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Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Educação Maria do Socorro Barbosa de Moura ACONTECÊNCIAS SOCIOAMBIENTAIS: saberes e processos educativos nas práticas dos assentados do PDS “Serra Azul” – Monte Alegre-PA Belém 2011

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Universidade do Estado do Pará

Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Educação

Maria do Socorro Barbosa de Moura

ACONTECÊNCIAS SOCIOAMBIENTAIS: saberes e processos

educativos nas práticas dos assentados do PDS “Serra Azul” – Monte Alegre-PA

Belém 2011

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Maria do Socorro Barbosa de Moura

ACONTECÊNCIAS SOCIOAMBIENTAIS: saberes e processos

educativos nas práticas dos assentados do PDS “Serra Azul” – Monte Alegre-PA Texto de Dissertação apresentado como requisito parcial e obrigatório de avaliação para obtenção do título de Mestre em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado Pará, na Linha de Pesquisa: Saberes Culturais e Educação na Amazônia. Orientadora: Profª. Drª. Denise de Souza Simões Rodrigues

Belém 2011

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Dados Internacionais de Catalogação na publicação

Biblioteca do Centro de Ciências Sociais e Educação da UEPA

Moura, Maria do Socorro Barbosa de

Acontecências socioambientais: saberes e processos educativos nas práticas dos

assentados do PDS “Serra Azul” – Monte Alegre-PA / Maria do Socorro Barbosa de

Moura. Belém, 2011.

Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2011.

Orientação de: Denise de Souza Simões Rodrigues.

1. Educação ambiental 2. Meio ambiente e desenvolvimento sustentável I. Rodrigues,

Denise de Souza Simões (Orientador) II. Título.

CDD: 21 ed. 577.4

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Maria do Socorro Barbosa de Moura

ACONTECÊNCIAS SOCIOAMBIENTAIS: saberes e processos

educativos nas práticas dos assentados do PDS “Serra Azul” – Monte Alegre-PA

Texto de Dissertação apresentado como requisito parcial e obrigatório de avaliação para obtenção do título de Mestre em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado Pará, na Linha de Pesquisa: Saberes Culturais e Educação na Amazônia. Orientadora: Profª. Drª. Denise de Souza Simões Rodrigues

Banca examinadora: ___________________________________ Profª Dra. Denise de S. Simões Rodrigues Universidade do Estado do Pará Orientadora

__________________________________ Profª Dra. Maria de Jesus da C. F. Fonseca Universidade do Estado do Pará Examinadora Interna

___________________________________ Profª Dra. Marilena Loureiro da Silva Universidade Federal do Pará Examinadora externa ________________________________ Profª Dra. Nazaré Cristina Carvalho Universidade do Estado do Pará Examinadora Interna

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Ao meu pai, Pedro Ferreira de Moura (in memoriam).

A minha mãe, Edite Barbosa de Moura.

A minha irmã Nazaré Moura, pelo especial apoio.

Ao meu irmão Francisco, em nome dele, a todos os irmãos.

Ao Gabriel e ao Pedro Vitor, em nome deles, a todos os sobrinhos,

com as minhas desculpas pela ausência.

Aos assentados de “Serra Azul”, em especial aos intérpretes deste estudo.

Ao meu querido amigo e incentivador Williams.

A todos os amigos que fizerem da sua torcida a minha motivação.

Especialmente ao Charles e Paulinho pelo imenso apoio e contribuições à realização

deste trabalho de pesquisa.

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AGRADECIMENTOS

À Deus, pela imensa bondade de nos conceder a graça da superação de

todos os obstáculos, na árdua luta desse período de estudo.

Às amigas de casa: Adriana e Bruna, pela companhia nas horas de

desânimo e de superação.

A todos os assentados do PDS “Serra Azul” pelo acolhimento, em especial,

a Ana, Kiko, Seu Milton, Helena, Lindeuza, Isaias, Pará e Seu Valdi, pelas suas

narrativas.

De modo muito especial ao Paulinho e ao Charles, pela companhia nas

viagens, apesar do sacrifício do transporte, e pelas aventuras nos difíceis e

prazerosos caminhos de “Serra Azul”.

Ao Adriano, Vani e Junior, sobrinhos muito queridos, e aos pais Nenê e

Cezar, pela acolhida.

Ao Danilo e à Amanda, em seus nomes, à todas as crianças do

Assentamento.

Aos colegas e amigos da 6ª URE: Socorro, Rosiene, Osvaldo, Cleuma,

Alzilene, Rosilene, Darlede, Alessandra, Jandira, Bila, Kátia, Seu Renato, Pedro,

Cláudia, Danúsia, Léia, Leônia, Milton, Sabá, Preto e Seu Jorge (in memoriam), pelo

apoio, torcida, incentivo, amizade, motivação, carinho, amor, enfim, pelos bons

fluídos.

Aos amigosn e colegas de trabalho: Reginaldo, Rosivaldo, Osvaldino, Izabel,

Eucelene, Jaime e Rosângela, em nome destes, a todos os colegas professores/as

do Ensino Médio de Monte Alegre-PA, que de alguma forma contribuíram para essa

conquista.

À Profª Ioneda Mara (Diretora da 6ª URE), pela compreensão e apoio, na

reta final de construção deste Texto.

Ao Claudio, por compartilhar conosco a revisão deste Texto.

A minha brava orientadora, Profª Dra. Denise Simões Rodrigues, pela

compreensão, segurança e liberdade ao longo dessa jornada de realização e

conquista profissional e pessoal.

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MADRUGADA CAMPONESA

Madrugada camponesa, faz escuro ainda no chão,

mas é preciso plantar. a noite já foi mais noite, a manhã já vai chegar.

Não vale mais a canção

feita de medo e de arremedo pra enganar solidão.

Agora vale a verdade cantada simples e sempre,

agora vale a alegria que se constrói dia-a-dia,

feita de canto e de pão.

Breve há de ser (sinto no ar) tempo de trigo maduro. Vai ser tempo de ceifar.

Já se levantam prodígios: chuva azul no milharal, estala em flor o feijão,

um leite novo minando no meu longe seringal.

Madrugada da esperança, já é quase tempo de amor,

colho um sol que arde no chão, lavro a luz dentro da cana,

minha alma no seu pendão.

Madrugada camponesa, faz escuro (já nem tanto)

vale a pena trabalhar. Faz escuro mais eu canto,

porque a manhã vai chegar.

Thiago de Mello

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RESUMO

MOURA, Maria do Socorro B. de. ACONTECÊNCIAS SOCIOAMBIENTAIS: saberes e processos educativos nas práticas dos assentados do PDS “Serra Azul” – Monte Alegre-PA. 2011.196 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2011.

Este trabalho objetivou identificar os saberes socioambientais indicadores de sustentabilidade que emergem das práticas produtivas dos sujeitos de um assentamento sob a modalidade Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS). Estudo realizado a partir de pesquisa: bibliográfica, documental e de campo, segundo conceitos de Severino (2007), realizada sob uma abordagem qualitativa e fundamentada como estudo de caso a partir das proposições teóricas de Lüdcke & André (1986) e de outros autores. Para apreciação dos dados foi utilizada como suporte teórico a análise do discurso, segundo Orlandi (1989, 2008, 2009), dos sujeitos e de documentos técnicos relativos ao objeto. O caminho metodológico escolhido está ancorado no materialismo histórico, em atendimento ao próprio caráter histórico dos sujeitos da pesquisa: trabalhadores rurais imbricados em uma “teia” histórico-cultural do processo de colonização contemporânea local. O locus da pesquisa foi o PDS “Serra Azul”, em Monte Alegre-Pa. O principal referencial teórico utilizado foram as reflexões de Enrique Leff (2001, 2003, 2004, 2007, 2009), que possibilitaram uma perspectiva crítica para a abordagem das seguintes categorias teóricas do estudo: cultura, desenvolvimento sustentável, sustentabilidade ambiental, saberes ambientais, produtividade ecotecnológica e educação ambiental. Dentre os resultados destacam-se como possíveis indicadores de sustentabilidade ambiental: a preocupação dos sujeitos, embora tímida, quanto à necessidade do uso sustentável da floresta, dos rios/igarapés e a prática de cultivos permanentes. Por outro lado, foi constado como fatores inibidores destas práticas sustentáveis: a morosidade na consolidação do assentamento; a ausência de assistência técnica; a precariedade do transporte, da saúde e de ensino de qualidade. PALAVRAS-CHAVE: Educação ambiental. Saberes socioambientais. Desenvolvimento sustentável. Sustentabilidade ambiental.

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ABSTRACT

MOURA, Maria do Socorro B. de. SOCIOENVIRONMENTAL ACONTECÊNCIAS: knowledge and educational processes in the practice of the settlers from PDS "Serra Azul" - Monte Alegre – State of Pará, Brazilian Amazon. 2011. 196 p. Dissertation (MA in Education) – State University of Pará, Belém, 2011.

This study aimed to identify sustainability actions that emerge from the social and environmental knowledge of the members of a Sustainable Development Project (PDS). We carried out a bibliographic review followed by documental research and field work, according to concepts of Severino (2007), and under a qualitative approach representing a case study, according to the theoretical propositions of Lüdcke & Andrew (1986), among other authors. Data were analyzed based on the method of Discourse Analysis by Orlandi (1989, 2008, 2009). The chosen methodological approach is based on historical materialism, according to the own historical conception and nature of the study participants, that is, rural workers involved in a web of historic-cultural process of contemporary local colonization. The study site was the PDS "Serra Azul", in the municipality of Monte Alegre – State of Pará, in the Brazilian Amazon. The main analysis was supported by studies of Enrique Leff (2001, 2003, 2004, 2007, 2009), which enabled a critical approach to the theoretical categories of this research, namely: culture, sustainable development, environmental sustainability, environmental knowledge, ecotechnological productivity and environmental education. If on the one hand this analysis revealed as possible indicators of environmental sustainability slight concerns of PDS members about the sustainable use of forests and rivers, as well as the practice of permanent/sustainable crops, on the other hand we observed as inhibiting factors of these sustainable practices the following elements: long delay in the consolidation of the settlement; the absence of technical assistance; the precarious nature of transport facilities, health care services and quality of education. KEYWORDS: Environmental education. Social and environmental knowledge. Sustainable development. Environmental sustainability.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 – Mapa de Monte Alegre e mesorregião do Baixo Amazonas ................... Ilustração 2 – MAPA GERAL do PARÁ (adaptado), distribuição: SEDUC, 2001 .......... Ilustração 3 – Assentamentos criados pelo INCRA em Monte Alegre-Pa, no biênio 2005/2006. .......................................................................................................... Ilustração 4 – Modalidade de projetos de assentamentos criados pelo INCRA na atualidade ...................................................................................................................... Ilustração 5 – Modalidade de projetos de assentamentos criados pelo INCRA (fora de vigência) ........................................................................................................... Ilustração 6 – MAPA 1 – PDS “Serra Azul”: limites (FLONA Mulata e Flota Paru) ........ Ilustração 7 – MAPA 3 – PDS “Serra Azul” ................................................................... Ilustração 8 – MAPA 2PDS Serra Azul: lotes ............................................................ 69 Ilustração 9 – MAPA 4 – PDS Serra Azul: ocupações .................................................. Ilustração 10 – Manifestação de agricultores em frente à sede do INCRA/local contra ............................................................................................................................ Ilustração 11 – Floresta de matas fechadas do entorno da Vila (matona Serra Azu). .............................................................................................................................. Ilustração 12 – Paredões rochosos do entorno da Vila. ................................................ Ilustração 13 – Rochas expostas no centro a Vila. ........................................................ Ilustração 14 – Reaproveitamento de madeira dos roçados ......................................... Ilustração 15 – Frutas, legumes e verduras produzidas na “Serra Azul”. ...................... Ilustração 16 – Pastagem em área de APP...................................................................

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LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS

APP – Área de Preservação Permanente

ATES – Assessoria Técnica Social e Ambiental

ASA – Associação do Assentamento Serra Azul

BASA – Banco da Amazônia S.A

CAETA – Comissão Administrativa do Encaminhamento de Trabalhadores para a

Amazônia (Japão)

CANG – Colônia Agrícola Nacional de Goiás

CANP – Colônia Agrícola Nacional do Pará

CONTRAF – Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável

CCSE – Centro de Ciências Sociais e Educação

CNDRS – Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável

CNS – Conselho Nacional de Seringueiros

COARAMA – Conselho de Assentamentos da Reforma Agrária de Monte Alegre

ELETRONORTE – Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A.

EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agrária

FLONA – Floresta Nacional

FLOTA – Floresta Estadual

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IBRA – Instituto Brasileiro de Reforma Agrária

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

IMAFLORA – Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola

IMAZON – Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INIC – Instituto Nacional de Imigração e Colonização

ITERPA – Instituto de Terras do Pará

LP – Licença Provisória

JK – Juscelino Kubitschek

MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário

MEPF – Ministério de Estado Extraordinário de Política Fundiária

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MMA – Ministério do Meio Ambiente

MPF – Ministério Público Federal

MPO – Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão

ONU – Organizações das Nações Unidas

PA – Projeto de Assentamento Federal

PAC – Projeto de Assentamento Coletivo

PAD – Plano de Desenvolvimento do Assentamento

PAE – Projeto de Assentamento Agroextrativista

PAF – Projeto de Assentamento Florestal

PAM – Projeto de Assentamento Municipal

PAP – Projeto de Colonização Particular

PAR – Projeto de Assentamento Rápido

PAS – Plano Amazônia Sustentável

PC – Colonização Oficial

PCA – Projeto de Assentamento Casulo

PCN – Projeto Calha Norte

PCT – Programa Cédula da Terra

PDA – Plano de Desenvolvimento da Amazônia

PDA – Plano de Desenvolvimento do Assentamento

PDS – Projeto de Desenvolvimento Sustentável

PE – Projeto de Assentamento Estadual

PEC – Projeto Especial de Colonização

PF – Projeto Fundiário

PFP – Projeto de Assentamento Fundo de Pasto

PGC – Programa Grande Carajás

PIC – Projeto Integrado de Colonização

PIN – Programa de Integração Nacional

PN – Plano de Manejo

PND – Plano Nacional de Desenvolvimento

PNRA – Plano Nacional de Reforma Agrária

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

POLAMAZÔNIA – Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia

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PPA – Plano Plurianual

PPGED – Programa de Pós-Graduação em Educação

PRD – Projeto de Reassentamento de Barragem

PROFAE – Programa Nacional de Educação Ambiental

PRONAF – Programa Nacional de Agricultura Familiar

PROTERRA – Programa de Distribuição de Terras

PU – Plano de Uso

RB – Relação de Beneficiários

RDS – Reserva de Desenvolvimento Sustentável

RL – Reserva Legal

SECTAM – Secretaria Executiva de Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente

SEDUC – Secretaria de Estado de Educação de Educação

SEMA – Secretaria de Estado de Meio Ambiente

SEMEC – Secretaria Municipal de Educação

SEMTA – Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores

SFB – Serviço Florestal Brasileiro

SIPRA – Sistema de Informação de Projetos de Reforma Agrária

SOME – Sistema de Organização Modular de Ensino

SPVEA – Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia

SUDAM – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia

SUFRAMA – Superintendência da Zona Franca de Manaus

SR – Superintendência Regional (INCRA)

UC – Unidade de Conservação

UEPA – Universidade do Estado do Pará

UFOPA – Universidade Federal do Oeste do Pará

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 14

MONTE ALEGRE – PA: BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICO-SOCIAL ................. 17

O PDS “SERRA AZUL”: LOCUS DA PESQUISA ................................................................. 23

PROBLEMA E OBJETIVOS DA PESQUISA ........................................................................ 27

O CAMINHO METODOLÓGICO ........................................................................................ 29

QUEM SÃO OS SUJEITOS DA PESQUISA? (perfil dos intérpretes) ................................... 32

PERSPECTIVAS TEÓRICAS DO ESTUDO ....................................................................... 37

SEÇÃO I – COLONIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA NA AMAZÔNIA PARAENSE: ASPECTOS AGRÁRIOS E AMBIENTAIS LOCAIS ............................................................ 39

1.1. AMAZÔNIA: ASPECTOS HISTÓRICOS DA OCUPAÇÃO – O “PARAÍSO”

IMAGINÁRIO ....................................................................................................................... 40

1.2. QUESTÃO AGRÁRIA: ASPECTOS HISTÓRICOS DA COLONIZAÇÃO E DA REFORMA AGRÁRIA NA AMAZÔNIA ................................................................................................... 46

1.3. A REGIÃO OESTE DO PARÁ: APROXIMAÇÕES COM O CONTEXTO LOCAL .......... 53

1.4. MONTE ALEGRE: INDÍCIOS DE SUA COLONIZAÇÃO: UMA HISTÓRIA A

SER (RE)VISITADA ............................................................................................................ 57

1.5. PROJETO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL – PDS: FILOSOFIA, ASPECTOS CONCEITUAIS E LEGAIS DA MODALIDADE .................................................................... 66

1.6. O PDS “SERRA AZUL”: OBJETIVO, CARACTERIZAÇÃO, DESAFIOS

E POSSIBILIDADES ........................................................................................................... 68

SEÇÃO II – APROXIMAÇÕES TEÓRICAS: DIALOGANDO COM AS PRINCIPAIS CATEGORIAS CONCEITUAIS DESTE ESTUDO ............................................................... 85

2.1. ASPECTOS DA RACIONALIDADE AMBIENTAL: PELA VIA DE UMA “CULTURA ECOLÓGICA” DO MODO DE FAZER E VIVER ................................................................... 86

2.2. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL: ALGUMAS REFLEXÕES ..................................................................................................... 92

2.3. SABERES SOCIOAMBIENTAIS E APROXIMAÇÕES TEÓRICAS ACERCA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL ................................................................................................... 99

SEÇÃO III – O [EN]CANTAMENTO DE “SERRA AZUL”: SABERESOCIOAMBIENTAIS, SUSTENTBILIAE E EDUCAÇÃO AMBIENTTAL .............................................................. 111

3.1. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL: AS PRÁTICAS PRODUTIVAS NA PERCEPÇÃO DOS SUJEITOS ASSENTADOS ................ 117

3.2. SABERES SOCIOABIENTAIS: ELEMENTOS CAPTURADOS A PARTIR DOS RUIDOS DA TERRA E DA MATA PARA UMA POSSÍVEL PROPOSTA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM “SERRA AZUL” ........................................................................................................... 132

3.2.1. Educação no PDS: o processo dialógico ................................................................. 141 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 152

REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 158

APÊNDICES ...................................................................................................................... 166

ANEXOS ........................................................................................................................... 170

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INTRODUÇÃO

Foram as minhas origens, fincadas no ambiente rural, que serviram de

motivação e nos conduziram na elaboração deste Projeto de Pesquisa desenvolvido

com os moradores (possíveis assentados) do Projeto de Desenvolvimento

Sustentável (PDS) “Serra Azul”. Assentamento rural em processo de implantação no

município de Monte Alegre-PA, região Oeste do Estado.

Foi nesse município, na “Colônia Major Barata”, que nasci. Meus pais,

agricultores, emigrantes da região Nordeste do país, chegaram à Monte Alegre no

ano de 1962 e passaram a compartilhar um lote de terra junto com outros membros

da família já colonizados neste lugar.

No período de 1973 a 1981, integramos o projeto de colonização da BR-163

(Santarém-Cuiabá/Norte), perímetro Santarém-Rurópolis, onde iniciei o Ensino

Fundamental. Inclusive, boa parte dessa etapa foi cursada em escolas da zona rural.

Retornamos para Monte Alegre em 1981, onde concluí o Ensino Fundamental, o

Ensino Médio, e, posteriormente, iniciei o curso de Pedagogia da Universidade

Federal do Pará (UFPA), em1996.

Desde 1998 atuo como professora do Ensino Médio, vinculada à 6ª Unidade

Regional de Ensino (URE/Monte Alegre). No período de 2000 a 2006 participei da

implantação e consolidação do processo de extensão do Ensino Médio nas

comunidades da zona rural desse município, que resultou na criação de Anexos

(turmas do Ensino Médio do ensino regular e modular). Posteriormente, atuei como

professora e técnica da 6ª URE e depois como gestora no Anexo da comunidade de

Limão (Gleba Mulata), 57 km da sede do município.

No ano de 2003, trabalhei como professora no Sistema de Organização

Modular de Ensino (SOME) no Pólo1 de Itaituba. Nos municípios de Trairão,

localizado às margens da Rodovia 163 (Santarém-Cuiabá/Sul), e Placas, na Rodovia

BR-230 (Transamazônica, no perímetro entre Itaituba e Altamira). Retornando para

Monte Alegre em 2004, agora em cargo efetivo, onde continuei a trabalhar no

“interior” e, em 2007, assumi a gestão da 6ª URE, que tem sob sua jurisdição os

municípios de Monte Alegre, Prainha, Almeirim e o Distrito de Monte Dourado. 1 Conjunto de comunidades e/ou de município agregados em blocos, que abrigam turmas do Ensino

Médio, em geral, nas escolas municipais.

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São essas idas e vindas que me fizeram, em um determinado momento,

despertar para um novo olhar sobre a realidade aparentemente “já conhecida”,

dessa feita, para a sustentabilidade, anunciada para o meio rural, pelo PDS “Serra

Azul”. Olhar, pautado na perspectiva apontada por Leff (2001, p.403) para esse

conceito: “a sustentabilidade do desenvolvimento anuncia o limite da racionalidade

econômica, proclamando os valores da vida, da justiça social e do compromisso com

as gerações vindouras”.

Essa relação familiar/profissional/afetiva com o ambiente rural sempre me

instigou à observação dos fenômenos sociais, políticos, econômicos e culturais

circundantes. É, pois, com essa motivação pessoal e profissional que nos

empenhamos na elaboração do Projeto de Pesquisa que tem como objeto o Projeto

de Desenvolvimento Sustentável “Serra Azul”, situado no município de Monte

Alegre-Pa.

Este estudo remete-nos à nossa história de vida, na infância e na

adolescência, como moradora da zona rural, e vida adulta, por meio das

experiências profissionais que temos acumulado. Vivências que nos levam a crer

que possa estar sendo inscrito ali, a partir das práticas cotidianas daqueles sujeitos,

o prenúncio de um novo tempo, ou sinais alvissareiros de um “tempo de

sustentabilidade”, conforme Leff (2001, p.403): “um tempo cronológico que ganha

força simbólica e adquire valor de mudança, acelerando os tempos históricos e

propiciando uma reflexão sobre o mundo em crise”. Portanto, ao buscarmos um

diálogo mais aprofundado com academia visamos à possibilidade de um olhar mais

alargado das questões socioambientais, que prime pela apreensão de saberes

relativos ao ambiente: natural, social, histórico, cultural e político, locais.

Nesse sentido, em 2009, submetemos o Projeto de Pesquisa:

ACONTECÊNCIAS SOCIOAMBIENTAIS: saberes e processos educativos nas

práticas dos assentados do PDS “Serra Azul” – Monte Alegre-PA, ao processo

seletivo para Curso de Mestrado em Educação do Programa de Pós-Graduação em

Educação (PPGED) do Centro de Ciências Sociais e Educação (CCSE) da

Universidade do Estado do Pará (UEPA), na linha de pesquisa: Saberes Culturais e

Educação na Amazônia, cujo objetivo é “contribuir para a construção de práticas

sócio-educacionais, ética, epistemológica e politicamente comprometidas com os

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saberes de grupos socialmente excluídos, bem como fortalecer a identidade cultural

amazônica”. Objetivo este, que vai ao encontro dos nossos propósitos para a

referida pesquisa e que contempla o universo dos sujeitos a partir dos quais nos

propomos a realizá-la: trabalhadores rurais em processo de aquisição do seu “meio”

de trabalho e de vida: a terra.

Esses sujeitos, na sua maioria, descendentes de antigos “colonos” dos

projetos de colonização implantados em Monte Alegre, a partir do ano de 1927,

quando da primeira destinação de terras públicas pela União para assentamentos de

famílias de agricultores, vindas, principalmente da Região Nordeste do país.

Esta investigação talvez possa nos apontar um link histórico-cultural entre o

passado-presente dessa formação “econômico-ecológica” estabelecida pela

globalização, pertinente às relações relativas à posse e ao uso da terra pelos

sujeitos desse processo no ambiente rural do município de Monte Alegre. Tratando-

se, porém, de um estudo cujo descritor é a Educação, assim como para Gadotti

(200, p.42) “a educação deve ser tão ampla quanto a vida”. Nesse sentido,

entendemos que uma educação ambiental que preze pela “sustentabilidade

ambiental”, a que se propõe nosso objeto de investigação, por exemplo. Deve

nortear-se pelos saberes e práticas dos sujeitos envolvidos nesse processo,

considerando elementos práticas e teóricas compatíveis com suas necessidades.

Pautando-se no que reflete Gadotti:

reorientar a educação a partir do princípio da sustentabilidade significa retomar nossa educação em sua totalidade, implicando uma revisão de currículo programas, sistemas educacionais, do papel da escola e dos professores, da organização do trabalho escolar. (GADOTTI, 2000, p.42).

Embora saibamos que um grande fosso ainda nos separa dessa proposta,

quem sabe a investigação dos novos contextos, como o que ora investigamos,

possa suscitar a necessidade a necessidade de reorientação para os sistemas de

educação local. Buscamos, portanto, nessa investigação a identificação de possíveis

saberes ambientais e/ou socioambientais em construção pelos moradores do

referido assentamento, a partir de suas relações cotidianas de vida, de trabalho e de

organização.

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De acordo com Leff (2001) “o saber ambiental está em processo de

gestação, em busca de suas condições de legitimação ideológica, de concreção

teórica e objetivação prática” e como tal: “se constitui através de processos políticos,

culturais e sociais, que obstaculizam ou promovem a realização se suas

potencialidades para transformar as relações sociedade-natureza” (LEFF, 2001,

p.149).

Portanto, a perspectiva deste estudo, foi desvelar saberes informados pelos

sujeitos da pesquisa que apontem para a construção de novos valores e práticas

que tenham como defende Lima (2009, p.156) “na dimensão socioambiental seu

foco privilegiado”; saberes estes que possam suscitar elementos pertinentes a uma

proposta de educação ambiental pautada no que concebe Loureiro (2005):

práxis educativa e social que tem por finalidade a construção de valores, conceitos, habilidades e atitudes que possibilitem o entendimento da realidade de vida e a atuação lúcida e responsável de atores sociais individuais e coletivos no ambiente […], contribui para a tentativa de implementação de um padrão civilizacional e societário distinto do vigente, pautado numa nova ética da relação sociedade natureza. (LOUREIRO, 2005, p.69).

Nessa trilha, partimos da seguinte questão: que saberes socioambientais

indicadores de sustentabilidade emergem das práticas dos assentados do PDS

Serra Azul?

MONTE ALEGRE-PA: BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICO-SOCIAL

Sob o aspecto histórico, segundo Reis (1949), o município de Monte Alegre

constitui uma das mais antigas fundações urbanas da Amazônia; sua origem

antecederia a colonização portuguesa da região amazônica. Para esse autor, os

índios Gurupatubas seriam, entre outros povos, os primeiros habitantes do

município, cujo marco do processo de colonização lusitana se dá com a “visita” do

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capitão Pedro Teixeira ao aldeamento, em 1639, quando o local passa então a ser

denominado Gurupatuba2. Referência ao rio que banha a cidade.

O povoamento foi elevado à categoria de vila em 1758 e à categoria de

cidade em 15 de março de 1880. Entre outros aspectos que marcam a história de

Monte Alegre, está a sua “participação” no movimento revolucionário da

Cabanagem3. Segundo Santos (1980, p.30), na madrugada do dia 28 de fevereiro de

1836 a cidade foi surpreendida por “tropas cabanas” vindas de Gurupá que se

instalariam ali até Julho daquele ano, quando o município receberia reforço de

tropas governistas vindas de Macapá, que as teria expulsado.

Segundo Reis (1949), à medida que a mão de obra indígena extenuada pela

dureza da exploração do trabalho fosse nas “empresas públicas”, na lavoura e na

pecuária, e pela exacerbação dos maus tratos. Os índios, “cansados de serem

exportados como tijolos e telhas” (referência ao envio de índios para o serviço

público nas demais vilas da região e até para a capital da Província) ato que os

apartava das suas raízes familiares e culturais e à exploração desses nas olarias,

atividade que paralelo às desenvolvidas nas serrarias constituiriam as principais

atividades laborais locais, sustentadas pela mão-de-obra escrava.

Santos (1980), afirma, que a forma de escravidão a que as populações

subalternas eram submetidas criava um clima propício à adesão daquela população

ao movimento cabano.

o homem do povo, o mameluco, o preto escravo, o caboclo, eram cabanos por princípios, faziam parte dos explorados, dos marginalizados, dos que esperavam a oportunidade para vingar seus sentimentos contra os reinós, os grandes proprietários de terras, senhores de escravos […]. A vila de Monte Alegre que procurara ficar alheia aos problemas que agitavam a Província do Grão-Pará, com o fim de conservar sua situação, talvez tenha sofrido mais do que outras vilas que não se omitiram e espontaneamente tomaram posições. (SANTOS, 1980, p. 30-31).

2 GURUPATUBA – palavra indígena que se origina dos termos: YGARA – canoa, UPÁ – lago, lagoa,

rio calmo e TUBA – pluralidade, advérbio de quantidade = passagens ou canais do rio de água muito agitadas. (ALMEIDA, 1979, p.11). 3 Consoante a Rodrigues (2009, p.14): “a Cabanagem teria sido indiscutivelmente um movimento

revolucionário, apresentando um toque de maior originalidade (quando comparada às outras que ocorreram no Brasil no mesmo período histórico), e que foi representado pela presença maciça dos despossuídos, em busca de autonomia, postulando igualdade no espaço político e exercendo o governo da Província em dois momentos e por vários meses”

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Nesse aspecto, destacamos ainda o período recente de submissão do

município ao Regime Militar (1964-1985), na condição de Estância Hidromineral sob

o Decreto nº 4.412 de17 de outubro de 1972. Perdendo a autonomia política, passa

a ter seus prefeitos nomeados até o final do Regime.

Monte Alegre possui na sua formação a mescla e a influência de várias

culturas: além do caboclo há espanhóis, árabes, portugueses, italianos, alemães e

japoneses. Esses, últimos, possivelmente os mais representativos quanto à

influência no desenvolvimento econômico e na diversificação da agricultura no

município.

Quanto à sua formação demográfica atual, Monte Alegre ainda pode ser

considerado um município rural, pois a maioria de sua população vive na zona rural.

Com uma população atual de 55.462 habitantes, conforme dados do Censo de 2010

(assim como os demais números e percentuais dos parágrafos seguintes)4,

distribuídos em aproximadamente trezentas comunidades rurais, entre áreas de

várzea5 (Costa do Amazonas e região do Lago Grande) e terra firme. A zona rural do

município é assim distribuída: CANP6, Maripá, Pedras e PA-254, que atualmente

abrigam 30.897 habitantes, contra apenas 24.565 da zona urbana do município, ou

seja, faixa de 56% da população vive na zona rural do município.

No aspecto da produção agrícola (números da produção de 2009, segundo o

IBGE), o município produziu nas lavouras temporárias do milho (66.420 toneladas) e

da mandioca (96.900 toneladas), seguidas pela produção de arroz e feijão (4.008 e

3.818 toneladas), respectivamente. Nos hortifrutigranjeiros, as culturas da melancia

(40.000 quilogramas por hectare), do tomate (30.000 quilogramas por hectare) e do

abacaxi (22.000 frutos por hectare) são os principais produtos, e nas lavouras

permanentes a produção de banana (7.436 toneladas) é a campeã, seguido da

laranja (2.400 toneladas) e do cacau (6.000 toneladas).

4 Dados do IBGE – Cidades/Senso 2010. Disponível em: www.ibge.gov.br/cidadesat/default2.php.

Acesso: 20 jun./2011, e em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1. Acesso: 27 jun/2011. 5 “Compreende as áreas submetidas às inundações temporais do rio Amazonas e seus afluentes,

bem caracterizadas na porção sul do município, cobrindo uma superfície aproximada de 800 km, tendo como principais características o relevo plano e baixo, os solos férteis e a acentuada beleza natural”. (definição de PASTANA, p.75). 6 Colônia Agrícola Nacional do Pará – CANP, criada através do Decreto Nº 8.671 de 30 de janeiro de

1942.

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Além da produção agrícola, Monte Alegre é um grande produtor de bovinos,

sendo considerado um dos maiores da região, atualmente com um

rebanho de 191.680 cabeças de gado (dados do IBGE/2009). Apesar da grande

produção, nos últimos anos (a partir do ano de 2004) o município sofreu algumas

restrições do mercado consumidor, tanto regional quanto nacional, devido a um foco

de febre aftosa7.

A atividade pesqueira absorve mão de obra significativa, pois há abundância

do pescado, de lagos e rios no município. Além de abastecer o mercado local

também exportam para outros municípios da região, para a capital do estado

(Belém), assim com para outros estados, como o Amapá, por exemplo.

O município tem como base econômica atividades primárias com pequena

participação do setor industrial e do comércio local; seu ponto forte, porém, nesse

aspecto, ainda são as atividades rurais: agrícolas, pecuárias e pesqueiras. Sob o

aspecto religioso o município destaca-se pelas festividades religiosas como a Festa

São Francisco de Assis (padroeiro do município), celebrada no dia 04 de outubro.

No aspecto artístico-cultural a lenda do Paitunaré8 é a mais representativa entre

várias outras que compõem as narrativas míticas locais. Destacamos aqui a lenda

de “Serra Azul”, que traduz o “encantamento” daquele lugar: a narrativa descreve a

possível abdução de uma boiada por uma vaca misteriosa e, posteriormente, o

encantamento do próprio vaqueiro encarregado de recuperar a boiada.

E por possuir um rico patrimônio natural (cachoeiras, serras, grutas, entre

outros), o município possui patrimônio turístico privilegiado, destacando-se os sítios

arqueológicos. Pastana (1999), se referindo ao potencial turístico de Monte Alegre,

afirma:

dentre os inúmeros Atrativos Histórico-Culturais, merecem destaque os "sítios arqueológicos" e as "pinturas rupestres", testemunhos da mais remota ocupação humana na Amazônia, quiçá, nas Américas. Os sítios mais conhecidos estão localizados na porção centro-sul do município, bem caracterizados no complexo constituído pelas serras da Lua, do Ererê, do Paituna e do Aroxi. (PASTANA, 1999, p.25).

7 Doença viral altamente contagiosa que afeta gado bovino, búfalos, caprinos, ovinos, cervídeos,

suínos e outros animais que possuem cascos fendidos. (pt.wikipedia.org/wiki/Febre_aftosa). 8 A lenda diz que Paitunaré era um índio guerreiro, filho de Gurupatubas, que gostava de cantar e

desenhar, que teria desenhado “caretas” nas rochas da “Serra da Lua”. (Almanaque de Monte Alegre, pg.188).

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Monte Alegre está inserido na mesorregião do Baixo Amazonas –

microrregião de Santarém, e faz fronteira com os municípios de Prainha, Alenquer,

Almeirim e Santarém, todos da região Oeste do Pará. O município possui área de

18.152 km² e localiza-se a uma distância de 623 km (em linha reta) de Belém. Nas

ilustrações 01 e 02, identificamos a Mesorregião do Baixo Amazonas e a localização

do PDS “Serra Azul”, constituído de uma área de 78.469,5670 hectares, localizado

cerca de 100 km da cidade, respectivamente.

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Ilustração 01: Mapa de Monte Alegre e mesorregião do Baixo Amazonas Fonte: Wikipedia, 2010

9. Organizado por Norton Peres C. Maciel (Eng. Ambiental).

9 Disponível em: http://www.wikipedia.org.br/. Acesso em 23 /12/2011.

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Ilustração 02: MAPA GERAL do PARÁ (adaptado), distribuição: SEDUC, 2001 Fonte: SALES, M. A. F. Trabalho de Conclusão de Curso, DEHIS/UFPA, 2009, p.36

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O PDS “SERRA AZUL”: LOCUS DA PESQUISA

O município de Monte Alegre registra sua primeira concessão de terras

públicas para fins de colonização em 192710, onde se instalou, em 1928, o Núcleo

Federal Inglês de Souza, transformado depois em Colônia Agrícola Nacional do Pará

(CANP) ou Colônia Inglês de Souza (1942), sede do primeiro projeto da colonização

contemporânea no município: a Gleba Inglês de Souza, atuamente a de CANP,

como ficou conhecida, povoado elevado à categoria de distrito através da Lei

municipal Nº 4.342 de 14 de novembro de 1995. Lugar, que abrigou até a década de

2000, todos os órgãos federais de colonização criados, fundidos, recriados ao longo

das décadas posteriores culminado com o Instituto de Colonização e Reforma

Agrária – INCRA, criado pelo Decreto nº 1.110 de 09/07/1970.

Nesses mais de oitenta anos de colonização (1927-2011) no município de

Monte Alegre, foram implantados três projetos de colonização; a priori, sob a ótica

“desenvolvimentista” do processo de colonização contemporânea para a região

amazônica: Gleba Inglês de Souza, abrigando cerca de 500 famílias durante as

décadas de 30/40; Gleba Major Barata, que abrigaria mais ou menos 300 famílias,

nas décadas de 50/60 e Gleba Mulata PA-254, nas décadas de 70/80, com o

assentamento na faixa de 2.500 famílias.

Portanto, há mais de 20 anos o INCRA não efetivava no município qualquer

tipo de assentamento e/ou regularização de terras. Hiato que determinaria, a nosso

ver, o acúmulo de problemas decorrentes da disseminação das ocupações

irregulares e da ausência de regularização das terras já ocupadas (comunidades

tradicionais). Claro, esses problemas estão articulados a uma problemática regional

(Oeste) que diz respeito ao abando dos dois “grandes” projetos de colonização

regional: os das rodovias Santarém-Cuiabá e Transamazônica. No contexto local,

10

O Projeto Integrado de Colonização - PIC Monte Alegre foi criado a partir de um imóvel doado pelo Estado do Pará à União, através dos Decretos Estaduais números 4.350/27, 4.179/42, 8.671/42, e 4.296/43, e tinha como finalidade a instalação de núcleos federais de colonização. Este imóvel é composto pelas Glebas Inglês de Sousa, Major Barata e Mulata, perfazendo uma área total de 509.753,3435ha. Em 13 de dezembro de 2000, a Superintendência Regional do Incra no Estado do Pará (SR-01), através da Portaria nº 93, publicou a Consolidação/Emancipação parcial das referidas glebas que compõe o PIC Monte Alegre, perfazendo um total de 3.102 lotes rurais e 168 lotes urbanos, nos termos do Decreto nº 59.428 de 27/10/66, Portaria/INCRA/P/Nº 179/92 de 07/02/92 e da Norma de Execução INCRA/DP/Nº 04 de 02/06/2000. (MDA/INCRA/SR-30, 2010, fl. 4)

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compatíveis (embora em menor escala), com o último, acima citado (PA-254).

Aprofundaremos essa discussão (aporte teórico) na Seção I, deste texto.

Diante dessa problemática agrário-agrícola e, conseqüentemente,

ambiental, ocorre, no final dos anos 90, uma movimentação diferente no município,

mais especificamente na zona rural, identificada nesta fala abaixo:

as famílias vindas de várias regiões do município foram colocadas nos lotes e receberam os títulos de propriedade rural expedidos pelo INCRA. Nos anos 90 se deu inicio ao processo de exploração de áreas ainda não colonizadas, a exemplo de Serra Azul, Região do Novo Brasil e Região do Cupim, dentre outras, no sentido de famílias serem colocadas na terra pelos órgãos responsáveis (INCRA e ITERPA). No início desta década (2000), com a ausência do Estado na Região, vários empresários vindos de outras regiões do Brasil, se apossaram de grandes áreas de terra, demarcando por conta própria em torno de 2.500 hectares […]. No ano de 2005, através da luta dos trabalhadores rurais do município, o INCRA cria o Assentamento PDS Serra Azul, com uma área de mais de 78 mil hectares. (grifo nosso)

11

Além dessa mobilização, a população rural local, formada pelas famílias que

haviam “evadido” do campo, total ou parcialmente, parece ter demonstrado nesse

ínterim, a necessidade de retorno às suas origens rurais. Movidas pela necessidade

de sobrevivência e depois, pela preocupação com a escassez das terras em seus

locais de origem (lotes de pais, avós ou tios), de onde já haviam saído ou

continuavam agregados em condições precárias.

Isso deu notoriedade à “questão” local, tornando premente a necessidade de

“resolução” desse impasse. “no ano de 2005, através da luta dos trabalhadores

rurais do município, o INCRA cria o Assentamento PDS Serra Azul, com uma área

de mais de 78 mil hectares […], para amenizar essa demanda reprimida”. Além

desse, na primeira década deste século, o INCRA efetivou em Monte Alegre vinte e

dois (22) projetos de assentamento rural sob cinco “modalidades de assentamento

da Reforma Agrária”12.

Como podemos ver na Ilustração 03, os 22 projetos de assentamento em

fase de implantação. Entre estes o referido PDS foco do nosso interesse:

11

Fala proferida em 29/01/2009 (palestra sobre “Direito à terra”) pelo presidente do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadores Rurais – STTR, de Monte Alegre-Pa, Sr. José da Costa Alves. 12

Todas as modalidades de assentamentos rurais, sob a responsabilidade do INCRA, em ou fora de vigor. Disponível em: http://www.socioambiental.org/.../DefinioTiposdeAssentamentoeCrditos.pdf. Acesso em 05 ago./ 2010.

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PROJETOS DE ASSENTAMENTOS EXISTENTENTES EM MONTE ALEGRE/200713

NOME DO PROJETO ÁREA TOTAL

DO PROJETO (em hectares)

CAPACIDA

DE EM NÚMERO DE

FAMÍLIAS

PIC MONTE ALEGRE 509.753,0000 3.649

PA CRISTO REI 6.239,8245 115

PA CAMPOS DO POPÓ 7.994,5317 185

PA MARIPÁ 12.666, 9472 650

PA MURIÇOCA 871, 8841 100

PA TERRA PRETA E OLHO D‟ÁGUA 3471, 0650 150

PA VAI-QUEM-QUER 1.584,8566 150

PA BAIXÃO 6.600,1441 110

PAC CAUÇU E BALANÇA 3.662,1718 80

PAC NOVA ALTAMIRA 2.908,2229 80

PAE ALDEIA 2.917,0000 300

PAE CUÇARU 2.350,0000 220

PAE CURRALINHO 400, 0000 40

PAE NAZARÉ 2. 060, 000 180

PAE PIAPÓ 400, 0000 42

PAE SÃO DIOGO 1.060,000 220

PAE CUIEIRAS 600, 0000 120

PAE COSTA DO AMAZONAS 4.800,0000 160

PAE REGIÃO DOS LAGOS 1.332,4848 220

PAE PAITUNA 2.878,3079 180

PAE JACARECAPÁ 1.540,0000 280

PAE JAQUARA 1.845,0000 200

PDS SERRA AZUL 78.934,0941 274

Ilustração 03: Assentamentos criados pelo INCRA em Monte Alegre-Pa, no biênio 2005/2006. Fonte: LAF (INCRA/2008)

Quem são os atores sociais que integram esses assentamentos? Os

beneficiários dos Projetos de Assentamento em Monte Alegre estão contemplados

no leque apontado por Medeiros e Leite (2004, p.17) “posseiros com longa história

de permanência no campo, embora sem título formal de propriedade”. No caso dos

assentados do PDS “Serra Azul”, caracteriza-se por populações que na sua maioria

são formadas por:

13

Quadro adaptado do Laudo Agronômico de Fiscalização – LAF (MDA/INCRA/SR-30/2008).

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filhos de produtores familiares pauperizados que, diante das dificuldades financeiras para o acesso à terra, optaram pelo acampamento e ocupações como caminho possível para se perpetuarem na tradição de produtores autônomos. (MEDEIROS & LEITE, 2004, p.17-18).

Além das 274 famílias que estão sendo alocadas no Projeto “Serra Azul”,

contempladas nas características ressaltadas na fala acima, portanto, quase 4.000

famílias foram “beneficiadas” pelos projetos de assentamento e/ou de regularização

de terras ocupadas e cultivadas no município, algumas dessas comunidades,

existentes há pelo menos um século.

