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MARIA GORETE OLIVEIRA MEDEIROS VASCONCELOS AVANÇOS E DESAFIOS NA REDE DE ATENÇÃO ÀS SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: A experiência de São José dos Campos MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP SÃO PAULO 2009

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MARIA GORETE OLIVEIRA MEDEIROS VASCONCELOS

AVANÇOS E DESAFIOS NA REDE DE ATENÇÃO ÀS

SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E SEXUAL

CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES:

A experiência de São José dos Campos

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

SÃO PAULO

2009

2

MARIA GORETE OLIVEIRA MEDEIROS VASCONCELOS

AVANÇOS E DESAFIOS NA REDE DE ATENÇÃO ÀS

SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E SEXUAL

CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES:

A experiência de São José dos Campos

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como

exigência parcial para obtenção do título de Mestre em

Psicologia Social, sob a orientação do Professor Doutor

Raul Albino Pacheco Filho.

SÃO PAULO

2009

3

AVANÇOS E DESAFIOS NA REDE DE ATENÇÃO ÀS

SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E SEXUAL

CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES:

A experiência de São José dos Campos

MARIA GORETE OLIVEIRA MEDEIRO VASCONCELOS

BANCA EXAMINADORA

____________________________

____________________________

____________________________

Defendida e aprovada em ___/____/2009.

4

DEDICATÓRIA

Cada linha com amor para o meu filho Pedro, pela esperança, força, e confiança de que dias

melhores virão.

Obrigada por você existir e por ter estado comigo nessa trajetória de mudanças e por

compreender as ausências, os momentos de tristeza e por trazer cotidianamente alegria para a

minha vida.

A todas as crianças do meu país, no desejo de que seus direitos sejam preservados e de que a

alegria da infância esteja sempre presente em nossas vidas.

A Sabrina e a todos os profissionais que aceitaram o convite de contribuir com essa pesquisa,

por meio de seus depoimentos, meu eterno agradecimento e carinho.

5

AGRADECIMENTOS

O momento de agradecimento nos remete ao início dessa viagem, permeada por momentos

distintos de alegrias, de descobertas, de retorno à Universidade e também marcado por

momentos de mudanças bruscas, despedidas e dores.

Em meio a essa travessia, por um longo e doloroso deserto, encontrei vários oásis, que

representam o oxigênio, a força, a vitalidade e o apoio na hora certa. Esse tesouro encontrado

e reencontrado em cada etapa dessa trajetória foram amigos e familiares, pacientes e

confiantes durante esse trajeto. Sem o apoio de vocês com certeza eu não teria conseguido.

Portanto, o carinho, a amizade e a gratidão por vocês são imensos e sempre estarão presente

em meu existir.

Na bagagem levarei sempre comigo as lições aprendidas, os acertos e desacertos e a certeza

de que apesar de tudo valeu a pena!

São muitas pessoas a agradecer, espero não esquecer ninguém, porém se porventura a

memória me trair, queiram desculpar-me e saibam que estarão registrados em meu coração.

Ao Departamento de Pós Graduação em Psicologia Social da Universidade Católica de São

Paulo a Equipe de Professores e em especial à Profª. Drª. Mary Jane Spink e a querida e

atenciosa Marlene.

Ao CNPQ pela bolsa de estudos concedida, a qual viabilizou essa pesquisa.

Ao meu Orientador Profº Dr. Raul Albino Pacheco Filho, pelas lições aprendidas e pela

compreensão durante todo esse processo.

Um obrigado especial a todos o colegas da Pós Graduação e do Núcleo de Psicanálise e

Sociedade, pelas trocas, pelo companheirismo e pelo aprendizado (Margarete Carlinha, Gui,

Cinara, Gêison, Sylvio Ferreira, Taeko, Fuad, Cris Sumita, Cria Andreotti, Graciela e

Gabriela, Alessandro, Vinícius, Celso).

Em especial, às queridas amigas, irmãs - Margarete Marques e Jaqueline Maio - que

estiveram presentes em toda essa trajetória e principalmente nos momentos mais difíceis.

Aos colegas e Consultores do Instituto WCF - Childhood Brasil, pela confiança, apoio,

desafios e, sobretudo pela oportunidade profissional: Ana Drummond, Carolina Padilha,

Itamar Batista, Mônica, Tatiana, Flora, Ana Sílvia Claudio Hortêncio, Aparecida Barbirato,

6

Rose Myahara, Margarete Marques, Jaqueline Maios, Zé Carlos, Isa Guará, Isabela, Tauly,

Neusa, Eva e Elder.

Aos queridos profissionais e amigos da Rede de Proteção de São José dos Campos, que não

mediram esforços para contribuir com essa pesquisa, obrigada pelo acolhimento, amizade,

profissionalismo e solidariedade: Mônica, Hélio, Ana Carla, Verônica, Rosane, Luigi, Sueli,

Rosa, Marlene, Abud, Gilberto, Sandro, Lúcia, Silvério, Augusta, Rogério, Dora, Emídia,

Cris, Michele, Sônia, Mariza, Silvério, entre tantas outras pessoas queridas.

Às professoras Cristina Vicentim, Tatiana Landini, Renata Libório, Isa Guará, Catarina Koltai

e Maria Lúcia Leal, pelo apoio, aprendizado e ética.

Aos colegas e amigos pelo acolhimento e sonhos compartilhados: Créu, Welinton, Rô,

Claudinha, Cláudia Fígaro, Zé Carlos Garcia, Tadeu, Alex, Claudio Cohen, Théo Lerner,

Sandra Paulino, Alex, Tadeu, , Marcelo Neuman, Simone Malak,, Analene, Edilenie, Raniere,

Denise, Marisa, Rejane, Ana Lúcia, Dilma Felizardo, Neuma Lúcia, Joelma, Fernando Silva,

Eliane, Zélia, Jozélia, Madalena Fucks, Ademar Marques, Ana Luiza, Chris Gesteira, Ana

Lúcia, Silvino, Malú, Gabi, Juliani, Eleonora, Inês, Joelson, Bárbara, Rosana, Juliani

Loureiro, Michelle Lima, Inês, Rosana, Roseane Miranda e tantos outros...

A Ede Oliveira por tudo que aprendi com você, pela escuta assertiva e pelo cuidado e

acolhimento durante os anos em que vivi em São Paulo.

A Pedro Leonardo, por me escutar e acolher em Recife, neste momento de transição.

Às queridas Lourdes, Nice, Isaura e suas famílias, pela dedicação, fidelidade e amor

dedicados a minha família e em especial ao meu filho, durante todos os anos em que vivi em

Sampa.

Enfim, a minha querida família:

Ao Marinho pelo companheirismo, sonhos compartilhados, compreensão e amor dedicados ao

nosso Pedro.

A Pathy, Paulinha, Artur e Willian, com quem aprendi a por em prática o conceito de família

ampliada, de solidariedade e companheirismo.

Aos queridos Detinha e Lusinete e aos meus avós Amara, João Alexandre, Tita, e Hipólito in

memorian.

7

À minha mãe, pelo amor, solidariedade, presença e exemplo de luta e alegria.

Ao meu pai pela vida, simplicidade e carinho.

À minha querida tia Nair pela crença e amor dedicados a mim, presença incondicional em

todos os momentos e aos meus tios Carlos, Jaziel, Anunciada e Totó, que me fazem lembrar

os bons tempos da infância em Frei Miguelinho.

Ao meu irmão Junior, à minha cunhada Marcina e aos meus amados sobrinhos Igor e Marina,

com quem vivencio momentos de alegria, solidariedade e por representarem juntamente com

o Pedro a continuidade da nossa família.

8

CANTO DOS EMIGRANTES

Alberto Cunha Melo

Com suas palavras

Com seus pássaros,

Ou a lembrança de seus pássaros,

Com seus filhos

Ou a lembrança de seus filhos,

Com seu povo

Ou a lembrança de seu povo,

Todos emigram

De uma quadra a outra do tempo,

de uma praia a outra do Atlântico,

de uma serra a outra

das cordilheiras,

todos emigram,

9

para o corpo de Berenice

ou para o coração de Wall Street,

para o último templo

ou a primeira dose de tóxicos

para dentro de ti

ou para todos, para sempre

todos emigram.

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RESUMO

VASCONCELOS, Maria G. O. M. - Avanços e Desafios das Políticas Públicas na Rede deAtenção às Situações de Violência Doméstica e Sexual contra Crianças e Adolescentes: aexperiência de São José dos Campos. São Paulo, 2008, 141 p. Dissertação de Mestrado,Departamento de Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

A presente dissertação visa desenvolver uma discussão acerca dos avanços ocorridos nas

redes de atenção a crianças e adolescentes em situação de violência doméstica e sexual e

problematizar os desafios ainda encontrados nesse campo para efetivamente cuidar, proteger,

diagnosticar e acolher essas situações. Para tanto, a autora partiu da realidade de um

município paulista, São José dos Campos, onde viveu a experiência do desenvolvimento de

um projeto de articulação e formação especializada para a Rede de Atenção Integral à Criança

e ao Adolescente.

O texto apresenta uma breve história da violência sexual contra crianças e adolescentes, em

seus aspectos legais, conceituais e de mobilização social. Traz em seguida uma discussão

sobre políticas públicas, em sua relação com as redes sociais e o Sistema Único de Assistência

Social (SUAS). Este último é apresentado em suas diferentes dimensões, nas quais estão

inseridas o atendimento às situações de violência sexual contra crianças e adolescentes.

Autores como Hannah Arendt, Zizek, Gonçalves, Whitaker, Tschiedel e Brandt, Mynaio,

Gabel, Cromberg, Faleiros, Gomes, Sousa, Leal, Libório e Landini são utilizados como

fundamentação da discussão ao longo do texto.

A experiência de São José dos Campos é relatada pela autora, com foco no serviço de

atendimento à violência doméstica e sexual contra crianças e adolescentes e partindo da sua

experiência, e de entrevistas com diferentes atores da Rede de Proteção Integral do município.

Foram entrevistados nove profissionais e uma adolescente, com o objetivo de compreender

como aconteceu a estruturação da política municipal de proteção especial às situações de

violência doméstica e sexual. Na companhia de autores como Sandór Ferenczi e Motta,

Donzelot foi desenvolvida a análise das entrevistas. Essa análise permite considerar,

finalmente, que, embora tenham acontecido avanços importantes e significativos, há ainda

grande dificuldade na rede de São José dos Campos para atender integralmente às situações

de violência contra crianças e adolescentes. Essas dificuldades não estão relacionadas apenas

à fatores específicos desse município, mas à própria complexidade do tema tratado, que ainda

desafia profissionais em todo o mundo.

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Palavras Chave: Violência doméstica e sexual, Políticas Públicas, redes sociais.

12

ABSTRACT

VASCONCELOS, Maria G. O. M. - Public Policies Achievements and Challenges at theAttention Network to Domestic and Sexual Violence Situations against Children andAdolescents: the experience of São José dos Campos. São Paulo, 2008, 141 pp. Master’sDegree Dissertation, Department of Social Psychology, Pontifical Catholic University of SãoPaulo - PUC/SP.

The objective of this dissertation is to propose a discussion about the achievements in Public

Policies in terms of the attention to domestic and sexual violence against children and

adolescents, and to discuss the challenges that can still be found in this area to effectively take

care, protect diagnostic and shelter people in this situation. In order to do it, the author was

based on the reality of a São Paulo’s city, São José dos Campos, where she have had the

experience of developing a project of articulation and specialized education for the Network

of Integral Attention for children and adolescents.

The text presents a brief history of sexual violence against child and adolescent, in its legal,

conceptual and social mobilization aspects. After that, the text opens a discussion on public

policies, in relation with social networks and the Unified System of Social Assistance

(SUAS). This last, for instance, is presented in its different dimensions, where the assistance

to sexual violence against children and adolescents is included. Authors such as Hannah

Arendt, Zizek, Whitaker, Tschiedel and Brandt, Mynaio, Gabel, Cromberg, Gomes, Faleiros,

Sousa, Leal, Libório e Landini are the discussion reference.

The experience of São José dos Campos city is narrated by the author, focusing the

specialized service of attention to domestic and sexual violence against children and

adolescents, grounded on the author’s experience and on interviews with different actors from

the Children and Adolescents Integral Attention Network. Nine professional and an

adolescent were interviewed in order to comprehend how was structuring the city's policy for

special protection on the situations of domestic and sexual violence. Accompanied by authors

such as Sandór Ferenczi, Motta and Donzelot, author proceeds to the interviews’ analysis.

Finally, this analysis takes to a consideration that, although there have been many important

improvements and achievements, there is still significant difficulties in São José dos Campos’

Attention Network in order to take care integrally of the violence issues against children and

adolescents. These difficulties are not exclusively related to the city’s particularities, but

mostly to the complexity of the issue (sexual violence against children and adolescents) that

challenges workers all through the world.

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Key Word Key Words: Sexual and Domestic Violence; Public Policies, Social

14

SUMÁRIO

RESUMO .................................................................................................................................10

ABSTRACT .............................................................................................................................12

Introdução .................................................................................................................................17

Capítulo I - Metodologia ..........................................................................................................22

Capítulo II - Um pouco de História da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes:

Legislação, Movimentos Sociais e Conceitos ...........................................................................28

2.1 - Do Direito do Menor ao Estatuto da Criança e do Adolescente .......................................29

2.2 - Marcos Históricos e Legais da Violência Doméstica e Sexual .........................................33

2.3 - Violências e a Violência Doméstica e Sexual ..................................................................40

2.4 - Violência Doméstica .........................................................................................................44

2.5 - Abuso Sexual ou Incesto? .................................................................................................46

2. - Exploração Sexual Comercial .............................................................................................50

2.7 - Prostituição .......................................................................................................................54

2.8 - Turismo com Motivação Sexual .......................................................................................57

2.9 - Tráfico e Venda de Crianças para Propósitos Sexuais ......................................................58

2.10 - Pornografia Infantil ..........................................................................................................61

Capítulo III - Políticas Públicas, Redes Sociais e o Sistema Único de Assistência Social ........63

3.1 - Conversando sobre a relação entre Política, Estado e Ideologia .......................................64

3.2 - Conversando sobre a relação entre Políticas Públicas e Redes Sociais .............................67

3.3 - Políticas Públicas e o Sistema Único da Assistência Social - SUAS .................................73

3.4 - Estrutura do Sistema Único de Assistência Social - SUAS ...............................................75

15

3.5 - Princípios e Diretrizes do SUAS ......................................................................................79

3.6 - Serviço de Proteção Social Básica ....................................................................................81

3.7 - Serviço de Proteção Social Especial .................................................................................82

3.8 - Matricialidade Sócio -Familiar .........................................................................................83

3.9 - O SUAS e o Controle Social ............................................................................................85

3.10 - Eixos Estruturantes do Sistema de Garantia de Direitos ................................................86

3.11 - Eixo Promoção ...............................................................................................................87

3.12 - Eixo Controle ..................................................................................................................87

3.13 - Eixo Defesa .....................................................................................................................88

3.14 - Estruturação da Rede de Proteção ..................................................................................89

Capítulo IV - Redes de Proteção no Município de São José dos Campos: um estudo de caso .92

4.1 - A rede d proteção integral à criança e ao adolescente em São José dos Campos .............93

4.2 - Um pouco da história de São José dos Campos ................................................................94

4.3 - Programa de atendimento à violência doméstica e sexual contra crianças e adolescentes .

....................................................................................................................................................96

4.4 - A Chegada do Programa Refazendo Laços de Proteção no Município ............................97

4.5 - Gestão do Programa ..........................................................................................................98

4.6 - Capacitações ....................................................................................................................100

4.7 - Composição da Rede .......................................................................................................101

4.8 - Formação da Rede de Proteção em São José dos Campos ..............................................103

4.9 - Desafios e recomendações ...............................................................................................104

4.10 - Pontos positivos .............................................................................................................104

4.11 - Questões e problematizações .........................................................................................105

4.12 - Indicações para continuidade do Programa Refazendo Laços em São José dos Campos..

16

................................................................................................................................................106

4.13 - Recomendações visando à replicação ...........................................................................107

4.14 - Situação atual do Programa Refazendo laços de Proteção no município de São José dos

Campos ....................................................................................................................................108

Capítulo V - O funcionamento da Rede no Caso analisado: virtudes, fragilidades e tensões .112

5.1 - Contextualização .............................................................................................................112

5.2 - Sabrina - Adolescente .....................................................................................................114

5.3 - Sistema de Justiça ............................................................................................................124

5.4 - Sistema de Justiça ............................................................................................................128

5.5 - Gestor ..............................................................................................................................131

5.6 - Gestor ..............................................................................................................................134

5.7 - Sistema de Saúde .............................................................................................................136

5.8 - Programa Especializado no Atendimento à Crianças e Adolescentes em situação de

Violência Doméstica e Sexual .................................................................................................138

5.9 - Conselho Tutelar .............................................................................................................141

5.10 - Gestor ............................................................................................................................144

5.11- Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente .....................................147

5.12 - Fechamento da Análise das Entrevistas .........................................................................150

Considerações Finais ................................................................................................................153

Referências Bibliográficas .......................................................................................................157

Glossário...................................................................................................................................167

Anexo A....................................................................................................................................170

Anexo B....................................................................................................................................180

Anexo C....................................................................................................................................194

17

INTRODUÇÃO

Criança é coisa séria!

A criança é o princípio sem fim.

O fim da criança é o princípio do fim.

Quando uma sociedade deixa matar as crianças,

é porque começou o suicídio como sociedade.

Quando não as ama

é porque deixou de se reconhecer

como sociedade.

Herbert de Souza, 1991

A presente pesquisa tem uma relação direta com a minha trajetória profissional, sendo

a mesma uma produção acadêmica motivada a partir da minha experiência prática.

Nos últimos 20 anos, desenvolvi trabalhos com crianças e adolescentes vulneráveis à

violência doméstica e sexual, além de participar de vários movimentos sociais. Na década de

oitenta, período que antecedeu a elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei

8069/90, fiz parte da equipe multidisciplinar do Departamento de Polícia da Criança e do

Adolescente, atualmente, Gerência de Polícia da Criança e do Adolescente do Estado de

Pernambuco1.Na citada organização, atendíamos, cotidianamente, crianças e adolescentes em

situação de vulnerabilidade2. Assim, foi a partir da escuta a esses sujeitos, que identificamos

os motivos pelos quais muitas crianças fugiam de suas casas para viver nas ruas. Em suas

histórias de vida, apareciam relatos de agressões e de abusos sexuais praticados, geralmente,

por seus pais no ambiente familiar.

1 O Departamento de Polícia da Criança e do Adolescente, atualmente Gerência de Polícia da Criança e do Adolescente no

Estado de PE, é um dos órgãos oficiais do Sistema de Garantia de Direitos.

2 Considera-se o conceito de vulnerabilidade “como o resultado negativo da relação entre a disponibilidade dos recursos

materiais ou simbólicos dos atores, sejam eles indivíduos ou grupos, e o acesso à estrutura de oportunidades sociais,

econômicas, culturais que provêem do Estado, do mercado e da sociedade. Esse resultado se traduz em debilidades ou

desvantagens para o desempenho e mobilidade social dos atores” (Vignoli, 2001; Figueira, 2001 apud Abramovay, 2002,

p.29).

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Esses fatos determinavam as recorrentes fugas de casa, mobilizando toda a equipe em

busca de alternativas de acompanhamento para essas crianças e os seus familiares, além de,

também, serem tomadas todas as providências jurídicas referentes a cada caso atendido.

Apesar da sensibilidade dos profissionais para com os problemas e dramas em tela,

deparávamo-nos com limites pessoais e institucionais, com uma estrutura de rede frágil para

acompanhar - de forma singular - cada caso3, além de uma formação técnica-científica

insuficiente para a intervenção em uma temática tão complexa.

Na prática, observávamos que as crianças e os adolescentes eram encaminhados para

as suas famílias de origem sem terem a garantia de um acompanhamento4, ocasionando fugas

posteriores e a instalação de um círculo vicioso e cronificante de rua-casa-rua, o que, na

maioria das vezes, contribuía para a identificação dessas crianças com a rua e com o seu

universo sedutor. Geralmente, nesse percurso, acontecia o inevitável encontro com o mundo

das transgressões, ocorrendo, muitas vezes, o envolvimento com as drogas e com os agentes

aliciadores de redes criminosas, como o tráfico de drogas e a exploração sexual. Para as

meninas, o caminho da prostituição se apresentava como uma das possibilidades de

sobrevivência, assim como o envolvimento dos meninos com a prática de pequenos delitos.

Essas experiências de vida, vivenciadas a céu aberto, nos levaram a estudar o tema da

violência doméstica e sexual contra a criança, no qual descobrimos a clínica de orientação

psicanalítica como possibilidade ímpar de escuta e acolhimento ao sofrimento das crianças e

das famílias. Nessa época, já identificávamos a importância da interdisciplinaridade no

acompanhamento dessas situações, além da necessidade de ações complementares em rede,

com interfaces entre as áreas da saúde, da justiça, do social e do político. Essa prática tinha,

como pressuposto teórico, a “Incompletude Institucional”, de acordo com as concepções

teóricas do profº. Antonio Carlos Gomes da Costa e com o modelo de intervenção instituído

pelo Sistema de Garantia de Direitos – Estatuto da Criança e do Adolescente / ECA.

3 Na década de 80, quando trabalhava na DPCA, dispúnhamos de poucos técnicos para acompanhar de forma individualizada

todas as crianças e adolescentes, embora a nossa missão institucional fosse de triagem, apoio breve e encaminhamento. Os

casos eram encaminhados para a Rede de Serviços e geralmente ficavam numa longa fila de espera.

4 Termo empregado no sentido de que a falta de uma estrutura de retaguarda na rede de atenção integral, principalmente nas

comunidades, nas famílias de origem das crianças, associadas à falta de vagas nas escolas, nos centros de saúde e nos

dispositivos comunitários, favorecem a volta das crianças para as ruas.

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Na década de 90 e no século atual, vem acontecendo um esforço significativo por

parte do poder público e das ONGS na tentativa de estruturar políticas públicas que garantam

o atendimento especializado à violência doméstica e sexual. Embora haja vontade política,

ainda se observa uma carência de equipes multidisciplinares em formação continuada, para,de

fato, atender as necessidades de acolhimento, acompanhamento e proteção que as situações de

violência doméstica e sexual exigem.

Esse aspecto relaciona-se ao objetivo desta pesquisa, que consiste em observar se os

serviços existentes, na rede de proteção do município de São José dos Campos, estão

respondendo à função de cuidado e proteção, diagnosticando, acolhendo e atendendo as

situações de violência sexual contra crianças e adolescentes, respeitando as condições

peculiares de desenvolvimento, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Esses questionamentos foram delineando a estruturação do problema desta pesquisa, o

qual foi se configurando a partir da oportunidade da pesquisadora em participar e observar o

desenvolvimento de algumas metodologias de intervenção nas situações de violência

doméstica e sexual. Essa experiência possibilitou o contato direto com as lacunas existentes

no Sistema de Garantia de Direitos, o qual deveria estar estruturado para atender de forma

integral a criança e o adolescente, o que, na prática, não acontece em sua totalidade, já que

crianças e adolescentes expostos à exploração sexual geralmente não conseguem garantir o

seu acompanhamento nessas instituições, as quais justificam que os mesmos não querem

aderir à proposta institucional. Nesse sentido, a doutrina da proteção integral - preconizada no

sistema de garantia de direitos - estabelece o trabalho em rede como condição sine qua non

para o funcionamento desse sistema. Então, indagamos: a rede está aí? Como funciona? Quais

são os desafios para a sua implementação?A relevância social desta pesquisa relaciona-se à

existência de inúmeros desafios para garantir o funcionamento da rede de proteção à criança e

ao adolescente com foco na violência doméstica e sexual. Embora tenham sido lançados os

Planos Nacional, Estaduais e Municipais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-juvenil

e instaladas CPIs e CPMIs, que apresentam extrema importância na estruturação das políticas

– a exemplo do SUAS e SUS – estes não garantem a qualidade do atendimento. Essa

qualidade está relacionada ao funcionamento de redes locais integradas e com profissionais

especializados, comprometidos e em formação continuada.

Nesse sentido, esta pesquisa tomará os dados como algo que ajudará a tornar concreto

o fenômeno em questão, porém nos debruçaremos não sobre os números, mas sobre o

20

funcionamento da rede de proteção e sobre as tensões e os possíveis avanços advindos da

dinâmica de funcionamento deste sistema. O relato dos profissionais e a história de vida de

uma adolescente - usuária dos diferentes serviços desta rede de proteção -, ou seja, Conselho

Tutelar, Delegacia, Vara da Infância e Juventude, Centro de Referência, Unidade de Saúde,

Abrigos e ONGS contribuirão para a análise dos pontos de tensões, das fragilidades e das

potências deste sistema na estruturação das políticas públicas.

Para viabilizar esta pesquisa, respondendo às questões apresentadas, foi realizado um

estudo de caso a partir da experiência da rede de proteção do município paulista de São José

dos Campos. Foram entrevistados profissionais do Sistema de Garantia de Direitos e uma

adolescente, atendida pelos diferentes serviços dessa rede.

No capítulo I abordaremos a metodologia adotada para a realização da pesquisa, a qual

abrangeu a análise da estruturação da política de atendimento às situações de violência

doméstica e sexual contra crianças e adolescentes no município de São José dos Campos.

No capítulo II, abordaremos os aspectos legais, históricos e conceituais da violência

doméstica e sexual contra crianças e adolescentes. Situaremos o cenário internacional e

nacional, bem como a contextualização das CPI de 1993, da CPMI de 2001 e dos movimentos

sociais no enfrentamento a esse fenômeno.

No capítulo III, discorreremos sobre redes sociais e sua importância no atendimento

integral de crianças e adolescentes em situação de violência doméstica e sexual. Ainda,

abordaremos os desafios e as conquistas do Brasil na estruturação das políticas públicas, com

foco na violência doméstica e sexual, numa perspectiva de rede. Destacaremos o Sistema

Único de Assistência Social (SUAS), como política pública nacional, em processo de

estruturação, visando a garantir o atendimento especializado nas situações de violência

doméstica e sexual.

No capítulo IV, apresentaremos um estudo de caso sobre a experiência do município

paulista de São José dos Campos, na implantação da política municipal de enfrentamento à

violência doméstica e sexual contra crianças e adolescentes.

No Capítulo V, analisaremos as entrevistas realizadas com uma adolescente atendida

pela rede de proteção do município de São José dos Campos e as entrevistas realizadas com

os profissionais que compõem o Sistema de Garantia de Direitos desta cidade, ocupando

21

posições diferentes nesta estrutura. Esses profissionais atuam no âmbito da saúde, da justiça,

da assistência, dos conselhos, da gestão e da proposição de políticas. Por meio das falas e das

vivências da adolescente - enquanto usuária destes serviços - e dos profissionais - enquanto

cuidadores e operadores das políticas públicas, visando ao atendimento integral, conforme

estabelecido no ECA, - Lei 8069/90, pretendemos analisar os desafios e as possibilidades do

trabalho em rede na garantia da proteção integral de crianças e adolescentes.

Finalizando nosso trabalho, faremos as considerações finais, procurando apontar

possibilidades na prevenção, atenção integral e estruturação das políticas de enfrentamento à

violência doméstica e sexual contra crianças e adolescentes.

22

CAPÍTULO I

METODOLOGIA

Sim, meu coração é muito pequeno.

Só agora vejo que nele não cabem homens.

Os homens estão cá fora, estão na rua.

A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu

esperava.

Mas também a rua não cabe todos os homens.

A rua é menor que o mundo.

O mundo é grande.

Carlos Drummond de Andrade

23

Do ponto de vista metodológico, a pesquisa se caracteriza como de natureza

qualitativa, realizada por meio de estudo de caso emblemático. Segundo Martinelli (1999):

A pesquisa exploratória, categoria na qual se situa o estudo de caso,propõe uma busca e não uma verificação de informações. Seuobjetivo é a descoberta de idéias que sejam úteis, críticas enorteadoras de novas atitudes em relação ao mundo. (Martinelli,1999, p50)

Para Ventura (2007), o estudo de caso emblemático se caracteriza por ser significativo

e completo. Esse autor ainda ressalta que, embora o estudo de caso se processe de forma

relativamente simples, pode exigir do pesquisador muita atenção e cuidado, principalmente

porque ele está profundamente envolvido na investigação (p.385). Segundo Martinelli (1999),

os princípios metodológicos que fazem do estudo de caso uma técnica de natureza qualitativa

possibilitam explanações teleológicas na combinação das observações dos fatos com as leis

gerais explicativas e acrescenta:

A unidade social escolhida como caso demanda umarepresentatividade significativa da realidade social para a suacompreensão ampliada. A ampliação da tarefa científica nasingularidade do estudo de caso está na escolha de recursos queauxiliem na coleta e classificação dos dados. (Martinelli,1999, p 55).

Antes de realizarmos as entrevistas, entregamos previamente o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) aos profissionais, à adolescente e ao coordenador

da organização onde esta se encontrava abrigada. Naquele momento, foi possível conversar

com os participantes da pesquisa, no sentido de explicar o objetivo da mesma, bem como ler

com eles o TCLE, para que ficassem seguros quanto à confidencialidade das informações

fornecidas. Relativamente a esse procedimento, Lakatos (2004) explica que:

O pesquisador, antes da entrevista, deve informar ao entrevistadosobre o interesse, a utilidade, o objetivo, as condições da mesma e ocompromisso do anonimato. É também importante que naconversação o pesquisador demonstre motivação e credibilidade.Além de tudo deve ser prudente. (Lakatos, 2004, p 278 apudCamargo, 2009, p 86).

24

A entrevista representa um instrumento básico para a coleta de dados. Segundo

Lakatos (2004), trata-se de uma conversa entre duas pessoas com o objetivo de obter

informações importantes e de compreender as perspectivas e experiências das pessoas

entrevistadas. Alves-Mazzotti (1999) aponta que, por ser de natureza interativa, a entrevista

“permite tratar de temas complexos, que dificilmente poderiam ser investigados

adequadamente através de questionários, explorando-os com profundidade” (ALVES-

MAZZOTI, 1999 apud LAKATOS, 2004. p. 278).

Para Lakatos (2004), as entrevistas qualitativas são muito pouco estruturadas. O

principal interesse do pesquisador é conhecer os significados atribuídos pelo entrevistado aos

fenômenos e eventos de sua vida cotidiana, utilizando sua própria linguagem. No caso

particular desta pesquisa, busca-se compreender não a história individual de cada

entrevistado, mas a sua relação com a rede de proteção do Sistema de Garantia de Direitos

(SDG), de forma a evidenciar o funcionamento da rede de proteção.

Minayo (1996) traz a entrevista para a “arena de conflitos e contradições”,

considerando os critérios de representatividade da fala e a questão da interação social que está

em jogo na interação pesquisador–pesquisado. (MINAYO, 1996, apud SZYMANSKI,

ALMEIDA e PRANDINI, 2002, p 10).

De acordo com Szymanski et al. (2002), ao considerarmos o caráter de interação social

da entrevista, passamos a vê-la submetida às condições comuns de toda interação face a face,

na qual a natureza das relações entre entrevistador-entrevistado influencia tanto o seu curso,

como o tipo de informação que aparece.

