos

parecem estar distribuídos de forma equitativa entre os anos letivos do Ensino

Fundamental II (6º ao 9º ano), como podemos observar na Tabela 2.

Tabela 2: Número de páginas e distribuição em unidades e capítulos dos volumes da coleção didática

VOLUME

NÚMERO DE PÁGINAS QUANTIDADE POR VOLUME

LIVRO DO ALUNO

ASSESSORIA PEDAGÓGICA

UNIDADES CAPÍTULOS

6º ano 264 96 4 13

7º ano 248 96 5 11

8º ano 232 96 4 10

9º ano 264 96 5 11

Quanto à distribuição de temas por unidades, o livro do 6º ano, por exemplo, é

composto por quatro unidades com títulos diferenciados de acordo com o tema a ser

ensinado, como apresentado na Tabela 2.

Fizemos algumas associações entre os temas e as disciplinas a eles ligados e

identificamos uma discreta predominância dos relacionados à Biologia, seguido de

temas de Física e de Química. Além disso, destacamos a presença, em menor

quantidade, de tópicos relacionados à História da Ciência e às Ciências da Terra,

Biotecnologia, Agricultura e Astronomia.

Como o ensino de ciências é interdisciplinar, essas considerações são

importantes pela posição e espaço dos diferentes tópicos nos livros. Por exemplo,

tradicionalmente presente apenas em livros para o 9o ano (NASCIMENTO e

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REZENDE JUNIOR, 2010), os conteúdos relacionados à Física são nesta coleção

didática apresentados de maneira melhor distribuída ao longo dos volumes

destinados aos quatro anos letivos, o que foge a um tipo de organização

considerado hegemônico quando se trata de Ensino Fundamental.

O projeto editorial organiza o livro em seções temáticas, descritas na Tabela

3. Todas essas seções são descritas na parte intitulada ‘Estrutura e recursos da

coleção’ da Assessoria Pedagógica (p.17). Entretanto, nem sempre estão todas elas

presentes em cada uma das unidades do livro. Por exemplo, no caso dos três

primeiros capítulos da Unidade I do livro do 6º ano, não há as seções “Ciência tem

história”; “Ciência, tecnologia e sociedade”; “Entrevista” e “Investigação

compartilhada”.

Tabela 3: Número de ocorrências das seções na coleção didática Construindo Consciências

SEÇÃO

6º ano 7º ano 8º ano 9º ano

Faça em seu caderno 36 28 22 25

Mãos à obra (experimentos e atividades práticas)

30 27 24 21

Praticando e avaliando a leitura 4 10 4 6

Trocando ideias 17 14 15 19

Para saber mais 12 14 11 10

O que você aprendeu sobre 13 11 10 11

Projeto de investigação 2 - - 4

Investigação compartilhada 3 4 3 2

Entrevista 3 1 - -

Pesquisando sobre 8 4 - 1

Ciência, tecnologia e sociedade 4 2 2 6

Ciência em debate 4 3 2 2

Ciência e arte 2 5 4 2

Ciência tem história 6 5 3 6

De forma geral, a exemplo do que podemos observar na Tabela 3, as seções

tais como “Faça no seu caderno” e “Mãos à obra” são as que aparecem em maior

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número em todos os volumes da coleção, ao longo das unidades22. A seção “O que

você aprendeu sobre” corresponde à quantidade de capítulos encontrados em cada

volume da coleção. Embora o texto principal ainda seja o componente do livro que

se encontra em maior ocorrência, a presença das seções “Mãos à obra”,

“Investigação compartilhada”, “Trocando ideias”, entre outras, envolvendo a

participação dos estudantes em atividades, promovem uma forma de aprendizagem

que se afasta de uma transmissão conteudista, levando o estudante a trabalhar com

evidências empíricas, articulando-as com o que aprende nos textos científicos.

3.2.2.3 Excertos selecionados

Neste item apresentamos os excertos selecionados. Quatro deles foram

identificados após a conversa com o professor Orlando Aguiar Junior, e dois deles,

no contexto da conversa com o professor Helder de Figueiredo e Paula. Os excertos

estão representados no Quadro 5 e, como veremos, cada um deles encontra-se

associado a uma ou mais linhas de pesquisa da Educação em Ciências, como

descritos na apresentação de cada um deles.

O texto de cada um dos excertos pode ser acessado pela leitura dos anexos,

correspondendo cada um dos excertos do Quadro 5, aos ANEXOS 1 a 6,

respectivamente. Optamos por não fotocopiar o livro didático, uma vez que a

editora23 não nos concedeu a autorização para fazê-lo. Entramos em contato

algumas vezes24 com a editora por e-mail e explicamos as razões e o interesse em

copiar apenas esses excertos, selecionados para análise e, mesmo assim a

autorização não foi concedida.

O Quadro a seguir, mostra que o conjunto de excertos inclui pelo menos um

texto dos quatro volumes da coleção didática e diz respeito a três seções temáticas,

a saber: “Texto”, “Trocando ideias” e “Ciência tem história”.

22

Não contamos a ocorrência do texto principal, uma vez que serve de base para a inserção de todas as seções que apresentamos na tabela. O texto principal ocupa a maior parte do livro didático em estudo. 23

A editora que publica essa coleção é a Scipione que passou a fazer parte do Grupo Abril em 2004

23, ano no qual esse grupo comprou duas editoras (Scipione e Ática) com tradição reconhecida

no mercado brasileiro de livros didáticos. 24

Entre os dias 30/03/2012 a 10/04/2013 quando do último e-mail negando a concessão de reprodução de qualquer parte do livro.

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55

Quadro 5: Os excertos selecionados para a análise

NÚMERO DO

EXCERTO TÍTULO DO EXCERTO VOL. SEÇÃO

TÍTULO DA UNIDADE

TÍTULO DO CAPÍTULO

PÁG.

1 Vida de piaba 6º ano Texto A diversidade

da vida

Modos de ser e de viver

dos vertebrados

168-170

2 A influência da Lua 7º ano Trocando

ideias

Lua, Sol e movimentos

da Terra

A Lua nossa vizinha mais

próxima 202-203

3

Avaliando evidências sobre a

nutrição dos vegetais

7º ano Ciência tem

história Energia e ambiente

O sol e a vida na Terra

151-154

4 O que sabemos sobre luz e visão

8º ano Trocando

ideias

O organismo humano e

suas interações

com o ambiente

Luz e visão 165

5 Entre as partículas existem espaços

vazios 9º ano Texto

Modelando Materiais

O mundo que não vemos

63-64

6 Viajando com

segurança 9º ano Texto

Ciência, Tecnologia e sobrevivência

Viajando com segurança

183-184

3.2.2.3.1 Seções específicas

De forma a entender as diferenças entre as seções das quais os excertos

foram selecionados para a análise, elaboramos um pequeno resumo explicativo de

cada uma delas, quais sejam: “Trocando ideias” e “Ciência tem história”. Optamos

por não descrever as que não tiveram representação no corpus.

a) Texto

O texto é apresentado pelos autores pela expressão texto principal. Para os

autores

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56

o texto principal de cada capítulo é subdividido em subtítulos sendo articulados com as diversas atividades e seções presentes em cada capítulo. Em conjunto, uma grande diversidade de gêneros textuais é oferecida aos estudantes de maneira que contribua para o desenvolvimento de competências tais como as de leitura e escrita (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.18).

No corpus temos três textos principais, sendo eles: ‘Vida de piaba’

(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º ano, p. 168-170), ‘Entre as

partículas existem espaços vazios’ (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do

aluno, 9º ano, p.63-64) e ‘Viajando com segurança’ (CONSTRUINDO

CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p. 183 e 184). Compondo a seção

específica de texto principal, ‘Vida de piaba’ e ‘Entre as partículas existem espaços

vazios’ são subtítulos dos capítulos aos quais pertencem e se encontram entre as

primeiras quatro páginas dos mesmos. O excerto ‘Viajando com segurança’ é o texto

de abertura do capítulo. Os três possuem mais ou menos a mesma extensão no livro

didático, sendo que ‘Vida de piaba’, por apresentar um conjunto de cinco fotos e

desenhos, ocupa três páginas, enquanto os outros dois ocupam duas páginas.

b) Trocando ideias

Para os autores, a seção “Trocando ideias” é constituída por

questões utilizadas para levantamento e organização dos conhecimentos prévios dos estudantes. São orientadas para estimular o estudante a resgatar informação disponível e a fundamentar seus pontos de vista ao interpretar fenômenos (ASSESSORIA PEDAGÓGICA, p. 17).

Em geral, a seção está localizada no início do capítulo, introduzindo um

assunto. Contudo, identificamos que esta não é uma regra, já que nos capítulos em

que essa seção ocorre quatro vezes, por exemplo, ela está presente inclusive no

final do capítulo.

O texto, intitulado ‘O que sabemos sobre luz e visão’ (CONSTRUINDO

CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 8º ano, p.165), é um dos selecionados da seção

“Trocando ideias”. Está localizado na segunda página do capítulo oito da unidade 4

do terceiro volume da coleção (8º ano). O volume do 8º ano possui dez capítulos e a

seção “Trocando ideias” está presente em todos eles, ao menos uma vez, sendo

que, no capítulo cinco aparece três vezes e nos capítulos dois, sete, oito e dez,

comparece duas vezes, totalizando dezesseis ocorrências no volume como um todo.

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O texto, ‘A influência da Lua’ (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do

aluno, 7º ano, p.202-203), também pertence à seção “Trocando ideias” e encontra-

se no livro do 7º ano, no qual foram identificadas treze ocorrências dessa seção.

Diferente do outro volume (do 8º ano), nem todos os capítulos apresentam essa

seção, estando presente apenas em algumas unidades (2, 5, 8 e 11). A seção

“Trocando ideias” ocorre quatro vezes no capítulo um; três vezes no capítulo dez, e

duas vezes no capítulo seis. Nos demais, ocorre uma única vez. O capítulo nove ‘A

Lua, nossa vizinha mais próxima’ (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno,

7º ano, p.189), encontramos apenas uma seção do “Trocando ideias”, que é a do

excerto selecionado.

De qualquer forma, embora a distribuição não seja homogênea, entendemos

que essa é uma seção específica que tem grande representatividade nos quatro

volumes da coleção didática.

c) Ciência tem história

Essa seção temática do livro é descrita na assessoria pedagógica da seguinte

forma:

Referências e informações oriundas da história das ciências e da tecnologia. Elas são encontradas ao longo do texto principal. Às vezes, entretanto, torna-se conveniente reuni-las em um texto especial sucedido por questões destinadas a promover reflexões sobre a natureza da atividade científica (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.17).

Portanto, os autores consideram que, alguns textos, como o excerto do

capítulo sete ‘Avaliando evidências sobre a nutrição dos vegetais’, têm a história da

ciência em destaque e sua “a principal intenção não é a de identificar ‘grandes

personagens’ da história das ciências, nem fazer apologias ao conhecimento

científico”, e sim a de ilustrar caminhos “que caracterizam o processo de produção e

validação” do conhecimento da ciência (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS,

assessoria pedagógica, p. 19).

No corpus de pesquisa, esse é o único texto da seção específica “Ciência tem

história”, pertencendo ao volume do 7º ano. Nesse volume do livro didático,

encontramos três ocorrências dessa seção nos capítulos três, sete e onze

respectivamente e duas no capítulo nove, totalizando cinco no volume como um

todo.

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58

3.2.2.3.2 O contexto dos excertos selecionados

Outro aspecto que descreveremos nesse capítulo é o que denominamos

contexto do excerto, ou seja, os elementos que circundam os seis excertos,

compondo o corpus de pesquisa, tais como a justificativa para sua escolha, figuras e

desenhos, conteúdo a ser aprendido, entre outros.

a) Vida de Piaba25

O excerto 1 (ANEXO 1) foi escolhido por ter sido apontado pelo Professor

Orlando Aguiar Junior como um exemplo de texto do livro didático, que inclui

discursos relacionados às pesquisas sobre linguagem, especificamente sobre o

papel das narrativas, no ensino de ciências.

A unidade três, da qual o excerto faz parte, intitula-se “A diversidade da vida”

(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º ano, p.144-236) e tem por

objetivo o estudo dos seres vivos.

O primeiro capítulo dessa unidade (capítulo oito) trata de diferenças e

semelhanças entre os seres vivos. Para isso, é feita a comparação entre uma

biblioteca e sua organização, e a classificação dos seres vivos. Neste exemplo, o

que se procura é através da comparação (biblioteca) discutir a importância da

classificação (critérios) na vida do homem. Neste capítulo também é apresentada a

história da classificação dos seres vivos.

O capítulo nove, “Os modos de viver dos vertebrados”, explora a biologia dos

peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos. O que chama atenção nesse capítulo é a

forma de abordar o conteúdo “Seres vivos”, tradicionalmente ensinado no 7º ano do

Ensino Fundamental, e, nesta coleção, introduzido no 6º ano. Esse aspecto

evidencia o fato que apontamos anteriormente: a distribuição diferenciada de

conteúdos na coleção didática. As restrições impostas pela política educacional não

evitaram que essa coleção didática promovesse mudanças na prática discursiva26

pedagógica tradicional, respaldada pelos currículos oficiais de ciências.

25

Piaba é um termo que vem do Tupi e quer dizer “pele manchada”. Assim são chamados pequenos peixes brasileiros atingindo no máximo 20 centímetros. <http://pt.wikipedia.org/wiki/Piaba> 26

Prática discursiva baseia-se em convenções que naturalizam relações particulares de poder e ideologia, e essas convenções e as formas como elas são articuladas são foco de conflitos (FAIRCLOUGH, 1992).

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Outro exemplo de formas pelas quais a coleção em questão distingue-se de

abordagens tradicionais diz respeito à apresentação da biologia dos peixes. Este

tema costuma estar associado ao contexto da classificação dos seres vivos,

taxionomicamente distribuídos em reinos e a partir de um elenco de características

dos grupos. Entretanto, no capítulo nove, “Modos de ser e de viver dos

vertebrados”, os autores não partem do grupo taxionômico para elencar suas

características, mas sim da referência a um tipo específico de peixe, chamado piaba.

Essas são questões importantes de serem entendidas, uma vez que estabilidades

ou transformações requeridas nos textos inserem-se de forma ampla (elementos

linguísticos e extralinguísticos) no contexto social da prática pedagógica e não

somente na materialidade dos textos didáticos. Para Halliday e Martin (1993), existe

diferença entre descrever e classificar na ciência na qual a descrição propõe-se a

falar sobre as coisas e a classificação a esclarecer os processos que envolvem as

coisas (HALLIDAY e MARTIN, 1993). Quer dizer, conhecer os seres vivos por

intermédio dos processos complexifica o entendimento dos estudantes, não apenas

pelo uso dos termos técnicos, mas por sua ordenação taxionômica.

Desta forma, o título “Vida de piabas”, ao utilizar o vocábulo “vida”

significando modos de vida, tempo de vida e referindo-se a um tipo de peixe, procura

escapar do padrão apontado. O apelo à vida parece vir de encontro ao apagamento

que em geral a linguagem científica promove aos processos a ela relacionados.

Piabas antes de serem peixes são seres com vida, ou seja, seres vivos. E o mesmo

ocorre com todos os vertebrados relacionados no capítulo nove, tais como em “Vida

de sapo e rã”, “Vida de serpentes”, “Vida das corujas-buraqueiras” e “Vida de

morcegos”.

Em geral, os livros didáticos, ao apresentam os seres vivos, principalmente

aqueles mais conhecidos (morcego, cobras, cães, etc.), promovem um afastamento

dos estudantes pelo uso de termos técnicos, tais como vertebrados, quirópteros,

ofídios, canídeos entre outras nomenclaturas. O vocábulo peixe pode ser entendido

como um termo da vida cotidiana dos estudantes. No entanto, este termo, no

contexto do livro didático de ciências, muitas vezes assume o status de grupo de

animais27 e não o significado dado ao mesmo na vida cotidiana.

27

A expressão peixes é utilizada com base na semelhança de vertebrados aquáticos e não

caracteriza uma unidade taxonômica. Para a biologia "Pisces" representa um táxon parafilético (parte dos peixes apresenta maior parentesco com o grupo dos Tetrápoda do que com outros peixes), por

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No capitulo dez, “Conhecendo os invertebrados” (CONSTRUINDO

CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º ano, p.185-202) que sucede o capítulo dos

vertebrados, a estratégia adotada de utilizar nomes populares (vespas, aranhas,

escorpiões, piolhos, pulgas) para apresentar os seres vivos se repete, embora

tenhamos encontrado palavras ou termos técnicos, tais como artrópodes, anelídeos,

moluscos, etc.

O capítulo onze, “A diversidade das plantas” (CONSTRUINDO

CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º ano, p.203-216) e o doze, “Nem bichos nem

plantas,-,que seres são estes?” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno,

6º ano, p.217-236) complementam a unidade que tem como objetivo a

aprendizagem dos diversos grupos de seres vivos.

b) A influência da Lua

A unidade 4 tem o título “Lua, Sol e movimentos da Terra” (CONSTRUINDO

CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, p.166-206), e os capítulos oito e nove

tratam desses três astros, não exatamente nessa ordem; o capítulo oito relaciona-se

ao Sol e movimentos da Terra, e o capítulo nove, às questões do satélite Lua.

O excerto 2 (ANEXO 2) localiza-se no capítulo nove, cujo título é “A Lua,

nossa vizinha mais próxima” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º

ano, p.189-206), que após caracterizar o astro como satélite e compará-lo a outros

do sistema solar, apresenta uma seção intitulada “A Lua em nossa cultura”

(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º ano, p.199-206). Tanto o título

do capítulo, como o da seção citada, utilizam o pronome reflexivo “nossa” indicando

que os estudantes/interlocutores estão incluídos no que está dito. No primeiro caso,

o termo “nossa vizinha” indica uma proximidade e, no segundo, “nossa cultura” inclui

na relação identificada questões que em geral circundam o satélite, tais como

crenças e valores que se associam a essa vizinhança.

A parte intitulada “A lua em nossa cultura” traz uma discussão sobre as marés

e sua relação com a lua e suas fases. O texto “A influencia da Lua” aprofunda as

influências do satélite no planeta Terra, muitas delas consideradas crenças, mitos

populares sobre a lua, tais como crescimento do cabelo, nascimento de bebês entre

incluir alguns descendentes de um ancestral comum. Disponível em: <http://www.educacaopublica.rj.gov.br/oficinas/ed_ciencias/peixes/porque/organizando/agrupamentos_taxonomicos.html>.

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outros acontecimentos da vida. Segundo o Professor Helder de Figueiredo e Paula,

esse texto foi mencionado por incluir questões da pesquisa, envolvendo

problemáticas da cultura na sua relação com o ensino de ciências.

c) Avaliando evidências sobre a nutrição dos vegetais

Este excerto 3 (ANEXO 3) foi o escolhido por ter sido apontado pelo Professor

Orlando Aguiar Junior como exemplo de texto do livro didático, com o qual os

autores dialogaram utilizando discursos relacionados às linhas de pesquisa da

História da Ciência e Natureza da Ciência.

A unidade três, “Energia e ambiente” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro

do aluno, 7º ano, p.116-164) trata de diversos assuntos relacionados à energia, tanto

do ponto de vista conceitual (física, biologia) quanto dos problemas ambientais

relacionados às questões energéticas.

O capítulo seis, intitulado “Transformações de energia” (CONSTRUINDO

CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, p. 118-143), inicia fazendo um

levantamento das concepções sobre energia dos estudantes pelo recurso de

imagens. Os textos do capítulo seis discutem formas e fontes de energia, impactos

ambientais, usos de energia e a abordagem ao fim do capítulo compreende um

conjunto de conceitos da física (energia cinética, potencial, calorímetro).

O capítulo sete, “o Sol e a vida na Terra” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS,

livro do aluno, 7º ano, p.144-164), tem como objetivo relacionar sol e vida e,

portanto, tem como disciplina base a biologia. Logo de inicio é lembrada a música

Luz do Sol, de Caetano Veloso, para o estudo da fotossíntese.

O excerto é um texto que, segundo o autor, foi pensado para enfrentar o

problema da concepção equivocada dos estudantes sobre a nutrição dos vegetais.

Em geral, os estudantes pensam que plantas se alimentam de terra/solo e por isso

crescem e ficam mais pesadas. Kawasaki e Bizzo (2000) entendem que há nessa

forma de pensar a ênfase na ideia de que o solo é o meio que fornece todo tipo de

nutrientes, deixando de fora plantas que não crescem em solos e que mesmo assim

sobrevivem. Os autores do livro didático foram buscar na história da ciência

exemplos de experimentos e ideias que pudessem dar conta desta relevante

questão para o ensino da fotossíntese. Portanto, embora o capítulo sete seja

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abrangente, o foco principal é a fotossíntese das plantas relacionando-a com a

energia solar.

d) O que sabemos sobre luz e visão

Este excerto 4 (ANEXO 4) foi escolhido por ter sido apontado pelo Professor

Orlando Aguiar Junior, como exemplo de texto que inclui discursos relacionados às

concepções alternativas sobre luz e visão e à história da Ótica. O autor considera a

atividade importante para que o estudante compreenda o modelo básico da ótica,

nas suas ideias estruturantes, e posteriormente dar sentido ao que vai ser ensinado.

Foram citados modelos de pesquisas em Educação em Ciências que,

categorizados, refletem três formas diferenciadas de modelar a visão (o modelo do

olho, do sol, e o físico) que se repetem quando estudantes são solicitados a explicar

esse fenômeno.

A unidade quatro, na qual está inserido esse excerto, é a denominada “O

organismo humano e suas interações com o ambiente” (CONSTRUINDO

CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 8º ano, p.162-164), e compreende três capítulos: o

capítulo oito, “Luz e visão” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º

ano, p.164-190), o capítulo nove, “O controle da temperatura corporal dos seres

vivos (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º ano, p.191-211), e o

capítulo dez, “O sistema nervoso e o efeito das drogas” (CONSTRUINDO

CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º ano, p.212-228).

e) Entre as partículas existem espaços vazios

O excerto 5 (ANEXO 5) da seção texto principal se insere na unidade dois do

volume do 9º ano de título “Modelando materiais”. Essa unidade inclui dois capítulos

intitulados, “O mundo que não vemos” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do

aluno, capítulo 3, 9º ano, p.60-76) e “A natureza elétrica dos materiais”

(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, capítulo 4, 9º ano, p.77-105). A

escolha do texto desta unidade foi influenciada por tê-la mencionado o Professor

Orlando Aguiar Junior como uma das unidades da coleção que melhor caracteriza as

ideias da pesquisa em Educação em Ciências, sobretudo aquelas relacionadas ao

papel da linguagem e da modelagem no ensino de ciências. Nesse caso, segundo

este autor, a influência da pesquisa em Educação em Ciências diz respeito tanto ao

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entendimento do ponto de vista dos estudantes, como à antecipação de dificuldades,

já estudadas, que viriam a ser suplantadas por intermédio de atividades dirigidas

(MOREIRA e MARTINS, 2011).

No início de cada unidade do livro há sempre duas páginas de apresentação,

as quais são compostas dos itens de aprendizagem, foco dos capítulos que as

sucedem, e no caso da unidade ‘Modelando materiais’ temos um pequeno texto

explicativo de 12 linhas, acompanhado de três imagens em pares, contendo foto-

flecha-representação (moléculas da água em um jarro de vidro, partículas do ar em

um pneu da bicicleta e pente eletrizado com pedaços de papel).

O capítulo três, “O mundo que não vemos” (CONSTRUINDO

CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.60-76), ao invés de usar a expressão

mundo microscópico faz uso da explicação da mesma, referindo-se a um mundo que

não é visto a olho nu. Esse capítulo inicia trazendo a noção de modelos, na

perspectiva de construções mentais de forma abrangente, em texto de introdução a

modelos científicos. O capítulo três traz a proposta de discutir modelos, em geral, e

modelos de partículas, em particular o modelo cinético molecular. O excerto ‘Entre

partículas existem espaços vazios’ localiza-se na quarta página desse capítulo.

O capítulo quatro, “Natureza elétrica dos materiais,” também traz os modelos

como foco, desta vez, aqueles explicativos para fenômenos de eletrização. Os dois

capítulos fazem referência aos diversos exemplos da História da Ciência.

f) Viajando com segurança

O excerto 6 (ANEXO 6) pertence ao capítulo nove do livro do 9º ano e foi

selecionado por ter sido apontado pelo Professor Helder de Figueiredo e Paula,

como um exemplo de texto no qual se procurou incluir aspectos da linha de pesquisa

Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS).

A unidade do quarto volume, na qual o excerto está inserido, intitula-se

“Ciência, Tecnologia e Sobrevivência” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do

aluno, 9º ano, p. 148-207). O título dessa unidade faz uma alusão ao acrônimo CTS

(idêntico à linha de pesquisa e abordagem curricular Ciência, Tecnologia e

Sociedade), mas atribui significado diferente para a letra S. No caso da linha de

pesquisa CTS, a letra S significa sociedade e, no título dessa unidade do volume do

nono ano, a mesma letra significa sobrevivência. Essa vinculação sociedade-

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sobrevivência parece apontar para a necessidade do cidadão atual relacionar

elementos da ciência e da tecnologia com questões envolvendo riscos e qualidade

de vida no cotidiano das pessoas. Suscita também a discussão acerca de temas

como riscos e sustentabilidade associada aos modos de organização e vida social.

Os três capítulos 7, 8 e 9 da unidade quatro intitulam-se “Estratégias de

defesa dos organismos”, (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano,

p.150-164) “Tecnologia e saúde” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno,

9º ano, p.165-182) e “Viajando com segurança” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS,

livro do aluno, 9º ano, p.183-205).

O capítulo sete da unidade faz uso da metáfora dos mecanismos da evolução

biológica para dimensionar a capacidade de sobrevivência dos seres vivos, nas

formas de proteção desenvolvidas por eles, ao longo do tempo. A questão da

proteção parece estar organizada, de forma a servir de base à posterior

problematização da necessidade de segurança, no contexto de potenciais riscos e

danos causados por aparatos tecnológico-científicos, produtos da sociedade

problematizados nos capítulos oito e nove.

O capítulo oito vincula ciência e tecnologia à saúde, ao propor, por exemplo,

discussões sobre temas, tais como a aplicação/produção de vacinas e antibióticos

pelos laboratórios farmacêuticos, a proliferação de aparelhos de alta definição de

imagem para diagnósticos de doenças, o uso de técnicas de transplantes e de

próteses e das tecnologias de transformação, como a produção de transgênicos,

clones e células- tronco.

O capítulo nove, no qual o excerto se insere, configura um debate voltado aos

procedimentos de segurança no trânsito, no contexto da aprendizagem do conceito

científico de velocidade e na relação velocidade/equipamentos de segurança (cintos

de segurança, air bags, capacetes) com a qualidade de vida das pessoas. O excerto

6 pode ser caracterizado como o de introdução do capítulo nove, ou seja, aquele

que apresenta o que será tratado no capítulo de forma mais ampla.

A partir destes esclarecimentos prosseguiremos com a análise da conjuntura

na qual procuramos dar destaque às vertentes de pesquisa, especificamente a

pesquisa realizada no Brasil, escopo de preocupações dos pesquisadores da

Educação em Ciências nos últimos anos.

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4 A ANÁLISE DA CONJUNTURA

A análise da conjuntura desta tese explora relações entre aspectos sociais e

históricos da (i) pesquisa em Educação em Ciências; (ii) das políticas educacionais e

recomendações curriculares oficiais e (iii) do mercado editorial brasileiro,

considerando-os por sua relevância, no contexto das condições de produção do livro

didático, nos últimos anos no Brasil.

4.1 A PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS

O campo de pesquisa em Educação em Ciências28 vem se estruturando e

consolidando desde a década de 1960. Fensham (2004) esclarece que nessa

década, os debates, as temáticas e as preocupações, presentes nos primeiros

trabalhos desse campo, enfatizavam a experimentação como forma de melhorar o

ensino de Ciências (FENSHAM, 2004). De lá para cá, o campo se expandiu,

constituindo uma natureza interdisciplinar, integrando contribuições provenientes de

áreas como “a própria Ciência, a Psicologia Educacional, a História e Filosofia da

Ciência, a Sociologia da Ciência e outros estudos sobre ciência” (CACHAPUZ et al.,

2008, p.33).

De acordo com Jenkins (2001), é possível distinguir duas tradições de

pesquisa como as mais proeminentes nos últimos 30 anos: a pedagógica e a

empírica. Segundo esse autor, a tradição pedagógica é aquela que foca no ensino

de conteúdos da ciência referência, enquanto a tradição empírica busca entender

aspectos próprios da ciência mais voltada a influenciar a situação escolar (JENKINS,

2001). Duit (2007) aponta que uma paridade entre essas duas tradições de

pesquisas possibilitaria um progresso maior no entender e aprender ciência.

Treagust (2004), ao discutir tendências de pesquisa nesse campo, entende

que mesmo com todo o aparente desenvolvimento de currículos para o ensino de

ciências e da consolidação e divulgação de pesquisa em Educação em Ciências,

28

Delizoicov, Slongo e Lorenzetti (2007) esclarecem que Cachapuz utiliza o termo “investigação em didática das ciências” e não “pesquisa em Educação em Ciências”, caracterizando formas diferentes de denominar o campo.

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ainda é necessário aprofundar a relação entre estas práticas sociais. Esse

pesquisador também afirma que as investigações no campo da Educação em

Ciências reúnem inúmeras discordâncias no nível dos seus fundamentos, não

compreendendo paradigma único29, incluindo contribuições provenientes de

temas/perspectivas variadas: aprendizagem, ensino, tecnologia educacional,

currículo, ambientes de aprendizagem, formação de professores, avaliação e história

e filosofia da ciência entre outros (TREAGUST, 2004).