Através da Instrução Normativa Nº 1, de 30 de outubro de 2009, que se

estabeleceu a ação conjunta entre o Instituto de Terras do Pará (ITERPA) e o

INCRA, para fins de regularização fundiária14 das terras públicas do Pará. Apenas

em Monte Alegre esse processo envolveu cerca de 3.500 famílias. Moradoras de

comunidades estabelecidas ao longo de décadas sem que os órgãos estaduais e

federais efetivassem a devida regularização.

O PDS “Serra Azul”, oficialmente criado em 19 de outubro de 2005 pela

Portaria nº 02, publicada pelo Diário Oficial da União em 21 de outubro desse

mesmo ano, constitui-se no primeiro Projeto baseado em critérios pautados na

sustentabilidade ambiental, em Monte Alegre. Entre os procedimentos técnicos de

implantação do assentamento, destacamos a realização da Revisão Ocupacional

(RO)15 pela Superintendência Regional do INCRA – SR-30/Santarém, através do

Levantamento Ocupacional do PDS Serra Azul, realizado em 201016.

Esse procedimento busca, prioritariamente, detectar entre os moradores

situados nos imóvel “posseiros” não residentes e/ou não encontrados no local, no

ato da referida revisão, constantes ou não da RB do PDS. Pois, os 274

“assentamentos” definidos para esse Projeto, estão sendo, prioritariamente,

preenchidos pelas famílias cadastradas na Relação de Beneficiários (RB) do referido

14

“O Programa de Cadastro de Terras e Regularização Fundiária no Brasil atende as áreas rurais devolutas de domínio estadual e consiste numa ação social de regularização fundiária garantindo segurança jurídica aos agricultores familiares e o acesso às demais políticas públicas do governo, entre elas o crédito rural e a assistência técnica”.Fonte: http://www.mda.gov.br/portal/sra/programas/regularizacao. (consulta realizada em 05/09/2010) 15

Procedimento técnico realizado pelo INCRA (Superintendência Regional – SR-30/Santarém-PA) para avaliar e selecionar, a partir dos critérios do PDS, quais famílias seriam assentadas. 16

O Levantamento Ocupacional do PDS SERRA AZUL, realizado sob a Coordenação técnica do Engº Agrônomo Rondinele Nascimento Querino (INCRA/SR-30).

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28

assentamento. Caso o quantitativo cadastrado (760 famílias), número registrado no

Sistema de Informação de Projetos de Reforma Agrária – SIPRA, embora de forma

aleatória, conforme o Relatório do referido diagnóstico.

Após análise daquele órgão, o número de famílias selecionadas não

equivalha à capacidade do Projeto (274 famílias), outras famílias que não se

encontram em RB, poderão ser contempladas, contanto que sejam “clientes de

reforma agrária”, conforme o próprio Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA

(2006): além de indígenas, quilombolas, extrativistas e pescadores artesanais, os

“pequenos produtores, que necessitam ter acesso à terra, os que têm terra regime

precário de uso e posse, os posseiros em terras públicas, os proprietários com terras

que vivam em regime de economia familiar”17.

Portanto, foi a partir desse lugar – PDS “Serra Azul”, que lançamos um olhar

investigativo sobre a inserção desses sujeitos históricos naquele contexto, de suas

falas, posturas, atividades, relações, etc. À luz do referencial teórico, buscamos

captar saberes indicadores de sustentabilidade ambiental, a partir de suas práticas

educativas desses sujeitos.

Enfim, buscamos fazer dessa abordagem um “mergulho cultural”

[re]construindo um maior sentido de pertencimento, enquanto sujeito, resgatando

algumas trilhas que nos fizeram ser quem somos. Pois, nossas motivações para

esse trabalho de pesquisa são pertinentes à nossa história de vida, intrinsecamente

ligada à história da qual, em parte, aqui nos ocupamos.

PROBLEMA E OBJETIVOS DA PESQUISA

A investigação realizada se justificou por diversos motivos, entre os quais:

pelo destaque que o referido Assentamento ganhou junto à sociedade de Monte

Alegre, devido à modalidade proposta (PDS). Pois, entendemos que estejam

implicadas ali demandas culturais decorrentes do longo processo de colonização a

que o município foi submetido, oficialmente, a partir de 1927. Nosso interesse em

17

Disponível em: portal.mda.gov.br/portal/sra/.../regularização. Acesso em 05 ago./2010.

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29

relação à problemática acerca PDS “Serra Azul” nos parece identificada com o que

aponta Hart (2007) sobre a inserção do professor como sujeito da pesquisa

qualitativa, agindo sobre o que teoriza. No nosso caso, teorizando sobre o ambiente

de nossas vivências e ações.

Nós agimos de maneira a refletir nossas crenças como o mundo funciona. [...] Se a pesquisa pode ser vista similarmente como uma prática social, então a qualidade não pode ser efetivada senão aumentando a coerência entre as ações dos pesquisadores e os valores que eles se propõem a assumir [...]. Minhas histórias revelam meus valores e atitudes, meus interesses e responsabilidades, tanto como professor quanto como pesquisador. (HART in: GALIAZZI, 2007, p. 26-27).

Este é o sentimento que temos a respeito do ambiente que tomamos como

objeto deste estudo. Lugar de construção da nossa história de vida e de trabalho,

que nos chamou a atenção, em principio, pela sua aparente singularidade,

considerando o histórico de colonização do município de Monte Alegre-PA e a

proposta técnica da modalidade: PDS. Considerando essa temática, definimos como

problema desta investigação:

Que saberes socioambientais indicadores de sustentabilidade emergem das

práticas dos assentados do PDS Serra Azul?

Pertinentes a este, elegemos algumas questões norteadoras para nos ajudar

a elucidá-lo, tais como:

Quais as percepções dos sujeitos acerca da sustentabilidade ambiental?

Como se materializam os saberes socioambientais nas práticas dos

assentados no PDS “Serra Azul”?

Como esses saberes podem indicar uma proposta de educação ambiental,

para o local?

A partir do problema e das questões acima, definimos como Objetivo Geral

da pesquisa:

Identificar os saberes socioambientais indicadores de sustentabilidade que

emergem das práticas dos moradores do PDS “Serra Azul”.

E os Objetivos Específicos:

Analisar que percepções os assentados possuem acerca da sustentabilidade

ambiental local;

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Identificar nas práticas dos sujeitos os saberes socioambientais em

gestação;

Desvelar elementos para uma proposta de educação ambiental nas práticas

dos assentados do PDS “Serra Azul.

Foram essas as questões que nos propuzemos responder neste estudo,

relativas aos objetivos acima propostos, a partir da pesquisa de campo, teórica e

bibliográfica, cujo referencial teórico que enunciaremos ao final desse item. Porém,

tomamos como base de análise, prioritariamente as observações e narrativas dos

sujeitos assentados, em particular dos intérpretes da pesquisa ou entrevistados.

Narrativas, consoante a Hart (2007, p.16), representam o “modo de pensar e sentir”

desses sujeitos, pois, segundo este, “a narrativa usa o conhecimento relatado na

tentativa de dar significado aos modos pelos quais os seres humanos compreendem

o mundo e comunicam essa compreensão para os outros”. E para MacLaren (1997,

p.170), ao citar Kemp (1989, p.72) “as narrativas possuem uma qualidade

dialética – são contadas enquanto são vividas e vividas enquanto são contadas”.

O CAMINHO METODOLÓGICO

Sob o aspecto metodológico, elegemos a abordagem do Materialismo

Histórico por entender que, entre os demais paradigmas, é o que oferece melhores

possibilidades de análise à problemática da pesquisa. Como Marx (1979) afirmou,

são as condições materiais de existência dos homens em suas relações sociais

concretas com os outros homens, que determinam a consciência.

Portanto, abordagem que contemplou nosso objeto de pesquisa pela

condição de “sujeitos históricos” dos sujeitos do estudo – trabalhadores rurais, filhos

e netos dos antigos colonos, de um processo de colonização iniciado há mais de oito

décadas. Portanto, essa abordagem metodológica nos permitiu um olhar crítico para

cotejar experiências vividas e novas experiências em construção por esses sujeitos,

que têm na atividade agrícola a base de sua subsistência.

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O enfoque foi qualitativo. Baseado no entendimento de “estudo qualitativo”

de Lüdke & André (1986, p.18), para os quais esse tipo de estudo “é o que se

desenvolve numa situação natural, é rico em dados descritivos, tem um plano aberto

e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada”.

Quanto ao procedimento metodológico, elegemos o estudo de caso por

considerá-lo pertinente ao nosso trabalho quanto ao caráter especifico do nosso

objeto; pois, o estudo de caso, conforme Yin (2005, p. 19), representa uma

importante estratégia “quando o pesquisador tem pouco controle sobre os

acontecimentos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos

inseridos em algum contexto da vida real”.

Considerando a singularidade do PDS “Serra Azul”, face ao histórico da

“colonização” local, trilhamos o “estudo de caso”; a partir da concepção de Lüdcke &

André (1986, p. 20) de uso desse procedimento de estudo, qual seja: “quando o

objeto ou situação estudada podem suscitar opiniões divergentes, o pesquisador vai

procurar trazer para o estudo essa divergência revelando ainda o seu próprio ponto

de vista sobre a questão”. Razões, pertinentes ao objeto (assentamento) tanto pela

especificidade da modalidade (PDS) como por este se encontrar em fase de

implantação, portanto, imerso em conflitos, intrínsecos a essa fase.

A pesquisa bibliográfica foi através de consultas tanto a material impresso

quanto a conteúdos disponíveis na internet. A documental: com estudo de

documentação referente à legislação agrária e ambiental, documentos específicos

sobre o Assentamento (PDS “Serra Azul”), adquiridos junto à Unidade Avançada18

do INCRA local e da Superintendência Regional; e a pesquisa de campo, por meio

de entrevistas e observações.

Todas pautadas nos conceitos de Severino (2007, p.122-123), para quem a

pesquisa bibliográfica “é aquela que se realiza a partir do registro disponível,

decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos,

teses etc.”; a pesquisa documental, segundo esse autor tem como fonte, não apenas

documentos impressos, mas, “outros tipos de documentos, tais como, jornais, fotos,

18

São “órgãos descentralizados, de caráter transitório, subordinados às Superintendências”. Disponível em: http://www.incra.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=section&layout=blog&id=11&Itemid=64. Acesso em 03 jul./2011.

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filmes, gravações, documentos legais.”, e a pesquisa de campo, cujo “objeto/fonte é

abordado em seu meio ambiente próprio”, por meio da observação direta e

sistemática, como suporte na captura dos significados mais sutis; no entanto,

reveladores para um estudo qualitativo, pois “consiste em ver, ouvir e examinar fatos

e fenômenos que se deseja estudar” (LAKATOS; MARCONI, 2001, p. 107), com a

necessária imparcialidade e competência fidedigna aos fatos acontecentes.

Registros do Diário de Itinerância, cuja “coleta dos dados é feita nas

condições naturais em que os fenômenos ocorrem”, conforme Lakatos & Marconi

(2001). Diário, que segundo Barbier (2007):

é um instrumento metodológico específico. Enquanto tal distingue-se das outras formas de diário […]. A itinerância representa um percurso estrutural de uma existência concreta tal qual se manifesta pouco a pouco, e de uma maneira inacabada no emaranhado dos diversos itinerários percorrido por uma pessoa ou por um grupo. (BARBIER, 2007, p.133-134).

Portanto, o referido “diário” serviu de suporte para nossas observações,

inclusive anteriores à definição do objeto de pesquisa. Anotações e percepções no

contato direto com os sujeitos e no lócus da pesquisa, para que detalhes

importantes não passassem despercebidos e/ou omitidos no processo de análise

dos dados.

Como instrumento para coleta de dados na pesquisa de campo, utilizamos a

entrevista semi-estruturada, que, conforme Ludcke e André (1986, p.34) “se

desenvolve a partir de esquema básico, porém não aplicado rigidamente, permitindo

que o entrevistador faça as necessárias adaptações”. Encaminhada, portanto, a

partir de um roteiro previamente pensado e elaborado, considerando o contexto da

pesquisa e dos sujeitos históricos participantes e cujo conteúdo se deteve à

investigação dos saberes socioambientais e demais categorias teóricas do estudo.

Quanto aos critérios de escolha dos sujeitos da pesquisa, adotamos a

“técnica de amostragem de bola de neve” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p.99), que

consiste em o entrevistado sugerir outro(s) sujeito(s) a ser entrevistado(s). Isso se

deu a partir de janeiro de 2010, e, mais substancialmente, a partir das duas visitas

que fizemos ao Assentamento com a finalidade de realizar as entrevistas e nos

dedicar à observação. Visitas essas, realizadas respectivamente em fevereiro e

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maio de 2011; onde permanecemos no local, em média por uma semana, em cada

período.

Optamos por uma amostragem não probabilística, por acessibilidade: técnica

adotada considerando as distâncias e dificuldades de acesso ao local da pesquisa e

aos moradores, especialmente no inverno, pois nesse tipo de amostra, conforme Gil

(1994):

o pesquisador seleciona os elementos a que tem acesso, admitindo que esses possam de alguma forma, representar o universo. Aplica-se esse tipo de amostragem em estudos exploratórios ou qualitativos, onde não é requerido elevado nível de precisão. (GIL, 1994, p.97).

Quanto à análise dos dados, foi feita a partir da “Análise do Discurso”, sob a

perspectiva de Orlandi. Para efeito de análise dos dados desta pesquisa, tomamos

as narrativas dos sujeitos (entrevistas e observações) que fizemos ao longo do

processo da pesquisa de campo, sobre o cotidiano do assentamento. Pautados no

que Orland (2008, p.16) concebe como discurso: “o discurso é um objeto histórico-

social, cuja especificidade está em sua materialidade, que é lingüística”. Nesse

sentido, ainda para essa autora, “na perspectiva da análise do discurso, entretanto,

tomar a palavra é um ato social com todas as suas implicações: conflitos,

reconhecimentos, relações de poder, constituição de identidade, etc.”.

Orlandi (2009, p.19), atribuindo ao materialismo histórico uma das filiações

teóricas da Análise do Discurso, afirma que essa “pressupõe o legado do

materialismo histórico, isto é, o de que há um real da história de tal forma que o

homem faz história, mas, esta também não lhe é transparente”. Foi, pois,

considerando a perspectiva defendida por Orlandi que procuramos analizar essa a

fala dos nossos intérpretes, sujeitos deste estudo.

E, por fim, quanto aos cuidados éticos, obtivemos as informações, relativas

às entrevistas e às imagens, amparados pelo TCLE – Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido. Consoante a Teixeira (2009, p. 158): “a obtenção do

consentimento esclarecido é um processo de negociação que exige respeito aos

direitos e à dignidade do indivíduo”. Assim como a pesquisa documental e/ou

aquisição de documentos foi realizada por intermédio de ofício da Coordenação do

Mestrado.

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QUEM SÃO OS SUJEITOS DA PESQUISA? (perfil dos intérpretes)

Entre os sujeitos indicados pela técnica escolhida (bola de neve), realizamos

nove (09) entrevistas. Amostra que escolhemos pelo critério de probabilidade e

acessibilidade, critério definido em consenso com a orientadora, considerando a

dificuldade de locomoção e acesso ao local e o número de famílias (274) aptas ao

assentamento ainda está em processo de deferimento (análise do Sistema de

Informação de Projetos de Reforma Agrária - SIPRA).

As referidas entrevistas foram realizadas em três momentos: primeiro com

Charles, em janeiro/2010; segundo com Helena, Isaías, Lindeuza e Seu Valdi, em

fevereiro/2011; e, por último (refeitas) com: Adinamar (Pará), Francisco (Kiko) e Seu

Milton, em maio/2011. Neste último período, tínhamos agendadas mais três

entrevistas, na parte final do assentamento, que não foram concretizadas devido à

total intrafegabilidade das vias de acesso ao local. Assim sendo, nos restringimos

em refazer somente aquelas que não tinham atendido ao escopo do objeto, devido a

falhas no aparelho de gravação.

CHARLES PIRES DE ARAÚJO, 42 anos, natural do município de

Santarém-PA, tendo se instalado em Monte Alegre, já há algum tempo com o pai.

Vive em regime de união estável com a sua companheira, tem 02 filhos, nível de

escolaridade: Ensino Médio (completo). Demonstra um nível de informação

privilegiada acerca do PDS, se diferenciando da maioria dos assentados e demais

lideranças, pela autonomia e coerência em sua fala, e capacidade crítica de análise

do processo local e regional de implantação dessa e das demais modalidades de

assentamentos pelo INCRA.

Destacamos Charles, como co-intérprete na elaboração deste Texto, pela

sua relevância na realização deste estudo. Nosso interlocutor no processo de

pesquisa, desde a elaboração pré-projeto de pesquisa, esse, se colocou à nossa

disposição para fornecer as informações básicas acerca do PDS “Serra Azul”,

quanto à sua relevância histórica, ao seu processo de implantação e perspectivas de

concreção.

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Reiteramos a importância do referido intérprete, tanto pela formidável

contribuição relativa ao levantamento das informações básicas para a pesquisa de

campo e documental, quanto por haver intermediado (juntamente com Paulinho –

Pres. da ASA) os nossos primeiros contatos como os demais sujeitos desta

pesquisa. Atores que nos serviram como “termômetro” quanto à hora adequada para

“entrar” ou não para o assentamento: pelas condições de trafegabilidade do local e

de acesso aos sujeitos da pesquisa, entre outros. Esses sempre estiveram à nossa

disposição para as informações que necessitássemos.

A entrevista desse intérprete (Charles) rica em detalhes sobre a modalidade

(PDS) e especialmente sobre o objeto serviu de “pano de fundo” para a nossa

compreensão e análise sobre este objeto (PDS “Serra Azul”) em construção. Além

desse, de ter viabilizado nosso acesso aos documentos oficiais (INCRA local e SR-

30), conversas e observações com técnicos e gestores (locais e regionais) desse

órgão, documentos e contatos que nos auxiliaram na análise das falas dos

intérpretes.

Destacamos como a principal contribuição desse sujeito, a este trabalho, a

sua imediata compreensão quanto à importância do estudo. Compreensão, que

atribuímos à sua participação, privilegiada, como liderança do PDS “Serra Azul”

(membro da ASA) e dos demais projetos de assentamento em processo de

implantação no município e na região Oeste do Estado. Atuando como membro do

Conselho de Assentamentos de Reforma Agrária de Monte Alegre-PA (COARAMA)

e do Conselho Consultivo da FLOTA Paru.

ISAIAS ABREU DA SILVA, 35 anos, natural do município de Monte Alegre-

PA, vive em regime de união estável com a sua companheira, tem 03 filhos, nível de

escolaridade: 2º ano do Ensino Fundamental, neto e filho de antigos colonos da

Gleba Inglês de Souza e da PA 254, respectivamente. Veio para o PDS, assim como

a maioria dos assentados, devido às terras dos pais já não oferecem mais condições

de sustento para os filhos, e/ou parentes agregados, tanto pela qualidade

(empobrecimento do solo e escassez dos demais recursos) quanto pela quantidade

insuficiente para todos, entre outros. Homem simples, falante, considerado por seus

pares (assentados) um destemido, frente às dificuldades do local, com extrema

disposição para o trabalho duro e da rotina de sobrevivência daquele local

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(agricultura, caça, pesca). Parece íntimo da floresta e das suas possibilidades e

mistérios... É um entusiasta do PDS;

LINDEUZA COSTA DE MENEZES, 30 anos, natural do município de Monte

Alegre-PA. Antes agregada, com a família, às terras do pai no Setor 06 da PA-254.

Vive em regime de união estável com o seu companheiro, tem 03 filhos, nível de

escolaridade: 2º ano do Ensino Fundamental. Fora a entusiasta do companheiro em

vir para o assentamento. Motivada pela possibilidade de aprender coisas novas com

os recursos naturais ali existentes ali: cipós, óleos, palhas. Aposta no êxito do

projeto, mas reclama da ausência de organização comunitária (Ig. católica), como

espaço de socialização de saberes e de confraternização semanal (domingos), pois

acha a vida social no assentamento, muito monótona;

VALDI GOMES DA SILVA, 58 anos, natural do Estado do Maranhão,

casado, tem 06 filhos. Seu Valdi, uma pessoa boníssima, possui uma evidenciada

capacidade de adaptação às dificuldades daquele local, demonstra profunda

identificação com a terra e com a mata. Possui uma história diferenciada dos demais

intérpretes: migrou do seu Estado de origem ainda jovem, se radicalizando no

município de Santarém-PA. Onde se tornou “posseiro” no imóvel que atualmente

compõe a “Flona do Tapajós”19, de onde saiu depois de longos anos de trabalho na

agricultura, deixando para traz “benfeitorias de anos de trabalho”, conforme nos

contou. Demonstrando frustração com aquele projeto e apreensão face à

“indefinição do PDS” ou à possibilidade de desmoronamento do projeto, embora

resista à idéia da posse coletiva. Confessa que não se sente dono da terra, mas

empregado do governo. Ainda assim, acredita da viabilidade do projeto, se houver

determinação por parte do INCRA e apoio do governo. Seu maior sonho: é a posse

legal da terra pela primeira vez, pra viver tranqüilo, fazendo o que gosta;

HELENA WHITE PAIVA MARINHO, 29 anos, nascida no Estado do

Amazonas-AM, de onde veio ainda criança e passou a morar com a família, em

19

A Floresta Nacional do Tapajós, criada pelo decreto nº 73.684, de 19/02/1974. Consoante à Silva (2008,

p.115): “em meio ao processo de implantação das teses de integração da região amazônica à economia nacional,

bem como, no meio das discussões relativas à necessidade de estabelecimento de respostas nacionais aos

reclamos de conservação ambiental instituídos pelos movimentos ambientalistas globais, naquele momento, já

fortalecidos pela realização da Conferência de Estocolmo. A implantação da FLONA dialoga, portanto, com os

conflitos instituídos entre os interesses conservacionistas da política ambiental global, anunciados em Estocolmo

sob os auspícios da ONU, e os interesses nacionais com base na perspectiva do nacional-desenvolvimentismo do

militarismo brasileiro dos anos 70”. Para maior aprofundamento sobre a temática, sugerimos consulta à Obra

citada.

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terras de parentes, na colônia Inglês de Souza. Vive em regime de união estável

com o seu companheiro, tem 03 filhos, nível de escolaridade: Ensino Fundamental

(completo). Assim como os/as demais, questiona a lentidão do processo de

assentamento e reconhece a importância do projeto (modalidade PDS) para o local,

aponta práticas sustentáveis, como re-aproveitamento da madeira dos roçados.

Descarta a ignorância dos moradores quanto aos critérios da modalidade de

assentamento PDS, considerando o processo de esclarecimento sobre seus

aspectos filosófico-legais, entre outros;

ADINAMAR RODRIGUES DA SILVA (“PARÁ”), 40 anos, natural do

município de Monte Alegre-PA, casado, tem 03 filhos, nível de escolaridade: 4º ano

do Ensino Fundamental. Esse sujeito nos demonstrou um nível de sensibilidade

diferenciado quanto à necessidade de preservação dos recursos naturais daquele

lugar, nos contou que mantém sua RL, intacta por acreditar na possibilidade de

futuramente ela vir a ser economicamente mais viável que o seu uso imediato

(devastação). Este define sustentabilidade, como sendo o fato de “saber viver”, além

de ressaltar o prazer que têm de poder fazer parte de um projeto, cujo foco é a

preservação desse ambiente para as gerações futuras.

FRANCISCO PINHEIRO DA SILVA (“KIKO”), 37 anos, natural do município

de Monte Alegre-Pa, vive em regime de união estável com sua companheira, tem

03 filhos, nível de escolaridade: Ensino Fundamental (incompleto). Esse, não

esconde seu descontentamento com os critérios do modelo PDS, principalmente, o

que se refere à posse coletiva, mas reitera a importância do uso “controlado” dos

recursos, embora compreenda que sua viabilidade só será possível com a ”ajuda do

governo”. De modo a dar condições aos assentados, possibilitando o

desenvolvimento de atividades alternativas de sobrevivência, como: criação de

peixes em cativeiro, de plantação de culturas permanentes, entre outros, ambas com

a devida assistência técnica e financiamento.

MILTON ALVES MELO DE SOUSA, 45 anos, natural do município de

Bragança-PA, casado, tem 03 filhos. Vindo, com a família, ainda jovem para Monte

Alegre, radicalizados na região da CANP. Tendo, segundo este, se fixado na região

de “Serra Azul” há 6 anos, com a família. É defensor, assim como “Kiko”, da

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desincorporação da área da “matona” do PDS. Mas também concorda com um uso

mais racional dos recursos, através de projetos alternativos, com ajuda do governo.

ANA ELMA PORTO DE SOUZA, 38 anos, natural do município de Monte

Alegre-PA, também filha e neta de colonos, portanto com histórico de vida

semelhante aos demais. Vive em regime de união estável com seu companheiro,

tem 02 filhos possui o Ensino Médio (completo). Demonstra bastante orgulho das

atividades sustentáveis que já conseguiram incorporar à sua prática de uso dos

recursos, como o do igarapé do entorno de casa, ou seja, a pequena represa onde

cultiva peixes para o consumo da família e pelo zelo com o igarapé. Orgulho

enfatizado durante a entrevista e demonstrado ao nos mostrar peixes pescados no

referido criatório, assim como o igarapé bem cuidado.

Como podemos observar, a partir do perfil dos intérpretes, no geral os

assentados de “Serra Azul”, nascidos ou não no município, são descendentes de

colonos dos projetos de colonização aos quais nos reportamos. Outro destaque que

registramos, a partir desses intérpretes, são as precárias condições de vida que

levaram a maioria desses assentados ao projeto, em decorrência da exaustão dos

referidos projetos de colonização. Fator reiterado, direta ou indiretamente, pelos

sujeitos da pesquisa.

PERSPECTIVAS TEÓRICAS DO ESTUDO

Pautamos nossas aproximações teóricas acerca do objeto sobre o qual

elaboramos o projeto que resultou nesta dissertação, sob uma perspectiva crítica,

buscando mediar o referencial teórico entre as questões relativas ao objeto e o do

descritor da linha de pesquisa: saberes culturais e educação na Amazônia, do

Mestrado em Educação do Programa de Pós-Graduação (PPGED) da Universidade

do Estado do Pará (UEPA).

Na Seção I - A colonização contemporânea na Amazônia paraense:

aspectos agrários e ambientais locais. Partimos de uma breve introdução à história

da Amazônia enquanto “paraíso” imaginário, a partir da releitura de Gondim (2007) e

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da perspectiva de Porto-Gonçalves (2008); aspectos da colonização dos governos

brasileiros, principalmente ao longo do Século XX para a região, através das

reflexões de Becker (1998, 2001, 2006) e Hébett & Marin (2004, Vol. I) e Hébett

(2004, Vol. II e III), Petit (2003), Guerra (2002, 2004) e outros.

No desenvolvimento desta Seção, buscamos suscitar alguns aspectos

acerca do processo de colonização oficial e da “reforma agrária”, pensadas e

aplicadas à região amazônica ao longo do século passado e início deste. Sua

filosofia e suas “conseqüências desastrosas” para a população regional são

evidenciadas sob a ótica de Hébett, importante pesquisador desse tema; de Becker,

que explana sobre os efeitos negativos das políticas públicas agrárias e ambientais

sobre o território e as populações amazônicas, entre outros autores que nos ajudam

a pontuar esse tema.

Sob esses aspectos, e a partir do mesmo referencial teórico, situamos a

região Oeste do Pará e o município de Monte Alegre, contexto do nosso lócus de

pesquisa. O nosso objeto – PDS “Serra Azul”, o descrevemos, primeiramente, a

partir dos aspectos gerais da modalidade, tendo como referência alguns documentos

oficiais e referências locais, como: Rodrigues (2009), Araújo (2007) e Pereira (2006),

que vêm tentando desvelar as políticas agrárias para a região (amazônica) a partir

dos anos 90 do século passado.

Na Seção II - Aproximações teóricas: dialogando com as principais

categorias conceituais desse estudo, realizamos breves reflexões teóricas acerca

das categorias que nortearam este estudo, relativas à linha de pesquisa e ao objeto,

mais especificamente: desenvolvimento sustentável; sustentabilidade ambiental;

cultura, saberes/saberes socioambientais e educação/educação ambiental. A

principal referência teórica nessa seção, e da discussão como todo, foi Leff (2001,

2003, 2004, 2007, 2009) num breve diálogo com outros autores que discutem as

questões ambientais, a partir das categorias teóricas já referidas, como: Sachs

(2002, 2009), Viana (2007), Dias (2004), Gadotti (2000, 2003, 2008), Charlot (2000),

Brandão (1995, 2002), Loureiro (2005), Sato & Carvalho (2005) e outros.

Na Seção III – O [en]cantamento de “Serra Azul”: saberes socioambientais,

sustentabilidade e educação ambiental - destinada à análise dos dados - nos

empenhamos em analisar os discursos dos atores por meio dos documentos oficiais

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(relatório e laudo sobre o PDS) e, em especial, das falas dos sujeitos da pesquisa

(entrevistas). O referencial teórico contemplado, a técnica de análise do discurso, a

partir de Orlandi (1989, 2008, 2009) e de autores como Freire (2004, 2005) e Leff

(2001, 2003, 2004, 2007, 2009), serviu de parâmetro para introduzir o diálogo sobre

esse objeto; no sentido de desvelar possíveis saberes ambientais que estão sendo

inscritos por esses atores e que possam trazer mudanças efetivas para o contexto

local, no que tange ao histórico de relação de posse e uso da terra.

E, finalmente, nossas considerações finais, que denotam nossas impressões

sobre o que vimos e ouvimos durante a pesquisa. Os resultados que alcançamos

demonstram o momento de constituição do PDS “Serra Azul”, em meio aos conflitos

de interesses em torno da posse e uso da terra naquele local. Apontamos o que

consideramos como falhas na viabilização do projeto e saberes ambientais

identificados nas práticas dos assentados.

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SEÇÃO I

A COLONIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA NA AMAZÔNIA PARAENSE: ASPECTOS

AGRÁRIOS E AMBIENTAIS LOCAIS

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1.1 AMAZÔNIA: ASPECTOS HISTÓRICOS DA OCUPAÇÃO DO “PARAÍSO” IMAGINÁRIO

Nesta Seção, pontuamos, pontos de vistas sobre a imagem que se costuma

“ter” ou “fazer” “da” ou “sobre” a Amazônia, que nos instigam a repensar o

[des]conhecimento e o [pré]conceito que nos habituamos a ter, invariavelmente, a

partir de avaliações externas sobre nossa origem amazônica. O fizemos, a partir de

Gondim (2007) e Porto-Gonçalves (2008), apenas para introduzir a reflexão, embora

breve, sobre o tema em questão.

Gondim em “A invenção da Amazônia” (2007) faz uma releitura histórica,

identitária, das origens do universo amazônico, concepção forjada sobre a

Amazônia, e afirma que esta “não foi descoberta, sequer construída”, mas

inventada, “a partir da construção da Índia, fabricada pela historiografia greco-

romana, pelo relato dos peregrinos, missionários, viajantes e comerciantes”

(GONDIM, 2007, p.13).

Essa autora, considera que muitos povos originários e imigrantes acabaram

se estabelecendo com a região amazônica uma relação “endógena”, enquanto lugar

de sobrevivência laboriosa, mas prazerosa pelos seus encantos e abundância de

vida (terras, matas que dão frutos comestíveis, seivas curativas, praticamente

milagrosas, animais de várias espécies que provêem alimento, rios e lagos piscosos,

entre muitos outros).

A idéia de “Oasis” que está pautada desde a colonização da América,

segundo Gondim (2007), sob a compreensão “marxiana” da importância econômico-

histórica do “novo mundo” para a empreitada capitalista da burguesia nascente,

o descobrimento da América e a circunavegação da África oferecem à burguesia em ascensão um novo campo de atividade. Nos mercados da Índia e da China, a colonização da América, o intercâmbio com as colônias, a multiplicação dos meios de troca e das mercadorias em geral imprimiram ao comércio, à navegação e à indústria um até então desconhecido e aceleraram, com ele, o descobrimento do elemento revolucionário da sociedade feudal em decomposição. (GONDIM, 2007, p.22).

Dentre os “novos olhares” sobre a origem histórica da América e, em

particular, da Amazônia, este tem nos possibilitado a desmistificação de antigos

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postulados, como é o caso da história do “descobrimento”. Essa [re]leitura proposta

pela referida autora nos possibilita uma compreensão crítica desse processo,

invariavelmente ignorado na literatura à qual nos acostumamos a ter acesso,

principalmente a partir da escola. Gondim (2007) ilustra bem a visão pré-concebida

sobre a Amazônia ou mais precisamente sobre o homem amazônida, segundo a

perspectiva do colonizador:

o viajante vai anotando o que considera “mais notável”. Mede uma árvore tombada, de vinte e sete metros de comprimento por quase oito de circunferência. É atormentado pelas nuvens dos mais variados tipos de mosquitos. A fartura de peixes, acredita, estimula a preguiça dos índios. (GONDIM, 2007, p.142).

Paradigma intitulado por Rodrigues (2009, p.95 -98) de “o mito da indolência

e da preguiça dos nativos”, usado para justificar a opressão dos colonizadores sobre

os indígenas. Conforme esta autora:

descrito sempre como um indolente, adepto da ociosidade e dos prazeres fáceis, o amazônida foi estigmatizado como um ser inferior por natureza, incapaz de absorver a civilização que era oferecida pelo homem branco. Essa imagem negativa cristalizou-se. (RODRIGUES, 2009, p.99-100)

20

A Amazônia, vista sob a ótica do colonizador, a partir de suas riquezas

naturais (espécies da fauna e da flora, rios piscosos etc.) denota uma visão

simplista, mesmo quando o discurso parece “enaltecê-la”; a pecha de “preguiçoso”

do nativo, uma crítica claramente pejorativa sobre os habitantes originários da

América, e em particular da Amazônia: os indígenas e os caboclos. Sob essa ótica,

que reflete bem a ganância do colonizador, inúmeras nações indígenas que

habitavam esse território foram brutalmente exterminadas, quando não, tiveram sua

cultura extremamente maculada.

Segundo Porto-Gonçalves (2008):

esse verdadeiro consenso que existe a respeito do que seja a Amazônia é, na verdade, uma imagem que foi contraditoriamente construída ao longo da História. É, na verdade, mais uma imagem sobre a região do que da região […]. Para os habitantes da própria região, a “Amazônia” é um termo vago, que adquire múltiplos significados correspondentes aos mais diferentes

20

Para maior aprofundamento sobre o tema indicamos a leitura da referida Obra: Revolução Cabana e Construção da Identidade Amazônida. (RODRIGUES, 2009).

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contextos socioecológicos e culturais específicos que são os espaços do cotidiano. Assim, enquanto para uns – os de fora, a “Amazônia” aparece no singular, para outros, isto é, para os que nela moram – ela é plural e multifacetada. (PORTO-GONÇALVES, 2008, p. 17-18).

Seja sob a [re]leitura de Gondim (2007), a visão pré-concebida sobre a

Amazônia sob a perspectiva do colonizador, ou sob a contundente reflexão de Porto-

Gonçalves (2008), as imagens forjadas sobre a Amazônia, a partir de visões que se

contrapõem à ótica colonialista européia que justificou, histórica e culturalmente, a

voracidade colonialista com que o “velho mundo” se lançou sobre territórios, povos e

culturas desta região. A visão da região com simples “porção centro-oriental da

América do Sul”, de clima quente e úmido, coberta por uma densa floresta tropical

de imensas riquezas; costurada por caudalosos rios, como Solimões e Amazonas,

que acolhem populações formadas por índios e caboclos, ou simplesmente por ser

cortada pela linha do equador.

Os teóricos e pesquisadores que abordam o processo de desenvolvimento

da Amazônia a partir dos aspectos sociais, econômicos, políticos, históricos,

culturais etc., são unânimes em reconhecer que as políticas públicas para a região,

em geral, têm sido incompatíveis com as necessidades de suas populações. E, nas

discussões acerca das questões agrárias regionais, não poderia ser diferente.

Vejamos algumas leituras sobre essa questão agrária por Martins (2004), Porto-

Gonçalves (2008), Becker (1998, 2001, 2006), Hébette (2004, vol. I, II, III), Guerra

(2004), entre outros.

Becker (2006, p. 23-29) que sugere sua divisão em três períodos: o primeiro

compreendido entre 1916-1930 como da “formação territorial”, 1930-1985 do

“planejamento regional” e a partir de 1985 denomina de “a incógnita de heartland”21.

O primeiro é caracterizado pela “apropriação lenta e gradativa do território,

estendendo a posse portuguesa para além do tratado de Tordesilhas e tendo como

base econômica a exportação das “drogas do sertão”. O segundo representa a

aceleração “do processo de ocupação da Amazônia, marcado pelo planejamento

governamental, com a formação do moderno aparelho do Estado e sua crescente

21

Conceito proposto por Sir Halford Mackinder em 1904 para a massa continental eurasiana e sua diversidade físico-geográfica, utilizado por Becker (2006, p. 29) para definir o período, segundo ela, a partir de 1996 representa “uma nova fase no processo de ocupação regional se configura, caracterizada por políticas paralelas e conflitantes” que justificam a referida denominação.

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intervenção na economia e no território”. Sobre esse, o autor ressalta que o

processo não foi uniforme. E o terceiro, conforme essa autora, dividido em “dois

processos opostos têm como marco o ano de 1985”:

por um lado, o esgotamento do nacional desenvolvimentismo inaugurado na era Vargas com a intervenção do Estado na economia e no território. Por outro lado, […] um novo processo tem início com a criação do Conselho Nacional de Seringueiros, simbolizando um movimento de resistência das populações locais – autóctones e migrantes – à apropriação da terra (BECKER, 2006, p.27).

Para Becker (1998) o processo de ocupação da Amazônia, a qual chama de

“fronteira gigantesca”22, implementado pelos governos militares após o Golpe de 64,

possui todo um delineamento histórico: “o povoamento da Amazônia a partir da

colonização se fez sempre em surtos devastadores vinculados à expansão do

capitalismo mundial” (BECKER, 1998, p. 11). Conforme esta pesquisadora, esse

processo teria tido início com o devassamento da floresta tropical de várzea em

busca das “drogas do sertão” que serviriam como condimento e suprimentos à

farmácia européia; devassamento significativo ocorreria, porém, no final do século

XIX e início do século XX com o “ciclo da borracha”, demandado pelo processo de

industrialização americano e europeu.

Becker (1998, p.11-12) lembra, ainda, que na década de 20 tem início “as

frentes pioneiras agropecuárias e minerais espontâneas oriundas do Nordeste,

intensificadas nas décadas de 1950 e 1960”. Mas, é a partir de 1970, que o “Estado

brasileiro […] toma para si a incumbência de um novo e ordenado devassamento

amazônico” em virtude da inserção do Brasil (país periférico) em uma nova ordem

mundial e as necessidades decorrentes de tal demanda:

a ocupação da Amazônia se torna prioridade máxima após o golpe de 1964, quando, fundamentado na doutrina da segurança nacional, o objetivo básico do governo militar trona-se a implantação de um projeto de modernização nacional, acelerando uma radical reestruturação do país, incluindo a redistribuição territorial de investimento de mão-de-obra, sob forte controle social

23 (BECKER, 1998, p.12).

22

“Fronteira hoje […] não é sinônimo de terras devolutas, cuja apropriação econômica é franqueada a pioneiros e camponeses. É um espaço também social e político, que pode ser definido como um espaço não plenamente estruturado, potencialmente gerador de realidades novas”. (BECKER, 1998, p.11) 23

Becker (1998, p.12): “ainda no governo Vargas foi criada em 1953 a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA); no governo Kubitschek, em que se inicia a unificação

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Portanto, segundo Becker (1998, p.13-21), como estratégia para a ocupação

da Amazônia, o próprio governo federal que passa a viabilizar e a subsidiar a

ocupação das terras “ocupação pioneira”. Este, numa poderosa estratégia

“programa e impõe uma malha de duplo controle, técnico-político, sobre o espaço

pré-existente”, através da “implantação de redes de integração espacial”:

primeiro, a rede rodoviária, ampliada com a implantação de grandes eixos transversais como Transamazônica e Perimetral Norte, e intra-regionais como Cuiabá – Santarém e Porto Velho – Manaus. Segundo, a rede de telecomunicações comandada por satélite, que difunde os valores modernos pela TV e estreita os contatos por uma rede telefônica muito eficiente. Cerca de 12 000 km de estradas foram construídos em menos de cinco anos e um sistema de comunicação de microondas de 5 110 km em menos de três anos. Terceiro, a rede urbana, sede das redes de instituições estatais e organizações privadas. Finalmente, a rede hidroelétrica, que hoje se estende para fornecer energia, o insumo básico à nova fase industrial (BECKER, 1998, p.12).

Como resultado concreto de todo esse arcabouço político-econômico

implementado pelo Estado, especialmente a partir da década de 60 do século

passado, e de forma mais assertiva pelos governos militares após o Golpe de 64,

temos a vinda de empresas e pessoas com projetos e interesses diversos, quando

não, opostos aos modos de vida das populações locais. Portanto, é possível

compreender a partir das discussões teóricas, dos meios de comunicação, das

nossas próprias vivências no meio rural e das inserções sociais e políticas sobre a

questão agrária, a situação conflitiva que eclodiu na Amazônia, mais

especificamente no Pará e em especial na região Oeste deste Estado. Situação

contemplada na citação abaixo:

historicamente, essa heterogeneidade tem se traduzido na convivência, lado a lado, de projetos que concorrem desigualmente num mesmo espaço social. De um lado, a agricultura patronal reproduz no país um modelo embasado na monocultura e no latifúndio, que gera degradação ambiental, exploração do trabalho agrícola, exclusão social e concentração da terra e da renda. Essa matriz produtiva baseia-se nos princípios da revolução verde, os quais ignoram os conhecimentos tradicionais e não aproveitam a riqueza dos ecossistemas, resultando em desperdícios de energia, elevação dos custos de produção e empecilhos para a promoção do desenvolvimento sustentável. De outro lado, encontra-se a agricultura familiar que, apesar de sofrer perdas de renda e ter dificuldades de acesso aos benefícios das

dos mercados nacionais sob o slogan “Energia e Transporte”, constroem-se as rodovias Belém – Brasília e Brasília – Acre na floresta amazônica, onde já se processava uma expansão pioneira. Mas é na década de 1970 que o Estado assume a iniciativa da ocupação regional”.

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políticas públicas, procura estabelecer sistemas de produção focados na biodiversidade, na valorização do trabalho familiar, na inclusão de jovens e de mulheres, na produção de alimentos destinados à segurança alimentar e nutricional da população e na promoção da democratização do acesso à terra e aos demais meios de produção como meio de construir o desenvolvimento rural sustentável. Essa “convivência conflitiva” remonta às origens históricas e institucionais das diferentes formas de desigualdade que marcam a estrutura social brasileira, particularmente no meio rural (MDA/CONDRAF, 2006, p.13).

Segundo Hébette (2004, Vol. II, p.275-277), para se compreender os

processos de colonização recentes da Amazônia é preciso recorrer ao histórico dos

anos 40 e 50 do século passado (XX) “quando os olhos dos governantes e dos

empresários começam a se voltar novamente para a Amazônia”, após um período

de aparente desinteresse. Para esse autor do ponto de vista político-ideológico “o

novo interesse pela Amazônia corresponde ao forte sentimento, então crescente, da

grandeza do Brasil e de sua vocação a se inserir no concerto das nações

desenvolvidas”.

Do ponto de vista econômico, se reportando a Singer, Hébette (2004, Vol. II,

p.275-276) afirma que esse sentimento era o reflexo do salto qualitativo que o Brasil

tinha dado, por ocasião da II Guerra “entrando na grande produção industrial com a

implantação da siderurgia nacional”. A criação de uma fábrica nacional de carros,

com do aval americano e o desenvolvimento da indústria no Centro-Sul do país

exigia a ampliação do mercado tanto para a venda de seus produtos quanto para a

reposição de matérias-primas; portanto, a incorporação da Amazônia ao mercado

nacional se daria em função dessa necessidade, segundo esse autor.