Lakatos (2004) aponta, ainda, que existem diversos tipos de entrevistas que podem

variar de acordo com o propósito do investigador. Utilizamos, na presente pesquisa, a técnica

de entrevista semi-estruturada, também denominada pela autora de assistemática,

antropológica e livre, que consiste na liberdade que o entrevistador tem para desenvolver cada

situação na direção que considere adequada, explorando mais amplamente a questão, as

condições comuns de toda interação face a face, na qual a natureza das relações entre

entrevistador-entrevistado influencia tanto o seu curso como o tipo de informação que

aparece.

Esse estudo de caso abrangeu a análise da estruturação da política de atendimento às

situações de violência doméstica e sexual contra crianças e adolescentes no município de São

25

José dos Campos, que se efetivou de uma forma pioneira, através da implantação do Projeto

Refazendo Laços. Este projeto trouxe uma metodologia assentada em três eixos: a visão da

violência sexual enquanto um fenômeno da sexualidade humana, a importância do cuidado

com o profissional, e a consolidação das políticas públicas através do fortalecimento da rede

de proteção.

Para a coleta de dados, utilizamos análise documental, entrevistas semi-estruturadas e

observação participante.

Em relação à análise documental foram lidos e avaliados os seguintes documentos:

Termo de Compromisso estabelecido entre o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e

do Adolescente, a Childhood-Brasil e a Prefeitura Municipal de São José dos Campos; Plano

Municipal de Enfrentamento à Violência Sexual; Plano Pluri Anual do Município; o Projeto

Técnico Refazendo Laços de Proteção; o Relatório da sistematização da experiência; o

Regimento Interno do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente; o

Processo Judiciário de uma adolescente atendida pela rede de proteção; registros de atas de

reuniões entre os participantes do grupo de trabalho interinstitucional e o relatório elaborado

pelo Comitê Técnico Científico de Avaliação do Projeto Técnico. Ressalta-se que tais

documentos não foram anexados na dissertação por questões éticas, pelo fato dos mesmos

poderem identificar facilmente os sujeitos participantes.

Com relação às entrevistas semi-estruturadas, as mesmas foram realizadas com 09

profissionais que compõem a rede de proteção do SGD, sendo 01 da área da saúde, 01 da área

de serviço social, 02 da área de gestão, 01 do Conselho Tutelar, 01 do Conselho Municipal

dos Direitos da Criança e do Adolescente, 01 da área da psicologia, 02 do Sistema de Justiça e

01 adolescente em situação de abandono e violência sexual que foi atendida por vários

serviços do Sistema de Garantia de Direitos. As entrevistas foram gravadas e posteriormente

transcritas. Utilizou-se um roteiro com questões abertas, cujos tópicos foram organizados de

formas diferentes de acordo com o campo de atuação dos profissionais, conforme os tópicos a

seguir:

• organização do Sistema de Garantia de Direitos onde o profissional trabalha e sua

função;

• lugar que sua organização ocupa no SGD;

26

• proposta de atendimento da organização;

• demanda de atendimento da organização;

• recursos existentes na organização para garantir o atendimento integral às

situações de violência doméstica e sexual;

• estruturação da política de enfrentamento à violência doméstica e sexual contra

crianças e adolescentes no município;

• o processo de parceria estabelecido entre o município de São José dos Campos, o

CMDCA e a Childhood Brasil;

• fluxo de atendimento à VDSCCA no município;

• relação da rede de proteção com o Sistema de Justiça;

• operacionalização do atendimento integral às situações de VDSCCA na Vara da

Infância e Juventude.

O objetivo geral da presente pesquisa é:

• analisar os serviços existentes na rede de proteção do Sistema de Garantia de

Direitos do município de São José dos Campos, no sentido de verificar em que

medida estão respondendo à função de cuidado e proteção, diagnosticando,

acolhendo e atendendo às situações de violência sexual contra crianças e

adolescentes, respeitando as condições peculiares de desenvolvimento, conforme

prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Os objetivos específicos são:

• compreender o funcionamento da rede de proteção do Sistema de Garantia de

Direitos do município de São José dos Campos, no que se refere ao atendimento

dos casos de violência doméstica e sexual;

27

• analisar as tensões, fragilidades, potências e oportunidades existentes nesses

serviços;

• verificar as características dos serviços existentes e sua articulação com os

princípios da atenção integral de crianças, adolescentes e famílias e suas

necessidades.

Ter-se-á como referência os eixos norteadores do SGD: Promoção, Controle e Defesa

e Reponsabilização, e procurar-se-á ilustrar cada etapa deste processo de estruturação da rede

de proteção e as suas interfaces com as políticas públicas de saúde, educação, segurança e

justiça, entre outras.

Nesse sentido, compreendem-se por política pública as políticas que reúnem todos os

cidadãos que dela necessitarem, proporcionando-lhes acesso universal e poder partilhado por

todos. As políticas públicas reúnem as escolhas da sociedade, transformadas em atos públicos

realizados pelo Estado. Neste estudo em particular, nos restringimos às políticas públicas de

âmbito municipal, circunscritas no município de São José dos Campos, no estado de São

Paulo, em consonância coma as diretrizes da Política Nacional e Estadual de Enfrentamento à

Violência Doméstica e Sexual contra Crianças e Adolescentes.

Chamamos de atenção integral, serviços que se constituem na intersetorialidade, cuja

fundamentação encontramos no projeto político do ECA (artigo 86), o qual contempla os

conceitos de integração e complementariedade, prevendo um conjunto articulado de ações

governamentais da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Tal abordagem

viabiliza as “condições necessárias para superação do paternalismo, do assistencialismo, do

coorporativismo e do conservadorismo que historicamente marcaram as ações e políticas do

Estado brasileiro” (CONANDA, 2000, apud Brasil, 2002).

Considera-se que a especificidade de cada serviço, suas atribuições de acordo com os

eixos estruturantes do SGD e as características de cada área são necessárias. Entretanto, eles

devem trabalhar de forma integrada, evitando a fragmentação e a setorialização excessiva dos

serviços.

28

CAPÍTULO II

UM POUCO DE HISTÓRIA DA VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRI ANÇAS E

ADOLESCENTES: LEGISLAÇÕES, MOVIMENTOS SOCIAIS E CON CEITOS.

...Criança no meu tempo de criança,

Não valia mesmo nada.

A gente grande da casa

usava e abusava

dos pretensos direitos de educação...

Antiguidades - Cora Coralina

29

2.1 - Do Direito do Menor ao Estatuto da Criança e do Adolescente

O direito da criança e do adolescente teve a sua origem nos Estados Unidos, onde o

primeiro Tribunal de Menores do mundo foi criado em 1899, na cidade de Íllinois.

Em junho de 1911, foi realizado, em Paris, o primeiro Congresso Internacional de

Menores, o qual estimulou a criação dos juízos de menores por toda a Europa e América

Latina. No Brasil, o primeiro Tribunal de Menores foi inaugurado em 1923, no município do

Rio de Janeiro, seguido de São Paulo, que o implantou no ano seguinte.

Até o início do século passado, o mesmo sistema penal era aplicado para adultos e

crianças, sendo a pena para a criança menor em um terço. O primeiro Código de Menores

brasileiro foi sancionado em 1927 (Lei federal n° 17.943/1927). Neste código, o papel do juiz

de menores era similar ao de um bom pai de família, que deveria definir a vida dos seus

filhos, levando em conta o princípio da livre convicção.

A Doutrina da Situação Irregular, preconizada nessa lei, funcionava apenas para as

crianças sem assistência social, sem família, pobres, miseráveis, abandonados e para os

infratores. O termo situação irregular serviu para definir as situações que fugiam ao padrão

normal da sociedade saudável em que se imaginava viver. De acordo com essa lógica, os

problemas eram focalizados exclusivamente nas pessoas que eram responsáveis pelos desvios

e penalizadas. Sendo assim, o Código de Menores dava poderes ao juiz para internar, por um

período sempre superior a dois anos, todos aqueles que se enquadrassem na chamada situação

irregular, sob a justificativa de que essa era uma medida de proteção. O menor não era

julgado por seu ato, o que se levava em consideração era se esse menor se enquadrava ou

não na situação irregular (Costa, 2005:42). Foi nesse contexto que surgiu a famosa Fundação

do Bem-Estar do Menor (FEBEM), lugar em que os menores infratores eram misturados com

os que estavam em situação de abandono, mendicância e violência. Aqueles que completavam

18 anos- e os juízes, na ocasião, julgavam que deveriam continuar internados - eram

recambiados para uma entidade correcional de adultos e não tinham o direito de defesa.

A criança- em situação regular- era aquela criada no seio da família, que podia ou não

freqüentar escola e que tinha suas necessidades básicas de saúde, educação e moradia

supridas por seus responsáveis. Não importava a qualidade das relações familiares e se os

30

adultos, que exerciam a função paterna ou materna, se excediam ao aplicar castigos ou - até

mesmo- se cometiam abuso sexual com suas crianças. As atitudes de um pai, padrasto ou

responsável não eram questionadas, pelo menos, de maneira explícita. O pai tinha poder

absoluto sobre a educação dos filhos e os tribunais não interferiam nas situações familiares.

Aos poucos, foram acontecendo mudanças de concepção em relação ao lugar da

criança em nossa sociedade e não somente no interior do sistema de justiça. A criança deixou

de ser considerada um adulto em miniatura (Ariès, 1981), para ser concebida como um ser

humano completo, em situação peculiar de desenvolvimento no plano sócio-jurídico; passou,

portanto, a ser um cidadão.

A promulgação da Declaração Universal dos Direitos da Criança5 não garantiu

mudanças imediatas, pois levou algum tempo para que o sistema de justiça aderisse à nova

conjuntura. O segundo Código de Menores brasileiro, de 1979, criado 20 anos depois da

promulgação da Declaração da ONU, ainda não abarcava as mudanças apontadas pela nova

concepção de infância e adolescência. O processo de adaptação da sociedade ao novo modelo

proposto pela assembléia da ONU, da qual o Brasil foi e ainda é signatário, é um processo

lento, que requer uma mudança de valores por parte da sociedade, no que se refere à

concepção e ao tratamento dispensado a crianças e aos adolescentes.

Nesse sentido, a sociedade foi percebendo que as leis vigentes e os pressupostos que

as embasavam não eram suficientes para responder por toda a complexidade de demandas

oriundas desse mais novo tecido social chamado infância e juventude.

A partir dessa nova conjuntura em âmbito mundial, em contraposição à concepção do

direito do menor, surgiu, no Brasil, o paradigma da proteção integral, que parte do

pressuposto de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos em relação a todas as

instâncias da sociedade: família, escola, estado e justiça.

Seguindo essa filosofia, setores progressistas da sociedade brasileira movimentaram-

se para alinhar o sistema de justiça à nova concepção da criança como sujeito de direitos,

respaldados no Art. 227 da Constituição Federal de 1988, o qual abriu espaço para a

elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente – lei 8069/90

5 Publicada em 1959 pela Organização das Nações Unidas – ONU.

31

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar àcriança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, àsaúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, àcultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivênciafamiliar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma denegligência, discriminação, exploração, violência, crueldade eopressão.

O panorama internacional continuava influenciando, trazendo novas proposições e

recomendações aos países membros. Em 20 de novembro de 1989, a Assembléia Geral da

ONU reuniu-se em Genebra e subscreveu a Convenção sobre o Direito da Criança. Os países

signatários se comprometeram em ajustar seu sistema de justiça aos preceitos da Convenção,

assumindo a responsabilidade de garantir os direitos das crianças6.

A sociedade solicitava um salto qualitativo no entendimento das questões da criança e

do adolescente em relação à legislação vigente, visto que todos os estudos apontavam para a

criança como sujeito em momento peculiar de desenvolvimento.

O Brasil assumiu um compromisso internacional, no sentido de adotar essa nova

filosofia. Nessa época, vivenciava-se a renovação de seu Estado democrático e empenhou-se,

por meio dos movimentos sociais, para que a Convenção fosse transformada em lei.

No clima de um país que aproveitava o momento oportuno, para modernizar seu

sistema de justiça com a promulgação da Constituição Cidadã de 1988 e no calor dos

movimentos populares que reestruturavam os espaços democráticos da nação, em 13 de julho

de 1990, foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA –, sendo implantado,

no Brasil, o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, em consonância

com o ECA.

Com a promulgação da lei 8.069/90, o ECA foi estabelecido um novo reordenamento

institucional, uma nova forma de organização nos aspectos legais e estruturais da política de

proteção à infância e juventude, atingindo os três níveis de governo e, também, a sociedade

6 O artigo 2° do ECA estabelece: “ Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade

incompletos, e adolescente aquela entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade.” Diferente da Convenção de Genebra e do

sistema de justiça de outros países que consideram criança todo ser humano com menos de 18 anos de idade.

32

civil organizada. Por meio dos conselhos de direitos e tutelares, passou-se a ter instrumentos

fundamentais para a proposição e elaboração de políticas públicas e de controle social.

Segundo Costa (2005), a Proteção Integral é prioridade absoluta, e esta doutrina e

princípios são alicerçados na Convenção das Nações Unidas pelos Direitos da Criança, na

Constituição Federal de 1988, no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código Penal,

onde se encontram tipificados os crimes, dentre eles, aqueles praticados contra a criança e o

adolescente.

O ECA prevê a aplicação de medidas de proteção para crianças e adolescentes, as

quais visam a reconstituir o direito ameaçado ou violado, sem deixar de lado as necessidades

pedagógicas, psicológicas, sociais e de saúde, oportunizando medidas que fortaleçam os laços

familiares e comunitários.

A filosofia geral do Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 5º, estabelece

que:

Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma denegligência, discriminação, exploração, violência, crueldade eopressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ouomissão, aos seus direitos fundamentais. (Ministério da Justiça -Fundo das Nações Unidas para a Infância, 2000:14).

Dessa forma, a nova lei permite intervenções no espaço “sagrado e privado” da

família, contribuindo para a identificação e prevenção das situações de violência doméstica e

sexual. Prevê, ainda, a responsabilização daqueles que se omitirem em notificar ao Conselho

Tutelar os casos de suspeita ou confirmação de violência ou de maus-tratos contra crianças e

adolescentes (Lei 8.069/90 arts. 98 e 245).

No que se refere aos direitos fundamentais, considera que devem ser garantidos às

crianças e aos adolescentes brasileiros: o direito à vida, à saúde, à educação, à cultura, ao

esporte e ao lazer. Os maus-tratos são considerados violações dos direitos fundamentais de

acordo com o Art. 13 do ECA.

33

Art. 13. Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contracrianças e adolescentes serão obrigatoriamente comunicados aoConselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outrasprovidências legais. (Ministério da Justiça / Fundo das NaçõesUnidas para a Infância, 2002: 16).

No ECA, encontram-se, ainda, artigos referentes à política de atendimento a crianças,

aos adolescentes e às suas famílias e, também, às medidas aplicáveis aos pais e responsáveis,

quando esses são os violadores de seus direitos. O mesmo versa, ainda, sobre a elaboração,

implantação, implementação e financiamento das políticas de prevenção e atendimento a

crianças e aos adolescentes em situação de violência, seguindo o preceito da descentralização,

o que dá aos estados e municípios poderes de escolher qual direção a política local vai seguir

nas diferentes áreas. Assim, o município deverá se mobilizar para estruturar redes de proteção

social específicas, para garantir o atendimento das pessoas. Marcos Históricos e Legais da

Violência Doméstica e Sexual.

2.2 - Marcos Históricos e Legais da Violência Doméstica e Sexual

No Brasil, na década de oitenta, surgiram as primeiras ONGs de atendimento a

crianças e adolescentes em situação de violência doméstica e sexual. Nesse mesmo período -

quando o país se debruçava sobre o movimento constituinte, sobre a elaboração do ECA-

aconteceu o desvelamento da exploração sexual de crianças e adolescentes no turismo e nos

garimpos do norte do Brasil.

O governo brasileiro negou a existência desse fenômeno, porém o trabalho instigante

do movimento social e das ONGs históricas7 pautaram essa problemática nacional e

internacionalmente. Somou-se ao trabalho destas ONGs a publicação de um livro sobre o

tema, culminando na instalação da CPI da Prostituição Infantil de 1993.

7 Termo utilizado no movimento social para denominar as ONGs que iniciaram este debate no Brasil: Coletivo Mulher Vida,

Casa de Passagem, CENDHEC, CEDECA- BA, CECRIA, CNRVV, Casa Renascer, Centro das Mulheres do Cabo, CRAMI

– ABC, CEPAJ, Casa Zabelê, entre outras.

34

Esse livro reuniu uma série de reportagens publicadas no jornal Folha de São Paulo,

pelo jornalista Gilberto Dimenstein, intitulado Meninas da Noite (Dimenstein, 1992) e

descrevia os dramas das adolescentes escravizadas sexualmente nos garimpos em Serra

Pelada, no Pará.

A Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara Federal foi instaurada no período de

27 de maio de 1993 a julho de 1994 e se propôs a apurar as Responsabilidades pela

prostituição infanto-juvenil8(Sousa,2004). Ouviu, em depoimentos públicos ou secretos,

crianças, adolescentes e adultos e fez, também, investigações em diversos estados brasileiros,

além de mobilizar a opinião pública, apresentando um relatório final à Câmara dos Deputados

e à sociedade em geral.

Segundo Sousa (2004), os relatórios gerados por essa CPI estão impregnados das

concepções de infância, adolescência, sexualidade, família, sociedade e prostituição que

perpassam a discussão sobre a prostituição infantil e juvenil no cenário contemporâneo

brasileiro e confere legitimidade às políticas públicas de identidade e efetividade com relação

à infância e adolescência pobre de uma forma geral, concluindo que:

...a discussão sobre infância, adolescência e sexualidade ficasecundarizada e não recebe a ênfase que deveria ter, na medida emque a CPI se propôs a discutir aspectos ligados intimamente a essestemas... A sexualidade infantil e juvenil é um tema não dito ou(maldito?) nos depoimentos analisados. Quando aparece é pela óticada negatividade sanitária e moral... (SOUSA, 2004).

Em 1996, uma segunda publicação- com destaque internacional- foi elaborada pela

ONG pernambucana “Coletivo Mulher Vida”, intitulada Islieb Dish9: o que a gente não faz

por um sonho? (Prestello, 1996). Essa contava sobre o envolvimento de adolescentes da

periferia do Recife, que se relacionavam com turistas alemães; eram as chamadas “Cinderelas

8 A expressão “prostituição infanto-juvenil” não é mais utilizada, por considerar-se que crianças e adolescentes não se

prostituem, mas sim, são explorados sexualmente, ou são prostituídos. Manteve-se esta denominação nesta parte do texto, por

tratar-se de relatos de uma época em que ainda não se havia feito esta discussão conceitual, e a expressão utilizada era

“prostituição infanto-juvenil”.

9 “Eu te amo” em alemão.

35

da praia de Boa Viagem”, meninas que se apaixonavam pelos estrangeiros e esperavam viver

um conto de fadas. Algumas seguiam com esses para a Alemanha, onde - muitas vezes - eram

submetidas a um regime de exploração sexual. O governo de Pernambuco tentou impedir a

veiculação do livro, mas uma manifestação pública garantiu sua difusão.

Tornava-se, assim, evidente que a região litorânea do Nordeste, no período da

chamada “alta temporada”, recebia um número significativo de estrangeiros10, que vinham

para o Brasil em grupos, e- durante a sua permanência no país- se relacionavam sexualmente

com brasileiras, em sua maioria, menores de idade, fato esse que persiste até os dias atuais.

A atuação das ONGS e do movimento social em defesa dos direitos de crianças e

adolescentes contribuiu para se concluir que a intensificação do fluxo turístico estava

associada a uma prática freqüente, agenciada por uma rede de negócios, que envolvia desde o

fretamento de vôos semanais, hospedagem em hotéis de luxo, boates, taxistas e pessoas várias

trabalhando para atender as necessidades deste rentável negócio, que tem - como produtos

principais - a venda de programas sexuais com adolescentes e o tráfico de mulheres.

Continuando na linha histórica dos marcos sobre a violência sexual, o 1º Congresso

Mundial contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças aconteceu em Estocolmo, na

Suécia, no ano de 1996, reunindo líderes políticos, representantes governamentais, órgãos das

nações unidas, organizações não- governamentais, bem como especialistas nesta temática e

em temáticas afins. Essa iniciativa surgiu e foi promovida pela organização da campanha

internacional do ECPAT11, que desempenha um papel de destaque na luta contra o abuso

sexual da criança. Esse congresso reuniu 122 países, os quais se comprometeram com o

cumprimento de uma agenda de ações, da qual o Brasil foi um dos signatários.

Como preparação para o I Congresso Mundial, foram realizados seminários em todo o

mundo. Nas Américas, destacou-se o Seminário de Brasília, cujos anais destacam que é

fundamental a formação de uma rede internacional de ONGS, governos e pesquisadores,

para articular formas de denúncia e intercâmbio contra a exploração sexual comercial de

crianças e adolescentes (Anais do Seminário de Brasília. 1996: 17).

10Cabe ressaltar que a exploração sexual de crianças e adolescentes no turismo não é restrita a estrangeiros, haja vista que

existe o fluxo turístico interno de visitantes nacionais que também se utilizam de crianças e adolescentes para fins sexuais.

11 ECPAT - Articulação Internacional contra Prostituição, Pornografia e Tráfico de Crianças e Adolescentes.

36

O citado Congresso Mundial concentrou esforços na adoção de medidas contra a

pornografia, prostituição infantil e o tráfico de crianças, considerando-os como as piores

formas de violação dos direitos humanos de crianças. Foi adotada, também, uma agenda de

ações globais, para tratar dos problemas pertinentes ao fenômeno da violência sexual infanto-

juvenil.

Nessa ocasião, a violência sexual foi reconhecida como crime contra a humanidade,

havendo um pacto entre as agências colaterais internacionais e as ONGs, para o

estabelecimento de cooperação técnica e financeira em projetos de combate à violência sexual

infanto-juvenil.

Muntarbhorn (apud Libório, 2003:45) refere que a declaração e a agenda de ação de

Estocolmo complementaram as normativas da Convenção dos Direitos da Criança, por sugerir

compromissos mais específicos para o enfrentamento da exploração sexual comercial infanto-

juvenil, priorizando a cooperação entre os Estados e outras parcerias entre os governos,

setores da sociedade e o fortalecimento das famílias.

As medidas sugeridas neste Congresso favoreceram os contextos interdisciplinares,

tendo sido proposto aos países participantes que se responsabilizassem pela elaboração de

Planos Nacionais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil, para que essa

problemática passasse a integrar a agenda pública nacional.

No ano de 2000, o Brasil elaborou o seu Plano Nacional de Enfrentamento à Violência

Sexual Infanto-Juvenil, acontecimento que contou com a participação de mais de 100

organizações, que se reuniram em Natal (RN) para esse fim. O Plano Nacional contém seis

eixos estratégicos – atendimento, prevenção, mobilização e articulação, defesa e

responsabilização, análise da situação e protagonismo infanto-juvenil e, atualmente, está

passando por um processo de revisão. É o esboço de uma política pública em rede, visando à

atenção integral de crianças e adolescentes em situações de violência sexual. O Conselho

Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) adotou-o como diretriz

básica na formulação de políticas públicas, prevendo a descentralização de ações para os

estados brasileiros, a construção de planos estaduais e municipais e o fortalecimento de

movimentos e redes sociais.

No ano de 2001, aconteceu o II Congresso Mundial, em Yokohama, no Japão, que

contou com a representação de delegações de governos de todos os continentes, e o Brasil foi

37

representado por uma delegação formada por agentes do governo e da sociedade civil

organizada, pesquisadores e especialistas nesta temática. Neste Congresso, o Brasil

apresentou seu Plano Nacional, sendo o primeiro país do mundo a fazê-lo. A partir deste

evento, houve o reconhecimento de que a exploração sexual comercial de crianças e

adolescentes acontece globalmente, com características diferenciadas, atingindo países em

desenvolvimento ou desenvolvidos, variando conforme a região e o país.

Ainda destacou-se a importância do desenvolvimento de ações regionais, da

descentralização dos Planos Nacionais e a necessidade de estabelecerem-se parcerias com a

cooperação internacional e com o governo local, para favorecer a sustentabilidade das ações e

coibir as formas não comerciais de exploração sexual que envolvem o abuso intrafamiliar e os

matrimônios arranjados entre adultos e crianças.

Nesse mesmo período, o governo brasileiro criou um programa nacional coordenado

pelo Ministério da Assistência Social em parceira com ministérios afins12, para prover o

atendimento especializado nas situações de violência doméstica e sexual contra crianças e

adolescentes. A implantação deste programa- em nível nacional- aconteceu por meio da

transferência de recursos para os estados e municípios. Estes entram com uma contrapartida

para implantarem seus serviços de referência, denominado Programa Sentinela. Atualmente,

com a estruturação do Sistema Único da Assistência Social – SUAS, ainda em processo de

implantação, os serviços realizados pelo Sentinela tenderão a ser absorvidos pelos Centro de

Referência de Assistência Social – CRAS – e Centro de Referência Especializada de

Assistência Social – CREAS – que são os serviços idealizados para atender, de forma ampla,

as vulnerabilidades sociais, prestando,desse modo, assistência básica, de média e alta

complexidade. Posteriormente, será discorrido sobre a estruturação desta política.

Importantes pesquisa e estudo analítico aconteceram nesse período, os quais

contribuíram para a instauração da CPMI da exploração sexual em 2003. A pesquisa sobre

Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial no

Brasil (PESTRAF) apresentou resultados que foram fundamentais para orientar as ações da

12 Este programa se transformou em uma ação interministerial, que atualmente envolve 17 ministérios, tais como: Saúde,

Educação, Justiça, etc..

38

Secretaria Especial de Direitos Humanos – SEDH, da Comissão Interministerial e da Frente

Parlamentar em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Foram identificadas 241 rotas de tráfico de seres humanos no Brasil, estabelecidas por

via terrestres, hidroviárias, marítimas e aéreas, geralmente localizadas a partir das cidades que

se encontram próximas às rodovias, aos portos, aeroportos oficiais e clandestinos, que são

pontos de fácil mobilidade para o deslocamento de mulheres, crianças e adolescentes. Dessa

forma, as rotas podem ser nacionais, interestaduais e internacionais (Leal & Leal, 2003).

O Estudo Analítico do Enfrentamento da Exploração SexualComercial de Crianças e Adolescentes no Brasil (período 1996 -2004) identificou 930 municípios brasileiros que participam daESCCA. (Leal & Leal, 2004)

No ano de 2003, foi criada a CPMI para investigar as redes de exploração sexual de

crianças e adolescentes, apresentando o seu relatório final em julho de 2004.

Os membros desta CPMI percorreram todas as regiões do Brasil, e seu relatório final

sugeriu o indiciamento de cerca de 250 pessoas, entre políticos, magistrados, líderes

religiosos, esportistas, empresários e outras autoridades (Senado Federal, Brasil, 2004). Nesse

documento, constatou-se que a prática da exploração sexual de crianças e adolescentes está

disseminada em todo o Brasil, aparecendo tanto em cidades grandes, como em pequenos

municípios. Concluiu-se, também, que a exploração sexual é um fenômeno complexo, que

não está ligado somente à pobreza e à miséria, mas também a questões culturais, como o

machismo, o preconceito racial e à idéia de que o adulto tem poder sobre a criança. Foi

esclarecido, ainda, que, no Brasil, esta questão geralmente está associada à ação organizada de

redes que reduzem crianças e adolescentes à condição de mercadoria, e, assim, são tratados

como objeto para dar prazer ao adulto.

Ainda se descobriu que o perfil dos clientes é muito diversificado, constatando que

pessoas- que deveriam defender os direitos de crianças e adolescentes- estão envolvidas nas

redes de exploração sexual.

Ao longo das investigações, a CPMI encontrou crianças e adolescentes absolutamente

fragilizados, sem perspectivas de vida, marcados pelo total abandono da família, da sociedade

39

e do Estado. Além disso, observaram-se, nessa investigação, as conseqüências e os impactos

da violência sexual na vida das crianças e das famílias, principalmente, no que se refere aos

papéis desempenhados por quem cuida e por quem merece cuidado, uma vez que muitas

crianças e adolescentes sustentam suas famílias com o dinheiro proveniente do mercado do

sexo.

Os parlamentares, ainda, se depararam com a difícil tarefa de recebimento de

denúncias, nas quais crianças e adolescentes - que foram expostos à violência sexual - temiam

por suas vidas, pois, na maioria das vezes, os seus agressores as ameaçavam, além do fato de

muitos serem pessoas influentes social, econômica e politicamente.

Essa CPMI não se limitou apenas a demonstrar e denunciar as redes da Exploração

Sexual Comercial. Em seu relatório final, ofereceu um conjunto de sugestões para aprimorar

as políticas públicas na área da infância e alterações legislativas que procuram resguardar os

direitos de crianças e adolescentes expostos à violência sexual e propiciar o enquadramento

criminal dos responsáveis.

A partir da década de 2000, começam a ocorrer diversas campanhas pelo

enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes, envolvendo os três setores da

sociedade (público, privado e sociedade civil organizada). Entre elas, destaca-se, o dia 18 de

Maio que foi instituído como o Dia Nacional de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração

Sexual de Crianças e Adolescentes13 e, anualmente, ocorrem eventos e manifestos em alusão

ao tema, nesta data, em diversos municípios pelo país. Além do Programa Sentinela, estão

sendo desenvolvidos inúmeros projetos com apoio dos governos federal, estaduais e

municipais, da cooperação internacional, de institutos, fundações e de empresas privadas.

No cenário atual, aconteceu no Brasil o III Congresso Mundial Contra a Exploração

Sexual de Crianças e Adolescentes, realizado na cidade do Rio de Janeiro em novembro de

2008. O tema de abertura do Congresso foi a Garantia de Direitos da Criança e do

Adolescente e a sua Proteção contra a Exploração Sexual – Por uma Visão Sistêmica. Durante

os três dias de encontro, foram realizadas oficinas, espaços de diálogo e apresentação de cinco

painéis – Formas de exploração Sexual Comercial e seus novos cenários; Marco Legal e

13 A data de 18 de Maio foi escolhida para relembrar o crime cometido no Espírito Santo, em que a menina Araceli foi

violentada sexualmente e assassinada, tendo os agressores permanecido impunes.

40

Responsabilização; Políticas Intersetoriais Integradas; Iniciativas de Responsabilidade Social;

e Estratégias de Cooperação Internacional. Além de ser articulador e produtor de

conhecimento, o evento produziu recomendações importantes quanto à forma como os países

deverão enfrentar a exploração sexual de crianças e adolescentes.

O Brasil foi escolhido para sediar esse Congresso peloreconhecimento internacional dos avanços e das estratégias adotadasno país e que se constituem, hoje, referência não apenas no âmbitodo Mercosul, como na cooperação Ibero-Americana noenfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes.(Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2008)

O Congresso é organizado pelo governo brasileiro (coordenado pela Secretaria

Especial dos Direitos Humanos com a parceria dos Ministérios do Turismo, do

Desenvolvimento Social e do Combate a Fome e das Relações Exteriores), pela Articulação

Internacional contra Prostituição, Pornografia e Tráfico de Crianças e Adolescentes (Ecpat),

Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF) e pela rede internacional de organizações

não-governamentais, NGO.

A CPI da Pedofilia (Câmara Federal, 2008) identificou inúmeras redes organizadas de

pornografia infantil na internet e apresentou, como importante resultado a quebra do sigilo do

Google.