Cachapuz et al. (2005) consideram que a pesquisa em Educação em Ciências

anterior à década de 1980 ainda se encontrava num período pré-paradigmático, e

que, entre os anos 1990 e 2000, configurou-se a virada discursiva pelos aspectos

que caracterizaram a pesquisa dessa década (1990), tais como o seu caráter não

linear, as frutíferas controvérsias e as orientações teóricas mais aprofundadas.

No contexto brasileiro, pesquisadores reconhecem que a pesquisa em

Educação em Ciências tem como marca o estudo da prática escolar, embora nem

sempre com objetivo de viabilizar estratégias de ensino (MORTIMER, 2002). Esse

fato parece estar relacionado à constatação de que discussões teóricas,

metodologias e resultados acumulados por essa pesquisa muitas vezes não chegam

à sala de aula e, quando chegam, nem sempre são apropriados pelos professores

(REZENDE e OSTERMANN, 2005). Delizoicov, Slongo e Lorenzetti (2007)

esclarecem que embora haja, no campo da Educação em Ciências, uma

preocupação com “o processo de difusão e apropriação do conhecimento científico

no âmbito da educação escolar”, ainda é necessário aprofundar relações entre

resultados de pesquisas e práticas educativas escolares, o que poderá contribuir

para a formulação de novos problemas às investigações. Estes aspectos a que nos

referimos retomam o que apontamos na introdução da tese, ou seja, a necessidade

de compreender a aplicação dos resultados das investigações pelo viés da

mediação e recontextualização em práticas escolares. Somado a isso, a escola

interage com o discurso instituído30 e possui a missão de levá-lo a diversos grupos

sociais. No Brasil, observa-se nesse campo de conhecimento um amplo

29

Corpo com coerência de conhecimentos (KOPFER, 1983 apud CACHAPUZ et al., 2005). 30

Cardoso (2005) realiza uma discussão sobre o que entende por “sujeito do discurso pedagógico”, que de acordo com os pressupostos de Althusser (1970) é aquele produzido pela escola, considerado importante elemento do aparelho ideológico do Estado. Esses sujeitos aceitam essa sujeição pela instituição escolar e a não ser pela sujeição referida, são sujeitos totalmente desprovidos de liberdade. Nesse sentido, fica caracterizada a impossibilidade de regimes de poder se realinhar pelo entendimento que a estrutura social tem uma dimensão dinâmica, ou seja, os elementos diversos que a compõem estão em estado de tensão permanente (CARDOSO, 2005, p.49-54).

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crescimento, realçado nos inúmeros programas de pós-graduação, banco de teses e

dissertações, eventos, simpósios e congressos promovidos pelas diversas

universidades, revistas especializadas na divulgação da produção intelectual dos

programas de pós-graduação, assim como participações de pesquisadores

brasileiros em eventos internacionais. Este crescimento quantitativo é acompanhado

de um reconhecimento da qualidade dos trabalhos, bem como da sintonia entre suas

temáticas, referenciais e resultados, quando comparados a seus congêneres

internacionais. Entretanto, os pesquisadores reconhecem que mesmo com todo o

crescimento da produção do campo, este não tem expressado, em igual medida,

formas pelas quais os estudos efetivamente influem na comunidade escolar.

No item a seguir, contextualizaremos cada uma das vertentes da pesquisa em

Educação em Ciências, relevantes na conjuntura do estudo.

4.1.1 As vertentes de pesquisa

Existem formas diferenciadas de nomear e referenciar as linhas/vertentes de

pesquisa do campo em Educação em Ciências. Em geral, essas se relacionam à

tradição de pesquisa que podem ser mais desenvolvidas em certa região de um

país, ou divergirem de país para país. Melhor dizendo, embora pertencendo a uma

mesma prática social (mesmo campo semântico), a história, a cultura, os

investimentos, os grupos de pesquisa contribuem para o estabelecimento das linhas

de pesquisa, em suas particularidades.

Cachapuz et al. (2008), por exemplo, em um levantamento a partir de

revistas acadêmicas europeias, no qual analisam as mudanças e tendências das

pesquisas em Educação em Ciências, apresentam uma definição do que entendem

por linha de pesquisa. Para esses autores, a linha de pesquisa

representa tentativas da comunidade para alcançar mais e melhor conhecimento, com base num conjunto de questões e num dado enquadramento teórico aceite (por vezes cruzamento de vários), procurando evidências, seguindo uma metodologia projetada para responder o mais claramente possível às questões de pesquisa (CACHAPUZ et al., 2008, p. 28).

Verifica-se que o artigo mencionado, mesmo que com base nas pesquisas

desenvolvidas na Europa, refere-se à conceituação de “linhas de pesquisas”, que

não se baseia em uma demarcação de natureza epistemológica, mas em uma

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definição operacional que destaca temas e focos específicos das pesquisas, ou seja,

baseia-se no que “os pesquisadores fazem efetivamente” em seus gabinetes e em

grupos de pesquisas, inseridos numa comunidade bem definida, como a da

Educação em Ciências (CACHAPUZ et al., 2008, p. 28).

Complementando essa observação, acerca da definição de linha de pesquisa

e de acordo com o referencial teórico da ACD, questões, objetos, referenciais,

pressupostos, resultados de pesquisa de um campo específico de investigação são

entendidos como constituindo discursos em circularidade, e, portanto, expressam

diferenças quanto à pesquisa realizada fora e dentro do Brasil.

Assim, justificamos a opção por não enumerar uma lista de linhas de

pesquisa, tal como expressa em uma ou outra publicação, nacional ou internacional

e, dessa forma, trabalhar com a noção de vertente, ou seja, um conjunto de ideias

que guarda terminologia e referências comuns. Nesse sentido, as vertentes

selecionadas para compreender a conjuntura da tese foram aquelas explicitamente

apontadas como relevantes pelos autores do livro didático ‘Construindo

Consciências’ no contexto de elaboração do texto, servindo como fontes de

discursos a serem apreciadas na análise que realizamos, tanto do manual do

professor quanto do livro do aluno. São elas: o movimento das concepções

alternativas, natureza da ciência e história da ciência, modelo e modelagem, CTS e

linguagem, o que não exclui a correspondência de algumas delas às linhas de

pesquisa mencionadas em muitos trabalhos de revisão, ou de estado da arte

importantes para o campo da Educação em Ciências. Além disso, embora

separadas por suas especificidades, há grande afinidade entre essas

linhas/vertentes de pesquisas, que dialogam entre si e apresentam aspectos

semelhantes no que diz respeito às questões filosóficas e pedagógicas.

4.1.1.1 Movimento das concepções alternativas

A vertente do movimento das concepções alternativas (MCA)31 nasce no âmbito das

ideias construtivistas sobre ensino e aprendizagem. Contudo, o construtivismo32

31

Os estudos acadêmicos compreendem inúmeras denominações das concepções dos estudantes para interpretar fenômenos das Ciências Naturais, tais como, concepções alternativas, prévias, espontâneas entre outras. Certos autores utilizam concepções prévias, como uma denominação geral para esse corpo de ideias, outros preferem usar a expressão, concepções alternativas para distingui-

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69

centrou esforços em estudar as concepções dos estudantes, do ponto de vista de

sua origem e do seu desenvolvimento (OSBORNE, 1996). Como já assinalado, o

construtivismo tem, para o campo da Educação em Ciências, uma dimensão

paradigmática; suas ideias, pressupostos, proposições, métodos geraram inúmeras

mudanças repercutindo no ensino. Inúmeros trabalhos dos anos 1980, liderados

pelo movimento das concepções alternativas (MCA) consideraram estudar as

concepções dos estudantes em relação a diversos conceitos científicos, sendo um

dos trabalhos pioneiros sobre o assunto, organizado por três grandes nomes da

Educação em Ciências: Rosalind Driver, Edith Guesne e Andrée Thibergen,

intitulado “Children’s ideas in science”, em 1985.

Segundo Moraes (2000), dois artigos foram seminais para a vertente do MCA,

no âmbito dos trabalhos internacionais: o de Novak (1977) e o de Driver e Easley

(1978), ambos por ressaltarem a importância das ideias dos estudantes “como

sistema complexo de referências e significados sobre os conceitos científicos” no

contexto do ensino (MORAES, 2000, p.144).

No caso das pesquisas brasileiras, consideramos que as perspectivas

ausubelianas sobre a aprendizagem significativa (NOVAK 1997, MOREIRA, 1999,

2000, 2006), o estruturalismo de Piaget e a epistemologia construtivista foram os

principais fundamentos teóricos que balizaram as discussões do MCA. Ausubel

contribuiu com a discussão acerca do papel dos conhecimentos prévios dos

estudantes na aprendizagem de conteúdos formais. Moreira (2010), baseando-se na

teoria de aprendizagem significativa de Ausubel, Novak e Hanesian (1980), destaca

que o conhecimento prévio é a variável que mais influencia a aprendizagem do

estudante. Em suas palavras,

sabemos que a aprendizagem significativa caracteriza-se pela interação cognitiva entre o novo conhecimento e o conhecimento prévio. Nesse processo, que é não-literal e não-arbitrário, o novo conhecimento adquire significados para o aprendiz e o conhecimento prévio fica mais rico, mais diferenciado, mais elaborado em termos de significados, e adquire mais estabilidade (MOREIRA, 2010, p.4).

las de erros conceituais (SILVA e NÚÑEZ, 2007). Nessa tese, mantivemos as denominações usadas pelos autores citados. 32

A abordagem do construtivismo não representa exatamente uma vertente da pesquisa em

Educação em Ciências, mas um conjunto de visões que se faz presente em várias delas. Nesse sentido, o construtivismo será tratado como uma abordagem que constituiu e influenciou as pesquisas e não como uma vertente de investigação propriamente dita. Bastos (2002) esclarece que há muitas acepções de construtivismo como a de Piaget, Vygotsky, Carl Rogers e Paulo Freire, todas elas compreendendo a ideia principal “de construção”, porém contendo uma heterogeneidade de perspectivas teóricas, muitas vezes incomensuráveis.

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Os estudos baseados em Jean Piaget foram fundamentais na compreensão

da construção do conhecimento, principalmente em termos de compreensão das

funções e dos processos mentais na constituição do sujeito e do mundo físico. Esses

estudos compreendem o que se passou a chamar de ‘construtivismo pedagógico,’

que pode ser caracterizado a partir de ideias de dois grandes pensadores da

educação: Piaget e Vygotsky.

Piaget apoiava-se numa epistemologia, construtivista e estruturalista da

psicologia genética33, na qual o conhecimento é privado ou pessoal, dando ênfase à

construção e estruturação do conhecimento no indivíduo (RAMOS, 2000). Os

princípios da teoria de Piaget foram aplicados tanto à pesquisa como ao próprio

ensino de ciências, constituindo suporte para a identificação e a caracterização dos

pensamentos concreto e formal dos estudantes (MORAES, 2000).

No Brasil, o trabalho de Piaget, em colaboração com Rolando Garcia

(PIAGET e GARCIA, 1987), também teve grande influencia nas pesquisas do

campo, principalmente no que diz respeito à relação entre ontogênese e

sociogênese, contextualizada por intermédio de exemplos retirados da história da

ciência. Na perspectiva do MCA, o foco volta-se para comparações e analogias entre

ideias históricas e tendências no raciocínio espontâneo dos estudantes (VILLANI

1990,1992; FILOCRE 1991).

A tradição vygotskiana sucedeu à piagetiana como fundamentação das

investigações do campo. O construtivismo sociohistórico (também pedagógico),

baseado nas ideias de Vygotsky, tem como principal aporte entender a consciência

humana como situada social, cultural e historicamente; portanto a ênfase dada é na

interação social34. Nesta perspectiva, a linguagem passa a ocupar lugar central,

pois, de acordo com Vygotsky, aprendemos no meio cultural e linguístico em que

vivemos (MORAES, 2000).

A maior contribuição da vertente do MCA, com grande influência sobre a

comunidade de pesquisa brasileira, foi aquela que se converteu nos estudos da

mudança conceitual. O rótulo de mudança conceitual compreende muitas versões

distintas no campo de pesquisa (MORTIMER, 1996, AGUIAR JUNIOR e FILOCRE,

33

O conhecimento está associado ao processo de formação do sujeito na sua relação com o objeto de forma progressiva, dinâmica e diacrônica, com uma estrutura evolutiva (RAMOS, 2000). 34

A escola, nesse caso, atua colocando em movimento processos de desenvolvimento interno

desencadeado pela interação do estudante com outras pessoas do seu meio (colegas de sala, professores, pais, entre outros).

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1997). Apesar de ter se constituído como importante programa de pesquisa na

década de 1980, não superou críticas acerca das dificuldades em produzir

evidências de sua ocorrência, na identificação de mudança na visão ou no

acréscimo de mais uma ideia no repertório do estudante, em situações de

aprendizagem de determinado fenômeno científico (AGUIAR JUNIOR e FILOCRE,

1997).

No cenário da pesquisa brasileira, novos estudos surgem como alternativa à

mudança conceitual, baseados na construção do conhecimento científico por

intermédio da investigação do processo de aprendizagem, levando em conta

obstáculos epistemológicos a essa aprendizagem. O conceito de perfil conceitual

(MORTIMER, 1995,1996), baseado na noção de perfil epistemológico bachelardiano,

é uma profícua tentativa de explicar certas características da coexistência de

conflito, em perspectivas epistemológicas, associadas às ideias dos estudantes.

Alguns pesquisadores entendem que o maior subsídio da vertente do MCA,

nos mais diversos países ao redor do mundo, foi o de mostrar um padrão das

concepções dos estudantes em relação aos conceitos científicos investigados,

respaldado pela totalidade, recursividade das pesquisas produzidas (MORTIMER,

1996).

4.1.1.2 Modelos e modelagem

Na Educação em Ciências, o termo modelo aparece com frequência

assumindo diversos sentidos, abrangendo muita polissemia (KRAPAS et al., 1997).

A noção de modelos mentais (JOHNSON-LAIRD, 1983) surgiu na literatura, em

oposição à versão operativa e formal, do funcionamento cognitivo proposto

principalmente por Piaget. Para Johnson-Laird (1983), psicólogo cognitivo, as

representações mentais, assim como os modelos mentais, são análogos estruturais

do mundo tal qual é percebido ou conceituado.

O modelo mental, ou representação pessoal interna, tem como característica

fundamental a capacidade de ser gerativo, ou seja, visto para além do caráter

descritivo, podendo gerar predições e novas ideias (FRANCO e COLINVAUX, 2000).

Portanto, as pessoas ao explicarem o mundo físico utilizam modelos, quer dizer,

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modelos relacionam-se com o conhecimento humano do mundo e como ele

funciona. Colinvaux (2004) distingue modelos de modelagem, compreendendo que

modelos indicam caminhos e pontes que permitem articular os sistemas teóricos, de alto nível de abstração/generalização, com os sistemas empíricos, multi-variados e sempre específicos; e a modelagem, por sua vez, se refere aos processos de formação e uso dos modelos (COLINVAUX, 2004, p.113).

Estudos dessa vertente entendem que o modelo mental não é acessado

totalmente, é representado no todo ou em parte e, por isso, denominado de modelo

expresso (GILBERT e BOULTER, 1995). A palavra “representação”, nesse caso, é

usada no sentido de aspectos visuais, processados na entidade modelada, embora

possa abranger outros aspectos (MORRISON e MORGAN, 1999).

Modelos expressos (textos, orais, símbolos, desenhos) podem ser

trabalhados coletivamente em situações de ensino, especificamente em atividades

de modelagem. Portanto, processos de modelagem têm relação com a criação de

modelos e, nesta perspectiva, aprender ciências é a capacidade que o estudante

tem de articular aspectos teóricos e empíricos envolvendo os fenômenos científicos,

compreendendo as relações analógicas do modelo em estudo (DUIT e GLYNN,

1996).

Há ainda outras formas de conceituar modelos, por exemplo: modelos

mentais e conceituais (consensuais), sendo o modelo conceitual concebido como

produto de um processo de modelagem compartilhado por uma comunidade

científica, podendo referir-se tanto a um objeto concreto como à representação do

mesmo (KRAPAS et al., 1997). Justi e Gilbert (2006) esclarecem que a explicação

mais aceita para modelo, entre os pesquisadores, é aquela que o apresenta como a

representação de uma ideia, objeto, acontecimento, processo ou sistema, criado

com um objetivo específico de aprendizagem (GILBERT, BOULTER e ELMER,

2000).

Na Educação em Ciências um aspecto bastante explorado por vários estudos

dessa vertente procurou entender a forma pela qual os estudantes elaboram seus

modelos mentais/expressos ao estudar determinado fenômeno científico, não

havendo, no entanto, o acompanhamento pormenorizado das etapas subsequentes

desta construção (NERSESSIAN, 1992; VOSNIADOU, 1994; MOREIRA e GRECA,

1996; MOREIRA, 1997).

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No Brasil, Franco e Colinvaux (2000), baseando-se no trabalho de Nersessian

(1992), passam a dar destaque às analogias no ensino de ciências, não apenas

como guias do pensamento para a resolução de problemas (por inferências lógicas),

mas considerando-as como trabalho de inferência e geradoras de solução aos

problemas das aulas de ciências. Moreira (1997), outro pesquisador brasileiro que

aprofundou estudos nessa vertente, considera que essa foi uma tendência nas

investigações de alguns pesquisadores, associando o sentido de analogia às suas

pesquisas com modelos mentais, ou seja, como uma ferramenta de raciocínio para

explicar o fenômeno.

No campo da química, Monteiro e Justi (2000) analisaram livros didáticos

visando entender a extensão das analogias como bons modelos de ensino. Justi e

Gilbert (2006) reconhecem que há no ensino a ideia de que os modelos

apresentados por intermédio dos livros didáticos tem uma correspondência com a

verdade nas explicações dos professores, por serem análogos aos modelos

científicos. No entanto, há duas incorreções nessa visão: a primeira, de que a

ciência pode ser entendida como a única resposta para um determinado problema, e

a segunda, a de que os modelos de ensino são de fato modelos científicos.

A diversidade e a extensão da produção não nos permitem explorar, nesta

análise de conjuntura, todos os trabalhos realizados sobre esta temática no Brasil.

Não obstante, captura aspectos relevantes desta vertente que possuem

ressonância, tanto no trabalho dos professores quanto nos livros didáticos. Os

modelos de ensino (pedagógicos) não são idênticos aos modelos da ciência a serem

ensinados, embora o modelo de ensino deva resguardar o núcleo conceitual do

modelo científico.

Mesmo que tenhamos muitos exemplos de modelos mobilizados no ensino de

ciências (átomo, célula, ciclo da água), esses nem sempre têm apontadas ou

entendidas as limitações da própria natureza desses modelos (FERREIRA, 2006). E,

como já referido, embora os modelos da ciência tenham papel fundamental na

Educação em Ciências, muitas vezes o foco está na narrativa do professor, na do

livro didático, ou ainda no modelo consensual a ser ensinado, o que depende das

negociações entre as visões dos estudantes e o conhecimento a ser construído.

Pesquisadores consideram que o ideal é o equilíbrio entre as quatro formas de

modelos, mental, expresso, consensual e pedagógico em sala de aula, no

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entendimento do papel, natureza e limitações de cada um deles para professores e

estudantes em aulas de ciências (GILBERT e BOULTER, 1998).

4.1.1.3 Natureza da Ciência e História e Filosofia da Ciência

Para Harres (2000) o ensino de ciências deveria ter como principal escopo

desenvolver nos estudantes um entendimento da natureza da ciência. No entanto,

essa finalidade parece ser uma tarefa complexa a atingir, por isso muito

problematizada em pesquisas em interseção com a investigação de livros didáticos

(MORTIMER, 1988; PIMENTEL,1998; MARQUES e CALUZI, 2003; MARTINS, 2006;

BITTENCOURT e PRESTES, 2011) e com as concepções de professores e

estudantes (MORTIMER, 1995, TEODORO, 2000). Muitas das noções veiculadas

nos livros e ideias de estudantes e professores de ciências representam correntes

filosóficas diferenciadas e excludentes entre si.

Uma visão comum sobre a natureza da ciência é a baseada numa concepção

empirista-indutivista35, na qual o conhecimento científico é entendido como único,

verossímil, de validade independente do contexto, e atrelado ao método científico a

ser aplicado e definido por algoritmo (HARRES, 2000). Os críticos dessa visão

empiricista-indutivista entendem que, ao contrário dessa ideia, a ciência possui uma

variedade de métodos e conceitos relacionados às suas práticas, tais como:

evidência, controle de variáveis, geração de hipótese, reconhecimento e medição de

fontes de erros, distinção entre teorias, parâmetros esses que permitem a distinção

entre ciência e pseudociência (OSBORNE, 1996).

Os debates que se colocam em relação à natureza da ciência referem-se às

concepções realista e relativista, no estatuto dado por essas visões do que

representa o real para a ciência. O realismo (não crítico) entende que o mundo é

como a ciência o vê e, quando uma teoria é descartada, isso ocorre justamente

porque ela não se encaixa no mundo real. A visão realista envolve a noção de

verdade, a partir de teorias verdadeiras que descrevem exatamente como o mundo

é, ou seja, na correspondência direta entre teoria e real (CHALMERS, 1997). 35

A razão pela qual a “concepção empirista-indutivista parece ter ficado tão profundamente arraigada

à investigação científica é que os cientistas a utilizaram como critério de demarcação entre ciência e não ciência. Isto é, ela ensejou a convicção de que o conhecimento científico derivado dos dados da experiência é um conhecimento objetivo e confiável porque é provado” (KÖHNLEIN e PEDUZZI, 2002, p.3).

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Epistemólogos como Barchelard afastam-se desta visão entendendo que “a ciência

não trabalha com o que se pode encontrar no visível”, ao contrário, ela procura

através da razão aproximar-se do real (COSTA, 2000, p.85).

No que diz respeito à Educação em Ciências, as visões empiristas, idealistas,

realistas e relativistas, entre outras, trazem consequências importantes por

compreenderem epistemologias, influenciando o currículo nas decisões sobre quais

conteúdos ensinar e não ensinar e a respeito das estratégias metodológicas a adotar

(HARRES, 2000), vide exemplo, do excerto 1 “Vida de piabas” descrito no corpus.

Portanto, a inclusão das perspectivas histórica e filosófica na Educação em Ciências

é considerada fundamental por oferecer subsídios à aprendizagem, sobretudo, da

natureza da ciência (GIL PÉREZ, 1993; MATTHEWS, 1994).

Nos anos 1980, a História da Ciência e a Filosofia (HCF), segundo Matthews

(1995), estavam mais afastadas do ensino de ciências do que nos anos 1990, pelo

menos no âmbito internacional. No Brasil, as primeiras publicações envolvendo a

perspectivas de HCF no ensino são datadas da década de 1980, aproximadamente

em 1985, ampliando-se sobremaneira as pesquisas dessa vertente a partir dos anos

2000.

No cenário brasileiro, a tradição da HCF, na sua origem, envolveu um

conjunto de professionais de diversos campos de pesquisa, tais como,

historiadores36, filósofos da ciência e educadores tendo na pesquisa em Ensino da

Física as primeiras iniciativas neste sentido. Teixeira, Greca e Freire (2009)

consideram que “há uma comunidade relativamente numerosa de pesquisadores

trabalhando com uso didático de HFC no Ensino de Ciências” e que, tanto no Brasil,

como internacionalmente, há pouca investigação no que diz respeito às intervenções

didáticas em aulas de ciências para o alcance dos objetivos de parâmetros

apontados pelas pesquisas.

Na biologia, o livro Biological Sciences Curriculum Study – BSCS (1983) foi

um material curricular que se preocupou com a contextualização histórica da ciência,

mas veiculava uma visão empirista da ciência, sobretudo por enfatizar o método

científico. Algumas abordagens já foram pensadas por pesquisadores da Educação

em Biologia, na perspectiva da História da Ciência, como modelo didático na

36

Embora os historiadores da ciência realizem pesquisas em sua área pura, muitas delas trazem consequências à educação, por isso o aumento do interesse dos historiadores. (PEDUZZI, MARTINS e FERREIRA, 2012)

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organização de atividades de ensino. Trivelato Junior (1995, p.94), por exemplo, se

pautou nas “alterações conceituais que os cientistas experimentaram em épocas

passadas como processo de aprendizagem e conflitos” e, portanto, a serem

vivenciadas pelos estudantes, contribuindo para a aprendizagem de certo conceito

científico. Entretanto, autores como Bizzo (1993) advertem quanto às consequências

indevidas de um paralelismo direto entre História da Ciência e ensino, explorando

possibilidades e limites dessa contribuição, sobretudo no que diz respeito às

demandas conceituais que se colocam para os professores de ciências (BIZZO,

1993; MOREIRA, SALOMÃO e COLINVAUX, 2006).

Carvalho e Vannucchi (1996) consideram que a HCF, além de muito ter

contribuído para a discussão sobre a mudança conceitual, favoreceu outras

dimensões do ensino de ciências. A HCF proporciona aos estudantes “captarem

algo dos aspectos intelectuais que estão em jogo nestes assuntos, que vejam que

há perguntas a fazer” e que para além das respostas pensem em possíveis

respostas e evidências que as respaldem (CARVALHO e VANNUCHI, 1996, p.5).

As razões apontadas na citação como aspectos intelectuais referem-se à

compreensão da natureza da ciência, tais como os conceitos e teorias da ciência, a

superação dos obstáculos e dificuldades dos estudantes em compreender as

disciplinas científicas, assim como a concepção de ciência como empreendimento

coletivo, histórico, tecnológico, cultural e social (CARVALHO e VANNUCCHI, 1996).

Independentemente da narrativa histórica oferecida no ensino, há sempre uma

concepção sobre o funcionamento e construção da ciência; portanto, o confronto dos

objetivos formativos e epistemológicos buscados é fundamental para entender

visões comunicadas por estas narrativas históricas.

Forato, Martins e Pietrocola (2012) aprofundam os propósitos do uso da HFC

no ensino, articulando-os com os do Letramento Científico, por entenderem a

epistemologia da ciência como fundamental ao letramento científico, ao desenvolvimento da capacidade crítica dos estudantes e à compreensão dos processos sócio-históricos da construção do conhecimento científico, entretanto, pesquisas têm apontado desafios e dificuldades – em diferentes esferas –, para se efetivar propostas concretas na sala de aula, tanto na formação de professores das ciências quanto na escola básica. Dentre tais dificuldades estão os problemas e riscos trazidos pelas abordagens anacrônicas sobre os processos de construção das ciências, tais como a pseudo-história, ainda presentes no ambiente escolar e social dos estudantes (FORATO, MARTINS e PIETROCOLA, 2012, p.123)

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Portanto, Forato, Martins e Pietrocola (2012) identificam certas dificuldades

quando há transposição de saberes desta perspectiva para a escola básica. Muitas

questões aparecem como desafios, tais como: a negociação entre domínios

histórico-epistemológicos, exigências de projetos educacionais nas possibilidades de

aplicação em sala de aula, reflexões sobre a natureza da ciência, e principalmente

sobre concepções de ciência subjacentes às atividades de ensino.

No âmbito das pesquisas brasileiras, há um esforço na menção da ideia da

ciência como atividade humana influenciada pelo contexto sociocultural da época e

pela utilização de exemplos históricos como fatores extracientíficos, influenciando os

conteúdos da ciência a serem ensinados. Parece haver, nessa preocupação, a

intenção de afastar o anacronismo presente nas visões históricas, seja pelo uso de

fontes primárias da HCF, ou na construção de textos para estudantes, cujo

significado dos termos novos é realizado por intermédio de exemplos históricos. De

fato, diversas críticas advertem para os perigos de algumas abordagens, que ao

optarem por uma reconstrução linear de fatos históricos, em geral, estereotipam

atores e simplificam fatos (FORATO, MARTINS e PIETROCOLA, 2012), criando

mais problemas do que soluções.

O que apontamos parece repercutir na discussão atual sobre a natureza da

ciência introduzida por Fensham (2012) em pesquisa recente. Esse pesquisador

considera que a ideia da incerteza tem sido recorrentemente difundida pela mídia no

tratamento de problemas sociocientíficos. Segundo o autor, a mídia tem mostrado os

feitos da ciência, sobretudo os que envolvem questões sociocientíficas, na forma de

“conhecimento em competição”, ou seja, constituindo um dilema37. No cotidiano,

inúmeros exemplos experimentam o mesmo tratamento, tais como os riscos

associados ao uso de telefones celulares, à ingestão de alimentos transgênicos, à

influência dos agrotóxicos na saúde humana, ao uso da energia nuclear, entre

outros. Para Fensham,

houve uma queda generalizada no interesse dos alunos em ciências e matemática nas escolas e na qualidade de matrículas em universidades em cursos voltados para a ciência, especialmente na física. Estudantes que obtém elevados resultados em ciências e matemática escolar têm escolhido cursos não científicos, como o comércio, economia e direito. Essas mudanças na escola e na ciência da universidade influem diretamente na qualidade e na quantidade de estudantes em preparação para o ensino de ciências da escola como uma carreira. Há sintomas que incluem [...] uma

37

Em geral, um dilema é considerado uma situação difícil e apresentada na de escolha entre alternativas contraditórias, antagônicas. <http://www.dicionarioinformal.com.br/dilema/>

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queda na confiança política e pessoal da autoridade da ciência, e na identificação de questões urgentes da ciência e tecnologia envolvendo a incerteza da ciência (FENSHAM, 2012, p. 7-8, tradução nossa).