Ainda segundo Hébette (2004, Vol. II, p.276-277), para dar conta das

demandas advindas desse novo contexto econômico, a opção para a ligação dos

mercados foi o transporte rodoviário; por isso, no governo JK, o deslocamento da

capital do país para o Planalto Central e a abertura das rodovias Belém-Brasília e

Brasília-Acre, entre outros, fizeram parte das estratégias que contemplariam as

novas “necessidades” ou “interesses. Portanto, a Amazônia precisava ser “povoada”

para evitar invasões externas e dispersar as ações decorrentes dessa “nova

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consciência”, a exemplo das “ligas camponesas”24, entre outros, que para os

militares soavam como ameaça comunista.

Nesse sentido, o anúncio da reforma agrária por João Goulart, segundo

Hébette (2004, Vol. II, p.277) “como resposta à pressão camponesa” serviram de

pretexto para a burguesia e forças armadas deflagrem o Golpe de 1964, em

gestação já há alguns anos, sob a ideologia da “segurança nacional”. Conforme

esse autor, “a colonização, nas suas diversas formas, entrou como uma peça

fundamental desta estratégia”.

Conforme Hébette (2004, p.277), “a colonização, nas suas diversas formas,

entrou como uma peça fundamental desta estratégia, substituindo a proposta de

reforma agrária com a qual o Governo brasileiro tinha se comprometido na

Conferência de Punta Del Este”. Por isso, fundiu-se o Instituto Nacional de Imigração

e Colonização (INIC) e o Instituto Brasileiro Reforma Agrária (IBRA), dando origem

ao Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Essa estratégia política do

governo militar disfarçaria a continuidade do processo de colonização e dispersaria o

movimento de reivindicação pela reforma agrária.

1.2 QUESTÃO AGRÁRIA: ASPECTOS HISTÓRICOS DA COLONIZAÇÃO E DA REFORMA AGRÁRIA NA AMAZÔNIA

Em uma breve retrospectiva histórica, buscamos situar alguns

acontecimentos da contemporaneidade das políticas agrárias do Brasil voltadas para

a Amazônia, considerando os protagonistas políticos de sua condução: o Estado

com seu aparato técnico-administrativo e os sujeitos históricos de sua ação – os

trabalhadores rurais. Tomando como referência: Hébette (2004, Vol. I, II e III),

Becker (1998), Petit (2003) e outros.

24 As Ligas Camponesas foram associações de trabalhadores rurais criadas inicialmente no estado

de Pernambuco, posteriormente na Paraíba, no estado do Rio de Janeiro, Goiás e em outras regiões do Brasil, que exerceram intensa atividade no período que se estendeu de 1955 até a queda de João Goulart em 1964. Disponível em: <http://www.direitos.org.br/index.php?option=com content&task=view&id=2322&Itemid=25.> Acesso em 16 out.2011.

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A partir de seus estudos sobre a temática da colonização Hébette & Marin

(2004, Vol. I, p.75), tendo como referência o processo de ocupação das rodovias

Belém-Brasília e Transamazônica, afirmam que: “a colonização interna, em particular

a colonização amazônica” tem sido nos últimos anos a temática de vários estudos,

que por sua vez, “não têm dado muito importância à interpretação teórica do

fenômeno, ao estudo da sua natureza, do seu significado no conjunto político-

social”. Esses autores ainda ressaltam que estes estudos, referentes ao processo de

colonização do Brasil pós-colonial, em geral, costumam abordar esse processo de

colonização na perspectiva dos seus fracassos, e os poucos que se referem a

experiências exitosas, normalmente o fazem a partir de exemplos da Região Sul do

país, mais precisamente sobre os projetos de alguma colônia alemã daquela região.

Hébette & Marin (2004) avaliam que os insucessos da colonização no Brasil

têm sido a tônica desses estudos, e esses insucessos aparecem, invariavelmente,

vinculados a fatores como: a precariedade do solo, a ineficiência dos sistemas de

comunicação, as distâncias dos mercados consumidores, o alto grau de

improvisação, a descontinuidade administrativa, entre outros. É como se todos

esses problemas fossem externos aos governos e/ou fora do alcance destes, ou

melhor, alheios a sua competência.

Nesse sentido, estes autores compreendem a colonização como um

processo de ocupação nacional, o que faz dela um importante elemento da história

do Brasil independente, e defendem que essa requer um estudo para além dos seus

aspectos técnicos, e reiteram:

é preciso re-situar a colonização no seu contexto econômico global, e relacioná-la com os momentos que caracterizam, em cada época, a formação social brasileira e os modos de produção que a afetam dialeticamente – em particular, o modo de produção em fase de expansão,

o capitalismo (HÉBETTE & MARIN, Vol. I, 2004, p.75).

Hébette & Marin (2004, Vol. I, p. 80) ainda enfatizam que o processo de

colonização (contemporânea) do Estado brasileiro tem funcionado como um

“legitimador ideológico” das contradições sociais entre os trabalhadores e as elites

políticas e econômicas, afirmando que:

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a colonização é apresentada como promoção de novas relações de produção, do braço livre substituindo o braço escravo, da pequena propriedade substituindo as sesmarias, enquanto se sabe que é simplesmente uma nova maneira de controlar, por meio do colonato parceiro, da cafeicultura, a crise da mão de obra escrava e, finalmente de salvar o latifúndio (HÉBETTE & MARIN, 2004, Vol. I, p.80).

O tema da escravidão é recorrente nas discussões relativas à questão

agrária e também aparece na obra de Martins (2004), em abordagem intitulada

“questão agrária: pendência da história brasileira do presente”, onde este autor

considera a posse da terra como “tema residual” da escravidão, afirmando os temas

da colonização e da escravidão. Segundo este autor, estes temas são inter-

relacionados e pertinentes às duas grandes questões nacionais: a questão do

trabalho livre e a questão da reforma agrária. Opostos cronologicamente, mas

“ligados entre si porque se referem a momentos polares de um processo inacabado

que subjaz silencioso em nossa história presente” (MARTINS, 2004, p.11).

Hébette & Marin (2004), Vol. I, p. 80-83) ao situarem a Cabanagem (1835-

1840) no processo de colonização da Amazônia, nos possibilitam identificar nesse

movimento a relação entre colonização e escravidão no contexto amazônico e

especialmente no Pará. Até então “isento” da atenção no plano político-econômico

nacional, “a evocação dos componentes da colonização, na região cafeeira e sua

grande periferia, é importante para entender a colonização, tal como se processou

no Pará, na segunda metade do século XIX” (HÉBETTE & MARIN, 2004, Vol. I, p.80-

83). Pois, segundo esses autores nos meados daquele século, o Pará estava em

plena reintegração político-administrativa ao Império, período marcado por

enfrentamentos e resistências entre os cabanos e as forças imperiais que culminaria

com violenta repressão da Revolução Cabana pelas forças imperiais. Esse novo

cenário (revolucionário) teria propiciado transformações no campo político-

econômico nacional, antes sem nenhuma influência sobre a Província, passaram a

repercutir profundamente sobre esta. Ainda sob o aspecto da colonização, estes

autores afirmam:

a Cabanagem acabava de desmontar o latifúndio estruturado do trabalho escravo; muitos escravos se tinham libertado e viviam em uma porção de quilombos, disseminados através da Província. A reduzida agricultura tinha definhado e as fazendas se tinham esvaziado, conforme testemunham relatos de viajantes da época; a população urbana vivia de produtos

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importados. Era imprescindível substituir o braço escravo pelo braço livre, mas a falta de dinamismo dos agricultores não permitia fazê-lo nos próprios latifúndios. Entretanto, a idéia de ocupar áreas devolutas, na Bragantina e no Baixo Amazonas, não foi endógena. Ela foi sustentada pela pressão do governo imperial, no sentido de efetivar a Lei de Terras de 1850 e aproveitar a concessão imperial de uma área de 36 léguas quadradas por Província, para fins de colonização agrícola (HÉBETTE & MARIN, Vol. I, 2004, p. 80-81).

Contexto de aparentes “transformações” político-econômicas e sociais pós-

Cabanagem, o Pará parece voltar ao velho estilo militar de governar; dessa feita,

para garantir-lhes a tranqüilidade, os governantes naquele momento acabam

preocupando-se mais em criar “colônias militares” que resolver os problemas da

agricultura. Neste sentido, no período que vai da segunda metade do século XIX à

primeira metade do século XX, Hébette & Marin (2004, 2004, Vol. I, p. 81) associam

o processo de colonização do Pará e da Amazônia às políticas “públicas” que

pareciam satisfazer apenas a interesses particulares, como no primeiro momento, a

construção das propaladas “estradas de ferro”. Os autores ainda afirmam, sobre o

aspecto da agricultura e da propriedade da terra, nesse contexto,

do ponto de vista econômico, a agricultura se recente ainda da crise de 1930, que a abalou profundamente, e agora está atingida pelo conflito, por meio da economia de guerra dos países beligerantes com os quais se mantinha o setor exportador. Ora, graças a essas crises, a indústria está tomando seu impulso – a oligarquia fundiária cede a hegemonia à burguesia industrial, sem, entretanto, renunciar a um controle político e, nesse sentido, alternam-se as alianças de classe, alternam alianças da burguesia industrial com a pequena industrial com a pequena burguesia e as forças operárias urbanas (1930-1937) e alianças com a antiga oligarquia rural (1937-1945); as primeiras são mais oportunistas, enquanto as segundas correspondem aos interesses fundamentais que ligam o setor industrial ao setor agrícola exportador […]. A terra – e mais precisamente, a propriedade da terra – torna-se um ponto quente da polêmica política. As forças trabalhadoras rurais não dispõem, porém, de uma organização que faça delas um elemento importante da luta política, à semelhança das classes operárias

urbanas (HÉBETTE & MARIN, Vol. I, 2004, p. 82).

De acordo como Hébette & Marin (2004, 82-83), os operários urbanos e os

trabalhadores rurais estavam em condições desiguais na luta política: enquanto os

operários conseguem emplacar as “leis trabalhistas”, como resultado de sua

organização e de suas lutas, as classes rurais, ao contrário, com a reivindicação de

desapropriação sob o auspício do comunismo internacional eram uma desculpa para

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o movimento anti-reforma agrária que se transformaria na bandeira das classes

urbano-industriais, contra o comunismo. “Encontrou-se novamente, na colonização,

uma fórmula de salvação do latifúndio, sob as aparências de redistribuição da terra

aos trabalhadores”.

Guerra (2002), fazendo algumas considerações sobre o processo de

colonização contemporânea, avalia a reforma agrária como uma pauta recente no

cenário das políticas públicas brasileiras, temática que se constitui numa polêmica

histórica, afirmando que:

desde o seu início, ainda na época das primeiras ocupações portuguesas, com os sistemas de sesmarias e de capitanias hereditárias, origem do latifúndio, com os ciclos da cana-de-açúcar, do algodão e do café. Contudo, foi somente a partir do final dos anos 1950 e início dos anos 1960 que esta começou a ser debatida pela sociedade, já que se iniciava o processo de urbanização (GUERRA, 2002, p.23)

Essa pesquisadora considera a criação de organismos e leis como: o IBRA,

o INDA a instituição do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) e a criação do

Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64), como medidas paliativas tomadas pelos militares

para conter o avanço dos movimentos surgidos no campo, em decorrência do nível

de empobrecimento dos trabalhadores rurais.

A Amazônia teve ao longo do regime militar (1964-1985), intensificada a

tradição das políticas desenvolvimentistas e agressoras da região e sob o lema:

“integrar para não entregar”, filosofia político-desenvolvimentista que justificou a

implantação dos chamados “Grandes Projetos”, que no dizer de Hébette (Vol. III,

2004, p.149) “foram idealizados, desenvolvidos e realizados” a partir da filosofia e

lógica capitalistas, incidindo “sobre uma região que não se encontra internamente

num estágio de desenvolvimento capitalista. […], em fase de organização social da

produção muito distante do capitalismo”.

Ainda para Hébette (2004, Vol. III, p.150), é esse sistema agressor de

“desenvolvimento” que marca “a história da ocupação da Amazônia”, legitimado

historicamente pela necessidade de valorizar uma terra rica em recurso naturais e

demograficamente vazia. Ressalta que, “de Pedro Teixeira à ELETRONORTE

(Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A.), esse sistema de desenvolvimento tem

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motivado as agressões sobre as riquezas e contra as populações amazônicas,

determinando um choque de interesses. Pois, “o capital não entende a linguagem

das relações primárias; sua racionalidade é de lucro, de produtividade, do tempo de

trabalho”, é esta a racionalidade das relações de mercado, portanto. E esta

diferença torna o diálogo “quase” impossível entre camponeses e índios, de um lado,

e o capital, de outro.

Dentre as políticas desenvolvimentistas de colonização para a Amazônia,

impulsionadas pelos militares após o Golpe militar de 64, as que influenciaram

diretamente a região Oeste do Pará estão a abertura das Rodovias BR 230

(Transamazônica), ao logo da faixa de 4.977 quilômetros, inaugurada em 1972,

classificada como “rodovia transversal” por ser uma das rodovias brasileiras que

ligam o País no sentido “leste-oeste”, e a BR 163 (Cuiabá-Santarém), esta com

1.780 quilômetros de extensão, aberta nos anos 70.

A construção de ambas justifica a política integracionista, já referida, como

forma de resolver o esgotamento agrário das regiões Sul e Nordeste, além de “vetar”

a internacionalização da Amazônia. Isso na perspectiva do regime militar. Rodovias

que potencializariam o fluxo migratório para a região Oeste, assim como ocorreu

com nas regiões Sul e Sudeste do Estado, como a construção da Rodovia Bernardo

Saião – BR 010 (1956-1960) – a Belém-Brasília, construída no governo de Juscelino

Kubitschek de Oliveira (JK).

Sobre esse processo, Pereira (2006, p.70) aponta como fatores relativos à

intensificação da migração para cá, a “melhoria das vias de transporte” que segundo

essa, intensificou o comércio, extrapolando as fronteiras regionais à medida a partir

da ligação com as regiões economicamente mais desenvolvidas do país e com o

exterior.

Realidade contemplada na descrição de Petit (2003, p.81) sobre a política

econômica do governo federal para a “Amazônia Legal”25 sob o comando da

SUDAM, durante o regime militar (1964-1985). Segundo este autor, esse processo

ocorreu em três diferentes etapas: a primeira, baseada “no incentivo às atividades

25

A Amazônia Legal corresponde às áreas ao norte do paralelo 16º S do Estado do Mato Grosso e do paralelo 13º S do Estado de Goiás, além da porção do meridiano 44º W do Estado do Maranhão. Foi ampliada em 1997 quando incorporou dos Estados do Mato Grosso então criado, correspondendo hoje a 5.000 000 km2 (57,4% da área total do Brasil) (BECKER, 1998, p.18).

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agrícolas destinadas ao mercado regional, nacional e internacional, com o intuito de

diminuir na região a preponderância das atividades extrativistas e da agricultura de

subsistência”. Atividades que pretendiam resolver o problema do

“subdesenvolvimento econômico da região e da sua escassa integração ao mercado

nacional”.

Já na segunda, foram priorizados os projetos de colonização da

Transamazônica: os projetos energéticos e a ampliação da rede viária terrestre. E,

na terceira fase, o governo orientaria “sua intervenção econômica com base nas

vantagens comparativas26 de que dispunha a Amazônia, em relação às outras

regiões do país para contribuir ao desenvolvimento nacional”. Estratégias

abandonadas pelo governo do general Geisel (1974-1979) em detrimento de uma

clara estratégia de destinação dos espaços intra-regionais da Amazônia brasileira à

concentração fundiária, exemplificada pelo Polamazônia (Programa de Pólos

Agropecuários e Agrominerais).

Sobre o processo de colonização dirigida das rodovias: Transamazônica e

da Santarém-Cuiabá, para Petit (2003, p.88) “as metas previstas pelo governo

federal, nem tampouco de muitas das famílias que abandonaram suas terras pelas

promessas do governo”. Reitera que essa foi “lógica” desses projetos implantados

em toda a região naquele período: a clara falta de planejamento, seriedade e

responsabilidade do governo de concluí-los.

Nesses projetos, diferentes atores, com formas de tratamento diferenciado

pelo governo, cuja convivência não poderia deixar de resultar no abandono de uns

em detrimentos de outros: dos “colonos descapitalizados”, representados pelas

populações trazidas das regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sul e dos que migraram

dentro da própria região, esses últimos descartados por projetos de colonização

anteriores, que viam na Santarém-Cuiabá e Transamazônica a possibilidade de

satisfação de suas necessidades básicas de sobrevivência, descartadas nos locais

de origem.

26

“Quando, independentemente das razões, adota-se um modelo de desenvolvimento que estimula justamente a extração de recursos naturais, que defende o livre comércio e que se baseia nos custos de produção para determinar a competitividade internacional das economias, corre-se o risco de causar significativos danos ao meio ambiente”. (DALLEMOLE, 2003, p.2). Fonte: Movendo Idéias, Belém, v8, n.14, p.54 - 59, Nov 2003 – Disponível em :<www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdf/artigos_revistas/227.pdf> Acesso em: 12 ago. 2011.

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55

Na perspectiva “geopolítica”, segundo Becker (2001, p.142) os “principais

impactos negativos” decorrentes das “mudanças estruturais na Amazônia”27 por

conta do projeto desenvolvimentista orquestrado para a região; relacionando o

“interesse nacional” versus as “políticas públicas nacionais”. Mas avalia também que

o período entre 1985-1996 marcaria o encontro entre dois processos, quais sejam:

por um lado, o esgotamento do nacional-desenvolvimentismo e da intervenção do Estado na economia e no território. Por outro lado, neste mesmo ano, um novo processo tem início com a criação do Conselho Nacional dos Seringueiros, simbolizando um movimento de resistência das populações à expropriação da terra. Somado à pressão ambientalista internacional e nacional, resgatou o modelo endógeno sob várias formas, predominante na dinâmica regional entre 1985 e 1996. (BECKER, 2001, p. 141).

Becker (2001, p.141), aponta ainda, que o ano de 2006 marca o início de um

novo processo: o “projeto ambientalista”, que propõe a criação de corredores

ecológicos de proteção ambiental. Proposição, que segundo essa autora, coincidiu

com a retomada do planejamento, com o “Programa Brasil em Ação”, pelo governo

federal, “após uma década de omissão resgatando e fortalecendo o modelo exógeno

e propondo a implantação de igualmente grandes corredores de desenvolvimento”,

corredores de transporte e de conservação, implementando-se os modelos: exógeno

e endógeno28, respectivamente, que, orientados por políticas públicas paralelas e

conflitantes, “expressam o embate de interesses econômicos e político-ideológicos

diversos – em parcerias externas/domésticas – e influem na alteração do conteúdo

do interesse nacional e da apropriação e uso do território”.

Modelos que para Becker (2001, p.141), incide na “coexistência conflitiva”

entre esses dois modelos que marcam atualmente a região, o que parece se

confirmar nos novos assentamentos (implantados e regularizados) na região Oeste

do Pará e os conflitantes interesses institucionais, relativos ao processo de criação

desses assentamentos, à exemplo de “Serra Azul”.

27 Ver “Quadro 1 – Mudanças Estruturais na Amazônia” (p.142). Artigo: “Modelos e cenários para a Amazônia: o papel da ciência – Revisão das políticas de ocupação da Amazônia: é possível identificar modelos para projetar cenários?” BERTHA K. BECKER. Disponível em:<http://www.unifap.br/ppgbio/ppgbio2007/Becker.pdf> Acesso em: 16 set. 2010. 28

A versão contemporânea do modelo exógeno reproduz a concepção histórica; o modelo endógeno hoje corresponde não tanto à autonomia, mas sim ao desenvolvimento local. (BECKER, 2001, p.136).

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1.3 A REGIÃO OESTE DO PARÁ: APROXIMAÇÕES COM O CONTEXTO LOCAL

Asseveramos que as duas tendências de colonização indicadas por Hébette

& Marin (2004, Vol. I) do processo de colonização brasileiro: “colonização

espontânea” e “colonização dirigida”29, estiveram presentes ao longo da história da

colonização local.

A colonização espontânea e a dirigida não são na verdade, dois processos perfeitamente distintos ou duas formas nitidamente separadas de colonização uma acompanhada por interferência externa (do estado ou de uma entidade privada), outra isenta dela […]. A distinção entre colonização espontânea e dirigida diz mais respeito, no contexto moderno, aos momentos e à intensidade da interferência do poder púbico, presente em ambos os casos (HÉBETTE & MARIN, Vol. I, 2004, p.42).

Nessa perspectiva, situamos o processo de colonização local no “histórico

de colonização do presente”; aqui nos referindo ao processo desenvolvido a partir da

segunda metade do século passado. No dizer de Hébette (2004, Vol. II, p.278), se

reportando ao projeto de ocupação do espaço amazônico pelos militares, no início

da década de 70, sob o lema “Terras sem homens a homens sem terra” que

pretendia instalar ao longo da rodovia Transamazônica 100.000 famílias até 1974:

o recém-criado INCRA foi encarregado de implantar ao longo da rodovia três Projetos Integrados de Colonização (PIC): o PIC de Marabá, o de Altamira e o de Itaituba. O módulo de 100 ha (500 m de frente na estrada por 2.000 m de fundos) […]. Os projetos foram realizados com grande pressa e muita improvisação; os colonos foram convidados no Nordeste e no Sul, por meio de uma propaganda ufanista, transportados até de avião, para a Amazônia, e instalados em condições muito precárias. Foram praticamente abandonados a si mesmos, sem apoio à saúde e sem assistência técnica, num ambiente totalmente alheio à sua tradição cultural […] A manutenção da própria Transamazônica tornou-se muito difícil e seu tráfego foi repentinamente interrompido ou tornou-se extremamente problemático nas épocas de chuva (HÉBETTE, 2004, Vol. II, p.278).

29

A colonização é dita “dirigida” quando há orientação direta e interferência formal, na fase inicial do processo e na própria implantação, ou seja, quando há iniciativa externa aos colonos nessa fase primordial […]. A colonização é dita “espontânea” quando as decisões iniciais relativas a esses diversos processos não sofrem imposição sistemática ou orientação positiva, mas são deixadas a critério dos indivíduos ou grupos colonizadores; a interferência organizada de um poder externo se faz de modo progressivo e por passos (momentos) e de maneira formalmente menos impositiva (intensidade) (HÉBETTE & MARIN, Vol. I, 2004, p.42-43).

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Possivelmente a ausência de planejamento para a implantação desse tipo

de projeto (rodovias e outros) tenha determinado os problemas infra-estruturais e o

estado de abandono dos projetos e mais especificamente das populações inseridas

neles. O que muito provavelmente contribuiu para ocorrência paralela do processo

de colonização, conforme Hébette & Marin (2004, Vol. I, p.42), “não-dirigida” ou

extra-oficial, delineado a partir de prováveis fluxos de uma “colonização

espontânea”30 ou eventualmente espontânea.

Colonização essa, reiterada posteriormente por Hébette (2004, Vol. II, p.286)

como “a colonização livre”: “ao lado das colonizações dirigidas, desenvolveu-se na

Amazônia uma forma de ocupação chamada “não dirigida”, “espontânea” ou

“induzida”. Colonização nascida da pressão populacional sobre a terra

monopolizada, da abertura das estradas, da propaganda orquestrada a favor da

migração, do desemprego e da fome. Segundo esse autor, inicialmente os colonos

pouco se importavam com a propriedade da terra, e ainda menos pela quantidade

de terra de que se apropriavam; assim, “desmataram o espaço necessário à sua

subsistência e plantaram arroz, mandioca e feijão”. Quanto à fixação, também foi

seletiva, porém baseada em critérios distintos dos da colonização oficial, se

pautando, fundamentalmente, “pela solidariedade e pela tenacidade camponesa”. E

explicita:

a arquitetura fundiária que resultou da ocupação livre e dos conflitos sociais é bem diferente do desenho elaborado no escritório

31. Os traços são mais

irregulares e as posses muito diferenciadas. A localização dos lotes, porém, corresponde mais aos interesses dos colonos; eles têm geralmente frente nos rios e igarapés e evitam os terrenos excessivamente acidentados (HÉBETTE, 2004, Vol. II, p.286).

A fala acima, para nós que vivenciamos experiências dessa natureza, é

coerente e nos faz refletir sobre [des]cumprimento do propósito desses projetos

30

A colonização é “espontânea” quando as decisões iniciais relativas a esses diversos aspectos não

sofrem imposição sistemática ou orientação positiva, mas são deixadas a critério dos indivíduos ou grupos colonizadores; a interferência organizada de um poder externo se fez de modo progressivo e por passos (momentos) e de maneira formalmente menos impositiva (intensidade) (HÉBETTE &

MARIN, 2004, Vol. I, p.42). 31

Mapas: 1, 2, 3 e 4 elaborados pelo próprio autor para explicar o traçado dos lotes da “estrutura fundiária em área de colonização oficial” versus os lotes decorrentes da “estrutura fundiária das áreas de ocupação livre” (HÉBETTE, 2004, Vol. II, p.280-286).

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oficiais de fixação das famílias na terra, como ressaltaremos posteriormente, se

tomarmos como exemplo o processo de colonização da região Oeste e

conseqüentemente de Monte Alegre, podemos verificar que a herança local, desses

projetos, são “homens sem terra”: famílias empobrecidas e desprovidas do direito de

serem incluídas nos novos projetos de assentamento, por já possuírem cadastro

junto ao governo, descumprem um dos critérios atuais de aquisição à terra nos

novos “assentamentos da reforma agrária”, que os/as caracterizariam como “cliente

de reforme agrária” – o de não haver sido colonizado, anteriormente.

Ainda concernente à análise sobre o processo de colonização da Amazônia,

Becker (2001), afirma que a lógica dos projetos para a região, em geral, pautaram-

se pelo “padrão econômico” que entende o progresso como o mero crescimento

econômico e prosperidade “baseados na exploração dos recursos naturais

percebidos como igualmente infinitos”. Lógica, que teria justificado o processo de

colonização da América Latina, do Brasil e conseqüentemente da Amazônia. Quanto

a esta última, Becker, (2001, p. 135) afirma que “sua ocupação se fez em surtos

devastadores ligados à valorização momentânea de produtos no mercado

internacional, seguidos de longos períodos de estagnação”. Essa autora, se

referindo aos recentes projetos oficiais de colonização para essa região, destaca

que esses iniciaram

com o PIN (Programa de Integração Nacional), prevendo-se a sua localização numa faixa de 100 km de cada lado de cada rodovia federal. Foram concebidos num esquema de urbanismo rural a ser implantado nas áreas de “vazio demográfico”: lotes de 100 ha seriam distribuídos aos colonos que teriam numa rede hierarquizada de núcleos urbanos – rurópolis, agrópolis e agrovilas – a base para sua organização. Vários tipos de projeto, contudo, foram utilizados, cada um com um grau diferente de responsabilidade do incra, desde o PIC (Projeto Integrado de Colonização), em que o incra se encarrega de organizar todo o assentamento, inclusive de assistência financeira e técnica aos colonos, até o Projeto de Assentamento (PA) ou Projeto de Assentamento Rápido (PAR), em que sua atuação se reduz até a simples demarcação e titulação das parcelas ocupadas espontaneamente (BECKER, 1998, p.32).

Todo esse processo provocou um inevitável acúmulo de terras nas mãos de

poucos, através da compra ou da “grilagem”32, conforme a reflexão de Araújo

32

O “grilo” ou “grilagem” das terras corresponde ao método adotado para a falsificação: buscam-se folhas de papel timbrado, imitam-se escritas, e os documentos são amarelecidos propositalmente,

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59

(2007), se reportando à região Oeste do Pará (BR-163 e Transamazônica),

percebem-se de forma contundente as mazelas econômicas, sociais, culturais e

ambientais, consolidadas nas mais de três décadas de abandono oficial desses

projetos de colonização. Conforme essa pesquisadora, mazelas estas decorrentes

da ausência de planejamento das políticas públicas que os justificaram e pertinente

à falta de seriedade dos governos que os conceberam.

A limitação das fronteiras da colonização contemporânea, pelas razões já

mencionada, agravada pela política econômica dos governos militares após 64,

somada ao esgotamento dos recursos naturais, converte-se em conflitos agrários,

disseminados pelo Estado do Pará. Na região Oeste, com maior ênfase entre o final

dos anos 90 e meados dos anos 2000. Período este que “coincide” com a

implantação dos novos “projetos de assentamento da reforma agrária”, propostos

sob a idéia da sustentabilidade ambiental e da implementação da regularização

fundiária33 nos já existentes.

1.4 MONTE ALEGRE: INDÍCIOS DE SUA COLONIZAÇÃO – UMA HISTÓRIA A

SER [RE] VISITADA

A colonização local, de modo geral, em seu processo inicial, estar

contemplada no contexto apontado por Hébette & Marin (2004), quando afirmam que

nas décadas de 30 e 40 do século XX:

a colonização adota por objetivo, nesta altura, responder às tensões sociais crescentes, tanto no campo quanto na cidade: no campo onde se multiplica o números de trabalhadores sem acesso à terra. (HÉBETTE & MARIN, 2004, Vol. I, p. 83)

Segundo esses autores, nesse período “os fluxos migratórios internos são

orientados para o Norte, em direção à Amazônia e, por meio de cotas é limitada a

entrada de imigrantes estrangeiros”. guardados em gavetas/compartimentos repletos de grilos que lhes dão o ar de antigos. (BECKER, 1998, p.31). 33 O Programa de Cadastro de Terras e Regularização Fundiária viabiliza aos agricultores familiares a permanência na terra, por meio da segurança jurídica da posse do imóvel. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/portal/index.php?> Acesso em: 29 ago. 2010.

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60

Pertinente às afirmações, os autores, citam o Decreto-Lei nº 3.059, de 14 de

fevereiro de 1941, que legisla sobre as “colônias agrícolas” – sugestivamente

denominadas de “nacionais”. Acerca do processo de colonização desse período,

Hébette & Marin (2004, Vol. I, p.82-83) tomam como exemplo desses organismos a

Colônia Agrícola Nacional de Goiás (CANG) do município de Ceres-GO, criada em

1943. Reiteram que esses organismos tinham por finalidade “receber e fixar, como

proprietários rurais, cidadão brasileiros reconhecidamente pobres que revelam

aptidão para os trabalhos agrícolas e, excepcionalmente, agricultores estrangeiros”.

E ainda identificam essas Colônias como “ilhas de pequenos estabelecimentos

rurais, dispersos nos territórios e beneficiadas por legislação específica, de nenhuma

maneira extensiva à fronteira”.

Sobre esse sistema de colonização, afirmam Hébette & Marin (2004):

à colonização tem-se constantemente atribuído objetivos específicos, pretensamente sociais, enquadrados, porém, numa política global de preservação e reprodução do latifúndio; oferecem ainda para estes argumentos de legitimação, portanto, elementos de viabilidade. Espalhadas na imensidão das terras ainda livres, as colônias desempenham a função de posse simbólica de uma área nova, justificando a realização de trabalhos de infraestrutura, em nome da fixação à terra de famílias de agricultores pobres e preparando, assim, a penetração do latifúndio e o controle do espaço pelo

capitalismo em expansão. (HÉBETTE & MARIN, Vol. I, 2004, p. 83-84).

Portanto, o objetivo que estava por trás do processo de criação das

“Colônias” não era endógeno, assim como o processo de colonização do Brasil não

o fora historicamente. À exemplo do processo de ocupação das “terras devolutas” na

Zona Bragantina e no Baixo Amazonas, segundo estes autores, processo

“sustentado pela pressão do governo imperial, no sentido de efetivar a Lei de Terra

de 1850 e aproveitar a concessão imperial de uma área de 36 léguas quadradas por

Província, para fins de colonização agrícola”.

Como vimos, o início do processo de colonização de Monte Alegre está

plenamente contemplado nesse histórico, tanto pela presença da migração interna

como pela presença das famílias vindas de vários estados da região Nordeste, em

particular do Ceará. E pela presença dos imigrantes árabes, espanhóis e japoneses.

Estes últimos, possivelmente em maior número, com significativa participação no

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setor agrícola local e regional, principalmente pela introdução de novas formas de

cultivo: inicialmente da juta e da pimenta-do-reino e, posteriormente, de hortaliças e

outros cultivos.

Para ilustrar nossa breve abordagem, nos servimos da narrativa do Sr. Koji

Ueno, que conta sua saga em autobiografia escrita aos 93 anos, em 2005. Este,

“aportou” em Monte Alegre em 1931, aos 20 anos de idade, como membro de um

grupo de 32 jovens japoneses, dessa mesma faixa etária, preparados pela “Escola

de Formação de Líder para Emigrantes na Amazônia – Brasil/Japão”. Onde, além de

estudar a língua portuguesa, aprendiam sobre o clima, costumes, agricultura,

brasileira (em especial da Amazônia) e outros. Esta preparação tinha o objetivo de

organizar a colonização de grupos de imigrantes japoneses que chegariam

posteriormente.

Seu Ueno e mais alguns selecionados desse grupo tinham a função de

receber e acomodar os japoneses que chegavam ao município e à região,

encaminhados pelo governo japonês via serviço de imigração/colonização brasileira

para integrarem os projetos de colonização; fossem neste município, em outros da

região Oeste (Pará) ou até em outros Estados da região amazônica (Acre e

Amazonas). Narra que a primeira leva de imigrantes que recebeu para esse trabalho

era composta de 23 famílias (1953) que foram assentadas na Colônia Inglês de

Souza (CANP); após um ano, mais 20 famílias e, posteriormente, o terceiro grupo de

55 famílias. Essas últimas, inicialmente colonizados em Fordlândia e Belterra, foram

posteriormente retiradas desses locais (realocadas em Monte Alegre na comunidade

de Dois Galhos – Gleba Mulata) por determinação do governo federal, para abrigar a

Companhia Ford (Estados Unidos), empresa que atuaria no cultivo de seringais para

a extração do látex (1934-1945).

São narrativas como essa, que precisam ser resgatadas e/ou registradas,

para que se dê a construção de um painel histórico-cultural da colonização local e

assim poder suscitar possíveis reflexões sobre aspectos das políticas públicas

contemporâneas para o meio rural daquela região. Muito provavelmente apontarão

particularidades desse processo, singularidades que possivelmente poderão

possibilitar uma melhor compreensão da história atual de implantação dos projetos

de assentamento em processo, onde se insere o nosso objeto.

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Por último, o projeto de colonização da PA-254, implantado nas décadas de

70/80, estendeu-se ao longo de 15 setores: seguindo a lógica dos projetos clássicos

da colonização oficial. Pela ausência nítida de políticas de incentivo à fixação do

agricultor à terra (financiamento, assistência técnica, transporte, armazenamentos

etc., além das demais políticas sociais, de saúde e de educação), pela conseqüente

exaustão desta, muitas famílias de colonos se viram obrigadas a migrar para outras

áreas de terras devolutas34. Reiterando que estes trabalhadores já haviam migrado

de outros projetos, internos (Inglês de Souza e Major Barata) ou externos

(Transamazônica e Santarém-Cuiabá, principalmente).

Ao analisar a perspectiva histórica das políticas agrárias para a Amazônia, e

em particular as implementadas a partir da década de 90 do século passado, Guerra

(2004, p. 158)35 avalia que esse tipo de política incide no agravamento da crise do

setor agrário/agrícola da região amazônica, a partir dos anos 90 do século passado.

Para Guerra (2004, p. 158), segundo essa, fruto da dissociação entre as políticas

agrárias e agrícolas. Essa pesquisadora fundamenta sua análise em dados oficiais,

como os que revelam, segundo ela, que,

dos assentamentos implantados até 1994, cerca de 40 mil pessoas abandonaram os seus lotes, enquanto outras vivem graças aos programas de assistência do governo. Os dados comprovam que a reforma agrária, da maneira como vem sendo implementada no Brasil, ao invés de estar promovendo justiça social, está, sim, garantindo a reprodução da pobreza no campo. (GUERRA, 2004, p. 158)

Segundo Guerra (2004, p.158), esse contexto denota falhas nas estratégias

e ações das políticas agrárias e agrícolas instituídas no Brasil, implantadas por este

órgão, sob a tutela do INCRA desde sua criação. E ressalta dados de pesquisa que

indicam esse processo equivocado de colonização, que comprovam que o índice

aritmético de evasão dos assentados pelos projetos de colonização, realizados pelo

34

“Terras públicas compreendidas nas faixas de fronteira dos Territórios e do Distrito Federal e as

que não são aplicadas a qualquer uso público, federal, estadual ou municipal, ou que não se encontram, por título legítimo, na posse, ou domínio particular de alguém”. saberjuridico.com.br. Disponível em:<http://www.jusbrasil.com.br/topicos/290816/terras-devolutas>. Acesso em: 15 out. 2011. 35

Artigo: VERIFICANDO A VIABILIDADE DO PDS SÃO SALVADOR NO ESTADO DO ACRE – publicado na Revista: Ambiente & Sociedade – Vol. VI I nº. 1 jan./jun. 2003, (p.157-167). Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/asoc/v7n1/23542.pdf. Acesso em 10 ago.2010.

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63

INCRA até 2004, em todo o país era: “de 26,2% […], levando a uma reconcentração

da terra, uma vez que vários lotes acabam sendo adquiridos por uma mesma

pessoa”.

A conclusão a que se pode chegar com esses dados é que o INCRA promove uma política agrária eficiente, mas uma política agrícola ineficiente, uma vez que não está sendo competente para fixar o homem no campo. É esse então o momento de se questionar a funcionalidade e a veracidade das informações cedidas pelo governo e de se estabelecer metas não apenas para a criação de projetos, mas sim para a criação de projetos que sejam duráveis. (GUERRA, 2004, p.158)

Ainda para essa autora, esse tipo de política agrária ratifica o modelo

neoliberal adotada pelo Estado brasileiro, que não comporta a reforma agrária, uma

vez que exclui “os pequenos agricultores”. Portanto, para Guerra (2002), a reforma

agrária, só se viabilizará pela alteração na “correlação de forças vigentes nos

poderes constitutivos do Estado”. E reitera:

surge daí a necessidade de se repensar o atual modelo de assentamento, e trabalhar para se atingir uma nova concepção, os assentamentos sustentáveis. A sua aplicação e replicação bem sucedidas poderiam revolucionar o processo de ocupação da região. (GUERRA, 2004, p. 158)

Guerra (2002), em pesquisa que desencadeou essa reflexão acerca do

desenvolvimento rural sustentável (Dissertação de Mestrado)36, avaliou também que

é dentro desse contexto que surgem os primeiros sinais de reformulação das

políticas agrárias no Brasil, em especial para a Amazônia: pautadas na metodologia

de desenvolvimento agrário sustentável. E aponta como um marco legal desse

processo: a promulgação da Portaria nº 88/99 – MDA (Ministério do

Desenvolvimento Agrário), que proíbe a utilização, para fins de assentamento rural,

das áreas de matas primárias, “ecossistemas da floresta amazônica, mata atlântica e

pantanal mato-grossense”, exceto os projetos agroextrativistas.

36

É possível Atingir a Sustentabilidade nos Assentamentos de Reforma Agrária na Amazônia Legal? O caso do PDS São Salvador no Estado do Acre. 2002. 116 f. Dissertação de Mestrado (Mestre em Gestão e Política Ambiental) - Universidade de Brasília, Brasília, 2002. Disponível em: http://www.biblioteca.planejamento.gov.br/.../sustentabilidade-ambiental.../texto-57-2013-e-possivel-atingir-a-sustentabilidade-nos-assentamentos-de-reforma-agraria... Acesso em 10 ago. 2010.

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64

Para Guerra (2002), o desdobramento dessa proibição são as

recomendações da Comissão Interinstitucional, através da Portaria nº 01/99 do

Ministério de Estado Extraordinário de Política Fundiária (MEPF) em conjunto com o

Ministério de Estado do Meio Ambiente (MMA), que resultaria na Portaria nº 477/99.

Esta autora avalia que a importância desta legislação está na compreensão de que

“a manutenção da atividade extrativista tradicional e o apoio às populações que a

desenvolvem são fatores determinantes para a conservação da biodiversidade”,

entre outras. Apresentamos a seguir, uma relação das modalidades e projetos

implementados pelo INCRA (em vigência ou não).

Projetos de assentamentos criados pelo INCRA na atualidade: Projeto

de Assentamento Federal – PA; Projeto de Assentamento Agroextrativista – PAE;

Projeto de Desenvolvimento Sustentável – PDS; Projeto de Assentamento Florestal

– PAF. Foram criados por legislações diversas entre 1996-2004.

Projetos de assentamentos criados pelo INCRA (fora de vigência):

Projeto de Colonização Oficial – PC; Projeto de Assentamento Dirigido – PAD;

Projeto de Assentamento Rápido – PAR; Projeto Especial de Colonização – PEC;

Projeto Integrado de Colonização – PIC; Projeto de Assentamento Conjunto – PAC;

Projeto Fundiário – PF, estes, criados a partir do Estatuto da Terra – Lei nº 4.504 de

30 de novembro de 1964.

Projetos de assentamentos criados pelos Estados, Municípios e

Empresas de colonização particular: Projeto de Assentamento Estadual – PE

(Estados); Projeto de Assentamento Municipal – PAM (Municípios); Projeto de

Colonização Particular – PAP (Empresas cadastradas pelo INCRA, usado na década

de 70, com vistas à colonização de áreas de “vazio demográfico e de expansão da

fronteira agrícola do território nacional, em especial da Amazônia Legal”); Projeto de

Assentamento Casulo – PCA (Municípios); Projeto de Assentamento Fundo de

Pasto – PFP (Estado e Municípios/Bahia). Exceto o PAP, criado pelo Estatuto da

Terra (1964), os outros quatro foram criados a partir Norma de Execução nº

37/INCRA, de 30 de março de 2004.

Projetos reconhecidos pelo INCRA como beneficiários da reforma

agrária: Reserva Extrativista – RESEX (IBAMA); Floresta Nacional – FLONA

(IBAMA); Reserva de Desenvolvimento Sustentável – RDS (IBAMA); Projeto de

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Reassentamento de Barragem – PRD (empreendedores) e Programa Cédula da

Terra – PCT (União e Conselhos Estaduais de Desenvolvimento Rural Sustentável –

CEDRS). Criados por legislações diversas entre 2002-2004. Destacamos dentre

essas categorias e modalidades os atuais “assentamentos da reforma agrária”, os

projetos de assentamento rural em processo de implantação em Monte Alegre, a

partir do ano de 2005, entre eles o PDS “Serra Azul”.

Teoricamente, os projetos de assentamento abaixo discriminados

(Ilustrações 4 e 5, em ambas, as informações foram tiradas dos Quadros originais),

com maior ou menor ênfase, pautam-se na filosofia da agricultura familiar37

“constituída de pequenos e médios produtores rurais, comunidades tradicionais,

assentamentos da reforma agrária” e da garantia da “sustentabilidade ambiental”.

MODALIDADE DE PROJETOS DE ASSENTAMENTOS CRIADOS PELO INCRA NA ATUALIDADE

Nome/Descrição

Características

Legislação

Projeto de

Assentamento

Federal

Consiste num conjunto de ações, em área destinada à

reforma agrária, planejadas, de natureza interdisciplinar e

multisetorial, integradas ao desenvolvimento territorial e

regional, definidas com base em diagnósticos precisos

acerca do público beneficiário e das áreas a serem

trabalhadas, orientadas para utilização racional dos espaços

físicos e dos recursos naturais existentes, objetivando a

implementação dos sistemas de vivência e produção

sustentáveis, na perspectiva do cumprimento da função

social da terra e da promoção econômica, social e cultural

do(a) trabalhador(a) rural e de seus familiares;

Obtenção da terra, criação do Projeto, seleção dos

beneficiários, aporte de recursos de crédito Apoio a

Instalação e de crédito de produção (PRONAF A), infra-

estrutura básica (estradas de acesso, água e energia

elétrica), parcelamento do projeto e a Titulação (Concessão

de Uso/Titulo de Propriedade) são de responsabilidade do

INCRA.