2.3 - Violências e a Violência Doméstica e Sexual

Para refletir sobre a violência doméstica e sexual contra crianças e adolescentes, é

necessária uma breve passagem anterior pelo conceito de violência de uma forma geral, para,

posteriormente, conceituar as violências contra crianças e adolescentes, desde a doméstica até

o abuso e a exploração sexual. Essas conceituações e as diferentes formas de compreensão

desse fenômeno variam de acordo com as diferentes áreas de conhecimento. As diferentes

visões serão abordadas nesta pesquisa e nos posicionaremos sobre com qual dessas o trabalho

será desenvolvido.

41

A palavra violência é de origem latina, “violentia” , e significa:

...violência, caráter violento ou cruel, força. O verbo violaresignifica tratar com violência, profanar, transgredir. Esses termosdevem ser relacionados a vis... Mais profundamente, a palavra vissignifica a força em ação, o recurso de um corpo para exercer suaforça, e, portanto a potência, o valor, a força vital.(Michaud, 1986:25).

Para Minayo (2002), a violência é um fenômeno sócio- histórico, com múltiplos

sentidos, formado por uma realidade plural, a qual deve ser pensada em rede, considerando os

aspectos particulares e singulares de cada contexto, e a multidisciplinaridade.

A Organização Mundial da Saúde, em seu Relatório Mundial sobre Violência e Saúde

(2002), traz a seguinte definição:

Violência é o uso intencional da força ou poder físico, em forma deameaça ou efetivamente, contra si mesmo, outra pessoa, ou um grupoou comunidade, que ocasiona ou tem grandes probabilidades deocasionar lesões, morte, dano psíquico, alterações dodesenvolvimento ou privações.OMS, 2002: 15)

Segundo Gomes (1993), a violência é concebida como algo que faz parte das relações

institucionais e interpessoais, sendo classificada a partir dos seguintes níveis:

• Violência estrutural – referente às desigualdades sociais, engendradas pelo sistema

social, incluindo as discriminações de classe, gênero, raça, sexo e idade;

• Violência revolucionária ou de resistência – relacionada ao pretexto de forma

organizada, daqueles que são discriminados;

• Violência da delinqüência – caracterizada pelas transgressões sociais.

O presente trabalho restringir- se- á abordar um tipo particular de violência, que é a

doméstica e sexual, quando esta ocorre contra crianças e adolescentes, sendo ela uma das

expressões da violência, relacionada ao que a nossa cultura não aceita, mas pratica, ou seja,

42

aquilo que reprovamos socialmente. Nesse sentido, a violência é um ato de transgressão de

uma norma social, que coloca o sujeito em uma posição ambígua, pois quem a pratica sabe

que seu ato é proibido, mas algo o impele a praticá - lo.

Essa forma de violência é definida como um fenômeno complexo, de âmbito mundial,

presente em todas as classes sociais. Faleiros (2000) refere que, nas deliberações do I

Congresso Mundial sobre a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, a violência sexual

foi contextualizada em função da cultura, do padrão ético legal, do trabalho e do mercado.

Foi, portanto, concebida como uma questão de cidadania e direitos humanos e sua violação

considerada um crime contra a humanidade.

No referido Congresso, houve uma tentativa de consenso, para a utilização do termo

violência sexual e de suas subdivisões. Porém, essa tentativa não foi plenamente instaurada na

prática, e, até hoje, encontram-se diferentes formas de se referir à violência doméstica e

sexual.

Para Landini (2005), a violência sexual contra crianças e adolescentes é um tema que

vem sendo debatido e discutido há certo tempo. Porém, os grupos que participam deste debate

vêm imprimindo um tom específico, que explicita mudanças na percepção da violência sexual

em si e no entendimento do papel da mulher na sociedade, na valorização de determinado tipo

de organização familiar e na função do Estado em relação à violência. Entretanto, para Leal

(1999), o fenômeno da violência doméstica e sexual vem passando por avanços conceituais.

Para Faleiros (2000), o abuso sexual é o elemento constitutivo conceitual, e, portanto,

explicativo da natureza de todas as situações em que crianças e adolescentes são vitimizados

sexualmente. Ela defende que esse termo extrapola o locus da violência intrafamiliar,

abrangendo toda e qualquer situação em que ocorram relações permeadas pelo uso excessivo

de poder, com fins sexuais, incluindo, as de caráter comercial. Até em uma mesma equipe

de trabalho, às vezes, a forma de abordar e compreender o fenômeno são diferentes. Isso

ocasiona tensões que se refletem no atendimento direto, em especial, no norteamento da

proposta de intervenção. Essas tensões motivam a um posicionamento crítico sobre esses

conceitos, os quais- muitas vezes- trazem conotações políticas e ideológicas.

Na visão de Faleiros (2000), conceituar a violência sexual contra crianças e

adolescentes implica em compreender a natureza do processo que seu caráter sexual confere à

mesma, ou seja, que:

43

• deturpa as relações sócio-afetivas e culturais entre adultos, crianças e adolescentes

ao transformá-las em relações genitalizadas, erotizadas, comerciais, violentas e

criminosas;

• confunde, nas crianças e nos adolescentes violentados, a representação social dos

papéis dos adultos, descaracterizando as representações sociais de pai, irmão, avô,

tio, professor, religioso, profissional, empregador, quando violentadores sexuais; o

que implica a perda de legitimidade e da autoridade do adulto e de seus papéis e

funções sociais;

• inverte a natureza das relações adulto, criança e adolescente definidas socialmente,

tornando-as desumanas em lugar de humanas; desprotetoras em lugar de

protetoras; agressivas em lugar de afetivas; individualistas e narcisistas em lugar

de solidárias; dominadoras em lugar de democráticas; dependentes em lugar de

libertadoras; perversas em lugar de amorosas; desestruturadoras em lugar de

socializadoras;

• confunde os limites intergeracionais.

Nesse sentido, é possível concordar e reforçar a posição da autora de que a violência

sexual representa uma ultrapassagem de limites na qual a relação abusiva está circunscrita não

apenas ao ato sexual, mas ao sentimento de invasão nas esferas da vida psíquica e social.

Assim, esse tipo de invasão da sexualidade humana não se restringe à penetração, mas abarca

diversos atos transgressivos: pode ser um toque, um olhar, um jogo de sedução, entre outros,

atos de erotização precoce da criança. Qualquer que seja o tipo de violência sexual perpetrada,

o outro é colocado no lugar de um objeto, não sendo visto como sujeito.

Cromberg (2004) conceitua a violência sexual, como circunscrita a uma relação a dois,

consistindo na violação do corpo e do espaço corporal, sendo esse o cerne dessa questão.

Pressupõe, ainda, que não há um consentimento consciente, para que tal fato ocorra,

caracterizando-o em um quadro de vitimização, com um agressor e uma vítima definidos.

Assim, ressalta que um evento de violência sexual, geralmente, possibilita o estabelecimento

de uma situação traumática, provocando sofrimento psíquico e a produção de fantasias

sexuais inconscientes. Conclui-se, portanto, que a violência não deve ser concebida como uma

qualidade natural, inata do ser humano, mas como algo que se produz nas relações

44

intersubjetivas. Portanto, a relação violenta entre um agressor e um agredido deve ser

concebida em um contexto de múltiplas variáveis.

Observa-se, também, que há concordância entre os teóricos deste campo, no

compartilhamento da idéia de que o adulto é sempre o responsável pelo ato abusivo, mesmo

que a criança ou adolescente tenha um comportamento erotizado, não compatível com a sua

idade. Em outras palavras, o limite na relação com a criança e o adolescente cabe ao adulto.

2.4 - Violência Doméstica

A delimitação da violência doméstica e sexual de acordo com os diferentes conceitos

(violência física, sexual, psicológica, negligência, abandono) tem uma função didática,

embora saibamos que na prática, eles estão muito próximos. Geralmente as pessoas expostas a

violências podem, ao mesmo tempo, estar submetidas a mais de um tipo de violência. Muitas

vezes elas acontecem concomitantemente ou de forma alternada. Essas violências mantêm

uma relação entre si e as suas conseqüências variam de pessoa para pessoa, em função de

vários fatores, como: idade da criança ou do adolescente; tipo de vínculo com o adulto que

comete a violência; proteção recebida, entre outros. A partir da prática de atendimento a essas

situações, observamos que a violência psicológica e a negligência freqüentemente estão

presentes em todas as formas de violência, o que pode corroborar para o agravamento da

situação.

Os estudos sobre a violência doméstica, também chamada de violência intrafamiliar,

foram precursores dos estudos sobre violência sexual contra crianças e adolescentes, em

termos de identificação do fenômeno, das intervenções e do desenvolvimento de pesquisas.

Essa modalidade de violência é definida por Azevedo e Guerra (1988) como:

... todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveiscontra crianças e/ou adolescentes que – sendo capaz de causar danofísico, sexual e/ou psicológico à vítima – implica, de um lado, umatransgressão do poder/dever de proteção do adulto e, de outro, umacoisificação da infância. (Azevedo e Guerra, 1988:32)

45

O abuso sexual, que ocorre no ambiente familiar, compõe o campo das violências

domésticas contra crianças e adolescentes, que abarca outras formas de expressão da

violência. As pesquisadoras Maria Amélia Azevedo e Viviane Guerra (1988) desenvolvem

pesquisas com a orientação feminista, situando a violência sexual doméstica no campo da

vitimização, no qual crianças e adolescentes são colocados na posição de vítimas. Dessa

forma, essas pesquisadoras, classificam a incidência da violência sexual contra crianças e

adolescentes em três grandes grupos:

• orientação individualista - a qual atribui a responsabilidade da violência ao

agressor;

• orientação ambientalista – responsabiliza a família pela violência, destacando as

situações que levam a patologização familiar;

• orientação feminista – compreende a violência sexual como decorrente do

falocentrismo e do adultocentrismo, nos quais se ressalta as relações sociais de

gênero, de geração e de classe social.

Assim, suas pesquisas, em primeira instância, visam ao eixo da justiça e ao aumento

das denúncias das situações de violência doméstica contra crianças e adolescentes. Em outras

palavras, há um caráter denuncista em seus estudos, priorizando a repressão e

responsabilização dos supostos agressores, e, com isso, o enfoque do tratamento direcionado a

todos os membros da família é deixado em segundo plano. Essa linha de pensamento exerce

grande influência sobre os profissionais que atuam nesta área, que acabam por estabelecerem

intervenções, muitas vezes, pautadas num modelo denuncista e legalista, que pode dificultar a

adesão da criança, do adolescente, do agressor e de toda a família aos atendimentos

propostos14. Segundo a concepção dessas pesquisadoras - adotada amplamente pelos

profissionais que atuam no atendimento aos casos-, o fenômeno da violência doméstica é

subdividido nas seguintes categorias: violência física, negligência, violência psicológica,

abandono, abuso sexual intrafamiliar e violência fatal.

14 A visão do curso de Especialização em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes, do Laboratório de Estudos da

Criança (LACRI/USP), é de que os profissionais denunciem e acompanhem os processos de violência contra crianças e

adolescentes, depondo em juízo, elaborando laudos e pareceres para a justiça.

46

2.5 - Abuso sexual ou incesto?

A delimitação do que é incesto ou abuso sexual, requer uma compreensão do

significado etimológico dessas palavras. A palavra “incesto” deriva de incestum, que significa

sacrilégio, impuro, sujo. Também tem o sentido de “não casto”. Com a evolução da língua,

castus foi confundido com cassus, que significa “vazio” , isento de, a te suplantar como

supino do verbo careo, que significa “eu falto”. Incesto, portanto, poderia aí ser traduzido

sem exagero por “a quem nada falta” (Naouri, 1994 apud Cromberg, 2001).

Já a palavra “abuso” , deriva de abusus, forjada por ab, prefixo que significa tanto

privação, afastamento, como excesso e intensidade, e usu, que designa o aproveitamento de

algo conforme o seu destino. A concepção antropológica mais recente da proibição do incesto

tem o sentido de regulador do excesso de identidade e da ausência do diferente.

Num sentido jurídico, abuso refere-se a aproveitar-se de alguém temporariamente, a

título oneroso ou gratuito, das utilidades de uma coisa alheia, na medida das necessidades

próprias e das de sua família (Cromberg, 2001).

Cyrulnik (1994 apud Cromberg 2001) lembra o Marquês de Sade, que asseverava que

o incesto é uma prova de amor, um instalador de fraternidade, e Diógenes que- por sua vez-

achava que o interdito do canibalismo é suficiente para estruturar as sociedades, para

contestar o horror ao incesto e pensar que a regra interditora é que é abusiva.

Quando o abuso sexual ocorre dentro da família, entre seus membros, este é chamado

intrafamiliar ou incestuoso, ou seja, rompe o tabu do incesto, vigente na sociedade há séculos.

A luz destas leituras, Cromberg (2001) nos fala sobre a violência sexual sofrida pela mulher:

Para uma mulher não existe horror maior do que ver e sentir seucorpo, seu espaço psíquico e corporal, ser penetrado e invadido poruma sexualidade estranha e estrangeira, sem que ela deseje estainvasão. O acesso ao gozo no corpo da mulher daria sentido aoburaco de mulher, que a enche de vida e saúde para que possaenfrentar com alegria o seu cotidiano. Quando acontece o atoviolento esse buraco perde o sentido e passa a ser fonte de horror e

47

de morte. Uma vez que a mulher sente que o seu corpo é tratadocomo coisa, buraco – instrumento. (Cromberg, 2001:16)

A psicanálise, desde Freud, debruçou-se em diversos trabalhos sobre a questão do tabu

do incesto, aprofundando seu interesse nas ressonâncias psíquicas originadas de sua proibição.

Para essa teoria, a proibição do incesto é o marco fundamental para a estruturação da

civilização e a organização e estruturação do aparelho psíquico. Para o antropólogo Lévi-

Strauss (1976), citado por Freud em seus estudos, essa proibição é a passagem que o homem

fez de seu estado de natureza para a cultura.

Esse interdito não é somente natural ou somente cultural, pois pertence a ambos, ou

seja, pertence à natureza pelo seu caráter de universalidade e, também, à cultura, uma vez que

age e impõe sua regra no interior dos grupos sociais.

Essa proibição estabelece o vínculo que une o estado natural do homem ao seu estado

cultural, possibilitando a exogamia. Dessa forma, a proibição das relações sexuais entre

parentes consangüíneos é considerada um tabu. Freud (1913) refere, ainda, que o termo

“tabu” é de origem polinésia e significa algo consagrado, misterioso e perigoso. Ele cita

Wundt, que descreveu o tabu como o código de leis não escrito mais antigo do homem

(Wundt 1906, apud Freud, 1913:37).

O texto de Sigmund Freud Totem e Tabu (1913) aborda as teorias antropológicas,

sociológicas e psicológicas sobre a proibição do incesto, e contém a descrição da história

mítica da horda primeva. Nos primórdios da humanidade, os homens viviam em grupos

dominados por um macho mais velho, forte, poderoso e possuidor único de todas as fêmeas.

Desse modo, os machos mais jovens não tinham acesso às mulheres. Revoltados, uniram-se e

mataram o líder, devorando-o para incorporar seu poder e para terem acesso às fêmeas. No

entanto, ao invés de se alegrarem e de se sentirem vitoriosos, sentiram remorso e culpa.

A partir de então, o grupo conseguiu instituir um elemento de proibição, um elemento

simbólico que lembraria, para sempre, os dois crimes que haviam praticado: o incesto e o

assassinato do pai da horda. Esse elemento seria um totem, um animal, por exemplo, que

jamais poderia ser tocado, morto ou ingerido, caso contrário, a punição seria a morte ou

alguma desgraça para o grupo. Assim, conseguiram estruturar uma lei que se tornou a

organizadora daquele grupo social: a proibição do incesto.

48

O termo incesto é usado, de forma mais específica pela psicanálise, para designar

relações que são interditadas em decorrência de um vínculo parental, o qual varia de cultura

para cultura. Cohen (2000) define o incesto e o abuso o sexual da seguinte forma:

Abuso sexual é qualquer relacionamento interpessoal no qual asexualidade é veiculada sem o consentimento válido de uma daspessoas envolvidas, implicando em violência psicológica, social e/oufísica.Incesto é o abuso sexual intra-familiar, com ou sem violênciaexplícita, caracterizado pela estimulação sexual intencional por partede um dos membros do grupo que possui um vínculo parental peloqual lhe é proibido o matrimônio. (Cohen, 2000: 8).

A partir do contato com a prática do Centro de Estudos e Atendimento Relativos ao

Abuso Sexual, coordenado por Cohen, e de seus escritos, é possível observar que este autor

aponta para as dimensões de saúde mental e de justiça presentes nas situações de incesto e

abuso sexual.

Concorda-se com esta visão, e ela será adotada neste trabalho, mas com algumas

considerações que somam aspectos importantes à mesma: a questão do incesto e do abuso

sexual- além de envolver aspectos da justiça e da saúde mental - traz, em seu bojo, o contexto

social, com fatores que podem contribuir para a vulnerabilidade de crianças e adolescentes à

violência sexual. Esse contexto social pode tanto favorecer a ocorrência do abuso sexual,

quanto evitá-lo, além de serem de extrema importância os pilares de sustentação que daí

advêm – família, comunidade, rede de atendimento, etc – e que podem servir à atenção e

proteção da criança e do adolescente quando a violência sexual já aconteceu. É importante

observar que quando o autor diz na definição de abuso sexual, “sem o consentimento válido”

de uma das partes, pois nas situações de abuso sexual contra crianças e adolescentes este fator

deve ser sempre considerado. Isto porque, ainda que a criança ou o adolescente “digam sim”

ao abuso, ou seja, não rejeitem a atitude sexualizada do adulto com ela (e), a situação não

deixa de ser abusiva, uma vez que crianças e adolescentes são indivíduos em condição

peculiar de desenvolvimento, e ainda apresentam limites quanto ao que podem ou não

consentir e decidir por si mesmos. A responsabilidade pela interdição do incesto, pelo

estabelecimento do limite na relação com a sexualidade infantil e adolescente é do adulto.

49

Leclaire (1979) considera o termo incesto como significando “gozar sexualmente com

a mãe”, seja menino ou menina. Ele ressalta que não é possível para uma criança de 3 a 5 anos

entender o significado do incesto da mesma forma que um adulto, por isso o sentido do

incesto para a criança consiste na posse da mãe, não se limitando à relação genital.

Vistas as definições acima, volta-se à questão inicial: incesto ou abuso? São ermos

com significados diferentes, embora -às vezes- interpretados como se fossem a mesma coisa.

Cohen (2000) - ao conceituar o abuso sexual- circunscreveu-o como passível de acontecer em

qualquer relacionamento social, enquanto - em relação ao incesto- foi categórico,

delimitando-o como um tipo de abuso que acontece entre pessoas que possuem um vínculo

parental pelo qual lhe é proibido o matrimônio. Para a justiça, não existe a categoria incesto

tipificada na lei, mas, para os profissionais da saúde e do social, é fundamental compreender a

diferença entre um episódio de abuso sexual e um abuso sexual incestuoso. O primeiro pode

acontecer fora da relação familiar, quando, por exemplo, uma criança ou um adolescente sofre

o abuso sexual cometido por um estranho. Já o segundo está diretamente relacionado à

dinâmica familiar e envolve um “pacto de silêncio” entre os membros da família. Assim,

todos sabem, mas ninguém se pronuncia no sentido de romper esse ciclo intergeracional. Para

a equipe cuidadora da criança e da família, compreender a dinâmica do incesto é fundamental

para nortear a proposta de intervenção.

A delimitação da violência doméstica e sexual, de acordo com os diferentes conceitos,

tem uma função didática, porém sabe-se que, na prática, eles estão muito próximos.

Geralmente as pessoas expostas à violências podem, ao mesmo tempo, estar submetidas a

mais de um tipo de violência. Muitas vezes, elas acontecem ao mesmo tempo ou de forma

alternada. Essas violências mantêm uma relação entre si e as suas conseqüências variam de

pessoa para pessoa. Em minha prática de atendimento a essas situações, observo que a

violência psicológica e a negligência freqüentemente estão presentes em todas as formas de

violência.

Dessa forma, observa-se que a violência doméstica, o abuso e as diferentes formas de

expressão da exploração sexual contra crianças e adolescentes estão intrinsecamente

relacionadas, como procuraremos discutir a seguir.

50

2.6 - Exploração Sexual Comercial

A exploração sexual de crianças e adolescentes, embora muitas vezes apresente

relação com situações de violência doméstica – sexual ou não – vividas pela criança ou pelo

adolescente, enquadra-se nas formas de violência sexual extrafamiliares.

Com base na classificação do Instituto Interamericano Del Nino (OEA:1998, apud

Leal & Leal:2003), a violência sexual contra crianças e adolescentes foi subdividida em dois

grupos: o abuso sexual e a exploração sexual comercial. Do primeiro grupo, fazem parte os

atos abusivos intra e extra - familiares, perpetrados sem a intermediação do dinheiro,

enquanto que, do segundo grupo, fazem parte aqueles atos em que, de certa forma, há a troca

do sexo por uma remuneração.

A exploração sexual comercial de crianças e adolescentes, segundo Leal, está

relacionada a:

... aspectos históricos, econômicos e ao sistema de valores arbitradosnas relações sociais, especialmente o patriarcalismo, o racismo e aapartação social, os quais se opõem a idéia de emancipação dasliberdades econômicas, culturais e da sexualidade humana.(LEAL, 2001:8).

Na avaliação dos aspectos desencandeantes e mantenedores deste fenômeno, Leal

(2000) destacou três categorias complexas e distintas: o mercado, a sexualidade e a violência.

Essas mesmas categorias foram analisadas por Libório (2003) que elegeu mais duas

categorias para se pensar nos fatores que dão sustentação ao fenômeno, são eles: a violência e

a sexualidade na adolescência e os riscos, danos e a vulnerabilidade, como aspectos

psicológicos que interferem na construção da identidade do adolescente.

Dessa forma, ambas associam a violência estrutural, social e interpessoal à violência

sexual, sendo esta causadora de danos e riscos nos níveis pessoal e coletivo. Nessa lógica, o

abuso sexual se relaciona à violência intra e extra-familiar e a exploração sexual comercial,

51

além dos fatores intra-familiares, tem o mercado como base de sustentação. Assim, a

exploração sexual comercial de crianças e adolescentes é definida como:

O uso da criança com propósitos sexuais na troca por dinheiro oufavores entre a criança, o consumidor, intermediário ou agente eoutros. Dessa forma, considera-se que as três formas de exploraçãosexual comercial – prostituição infantil, tráfico e venda de criançasentre países, ou dentro dele, com propósitos sexuais e a pornografiainfantil – estão extremamente ligadas. O tráfico com propósitossexuais implica, como conseqüência, a prostituição e esta éfreqüentemente combinada com a produção de fotos, vídeos e outrasformas de material sexual explícito envolvendo crianças. (ECPAT,2002:10)

As diferentes formas de expressão da exploração sexual comercial ainda estão

associadas a fatores tais como (Leal, 2001):

• desestruturação da família empurrando os jovens para as redes de exploração e ou

de tráfico de drogas;

• naturalização e incentivo da prostituição;

• relação estreita entre exploração sexual e narcotráfico;

• intercâmbio de crianças e adolescentes prostituídos (entre regiões e entre

prostíbulos);

• impunidade dos agressores e agenciadores;

• relação entre as redes de exploração sexual com os assassinatos de crianças e

adolescentes;

• políticas ineficientes;

• cárcere privado associado à exploração sexual.

Leal (2001) categorizou os indicadores macro-sociais e culturais que favorecem a

exploração sexual comercial, associando-os ao consumo, tais como: a globalização da

economia, as redes de exploração sexual no mercado transnacional e local, a exploração do

52

trabalho como gerador de pobreza e de desemprego; a desigualdade social, de gênero, raça e

etnia; a desigualdade geossocial rural e urbana; a migração legal e ilegal; a desestruturação

familiar e o consumo.

Essas categorias explicativas da exploração sexual - associadas aos indicadores macro-

sociais- são formas interessantes de dimensionamento deste fenômeno contemporâneo,

complexo e polêmico. No entanto, é importante não limitar, unicamente, o dimensionamento

e as causas da exploração sexual comercial, a essas categorias e indicadores, uma vez que

existem aspectos relativos à subjetividade dos sujeitos, intrínsecos à história pessoal de cada

indivíduo que, associados a fatores macro-sociais, contribuem para a inserção de adolescentes

no mercado do sexo.

Dessa forma, pode-se concluir que a exploração sexual é um problema sério e danoso

para crianças e adolescentes, vitimizando um número significativo de meninas e meninos.

Rebouças (2004), em sua pesquisa sobre o legado da prostituição e a violência familiar

na constituição da exploração sexual comercial de crianças e adolescentes na cidade de

Santos, ressaltou que a exploração sexual comercial infanto-juvenil é um fenômeno cuja

aparência não coincide com a sua verdadeira estrutura. A incidência, tal como se apresenta, é

superficial, o que exige do pesquisador desvendar e tentar descobrir as suas determinações e

seus atributos, para a constituição dos fatos concretos. Ele tentou, com isso, compreender os

elementos que conduzem as crianças e os adolescentes para essa situação de risco, observando

os seguintes elementos:

1 - a negligência dos familiares em relação a suas crianças e aosseus adolescentesque sofreram violências de ordem psicológica,física e sexual;2 - a transmissão geracional da cultura e dos valores do exercício daprostituição por mães ou responsáveis que foram ou que sãotrabalhadores do sexo repassam para as suas filhas na convivênciafamiliar. (Rebouças,2004)

Assim, o autor conclui que as conseqüências dessas violências vulnerabilizam crianças

e adolescentes, favorecendo o ingresso no mercado do sexo. Pauta-se na convicção de que

esse legado e essa violência, articulados e integrados com outros fatores, são desencadeadores

53

de um processo que vitimiza crianças e adolescentes que ingressam precocemente e

ilegalmente no mercado do sexo (Rebouças, 2004).

Rebouças (2004) conseguiu estabelecer, no Espaço Meninas15, uma relação intrínseca

entre o abuso sexual intrafamiliar e a exploração sexual comercial, vivenciada por 69

adolescentes atendidas neste serviço. Essas adolescentes foram acompanhadas pela equipe

psicosocial e todas estavam envolvidas em situações de exploração sexual. Concluiu que 35%

dessas adolescentes sofreram violência sexual na infância em seus próprios lares, podendo

esse índice ser maior, pois os traumas decorrentes dessa violência podem inviabilizar ou

dificultar a verbalização da situação vivida. Ainda, 34% dessas jovens possuem filhos, sendo

a gravidez precoce, geralmente, uma válvula de escape para sair de casa, com a intenção de

evitar a perpetuação da violência física ou sexual sofrida no lar. Assim, por meio da gravidez,

as meninas tentam elaborar projetos de vida futuros, com o objetivo de obterem melhores

condições de vida, porém, às vezes, passam a viver em locais e condições ainda mais

precários do que os que viviam. Com isso, os dados dessa pesquisa confirmam o que já se

havia pontuado em termos da interrelação entre as diferentes formas de violência.

Outra pesquisa - desenvolvida por Gomes (1994), sobre a violência enquanto agravo à

saúde de meninas que vivem nas ruas - teve como objetivo analisar a configuração dos

programas voltados para o atendimento de meninas que vivem nas ruas, da exploração sexual

infantil feminina e do processo saúde-doença vinculado à sexualidade. O autor procura

articular a prostituição feminina com o processo saúde-doença ligados à sexualidade e à

violência estrutural, perpassada pela questão da pobreza.

Numa análise geral, essa pesquisa visou à configuração da exploração sexual entre

meninas que vivem nas ruas, articulando os aspectos micro e macrossociais, na identificação

do siginificado da prostituição para essas jovens.

A pesquisa citada concluiu que as violências cometidas contra as meninas que vivem

nas ruas, de um modo geral, revelam atos violentos ligados ao sexo, existindo, ainda, uma

faceta da violência estrutural que assume um grau significativo no conjunto dos atos violentos

cometidos contra a mulher.

15 Centro de acompanhamento de adolescentes expostos à exploração sexual na cidade de Santos – SP.

54

As marcas decorrentes dessas situações aparecem em relatos, com agravos no campo

da saúde mental16, evidenciados por profundos comprometimentos emocionais, inseguranças,

medos e baixa auto-estima, que podem ser caracterizados como comportamentos paralisantes

num processo de recuperação da cidadania das meninas.

2.7 – Prostituição

O uso do termo prostituição infantil é um equívoco, uma vez que crianças e

adolescentes não são prostitutos, mas sim prostituídos por agentes adultos. Embora a

prostituição infantil seja classificada como uma das formas de expressão da exploração sexual

comercial, deve-se ter cuidado na utilização deste termo, para não se incorrer na armadilha de

revitimizar os jovens que estão vulneráveis a essa situação, culpabilizando-os pela mesma. O

ECPAT definiu a prostituição como: o uso de uma criança em atividades sexuais em troca de

remuneração ou outras formas de consideração. (ECPAT, 2002: 12)

Saffioti (1989 e 1995) estabeleceu uma relação entre abuso sexual e prostituição, e

contextualizou o fenômeno da exploração sexual de crianças numa perspectiva econômica.

Concluiu que as crianças são envolvidas em atividades que causam prazer ao adulto, sendo

essas prejudiciais a sua saúde mental. Associou essa problemática à vitimização sexual

intrafamiliar, considerando-a um dos fatores de encaminhamento da criança e do adolescente

para a prostituição.

Leal (2000) categorizou a configuração da prostituição por meio de prostíbulos

fechados, os quais se localizam, com freqüência, nas proximidades dos garimpos. Nesse local,

a prostituição se apresenta de forma muito desumana, onde adolescentes são submetidos a

situações extremas de humilhação e violência. Ainda destacou outras formas de prostituição

que considera decorrentes da violência física ou sexual e ou de situações de extrema miséria e

negligência sofridas no ambiente familiar. Concluiu, também, que essas violências sofridas,

16 Um número significativo das adolescentes entrevistada por Gomes, apresentavam doenças mentais, decorrentes das situações de violência

que foram submetidas.

55

muitas vezes contribuem para que crianças e adolescentes vivam nas ruas, locais onde

vendem o próprio corpo em troca de sobrevivência e, muitas vezes, de afeto.

Continuando na mesma linha de pensamento, Saffioti (1995) afirmou que o incesto é

altamente responsável pela prostituição infanto-juvenil, por ser um problema fechado dentro

da família. Assim como Leal (2000), referiu que, para fugir dos abusos, geralmente crianças e

adolescentes fogem de casa e se deparam, nas ruas, com a prostituição, como alternativa de

sobrevivência, o uso do corpo é a única maneira de obter atenção, “afeto” , enfim, o corpo é

uma coisa com a qual se pode transacionar, como se fosse uma mercadoria (SAFFIOTI,

1995: 22).

A menina vai repetir, nas ruas, exatamente o que aprendeu em casa, sendo que o

diferencial- na repetição deste comportamento - é que, nas ruas, o sexo é pago. Estende-se,

também, esse posicionamento para os meninos, pois meninos são freqüentemente abusados

sexualmente em seu ambiente doméstico e, do mesmo modo, expostos à prostituição.

Pensando na prostituição adulta, de onde muitas vezes se parte para pensar a situação

da criança e do adolescente, pode-se citar Leite (1995) que apresenta três grandes concepções

internacionais para esta atividade:

• Regulamentarista – considera a prostituição um mal necessário; dessa forma, a

sociedade controla, confina e fiscaliza a prostituição, por meio do discurso médico.