Segundo Fensham (2012), além de afastar os jovens das profissões

científicas, a visão de ciência como incerta compreende dois grandes equívocos. Em

primeiro lugar, no domínio científico, as interpretações dadas pelos cientistas para

uma mesma questão envolvendo resultados contraditórios não configuram

incertezas. O argumento da ciência é o de que o conhecimento produzido por ela

não é incerto, mas cético38. O sentido da incerteza é acompanhado de certo

relativismo que tolera um pluralismo de ideias e valores. O cético, ao contrário,

afasta-se de questões de juízo, ou seja, combate crenças que impregnam os

valores. Assim, este primeiro equívoco conduziria a opinião pública a uma descrença

na ciência. O segundo equívoco tem a ver com o valor dado para as descobertas

científicas em nossa sociedade. Ao serem reduzidas ao status de opiniões ou

interpretações sobre um determinado fenômeno, não são identificadas como

hipóteses científicas falseáveis (FENSHAM, 2012).

De qualquer forma, pelo exposto, há várias justificativas para a inclusão da

vertente da Natureza da Ciência e HFC no ensino.

4.1.1.4 Ciência, tecnologia e sociedade

A linha de pesquisa Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) tem seu advento

no pós-guerra, no contexto da sociedade industrializada, fundando-se nos

questionamentos voltados aos aspectos ambientais, tecnológicos, éticos, políticos e

de cidadania, todos direcionados às profundas mudanças econômicas e sociais que

tiveram início nesta fase da história (SANTOS e MORTIMER, 2002; CHOULIARAKI

e FAIRCLOUGH, 1999).

A escola, instituição tradicional da sociedade, tem socializado, segundo

Aikenhead (2005), uma forma específica de pensar e crer na ciência. Este fato

parece estar estreitamente relacionado ao endereçamento do conhecimento

escolarizado a uma elite social, na medida em que o conhecimento escolar serve a

38

O ceticismo se refere a uma posição crítica à determinada situação, que envolve validade de ideias, sobretudo por meio de evidência empírica (ceticismo científico). Contrapondo-se ao dogmatismo, o ceticismo é uma doutrina que tem como base questionar o que lhe apresentado como verdade (ceticismo filosófico). <http://www.dicionarioinformal.com.br/ceticismo/>

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79

uma visão de mundo, atrelada especialmente a uma ciência universitária e a

programas de engenharia que buscam formar cientistas.

Sob a ótica de uma análise de conjuntura realizada com base em princípios

da ACD, esta vertente estaria relacionada às questões de poder pela incorporação

do viés da luta hegemônica. Por exemplo, a sequência clássica dos conteúdos de

ciências nos currículos e livros didáticos pressupõe tomar certos significados como

tácitos e apresentar interesses específicos como gerais (RESENDE e RAMALHO,

2009). Em outras palavras, as escolhas por determinados conteúdos e sequências

didáticas nas práticas escolares de ciências, ao se construírem como hegemônicas

adquirem caráter universal, ou seja, de que existe apenas uma forma de se ensinar

ciências, aspecto também dimensionado na vertente da natureza da ciência. Para a

abordagem CTS, no entanto, não existe uma ciência única e, por isso, não há uma

única forma de ensinar ciências (AIKENHEAD, 2005).

Para autores como Santos (2005), a perspectiva da vertente CTS permite

superar visões universalistas e, para atingir esse objetivo, o conhecimento

escolarizado deve articular-se preferencialmente com os saberes da população não

acadêmica. Esta visão converge para uma concepção em que a ciência deixa de ser

exclusividade de um público restrito. Além disso, esclarece que uma vertente que

enfatiza articulações entre ciência, tecnologia, sociedade e situações cotidianas

permite também o estabelecimento de debates éticos e culturais. Para o autor, as

diferentes matrizes de racionalidade (científica, tecnológica, social, cultural), que no

cotidiano são inseparáveis, podem estar mais presentes em abordagens de ensino

de ciências alinhadas aos pressupostos CTS (SANTOS, 2005).

De acordo com a ACD, essas são questões que contribuem para o debate de

aspectos tais como os da modernidade recente, descritos no capítulo da abordagem

teórico-metodológica. Por exemplo, pela reflexividade é possível expor a ideologia,

por intermédio da fragmentação, desconstrução e resistência às ideias

naturalizadas. Em geral, argumentos de credibilidade são dependentes das

autoconstruções reflexivas, influenciadas pelo mundo cada vez mais

tecnologizado/informatizado (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999; RESENDE e

RAMALHO, 2009).

O movimento CTS, no Brasil, remonta ao início dos anos 1990 e, em parte,

sofreu influências de tradições de pesquisa europeias e anglo-americanas

(AIKENHEAD, 2003). No entanto, no caso específico da pesquisa brasileira, a

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filosofia educacional de Paulo Freire tem sido apontada como forma particular de se

pensar as abordagens CTS, principalmente por tratar de questões que ligam a

ciência à desigualdade social (SANTOS, 2005) a democracia (AULER e

DELIZOICOV, 2004), tendo a preocupação em retratar o ensino de ciências como

um projeto crítico-emancipatório para a sociedade.

Abreu, Fernandes e Martins (2013), em estudo da produção brasileira no

âmbito CTS/CTSA entre os anos 1980 e 2008, fizeram levantamento das

características específicas desta vertente, no desenvolvimento do pensamento

brasileiro no campo da Educação em Ciências. No levantamento realizado,

esclarecem que há uma defasagem entre a produção internacional e a nacional.

Enquanto na primeira a produção é mais intensa nas décadas de oitenta e noventa,

na brasileira a emergência e o crescimento dos artigos, sobre CTS, se dão

principalmente a partir do ano de 2001. Nos resultados obtidos, estes pesquisadores

também identificam que a produção acadêmica em CTS/CTSA tem se voltado para

relatos de pesquisa empírica numa variedade de temáticas e abordagens. Há a

confirmação de que o marco teórico que mais contribui para as pesquisas da linha

CTS, no Brasil, é o do pensamento humanístico de Paulo Freire, consolidando uma

forma crítica de CTS nacional, mesmo com a forte inspiração das investigações

brasileiras nas perspectivas teóricas internacionais (ABREU, FERNANDES e

MARTINS, 2013).

Amaral et al. (2006) consideram importante trabalhar a ciência como atividade

humana, como assinalado na perspectiva da HFC, incluindo cenários

socioeconômicos e culturais das descobertas científicas, bem como nas suas inter-

relações com a tecnologia e a sociedade. Santos e Mortimer (2002), analisando os

pressupostos teóricos da perspectiva CTS, entendem que, no caso brasileiro, a

ênfase está na preparação dos estudantes para o exercício da cidadania e a

aquisição do letramento científico, caracterizados por uma abordagem dos

conteúdos científicos no seu contexto social. Esta visão é corroborada e expandida

pelas análises de Prata (2011) ao considerar que, sobretudo, em contextos

contemporâneos, a formação para a cidadania passa a integrar a agenda de vários

projetos educacionais brasileiros, projetos esses em que a formação do cidadão

assume a posição de finalidade última da educação.

Outro aspecto da vertente CTS, fundamental à discussão situada na

modernidade recente, é a formação para a cidadania, tanto no que concerne a

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constituição da identidade individual, como coletiva. Um ensino de ciências pautado

na desnaturalização de formas de ensinar, possibilitando a reflexividade e

contribuindo para a construção de identidades na diversidade, sobretudo no

reconhecimento das diferenças, oferece possibilidade de diálogo mais democrático,

necessário às sociedades atuais.

O letramento científico tem uma dimensão mais interdisciplinar no que diz

respeito às vertentes aqui assinaladas, ou seja, compreende uma série de

parâmetros interconectados, advindos de cada uma das vertentes assinaladas e de

outras não incluídas nessa discussão.

4.1.1.5 Estudos da linguagem

Estudos que associam linguagem e ensino de ciências têm sido cada vez

mais frequentes na Educação em Ciências no Brasil. O tema, suas variações,

interações em sala de aula, argumentação, análise do conteúdo e do discurso da

ciência constituem enquadramentos teóricos da linguagem presentes nos trabalhos

no campo da pesquisa em Educação em Ciências, com amplo interesse e

crescimento de produção no Brasil.

Inicialmente, a análise do discurso (AD) francesa (PECHÊUX 1969; ORLANDI

2001; MAINGENEAU 1994) forneceu as bases teóricas para as primeiras

investigações sobre a natureza e as inter-relações entre o discurso científico, o

discurso da ciência escolar e compreensão pública da ciência (ALMEIDA, 2003).

No que diz respeito às diferenças entre a AD e a ACD, em geral, essas estão

relacionadas à concepção de discurso que cada uma das correntes apresenta para

o conceito. A AD está vinculada ao materialismo de Althusser (1970), no qual o

discurso molda o sujeito no seio dos meios de produção da vida social

(ALTHUSSER, 1970). Portanto, para a AD o sujeito é resultado das ideologias que

aparelham as instituições. No que diz respeito à ACD, o discurso é entendido como

prática social reprodutora ou transformadora da realidade social (ou das realidades).

Portanto, o sujeito tanto é moldado como transforma o discurso, configurando a

relação dialética entre discurso e realidade social (MELO, 2009).

Alguns estudos da linguagem foram desenvolvidos em colaboração entre

pesquisadores brasileiros e britânicos, explorando perspectivas anglo-saxônicas

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para o estudo do discurso, como a Linguística Crítica (KRESS, 1989, FAIRCLOUGH,

1992, 2001), os estudos de multimodalidade (KRESS e VAN LEEUWEN, 1996),

forneceram bases para o desenvolvimento de ferramentas analíticas na construção

de explicações na aula de ciências (OGBORN et al., 1996).

Podemos citar outras parcerias entre autores brasileiros e britânicos, no

contexto dos estudos da linguagem que, com base no sociointeracionismo

vygotskiano e em perspectivas bakhtinianas para o estudo da linguagem, foram

fundamentais na proposição de ferramentas analíticas para interações discursivas

em sala de aula (MORTIMER e SCOTT, 2002; AGUIAR JUNIOR, 1998).

Entre muitos aspectos, essa vertente de pesquisa tem contribuído com

análises envolvendo dados de linguagem, destacando os movimentos discursivos e

trânsitos de significados que se instalam no desenvolvimento de atividades e de

interações discursivas em sala de aula. Além disso, a linguagem científica passa a

ser considerada em sua natureza sociohistórica, o que implica os seus contextos de

produção e circulação (PINHÃO e MARTINS, 2009).

Nesses estudos, em geral, há o reconhecimento e a compreensão da

importância da dimensão linguística nas dinâmicas de construção de conhecimentos

e, também, evidências das tensões que se instalam entre a linguagem cotidiana e a

linguagem científica no ensino de ciências.

Alguns estudos brasileiros, publicados em periódicos, anais de congressos e

encontros do campo de Educação em Ciências, concentraram-se nessas questões

anteriormente levantadas e na análise dos conteúdos e abordagens dos livros

didáticos, ou seja, em questões referentes à acuidade conceitual e à forma de

apresentação dos conteúdos (CASSAB e MARTINS, 2003; FERREIRA e SELLES,

2003; FRACALANZA, 1993). Ainda em relação ao livro didático, Braga e Mortimer

(2003), estudando autores de livros por intermédio de seus textos, consideram que

estes, ao escreverem um texto, criam o novo, algo que não é mera transposição de

sentidos entre textos, e sim um deslocamento de interpretação, ou seja, a

interpretação dos discursos em outra forma discursiva, produzindo efeitos de

sentidos que lhes são característicos (BRAGA e MORTIMER, 2003).

Outros contextos importantes, nos quais as relações entre linguagem e ensino

de ciências foram problematizadas na pesquisa brasileira, são os de marco teórico

da análise do discurso didático no ensino de ciências (EL-HANI, 2006; MARTINS,

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2006, 2007) e os de leitura e escrita de textos científicos relacionados à sala de aula

(MOREIRA, 2005, ANDRADE e MARTINS, 2006).

Os estudos na perspectiva do livro didático têm diversificado a investigação

do e sobre o texto, tais como:

práticas de leitura (verbal e imagético) do livro didático de ciências (MARTINS e GOUVÊA, 2003); leituras e critérios para escolha do livro por professores de ciências (CASSAB e MARTINS, 2003); influências histórico-culturais (SELLES e FERREIRA, 2004); análises de imagens e ilustrações (MARTINS et al., 2003; OTERO e GRECA, 2004, CARNEIRO, 1997; FREITAS et al., 2004); representações do livro presentes nos ideários de professores e pesquisadores e nos currículos oficiais (MEGID NETO e FRACALANZA, 2003); análises dos gêneros discursivos que compõem o livro didático (BRAGA, 2003) e de aspectos retóricos subjacentes ao livro didático (NASCIMENTO, 2003), as visões de ciência veiculadas pelos livros didáticos (QUESADO, 2005); representações do livro presentes nos ideários de professores e pesquisadores e nos currículos oficiais (MEGID NETO e FRACALANZA, 2003); análises dos gêneros discursivos (BRAGA, 2003); análise do caráter multimodal do texto dos livros didáticos (MARQUEZ , IZQUIERDO e ESPINET, 2003), análises que integram aspectos do conteúdo, valores e práticas sociais (CLÉMENT et al.,2005) (MARTINS, 2006, p.120).

Especificamente em relação ao livro didático, Martins (2006) entende que

estudos do discurso favorecem um conjunto de questões mais abrangentes do papel

da linguagem, tanto como obstáculo como facilitadora da ação social (HALLIDAY e

MARTIN, 1993). Halliday (1992; 1998), em suas pesquisas, identificou algumas das

características do discurso científico-escolar, sugerindo que a chamada linguagem

da ciência deve ser vista como resultado da reconstrução (semiótica) da experiência

humana. Para Martin e Veel (1998) os livros didáticos de ciências naturais

representam, em primeiro plano, o discurso da ciência, ou seja, compartilham

códigos linguísticos e semióticos próprios do discurso científico (HALLIDAY, 1992;

HALLIDAY e MARTIN, 1993; MARTIN e VEEL, 1998; MARTINS, 2007). Para estes

pesquisadores, além das questões de vocabulário (léxicos específicos), o discurso

científico é prioritariamente constituído por uma gramática com características

próprias tais como: definições integradas, taxonomia técnica, expressões especiais,

densidade léxica, ambiguidade sintática, metáfora gramatical e descontinuidade

semântica (HALLIDAY e MARTIN, 1993).

As dificuldades de legibilidade e de interpretação do texto científico por parte

dos estudantes não se devem somente às especificidades gramaticais, léxicas ou

sintáticas do texto, fato este que tem muito a dizer da linguagem da ciência

contemporânea. Christie (1998) salienta que o que determina o conhecimento da

ciência nas escolas não é apenas a lógica interna da disciplina, mas também a

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lógica da atividade pedagógica (CHRISTIE, 1998). Em outras palavras, “a

aprendizagem da ciência envolve contextos da ciência, bem como uma série de

valores, atitudes e formas de trabalho”, que são relevantes para as práticas sociais

aprovadas e operadas na sociedade (CHRISTIE, 1998, p.152).

Essas ideias também levam a caracterizar o ensino de ciências veiculado nos

livros didáticos com base em “escolhas feitas dentro de um conjunto de visões

possíveis de ensino e aprendizagem, que circulam na prática social do ensino de

ciências na escola” (MARTINS, 2007, p.111).

Na aprendizagem de ciências, a dimensão estrutural coloca em primeiro plano

algumas possibilidades para a organização do currículo, enquanto outras

permanecem ocultas. Por exemplo, no Brasil, é possível identificar ideias sobre o

papel da experimentação e da História da Ciência como relacionada tanto com a

América do Norte e Europa, a partir dos materiais curriculares de ensino de

desenvolvimento de projetos (por exemplo, PSSC, BSCS, ChemStudy, Nuffield etc.)

(KRASILCHICK, 1987). Isso nos leva a perceber os livros didáticos como

instrumentos que respondem a exigências da sociedade e não como componentes

inquestionáveis, na observância da consolidação de modelo hegemônico de

conteúdos em coleções diferentes (AGUIAR JUNIOR, 2004).

Há também nas escolhas vinculações com o mercado nas práticas de

produção editorial, a serem comentadas mais adiante, expressando uma relação de

“decisão” muito comum nas práticas sociais contemporâneas, textualmente

mediadas.

4.2 INFLUÊNCIAS DE OUTROS SEGMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

As pesquisas em Educação em Ciências são incorporadas aos livros

didáticos, assim como esse material recebe outras influências de diversos

segmentos sociais, entre elas, as políticas educacionais, a atuação das editoras e

autores de livro didático (FRACALANZA e MEGID NETO, 2006). Em geral, o elevado

grau de investimento intelectual e financeiro das políticas educacionais expressam

expectativas, centralidade, legibilidade e controle do poder expressando o que pode

ou, não pode ser “ensinado” em ciências por intermédio do livro didático. Em termos

bernsteinianos, podemos caracterizar o livro didático como um aparelho pedagógico

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no qual estão presentes mecanismos simbólicos de controle pedagógico

(CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999).

Dessa forma, entendemos que esses aspectos fazem parte das condições de

produção do discurso do livro didático e, portanto, devem ser compreendidos como

parte do discurso da pesquisa em Educação em Ciências. O que chamamos atenção

nestas considerações diz respeito à rede de discursos pela qual uma ideia da

pesquisa vai sendo incorporada ao discurso oficial (PNLD e Parâmetros Curriculares

Nacionais - PCN) do livro didático, do professor em sala de aula, e do mercado

editorial.

4.2.1 Políticas educacionais e recomendações curriculares oficiais

O controle exercido pelo Estado sobre o sistema educacional não se dá

apenas via definição das políticas curriculares, mas também pelos índices de

avaliação e distribuição de livros didáticos, entre outras modalidades. Há alguns

anos, e como atestam alguns documentos oficiais, o Estado passou a ser um

comprador dessas obras didáticas para estudantes (BITTENCOURT, 2010).

Os programas governamentais de regulamentação, avaliação, produção,

distribuição do livro didático que vêm se sucedendo através dos anos resultam em

políticas educacionais de inegável interferência sobre o sistema educacional e, por

consequência direta, sobre o livro didático (BITTENCOURT, 2010). Essa é uma

interferência que, segundo a autora, se remete à legislação de 1827 na qual, o

material educativo, especificamente o livro didático, passa a ser objeto de interesse

político. Assim, as leis e programas de avaliação que organizam e interferem no

currículo, definindo disciplinas e matérias a serem ensinadas, trazem inúmeras

restrições ao texto, caracterizando o controle do Estado na esfera da circulação do

livro didático.

Segundo Torres (2007), tanto as políticas educacionais, de um modo geral,

quanto o PNLD, refletem orientações do Banco Mundial (BM) em associação às do

Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), que nos últimos

anos vêm ocupando o espaço que antes pertencia a UNESCO (Organização das

Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em assuntos concernentes

à educação. Torres (2007, p.126) esclarece que o BIRD tem interesse, sobretudo, na

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qualidade da escola básica e, para isso, estabelece uma lista de nove prioridades

escolares em relação aos insumos a ela direcionada. Nessa lista de prioridades, o

livro didático39 ocupa o quarto lugar, ficando atrás apenas dos itens: biblioteca,

tempo de instrução e tarefa de casa (FRACALANZA e MEGID NETO, 2006;

TORRES, 2007). Essa questão é importante quando dimensionamos o projeto

educacional dessas agências fomentadoras, que ao conferir prioridade ao livro

didático, em detrimento aos outros aspectos, tais como o da formação/qualificação

do professor, parece promover um projeto de sociedade que vai ao encontro dos

ideais neoliberais focados “nos mecanismos de produção, de formação para o

trabalho e de promoção à adequação social” (PINHÃO e MARTINS, 2012, p.346).

Em contextos recentes, em 1985, o programa do Livro Didático passa a ser

chamado PNLD em todo o território nacional, e a primeira avaliação do conteúdo de

ciências (1ª a 4ª séries), na forma de guias de livros recomendados, foi publicada em

1997. Nessa fase, o principal mote das avaliações focalizava os erros conceituais

dessas publicações, o que levou a uma série de modificações, necessárias e

apontadas em pesquisas acadêmicas, como assinalado na vertente da linguagem

(BIZZO,1996, PIMENTEL, 2006).

Após a década de 1997, a produção da pesquisa em Educação em Ciências

deu uma guinada, incluindo questões de saúde e educação ambiental, voltadas ao

ensino de ciências, o que, de certa forma, interferiu nas políticas educacionais

(PINHÃO e MARTINS, 2010) e consequentemente nos materiais educativos, foco

dessas políticas.

No que diz respeito às pesquisas em Educação em Ciências, várias de suas

vertentes têm sido representadas nas políticas educacionais, como exemplo,

destacamos os discursos CTS. Estas inserções, que contribuem na caracterização

de pluralidade metodológica e variedade legítima de abordagens de ensino ciências,

são identificadas no texto do edital do PNLD para 2014, como na seguinte

recomendação:

o estudante deve ser direcionado para a investigação de fenômenos e temas que evidenciem a utilidade da ciência para o bem estar social e para a formação social dos cidadãos aptos a responder aos questionamentos com que frequentemente nos defrontamos. Assim, deve valorizar temas e

39

Para o Banco Mundial, livros didáticos são expressões operativas do currículo e compensam os baixos níveis de formação docente. A recomendação é de que a produção e, distribuição desses livros seja feita pelo setor privado além da capacitação e elaboração de guias didáticos para professores (FRANCALANZA e MEGID NETO, 2006).

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práticas contextualizadas, próximas da realidade e do dia a dia dos alunos, favorecendo a compreensão de como a ciência e a tecnologia são produzidas e afetam nossa sociedade. (BRASIL, 2014, p.53).

Nesta recomendação há o pedido expresso para a contextualização do

conteúdo de ciências na vida diária dos estudantes, pelo estabelecimento de

relações entre ciência, tecnologia e as experiências cotidianas. Este é um exemplo

de discurso híbrido, envolvendo a interconexão entre recomendações oficiais e

discursos CTS, claramente relacionado à educação para a cidadania.

No bojo desde movimento, entendemos que as recentes avaliações do PNLD

têm se mostrado positivas em relação às coleções de pesquisadores em ensino de

ciências, no qual muitos dos avaliadores já tiveram ou têm inserção na pesquisa

desse campo. Uma análise dos textos do catálogo do PNLD 2011 (à época da

redação deste texto, o penúltimo produzido para séries finais do Ensino

Fundamental) revela a valorização de algumas ideias e conceitos explorados na

pesquisa acadêmica por meio de sua inclusão como parâmetros de avaliação. Na

seção “abordagem pedagógica”, o documento esclarece que dá importância à

utilização do conhecimento prévio dos alunos no encaminhamento das atividades e como os diferentes conteúdos podem ser trabalhados para permitir ao aluno o desenvolvimento das habilidades necessárias à compreensão da Ciência” (BRASIL, 2011, p.13).

Esse trecho enfatiza a importância do conhecimento prévio no

desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, tema bem explorado pela

vertente do MCA na comunidade de pesquisa em Educação em Ciências.

Na década de 2005, a exemplo do que já ocorria no Ensino Fundamental, a

avaliação passa a ser realizada no Ensino Médio, sendo que os livros contemplados

pelo programa, nessa fase, foram apenas os de Português e Matemática. O livro de

Biologia só entrou no programa em 2007 e o de Química em 2008, portanto, há

relativamente cinco anos atrás. De forma análoga, ao exemplo que trouxemos

retirado do PNLD 2011, na ficha de avaliação do Guia Didático do PNLD 2012 para

a disciplina de química, especificamente no bloco três “Abordagem teórico–

metodológica e proposta didático-pedagógica,” identificamos no item 3.6 a seguinte

formulação: “a obra apresenta discussões entre ciência, tecnologia e sociedade,

criando condições para que os jovens entrem em contato com a cultura científica

atual” (PNLD QUÍMICA, 2012, p.15), chamando atenção para a dimensão CTS do

ensino da química.

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Os PCN, criados nos anos 1996 no âmbito das políticas educacionais de

Ciências, são fundamentais como instrumentos de controle curricular. Pino,

Ostermann e Moreira (2004), discutindo as concepções epistemológicas veiculadas

aos PCN específicos para a área de Ciências Naturais reconhecem a falta de

comprometimento desse documento oficial com a pesquisa no campo da Educação

em Ciências. Para esses autores, os PCN apresentam a ciência de forma acrítica,

podendo muitas vezes reforçar a “ideia de que a maneira certa de se fazer ciência

segue um programa empirista-indutivista”, e, ao contrário, o que o documento oficial

deveria apresentar seria uma explícita rejeição a essa concepção de ciência (PINO,

OSTERMANN, MOREIRA, 2004, p.13).

Barcelos e Martins (2011) consideram que estudar os livros didáticos na

perspectiva de suas transformações contribui para o entendimento da história da

educação, para a sua relação com as políticas educacionais e a correlata prática

escolar. Portanto, se por um lado temos o discurso da pesquisa em Educação em

Ciências articulado com alguns documentos, temos também aqueles que nem

sempre se articulam com novos discursos e problematizações desse campo de

pesquisa.

4.2.2 Produção e mercado editorial

Mesmo com um percurso que se caracteriza pela ampla interferência do

Estado no sistema educacional, editoras têm igualmente atuado influenciando o livro

didático na esfera social, desde o século XIX.

Atualmente, as disputas entre as editoras nacionais e internacionais, em

relação às dimensões regulamentadoras colocadas para o livro didático, têm

crescido a partir dos PNLD. Especificamente, no Brasil, Choppin (2004) chama

atenção para o lugar ocupado pelo livro didático no mercado editorial, que no início

do século XX já representava dois terços da produção nacional e no ano de 1996

aproximadamente 61% (CHOPPIN, 2004). Gatti Junior (2000) esclarece que na

França, as editoras, neste mesmo ano e nicho de mercado, concentraram

aproximadamente 20% do negócio editorial e que as editoras norte-americanas, em

1980, concentravam 25% dos seus negócios no ramo dos livros escolares, o que,

em valores absolutos, alcançou 1,5 bilhões de dólares. No Brasil, além da

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estabilidade do mercado envolvendo o livro didático, esse percentual muito alto na

sua produção é um diferencial se comparado a outros países. Aguiar Junior (2004)

assinala que,

(...) entre 1994 e 2004, o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) adquiriu, para utilização nos anos letivos de 1995 a 2005, 1,026 bilhão de unidades de livros distribuídos entre alunos matriculados do sistema público do Ensino Fundamental tendo investido, nesse período, R$ 3,7 bilhões (AGUIAR JUNIOR, 2004, p.2).

Certas editoras, atraídas pelo lucro da produção de obras didáticas,

especializaram-se nesse tipo de produto. A maior razão é justamente por constituir

um mercado que, a princípio, não sofre nenhuma redução de consumo e distribuição

pela constante presença de um comprador, o Estado (BITTENCOURT, 2010).

Somado a isso, o caráter compulsório do livro garante a sua reimpressão contínua.

Portanto, a única pressão a qual editoras estão submetidas parece proceder do seu

comprador principal, o Estado (FRACALANZA e NETO, 2006).

E, reforçando resultados já apontados por pesquisas educacionais, as

editoras, acabam por definir os parâmetros do que pode e não pode estar presente

nesses livros. Atualmente, por exemplo, levando em consideração as tendências

colocadas no mercado de escolas mais conservadoras e outras exigindo mudanças,

essas editoras estão produzindo obras de uma mesma disciplina voltadas a públicos

diferenciados. Além disso, cada vez mais identificamos um endereçamento do livro

didático às exigências do PNLD que, como dissemos, afina-se em muitos aspectos

às questões trazidas do campo da pesquisa em Educação em Ciências.

No que se referem às escolhas dos autores, as editoras realizam uma

primeira seleção através de projetos encaminhados a elas, embora muitas vezes

parta da própria editora o convite para que profissionais exerçam a tarefa de autores

de livros didáticos muito de acordo com o perfil encontrado.

Além dessa escolha, existe a escolha que o governo faz entre editoras que

submetem livros ao PNLD e que atualmente concentram-se em quatro grupos

empresariais, a saber: FTD, Abril Educação, Santillana e Saraiva40.

40

Disponível em: <http://www.observatoriodaeducacao.org.br/>.

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90

5 A ANÁLISE TEXTUAL

Neste capítulo apresentamos a análise do manual do professor (assessoria

pedagógica) e do livro do aluno da coleção didática “Construindo Consciências”.

Começamos pelo manual do professor por se tratar de texto que pode nos dar a

ideia global das concepções de ensino e aprendizagem, pressuposições, aportes

teóricos dos autores do livro didático de ciências. Posteriormente, discutimos a

relação entre as pesquisas em Educação em Ciências e os excertos selecionados

do livro do aluno. Importante salientar que a análise textual realizada procura dar

ênfase à identificação e discussão das relações intertextuais dos discursos

recontextualizados nos excertos selecionados da coleção didática e dos

interdiscursos, buscando quais e como aspectos relacionados à pesquisa (temas,

resultados, metodologias etc.) são incorporados ao texto.

5.1 A ASSESSORIA PEDAGÓGICA

O texto da Assessoria Pedagógica é composto, tanto por referências aos

pesquisadores do campo da Educação em Ciências, em enunciados na forma de

citações, paráfrases e pressuposições, como por interdiscursos que aludem à

pesquisa e outras influências sociais em rede de discursos. É um texto com

extensão de 92 páginas, com subdivisões e seções descritas no capítulo do corpus,

que variam de conteúdo de volume a volume, de acordo com o ano escolar. As

análises, como já mencionamos, focaram somente o texto em comum para os quatro

volumes (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.5-24),

especialmente os textos que, de alguma forma, nos ajudam a entender a relação da

pesquisa com o ensino.

5.1.1 Interdiscurso no texto da Assessoria Pedagógica

A primeira observação, no que diz respeito a interdiscursos, tem a ver com o

título e com a posição ocupada pelo texto do manual do professor no próprio livro

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didático. Afirmamos, na análise da conjuntura, que o livro didático compreende um

conjunto de discursos internalizados e que tradicionalmente circulam nos

documentos das políticas educacionais, tais como os do PNLD, PCN, entre outros,

sofrendo influências dos ditames das editoras, em processos mediados pela autoria.