Instrução Normativa n°

15, de 30 de março de

2004 (art.3°)

37 Cristiane Celina/UFMT: “a Agricultura Familiar é a principal responsável pela produção dos

alimentos que são disponibilizados para o consumo da população brasileira, é o que realmente chega à nossa mesa. É constituída de pequenos e médios produtores rurais, comunidades tradicionais, assentamentos da reforma agrária e entre seus principais produtos estão: a produção de milho, raiz de mandioca, pecuária leiteira, gado de corte, ovinos, caprinos, olerícolas, feijão, cana, arroz, suínos, aves,café, trigo, mamona, fruticulturas e hortaliças”. Disponível em: <http://www.secom.mt.gov.br/ng2/conteudo.php?sid=22&cid=5341&parent=0.>. Acesso em: 29 out. 2011.

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Projeto de

Assentamento

Agroextrativista

Essa modalidade de Assentamento é destinado à

exploração de área dotadas de riquezas extrativas, através

de atividades economicamente viáveis, socialmente justas e

ecologicamente sustentáveis, a serem executadas pelas

populações oriundas de comunidades extrativistas;

A obtenção da terra, criação do Projeto, a seleção dos

beneficiários, aporte de recursos de Crédito Apoio a

Instalação e de crédito de produção (PRONAF A), infra-

estrutura básica (estradas de acesso, água e energia

elétrica) e a Titulação (Concessão de Uso/Titulo de

Propriedade) são de responsabilidade do INCRA.

Portaria/INCRA//n°268

de 23 de Outubro de

1996

Projeto

de Desenvolvimento

Sustentável

Modalidade de projeto criada para o desenvolvimento de

atividades ambientalmente diferenciadas, destinado às

populações que baseiam sua subsistência no extrativismo,

na agricultura familiar e em outras atividades de baixo

impacto ambiental;

A obtenção da terra, criação do Projeto, a seleção dos

beneficiários, aporte de recursos de crédito Apoio a

Instalação e de crédito de produção (PRONAF A), infra-

estrutura básica (estradas de acesso, água e energia

elétrica) e a Titulação (Concessão de Uso/Titulo de

Propriedade) são de responsabilidade do INCRA;

Não há a individualização de parcelas (titulação coletiva –

fração ideal).

Portaria/INCRA/P Nº477,

de 04 de Novembro de

1999

Ilustração 04 – Modalidade de projetos de assentamentos criados pelo INCRA na atualidade Fonte: http://www.socioambiental.org/.../DefinioTiposdeAssentamentoeCrditos.pdf

MODALIDADE DOS PROJETOS DE ASSENTAMENTOS CRIADOS PELO INCRA (fora de vigência)

Nome/Descrição

Características

Legislação

Projeto Integrado

de Colonização

Projeto de Colonização Oficial, geralmente implantado em

grandes extensões de área, envolvendo significativo número

de famílias, requerendo ações integradas entre as três

instâncias governamentais;

Implantados em terras da União ou desapropriadas pelo

INCRA.

Lei nº 4.504, de 30

de novembro de1964.

Projeto de

Assentamento

Conjunto

Projeto de Colonização Oficial implantado pelo INCRA em

parceria previamente definida com empresas rurais de

grande porte ou cooperativas.

Lei nº 4.504, de 30

de novembro de

1964.

Ilustração 05 - Modalidade de projetos de assentamentos criados pelo INCRA (fora de vigência) Fonte: http://www.socioambiental.org/.../DefinioTiposdeAssentamentoeCrditos.pdf

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Além da legislação que foi propondo novas formas de assentamentos rurais,

há também a construção de outros instrumentos político-filosóficos governamentais

mais amplos que potencializam ou criam novas exigências legais assentadas nessas

possibilidades de mudanças, como exemplo, o Plano Amazônia Sustentável (PAS)38.

Resultado do pacto entre Governo Federal e governadores dos estados da região

Norte (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, além do

Matogrosso e do Maranhão), entre outros documentos, organismos, legislações que

citamos ao logo desse texto. Para Becker (2006), esse Plano:

constitui um marco nas políticas públicas para a Amazônia e um grande desafio para alcançar o desenvolvimento regional com sustentabilidade […]. Marco porque se porque se propõe, por um lado, a superar erros das políticas pretéritas que desconsideram a diversidade e as dimensões social e ambiental da região, visando sua ocupação e um desenvolvimento à qualquer custo. Propõe-se, por outro lado, a superar a polaridade conflitiva que marcou as políticas públicas para a região na década de 1990, entre o MMA e MPO, superação expressa no princípio de transversalidade da questão ambiental, isto é, inserção da questão ambiental nas políticas relacionadas à gestão e ao uso dos recursos naturais. (BECKER, 2006, p. 140-141)

Além do diferencial do referido Plano, Becker (2006, p.141) ressalta ainda o

fato de este ter sido inserido no Plano Plurianual (PPA) exercício 2004-2007, e

reitera que “trata-se de um planejamento associado a um projeto nacional que visa o

desenvolvimento sim, mas ao contrário dos anteriores, tenta manter um

compromisso social e ambiental”. No sentido do desenvolvimento rural sustentável,

o PAS define como uma de suas prioridades para o meio rural dessa região a

criação de “assentamentos rurais e regularização fundiária”, pautados na

perspectiva da sustentabilidade do desenvolvimento, a partir do reconhecimento de

que:

a sustentabilidade do desenvolvimento rural depende da regularização fundiária das terras públicas da Amazônia e da consolidação dos assentamentos rurais de reforma agrária, adequados à diversidade

38

O PAS detalha as diretrizes estratégicas para o cumprimento desses compromissos, sendo discutidas e validadas pela sociedade da região. Foi construído a partir do Termo de Cooperação firmado em 2003 entre o presidente e os governadores dos estados da região, de um diagnóstico abrangente, e de consultas públicas com mais de cinco mil representantes. Essas diretrizes já estão influenciando os nossos programas em andamento, e estão sendo a base da construção de novos programas e projetos específicos para alcançarmos uma Amazônia sustentável. Disponível em: <www.sae.gov.br/site/wp-content/uploads/PAS.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2010.

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sociocultural, econômica e ambiental da região […]. [Elegendo como a primeira estratégia]: a) implantar assentamentos rurais em bases sustentáveis, tais como os Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS), Projetos de Assentamento Agroextrativista (PAE) e Projetos de Assentamento Florestal (PAF), e consolidar os instrumentos de planejamento, criação, seleção de beneficiários e implantação dessas novas modalidades de assentamento rural. (MMA, 2008, p.60, grifo nosso)

Possivelmente o prenúncio, em meio ao acirramento da crise da política

agrária para a região sob a coordenação do INCRA, que para essa denota as

estratégias equivocadas desse órgão, desde sua criação (que não nos cabe aqui

discutir suas motivações). Parece em construção a partir de “instrumento de

ordenamento e promoção do desenvolvimento sustentável”, como é definido o PAS,

a partir do Governo Federal, entre outros, propositivos de mudança dos rumos da

política de desenvolvimento para a Amazônia.

Nesse contexto de indícios de mudança insere-se o processo de

regularização fundiária e de assentamento em Monte Alegre, efetivamente a partir

de 2005, após um longo hiato (cerca de 20 anos) de visível “estagnação” do

processo de colonização promovido pelo INCRA, que teve início na década de 70 do

século passado. Nesse sentido, para tratarmos do nosso objeto especificamente,

faremos uma conceituação geral acerca da filosofia da metodologia do projeto de

desenvolvimento sustentável.

1.5 PROJETO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL – PDS: FILOSOFIA, ASPECTOS CONCEITUAIS E LEGAIS DA MODALIDADE.

A filosofia do desenvolvimento sustentável, tomada como princípio da

modalidade de assentamento PDS (Portaria nº 477/99 – INCRA), foi criada sob o

entendimento de que as florestas brasileiras exigem “um programa de reforma

agrária que respeite as formas tradicionais de ocupação e produção”. Conforme o

discurso oficial do governo, através do Plano Amazônia Sustentável – PAS (2003, p.

57-58) a implementação de um desenvolvimento sustentável que se contraponha ao

desenvolvimento econômico historicamente implementado na região, deve

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considerar, entre outros, a valorização da “diversidade sociocultural e ambiental da

Amazônia”. Outra consideração desse documento (PAS), inclui o combate ao

“desmatamento ilegal associado a transformação da estrutura produtiva regional...”.

No sentido do desenvolvimento rural sustentável, a proposta de política

nacional de reforma agrária do II Plano Nacional de Reforma Agrária – PNRA (2003)

concebe “a atualidade e a importância da Reforma Agrária para o desenvolvimento

rural sustentável”. Este Plano serve como instrumento propositivo das atuais

perspectivas de ações políticas voltadas para essas novas modalidades de

assentamento, cuja proposta está expressa abaixo:

nos novos projetos de assentamento busca-se combinar viabilidade econômica com sustentabilidade ambiental, integração produtiva com desenvolvimento territorial, qualidade e eficiência com massividade. Pretende-se, assim, criar as condições para que o modelo agrícola possa ser alterado, introduzindo-se maior preocupação com a distribuição de renda, a ocupação e o emprego rural, a segurança alimentar e nutricional, o acesso a direitos fundamentais e o meio ambiente (MDA/INCRA, 2003, p.10).

O contexto de redimensionamento da política agrária, indicado nesse Plano,

incorpora a filosofia do desenvolvimento rural sustentável, como princípio norteador

através do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS), que

é criado sob essa proposta.

Propõe-se que um novo projeto sustentável de desenvolvimento para o meio rural do país esteja ancorado na reforma agrária, no reordenamento agrário e no fortalecimento da agricultura familiar. Tal projeto visa alterar a atual estrutura agrária e criar as condições para que as políticas de estímulo à produção, à sustentabilidade ambiental e à universalização do acesso aos direitos sejam mais eficazes e conduzam a um modelo de desenvolvimento eqüitativo e sustentável para as gerações presentes e futuras. (MDA/CONDRAF, 2006, p. 17)

A modalidade PDS pauta-se na implementação da agricultura familiar e na

exploração dos recursos naturais de forma sustentável: destina 20% de sua área,

para uso da agricultura familiar, preferencialmente para uso de culturas alternadas,

não perenes, de maneira a não promover o desgaste do Solo, e 80% são destinados

à Reserva Legal - RL (área destinada ao uso sustentável dos recursos naturais, à

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conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da

biodiversidade e ao abrigo da fauna e flora, nativas).

As Áreas de Preservação Permanente – APPs (área a ser preservada

obrigatoriamente em todas as propriedades, cuja abrangência varia a cada bioma,

inclusas na RL), o restante da área de RL, destina-se ao uso de seus recursos

naturais, através de Plano de Manejo - PM39, projeto dinâmico que determina o

zoneamento de uma unidade de conservação, caracterizando cada uma das suas

zonas e propondo seu desenvolvimento físico de acordo com suas finalidades. Entre

as conceituações oficiais da modalidade PDS, aqui, optamos pela que se encontra

no referido Relatório Técnico (2010), que constitui um dos nossos materiais de

análise, que afirma:

a modalidade de projeto de assentamento de reforma agrária intitulada Projeto de Desenvolvimento Sustentável – PDS tem a finalidade de promover a exploração sustentável dos recursos florestais, com gestão compartilhada entre o INCRA, os Assentados e Entidades Ambientais, promovendo a ocupação da área por famílias que baseiam sua subsistência no extrativismo e na agricultura familiar, e em outras atividades de baixo impacto. (MDA/INCRA/SR-30, 2010, p.3)

Sob essa perspectiva, compreendemos que o Projeto “Serra Azul”, do ponto

de vista da caracterização do seu público, pelo menos da maioria, contempla os

princípios de uso acima. No entanto, sua viabilidade real dependerá da capacidade

de pactuação entre seus atores (moradores, técnicos, políticos e administrativos)

considerando as vivências e práticas profissionais, políticas e culturais desses

sujeitos. E sua efetivação, tal qual prevê sua metodologia, passa pela prática

filosófica que o fundamenta e pela compreensão e ação dos sujeitos em

desconstruir as velhas formas de pensar e fazer a fim de que alcancem as novas

possibilidades apontadas pelo contexto.

39

Plano de Manejo é um projeto dinâmico que determina o zoneamento de uma unidade de conservação, caracterizando cada uma de suas zonas e propondo seu desenvolvimento físico, de acordo com suas finalidades. Estabelece, desta forma, diretrizes básicas para o manejo da Unidade. Instituto de Empreendedores Ambientais e Sociais – IDEAS/Brasil. Disponível em:< www.recanta.org.br/plano_de_manejo_ibama.html.>. Acesso em: 07 out. 2010.

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1.6 O PDS “SERRA AZUL”: OBJETIVO, CARACTERIZAÇÃO, DESAFIOS E POSSIBILIDADES

Conforme relato oficial (MDA/INCRA/SR-30, 2010, fl.3): o PDS “Serra Azul”

teve como objetivo da sua criação, além da promoção do assentamento das famílias

com aptidão para esse tipo de projeto, impedir o desmatamento e a retirada ilegal de

madeira desta área de terras pertencente à União, que estava completamente

vulnerável a esse tipo de ação predatória. Complementando, Charles acrescenta a

estes objetivos a justificativa de que a criação do referido PDS era indispensável,

pois representava a possibilidade de assentamentos das famílias que não

vislumbravam outras oportunidades de vida:

o PDS “Serra Azul”, ele surgiu a partir de uma necessidade que havia da região, né? De se criar novas fronteiras agrícolas pra poder absorver aquele pessoal que já morava agregado, filhos e já de maiores que moravam na zona rural e que já não tinha mais onde trabalhar, né? (Charles, janeiro de 2010)

Quanto à localização o referido PDS estar inserido na Gleba Mulata e

registrado em nome do INCRA sob o “nº 1.625, Fl. 265, Livro 3-E, do Cartório de

Registro de Imóveis da Comarca de Monte Alegre/PA, que por sua vez integra o

Projeto Integral de Colonização – PIC Monte Alegre”. Cadastrado no SIPRA-

00990000 sob “matrícula nº 4.845, fl. 77, livro 2-S e extensão de 78.489,6243 ha,

conforme certidão do CRI da Comarca de Monte Alegre folhas 272/273 do processo

administrativo de criação”. (MDA/INCRA/SR-30, 2010, p.4).

Em outra parte do mesmo Relatório, porém, é feita a ressalva de que a

extensão acima definida, qualificada pelo Laudo Agronômico que recomendou a

criação do PDS, diverge das informações do Laudo Agronômico de Fiscalização –

LAF (identificação através do GPS) de área de 78.943.0941. Diferença que deverá

ser corrigida pelo georeferenciamento40, da mesma forma que será corrigida a

40

“O georreferenciamento consiste na descrição do imóvel rural em suas características, limites e confrontações, realizando o levantamento das coordenadas dos vértices definidores dos imóveis rurais, georreferenciados ao sistema geodésico brasileiro, com precisão posicional fixada pelo INCRA”. Disponível em:<http://georreferenciamentoincra.com.br/o-que-e-georreferenciamento/>. Acesso em: 15 out. 2011

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sobreposição da área do PDS, sobre as duas Unidades de Conservação – UC41:

FLONA Mulata (área de 212.751 hectares, abrange os municípios de Monte Alegre e

Alenquer) e FLOTA PARU (área de 3.612,914 hectares, abrange os municípios de

Monte Alegre, Alenquer, Prainha, Almeirim e Óbidos)42

O Laudo Agronômico de Fiscalização – LAF (2008, fl.113), define assim as

áreas do PDS “Serra Azul”, área total já reiterada acima; Área de Preservação

Permanente – APP de 47.749,8581 ha, que corresponde à 60,4933% da área total

do imóvel; Reserva Legal – RL de 63.247,2753 ha (incluindo a APP); 400,0000 ha

destinadas à estradas; 34,0000 ha destinadas à espaços comunitários e

30.750,2360 ha, capacidade do assentamento, considerando a área total, deduzidas

as áreas de APP, espaços comunitários e estradas. Ver Ilustrações: 6, 7, 8 e 9,

abaixo, Mapas que indicam os limites do imóvel, as APPs, o loteamento e as

ocupações existentes, respectivamente.

Os dois últimos mapas nos permitem observar as correções que deverão ser

realizadas pelo INCRA, entre as ocupações e a área que possível de ser ocupada,

de acordo com os critérios da modalidade. Vale lembrar que os mapas elaborados a

partir do LAF (2008), possivelmente poderão sofrer alterações, ainda que mínimas,

quando efetuadas as correções previstas, ressaltadas anteriormente.

41

UCs – Unidades de Conservação de Uso Sustentável, que segundo WWW Brasil, têm como objetivo compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável dos recursos naturais Disponível em:<http:// www.wwf.org.br/informações/questões_ambientais/unid./> Acesso em: 05 set. 2010 42

A Floresta Nacional (Flona) tem como objetivo principal unir a conservação da natureza com o uso adequado de produtos florestais madereiros. Também é permitido o uso manejado dos produtos florestais não-madereiros e dos recursos minerais e animais. Nessa área admitem-se o eco-turismo, a recreação, estudos científicos e atividades de educação ambiental. Também é permitida a residência de populações tradicionais, sendo desapropriados, indenizados e retirados os ocupantes que não se encaixarem nessa categoria. De responsabilidade administrativa do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – IMC-Bio, órgão federal. Floresta Estadual (Flota) obedece aos mesmos objetivos e critérios de uso e ocupação, previstos para a Flona. De responsabilidade da estadual (SEMA, 2011).

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Ilustração 06: MAPA 1 – PDS Serra Azul: limites (FLONA Mulata e FLOTA Paru) Organizado por Norton Peres C. Maciel (Eng. Ambiental).

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Ilustração 07: MAPA 3 – PDS “Serra Azul”: APPs Organizado por Norton Peres C. Maciel (Eng. Ambiental).

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Ilustração 8: MAPA 2 – PDS Serra Azul: lotes Organizado por Norton Peres C. Maciel (Eng. Ambiental).

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Ilustração 9: MAPA 4 – PDS Serra Azul: ocupações Organizado por Norton Peres C. Maciel (Eng. Ambiental).

Quanto à área destinada ao uso legal (lotes) e à ocupação indevida em

áreas de APP, substancialmente em decorrência da interdição do assentamento

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(2007-2010), citada na Introdução, melhor explicitada, posteriormente, nesta Seção.

Portanto, o que é considerado como “fração ideal por assentados” é de 112,0000 ha

(já excluída a APP), sendo que desse total 12 ha serão destinadas ao cultivo e as

100 ha serão destinadas ao uso florestal, através de plano de manejo.

Embora percebamos, ainda, uma tímida compreensão por parte dos

assentados quanto à importância da preservação dos igarapés, rios, serras,

florestas, e da biodiversidade, em geral. Juntamente ao estranhamento desses

sujeitos às restrições legais, atuais, ao usufruto dos recursos naturais. Porém, a

maior resistência ainda parece ser em relação às restrições de uso da terra, e muito

possivelmente associada à cultura rural, local, de uso irrestrito decorrente da

inobservância da lei, ao longo dos projetos de colonização, como argumenta

Charles, explicando sua compreensão à resistência dos assentados às referidas

restrições.

Nos assentamentos tradicionais a legislação prevê que se use pra o uso sustentável da agricultura 20% do total do terreno, do lote, e que os 80% seja reserva legal. Uma coisa que não deu muito certo, pois na titulação individual, além de se usar os 20% se usou também os 80%, e desmatou tudo (Charles, Janeiro/2010).

Como observamos, ao defender implicitamente a reserva coletiva, esse ator

sugere o critério da posse coletiva como alternativa ao projeto tradicional de

colonização. Verificamos, porém, em outras falas de atores que, contrários ou a

favor da modalidade do Projeto (critérios), admitem que a forma de uso dos recursos

naturais nos projetos anteriores foi equivocada; embora atribuam a responsabilidade

pelos equívocos ao INCRA, devido ao “abandono” desse órgão a esses projetos,

fala recorrente entre os sujeitos (Seção III).

A efetivação do referido projeto, a partir da fala dos sujeitos, depende o

cumprimento dos benefícios pertinentes ao projeto: fomentos, assistência técnica,

assistência à saúde, à educação, etc. Benefícios pela proposta política para o

desenvolvimento rural sustentável (PNRA, 2004) que ver a reforma agrária e a

agricultura familiar como elementos basilares para o desenvolvimento sustentável,

propõe o combate à pobreza e à exclusão social das populações rurais, pois sabe a

partir dos dados levantados pelo próprio governo que,

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78

a elevada concentração da estrutura fundiária brasileira dá origem a relações econômicas, sociais, políticas e culturais cristalizadas em um modelo agrícola inibidor de um desenvolvimento que combine a geração de riquezas e o crescimento econômico, com justiça social e cidadania para a população rural. (II PNRA, 2004, p.11)

Fatores conhecidos, tanto dos governos como da sociedade, assim como as

promessas, propostas e projetos para a sua resolução, propalados e criados ao

longo de décadas, que não conseguiram ou sair do papel ou cumprir com eficácia

seus objetivos. Nesse sentido, a nosso ver, projeto como “Serra Azul” precisa

superar o imobilismo burocrático-institucional para que se concretize plenamente e

possa contribuir com o rompimento da lógica do desenvolvimento local, criticada ao

longo dessa Seção.

Entre os problemas a serem enfrentados, no PDS “Serra Azul”, diz respeito à

sua real capacidade do assentamento x situação ocupacional, atual, ou seja, a

capacidade de assentamento do PDS “Serra Azul”, considerada a metodologia do

projeto e a geografia do imóvel, é de 274 famílias. Decorrente da ocupação

desordenada da área, em grande parte, motivada pela interdição do referido

assentamento no período de agosto/2007 à janeiro/2010, agravada por falhas na

avaliação institucional (INCRA) quanto à capacidade populacional do assentamento,

inicialmente de 460 famílias.

Enfim, como reconhecem os próprios técnicos (MDA/INCRA/SR-30, 2010) “a

capacidade do assentamento foi marcada por alterações desde a sua criação”43,

ainda outras, certamente inerentes ao próprio processo histórico, político, cultural, do

processo de colonização local.

Como fator positivo, conforme a avaliação técnica é homogeneidade da

origem dos assentados do PDS “Serra Azul”, público, majoritariamente do próprio

município de Monte Alegre, de pessoas/famílias oriundas dos antigos projetos de

colonização local (em particular da PA-254). Populações desprovidas de terras ou

de condições de sobrevivência nos lotes de seus familiares colonizados em projetos

de colonização local. Famílias de colonos, que desassistidos pelos órgãos gestores

43

Conforme o Relatório Técnico/2010: se referindo ao primeiro levantamento do Laudo Agronômico/2004 (300 famílias); à Parecer Técnico, posterior que altera o número (460 famílias), somente o LAF/2008, a partir de estudo mais aprofundado chega ao número, hoje, estabelecido de 274 famílias a serem assentadas.

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ao logo desse processo, não foram providos das condições econômicas, sociais e

ambientais de sobrevivência, o que os levaria a avançar para áreas de terras

devolutas, como “Serra Azul”, por exemplo.

Como enfatiza o Relatório Técnico (MDA/INCRA/SR-30, 2010), esses

agricultores ou trabalhadores rurais que formam o público de assentados de “Serra

Azul”, são, portanto, um grupo homogêneo:

os ocupantes do PDS Serra Azul, bem como os agricultores ou trabalhadores rurais que procuraram o escritório da Unidade Avançada do INCRA em Monte Alegre interessados no assentamento, já estando ou não na RB do mesmo, constituem um conjunto homogêneo quanto a origem, na quase totalidade naturais de Monte Alegre, quanto a tradição, também quase todos descendentes de agricultores ou trabalhadores rurais, e a maior parte com idade próxima de 30 anos. Originam na maioria de áreas minifundializadas pela reprodução familiar localizadas no PIC Monte Alegre, originadas da colonização oficial. Parte deste público se deslocou da “colônia” de origem antes da divisão da área agrícola dos pais entre filhos e genros dada a pouca fertilidade do solo em alguns setores, ou a perda desta pelo uso, diga-se mau uso. (MDA/INCRA/SR-30, 2010, p.20)

Por conta dessa vinculação com outros projetos de assentamento, os

moradores de “Serra Azul” estão divididos entre duas categorias de “ocupantes”,

distribuídos em sete (7) grupos nominados de A à G; os que possuem e os que não

possuem perfil para assentado da reforma agrária, segundo esse Relatório Técnico:

para o saneamento da situação de inadequações alegadas pela Justiça Federal, deste e de outros projetos de assentamentos criados no ano de 2005 e 2006, o INCRA criou a Força Tarefa Santarém, com o objetivo de revisar e vistoriar todos os projetos de assentamento então suspensos pela justiça. No PDS Serra Azul esta ação resultou no LAF já referido. Neste processo de revisão foi detectado no PDS Serra Azul a seguinte situação ocupacional: 35 ocupantes que moram e exploram áreas no PDS e estão em RB ocupantes que exploram áreas e não residem no PDS e estão em RB, 23 Beneficiários a serem eliminados do Sistema SIPRA, 35 ocupantes que exploram áreas no Jauarí (rio), não estão em RB e foram cadastrados, 22 ocupantes que exploram áreas e residem no PDS, não estão em RB e foram cadastrados, 10 ocupantes que residem e exploram área dentro do PDS, não estão em RB e não foram cadastrados, 3 ocupantes que exploram áreas no PDS, não estão em RB e não foram cadastrados, 15 ocupantes que exploram áreas no PDS em situação irregular por não ter

perfil de beneficiário da reforma agrária. (MDA/INCRA/SR-30, 2010, p.4-5)

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A conclusão desse relatório acerca da alteração ocupacional é a dinâmica

da ocupação irregular, ocorrida no período entre a conclusão do LAF (março/2008) e

a “desinterdição” do Assentamento pela Justiça, em (janeiro/2010). Ou seja, durante

o período de interdição do PDS, o INCRA, embora conhecedor do problema, não

podia intervir, o que reforçou a necessidade desse levantamento ocupacional, que

formulou o histórico desse processo de ocupação claramente desordenado e as

controvérsias e consensos relativos a ele:

o tempo de ocupação das áreas é motivo de controvérsia. Alguns ocupantes relataram estar na área desde os primeiros anos de 2000. Estas ocupações iniciais, segundo o consenso resultante do relato de vários ocupantes, se davam com o objetivo de estabelecer uma base de apoio constituída da construção de um rancho rústico para fins de caçadas, não constituindo então uso da área que lhe dê direito de posse. É consenso também entre os relatos de ocupantes que as primeiras aberturas para instalação de cultivos agrícolas se deu nos anos de 2004 a 2006, nas proximidades da região conhecida como Matona/Serra Azul, se estendendo com poucas aberturas até o Pico do Jacaré, tendo acontecido um grande número de ocupações no ano de 2008, particularmente na região conhecida como “Assentamento”, a noroeste do PDS. Alguns ocupantes se instalaram na área em 2009 e 2010, conforme informações na Relação das Ocupações Identificadas no PDS Serra Azul (anexo), parte destes tendo feito a aquisição das benfeitorias de terceiros. Nesta Relação constam dados declarados de ocupações anteriores a 2004, mas cuja observação da área explorada permite inferir sua inconsistência. Esta discrepância pode ser observada nas declarações de ocupantes que não aceitam a modalidade PDS e que assim procedem com a intenção de convencer ao INCRA de sua ocupação anterior a criação do PDS. Nestes casos, a condição de exploração ou não da área foram pautadas pelas observações de campo. (LAF, 2008, fls. 20-21)

O levantamento recente dessa realidade, desse trabalho de “revisão

ocupacional”, e as nossas observações in loco acerca dos entraves que implicam na

fluência desse PDS e, possivelmente, de outros projetos similares, nos leva a crer

que isso se dá menos em decorrência da legislação ou dos problemas inerentes ao

próprio contexto e/ou sujeitos (ocupação aleatória, resistência às novas formas de

posse e uso da terra), e sim, mais propriamente em função de impasses/conflitos

institucionais entre as agências governamentais, a partir da análise dos discursos de

gestores locais (região Oeste do Pará), acerca das discussões do “Plano BR-163

Sustentável”, Araújo (2007, p.100), afirma que

os conflitos de gestão, acirrados em função do vínculo precário entre as entidades estatais no sistema federativo brasileiro, o que leva a disputas

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políticas constantes entre União, estados e municípios […]. Em função de divergências originadas em ideologias político-partidárias opositoras entre si que, como tal, disputam projetos políticos diferenciados.

Pertinente à conclusão de Araújo, embora num plano menor que o avaliado

pela autora, o cotidiano de falta de consenso no âmbito institucional acerca da

implantação do PDS “Serra Azul”, entre os órgãos co-gestores (INCR, IBAMA,

SEMA). A aparente fragilidade na relação de parceria, entre esses órgãos, tende a

prejudicar a desenvoltura do processo de implantação do referido assentamento,

assim como possivelmente, dos demais assentamentos da região Oeste do Pará.

Impasse que prejudica sobremaneira os usuários destas políticas, como por

exemplo, com o atraso na disponibilização de recursos a esses destinados, aos

quais de refere o LAF (2008, fl.104): “as famílias que ocuparão o imóvel terão

acesso […] à programas de crédito para a agricultura familiar, moradia, energia

elétrica, educação e assistência técnica social e ambiental”. Dentre estes subsídios,

os assentados receberam neste ano de 2001 a primeira parcela do “crédito

fomento”, uma espécie de crédito para apoio inicial a cada família, correspondente a

“apoio Inicial: R$ 3,2 mil por família” uma das modalidades do “crédito instalação”44.

Outro aspecto decorrente do atraso no processo de implantação desse

assentamento, evidenciado pelos assentados de “Serra Azul”, diz respeito à

construção da estrada e a melhoria dos ramais que possibilitarão aos moradores a

escoação da produção e o acesso digno das pessoas à zona urbana e

automaticamente aos serviços de saúde.

As dificuldades geradas pelos impasses institucionais, em função das

incompatibilidades de ideais de gestão e/ou de projeto político, têm também

provocado o acirramento e/ou delineamentos de conflitos e desgastes

desnecessários entre trabalhadores, lideranças, INCRA, e a sociedade local como

um todo. E, possivelmente, tem servido ao fortalecimento das posturas radicais de

ambos os lados (prós e contras), assim como ao surgimento de discursos e ações

44

O Crédito Instalação consiste no provimento de recursos financeiros sob a forma de concessão de

crédito, aos beneficiários da Reforma Agrária, visando assegurar aos mesmos os meios necessários para instalação e desenvolvimento inicial e/ou recuperação dos projetos do Programa Nacional de Reforma Agrária. Disponível em:<http//www.incra.gov.br/portal/índex.php?option=com content&view=category&layout=blog?id=40&Itemid=70>. Acesso em: 14 out. 2011.

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político-ideológicas e administrativas, por parte de atores locais e externos, movidos

por interesses eleitoreiros que não beneficiam os verdadeiros interessados no

processo.

Além dos conflitos acima indicados no referido assentamento, outro que

percebemos ao longo das nossas visitas diz respeito às associações, que por

diversas razões se organizam em torno do PDS. O LAF (2008) reconhece 04

associações de assentados, em “Serra Azul”.

Primeiro, é necessário que esclareçamos que a metodologia PDS, assim

como as demais modalidades de assentamentos da reforma agrária, prevê como

critério básico para a criação do Assentamento, a formação de Associação(s) de

assentados. Em decorrência desse critério, em 2005, para efeito de homologação

pelo INCRA da criação do PDS “Serra Azul”, surgiu um movimento entre os

interessados no assentamento “possíveis assentados” em prol da constituição de

uma associação.

Esse processo de discussão/disputa mobilizou não apenas os “candidatos”

ao Projeto, mas também as instituições representativas dos trabalhadores e

produtores, como: STTR, Cooperativa, Associação de Produtores Rurais etc., além

de políticos locais vinculados ao governo municipal. Vale ressaltar que havia dois

propósitos nessa disputa: de um lado o Sindicato de Trabalhadores/as Rurais,

Cooperativa e Associações, favoráveis ao PDS e contra essa modalidade de

assentamento os demais atores envolvidos no processo, que defendiam a criação

de um assentamento tradicional, um PA.

O processo de criação do assentamento politizou-se de tal forma que a

própria disputa virou o foco, ao invés do Projeto, propriamente. Sem consenso

quanto à modalidade de assentamento e com os ânimos acirrados, foi promovido

entre pessoas que se encontravam na RB, um pleito que escolheria a diretoria dessa

associação. Processo claramente delineado pela oposição político-ideológica entre

os dois grupos: um formado por pessoas pró-PDS, mobilizados pelo STTR e demais

entidades correlatas (cooperativa, associações comunitárias, etc.) e o outro, que

contava com o apoio do governo municipal e políticos locais a este vinculados,

consubstanciados pela associação de produtores, contra a criação do assentamento

sob a modalidade PDS.

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Nesse processo foi eleita a Associação do Assentamento Serra azul (ASA),

pró-PDS; sendo Diretores: Luis Paulo da Silva, José da Costa Alves, Antonio Jorge

Campos de Carvalho e Charles Pires de Araújo. A Associação eleita, então, passou

a encaminhar junto ao INCRA local e regional os procedimentos de criação do

referido assentamento.

Não satisfeitos, porém, com o resultado, as lideranças do outro grupo, sob a

batuta de seus apoiadores, requereram do Ministério Público Federal - MPF a

anulação do pleito; no entanto, após análise, o MPF decidiu pela validação do

referendo. Fato este que aumentou ainda mais os conflitos em torno da implantação

do Assentamento. A tensão, até então velada, a respeito do tema PDS virou assunto

dos meios de comunicação locais e regionais (rádios, jornais etc.)

O de oposição à “chapa” eleita, percebendo a irreversibilidade do processo

de criação do PDS e da eleição, formou uma associação paralela, Associação dos

Produtores Rurais Matona Serra Azul – PROMASA, esta representativa, como no

relato abaixo, dos

ocupantes que têm perfil de Beneficiário da Reforma Agrária e não aceitam a modalidade PDS reclamam o Projeto de Assentamento tradicional, com área padrão de 100 ha por unidade familiar, demarcada e titulada individualmente, e o direito de desmatar vinte por cento desta área, e estão agrupados em torno da Associação dos Produtores Rurais da Matona Serra Azul – PROMASA, sob a presidência de Lucio Barbosa da Mota (LAF, 2008, fl. 102).

Grupo que posteriormente “rachou” e seus dissidentes criaram a terceira

associação: Associação dos Moradores da Matona Serra Azul – AMMSA. Sendo

diretores: Valdomiro Augusto de Oliveira, João Xavier da Cruz, Leandro Santiago

Gomes e Leomar Araújo Oliveira (Dil). Atualmente não existe mais. Segundo

informações que colhemos junto aos assentados, maior parte do grupo se aliou à

ASA e a outra parte aos demais grupos, ou a nenhum deles. A quarta associação,

Associação do “Lúcio Goiano”, conforme o LAF (2008):

não formalizada, é presidida por Antônio Gomes da Luz (vulgo Lúcio Goiano) e reúne os ocupantes da região leste do PDS. Estes ocupantes não constam na relação de beneficiários do projeto e ocupam uma área conhecida como “Região do Jauarí”, em alusão ao principal rio que corta a

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região. Estas terras são constituídas basicamente por APP, as quais apresentam restrição legal de uso (LAF, 2008, fl. 102).

Em função desse cenário, as divergências político-ideológicas geraram uma

série de conflitos envolvendo não apenas os assentados do PDS, mas também

assentados de alguns dos demais assentamentos criados sob outras modalidades,

em Monte Alegre. Fossem implementação de ações jurídicas, denúncias em jornais

locais, protestos, etc., em geral, ações engendradas ou apoiadas por políticos locais,

contrários ao PDS e às gestões, local e regional do INCRA. Impasses apontados,

tanto pelo INCRA, quanto pelas lideranças locais favoráveis ao PDS, como fatores

de atraso no processo de implantação desse e dos demais assentamentos.

Prejudicando, segundo esses atores, a efetivação dos créditos de fomento, na fase

inicial dos projetos.

Como afirma o documento técnico.

Tendo o PDS Serra Azul, juntamente com outros projetos de assentamento do INCRA, sido interditado por determinação da Justiça Federal em agosto de 2007, ocorreu uma paralisação das atividades de implantação e desenvolvimento do PDS pelo período de aproximadamente dois anos, o que gerou uma grande alteração nas ocupações das áreas dentro do mesmo, com a saída de alguns ocupantes e entrada de outros, mesclando ocupantes que se encontram na Relação de Beneficiários (RB) do PDS, com outros que não constam, destes últimos participando ocupantes com perfil de beneficiários da reforma agrária e ocupantes sem este perfil, o que motivou a busca de um retrato atualizado da ocupação do imóvel (MDA/INCRA/SR-30, 2010, fl.4).

E como reitera Charles, se reportando a esse período:

em 2007, os assentamentos criados a partir de 2005 foram suspensos pela justiça, né? Por falta de licenciamento ambiental, então com a suspensão, então muitas pessoas acharam que ia ficar de qualquer jeito, que cada um ia poder o que quisesse, e aí durante esse período de 2007 até agora, teve um grande prejuízo, né? As pessoas entraram ultimamente, começou-se a produzir muito tomate, de pessoas de outras regiões, que não são do Assentamento, mas que foram comprando áreas, áreas, e hoje já tem alguns lugares lá que eles já desmataram as beiras dos igarapés todinhas pra plantar tomate (Charles, janeiro/2010).

Nesse ínterim, o governo municipal e políticos locais que possuem

interesses político-econômicos sobre a área e outras pessoas que se contrapõem à

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implantação do assentamento por interesses próprios: como a obtenção de ganhos

financeiros, com plantações irregulares às margens dos igarapés, extração ilegal de

madeira, a venda de lotes, entre outros. Há uma clara tentativa, por parte desses

atores, de desestabilizar o processo de implantação do PDS, com a mudança da

gestão do INCRA local e regional e de enfraquecimento das lideranças favoráveis ao

projeto. Uma dessas tentativas foi o ato público organizado por essas forças locais,

contrárias ao projeto, conforme ilustração 10, abaixo.

Ilustração 10: manifestação de agricultores em frente à sede do INCRA/local contra o PDS

Fonte: arquivo pessoal de Mábia Aline Freitas Sales

Diante do acirramento dos conflitos e da interdição do referido PDS, em

agosto de 2008, Charles e Paulinho (lideranças da ASA) lideraram a entrada de

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faixa 80 homens que acamparam na parte posterior do imóvel. Conforme essas

lideranças, a medida objetivava forçar a liberação do assentamento e impedir a total

invasão do local por pessoas interessadas apenas na caça, na retirada de ilegal de

madeira, na venda de terras, no uso inadequado da área (destinada à agricultura

familiar) para pastagem, entre outros.

Charles nos relatou as agruras pelas quais passaram “lá dentro”,

especialmente no primeiro ano (2008-2009), que os acampados ainda não tinham

lavoura, e tiveram que roçar, derrubar, plantar e esperar a época da colheita, sem

nenhuma estrutura. Situação agravada, segundo esse, pelo fato de que alguns,

mesmo à revelia das lideranças, levaram suas famílias junto, e outros, o fizeram logo

em seguida. Assim, houve uma preocupação maior quanto à saúde e alimentação

destes.

Tendo em vista todos esses impasses conflitivos, quais são as

possibilidades de êxito deste assentamento sob essa modalidade? Como podemos

perceber, os desafios são muitos e as dificuldades bem acentuadas; no entanto, do

ponto de vista do potencial agrícola/florestal do imóvel, e considerando a

homogeneidade do público, os técnicos afirmam:

é possível assegurar o sucesso perseguido de desenvolvimento sustentável nesta área, que tem ocupações sob certo controle, ainda relativamente pouco antropizada, com um público cliente da reforma agrária de forte tradição agrícola, bastante homogêneo socioculturalmente, praticamente todos naturais de Monte Alegre, um município que segundo o IBGE (LAF) possui 85% dos imóveis rurais com área abaixo de 100 ha, ocupando 22% de sua área total, e 4% dos imóveis com área acima de 2.000ha ocupando 60% da mesma. Monte Alegre é também o município que tem o maior rebanho bovino do oeste do Pará, notadamente uma atividade concentradora de renda e de terra, e de pouquíssima oferta de trabalho (MDA/INCRA/SR-30, 2010, fl.22-23).

Mas, esclarecem, ainda em relação a esse público, fatores que consideram

como obstáculos à gestão e, automaticamente, aos encaminhamentos quanto à

efetivação plena do Projeto, qual seja: “o grupo de ocupantes sem perfil de reforma

agrária”, que:

praticam a pecuária extensiva que requer grandes extensões de área, direcionam suas ações econômico-políticas à reconcentração fundiária através do comércio ilegal de terras nas áreas reformadas, além de

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estimular a ampliação do desmatamento ilegal. Este comércio é também um dos motivos que escondem os ocupantes do grupo que não aceitam a modalidade PDS porque a titulação coletiva o dificulta. (MDA/INCRA/SR-30, 2010, fl. 23).

Outra atividade preocupante dentro do PDS “Serra Azul”, observada pelos

técnicos no decorrer da revisão ocupacional e, por nós, ao longo da pesquisa de

campo, é a continuidade da extração ilegal de madeira, em geral, pelos próprios

“ocupantes” que contratam os chamados “toureiros”, como são conhecidos naquela

região os operadores de motosserra. Conforme o relatório,

apesar de não ter o mesmo efeito quantitativo de uma madeireira, esta atividade de difícil controle na Amazônia brasileira contribui fortemente para a destruição das bases éticas e de gestão participativa do desenvolvimento de uma cultura de produção com preservação ambiental (MDA/INCRA/SR-30, 2010, fl. 23)

E apresentam como possibilidade de reversão desse quadro: a

implementação do PDA45, a abertura da estrada e o pagamento de créditos; além de

outras ações que poderiam quebrar a resistência do grupo que se opõe à

modalidade PDS. Este mesmo Relatório identifica outra grande dificuldade a ser

superada: “as invasões ilegais que [...] são impulsionadas pela necessidade de terra

para produzir subsistência e renda, mas também estimuladas por madeireiros

clandestinos e pecuaristas que praticam o comércio ilegal de terras”.

(MDA/INCRA/SR-30, 2010, fl. 23). E propõe possíveis instrumentos para o controle

dessas ações que desrespeitam os critérios da metodologia, prejudicam sua

viabilidade ambiental de forma sustentável; enfim, sabotam a implantação do Projeto

nos moldes propostos.

Quais seriam esses instrumentos na visão dos técnicos? Em primeiro lugar,

o engajamento dos órgãos fiscalizadores (IBAMA, SEMA) na promoção do

assentamento pautado na metodologia PDS. E, em segundo lugar, a organização,

por parte do INCRA, juntamente com assentados e as associações, de estudos e

45

O Plano de Desenvolvimento do Assentamento – PDA é o instrumento de planejamento dos Projetos de Assentamento voltado para o seu desenvolvimento sustentável, segundo as suas dimensões econômica, social, cultural e ambiental. (MDA/INCRA, p.29). Disponível em: <http://www.incra.gov.br/portal/arquivos/projetos_programas/0005502027.pdf>. Acesso em: 14 out. 2011

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pesquisas. Como exemplifica o Relatório, as que estão sendo desenvolvidas pelo

(UEPA, UFOPA e EMBRAPA), a imediata elaboração e implantação do PDA como

assistência técnica eficaz, para tal faz referência à ATES46.

Enfim, essas são algumas considerações teóricas sob as quais buscamos

contextualizar nosso objeto de pesquisa – PDS “Serra Azul”. Em seguida,

abordaremos as categorias conceituais que elegemos como caminho teórico de

suporte à discussão acerca do referido objeto.

46

O Programa de ATES (Assessoria Técnica Social e Ambiental à Reforma Agrária) sinaliza para um

processo de desenvolvimento rural sustentado, fundado na democratização do acesso à terra, à guisa da sua função social, e na potencialização da capacidade humana em tornar produtiva a estrutura fundiária, de forma ordenada e racional. (grifo nosso) (MDA/INCRA, p.1). Disponível em: <http://www.incra.gov.br/portal/arquivos/projetos_programas/0005502027.pdf>. Acesso em: 14 out. 2011.