Essa concepção prevaleceu no Brasil, do início do século XX até a década de

1960, e está baseada na medicina sanitária.

• Abolicionismo – trata a mulher na prostituição como uma escrava, assim, a mulher

é uma vítima que precisa ser salva. Essa concepção surgiu na França, associada ao

consumismo, à sociedade capitalista ocidental e ao machismo. Essa corrente teve

uma forte adesão no Brasil.

• Autodeterminação – para essa corrente de pensamento, a mulher prostituta é

concebida enquanto cidadão e sujeito de direitos. Essa concepção também surgiu

na França, na década de 60, onde as mulheres prostitutas se posicionaram da

seguinte forma: Todo mundo fala sobre nós. Nós queremos falar sobre nós

mesmas. A partir daí, fundou-se o Comitê Internacional para os Direitos da

Prostituta, o qual vem cristalizando um movimento de profissionais do sexo. Essa

56

concepção possibilitou a fala da mulher prostituta e uma mudança, por parte das

entidades de defesa desta causa, que concebiam a prostituição simplesmente como

uma falta de opção.

Leite (1995) refere que a prostituição é muito mais complexa e tem a ver com a

questão de como a sociedade encara a sexualidade, os tabus com relação a sexo, com a

concepção cristã ocidental de que sexo é igual a amor. A Associação Nacional de Prostitutas

compreende a prostituição como um trabalho, porém se posiciona contra a prostituição e o

trabalho infantil. Esse movimento parte do pressuposto de que crianças e adolescentes são

prostituídos.

A pesquisadora Juliano (2004) analisa que os fatores desencadeantes da prostituição

estão relacionados ao contexto social, o qual favorece a atividade sexual, o trabalho sexual e o

pagamento em dinheiro vivo. Com base nessas premissas, essa pesquisadora associa os

fatores determinantes da prostituição às condições e possibilidades de trabalho, às formas de

entender a sexualidade e os papéis de gênero. Ela, ainda, estabelece um paralelo entre o

modelo masculino e a desvalorização do modelo feminino, e evidencia que- em uma

sociedade de consumo - os estereótipos de independência pessoal se expressam por meio do

delito e da prostituição, principalmente, para mulheres jovens e de classes sociais menos

favorecidas.

As pesquisas referentes à prostituição e a violência sexual, de uma forma geral,

demonstram que existem várias leituras e interpretações desse fenômeno. Calligaris (2006),

por exemplo, fazendo uso da psicanálise, fala sobre a representação da prostituição no

psiquismo feminino e conceitua a “fantasia de prostituição” que, segundo a autora, seria

constitutiva do imaginário feminino. A fantasia de prostituição estaria presente no imaginário

de toda mulher, algo que a constitui como mulher e que contribui para o “afastamento do pai”,

abrindo espaço para que possa vir a desejar outros homens. O problema se constitui quando a

fantasia se transforma em passagem ao ato, como acontece na prostituição ou mesmo na

violência sexual.

Essa forma de problematizar e inserir a prostituição como sendo algo intrínseco ao

psiquismo e à fantasia é importante, e deve ser considerado não apenas na escuta de mulheres

adultas, mas também de adolescentes. No entanto, é fundamental que não se perca a dimensão

57

dos aspectos sócio-econômicos referentes à violência e ao agenciamento que a atividade da

prostituição impõe, primordialmente, em se tratando de adolescentes.

2.8 - Turismo com Motivação Sexual

Continuando a exposição e reflexão sobre as formas de exploração sexual de crianças

e adolescentes e os conceitos relacionados, chega-se ao turismo com motivação sexual. Esse

se constitui como a exploração sexual de crianças por estrangeiros que visitam outros países,

geralmente, países em desenvolvimento, com o intuito de ter relações sexuais com crianças

(ECPAT, 2002).

É importante acrescentar-se a essa definição do ECPAT o fato de que o turismo

nacional, também, pode envolver situações de exploração sexual de crianças e adolescentes,

ou seja, que não apenas os turistas estrangeiros desenvolvem essa atividade, mas também

aqueles que estão em viagem pelo próprio país.

Esse tipo de exploração sexual acontece de forma organizada em redes de aliciamento

e agenciamento, incluindo diversos interlocutores, entre agências de turismo nacionais e

estrangeiras, hotéis, taxistas, boates, restaurantes, etc. As adolescentes do sexo feminino,

pobres são os alvos desse comércio, que está diretamente ligado também ao tráfico

internacional. No Brasil, esse tipo de turismo acontece de forma mais intensa nas regiões

litorâneas, com maior incidência na região Nordeste. Já o turismo portuário e de fronteiras,

tem maior incidência nas regiões banhadas por rios navegáveis das regiões Norte e Centro-

Oeste do Brasil, em fronteiras nacionais e internacionais. Os usuários mais freqüentes dessa

modalidade são turistas estrangeiros, tripulações de navios cargueiros e, também, a população

local.

O pesquisador Arim Soares do Bem (2003) analisa o crescimento do turismo com

motivação sexual como uma das conseqüências do processo de ampliação de potencialidades

produtivas no período pós-guerra, ancorado no modelo fordista de acúmulo de capitais. No

que se refere ao Brasil, considera a falta de consolidação e de integração econômica como

sendo um dos fatores desencadeantes do turismo com motivação sexual, destacando o

exemplo do Nordeste que apresenta entraves alicerçados em sua estrutura produtiva.

58

Desse modo, um desses entraves pode ser atribuído ao caráter excludente do modelo

de desenvolvimento que revela a manutenção de níveis elevados de concentração de renda e

de pauperização de grandes setores da população, que são fatais para o desenvolvimento do

turismo com motivação sexual na região.

Entre os anos de 1955 e 1975, o processo de industrialização no Brasil favoreceu a

redefinição da estrutura tradicional local, principalmente, no Nordeste, que iniciou um

processo de reurbanização turístico, com destaque, para as capitais Salvador, Natal, Recife e

Fortaleza, que passaram a ser cidades conhecidas como espaço do prazer e do consumo, sendo

essas incluídas como destinação turística nacional e internacional.

Esse fluxo turístico com caráter exótico foi intensificado a partir da décadade 1970. Ao mesmo tempo, aumentava o fluxo migratório de mulheresprovenientes de países do terceiro mundo, de alguns países do LesteEuropeu, para os países industrializados, principalmente, para a Europa eos Estados Unidos, envolvendo mulheres originárias da América Latina,Ásia, Caribe, África, Romênia, Hungria, Tchecoslováquia, Polônia, Rússiae Iugoslávia (Do Bem, 2003).

A circulação crescente de seres humanos - para fins de exploração sexual- é

caracterizada pelo surgimento de um mercado de alto risco e de altos ganhos para seus

agenciadores e que só pode funcionar de forma organizada e criminosa nos vários países

envolvidos conforme refere Do Bem (2003), a seguir:

O mercado de migração e tráfico de mulheres, crianças eadolescentes está totalmente conectado com os eixos de circulação dedrogas. Há, assim, uma interdependência estrutural e funcional entreas redes especializadas no transporte de “alto risco” de mercadoriase de seres humanos, por meio das fronteiras nacionais einternacionais. (Do Bem, 2003: 36).

2.9 - Tráfico e venda de crianças para propósitos sexuais

Considera-se Tráfico de Seres Humanos:

59

Todos os atos envolvendo o recrutamento ou transporte de pessoasentre ou através de fronteiras que implicam em engano, coerção,aliciamento ou fraude, com o propósito de colocar as pessoas emsituação de exploração, como a prostituição forçada, práticassimilares à escravidão, trabalhos forçados ou serviços domésticos,com o uso de extrema crueldade(ECPAT, 2002:22)

O Relatório Nacional da Pesquisa Sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes

para Fins de Exploração Sexual Comercial (PESTRAF, 2003) mapeou 241 rotas de tráfico de

seres humanos existentes no Brasil. Ainda, definiu que o tráfico para fins sexuais é

predominantemente de mulheres e adolescentes afro-descendentes, entre 15 e 25 anos de

idade, e que as mulheres e adolescentes submetidas a essa situação, geralmente, já sofreram

algum tipo de violência intrafamiliar (abuso sexual, estupro, sedução, atentado violento ao

pudor, maus-tratos, dentre outros) e extra-familiar em escolas, abrigos e em outras relações.

Observa-se, também, que - no relatório da citada pesquisa - as mulheres e adolescentes são

recrutadas para o tráfico doméstico e internacional com a promessa de melhoria das condições

de vida, por meio de diferentes formas, tais como: anúncios em jornais para empregos de

bailarinas, garçonetes, empregadas domésticas, casamentos, dentre outros.

A PESTRAF cita, também, a existência da forma de contrato direto com os traficantes

ou por intermédio de amigos, colegas, parentes ou conhecidos, entre outros. Nesse sentido, o

explorador é aquela pessoa que demanda mulheres, crianças e adolescentes para explorá-las

através das redes de favorecimento do tráfico para fins sexuais ou para consumir os serviços

sexuais ofertados por estas redes (PESTRAF, 2003:53).

A fragilidade das redes protetivas – família, sociedade, estado, escola - favorece a

inserção da criança e do adolescente nas redes de comercialização do sexo. Portanto, não ter

uma estrutura de referência e proteção, torna a criança e o adolescente vulneráveis ao

aliciamento.

As máfias internacionais, russa, chinesa, japonesa, italiana, israelita,espanhola e mexicana, utilizam-se de pacotes turísticos e da internet,para agenciar a venda de meninas e contam com a conivência dealguns elementos das Polícias Civil e Militar, das Agências de

60

Modelos, de Comissários de Menores e de funcionários deaeroportos. (Relatório Sudeste da PESTRAF, 2003:67)

Dessa forma, o aliciamento e agenciamento de crianças, adolescentes e mulheres

acontece por meio das redes do mercado da moda, das agências de modelo fotográfico, vídeos

e filmes. Além dessas, as agências de emprego, de casamento, de tele-sexo, de turismo, entre

outras, são fontes sedutoras que envolvem diariamente jovens no sonho de uma vida melhor.

Além disso, o tráfico transnacional não envolve somente as pessoas em atividades

relativas à exploração sexual comercial (prostituição, turismo sexual, pornografia e tráfico

para fins sexuais), mas também em outras formas de exploração, tais como: o trabalho

forçado e escravo na agricultura, nas casas de entretenimento, na pesca, nos serviços

domésticos e outros. A visibilidade para esse fenômeno é difícil, por se tratar de uma questão

que envolve o crime organizado e a corrupção.

Ainda tem-se, como agravante, a fragilidade das redes de notificação existentes nas

estruturas de poderes governamentais, o que provoca o descrédito da população nesses canais

de interlocução, para a realização de denúncias. Atualmente o Brasil tem o Sistema de

Notificação Nacional para casos de violência sexual, o disque 100. No entanto, cada país

adota uma legislação específica para este assunto, o que se complica mais quando a situação

envolve o tráfico internacional.

As rotas de tráfico no Brasil são estrategicamente construídas a partir das cidades que

estão próximas às rodovias, aos portos e aeroportos, sejam esses oficiais ou clandestinos.

Esses locais são pontos de fácil mobilidade. De acordo com o relatório da PESTRAF17, a rede

de tráfico pode se utilizar de vias aéreas, terrestres, hidroviárias e marítimas para realizar o

tráfico de seres humanos. De acordo com Do Bem:

O tráfico produz novos efeitos perversos sobre a migração, atuandonegativamente sobre toda a população de migrantes nos paísesindustrializados, incentivando o acirramento de políticas deemigração altamente restritivas e excludentes, aumentado arepressão sobre as minorias étnicas (Do Bem, 2005:38)

17 Pesquisa Sobre Tráfico de Mulheres, Criança e Adolescentes para fins de Exploração Sexual Comercial.

61

2.10 - Pornografia Infantil

Uma forma de exploração sexual de crianças e adolescentes, que vem crescendo e

cujos crimes relacionados têm sido amplamente difundidos na mídia, é a pornografia infantil.

Essa é definida como qualquer representação, através de quaisquer meios de comunicação,

de uma criança engajada em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou qualquer

exibição impudica de seus genitais, com a finalidade de oferecer gratificação sexual ao

usuário, e, além disso, envolve a produção, distribuição e ou uso de tal material (ECPAT,

2002).

A pornografia infantil, geralmente, está associada à pedofilia no senso comum,

contudo existem diferenças entre as pessoas abusadoras sexualmente de crianças e aquelas

consideradas pedófilas, das pessoas que são exploradores ocasionais e das pessoas que

agenciam a pornografia infantil (que podem ou não ser pedófilas) e, geralmente, são

investidoras de um negócio ilegal gerador de muito lucro.

Os pedófilos são aqueles que preferem fazer sexo com meninas e meninos pré-púberes

e seu comportamento segue um padrão praticamente definido. Regularmente, eles obtêm

material pornográfico envolvendo crianças e são colecionadores de fotos, vídeos e outros

meios de gravar a imagem daquelas com quem tem contato, com o objetivo de “congelar” sua

idade18. A pedofilia é tratada como uma categoria dos transtornos psiquiátricos, devendo o

diagnóstico diferencial ser definido por profissional qualificado na área médica. Nem todas as

pessoas que cometem abuso sexual contra crianças e adolescentes podem ser consideradas

pedófilas, pois a maioria delas não segue os padrões definidos para a categoria nosológica de

pedofilia.

Os exploradores ocasionais são aquelas pessoas que não se importam se o seu parceiro

sexual é ou não criança. Em alguns casos, a demanda por menores de idade para o sexo está

baseada na crença de que eles têm menos chance de ter muitos parceiros e, portanto, têm

18 WORLD CONGRESS against sexual exploitation of children. Fact Sheets. Estocolmo, 1996b. Mimeo. Disponível no

endereço http://www.childhub.ch/webpub/csechome/.

62

menos chance de transmitir infecções. Em alguns locais, existem mitos de que fazer sexo com

uma criança pode curar doenças, rejuvenescer ou até melhorar o trabalho. Algumas pessoas

fazem sexo sem perguntar a idade do parceiro, e podem ser pessoas que, em circunstâncias

normais, não se relacionariam com crianças, mas o faz em detrimento de uma situação

excepcional, como um feriado num local exótico, estar alcoolizado ou sob o efeito de

substâncias psicoativas.

Segundo Landini (2000), a pornografia infantil serve a vários objetivos, tanto para

pedófilos, como para molestadores de crianças. Os molestadores preferenciais de crianças,

muitas vezes, possuem grandes coleções de pornografia infantil, que são meticulosamente

catalogadas e cuidadosamente guardadas. Entretanto, eles não são os únicos a produzir ou

consumir pornografia infantil. Um segmento ainda maior da população está interessado na

pornografia que mostra adolescentes. Além disso, com a emergência do uso de computadores,

para traficar pornografia infantil, um novo e crescente segmento de produtores e

consumidores está sendo identificado: são os indivíduos que podem não ter uma preferência

sexual por crianças, mas que já conhecem a pornografia adulta e estão à procura de um

material mais bizarro ou novo.

63

CAPÍTULO – III

POLÍTICAS PÚBLICAS, REDES SOCIAIS E O SISTEMA ÚNICO DE

ASSISTÊNCIA SOCIAL

... Faro do planeta e do firmamento,

Bússola enamorada da eternidade,

Um sentimento lancinante de horizontes,

um poder de abraçar, de envolver

as coisas sofredoras,

e levá-las no ombros, como os anhos e as cruzes.

E somos um bando sonâmbulo,

Passeando com felicidade

Por lugares sem sol nem lua.

Compromisso – Cecília Meirelles

64

Neste capítulo, serão abordados os desafios existentes na estruturação das redes sociais

e das políticas públicas de enfrentamento à violência doméstica e sexual contra crianças e

adolescentes, como integrantes das políticas de assistência social, em uma interface

permanente com as demais políticas. Para tanto, será definido primeiramente, o que vem a ser

política baseada nos princípios estabelecidos por Hanna Arendt. Para isso, passar-se-á

rapidamente pelo conceito de ideologia segundo Zizek e, posteriormente, serão estabelecidos

os principais conceitos de redes sociais, baseando-se em Whitaker, Castells, Brandt e

Tschiedel.

3.1 - Conversando sobre a relação entre Política, Estado e Ideologia

As definições de política, na nossa língua portuguesa, são as seguintes:

1. Ciência dos fenômenos do Estado; ciência política;

2. Sistema de regras respeitantes à direção dos negócios políticos;

3. Arte de bem governar os povos;

4. Conjunto de objetivos que foram determinados pelo programa de ação

governamental e condicionam a sua execução;

5. Princípio doutrinário que caracteriza a estrutura constitucional do Estado;

6. Posição ideológica a respeito dos fins do Estado; [...]

7. Habilidades no trato das relações humanas, com vistas à obtenção dos resultados

desejados;

8. Civilidade, cortesia;

9. Astúcia, ardil, artifício, esperteza [...].

(Ferreira, 2000:543)

65

Dentre as definições de Ferreira, será destacada aquela que entende política como uma

posição ideológica a respeito dos fins do Estado. A razão dessa escolha é a crença de que

qualquer conceituação sobre política sempre será atravessada pela idéia do que é a vida em

comunidade e o que se pensa sobre a relação entre o governo e a vida do cidadão.

Associando livremente é possível pensar que o conjunto de idéias articuladas sobre a

vida em comunidade leva ao conceito de Estado, pois é o Estado que modernamente assume a

função de mediar a vida dos cidadãos. Entretanto, há várias maneiras de se pensar esse papel

político do Estado.

Hanna Arendt recupera a origem do Estado democrático tendo por base o conceito de

Aristóteles sobre a polis,no qual se pensava o político como sinônimo de liberdade. É possível

ver o quanto a política se desvirtuou do seu verdadeiro sentido, pois considerando o fato da

pluralidade dos homens, ela [a política] deve, portanto, organizar e regular o convívio de

diferentes, não de iguais. (Arendt, 2007).

Associando um pouco mais, pergunta-se sobre as ideologias que sustentam as opiniões

e a manutenção do formato de Estado que se tem atualmente. Para tanto, parte-se do

pressuposto que a ideologia nada tem a ver com “ilusão”, com uma representação

equivocada e distorcida do seu conteúdo social (Zizek, 1996, pg. 12). A visão de ideologia

adotada neste trabalho é aquela que, mesmo apresentando um discurso verdadeiro de dizer o

conteúdo dos fatos em si, ainda assim, esconde seu principal conteúdo, ou seja, a relação de

dominação social (poder, exploração) de forma não transparente. Assim Zizek nos diz:

O ponto de partida da crítica da ideologia tem que ser o plenoreconhecimento do fato de que é muito fácil “mentir sob o disfarce deverdade”. Quando, por exemplo, uma potência ocidental intervémnum país do Terceiro Mundo em decorrência de violações dosdireitos humanos mais elementares não têm sido respeitados, e que aintervenção ocidental irá efetivamente melhorar o quadro dessesdireitos. Mesmo assim essa legitimação é “ideológica”, na medidaem que deixa de mencionar os verdadeiros motivos da intervenção(interesses econômicos etc). O modo mais destacado dessa “mentirasob o disfarce de verdade”, nos dias atuais, é o cinismo: comdesconcertante fraqueza, “admite-se tudo”, mas em plenoreconhecimento de nossos interesses não nos impede, de maneiraalguma, de persegui-los; a fórmula do cinismo já não é o clássicoenunciado marxista do “eles não sabem, mas é o que estão fazendo”;agora é “eles sabem muito bem o que estão fazendo, mas fazem assimmesmo”. (Zizek, 1996:14)

66

Ainda segundo Zizek, a ideologia é um conjunto de idéias que sustentam as ações

independentemente de termos ou não consciência delas. Entretanto, para que a ideologia seja

eficaz em manter o sistema tal como é a lógica de legitimação da relação de dominação tem

que permanecer oculta.

É introduzido o tema da ideologia somente para ilustrar a seqüência de deslocamentos

que o tema política leva a fazer, todavia não se discorrerá mais sobre o tema, visto que este

capítulo pretende definir, minimamente, o termo, a fim de ajudar a sustentar a idéia das

políticas públicas e, nesse sentido, faremos um recorte de um extrato da política pública de

proteção especial, que cuida especificamente de crianças e adolescentes vulneráveis e ou em

situação de violência doméstica e sexual.

Para tanto, retomemos a concepção de Arendt de que a política faz parte da condição

humana e surge não no homem, mas sim entre os homens e que a liberdade e a

espontaneidade dos diferentes homens são pressupostos necessários para o surgimento de um

espaço entre homens (Arendt, 1996, p 16).

Com isso, a autora considera que as guerras e as revoluções marcaram a política do

século passado. Assim, o funcionar dos governos e sua prioridade, que deveria ser o de

mediar às relações comunitárias, ficaram em segundo plano. Por isso, todo e qualquer regime

totalitário tende a restringir a liberdade e espontaneidade dos homens. Assim, todo regime ou

ideologia que trabalha dessa forma acaba por desvirtuar o verdadeiro sentido da política, que é

a promoção da liberdade e a regulação do convívio dos diferentes. A autora acredita que:

A desgraça da política no século XX não reside no fato de quesurgiram terríveis regimes totalitários que apagaram a liberdadecomo característica essencial do político, mas sim no fato de que seusurgimento levou também os sistemas políticos, que pretendem serliberais, a correrem o perigo de ser infectados pelo bacilo totalitário.“Se um princípio de tamanha envergadura... chega ao mundo, équase impossível limitá-lo (Arendt, 1996, p 10).

Dessa forma, toda ideologia que restringe a liberdade e reprime a espontaneidade

humana somadas às corrupções nas estruturas de poder sustentadas por mecanismos violentos,

67

coercitivos e transgressivos, também constituem ameaças permanentes para a política dos

sistemas que se pretendem liberais.

Para se afastar de um pessimismo paralisante, que não é, em nenhuma medida, a

intenção da Arendt, é oportuno lembrar que a filósofa apresenta muita esperança ao pensar

sobre o futuro da política. Ela acredita que o homem é dotado do dom de fazer milagres, ou

seja, entende que é possível agir e impor um novo começo para a política, fazendo com que

ela recupere seus primeiros ideais pensados na Grécia (na era Socrática), pois o milagre da

liberdade está contido nesse poder começar que, por seu lado, está contido no fato de que

cada homem é em si um novo começo (Arendt, 1996, p 21), já que, por meio do nascimento,

todo homem veio a habitar um mundo que já existia antes dele e que continuará existindo

depois dele. (Arendt, 1996, p 22) É nesse sentido que esse capítulo apresentará como a

estrutura política foi moldada para responder às questões da infância. Pretende-se estabelecer

uma reflexão entre os mecanismos que oprimem a expressão humana e aqueles que realmente

tendem a libertar a expressão da criatividade e liberdade em nosso país. Nesse sentido, as

ações políticas e ideológicas fazem parte da organização e do funcionamento da sociedade.

Assim, faz-se necessário, nessa pesquisa, articular o tema das políticas públicas com o tema

das redes sociais.

3.2 - Conversando sobre a relação entre Políticas Públicas e Redes Sociais

Diversos estudiosos do campo das políticas públicas no Brasil apontam o caráter

piramidal, verticalizado e hierarquizado da estruturação das políticas em nosso país, neste

caso específico, das políticas para a infância com foco no atendimento integral às situações de

violência doméstica e sexual. Não faremos uma recuperação histórica dessa constituição, mas

não podemos deixar de assinalar a herança autoritária, assistencialista e fragmentária dessas

políticas. Essa visão conservadora se contrapõe à lógica atual de constituição das políticas

públicas no Brasil, a qual deve inserir-se de acordo com os pressupostos da universalização,

integralidade, equidade e igualdade.

No caso específico das políticas de atenção à infância, consideramos os pressupostos

filosóficos do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90), que orienta a estruturação

68

de serviços com base em um conjunto contínuo e integrado de ações e equipamentos para a

promoção, prevenção e proteção, contemplando a atenção integral para crianças, adolescentes

e famílias.

As políticas públicas nascem como resultado das necessidades e demandas da

população e devem assegurar direitos e deveres do coletivo, através de ações que sejam

permanentes, independentes dos interesses corporativos de categorias, partidos e setores

econômicos.

O público usuário das políticas públicas constitui-se de todo o cidadão que dela

necessitar, ou seja, o seu acesso é universal e o seu poder é partilhado por todos, não sendo

restrito ao Estado. Dessa forma, as políticas públicas reúnem as escolhas da sociedade,

transformadas em atos públicos realizados pelo Estado.

Segundo Gonçalves (2003), a proposta da psicologia social para a construção de

políticas públicas, deverá orientar:

a direção do indivíduo que tem projetos coletivos e que insere o seuprojeto de felicidade individual na felicidade coletiva. Para isso,recupera a noção da historicidade do homem e reafirma o sujeitocomo histórico... Assim, a atuação em políticas públicas deve ter essadireção: resgatar o homem de seus medos, de sua introjeção, torná-losaudável, em condições de participar da transformação da realidadeque o oprime. A crítica constante de nossa prática e dos referenciaisque utilizamos deve ser feita se queremos caminhar nessa direção.(Gonçalves apud Bock, 2003, p 293).

No entanto, para Yamamoto (2003) as prioridades das políticas sociais são definidas

através das políticas setorizadas.Essa forma de definição traduz-se nos conflitos entre os

interesses, que se fazem presentes nas formações capitalistas e que se traduzem na oposição

entre os interesses de acumulação do capital e os interesses dos cidadãos. (Yamamoto, apud

Bock, 2003, p 43).

A desconstrução desta forma de funcionamento é um grande desafio, só possível por

meio do estabelecimento de uma nova lógica de funcionamento, cujo princípio é a

horizontalidade das ações, as quais deverão ser compartilhadas em rede.

69

Para ajudar a compreensão sobre as políticas públicas e o funcionamento das redes,

recorremos a Castells (2000), que as define como:

[...] um tipo de organização específica que possui aspectos formais,arquitetura reticular, funcionamento horizontal e democrático. Elasconstituem uma nova morfologia social, a sua lógica modifica deforma substancial a operação e os resultados dos processosprodutivos e de experiência do poder oculto (Castells, 2000:420)

Com base nessa definição de Castells, observa-se que as redes são um tipo de

organização específica, que provocam uma nova dinâmica nos sistemas em que elas operam.

O funcionamento das redes prescindem de interconexão, participação, cooperação e vínculo

entre os seus interlocutores.

Carvalho Brandt (1999) ressalta que as redes têm um movimento permanente e

mutável, já que elas se tecem ou se dissolvem continuamente em todos os campos da vida

societária. Refere, ainda, que elas compõem nossa vida cotidiana, como nas relações de

parentesco, nas relações de vizinhança, nas relações comunitárias, no mundo dos negócios e

na vida pública (Brandt, 1999). Assim, infere-se que a existência de múltiplas redes explica a

diversidade das necessidades humanas e sociais, contribuindo efetivamente com os processos

de mudanças no campo das políticas públicas e sociais.

Dessa forma, as redes são organizações específicas, com aspectos processuais

fundados na multiplicidade de elementos, os quais estão interligados pela horizontalidade,

sendo que os elos que unem seus elementos são o resultado de uma pactuação voluntária e

não compulsória. Elas se interrompem nos pontos de inimizade, o que se pode chamar de nós

ou de incompatibilidade. A adesão voluntária às redes são pressupostos importantes em seu

funcionamento, porque provocam as interconexões que as mantém vivas.

As redes não são invenções abstratas, mas partem da articulação deatores, organizações – forças existentes no território para uma açãoconjunta multidimensional com responsabilidade compartilhada(parcerias) e negociada. (Faleiros, 2001:26)

70

O entrelaçamento das redes alinhado às políticas públicas abre possibilidades para o

desenvolvimento de ações que contemplem a escuta, o acolhimento e o cuidado da criança, do

adolescente e de sua família em situação de violência doméstica e sexual. Quando isso

acontece, os diferentes setores começam a estabelecer sintonia e complementaridade no

acompanhamento de cada situação, em particular, compartilhando saberes e poderes.

Com base nas observações descritas no parágrafo anterior e respaldadas nas posições

teóricas sobre redes de Whitaker (2004), infere-se que uma estrutura em rede é uma

alternativa à estrutura piramidal, correspondendo ao que o seu próprio nome indica:

(...) Seus integrantes se ligam horizontalmente a todos os demais,diretamente ou através dos que o cercam. O conjunto resultante écomo uma malha de múltiplos fios, que pode se espalharindefinidamente para todos os lados, sem que nenhum dos nós possaser considerado principal ou central, nem representante dos demais.(Whitaker, 2004, p3).

Seguindo a mesma linha da definição anterior, Tschiedel (2006) esclarece que as redes

são mais flexíveis do que os sistemas, mais históricas do que a noção de estrutura e mais

empíricas do que a noção de complexidade. Respaldada nessa visão, a autora estabeleceu

uma ponte entre as redes e as políticas públicas, referindo que essas são formuladas para

funcionar em redes, porém o processo histórico das políticas formuladas por um modelo

piramidal dificulta o seu funcionamento na horizontalidade. Assim, ressalta que as redes - na

esfera macro - são assépticas e estão vinculadas às forças hegemônicas, as quais exercem

controle para a manutenção do que está instituído. Na esfera micro ou molecular, as redes

aludem às forças institucionais dos pequenos movimentos, nas pequenas esferas de

convivência. Nesse sentido, conclui-se que as redes são o que os encontros entre as pessoas

podem produzir (Tschiedel, 2006, p12). Assim, as relações nelas traçadas estão ligadas ao

ambiente em que se vive e a seus vários contextos. A rede social é a junção de todas as

relações que o sujeito entende como essenciais para ele, sendo que ela também constitui o

próprio sujeito.

Dessa forma, compreende-se que para se trabalhar com a concepção de redes sociais é

necessário que se reconstrua a maneira de compreender e de intervir no mundo em que se

vive, considerando que tudo, de alguma forma, relaciona-se de múltiplas maneiras, ou seja,

71

desde o tratamento do indivíduo para com a natureza, assim como os vínculos humanos

subsistem em rede.

A subsistência das redes, em todos os campos de relações, realça de forma mais visível

o percurso das políticas públicas para a infância e adolescência. Essas políticas estão atreladas

aos movimentos sociais, à estruturação do Sistema Único de Saúde - SUS e, atualmente,

inserida no Sistema Único da Assistência Social – SUAS, do qual se falará especificamente

no item seguinte.

A partir da dinâmica ágil e da flexibilidade advinda do funcionamento em rede, a

gestão das políticas públicas passa a introduzir a articulação, a negociação e a

complementaridade como pressupostos fundamentais em sua execução.

Dessa forma, a ação pública e os diversos sujeitos do fazer social ganham visibilidade.

O Estado é central no fazer público, ele tem um poder regulador central e toda ação pública

precisa de sua regulação. De acordo com esse modelo, a Sociedade Civil e a iniciativa privada

são co-responsáveis pelo bem comum, possuem deveres e direitos que operam na defesa ou

prestação de serviços sociais com caráter público, porém não estatal. Sendo, também,

responsáveis pelo controle social, juntamente com os conselhos e a comunidade.