Por isso, levando em consideração esses aspectos, iniciamos a análise textual com

questões relacionadas ao discurso institucional, marcado por movimentos de

inclusão de elementos novos e da manutenção de outros, próprios do discurso do

livro didático. Em seguida, apresentamos os interdiscursos presentes no manual do

professor que se relacionam com tipos de discurso da pesquisa em Educação em

Ciências e elementos no texto do livro didático.

5.1.1.1 Um discurso institucional na assessoria pedagógica

Nessa coleção o nome dado ao manual do professor é o de ‘assessoria

pedagógica’, que inclui uma escolha lexical a ser analisada. Em geral, essa parte

dos livros didáticos pode ser chamada de manual do professor, orientações para o

professor, entre outras designações. Não sabemos se intencionalmente ou não, a

denominação para o manual do professor coincide com a de outros livros didáticos

comercializados pela mesma editora.

Usualmente, os títulos são componentes especiais de um livro, revista, artigo

entre outros. A posição que ocupam no texto e a função de sintetizar o argumento,

as ideias, o objeto principal do texto adiantam para o leitor o que será lido, buscando

atrai-lo e levá-lo à leitura.

A denominação assessoria pedagógica, entre outros sentidos, nos remete ao

seu significado originário do latim, assessore, que significa aquele(a) que auxilia um

cargo superior por intermédio de suas funções, correspondendo, também, ao

sinônimo de adjunto(a). Em geral, a função de assessoria pedagógica nas escolas

brasileiras é diferente daquela exercida pelo(a) professor(a), exigindo algum tipo de

pós-graduação ou especialidade. No entanto, essa é uma função praticamente

extinta na escola, o que pode demonstrar a falta de interesse neste cargo/função,

dando a ideia de ineficácia da ocupação profissional.

O fato é que o manual do professor, sendo chamado de assessoria

pedagógica, nos remete a essa função e a seu papel no contexto escolar estando

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fundamentalmente relacionado à ação de trazer propostas e concepções de

atividades endereçadas à sala de aula. Assim, se, por um lado, o texto da assessoria

pedagógica justifica as escolhas das atividades sugeridas pelos autores baseadas

nas pesquisas em Educação em Ciências, por outro, pode contribuir para um

apagamento do discurso do professor.

Um primeiro aspecto, diz respeito à autonomia do professor, ou seja, à real

necessidade do professor de ciências utilizar uma assessoria pedagógica. Se

pensarmos na história do papel do livro didático e no aumento de sua importância no

contexto das críticas à formação do professor, a escolha pela denominação pode

indicar uma postura, por parte das editoras, no sentido de suprir déficits ou lacunas

na formação destes profissionais. Quer dizer, a assessoria reflete um conjunto de

expectativas das editoras, das políticas oficiais, das pesquisas em ensino, da prática

pedagógica nas demandas por melhorias/renovações/inovações do ensino operado

nas escolas.

Portanto, podemos pensar o assessor(a) identificado(a) como um(a) agente

que sugere mudanças no “que fazer” e “como fazer” em sala de aula. Entretanto,

como sugerem Amaral et al. (2006), esta tarefa não se esgota no papel do assessor,

pois quanto mais o livro didático de ciências distanciar-se das práticas tradicionais

de veiculador de conhecimentos prontos e acabados, mais relevante é o papel do(a)

professor(a) e, portanto, do livro a ele endereçado (manual do professor). Outro

aspecto relevante relaciona-se com a proposta do livro que, por apresentar

ordenamentos e estratégias de ensino diferenciadas, requer maior mediação por

parte dos autores com os docentes.

Essas questões que identificamos relacionam-se à prática da assessoria na

sua interação com os profissionais da escola que, em geral, se dá numa única

direção (livro para professor), caracterizando a separação espaço-tempo, aspecto

preponderante das relações na modernidade recente. Mesmo assim, consideramos

que essa forma de denominar o manual do professor configura uma maior

aproximação entre a concepção da obra por parte dos autores e o professor.

Estas e outras questões contribuem para o debate instaurado na

modernidade recente, recorrentemente apontado pela ACD, ou seja, a apreensão

em relação à naturalização das situações das dinâmicas sociais. As questões de

poder dependem da relação de confiança depositada, por exemplo, em livros

didáticos e seus textos, na estabilidade de seus conteúdos, nos níveis de

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organização desse aparato, de significantes e significados que constituem o texto.

Em suma, a forma de denominar o manual do professor pode ser vista como mais

um exemplo do impacto das instituições modernas na sociedade, provocada pelo

deslocamento/desencaixe “das relações sociais dos contextos locais e a sua

rearticulação através de partes indeterminadas de espaço-tempo” (GIDDENS, 2002).

5.1.1.2 O discurso do movimento das concepções alternativas, história e filosofia da ciência e modelagem no ensino de ciências

Para Fairclough (2001), é possível identificar os elementos que compõem as

ordens do discurso articulados nos tipos de discurso. Por exemplo, o vocabulário

particular nos remete a certos discursos.

Identificamos na assessoria pedagógica o “discurso da abordagem do

construtivismo pedagógico e da vertente do MCA,” tanto pelo emprego de

expressões tais como “sujeito do processo ensino-aprendizagem”, “ideias prévias”,

“conflito”, “obstáculos à aprendizagem,” bem como pela referência ao caráter

histórico do desenvolvimento do conhecimento científico (CONSTRUINDO

CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.5).

Há nesse livro uma seção específica, intitulada “Trocando ideias,” que tem

como objetivo “explicitar e organizar os conhecimentos prévios dos estudantes”

(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.19). A retórica da

organização do texto e a proposta de atividade (social) que o texto coloca para o

leitor, entre outros aspectos, indicam ênfase e importância sendo atribuídas às

abordagens pedagógicas que valorizam as ideias dos estudantes como relevantes

para a aprendizagem e como merecedoras de explicação (isto é, possuidoras de

uma lógica, coerência passível de inteligibilidade). Valorizam também sua

articulação com as ideias escolarizadas, de forma menos assimétrica do que em

pedagogias não construtivistas, que consideram o aluno como tábula rasa e o

conhecimento como algo que pode ser transmitido.

Outra dimensão importante identificada no texto diz respeito a diferenciação

evidenciada entre racionalidade científica e conhecimento comum ou de opinião,

realçada na preocupação dada à ciência, com os seus pressupostos

epistemológicos. Essa diferença foi observada na distinção entre linguagens e suas

características semânticas, tanto na assessoria pedagógica, como nos exemplos do

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livro do aluno que apresentaremos. Como se lê em trecho da assessoria

pedagógica,

Ao procurar estabelecer relações entre as ideias prévias dos estudantes e os conhecimentos científicos, consideramos as inúmeras diferenças entre esses dois sistemas de conhecimento (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.5).

É possível identificar nessa formulação a sugestão de valor epistemológico

diferenciado para as ideias dos estudantes, salientando a sua dimensão pedagógica

no texto. No livro do aluno, encontramos as diferenças entre os dois sistemas de

conhecimento, exemplificadas quando os autores discutem aspectos da linguagem

do senso comum e da linguagem da ciência, como no trecho a seguir:

Alguns estudantes acreditam, erroneamente, que os átomos de chumbo são densos, que as partículas que constituem o permanganato de potássio (um sólido cor roxa) são roxas e que, quando um se funde barra de ferro, os átomos de ferro também se fundem. Preste atenção! Todas essas conclusões estão erradas As partículas (sejam elas átomos ou moléculas) não têm as propriedades da substância à qual elas pertencem (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9 º ano, p.62).

Por exemplo, a ideia de “densidade” e “cor” como propriedades específicas da

matéria (átomos de chumbo são densos, partículas de permanganato de potássio

são roxas e átomos de ferro como capazes de fusão), representada discursivamente

dessa forma, é decorrente de resultados de investigação das concepções dos

estudantes sobre os componentes da matéria, sua estrutura e propriedades

(MORTIMER, 1994; CHASSOT, 1996, GARNETT, GARNETT e HACKLING, 1995),

bem explorados na literatura como obstáculos à aprendizagem.

Evidenciamos também o uso de diferentes recursos linguísticos (comparação,

analogia, metonímia) nas explicações de conceitos científicos, para além das formas

tradicionalmente caracterizadas pela metáfora gramatical e por conjuntos de

nominalizações. Um exemplo de analogia está no texto denominado “os materiais

são formados de um grande número de pequeníssimas partículas,” que aparece no

livro antecedendo o excerto 5 (“Entre partículas existem espaços vazios”). Ali

identificamos uma abordagem que salienta esses recursos discursivos (analogia)

para o ensino das estruturas moleculares, por intermédio de construções feitas por

peças de plástico interligadas, tal como no enunciado “os átomos são como peças

de um joguinho de montar que formam peças maiores” (CONSTRUINDO

CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.62). Nesse caso, estruturas e blocos de

construção são comparados a moléculas e átomos, em referência visual a um

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brinquedo para crianças, bastante conhecido, de forma a facilitar a compreensão

das estruturas abstratas pelos estudantes, além de explicar que algumas das

propriedades observadas em objetos feitos de certos átomos, como a densidade,

referem-se à estrutura molecular e não ao próprio átomo (CONSTRUINDO

CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.62). Em geral, a analogia ajuda a criar um

modelo que tanto caracteriza partes constituintes da matéria como também sugere

algo sobre a dinâmica da interação entre elas (blocos como átomos e pinos como

ligações).

Notamos também a hibridização de diferentes formas de comunicar ciência,

por intermédio da variação de gêneros textuais proposta na assessoria pedagógica,

no contexto de referências a textos argumentativos, descritivos, relatos de

experimentos, entrevistas, narrativas, produções literárias e artísticas entre outros

(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica).

5.1.2 Intertextualidade na assessoria pedagógica

A manifestação de outros textos na assessoria pedagógica foi analisada em

duas etapas. A primeira diz respeito à menção de nomes de pesquisadores no texto

e a segunda, à representação do discurso de pesquisadores na forma de citações

ou paráfrases.

5.1.2.1 Os pesquisadores e as ideias da pesquisa em Educação em Ciências

Nessa seção, procuramos caracterizar, por intermédio dos intertextos, as

ideias da pesquisa em Educação em Ciências, identificadas as referências a autores

e pesquisadores estrangeiros e brasileiros.

Entre os autores internacionais citados, identificamos dois grupos. Há aqueles

que são mundialmente conhecidos pelo trabalho em áreas diferentes da Educação

em Ciências, tais como literatura, filosofia e psicologia cognitiva. São eles: Bruner,

Bachelard, Tolstoi e Vygotsky,além de outros nomes de experientes pesquisadores

em Educação em Ciências, como: Peter Fensham, Robin Millar, Jonathan Osborne,

cuja contribuição remonta à fase em que várias das linhas e vertentes do campo se

constituíram e, sistematicamente, foram retratados na origem, história, pressupostos,

questões e epistemologia da pesquisa de campo.

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No caso dos pesquisadores brasileiros, um fato que destacamos é a

referência aos pesquisadores do estado de Minas Gerais, mais especificamente de

Belo Horizonte, cidade na qual a maioria dos autores reside e onde se situa a

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Esse fato parece convergir para as

vertentes de pesquisa selecionadas. De fato, alguns dos pesquisadores citados na

assessoria pedagógica são os próprios autores do livro didático, por exemplo, Lima e

Paula.

Há nas referências aos pesquisadores uma costura toda própria que está

presente nas concepções de ensino e aprendizagem de ciências que o grupo de

autores deposita no texto do livro didático e que é realizada discursivamente por

meio de citações, paráfrases e pressuposições presentes na assessoria pedagógica.

O Quadro 6 apresentado a seguir mostra intertextos associados a enunciados de

pesquisadores, e o tipo de estratégia discursiva usada pelos autores para inseri-los

no texto.

5.1.2.2 A concepção da obra na assessoria pedagógica

Há múltiplas maneiras de articulação intertextual e, em todas elas, aqueles

que produzem o texto escolhem “quais vozes terão ou não destaque, o que pode ser

utilizado estrategicamente na direção dos discursos que se pretende sustentar”

(SANTOS e RESENDE, 2012, p.156). Por isso, Fairclough (2003, p. 55) aponta que

“a intertextualidade é inevitavelmente seletiva em relação ao que é incluído e ao que

é excluído dos eventos e textos representados”.

Encontramos onze referências à pesquisa em Educação em Ciências nas

primeiras vinte quatro páginas do texto (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS,

assessoria pedagógica, p.1-24). De forma geral, todas elas incluem exemplos de

intertextualidade explícita por terem mencionado a fonte do intertexto, por intermédio

do nome do autor ou autores. Entretanto, a diferença entre elas está na forma como

o fragmento articula-se ao texto, quais os enunciadores, incluindo ou não as vozes

dos autores, no destaque dado ao argumento, entre outros aspectos identificados no

texto. Referências podem ser atribuídas a outros enunciadores e retomadas por

adesão, discordância, contestação, pressuposição, nos intertextos (KOCH, BENTES

e CAVALCANTE, 2008).

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Quadro 6: Intertexto, pesquisador e estratégia discursiva da assessoria pedagógica

INTERTEXTO PESQUISADOR ESTRATÉGIA DISCURSIVA

PÁG.

Aprender ciências implica, em larga medida, aprender a se comunicar com linguagens científicas. Mortimer (2000) Paráfrase 6

A definição é o momento de síntese, de compreensão sintética, acabada e formal. Lima e Silva (2005) Paráfrase 6

Ao investigar a construção dos conceitos, Vygotsky afirma que o ensino direto de conceitos é impossível e infrutífero:

Vygotsky (1971) Paráfrase 7

Quando ela [a criança] ouve ou lê uma palavra desconhecida numa frase, de resto compreensível, e a lê em outra frase, começa a ter uma ideia vaga de um novo conceito: mais cedo ou mais tarde, ela [a criança] [...] sentirá a necessidade de usar essa palavra- e uma vez que a tenha usado a palavra e o conceito lhe pertencem [...] Mas transmitir deliberadamente novos conceitos ao aluno [...] é, estou convencido, tão impossível e inútil quanto ensinar uma criança a andar apenas por meio das leis do equilíbrio.

Tolstoi (1903) apud Vygotsky (1991)

Citação 7

Ao questionar os professores de Ciências sobre seus principais objetivos, Lemke (2002) relata que sempre se depara com respostas tais como: “contribuir para que os alunos compreendam os conceitos básicos da Física, da Química e da Biologia”. A objeção deste autor a essa declaração, com a qual concordamos, é que os termos “compreender” e “conceitos” impõem graves e desnecessárias limitações às diversas contribuições que a Educação em Ciências pode apresentar para a formação dos estudantes.

Lemke (2002) Citação/Paráfrase 7

Exigem divergências entre os filósofos, historiadores e sociólogos que se perguntam sobre o que constitui a natureza da atividade científica. Para além dessas divergências, existe razoável consenso entre os especialistas que se ocupam da educação em Ciências acerca de quais reflexões sobre esse tema devem ser desenvolvidas no Ensino fundamental.

Millar and Osborne (1998); Osborne et al.

(2003) and Paula (2004a) Pressuposição 9

Os conceitos de materiais e transformações funcionam como estruturadores do pensamento químico, aos quais é possível remeter quase todos os conceitos químicos abordados no Ensino Médio e Fundamental. A esses dois conceitos ligam-se diretamente os conceitos de substância e de reação química que, inter-relacionados, podem funcionar como aglutinadores lógicos para todos os demais conceitos químicos.

Gomes (1998) Citação 12

O estudo dos modelos atômicos desconectados do estudo dos fenômenos conduz a uma falsa compreensão dos conceitos químicos. É comum, por exemplo, que os estudantes concluintes da educação básica confundam os conceitos de átomos e moléculas e não entendam sua relação com os elementos químicos e compostos. Mesmo os estudantes capazes de usar estes termos com relativa facilidade atribuem a eles significados que estão distantes dos atribuídos pela Química.(...) Por essa razão, nossa opção nesta obra foi pela introdução ao estudo do átomo com parcimônia, no livro do 9º ano.

Fensham (1994) Paráfrase 12

Como nos diz Bachelard (1993) o conhecimento científico sempre nasce de uma pergunta. Bachelard (1993) Paráfrase 19

Compondo produções artísticas, textos argumentativos, relatos de experimentos e textos descritivos, a diversidade dos gêneros textuais se completa com o uso de textos narrativos. Bruner (2002) reúne evidências de que a narrativa é a forma de organização textual mais elementar que estrutura o pensamento humano.

Bruner (2002) Paráfrase 23

Os seres humanos aprendem narrando, muito embora os textos científicos se orientem por um gênero discursivo no qual os sujeitos não têm lugar.

Lima (2005) Paráfrase 23

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a) O que foi citado

Citações ou representações diretas do discurso, que reproduzem exatamente

a voz do pesquisador citado, foram menos frequentes com três ocorrências em onze

casos. O Quadro 6 mostra que, embora tratem de problemáticas diferentes da

pesquisa em Educação em Ciências, existe um sentido que as reúne, pois todas

elas se voltam para a questão de como se dá a aprendizagem de ciências pelos

estudantes.

Na citação de Tolstoi e Vygotsky é estabelecida uma relação entre construção

do conhecimento, aprendizagem e apropriação de conceitos (ideia do

pertencimento). A citação de Gomes (1998), ainda relacionada à aprendizagem,

afasta-se do sentido mais amplo de aprendizagem e diz respeito à aprendizagem

específica da química. Esta citação sugere um sentido de aprendizagem organizada

a partir de ideias estruturadoras (aglutinadores lógicos) da química, fundamentais

para aprendizagem dessa disciplina ao longo da escolaridade dos estudantes. As

ideias estruturadoras foram muito estudadas, por exemplo, na pesquisa acerca dos

chamados modelos mentais, sobretudo no contexto da discussão sobre modelos

consensuais (aqueles a serem aprendidos por representarem conceitos das

ciências), e modelos expressos (aqueles que os estudantes apresentam em

situações de ensino) (GILBERT e BOULTER, 1998). Essa forma de entender o

ensino parece convergir para o sentido de aprendizagem como construção,

mobilizado também em outras citações, configurando construções específicas e

mais elaboradas, na medida em que combinam as diferentes influências da

pesquisa.

No caso das referências ao trabalho de Jay Lemke, há duas formas de

expressar suas ideias: uma pela citação, indicada entre aspas, e outra por meio de

paráfrase que, além de explicitar a citação do pesquisador, traz a voz dos autores

por meio da expressão “com a qual concordamos” (CONSTRUINDO

CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.7). As referências problematizam ainda

a ênfase exagerada dada por alguns professores na aprendizagem conceitual, o que

levaria a uma concepção de aprendizagem acrítica. A estratégia, de completar a

citação tem como objetivo inserir a opinião dos autores na forma de anuência. O

léxico “objeção,” utilizado para qualificar o texto de Lemke, parece reforçar esta

concordância dos autores.

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Em síntese, consideramos que o conjunto de citações aqui reunidas, ao trazer

a voz dos teóricos mencionados produz como efeito o sentido de valorizar uma

aprendizagem que não está alicerçada na memorização de conceitos, fórmulas e

definições, mas sim na construção pessoal. A partir da análise que fizemos

anteriormente do título Assessoria Pedagógica, essas considerações indicam uma

pluralidade discursiva entre título e conteúdo.

b) Retomando o dizer do outro

A paráfrase foi a estratégia discursiva mais frequente, contabilizando sete

ocorrências em 11 casos. Diferente da citação, a paráfrase não utiliza palavras

exatas do discurso representado, mas o discurso é reformulado pelo autor,

caracterizando-se assim uma representação discursiva indireta. A paráfrase

igualmente possibilita identificar mescla de vozes dos autores referenciados e dos

autores do livro, no discurso. No Quadro 6, podemos identificar pelo menos duas

vozes na paráfrase aludindo à Fensham: a do próprio pesquisador e a dos autores,

evidenciada pelo uso da expressão “nossa opção”.

Bachelard, filósofo da ciência, frequentemente mobilizado como referencial da

pesquisa em Educação em Ciências, é trazido de forma explícita em uma das

paráfrases do Quadro 6, de forma a valorizar a pergunta como princípio do processo

de construção do conhecimento. Para Bachelard, o importante é romper com o

conhecimento comum e uma boa pergunta em sala de aula sobre determinado

problema faz brotar uma nova racionalidade, diferente, por exemplo, da opinião (eu

acho, eu acredito que, etc.). Trabalhar a relação entre questionamento e

conhecimento parece constituir um aspecto da perspectiva construtivista, relevante

para os autores do livro analisado na construção de uma racionalidade científica.

Na paráfrase de Mortimer (2000), os autores reforçam a ideia de que a ciência

pode ser concebida como uma forma de linguagem. Esse aspecto também nos

remete ao socioconstrutivismo analisado na conjuntura. Não identificamos, na

paráfrase do texto de Mortimer a mescla de vozes dos autores do livro, devido à

escolha pelo emprego do verbo aprender no modo infinitivo. Entendemos que essa

escolha textual aproxima os autores da visão de Mortimer que, em última análise,

promove uma recontextualização das ideias do construtivismo social ao colocar a

linguagem em primeiro plano na aprendizagem.

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A paráfrase de Lima e Silva apresenta as definições em ciências como

síntese e não como ponto de partida na aprendizagem. Esta ideia, que também é

reforçada pela paráfrase de Vygotsky, vai de encontro a uma opção didática, muito

difundida em alguns livros didáticos, nos quais se apresenta uma definição, seguida

de exercícios de memorização ou aplicação de fórmulas.

A paráfrase de Fensham converge para questões da química e a importância

da construção dos conceitos (modelos consensuais de átomos e moléculas) nessa

disciplina. O autor chama atenção para o fato de que os estudantes podem

responder de forma adequada às questões objetivas sobre átomos e moléculas, sem

entendê-las de fato. Ou seja, uma vez que o conceito não é construído pelo

estudante, ele é usado apenas para responder as questões de avaliação. Essa é

uma dimensão bem aprofundada pelas pesquisas em Educação em Ciências que

pautaram a discussão acerca da mudança conceitual. No entanto, como

ressaltaremos nas análises do livro do aluno e no capítulo da discussão,

entendemos que, mesmo apostando na construção do conhecimento, o foco da

aprendizagem no livro didático em análise não se dá na mudança conceitual.

A paráfrase da ideia de Bruner, acerca da potência do pensamento narrativo,

é articulada com a importância atribuída a diferentes tipos de texto na aprendizagem

de ciências. Esta discussão relaciona-se às críticas dirigidas à linguagem usual do

livro de ciências, que compreende processos excessivos de nominalizações e

metáforas gramaticais, considerados entraves para o entendimento da disciplina em

geral e da linguagem científica, em particular (HALLYDAY e MARTIN, 1993;

MARTIN e VEEL, 1998). Análises subsequentes mostram a maneira pela qual os

autores consideram o uso de narrativas, como no excerto 1, texto sobre peixes para

o 6º ano, que por intermédio da vida de um tipo específico de peixe (piaba),

elaboram uma estratégia discursiva que escapa dos processos abstratos deste tipo

de linguagem.

c) Questões ideológicas no dizer

O texto da assessoria pedagógica também apresenta articulações na forma

de pressuposição, na qual o significado está implícito. É uma maneira textual de

mesclar ao discurso construído pelo autor do texto “vozes já estabelecidas ou

dadas,” o que pode possibilitar o entendimento de aspectos da constituição

ideológica dos textos.

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Na forma de pressuposição, as ideias de Millar, Osborne e de Lima e Paula

são recontextualizadas na legitimação de um conjunto de ideias das pesquisas, em

detrimento de outras, sobre o que se deve ensinar em ciências no Ensino

Fundamental. A escolha da palavra “consenso” e a referência aos especialistas

parecem confluir, reforçando essa legitimação. Temos, mais uma vez, um exemplo

de confiabilidade, voltada aos discursos acadêmicos que, hibridizados aos

pedagógicos, realçam a autoridade dada aos especialistas (em Educação em

Ciências) necessariamente como a melhor escolha dentre num conjunto de

possibilidades. Em outras palavras, o consenso como ideia hegemônica não é

resposta para todas as situações. Por outro lado, o texto reforça o potencial de

estudos sistemáticos e aprofundados na construção de estratégias de enfrentamento

e superação de alguns obstáculos. Não obstante, alertamos para o fato de que a

palavra consenso, no caso de ideias para sala de aula, não garante em si a resposta

apropriada em todos os contextos desta prática.

Em síntese, podemos dizer que, de forma geral, as referências diretas e

indiretas (citações, paráfrases e pressuposições), que encontramos para ideias

relacionadas às pesquisas como fontes legítimas e confiáveis, sobre as quais as

escolhas pedagógicas podem ser justificadas, foram corroboradas por escolhas

lexicais típicas, como nos exemplos assinalados.

5.2 O LIVRO DO ALUNO

O livro do aluno, diferentemente da assessoria pedagógica, não apresenta o

discurso relatado. Por isso, o foco volta-se para a compreensão do jogo dialógico

entre os textos instalados no discurso, ou seja, para a dinâmica interna textual,

dependente de mecanismos de redundância textual, do discurso que repete temas

ou ideias associadas a discursos preexistentes, entre outros fatores.

O objetivo, como apontado no capítulo do quadro teórico metodológico, foi o

de identificar os interdiscursos por intermédio dos elementos de retórica,

transitividade, metáfora gramatical, nominalizações, vocabulário e escolhas lexicais.

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5.2.1 O discurso modalizado

A pesquisa que realizamos tem foco na função ideacional do discurso, ou

seja, no papel do discurso na significação e na referência. Entretanto, como afirma

Fairclough (2001), essa é uma questão a ser enfatizada porque outras funções

discursivas podem coincidir no discurso. Por exemplo, a modalidade, ou nível de

comprometimento do falante/escritor com suas proposições, pode ser considerado

como interseção entre a função ideacional do discurso e a interpessoal, ou seja,

entre a significação do discurso e a representação das relações sociais

(FAIRCLOUGH, 2001). Não obstante, optamos por enfatizar a dimensão ideacional,

uma vez que o objetivo são as formas de representação que o discurso da pesquisa

assume no texto do livro didático, e seus distintos efeitos de sentido.

Sabemos que autores de um livro têm posição relevante no aspecto que

vincula a concepção da obra ao que é a obra, ou seja, aquilo que o sujeito/autor

reúne na sua obra constitui um modo de expressar, imprime um estilo particular ao

texto/discurso. O livro didático, mesmo considerado um gênero discursivo, associado

a tipos particulares de discursos, pode ser compatível com estilos alternativos

(FAIRCLOUGH, 2001). Portanto, mesmo mantendo o foco desse estudo na

representação do discurso, consideramos o aspecto da modalidade importante para

caracterizar transformação nos padrões, em geral, encontrados para o livro didático

de ciências.

No caso da coleção em análise, aspectos tais como o emprego do presente

durativo, do gerúndio e das nominalizações e metáforas gramaticais caracterizam

uma mudança no livro didático de ciências. Por exemplo, o título da obra,

“Construindo Consciências”, assim como alguns títulos de unidades (por exemplo,

Modelando os materiais/9º ano), capítulos (por exemplo, “Viajando com

segurança”/9º ano) ou seções do livro (por exemplo, “Trocando ideias”) parecem

contribuir para marcar o comprometimento dos autores com o envolvimento do

leitor/estudante, por meio de referência a uma ação presente, contínua e conjunta,

caracterizada pelo emprego do verbo no gerúndio.

A unidade “Modelando materiais” é um bom exemplo para representar a

estilização a qual nos referimos nos seus vários subtítulos, tais como: “Enchendo um

balão sem soprar” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.64),

“Interpretando alguns fenômenos” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno,

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9º ano, p.71) e “Construindo modelos explicativos” (CONSTRUINDO

CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.79) que, no conjunto, implica ações

contínuas e conjuntas ao longo das leituras sugeridas pela unidade.

O uso do gerúndio é relevante porque ele sozinho assume a função de

advérbio, que tem relação com o ‘como fazer’. No título “Construindo Consciências”,

essa forma nominal do verbo denota a perspectiva de aprendizagem em progressão,

em construção que, como dissemos, parece assumida para o conjunto da obra

didática. Além disso, a construção no plural: “consciências”, nos remete ao

significado dessa palavra, que pode ser entendida como um sentimento do que a

pessoa tem daquilo que ocorre com ela mesma, quer dizer, “construir consciências”

seria construir autoconhecimento, mas também pode significar “estar ciente” de algo,

ou seja, construir um saber. Há ainda outro sentido nesse título do livro: o de que

esse conhecimento a ser construído é relacionado à ciência (consciências).

Desta forma, o título do livro, além de representar um estilo que acompanha

toda a obra, compreende em si uma concepção de aprendizagem, uma forma de

pensar, própria dos autores do livro.

5.2.2 As vertentes da pesquisa nos excertos

Em nossas análises, decidimos apresentar as vertentes mencionadas pelos

autores do livro didático, as quais tiveram forte impacto na constituição da

comunidade de pesquisa do campo em Educação em Ciências no Brasil. Elas

correspondem às vertentes desenvolvidas na seção ligada à análise da conjuntura e

são ilustradas por trechos específicos, tanto da assessoria pedagógica como do livro

do aluno, selecionados para análise dos dados apresentados no Quadro 7.

Os exemplos que constam no Quadro 7 referem-se ao corpus descrito no

capítulo 3 da tese, e a análise que apresentamos a seguir procurou relacionar as

ideias desenvolvidas na análise da conjuntura com os aspectos textuais encontrados

no livro do aluno.

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Quadro 7: Caracterização das vertentes da pesquisa em Educação em Ciências em fragmentos textuais da assessoria pedagógica e do livro do aluno

VERTENTE TENDÊNCIA

ASSESSORIA PEDAGÓGICA LIVRO DO ALUNO VOLUME, UNIDADE, CAPÍTULO E TEXTO

Movimento das Concepções Alternativas

Ao procurar estabelecer relações entre as ideias prévias dos estudantes e os conhecimentos científicos consideramos as inúmeras diferenças entre esses dois sistemas de conhecimento (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, p.5).