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SEÇÃO II

APROXIMAÇÕES TEÓRICAS: DIALOGANDO COM AS PRINCIPAIS CATEGORIAS CONCEITUAIS DESTE ESTUDO

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2.1 ASPECTOS DA RACIONALIDADE AMBIENTAL: PELA VIA DE UMA “CULTURA ECOLÓGICA” DO MODO DE FAZER E VIVER

Neste ponto buscamos articular a objetividade teórica da primeira seção

com a análise dos discursos dos sujeitos e demais atores (orais e escritos), que

serviram de pano de fundo da terceira seção. Para apontarmos o norte do que

pretendemos nesta abordagem, iniciamos pela a referência que faz Leff (2009) à

importância do materialismo histórico na renovação dos processos culturais,

dizendo que esta,

surge do fato de que as culturas “primitivas” ou “tradicionais” que sobrevivem até a atualidade, não conseguiram um processo meramente “etnológico”, mas são influenciadas e condicionadas pelo modo de produção capitalista em sua expressão internacional. Este é o caso das sociedades indígenas e camponesas, nas quais a racionalidade do uso de seus recursos é sobredeterminada pelos processos de valorização do capital (LEFF, 2009, p.110-111).

Na América Latina, segundo o próprio Leff (2009, p. 111), esse processo

histórico de sobreposição provocou o desaparecimento e a substituição dos

sistemas de técnicas das civilizações pré-hispânicas e meso-americanas. Pois,

estas cederam lugar ao sistema de monoculturas e formas de uso da terra

“orientadas para maximizar os lucros mercantis a curto prazo”, causando forte

degradação ambiental e “destruindo o recurso cultural dos conhecimentos

tradicionais das comunidades”. Em outro momento dessa discussão, Leff (2009)

afirma que:

a sobredeterminação que exerce a dinâmica do capital sobre a transformação dos ecossistemas e a racionalidade de uso dos recursos naturais está sempre condicionada por práticas culturais de aproveitamento dos recursos que medeiam as inter-relações entre os processos ecológicos e os processos históricos (LEFF, 2009, p.98).

Relação que, segundo esse autor, não se dá apenas em função dos

aparelhos ideológicos do Estado, através da unificação da cultura dominante

pela política nacional; mas, sobretudo por via do mercado capitalista. Processo

no qual as “estruturas sociais” das culturas tradicionais vão sendo

transformadas: tanto das que assimilam, quantos das que resistem ao modo de

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produção dominante. Possivelmente porque, como no dizer de Sachs (2009, p.

345): “o mercado […] é por natureza míope e insensível tanto ao social quanto

ao ecológico”.

Tomando como referência as práticas de alguns atores do nosso

contexto de análise, como: o esforço para preservar suas reservas legais, o

exercício de plantio permanente como alternativa de renda futura para limitar o

desmate da área destinada à agricultura, assim como a criação de animais de

pequeno porte, o limite na caça de animais silvestres, entre outras, essas são

práticas, embora tímidas, parecem denotar uma nova perspectiva de convivência

socioambiental daqueles sujeitos com aquele ambiente.

Porém, conforme podemos perceber nas falas e silêncios dos sujeitos, a

maior resistência diz respeito ao critério de posse da terra do PDS – posse

coletiva, através de “concessão de uso coletivo”47. Como podemos identifica na

fala dos intérpretes, que declara: “a pessoa aceita porque não tem outra opção

[…], porque eu não me sinto dono da terra, eu me sinto como sendo um funcionário,

sendo administrado pelo dono da terra (INCRA)” (Valdi, fev./2011) ou na fala desse

outro, que afirma: “se eu tenho a posse de um bem e não tenho o documento dele,

não é meu” (Kiko, maio/2011).

Tanto em uma quanto em outra fala, identificamos a percepção desses,

sobre a terra, como objeto de uso particular e exclusivo. Percepções,

possivelmente, decorrente do histórico de colonização do qual, ambos são

herdeiros, seja como “posseiro”, seja como “colono”. Na fala/postura, tanto de

um quanto de outro, é possível perceber o grau de desconfiança/insegurança em

relação a uma forma de posse oposta ao que estes estavam acostumados.

Essa resistência se deve, por um lado, ao substancial componente

histórico-cultural imposto a esses sujeitos pelo processo de colonização

contemporânea local ao qual fomos submetidos, com maior ênfase a partir do

início da segunda metade do século XX. E que, de tão próximo, ainda está

presente no modo de pensar/estabelecer uma nova relação com a natureza.

47

“o PDS prevê a concessão de uso da terra em regime comunal, de acordo com a forma definida pelas comunidades concessionárias”. Disponível em: <www.planalto.gov.br/.../EM-49-MMA-MDA-Mpv...> Acesso em: 16 out. 2011.

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Razão que, acreditamos, contribui fortemente para a resistência à possibilidade

de pensar/fazer/viver diferente no meio rural.

Outro fator que possivelmente pesa nas demonstrações de resistência ao

PDS “Serra Azul”, ali manifestadas, é o fato desta “novidade” está sendo

apresentada/trazida por um “velho” conhecido desses atores – o INCRA, cujo

histórico, lhe imputa grande descrédito junto aos sujeitos, pelo que observamos.

Dito isso, entendemos que a realização do projeto, com a devida celeridade, ser-

lhe-á objeto de conquista de confiança junto a esse público – os trabalhadores

rurais, tanto os que apóiam quanto os que rejeitam a modalidade. A nosso ver,

passa pelo que assevera Sachs (2009, p.340): “não basta dizer que o

desenvolvimento rural sustentável é necessário.

Ao que percebemos: tanto os assentados que são à favor quanto os que

são contra o assentamento, sob o modelo proposto, estão como que à espreita

de seu deslanche; sendo que ambos parecem céticos em relação a isto. Nesse

sentido, entendemos que o “desenvolvimento sustentável” para o

agrário/agrícola e conseqüentemente ambiental, proposto nos documentos

oficiais, que nos auxiliaram na visualização da política nacional para o esse setor

(citados ou não neste texto), do ponto de vista teórico é alvissareira, mas, do

ponto de vista prático, nos parece uma utopia, em construção.

é um tecido de valores, de formações ideológicas, de sistemas de significação, de práticas produtivas e de estilos de vida, num contexto geográfico e num dado momento histórico […]. Desta forma, os princípios da “cultura ecológica”, que os processos sociais mobilizam para uma gestão ambiental do desenvolvimento sustentável se definem, na prática, através de racionalidades culturais que surgem das formas de organização produtiva e os estilos étnicos das sociedades tradicionais, dos povos indígenas e comunidades camponesas (LEFF, 2009, p.114).

Pois conforme assegura, esse mesmo autor, cultura esta, seja como

estilo de vida ou de direito sobre os territórios e espaços étnicos desses atores,

que não foi contemplada nos paradigmas dominantes da economia.

Especificamente sobre os atores aos quais dedicamos nossa

observação, percebe-se um claro resquício da cultura dominante: de um lado a

assimilação, por alguns, de idéias e práticas sustentáveis (aproveitamento da

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madeira dos roçados, contenção do desmatamento, cultivo de culturas

permanentes, criações de pequenos animais, etc.). Portanto, entendemos que a

realização de mudanças efetivas de mentalidade/comportamento desses atores,

naquele contexto, constitui-se numa possibilidade real, inscrita no que afirma

Leff (2007, p.134): “a construção de uma racionalidade ambiental implica a

realização e concreção de uma utopia” cuja emergência estar em um processo

de transição,

caracterizado pelas oposições de perspectivas e interesses envolvidas em ambas as racionalidades, mas também por suas estratégias de transformação, suas táticas de negociação e seus espaços de complementaridade […]. E esse processo transformador de formações ideológicas, instituições políticas, funções governamentais, normas jurídicas, valores culturais, estruturas tecnológicas e comportamentos sociais que se insere na rede de interesses de classes, grupos de indivíduos que mobilizam ou obstaculizam as mudanças histórica para construir essa nova racionalidade social (LEFF, 2007, p.134-135).

A reflexão acima é extremamente pertinente ao contexto de

enfretamentos pelo qual passa o Assentamento “Serra Azul”, alternando

momentos de disputas políticas mais ou menos acirradas, onde, além dos

assentados, também as associações, atores das instituições governamentais,

não governamentais e outros estão envolvidos. Entendemos que a mobilização

desses atores em torno do referido Projeto guarde na sua essência possíveis

princípios da racionalidade econômica e instrumental, embora se esforcem para

superar esses princípios e assimilar outros que vão sendo validados/rejeitados

nos embates ideológicos e nas suas práticas cotidianas. Que parece passar pelo

que reflete Leff (2001, p.133) sobre as condições reais de constituição do

conceito de ambiente, além de reformas democráticas dos governos e da

inclusão de normas ecológicas ao processo econômico, entre outros. Segundo

sua afirmação, além dos propósitos normativos,

o conceito de ambiente abre novas perspectivas ao processo de desenvolvimento, sobre novos princípios éticos e potenciais ecológicos, propondo uma transformação dos processos econômicos, políticos, tecnológicos e educativos para construir uma racionalidade social e produtiva alternativa (LEFF, 2001, p.133).

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As posturas e práticas que convivem e se (re) constroem naquele lugar

revelam-se diferentes no modo de morar, nas falas, nos gestos, que

normalmente denotam “um grande esforço” na busca por novos saberes e/ou

formas de viver. Que nas nossas observações aparecem timidamente na

necessidade/vontade de reaproveitamento da árvore que não queimou no

roçado, como forma de não desperdiçar recursos, por exemplo. Roças, feitas de

forma tradicional, mas, em grande parte, dentro de limites estabelecidos pela

modalidade (PDS); idéias de roças coletivas, da combinação entre culturas

temporárias e permanentes para melhor aproveitamento das áreas (solo); a

introdução do plantio de espécies silvestres; propostas de como aproveitar a

floresta, os rios e igarapés de forma sustentável etc.

Idéias e práticas que podemos perceber, na Seção III, de análise dos

discursos dos sujeitos, indicadores de uma diversidade de idéias que ensejam a

sustentabilidade do lugar, como também, concordâncias e discordâncias sobre

este ou aquele critério da referida modalidade de assentamento,

percepções/comportamentos, que parecem elucidadas na afirmação de Leff

(2001, p.134), de que “a lógica da unidade econômica rural e o estilo étnico

próprio de uma cultura remetem a racionalidades sociais constituídas como

sistemas complexos de ideologias-valores-práticas-comportamentos-ações”, que

para esse, não podem ser reduzidas a uma “lógica unificadora”.

Neste sentido a racionalidade ambiental não é a expressão de uma lógica, mas o efeito de um conjunto de interesses e de práticas sociais que articulam ordens materiais diversas que dão sentido e organizam processos sociais através de certas regras, meios e fins socialmente construídos (LEFF, 2001, p.134).

O que nos impõe repensar com parcimônia a natureza dos saberes, da

educação, da sustentabilidade, do desenvolvimento, da produção e da cultura,

na tentativa de perceber sinais de outro tipo de racionalidade que não a

racionalidade dominante. Esse outro tipo de racionalidade, conforme Leff (2007)

nasce a partir da contradição dialética entre dois projetos distintos de sociedade.

Freire (2005) ilustra com veemência sua reflexão sobre a concepção de

educação como prática de liberdade, oposta à prática de dominação, que segundo

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ele, consiste na negação do homem abstrato assim da realidade ausente dos

homens, ou seja, não consciência humana fora do mundo e vice-versa. Para ilustrar

sua tese, Freire (2005) vai além, na sua definição do que é cultura, utilizando uma

conceituação original a partir da seguinte história, quando do seu exílio no Chile

(década de 60). Diz ele:

certa vez, num dos “círculos de cultura” do trabalho Chile, um camponês, a quem a concepção bancária classificaria de “ignorante absoluto”, declarou, enquanto discutia através de uma “codificação”, o conceito antropológico de cultura: “Descubro agora que não há mundo sem homem. E quando o educador lhe disse: “Admitamos absurdamente que todos os homens do mundo morressem, mas ficasse a terra, ficassem as árvores, os pássaros, os animais, os rios, o mar, as estrelas, não seriam tudo isso mundo? “Não”, respondeu enfático, “faltaria quem dissesse: Isto é mundo”. O camponês quis dizer, exatamente, que faltaria a consciência do mundo que necessariamente, implica o mundo da consciência (FREIRE, 2005, p.81).

Quiçá, seja esse, o sentido de cultura/consciência em construção por

aqueles sujeitos quanto à necessidade de uma racionalidade cultural ou

racionalidade ecológica que transgrida a ordem estabelecida de posse e uso da

terra, a partir do sentido da colonização. Cultura que determine as formas de

convivência entre eles e com o ambiente natural, como nas falas dos sujeitos: um

querendo superar o outro na quantidade de terras que “cultiva” e os recursos

naturais ainda sendo usados como se fossem bens infindáveis. Portanto, um sentido

“humano” de cultura precisa ser despertado nas relações humanas e nas práticas

produtivas que estejam para além da força dos critérios (determinações legais), mas

que pela educação constitua-se em consciência de fato.

Acreditamos que na relação dialética entre educação e trabalho é possível

uma mudança cultural coerente, resguardando saberes tradicionais de práticas

sustentáveis já desenvolvidas por esses atores em suas vivências como agricultores

e/ou filhos e netos desses, como o cultivo de culturas permanentes, por exemplo.

Como no dizer de Brandão (1995, p.22) “a cultura é o que fazemos dela, nela e, em

e entre nós, através dela, Vida […]. Nós somos aquilo que nos fizemos e fazemos

ser”. E posteriormente que:

a cultura configura o mapa da própria possibilidade da vida social. Ela não é a economia nem o poder em si mesmos, mas o cenário multifacetado e polissêmico em que uma coisa e a outra são possíveis. Ela consiste tanto

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de valores e imaginários que representam o patrimônio espiritual de um povo, quanto das negociações cotidianas através das quais cada um de nós e todos nós tornamos a vida social possível e significativa (BRANDÃO, 2002, p.24).

Os atores que compõem o nosso objeto de estudo, a exemplo do que reflete

Brandão (2002), vivem o processo de assimilação de nova cultura

agrícola/extrativista imbuída de saberes tradicionais e da necessidade de aquisição

novos saberes ambientais, que contemplem os novos parâmetros de

desenvolvimento rural proposto por aquele tipo de assentamento.

Nesse sentido, o exercício de construção de uma nova cultura ambiental

naquele local nos parece possível à medida que os impasses de gestão tenham sido

resolvidos: deslanche de sua afirmação legal; definição dos “ocupantes” que são ou

que serão de fato assentados e efetivação dos benefícios relativos à referida

modalidade (crédito, assistência técnica, educação, saúde e outros) que garanta aos

assentados condições de vida e de mudança de atitude diante dela.

As formas de pensar e agir sobre o ambiente (rural) daqueles sujeitos,

permeadas por tensões e contradições que indicam rompimentos, aceitações,

conciliações de saberes e práticas ambientais que estão sendo validadas/

revalidadas a partir de uma proposta de outra cultura de posse e uso da terra,

acreditamos, articula-se ao que analisa Gueertz (1989, p.4): “que o homem é um

animal amarrado a teias de significado que ele mesmo teceu, assumo a cultura

como sendo essas teias e suas análises, mas como uma ciência interpretativa, à

procura do significado”.

2.2 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL: ALGUMAS REFLEXÕES

O conceito de desenvolvimento sustentável foi definido pela Organização

das Nações Unidas (ONU), mais precisamente pelo Relatório da Comissão

Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecido como “Informe de

Bruntland”. Comissão, criada por aquela instituição em 1984 para avaliar “os

avanços dos processos de degradação ambiental e a eficácia das políticas

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ambientais para enfrentá-los”. Segundo Leff (2001, p.19), nesse relatório o

desenvolvimento sustentável foi definido como “um processo que permite

satisfazer as necessidades da população atual sem comprometer de atender as

gerações futuras”.

Nesse sentido, a “sustentabilidade”, segundo esse autor:

leva a lutar por um crescimento sustentado, sem uma justificação rigorosa da capacidade do sistema econômico de internalizar as condições ecológicas e sociais (de sustentabilidade, equidade, justiça e democracia) deste processo (LEFF, 2001, p.19-20).

Leff (2001) faz uma crítica a ambos os conceitos (desenvolvimento

sustentável e sustentabilidade ambiental), e que isso deve em função da própria

polissemia do termo sustainability, que, segundo ele, comporta dois significados:

um que “implica a internalização das condições ecológicas de suporte do

processo econômico” e o outro “que aduz a durabilidade do próprio processo

econômico”. Assim, a sustentabilidade ecológica “constitui uma condição da

sustentabilidade do processo econômico”. Diante dessa ambivalência, Leff

(2001, p.20) diz que é necessário definir claramente os sentidos das noções de:

“desenvolvimento sustentável”, “sustentabilidade” e “crescimento econômico”48.

Dentro de uma abordagem critica da construção histórica desses

conceitos face à problemática ambiental, Leff (2001, p.20) diz que “o discurso da

sustentabilidade chegou a afirmar o propósito e a possibilidade de conseguir um

crescimento econômico sustentado através dos mecanismos do mercado”. Sem

demonstrar a faculdade deste para absorver as condições de sustentabilidade

ecológica e a resolução dos diversos processos constitutivos do ambiente, como:

“tempos ecológicos de produtividade e regeneração da natureza, valores

culturais e humanos, critérios qualitativos que definem a qualidade de vida”.

48

“Aqui é preciso diferenciar claramente o sentido das noções de “desenvolvimento sustentável”, “sustentabilidade” e “crescimento econômico” nas estratégias do discurso ambiental neoliberal, da noção de sustentabilidade constitutiva do conceito de ambiente, como marca da ruptura da racionalidade econômica que negou a natureza e como uma condição para a construção de uma nova racionalidade ambiental (Leff, 1994a, cap.12: Disjuntivas do desenvolvimento sustentável: mudança social ou racionalização do capital?). Diz que em língua portuguesa usará o termo “sustentável” como sinônimo de “sustentable” e “sustentado” como sinônimo de “sostenible” (LEFF, 2001, p.20).

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Leff (2001, p.20-21), reitera a importância da Conferência Rio-9249, e/ou

o resultado desta – a Agenda-21. Como instrumento de regulamentação do

processo de desenvolvimento baseado nos princípios da sustentabilidade, sobre

o que afirma: “desta forma foi sendo prefigurada uma política para a mudança

global que busca dissolver as contradições entre meio ambiente e

desenvolvimento”.

Mas, apesar do reconhecimento, Leff (2001, p.25-28) critica duramente o

discurso do desenvolvimento sustentável por meio de diversas aferições, dentre

as quais destacamos duas, que distorcem o sentido desse conceito, ou

propósito, em favor dos objetivos das políticas neoliberais, na perspectiva da

liberdade do mercado. A primeira crítica que Leff (2001) faz ao discurso do

desenvolvimento sustentável é que esse discurso, para ele,

vai engolindo o ambiente como conceito que orienta a construção de uma nova racionalidade social. A estratégia discursiva da globalização gera uma metástase do pensamento crítico, dissolvendo a contradição, a oposição e a alteridade, a diferença e a alternativa para oferecer -nos em seus excrementos retóricos uma re-visão do mundo como expressão do capital (LEFF, 2001, p.25).

E a segunda crítica, é de que esse mesmo discurso,

inscreve as políticas ambientais nos ajustes da economia neoliberal para solucionar os processos de degradação ambiental e o uso racional dos recursos ambientais; ao mesmo tempo, responde à necessidade de legitimar a economia de mercado que resiste à explosão, à qual está predestinada por sua própria “ingravidez” mecanicista. (LEFF, 2001, p.28).

Ambas as críticas dão conta de que há aí uma disputa clara entre a

racionalidade econômica, por meio da lógica do mercado, e a necessidade de

construção da – racionalidade ambiental, a qual pressupõe vários aspectos

(anteriormente apontados). Leff (2007, p.134) diz que as contradições entre as

racionalidades (ecológica e capitalista) ocorrem em função de um confronto de

49

Conforme Dias (2004, p.521): foi a Conferência promovida pela ONU (Organização das Nações Unidas – ONU) – Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, que reuniu no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de junho de 1992, representantes de 170 países. Cujo um dos resultados foi a elaboração da Agenda-21, um Plano de Ação para o Século XXI.

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diferentes valores e potenciais enraizados em esferas institucionais e em

paradigmas de conhecimento “através de processos de legitimação com que se

confrontam diferentes classes, grupos e atores sociais”.

Portanto, as reflexões teóricas de Leff (2001, 2003, 2004, 2007, 2009)

nos ajudaram sobremaneira a compreender como esse confronto vem ocorrendo

naquele local, entre os atores implicados (assentados, lideranças, instituições

governamentais e não governamentais) no processo de implantação do PDS

“Serra Azul”. Como os desafios impostos aos sujeitos (assentados) pelos

critérios da modalidade, as condições reais de existência desses e as disputas

ideológicas podem ou estão proporcionando saberes relativos ao ambiente.

Acreditamos que aquele contexto passa por interrogações de várias ordens

em relação ao Assentamento; mas, como propõe Guivant (2002, p.79-80): numa

discussão sobre sustentabilidade é importante esclarecer “o que vai ser sustentado,

por quanto tempo, para benefício de quem e a que custo”. Essa autora também

reflete que a sustentabilidade não implica num simples pacote, mas que se trata de

um processo de aprendizagem e que as definições desse conceito e o seu conteúdo

mudam de acordo com as mudanças do contexto.

E, no sentido especifico do nosso objeto de estudo, nos apoiamos nas

considerações de Leff (2009, p.120), se reportando a estudos de Pitt (1985), ao falar

da cultura de desenvolvimento dos povos pré-hispânicos, cuja estratégia de

produção, segundo este,

permitia otimizar o uso da força de trabalho e o potencial ecológico através de uma produção diversificada, ajustada às condições ecológicas e ao potencial ambiental de cada região, integrando atividades agrícolas e silvícolas com as de caça, pesca e colheita […]. Este estilo de desenvolvimento foi-se caracterizando através da complementaridade dos processos de trabalho e das práticas de cooperação interétnica de manejo integrado dos recursos. Assim, a integração das economias e intercâmbio de produtos provenientes de um território mais amplo. Deste modo, estabeleceram-se regras consensuais sobre a organização, administração e regulação coletiva da produção, constituídas em processos milenares de transformação cultural da natureza, de experimentação produtiva, de inovação técnica, intercâmbio de conhecimentos e dialogo de saberes […]. A cultura converte-se, assim, em parte integral das condições gerais da produção, no sentido de que a preservação e reinvenção das identidades étnicas e dos valores culturais, assim como a gestão participativa das próprias comunidades em seu ambiente é condição para a conservação ecológica da base de recursos para o desenvolvimento sustentável. Ao mesmo tempo, a cultura constitui um princípio ativo de desenvolvimento das

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forças produtivas num paradigma alternativo de produção, na qual a produtividade ecológica e a inovação tecnológica estejam entrelaçadas com os processos culturais que definem a produtividade social global (LEFF, 2009, p.120).

A partir desse resgate histórico, percebe-se o sentido e a importância da

cultura como elemento de constituição de outra perspectiva ambiental pertinente

exigência do desenvolvimento rural sustentável; pois, para esse autor são: os modos

de cooperação, o trabalho coletivo, a divisão familiar e social do trabalho e

convenções de intercâmbio entre as comunidades que definem a dimensão cultural

do desenvolvimento sustentável.

No caso da Amazônia, de acordo com Viana (2007, p.19-20), o primeiro

desafio é “identificar a gênese do descaminho da história florestal brasileira e

formular soluções”. Descaminho este marcado por noções equivocadas de

progresso, que tem levado indivíduos e governos “à eliminação sistemática das

nossas florestas”. O que requer, invariavelmente, a desmistificação do conceito de

mato como “coisa ruim”; pelo contrário, temos que “transformar o mato em jóia da

floresta”.

Diante disso, para esse autor o outro desafio

é encontrar paradigmas e conceitos que nos permitam uma radical mudança nos rumos de nossa história florestal. O manejo florestal precisa ser descomplicado e desburocratizado. Precisa combinar a sabedoria milenar de nossas populações tradicionais e indígenas com o mais avançado conhecimento científico e técnico em ecologia e manejo de ecossistemas naturais. Precisa ser apoiado por políticas sérias participativas, consistentes e eficazes (VIANA, 2007, p.20).

Essa combinação de fatores proposta por Viana é pertinente ao que Leff

(2009, p.216) aponta como “caráter estratégico” do ecodesenvolvimento50: o vínculo

das práticas dos atores voltadas para equidade social e os valores da diversidade

cultural; estes, associados às estratégias de poder teórico-práticas para a

transformação da atual ordem antiecológica. Nesse sentido, o ecodesenvolvimento

50

“Quer seja ecodesenvolvimento ou desenvolvimento sustentável, a abordagem fundamentada na harmonização de objetivos sociais e econômicos não se alterou desde o encontro de Estocolmo até as conferências do Rio de Janeiro, e acredito que ainda é válida, na recomendação dos oito critérios distintos de sustentabilidade parcial […]: social cultural, ecológica, ambiental, econômico, político (nacional), político (internacional)” (SACHS, 2002).

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ou desenvolvimento sustentável, designa o “campo prático no qual se promovem e

realizam diversas ações conducentes à produzir e aplicar os conhecimentos

científicos e as técnicas necessárias para o aproveitamento integrado dos recursos

de cada ecossistema”. Revelando sua clara opção por esse paradigma de

“desenvolvimento alternativo”, afirma que o seu objetivo,

definido como uma estratégia para a produção e aplicação dos conhecimentos e técnicas necessários para o aproveitamento dos recursos de cada ecossistema, dentro de critérios ecológicos que garantam a sua produção no longo prazo, é um processo social inserido dentro das lutas de cada comunidade pela apropriação de seu patrimônio de recursos naturais e culturais […]. O desenvolvimento sustentável está vinculado, desta maneira, a um processo político de mudanças teóricas, técnicas e sociais (LEFF, 2009, p.222).

E ainda para Leff (2009, p.166): a condição para alcançar um

desenvolvimento sustentável passa pela valorização do patrimônio natural e cultural,

elementos conducentes à construção de uma nova racionalidade produtiva, que

“incorpora os processos naturais e culturais ao processo produtivo” – a produtividade

ecotecnológica51.

Cotejando o referido paradigma à proposta metodológica do nosso objeto de

estudo e as práticas produtivas reais desenvolvidas pelos assentados nesse

momento, não temos dúvida de que tal proposta ainda está em processo

embrionário a contento teórico e caminha timidamente na prática. Possivelmente, à

espera das condições reais para que se dê a sua “acontecência”, como: a

desburocratização do processo de implantação do projeto e a efetivação dos

incentivos econômicos e sociais pertinentes ao PDS.

Somente a garantia de condições indispensáveis ao funcionamento do

projeto nos moldes propostos conseguirá assegurará as possibilidades de mudanças

nos paradigmas de uso da terra e dos demais recursos por seus atores, de acordo

com o proposto abaixo:

O conceito de produtividade ecotecnológica aparece como uma utopia que mobiliza a ação social para a construção de uma racionalidade produtiva

51

Conjunto de princípios teóricos e processos ideológicos, juntamente com os conhecimentos científicos e tecnológicos, que sustentam uma racionalidade produtiva (nota de rodapé, Leff, 2009, p.149).

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alternativa, a partir dos processos materiais, das significações culturais, dos conhecimentos científicos e das forças produtivas potencialmente disponíveis […]. O paradigma ecotecnológico se insere dentro de um novo projeto de civilização (LEFF, 2009, p. 167-168).

Essa concepção de produtividade é pertinente ao ideal de produção do PDS;

que a nosso ver, para o nosso objeto, configura-se num dos desafios de seus atores

enquanto proposta de inovação concreta para aquele ambiente rural específico, cuja

pauta é o uso sustentável dos recursos naturais. O que requer, necessariamente,

outra forma de relação com a terra, com a floresta, com os rios, com os bichos etc.

Que não se dará apenas pela aplicação de critérios técnicos institucionais, mas

fundamentalmente pela disposição e comprometimento dos atores envolvidos com

esse propósito.

E em termos mais abrangentes, uma “cultura ecológica” de transformação

das relações do homem com a natureza, que conforme Leff (2009):

deve ser concebida num quadro mais amplo, no qual […] processos ideológicos transformam as relações de produção e as relações de poder entre Estado e sociedade. Assim a cultura ecológica abrange a construção de uma racionalidade ambiental mediante os […] processos: a) O estabelecimento dos parâmetros de uma ética ambiental, no qual se forjam os princípios morais que legitimam as condutas individuais e o comportamento social perante a natureza, o ambiente e o uso dos recursos naturais. b) A construção de uma teoria ambiental por meio da transformação dos conceitos, técnicas e instrumentos com o fim de conduzir os processos socioeconômicos para estilos de desenvolvimento sustentável. c) A mobilização de diferentes grupos sociais e a colocação em prática de projetos de gestão ambiental participativa baseados nos princípios de uma racionalidade ambiental e nos objetivos da sustentabilidade (LEFF, 2009, p. 281-282).

Para Sachs (2002) o desafio está em se desenhar estratégias corretas de

desenvolvimento, para que se alcance a sustentabilidade ambiental da terra e dos

recursos naturais; pois, para esse,

o uso produtivo não necessariamente precisa prejudicar o meio ambiente ou destruir a diversidade, se tivermos consciência de que todas as nossas atividades econômicas estão solidamente fincadas no ambiente natural. (SACHS, 2002, p.32).

Em tom de alerta, Sachs (2009, p.339) diz que “os países do Terceiro

Mundo poderão reproduzir a transição da economia rural, de predominância

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agrária, para a economia urbana de predominância industrial”, assim como fez a

Europa Ocidental, mas que isso não resultará em melhorias, pois o que sucedeu

lá foi a migração dos camponeses daquela região, a partir da metade do século

XX, para as Américas.

Sachs (2009, p.340) alerta sobre um processo equivocado de

urbanização e, diante de seus equívocos há a necessidade dos governos e

sociedades de repensarem o desenvolvimento do espaço rural. Ou seja, este

autor, reitera a necessidade das sociedades/governos “encetar um novo ciclo de

desenvolvimento rural parece um imperativo social […]. Este se desdobra num

imperativo ecológico”. Feitas essas assertivas, Sachs (2009) assegura:

os camponeses são capazes de fazer serviços ambientais essenciais, de ser os guardiãs das paisagens e os gerentes dos recursos naturais de que dependem nossa existência – solos, águas, florestas e, por extensão, climas. Evidentemente será preciso incitá-los e até remunerá-los por essas funções, começando por garantir aos camponeses, que dele são privados, o acesso à terra e aos recursos naturais necessários para viverem. Na falta disso, esses prisioneiros de estruturas fundiárias desiguais terão de se apropriar de modo predatório do mínimo de recursos indispensáveis para sua sobrevivência, ou de imigrar para as favelas. (SACHS, 2009, p.340)

A asserção do autor, como profundo conhecedor/pesquisador sob

aspectos dessa natureza (econômico/social/ambiental), particularmente sobre a

realidade brasileira, imprime, a nosso ver, total pertinência à nossa realidade.

Neste estudo de caso, embora limitado a um estudo de caráter

exploratório, por circunstâncias diversas, entre elas: nossas limitações como

pesquisadora, o processo de (des)acomodação do próprio objeto da pesquisa,

entre outras. Nossa impressão é de que há possibilidades de diálogo entre os

saberes ambientais em fase de concepção e os saberes tradicionais daqueles

sujeitos (assentamento), que poderão se converter em antídoto às mazelas

provados pela exaustão e pelo “desencanto” dos agricultores e, automaticamente

de sua migração para a/s periferia/s da/s cidade/s. Dizemos isso, pautados pela

disposição que percebemos em parte daqueles atores para mudar/fazer

diferente, desde que “o governo” traduza proposição em ação efetiva.

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104

2.3 SABERES SOCIOAMBIENTAIS E APROXIMAÇÕES TEÓRICAS ACERCA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Nosso foco de interesse neste estudo são justamente os saberes

socioambientais que estão sendo validados, ou não, pelos assentados de “Serra

Azul”, a partir dos critérios de posse e uso da terra próprios da modalidade (PDS).

Nessa perspectiva, percebermos nesses saberes possíveis elementos para uma

proposta de educação ambiental que contemple suas práticas agrícolas e florestais,

e suas relações sócio-político-econômicas e culturais, atuais ou futuras.

o saber ambiental emerge de uma reflexão sobre a construção do social do mundo atual, onde hoje convergem e se precipitam os tempos históricos que já não mais os tempos cósmicos da evolução biológica e da transcendência histórica. É a confluência de processos físicos, biológicos e simbólicos reconduzidos pela intervenção do homem – da economia, da ciência e da tecnologia – para uma nova ordem geofísica, da vida e da cultura [...].Tempos de hibridação do mundo – a tecnologização da vida e a economização da natureza -, de mestiçagem de culturas, de diálogos de saberes, de dispersão de subjetividades, onde se está desconstruindo e reconstruindo o mundo, onde se estão ressignificando identidades e sentidos existenciais a contracorrente do projeto unitário e homogeneizante da modernidade (LEFF, 2007, p.9-10).

A especificidade do saber ambiental, a partir da reflexão acima, a nosso ver:

contempla a especificidade do nosso objeto PDS “Serra Azul” como experiência

pioneira desse tipo de modalidade de assentamento rural que, pelo menos

teoricamente, se diferencia do que historicamente os sujeitos ali implicados foram

acostumados a conceber enquanto possibilidade de acesso, posse e uso da terra,

no município de Monte Alegre.

Para elucidarmos essa categoria conceitual emergente neste trabalho, que

procuramos percebê-lo na falas e gestos daqueles sujeitos, recorremos a Charlot

(2000, p. 63-64), para quem o saber “é construído em uma história coletiva [...] um

saber só tem sentido e valor por referência às relações que supõe e/ou produz com

o mundo, consigo, com os outros”.

Conceituação totalmente pertinente ao que percebemos tanto em nossas

inserções de vida e trabalho na zona rural quanto em nossas aproximações com o

contexto do Assentamento “Serra Azul” – onde buscamos compreender os saberes

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ambientais que ali estão sendo inscritos. Pois, como elucida Leff (2001, p.150): “a

partir de sua marginalidade, o saber ambiental faz falar as verdades silenciadas, os

saberes subjugados, as vozes caladas e o real submetido ao poder da objetivação

cientifica do mundo”.

Na convivência/troca com os saberes tradicionais pertinentes às práticas

produtivas desses sujeitos, que ora parecem divergir, ora convergir para nuanças de

saberes ambientais nas práticas agrícolas e em outras diversas relações com aquele

ambiente, como podemos observar nas falas deles, há inteiração de

conhecimentos/saberes que (re)constroem, articulam e dialogam, como no dizer de

Leff (2004):

o saber ambiental não é a retotalização do conhecimento a partir da conjunção interdisciplinar dos paradigmas atuais. Pelo contrário, é um saber que, a partir da falta de conhecimento das ciências, problematiza seus paradigmas científicos para “ambientalizar” o conhecimento, para gerar um feixe de saberes nos quais se entrelaçam diversas vias de sentido […]. O diálogo de saberes emerge no cruzamento de identidades na complexidade ambiental. É a abertura do ser constituído por sua história, para o inédito, o impensado; para uma utopia enraizado no ser e no real, construída a partir dos potenciais na natureza e os sentidos da cultura. O ser para além de sua condição existencial geral, penetra no sentido das identidades coletivas que se constituem sempre a partir da diversidade cultural e da diferença, mobilizando os atores sociais para a construção de estratégias alternativas de reapropriação da natureza, entre os sentidos antagônicos da sustentabilidade (LEFF, 2001, p. 80).

Percebe-se, a priori, uma variedade de “novos” comportamentos por parte

dos sujeitos implicados diretamente, indiretamente e pela sociedade local como um

todo. Existe ainda um ar de “estranhamento” por conta da diferencia do modo

habitual de posse e uso da terra no município, o que Silva (2007) nos ajuda a

compreender ao afirmar que,

na relação com a natureza, grupos sociais locais incorporam múltiplas formas e objetivos de convivência social, condicionados historicamente [...]. O seu significado muda no tempo e no espaço, de acordo com os valores, os objetivos e configurações históricas de uma dada sociedade, grupos ou classes sociais (SILVA, 2007, p. 51-52).

Atualmente, com os ânimos mais apaziguados, o momento de

estranhamento parece contido. Acreditamos que os resultados concretos vindos de

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“Serra Azul”, em forma de produtos agrícolas, talvez tenham contribuído para

aplacar os focos de resistências (principalmente da ala política que se opunha ao

referido projeto) objeto de uso político contra o referido projeto.

Diante desse controvertido contexto, pautamos a nossa investigação,

resultante neste trabalho, nos possíveis saberes ambientais que estão sendo

construídos a partir dessa nova experiência de assentamento. E na perspectiva da

compreensão teórica desses saberes, partimos das reflexões de Leff (2001, p. 235)

ao afirmar que o saber ambiental “transforma o conhecimento para construir uma

nova ordem social. O saber ambiental está comprometido com a utopia, através de

novas formas de posicionamento dos sujeitos da história face ao conhecimento”, e

ainda, que

o saber ambiental não emerge de uma organização sistêmica dos conhecimentos atuais. Este se gesta através da transformação de um conjunto de paradigmas do conhecimento e formações ideológicas, a partir de uma problemática social que os questiona e os ultrapassa. [...] A produção do saber ambiental é, pois, um processo estratégico, atravessado por relações de poder (LEFF, 2001, p. 160).

A captura desses saberes ambientais, logo, se constitui na questão que

norteou a problemática de estudo, e, no intuito de elucidá-la, recorreremos aos

discursos dos sujeitos (assentados) e à observação de suas relações cotidianas

e práticas produtivas.

Saberes socioambientais, que talvez possam indicar possíveis elementos de

uma educação ambiental, pertinente àquele local. Nesse sentido, apresentamos

aqui, alguns pressupostos históricos e filosóficos dessa educação, que servem à

nossa reflexão acerca desse objeto de estudo.

Para Rodrigues (2007) a problemática ambiental tem movido sociedades e

governos de todo o mundo, mais precisamente a partir de 1965, por conta da

“Conferência em Educação” realizada na Universidade de Keele (Inglaterra), onde

foi usada pela primeira vez a expressão Educação Ambiental. De acordo com a

autora, a partir de então a discussão acerca “dos problemas ambientais decorrentes

do uso indiscriminado dos recursos naturais”, ganha força.

A exaustão de recursos não-renováveis associada ao aumento da poluição do ambiente prenunciava tempos sombrios sob todos os aspectos,

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colocando-se em risco a própria sobrevivência do homem sobre a terra. A busca de saídas tornou a educação um caminho mais do que necessário para que um novo paradigma fosse elaborado e se buscasse sua implementação (RODRIGUES, 2007, p. 60).

A partir da construção histórica de Dias (2004), estabelecemos breves

aproximações entre os eventos mais importantes do século XX relacionados à

questão ambiental. Como elementos basilares da construção teórica do campo,

entre estes eventos, destacam-se dois: a criação do “Clube de Roma” e a

“Conferência de Tbilisi”. O Clube de Roma, fundado em 1968, elabora em 1972 o

relatório intitulado “Os limites do crescimento”52, no qual:

estabelecia modelos globais, baseados nas técnicas pioneiras de análise de sistemas, projetados para predizer como seria o futuro, se não houvesse modificações ou ajustamentos nos modelos de desenvolvimento econômico adotados. [...]. O documento denunciava a busca incessante do crescimento material da sociedade, a qualquer custo, e a meta de se tornar cada vez maior, mais rica e poderosa, sem levar em conta o custo final desse crescimento. (DIAS, 2004, p. 79)

Diante da repercussão internacional desse documento, realizou-se entre os

dias 5 a 16 de junho de 1972, em Estocolmo, Suécia, a “Conferência da ONU sobre

Ambiente Humano” ou “Conferência de Estocolmo”, que reuniu representantes de

113 países. Segundo Dias (2004, p.79): “com o objetivo de estabelecer uma visão

global e princípios comuns que servissem de inspiração e orientação à humanidade,

para preservação e melhoria do ambiente humano”. Dias (2004, p.80) destaca ainda

o Encontro Internacional de Belgrado (ex-Iugoslávia), em 1975, evento promovido

pela Unesco, no qual foram formulados “princípios e orientações para uma programa

internacional de Educação Ambiental”.

Apesar da importância e repercussão desses eventos ainda havia impasses

quanto à definição do que seria de fato a educação ambiental, decorrentes das

diferentes visões, de acordo com os interesses de cada país ou bloco de países.

Segundo Dias (2004, p.82), a confusão era em função de que os países ricos não

aprovavam as interpretações de educação ambiental que pudessem expor suas

“mazelas ambientais socioeconômicas, políticas, ecológicas, culturais e éticas –

52

Para melhores esclarecimentos sobre os referidos eventos e organismos, indicamos a leitura da Obra citada (DIAS, 2004).

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produzidas pelos seus modelos de „desenvolvimento‟ econômico, praticados durante

décadas e impostos a muitos países pobres”. Assim, fez-se necessária a realização

da Conferência de Tbilisi – Geórgia – ex-União Soviética (1977), que indicaria

princípios e orientações quanto à natureza da Educação Ambiental “definindo seus

princípios, objetivos e características, formulando recomendações e estratégias

pertinentes aos planos regional, nacional e internacional”. A educação ambiental

passaria a ter como finalidade,

promover a compreensão da existência e da importância da interdependência econômica, política, social, e ecológica da sociedade; proporcionar a todas as pessoas a possibilidade de adquirir conhecimentos, o sentido dos valores, o interesse ativo e as atitudes necessárias para proteger e melhorar a qualidade ambiental; induzir novas formas de conduta nos indivíduos, nos grupos sociais e na sociedade em seu conjunto, tornando-a apta a agir em busca de alternativas de soluções para os seus problemas ambientais, como forma de elevação de sua qualidade de vida (DIAS, 2004, p.83).

Entre esses princípios, destacamos o que propõe a constituição de um

processo contínuo e permanente de ensino da educação ambiental nas diversas

fases do ensino formal e não formal. Dias (2004, 112-115). Princípio que a nosso ver

poderá atender à uma proposta de educação para “Serra Azul”, considerando que os

indícios de educação ambiental, que estão sendo suscitados ali, vêm do viés não

formal, através das lideranças e das parcerias firmadas por estas.

recomenda-se a elaboração do perfil ambiental da comunidade ou instituição para a qual será planejado, executado e avaliado o programa de EA. O perfil ambiental sob uma abordagem da ecologia humana fornece subsídios importantes para um planejamento seguro, mas próximo das carências reais. Além dos aspectos sociais, econômicos, culturais e outros, deve traçar o mapa político local (quem é quem, quais as lideranças comunitárias expressivas) e sua teia de inteirações, influências e hierarquias. O perfil ambiental termina revelando as prioridades da comunidade, e estas a determinação dos objetivos. (DIAS, 2004, p. 115)

Sobre a EA, no contexto brasileiro, destacamos a I Conferência Nacional de

Educação Ambiental, realizada em 1977, cujos principais objetivos, segundo Silva

(2008), eram a:

constituição de um diagnóstico do Estado da Arte da Educação Ambiental no Brasil, sua evolução, características e principais atores; elaboração de

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propostas para o fortalecimento da Educação Ambiental nas varias regiões do país, fortalecimento do Programa Nacional de Educação Ambiental/PROFAE, através da instalação de programas locais; a realização de um Levantamento Nacional de Projetos de Educação Ambiental, cujos resultados principais indicaram que: os métodos mais utilizados nos projetos referem-se a: projetos de participação comunitária, projetos pedagógicos e diagnósticos participativo, porém quando analisados por regiões percebemos que na Região Norte o destaque é a utilização de métodos de elaboração de projetos pedagógicos. Esse dado reflete um resultado positivo na medida em que temos nas metodologias e nas abordagens um recorte científico pedagógico, o que favorece a implementação da educação ambiental uma vez que temos a sensibilização dos participantes desses projetos para as questões ambientais por meio da educação (SILVA, 2008, p.99).

Ainda segundo essa autora (SILVA, 2008, p.92) tomando a via da educação

ambiental como uma das respostas à crise ambiental da sociedade contemporânea

e, sob a especificidade do contexto amazônico, assegura que essa precisa ser:

uma educação que perceba a necessidade do estabelecimento de um diálogo entre as sociedades, vista como rede de complexidades e natureza, também vista sob essa mesma perspectiva. Parece-nos para que a Amazônia ainda está esperando por uma educação dessa natureza, apesar das experiências isoladas já em realização nas cidades, rios e florestas da região (SILVA, 2008, p.93).