Segundo Carvalho Brandt & Guará (1997), a dinâmica de funcionamento das redes

sociais favoreceu a interlocução com as políticas públicas, estabelecendo novos padrões de

funcionamento e de controle social, conforme segue:

• Relações descentradas e horizontais substituíram as tradicionaisrelações centralizadas e hierarquias rígidas;

• Negociação e participação de todos pelo prisma damultisetorialidade e interdisciplinaridade, substituindo ostradicionais recortes setoriais e especializações estanques;

• Ações públicas fortemente conectadas com o conjunto de sujeitos,organizações e serviços da cidade (Carvalho Brandt & Guará,1997:3).

A descentralização e a municipalização das políticas facilitam a ação articulada entre

as esferas de governo, entre as políticas e os programas públicos, estatais ou não, ao mesmo

tempo em que reivindicam, do governo central, o papel assegurador da unidade e da

cooperação.

72

As redes setoriais públicas são aquelas que prestam serviços de natureza específica e

especializada, resultantes das obrigações e dos deveres do Estado para com seus cidadãos. As

redes abrangem serviços e programas consagrados pelas políticas públicas setoriais –

educação, saúde, habitação, segurança etc. Essas redes, infelizmente, ainda apresentam uma

organização burocrática e pouco eficaz para responder aos problemas e às necessidades

específicas de sua área de competência. Para superar as dificuldades na hierarquização das

políticas públicas são neessáriasredes ágeis, que estruturem políticas com ênfase nas ações

locais e transetoriais.

A intersetorialidade entre as diferentes áreas do governo é imprescindível para o

atendimento integral de crianças e adolescente, como prevê o ECA, respeitando a

particularidade de todos os sujeitos envolvidos. Assim, a intersetorialidade exige cooperação,

descentralização e autonomia gerencial para que as ações de base aconteçam, facilitando, com

isso, a chegada dos recursos aos usuários, evitando que se percam nos fluxos burocráticos e

administrativos, os quais geralmente retardam as ações programadas.

Nesse sentido, trabalhar em uma perspectiva de rede implica pensar em totalidade e

não em fragmentação. Compreendendo que as redes são processos dinâmicosnos quais se

cruzam as organizações do estado e da sociedade, elas devem funcionar por meio de contratos

dinâmicos, em movimento e conflito, a fim de realizar objetivos em que cada parte

potencializa recursos, para juntos se tornarem mais eficientes. Carvalho Brandt (1997) refere

que as redes devem conter:

• complementaridade – as instituições atendem parte dasnecessidades de uma pessoa, necessitando da complementaridadede ações realizadas por outras instituições;

• colaboração – é preciso cuidar para que não ocorramparalelismos e sobreposições de ações, bem como lacunas noatendimento. A colaboração implica apoio mútuo, divisão detrabalho e responsabilidades;

• articulação / integração – é fundamental que os envolvidosassumam a co-responsabilidade por um plano comum, definindoconjuntamente os objetivos e os resultados desejados. Assim, oencaminhamento dentro da rede é visto como a inclusão doparceiro na responsabilidade pela execução de um plano de açãocompartilhado. (Brandt, 1997)

73

Esses pressupostos consistem em desafios para a realização do trabalho em rede, o

qual é a base para a garantia do atendimento integral às crianças, aos adolescentes e às

famílias, sendo um dos pilares de sustentação das políticas públicas.

Nesse sentido, pressupõe-se que a política pública da infância e adolescência não se

restringe ao atendimento direto e imediato, requerendo, também, a implementação de uma

rede de apoio, capaz de abarcar suas complexidades e o exercício da cidadania.

O Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei 8069/90, no que se refere ao processo de

municipalização das políticas, traz como exigência a organização dos sistemas locais de

proteção à infância e adolescência e remete à participação da sociedade civil de forma

paritária com o poder governamental, por meio de novas instâncias, tais como: CONANDA,

Conselhos Estaduais e Municipais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, as

quais devem trabalhar articuladamente em rede e articuladas com todos os serviços e com as

entidades que prestam atendimento e assistência às crianças e aos adolescentes.

3.3 - Políticas Públicas e o Sistema Único da Assistência Social – (SUAS) 19

A política social é um modo de política pública que indica as ações do Estado em um

local com determinadas demandas, por meio de metas, regras e preceitos presentes e

inclusivos.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 garantiu o Sistema de Seguridade Social,

respaldado no tripé saúde, previdência e assistência social. Esse sistema deve ser custeado

pelo Estado, por meio dos encargos trabalhistas e de empregadores, de concursos de loterias e,

também, com a contribuição dos governos federal, estadual e municipal. Nesse sistema,

mesmo que o cidadão não contribua, o Estado tem a obrigação de ampará-lo, diferentemente

do sistema anterior.

19 Sistema Único da Assistência Social.

74

Os anos seguintes à Constituição Federal foram de muita luta para regularizar os

direitos já assegurados por essa lei. Na área da criança e do adolescente não foi diferente,

nota-se que a participação da sociedade tem sido muito importante para a efetivação destas

políticas.

Os pressupostos das políticas públicas estabelecidas a partir da Constituição de 1988

consistem no repasse de recursos do Governo Federal para os estados e municípios, sendo o

município o responsável pela execução das políticas. A administração dessas políticas deve

acontecer através de uma relação dinâmica entre a sociedade, o governo e os movimentos

sociais representativos em seus diferentes segmentos, priorizando - dessa forma - a

descentralização e os sistemas locais.

A tendência atual das políticas é de co-responsabilização no processo de

implementação de decisão e resposta às necessidades sociais. Assim, pressupõe-se que haja

articulação e complementaridade entre as esferas de governo, o que demanda uma gestão em

rede intersetorial e a flexibilização dos serviços e programas.

A sociedade civil organizada se destaca na proposição, execução e no controle social

das políticas para a infância. Por meio dos Conselhos Nacional, Estadual e Municipal de

direitos da criança e do adolescente, a sociedade civil garante a sua participação paritária

nesse espaço institucionalizado, contribuindo na gestão intersetorial das políticas para a

infância. Essa política ocupa um papel transversal em relação às políticas públicas. No caso

particular das políticas de atenção às situações de violência doméstica e sexual contra crianças

e adolescentes, têm-se o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI e o Programa

Sentinela, que atualmente estão sendo incorporados à estrutura dos Centros Especializados da

Assistência Social (CREAS).

Os programas e ações relativos ao enfrentamento à violência doméstica e sexual contra

crianças e adolescentes localizam-se de forma horizontal nas políticas públicas, uma vez que

as ações pertinentes a esse tema têm interfaces com as políticas públicas setoriais de saúde,

educação, assistência social e com o sistema de justiça. É a partir da organização da rede de

atenção integral a crianças e adolescentes expostos a situações de violência doméstica e

sexual que o atendimento especializado se estrutura.

Dessa forma, a idéia de gestão intersetorial passa pela compreensão surgida na década

de 1980 e 1990, carregada de uma desconfiança básica em relação ao Estado percebido como

75

autoritário por excelência, e pela institucionalidade de espaços nos quais a sociedade civil

organizada tem assento, delibera e discute temas específicos. (Oliveira e Sousa, 2007:25).

3.4 - Estrutura do Sistema Único de Assistência Social – SUAS

O Sistema Único de Assistência Social - SUAS surgiu inspirado na política de Saúde,

estabelecida a partir do Sistema Único de Saúde - SUS. A Constituição Cidadã de 1988

possibilitou a fundamentação e a estruturação das políticas públicas com uma nova concepção

para a assistência social brasileira. Essa se inclui no âmbito da Seguridade Social,

regulamentada pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) em dezembro de 1993, como

política social pública. A partir desse momento, a assistência social inicia seu trânsito para um

campo novo: o campo dos direitos, da universalização dos acessos e da responsabilidade

estatal.

O SUAS constituiu-se como um sistema formado pelo conjunto de serviços,

programas, projetos e benefícios no âmbito da assistência social, prestados diretamente – ou

através de convênios com organizações sem fins lucrativos – por órgãos e instituições

públicas federais, estaduais e municipais da administração direta e indireta e das fundações

mantidas pelo poder público.

A inserção dessa política na Seguridade Social assegura o seu caráter de política de

Proteção Social articulada a outras políticas do campo social voltadas à garantia de direitos e

de condições dignas de vida. Desse modo, a assistência social se configura como

possibilidade de reconhecimento público da legitimidade das demandas de seus usuários e

espaço de ampliação de seu protagonismo.

A política de Assistência Social é um espaço para a defesa e atenção dos interesses e

das necessidades sociais, particularmente, das famílias, dos seus membros e indivíduos mais

empobrecidos e excluídos da sociedade. Ela é considerada como instrumento fundamental

para o enfrentamento da discriminação e da subalternidade econômica, cultural e política em

que vive grande parte da população brasileira.

76

Dessa forma, cabe à Assistência Social as ações de prevenção, proteção, promoção e

inserção, bem como o provimento de um conjunto de garantias ou seguranças que cubram,

reduzam ou previnam exclusões, riscos e vulnerabilidades sociais. Essas garantias se efetivam

pela construção de uma rede de proteção social básica e ou, especial, ou seja, por um conjunto

de serviços, programas, projetos e benefícios, na perspectiva de inclusão social e de

atendimento às necessidades da população em situação de vulnerabilidade.

Sabe-se que são diversos os fatores que configuram a vulnerabilidade, eventos e o

risco social ou pessoal. Assim, para a formulação de ações da política de assistência social,

faz-se necessário compreender a distinção entre vulnerabilidade, riscos e eventos.

Por vulnerabilidade - conforme NOB/9920 - entende-se a condição “desfavorável”

dada. É a condição objetiva da situação de exclusão e que aumenta a probabilidade de um

evento ocorrer. Desse modo o que a identifica são processos sociais e situações que produzem

fragilidade, discriminação, desvantagem e exclusão social, econômica e cultural.

Entende-se por prevenção, conforme NOB/99, a criação de apoios nas situações

circunstanciais de vulnerabilidade, evitando que o cidadão resvale do patamar de renda

alcançado ou perca o acesso que já possui aos bens e serviços mantendo-o incluído no sistema

social a despeito de estar acima da linha de pobreza e ou atendido pelas políticas

socioeconômicas setoriais. Assim, evita-se que as pessoas percam o acesso aos direitos

sociais.

Compreende-se por proteção, conforme NOB/99, a atenção às populações excluídas e

vulneráveis socialmente, operacionalizada por meios de ações de redistribuição de renda

direta e indireta e pelos serviços que integram a rede de proteção social básica e especial.

Define-se promoção, conforme NOB/99, a função de viabilizar o exercício da

cidadania, eliminando relações clientelistas que não se pautam por direitos e que submetem,

fragmentam e desorganizam os destinatários da assistência social. Busca-se, com essa

atuação, fomentar o protagonismo, a autonomia e a emancipação.

20 Norma Operacional Básica

77

No entanto, a inserção é compreendida, conforme NOB/99, a forma de inclusão dos

destinatários da assistência social nas políticas sociais básicas, propiciando-lhes o acesso a

bens, serviços e direitos usufruídos pelos demais segmentos da população.

As vulnerabilidades são, em geral, o objeto de políticas ao nível “macro”, cujos efeitos

se manifestam como “distribuição de probabilidades” para as populações afetadas. Desse

modo, segundo Sposati (2004), é possível compreender que as vulnerabilidades constituem o

contexto da ação da assistência social, no sentido da prevenção, proteção básica, promoção e

inserção social, cujos efeitos definem, de maneira geral, o seu público. Ainda são elas:

condições de vulnerabilidade próprias do ciclo de vida, que ocorrem, predominantemente, em

crianças, adolescentes, jovens e idosos e, também as condições de desvantagem pessoal

resultante de deficiências.

Por situações de risco, entende-se a dimensão subjetiva na qual os indivíduos

contrabalançam as condições de vulnerabilidade e as suas possibilidades e capacidades de

enfrentá-las (Sposati, 2004:15). Diante de uma mesma situação objetiva de vulnerabilidade,

os indivíduos, grupos e coletividades correm maior ou menor risco diante de suas capacidades

subjetivas de agir.

Nessas condições, a população está sujeita à violação de direitos pela negligência,

violência, abandono e outras formas, o que exige ações de prevenção, proteção especial,

promoção e inserção social. Desse modo, são situações circunstanciais, conjunturais como:

maus-tratos, abuso e exploração sexual, trabalho infanto-juvenil, pessoas em situação de rua,

migrantes, dependentes de substâncias psicoativas, vítimas de abandono e desagregação

familiar, adolescentes em conflito com a lei.

Para minimizar as vulnerabilidades sociais, as ações em redes aparecem como uma

alternativa de organização das pessoas e tendem a se tornar um instrumento de transformação

social que viabiliza a execução de projetos e ações conjuntas (Cunha, 2004:19).

Assim, cabe à política de assistência social ampliar a proteção básica e especial, além

da segurança das condições de vida das pessoas, através das dimensões complementares

presentes nos padrões básicos dos mínimos sociais.

78

Dessa forma, proteção social básica e especial é política pública da maior importância,

como garantia permanente de vida digna e inclusão social. Esse é o propósito de todas as

políticas públicas no projeto de Estado Social de Direito.

É particularmente propósito da política de Assistência Social prover serviços,

programas, projetos e benefícios de proteção social básica e ou especial para as famílias,

indivíduos e grupos que estão fora dos canais de proteção pública.

Na conjuntura atual, o público usuário da política de Assistência Social se constitui

preferencialmente de cidadãos e grupos que estão fora dos mecanismos e sistemas de

segurança social, obtidos pela via do trabalho, do usufruto das políticas públicas (saúde,

educação, cultura, habitação, saneamento, esporte, entre outras) e da inserção em

sociabilidade sócio-familiares.

A centralidade dessa política se configura nas situações de vulnerabilidade e riscos,

tais como: inserção social e familiar com perda ou fragilidade de vínculos de afetividade,

pertencimento e sociabilidade; ciclos de vida; identidades estigmatizadas em termos étnico,

cultural e sexual; condições de desvantagem pessoal resultante de deficiências; exclusão pela

pobreza e ou no acesso às políticas públicas e ou sociais; uso de substâncias psicoativas;

sujeição a diferentes formas de violência advinda do núcleo familiar, grupos, indivíduos,

instituições, entre outras; inserção - precária ou não no mercado de trabalho formal e

informal; estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência que podem representar

risco pessoal e social.

A reestruturação da política de assistência social está em consonância com os

princípios da LOAS, que são: supremacia do atendimento, universalização de direitos sociais,

respeito à dignidade do cidadão, igualdade de direitos no acesso ao atendimento, além da

divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais que seguem os

seguintes princípios:

I. participação da população, por meio de organizações representativas, na

formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis;

II. primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência

social em cada esfera de governo;

79

III. centralidade na família para concepção e implementação dos benefícios,

serviços, programas e projetos.

Foi a partir da IV Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em Dezembro

de 2003, em Brasília-DF, que se apontou como principal deliberação a construção e

implementação do Sistema Único da Assistência Social – SUAS.

Assim, o SUAS se constituiu como uma política de assistência social, afiançadora de

direitos, através de uma estrutura político-administrativa descentralizada quanto ao desenho

do papel, da escala territorial, da organização dos serviços sócio-assistenciais e de seu

respectivo co-financiamento.

Esse sistema é formado por um conjunto de partes coordenadas entre si, por leis e

princípios comuns, que regulam os direitos sociais básicos e especiais. Para a sua

formalização, foi necessária a consolidação de um pacto federativo entre as esferas de

governo e definições de competências.

3.5 - Princípios e Diretrizes do SUAS

Universalização do sistema através da fixação de níveis básicos de cobertura dos

benefícios, serviços e ações de assistência social para o território nacional.

Territorialização da rede de assistência social sob os critérios de oferta capilar de

serviços baseada na lógica da proximidade do cidadão; localização dos serviços nos territórios

com maior incidência de vulnerabilidades e riscos sociais para a população; garantia do

comando único por instância de gestão.

• Descentralização político-administrativa de modo a garantir a municipalização e o

comando único em cada esfera de governo;

• Gradualismo na implantação do SUAS, respeitando as diferenças regionais, locais

e de organização de gestão dos municípios;

80

• Padronização dos serviços de assistência social em sua nomenclatura, conteúdo,

padrão de funcionamento para todo o território nacional.

• Regulação da dinâmica do SUAS socialmente orientada pela ação pública, pela

valorização do impacto social das diversas políticas estruturais e pelo

desenvolvimento social sustentável, territorialmente adequado e democraticamente

construído e na definição de competências específicas de cada esfera

governamental.

• Organização do SUAS através da integração de objetivos, ações, serviços,

benefícios, programas e projetos em rede hierarquizada, baseada no princípio da

completude em rede e incompletude individual dos serviços.

• Garantia da proteção social, isto é, que não submeta o usuário ao princípio da

tutela, mas à conquista de condições de autonomia, resiliência, sustentabilidade,

protagonismo, acesso a oportunidades, capacitações, acessos a serviços, acessos a

benefícios, acesso a condições de convívio e socialização, de acordo com sua

capacidade, dignidade e projeto pessoal e social.

• Substituição do paradigma assistencialista apartador de cidadãos à condição de

“categorias de necessitados” pelo paradigma de proteção social, básica e especial,

organizada sob sistema único, descentralizado e participativo de âmbito nacional

com comando único por esfera de gestão.

• Articulação institucional de ações e competências com demais sistemas de defesa

dos direitos humanos em específico aqueles em defesa de direitos de crianças,

adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, mulheres, minorias e de proteção às

vítimas de exploração e violência social, sexual, familiar e adolescentes ameaçados

de morte.

• Articulação institucional de ações e competências com o sistema único de saúde,

com destaque para a integração dos serviços complementares destinados aos

cidadãos em risco pessoal, vítimas de drogadição, violência, deficiência,

problemas de saúde mental e abandono, em qualquer momento do ciclo da vida,

associado à vulnerabilidade pessoal, familiar e ausência de autonomia.

81

• Articulação institucional de ações e competências com o sistema de justiça para

garantir proteção especial a crianças e adolescentes nas ruas, em abandono, com

deficiência; sob decisão judicial de apartação de pais e parentes, por ausência de

condições familiares de guarda; aplicação de medidas sócio-educativas em meio

aberto para adolescentes.

• Articulação institucional com o sistema de justiça para a aplicação da pena

alternativa de prestação de serviços à comunidade para adultos.

• Unidade entre as três esferas de governo do reconhecimento governamental das

organizações de assistência social e de sua inscrição nos Conselhos Nacional,

Estaduais e Municipais de Assistência Social.

• Disponibilização de sistema de informação sobre o funcionamento dos serviços e

operações da área como direito a ser assegurado.

3.6 - Serviço de Proteção Social Básica

A proteção social básicas deve ser ofertada nos municípios de pequeno e médio e

grande portes têm caráter preventivo e processador de inclusão social, acontece nos CRAS e

destina-se a segmentos da população que vive em condições de vulnerabilidade social

decorrentes da pobreza, privação, fragilização de vínculos afetivos – relacionais e de

pertencimento social. Esses serviços objetivam processar a inclusão de grupos em situação de

risco social nas políticas públicas, no mundo do trabalho e na vida comunitária e societária.

Essa proteção inclui a oferta de serviços de fortalecimento dos vínculos familiares, de

fortalecimento da convivência comunitária, de desenvolvimento do sentido de pertencimento

às redes micro territoriais, de serviços de referência para escuta, informação, apoio

psicossocial, defesa, encaminhamentos monitorados, de inclusão nos serviços das demais

políticas públicas e de desenvolvimento de competências e oportunidades de inclusão no

mundo de trabalho e renda.

82

3.7 - Serviço de Proteção Social Especial

A proteção social especial deve ser ofertada nos municípios de médio e grande portes

e acontece nos Centro de Referência Especial em Assistência Social (CREAS), que oferecem

modalidade de atenção assistencial destinada a indivíduos que se encontram em situação de

alta vulnerabilidade pessoal e social (crianças, adolescentes, jovens, idosos, portadores de

deficiência nas várias situações caracterizadas como risco pessoal: ocorrência de abandono,

vítimas de maus tratos físicos e/ou psíquicos, abuso sexual, usuários de drogas, adolescentes

em conflito com a lei, moradores de rua). Essas são vulnerabilidades decorrentes do

abandono, privação, perda de vínculos, exploração, violência, delinqüência etc.

Por isso, a proteção especial oferta serviços de abrigamento de longa ou curta duração

e serviços de acolhimento e atenção psicossociais especializados e destinados a criar vínculos

de pertencimento e possibilidades de reinserção social.

O abrigamento é oferecido em várias modalidades com o objetivo de atender

diferentes grupos etários (criança, adulto, idoso, etc.) e situações com demandas distintas.

Os serviços de proteção especial têm estreita interface com o sistema de justiça,

exigindo,muitas vezes, uma gestão mais complexa e compartilhada com o poder judiciário e

com outras ações do executivo.

Essa política também prevê benefícios monetários em caráter de prestação continuada

para idosos e pessoas portadoras de deficiência, incapacitadas para prover sua própria

subsistência ou tê-la provida por sua família e outras situações de vulnerabilidade. Ainda,

promove programas assistenciais que compreendem ações integradas e complementares com

objetivos de qualificar, incentivar e melhorar os benefícios e os serviços assistenciais.

Os projetos de enfrentamento da pobreza também recebem cobertura dessa política e

compreendem a instituição de investimento econômico-social nos grupos populares, buscando

subsidiar, financeira e tecnicamente, iniciativas que lhes garantam meios, elevação da

qualidade de vida, contando com a participação das diferentes áreas governamentais, em

sistema de cooperação com os organismos não-governamentais e com a sociedade civil.

83

3.8 - Matricialidade Sócio – Familiar

A Matricialidade Sócio- Familiar é um aspecto central da atual política de assistência

social, a qual consiste na resignificação das formas de composição das famílias e no seu papel

frente às novas configurações e demandas. Assim, ela reconhece as fortes pressões que os

processos de exclusão sócio-cultural geram sobre as famílias brasileiras, acentuando suas

fragilidades e contradições.

Dessa forma, essa matricialidade estabeleceu a sua centralidade no âmbito das ações

da política de assistência social, considerando que a família é o espaço privilegiado e

insubstituível de proteção e socialização primárias, provedora de cuidados aos seus membros,

mas que precisa também ser cuidada e protegida.

Essa visão sobre a família está condizente com as concepções explicitadas na

Constituição Federal de 1988, no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Lei Orgânica de

Assistência Social e no Estatuto do Idoso, os quais concebem a família na condição de sujeito

de direitos.

A família está para além dos formatos ou modelos que assume independente de

padrões. Ela é o locus por excelência na história da humanidade, em que a pessoa aprende a

ser e a conviver, sendo por isso, um espaço privilegiado de mediação das relações entre os

sujeitos e a coletividade. É no âmbito da família que se delimitam, continuamente, os

deslocamentos entre o público e o privado, delineando-seas modalidades comunitárias de

vida.

Todavia, não se pode desconsiderar que as relações familiares podem acontecer de

forma contraditória, cuja dinâmica cotidiana de convivência é marcada por conflitos,

desigualdades, competições, crueldade e violências.

Nesse sentido, as novas configurações familiares estão intrínsecas e dialeticamente

condicionadas às transformações societárias contemporâneas, ou seja, às transformações

econômicas e sociais, de hábitos e costumes e ao avanço da ciência e da tecnologia. O novo

cenário tem remetido à discussão do que seja a família, uma vez que as três dimensões

clássicas de sua definição (sexualidade, procriação e convivência) já não têm o mesmo grau

de embricamento que se acreditava outrora.

84

Nessa perspectiva, pode-se dizer que a sociedade está diante de uma família quando

encontra um conjunto de pessoas unidas por laços consangüíneos, afetivos e ou de

solidariedade.

Reconhecer a importância da família na vida social e, também, como merecedora da

proteção do Estado, é um avanço que atualmente vem sendo pautado de forma prioritária, à

medida que a realidade vem sinalizando os processos de penalização e de desproteção das

famílias brasileiras.

Nesse contexto, a matricialidade sócio-familiar passa a ter papel de destaque no

âmbito da Política Nacional de Assistência Social – (PNAS21). Essa ênfase está ancorada na

premissa de que a centralidade da família e a superação da focalização, no âmbito da política

de Assistência Social, repousam no pressuposto de que, para a família prevenir, proteger,

promover e incluir seus membros é necessário, em primeiro lugar, garantir condições de

sustentabilidade para tal.

Dessa forma, as referências para a formulação da política de Assistência Socialseriam

as necessidades das famílias, dos seus membros e indivíduos. Essa postulação se orienta pelo

reconhecimento da realidade que se tem hoje, por meio de estudos e análises das mais

diferentes áreas e tendências.

Assim, quanto às mudanças ocorridas nas famílias, pode-se observar um enxugamento

dos grupos familiares (famílias menores), uma variedade de arranjos familiares

(monoparentais, reconstituídas), além dos processos de empobrecimento acelerado e da

desterritorialização das famílias gerada pelos movimentos migratórios.

A centralidade na família objetiva à superação da focalização, tanto relacionada a

situações de risco, como a de segmentos. Igualmente, essa centralidade é garantida à medida

quea Assistência Social, com base em indicadores das necessidades familiares, realize uma

política de cunho universalista, que para além da transferência de renda em patamares

aceitáveis se desenvolva, prioritariamente, em redes de proteção social que suportem as

tarefas cotidianas de cuidado e que valorizem a convivência familiar e comunitária.

21 Política Nacional de Assistência Social.

85

Além disso, a Assistência Social - enquanto política pública, que compõe o tripé da

Seguridade Social e considerando as características da população atendida por ela - deve

funcionar com outras políticas sociais, particularmente as públicas de Saúde, Educação,

Cultura, Esporte, Emprego, Habitação.

Isso deve acontecer para que as ações não sejam fragmentárias e para que se

mantenham o acesso e a qualidade dos serviços para todos.

3.9 - O SUAS e o Controle Social

A experiência de Conselhos Populares não é recente no Brasil e mesmo

internacionalmente, mas os Conselhos como arenas de participação política e controle social

na gestão das políticas públicas e sociais é inovação, conquistada pela população brasileira na

Carta Magna. Assim, na conformação do Sistema Único de Assistência Social, os espaços

privilegiados nos quaisse efetivam essa participação são os conselhos e as conferências, não

sendo, no entanto, os únicos, já que outras instâncias (de mobilização política – fóruns; de

gestão – órgãos gestores; de pactuação – comissões de gestão compartilhada, etc.) somam

força a esse processo.

As conferências têm o papel de avaliar a situação da assistência social, definir

diretrizes para a política, verificar os avanços ocorridos num espaço de tempo determinado

(artigo 18, inciso VI, da LOAS).

Os conselhos têm como principais atribuições a deliberação e a fiscalização da

execução da política e de seu financiamento, em consonância com as diretrizes propostas pela

conferência; a aprovação do plano; a apreciação e aprovação da proposta orçamentária para a

área e o plano de aplicação do fundo, com a definição dos critérios de partilha dos recursos,

exercidas em cada instância em que estão estabelecidos.

Eles, também, normatizam, disciplinam, acompanham, avaliam e fiscalizam os

serviços de assistência social prestados pela rede de proteção social, definindo os padrões de

qualidade de atendimento, e estabelecendo os critérios para o repasse de recursos

financeiros (artigo 18, da LOAS).

86

Os conselhos paritários, no campo da assistência social, têm como representação da

sociedade civil os usuários ou organizações de usuários, entidades e organizações de

assistência social (instituições de defesa de direitos e prestadoras de serviços) e trabalhadores

do setor (Artigo 17 - ll).

Na constituição do SUAS é fundamental fortalecer e resgatar o papel dos Conselhos

como instâncias máximas de deliberação e ação estratégica. Nesse sentido, as deliberações

das Conferências são norteadoras para a implantação do Sistema. Além disso, é necessário

pensar em definições articuladas com os Conselhos da Criança e do Adolescente, do Idoso e

das Pessoas com Deficiência, além dos grupos de trabalho e fóruns existentes.

Pode-se, portanto, destacar que o SUAS notoriamente é um avanço no campo das

políticas públicas no Brasil, em especial para a assistência social que passa a funcionar com a

lógica da universalidade e da integralidade. No entanto, a política de atenção integral a

criança e ao adolescente em situação de violência doméstica e sexual, pressupõe ações

intersecretarias. Demandando diálogos e interfaces com todas as políticas do município.

Dessa forma, se faz necessário que o município disponha de equipe especializada para cuidar

especificamente das situações de violência doméstica e sexual.

Nesse sentido, ressalta-se que a parceria com outras políticas é condição básica para a

complementaridade do atendimento integral nas situações de violência doméstica e sexual.

Portanto, a estruturação dos Centros de Referência Especializados da Assistência

Social (CREAS) prescinde de articulação e parceria com as políticas, ações e programas já

existentes no município, para evitar a sobreposição de ações.

3.10- Eixos Estruturantes do Sistema de Garantia de Direitos

A rede de proteção à criança e ao adolescente é a construção da igualdade da

organização política da sociedade, requerendo que os diversos atores sociais - estado, família

e sociedade civil – cumpram seus deveres de forma complementar e inter-relacionada. A rede

é composta de três eixos: promoção; controle; defesa e responsabilização.

87

3.11 - Eixo Promoção

Análise da Situação – ações que visam a conhecer, diagnosticar, monitorar e avaliar o

fenômeno da violência sexual, visando à divulgação de dados à sociedade. Inclui, também, o

levantamento prévio das situações de violência no município, a identificação das áreas mais

problemáticas, a análise das denúncias, a identificação das instituições governamentais e não-

governamentais que trabalham em prol da infância e a adequação constante das estatísticas.

• Atendimento – efetuar e garantir o atendimento especializado e em rede realizado

por profissionais capacitados às crianças e aos adolescentes em situação de

violência e às suas famílias. Nesse sentido, a criança e o adolescente devem ter

garantidos: o atendimento multiprofissional especializado; o acolhimento até que

sejam mobilizados os órgãos competentes e tomadas as providências mais

apropriadas para o caso; atividades sócio-educativas que visem à recuperação e

reestruturação das famílias em situação de extrema vulnerabilidade.

• Prevenção – assegurar ações que evitem ou diminuam os riscos de violência contra

crianças e adolescentes, orientando-os no sentido de fortalecer sua auto-defesa.

Para tanto, é necessário o envolvimento das redes familiares, de vizinhança e

comunitárias. Além disso, deve haver uma equipe capacitada e disponível para

desenvolver atividades de conscientização dos atores sociais a respeito da cultura

da não violência.

3.12 - Eixo Controle

Mobilização e Articulação – processo de sensibilizar o conjunto da sociedade por meio

da transmissão de conhecimentos específicos. Inclui a mobilização da sociedade no sentido do

comprometimento com a garantia do desenvolvimento integral da criança e do adolescente e a

utilização do espaço da comissão municipal de enfrentamento da violência sexual para

88

elaboração e planejamento das ações necessárias, estabelecendo as responsabilidades de cada

membro da comissão.

Protagonismo Infanto-Juvenil – promover a participação ativa de crianças e

adolescentes na defesa de seus direitos e o seu comprometimento com programas em

andamentos. A equipe deve adotar o protagonismo infanto-juvenil como referência teórico-

metodológica para suas ações, promover debates com crianças e adolescentes sobre o ECA e

sobre os diversos tipos de violência, divulgar os serviços de notificação e atendimento junto

às escolas, aos postos de saúde, às rádios comunitárias e aos movimentos de jovens no

município.