As ideias que temos sobre o assunto serão o ponto de partida para nosso estudo sobre luz e visão (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 8º ano).

Unidade: "O organismo humano e suas interações com o ambiente" do 8º ano (p.162-229).

Capítulo "Luz e visão" (p.164-190).

Texto: O que sabemos sobre luz e visão (p.165)

Os modelos (C) e (D) sugerem explicações diferentes para o fenômeno da dilatação. Para o modelo (C), são as partículas que se dilatam. Para o modelo (D), as partículas não sofrem modificação no tamanho quando aquecidas. Elas apenas se afastam umas das outras, o que significa que passam a existir maiores vazios entre elas (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, 9º ano, p. 63).

Unidade: "Modelando materiais" do 9º ano (p.60-105).

Capítulo 3 "O mundo que não vemos" (p.60-76).

Texto:. ”Entre as partículas existem espaços vazios” (p.63-64)

História da Ciência e Natureza da ciência

A ciência desenvolve formas de investigação que são continuamente renovadas em função de mudanças em seus propósitos e de sua evolução conceitual. ... Não há um “método científico” universal e infalível, mas metodologias que são a todo tempo criadas no curso das investigações e submetidas às críticas da comunidade científica. A ciência não é meramente “técnica” nem “neutra” e solitária. Pelo contrário, é um empreendimento social e cultural como diversas outras atividades humanas (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, p.9).

Ciência se faz com perguntas e com muita investigação. É resultado de um grande esforço coletivo, além de uma vontade enorme de conhecer o mundo que nos cerca. Uma pergunta pode receber várias respostas diferentes até se chegar a uma resposta aceitável, o que pode demorar muitos anos, já que podem ser cometidos muitos erros, e são tantas as idas e vindas que parecem não ter fim. A história das investigações sobre a fotossíntese mostra alguns desses aspectos da investigação científica (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, 7º ano, p. 151).

Unidade: “Energia e ambiente” do 7º ano (p.116-165) Capítulo 7: “O sol e a vida na Terra” (p.144-165) Texto: Avaliando evidências sobre a nutrição dos vegetais (p.151-154).

Modelagem

...na Unidade 2 - Modelando os materiais, fornecer uma explicação atômico molecular para a diversidade dos materiais, suas propriedades e usos. Isso é feito por meio da construção de modelos para esse mundo que não vemos, do estudo da natureza elétrica dos materiais e de uma introdução à teoria de ligações químicas. (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, p.13).

Como decidir qual o modelo, entre (C) e (D), melhor representa a dilatação do gás? Ambos parecem razoáveis. Qual deles você escolheria? (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, 9º ano, p.63)

Unidade: "Modelando materiais" do 9º ano (p.60-105).

Capítulo 3 "O mundo que não vemos" (p.60-76).

Texto: Entre as partículas existem espaços vazios (p.63).

CTS

Com outras atividades e leituras propostas na coleção, as seções que discutem as ciências e as suas relações com a tecnologia, o ambiente e a sociedade forma concebidas para sofisticar a compreensão dos estudantes sobre a ciência como empreendimento cultural e social (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, p.20).

Muito está para ser feito do ponto de vista da educação das pessoas para lidar com os dispositivos tecnológicos e conviver em uma sociedade que tem cada vez mais pressa. O que a ciência tem a nos dizer sobre isso? (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, 9º ano, p.184).

Unidade: "Ciência, tecnologia e sobrevivência" do 9º ano (p. 148-207). Capítulo 9: "Viajando com segurança". Texto: Viajando com segurança (p.183-184).

Linguagem

Um exemplo disso refere-se à mudança do foco descritivo do ensino da Zoologia e Botânica para ao tratar da história da vida de alguns animais e plantas, comtemplar conteúdos em situações próximas dos estudantes. Aprender ciências implica, em larga medida aprender a se comunicar com as linguagens científicas (MORTIMER, 2000). Essa aprendizagem envolve uma apropriação de formas específicas de falar sobre o mundo: a ciência se comunica por meio de gráficos, tabelas, diagramas, esquemas, equações, definições cuja leitura não é trivial. Procuramos, portanto, elaborar atividades que permitam aos estudantes familiarizar-se com essas linguagens e apropriar-se delas (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, p.6).

Conhecendo as piabas, é possível identificar muitas características dos peixes. Piabas são peixes pequenos de água doce encontrados em corredeiras e riachos em todo o Brasil. Possuem brânquias localizadas atrás de uma espécie de tampa chamada opérculo. Movimentam-se na água sem muito esforço. Como todo peixe, possuem nadadeiras e um formato de corpo que facilita o deslocamento na água (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, 6º ano, p.168).

Unidade 3 “A diversidade da vida” (144-237). Capítulo 9: “Modos de ser e de viver dos vertebrados” (168-184). Texto: Vida de Piaba ( p.168-170).

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5.2.2.1 Movimento das concepções alternativas dos alunos (MCA)

A primeira parte desta seção volta-se para a incorporação da vertente do

MCA no livro didático. Consideramos que as ideias dessa vertente foram

introduzidas em diálogo com outras vertentes, tais como modelagem e história da

ciência, fortemente marcadas em capítulos do livro do aluno, cujo mote é a

construção de conceitos científicos. Esses aspectos parecem remeter a um enfoque

bastante desenvolvido pelas pesquisas nacionais.

Os excertos 4 e 5 (“O que sabemos sobre luz e visão” e “Entre as partículas

existem espaços vazios) são exemplos dos que mais contribuíram na discussão da

vertente do MCA na atribuição direta das concepções alternativas aos estudantes, o

que torna mais fácil para o mesmo se identificar como aquele(a) que sustenta essas

ideias. Apesar de qualificadas como erradas, as concepções alternativas/prévias são

referidas como produto da reflexão e do processo mental dos estudantes/leitores, ou

seja, conferindo um valor positivo às ideias.

Nos excertos selecionados (1 a 6), identificamos que as concepções dos

estudantes são utilizadas como antecipações ao erro, embora não explicitamente

com o objetivo direcionado à mudança conceitual, como já assinalamos

anteriormente. Além disso, como vimos, na análise da conjuntura, a identificação

das concepções dos estudantes pode ser relevante como diagnóstico preliminar ao

aprendizado, caracterizando um perfil conceitual (MORTIMER, 1995,1996) para

ensinar conceitos e, a partir dele, propor reflexão e atividades de construção do

conhecimento científico.

Observamos também que o modo retórico assumido no capítulo 3 do nono

ano intitulado "O mundo que não vemos" (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro

do aluno, 9º ano, p.60-76) parece explicitar ideias alternativas, desafiá-las por meio

da exposição de seus limites explicativos e, consequentemente, evidenciar a

necessidade de possíveis reelaborações. Este modo pode ser identificado, no plano

interdiscursivo, com orientações piagetianas que inspiraram abordagens para

promoção da mudança conceitual, na progressiva construção de estruturas

conceituais mais elaboradas.

a) Sistemas de conhecimento e mudança conceitual

O excerto 4 (ANEXO 4), “O que sabemos sobre luz e visão,” (CONSTRUINDO

CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 8º ano, p.165) faz parte da seção ‘Trocando ideias’,

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na qual é sugerido um conjunto de atividades a serem realizadas, em grupo, pelos

estudantes.

Logo de início identificamos a presença do discurso pedagógico pelo

oferecimento de informações, tais como: “as ideias que temos sobre o assunto serão

o ponto de partida para nosso estudo sobre luz e visão”. Essa informação parece

contribuir para que os estudantes entendam que precisam aprimorar suas ideias,

pensar em novas formas para explicar os temas luz e visão.

O excerto 4 é marcado por uma série de comandos ao longo do texto, tais

como: “leia as questões com atenção”, “faça um esboço”, “explique”, “utilize setas

para complementar sua explicação,” entre outros. Esses comandos associados à

argumentação contendo instruções a serem realizadas numa ordem

preestabelecida, indicada pelo uso do conectivo “depois disso” e pela numeração

das perguntas de um a cinco, são estratégias próprias do discurso pedagógico com

conotação mais normativa. Embora com essa conotação, a atividade toda é

conduzida de forma a garantir espaço ao estudante para expor suas concepções

sobre luz e visão, por meio das respostas às diversas perguntas formuladas.

Somado a isso, o título do excerto 4, “O que sabemos sobre luz e visão,”

emprega um pronome interrogativo “ que” seguido do verbo transitivo direto “saber”

no plural, buscando estabelecer algo em comum aos leitores/estudantes. Embora

pareça uma pergunta, o enunciado está escrito na forma de uma afirmação. O “que

sabemos” ainda vai ser dito e estimulado pelas questões em sequência ao título.

Espera-se talvez que nesse dizer apareçam formas diferentes daquelas associadas

ao conhecimento científico. Por outro lado, as palavras do título parecem evocar

justamente o contrário do que anuncia, ou seja, o que não sabemos sobre luz e

visão. Ou seja, as ideias sobre luz e visão pertencem ao senso comum e, em geral,

se afastam das explicações que a ciência tem para estes conceitos.

As nuances entre perguntas de opinião e que indicam incentivo à participação

dos estudantes, a troca de ideias, diagnose das concepções prévias dos alunos são

estratégias que sugerem a existência de elementos presentes no texto, respaldados

pelas pesquisas de abordagem construtivista e socioconstrutivista.

b) MCA e modelos expressos na construção do conhecimento

Outro exemplo relacionado aos aspectos da construção do conhecimento por

parte do estudante refere-se à análise do excerto 5 (ANEXO 5) “Entre partículas

existem espaços vazios” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano,

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p.63). A análise desse texto tem como objetivo, entender como uma atividade

incorpora o discurso do construtivismo pedagógico, para ensinar o modelo de

espaço entre moléculas. Os efeitos das escolhas verbais promovem implicações,

nos processos codificados nas orações, ao longo dos enunciados. O texto citado

compreende dois tipos de processos, o relacional e o agenciamento41. Por meio da

transitividade vamos analisar um exemplo de texto que possui foco no

agenciamento.

O excerto 5, considerando-o no seu todo, apresenta dois tipos de discursos

em sequência: um discurso pedagógico construtivista, na página 63 do volume do 9º

ano e, outro, científico escolar, na página 64 do mesmo volume.

No discurso pedagógico construtivista, correspondendo à primeira parte do

excerto, os acontecimentos envolvendo os verbos “ao propor”, “supondo que”, “como

decidir”, “qual você escolheria” indicam agenciamento, constituem ações

intencionadas do leitor. Esse tipo de discurso se aproxima de uma conversa

parecida com a que ocorre em sala de aula (discurso pedagógico) e se afasta da

que chamamos de discurso científico (metafórico). No entanto, com o decorrer do

texto o discurso da sala de aula (pedagógico) acaba dando espaço ao discurso

científico, como veremos pela análise em sequência do texto.

O texto começa indicando uma proposta para o leitor, pelo emprego do verbo

no modo transitivo direto (“ao propor”, CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do

aluno, 9º ano, p.63). Esse verbo, no modo transitivo direto, representa uma ação que

implica o leitor/estudante em um processo relacional, ou seja, estabelece um diálogo

entre, o professor, e seu estudante, chamando-o a tornar-se ativo, no processo de

aprendizagem.

O texto, ainda no início, expõe para o estudante/leitor quatro modelos do “ar”,

na forma de desenhos, compostos por dois frascos com balões presos aos gargalos

A, B, C e D (representações do ar). Mostra, igualmente, que os frascos do desenho

(de cada modelo) apresentam temperaturas diferentes, dois sem aquecer e dois,

aquecidos.

É possível relacionar os desenhos apresentados neste trecho às

representações feitas por estudantes em pesquisas do campo, configurando

estratégia de aproximação do conhecimento teórico à realidade concreta do sujeito-

aprendiz, por intermédio da ação discente, na construção do conhecimento.

41

Optamos neste item por apresentar a análise completa.

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O texto, “ao propor modelos para o ar” (relacionados aos desenhos), faz uso

da estratégia de interlocução direta, criando com isso uma situação hipotética

importante na a construção de um conhecimento julgado relevante para o estudante.

Na continuação, os verbos utilizados na expressão “podemos pensar” tornam

o estudante cúmplice do processo de construção do conhecimento. Com esse

recurso, marca-se, além do agenciamento, o dialogismo próprio do discurso

pedagógico, mediado pelo texto. Além disso, o uso do verbo “pensar” no trecho: “ao

propor modelos para o ar, podemos pensar em diversas maneiras de representar

seus componentes” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.63)

parece sugerir ambiência de construção coletiva do conhecimento.

No trecho: “nos modelos (A) e (B) os estudantes não admitem a existência de

partículas. Sabemos que o ar é uma mistura de diferentes substâncias, como gás

nitrogênio, oxigênio e outros” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º

ano, p.63), estes modelos expressam processos semelhantes pelas seguintes

convergências. Em primeiro lugar, o destaque dado às representações dos

estudantes, focando na ausência das partículas (em geral representadas pelos

estudantes por bolinhas), elementos importantes para entender o ar como uma

mistura de gases. Em segundo lugar, torna o estudante cúmplice das afirmações

ligadas ao emprego do verbo “saber”. Essa estratégia na construção do texto

configura, do mesmo modo, o dialogismo apontado anteriormente. Desconstrói-se o

discurso monológico e fechado, típico do discurso científico (BAKHTIN, 2003), em

nome do diálogo constante com o estudante, num processo de elaboração conjunta

do conhecimento.

Chamou-nos atenção o uso do artifício da comparação para facilitar a

visualização dos fenômenos por parte dos estudantes, como no trecho: “os dois

primeiros modelos, (A) e (B), apresentam uma visão do ar como algo contínuo. O ar

aparece como uma nuvem”. Nesse caso, na sentença que se segue há o

deslocamento do “modelo A” para o início da sentença, na forma de topicalização,

para frisar a ideia de que, apesar de um aspecto particular atinente a esse elemento

(sua mudança de lugar depois de aquecido), suas características básicas se

mantêm inalteradas (“seu volume total não se altera”). Aliás, o uso do marcador

“apenas” no trecho “ele apenas muda de lugar”, de visível valor argumentativo,

minimiza a importância dessa particularidade para o entendimento do fenômeno,

valorizando a ideia de “continuidade” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do

aluno, 9º ano, p.63). Estas estratégias discursivas valorizam um movimento de

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construção de ideias pelos estudantes, levando-os a descartar os modelos que não

representam fenômenos científicos.

Nas sentenças: “em (C) o ar é representado por pequenas bolinhas, e

podemos supor que cada uma delas representa uma partícula das substâncias do

ar”. Nesse modelo, as bolinhas aumentam de tamanho quando o ar é aquecido e

diminuem quando ele é resfriado” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno,

9º ano, p.63), o ar é comparado a/representado por bolinhas que incham quando

aquecidas. Os verbos “supor” e “sugerir” representam os modelos como construções

conceituais e não como representações ou reificações.

Usa-se o recurso do contraste para que fique mais fácil a visualização das

diferenças entre os modelos A e B (de um lado) e C e D (de outro). A locução “ao

contrário de” é responsável por agenciar tal contraste. O uso da expressão

“bolinhas” contribui também, por meio de um elemento de linguagem cotidiana e

afetiva, para uma maior aproximação com o leitor/interlocutor.

Na continuidade, examinando-se ainda o excerto 5: “Entre as partículas

existem espaços vazios,” o estudante é convidado a escolher, entre os modelos, o

que melhor representa a dilatação do ar. O uso do “como” pede por uma decisão

entre os modelos C e D para a dilatação, descartando os modelos A e B. A

interrogação é mais um elemento que aponta para o diálogo com o estudante no

processo de construção do conhecimento.

O uso do verbo “parecer”, na frase: “ambos parecem razoáveis. Qual deles

você escolheria?” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.63)

relativiza o ponto de vista apresentado. Além disso, solicita-se do estudante uma

escolha, no sentido de valorizar sua contribuição no processo de construção do

conhecimento.

Essa atividade, montada com base em modelos expressos com desenhos de

estudantes, procura num primeiro momento a compreensão das relações analógicas

do modelo em estudo, realizada coletivamente na situação de ensino, e fundamenta-

se nas perspectivas teóricas da modelagem. Portanto, processos de modelagem

têm relação com a criação de modelos e nesta perspectiva aprender ciências é a

capacidade que o estudante tem de relacionar aspectos teóricos e empíricos, o que

fica bem evidente em toda essa primeira parte (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS,

livro do aluno, 9º ANO, p.63) da atividade do texto “entre partículas existem espaços

vazios”.

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A segunda parte do texto promove uma mudança na linguagem. A primeira

parte, como vimos, privilegiou mais os aspectos da construção do conhecimento

pela modelagem, por intermédio de uma linguagem dialógica e com agenciamento.

A segunda parte apresenta conceituações e definições. A linguagem passa a se

estruturar de forma mais categórica, configurando a verdade científica, na forma de

definição, tal qual no enunciado: “em geral, sólidos quando aquecidos, dilatam-se e

quando esfriados, contraem-se” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno,

9º ano, p.64).

O excerto 5 permite-nos constatar que o discurso dialógico prepara o da

linguagem da ciência. A linguagem da ciência aparece caracterizada como discurso

científico escolar na página 64, com o objetivo de nitidamente dar um fechamento

para a atividade proposta pelo texto. Esse exemplo de análise demonstrou

coincidência entre a concepção trazida na assessoria pedagógica, na qual as

definições e conceituações são pontos de chegada da construção do conhecimento

e o texto no livro do aluno.

c) MCA e História da Ciência

Outra forma de explorar as concepções alternativas e prévias dos estudantes

está relacionada às referências feitas à História da Ciência. Em geral, como

apontamos na análise da conjuntura, a História da Ciência no Ensino de Ciências é

uma vertente que apresenta estudos vinculados à filosofia da ciência e que,

recentemente, relaciona-se com discussões sobre concepções de natureza da

ciência.

Identificamos em trecho anteriormente analisado, que versou sobre a ligação

química, a exploração dos pressupostos da História da Ciência, na contraposição de

ideias antigas, implicitamente caracterizadas como não exatamente corretas,

agregando ideias novas, subentendidas como mais elaboradas ou com maior grau

de correção ("uma ideia antiga era a de os átomos possuíam espécies de ganchos

que se encaixavam uns aos outros", CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do

aluno, 9º ano, p.62). Nesse exemplo, por intermédio das ideias associadas à História

da Ciência, procurou-se afastar o estudante de certas analogias incorretas, que

associam ligação química com o mecanismo envolvendo ganchos.

O padrão de contraposição de ideias, em vários exemplos de temáticas do

ensino de ciências, em associação com a História da Ciência, tais como no debate

acerca do geocentrismo e heliocentrismo, do lamarquismo e darwinismo, pode

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induzir a um anacronismo (gaiolas epistemológicas42), o que nem sempre é re-

comendado pelas pesquisas como um recurso adequado e eficaz para a

compreensão da natureza da ciência (FORATO, MARTINS e PIETROCOLA, 2012).

Nesse caso, diferente do assinalado, a proposta do livro foi a de mostrar para o

estudante a ideia incorreta (pinos e ganchos) como uma sugestão identificada nas

pesquisas da Educação em Ciências, que visa a lidar com dificuldades de

aprendizagem, considerando seu valor epistemológico e pedagógico na construção

de explicação dos fenômenos/conceitos científicos.

5.2.2.2 História da ciência e natureza da ciência

Outro aspecto associado à História da Ciência e à natureza da própria

História da Ciência é aquele que promove a aprendizagem por intermédio de

narrativas históricas. As narrativas, históricas ou não, pressupõem sequências de

eventos estruturados no tempo43 e as ações que nelas ocorrem, podem, ou não, ser

determinadas por mecanismos de causa e efeito, ou seja, são formas de apresentar

o discurso compreendendo contradições e questionamentos (CORREIA, 2003).

Portanto, o uso de narrativas para explorar a HFC, conforme apontamos na

conjuntura da tese, implica uma simplificação da história contada e, portanto,

“qualquer narrativa histórica reverbera uma concepção sobre o funcionamento e

construção da ciência” (FORATO, MARTINS e PIETROCOLA, 2012).

O excerto 3 (ANEXO 3), intitulado “Avaliando evidências sobre a nutrição dos

vegetais” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, p.151-154),

inserido na seção do livro didático chamada de “Ciência tem história”, utiliza

elementos da História da Ciência para construir uma narrativa que, em primeiro

lugar, explicita o que é a ciência, para depois apresentar algumas ideias do passado

sobre a nutrição dos vegetais.

De acordo com o que expusemos na conjuntura de pesquisa, as ideias de

antigos pesquisadores podem corresponder a algumas das concepções prévias dos

estudantes, embora como apontado pela literatura do campo, nem sempre haja

correspondência epistemológica entre elas. No entanto, nos parece que no caso

específico do excerto 3, o objetivo desse tipo de exposição é o de possibilitar a

aprendizagem do conhecimento científico (sobre a nutrição dos vegetais), por

42

Cada período histórico compreende características próprias à produção e divulgação do conhecimento (FORATO, MARTINS e PIETROCOLA, 2012). 43

Possibilitando avançar ou voltar no tempo.

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intermédio da narrativa histórica e de evidências de experimentos do passado.

Assim, ao ler sobre a História da Ciência, os estudantes estruturam os seus

conhecimentos.

Um aspecto a destacar na análise do excerto 3 diz respeito à caracterização

da natureza da ciência, que especificamente antecede à narrativa histórica. O texto

“Avaliando evidências sobre a nutrição” inicia-se da seguinte forma

Ciência se faz com perguntas e com muita investigação. É resultado de um grande esforço coletivo, além de uma vontade enorme de conhecer o mundo que nos cerca. Uma pergunta pode receber várias respostas diferentes até se chegar a uma resposta aceitável, o que pode demorar muitos anos, já que podem ser cometidos muitos erros, e são tantas as idas e vindas que parecem não ter fim. A história das investigações sobre a fotossíntese mostra alguns desses aspectos da investigação científica. As perguntas pareciam ser simples: De onde vêm os nutrientes de um vegetal? Como uma planta se desenvolve? De onde os vegetais retiram as substâncias necessárias ao seu desenvolvimento? (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, 2010, p.151).

A primeira frase do parágrafo: “ciência se faz com perguntas e com muita

investigação” simboliza um sujeito indeterminado, por meio do uso da partícula ”se”,

ou seja, não deixando explícito quem são o/os participante(s) da ação. Em outras

palavras, não há neste excerto menção aos participantes da atividade ciência, aos

cientistas/pessoas, nem aos seus processos, por meio do emprego de verbos tais

como perguntar ou investigar. Nesse sentido, a ausência de agentes não favorece o

esclarecimento sobre quais são os elementos causais e a responsabilidade da ação

em curso.

O trecho seguinte (“é resultado de um grande esforço coletivo, além de uma

vontade enorme de conhecer o mundo que nos cerca”), embora pareça não conter

agenciamento, emprega a expressão “esforço coletivo”. Ao atribuir o processo do

“esforço” explicitamente a sujeitos, permite identificar que se trata de um grupo, pelo

uso do termo ‘coletivo’.

No entanto, há nesse trecho um processo de nominalização traduzido pelo

empacotamento de informações (por exemplo, dos tipos de participantes e de que

tipo de esforço). Ainda no que concerne ao léxico “coletivo”, que significa

agrupamento, conjunto (contrário a individual), esse é um termo que aparece

associado à prática social da ciência, sujeito do texto. Entretanto, esse léxico pode

dar ideia de um único coletivo, na direção contrária a que assistimos na sociedade

atual, na qual interesses de financiamento entre grupos e laboratórios fazem

diferença naquilo que é pesquisado e entendido como ciência.

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Quando o texto se remete à expressão: “além de uma vontade enorme de

conhecer o mundo que nos cerca”, há intenção de inserção dos leitores, evidenciada

pelo uso do pronome “nos”, mas não necessariamente implica no esforço coletivo,

sugerido no texto. Então, neste caso, “vontade enorme de conhecer o mundo que

nos cerca” parece significar um movimento secundário ao do esforço coletivo,

sugerido na frase anterior. Certas linearidades do texto, nas escolhas que fazemos

na ordem com que as palavras são apresentadas, expressam lutas de poder

inseridas no próprio discurso, que muitas vezes fogem à intenção do autor.

Outro aspecto relacionado à natureza da ciência diz respeito ao enunciado do

trecho: “já que podem ser cometidos muitos erros,” atribuindo-se à ciência estes

erros. O trecho inicia-se com o período: “uma pergunta pode receber várias

respostas diferentes até se chegar a uma resposta aceitável, o que pode demorar

muitos anos”, correspondendo ao efeito esperado da causa identificada. Essa é uma

questão que esbarra num problema de credibilidade da ciência na sociedade atual.

Como problematizado na conjuntura, Fensham (2012) pondera que incertezas têm

sido associadas à prática social da ciência, considerada contraditória e contendo

muitos dilemas.

Outra situação diz respeito ao trecho final desta oração “e são tantas as idas

e vindas que parecem não ter fim”. A expressão “idas e vindas” contém o sentido de

algo que oscila entre ideias, posições ou atitudes, sem chegar a uma decisão

definitiva de qual adotar ou rejeitar. A complementação: “parece não ter fim” sugere

uma conotação de ação infinita. Este parece ser um exemplo de formulação que

reforça o dilema de incompletude conferido ao conhecimento científico (Fensham

2012).

O próximo texto, igualmente retirado do excerto 3 e intitulado “Primeiras ideias

sobre a nutrição dos vegetais”, como sugerido nas palavras do título, traz um

conjunto de ideias sobre a temática da nutrição dos vegetais, numa versão histórica.

Esta parte do texto tem como objetivo enfrentar questões da compreensão do

estudante em relação a como plantas se alimentam e ao papel da alimentação no

seu desenvolvimento (KAWASAKI e BIZZO, 2000), e para isso o texto apresenta

uma série de cientistas, suas ideias e experimentos.

O primeiro cientista citado é Van Helmont, no contexto da ideia por ele

proposta de que “não lhe parecia correto que as plantas retirassem do solo os

nutrientes necessários para o seu desenvolvimento” (CONSTRUINDO

CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, p.151) e, na sequência do texto, esclarece

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que “para avaliar suas ideias, ele realizou um experimento importante com uma

planta chamada salgueiro” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º

ano, p.151).

Há neste trecho uma pressuposição da negação do cientista ao modelo

vigente, pelo emprego do “não lhe parecia correto”. O modelo vigente enfatizava o

pensamento aristotélico no qual “a chave para a compreensão de plantas estava

para ser encontrada no estudo dos animais”44 (KAWASAKI e BIZZO, 2000, p. 27). O

cientista problematiza essa visão apresentando a atividade experimental como

importante para a prática da ciência, seguida da ponderação de que “muitas vezes é

assim que os cientistas agem: realizam experimentos para testar suas hipóteses”

(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ANO, p.151). Esta observação,

mesmo que em certa medida possa ser considerada empírico-indutivista, no sentido

de que, ao verificar ou falsear uma hipótese, o cientista chega a uma resposta ao

problema, relativiza, em alguma medida, o papel do experimento ao sugerir outras

maneiras de agir cientificamente.

O trecho seguinte: “contudo, em ciências não existe a última palavra, a

verdade final. Tem sempre alguém que enxerga os fatos de outra maneira, que

pensa de modo diferente” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano,

p.152) aponta para um sentido de que a reformulação, ou a existência de um ponto

de vista diferente sobre uma dada questão, não significa que a primeira não seja

válida ou pertinente. A expressão “tem sempre alguém” realiza essa ideia pela

constância dada ao sentido pelo emprego do “sempre”.

Mais adiante é descrito o experimento de Woodward no trecho: “ele cultivou

plantas em água com amostras diferentes de solo dissolvido. Verificou com isso que

as plantas que apresentavam maior desenvolvimento eram aquelas que foram

colocadas em soluções de água com maior quantidade de terra dissolvida”

(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, p.152). Esse experimento

não é representado com o mesmo detalhamento que o anterior (Van Helmont),

contendo desenhos e legendas, o que contribui para que certos experimentos sejam

mais conhecidos ou mais relevantes do que outros.

44

Para Aristóteles as plantas se alimentavam passivamente dos nutrientes oferecidos pelo solo e o desenvolvimento era entendido nos moldes do crescimento de um cristal. O solo era comparado a um estômago dos animais (aquele que prepara o alimento). Para Kawasaki e Bizzo (2000) o modelo predominante entre estudantes é bem semelhante ao modelo aristotélico (KAWASAKI e BIZZO, 2000).

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115

O texto “Avaliando evidências sobre a nutrição dos vegetais”

(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, p.151-154) apresenta

uma narrativa por intermédio de seis ideias representadas por cientistas, suas

respectivas datas de nascimento e morte, ao lado de um conjunto de ideias a eles

atribuídas, mostradas no Quadro 8.

Quadro 8: Sequência de cientistas e suas proposições à cerca da nutrição vegetal

NOME DO CIENTISTA IDEIA EM RELAÇÃO À RETIRADA DE

NUTRIENTES FEITA POR VEGETAIS

Van Helmont (1544-1644) Retiram nutrientes da água

John Woodward (1665-1728) Retiram nutrientes do solo

Stephen Hales (1677-1761) Investigou o crescimento da planta. Plantas modificam a atmosfera.

Joseph Priestley (1733-1804) Investigou os gases envolvidos na vida vegetal.

Jan Ingenhouz (1739-1799) Restauração do ar na presença da luz nas porções verdes das plantas

Julio Sachs (1832-1897) Sais minerais eram importantes para o desenvolvimento das plantas e que elas os obtinham do solo.