Sob o aspecto filosófico, Lima (2005) aponta uma tendência da EA de matriz

sócio-educativa popular pautada na concepção da Educação Popular, que

compreende o processo educativo como ato político inerente à formação da

cidadania, que:

dirigi-se a sujeitos históricos contextualizados socialmente e ligados a uma ação política baseada em valores formados social e historicamente. A educação popular não nega a dimensão individual e subjetiva, mas o indivíduo é sempre visto em articulação dialética com a cultura e a história (LIMA, 2005, p. 131).

Entre a diversidade de tipologias dessa modalidade de educação, como

apontam Sato, Carvalho e Cols. (2005, p.12), situada mais em “areias movediças do

que em litorais ensolarados”, por isso mesmo “a EA pode ser uma preciosa

oportunidade na construção de novas formas de ser, pensar e conhecer que

constituem um novo campo de possibilidades”. Portanto,

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a educação ambiental como campo teórico em construção e como motivação para práticas cotidianas diversificadas é apropriada de formas diferentes pelos grupos e pessoas que atuam na área e pela população em geral […]. A educação ambiental ao remeter-nos à questão da sustentabilidade da VIDA pode estar se referindo a ela em toda a sua diversidade e dimensões – biológica, química, física, cultural, espiritual, organizacional, dentre outras ou a aspectos específicos delas (SORRENTINO, in: SATO, CARVALHO & COLS., 2005, vii).

A educação, mesmo sem ser adjetivada, é essencialmente o espaço de

convergência de saberes. Se ela é por excelência o espaço de diálogo dos saberes

e das culturas, como reflete Leff (2003, p.145), “a educação é talvez o único modo

de tender para uma cultura ambiental […], para aprender a complexidade ou para

aprender a aprender a complexidade ambiental”. Por isso, para esse autor, a

educação ambiental ganhou a importância que ganhou: “se a educação é e sempre

será o veículo do conhecimento ou o procedimento para adquiri-lo, brigamos agora

por uma educação diferente, que se proponha a unir o desunido, relacionar o

arbitrariamente separado”.

No sentido de suscitar aqui outros referenciais teóricos que apontem

possíveis caminhos para uma educação ambiental que contemple esse exercício

que vem acontecendo em “Serra Azul”, apontamos algumas reflexões teóricas

pontuais que, a nosso ver, se aproximam das necessidades de ações educativas

para aquele contexto. A primeira se refere à corrente da crítica social, entre outras

apresentadas por Sauvé (2005) em: “uma cartografia das correntes em educação

ambiental”, corrente que segundo a autora, prima pela,

análise das dinâmicas sociais que se encontram na base das realidades e problemáticas ambientais: análise de intenções, de posições, de argumentos, de valores explícitos e implícitos, de decisões e de ações dos diferentes protagonistas de uma situação (SAUVÉ in: SATO, CARVALHO & COLS., 2005, p.30).

Outra reflexão dessa autora, diz respeita à “ideologia do desenvolvimento

sustentável”, perspectiva que segundo Sauvé (2005, p.37) que associa a

sustentabilidade à uma visão “enriquecida do desenvolvimento sustentável, menos

economicista, na qual a preocupação com a sustentabilidade da vida não está

relegada a um segundo plano. A “corrente da sustentabilidade”: defende o

desenvolvimento sustentável, perspectiva associada dos organismos, planos e

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programas internacionais, pertinentes à Agenda-21, como por exemplo, ao

“Programa de Educação para um Futuro Viável (UNESCO, 1997), cujo objetivo é

contribuir para a promoção do desenvolvimento sustentável”. Conforme essa autora:

supõe o desenvolvimento econômico, considerado como a base do desenvolvimento humano, é indissociável da conservação dos recursos naturais e de uma compartilhar equitativo dos recursos. Trata-se de aprender a utilizar racionalmente os recursos de hoje para que haja suficientemente para todos e se possa assegurar as necessidades do amanhã. A educação ambiental torna-se uma ferramenta, entre outras, a serviço do desenvolvimento sustentável (SAUVIÉ in: SATO, CARVALHO & COLS., 2005, p.37).

Outra reflexão sobre a educação ambiental, que poderia potencializar as

nuanças de educação percebidas naquele contexto, é pertinente às proposições de

Loureiro (2005), que aponta a necessidade de uma educação que sirva para uma

mudança qualitativa e ampla enquanto,

práxis educativa e social que tem por finalidade a construção de valores, conceitos, habilidades e atitudes que possibilitem o entendimento da realidade de vida e de atuação lúcida e responsável dos atores sociais individuais e coletivos do ambiente […]. (Que contribua) para um processo civilizacional e societário distinto do vigente, pautado numa nova ética da relação sociedade-natureza (LOUREIRO, 2005, p.69, grifo nosso).

Nesse sentido, uma proposta mais radical de educação ambiental para

aquele local, passa pela concepção da ecoeducação/ecopedagogia ou “pedagogia

da terra” de Gadotti (2003, p.73), que concebe o espaço de educar “onde impere o

provisório, onde todas as idéias possam ser discutidas, onde todas as posições

possam manifestar-se, onde o debate, a crítica tenham audiência”. Isto, passa pelo

que esse autor concebe como “movimento pedagógico”.

Como a ecologia, a pedagogia também pode ser entendida como um movimento social e político. Como todo movimento novo, em processo, em evolução, ela é complexa e pode tomar diferentes direções, até contraditórias. Ela pode ser entendida diferentemente, como o são as expressões “desenvolvimento sustentável” e “ambiente” […]. A ecopedagogia como movimento social e político surge no seio sociedade civil, nas organizações tanto de educadores quanto de ecologistas e de trabalhadores e empresários, preocupados como o meio ambiente (GADOTTI, 2000, p.90-91).

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Enquanto movimento, acreditamos que a educação ambiental já esteja

sendo praticada no cotidiano daqueles sujeitos, por meio dos eventos de formação,

das reuniões técnicas e políticas, assembléias etc. Ações, a nosso ver, indicadoras

de uma pedagogia que nasce da organização social em prol de uma nova

concepção de usufruto da terra e da floresta e que primam por um sentido de

produtividade diferente; cujos atores se esforçam por adquirir saberes que, somado

aos que já possuem, possibilitar-lhes-ão uma convivência mais harmoniosa com o

ambiente natural.

Diante dessa necessidade, a pedagogia da terra proposta por Gadotti

comportaria demandas pertinentes àquele contexto, pois como a define.

A ecopedagogia se movimenta da necessidade real, analisada, refletida, organizada, codificada e decodificada para a ação coletiva e individual transformadora, para o vivido na cotidianidade. Primeiro se vive, se experimenta, se elabora, e depois se dá o nome se proclama. Por que as exigências do cotidiano são importantes? Por que a demanda é importante? Por que de nada adiantaria proclamar burocraticamente direitos se eles não forem exigidos, se eles não forem sentidos e refletidos, se não forem demandados e criados de baixo pra cima. Entendida dessa forma a ecopedagogia é uma nova pedagogia de direitos que associa os direitos humanos aos direitos da Terra (GADOTTI, 2000, p.94).

E como afirma esse mesmo autor posteriormente: “a educação continua

sendo a chave para esta nova forma de desenvolvimento”. Sobre o que não temos

dúvida, partindo da necessidade daqueles sujeitos de apreender/compartilhar

saberes e valores em construção, assim como, construir consensos possíveis e

necessários a uma proposta coletiva de educação que talvez estejam mais próximas

de uma “abordagem comunitária”, como propõe Gadotti (2000, p.96).

Acreditamos, portanto, que uma proposta de educação ambiental que tenha

essa perspectiva como pressuposto tem importância primordial para o ambiente

sobre o qual falamos. Pelo seu princípio de educação sustentável, cujo propósito,

segundo Gadotti (2009, p.97) é pensar além de uma relação saudável com o meio

ambiente “com a nossa própria existência, a partir da vida cotidiana”. Portanto, que

os sinais de educação que aí vêm sendo gestados por via das práticas cotidianas

dos sujeitos assentados atentem para o que reflete Gadotti (2008):

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a educação carrega de intencionalidade os nossos atos. Precisamos ter consciência das implicações de nossas escolhas. O processo educacional pode contribuir para humanizar o nosso modo de vida. Temos que fazer escolhas. Elas definirão o futuro que teremos (GADOTTI, 2008, p. 62).

Outra tendência, que incluiremos nesse rol de possibilidades teóricas para

respaldar uma possível proposta de educação ambiental para aquele lugar (Serra

Azul), se dá pela intercessão dos atores envolvidos na organização sócio-educativa

daquele espaço: as lideranças vinculadas a uma das associações de assentados.

Sobre as quais já fizemos referência na primeira seção, cujo um desses sujeitos

aparecerá na seção de análise deste texto.

A educação ambiental naquele contexto, pelo seu próprio nascedouro, sob a

intervenção de lideranças pautadas na metodologia dos movimentos sociais, estaria

associada também à perspectiva de educação ambiental emancipatória. Educação

esta que, segundo Lima (2005, p.129), “se relaciona prioritariamente com os

movimentos sociais da sociedade civil e, secundariamente à defesa de um Estado

democrático com forte participação e controle social por parte da sociedade”. E,

mais especificamente, sobre uma das tendências da educação ambiental: a “EA

popular”, que segundo esse mesmo autor,

está relacionada à tradição da Educação Popular que compreende o processo educativo como um ato político que compreende a formação da cidadania. Dirige-se a sujeitos históricos contextualizados socialmente e ligados a uma ação política baseada em valores formados social e historicamente. A educação popular não nega a dimensão individual e subjetiva, mas o indivíduo é sempre visto em articulação dialética com a cultura e a história […]. A EA popular tem como sujeitos prioritários da ação educativa os grupos e organizações populares, em especial aqueles que interagem mais diretamente com as questões ambientais, como é o caso dos produtores rurais, os atingidos por barragens, os recicladores e outros trabalhadores urbanos mais atingidos pela degradação socioambiental (LIMA, 2005, p. 131-132).

Compreensão reiterada na reflexão de Leff (2001, p. 253), que atribui à

educação popular a percepção crítica do processo educativo, afirmando que esta

“inscreve-se assim nesta tradição da educação crítica do modelo de

desenvolvimento dominante, orientando a construção de uma nova racionalidade

social”. Ou seja, que compreende o processo educativo como ato político pertinente

à formação da cidadania e, que pelo seu descritor - popular, a relacionamos à

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concepção freireana53 de educação. Traduzida na “pedagogia humanista-

libertadora”54, que conforme Oliveira (2006):

a educação é compreendida como comunicação, dialógica, na medida em que não é transferência de saber, mas um encontro de sujeitos que buscam conhecimentos. A educação apresenta-se como situação gnosiológica e prática da liberdade, na qual os sujeitos, mediatizados pelo mundo, conhecem e comunicam-se sobre a realidade conhecida (OLIVEIRA, 2006, p.122).

Convictos da primazia desse caráter da educação, nesse e em outros

campos, e à luz do contexto para o qual lançamos nossas observações neste

estudo, reiteramos a necessidade de uma educação ambiental que se inscreva

como instrumento de mudança de um contexto social, político, econômico e cultural.

Portanto, defendemos que uma educação ambiental pertinente àquele contexto não

poderá se isentar dos saberes socioambientais tradicionais endógenos, como base

de (re)formulação para novos saberes e que (re)valorize, com no dizer de Leff (2007,

p.245), “o conhecimento singular, subjetivo e pessoal” daqueles sujeitos históricos,

em suas experiências de vida e de fazeres, invariavelmente, na agricultura.

A investigação desse contexto denota uma importância epistemológica que

se aplica ao que afirma Rodrigues (2007 p.63): “sem analisar a natureza da

instituição do histórico-social não há como elucidar a adesão desses sujeitos aos

propósitos do sistema capitalista e tentar através da educação ambiental superar os

impasses que certamente ocorrerão”; mas, serão parte do processo de luta pela

terra, pela conquista de direitos e cidadania efetivamente.

Asseveramos a necessidade de novas práticas, inevitavelmente, educativas,

brotadas do cotidiano dos assentados e em harmonia com novos conhecimentos,

para que reforcem o compromisso ético de todos com a construção de outras

atitudes e comportamentos, projetando, assim, um novo desenho de educação, e

53

“A pedagogia freireana compreende homens e mulheres como seres inconclusos, inacabados e incompletos, que por perceberem “que não sabem tudo”, buscam o saber, o conhecimento e o seu aprimoramento enquanto ser humano. O ser humano, também, é visto como ser de relações (reflexivo, conseqüente, transcendente e temporal), cuja relação dialética homem-mundo possibilita a sua característica existencial de sujeito do conhecimento, da história e da cultura...” (OLIVEIRA, 2006, p.118-119). 54

“Pedagogia elaborada por Paulo Freire, apresenta-se como uma pedagogia humanista, problematizadora, libertadora, dialógica, da pergunta, da autonomia, da esperança, da indagação, dos sonhos possíveis e da tolerância. Fundamenta-se no existencialismo, personalismo e nos pressupostos de teóricos de Marx e Gramsci” (OLIVEIRA, 2006, p.118).

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que esta seja validada para além dos muros da escola, perpassando o que assegura

Leff (2007):

a perspectiva ambiental do conhecimento abre vias para entender a articulação dos diferentes processos e esferas de racionalidade que constituem o real concreto sobre o qual atuamos na vida cotidiana, e que afetam as condições de existência dos povos e da sociedade em seu conjunto (LEFF, 2001, p. 256).

A proposta de uma educação ambiental, a partir da reflexão, das vivências e

necessidades manifestadas pelos sujeitos é bastante singular, considerando o

contexto que os envolve. Educação que, a nosso ver, contemple elementos

compatíveis com as particularidades do projeto, considerando a necessidade de

construção de novos valores e posturas, assim como: a desconstrução de práticas

histórico-culturais desses atores (agricultores e instituições).

Ensejamos que nossas investigações, observações e a tradução dos

discursos de assentados e técnicos daquela realidade tenham conseguido abstrair

elementos que possam servir ao propósito de formulação de uma proposta político-

pedagógica de educação ambiental, caso seja esta a opção dos atores envolvidos

naquele contexto. Ou seja, de uma educação pensada a partir dos ruídos da terra e

da mata (saberes socioambientais), que nos atraíram para este estudo e que,

buscamos enunciá-los nesta breve discussão, mas precisamente na Seção seguinte.

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SEÇÃO III

O [EN] CANTAMENTO DE “SERRA AZUL”: SABERES SOCIOAMBIENTAIS, SUSTENTABILIDADE E EDUCAÇÃO AMBIENTAL

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Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão.

Paulo Freire

Essas primeiras palavras convergem para uma tentativa de explicitar o título

desta seção: “O encantamento de Serra Azul”, que se torna significativo se

considerarmos a cultura popular recorrente nas narrativas dos atores sociais

encarregados de propagarem as lendas regionais que alimentam o imaginário

místico do lugar.

Conta-se que no final do século XIX, ou início do século XX, época em que

Monte Alegre possuía os maiores rebanhos de bovinos do estado, os grandes

pecuaristas, também chamados coronéis, mandavam e desmandavam em tudo e

em todos. As famílias tradicionais orgulhavam-se de seus poderes e, como ninguém

ousava desafiá-los, faziam crescer a cada ano seus orgulhosos descendentes.

Diz a lenda que em certa ocasião em uma dessas famosas fazendas,

localizada entre a vila do Paituna e Ererê, ao amanhecer, aparece no meio do gado

uma vaca branca e misteriosa que acabou por virar assunto na região. A tal vaca

não se deixava apreender, submetida a ordenha deu leite pra valer, porém em uma

noite de temporal, relâmpago e trovoada, a referida vaca desapareceu com o

rebanho do fazendeiro. Achar o rebanho do amo se tornou questão de honra, o que

requeria vaqueiros de coragem para a missão. Seu Bandeira, homem já idoso, mas

destemido se candidatou para a missão, montado em seu cavalo predileto passou

então, a seguir as trilhas e rastros dos animais, mas se “areou”1 na floresta e

somente,

no quarto dia, finalmente encontrou sinais de água no centro daquela mata virgem, entre as raízes, brotavam olhos d’água, que mais na frente formava a nascente de um grande e estrondoso rio, com águas límpidas, mansas e azuis como pérolas, foi em frente e logo avistou uma grande árvore florida, cujo tronco havia um lindo rebanho bovino a saciar sua sede, parou, escondeu-se entre as árvores e ficou a observar. Entre os milhares de animais ali existentes, uns se destacavam, por ser branca como a neve e com ar de rainha do rebanho, que foi batizada por ele, como a vaca branca mãe do gado. Aquele animal parecia vestir-se com vários detalhes e, de repente ao piscar dos olhos, parecia ser aquela vaca que misteriosamente apareceu e raptou todo o gado de seu amo. [...] Bandeira, desde então passou a ser um dos mais famosos médiuns de toda região e, seus trabalhos dignos e poderosos incorporaram o espírito da famosa vaca mãe do gado (autor desconhecido – ver lenda completa no anexo 1).

1 Areou – ato de perder-se na floresta, ficar pateta, estonteado.

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A lenda acima descrita, assume, o tom explicativo para os possíveis leitores

deste texto, pois objetiva a compreensão da infinita relação homem/natureza em seu

sentido mais harmonioso/integrador, que nos convida a partilhar experiências

inusitadas no convívio com a terra, com a mata, com os rios, com a fauna e porque

não dizer com o canto/encanto Serra Azul, lócus de nosso estudo.

Para melhor compreender a dimensão de nossa fala, convido-os a uma

travessia exploratória até “Serra Azul”: foi durante o inverno de 2008, quando a

estrada que dá acesso à localidade ainda estava em construção. Travessia difícil,

perigosa talvez. Uma aventura que só uma pesquisadora, no encanto de seu objeto,

é desafiada a realizar. Percurso longo, estrada precária... Finalmente, o inicio do

Assentamento: a “Matona Serra Azul” ou “vila”. Nessa travessia/aventura nos

deparamos várias vezes com sinais da presença humana: troncos, toras, pranchas

estocadas, restos deixados para trás, além do rasgo na floresta que denunciava os

rastros das múltiplas pisadas, contrastando com a densa tessitura milenar da

floresta.

O lugar nos chamou a atenção; uma moradora exclama: “É o paraíso!”.

Deveras, ao observarmos a variedade de espécies, a riqueza da fauna e da flora,

compreendemos, então, a exclamação referida. E aquele pássaro com seu canto

diferenciado (assobios fortes e longos): era o guardião da mata a anunciar a invasão

do paraíso pelos forasteiros.

Além deste e de outros fatos, um que mereceu nossa atenção foi a

exuberância das águas: igarapés, córregos e “olhos d‟água” que brotavam e

escorriam pelas encostas rochosas e se estendiam ao longo do caminho, com tanta

abundância e regularidade, como se nos convidassem a mergulhar em sua

temperatura.

Nossa travessia exploratória continua nos convidando a uma atitude de

estranhamento da realidade e de sedução pelo sujeitos/autores desse [con]texto ao

qual nos lançamos na árdua tarefa de “traduzir”. Tradução por meio das narrativas

que nos pomos a escutar no decorrer das visitas de investigação (pesquisa) que

fizemos a esse projeto de assentamento no período de 2010/2011, e que tem

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provocado, à primeira vista, um processo de (des)acomodação de todo um projeto

de colonização de oito décadas.

Aqui [inter]cruzamos nossas experiências de vida e de profissão para nos

debruçarmos sobre o estudo de um projeto de assentamento rural que propõe outra

metodologia de posse e uso da terra. É desse lugar da Amazônia paraense – PDS

“Serra Azul”/Monte Alegre-Pa, que buscamos perceber como os sujeitos dessa

experiência estão se relacionando com ela: que estranhamentos, rejeições,

entendimentos e aceitações eles possuem sobre essa proposta diferenciada de

relação com a terra; pautada em uma proposta técnica, legal sob uma proposta de

desenvolvimento sustentável.

Baseado na análise das falas (entrevistas e depoimentos) dos assentados

(sujeitos desta pesquisa) e de tessituras invariavelmente conflitantes entre eles, que

emergem (surgem) como ruídos à escuta sensível da pesquisadora. E também, no

observar atento das relações e práticas de lideranças, gestores e técnicos

envolvidos no processo, optamos pela “análise do discurso” que, segundo Orlandi

(2009, p.18) “produz um conhecimento a partir do próprio texto, porque o vê como

tendo uma materialidade própria e significativa”, e a natureza desta seção vai ao

encontro, também, do que afirmam Trajber e Manzochi (1996):

não existe texto neutro. Todos partem de alguma concepção de mundo, que mesmo não explícita, está subjacente e aberta para interpretações. Uma das funções do educador e da educadora é estar alerta para a diversidade de visões, explicitando-as e trabalhando com elas (TRAJBER & MANZOCHI,1996, p.33).

É, pois, com esta convicção, que ensejamos identificar nos discursos e

práticas dos sujeitos que elegemos para esta análise, saberes ambientais aí

“propostos” sob uma “diversidade de visões”, sentimentos e práticas. Almejamos,

que esses saberes em gestação por esses sujeitos, constitua-se em elementos para

uma possível proposta de educação ambiental que contemporiza as aspirações

múltiplas e suscitem a construção de um ambiente de aprendizagens significativas

àquele contexto em uma perspectiva “socioambiental”.

Entendemos que a implantação de um projeto dessa natureza, pautado no

desenvolvimento rural sustentável, seja uma oportunidade para mudanças na

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perspectiva de posse e uso da terra diferenciado em um município que

historicamente seguiu a tradição da colonização exercitada na região ao longo do

século XX.

Considerando ser esta a parte mais significativa deste estudo, tomamos

como base de análise o conteúdo pertinente aos dados produzidos a partir das

entrevistas, apoiado nas observações descritas no diário de campo e na análise de

documentos relacionados ao objeto/tema (legislação, laudos e outros). Buscando

perceber nas falas dos sujeitos suas compreensões/percepções sobre o

desenvolvimento sustentável, a sustentabilidade, os saberes socioambientais e

educação ambiental, que foram analisados à luz de um referencial teórico-crítico

pertinente. Referencial que contempla, por exemplo, a perspectiva heurística do

conceito de racionalidade ambiental de Leff (2001).

a racionalidade ambiental se constrói e se concretiza numa inter-relação permanente de teoria e práxis. A questão ambiental, incluída sua problemática gnoseológica, surge no terreno prático de uma problemática generalizada que orienta o saber e a pesquisa para o campo estratégico do poder e da ação política (LEFF, 2001, p.135).

Como, entre outras, a reflexão de Tristão (2004, p.50), que afirma: “a

sustentabilidade socioambiental ultrapassa o enfoque economicista do

desenvolvimento ressignifica as práticas sociais e econômicas”. Concepção

reiterada por esta ao compreender a sustentabilidade ambiental sob a perspectiva

do significado de “modernização reflexiva” de Beck, Giddens e Scott (1997)2.

a sustentabilidade traz uma visão de desenvolvimento que supera o reducionismo, seja biológico, seja físico. A gestão do meio ambiente está diretamente vinculada à participação, à pesquisa científica, ao senso comum, ou seja, aos saberes acumulados, às sabedorias de vida e aos valores éticos, como estratégias fundamentais para promover a sustentabilidade das sociedades. O acesso à educação é condição sine qua non para efetivar a participação na vida do mundo contemporâneo em todos os níveis (TRISTÃO, 2004, P.54).

2 “Modernização reflexiva” significa a possibilidade de uma (auto) destruição criativa para toda uma

era: aquela da sociedade industrial.¹ O “sujeito” dessa destruição criativa não é a revolução , não é a crise, mais a vitória da modernização ocidental (BECK; GIDDENS; SCOTT, 1997, p. 12).

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É sob essa crença e entendimento que buscamos, nas práticas e discursos

dos sujeitos, identificar saberes socioambientais que indiquem a sustentabilidade

ambiental desse local, que possam se converter em elementos para uma proposta

de educação ambiental, que possa contribuir com a emancipação dessa proposta de

assentamento em consonância com as necessidades dos sujeitos. A análise que

fizemos das falas dos sujeitos (assentados e técnicos) se pautou no objetivo

proposto por Orlandi (2005, p. 26) para a Análise do Discurso, que “visa a

compreensão de como um objeto simbólico produz sentidos, como ele está investido

de significância para e por sujeitos”.

Como explica uma liderança (membro da Associação dos Assentados da

Serra Azul e Presidente do Conselho dos Assentamentos de Reforma Agrária de

Monte Alegre - Charles Pires de Araújo) sobre o importante papel da Associação na

sensibilização dos moradores quanto a viabilidade da proposta do PDS: “pra que as

pessoas vejam que é possível, se usar a terra sem prejudicar o meio ambiente e

conviver em harmonia com o meio ambiente, usando os recursos naturais sem

causar prejuízo pro meio ambiente” (Charles, janeiro/2011).

Percebemos que esse processo de sensibilização sobre um objeto

(modalidade de assentamento) ainda desconhecido da maioria necessita de um

intensivo trabalho de convencimento, como reitera o próprio Charles:

(fevereiro/2010)[as pessoas] “têm medo do diferente, têm medo do desconhecido. E

o PDS a princípio, ele causa assim, um certo impacto porque as pessoas estão

acostumados doutra forma”. Estar implícito neste discurso, a compreensão dialética

de que compreendendo a história compreende-se a atitude de medo, de resistência,

de desconfiança que os sujeitos demonstram em relação ao objeto. Sentimentos que

se justificam, diante do fracasso de tantas políticas de colonização (regionais e

locais) vivenciadas por esses próprios sujeitos, conforme já suscitamos na Seção I

deste texto. Como bem relata outro entrevistado:

o que eu conheço do INCRA, na região, é que ele cria o projeto, coloca o agricultor e abandona. Uma vez que faz ali, e faz mal feito, ele não volta pra recuperar [...]. O meu pai foi fundador da PA 254, e naquela época já não houve um assentamento completo (Kiko, maio/2011).

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Em função do estigma que pesa sobre o INCRA, de não consolidação dos

seus projetos (abandono), entra então em cena, nesse terreno da conquista, da

sensibilização e da reeducação, o papel de algumas lideranças que assumiram essa

tarefa de forma extremamente positiva, principalmente quando pautada no exercício

do espírito democrático da tolerância “como o diferente, não como inferior”.

Tolerância da qual nos fala Freire (2004, p.24) “da tolerância como virtude da

convivência humana […] a qualidade de conviver com o diferente”, que provoca

mudança de atitude, de relação, de (re)significação com o meio socioambiental.

É na tentativa de compreender essa dinâmica empreendida no

assentamento, com vistas à sustentabilidade ambiental, local, a partir das práticas

cotidianas e das narrativas dos seus sujeitos.

3.1. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL: AS PRÁTICAS PRODUTIVAS NA PERCEPÇÃO DOS SUJEITOS ASSENTADOS

Na perspectiva de identificarmos, sob um olhar crítico, que compreensões

possuem os sujeitos da pesquisa sobre os conceitos desenvolvimento sustentável e

sustentabilidade ambiental, a partir da análise de seus discursos (falas) e práticas,

propomo-nos reiterar, nesta seção, a seguinte reflexão de Leff (2001):

a perspectiva ambiental do desenvolvimento incorpora as condições e potenciais ecológicos aos processos de produção e traça cenários prospectivos que orientam as aplicações do conhecimento cientifico, assim como a assimilação de tecnologias ambientais apropriadas aos próprios produtores, como condição de fortalecer sua capacidade de autogestão LEFF (2001, p.63).

Entendemos que são essas capacidades que estão sendo

descobertas/construídas pelos sujeitos desta análise; porém, com um grande

esforço por parte das lideranças vinculadas a uma das associações, em particular a

Associação do Assentamento Serra Azul (ASA). Como confirma a fala de uma

dessas lideranças (cuja entrevista, depoimentos, conversas e convivência,

utilizamos como contraponto deste trabalho - em particular - nesta seção) que nos

convence de que tem uma clara compreensão dos fundamentos da metodologia e

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do processo como um todo, aqui demonstrada pela interpretação dos conceitos de

desenvolvimento sustentável e sustentabilidade:

então, o PDS, na minha compreensão, é desenvolver de uma forma que com daqui a 10, 20, 30 anos continue a ter sustentabilidade. Hoje, a gente vê que o uso da terra ele nem sempre é de uso sustentável: a pessoa vai, vai, daqui a pouco a terra não produz mais nada; ela deixou de ser sustentável. No assentamento, o que se quer, justamente, é o contrário: que haja sustentabilidade e que a pessoa possa tirar de lá seu sustento durante a vida toda […] sem perder a sustentabilidade (Charles, jan/2010).

Entre a maioria dos sujeitos, no entanto, ainda não está bem clara a

compreensão teórica desses conceitos; mas, são visíveis os sinais práticos de que

há um entendimento, ainda que de forma tênue, a respeito da filosofia do PDS. Por

exemplo: na preocupação de se plantar espécies que ajudem na recuperação do

solo; na percepção da importância dos igarapés e rios; na preocupação com a caça

além da necessidade, e outros. Enfim, observa-se que já há uma sensibilização por

parte dos assentados com relação aos critérios da modalidade PDS, independentes

ou não das conceituações pertinentes à modalidade.

No contexto histórico-cultural da lida com a terra ainda não há a prática de

manejo florestal e outros usos conscientes da floresta, como a extração de óleos e

sementes, por exemplo. Hábito/mentalidade que dificulta uma nova empreitada,

como bem resumiu uma das lideranças do assentamento (PDS “Serra Azul”),

durante um evento de formação promovido pela ASA, em Fevereiro/2010. Que

assim compreendia a cultura de uso da terra local como um dos agravantes

(resistências) em relação ao uso sustentável da floresta:

o pessoal aqui em Monte Alegre não tem tradição madeireira (se referindo ao agricultor). Um colono desse aqui fica é com raiva quando o jatobá não queima, porque lá dá pra plantar um bocado de pé de milho. Então quando não queima ele vai lá, bota um bocado de pau na cabeça dele, taca fogo e deixa lá queimando (Charles, Fevereiro/2010, grifo nosso).

A fala do intérprete denuncia o paradigma equivocado de como nos

acostumamos a ver e pensar a floresta, reduzindo-a à “mato” e identificando-o como

“coisa ruim”. Concepção, que conforme Viana (2007, p.25) não se limita ao

agricultor, do ponto de vista dos formulados das políticas públicas, ignorando, a

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comprovada viabilidade econômica das florestas brasileiras, as tratam simplesmente

como “a mata”, ou “o mato”, “como um recurso a ser extraído ou um estorvo a ser

removido para a expansão da agropecuária”. Considerando esse equívoco, esse

autor, reconhece que a empreitada de

traduzir o ideário de desenvolvimento sustentável em ações práticas e coerentes não é tarefa fácil. Significa uma mudança drástica no nosso estilo de desenvolvimento. E a tarefa não é fácil. Afinal, até hoje – como garimpeiros – temos saqueado das florestas as suas madeiras nobres, palmitos e orquídeas, para depois atearmos fogo no restante. Como desbravadores, vemos o “mato” como sinônimo de atraso, uma pedra no caminho de um progresso feito de pastos e de plantações (VIANA, 2007, p.28).

Como ruir essa lógica? Senão, pelo caminho da implementação de políticas

públicas agrário/ambientais e por ações práticas que, considerando “a

sustentabilidade e a educação ambiental emancipatórias” (LIMA, 2005) que possam

estar indicadas nos desejos dos sujeitos envolvidos nesse processo e nas trilhas

apontadas pelas práticas cotidianas desses. Na perspectiva de “Serra Azul”

entendemos como condição primeira para sua viabilidade: a celeridade da ação

governamental por meio do seu órgão gestor – o INCRA; pois, a morosidade

constitui uma das principais reclamações entre os assentados, sejam eles contrários

ou favoráveis ao projeto de “Serra Azul”.

Esta lentidão como as ações ocorrem nos pareceu um dos fatores de

“descrença”, por parte dos assentados, quanto a real efetivação do PDS.

Morosidade e lapsos da própria instrumentalização legal da modalidade (Portarias:

477/99 – INCRA e 01/99 – MDA/MMA)3, que, ao deixar “brechas”, possibilita

atividades irregulares de uso do solo pelos moradores, conforme alertam os técnicos

(Relatório Técnico – MDA/INCRA/SR-30, 2010):

3 “a portaria INCRA nº 477/99 que normatiza a criação de assentamentos na modalidade PDS não

determina como se dará a implantação de um PDS no campo, não fazendo referência nem explicitando entendimento quanto à destinação de áreas para uso alternativo do solo. A cartilha “Metodologia para Implantação dos Projetos de Desenvolvimento Sustentáveis – PDS”, desenvolvida pelo grupo de trabalho interministerial instituído pela Portaria nº 01/99 dos Ministérios do Desenvolvimento Agrário – MDA e Meio Ambiente – MMA, e aprovada e publicada pelo MDA/INCRA, deixa em aberto esse “como fazer”. (Relatório Técnico: Levantamento Ocupacional do PDS Serra Azul – MDA/INCRA/SR-30, Setembro de 2010).

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enquanto indefinido o local e o licenciamento para as aberturas de área para o uso alternativo do solo, estas vão ocorrendo ilegalmente, sem os devidos encaminhamentos das solicitações de autorização de desmate aos órgãos ambientais competentes, ou com encaminhamento das devidas solicitações a estes órgãos, mas sem que estes emitam respostas ou definições, chegando a se manifestar por parte dos ocupantes uma cultura de “regularidade” por falta de decisão dos órgãos ambientais competentes às solicitações de alteração do uso do solo (MDA/INCRA/SR-30, 2010, fl.5).

Sob o nosso ponto de vista, o INCRA não pode permitir o comprometimento

de sua ação pela ingerência demasiada de outrem (entraves ambientais/legais).

Para isto, entendemos que uma saída em prol do desentrave da ação é a

responsabilização dos “co-gestores” (órgãos ambientais: IBAMA, SEMA) pela

disseminação das ações predatórias sobre o ambiente.

Apesar da aparente “queda de braço” entre as instituições governamentais,

que prejudica o andamento do processo de implantação. No PDS “Serra Azul”,

podemos observar, ainda que tímidas, práticas alternativas de cultivo e de manejo

(mesmo sem a devida orientação técnica), pautadas nos princípios de

sustentabilidade. Como, por exemplo, as relativas ao “plantio definitivo” tanto de

espécies “domésticas” (cacau, cupuaçu e outras) como de espécies silvestres

(castanha-do-pará, andiroba, ypê, entre outras). Atividades estas referendadas por

100% dos entrevistados, uma vez que servem para contenção de uso extensivo do

solo, para recuperação das áreas degradadas apontadas e para melhoria da renda

familiar a médio e longo prazo.

O cacau pode, combinado com outras árvores, pode servir como reflorestamento. É uma boa cultura pra esse local, já que ajuda no reflorestamento, tem bom mercado, não é muito de difícil pra cuidar. É uma plantação que tá dando certo; muitas pessoas estão utilizando o cacau como plantio permanente (Kiko, maio/2011).

Este mesmo sujeito reconhece a supremacia do uso das culturas

temporárias (arroz, feijão, milho, mandioca) e atribui essa incidência à falta de

assistência técnica e de documentação da terra, o que impossibilita a obtenção de

crédito bancário; logo, a limitação desse tipo de cultivo, que poderia ser praticado

com maior eficácia. Mas, afirma que, mesmo “arriscando”, como declara, ainda o

sujeito, acima “sem técnica, às vez acerta, às vezes não”, mas que mesmo assim,

vem implementado o cultivo permanente (espécies frutíferas como cupuaçu, cacau e

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espécies silvestres como: castanha-do-pará, entre outras ), nos últimos anos, com a

perspectiva do PDS, tem plantado espécies domésticas e silvestres, também, para

fins de contenção do solo em áreas degradadas.

Os entrevistados, unanimemente, concordam com a importância e com a

viabilidade da implementação de culturas permanentes,mas enfatizam a

necessidade de orientação técnica. Alguns apontam, também, o manejo florestal de

óleos, cipós, madeira e outros, além do aproveitamento da madeira dos roçados, a

utilização dos rios e igarapés para criação de peixes.

Além da motivação para ações prática que, embora, timidamente, apontem

trilhas para a sustentabilidade ambiental local, como observamos nas falas/discursos

dos sujeitos com os quais dialogamos, alguns deles demonstram uma consciência

mais ampla a respeito da natureza, como demonstra um dos sujeitos da pesquisa,

partindo da convicção de que se nós nos beneficiamos da “floresta”, precisamos

aprender a conviver com ela, em vez de se lançar contra ela “eu tenho que aprender

a conviver com ela […]. O negócio é saber lidar com a floresta: porque como eu vou

vir lá do mundo querer botar regra dentro da floresta. (Pará, maio/2001). Pois, assim

como afirma Brandão (2002, p.16-17): “não somos intrusos no Mundo ou uma fração

da Natureza rebelde a ela”, ou pelos menos não deveríamos nos comportar como

tal.

Como um dos critérios que visam garantir a sustentabilidade ambiental local

(Serra Azul), o “manejo florestal” foi a tônica dada pelos sujeitos para exemplificar as

viabilidades e inviabilidades quanto ao uso dos recursos florestais. No sentido de

percebermos as motivações prós e contra o PDS pelos sujeitos a partir deste tema,

iniciamos este diálogo considerando a seguinte fala: “não é possível o manejo

florestal e vegetal [na área] porque tem pouco recurso, exemplo: andiroba, copaíba,

castanha-do-pará. Vai morrer de fome se tiver que viver disso (Kiko, maio/2010).

Entendemos que a objetividade da afirmação revela que o assentado possui

relativo conhecimento do potencial florestal da área; pois, conforme nos assegurou,

já desenvolve suas atividades agrícolas naquela região a cerca de 10 anos.

Informações confirmadas pelo próprio Laudo Agronômico (INCRA, 2008, fl.95) sobre

o imóvel.

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Quanto a flora presentes, é importante ressaltar as mais importantes: ypê, jatobá, andiroba, cedro, massaranduba, marinheiro, cuaruba, guaruba, tatajuba, entre outras. Foi verificada a presença de uma castanheira na região norte do imóvel, e uma área ao norte com algumas plantas de açaí; porem não há recursos extraíveis da vegetação nativa, como meio de sobrevivência […]. Os recursos das matas ficam restritos a poucas árvores, que poderiam ser abatidas para a extração de madeira.

Ainda na seqüência do discurso anterior, quanto à aparente associação da

sobrevivência às atividades de manejo dos recursos florestais, consciente ou

inconscientemente, percebe-se a rejeição à essa modalidade de assentamento

(PDS) por esse intérprete, quando afirma: “na nossa região não oferece condições

para extrativismo, eu defendo Monte Alegre com pecuária e agricultura”. (Kiko/2010).

Ou seja, fica clara a perspectiva ideológica do discurso da discordância desse ator

em relação aos moldes do Projeto, ratificando sua defesa ao uso convencional da

terra.

Este, assim como grande parte dos moradores da Vila (matona) e suas

adjacências, defende apenas a regularização fundiária das terras dessa área com a

implantação de um PA ao invés de PDS, e automaticamente seu desmembramento

do restante do imóvel. Embora, teoricamente, isto não seja possível, devido à área

ser considerada como área de floresta nativa, como podemos observar na Ilustração

11.

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Ilustração 11: Floresta de matas fechadas do entorno da Vila (matona Serra Azu). Fonte: arquivo pessoal da pesquisadora (maio/2011)

Como podemos observar, ainda, nas Ilustrações 12 e 13, nessa área há uma

grande incidência de APPs (serras, encostas, igarapés e terrenos cobertos por

grandes formações rochosas). Logo, essa, deveria ser uma área de preservação

absoluta, segundo os critérios do PDS. O que significa que os “ocupantes”4 dessa

área, conseqüentemente, ao longo do processo de implantação do assentamento

poderão ser removidos ou remanejados, conforme Relatório do INCRA, referente à

Revisão Ocupacional do projeto “Serra Azul”.

Próximo a região da Matona/Serra Azul as ocupações analisadas individualmente se encontram parte em APP e parte em área passível de alteração do uso do solo, o que sugere uma avaliação caso à caso e que deverá ser realizada com o tempo adequado durante a discussão e construção do Plano de Desenvolvimento do Assentamento - PDA e seu Plano de Uso - PU. (MDA/INCRA/SR-30, 2010, fl.12).

4 Termo usado pelos técnicos para definir os moradores do imóvel que ainda não foram selecionados

para o Assentamento pelo MDA/INCRA, que apenas se encontram ou em RB ou não.

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Ilustração 12: Paredões rochosos do entorno da Vila. Fonte: arquivo pessoal da pesquisadora (Maio/2011)

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Ilustração 13: Rochas expostas no centro a Vila. Fonte: Rosivaldo Carvalho Batista (Fevereiro/2011)

Portanto, o tipo de relevo, exemplificado, acima, referente ao perímetro da

Vila, área mais antropizada do imóvel, justificando a avaliação “caso a caso”

proposta pelos técnicos, a que se refere o documento acima.

Detectamos em nossa pesquisa que os moradores vêm reaproveitando a

madeira dos roçados, para a construção de suas casas, móveis e outros usos, como

observa esta assentada (entrevistada): “se a gente aproveitar do roçado, antes de

queimar, madeiras como: cedro, andiroba, jatobá, a gente não estraga”. (Helena,

fev/2011). Conforme nossa compreensão, esta é uma forma encontrada por estes

sujeitos para minimizar o desperdício destes recursos e amenizar suas

necessidades imediatas. E, mais importante é sinalizar a assimilação da proposta de

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131

sustentabilidade ambiental contida nesse tipo de Projeto, pois esta assentada usa o

argumento exatamente para exemplificar a sua compreensão de sustentabilidade

ambiental.

Esta alternativa usada pelos sujeitos históricos “lá de dentro”, como eles se

referem àquela parte posterior do assentamento, possivelmente tem sido usada

mais em função da extrema dificuldade de transporte de outro tipo de material de

construção (tijolo, telha, cimento, madeira, etc.) para esse local. Mas, que não tira o

mérito do processo de conscientização circunscrito por esses sujeitos e as inúmeras

possibilidades de construção do saber ambiental, que segundo Leff (2001), “leva à

uma diálogo e amálgama de saberes desde os níveis mais altos de abstração

conceitual até os níveis do saber prático e cotidiano onde se expressam suas

estratégias e práticas”.

Esses saberes, entretanto, são “gestados” no ambiente contraditório de

convivência entre duas perspectivas de racionalidade: capitalista e ambiental. Nesse

contexto, essa convivência assim como a superação da primeira, a nosso ver, se dá

em função da necessidade efetiva de sobrevivência dos sujeitos. Ou seja, como

podemos observar na Ilustração 14, abaixo, que mostra assentados fazendo

aproveitamento da madeira de derrubada e queima do roçado. Como no dizer de

Leff (2001, p.144) “a racionalidade ambiental se constrói desconstruído a

racionalidade capitalista dominante em todas as ordens da vida social”.

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Ilustração 14: Reaproveitamento de madeira dos roçados Fonte: Rosivaldo Carvalho Batista (Fevereiro/2010)

Pelo que percebemos, isto tem ocorrido mais devido à necessidade efetiva

desses moradores de suprir suas necessidades de construção de moradias, móveis

e outros, mas que juntamente com o ato de suprir a necessidade, também desperta

consciência, à medida que descobrem aproveitam, evitam o desperdício, coisa

impensável na perspectiva da cultural tradicional desses atores, que como afirmou

nosso co-intérprete (Charles) anteriormente, em outros tempos, utilizariam mais fogo

para queimar a madeira restante da queima dos roçados.

Infelizmente, iniciativas como essa indicadoras de novas atitudes, ainda são

tímidas, por isso, reiteramos a preocupação contida no discurso técnico, sem dúvida

o mais apropriado para tal, sobre a urgência dos órgãos competentes gestor

(INCRA) e co-gestores do aspecto ambiental (IBAMA, SEMA) quanto a necessidade

e urgência da devida regularização ambiental, assim como do suporte técnico para o

devido funcionamento do PDS, dentro da perspectiva a que este se propõe.