3.13 - Eixo Defesa

Defesa diz respeito a todos os instrumentos disponíveis aos atores que integram o

Sistema de Garantia dos Direitos para se contraporem às ameaças e violações dos direitos das

crianças e adolescentes. Já a responsabilização refere-se às ações cabíveis, por meio de

medidas judiciais, aos que praticam violência contra crianças e adolescentes, o que inclui a

garantir o acesso direto à justiça por parte das vítimas e seus familiares. A fim de garantir a

proteção jurídico-social prevista no ECA, é indispensável o apoio de serviços de assistência

judiciária pública ou privada que possam oferecer advocacia gratuita na defesa e garantia de

direitos e interesses das crianças e de seus familiares.

Os eixos – promoção, controle e defesa – têm, como referência metodológica, o Plano

Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. O Programa

Refazendo Laços priorizou a capacitação dos agentes envolvidos nesses três eixos,

preparando-os para a ação em rede.

89

3.14 - A Estruturação da Rede de Proteção

O atendimento em rede inicia-se no momento em que um caso de violência sexual é

revelado, seja pela própria vítima, seja por outras pessoas que tenham conhecimento ou

suspeite da violência. É obrigação daquele a quem a situação é revelada fazer uma notificação

da queixa, ou seja:

Dar ciência às autoridades constituídas de que o abuso sexual ocorre(ou dele se suspeita), o que é seguido do registro oficial da queixa, oque significa que o poder público assume a situação, se faz cargo damesma, incluindo-a nos Fluxos de Defesa de Direitos, doAtendimento e da Responsabilização. (Faleiros, 2001: 30)

A notificação de queixa deve ser feita aos Conselhos Tutelares, à Vara da Infância e da

Juventude (caso não haja Conselho Tutelar no município) ou às Delegacias de Polícia

(preferindo sempre as delegacias especializadas, onde houver).

O Conselho Tutelar é considerado, por alguns autores, como “o epicentro do

subsistema de proteção. Por ele devem passar todos os casos de crianças e adolescentes que

estejam com seus direitos violados ou ameaçados de violação, necessitando de medidas de

proteção.” (Pedroso, 2004).

O fato de o Conselho Tutelar ser, muitas vezes, o primeiro órgão até onde chega a

denúncia faz com que seja grande sua responsabilidade e importância no acolhimento da

criança e do adolescente. A maneira como esses são recebidos, ouvidos e tratados nos

primeiros atendimentos ou entrevistas pelas quais passam é determinante para o restante do

andamento do caso e de sua possibilidade de recuperação. Além do recebimento da denúncia

e da realização dos encaminhamentos necessários, cabe, também, ao Conselho Tutelar

verificar se esses encaminhamentos foram seguidos e se os atendimentos estão sendo

realizados.

Compõem, assim, a gama de encaminhamentos necessários o atendimento médico,

social, psicológico e legal. Vejamos o porquê da necessidade de cada um desses

atendimentos.

90

O Atendimento Médico verificará as condições de saúde física da criança e/ou do

adolescente vitimizados e realizará os procedimentos médicos necessários ao seu pleno

restabelecimento. Em casos de abuso sexual, por exemplo, muitas vezes é necessário que a

criança ou o adolescente receba medicamentos para prevenção de DST e AIDS, bem como a

realização de exames de gravidez, entre outros.

É necessário, também, lembrar que, em alguns casos, a criança ou o adolescente

vitimizado (a) chega ao médico antes mesmo de existir uma denúncia, pois, em decorrência

da violência sofrida, necessita de atendimento médico e é levado(a) pela família. Nessas

situações, cabe ao profissional médico realizar a notificação ao Conselho Tutelar, sob pena de

configurar infração administrativa, conforme previsto no ECA:

“Art. 245: Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção

à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente

os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos

contra criança ou adolescente”.

O Atendimento Social levantará o histórico familiar e a dinâmica social da mesma,

observando como seus membros estão inseridos na sociedade. Além disso, fará um

diagnóstico das condições sócio-econômicas da família, de suas necessidades e dificuldades

presentes. Assim, pode realizar orientações e encaminhamentos à rede de serviços do

município da forma como julgar importante.

O Atendimento Psicológico tem como objetivo oferecer à criança e ao adolescente

um espaço protegido para que possa se expressar livremente, demonstrando seus sentimentos,

angústias e sofrimentos, seja através da palavra, seja através de expressões gráficas e/ou

lúdicas. Após a realização de uma avaliação psicológica, é possível perceber as conseqüências

da vivência da violência sexual, bem como estabelecer quais são as necessidades para o

restabelecimento do desenvolvimento emocional saudável. Esse atendimento psicológico não

deve restringir-se à criança e ao adolescente vitimizados, mas sim se estender a toda a família,

inclusive e principalmente, ao adulto agressor, de modo a viabilizar uma alteração da

dinâmica familiar, interrompendo o ciclo de violência.

O Atendimento Legal visa a garantia da defesa dos direitos da criança ou adolescente

exposto (a) a violência, bem como a responsabilização daquele que desrespeitou esses

direitos. A realização de Boletim de Ocorrência (B.O.) e ou a representação do caso junto ao

91

Ministério Público são partes importantes do processo de interrupção do ciclo de violência

doméstica e sexual.

A violência doméstica e sexual contra crianças e adolescentes envolvem todos esses

âmbitos e não deve ser tratada de forma isolada por nenhum deles. Apesar das especificidades

e responsabilidades atribuídas a cada um, não podemos nunca nos esquecer de que uma

mesma criança ou adolescente exposto (a) à violência passará por todos esses atendimentos.

Caso não haja uma comunicação e uma rede articulada, é muito grande o risco de a criança

ser re-vitimizada, desta vez dentro do próprio sistema de garantia de direitos. Se uma criança

tiver que contar sua história a cada um dos profissionais que fazem parte do sistema de

atendimento médico, social, psicológico e legal, certamente ficará ainda mais traumatizada,

visto que a violência doméstica e sexual causam danos físicos, psicológicos e sociais bastante

graves. Cabe aos profissionais fazer o possível para que a situação seja revertida, respeitando,

desse modo, e protegendo da melhor forma possível. Para tanto, faz-se necessária uma rede

articulada em cada região, que ofereça atendimentos multidisciplinares às crianças e aos

adolescentes vitimizados e às suas famílias.

92

CAPÍTULO – IV

A EXPERIÊNCIA DO PROGRAMA REFAZENDO LAÇOS: UM ESTUD O DE CASO

Só existe o impossível,

quando ainda não

foi feito antes.

Amyr Klink

93

4.1 - A Rede de Proteção Integral à Criança e ao Adolescente em São José dos Campos – SP

Será apresentada a estruturação da Rede de Proteção Integral à Criança e ao

Adolescente no município paulista de São José dos Campos, enfocando o atendimento e a

prevenção às situações de violência doméstica e sexual que atingem essa população.

A história contada a seguir fez parte do trabalho desta pesquisadora na implantação e

no desenvolvimento do Programa Refazendo Laços – PRL. Nesse processo, foi possível ter

acesso a documentos de sistematização, entrevistas com atores sociais da rede e coordenação

de grupos os quais os profissionais discutiam suas dificuldades e elaboravam propostas de

melhoria dos serviços da Rede.

O Programa Refazendo Laços partia do pressuposto de que, no Brasil, muito já se

avançou na discussão, formulação e implementação de políticas públicas que garantam os

direitos das crianças e dos adolescentes. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

instituiu princípios que só encontram paralelo em alguns poucos países. Os planos Nacional e

Estadual, por sua vez, tiveram o mérito não apenas de dar visibilidade ao tema, como também

de estabelecer direções para as medidas de enfrentamento e para as políticas públicas.

Entretanto, ainda que o avanço tenha sido grande, ainda há muito trabalho pela frente.

Por isso, um dos pontos que merece atenção especial é o Sistema de Garantia de Direitos ou

Rede de Proteção Integral. O funcionamento descentralizado desse sistema ainda não avançou

em sua plenitude, principalmente, no âmbito da violência sexual. O Programa Refazendo

Laços visava, justamente, a contribuir para a construção da rede de proteção integral de forma

plena e integrada.

4.2 - Um Pouco da História de São José dos Campos

O fato de São José dos Campos ser um município em que a pesquisadora trabalhou foi

condição fundamental para sua escolha como objeto de estudo para o desenvolvimento desta

94

pesquisa. Essa vivência permitiu conhecer aspectos singulares dessa rede, de sua constituição

e funcionamento, que nos permitem tecer reflexões à luz das entrevistas colhidas.

Entretanto, houve outro fato que contribuiu para essa escolha: o fato da Childhood

Brasil, instituição na qual prestava consultoria, também tê-lo escolhido para implementação

do Programa Refazendo Laços. Os fatores que levaram a Childhood fazer essa escolha foram:

• possuir, segundo dados do IBGE em 2005, uma população de 600 mil habitantes;

• localizar-se no eixo Rio-São Paulo, próximo à rodovia Presidente Dutra, uma das

principais vias de escoamento de produtos no estado;

• ser um dos centros industriais e de serviços mais importantes do interior paulista;

• apresentar um movimento social engajado, com diversas parcerias entre as

empresas e o poder público local.

Com base nesse histórico, a Childhood Brasil acreditou na possibilidade de parcerias

com esse município, que possuía um Conselho Municipal de Direitos da Criança e do

Adolescente – CMDCA, organizado, integrado e disposto a trabalhar em parceria estreita com

o programa proposto. Mesmo antes da chegada do programa, vários serviços da rede de

proteção já realizavam o atendimento às vítimas de violência doméstica no centro de

referência especializado para o atendimento à violência doméstica intrafamiliar, sendo essa

uma ação inter-secretarias22.

A existência de uma rede já em funcionamento, com certa infra-estrutura, foi fator

importante para a implantação do programa, contudo é importante retomar, brevemente, um

pouco da história da constituição dessa rede, antes de se pensar em sua configuração atual.

O trabalho social junto a crianças e adolescentes em São José dos Campos teve início

com a tradição do município no tratamento da tuberculose. Algumas instituições cuidavam

das crianças cujos pais estavam internados para esse fim. Com o tempo, essas instituições

foram se fechando - junto com os hospitais de tratamento - ou transformando-se em outro tipo

22 Ação que envolve a parceria entre a Fundação Hélio Augusto de Sousa com as Secretaria de Saúde, Educação,

Desenvolvimento Social, Justiça, Esportes, Cultura e Lazer.

95

de instituição. Nessa esteira, iniciou-se uma preocupação com os “menores” (adolescentes)

que, na década de 1970, perambulavam pelas ruas, rasgando os lixos, causando desconforto à

população. A prefeitura criou um programa que os colocava como “fiscais do lixo”, ou seja,

transformava-os naqueles que deveriam cuidar para que o lixo não fosse rasgado.

A partir daí, foi surgindo a necessidade de ampliação das ações voltadas a essa

população e criou-se o Programa de Menores, com contratação de maior número de

assistentes sociais. Nos documentos da Fundação Hélio Augusto de Sousa - FUNDHAS

encontra-se o relato de que, por volta de 1975, o Programa de Menores passou a Centro de

Orientação Sócio-Educativo do Menor Trabalhador, atendendo meninos que estavam nas

ruas, realizando trabalhos nas feiras, como engraxates, entre outros. Devido ao reduzido

número de profissionais para a realização do trabalho, os próprios adolescentes eram

multiplicadores e ajudavam com o trabalho do Centro. Esse trabalho era concentrado na

Secretaria Municipal de Educação do Município, antes da existência da FUNDHAS, que

estava em processo de ser gestada, na década de 1980, sendo fundada em 1987.

No início das atividades, a FUNDHAS realizava entre 500 e 800 atendimentos. Hoje,

esses números chegam a 8500 crianças e adolescentes atendidos, o que mostra a dimensão do

crescimento e do alcance dessa instituição no município. O campo de atuação da FUNDHAS

foi definido em conjunto com a Secretaria de Desenvolvimento Social, tendo sido

estabelecido que a Fundação cuidasse das situações de crianças e adolescentes em situação de

vulnerabilidade social, dos casos de trabalho infantil, medidas sócio-educativas em meio-

aberto (liberdade assistida – LA), além do atendimento aos casos de violência doméstica e

sexual. No que se refere às ações voltadas à infância e adolescência, à Secretaria de

Desenvolvimento Social caberiam os atendimentos às situações de abrigo e a supervisão das

políticas executadas pelas instituições conveniadas, sendo a gestora das políticas de

assistência social no município.

No último nicho citado como de atuação da FUNDHAS, o atendimento à violência

contra crianças e adolescentes, surgiu o Programa Aquarela, especializado para este fim, no

qual foi posteriormente desenvolvido o Programa Refazendo Laços. Esse programa emerge

como uma ação intersecretarias, a partir da assinatura de um termo de cooperação, para que o

mesmo fosse uma ação multiprofissional e multi-institucional. Envolve, até hoje, as

Secretarias Municipais de Saúde, Desenvolvimento Social, Justiça e Segurança Pública, além

da própria FUNDHAS. A demanda para criação do Programa Aquarela partiu da Secretaria de

96

Desenvolvimento Social, na qual se desenvolvia anteriormente o chamado “Programa de

Risco”, para o atendimento ao trabalho infantil, abuso, à violência doméstica e sexual. Diante

da solicitação, a FUNDHAS realizou estudos diagnósticos e estruturou o atendimento

especializado, que atenderia casos de violência doméstica e sexual de crianças com até 12

anos de idade e casos de outras formas de violência doméstica de crianças e adolescentes até

17 anos de idade. Dentro desse programa, havia duas frentes de atuação: a do diagnóstico dos

casos e a de tratamento.

O município foi pioneiro em ações voltadas à infância e adolescência, antecipando a

criação do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente – (CMDCA), criado

um ano antes da promulgação do ECA. Essa atuação, somada aos dados já citados, também

foi importante na escolha do município para o desenvolvimento do PRL.

4.3 - Programa de Atendimento à Violência Doméstica e Sexual Contra Crianças e

Adolescentes

Sendo o foco desta pesquisa a rede de atenção aos casos de violência doméstica e

sexual contra crianças e adolescentes, é importante esclarecer o funcionamento do serviço

especializado de atendimento a esse fenômeno no município de São José dos Campos, como

já citado anteriormente.

Quando instaurado, o Programa de atendimento já contava com ações intersecretarias

e uma equipe constituída por psicólogo, assistente social, médico pediatra, psicopedagogo,

cedidos das Secretarias de Saúde, Educação e Assistência Social. As demais Secretarias

Municipais, como a de Esportes e Cultura, funcionam como apoio na priorização do

atendimento das crianças e dos adolescentes quando encaminhados pelo Programa

Especializado para as atividades esportivas e culturais, entre outras.

Com a estrutura montada pelo município, notava-se, ainda, uma lacuna no que se

refere ao atendimento aos casos de abuso sexual extra-familiar de adolescentes, bem como

aos casos de exploração sexual comercial, uma vez que esses escapam ao perfil das situações

que poderiam ser atendidas pelo Programa Especializado. Esse ponto chama a atenção para as

dificuldades internas no município, referentes à estruturação de um serviço especializado no

97

atendimento à violência doméstica e sexual. Apesar de toda uma mobilização intersecretarias,

o atendimento para todas as situações de violência sexual contra crianças e adolescentes não

acontecia.

4.4 - A Chegada do Programa Refazendo Laços

Como citada anteriormente, a atuação do Programa Especializado ocorria em duas

frentes: do diagnóstico e do tratamento médico e psicossocial. A dimensão da prevenção não

estava contemplada de forma direta, deixando uma lacuna importante no trabalho

desenvolvido no município.

A proposta do Programa Refazendo Laços, apresentada pela Childhood Brasil, trazia a

questão da prevenção à violência doméstica e sexual contra crianças e adolescentes, além de

outras importantes proposições na direção da formulação de políticas, além da formação e do

cuidado com o profissional que atua no atendimento a essas situações.

O trabalho foi pensado e desenvolvido tendo como tripé de sustentação: o trabalho em

Rede, a violência sexual como um sintoma da sexualidade humana e o cuidado com o

profissional. Para tanto, propunha a formação contínua e, com qualidade, dos atores sociais e

o monitoramento das ações por meio de supervisões também contínuas e a possibilidade de os

profissionais perceberem a necessidade e sentirem-se autorizados a buscar ajuda sempre que

necessário.

Assim, para a concretização das ações, estabeleceu-se uma parceria entre a Childhood

Brasil - Instituo WCF e o CMDCA de São José dos Campos. Um Grupo de Trabalho, mais

tarde denominado Grupo Técnico – GT, constituído por representantes da Childhood, do

CMDCA, do Conselho Tutelar, Vara da Infância e Juventude, FUNDHAS e das Secretarias

Municipais de Saúde, Desenvolvimento Social, Educação e Esportes foi constituído como

principal lócus de discussão, delineamento e avaliação das ações.

98

4.5 - Gestão do Programa

O programa adotou o modelo da co-gestão a qual foi compartilhada entre a Childhood

Brasil e o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente -CMDCA, incluindo

Conselhos Tutelares, Secretarias municipais e a Fundação Hélio Augusto de Sousa -

FUNDHAS nas decisões.

A equipe de coordenação era composta por um coordenador geral da Childhood

Brasil, um assistente de coordenação e um coordenador local designado pelo município. Essa

equipe tinha como função fazer a mediação entre o nível macro, intermediário e o micro, além

de articular o grupo técnico e viabilizar todas as ações do nível micro (cursos, supervisões e

projetos), os quais serão explicados a seguir:

Nível macro: Refere-se ao âmbito macro-político, que contempla as articulações e

parcerias entre o poder público municipal, a Childhood Brasil - Instituto WCF, ONGs,

empresas e instituições privadas. Essas articulações e parcerias tinham o objetivo de assegurar

a implantação e continuidade do Programa no município.

Esse nível envolvia a relação entre a Childhood Brasil e o CMDCA. Desde o seu

início, a equipe da Childhood Brasil procurou compreender a dinâmica do CMDCA- SJC, a

sua autonomia frente ao poder púbico municipal e a participação da sociedade civil.

Assumiu, também, uma posição de mediação frente à relação do CMDCA com os

Conselhos Tutelares. Observou-se que houve vários embates entre essas duas instituições.

Constatou-se, além disso, que na relação com as Secretarias Municipais foram

necessárias articulações com os secretários para comprometê-los com a realização do projeto,

o que funcionou melhor em alguns casos do que em outros. Ficou muito claro, para os

articuladores do nível macro, que a atuação das secretarias estava diretamente relacionada à

participação de seu representante nas reuniões do grupo técnico. Dessa forma, todas as

decisões do programa passavam por esse nível. Esse campo de articulação é delicado por

envolver interesses e poderes que geralmente estão além dos interesses específicos da criança

e do adolescente.

99

Nível intermediário: Cuidava dos processos de articulação dos serviços locais, a fim

de mapear o fluxo de atendimento e aprimorar o funcionamento da rede de proteção,

constituindo uma referência na atenção integral a crianças, adolescentes e às suas famílias.

Nível micro: Formação e acompanhamento dos profissionais em seu cotidiano,

garantindo que estejam preparados para trabalhar com crianças, adolescentes e famílias em

situação de violência doméstica e sexual. Esse é o campo micro–-político no qual as ações

chegam à base, aos usuários dos serviços. Essa ação se reverte na oferta e na qualidade dos

serviços prestados pela rede aos seus usuários.

A articulação intersecretarias consistia em envolver, nas capacitações, gestores e

profissionais, para integração das ações. Assim, pretendia estabelecer uma linguagem comum,

favorecendo a apropriação dos conceitos adotados.

A co-gestão técnica e financeira foi compartilhada entre os parceiros e funcionou por

meio de contrapartidas da Childhood Brasil – Instituto WCF, da empresa Duratex, do

FUMCAD e do Poder Executivo. Esse modelo de gestão é complexo, porque implica em uma

composição de forças inovadoras e desafiadoras entre atores do 1º Setor (Governo), 2º Setor

(empresa privada) e 3º Setor (Sociedade Civil). Essa forma de gerir desencadeia um processo

de parceria, na qual todos trocam saberes, estabelecem contrapartidas humanas e financeiras.

A gestão do programa ainda pretendia favorecer a realização de ações em rede

horizontalizada e a internalização de uma cultura de formação continuada, com a produção de

material didático e revisão do fluxo de atendimento. Todos esses aspectos desencadearam

uma repactuação, na qual o município reafirmou o compromisso político na prevenção à

VDSCCA, como ação contínua nas diferentes secretarias municipais – entrada na política

pública. Contribuiu, ainda, para identificar as lacunas existentes na rede de proteção. Foi a

partir da percepção da inexistência de um serviço específico para atender aos casos de

exploração sexual que o Conselho Tutelar realizou um levantamento dos casos, apresentando-

os ao CMDCA, que constituiu um grupo de trabalho e, atualmente, vem estruturando esse

serviço no município.

100

4.6 – Capacitações

Foram realizados três cursos de capacitação, para Conselheiros Tutelares, agentes

multiplicadores e agentes de prevenção. Todos os cursos tinham como objetivo principal

preparar as pessoas que fazem parte da Rede de Proteção à Infância e à Adolescência para

trabalhar com o tema da violência doméstica e sexual contra crianças e adolescentes.

Apesar desse objetivo geral em comum, os cursos foram adaptados para as

necessidades de cada um dos grupos: os conselheiros tutelares receberam uma formação que

contemplou todas as temáticas referentes à VDSCCA, porém foi dada ênfase a respeito do

sistema de justiça e os agentes multiplicadores tiveram um tempo adicional para discutir

questões relacionadas à sexualidade, incluindo gravidez na adolescência e prevenção de

doenças sexualmente transmissíveis, o que havia sido uma demanda do próprio município.

O processo de formação dos operadores do SGD no município de São José dos

Campos contribuiu efetivamente para o fortalecimento das ações em rede, facilitando a

integração entre as organizações e a definição do fluxo de atendimento às crianças e aos

adolescentes em situação de violência doméstica e sexual. Nesse processo formativo dos

profissionais das organizações governamentais, foi ressaltada a necessidade de capacitação

para os profissionais das organizações não-governamentais (ONGs), as quais aconteceram no

ano de 2007. Houve, com isso, um esforço de formação efetiva da rede, visando que as

pessoas e organizações não mais trabalhem isoladamente, mas construam um todo integrado.

Com esse trabalho, a necessidade de qualificação para os profissionais da rede de

proteção foi ressaltada no relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre a

Exploração Sexual realizado em 2003, no âmbito do Congresso Nacional, conforme a seguir:

Os programas e ações de cada política setorial, que têm como focoprincipal o atendimento e o cuidado das vítimas de crimes sexuais ouo seu combate e responsabilização, serão analisados sob a ótica daproteção especial. A CPMI comprovou, na prática, a necessidade dedesenvolvimento dessas redes articuladas, capazes de atender eproteger as crianças e adolescentes. É precisamente pela condição devulnerabilidade daqueles que são atingidos pela violência que seimpõe a necessidade de que as redes de proteção sejam altamentequalificadas, capazes de atender integralmente as vítimas, marcadas

101

que estão em todas as dimensões de sua existência. (CPMI23, 2003:219)

Acreditando que a violência sexual contra crianças e adolescentes pode ser prevenida

por meio da articulação da rede de proteção integral, o Programa Refazendo Laços construiu

e implantou uma proposta de formação continuada, envolvendo educadores, professores, pais,

profissionais de saúde, psicólogos, advogados e a sociedade em geral. Além disso, o

Programa busca aumentar a mobilização social e contribuir com a formulação de novas

estratégias.

4.7 - Composição da Rede

As situações de violência doméstica, abuso e/ ou exploração sexual podem ser

reveladas em diferentes contextos e situações. Não é incomum, por exemplo, um pediatra

deparar-se com uma criança que tenha sido ou esteja sendo submetida à violência, ou, ainda,

um professor, que identifique indícios de violências em seus alunos, acompanhada de

mudanças comportamentais.

Assim, os serviços de emergência, as unidades básicas de saúde e ambulatórios da

rede pública e privada, as delegacias de polícia e a escola são espaços que devem estar

preparados para saber lidar com as situações de violência doméstica e sexual, caso essa se

mostre presente. Como agir no caso de suspeita? Para onde encaminhar a criança e a família?

Que serviços estão disponíveis e como contatá-los? Essas e outras questões envolvem a Rede

de Proteção Integral. Para que o projeto de Rede preconizado no Estatuto da Criança e do

Adolescente se faça realidade, é imprescindível que as pessoas envolvidas com suspeitas ou

revelações de violência doméstica, abuso ou exploração sexual, sejam elas profissionais ou

cidadãos comuns, ajam de forma articulada.

23 Documento disponível em: http://www.senado.gov.br/web/senador/PatriciaSaboyaGomes/ca/cpmi/oquee.htm

102

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 13, para que uma

denúncia seja realizada, não é necessário que uma pessoa tenha certeza de que uma criança

esteja sendo vitimizada, a suspeita é o suficiente. Afirma-se, pois, no ECA:

Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criançaou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao ConselhoTutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providênciaslegais. (ECA, 1994:38)

Em outras palavras, basta que alguém suspeite de um caso de violência doméstica,

abuso ou exploração sexual para que faça uma denúncia e, assim, acione a rede de proteção,

na qual deverão estar integradas organizações que trabalham nos eixos da defesa dos direitos

(Conselhos Tutelares, Varas da Infância e da Juventude, Ministério Público, Defensoria

Pública e Centros de Defesa), do atendimento às crianças, aos adolescentes e as famílias

(composto por instituições executoras de políticas sociais de saúde, educação, assistência,

trabalho, cultura, lazer e profissionalização, bem como de serviços e programas de proteção

especial e ONGs que atuam nessas áreas) e da responsabilização dos agressores (Delegacias

de Polícia, Delegacias de Proteção a Crianças e ao Adolescente, Delegacia da Mulher,

Instituto Médico Legal, Varas Criminais, Vara de Crimes contra a Criança e o Adolescente,

Vara da Infância e da Juventude e o Ministério Público).

Para garantia do atendimento integral a crianças e adolescentes submetidos à VDS, é

necessária uma estrutura de políticas públicas com serviços especializados. Contudo, para que

esses serviços cumpram o seu papel institucional, eles necessitam de profissionais

qualificados, competentes, éticos e articulados em rede para darem sustentação às ações, já

que elas necessitam de complementaridade, envolvendo minimamente os sistemas de justiça,

assistência social e saúde. Essas pré-condições para o desenvolvimento de ações em rede,

estão em consonância com a visão de Faleiros (2001), conforme a seguir:

Não são poucas, portanto, as organizações que estão implicadas emgarantir os direitos de crianças e adolescentes em situação deviolência doméstica e sexual. O que caracteriza uma rede deproteção é justamente a aliança de atores e forças em um único blocode ação. (Faleiros, 2001: 27-28)

103

4.8 - Formação da Rede de Proteção em São José dos Campos

A formação da rede de proteção de São José dos Campos aconteceu através da

utilização de várias estratégias, tais como:

• articulação política e institucional;

• realização de diagnóstico participativo;

• promoção de seminários municipais para construção dos planos operativos locais -

POL;

• constituição de comissões locais para monitoramento dos planos;

• estruturação de cursos de formação para rede de proteção;

• formalização de pactos, convênios e parcerias com a sociedade, empresas,

fundações, entre outros, assegurando o compromisso dos Governos Federal,

Estaduais e Municipais para o cumprimento das metas previstas nos Planos

Municipais;

• realização de campanhas locais para mobilização das instituições e da sociedade

em geral.

O Programa Refazendo Laços buscou, desde o início, articular a rede a partir do

Conselho Municipal da Criança e do Adolescente de acordo com o Termo de Parceria

firmado entre este e o Instituto WCF – Brasil, para a implementação do programa (ver anexo

1). Durante a execução do Programa, as ações foram desenvolvidas por meio da articulação

entre todos os segmentos, sendo as decisões tomadas após as proposições do Grupo Técnico

(Nível Intermediário) e encaminhadas para deliberação do Grupo Gestor (Nível Macro).

Assim, ao final do ano de 2006, após 15 meses de projeto, o Programa Refazendo

Laços construiu um documento, enviado ao CMDCA, fazendo algumas proposições para a

melhora da política de proteção integral à criança e ao adolescente (ver anexo 2). Esse

documento foi construído a partir das contribuições dadas por todos aqueles que participaram

do Programa ao longo desses 15 meses: profissionais das instituições que participaram dos

104

cursos e das supervisões, professores, supervisores, membros do Grupo de Trabalho, equipe

local, coordenação e assistente de coordenação.

As ações mais duradouras do PRL no município, sempre com o objetivo de formar a

rede de proteção e prevenir a ocorrência da violência doméstica e sexual, foram os cursos de

formação para agentes multiplicadores e de prevenção e para conselheiros tutelares, seguida

de supervisões para os três grupos.

4.9 - Desafios e Recomendações

O Programa Refazendo Laços passou por um processo de avaliação continuada e foi

submetido à apreciação de um comitê técnico que realizou uma avaliação pontual, voltada

para o alinhamento do projeto, com vistas à sua futura replicação em outros municípios

brasileiros. Esse comitê foi formado por especialistas na área de políticas públicas e violência

contra crianças e adolescentes e realizou suas discussões a partir do material apresentado no

Seminário Regional do Programa Refazendo Laços.

Como fruto dessa discussão, esses especialistas listaram os pontos positivos do projeto

realizado até o momento, as questões e problematizações, indicativos de continuidade e

recomendações visando à replicação.

4.10 Pontos Positivos

O projeto foi muito bem avaliado pelos membros do comitê técnico, que destacou os

pontos positivos a seguir:

Gestão compartilhada entre o terceiro setor (Instituto WCF) e o poder público

municipal. Na visão do Comitê, isso é essencial para que a prevenção à violência sexual seja

tratada como uma política pública do município e não como um mero projeto social, com

período delimitado de realização.

105

Além disso, enriqueceu muito o Programa o envolvimento de atores sociais diversos e

que, normalmente, não são chamados a participar de projetos de prevenção à violência sexual,

tais como os funcionários da Secretaria de Esportes e Lazer e os agentes comunitários de

saúde. A participação desses e de outros atores sociais, no mesmo grupo de supervisão,

possibilitou uma troca mais efetiva, possibilitando a formação da rede de proteção a partir da

base, ou seja, não por uma decisão política, mas pela relação travada entre os atores.

Outro aspecto positivo foi a forma inovadora de trabalhar o conceito de violência

sexual ao longo dos cursos e supervisões, trazendo, para o debate, o tema da violência e o

tema da sexualidade. Isso gerou projetos de intervenção no município que possuem uma visão

menos “denuncista” e mais humana. Adiciona-se aqui a formação dos alunos voltada para a

autonomia e o protagonismo, possibilitando, com isso, que os grupos formados a partir das

supervisões tenham elaborado projetos de intervenção bastante criativos e também muito

importantes, o que provocou, nos atores sociais, reflexões a respeito de suas próprias práticas.

Dessa forma, os atores puderam se apropriar dos novos conhecimentos de forma não-

mecânica, ou seja, incorporando-os em suas práticas profissionais.

4.11 Questões e Problematizações

Apesar da forma de trabalhar o conceito de violência sexual como algo relacionado à

sexualidade ter sido citado como algo positivo, os membros do comitê técnico observaram

que houve diferenças na forma de abordar o tema, pautadas em pressupostos diferentes. Em

alguns momentos do seminário, apareceu uma abordagem mais denuncista e militante, o que é

um tanto quanto perigoso, pois as pessoas, muitas vezes, não se sentem confortáveis com essa

abordagem. Disso, foi observada uma diferença nos processos de formação dos grupos de

multiplicadores e de prevenção em termos do tempo de curso, da metodologia (uma mais

voltada para a discussão da sexualidade e outra menos) e da periodicidade, o que acarretou

projetos de intervenção também diferentes qualitativamente.