O texto discute como, por exemplo, John Woodward, que não concordava

com Van Helmont, “trouxe de volta ao debate a antiga explicação de que os vegetais

retiram seus nutrientes do solo” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno,

7º ano, p.152). Neste caso, as ideias são colocadas como contrárias, sem que haja

menção de que uma delas tenha vencido o debate. Mais à frente (excerto 3 a seguir

ao título “o papel dos minerais na nutrição dos vegetais”) encontramos, na página

154, do volume do 7º ano, o seguinte trecho: “desse modo, o papel do solo parecia

ter sido resolvido”. Se por um lado, a alternância de visões ilustra o caráter tentativo

e aberto dos processos de produção de conhecimento científico, a apresentação da

sequência corre o risco de encaminhar um sentido de fechamento, ao contrário do

sentido de conhecimento provisório, de que a história continua, e de que essas são,

hoje, as respostas que temos.

Forato, Martins e Pietrocola (2012) consideram que a inserção da história da

ciência nas aulas é fundamental, mas que a abordagem recortada de episódios

históricos não deve perder de vista a compreensão panorâmica da história. Esse é,

sem dúvida, um grande desafio a enfrentar no ensino de ciências. Inserir a HFC no

texto didático, como visto no exemplo que analisamos, é relevante. O ideal é que as

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narrativas históricas sejam utilizadas para confrontar objetivos formativos e

epistemológicos como no caso apresentado o de, sobretudo, enfrentar/suplantar a

concepção prévia dos estudantes.

5.2.2.3 CTS, risco e responsabilização, empoderamento e cidadania

O excerto 6 (ANEXO 6), analisado nesse item, tem o título “Viajando com

segurança”. Podemos identificar, nesse excerto, uma questão a ser tratada como

relevante à reflexão nas sociedades na modernidade recente. A principal

preocupação do texto é com o conceito de velocidade que, geralmente, é trabalhado

nas escolas de forma descontextualizada. Por exemplo, aprende-se a calcular a

velocidade ou a aceleração de móveis (carros, ônibus, caminhões, aviões, trens e

etc.) que, embora tendo representação na vida real, não constituem exemplos

reconhecidos pelos estudantes.

O trecho do Quadro 7, pelo qual iniciaremos a análise, corresponde ao final

do excerto em questão. Nesse excerto 6, há portanto a preocupação significativa

com a relação que se estabelece entre velocidade e cotidiano do estudante. O

trecho do Quadro 7 responsabiliza os seres humanos, e não a indústria

automobilística, como agentes do aumento da velocidade, tal como no enunciado

“muito está para ser feito do ponto de vista da educação das pessoas para lidar com

os dispositivos tecnológicos e conviver em uma sociedade que tem cada vez mais

pressa” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.184). Como

resposta à questão do excesso de velocidade, no contexto do

agenciamento/implicação, são “os seres humanos” que devem criar técnicas de

proteção/segurança. A responsabilidade parece ser individual, relacionada ao

comportamento humano, no sentido de se proteger usando cinto de segurança e

comprando carros equipados com air bags, entre outras ações.

Esse enunciado parece incluir dois movimentos: aproxima o leitor quando se

remete às possibilidades de uso da tecnologia e, ao mesmo tempo, o afasta por não

tomar parte na sua produção. Desta forma, favorece o entendimento de que a

questão da segurança e das possibilidades de adotar comportamentos seguros

envolve diferentes níveis de implicação, a saber, individual, institucional e

mercadológica.

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Outro aspecto a ser mencionado sobre o excerto 6, diz respeito à pergunta

localizada no início do excerto, próxima ao título, a saber, “como a ciência pode nos

ajudar a compreender os dispositivos e procedimentos de segurança no trânsito?”

(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.183) que configura uma

forma de interrogação direta requerendo uma decisão/posicionamento do leitor, num

modelo interativo de construção discursiva. Por meio desse modelo interativo, o

estudante torna-se alguém, necessitado em compreender questões relacionadas à

segurança no trânsito, portanto, implicado na questão em jogo. O emprego do

“como” chama atenção para o modo pelo qual a ciência pode ajudar na

compreensão das questões relacionadas à segurança, ou seja, ao processo que a

ciência favorece a inteligibilidade de determinadas questões. Ao mesmo tempo,

ocorre, nessa pergunta, uma nominalização, na utilização do termo “ciência” que

condensa a ideia de um processo de construção de inteligibilidade. Uma

consequência imediata evidenciada por essa nominalização é a supressão de um

conjunto de processos e dos participantes envolvidos no enunciado.

Há também, nessa pergunta, um exemplo de modalização no trecho: “pode

nos ajudar a compreender” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º

ano, p.183). Aqui temos três verbos seguidos: poder, ajudar e compreender. O

verbo “poder” é um verbo que implica a possibilidade da ação que se segue; o

“ajudar” relaciona-se com “nós/leitores” e, o “compreender” está modalizado pelo

verbo ajudar, implicando a possibilidade de ajuda, mas não necessariamente a

garantia da compreensão. Portanto, essas formas de apresentar a relação entre

ciência, tecnologia e sociedade, tanto no início como no final do excerto 6, nos

exemplos apresentados, servem de base para ressaltar a centralidade que a ciência

ocupa no contexto da discussão.

No caso da linha de pesquisa CTS, dois aspectos, inter-relacionados, foram

selecionados por nós de forma a problematizá-los, quando o objetivo é a

incorporação da vertente nas atividades didáticas, são eles: o contexto social como

modo de produção do conhecimento e a construção da cidadania na implicação do

sujeito, escolhidos por representarem aspectos fundamentais na promoção do

letramento científico no ensino de ciências (MARTINS, 2011).

O excerto 6 analisado traz como cenário a velocidade caracterizada, de forma

complexa, como imposição, benefício e fator de risco na vida dos cidadãos.

Entendemos que o cenário proposto no texto, aproxima três dimensões do

conhecimento: a do estudante, a da ciência (estatísticas oficiais) e a da tecnologia

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(máquinas automotoras). Além disso, a própria configuração do texto, apresentado

na forma de debate, como estilo discursivo, é uma estratégia pedagógica

amplamente alinhada aos pressupostos do CTS. Esta proposta, como já

mencionada, diverge de abordagens tradicionais nas quais, em geral, o estudante

estuda o conceito velocidade envolvendo aplicações de fórmulas, tal qual a da razão

entre variação de espaço e de tempo, sem problematizá-la como questão social.

Santos e Mortimer (2002) entendem que disponibilizar representações que

permitam ao cidadão agir, tomar decisão e compreender o que está em jogo no

discurso dos especialistas, tem sido a principal proposição dos currículos com

ênfase em CTS.

No que diz respeito à implicação da ciência no problema social da velocidade

na vida das pessoas, em geral, os estudantes entendem a ciência como

inerentemente positiva. A discussão da velocidade vinculada ao social (riscos,

aumento populacional, tecnologia das máquinas) e das consequências negativas

associadas à possibilidade de atingir altas velocidades, devido ao avanço da

tecnologia, pode permitir articulações que não eram pensadas para o ensino deste

conceito físico.

Para além das questões postas, em relação aos indivíduos como motoristas,

pedestres, moradores das cidades, há aquelas em que as influências e

consequências das inovações científico-tecnológicas são de cunho social, político e,

portanto, entendidas como impulsionadas por motivos econômicos (por exemplo, na

referência aos planos de saúde) e não por motivos democráticos (JENKINS, 1999).

Somado a isso, no caso das questões sociocientíficas levadas às salas de aula é

relevante pensar no grau de importância dada a elas pelos estudantes, algumas

questões parecem importadas dos professores ou dos livros didáticos, não sendo de

fato problemas para a faixa etária que debate a temática.

A proposta CTS tem como mote a formação da cidadania e a promoção do

letramento científico visando à apropriação de conceitos fundamentais da disciplina

pelo estudante, prioritariamente por meio da leitura, interpretação e análise crítica

dos problemas do cotidiano, relacionados aos conceitos aprendidos (SANTOS e

MORTIMER, 2002; SANTOS, 2007).

O texto analisado trata uma temática que, em geral, não constitui conflito nas

aulas de ciências, a velocidade e o trânsito nas grandes cidades. São muitas as

questões a enfrentar na relação com essa temática na Educação em Ciências, ou

seja, dar possibilidades de questionar os sistemas de especialistas, as referências

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às estatísticas oficiais, o discurso biológico como argumento de “autoridade” (tal

como utilizado no excerto 6) e fatos sociais (vítimas, hospitais, pacientes, plano de

saúde, dor e morte) relevantes para a retórica das consequências da velocidade no

trânsito.

No entanto, e de acordo com o exposto, para outras vertentes de pesquisa a

incorporação dos resultados de pesquisa em estratégias de ensino ainda constitui

um desafio para os educadores.

5.2.2.4 Linguagem

Já vimos, em outros itens analisados, que as questões da linguagem estão

presentes o tempo todo na discussão. Além disso, não é fácil separar nas análises

cada uma das vertentes das pesquisas em Educação em Ciências. Por essas

razões, nesse item discutimos aspectos que, embora considerados relacionados à

linguagem, interagem com as demais vertentes da pesquisa, tais como o discurso

científico escolar, a metáfora gramatical e cultura e discurso científico.

a) Discurso científico escolar

Partindo do princípio de que o eixo principal dessa vertente é a ideia de que

aprender ciências é aprender a ler, falar, escrever e praticar ciência, a análise se

voltou a entender com que outras dimensões do discurso, o discurso científico da

ciência se hibridiza e que implicações tem esse conjunto de ideias no discurso

científico escolar (SANMARTI,1997).

Já apontamos também que um dos aspectos incorporados à pesquisa é a

construção do conhecimento individual e coletivo pelos estudantes. O livro tem, em

muitos trechos já mostrados, uma abordagem que promove agenciamento,

alcançado pelo modo dialógico da linguagem, fato esse que se afasta da

univocidade, por vezes identificada com o discurso científico.

Encontramos no livro do aluno, em trecho que precede o excerto 5 o uso da

expressão "prestar atenção", que parece fazer parte da formulação oral de

professores em sala de aula, quando o que é explicado merece mais reflexão. A voz

do professor, nesse sentido, não representa a lógica do discurso da ciência, mas sim

da atividade pedagógica em jogo. Nesse caso, a atividade parece ser a do estudante

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aprender e a do professor, ensinar algo, produzindo posições de sujeitos

pedagógicos específicos.

A interseção do discurso pedagógico é presente em várias situações do livro

tal como, o trecho destacado do excerto 5 (ANEXO 5) “Entre partículas existem

espaços vazios”, mediando a linguagem científica, reproduzido a seguir.

As bolinhas dos modelos representam as substâncias que compõem o ar. Entre elas existem apenas espaços vazios. Ao longo da história da ciência, não foi fácil admitir a existência do vazio. Da mesma forma essa ideia pode perecer estranha para você (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.63, grifo nosso).

Nos trechos: “ao longo da história da ciência, não foi fácil admitir a existência

do vazio” e “da mesma forma essa ideia pode parecer estranha para você” além de

recorrer ao termo ‘vazio’, parece haver uma preocupação em relacionar à dificuldade

enfrentada pela ciência (em sua história) com aquela que o estudante experimentará

para entender este conceito. Ora, a ideia de que antigas visões sobre teorias

científicas possam ser retomadas por estudantes durante a aprendizagem das

mesmas constituiu uma perspectiva de outras análises que já realizamos nesse

capítulo (item 5.2.2.1, ideias antigas e história da ciência) e recorrentes no livro do

aluno.

Além disso, há nesse trecho uma aproximação entre autores e leitores

antecipando uma dificuldade que os estudantes poderão passar para entender o

conceito foco do ensino (vazio/vácuo). O enunciado parece representar a voz do(a)

professor(a), como uma preocupação relacionada ao estudante que não entende o

assunto logo de início, devido a sua complexidade.

b) Metáfora gramatical

Outro aspecto relacionado a essa vertente que ficou evidente na análise foi a

forma de abordar termos técnicos e classificação científica frequente no ensino de

ciências, como no trecho do Quadro 7, intitulado “Vida de piabas”, do excerto 1

(ANEXO 1). A começar pelo título que adjetiva a vida pela expressão “vida de

piabas”, já se apresentando esse aspecto diferente do que costumamos encontrar

nos livros didáticos, remetendo a questões mais concretas para o estudante. Por

meio da adjetivação de vida, aproxima-se o sentido de vida cotidiana ao da biologia,

sentido este excedendo a qualquer lista de características que possa ser ensinada

ao estudante. Ao incluir o nome do peixe piaba no texto, o capítulo “Modo de ser e

de viver dos vertebrados” aproxima o entendimento de aspectos da ciência a estes

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seres com vida, ou seja, à compreensão do termo “seres vivos”, antes mesmo de

entendê-los como pertencendo ao grupo dos peixes.

Outra questão relacionada ao excerto 1 “Vida de piaba,” que reforça aspectos

de análises anteriores, é a caracterização de um discurso dialógico presente em

inúmeros excertos do livro didático em estudo.

O excerto 1 “Vida de piabas” inicia-se com o enunciado “conhecendo as

piabas”, sendo possível identificar muitas características dos peixes, e o emprego

do verbo no gerúndio (aspecto de estilo do grupo autoral) implica uma ação

presente, contínua e conjunta envolvimento o leitor/estudante. Além disso, há nesse

início de texto uma sugestão de ambiência de construção coletiva do conhecimento.

Portanto, a metáfora gramatical45 (neste exemplo, pelo uso do verbo conhecer na

frente do nome piaba) parece colocar em evidência o conhecimento prévio do leitor

para o entendimento do que vem a seguir.

Diferentemente do que costumamos ver em outros livros didáticos, o excerto

1 procura não apresentar de forma excessiva os processos e atividades que

envolvem os seres vivos na forma de metáfora gramatical. Neste excerto há um

esforço voltado para a descrição do ser vivo (piaba) como, por exemplo, numa série

de elementos que caracterizam o tipo particular de peixe, como no enunciado

“piabas são peixes pequenos de água doce, encontrados em corredeiras de rios e

riachos em todo o Brasil” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º ANO,

p.168), ao invés de utilizar expressão do tipo “peixes ósseo” (osteíctes) a escolha foi

a de realizar o caminho inverso, afastando os termos técnicos e o excesso de

nominalizações.

No entanto, no período: “possuem brânquias localizadas atrás de uma

espécie de tampa chamada de opérculo”, não há um sujeito presente (elipse)

referindo-se a peixes ou a piabas. Essa foi uma escolha que visou privilegiar a

palavra “brânquias,” convertendo a atividade de possuir brânquias em um estado, o

que vem a caracterizar uma nominalização neste período. Na continuidade do texto

e na inserção de um segundo termo técnico denominado “opérculo”, houve a

intenção de suavizá-lo na comparação com uma “tampa”, palavra de uso cotidiano

(recurso metadiscursivo).

O último período do primeiro parágrafo: “como todo peixe, possuem

nadadeiras e um formato de corpo que facilita o deslocamento na água”

45

A gramática da oração, em especial a metáfora gramatical, se traduz numa forma de entender como um tipo de processo pode ser substituído pela gramática típica de outro (HALLIDAY e MARTIN, 1993).

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(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ANO, p.168) faz uma analogia,

transferindo o sujeito particular fonte, para um sujeito particular alvo (uso da

conjunção “como”), na tentativa de aproximar a piaba ao grupo dos peixes para o

entendimento da classificação biológica destes animais. Estas são questões que

para Fairclough (2001) relacionam-se a estratégias retóricas envolvendo a produção

do texto. Esta forma de apresentação antecipa a informação pela maneira como as

piabas se locomovem, contribuindo para a construção do conhecimento pelo

estudante, de forma a prepará-lo ao que vem a seguir.

O texto continua utilizando a mesma estratégia discursiva da comparação

pelo emprego da expressão “assim como muitos peixes...” partindo do menos

familiar (a classe dos peixes) ao mais familiar (piabas). Observa-se que, nesse caso,

não são apontadas diferenças, apenas as semelhanças (escamas e glândulas com

muco), caracterizando a comparação retórica pela qual são elencadas

características da classe dos peixes.

A seguir, no excerto 1, temos outra comparação, neste caso envolvendo a

bexiga natatória comparada a um saco de ar. O terceiro período do terceiro

parágrafo completa a informação com a metáfora gramatical “quando a bexiga

natatória está com grande quantidade de ar, o peixe flutua com pouco esforço

muscular,” por oferecer eventos conectados numa cadeia causa-efeito, localizados

num único espaço semiótico, o do próprio texto. Este é um artefato linguístico o qual

elenca eventos ocorrendo de forma linear no meio natural.

No quarto parágrafo, o foco volta-se para um fenômeno traduzido pelo termo

técnico “piracema” no qual o processo em si é relegado a um segundo plano

(reprodução com desova após subida de rio). O próximo período promove um corte

de linguagem de aspectos mais objetivos (piabas/peixes) para mais abstratos

(gametas), característicos do discurso científico.

No quinto parágrafo, a metáfora gramatical “milhares de ovos são formados”

dá ênfase à quantidade de ovos associada à garantia da espécie. Muitos eventos

importantes são omitidos, tais como o fato de os ovos serem formados pelos peixes

(fêmeas e machos), quando se encontram no acasalamento etc., caracterizando a

linguagem científica. Outra metáfora é entendida pela expressão “muitos ovos e

filhotes... são comidos,” na realização indireta cujo sentido não pode ser mapeado

diretamente.

Há no sexto parágrafo, novamente, o uso da comparação retórica entre

piabas e peixes, que, nesse caso, parece não explicitar como piabas usam os

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órgãos dos sentidos. Além disso, o emprego de certas expressões técnicas, como

“órgãos dos sentidos” que nem sempre são de domínio dos estudantes, pode

acarretar alguma fragmentação na compreensão do texto, considerando-se que

peixes se diferenciam de outros grupos no que diz respeito à forma como sentem o

ambiente.

Pelos aspectos da linguagem entendemos que os elementos retóricos, termos

técnicos e nominalizados geraram uma tensão entre descrição, narração e

linguagem científica.

A intenção de ensinar o tema peixes, a partir do contexto de vida de um tipo

específico como as piabas, pode ser analisada de duas formas. No seu aspecto

positivo, a menção do nome piaba e os exemplos de modo de vida desse peixe foi

uma estratégia discursiva que procurou evitar processos excessivos de

nominalizações e metáforas gramaticais, mas que mesclados com outros gêneros

textuais podem constituir entraves para o entendimento da linguagem em geral e, da

científica, em particular.

Por outro lado, percebemos que a estratégia de contar a vida das piabas é

interessante quando mesclada à linguagem científica. A estratégia da analogia nos

pareceu importante nesta aproximação, porém parece não ter dado conta da

aproximação em todos os elementos do texto. O que talvez pudesse ser resolvido é

a apresentação dos dois textos separadamente, um com a história de vida da piaba

e o outro texto científico, aludindo ao texto da história do peixe. A tessitura, nesse

caso, parece nos mostrar de forma semelhante com o que encontramos no texto que

dá ênfase à natureza da ciência, que certas formas de dizer são incompatíveis com

outras.

O texto científico faz uso de um conjunto de metáforas gramaticas/

nominalizações que, em geral, pode estar ligado às coerções do próprio gênero, ou

seja, no qual muitas informações precisam ser dadas com um número reduzido de

palavras. A narrativa/descrição, ao contrário, não está presa a esta questão, e o que

vale é descrever com mais detalhes sobre algo ou alguém. Por isso, a junção de

dois gêneros textuais com essas características configura formas que não se

combinam linguisticamente.

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c) Cultura e discurso da ciência

O título do texto da seção “Trocando ideias” do excerto 2 (ANEXO 2) é “A

influência da Lua,” no qual o verbo influenciar (forma não metafórica) torna-se o

nome “influência,” caso típico de uma metáfora gramatical. Nesse título não é

revelado o tipo de influência sobre o que, ou a quem é feita a referência. No caso do

título do texto “A influência da lua” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do

aluno, 8º ANO, p.202), parece haver uma tensão entre estratos da gramática, no

qual o sentido semântico-discursivo não é mapeado ao nível léxico-gramatical e

vice-versa. Portanto, este é um exemplo do que assinalamos sobre a estratificação

da gramática, característica importante de análise para a linguística sistêmico-

funcional. Uma forma não metafórica (congruente) para este título seria “A lua

influencia a Terra/a nossa vida” que, neste caso, mapeia a expressão léxico-

gramatical pelo sentido semântico-discursivo. Este aspecto é relevante quando nos

referimos a livros didáticos que, em geral, possuem pouca continuidade semântico-

discursiva; quer dizer, os textos nem sempre têm uma sucessão encadeada,

buscando ampliação do entendimento. Como já dito, inúmeras vezes, o discurso

científico escolar procura condensar uma série de relações cognitivas/informações

em um número reduzido de palavras.

O excerto 2 começa associando cultura popular às histórias e crenças de

influências da lua sobre a vida das pessoas. A própria expressão “cultura popular”

condensa um conjunto de informações que não aparecem para o leitor/estudante.

Por exemplo, as culturas são locais, algumas mais hegemônicas que outras e a

própria ciência também pode ser entendida como cultura, embora não popular. Além

disso, a “cultura popular” está associada a histórias e crenças construídas por um

agente desconhecido que provavelmente é subtendido pelo termo popular, como

sendo aquela que pertence ao povo.

O termo “popular” pode ter alguns sentidos contraditórios, e ao mesmo tempo

em que pode estar associado a algo democrático, conhecido de todos, pode ser

igualmente entendido como aquilo que é vulgar, de menos importância. No entanto,

o uso da palavra cultura antecedente o termo “ popular” pode trazer um sentido mais

positivo à palavra.

De qualquer forma, trazer para o texto didático à discussão das crenças

parece fundamental. Mas qual o lugar da cultura/conhecimento popular na sua

relação com o conhecimento científico? Em geral, o conhecimento popular é

entendido como diferente/impeditivo ao conhecimento científico, como neste

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exemplo em que o estudo científico (apresentado no excerto) parece concluir que o

nascimento de crianças não tem relação com as fases da lua e, ao contrário, a

crença popular indica essa influência.

O excerto 2 apresenta dois discursos de forma comparativa. Por exemplo, no

primeiro parágrafo é explicitado o conhecimento popular e, no segundo, o

conhecimento científico. Os dois discursos podem aparentar a mesma força

discursiva, mas apresentam assimetrias, tais como, por exemplo, no segundo

parágrafo o conhecimento científico ser mostrado na pessoa de um pesquisador de

uma instituição de ensino federal, o que lhe atribui o status de especialista.

Além disso, as ações sugeridas pelos verbos nos parágrafos são diferentes.

O verbo “construir,” no primeiro parágrafo, associado à cultura popular, parece ter o

sentido de criar histórias e as causas levantadas para estas ideias baseiam-se em

consultas do calendário lunar e as sensações, experimentadas pelas pessoas

(“cicatrizes antigas ardem”). No segundo parágrafo, temos uma ação do cientista

que “resolveu verificar”. Verificar no primeiro parágrafo tem o sentido de consultar

um calendário; neste segundo, tem o sentido de confirmar, procurar a verdade,

corroborar, etc.

Esses dois verbos: “resolveu verificar” são considerados uma locução

perifrástica, ou seja, aquela que transmite certo valor (aspecto, tempo, modo) às

informações suplementares em relação à ação designada (verificar). O verbo

resolver pode ter duas interpretações: achar uma solução ou fazer desaparecer

pouco a pouco (as dúvidas), mas, neste caso, modaliza o discurso veiculando uma

vontade ou desejo.

O trecho “resolveu verificar se as fases da lua realmente influenciam no

nascimento dos bebês” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 8º ano,

p.202) passa por uma vontade do especialista de dissipar a dúvida e, sobretudo, em

buscar o que é verdadeiro pelo sentido dado pelo “realmente” (verdadeiramente).

Os próximos trechos compreendem novas ações (analisar, construir gráfico)

para o alcance da verificação realizada pelo especialista. O verbo “analisar” quer

dizer estudar, examinar, investigar as datas de aniversário e sua relação com a lua

do dia. O emprego de gráficos representa a linguagem científica em combinação

com o discurso verbal, da escrita, de expressões matemáticas, representações

gráficas e visuais e operações motoras no mundo natural, próprias dessa linguagem

(LEMKE, 1998a, 1998c).

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Embora as questões das crenças e cultura popular estejam presentes no

excerto analisado, entendemos que os dois primeiros parágrafos contrapõem estes

conhecimentos (popular e científico) de forma assimétrica pelos motivos expostos.

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6. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Nesse capítulo, vamos apresentar a discussão geral dos excertos (casos da

linguagem em uso) do livro didático em articulação com os tradicionais discursos

encontrados no livro (ciência escolar, mídia, pedagógico, senso comum), e com os

considerados discursos da pesquisa. São eles: (i) o discurso do estudante,

representado no discurso do movimento das concepções alternativas, (ii) o discurso

do agenciamento na construção de conceitos científicos, (iii) o discurso

sociocientífico no estudo do conceito físico da velocidade, (iv) o discurso da certeza

e incerteza no discurso da natureza da ciência, (v) o discurso da linguagem

científica, em diálogo com a linguagem pedagógica (vi) o discurso da ciência e a

cultura popular, entre outros.

6.1 O CARÁTER HÍBRIDO DO TEXTO

Na análise que realizamos não associamos um tipo de discurso da pesquisa a

cada excerto do corpus de análise, embora a lembrança de inclusão de cada um

deles, feita pelos autores, tenha levado em consideração essa relação mais

específica. Além disso, não é possível, segundo Fairclough (2001, p.226), assumir

como dado o papel dos discursos na prática social. Esse papel só é estabelecido por

intermédio da análise. Portanto, essas relações só puderam ficar mais claras, a

partir da análise da conjuntura e da análise textual.

Verificamos na análise da conjuntura que muitas vertentes de pesquisa,

embora separadas por seus componentes teóricos e metodológicos, têm

pressupostos que se assemelham, por exemplo, o diálogo entre movimento das

concepções alternativas e a abordagem do construtivismo, movimento das

concepções alternativas e a vertente de estudo dos modelos mentais e modelagem,

abordagem do construtivismo sociohistórico e a história da ciência. Em geral, várias

destas vertentes aparecem na história, no campo de pesquisa em Educação em

Ciências, com enquadramento teórico emprestado de outro campo de pesquisa.

Por estes motivos, embora possamos entender que discursos permeiam

certas vertentes de pesquisa, alguns estão mesclados de tal forma que sua

identificação objetiva com uma determinada vertente/linha de pesquisa não se torna

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possível. Se nos ativéssemos apenas aos sentidos da linguagem textual

(perspectiva parcial), estaríamos alcançando uma parte da imagem total, da relação

entre essas práticas sociais. Nesse caso, a análise da conjuntura trouxe a dimensão

do contexto social, plano semiótico que a análise, focada somente no texto, não

contemplaria. A seguir, procuramos mostrar a fusão e as principais ideias da

pesquisa em Educação em Ciências recontextualizadas no livro.

No que pudemos identificar na assessoria pedagógica, os intertextos

analisados têm como principal tema a aprendizagem, ou seja, a forma como se

aprende ciências, e as principais informações envolveram o entendimento da

aprendizagem de ciências como linguagem, numa construção do conhecimento em

oposição à aprendizagem por meio de definição e, portanto, com ênfase no

processo da aprendizagem como chegada. Os sentidos associados a essa forma de

aprender envolvem liberdade no aprendizado, caminhos diferenciados,

idiossincrasias. Portanto, a intertextualidade demostra a colonização das ideias da

pesquisa, sobretudo das vertentes do MCA, modelo e modelagem no livro didático,

embora apresentando de forma mais focalizada as demais vertentes analisadas na

tese.

No que diz respeito aos conceitos da ciência, a assessoria pedagógica já

apontava uma maneira diferente para o quesito da memorização, ou seja, uma

abordagem mais voltada à construção do conceito pelo sujeito. Este movimento foi

observado tanto nas formulações discursivas, que estimulavam a construção

individual, como nos processos que sugeriam elaboração conjunta do conhecimento.

Nesse sentido parece haver negociação com a prática pedagógica que tem o

compromisso com a aprendizagem dos estudantes.

Identificamos duas formas de enfrentar questões relacionadas aos termos

técnicos, conceitos ou definições no livro do aluno. A primeira delas procurou

articular o discurso da pesquisa ao movimento das concepções alternativas em

associação com a construção individual ou coletiva dos estudantes (por exemplo, no

excerto 4), e a segunda, com o uso da História da ciência ressaltando os obstáculos

enfrentados pelos cientistas (excerto 3).

Os atores sociais, representados nos textos da assessoria pedagógica, são

os alunos/estudantes, os professores e acadêmicos. Há formas diferentes de se

referir a esses atores, alguns deles são referidos a um grupo como o caso da

expressão “ao questionar professores” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS,

assessoria pedagógica, p.7), o que pode representar a regulamentação de práticas e

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consensos próprios do grupo. Nesse caso parece que levantamentos de concepções

dos professores da pesquisa tiveram mais relevância do que as ações pedagógicas.

No caso do estudante, identificamos diferentes formas de referências a esses

atores sociais, tais como: alunos, estudantes e crianças. Teriam esses atores o

mesmo status social? Outro aspecto complementar a esse diz respeito à associação

entre criança e aluno. Por exemplo, a referência ao texto de Vygotsky explicita como

a criança aprende por intermédio de uma diferenciação, entre aprender no cotidiano

e aprender ciências (leis do equilíbrio). Essa preocupação nos pareceu ser a de

apontar para as questões específicas da aprendizagem da ciência.