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Em nosso ponto de vista, considerando as observações pertinentes ao

estudo, neste momento, do PDS “Serra Azul”, as perspectivas de sustentabilidade

inerentes a esta modalidade de assentamento são mais palpáveis sob as

expectativas, atitudes e ações dos moradores (independente de quem se coloca

contra ou a favor) que sob a pertinência da viabilização técnico-administrativa.

Perspectivas já seriamente comprometidas pela burocracia e ausência de celeridade

nas ações básicas à efetivação dos pressupostos ambientais do projeto e que

acabam comprometem sua efetiva viabilidade.

É possível observar que nem os conflitos de interesses internos ao PDS,

decorrentes das opiniões e posturas contra e a favor deste, pesam mais sobre o

atraso do processo do que a morosidade administrativa; seja decorrente do aparato

burocrático para a viabilização das ações, seja pelos “conflitos de interesses” entre

os agentes ambientais, administrativos, legais, nas três esferas públicas: federal,

estadual e municipal.

Enfim, estas divergências parecem ser mais prejudiciais ao andamento

do(s) projeto(s) do que propriamente as divergências internas entre os assentados.

Estes, mesmo declarando-se contra o PDS, como é o caso do Seu Milton,

compreendem que alguns usos usuais do solo são prejudiciais e que outras formas

sustentáveis de uso existem:

pra preservar só se o cara trabalhar com outro tipo de cultura, porque do jeito que a gente tá fazendo não preserva não, faz acabar. Outra cultura como plantio do cacau, que ajuda na preservação do solo, e, do tomate, que não esbandalha muito a área de mato e usa pouca área. Pra sustentabilidade das famílias poderia se fazer açudes, considerando-se que o terreno é propício pra isso (Milton, maio/2011).

Ou seja, observamos a partir desta fala, que não há uma discordância

aleatória (ser contra por ser contra), tampouco inconciliável com a viabilidade do

PDS, pois, mesmo afirmando sua posição contrária ao projeto, também, percebe

“falhas” na metodologia tradicional de uso do solo e aponta possíveis caminhos para

correção destas, compatíveis com a proposta metodológica da modalidade PDS. Um

dos intérpretes, refletindo sobre a importância dessa experiência, afirma: “acho que

foi uma parada pra pensar, porque a gente tava trabalhando sem pensar no

amanhã”. Pará (maio/2011).

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Tanto nos discursos quanto nas relações e práticas desses sujeitos

podemos observar ares de um processo dialético de superação de idéias e práticas

históricas do uso da natureza, que talvez passe pelo que reflete Freire (2005, p.59):

os oprimidos nos vários momentos de sua libertação, precisam reconhecer-se como homens, na sua vocação ontológica e histórica de ser mais. A reflexão e ação se impõem, quando não se prende erroneamente dicotomizar o conteúdo da forma histórica de ser homem.

Evidencia-se assim que as falas dos entrevistados, assim como as dos

demais, não representam simples discursos, de quem se opõem ou de quem é

favorável à filosofia desta modalidade de assentamento, mas representam posturas

singulares diante da vida, diante do mundo, condizentes com suas histórias de vida.

Ainda que conflitantes, a nosso ver são conciliáveis, não impedindo o exercício da

tolerância, mas pautado na idéia de solidariedade entre eles, como observamos nas

falas: “não tenho nada contra quem aceitou, porque quem aceitou é porque precisa

de um pedaço de terra; se aceitou é porque serve pra eles” (Kiko, maio/2011) e “não

adianta querer mais disso, porque para ter 100 ha, tinha que entrar na terra do

vizinho” (Ana, fevereiro/2011).

Estes princípios de tolerância e solidariedade, apesar das divergências

existentes, podem propiciar a construção da sustentabilidade requerida por Leff

(2001, p.66) “fundada em princípios de equidade, diversidade e democracia”. A

racionalidade ambiental, segundo este autor, é oposta à racionalidade capitalista.

Conforme já explicitados na Seção anterior. Conceitos que nos ajudam a

compreender a diversidade de idéias/sentimentos/posturas identificadas no contexto

na “Serra Azul”, e como podem vir a se constituir num projeto alternativo de

desenvolvimento baseado nessa outra racionalidade, segundo Leff (2001, p. 144):

a racionalidade ambiental se constrói desconstruindo a racionalidade capitalista dominante em todas as ordens da vida social. Neste sentido, não só é necessário analisar as contradições e oposições entre ambas as racionalidades, mas também as estratégias para construir uma nova economia com bases de equidade e sustentabilidade.

Quanto ao paradigma da produtividade ecotecnológica, para Leff (2009,

p.149) pertinente à uma racionalidade produtiva alternativa, esta se sustenta não

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apenas nos novos valores e direitos do ambiente, mas também na articulação entre

processos ecológicos, tecnológicos e culturais, constitutivos desse paradigma, a

base material dessa outra racionalidade. Idéia, que nos parece pertinente, à

avaliação, preocupação e proposição manifestadas no Relatório Técnico acima

mencionado, sobre o uso inadequado do solo pelos assentados de “Serra Azul”.

Este uso inadequado se repete já nas ocupações do PDS Serra Azul com a tradição da derrubada, queima e plantio. Mais um ou dois plantios seguintes, após a queima do material vegetal restante ou em recuperação e a área já não dá suporte à produção mínima necessária exigindo nova derrubada. Esta constatação já indica a necessidade da adoção de tecnologias sustentáveis, a escolher pelo caminho da tecnologia da revolução verde pura e simples e sua dependência dos grandes conglomerados mundiais da química agrícola, ou pelo caminho do ciclo orgânico, ou pela mesclagem dos conhecimentos científicos existentes e os saberes tradicionais recuperados, com menor dependência de capital. Indica também a necessidade de assistência técnica capaz e efetiva, alicerçada em planejamento, daí já adiantando sugestões resultantes, a imediata confecção do Plano de Desenvolvimento do Assentamento – PDA e seu Plano de Uso - PU. (MDA/INCRA/SR-30, 2010, fl.20).

Os instrumentos sugeridos (Planos) proporcionariam, por exemplo, a

oportunidade dos assentados discutirem e definirem ações que desejam ter

realizadas no PDS, como: saúde, educação e transporte; como pretendem efetivar o

uso da terra e demais recursos, estes últimos ainda com o uso limitado, devido a

ausência desses planos. Ou seja, os referidos instrumentos possibilitarão o exercício

democrático de proposição de ações que contemplem os reais interesses dos

assentados e à esses sujeitos o direito de exercitar o “planejamento participativo”

como ferramenta propositiva que poderá vir a ter maior peso político junto ao

governo quanto ao atendimento às demandas desses trabalhadores.

Quanto à questão da produção agrícola, asseveramos que há um caminho

delineado, com algumas exceções, que aponta para a agricultura familiar. A

diversificação do plantio parece animar bastante os assentados, como na fala

abaixo, percebe-se a motivação quanto às novas aprendizagens e possibilidades.

Bastante antigamente, eu trabalhava só com mandioca e arroz. Aqui aprendi plantar feijão e milho, e agora estamos mexendo com tomate, repolho e pimentão. Aprendemos outras técnicas pra mexer com a terra, porque com as que tínhamos nunca íamos chegar a esse ponto. Isso até melhora mais a situação da gente, no sentido da estabilidade. A vida da gente melhora, melhora mais, com dinheiro melhor, tudo, comprar as

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coisinhas que quer. Vir pra cá melhorou a vida 100%, melhor que lidar com mandioca e arroz, não tem nem comparação (Milton, fevereiro de 2011).

Também é possível identificar uma grande motivação dos assentados em

relação ao plantio de culturas permanentes. Portanto, um ponto positivo para a

implementação do PDS, cuja filosofia (projeto de reforma agrária) pautada na

agricultura familiar, pode ter nas culturas permanentes, como: plantio do cacau, do

cupuaçu, da pimenta-do-reino, da banana, do mamão e outros. Alternativa,

recorrentemente, percebida pelos assentados como forma de conter o

desmatamento, como explicita Seu Valdi:

o plantio permanente garante a não necessidade de continuar desmatando […] essa parte que nos cabe desmatar, é suficiente pra gente sobreviver e produzir os produtos que dá sustentabilidade à longo prazo […] Enquanto esses produtos não chega pra gente, a gente pode colher na floresta: as frutas, os óleos, o cipó, a taboca... (fevereiro/2011).

Verificamos que tanto um modo quanto o outro (temporário e permanente)

são coerentes com as práticas tradicionais desses agricultores; embora necessitem,

conforme relatam recorrentemente, de uma orientação técnica à altura. A novidade,

em parte, está na diversificação da produção, e, de forma mais significativa, no

manejo do potencial da flora, fauna, rios e igarapés. Produção que vai além do

cultivo de grãos (milho, feijão) e da mandioca, conforme ilustração 15, incluindo

também o cultivo de legumes, furas e verduras, possivelmente decorrente da

qualidade da terra, fator apontado na citação abaixo como um dos pontos a favor do

sucesso do Projeto. Como ressalva esse trecho do trecho do Relatório Técnico:

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Ilustração 15: Frutas, legumes e verduras produzidas na “Serra Azul”. Fontes: INCRA/2010 (fotografia 1) e Rosivaldo Carvalho Batista (Fev./2010) (fotografias: 2,3 e 4)

Sem desconsiderar a “terra nova”, pode-se afirmar um bom potencial

produtivo daqueles latossolos5 sob boa e bem distribuída pluviosidade.

Destacam-se os bons resultados com milho, arroz, feijão, mandioca, mamão, banana, abacaxi e tomate. Potencialmente vislumbra-se o cacau, o açaí em áreas úmidas, o cupuaçu, e mais uma gama de frutíferas a serem testadas. O desafio é adaptar com a participação dos produtores uma tecnologia de baixo capital e conservadora dos recursos naturais (MDA/INCRA/SR-30, 2010, fl.22).

5 São formados pelos processos de latolização que consiste basicamente na remoção da sílica e das

bases do perfil Ca2+, Mg2+, K+, etc., após a transformação dos minerais primários constituintes. Fonte: EMBRAPA. Disponível em:<http://www.agencia.cnptia.embrapa.br/.../AG01_96_101> Acesso em: 02 out. 2011

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Porém, o uso tradicional de preparação do solo (derrubada/queimada),

conforme afirmam os técnicos em outro trecho do Relatório, anteriormente citado,

inviabilizará a continuidade dessa abundância, pela a exaustão do solo, devido a sua

fragilidade, nesse local. Por isso, entendemos que o projeto requer um investimento

técnico urgente e eficaz, para a manutenção da produção agrícola de qualidade,

sem prejuízo orgânico para o solo e ambiental e econômica para os agricultores.

Entretanto, esse processo de mudança não se fará isento de processo de

(re)educação que reoriente as práticas produtivas desses sujeitos para o

desenvolvimento de atividades ambientalmente sustentáveis. Acreditamos que caiba

aí a proposta de Leff (2001, p. 257) quanto a necessidade de uma “pedagogia do

ambiente” que segundo este, pertinente à educação ambiental “surge da

necessidade de orientar a educação dentro do contexto social e da realidade

ecológica e cultural onde se situam os sujeitos e atores do processo educativo”.

É desse contexto múltiplo e diverso que buscamos capturar como os

saberes socioambientais emergem das práticas cotidianas dos assentados em

“Serra Azul” e que poderão, em uma relação dialética, suscitar uma proposta de

educação ambiental na Amazônia.

3.2 SABERES SOCIOAMBIENTAIS: ELEMENTOS CAPTURADOS A PARTIR DOS RUÍDOS DA TERRA E DA MATA, PARA UMA POSSÍVEL PROPOSTA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL, EM "SERRA AZUL".

O saber ambiental está num processo de construção

Leff

É com a convicção desta citação que buscamos perceber quais saberes

ambientais inscritos nas práticas dos moradores do PDS “Serra Azul” podem indicar

sua viabilidade enquanto proposta alternativa à cultura agrária do município de

Monte Alegre. Considerando as experiências desses sujeitos e suas expectativas de

vida e trabalho nesse lugar. E, a partir das conceituações de saberes

socioambientais por esses sujeitos, e da observação de suas práticas cotidianas,

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buscamos perceber como emergem estes saberes, naquele contexto. Para tal, nos

apoiamos na reflexão de Charlot (2000).

Ninguém pode escapar dessa obrigação, pois o sujeito só pode “tornar-se” apropriando do mundo […]. Qualquer tentativa de definir “o saber” faz surgir um sujeito que mantém com o mundo uma relação mais ampla do que a relação de saber […]. Procurar o saber é instalar-se num certo tipo de relação como o mundo, mas existem outras (CHARLOT, 2000, p.59-60).

A partir deste ponto de vista reiteramos nossa busca por possíveis saberes

ambientais, que estão constituídos pelos diversos atores (assentados, lideranças,

técnicos e outros) do assentamento “Serra Azul”. Tomamos como referência para

essa busca, as possibilidades de constituição desse saber, a partir do caminho

indicado por Leff (2001, p.151) para a sua formação, qual seja, “o saber ambiental

se constitui através dos processos políticos, culturais e sociais, que obstaculizam ou

promovem a realização de suas potencialidades para transformar as relações

sociedade-natureza”.

Percebemos que uma tendência entre os intérpretes ao solicitarmos suas

percepções acerca da importância da educação ambiental era esses/as

estabelecerem, naturalmente, uma simbiose entre essa categoria e a de saberes

ambientais. Ao se reportarem à ambas, porém, normalmente o faziam através de

exemplos. Considerando este fato, e para na tentativa de não sermos prolixos,

optamos por focalizar a idéia de saber, uma vez que notamos que esta é a mais

vigorosa entre as duas, por estabelecer relações com as “novas” práticas ou com a

necessidade delas, como podemos perceber na fala abaixo:

é uma experiência de educação, porque trabalhando a gente se educa, se aprofunda nos estudos da técnica de como plantar. Requer mais um pouco de saber pra lidar com outro tipo de legume, diferente do que lidava antes (Milton, maio/2011).

O discurso acima estabelece uma clara relação dialética entre trabalho e

educação, evidenciado em: “trabalhando a gente se educa”. O novo cenário desta

relação “trabalho/educação” no âmbito das práticas agrícolas, no contexto

assentamento “Serra Azul”, a partir de uma nova modalidade de produção: critérios

de uso, incentivo à novas “culturas”, técnicas, saberes “estudo da técnica”. Ou seja,

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culturas e hábitos de cultivo diferentes dos sujeitos (assentados) estavam

acostumados a lidar como reiterado pelo intérprete, com os quais “não se lidava

antes”.

Percepção, independente do contexto, pertinente ao que afirma Pistrak

(2000, p.48): “qualquer trabalho é uma base excelente de educação [...] graças ao

trabalho o homem se torna disciplinado e organizado”. Seu Milton percebe na sua

realidade/necessidade o que é apontado pela teoria: o trabalho como elemento

disciplinador que prepara o ser humano para a vida, que se organiza para dar conta

do domínio da técnica para lidar com a terra. Aprender novos saberes que

desconhecia e que a nova relação com a terra lhe desafia a aprender.

Além de estabelecer em suas falas uma relação intrínseca entre saber-

educação-trabalho, os entrevistados foram unânimes em considerar a experiência

do PDS como sendo uma experiência de educação, e de identificar nesta, a

aquisição de novos saberes, diferentes das aprendizagens anteriores. Naturalmente,

“vinculados” às suas necessidades mais urgentes, em geral, decorrentes da

absoluta falta de assistência às suas necessidades básicas (saúde,

estrada/transporte e educação). Associações estas ricas de significados.

Verificamos que qualquer que seja a posição do assentado, a favor ou

contra o PDS, os discursos desses sujeitos demonstram que todos têm se sentido

atraído pelas novas aprendizagens e pela possibilidade do conhecimento de

técnicas que imprimam mais qualidade às suas atividades agrícolas. E a carência de

efetivos espaços educativos (cursos, oficinas, apoio especializado etc.) promotores

desses novos saberes é conseqüência também da própria lentidão com que tem se

arrastado o processo de implantação do projeto. Com o longo período de interdição,

e, conseqüentemente, com o adiamento dos assentados de terem acesso a esses

novos saberes e práticas.

Nesse sentido, percebemos que o que tem mobilizado os fazeres desses

sujeitos têm sido as suas experiências anteriores com a agricultura, suas

necessidades de sobrevivência em ambiente visivelmente inóspito, decorrente da

absoluta falta de assistência às suas necessidades básicas, como: saúde,

educação, e transporte. Além do esforço para se manterem no projeto, dando provas

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da “vocação” exigida pelos novos projetos de reforma agrária, pautados na proposta

de sustentabilidade ambiental.

Aprendi a reconhecer certas árvores devido à necessidade de preservar. Minha ansiedade era saber como tirar o óleo da andiroba pra curar as feridas das crianças [...]. São saberes muito diferentes daquilo que agente sabia antes. Os pais de uns eram assentados em projetos que não se tinha esses saberes. Aqui, o pai vai tirar cipó e leva o maior pra ensinar (Lindeuza, Fevereiro/2011).

Principalmente entre as mulheres, por razões imagináveis, as preocupações

recorrentes são a saúde, a alimentação e a educação. Preocupações já lembradas

por Freire (2004) há quase duas décadas (1996)6, ao fazer algumas “considerações

sobre Reforma Agrária”, e sobre os diferentes aspectos que devem estar implicados

em um projeto/prática de reforma agrária. Freire considera, em primeiro plano, a

alimentação e a saúde como dimensões que não podem “ser separadas de um

processo de transformação da realidade concreta e o das relações sociais, que

passa a dar-se dentro do projeto de Reforma Agrária em ação” (FREIRE, 2004,

p.201-202).

Podemos perceber na maioria dessas falas que há uma clara relação entre o

ato de aprender, a necessidade e a “auto-imposição” de um outro conteúdo de

educação, que considera a metodologia do aprender fazendo, e que possibilita

outras aprendizagens, pertinentes aos fazeres diferenciados. Ou seja, há uma gama

de possibilidades de aprendizagens percebidas por esses sujeitos articuladas à

proposição da modalidade (PDS). Portanto, revelam-se outros campos de

aprendizagens ambientais que extrapolam as limitações dos antigos ambientes e

das práticas a que estes sujeitos estavam habituados.

Tá acontecendo sim esses saberes: eu tenho em mente que não tem mais ninguém que faça coisa que não tenha consciência […]. Acho que aqui nós vamos aprender muita coisa. Ainda não aprendemos nem a metade do que tem pra aprender (Helena, fevereiro/2011).

Helena percebe que algo novo está acontecendo, que as pessoas estão

percebendo; que uma nova consciência cobra outras posturas, novas atitudes. No 6 “Depoimento ao professor Dr. Bernardo Fernandes, transcrito de vídeo de gravação para o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), em novembro de 1996” (FREIRE, 2004, p.201).

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entanto, as condições para que essas novas atitudes e posturas se estabeleçam

como regra e, não como exceção, são requeridas por esses sujeitos, como no dizer

de Kiko:

aprender a enxertar laranja, limão, isso é bom. Abandonar o trabalho só com grão e passar a trabalhar com plantio definitivo. Importante saber, sem uma ajuda do governo não se torna importante, porque a gente tem medo que o governo cobre da gente, sendo que ele que deve. Ele quer que a gente faça, sem que ele ajude. A gente tem medo disso aí. Medo que venha o IBAMA, que multe, acabando que o errado é a gente, sendo que o errado é o governo, aí fica difícil […]. Tenho aprendido um pouco. Porque parte não tem aquele acompanhamento técnico [...]. Teria que ter mais cursos e recursos do governo, no sentido de oferecer mais condições, ensinar mais, implantar projetos, exemplo: no meu caso seria um projeto de irrigação, para irrigar meu limão, meu cacau, mas o governo não oferece condições (Kiko, fevereiro/2011).

O reconhecimento da necessidade e da importância desses sujeitos em

aprender/reaprender técnicas para melhor lidar com a terra é notória. Normalmente,

quando “fazem errado” é porque não o sabem e também não têm o devido apoio dos

órgãos competentes que poderiam auxiliá-los nessa empreitada; contudo, é evidente

que há neles uma força de vontade, uma disposição em querer se relacionar com as

novas técnicas e, por conseguinte, construir novos saberes.

Entre esses assentados, nos quais observamos a vontade de “fazer a coisa

certa”, existe a insegurança e um claro temor em relação ao “fazer novo”, sem a

devida orientação, e por isso, acabarem sendo responsabilizado pelo órgão de

fiscalização (IBAMA).

Kiko, em outro momento de entrevista, relatando sua conversa com um

vizinho, diz: “o governo não quer que a gente faça a coisa certa, quando ele quiser a

gente sabe. Quando ele quer, ele oferece condições, estrada, documentação da

terra (para acesso ao banco), assistência técnica”. Notamos, nesta fala, uma nítida

desconfiança em relação à proposta do PDS, pautada nas experiências de alguém

que é herdeiro “vitima” dos antigos projetos de colonização, locais. Pautada nos

exemplos das políticas governamentais, ao logo da história das políticas agrárias

brasileiras, relatadas na primeira Seção deste Texto.

Portanto, cabe ao(s) governo(s) superar essa expectativa negativa através

da execução de ações efetivas que demonstrem pelas ações, eficácia na condução

de projetos dessa natureza (reforma agrária), como novas políticas agrária sendo

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implementada, que não se limitem à indicar p lote de terra ao agricultor, mas provê-

lo nas suas necessidades básicas de: estrada, assistência técnica, crédito, saúde,

educação, entre outras.

Neste estudo através da pesquisa de campo percebemos que há nos

sujeitos disposição para a superação dos desafios da conquista da terra,

manifestada no viés dialógico indicado na percepção de que aprender e ensinar são

elementos preponderantes à superação dos desafios práticos, mesmo diante dos

inúmeros desafios de ordem político-institucionais e, em conseqüência destes,

outros de ordem prática, como: a carência de estrada/transporte, assistência técnica,

à saúde e à educação.

Sujeitos, como Valdi, que aos 58 anos, estar empenhado/esperançoso em

obter seu primeiro “lote” de terra “do governo”, como nos diz ele. Ao se referir ao

processo de implantação do assentamento em questão, este intérprete, identifica a

observância das normas, dos critérios e dos limites do referido modelo, também,

como um processo de educação.

É um processo de educação, desde quando nós respeitamos os limites, nós estamos obedecendo uma educação. Se por um acaso, não fosse considerado um processo de educação, nós estaríamos ultrapassando os limite […]. Diferente! Porque cada dia que passa a gente vai aprendendo mais, e vai diminuindo o esforço poupa mais as energia (Valdi, fevereiro/2011).

Um dos diferenciais apontados nas entrevistas refere-se à aquisição de

novas aprendizagens, o que tem implicado na (re)educação das práticas agrícolas

até então adotadas e avançado para o (re)conhecimento dos potenciais da floresta e

seus possíveis usos (ainda limitados pela ausência de plano de manejo). Saberes

esses necessários à realização da nova proposta de trabalhar com a terra sem

exauri-la; o que exige obediência à regras e normas pertinentes ao modelo PDS,

que determinam os limites que devem ser respeitados, em função de uma

“convenção coletiva” pactuada por esses sujeitos. Assim, o desrespeito a esses

limites de uso da terra, da floresta, dos rios e igarapés, das espécies da flora e da

fauna e outros, compromete tanto o individual quanto o coletivo. Daí a necessidade

da incorporação dos novos saberes por esses atores, ressaltada na dinâmica

percebida por esses assentados de que a cada dia deve-se aprender um pouco

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mais, deve-se adquirir novas técnicas que lhes possibilitem poupar energia.

Pensamento este pertinente à “lógica” do produzir mais e viver melhor.

Com base nisso, encontramos na afirmação de Leff (2001, p.149) que o

saber ambiental “emerge da falta insaciável de conhecimento que impele o saber

para a busca dos novos sentidos de civilização, novas compreensões teóricas e

novas formas práticas de apropriação do mundo”, tanto a pertinência com as falas

dos sujeitos, como com o nosso propósito com este estudo.

A preocupação da maioria dos moradores entrevistados, e dos demais a

quem ouvimos, não é propriamente com o cumprimento das observações legais

(normas, regras, critérios), mas com as garantias e incentivos (investimentos

governamentais) que receberão. O que certamente tem dificultado a “pactuação” de

assentados e lideranças em torno do projeto. A fala abaixo exemplifica nossa

percepção.

Eu entendo que são coisas que o governo tem que ajudar mais os agricultores com recursos. Ele só vem impor as leis. Uma ajuda da forma necessária, isso ainda não aconteceu [...]. Sobre a preservação aprendemos que temos que fazer mesmo. Não se tinha a intenção de acabar tudo, mas trabalhar um pouco mais, não por abuso, mas por necessidade. Mas descobrimos que temos que preservar um pouco mais, mais do que imaginava que fosse preciso (Kiko, maio/2011).

Dessa forma, não há processo de reeducação que possa resistir aos

imperativos de satisfação das necessidades básicas das famílias, principalmente se

estas se encontram em uma conjuntura ainda não definida, de quem será mantido

ou não. Kiko ao declarar sua percepção das necessidades de se “preservar”, acena

o comprometimento com esta; por outro lado, chama a atenção para um fator crucial

que é a própria sobrevivência. Ou seja, chama a atenção para o óbvio: se não há

garantias reais, não há pacto. E claro, não há possibilidade de se fazer educação

sem uma política agrária que dê condições aos assentados para trabalhar,

permanecer na terra e produzir com dignidade. É necessário que as leis substituam

seu caráter de imposição para a perspectiva de beneficiadoras, que proporcionem

mudanças efetivas na vida do trabalhador rural.

As condições precárias do agricultor, em geral, o fazem ultrapassar limites,

“trabalhar um pouco mais”. Como ele mesmo diz: “não era intenção acabar com

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tudo”. A necessidade exigia um esforço sobre-humano para continuar a produzir

sem o devido suporte: técnico, financeiro, de infraestrura (estrada, transporte,

armazenamento, etc.) além das devidas condições sociais de saúde, educação e

outras. Condições gerais, que a nosso ver precisam ser incorporadas ao projeto

para que esse represente uma perspectiva de mudança, ou seja, para que comprove

sua viabilidade, se diferenciando do modelo agrário já mencionado neste texto.

Entendemos que a nova metodologia de assentamento (PDS),

filosoficamente, vai ao encontro do que destaca Freire (2004) ao elaborar algumas

considerações sobre a reforma agrária, considera fundamental, além de outras, o

aumento da produção em áreas menores. Para Freire (2004, p.202) “o ideal […], é

aumentar a produtividade sem sacrificar a experiência da mão de obra, ou seja, o

direito que a pessoa tem de trabalhar”.

O que constamos, porém, no contexto investigado, é que mesmo esse ideal

estando implícito na filosofia de produtividade do PDS, na prática, é inviável ser

cumprido, na íntegra, pelos assentados em função da ausência dos requisitos

estruturais e infra-estruturais, apontados anteriormente. Desse modo, o projeto fica

inviabilizado, tal qual estar previsto. Outro fator diz respeito ao necessário processo

(re)educativo dos sujeitos, face às indispensáveis novas técnicas e modos de

atuação desses em prol da proposta de sustentabilidade ambiental, pertinente ao

projeto.

Então, são essas, algumas necessidades constadas no cotidiano desses

assentados que nos fazem apostar que somente a efetivação/intensificação de um

processo de educação, conjuntamente vinculadas às dimensões sociais e

econômicas, como saúde, transporte, assistência técnica, crédito, entre outras,

poderão alavancar mudanças nas práticas produtivas dessas famílias. Enfatizamos,

portanto, o fundamental papel da educação na mudança de atitude por parte desses

assentados, como afirma Freire (2004, p. 202) em suas considerações acerca da

reforma agrária, das dimensões da vida humana que essa precisa contemplar: “a

prática educativa viabiliza os conhecimentos em torno destas preocupações, isto é,

ela tem de estar vinculada às questões da produção e da cultura, tem de estar

vinculada à história.

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Entendemos que a motivação dessas famílias relativas ao assentamento

“Serra Azul” estar associada significativamente à exclusão dessas pessoas pelos

próprios condicionantes históricos da colonização local, geradores da atual demanda

por terra, por esses sujeitos que conseqüentemente excluídos do ambiente rural,

mais intensamente nos últimos 20 anos, pela sua própria cultura só conseguem viver

e trabalhar nesse espaço. Como nos disseram alguns “eu só sei fazer isto”, razão

ratificada pelo nosso interlocutor: “esse pessoal que o sonho máximo deles é ter a

terra”. (Charles, janeiro/2010).

No entanto, não é possível pensar que todos que estão ali têm motivos

justos e coerentes pra estar. Alguns se infiltraram ali para as mais notórias intenções

de realizar extração ilegal de madeira e desmatar grandes extensões de floresta; em

geral para transformá-las em campo, ou simplesmente com o intuito de comercializar

a terra. Como nos conta Charles, abaixo, se referindo ao período em que o PDS

ficou interditado pela justiça por falta de autorização ambiental para funcionamento.

As pessoas entraram ultimamente. Começou-se a produzir muito tomate, de pessoas de outras regiões que não são do Assentamento, mas que foram comprando áreas e áreas, e hoje já tem alguns lugares lá que eles já desmataram as beiras dos igarapés toinhas pra plantar tomate […]. O pessoal que estava lá dentro, né? Continuou fazendo tudo como se fazia antes, continuou desmatando, continuou vendendo e tal. (Charles, janeiro/2010).

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Ilustração16: Pastagem em área de APP. Fonte: Rosivaldo Carvalho Batista (Fevereiro/2010)

A narrativa acima ratifica, portanto, a urgência quanto à consolidação deste

Assentamento de acordo o referido modelo, sob pena de este não se sustentar

enquanto tal. Pois, já há um processo evidente de descaracterização da modalidade

(econômico, social e ambiental) proposta, com permanência de pessoas que

certamente não preenchem os requisitos básicos do projeto: ser cliente de reforma

agrária; ser agricultor familiar; ter vocação para esse tipo de projeto etc. Conforme

ilustração 16:

A ilustração, acima, justifica ainda a preocupação contida na fala da

liderança e exemplifica informação contida no LAF (2008) e reiterada pelo mais

recente Relatório Técnico (2010) sobre o PDS “Serra Azul”, conforme citação abaixo:

1.262,5514ha em agricultura e pastagens, em APP (degredada) […]. Ainda segundo o LAF as áreas exploradas economicamente com agricultura e pecuária somam 2.573,7408 ha desmatados ilegalmente. Dos 47.749,8581ha de APP, 1.262,5514ha estão degradados, constituindo o

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passivo ambiental cuja recuperação foi estimada em R$7.020.505,44. (MDA/ICRA/SR-30, 2010, p.9).

Analisamos que estas constatações reforçam a necessidade e a urgência

dos órgãos co-gestores (INCRA, IBAMA, SEMA etc.) tomarem providências quanto à

realização desse tipo de ação na área do Assentamento e quanto à garantia de

recuperação dessas áreas já degradas; pois, conforme as informações contidas no

referido relatório, a real situação dessas áreas, em 2008, requer uma ação efetiva de

reeducação, de forma dialógica, para que possa ser assegurada a viabilidade do

Projeto PDS, com base no uso da terra de forma sustentável; desconstruindo assim,

conceitos e práticas ancorados em modelos históricos fracassados das políticas

agrárias anteriormente implantadas no município.

3.2.1 Educação no PDS: o processo dialógico

Tivemos a oportunidade de perceber durante o período de desenvolvimento

do estudo de forma mais atenta e, que, sem dúvida, “anima” a possibilidade de

mudança rumo a outra cultura de posse e uso da terra por aqueles lados. Trabalho

que tem considerado a dimensão política, mas também a formação técnica e legal,

ainda que tímida, através de cursos, oficinas e palestras, em parceria com o INCRA

e com outras entidades governamentais e não-governamentais (já citadas).

Aproximando nossas observações às falas dos sujeitos desta pesquisa

(entrevistados), que foram unânimes em qualificar a experiência do PDS como uma

experiência de educação e em afirmar e apontar algumas percepções sobre

possíveis saberes socioambientais, em sua acontecência e/ou em seu “processo de

gestação”. O que podemos “capturar” daquele contexto, sua diversidade de desejos,

posturas, falas, silêncios, demonstram a complexidade daquele objeto. E como

afirma Leff (2003, p.8):

a complexidade ambiental se produz no entrecruzamento de saberes e se arraiga em novas identidades. No princípio deste saber não existe um conhecimento último nem um saber privilegiado. A complexidade ambiental vai se construindo na dialética de posições antagônicas, mas também no

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enlaçamento de reflexões coletivas, de valores comuns e ações solidárias ante a reapropriação da natureza.

No caso de “Serra Azul”, entendemos que a ASA tem garantido o esforço

tanto para manter a idéia de PDS entre os assentados quanto disseminar os critérios

pertinentes a essa proposta. Talvez esteja criando importantes espaços de

constituição desses saberes em meio à complexidade relativa à “novidade”, que tem

gerado até o momento mais dúvidas que certezas; mas como já consegue visualizar

Charles, que acompanha e conhece o Projeto desde seu processo embrionário:

“então, eles já vêem assim, como uma coisa que é deles e que eles vão ficar lá e

que vai ficar pros filhos, pros netos, né?”.

A idéia da terra como uma espécie de “porto seguro”, na cultura agrária

local, está presente através das “comunidades tradicionais” que se formaram ou

sobreviveram à colonização local, possivelmente, paralelo ao processo de

colonização contemporânea oficial, identidade que precisa ser (re)visitada. E o PDS

parece apontar para o resgate dessa característica, que acreditamos pode apontado

como possível tendência “endógena” à semelhança das comunidades tradicionais,

cujas terras são de herança. Como exemplo, temos as comunidades ribeirinhas do

município, assim como as demais da região Amazônica que vivem:

ao longo das margens dos rios, lagos, paranás e igarapés dos ecossistemas amazônicos de várzea e de terra-firme, mantendo uma relação dialética com a natureza e respondendo com esmero e criatividade aos desafios do ambiente natural em busca de meios de vida (PANTOJA, FRAXE,

WITKOSKI, 2000, p.94).

Além do papel político-pedagógico concernente à organização dos

assentados, a ASA teve que se responsabilizar, na medida do possível, pela

(re)orientação dos assentados quanto à prática de algumas atividades predatórias

(principalmente a caça indiscriminada). No entanto, o diálogo entre essas as

lideranças da Associação e os demais atores nem sempre se dava pela via pacífica,

conforme relata Charles:

a Associação é, praticamente que fazia esse trabalho, e era através assim de reunião a algumas vezes até através da força mesmo.Teve uma situação lá, de caçada, que a gente proibia mesmo, né? Então a gente mesmo

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botava as regras lá porque não tinha outro apoio de ninguém, né? Sabe, era difícil... Teve algumas vezes que nós mesmos botamos as regras e foi resolvendo, mas agora parece que vai ter outro rumo […], parece que agora nós vamos ter mais um acompanhamento, e aí vai ser com certeza melhor. (Charles, janeiro/2010)

Trabalho que infelizmente tem sido insuficiente, considerando a dimensão da

questão e a falta de experiência de todos com esse tipo de projeto. É evidente que o

mérito desse trabalho se deve ao esforço e à insistência de uns poucos; o que tem,

por conseguinte, amenizado as incongruências entre a proposta e ação do INCRA.

Este, quanto à constância e eficácia na gestão de seus projetos, parece justificar as

queixas históricas (reiteradas por teóricos, trabalhadores e lideranças), como o faz

Charles, aqui se reportando ao período em que o PDS ficou suspenso por mais ou

menos três anos (2007/2010): “O INCRA, ele é muito ausente. É, ele, principalmente

com a suspensão, se ausentou de vez, que já era meio ausente, se ausentou de

vez, né?”. Fato este que gerou uma movimentação indiscriminada dentro deste

assentamento por pessoas que se aproveitaram da situação para “fazer e

acontecer”: desmatamento, plantações e outros usos irregulares da RL e áreas de

APPs. Inclusive com inserção de agrotóxicos, conforme confirmam os técnicos,

revelando a extensão do problema numa proporção maior que a indicada nas

nossas escutas sobre aquele contexto:

a utilização de Áreas de Preservação Permanente – APP para instalação de moradias com seus pomares, edificações e exploração agropecuária é um hábito comum nas ocupações não planejadas. Na área destinada ao PDS Serra Azul esta situação ocorreu em algumas ocupações localizadas principalmente na região conhecida como Matona/Serra azul e Pico do Jacaré. A quantificação mais precisa destas APP‟s ocupadas e a solução para os casos encontrados deverá ser trabalhada na construção do PDA/PU, tendo em vista não ser isto motivo desta ordem de serviço […]. Foi observado no levantamento de campo o cultivo de tomate e pimentão, sabidamente grande consumidoras de agrotóxico, implantadas junto à cursos d‟água que servem a várias ocupações. Em sentido oposto e notadamente na área conhecida como “Assentamento”, as moradias foram construídas ao longo da estrada de acesso (Linhão) e ao longo de ramais, não adentrando ao lote e evitando assim as costumeiras construções em APP‟s junto a cursos d‟água. Isto foi possibilitado pelo conhecimento dos ocupantes de que o lençol de água é relativamente raso em toda área do projeto, facilitando assim a captação de águas subterrâneas, por meio da abertura de poços (MDA/INCRA/SR-30, 2010, fl.22).

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Possivelmente, algumas razões das diferenças apontadas pelos técnicos, no

relato acima, sobre as duas áreas nitidamente polarizadas dentro do Assentamento:

“matona” (Vila) e o “assentamento”, as partes, anterior e posterior do projeto,

respectivamente, são elucidadas na fala abaixo:

depois que foi criada a Associação foi que realmente a gente começou a trabalhar! – Olha, a coisa não é assim, é desse jeito. Então a partir daí a gente foi divulgando como é que era pra ser, e aí as pessoas resistiam, mas também com a ajuda do INCRA e do STTR, a gente também falava a mesma língua, né? Aí foi quebrando essa resistência […]. Dentro dum PDS, o máximo permitido, por pessoas, por família, de desmatamento por ano é três (03) há; então, isso aí sem a Associação ninguém respeitaria, pois até logo no início todo mundo questionava que isso era coisa que a gente inventava. Então, a gente teve um longo trabalho pra mostrar pras pessoas que não éramos nós que estávamos inventando, que era a lei, a legislação dizia isso e não tinha que ser obedecido. Inclusive, hoje numa parte do Assentamento, onde nós colocamos o pessoal, os assentados nós colocamos, nós organizamos, ninguém desmata mais que três ha por ano, uns ficam em muito menos que isso até. Quem, por exemplo, desmatou o ano passado, aí esse ano já não desmata faz só destoque, porque sabe tem um limite pra desmatar mesmo (Charles, janeiro/2010).

Por enquanto, observamos que algumas mudanças de postura dos

assentados são resultantes, fundamentalmente, da ação dessas lideranças (às

vezes, à revelia da própria legalidade) através um de trabalho árduo e de muita

persistência. Charles aponta que, no entanto, que para garantir a implementação do

projeto, um dos caminhos é a parceria com as instituições governamentais e não-

governamentais, como: INCRA, IBAMA, SEMA, IDEFLOR, IMAFLORA, ICM-Bio,

entre outras. Ou seja, está apontado ai a necessidade de (re)educação para a

sustentabilidade, (re)educação, aqui, entendida como estratégia, pautada na

compreensão de estratégia, de Morin (2007, p.79-80).

A estratégia permite, a partir de uma decisão inicial, prevê certo número de cenários para a ação, cenários que poderão ser modificados segundo as informações que vão chegar no curso da ação e segundo os acasos que vão se suceder e perturbar a ação. A estratégia luta contra o acaso e busca a informação. .

A ausência ou demora na definição dessa(s) estratégia(s) à nível

institucional, direta ou indiretamente suscitado na falas dos atores: assentados,

lideranças e técnicos, a nosso ver, tem acarretado prejuízos imensos à afirmação

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da metodologia do projeto, seja pelos espaços abertos às invasões e usos

desordenados e, pela desmotivação daqueles sujeitos que buscam firmar sua

crença na viabilidade do assentamento. Acreditamos que ao se valorizar os saberes

que se esforçam para florescer nesse terreno, ainda árido, pelas práticas predatórias

e/ou pelas ideologias pertinentes a estas, pelos conflitos decorrentes das posturas

contraditórias, além das desmotivações relativas à lentidão do processo de criação

do assentamento. Enfim, a confiabilidade em relação ao PDS precisa ser resgatada,

nesse sentido, reiteramos que a dimensão a educativa é um fator, para esse

resgate.

Felizmente as estratégias alternativas criadas pelos atores sociais e políticos

(assentados e lideranças) têm sido importantíssimas, como a intervenção político-

pedagógica disseminadora de saberes de ordem prática: conhecimentos sobre os

aspectos legais e orientações técnicas básicas para os assentados. Garantindo,

assim, instrumentalização mínima para que esses sujeitos possam exercitar algumas

atividades que contemplem saberes ambientais que incentivam à construção de uma

nova consciência ambiental. Porém, empecilhos de toda ordem, entre estes, os de

caráter burocrático institucional/legal, têm dificultado o processo de amadurecimento

dos sujeitos em relação à perspectiva ambiental e estimulado a continuidade das

práticas predatórias e do processo de degradação da área, como observamos na

explicação abaixo.

O assentamento foi criado em 2005. Então, foi feito todo aquele processo de seleção, e quando se pensou de fato de implantar ele, veio a suspensão, pela justiça […]. O pessoal que estava lá dentro continuou fazendo tudo como se fazia antes: continuou desmatando, continuou vendendo, e tal; então existe uma diferença muito grande que a gente nota até só de olhar: a parte pra cá ela é mais antropizada e mais desmatada; enquanto que a parte de atrás, ela já não é tanto, mas por quê? Porque quem entrou atrás já entrou com a visão de PDS, e quem entrou antes, já entrou com uma visão individual, uma visão de outro tipo de assentamento (Charles, janeiro/2010).

A “babel” em que inicialmente se constituiu esse local, devido a essa

polarização ideológica e de atitudes prática contra ou a favor do PDS, revela a

“complexidade” inerente ao ambiente, trazida à tona pela tentativa de conciliação

dessas diferenças. O equilíbrio começou a se construir através do trabalho de

sensibilização dos assentados pelas lideranças, defensoras do projeto, com ajuda

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de outros parceiros locais e externos. Essas lideranças se empenham em prol da

mudança de atitude quanto ao uso dos rios, floresta e fauna, buscam sensibilizar os

demais assentados para questões desta natureza. Trabalho árduo, principalmente

se considerarmos o desconhecimento de todos em relação a essa metodologia de

assentamento e a própria proposta de reforma agrária, somados à baixa

escolaridade desses sujeitos, o que dificulta sobremaneira a interpretação das leis,

normas, critérios. Intensificando as resistências sob o aspecto teórico da legislação

(princípios, normas, critérios). Esse processo de esclarecimento dos sujeitos e/ou

convencimento, tem ocorrido nas conversas, em reuniões, nas assembléias e

encontros comemorativos. São estes os espaços de repasse das informações ou de

tomada de decisão.

O que há de mais elaborado ou didaticamente planejado são os eventos de

formação que essas lideranças têm realizado por meio das parcerias já citadas, nas

oficinas, palestras e cursos, com conteúdo voltado para informação técnica e para

os aspectos legais (agrários e ambientais). Fica claro o exercício da prática

educativa informal, circunstancial mesmo; mas, que com certeza tem feito a

diferença naquele contexto. E apesar das limitações e dificuldades dessa

intervenção, para que se dê uma melhor compreensão pelos sujeitos em questão,

todos estão em defesa e reconhecem as lideranças que estão na linha de frente

dessa ação, como aparece na fala do Charles (jan./2010): “é difícil porque as

pessoas custam a entender, não têm o conhecimento mesmo, precisa ser levado por

alguém, pra eles entenderem como funciona”. Este mesmo sujeito avalia os efeitos

desse trabalho de conscientização e, nesta percebemos a clareza de alguém que já

compreendeu para onde precisa estar voltada a ação político-pedagógica do projeto.