Tendo isso em vista, o comitê entende que seja mais produtiva uma formação mais

intensiva e menos quantitativa, ou seja, uma formação que possibilite a identificação do aluno

com o tema, permitindo que ele incorpore a forma de tratar a violência sexual, ainda que isso

106

impossibilite a formação de um número grande de alunos. Em outras palavras, o grupo

considera mais eficaz formar bem um grupo reduzido de pessoas do que dar uma formação

superficial a um grande número de alunos.

O comitê técnico levantou, ainda, dois pontos acerca das abordagens empreendidas

pelo PRL. Em primeiro lugar, foi questionado o uso do termo “cuidar do cuidador”. Essa

forma de fazer referência à necessidade de que os profissionais tenham acesso a uma

supervisão continuada e a um ambiente de trabalho mais sadio pode levar ao entendimento de

que essa é uma abordagem muito assistencialista, o que não é o caso. Foi, também,

questionado o trabalho sócio-dramático com jovens, já que quando esse é realizado por

pessoas pouco preparadas pode trazer-lhes problemas, pois eles revivem as experiências de

violência e abuso.

4.12 - Indicações para a Continuidade do Programa em São José dos Campos

As indicações para a continuidade do PRL abrangeram três frentes: a efetivação da

rede de proteção, a inclusão de novos atores na rede, a ampliação de espaços de atendimento e

as supervisões.

Os membros do comitê técnico viram avanços na formação da rede de proteção, à

medida que atores diversos encontraram um espaço comum de convivência e troca de idéias e

propostas. Contudo, ainda que as supervisões tenham criado esse espaço comum, os projetos

apresentados demonstram que os alunos de secretarias diferentes não trabalharam de forma

conjunta, com raras exceções. Nesse sentido, recomenda-se que a transversalidade seja

estimulada. De forma geral, há, portanto, consenso de que a rede ainda deve ser bastante

trabalhada no sentido de ampliar a integração entre os serviços e secretarias, possibilitando,

assim, que essa integração adquira maior autonomia, deixando de depender apenas dos

estímulos do Programa Refazendo Laços. Além disso, recomenda-se a construção de um

grupo de responsáveis, a quem os técnicos podem recorrer em situações específicas,

possibilitando uma autonomia ainda maior.

Ainda com relação à rede de proteção, recomenda-se que os projetos desenvolvidos

sejam apresentados de forma sistemática para os gestores, buscando, com isso, um maior

107

comprometimento das secretarias e, conseqüentemente, um maior incentivo para que os atores

sociais desenvolvam seus trabalhos com mais tranqüilidade e qualidade.

Outra necessidade, também apresentada pelo Comitê, seria a ampliação dos espaços de

atendimento a crianças, adolescentes e famílias em situação de violência doméstica e sexual.

Esse ponto justifica-se, pois em havendo uma maior discussão do tema e uma efetivação da

rede de proteção, é de se esperar que aumente o número de denúncias de abuso ou exploração

sexual. Para não sobrecarregar os serviços já existentes, o que poderia acarretar uma piora em

sua qualidade, seria adequada a ampliação desses serviços ou inclusão de novos espaços.

Por fim, houve um consenso entre os membros do comitê técnico de que as

supervisões estão trazendo um grande benefício e que devem continuar, para que o trabalho

não seja deixado inacabado.

4.13 - Recomendações Visando à Replicação

O comitê técnico fez três recomendações para a replicação do Programa Refazendo

Laços:

• estabelecer critérios para a escolha do local, visando a que o Programa alcance

seus objetivos. Assim, é interessante que a escolha dos municípios seja feita a

partir de três critérios: municípios com alta vulnerabilidade social,

comprometimento político do município e preocupação com o tema (o município

deve assumir que tem problema de abuso e exploração sexual);

• maior alinhamento conceitual da equipe do Instituto WCF;

• trabalhar, de forma mais efetiva, o protagonismo e o empoderamento dos

envolvidos, para além da gestão governamental.

108

4.14 - Situação Atual do Programa Refazendo Laços no Município de São José dos

Campos

A parceria técnica e financeira estabelecida entre a Childhood Brasil e o Município de

São José dos Campos foi encerrada em dezembro de 2007, após a formação continuada da

Sociedade Civil. Esse processo foi trabalhado com o município nos níveis macro,

intermediário e micro. Alguns documentos foram redigidos pelo Grupo Técnico e pelo

Conselho Tutelar (vide anexo) e encaminhados para o Conselho Municipal da Criança e do

Adolescente (CMDCA), com a finalidade de subsidiar esse Conselho na definição das

prioridades da política de atendimento integral às crianças e aos adolescentes em situação de

violência doméstica e sexual.

O Município, durante o processo de execução do Refazendo Laços, foi se organizando

de forma a absorver o programa em sua estrutura, conforme estabelecido desde o início da

parceria. Assim, as condições foram sendo criadas na proporção que as ações desse Programa

foram entrando na estrutura pública, na medida em que os cursos de formação e as

supervisões foram fazendo sentido no cotidiano dos profissionais. Alguns deles se

organizaram em grupos e começaram a desenvolver projetos de prevenção, bem como

passaram a repensar o atendimento e o funcionamento da rede. Desse modo, foram

localizando os furos e os nós existentes no fluxo de atendimento e, ao mesmo tempo,

buscaram alternativas para a sua resolução.

Esse movimento repercutiu em todos os níveis da estrutura pública e, dessa forma, a

rede começou a ser repensada. Técnicos, secretários, gestores, conselheiros de direitos e

tutelares, profissionais da vara da infância e juventude, dos abrigos, das escolas, enfim, todos

se depararam com o desafio e com a complexidade de tentar acolher, atender e proteger

crianças, adolescentes e famílias em situação de violência doméstica e sexual. Com isso, foi

interessante observar o quanto esse processo mexeu com as pessoas, pois as verdades pré-

estabelecidas passaram a ser questionadas. Esses questionamentos, inicialmente, provocaram

um sentimento de impotência, que posteriormente foi transformado em busca pelo

conhecimento e pela necessidade de compartilhar ações e integrar uma rede. Apesar dos furos

e das falhas, os profissionais desta rede estão tentando se cuidar para poderem ser cuidadores.

109

O processo em questão sempre foi permeado por muitos desafios, necessitando

constantemente de articulações micro e macro políticas. Em vista disso, a equipe de

Coordenação do Programa, dois Consultores da Childhood Brasil e três profissionais do

Município de São José dos Campos recebiam supervisão e assessoria quinzenais de um

psicanalista e de um especialista em políticas públicas, com o objetivo de afinar a linguagem,

a metodologia e de trabalhar as questões referentes às relações interpessoais e o

compartilhamento de responsabilidades e a divisão do poder. Esse processo foi muito rico

para a formação da equipe gestora e, principalmente, para a elaboração da saída gradual dos

Consultores da Childhood e para o amadurecimento da equipe de Coordenação do Município

que, a partir do ano de 2008, assumiu integralmente a Coordenação do Programa.

Atualmente, o Programa Refazendo Laços foi incorporado ao Programa Aquarela,

especializado na atenção integral às situações de violência doméstica e sexual, o qual

inicialmente realizava o serviço de diagnóstico e atendimento às situações de abuso sexual

intra- familiar, sendo inserido no eixo preventivo. Para tanto, adotou-se a filosofia e

metodologia do Refazendo Laços, que se transformou em ação permanente no município,

com uma equipe específica, orçamento e estrutura física adequados para acompanhar o

processo formativo dos operadores do SGD e realizar ações de prevenção à violência

doméstica e sexual em todo o município. A sua esfera de atuação abrange o poder público e a

sociedade civil nas formações continuadas, nas supervisões, nos estudos, pesquisas e

intercâmbios interinstitucionais sobre essa temática específica.

A equipe do Refazendo Laços estruturou-se de acordo com os eixos da promoção do

controle e da defesa. Desse modo, foram mantidos a filosofia e o método adotado no

Programa desde o seu início, sendo garantidos as supervisões das equipes e os cursos, os

quais continuam abordando a violência sexual como um sintoma da sexualidade humana,

estabelecendo interfaces com as políticas públicas intersetoriais e com as ações em rede. As

equipes multiprofissionais incorporaram o cuidado com o profissional como premissa

importante e fundamental no desenvolvimento de suas ações. As supervisões sistemáticas,

embora continuem acontecendo, ainda são um processo que necessita de negociação

permanente com os gestores. Mensalmente, toda a rede se reúne em um encontro que se

chama “cesta básica”, momento em que as equipes se encontram para a troca de experiências

e para a realização de atividades lúdicas.

110

Uma ação importante - para a estruturação do atendimento integral a crianças,

adolescentes e famílias em situação de violência sexual - está em processo de organização no

município a partir deste ano em curso, que é a organização do atendimento especializado às

situações de exploração sexual comercial. Esse debate foi desencadeado no município durante

as formações e supervisões do Refazendo Laços, quando se identificou essa lacuna no

Município, que não oferecia nenhum tipo de atendimento para essas situações.

Dessa forma, a rede de atenção integral não conseguia ter a dimensão desse problema,

que não era assumido, nem tampouco priorizado. Quando o Conselho Tutelar solicitava o

acompanhamento dessas situações, que geralmente chegavam - de forma esporádica e quase

sempre - com outra queixa, somente após a avaliação era que se identificava a demanda da

exploração sexual. Os diferentes serviços da rede de proteção respondiam às solicitações do

CT, informando que não tinham competência para acompanhar o caso e que esse serviço

inexistia no município. O CT sempre comunicava ao Judiciário e ao CMDCA esse fato,

solicitando a estruturação desse serviço no plano de ação do Conselho. O CMDCA respondia

ao Conselho, referindo que não se justificava a implantação de um serviço sem a existência de

um diagnóstico da situação, apontando a inexistência de um mapeamento dos casos.

Esse processo de negociação angustiava imensamente os conselheiros, sendo pauta

constante das supervisões, desencadeando um encontro temático com toda a rede sobre esse

tema. Esse encontro teve, como deliberação, o mapeamento dos possíveis locais de

agenciamento e o mapeamento dos casos.

O CT abraçou esse desafio, que foi assessorado pelos supervisores, consistindo em um

árduo e eficiente trabalho no qual foram identificados mais de trinta casos de exploração

sexual comercial de adolescentes, sendo mapeados os pontos de agenciamento, os jovens e

suas famílias. Esse trabalho resultou em um relatório, que foi encaminhado para o CMDCA

sobre as contribuições para a Política Integral à Criança e ao Adolescente no Município. Com

esse documento em mãos, o CMDCA constituiu um Grupo de Trabalho, com o apoio da

Comissão Municipal de Enfrentamento à Violência Sexual. Esse grupo vem subsidiando o

CMDCA, na deliberação sobre a estruturação desta política.

Finalmente, o Programa Aquarela está estruturando mais um braço de atuação e,

apesar da resistência e do receio, está montando uma equipe de profissionais para o

atendimento aos casos de exploração sexual.

111

Esse amplo processo de formação, supervisão e articulação micro e macro-política,

com o objetivo de promover a estruturação de uma política pública de âmbito municipal para

o atendimento integral às situações de violência doméstica e sexual é um desafio permanente.

Na situação específica do município de São José dos Campos, pode-se observar que a entrada

dessa temática na política pública não é algo simples, pois apesar das condições favoráveis do

município, ainda há muitos desafios.

No capítulo seguinte, as entrevistas com os profissionais irão evidenciar e colocar em

análise os desafios deste processo, associados aos aspectos subjetivos que esta temática impõe

a todos que tentam compreender e atender essas questões. Esse percurso ainda denota que

acolher, proteger e cuidar das situações de violência doméstica e sexual ainda é um desafio, já

que as situações são singulares e não existe receita pronta para solucioná-las. As redes

precisam ser tecidas constantemente e é preciso que elas se preparem para enfrentar os

desafios.

112

CAPÍTULO – V

O FUNCIONAMENTO DA REDE NO CASO ANALISADO: VIRTUDES ,

FRAGILIDADES E TENSÕES

Queremos ver as meninas lindas, felizes e responsáveis

por suas vidas, dentro do possível. A sexualidade das

meninas a elas pertence, elas escolhem de que forma

querem ter prazer, desde que seja com responsabilidade

e orientação. (Profissional da Rede de Proteção)

5.1 Contextualização

Como parte da metodologia dessa pesquisa, realizamos entrevistas que aconteceram

em dois contextos diferentes. Inicialmente, foi realizada a entrevista com Sabrina, que deveria

desdobrar-se em um acompanhamento regular, visando a compreender, de forma mais

aprofundada, a sua história e o seu percurso nas instituições públicas do Município de São

113

José dos Campos e, em especial, no Abrigo para Mães Adolescentes localizado em uma outra

cidade.

A adolescente desvinculou-se precocemente dessa organização e esse fato

impossibilitou a continuidade da escuta já iniciada e o acompanhamento de seu processo de

reorganização, tendo em vista observar as possibilidades de elaboração ou da permanência da

adolescente na exploração sexual comercial. Ainda, pretendia-se observar - a partir do seu

ponto de vista - como aconteceram o seu acolhimento, cuidado e proteção nessas

organizações.

No segundo momento, foram entrevistados nove profissionais do Sistema de Garantia

de Direitos do Município de São José dos Campos, com o objetivo de compreender como

aconteceu a estruturação da política municipal de proteção especial às situações de violência

doméstica e sexual. Assim, ouviram-se gestores, técnicos das áreas de saúde, justiça e

assistência social, além de conselheiros de direitos e tutelares.

Essa escolha diversificada de profissionais objetivou conhecer e ouvir situações sob o

ponto de vista de quem propõe e formula as políticas públicas e de quem as executa, escuta,

acolhe, protege os usuários dessa política e responsabiliza àqueles que violam os direitos

humanos de crianças e adolescentes. As informações colhidas nas entrevistas com os

profissionais se somaram à entrevista com a adolescente, enquanto pessoa assistida por esta

rede de proteção, tendo experienciado atendimento em vários serviços deste sistema.

Os fragmentos das falas dos profissionais e da adolescente utilizados nesta análise

trazem subsídios essenciais para responder ao problema de pesquisa, bem como observar as

suas concepções sobre esse tema, suas vivências, reflexões, opiniões pessoais, conflitos,

angústias, avanços e desafios. Levando em consideração o sigilo e a ética que uma pesquisa

deve preservar, evitar-se-á relatar os dados pessoais dos profissionais e da adolescente, bem

como das organizações onde essas pessoas trabalham. A missão e a filosofia das organizações

não serão informadas, tendo em vista a preservação desses espaços, dos profissionais e da

adolescente.

O conteúdo das entrevistas traz questões institucionais e pessoais que sugere fazer uma

reflexão sobre as tensões institucionais que permearam a fala dos nossos sujeitos. Foram

escolhidos profissionais de diferentes serviços para que se pudesse ter uma visão ampla sobre

como funciona uma rede de proteção e de como se estabelecem os papéis e as funções dos

114

diferentes serviços e profissionais nesta rede, levando em consideração o que estabelece o

Estatuto da Criança e do Adolescente-Lei 8069/90.

A partir das questões apresentadas pelos entrevistados, serão articuladas suas falas

com as opiniões de autores que trabalham as temáticas das políticas públicas e das redes

sociais na estruturação dos serviços especializados de atenção às situações de violência

doméstica e sexual contra crianças e adolescentes.

5.2 Sabrina – Adolescente

Idade: 15 anos24

Escolaridade: fundamental completo

A entrevista com Sabrina aconteceu em dois momentos diferentes e específicos, os

quais tinham a pretensão de desdobrar-se em um acompanhamento regular. O primeiro

contato com a adolescente foi no Abrigo Municipal, onde ela se encontrava abrigada e no

sétimo mês de gestação. O Segundo encontro aconteceu no mesmo local, após o nascimento

da sua segunda filha (a primeira foi dada à adoção 2 anos antes). O terceiro momento seria no

Abrigo para Mães Adolescentes, para onde ela foi transferida após o nascimento do seu bebê,

mas não ocorreu.

Com o objetivo de ajudar o leitor a ter uma visão ampla do contexto em que os fatos

aconteceram, serão acrescentadas o conteúdo de reuniões com os profissionais que atenderam

a adolescente no Abrigo municipal, no Sistema de Justiça e no Abrigo para Mães

Adolescentes em outro município.

O caminho que Sabrina percorreu na rede de proteção favoreceu a visualização das

dificuldades, acertos, desacertos, tensões e contradições vivenciados por ela e pelos

profissionais dos sistemas de proteção e justiça. Os conflitos de papéis e funções foram

24 A idade de Sabrina se refere ao ano de 2007

115

evidenciados em vários momentos, dificultando, com isso, a garantia da proteção integral da

adolescente e de suas duas filhas.

Será apresentada, a seguir, a história de Sabrina entrelaçada com as falas dos

profissionais que a atenderam.

Ao escutar a história de Sabrina, observa-se que ela não era tratada como criança na

família e no abrigo, ou seja, de acordo com a metáfora de Ferenczi (1932:95), ela era vista

como frutos que ficam maduros e saborosos depressa demais, após serem feridas pelo bico de

um pássaro. Assim, essa adolescente desenvolveu características adultas precocemente,

vivenciando experiências de abandono e invasão a sua sexualidade de forma intensa e

prematura.

Desde criança que me deixaram sozinha no mundo [...] Fiquei com aminha avó, mas, fui colocada no abrigo muito pequena. Passava umperíodo aqui no abrigo e outra temporada com a minha avó ou pelasruas. Fui morar com o meu pai e com a mulher dele, ele me estuprou.Saí de lá e voltei para a casa da minha avó, não deu certo, entãoretornei para o abrigo. Aos 11 anos, arranjei uma barriga, faziaprogramas e tinha um namorado [...] voltei para o abrigo, onde tivea minha primeira filha [...] Eu estava sem paciência, já nãoconseguia cuidar dela direito e ela foi adotada.

O incesto vivenciado por ela e praticado por seu pai biológico nos remeteu, mais uma

vez, ao texto de Ferenczi (1932), que compreendia o abuso sexual como uma invasão à

sexualidade da criança e defendia a posição de que essa ultrapassagem de limites pelo adulto

provoca na criança uma “confusão de línguas”, entre a linguagem da ternura e a da paixão.

Ele se preocupou em alertar que os abusos sexuais em crianças e bebês são muito mais

freqüentes do que a sociedade e, mesmo o mundo das ciências, suporta reconhecer.

As dificuldades pelas quais Sabrina passou demandavam acompanhamento

especializado pela rede de proteção do Sistema de Garantia de Direitos, porém isso não

aconteceu. As circunstâncias particulares da história de vida da adolescente e das instituições

que a atenderam, provocaram abrigamentos e desabrigamentos freqüentes e a instalação de

um quadro de vivência de rua, que se consolidou desde tenra infância.

116

Sabrina necessitava de uma rede de proteção fortalecida e qualificada para acolhê-la e

protegê-la, já que a sua família havia falhado nesta função. Nesse caso específico, as

instituições que a receberam também não conseguiram cumprir essa função de proteção e, aos

onze anos de idade, já se encontrava grávida, vivendo nas ruas e fazendo programas, embora a

adolescente estivesse inserida nos serviços oferecidos pela rede de proteção. Ao revelar aos

profissionais do abrigo os abusos sofridos no período em que residia na casa do pai, ela não

foi encaminhada para nenhum serviço que pudesse cuidar das conseqüências advindas desta

vivência, verbalizada por ela de forma muito dolorosa. Esse fato chama atenção, em especial,

porque aconteceu em uma cidade onde existem serviços especializados. Assim, observa-se a

dificuldade de articulação entre os serviços da rede e a dificuldade dos profissionais para lidar

com essa questão.

Marques (2006), que pesquisou profissionais que trabalham diretamente na escuta às

crianças e adolescentes em situação de violência sexual, encontrou na fala dos entrevistados

queixas sobre a formação deficitária e pouco respaldo institucional para as ações de proteção

que desempenham. A autora adverte a respeito da importância dos profissionais refletirem

profundamente sobre o desejo que os movem a ser cuidadores e trabalharem nessa área, pois

acredita que, para além das questões institucionais, há conflitos internos vivenciados pelos

profissionais quando se deparam com os relatos dos casos de abuso sexual, muitos fazem essa

escolha sem antes elaborar adequadamente seus próprios conflitos psíquicos e acabam,utilizando a

posição de se tornar cuidadores como forma inconsciente de obter cuidados para si mesmo (Marques,

2006, p 115).

Refletindo sobre as conseqüências do abuso sexual sofridos na infância, (Gabel,

55,1997) diz que depende de vários fatores e que se deve levar em consideração o sentimento

de desamparo e o medo decorrentes desta situação, os quais vão mobilizar atenção especial,

pois é necessário reconhecer, no entanto, que o tema mobiliza muito no plano emocional. Por

isso, é preciso abordá-lo com prudência, sangue–frio e com o mínimo possível de emoção

(Gabel, I99:35), , essas pré-condições falharam na condução da história de Sabrina.

Passei a gravidez entre as ruas e o abrigo. A minha avó sempre mefalava que não gostava de ter uma neta mulher. Em casa dela, eutinha que conviver com o tráfico de drogas [...] Quando a minha mãefoi presa e eu voltei para o abrigo com a minha filha, estava muitonervosa, sem tolerância, sem o apoio da minha avó [...] Então, veio àproposta de adoção, fiquei sem saída e senti-me forçada a aceitar.

117

Foi difícil, revoltante, não era isso que eu queria. Por falta de opção,fui convencida de que era o melhor para ela! [...] Fugi para as ruas evoltei a me prostituir e a usar drogas.Após a adoção da minha filha, meses depois, engravidei novamente equando a barra começou a pesar na rua, voltei para o Abrigo, nãotinha outra opção. Tenho muito receio que a Justiça tome esta minhafilha novamente [...] (Sabrina, 2006)

A forma como Sabrina expressou o que vivenciou na adoção de sua filha vem

reafirmar o que a literatura traz sobre a entrega de um filho para adoção. De acordo com

inúmeros estudos estrangeiros, esse processo cria conflitos e conduz a dificuldades

interpessoais, sentimentos de perda e depressão (Motta, 2001 p, apud Burnell & Norfleet,

1979). Portanto, a adoção é uma questão complexa que mobiliza muito sofrimento, sendo

necessário o desenvolvimento de um trabalho de preparação, mesmo quando a mãe verbaliza

o desejo de entregar o filho para adoção.

A entrega de um filho sem a preparação prévia necessária e oacompanhamento posterior adequado poderá redundar num processocarente de elaboração e, portanto potencialmente devastador para asaúde física e mental da mulher, como também poderá gerar atitudese comportamentos prejudiciais á própria criança e ao sucesso doprocesso adotivo. (Motta, 200:28)

A adoção da sua primeira filha aconteceu de forma bastante confusa e não foi dado à

adolescente o tempo necessário para refletir e amadurecer sobre o que desejava.

Ficou implícito, na atitude da família e dos profissionais da Rede, que ela e a sua filha

não tinham um lugar definido na casa da avó, da mãe, do pai e tampouco nos serviços da rede

de proteção, restando-lhe voltar às ruas, às drogas e à prostituição. A segunda gravidez, a

nosso ver, foi uma reedição do que ficou mal resolvido na experiência anterior.

Tivemos acesso ao processo da adolescente arquivado na Justiça, em que foram

verificadas inúmeras contradições entre a posição das equipes dos diversos serviços da Rede.

A forma como a adoção aconteceu gerou conflitos internos que foram verbalizados por um

membro da Rede.

118

Sabrina descompensou [...] ela gritava e repetia: todo ano vou voltaraqui com um filho no bucho para provocar [...]. A técnica queacompanhou o caso também saiu da audiência exaurida e teve umacrise de choro, não concordava com a decisão final, nem com aforma como esta aconteceu. (Rita, 2008)(...) O que mais incomodou foi o fato de a adolescente não ter tidovoz por meio de um advogado. Fato esse que dificultou ouvir avontade da mãe da criança no processo de adoção (...). A família queadotou a criança abriu a possibilidade de a adolescente ter acesso asua filha, porém isso nunca foi comunicado à mãe da criança (...). Aofinal, tenho uma sensação de fracasso. (Rita, 2008)

Esse desabafo demonstra o quanto essas situações delicadas, envolvendo crianças e

famílias quando não encontram equipes multidisciplinares na Rede de Proteção, preparadas

para dialogar e subsidiar o parecer final, provocam situações traumáticas de revitimização nas

crianças e nos adolescentes e um imenso desconforto e mal-estar entre os profissionais da

Rede.

Ao verbalizar os seus planos para o futuro, a adolescente referiu:

(...) preciso de ajuda para ir morar no Abrigo para mãesadolescentes25, você tem acesso a eles? Li o folder deles, aqui noabrigo e no projeto da Prefeitura. Sei que eles recebem as mãesadolescentes com os bebês. Quero ir pra lá, viver com a minha filha eme profissionalizar, ter a minha casa e poder viver tranqüila.

Esse pedido de ajuda nos mobilizou, haja vista, as condições atuais da adolescente e o

receio de que a sua segunda filha também fosse para adoção. Ainda nos chamou a atenção a

forma como a adolescente verbalizou a opinião de um profissional da Rede, quando cogitou a

possibilidade de transferência para o Abrigo de mães adolescentes, conforme a seguir:

25 ONG, apoiada pelo UNICEF, Childhood Brasil, entre outros. Atendendo mães adolescentes que são inseridas em programa

de apoio psicossocial e de formação profissional.

119

(...) falou que não acredita que tem jeito para mim!(...) Mas, nãovou desistir! Não quero perder esse filho que carrego no bucho.(Sabrina, 2006).

Apesar da descrença desse profissional, a adolescente não desistiu. Essa persistência

representa um movimento de saúde, para além das marcas ela tinha esperança no futuro.

A adolescente, após o nascimento da sua 2ª filha, estava sorridente e amamentando;

nesse encontro, expressou alguns receios, inquietações e expectativas, tais como:

Tenho medo de perder a minha filha, como perdi a outra. Dessa vez,estou conseguindo amamentar. Será que vou me adaptar ao Abrigopara mães adolescentes?Fiquei tanto tempo na rua! (Sabrina, 2006)

Nessa fala, ela denota receio de que a história se repita, expressando o medo de que a

sua segunda filha também seja adotada, além de demonstrar insegurança sobre o processo de

adaptação ao Abrigo para Mães Adolescentes. Esse sentimento é natural e pertinente frente às

novas situações.

Reunião com Técnicos da Rede de Proteção

Participamos de reunião com técnicos da Rede de Proteção, ouvimos a história da

Sabrina contada por eles e tivemos acesso ao prontuário da adolescente.

Foi falado sobre o percurso da adolescente no Abrigo e nos diferentes órgãos do

Sistema de Garantia de Direitos, sendo ressaltado que era habitual a sua entrada no Conselho

Tutelar, abrigo, retorno para família e para a rua. Nessa fala, a equipe denotou descrença na

possibilidade de Sabrina organizar a vida, conforme comentário a seguir:

Sabrina não quer nada com a vida, já fizemos de tudo, ela gosta deficar na rua, de fazer programas, já teve muitas oportunidades (...)(Equipe Técnica, 2006).

120

Essa fala confirma o que a adolescente havia verbalizado em sua primeira entrevista, a

rede de proteção não acreditava na possibilidade de mudança, como se tudo já estivesse pré-

determinado, sem saída. Demonstrando, com isso, o quanto é difícil ser cuidador e ser

cuidado. Nesse sentido, ressalta-se a necessidade premente de investimento na qualificação e

supervisão dessas equipes, sendo essa uma tentativa de evitar a revitimização de crianças e

adolescentes nas organizações que são destinadas ao cuidado e à proteção.

Reunião com a equipe do Sistema de Justiça

Realizou-se reunião com profissionais do Sistema de Justiça, com o apoio de um

advogado especialista na área da infância, com o objetivo de se chegar a um consenso sobre a

situação de Sabrina. Nessa reunião, conversamos sobre a função do SGD, na promoção do

desenvolvimento integral de crianças e adolescentes. Observou-se certa tensão inicial, que foi

mediada ao longo da reunião.

Percebeu-se que a transferência da adolescente para o Abrigo de Mães Adolescente era

um procedimento que causava insegurança à equipe do judiciário, pois a elaboração do

relatório técnico favorável ou contra esse procedimento seria norteador para a decisão final.

Percebeu-se, ainda, que esse fato fugia à rotina do judiciário, pois era de praxe, após o

término da amamentação, a separação entre mãe e bebê, mesmo contrapondo-se ao ECA e ao

Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária, que, a nosso ver, contribui

efetivamente para a quebra do vínculo mãe-bebê, favorecendo o abandono e,

conseqüentemente, facilitando a adoção.

Nesse diálogo, foi enfatizado o direito que a adolescente tem a ficar com sua filha,

fortalecendo o vínculo mãe-bebê. Além disso, ressaltou-se que o Abrigo para Mães

Adolescentes realiza um trabalho especializado que ajuda as meninas a aprenderem a ser mães

e a construir um projeto de vida.

Após a reunião, a equipe técnica elaborou um parecer favorável à transferência da

adolescente para o novo Abrigo. O parecer final do Judiciário também foi favorável, com a

121

ressalva de que o processo e o seu monitoramento continuariam vinculados à Comarca de São

José dos Campos. O abrigo de Mães Adolescentes terá a responsabilidade de emitir relatórios

periódicos para o Judiciário, sobre o desenvolvimento de Sabrina e da sua filha.

Transferência para o Abrigo de Mães Adolescentes e o Desenlace Final da História

Após a transferência de Sabrina para o novo abrigo continuamos mantendo contato

com ela e o Abrigo nos manteve informada sobre a sua adaptação. Agendei uma visita,

porém, para a nossa surpresa, alguns dias antes da data marcada, fui informada que Sabrina

havia voltado para o abrigo em SJC. Essa notícia provocou desconforto, ansiedade e

preocupação, já que o acompanhamento da adolescente seria intensificado, a fim de

colhermos material para nossa pesquisa. Acreditava-se na possibilidade gradativa dessa

adolescente ressignificar sua situação de abandono e exploração sexual, por meio de um

acolhimento adequado. Apesar da transferência da adolescente, fomos ao Abrigo para Mães

Adolescentes, onde participamos de reunião com a equipe dessa organização, com a intenção

de compreender o que havia acontecido.

Nessa reunião, a equipe informou que Sabrina saíra para uma festa, levando consigo a

sua filha de cinco meses, sem comunicar a ninguém. Sabrina passou a noite fora e retornou no

dia seguinte e foi acolhida pela organização. Após o acolhimento, houve uma intervenção da

equipe em que foi relembrado à adolescente que, quando houvesse qualquer quebra de regras

e – principalmente - fuga, a equipe deveria comunicar a Rede de São José dos Campos,

condição estabelecida para a sua transferência. A equipe e as jovens do abrigo pontuaram que,

quando Sabrina quisesse ir para alguma festa, não precisava ir escondido e, muito menos,

expor a sua filha a riscos.

A Rede de Proteção de São José dos Campos foi comunicada sobre o ocorrido e

informada que Sabrina e o bebê estavam bem. Dias depois, sem nenhuma interlocução entre

as organizações, uma profissional da Rede de SJC chegou ao Abrigo para Mães Adolescentes,

com uma ordem Judicial e levou a Sabrina com a sua filha de volta para o Abrigo em São José

dos Campos.