Um aspecto relevante a ser mencionado nessa discussão diz respeito à

linguagem empregada no livro “Construindo Consciências,” que parece delinear uma

configuração diferenciada da que, em geral, encontramos em outros livros didáticos

de ciências. O ordenamento hegemonicamente presente no livro didático perfila uma

série de conceitos teóricos e abstratos, por intermédio de uma linguagem repleta de

metáforas gramaticais e nominalizações. Ao contrário, os excertos analisados do

livro Construindo Consciências apresentam uma linguagem que evita certas formas

de nominalizações, termos técnicos, e que procura dialogar com o estudante,

levando-o a refletir sobre os conceitos a serem aprendidos, propondo a construção

constante de ideias, em contraste com a memorização e aprendizagem por

definições, como já assinalamos. Nesse sentido identificamos uma negociação entre

os discursos da pesquisa da vertente linguagem em diálogo com a linguagem

científica.

Além da questão de evitar um número grande de nominalizações foi possível

identificar que nominalizações foram usadas para outras funções que não a de

conformar teorias científicas. Por constituírem realinhamentos de estratos da

linguagem, as metáforas são tradicionalmente empregadas para transformar

léxicos46 o que não acontece com as metáforas gramaticais, pois ao contrário dos

léxicos envolvem movimentos gramaticais que mantêm o significado, diferindo os

significantes (MARTIN e VEEL, 1998). A nominalização “conhecendo piabas”

realinha o verbo conhecer em nome (gerúndio forma nominal do verbo), estendendo

o potencial de sentido tanto do léxico, como também das outras palavras que se

organizam ao redor dele. A função da metáfora, nesse caso, não foi a de expressar

uma teoria científica ou um conceito, mas a de incluir os leitores como conhecedores

de um assunto que servirá de base para aprender sobre o estudo dos peixes.

46

Um mesmo significante sugere diferentes significados (MARTIN e VEEL, 1998).

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Mesmo que tenhamos reconhecido uma instabilidade entre a linguagem na sua

forma narrativa e a na sua forma metafórica, há nesse excerto a colonização da

pesquisa da vertente da linguagem no texto didático.

As escolhas lexicais empregadas de modo geral no conjunto de excertos do

livro didático constituem também aspectos fundamentais para se entender essa

coleção nos aspectos do seu estilo discursivo. O emprego do gerúndio como:

construindo, modelando, viajando, entre outros exemplos citados na análise,

caracteriza a obra didática por uma preocupação com a aprendizagem processual e

contínua. Dessa forma, foi possível entender que os excertos analisados têm a

marca da pesquisa em Educação em Ciências no formato mais dialógico, por incluir

a voz do estudante, concepções alternativas, o discurso do social, da

responsabilização, o discurso da ciência como atividade humana, mutável e em

construção.

Consideramos que o livro didático ciências “Construindo Consciências” revela

mudanças que envolvem formas de transgressão e cruzamento de fronteiras, o que

também não excluiu a reunião de convenções existentes em novas combinações, ou

a sua exploração em ocorrências que comumente se coíbem. Por estas questões,

arriscamos afirmar que a ordem do discurso da ciência foi transformada num

desenho mais democrático e menos categórico no texto do livro analisado.

A seguir, apresentaremos a discussão de alguns dos discursos identificados e

os efeitos de sentido no diálogo entre pesquisa e ensino.

6.2 O DISCURSO DO ESTUDANTE REPRESENTADO NO DISCURSO DO MOVIMENTO DAS CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS

Em geral, livros didáticos não incluem no corpo do texto ou nas atividades

propostas a voz do estudante, a não ser quando, em algum exercício, ao final da

aula ou do capítulo do livro, é pedido que ele(a) responda algum

exercício/questionamento sobre o que foi ensinado. Esse é um aspecto a se

considerar por dizer respeito a questões de poder instauradas no discurso. A sala de

aula (de ciências), assim como outros espaços educativos, ainda compreende

relações muito assimétricas, tanto pela valorização do discurso da ciência, quanto

na voz do professor que o detém. Como mencionamos na análise conjuntural e

textual, o movimento das concepções alternativas procura modificar essa relação e,

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de alguma forma, incluir a voz do estudante no que é ensinado e aprendido em

ciências na escola.

Pelos resultados obtidos, observamos que o livro em questão inclui a voz do

estudante de diversas formas, com objetivos diferenciados e a partir de estratégias

diversas.

6.2.1 Antecipação do erro

Incluir as ideias dos estudantes é tensionar o conhecimento científico pela

desigualdade, assimetria, na proposta de outra racionalidade. Na inclusão do

discurso do outro (em geral minoria), é possível democratizar o espaço de sala de

aula, não havendo apenas um único discurso.

A questão da inclusão de respostas possíveis dos estudantes a problemas

envolvendo o conhecimento científico em antecipação permite

descartar/problematizar respostas não desejáveis como solução ao problema

específico. Essas são questões muito estudadas e com vasta produção na literatura

acadêmica. O estudante passa a entender que as respostas que trazem não são

inéditas, já foram estudadas, se repetem, têm resistência, dizem respeito à faixa

etária, e que podem desmobilizar enfrentamentos, embates cognitivos, embora não

totalmente descartáveis.

Tanto o excerto 4, “O que sabemos sobre luz e visão”, quanto o excerto 5,

“Entre partículas existem espaços vazios,” são exemplos do que estamos discutindo.

Os estudos, envolvendo as ideias prévias e alternativas dos estudantes, na sua

relação com os conceitos científicos, contribuíram muito na sua incorporação, em

aulas de ciências, portanto, não há como desconsiderá-los no que é dito e feito em

sala de aula.

Há, porém, pequenas diferenças entre os dois excertos, os quais, como já

dissemos, estão voltados para a construção do conhecimento. O excerto 5 tem um

endereçamento individual (“qual deles você escolheria?, pode parecer estranha para

você”), enquanto no excerto 4 o endereçamento parece oscilar entre um

comportamento coletivo e o individual.

Consideramos importante problematizar discursos alternativos como sistemas

à parte, como aqueles que não constituem a linguagem da ciência e, portanto, não

autorizados na prática da ciência. Quando, no quadro teórico metodológico, nos

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referimos a ensinar ciências na capacidade do aprendiz em falar, ler e escrever

ciência e antecipar erros nos parece uma primeira etapa para se alcançar esses

objetivos.

6.2.2 A mescla entre o discurso do MCA, modelagem, pedagógico e o discurso da ciência

De certa forma, este item já foi mencionado no anterior, quer dizer, entender

que a solução encontrada não é a única para o problema e que muitas vezes pode

não respondê-lo é algo que precisa ser dito e ensinado aos estudantes nas aulas de

ciências. O excerto 5, “Entre partículas existem espaços vazios,” além de preparar o

estudante para entender a ideia de vazio entre moléculas, ensina que respostas

diferentes a um problema são modelos explicativos, que os estudantes apresentam

modelos diferentes para um determinado fenômeno, compreendendo também que a

ciência tem o seu próprio modelo, para o mesmo fenômeno. Além disso, há para

cada modelo uma discussão sobre o fato de que estes não atendem à resposta

dada pela ciência. Nesse caso, houve uma combinação do discurso do MCA com o

de modelos e modelagem, ambos transformados em discurso pedagógico, ao

ressaltar o que falta e o que é representado de forma equivocada nos desenhos,

servindo de demonstração no excerto.

Aprofundando um pouco mais a questão dos sistemas de conhecimento, é

importante entender que respostas diferentes como sistemas de saber pode oferecer

outro entendimento para o ensino. Em geral, pensa-se que o que se sabe sobre

determinado assunto está relacionada à subjetividade de alguém. Existe uma forma

de pensar que entende que o discurso pertence à pessoa que o enuncia, o que para

ACD não corresponde ao que ocorre. Aquele que enuncia está condicionado pelo

campo semântico dado pela situação da enunciação.

Além disso, há confusão entre o que é um saber de conhecimento e um saber

da crença, sendo que o segundo refere-se a julgamentos e a valores que atribuímos

ao mundo. Na análise que realizamos, identificamos que, ao saltar da linguagem das

concepções alternativas e modelagem para a linguagem da ciência, há uma ruptura

devido ao apagamento do agenciamento, as abstrações nas generalizações,

questões nem sempre percebidas pelo leitor. Portanto, entender o discurso da

ciência como um sistema de saber pode contribuir nas distinções que se fazem

necessárias aos saberes que concorrem com o ensino de ciências.

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6.2.3 O discurso normativo do professor e o discurso do MCA

O discurso normativo é um discurso que permeia a sala de aula todos os dias.

Pode ser traduzido como aquele discurso que vem do “legislador” dotado de poder e

autoridade. No caso da sala aula, vem representado no discurso do professor

(preste atenção; faça isso, não aquilo; silêncio, por favor). Em geral, esse discurso

regulamenta as condutas na realização de uma tarefa social. Identificamos esse

discurso em articulação com o da voz do aluno em confluência com ideias

alternativas.

A forma de incluir a voz do professor associada ao discurso do estudante

(ideias prévias) parece afastar alguns dos comentários que fizemos nos dois itens

anteriores. Diferentemente da antecipação ao erro e do entendimento da ciência

como sistema de conhecimento, o discurso normativo pretende convencer pela

coerção, prescrição, como no exemplo, “preste atenção! Todas essas conclusões

estão erradas (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9 º ano, p.62).

Não há, neste trecho, explicação, algum tipo de raciocínio esclarecendo as

razões de certas ideias estarem erradas, como realizado nos exemplos anteriores. A

base para argumentação, nesse caso, foi o certo e o errado, portanto não está claro

para o leitor(a) por que fenômenos observados macroscopicamente não têm

correspondência no mundo microscópico, como no exemplo analisado. A

aproximação do discurso das ideias alternativas e o discurso normativo do professor

parecem tensionar a relação entre conhecimento científico e ideias que os

estudantes trazem sobre os fenômenos científicos.

6. 3 O DISCURSO DO AGENCIAMENTO/DIALOGISMO NO DISCURSO DO CONSTRUTIVISMO

Muito se fala da linguagem da ciência como aquela que, além de excluir o

agenciamento, compreende um conjunto de entidades (por exemplo, brânquias,

moléculas, velocidade) que dificultam a aprendizagem. A ausência de agência pode

contribuir com o não entendimento da causa e responsabilização da ação

envolvendo a informação a ser comunicada.

O discurso do construtivismo pedagógico mostrou-se contrário à

nominalização comum nos textos didáticos de ciências. O excerto 5, “Entre

partículas existem espaços vazios,” parece aclarar o que destacamos. Como vimos

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nas análises, a primeira etapa deste excerto envolveu a desconstrução de ideias,

significando um conjunto de conhecimentos prévios dos estudantes, por intermédio

de modelos, para depois, por meio de poucas nominalizações, apresentar o

conhecimento científico e responder ao modelo molecular das substâncias. Isso

significa que a intenção foi se afastar do movimento do discurso da ciência escolar

(que acompanha o movimento da linguagem da ciência), o qual a maioria das coisas

ocorrendo no mundo se transforma em nomes, um mundo feito de coisas, ao invés

de um mundo de acontecimentos. Halliday e Martin (1993) apontam que os

estudantes reagem a essa realidade imposta pela linguagem da ciência.

Dessa forma, gostaríamos de argumentar que os textos do livro didático não

necessariamente acompanham as formas linguísticas da linguagem da ciência, e

nem por isso deixam de ensinar o conhecimento da ciência. Mesclar textos de outras

formas linguísticas tais como o que inclui agenciamento e diálogo com os estudantes

ameniza e é um contraponto para a aprendizagem da linguagem metafórica da

ciência.

O fato dos excertos analisados mesclarem elementos discursivos voltados ao

diálogo, agenciamento do leitor, interação entre os interlocutores, aspectos da

pesquisa em Educação em Ciências (história da ciência, construção do

conhecimento, concepções alternativas entre outros) e o discurso da ciência,

possibilita uma submersão maior, tanto na aprendizagem da ideia de espaço entre

as moléculas como no entendimento de modelos científicos aspecto fundamental da

natureza da ciência.

6.4 O DISCURSO DO SOCIAL E O DISCURSO DA PESQUISA EM CTS

A vertente da pesquisa chamada CTS, como mostramos na conjuntura da

tese, nasce com a responsabilidade interdisciplinar de agregar ciência, tecnologia e

sociedade e atualmente tem incluído também a dimensão ambiente em suas

preocupações.

Em geral, a ciência parece não se envolver com dimensões da vida social,

nos problemas sociais e suas soluções; por exemplo, no que se referem às questões

ambientais, as resoluções quase sempre se expressam mais na forma de controle

de consequências coletivas de danos às comunidades.

A linha de pesquisa CTS, concebida a partir de visão interdisciplinar, procura

dar conta dessas dimensões sociais não presentes no conhecimento científico.

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Portanto, visa ao questionamento e inclusão de disciplinas, que associadas às

científicas, contribuiriam no avanço das problemáticas envolvendo o trânsito nas

grandes cidades, o uso do celular e o perigo dos transgênicos para a saúde humana

etc.

Pode ser que textos que incluam questões sociais em interseção com o

discurso da ciência devam tangenciar questões ausentes (o indiscutível) nos

debates em nossas sociedades. Por exemplo, qual o lugar da lentidão, da vagareza

no trânsito?

Parece-nos relevante salientar o aspecto presente no excerto 6, “Viajando

com segurança”, que faz sentido na discussão da pressa, rapidez em nossa

sociedade, nem sempre explícita no tema velocidade. A concepção de velocidade

parece não incluir graduações, tais como, pouca, média e nenhuma velocidade. O

que aparenta ficar de fora é a principal razão da discussão, a de que para realizar

deslocamentos humanos, de forma rápida, há a exigência de poder aquisitivo (carro

próprio, aviões). Portanto, quem não pode se deslocar dessa forma por não ter como

pagar vive em transportes públicos que, por funcionarem de forma precária,

contribuem para a pouca eficiência espaço-tempo de trabalhadores das grandes

cidades.

Por esse e outras motivos consideramos os textos que buscam incluir

aspectos do discurso CTS ainda inconclusos para as problemáticas sociocientíficas.

Por outro lado, a ideia de discutir velocidade, para além do conceito da física, nos

pareceu uma mudança discursiva bem recortada e não identificada em perspectivas

de ensino, no campo da Educação em Ciências.

Tal como apontado por Martins (2007), a ausência de questões estéticas,

intuitivas e emocionais da criatividade científica nos materiais educativos tem

contribuído para um sério afastamento entre a ciência e as questões sociais

(MARTINS, 2007).

6.4.1 O discurso da confiança, risco e responsabilização

Em geral, as habilidades de avaliar evidências e formular conclusões são

importantes ao letramento científico. Ainda assim, mesmo tendo acesso às

evidências sobre o uso de tecnologias, as pessoas acabam deferindo aos

especialistas julgar a confiabilidade das fontes, uma vez que certos conceitos e

conhecimentos científicos são muito difíceis ao público leigo (CHRISTENSEN,

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2007). Tomar decisão tem sido uma tarefa mais complexa do que parece,

principalmente pelos aspectos que já discutimos das incertezas que rondam a

ciência. Alguns estudos consideram, por exemplo, que o principal item que as

pessoas avaliam como risco relaciona-se diretamente ao grau de possíveis danos

que certas tecnologias ou procedimentos acarretam à sua integridade física,

deixando de lado outras facetas do problema.

O texto “Viajando com segurança” é um excerto que pode contribuir com essa

discussão na questão do trânsito. O excerto 6 dirige a maioria das perguntas a

posicionamentos individuais e é bem possível que a maioria das soluções oferecidas

pelos estudantes, possa estar vinculada aos danos individuais como assinalamos. O

que identificamos é que, mesmo com todos os esforços de incluir na pauta os

problemas sociocientíficos, a maioria dos textos que buscam um discurso social,

ainda propõe uma postura de responsabilização voltada para o indivíduo, mais do

que para o coletivo, ou seja, com pouca interferência social e institucional.

Portanto a aposta feita, ao final do excerto 6, relacionando pessoas educadas

com melhor possibilidade de lidar com dispositivos tecnológicos pode nem sempre

dar conta do letramento científico almejado. Talvez seja interessante pensar se o

contrário, por exemplo, pessoas com pouca escolaridade teriam igualmente

condições de tomar decisões, em relação às questões científicas com implicações

sociais. Há que se perguntar com que reflexões o ensino de ciências tem contribuído

para a tomada de decisão nas sociedades atuais?

6.4.2 O discurso da ciência como prática humana em interseção com a História da Ciência e CTS

Consideramos pela análise realizada que mesclar características da

linguagem científica (nominalização, apagamento do agenciamento) afasta a

possibilidade de construir um sentido de ciência como prática humana.

Consideramos igualmente que, focar nos cientistas e em seus experimentos,

embora relevante por trazer a dimensão da ciência como prática humana, ainda

inclui o risco de configurar uma abordagem recortada de episódios históricos,

desmembrados de uma panorâmica da história, pela ausência de aspectos

socioculturais a influir no que se pesquisa e produz em ciência.

Pareceu-nos que, comparando os dois excertos 6 (Viajando com segurança”)

voltado para a vertente CTS, e o 3 (Avaliando evidências sobre a nutrição dos

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vegetais) voltado para a História da Ciência, o primeiro apresentou melhores

condições de interseção com o discurso da ciência como prática humana.

Arriscamos uma razão para o fato do discurso da ciência como prática

humana configurar melhor aderência ao discurso CTS: parece-nos que discurso,

nessa vertente, possibilita articular “o conhecimento científico com o seu uso social

como modos elaborados de resolver problemas humanos” (SANTOS, 2007, p.487).

Mesmo assim, entendemos que tanto o discurso do CTS, como o da História

da Ciência ainda precisam ser mais explorados no aspecto discutido e nas suas

potencialidades em relação ao ensino de ciências.

6.4.3 O discurso do especialista x da cidadania no discurso CTS

Implicar os estudantes de forma a que pensem sobre as questões rotineiras

com estranhamento permite abalar a estrutura de confiança nos sistemas de

especialistas, possibilitando requalificação e empoderamento (GIDDENS, 2002,

p.134). Para Giddens (2002), vivemos

num sistema sem autoridades definitivas, mesmo as crenças mais acalentadas subjacentes aos sistemas especializados estão abertas à revisão, e comumente alteradas de maneira regular. O empoderamento está disponível para o leigo como parte da reflexividade da modernidade, mas muitas vezes há problemas sobre como esse empoderamento se traduz em convicções e em ação (GIDDENS, 2002, p. 133).

Os sistemas de especialistas, as referências às estatísticas oficiais, o discurso

biológico são utilizados para construir os argumentos de “autoridade” e fatos sociais

(vítimas, hospitais, pacientes, plano de saúde, dor e morte) relevantes para a

retórica das consequências da velocidade no trânsito.

Esta perspectiva nos leva a problematizar em que medida tem ocorrido o

desenvolvimento da formação cidadã, uma vez que ainda continuamos a delegar a

um grupo pequeno aquilo que é bom para a maioria das pessoas, assinalado como

naturalização e universalização de discursos. Nesse contexto, o empoderamento se

constrói pela dissolução do consenso naturalizado, proporcionando maior

reflexividade por parte do estudante. O estudante é levado a considerar os diversos

aspectos da educação para compreender, por exemplo, no conceito de velocidade,

tanto aquilo que constitui sua parcela individual como no que é do âmbito das

instituições ao formular as leis, na construção de estradas de qualidade, na

formação de profissionais que controlem o trânsito, entre outros aspectos.

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6.5 O DISCURSO DA CERTEZA E INCERTEZA NO DISCURSO DA NATUREZA DA CIÊNCIA

O excerto 3, “Avaliando evidências sobre a nutrição dos vegetais”

(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, p.151- 154), parece conformar

uma visão realista da ciência, ou seja, aquela que apresenta uma correspondência

entre teoria e realidade. Esse tipo de visão está associado ao que é certo e errado,

atual ou imaginário, fato ou ficção. Em geral, o realismo tem como base o ceticismo,

e certo objetivismo de que o mundo independe do conhecimento que dele temos.

Essa forma de pensar leva o estudante à ideia de que discurso e conhecimento não

são autoreferenciados e, por isso, falíveis. No caso das ciências sociais, essa visão

não faz sentido, uma vez que o fenômeno social é conceitualmente dependente e as

teorias influem na prática social; por isso, o social não tem como ser independente

do conhecimento que temos sobre ele.

Para o realista o conhecimento é útil porque é verdadeiro e, no caso da

ciência, este aspecto é mais do que útil, uma vez que o conhecimento se faz bem

sucedido, ou seja, a verdade tem a ver com adequação prática. Essa questão tem

relação com a linguagem que não apenas descreve o mundo, mas ela mesma é

performática, ou seja, cria objetos que passam a fazer parte do mundo.

No caso do excerto 3 estudado, a questão da natureza da ciência surge

quando a relação estabelecida no texto entre respostas diferentes a um mesmo

problema é representada com sentido de erro. Parece-nos que, se conferimos às

narrativas históricas e ideias passadas o status de erros, duas consequências

podem influir no ensino: a primeira a de que há o pressuposto de que o que se

busca na ciência é pelo certo/verdadeiro e, nesse caso, voltamos à ideia de uma

ciência empírico-dedutiva e, segundo, que ideias erradas do passado conferem a

esses estudos uma visão de incerteza.

A tarefa de falar sobre a ciência em textos didáticos não é simples, há limites

impostos pela própria linguagem. Alguns limites dizem respeito às visões que

confundem (a) o caráter tentativo das explicações científicas com indefinição e (b)

incerteza com ceticismo. Identificamos também que algumas formulações de

explicações científicas nos livros didáticos, especialmente as que possuem

características típicas da linguagem da ciência - altamente metaforizada, com baixa

complexidade gramatical e alta densidade léxica -, podem favorecer estas visões.

Quer dizer, ao tratar as atividades da ciência como entidades científicas, os aparatos

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usados na linguagem metaforizada da ciência são incorporados ao texto,

transformando a própria prática da ciência em teoria.

Dessa forma, entendemos que, por um lado, a discussão sobre a natureza da

ciência do excerto 3 e nos léxicos empregados apontou para a ideia de incerteza na

produção do conhecimento científico; no entanto, a forma como o texto está

configurado (indeterminação do sujeito e falta de agenciamento) parece mostrar um

sentido contrário a essa ideia, tendo como produto uma ambivalência de sentido no

texto.

Podemos atribuir à ambivalência identificada a inerente complexidade dos

textos didáticos analisados. O fato de que as produções discursivas resultam da

articulação de discursos diversos, tais como o do cotidiano, o cientifico e o discurso

da pesquisa, permite afirmar que, de acordo com a ACD, articulados, esses

discursos produzem textos híbridos que negociam visões de mundo nem sempre

consensuais.

6.6 O DISCURSO DO COTIDIANO EM ARTICULAÇÃO COM O DISCURSO DA CIÊNCIA E CTS

Uma forma de enfrentar os problemas da aprendizagem do conhecimento

científico é fazer com que os estudantes entendam que a linguagem da ciência é

diferente da linguagem cotidiana. Já dissemos que o livro em questão enfrenta esse

problema, suavizando o emprego de nominalizações e metáfora gramaticais. No

entanto, a linguagem científica tem que ser aprendida. Não é possível transformá-la

em outra qualquer.

Muitos foram os exemplos nos quais identificamos a articulação entre os

discursos da ciência e o do cotidiano. O excerto 1, “Vida de piabas,” nos pareceu a

tentativa que mais caracteriza as diferenças entre esses discursos, por isso uma

estratégia interessante na articulação entre diferentes visões de mundo ou sistemas

de crença.

No entanto, pelos aspectos da linguagem, os elementos retóricos e

nominalizados geraram uma tensão entre os dois gêneros textuais e por isso

consideramos que para entender essas mudanças na linguagem o (a) professor(a)

precisa estar ciente da assessoria pedagógica, de forma a mediar ativamente a

passagem de uma linguagem à outra, ao lidar com o texto em sala de aula.

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No que diz respeito ao discurso CTS o excerto 6, “Viajando com segurança,”

inclui o discurso do cotidiano hibridizado ao discurso da ciência menos tensionado,

incorporando fundamentos do discurso CTS, quais sejam, a ênfase dada aos

compromissos da ciência/tecnologia e o municiamento dos estudantes com

argumentos, informações e posições críticas em relação ao problema da segurança

no trânsito, na vida das pessoas e, na sua própria vida.

6.7 O DISCURSO DA CULTURA EM ARTICULAÇÃO COMO DISCURSO DA CIÊNCIA

O excerto 2, “A influência da Lua”, parece ter sido o único caso da

incorporação do discurso da cultura em articulação com o discurso da ciência. Em

relação à análise desenvolvida, entendemos que a articulação não se deu de forma

harmoniosa, devido à questão do lugar dos atores sociais e seus poderes; de um

lado, o conhecimento adquirido pela vivência, permeado de valores e crenças das

pessoas comuns, e de outro, o conhecimento legitimado do pesquisador.

Esse discurso contém em si mesmo um desnivelamento de poder indicado

por posicionamentos ideológicos, nas atividades dos atores sociais no texto.

Segundo Resende e Ramalho (2009), quando discursos entram em competição em

um texto, um deles ocupa o lugar do protagonista e outro o do antagonista. E a

articulação, nesse caso, se faz na negação de um dos discursos em relação ao

outro.

Entendemos que uma parte, a dos atores sociais (pessoas), teve agência

ofuscada, enquanto a outra (pesquisador brasileiro) sobressaída no texto. Por isso,

consideramos que as questões que problematizam o texto podem dar a entender

que respostas associadas às crenças populares não tem lugar no conhecimento

humano.

O ensino de ciências, cada vez mais, abarca responsabilidades que, se por

um lado aumentam a importância desse campo disciplinar, por outro, podem

inviabilizar competências para sua efetivação. Questões interdisciplinares sugeridas

como formas de trabalhar certos conceitos, nas diversas disciplinas, nos parecem

ainda pouco viáveis no ensino, uma vez que não há exemplos claros de sua

transposição didática.

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6.8 O DISCURSO DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NO LIVRO

DIDÁTICO CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS

Por fim, como vimos na discussão desenvolvida, a pesquisa da Educação em

Ciências, por ter, ela mesma, uma dimensão interdisciplinar na inclusão de

referenciais teóricos diversos, incorporadas aos excertos, nem sempre dá conta de

mobilizar da forma como sugerida nas diversas abordagens a melhoria que se

espera para o ensino de ciências, com a inclusão das dimensões sociais e culturais.

Reconhecemos que há de fato a interseção das vertentes de pesquisas,

aprofundadas na conjuntura desta pesquisa, no texto do livro didático, mesmo que

em ambivalência/prevalência/equivalência com a linguagem da ciência, em

consonância/conflito com o discurso da ciência escolar, indicando movimentos

discursivos em andamento.

Muitos desses movimentos discursivos são mais complexos do que pudemos

observar pelas análises realizadas. O trabalho discursivo a ser realizado, para

promover a incorporação no discurso da ciência escolar, uma ou mais dimensões

das vertentes de nossos estudos, fruto das pesquisas que realizamos, demanda um

conjunto de investimentos diversos, por serem altamente recursivo, envolvendo

inúmeras reelaborações, direcionadas a transformar formas tradicionais instaladas

no discurso da ciência escolar.

O livro didático de ciências, nessa pesquisa, tem a natureza de objeto de

fronteira entre práticas sociais diferenciadas. Portanto, o livro didático pode ser

caraterizado tanto como um espaço que permite a travessia, como também da

dificuldade, do embate imposto pelo movimento do cruzamento da fronteira. Esse

espaço, que a princípio não pertence a nenhuma das práticas, pode ser comparado

a “uma terra de ninguém”, portanto um lugar de disputas (AKKERMAN e BAKKER,

2011, p.141). A pesquisa que realizamos deu ênfase à transferência de ideias, do

ponto de vista da pesquisa, e, portanto a incorporação das ideias pautadas pelas

perspectivas da prática da pesquisa em Educação em Ciências e, no entanto,

percebemos que, em certos momentos a lógica da perspectiva do ensino

predominou sobre a da pesquisa.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tese apresentada é uma investigação altamente contextualizada por voltar-

se a um conjunto pequeno de textos, imersos em uma conjuntura específica,

entrelaçados em uma série de associações projetivas, respondendo à tradição de

pesquisa a qual estamos vinculadas.

Além disso, foi tecida da mesma forma como se faz uma roupa ou vestimenta,

ou seja, no seu fazer, muitos aspectos foram retomados, reajustados,

reorganizados. Quer dizer, foi necessário realizar movimentos tais como o de

retomar aspectos do plano inicial, identificando a possibilidade de articulação entre

pesquisa e ensino, o de juntar elementos do corpus às análises tanto na redução

como na ampliação dos excertos do estudo, todos eles pertinentes a questões

levantadas no relatório de qualificação, entre outros.

Como dissemos nos capítulos iniciais, a existência do texto mesmo antes da

sua exteriorização é real, fato esse que se fundamenta pelas ideias que resistiram

até o final, mas que, por outro lado, somaram-se a novas escolhas aventadas ao

longo da pesquisa, permitindo o inusitado, a perturbação, o não esperado.

Uma das questões que mais atraiu nessa pesquisa foi, sobretudo, a

possibilidade de investigar, via esse livro didático, momentos da prática social, nos

quais domínios vistos contemporaneamente como apartados figuram em

aproximação, com todos os percalços que podem influir na avizinhação.

Uma questão que apareceu por intermédio da análise do corpus de pesquisa

foi a de que os fatos textuais (performáticos) revelam perfis fascinantes da

linguagem produzida e as suas ocorrências nos surpreenderam. Surpreenderam

porque essa foi a primeira vez que nos voltamos para aspectos do discurso. Em

geral, o que os analistas do discurso alcançam pelo corpus não é exatamente o

discurso, mas a descrição do texto.

De qualquer forma, ousamos caracterizar alguns discursos tais como o

discurso do estudante, o discurso da certeza, o discurso do social, o discurso

normatizador, o discurso pedagógico, entre outros. Isto foi feito com base em

inferências a partir de evidências retiradas de recursos textuais que se remetem a

um ou mais discursos de origem, e nos quais reconhecemos alguma intenção pelo

entrelaçamento de contextos.