Então, nessa parte assim, de instrução, de educação mesmo, quem faz isso mais é a Associação mesmo. E nós priorizamos lá a questão ambiental, é que é o principal; por exemplo: a não desmatar além do permitido, a preservar as nascentes, né? A não caçar... Tem um problema (caçar) que é uma tradição..., é uma tradição, não é se caçar, e ai a gente tem conversado muito sobre isso, pra se caçar só o que come, né? Antes, por exemplo, ia pessoas da cidade levadas por pessoas que moravam dentro, só pra caçar. Hoje já não existe mais isso, que a gente foi conversando e tal, foi botando regras e hoje já não existe. Então, já diminuiu muito, e a gente procura priorizar mais essa questão ambiental do uso dos recursos e também desmatamento, preservação. Mas, infelizmente, é muito pouco, é feito só por nós da Associação (Charles, janeiro/2010, grifo nosso).

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Entretanto, essa compreensão, a nosso ver, tanto será mais positiva quanto

for o nível de consciência dos líderes de que devem pautar-se pelo papel da

“liderança revolucionária”, que segundo Freire (2005, p.61): “precisamos estar

convencidos de que o convencimento dos oprimidos de que devem lutar por sua

libertação não é a doação que lhes faça a liderança revolucionária, mas resultado de

sua conscientização”.

Podemos identificar saberes ambientais, por exemplo, no processo de

conscientização implementada pelas lideranças, já ressaltadas, ao que pudemos

observar no cotidiano do assentamento, é o fator multiplicador: alguns assentados já

disseminam a idéia de contenção das atividades predatórias, como a caça

predatória e outras, e ressaltam com orgulho as atividades que consideram

sustentáveis, como o plantio e/ou reflorestamento com espécies nativas. Ou seja,

observamos no decorrer da pesquisa de campo que as dificuldades enfrentadas por

eles, em geral decorrentes da falta de assistência em todos os aspectos (estrada,

crédito, assistência, saúde, educação etc.), assim como a baixa escolaridade da

maioria dos assentados, não tem sido empecilho para a compreensão dos critérios e

a sua transformação em atividades práticas.

Além da importante e legítima contribuição dessa Associação com

informação/formação dos moradores acerca da metodologia PDS (fundamentos

filosóficos e legais da modalidade) a partir das atividades cotidianas destes, é

possível observar que ainda há um longo caminho de construção de uma nova

consciência de posse e uso da terra nesse local. Que passa, indiscutivelmente, pela

necessidade premente de objetividade e celeridade do processo de implantação do

referido assentamento, com as garantias necessárias para um desenvolvimento

sustentável de fato. E, que, articulado a um projeto político-pedagógico que tenha

como base a filosofia do projeto, mas que considere as expectativas reais e

legítimas da maioria.

Nesse sentido, um projeto que contemple as necessidades reais de homens,

mulheres, jovens e crianças dentro de um contexto da natureza de um

assentamento, em particular, na perspectiva que se propõe, precisa pensar a

educação que proporcione espaços de aprendizagens ambientais, seja a reunião da

associação, seja a escola formal, sejam outros espaços de saber. Asseveramos,

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porém, como Gadotti (2000) que “a educação deve ser tão ampla quanto a vida”,

para que possa possibilitar ao ser humano a compreensão de seus significados

tanto pragmáticos quanto teóricos.

Se tomarmos como referencia a perspectiva de educação de Gadotti, acima,

para olharmos para a educação/escola do assentamento, veremos que a um fosso

entre essa proposição e a realidade detectada. E ainda, as falas dos sujeitos, assim

como dos demais assentados, demonstram as percepções desses sobre a

qualidade da educação (escolas) destinada aos jovens e crianças do assentamento

“Serra Azul”, como revela a fala abaixo:

desejo melhoria, que os governantes do município dê mais condições e olhe mais pra essas pessoas que estão crescendo, e os filhos tenhas melhorias. Na área rural que estamos vivendo não tem tido tanto apoio das autoridades: escola melhor, com professores mais bem formados... (Milton, maio/2011)

Outra importante observação acerca da precariedade absoluta das escolas,

da oferta da educação escolar pelo município e suas implicações na vida dos

assentados daquele projeto, é feita pelos técnicos que realizaram o trabalho de

Revisão Ocupacional do assentamento (2010). Sobre o aspecto da educação

afirmam:

a falta de escolas, a precariedade das escolas existentes, considerando os recursos físicos e humanos, somado a falta de estradas para convergir estas escolas, configuram os maiores entraves à moradia permanente de grande parte dos ocupantes […]. O levantamento de dependentes permitiu constatar uma grande dispersão dos familiares dos ocupantes motivado pela falta de estradas e de escolas. Constatou-se várias famílias residentes no PDS em que os filhos em idade escolar moram com parentes, ou conhecidos, ou com a mãe, na cidade de Monte Alegre ou em Vilas na área de colonização ao longo da rodovia estadual PA 254, onde se tem a oferta de educação. Também vários ocupantes mantêm morada habitual no PDS, para onde se deslocam nos períodos de trabalho agrícola, sozinhos, ou com a esposa, ou com filhos mais velhos cujo trabalho é requerido pela família, e que por isso abandonam a escola (MDA/INCRA/SR-30, 2010, fls. 20-21).

Todas essas reflexões e considerações estão contempladas nas nossas

observações. Muitos jovens e crianças do assentamento, atualmente, no período

escolar residem nas comunidades da PA-254 ou na cidade, assim como algumas

mães, como confirma o relato, acima. Situação evidentemente desconfortável para

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as famílias, pela própria carência de recursos para manter os filhos em outros local,

seja agregados à outras famílias de parentes, ou ainda em casas alugadas ou

adquiridas na cidade. Todos os moradores com os quais conversamos,

principalmente, os pais de jovens e crianças em idade escolar, sonham com uma

“casa na cidade” para poder garantir estudo para os filhos. Depois da estrada, uma

educação de qualidade é o tema mais recorrente entre as

reclamações/reivindicações dos assentados que encontramos no decorrer do

trabalho de campo.

Que associações fazem os sujeitos entre esses saberes e a escola: a partir

da reflexão de Pará (maio/2011), que se referindo à importância da assimilação

pelas crianças e jovens do assentamento, sobre os princípios da modalidade PDS,

diz: “quando estuda na escola, ele aprende as normas, essas normas é que leva a

gente a um caminho futuro”. Ou seja, a escola como espaço de apreensão de como

viver, não pode estar separada da vida, precisa estar aliada às experiências

cotidianas das crianças para prepará-las para o futuro.

Percebemos ainda que a preocupação das lideranças comprometidas com a

metodologia/filosofia do PDS, quanto à educação escolar que está sendo oferecida

às crianças e jovens do assentamento, vai além da percepção das precariedades

físicas e humanas, mas evidencia a necessidade de reformulação da proposta

pedagógica como um todo, tanto no que tange à formação dos professores quanto

do currículo. De modo que contemple a filosofia da metodologia do Projeto. Isso fica

muito claro na fala do nosso interlocutor quando argumenta com muita propriedade:

eu tenho observado que as escolas, elas se mantêm só ao básico mesmo, ao básico e ao que é o comum mesmo. E nem mesmo os professores, né, que trabalham dentro do Assentamento, nem mesmo eles, eles não tem conhecimento pra repassar, né? Enquanto que é uma deficiência muito grande e um prejuízo até, porque essas crianças, hoje, elas serão os assentados de amanhã, e vão ficar lá amanhã. Então, depende delas preservar. O que escapar dos que estão hoje, são essas crianças que vão administrar […] Então, é, seria importante incluir é na grade, e sei lá como se faria isso, né?Mas incluir é... noções especificas, próprias do Assentamento, né? No conteúdo que é dado pras crianças dentro do Assentamento, visto que é uma legislação específica dentro do Assentamento, seria importante, mas não tem, por enquanto não tem nenhum trabalho nesse sentido. Até mesmo os professores, eles são muito desinformados, com relação à questão ambiental dentro do PDS, mesmo porque eles são da cidade, a maioria, e também viveram, os que são da zona rural. Sobre o PDS “Serra Azul” sob esse tipo de Assentamento, eles têm pouca ou quase nenhuma informação, e por isso, pouco ou nada

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passam às crianças que lá estudam. Mas acho que se tem de pensar muito seriamente sobre isso, porque essas crianças é que vão ficar lá com uns dias. Se ela não tiver uma compreensão agora, vai ficar muito mais difícil no futuro, no futuro, pra instruí-las, então se começasse agora, seria muito melhor (Charles, janeiro/2010).

A ênfase sobre a formação/inteiração dos/as professores/as e uma proposta

de conteúdos que contemplem a filosofia e metodologia específicas dessa

modalidade de projeto, como condições sine qua non à uma educação que

proporcione ensino e aprendizagens significativos para a formação dos

cidadãos/cidadãs daquele local; que garanta a apreensão de saberes necessários

às novas relações e práticas desses sujeitos (jovens e crianças), a partir de agora,

como possibilidade de garantia de êxito da proposta filosófico/metodológica dessa

modalidade de assentamento.

Face à realidade que constamos e a pertinente preocupação daqueles pais e

mães de família, avaliamos que a melhoria das condições de vida daqueles

assentados passa necessariamente pela melhoria da qualidade da educação, da

estrada e ramais que possibilitem a escoação da produção e o transporte decente

dos moradores; dos serviços de saúde básica, como a reativação e construção de

postos de saúde estratégicos dentro do assentamento, entre outros. Melhorias

urgentes que precisam, a nosso ver, contar com a cooperação entre as várias

instâncias do poder público (municipal, estadual, federal).

Reiteramos que no aspecto da educação formal, atualmente sob a

responsabilidade da Secretaria Municipal de Educação (governo municipal) se faz

necessário não apenas a melhoria dos espaços físicos das escolas e das condições

didáticas (instrumentos e materiais pedagógicos). Na nossa compreensão é

fundamental também a reformulação do currículo para aquele espaço, tanto dos

conteúdos de ensino como da formação dos/as professores/as. Estes precisam

incorporar estratégias de ensino-aprendizagem que contemplem à especificidade do

Projeto, quanto aos seus princípios filosóficos voltados para sustentabilidade

ambiental, assim como os fazeres e saberes em construção por aqueles sujeitos.

Portanto, para que ocorra uma educação formal pertinente às necessidades

daquele lugar, entendemos que seja necessário a incorporação de princípios, como

um dos apontados por Loureiro (2008, p.29), fundamentais à efetivação de uma

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educação ambiental que possibilite aos jovens e crianças do PDS reaprenderem a

se relacionar com os problemas socioambientais locais e globais, pois, “tanto os

professores e alunos precisam reaprender a dialogar criticamente com os elementos

presentes em sua realidade, para pensá-los como elementos integrantes de seu

universo de interesses”.

Por fim, almejamos que a contribuição ímpar dos sujeitos (citados e não)

com suas falas, gestos, “silêncios”, a partir desta pretensa interpretação de seus

discursos e sonhos, possamos contribuir para uma esperançosa e alvissareira

conquista/fortalecimento de suas raízes como homens e mulheres agricultores/as,

trabalhadores/as rurais, enquanto sujeitos históricos deste processo de

[re]descoberta de um saber/fazer diferenciado, e que se funde na perspectiva

holística homem/natureza que traduzida no que profetiza Santos (2001, p.44): “não

há natureza humana porque toda natureza é humana”, contemplando a

sustentabilidade ambiental pretendida para aqueles que como Pará (maio/2011)

sabiamente acredita, “sustentabilidade pra mim: é saber viver”.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo da elaboração das seções desse texto, invariavelmente,

antecipamos resultados e opiniões que dialeticamente se manifestaram ora pela

urgência incontida seja do discurso dos sujeitos, seja da escuta da pesquisadora.

Portanto, nossas considerações finais, mais servirão para enfatizar nossas

convicções e resultados sobre o objeto, dentro das nossas limitações.

Considerando o processo de acontecência do PDS “Serra Azul”, portanto de

instabilidade das idéias; dos valores e das práticas dos sujeitos; da construção de

identidades, quiçá de outra/as identidade/es para o meio rural, local. O que

verificamos neste estudo é que, juntamente com as resistências que ainda são

muitas, a convivência conflitiva tanto entre concepções/percepções e práticas que

não consideram a finitude dos recursos naturais e a fragilidade do ecossistema

amazônico e as que ensejam novas formas de uso agrário/agrícola/ambiental. É o

encontro dialético de saberes ambientais decorrentes da comunhão de possíveis

novas práticas com os saberes tradicionais.

Embora ainda predomine a ânsia de desmatar, contida em parte pela regra

de extensão do uso predatório da terra, da floresta, dos rios e igarapés e outros,

como confirmam as falas dos sujeitos e os relatos dos documentos oficiais

analisados, também há a percepção nítida, por parte daqueles sujeitos (assentados),

de outros saberes e fazeres, conforme identificado na comparação de Isaias

(fevereiro/2011): “antes se a gente dissesse que ia plantar um pé de pau, dizia que a

gente era doido”. Ou seja, plantar espécies silvestres (andiroba, ipê, cedro etc.),

hoje, por lá, já é “praticamente” normal. Ora, ouvir isso de um agricultor, filho e neto

de agricultores que sempre viveram do desmate e queima para plantar arroz, milho,

feijão, banana, mandioca e até árvore que dá fruto (domésticas), nos faz ver que

algo está mudando.

Mudança que não pode ser desperdiçada por conta da morosidade, da

lentidão e das incongruências institucionais (intra e intergovernamentais) que

são, em grande parte, as responsáveis pela ocupação irregular do PDS, como

pudemos perceber e confirmar através dos documentos (mapas) e relatos técnicos.

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Ocupação ocorrida pela lentidão do processo de implantação do projeto,

possivelmente em decorrência dos entraves político-burocráticos do referido

processo, favorecida pelo visível impasse entre as instituições co-gestoras (INCRA,

IBAMA, SEMA). Além da morosidade do processo, decorrente desses fatores,

também é evidente a ação contrária à continuidade do processo de implantação do

Assentamento por parte do governo municipal.

As tensões decorrentes das resistências internas ao assentamento, em

grande parte vinculadas a fatores histórico-culturais já mencionados ao longo do

texto, presente nas falas dos técnicos e dos nossos co-intérpretes e de forma

indireta nas falas de alguns sujeitos, são tensões acerca dos critérios de posse e

uso da terra, a nosso ver mais evidentes em relação ao critério de posse - de caráter

coletivo - que propriamente em relação ao uso, e a dificuldade de respeito às APPs;

em parte, devido à própria extensão destas no imóvel, ou seja, mais de 60% da área

aproximadamente.

Entretanto, não temos dúvida de que o que fará a diferença nesse

contexto será a vontade/ação política do órgão gestor (INCRA) no sentido de dar

continuidade ao processo de assentamento, de provar sua viabilidade legal, de

apaziguar os conflitos internos (moradores, associações) e de dirimir os entraves de

ordem prática, definido quem serão os assentados e quem são os que não

contemplam os critérios para o referido projeto, entre outros. Além de desvencilhar o

projeto da oposição do poder público municipal e buscar uma efetiva parceria com

os órgãos co-gestores.

É fundamental também se preocupar com a elaboração e efetivação de

estratégias de educação que possibilitem a viabilidade da sustentabilidade

ambiental, pertinente à proposta técnico-político-filosófica da modalidade, como no

dizer de Gadotti (2000, p.184): “a sustentabilidade econômica e a preservação do

meio ambiente dependem também de uma consciência ecológica e esta, da

educação”. Educação, nesse caso, pensada a partir dos ruídos da terra e da mata,

que contemple saberes e relações que estão sendo gestados por esses sujeitos em

suas práticas cotidianas, de trabalho, de vida, de organização, indicadores/as de um

possível novo caminho para o desenvolvimento rural local.

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Talvez os assentados, os técnicos, os gestores e as lideranças necessitem

assimilar em suas práticas o que nos ensina Morin (2006, p. 59), sobre a condição

epistemológica da incerteza humana: “é preciso aprender a navegar em um oceano

de incerteza em meio a arquipélagos de certeza”. Esse nos parece ser o espírito do

desafio dos atores do PDS “Serra Azul”, diante do “desconhecido”, da dúvida, da

resistência, do sonho, da desconfiança, da esperança, da rejeição, da consciência

latente que aguarda pela educação para aflorar.

A multiplicidade de motivações, de desejos, de sonhos, de valores, de

necessidades, de ações e reações dos atores (assentados, lideranças, técnicos,

gestores etc.), que identificamos no decorrer da pesquisa de campo e

documental, a nosso ver, exemplifica a observação de Leite & Medeiros (p. 2004,

19), quando afirmam que “esses aspectos, em sua inter-relação, fazem dos

assentamentos um verdadeiro laboratório para observação privilegiada de múltiplas

experiências”.

Escutar/compartilhar esse diálogo/experiência a partir de seus próprios

atores nos fez ver, em uns, o esforço para assimilar os critérios da modalidade e

práticas a esta pertinentes; em outros, a resistência veemente à proposta, por

motivos diversos, como comprovam as falas. Embora as aceitações ainda nos

pareçam circunstanciais, mais decorrentes das necessidades reais dos sujeitos de

acesso a terra como “meio de sobrevivência” que propriamente pelo convencimento

quanto à importância do projeto, a perspectiva de mudança não deixa de ser

alvissareira pela dialeticidade entre as divergências e convergências de idéias e

práticas que nos parecem denotar um processo de (des)acomodação quanto à

posse e uso da terra por aqueles sujeitos.

Nesse sentido, esperamos que este estudo, que consideramos de

caráter exploratório, face a não conclusão do referido projeto, possa contribuir

para a construção/resgate/percepção de saberes socioambientais que estão

sendo gestados nos diversos cantos da Amazônia paraense, quiçá para uma

outra “cultura ambiental” de posse e uso da terra, daqueles sujeitos, em

particular, a partir de suas narrativas (falas, silêncios e vivências) individuais e

coletivas e traduzi-las a partir de uma análise crítica.

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Sujeitos/saberes que nos motivaram a garimpar em suas histórias:

sonhos, vivências, lutas, medos, enfrentamentos, recuos e principalmente suas

esperanças que denotam outra perspectiva de posse e uso da terra. Por isso

almejamos que essa narrativa enunciada tenha cumprido seu objetivo que, como no

dizer de Hart (2007, p. 16) “como modo de pensar e sentir, a narrativa usa o

conhecimento relatado na tentativa de dar significado aos modos pelos quais os

seres humanos compreendem o mundo e comunicam essa compreensão para os

outros”.

Almejamos que este trabalho tenha uma relevância social para aquele

contexto – assentamento, e que possa servir como elemento para a construção

de sua identidade e para reflexão dos sujeitos, como são olhados e

interpretados. Quanto à relevância pessoal e para a sociedade local deste

trabalho, destacamos nossa inserção de vida e trabalho com o campo, o que

sempre nos atrai para os temas pertinentes a esse espaço, enquanto

construção/resgate de saberes socioambientais que estão sendo gestados nos

diversos cantos da Amazônia paraense. Essa investigação, acerca dos referido

saberes, parece pertinente ao que Santos (2001, p. 47-48) discute, sob a ótica

do paradigma emergente: “todo conhecimento é local e total […], mas sendo total

é também local”, ao lançarmos um olhar sobre a “teia” histórico-cultural da

colonização local, a partir desses sinais de mudança.

Como amazônida, penso que cabe a nós pesquisadores a responsabilidade

cidadã de utilizarmos o acesso que temos ao espaço de construção e disseminação

de conhecimentos – a academia, não apenas com o intuito de adquirirmos uma

percepção teoricamente mais alargada sobre as problemáticas enfrentadas pelas

populações da nossa região, mas a oportunidade de nos instrumentalizarmos para

perceber como esses conhecimentos se constroem e quais os valores nos quais se

baseiam.

É necessário, porém, que encontremos nas Universidades espaços como o

que nos foi apresentado pela Linha de Pesquisa: Saberes Culturais e Educação

na Amazônia do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do

Estado do Pará, que corajosamente se lança e nos lança à oportunidade de

capturar saberes diversos, historicamente, ignorados, espoliado ou rechaçados

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pela “ciência moderna”, econômico, político, ideologicamente comprometida com

os interesses das classes dominantes.

Por fim, apresentamos algumas indicações de falhas quanto à condução

do assentamento PDS “Serra Azul” a partir do que vimos, do que ouvimos e do

que lemos, no decorrer deste estudo, que se traduzem em dificuldade à

emancipação do referido assentamento, quais sejam:

a) Morosidade na consolidação do assentamento, indicada por todos os

entrevistados e nas conversas informações ao longo do trabalho da pesquisa de

campo;

b) Ausência de estrada, assistência técnica, saúde e educação escolar de

qualidade, por parte dos órgãos competentes (federais, estaduais e municipais);

c) Carência de pactuação efetiva entre os assentados, lideranças, órgão

gestor, co-gestores em torno do PDS;

d) Falta de determinação do INCRA em resolver problemas relativos às

ocupações e usos irregulares da área, por atores que claramente não se encaixam

no perfil de “clientes de reforma agrária”;

e) Impasse entre órgãos gestor e co-gestores, que retarda e/ou inviabiliza

ações necessárias à implantação do assentamento em tempo hábil;

f) A intervenção do poder público municipal e de políticos locais, via

lideranças do próprio assentamento, visando desarticular a implementação do PDS.

Consideramos a ausência de celeridade no processo de implantação do

referido PDS o fator desmotivador de desejos e ações dos sujeitos quanto à

constituição dos novos saberes constitutivos de sustentabilidade ambiental nesse

lugar.

Apesar dessas e de outras prováveis falhas, elencamos abaixo algumas

manifestações que consideramos pertinentes à gestação de novos saberes por

esses sujeitos, apesar dos entraves políticos locais e institucionais ao projeto:

Preocupação crescente entre os moradores com o desmatamento abusivo,

com a preservação das nascentes e com a contenção da caça de animais silvestres;

Plantio de culturas permanentes, incluindo espécies nativas;

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Preocupação com o reaproveitamento da madeira dos roçados, com o bom

uso dos recursos da RL de seus lotes, por alguns, enquanto o manejo florestal não é

viabilizado;

Percepção de alguns moradores quanto à necessidade de um espaço

efetivo de socialização dos saberes práticos (usos dos cipós para a fabricação de

vassouras, cestos, técnica para tirar óleo de andiroba e outros etc.);

Criação de espaços de formação voltados para os aspectos técnicos,

políticos e práticos da modalidade, introduzidos por algumas lideranças.

Por enquanto, concluímos que a maior resistência dos sujeitos à referida

modalidade de assentamento é em relação ao tipo de posse/titulação coletiva e à

quantidade de terra destinada ao uso individual (agricultura). Que no caso do PDS

“Serra Azul”, segundo o LAF (2008, fl.115), a área de uso individual é de “12,0000

(doze) hectares” destinada ao uso de culturas temporárias, permanentes e

pequenas criações.

Quanto à forma de uso (culturas temporárias, permanentes, pequenas

criações), percebemos boa aceitação, embora em área reduzida, na concepção dos

sujeitos. Sobre o manejo florestal, alguns entrevistados não acreditam na sua

viabilidade sob a alegação de que as espécies para manejo de frutos, óleos

(castanha-do-pará, andiroba, copaíba etc.) e outros, serem escassas na área.

Enfim, o PDS “Serra Azul”, para uns, ainda soa como uma proposta inviável,

para outros, como uma possibilidade de uso ambientalmente correto da terra e

demais recursos naturais. Para nós, a priori, embora esta proposta, teoricamente, se

diferencie dos padrões de colonização aos quais estávamos acostumados, do ponto

de vista prático, acreditamos ser necessário um árduo exercício de gestão dos

atores envolvidos na implementação do projeto, órgãos co-gestores e assentados.

Entendemos que entre os desafios de implantação do PDS “Serra Azul”, estão, a

resolução dos conflitos de ordem institucional e os de ordem prática, relativo ao

provimento de infra-estrutura: estrada, escola, saúde, assistência técnica, crédito.

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APÊNDICES

APÊNDICE A – TERMO DE CESSÃO GRATUITA DE DIREITOS SOBRE FOTOGRAFIAS E DEPOIMENTO ORAL CEDENTE:..................................................................................................................... Idade:...............Sexo:.......Nacionalidade:..............................Naturalidade:.................. Estado Civil:.................... Profissão:................................., portador do RG nº.............. Órgão Emissor:.............................e do CPF nº......................................................... Residente:...................................................................................................................... CESSIONÁRIA: Universidade do Estado do Pará – UEPA, Centro de Ciências Sociais e da Educação – CCSE, Curso de Mestrado em Educação, Linha: Saberes Culturais e Educação na Amazônia, estabelecida à Trav. Djalma Dutra, S/N, Telégrafo, Belém-Pará. OBJETOS: fotografias registradas e entrevista gravada exclusivamente para o Curso de Mestrado em Educação da Universidade do Estado do Pará. DO USO: declaro ceder à Universidade do Estado do Pará – Mestrado em Educação sem quaisquer restrições quanto aos seus efeitos patrimoniais e financeiros a plena propriedade e os direitos autorais das fotografias e do depoimento de caráter histórico e documental que prestei à pesquisadora: Maria do Socorro Barbosa de Moura, na Comunidade - Assentamento “Serra Azul”, no município de Monte Alegre, Estado do Pará em,............/................../..........., num total de..................horas de gravação. A Universidade do Estado do Pará – CCSE, Curso de Mestrado em Educação, fica conseqüentemente autorizada a utilizar, divulgar e publicar, para fins culturais, o mencionado depoimento, no todo ou em parte, editando ou não, bem como permitir a terceiros o acesso ao mesmo para fins idênticos, segundo suas normas, com a única ressalva de sua integridade e indicação de fonte e autor.

Monte Alegre-Pa,..............de...........................de...............

........................................................................................................................................ Assinatura do depoente/cedente

TESTEMUNHAS:

1. .............................................................................................................................

2. .............................................................................................................................

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APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA

Sujeito:

Data:

Local:

Hora de início: Término:

Desenvolvimento sustentável (PDS):

O que entende por Desenvolvimento Sustentável e PDS?

O que pensa sobre a posse e uso da terra nessa modalidade?

Qual a crença na viabilidade da proposta/projeto na “Serra Azul”?

Sustentabilidade ambiental:

O que concebe como sustentabilidade ambiental?

Produtividade ecotecnológica:

Formas de cultivo (plantio, colheita, uso sustentável da terra e dos demais recursos)

que indicam essa possibilidade.

Educação ambiental:

Que aprendizagens têm adquirido com o processo de implantação do Projeto?

Considera ser essa, uma experiência de educação?

Essa teria validade para a educação escolar?

Saberes socioambientais:

O que têm aprendido/ensinado nas práticas produtivas e nas relações cotidianas do

assentamento? (aprendizagens individuais e coletivas)

Em que esses saberes têm se diferenciado, ou não, do que já sabia, a partir das

experiências anteriores? (técnicas de produção, tipos de plantio, manejo, uso

alternativo do solo e dos demais recursos naturais.)

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APÊNDICE C - PROPOSTA DE FICHA DE ANÁLISE DOCUMENTAL

Tipo de documento: Data de elaboração do documento: Assunto: Contexto e atores sociais envolvidos: Síntese dos objetivos: Outras informações pertinentes: Quem assina o Documento:

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APÊNDICE D – MATRIZ ANALÍTICA

SUJEITOS

CATEGORIAS TEÓRICAS

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL

PRODUTIVIDADE ECOTECNOLÓGICA.

EDUCAÇÃO AMBIENTAL

SABERES SOCIOAMBIENTAIS

CHARLES

LINDEUZA

“KIKO”

ANA ELMA

MILTON

“PARÁ”

ISAIAS

HELENA

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ANEXOS

ANEXO 01: A LENDA DA SERRA AZUL

Voltamos a reviver o final do século XIX ou início do século XX, época em que Monte Alegre, Estado do Pará, tinha os maiores rebanhos de bovinos. Coronéis mandavam e desmandavam em tudo e em todos, tempos estes em que as eleições para interventor (Prefeito hoje) eram feitas frente a frente com os candidatos, ou melhor, ambos conheciam seus eleitores. Os homens usavam como respeito maior, grandes e grossos bigodes, onde às vezes, um só fio do mesmo servia como fiança em grandes negócios. As mulheres usavam longos vestidos sobre fantasiadas anáguas e inspirados sutiãs, tais modos tinham o poder de deixar o sexo oposto desejoso em pensamentos tais como seria a fulana com vestido acima do joelho e a sicrana... Tudo isso os levavam à loucura e desses pensamentos nasciam os famosos versos em prosa em determinadas ocasiões e conseqüentemente a poesia propriamente dita.

Famílias tradicionais orgulhavam-se de seus poderes e, como ninguém ousava desafiá-los, faziam crescer a cada ano seus orgulhosos descendentes. Egoístas como eles eram, impossível!. Mas para outros, aqueles coronéis e suas famílias eram verdadeiros pais e, os defendiam com unhas e dentes, isto porque, viviam a mercê de seus mandatários, ou melhor, aquelas humildes criaturas não tinham sequer onde morar, portanto viviam de favor. Imperava na verdade, um sistema escravocrata de ambas as cores, não muito diferentes da contemporânea. A vida passava e tudo continuava da maneira como a aristocracia sempre desejou. Não surgia nenhum herói, não havia rebeliões, e muito menos se podia ao menos pensar em greve por melhores termos de vida.

Em uma dessas famosas fazendas, da família “Vasconcelos”, localizada entre a vila do Paituna e Ererê, mas conhecida por (Santana) tudo corria às mil maravilhas. O Patrão era muito benquisto por todos os empregados e muito mais respeitado pelos vizinhos e demais fazendeiros da redondeza, era um homem muito honesto, trabalhador e respeitador, que fazia aumentar seus prestígios a cada negócio, ou melhor, a cada embarque de grandes boiadas, destinadas aos maiores frigoríficos da capital.

A cada ano que passava maiores eram seus rebanhos e suas terras. Ali, tudo era motivo de alegria entre os empregados, que mesmo escravizados, pareciam felizes. Cada um tinha sua história pra contar e, haja tempo pra cada um contar sua história, assim o sono chegava mais cedo todos dormiam tranqüilos e seguros, depois de uma sessão de gargalhadas. Ao por do sol, todos os vaqueiros saiam a galopar cantando ou assoviando para conduzir a manada ao curral. Certo dia, aparece no meio da vaquejada, uma vaca completamente estranha e desconhecida de todos, sua presença não os intimidou, mas como de costume, acabou por virar o assunto da noite, cada um dizia uma coisa, e como não chegaram a acordo algum, decidiram por deixá-la presa junto com o rebanho. No amanhecer do dia seguinte, foi grande a surpresa de todos ao verificarem que só aquela vaca estava a remoer fora do curral. Pasmos e confusos diante daquela situação embaraçosa, resolveram participar ao patrão. Chamaram-no, ainda meio atordoado coronel Vasconcelos,

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também sem saber o que fazer decidiu por deixar tudo como estava e ordenou que aguardassem sua segunda ordem. Mandou emissários, um para cada fazenda vizinha com o objetivo de descobrir quem seria o dono de tal animal. De volta, seus ajudantes nada trouxeram de positivo, então tentando solucionar o problema temporariamente, deixou que os vaqueiros a deixasse junto com o gado novamente até aparecer o reclamante. No outro dia, ao amanhecer, lá estava a vaca outra vez fora, ele mesmo foi checar, laçou-a em duas cordas de couro e a recolheu novamente.

Um curioso vaqueiro levantou mais cedo para tirar leite, resolveu experimentar se a tal vaca também dava leite misterioso, uma vez que suas mamas pareciam está cheias, surpreendeu-se ao ver que ela tinha mesmo e, com fartura; mais surpreso ficou quando percebeu que quanto mais tirava mais leite aparecia e, em instantes encheu todas as vasilhas necessárias para a fazenda, inclusive para a venda na cidade.

Espantado, correu a chamar coronel Vasconcelos que, com sua ganância, determinou que de hora em diante a vaca misteriosa e boa de leite já lhes pertencia. Passaram-se seis dias e tudo já era passado, porém o assunto predileto dos empregados ainda era a famosa vaca. No sétimo dia, formou-se um grande temporal, relampejava, trovejava e, todos na fazenda acordaram espantados, sem se preocupar com nada, uma vez que tudo ali era muito bem feito e seguro.

Um dos vaqueiros, pela manhã, acordara chorando contando o que tinha sonhado: via um vaqueiro que chegava muito de mansinho, abria as porteiras do curral, laçava a vaca misteriosa, falava alguma coisa e toda a manada o seguia. Levantou-se e correu a olhar para o curral e quase caiu a gritar, que seu sonho era realidade. Correram todos ao curral e verificaram que suas porteiras permaneciam intactas, tais como haviam deixado. Formou-se então uma grande confusão. Saíram a procura do rebanho, seguindo-os pelos rastros, que iam ficando pelo chão molhado, depois de uma meia hora andando; perceberam que nada adiantaria, resolveram voltar e, apanhar seus cavalos para poder então continuar em sua missão. Galoparam e galoparam, atravessaram os campos do desterro, rumo à CAMP, até que os rastros embrenharam-se nas matas virgens, sem condições de prosseguirem, voltaram, já pensando em como iria reagir o coronel Vasconcelos. E este nervoso, reuniu todos os moradores de sua fazenda e perguntou:

- Existe por aqui algum homem de coragem? Ninguém respondia, até que um senhor já de idade avançada, conhecido pela

alcunha de Bandeira, respondeu: - Sim coronel eis aqui seu servo, dê suas ordens que este preto velho, há de

cumprir. O coronel então falou: prepare-se para fazer uma longa viagem.

- Já estou preparado, respondeu Bandeira. - Amanhã mesmo eu quero que você parta rumo àquela serra maldita e

descubra onde estão meus animais, mas só volte com notícias claras, viu? - Sim senhor patrão! O senhor manda. Bandeira então acendeu seu velho cachimbo de barro, que costumava dizer ser seu melhor amigo, trancou-se em seu aposento e começou a fazer suas orações prediletas, vindo a perceber que o rebanho de seu estimado amo, estaria indo rumo à Serra Azul, a fim de serem encantadas para sempre por um vaqueiro que já pertencera àquela fazenda no passado, ele havia sido encantado à dezenas de anos e, como seus patrões não

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fizeram questão de ao menos procurá-lo jurou vingar-se e estava acabando de cumprir com sua vontade, duro e quase impossível era aquela missão, mas para não desagradar seu estimado patrão resolveu partir. No quarto dia de manhãzinha, o sol ainda nem havia nascido e, aquele homem de cor negra, olhos grandes e castanhos, descendentes diretos de escravos, de uma estatura mediana e já de idade bem avançada, estava disposto a se tornar o grande herói entre tantos outros homens novos, fortes e corajosos, superficialmente ali existentes. Montou em seu cavalo predileto, e tomou rumo à tal Serra Azul, que se via como se fosse uma sombra infinita muito distante dali, mesmo sabendo que iria encontrar grandes dificuldades pela frente e, sem saber o rumo certo partiu. Anoiteceu já nos campos do desterro e ali mesmo procurou a maior árvore que havia, subiu e, lá no alto amarrou sua rede, fez suas orações e adormeceu pensativo, para só acordar com raiar do dia que brilhava no horizonte. Montou novamente em seu cavalo e lá se foi, parecia que aquelas matas virgens meias azuladas estavam ali para protegê-lo, caminhos estranhos abriram-se em sua frente, limpos e só dava para ir em frente de tão estreito que era, parecia que alguém ia limpando e iluminando com luzes coloridas aquele caminho, que o entusiasmava cada vez mais, sem saber o que se passava, Bandeira então, resolveu parar para comer algumas coisa e, quando olhou para frente se deslumbrou com a maravilha que havia, mas se assustou quando ao olhar para trás as matas haviam se fechado, tampando assim, qualquer pretensão de volta. Não havendo nada o que fazer, a não ser continuar sua galopada lá continuou, quanto mais caminhava, mais se maravilhava com toda aquela beleza da natureza. De repente começou a escurecer, porém, a noite era muito diferente daquelas que estava acostumado a passar; não havia lua, nem estrelas, mas uma misteriosa luz parecia estar em cada uma das folhas de toda aquela imensidão de árvores perfumadas.

Figuras celestiais faziam sua mente mais fortificada e com vontade de caminhar, sem perceber o que estava fazendo adormeceu. No amanhecer do terceiro dia, tudo voltava ao normal, havia o fabuloso caminho, ele encontrava-se no meio da mata fechada, deitado em cima das folhas caídas rodeado de animais silvestres e carnívoros, sem se amedrontar saiu a caminhar, puxando seu cavalo, até escurecer da noite. Subiu em outra árvore e lá no alto cuidou de atar sua rede e adormeceu. No quarto dia finalmente encontrou sinais de água, no centro daquela mata virgem, entre as raízes brotavam olhos d’água, que mais na frente formava a nascente de um grande estrondoso rio, com águas límpidas mansas e azuis como pérolas. Foi em frente e logo avistou uma grande árvore florida, cujo tronco havia um lindo rebanho bovino a saciar sua sede, parou, escondeu-se entre as árvores e ficou a observar. Entre os milhares de animais ali existentes, um se destacava, por ser branca como a neve e com ar de rainha do rebanho, que foi batizada por ele, como a vaca branca mãe do gado. Aquele animal parecia vestir-se com vários detalhes e, de repente ao piscar dos olhos, parecia ser aquela vaca que misteriosamente apareceu e raptou todo o gado de seu amo. Encarando com assombro todo aquele mistério que o rodeava, eram grandes árvores de pau d’arco florido e a perfumar o ar instantaneamente.

De repente, a voz de um vaqueiro ecoava ao longe e mesmo que procurasse saber de onde partia aquele grito-canção, que entristecia aquele cenário, que ora parecia ser o céu, ora um cemitério abandonado. Gritando, urrando lá se foi o rebanho e seu invisível vaqueiro rumo ao pico da serra até desaparecer de seus

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olhos. Subiam em uma árvore e ali passou a noite na ânsia do amanhecer do dia seguinte.

Seis horas da manhã e lá se vinha o vaqueiro e seu rebanho, semelhante a uma grade família que cantarolando vinha retornando ao lar. Chegaram embaixo da árvore em que ele estava e todos aqueles animais caíram no rio para o banho matinal, ao mesmo tempo em que urravam alegremente, lá do centro, a voz do vaqueiro continuava a dominar, aquele som harmonioso que ia fazer eco lá nas laterais da enorme serra, que ao longe apontava seu esplendor.

Lá no alto da árvore, Bandeira não sabia o que fazer. O sol já se punha e nada do rebanho voltar, com muita fome e sede, resolveu então matar uma vitela das mais bonitas e gordas, já estava com água na boca, só em imaginar saborear aquela carne gostosa e macia. Engatilhou sua cartucheira, mirou e apertou o gatilho. – Buuuuuuum!!! A bala foi se alojar bem na testa do animal que logo começou a rodopiar e a chorar como se fosse um ser humano. Imediatamente, todos os outros vieram para perto e começaram uma sessão de urros, que misturados aos gemidos e lamentos, ele mesmo não suportou e chorou também.

Decorria o mês de setembro, o verão era forte na região, a única fonte por ali parecia ser aquela, cujo local estava naquele momento de luto. Em baixo do pau d’arco em que ele estava sem poder descer nem ao menos se mexer. Sete dias já decorridos e seu Bandeira lá, preso, sem dormir, sem comer, sem beber, sem tudo isso estava ao ponto de cair de tanta fraqueza, sem contar com o mal cheiro que exalava do animal morto.

A vaca branca mãe do gado, não sossegava, passava dia e noite a urrar e dar chifradas no tronco da árvore, de vez em quando cheirava aqueles ossos e, a cada cheiro mais furiosa ficava. De repente lá do meio do rebanho, surgiu um grito de guerra, a poeira levantou no ar e uma sombra corria abrindo caminho rumo ao tronco da árvore em que estava. Parou junto á vaca branca e uma faísca riscou no céu, como relâmpago, dando forma esquelética a ambos. Diante daquelas figuras, seu Bandeira sentiu medo pela primeira vez na vida, seus cabelos arrepiaram-se, suas mãos trêmulas e, só não gritava porque de nada adiantaria. Aquelas duas assombrações ficaram ali, como a lamentar o acontecido e com os olhares pedindo vingança.

Lá na fazenda, o coronel Vasconcelos temendo a morte, o desaparecimento do seu servidor, organizou uma comitiva de três homens, muito mantimento, armas e água e os enviou a procura de seu Bandeira. Dois dias caminharam por trilhas sem rumo, até que finalmente encontraram a outra margem do rio, caminharam pelas orlas, admirando aquela água azul clara que corria maravilhosamente contra o vento. O silêncio era tal que se permitia ouvir o cantar dos pássaros mais distantes. Quando, um gemido misturado com lamentações passou a tomar conta do silêncio imperativo do lugar.

Tomaram a direção exata e de longe avistaram, engatado lá no alto da árvore, quase a despencar aquela figura humana e, em baixo, a vaca branca mãe do gado, furiosa a ciscar no chão e a dar chifrada no tronco da árvore. Pararam para melhor ver e decidiram então atirar para o alto, os três ao mesmo tempo. Com o zumbido do tiro a vaca espantou-se e saiu correndo, até desaparecer nos campos infinitos da Serra azul. Desceram o seu Bandeira praticamente morto, fizeram uma grande fogueira e o aqueceram, depois lhe deram água e viram-no voltar a vida, como a

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noite já se apresentava, cuidaram de fazer um pequeno tapiri para o repouso noturno.

A escuridão tomou conta do lugar fazendo com que o claro da fogueira chamasse a atenção dos habitantes locais.

Era por volta da meia noite quando ao longe um grito, parecia ser humano, mas alguma coisa de estranho já se podia perceber. Pensaram em responder, mas não responderam. Depois de discutirem o assunto resolveram não responder, mas sim ir ao encontro, com muita cautela e separados. Arrumaram-se e puseram-se a caminhar. Aquele grito ecoava no ar silencioso, como se fosse um pedido de socorro. Fazendo um enorme barulho lá se vinha aquele grito estranho, já podia se vê de onde vinha e de quem. Era um ser, que mais parecia um gorila, andava de pé, tinha o corpo coberto de pelos amarelados e andava curvado, quase não podia andar de tão pesado que parecia, deixaram-no passar e o seguiram, quando chegaram no tapiri aquele ser bruto, com um pé apenas o destruiu e com o outro tentava apagar o fogaréu e se queimou todo, saindo a correr mato adentro, para logo desaparecer no matagal. Seguiram-no até o seu habitat natural que ficava na extremidade da serra, era uma choupana, feita de enormes troncos e folhas secas.

Lá foi chegando e se jogando tugúrio adentro, até ser socorrido por outro membro da família, que fazendo alarme o socorreu batendo-lhe com galhos de árvores até apagar o fogo que o consumia. Ficaram ali a observar de longe e, descobriram que aquele lugar era habitado por tribos indígenas até então desconhecidas e, ao oeste da serra ficavam suas ocas e malocas aquele tapiri, um pouco isolado significava alguma coisa que haveria de descobrir, depois de pensarem de como iriam agir, decidiram tomar o caminho de volta para a fazenda do seu amo.

No caminho conversando sobre o assunto, seu Bandeira que até então não havia falado nada, resolveu opinar dizendo que aquele ser bruto era um jurupari, ou melhor, eram um casal de velhos índios feiticeiros, que haviam adquirido poder de ultrapassar o limite da idade e, que eram expulsos por seus descendentes na briga pelo poder. Quando chegaram à fazenda, contaram tudo a seu patrão, que mesmo indignado com a perda de suas reses, acabou por aceitar achando que tudo aquilo era uma obra do destino, mesmo porque aquela vaquejada pouco significava diante de tantas outras que possuía. Bandeira desde então passou a ser um dos mais famosos médiuns de toda região e, seus trabalhos dignos e poderosos incorporaram o espírito da famosa vaca mãe do gado e, que tinha como prenúncio tal hino:

Do seu reino encantado Chegou, chegou... A vaca branca mãe do gado Do gado, do gado... Trazendo harmonia a todos Os sofridos e oprimidos Chegou, chegou A vaca branca mãe do gado. Depois curava a todos que o procurava, para terminar a cada noite de seus

trabalhos em choro e lágrimas vindo a falecer exatamente em uma noite de muito luar e milhares de estrelas no céu que pareciam estar a sua espera lá no outro mundo. Que Deus lá o tenha.

Autor desconhecido.

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ANEXO 02:

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ANEXO 03:

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ANEXO 04:

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ANEXO 05:

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ANEXO 06:

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ANEXO 07:

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ANEXO 08:

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ANEXO 09:

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ANEXO 10:

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