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Os fatos textuais revelaram uma realidade sobre o uso da língua, que até

então não era tão evidente para nós pesquisadoras e que, arriscamos dizer, de certa

forma nem para os produtores do texto. A princípio parecia que a pesquisa em

Educação em Ciências, suas vertentes e ideias seriam identificadas em uma forma

mais próxima da original, principalmente por intermédio de termos específicos e

expressões particulares. Entretanto, reconhecemos imediatamente que, como

mostrado nas análises, na passagem de ideias de uma prática à outra, são muitos

os movimentos de recontextualização.

Widdowson (2010) considera que o corpus de análise lida com o que é

textualmente atestado, mas não com todas as facetas do problema possíveis de

codificar ou decodificar, nem mesmo em circunstâncias em que o contexto é

totalmente apropriado (WIDDOWSON, 2010). Essas questões não têm a ver com

uma desvalorização do corpus, mas com a de deixar mais claro o verdadeiro valor

que se deve dar a essa dimensão da pesquisa.

Os textos que compõem o corpus têm uma realidade refletida: eles só são

reais por causa da realidade pressuposta de que são traços. Esse fenômeno é

chamado descontextualização da linguagem, que faz com que ela seja parcialmente

real (WIDDOWSON, 2010).

A capacidade que a linguística tem de atestar é tão parcial quanto a

linguística permite, pois depende da linguagem e de como o assunto é projetado em

referência a, melhor dizendo, em deferência à evolução da disciplina linguística.

Retomando as considerações que resistiram na tese, entendemos que essas

podem ser resumidas ao potencial do livro didático em estudo em incluir articulações

entre a pesquisa em Educação em Ciências e o ensino de ciências e na premissa de

que por fazerem parte de práticas sociais diferenciadas a pesquisa não tem

comparecido no ensino de ciências, e, portanto, não tem informado o livro didático

de ciências, o que não constitui verdade para o caso específico estudado nessa

tese.

Em relação ao problema inicial de pesquisa, ou seja, a como as ideias da

pesquisa em Educação em Ciências se incorporam ao livro didático, no objetivo de

criar inteligibilidade sobre diálogos em complementariedade, contraste,

anacronismo, consenso, negação, no contexto dessa tese específico nos parece que

os resultados levam a pensar que esse caminho inaugura possibilidade importante

para as questões focadas no ensino de ciências. O estudo mostra que são muitas as

possíveis articulações proporcionadas por essas instâncias sociais. Por outro lado,

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chamamos atenção, mais uma vez, para o fato de que as articulações apontadas na

tese não são as únicas postas na relação pesquisa e ensino.

Entendemos também que, pelos motivos aqui apresentados com base na

literatura do campo, o livro didático, ao invés de ocupar o lugar de objeto de crítica

das pesquisas, no que se refere à estabilidade do currículo de ciências, deveria

igualmente ser considerado como o lugar do questionamento das ordens do discurso

que hegemonicamente operam nesse instrumento pedagógico.

Quer dizer, uma forma de mudar o ensino de ciências é mudar o livro didático

de ciências nos diversos aspectos apontados nessa tese, tais como na incorporação

da voz do estudante em quantidade suficiente, para que se reconheçam como

sujeitos retratados no livro, na possibilidade que o estudante tem de aprender

socialmente via livro didático, no discurso cujo foco é o de apresentar a ciência como

prática social e institucional, nas diversas formas assumidas pelo discurso da

ciência, na confluência dos elementos da linguagem tais como agenciamento,

processos relacionais na dimensão social do conhecimento científico, no

desenvolvimento de atitudes emancipatórias coletivas ao invés das individuais nos

problemas apresentados, na aproximação necessária entre a linguagem científica

com a linguagem cotidiana, para citar alguns dos aspectos discutidos nessa tese.

Fairclough (2003) entende que a estrutura social mantém o grau de

estabilidade das práticas sociais, mas considera também que textos podem atuar

casualmente sobre essas estruturas provocando pequenas mudanças, pequenas

rupturas nos modos de representar e agir próprios daquela prática.

Como produto social, vinculado à produção, circulação e recepção de textos

por sujeitos participantes das práticas discursivas, o livro didático analisado se

contrapõe à lógica hegemônica a partir dos textos elaborados em co-construção,

mesmo considerando a alta exposição à colonização do mercado editorial e

institucional a que está sujeito.

Muitos aspectos das vertentes de pesquisas, tais quais as das abordagens

construtivistas foram recontextualizados nesse livro e as maneiras encontradas para

isso foram diversas. Consideramos que o discurso das concepções alternativas, seja

pelo destaque ao papel do erro e à voz docente, seja na opção construída de filiação

a modelos configurando uma forma diferenciada ao modelo hegemônico, tem muito

espaço no livro que analisamos, em oposição à recorrente e estável maneira de

assertivas nos discursos presentes no livro de ciências tradicionais.

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Mas uma vez salientamos que esses aspectos isolados não garantem as

mudanças requeridas no ensino de ciências, mas que a pesquisa que realizamos

trouxe à tona discursos que costumam tradicionalmente serem ignorados no ensino,

considerados neste contexto como pequenas rupturas provocadas nos efeitos de

sentidos do diálogo entre pesquisa e ensino de ciências, identificadas no livro

Construindo consciências.

Entendemos que essas foram algumas das facetas exploradas pelo livro

didático em análise que por articular discursos nem sempre presentes nas aulas de

ciências, muitas vezes configuraram inciativas que não encontraram espaço

complementar ao discurso da ciência.

7.1 O LIMITE ESPERADO

Um aspecto a ser lembrado, no final desta tese, diz respeito às limitações no

tocante às conclusões da análise em um trabalho como o nosso.

A questão da representatividade, neste enfoque, depende sobremaneira dos

interesses que nós, como pesquisadoras, tensionamos na pesquisa, levando sempre

em consideração que os resultados da mesma serão cada vez mais genéricos ou

pontuais quanto maior o corpus, tanto em número de ocorrência de palavras quanto

de gêneros textuais (RODRIGUES JÚNIOR, 2005).

Uma questão que ainda precisa ser mais aprofundada diz respeito às políticas

curriculares, aos procedimentos editoriais e à interferência que estes têm na

articulação entre pesquisa em Educação em Ciências e ensino. Por exemplo, os

autores, como agentes sociais que confeccionam textos, estabelecem relação entre

os elementos dos textos, mas não são totalmente livres em suas concepções e

intenções para o livro. Podemos pensar que o processo de escrita de livros como

este, em geral, se dá em um contexto no qual não há total autonomia. Há restrições

estruturais no processo – tais como, por exemplo, a própria configuração

composicional do livro, recomendações curriculares, a prática pedagógica, entre

outros.

Não é comum encontramos um livro didático que contenha um capítulo

apenas com experimentos ou com elementos da História da Ciência, ou ainda um

capítulo totalmente voltado a questões sociais envolvendo a ciência, essas questões

estão mais articuladas e afins a certos temas, o que não ocorre com todos.

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Verifica-se, complementando o que foi dito, que, ao longo da história, o

sujeito-autor vem perdendo status pelos limites, padrões e exigências postos em

relação às obras, contribuindo para o sucessivo apagamento da autonomia desses

sujeitos (SOUZA, 1999).

Mesmo com toda a preocupação que os autores tiveram com apresentação

da proposta de forma bem clara e objetiva, ainda há muito a fazer, quando a

intenção é a interseção entre a pesquisa e o ensino. Como dissemos, nas análises

textuais, nada garante que o professor leia a assessoria pedagógica, e mesmo que a

lesse, não há garantias acerca de um pleno entendimento de que as concepções

prévias serão valorizadas, do sentido que a pesquisa traz pra ele, do papel dos

modelos, da história da ciência e assim por diante.

Sabemos que o professor irá utilizar ideias reelaboradas e muitas das

atividades sugeridas, mas, pelo fato de apresentarem nova abordagem, requerem a

leitura prévia da assessoria pedagógica, e embora compreendam atividades

simples, essas ainda demandam muita mediação.

As redes de discursos são poderosos encadeamentos visando a que certos

discursos sejam mais presentes, estáveis e universalizados, portanto estudar uma

parcela da prática social não demonstra como as características gramaticais

manifestas nos textos se relacionam e estão em associação com outras

características co-selecionadas. Por exemplo, não ficaram claro nessa pesquisa o

porquê de certas ideias estarem associadas às específicas vertentes de pesquisa e

ligadas ao discurso pedagógico. Quer dizer, o porquê de um discurso se tornar mais

fluente que um outro.

7.2 ESTUDOS FUTUROS

Consideramos que um dos maiores limites identificados no item anterior é o

da possibilidade de aprofundar questões do discurso relacionadas às vertentes de

pesquisa na sua relação com o ensino de ciências. Quer dizer, levadas pelo

conjunto de vertentes de pesquisas mencionadas pelos autores, procuramos dar

conta das inúmeras possibilidades de articulações entre pesquisa e ensino. No

entanto, entendemos que selecionar uma delas e mergulhar nas questões

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levantadas pode ser uma estratégia que traga outras interpretações que esta tese

não vislumbrou.

Um aspecto que não exploramos nessa tese e que complementaria nossos

estudos tem a ver com a leitura e a recepção desses textos por leitores para os

quais são endereçados, entre eles, avaliadores de livros didáticos, professores e

estudantes. Provavelmente teríamos diferentes formas de elaborações a partir de

um mesmo excerto de texto.

A questão de não historicizar a autoria foi uma opção que tivemos que tomar

e que pode ser mais aprofundada em trabalhos posteriores. Não discutimos a

questão da identidade do grupo que autora esse livro didático, embora tenhamos

apontado algumas características do grupo. Em outras palavras, a opção foi por

concentrar a atenção na articulação da pesquisa em Educação em Ciências e o

ensino de ciências. Entretanto, estudos futuros poderão incluir e problematizar

outras dimensões de estilo.

Outra consideração importante diz respeito ao fato de que o recorte adotado

deixou de lado algumas vertentes de pesquisa. Um exemplo diz respeito à questão

do papel das imagens em articulação com o texto, ou seja, considerações acerca da

natureza multimodal dos discursos científico e científico-escolar. Futuras

investigações, no contexto desta e de outras obras, poderão esclarecer a respeito

das incorporações de resultados de vertentes pesquisas emergentes na área.

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ANEXO 1

Vida de piabas

Conhecendo as piabas, é possível identificar muitas características dos peixes. Piabas são peixes pequenos de água doce, encontrados em corredeiras de rios e riachos em todo o Brasil. Possuem brânquias localizadas atrás de uma espécie de tampa chamada de opérculo. Movimentam-se na água sem muito esforço. Como todo peixe, possuem nadadeiras e um formato de corpo que facilita o deslocamento na água.

Assim como muitos peixes, as piabas também possuem escamas na pele e glândulas que produzem um tipo de muco. O muco é um material transparente que lubrifica a pele, facilitando o deslizamento dos peixes na água e protegendo seu corpo contra a entrada de organismos causadores de doenças.

Dentro do corpo – como muitos peixes - as piabas possuem um saco de ar, chamado bexiga natatória. Esse órgão auxilia a flutuação do peixe na água, em diferentes profundidades. Quando a bexiga natatória está com grande quantidade de ar, o peixe flutua com pouco esforço muscular. Veja a figura a seguir:

As piabas têm facilidade para viver em corredeiras. Nas primeiras chuvas do ano, esses peixes fazem a piracema. Os gametas do macho e da fêmea – espermatozóides e óvulos – são lançados na água ao mesmo tempo. O encontro dos gametas ocorre na água e dá origem aos ovos de onde nascerão os filhotes.

Em geral, milhares de ovos são formados, mas poucos chegam à fase adulta, garantindo a sobrevivência da espécie. Muitos ovos e filhotes nascidos são comidos por outros animais.

Assim como as piabas, todos os peixes possuem órgãos dos sentidos por meios dos quais percebem estímulos da água. Com o olfato, os peixes podem encontrar alimentos e os parceiros da mesma espécie. Os movimentos da água são captados por uma estrutura do corpo chamada linha lateral.

As piabas são de grande importância em nossas águas. Elas servem de alimento para peixes maiores e alimentam-se de algas, ovos de outros peixes e larvas de insetos, como as do Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue e da febre amarela.

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ANEXO 2

A influência da Lua

A cultura popular construiu várias histórias e crenças acerca da Lua e de suas possíveis influencias em nossa vida. Existem pessoas que não cortam os cabelos sem antes verificar o calendário lunar. Algumas afirmam que as cicatrizes e machucados antigos sempre ardem quando “muda a lua”. Outras, ainda, afirmam que nascem mais bebês nos dias em que ocorrem as mudanças de fase da lua.

O pesquisador brasileiro Fernando Lang da Silveira, do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio grande do Sul, resolveu verificar se as fases da lua realmente influenciam no nascimento dos bebês. Para isso, ele analisou as datas de nascimento de 93124 candidatos a vestibulares realizados na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Em seguida construiu um gráfico que relaciona o número de nascimentos com o dia do mês lunar.

(gráfico retirado do texto “Marés, fases da Lua e bebês” de Versão ampliada do artigo A LUA OS BEBÊS, publicado em Ciência Hoje, Rio de Janeiro, vol.29, n. 170: p. 47; abril de 2001, de Fernando Lang da Silveira)

A seguir, apresentamos um texto com algumas das conclusões do pesquisador. Leia-o com atenção e troque ideias com seus colegas sobre as questões que se seguem.

“Observa-se no gráfico que o número de nascimentos oscila em torno de 3300 por dia. O maior número ocorre no dia posterior à lua nova (3425) e o menor, três dias antes da cheia (3210). Um teste estatístico permite concluir que as diferenças dos nascimentos ao longo do mês lunar estão dentro do limite do acaso...

O estudo contradiz, portanto a alegação de que nos dias das quatro fases principais da lua aumenta o número de nascimentos. Serão verdadeiras as outras tantas influências atribuídas ao nosso satélite pela sabedoria popular? SILVEIRA.F.L.A A. A LUA OS BEBÊS, In: Ciência Hoje, Rio de Janeiro, vol.29, n. 170: p. 47.

Questões 1. Qual o objetivo do pesquisador ao realizar esse estudo? 2. Você diria que o estudo realizado por Fernando Lang da Silveira é um estudo científico? Explique. 3. Porque você acha que o pesquisador usou um número tão grande de datas de nascimento para fazer essa pesquisa? 4. Esse estudo é suficiente para descartar definitivamente a ideia de que a lua exerce influência nos nascimentos de bebês ao longo do mês? 5. A crença na influência da Lua sobre o nascimento de bebês costuma ser partilhada por muitas pessoas, está normalmente baseada em algum tipo de pesquisa ou estudo mais rigoroso? Em que ela se baseia? 6. Muitas pessoas afirmam que a Lua tem influencia em vários acontecimentos, como crescimento de cabelos, o desenvolvimento de plantas após a poda e até mesmo o aumento de criminalidade em alguns períodos do mês. Qual a sua opinião a respeito dessas crenças? 7. O conhecimento que a ciência nos proporciona acerca da Lua é compatível ou incompatível com ideias e crenças da cultura popular? Explique.

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ANEXO 3

Avaliando evidências sobre a nutrição dos vegetais

Ciência se faz com perguntas e com muita investigação. É resultado de um grande esforço coletivo, além de uma vontade enorme de conhecer o mundo que nos cerca. Uma pergunta pode receber várias respostas diferentes até se chegar a uma resposta aceitável, o que pode demorar muitos anos, já que podem ser cometidos muitos erros, e são tantas as idas e vindas que parecem não ter fim. A história das investigações sobre a fotossíntese mostra alguns desses aspectos da investigação científica.

As perguntas pareciam ser simples: De onde vêm os nutrientes de um vegetal? Como uma planta se desenvolve? De onde os vegetais retiram as substâncias necessárias ao seu desenvolvimento?

Primeiras ideias sobre a nutrição dos vegetais O médico e alquimista belga Jan Baptista van Helmont (1544-1644) foi um dos

primeiros a estudar esse problema. Ele não aceitava a resposta que os estudiosos da época davam a essas questões. Não lhe parecia correto que as plantas retirassem do solo os nutrientes necessários para o seu desenvolvimento. Para avaliar suas ideias, ele realizou um experimento importante com uma planta chamada salgueiro.

Muitas vezes é assim que os cientistas agem: realizam experimentos para testar suas hipóteses.

Veja nas ilustrações abaixo alguns registros que Van Helmont nos deixou de suas observações:

(espaço com 5 desenhos correspondendo as letras das legendas) Ilustrações esquemáticas do experimento de Van Helmont. (A) “Peguei um vaso de

barro, no qual coloquei 100 gramas de terra que havia secado em um forno”; (B) “Plantei um caule de salgueiro que pesava 2 quilogramas e meio”; (C) “ Para que a poeira levada pelo vento não se misturasse à terra do vaso, cobri sua abertura com uma placa de ferro revestida de estanho e com múltiplas perfurações”; (D) “Quando era necessário, eu sempre umedecia o vaso de barro com água de chuva ou destilada. O vaso era grande e estava implantado na terra”; (E) “Passados cinco anos, a árvore [...] pesava 80 quilogramas. Não computei o peso das folhas que caíram em quatro outonos. [...] Por fim, tornei a secar a terra e assim encontrei praticamente os mesmos 100 quilogramas com alguns gramas a menos. Portanto, 80 quilogramas de madeira, cortiça e raízes surgiram unicamente da água”.

Van Helmont concluiu que os vegetais retiram os nutrientes necessários para o seu crescimento da água, e não do solo. Contudo, em ciências não existe a última palavra, a verdade final. Tem sempre alguém que enxerga os fatos de uma outra maneira, que pensa de modo diferente.

Em 1690, outro pesquisador e naturalista inglês John Woodward (1665-1728), questionou as conclusões de Van Helmont. Ele trouxe de volta ao debate a antiga explicação de que os vegetais retiram seus nutrientes do solo. Segundo Woodward, a água só servia como veículo para transportar os nutrientes. Ele cultivou plantas em água com amostras diferentes de solo dissolvido. Verificou com isso que as plantas que apresentavam maior desenvolvimento eram aquelas que foram colocadas em soluções de água com maior quantidade de terra dissolvida. Ao contrário de Van Helmont, ele concluiu que a terra era a matéria que constituía os vegetais.

Evidências do papel da luz e do ar Stephen Hales (1677-1761) também investigou o crescimento das plantas. Para ele,

as plantas modificavam as condições da atmosfera com as quais estavam em contato. Mas ele não sabia explicar como isso acontecia.

Nessa época, a Química começava a dar seus primeiros passos como Ciência Moderna. O químico inglês Joseph Priestley (1733-1804), que estava envolvido em estudos sobre os gases, interessou-se pelo assunto, investigando gases envolvidos na vida vegetal.

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Ele já havia descoberto que uma vela mantida num ambiente fechado permanecia acesa somente durante certo período de tempo. Verificara, também, que camundongos morriam depois de algum tempo presos em ambientes fechados.

Ele logo formulou um raciocínio de que deveria existir algum processo na natureza capaz de impedir que camundongos morressem e velas se apagassem em ambientes fechados. Se não fosse assim, como se poderia explicar a existência de vida na Terra? Introduzindo vegetais em ambientes fechados, Priestley chegou à conclusão de que era a vegetação que restaurava o ar, tornando possível a existência da vida na terra.

Contudo, Priestley não notou que a “restauração” do ar só acontecia em presença da luz.

O médio holandês Jan Ingenhouz ( 1739-1799) refez os experimentos de Priestley, com algumas variações, e concluiu que 1) a luz era necessária para ocorrer a restauração do ar; 2) apenas as porções verdes das plantas realizavam esse processo; 3) as sementes e outras partes das plantas não promoviam a restauração do ar.

Apesar da grande contribuição dos trabalhos de Ingenhouz para a Ciência, ele ainda não sabia que as plantas, como todos os seres vivos, também respiram por todo o tempo e que, nesse processo, retiram oxigênio da atmosfera, em vez de “restaurar” o ar. Ele também não sabia explicar por que a luz era importante nem o que significava a cor verde das plantas.

(Dois desenhos: desenho A: experiência da vela acesa sozinha na campanula e vela acesa e planta na campanula e desenho B: rato sozinho e rato com a planta)

O papel dos minerais na nutrição dos vegetais A técnica de cultura de plantas em água desenvolvida por Woodward foi

aperfeiçoada e utilizada por muitos pesquisadores que estavam interessados em entender o papel do solo na nutrição dos vegetais. Um deles, Julius Sachs (1832-1897), cultivou alguns brotos de milho e feijão em água destilada, e outros brotos em uma solução de água destilada misturada com sais minerais.

Experimento em desenho de Sachs (4 desenhos de brotos de feijão e milho -2 na água destilada (A) (cor amarela)e dois na água com sais (B) (cor verde) – o tamanho é igual no dois desenhos.

Texto: Sachs colocou alguns brotos de vegetais em vasos que continham apenas água destilada (A) e outros que continham água destilada acrescida de alguns minerais (B). Ele notou que as plantas que foram colocadas em água destilada sem sais minerais ficaram mais amareladas e menos desenvolvidas do que aquelas que ficaram na solução de água destilada com sais minerais.

Os experimentos de Sachs indicavam que os sais minerais eram importantes para o desenvolvimento das plantas e que elas os obtinham do solo. Desse modo, o papel do solo parecia ter sido resolvido. No entanto, apesar de sua grande importância para a nutrição das plantas, os sais minerais são absorvidos em quantidades muito pequenas. Sendo assim, tal absorção não seria suficiente para explicar o aumento de massa de um vegetal em crescimento. Podemos chegar a essa conclusão analisando os resultados do experimento de Van Helmont com o salgueiro.

Poderíamos continuar essa história indefinidamente. Isso porque o conhecimento científico nunca estará pronto e acabado. Cada pergunta respondida traz outras tantas para se responder. Os estudos sobre a fotossíntese prosseguiram por muito tempo. Vários outros cientistas contribuíram para que hoje um poeta, que talvez nem saiba desta história toda, tenha feito aqueles versos lindos que apresentamos no início do capítulo: “Luz do sol, que a folha traga e traduz/ Em verde novo, em folha, em graça, em vida, em força, em luz”.

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ANEXO 4

O que sabemos sobre luz e visão

Leia as questões com atenção e registre por escrito suas respostas. Depois disso, compare suas respostas com as de seus colegas, procurando estabelecer as conclusões do grupo.

As ideias que temos sobre o assunto serão o ponto de partida para nosso estudo sobre luz e visão. 1. Em seu caderno, faça um esboço da figura a seguir. Depois disso: a) Expliquem, em palavras, como a luz permite ao Chico Bento ver a flor. b) Se achar adequado, utilize setas para complementar sua explicação. Nesse caso, as setas devem indicar como a luz presente no ambiente torna o Chico Bento capaz de localizar e enxergar a flor. 2. A imagem a seguir apresenta um quarto com janela aberta em dia ensolarado. As lâmpadas estão apagadas e o Sol está bem alto no céu. Nessas circunstâncias, existe luz no interior do quarto? Em caso afirmativo, explique como a luz chega até ele. 3. À noite, no instante em que a luz de seu quarto se apaga, você tem dificuldade de enxergar os objetos, mas depois de um certo tempo você já consegue perceber ao menos seus vultos. Explique como e por que isso acontece. 4. Como você acha que o nosso olho funciona e como ele nos permite ver os objetos que estão à nossa volta? 5. Como podemos representar a luz? Considere as seguintes situações: a) Uma vela é colocada sobre uma mesa em uma sala escura. Represente em seu caderno a luz que é emitida pela vela e se propaga no ambiente da sala. b) Um abajur é colocado no mesmo lugar em que estava a vela. Represente a luz que é emitida pela lâmpada acesa e que se propaga no ambiente da sala.

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ANEXO 5

Entre as partículas existem espaços vazios

Ao propor modelos para o ar, podemos pensar em diversas maneiras de representar seus componentes. Apresentamos, abaixo, quatro desenhos, feitos por estudantes, que expressam diferentes modelos.

Os dois primeiros modelos (A) e (B), apresentam uma visão do ar como algo contínuo. O ar aparece como uma nuvem. No modelo (A), ele apenas muda de lugar depois de aquecido, mas seu volume total não se altera

O modelo (B) explica a dilatação do ar supondo que a “nuvem” que o representa pode ficar mais “concentrada” ou mais “distribuída”.

Nos modelos (A) e (B) os estudantes não admitem a existência de partículas. Sabemos que o ar é uma mistura de diferentes substâncias, como gás nitrogênio, oxigênio e outros.

Os modelos (C) e (D) sugerem a natureza descontínua dos gases, ao contrário dos modelos (A) e (B), que apresentam uma visão do ar como algo contínuo. Em (C) o ar é representado por pequenas bolinhas, e podemos supor que cada uma delas representa uma partícula das substâncias do ar. Nesse modelo, as bolinas aumentam de tamanho quando o ar é aquecido e diminuem quando ele é resfriado.

Os modelos (C) e (D) sugerem explicações diferentes para o fenômeno da dilatação. Para o modelo (C), são as partículas que se dilatam. Para o modelo (D), as partículas não sofrem modificação no tamanho quando aquecidas. Elas apenas se afastam umas das outras, o que significa que passam a existir maiores vazios entre elas.

Como decidir qual modelo, entre (C) e (D), melhor representa a dilatação do gás? Ambos parecem razoáveis. Qual deles você escolheria? Os modelos científicos não atribuem às partículas propriedades que são dos

materiais, como cor, aparência, textura e dilatação. O modelo (C) faz isso atribuindo as partículas a propriedade de dilatar, que é própria dos materiais e objetos do mundo macroscópio. Por isso a representação D é mais compatível com o modelo científico de partículas. Deste modo quando a garrafa é mergulhada na água quente, os espaços entre as partículas do ar aumentam. O ar dentro da garrafa passa a ocupar um espaço maior e, consequentemente, o volume ocupado por ele aumenta, o que explica o fato do balão inflar.

Os gases podem também sofrer transformações com facilidade. Isso acontece quando baixamos sua temperatura ou quando aumentamos a pressão exercida sobre eles. Interpretamos essas mudanças admitindo que, nesses casos, os espaços entre as partículas de ar diminuem.

As bolinhas dos modelos representam as substâncias que compõem o ar. Entre elas existem apenas espaços vazios. Ao longo da história da ciência, não foi fácil admitir a existência do vazio. Da mesma forma essa ideia pode perecer estranha para você. Entretanto, o modelo cinético molecular, também chamado de modelo de partículas, foi desenvolvido admitindo-se que existem espaços vazios entre as partículas e que as partículas que compõem os materiais não variam de tamanho em uma transformação. Em outras palavras, o que varia são os espaços vazios entre elas.

Em geral, os sólidos, quando são aquecidos dilatam-se e, quando são resfriados, contraem-se. Entre as partículas de um pedaço de ferro, de um pedaço de madeira, da água que bebemos e do ar que respiramos existem espaços vazios que podem aumentar ou diminuir em razão da variação da temperatura e da pressão. Diferentes materiais apresentam dilatações distintas.

O mercúrio, por exemplo, dilata-se com muita facilidade e por isso, é utilizado na fabricação de termômetros.

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ANEXO 6

Viajando com segurança

Ao aumentar a velocidade com que se deslocam os seres humanos precisam criar mecanismos de segurança para evitar acidentes. Como a ciência pode nos ajudar a compreender os dispositivos e procedimentos de segurança no trânsito?

Nascemos, crescemos, envelhecemos e morremos. Essa sequência natural da vida é interrompida, muitas vezes, por mortes precoces ou traumas irresistíveis causados por acidentes. O que podemos fazer para evitar isso?

O corpo humano é capaz de andar, correr e saltar, atingindo velocidades máximas pouco superiores a 10 metros por segundo. O sistema esquelético muscular é o responsável por nossa capacidade de locomoção. O esqueleto tem, ainda, a função de proteger nossos órgãos internos de colisões e impactos com outros objetos.

Com o auxílio de máquinas, abreviamos o tempo gasto nas viagens, ampliamos nossa força e a velocidade de nossos movimentos. Porém quem se move a grandes velocidades pode, consequentemente, sofrer acidentes graves. Mesmo sendo muito resistentes, os ossos não conseguem proteger o organismo quando sofremos impactos em altas velocidades. Alguns tipos de acidentes passam a acontecer em razão das máquinas e dos ambientes que construímos e utilizamos.

Com o rápido crescimento e concentração populacional nos grandes centros urbanos, a circulação de pessoas tornou-se um problema. Segundo levantamento do Ministério da saúde, em 2006, 123061 pessoas foram internadas pelo SUS (Sistema Único de Saúde) vítimas de acidentes de trânsito, com custo estimado de R$ 118 milhões. Esse custo é o mais alto se considerarmos vítimas atendidas em hospitais particulares e pacientes com planos de saúde. Entretanto, muito pior do que danos materiais é a dor de ter vidas interrompidas bruscamente por causa desses acidentes ou, ainda, ver as marcas que eles deixam no corpo e na memória de quem os sofreu.

Mas qual seria a maior causa de acidentes no trânsito? A imprudência de condutores e pedestres? As más condições das vias de transporte e dos veículos?

Na tabela abaixo apresentamos os dados divulgados do programa Pare (Programa de Redução de Acidentes no Trânsito), realizado pelo Ministério dos Transportes com o objetivo de combater acidentes de trânsito, identificando, por exemplo, suas principais causas (disponível em http://www.transportes.gov.br/Pare/indexpp.htm. Acessado em: 20 fev.2009).

Muito está por ser feito do ponto de vista da educação das pessoas para lidar com os dispositivos tecnológicos e conviver em uma sociedade que tem cada vez mais pressa. O que a ciência tem a nos dizer sobre isso?