122

A Coordenadora do Abrigo para Mães Adolescentes referiu que as jovens inseridas na

proposta da organização são trabalhadas para serem pessoas autônomas e fez a seguinte

colocação:

Algumas meninas casam entre si, não policiamos, nem trabalhamoscom julgamentos ou pré-julgamentos morais, queremos ver asmeninas lindas, felizes e responsáveis por suas vidas, dentro dopossível. A sexualidade das meninas a elas pertence, elas escolhemde que forma querem ter prazer, desde que seja com responsabilidadee orientação, temos oficinas de corpo e sexualidade. A partir destetrabalho, ficam mais cuidadosas com o corpo e, principalmente, coma prevenção a gravidez. Tenho observado que algumas meninas quesofreram abuso sexual na infância, mesmo tendo passado por umprocesso de prostituição, na adolescência, relatam que não sentemprazer na relação sexual (...). Assim, observamos que a forma comoas meninas são encaminhadas, geralmente, é decisiva em seuprocesso de vinculação. Quando a equipe que encaminha aadolescente acredita no potencial da menina e na equipe do Abrigopara Mães Adolescentes, parece que tudo dá certo. A Sabrina chegouaqui, com um rótulo de fracasso, é difícil para alguém reverter isso,suportar esse carimbo. (Profissional do Abrigo para MãesAdolescentes, 2006)

As reflexões da profissional foram endossadas, pois acreditamos que a forma de

encaminhamento e a crença no potencial das meninas fazem a diferença no processo de

acolhimento e adaptação. A fala dessa profissional é destituída de pré-conceitos e imbuída de

compromisso, crença e desejo na possibilidade de crescimento das adolescentes com suas

filhas.

Encontro com a técnica do Abrigo Municipal

Após a visita ao Abrigo para Mães Adolescentes, contatamos a Rede de São José dos

Campos para agendamento de uma reunião, que não aconteceu. Pretendia-se, nesse encontro,

conversar com a equipe e ouvir a versão de Sabrina sobre os acontecimentos, porém nos

informaram que a adolescente havia fugido do abrigo logo após a adoção da sua filha,

voltando a morar nas ruas. Nesse contato telefônico, a pessoa da equipe que nos atendeu

verbalizou:

123

(...) Fizemos tudo por ela, como já prevíamos, não soube aproveitar,até com mulheres ela se envolveu, agora é “sapatona”, acho que asregras no Abrigo para Mães Adolescentes são muito frouxas.(Funcionário do Abrigo, 2006)

Dias após o contato telefônico com o abrigo, encontramos uma profissional do Abrigo

de São José dos Campos e, nesse momento, foi possível conversar com essa profissional sobre

o que aconteceu com Sabrina.

Nessa conversa, percebemos que a profissional estava auto-reflexiva, perguntando-se

sobre os acertos e desacertos que propiciaram esse desfecho traumático para Sabrina e um

grande mal-estar para a equipe. Por isso, ela se indagava: onde estamos errando no trabalho

com as meninas, muitas estão fugindo, se prostituindo, engravidando. É difícil demais...

Aproveitamos essa abertura da profissional e levantamos alguns questionamentos

sobre a sua prática, destacando, através dessa situação, a importância da supervisão, da

capacitação e do cuidado para com o profissional, uma vez que a condição humana de

desamparo e fragilidade atravessa todos nós. Ressaltando que atender casos delicados, como o

de Sabrina, provoca impactos em nossa subjetividade e exige do profissional abertura para

lidar com o novo, com o não saber e, sobretudo, com frustrações. Ainda destacamos a

importância de a equipe acreditar no potencial das crianças e dos adolescentes, escutando e

acolhendo as suas dificuldades, mas também acreditando que é possível superá-las.

A última notícia de Sabrina

Dois meses após a fuga da Sabrina do Abrigo Municipal de São José dos Campos, fui

informada pela equipe do Abrigo para Mães Adolescentes que ela voltou para a região e que

está residindo na cidade onde se encontra o Abrigo para Mães Adolescentes, vivendo

maritalmente com uma jovem que morou nesse abrigo. Essa jovem tem duas filhas, já passou

pelo ciclo de abrigamento e, atualmente, conquistou o seu espaço e montou a sua própria casa,

onde reside com as filhas e com Sabrina. A jovem trabalha nos projetos de geração de renda

do Abrigo para Mães Adolescentes e recebe apoio psicossocial da equipe da organização.

124

5.3 - Sistema de Justiça

Setor Técnico

Profissional trabalha na instituição há 15 anos

A entrevistada considera que o trabalho do Sistema de Garantia de Direitos existe para

auxiliar o Juiz e o Ministério Público em suas decisões.

A equipe realiza atendimento de apoio psicossocial ao Juiz por meiode pareceres, avaliações, laudos sociais e psicológicos (Rita, 2008).Entretanto, como a Vara de Família não tem quadro técnico nointerior, solicita o nosso acompanhamento para avaliação de disputade guarda (Rita, 2008).

Com relação ao fluxo do atendimento às situações de violência sexual a crianças e

adolescentes, fala que a partir da notificação ao Conselho Tutelar, o primeiro atendimento é

realizado por um serviço, onde uma equipe especializada composta de Assistente Social,

Psicólogo e Médico Pediatra ou Hebiatra realizam o diagnóstico (Rita, 2008). Rita considera

que quando os casos que chegam em primeira instância ao Judiciário, as vezes encaminhados

por outras Comarcas ou pela população, ocorre a quebra do fluxo e, também, cria um certo

desconforto na equipe, uma vez que alguns técnicos fazem o atendimento sem remetê-lo ao

fluxo pré-estabelecido (Rita, 2008).

Assim, para prevenir essa quebra no fluxo esperado, a equipe está construindo um

Protocolo de Posturas (Rita, 2008). Esse documento pretende contribuir para que o fluxo não

seja quebrado e, portanto, que os casos não sejam perdidos pelos profissionais da rede ou

fiquem presos na burocracia do Sistema de Garantia de Direitos. A profissional entrevistada

considera que a Rede de Proteção ainda perde muitos casos devido à forma de

encaminhamento (Rita, 2008). Para exemplificar a questão, Rita se refere a um caso no qual a

Rede fracassou no sentido de proteger a criança que acabou prostituída:

125

[...] a exemplo do caso da Sabrina, que você bem conhece. Essamenina foi encaminhada para o SGD com 4 anos de idade e aos 16,após duas gravidezes os filhos foram para adoção, ela se prostituíaestando ainda no abrigo, toda a Rede de Proteção tinhaconhecimento dessa situação e não conseguíamos intervir de forma aprotegê-la, juntamente com suas filhas (Rita, 2008).

A Profissional faz uma reflexão dizendo que o que mais incomodou aos técnicos foi o

fato da adolescente não ter tido voz por meio de um advogado (Rita, 2008). Dessa forma,

denuncia a falta de uma política pública que defenda os direitos da criança e do adolescente

em situação de vulnerabilidade social, anunciando que precisamos de mecanismos para que a

lei seja cumprida.

A entrevistada ainda fala que A adolescente descompensou após a audiência deixando

um recado para o Judiciário: “Avisa [...] que eu sempre vou voltar aqui com um filho no colo

todo ano, somente para provocar vocês” (Rita, 2008). Apesar da família que adotou a criança

ter aberto a possibilidade de a adolescente visitar sua filha, esse fato nunca foi comunicado a

Sabrina.

Rita fala sobre o mal estar vivenciado pela equipe no desfecho desse caso, diz:

Vivenciamos situações muito difíceis de conflito entre a equipe no encaminhamento desse

caso. Ao final, tenho a sensação de fracasso (Rita, 2008).

Ressalta também que a medida protetiva de afastamento do agressor sexual do lar

muitas vezes não é cumprida porque a própria família compactua com a manutenção do

agressor no lar (Rita, 2008). Diz ainda que a equipe dificilmente consegue acompanhar a

família para garantir o cumprimento da medida, diz: a falta de um acompanhamento

sistemático do Judiciário acarreta a revitimização de muitas crianças, pois em média,

levamos seis meses para reavaliar a família (Rita, 2008).

Rita fala que quando a equipe percebe que a criança continua a conviver com o

suposto agressor sexual, a medida aplicada pelo Juiz é o abrigamento da criança. Se

refletirmos sobre essa questão encontra-se uma nova contradição, pois se há uma precariedade

no acompanhamento das famílias em situação de violência sexual, perguntamo-nos: como é

que técnicos e Juízes sentem-se autorizados a encaminhar crianças e adolescentes para um

abrigo? Com que fundamentação técnica, já que a equipe não dispõe do tempo necessário para

126

atender devidamente os casos, que deveriam passar por diagnóstico, avaliações e receber

visitas periódicas de um assistente social, como uma equipe sustenta essa posição?

Segundo o Plano Nacional de Convivência Familiar e o ECA, o abrigamento deve ser

medida de exceção, ou seja, deve-se até esgotar todas as possibilidades de preservar a

convivência familiar de crianças e adolescentes:

No tocante ao direito à convivência familiar e comunitária, o Estatuto da Criança e do

Adolescente estabeleceu no artigo 19 que toda criança ou adolescente tem direito de ser

criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta,

assegurada a convivência familiar e comunitária. Esse dispositivo do Estatuto foi considerado,

e somado aos princípios constitucionais e convencionais, como outro marco legal basilar na

construção do Plano Nacional de Convivência Comunitária. Em função desse princípio, o

ECA estabelece:

A excepcionalidade e a provisoriedade do Acolhimento Institucional,obrigando que se assegure a “preservação dos vínculos familiares ea integração em família substituta quando esgotados os recursos demanutenção na família de origem” (Artigos 92 e 100). Nestahipótese, o ECA estabelece que a colocação em família substituta sedê em definitivo por meio da adoção ou, provisoriamente, via tutelaou guarda (Artigos 28 a 52 do ECA), sempre por decisão judicial,processando-se dentro dos princípios e requisitos previstos na citadaLei 8.069/90, aplicando-se quando for o caso, subsidiariamente, asregras do Código Civil. Nesse ponto, a regulação das formas decolocação familiar citadas não foi alterado pelo novo Código Civil(2002) e por nenhuma outra posterior ao ECA. (Secretaria Especialde Direitos Humanos, 2006:22)

Rita, ressaltou dificuldade de o técnico argumentar, entretanto acredita que é um

avanço a possibilidade desse diálogo existir, pois os profissionais procuram se articular com

os outros atores da Rede de Proteção para garantir a proteção Integral, diz:

[...] a gente avança a pequenos passos quando nos aproximamos daRede. Às vezes, tenho a sensação que o Tribunal criou um setortécnico porque o ECA determina, mas ainda existe resistência edespreparo de alguns operadores do SGD para trabalhar em rede,principalmente com uma equipe multidisciplinar. (Rita, 2008).

127

Ela identificou claramente o ponto de tensão entre os outros atores da Rede, atribuindo

o conflito ao lugar que o judiciário ocupa na Rede, que é o de punir e coibir as violações de

direitos cometidas contra crianças e adolescentes ou violações cometidas por esses (referindo-

se aos atos infracionais). Esse lugar exige uma aproximação da Rede, [...] e requer um

distanciamento [...] da Rede. (Rita, 2008).

Quanto ao momento de proximidade do Poder Judiciário com a rede de atenção, a

assistente social destaca que os encontros promovidos pelo Programa Refazendo Laços

ajudaram na construção do fluxo, na discussão conjunta dos casos, no compartilhamento dos

avanços, das frustrações, as aulas, as supervisões, contribuíram para melhorar de forma

significativa o relacionamento entre os profissionais e serviços (Rita, 2008). Assim, as

relações entre as redes, segundo a entrevistada, antes eram muito estanques, não

conseguíamos nos comunicar (Rita, 2008).

A Rita observa que:

Apesar das dificuldades, percebo a comunicação fluindo entre osdiferentes setores. O Setor Técnico do Judiciário está mais aberto,menos burocrático, alguns atendimentos se desdobram em váriosprocedimentos e intervenções, que o Juiz só vem referendarposteriormente, porque entra na dinâmica da rede, nainterdisciplinaridade e quando observamos os avanços jáaconteceram e a eficácia das intervenções assertivas começam aaparecer. (Rita, 2008).

Com relação ao atendimento à exploração sexual no município, a entrevistada diz que

ainda estão em processo de amadurecimento, pois há muitas dificuldades em lidar com essas

situações, diz que se trata de uma situação pesada para intervir, todos se calam (Rita, 2008).

Entretanto, os atores da rede estão refletindo sobre essa questão, a fim de encontrar uma

alternativa na implantação dessa política, diz: Estamos caminhando para isto. Porém temos

situações graves e um mapeamento feito pelo Conselho Tutelar que apresenta mais de 40

adolescentes envolvidos com essa situação. (Rita, 2008). Aponta que muitos desses casos são

de adolescentes que passaram muito tempo dentro dos abrigos, diz: As meninas circulam pela

Rede, passando pelo MP, Judiciário, CT, Centro de Referência, Abrigos, Escolas, entre

outros e acabamos não assumindo uma posição de proteção. (Rita, 2008).

128

Para finalizar, Rita fala um pouco que a forma mais eficiente de se fazer a proteção de

crianças e adolescentes é promover um maior entrosamento entre os serviços do eixo Defesa e

Responsabilidade (no qual o Judiciário está incluído), com os demais serviços do Executivo

(Rita, 2008). Dessa forma, destaca que as pessoas precisam se encontrar para poder cuidar, a

exploração ainda é um tabu na Rede. É necessário trabalhar com as famílias e com os (as)

adolescentes, aprofundando abordagens e metodologias de intervenção. Esse tema é complexo

e difícil. (Rita, 2008).

5.4 Sistema de Justiça

Vara da Infância e Juventude

Formação: Direito

Segundo Márcio, a função da instituição em que trabalha está baseada no ECA, que

em seu art.145 diz:

Estados e Distrito Federal poderão criar varas especializadas eexclusivas da infância e juventude... Assim o Juiz da Infância eJuventude exerce a função de Organização Judiciária local.Contando com o Serviço Auxiliar da equipe psicossocial de apoio aoJuiz. (Marcio, 2008).

Quanto à relação do Poder Judiciário de SJC com a estruturação das políticas públicas

para o enfrentamento à Violência sexual contra crianças e adolescentes, nosso entrevistado

afirma que tem acompanhado conjuntamente com o Ministério Público a implantação de

serviços, procurando dialogar com o poder executivo e com as organizações que desenvolvem

os projetos de atendimento.

129

Marcio relembra o caso de uma adolescente envolvida com a exploração sexual, o qual

se lamenta da impossibilidade da Rede em conseguir solucionar de forma satisfatória a

questão dessa jovem, diz:

Tentamos fazer de tudo, a colocamos em um abrigo de gestantesmenores de idade em Sorocaba. Chegou lá, não se adaptou ao regimedisciplinar da entidade. Retornou a SJC com o filho, retornou para avida e o filho foi encaminhado para adoção (Marcio, 2008) 26.

O entrevistado admite dificuldades no trabalho com adolescentes e considera que a

falta de afetividade nas relações familiares pode ser responsável pelos adolescentes

precisarem dos serviços da Rede de proteção, diz:

Trabalhar com adolescente é muito difícil, porque ele já tem umaopinião própria, uma formação, diferente de uma criança. Oadolescente já vem com todo um passado de negligência familiar,vem com uma carência afetiva familiar muito grande, a complexidadeé maior. (Márcio, 2008).

A fala de Márcio sobre a instituição familiar nos faz lembrar Donzelo (1986) quando

reflete sobre as visões maniqueístas de família, diz: esse esquema é muito pobre para

compreender tanto o atual perfil da família, quanto a natureza do apego que lhe devotam os

indivíduos das sociedades liberais (Donzelot,1986:53).

Para esse autor, a compreensão das mudanças históricas que aconteceram no interior

das famílias ao longo dos últimos séculos vai além de uma divisão entre o certo e o errado,

entre boas ou más condições. Para ele, a organização familiar moderna está imbricada nas

transformações que o desenvolvimento do Estado democrático e o sistema capitalista

26Em conversa com a diretora desse abrigo citado por Marcio, nos foi dito que a equipe técnica do Abrigo fez de tudo para

manter a jovem com eles. Por meio de relatórios tentaram convencer a equipe do fórum de SJC de que a menina necessitaria

de mais algum tempo para conseguir adaptar-se a rotina do abrigo. Entretanto a equipe técnica que auxilia o Dr. Marcio foi

extremamente rígida e não se dispôs a compreender o processo pelo qual estava passando a jovem e exigiu a remoção da

adolescente de volta a SJC com conseqüente destituição do poder familiar, ou seja, a adolescente foi bruscamente separada de

seu bebê. (informações coletada pela pesquisadora em Sorocaba-SP, dezembro de 2006).

130

provocaram nas sociedades. Dessa forma, a família moderna organiza seus vínculos de uma

forma tão flexível e tão oposta à antiga rigidez jurídica [...] (Donzelot, 1986:53).

Em outras palavras a questão não consiste em saber para que serve afamília numa economia liberal ancorada na propriedade privada,mas sim, em compreender por que ela funciona, de que maneira pôdeconstituir um modo eficaz de afastar os perigos que planavam sobreuma definição liberal do Estado, por um lado devido à revolta dospobres – exigindo torná-la o princípio reorganizador da sociedade –e, por outro lado, devido a insurreição dos indivíduos contra oarbítrio do poder familiar – ameaçando corroer essa frágil e decisivamuralha contra uma gestão estatal e coletiva dos cidadãos. Oproblema está, portanto, antes de mais nada, em sua transformação enão em sua conservação (Donzelot, 1986:53).

O entrevistado informou que há serviços para atendimento aos adolescentes no

município e refere que o mesmo recebeu apoio de uma organização internacional para

melhorar qualidade do serviço. Entretanto fala: ainda não encontramos a forma para

trabalharmos com a demanda de jovens envolvidos com a exploração sexual (Marcio, 2008).

Percebeu-se também que Márcio reduz a problemática da exploração sexual ao uso de

drogas, ou seja, estabelece uma relação de causa e efeito na qual acredita que as meninas se

prostituem em função da dependência química. Essa posição simplista estabelece uma tensão

entre as diferentes instâncias de proteção e cuidado de crianças e adolescentes submetidos ao

mercado do sexo, já que a literatura especializada e a posição dos profissionais especializados

no acompanhamento destas situações se contrapõem a uma visão simplista, sendo unânimes

na compreensão da complexidade desta questão.

Logo após falar da impossibilidade do trabalho com adolescentes em exploração

sexual fala do SINASE (Sistema Nacional Sócio Educativo) dizendo que o município

avançou na sua implantação, diz:

[...] tem curso profissionalizante, inserção no mundo do trabalho esempre quando encontramos o Prefeito ou Secretários, debatemoscom eles sobre melhorias para as políticas da infância e sempre estãopreocupados e abertos para mudança (Marcio, 2008).

131

Pensando na fala sobre o SINASE, que apareceu logo após ter falado da

impossibilidade do trabalho com adolescentes envolvidos com a exploração sexual comercial,

podemos supor que nosso entrevistado veja na proposta sócio-educativa e no diálogo do

executivo com o judiciário uma saída para o atendimento a esse fenômeno.

5.5 – Gestor

Idade: Não informada

Tempo na organização: 1975 até 1983 e de 1996 até hoje.

Joana contou a história da implantação da política de atenção à criança e ao

adolescente no município. Esse processo parte de dois eixos: o primeiro é a imagem

construída do município de São José dos Campos em torno da idéia de instância militar e

tecnológica por ser a sede do CTA – Centro Tecnológico Aeronáutico.

O segundo passa pela questão de que o município tinha grandes hospitais para o

atendimento a pessoa com tuberculose, a cidade era voltada para o atendimento de

tuberculose. Tinham grandes centros que abrigavam as crianças, cujos pais estivessem

internados (Joana, 2008). Com o tempo os hospitais foram sendo desativados e transformados

em outros serviços.

O processo de implantação da primeira política social por volta do ano de 1975, teve

como primeira intenção manter a ordem pública, pois pretendia impedir que meninos de rua

fizessem arruaça nas ruas roubando sacos de lixo:

Os meninos de rua furavam os sacos [...]. Esses meninos sempreestavam fazendo arruaça na rua, então para impedir esse problema,ele (o prefeito) começou um trabalho social, chamado Fiscais doLixo, apelidando esses meninos de fiscais para que eles tomassemconta. (Joana, 2008)

132

A Secretaria Municipal de Educação foi a primeira a executar o trabalho com as

crianças e adolescentes, tendo como foco a profissionalização e, em 1987, após a estruturação

da Fundação, esta passa a executar as ações sócio-educativas.

Nossa entrevistada também participou da implantação do CMDCA-SJC, anterior ao

ECA (1989), e foi sua primeira presidenta. Nossa entrevistada orgulha-se de seu município ter

sido pioneiro na implantação do Conselho de Direitos da Criança e do adolescente.

Hoje é gestora de uma organização social que tem a seguinte divisão:

1. Atendimento à criança e ao adolescente em situação de vulnerabilidade social e os

casos de violência doméstica e sexual.

2. Trabalho infantil e medidas sócio-educativas em meio aberto, em que funciona

também o Programa de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (PETI).

Com relação à função de atendimento e proteção da criança e do adolescente, a

instituição parece ter um serviço de qualidade e está integrada ao sistema de garantia de

direitos, pois todas as ações possuem interface com outros atores da Rede.

Quanto à possibilidade de a Instituição estar aberta a novas idéias, percebemos que há

estabelecimento de parcerias que promovam a capacitação dos profissionais e a discussão do

tema da violência no município por meio de encontros temáticos, seminários e capacitações

continuadas: As formações e os acompanhamentos da Rede se transformaram em ação

contínua de qualificação das equipes, sendo estendida essa metodologia para a formação das

ONGs (Joana, 2008).

Percebeu-se, no discurso da gestora, que há preocupação com o trabalho em rede e que

há um diálogo entre os serviços da execução das ações, porém Joana fala sobre a dificuldade

das instâncias da política macro (Estado e Federação) em manter a continuidade do

financiamento dos programas sociais, diz: A política Federal e Estadual é muito inconstante,

eles lançam e desaparecem de uma hora para outra (Joana, 2008).

A saída que o município encontrou para lidar com a inconstância das políticas

Estaduais e Federais e manter os seus projetos sociais foi a seguinte:

133

O Município tem que implantar o Programa como política públicapara poder se desenvolver. Tomamos como base aqui em SJC umapolítica que vem do Federal e Estadual só para acrescentar o que jáexiste. Se você abre alguma coisa contando com esse recurso, aídesaparece de uma hora para outra, você tem que colocar comoorçamento público (Joana, 2008).

Com relação à atenção às situações de exploração sexual comercial de crianças e

adolescentes, o município tem promovido discussões dentro do CMDCA, apropriando-se da

problemática para poder propor uma política pública de atenção ao fenômeno, diz:

No que se refere à exploração sexual, o CMDCA está se apropriandodo diagnóstico que apresenta a demanda de atendimento, estruturouum GT que está analisando a melhor forma de implantar essa políticaem parceria com a Comissão Municipal de Enfrentamento aViolência Sexual. (Joana, 2008).

Há uma crítica na fala da nossa entrevistada sobre a estrutura vertical das políticas

públicas no Brasil que dificultam o diálogo entre os diferentes segmentos (Joana, 2008). Essa

crítica está em consonância com a visão de Chico Whitaker sobre as estrutura piramidais -

verticais de funcionamento das políticas públicas, em oposição às estruturas horizontais de

funcionamento das redes. Esse autor destaca a importância das estruturas horizontais, como

sendo uma excelente alternativa para consolidação de um trabalho em rede.

Segundo a sua visão, a estrutura em pirâmide corresponde às pessoas ou entidades que

se organizam em níveis hierárquicos, os quais se superpõem e cada nível compreende menos

integrantes do que o nível que lhe é inferior.

O conjunto se afunila a partir de uma base que pode ser mais oumenos ampla, para chegar a um topo no qual pode se encontrar umúnico integrante – o “chefe”. A comunicação entre integrantes dediferentes níveis se faz de cima para baixo ou de baixo para cima,através dos níveis intermediários àqueles que se comunicam.(Whitaker, 2004)

134

Esse tipo de organização é mais usual por causa da influência da cultura e dos modos

de agir dominantes. Imita-se, quase naturalmente, a estruturação piramidal do poder na

sociedade em que se vive. Além disso, no confronto ou negociação entre organizações

colocam-se sempre, frente a frente, seus responsáveis ou dirigentes, ou seja, os topos das

respectivas pirâmides – numa perspectiva de poder versus contra-poder. Todos se vêem,

portanto, praticamente obrigados a assim se estruturar. A estrutura em rede é uma alternativa

à estrutura piramidal, na qual seus integrantes se ligam horizontalmente.

A entrevistada apresentou as alternativas dos gestores do município para lidarem com

a verticalidade da estrutura das políticas públicas nacionais, diz:

Estamos a passos lentos, quebrando essa estrutura de poder, pormeio do estabelecimento de termos de cooperação intersecretarias.Esses Pactos são assinados pelo Prefeito e pelos Secretários. Dessaforma, estamos caminhando para realização de um trabalhointegralizado em Rede, onde o poder é compartilhado. Isto não é umaação fácil, gera muitas tensões e requer um trabalho de articulaçãopermanente, essa prática ainda não está completamente incorporadaà administração pública, é difícil, requer muito esforço para termos ocomprometimento e o pertencimento de todos os envolvidos. (Joana,2008)

5.6 Gestor

Gestor das políticas da Criança e do Adolescente e da implantação do SUAS.

Idade: não informada

Na organização há mais de 10 anos

Segundo Lourdes, a atual Política Nacional, Estadual e Municipal de Assistência

Social trabalha sem especificações dos tipos de violações de direito, que é dividida em dois

grandes grupos: proteção básica e proteção especial de média e alta complexidade. A

entrevistada diz que o município está em pleno processo de implantação do SUAS e sua

função é coordenar a implantação dos CRAS e do CREAS no município, e todo o processo de

135

implantação, reformulação e execução em parceira com a Fundação Municipal que cuida da

política atenção integral à crianças e adolescentes (Lurdes, 2008).

Observa-se que o município já dispunha do serviço CREAS proposto pelo SUAS. O

que está sendo feito é uma adaptação para as normas que o SUAS propõe. Para tanto,

escolheram um bairro da cidade e estão implantando um projeto piloto e, somente após a

avaliação dessa experiência, irão estender o serviço aos outros bairros do município. Sobre a

promoção de uma ação descentralizada e articulada em outros serviços da Rede, com base no

SUAS diz:

Eles montaram a estrutura e o trabalho para a comunidade e a partirde agora eles pretendem estender o trabalho para outrascomunidades do município de São José [...] essas políticas não podemser desarticuladas, ele vai ser o órgão centralizador de informações edefinidor de políticas macro (Lourdes, 2008).

Quanto à gestão financeira das políticas propostas pelo SUAS a entrevistada diz: eu

não tenho clareza, porque ainda estamos em processo de implantação e definições.

Entretanto, sabe que a organização destinada ao atendimento de algumas ações propostas

pelos CREAS, ou seja, a Fundação tem uma administração financeira independente da

Secretaria de desenvolvimento social:

Estruturalmente, a Fundação faz uma administração financeira,completamente, independente da Prefeitura. Ela recebe uma cotaçãoorçamentária, mas responde por esses serviços que está fazendo,independentemente do recurso que ela recebe. Ela tem o seu própriosistema de compra, cartão, que respeita a Lei orçamentária domunicípio, do mesmo jeito. O setor de compra da Fundação não é omesmo setor de compra da Prefeitura, ela tem uma administraçãofinanceira separada (Lourdes, 2008)

Dessa forma, nota-se que o fato da Fundação ter certa independência em sua dotação

orçamentária pode ser motivo causador de tensões durante o processo de adaptação do

município às novas diretrizes do SUAS. Por isso, é importante destacar o que a entrevistada

falou no início da sua entrevista e que está em consonância com a opinião emitida por Joana,

em relação às diretrizes nacionais. Nesta lógica, o SUAS deve ser incorporado ao que já existe

136

no município e que vem dando certo, senão se corre o risco de desestabilizar o que já se tem.

Sendo assim, o SUAS deve integralizar o Sistema de Assistência Social às demais políticas.

5.7 - Sistema de Saúde

Profissional da Saúde

Flávia é uma profissional altamente qualificada, possuindo várias especializações. A

fala dessa profissional evidenciou que a porta de entrada para os casos de violência doméstica

e sexual dentro da Secretaria de Saúde do Município de São José dos Campos são as

Unidades Básicas de Saúde - UBS e os Hospitais, onde27 é realizado o atendimento

emergencial e logo após o caso é encaminhado ao Programa Especializado.

Assim, o pediatra na equipe de saúde tem a função de diagnosticar o grau de violência

e de acionar os serviços da rede de proteção. Dessa forma, podemos dizer que a saúde está

integrada ao Sistema de Garantia de Direitos.

O trabalho do pediatra na equipe multidisciplinar em SJC consiste narealização do diagnóstico e no acompanhamento das situações deviolência sexual. Primeiro, analisamos se a situação é de baixa,média ou alta complexidade. Nos casos de baixa complexidade, oacompanhamento é realizado pela Rede de Assistência Básica (UBS,Escola, Creche, Fundação28, Secretaria de Esportes, entre outras). Oacompanhamento da criança /adolescente que sofreu a violênciadiagnosticada de média ou alta complexidade é realizado peloAmbulatório de Saúde, onde, a criança é avaliada por pediatras comespecialização em Violência Doméstica e Sexual. Essa equipe atuanas três frentes no Programa Especializado: prevenção, atendimentoe diagnóstico (Flávia).

27 Programa Intersecretarias, especializado no atendimento às situações de violência doméstica e sexual.

137

Notamos que o trabalho na saúde é desenvolvido por equipes multiprofissionais,

havendo uma preocupação especial com as questões referentes à prevenção das DST /AIDS,

não somente nas crianças e adolescentes, mas também em toda a família. A base desse

trabalho profilático é um manual elaborado pelos profissionais do próprio município e que

segue as diretrizes do Ministério da Saúde.

Em relação ao lugar ocupado pela saúde no município, percebemos que os

profissionais assumem a função de prevenir e acompanhar todas as situações de saúde dos

munícipes (Flávia).

Flávia referiu que muitos de seus colegas de trabalho estão dispostos a receber novas

idéias, demonstrando disposição em participar de capacitações continuadas e de desenvolver

ações em rede. Porém, encontram dificuldades na estrutura administrativa da Secretaria, como

por exemplo, a não liberação dos profissionais para participar dessas atividades. Alguns

profissionais ainda apresentam resistências para aceitar novas metodologias de trabalho,

principalmente quando envolvem o trabalho multidisciplinar. Encontramos algumas

resistências por parte de alguns profissionais [...] os quais ainda assumem uma postura de

atendimentos e intervenções individualizados. Entretanto, nota-se que há abertura para escutar

as questões sobre sexualidade trazidas pelos adolescentes, sem fazer julgamentos morais.

A profissional refere que é necessário que os profissionais mudem algumas posturas

adotadas para poder acolher o adolescente que está envolvido com o mercado do sexo. Flávia

tem consciência de que essa mudança de postura consiste em um trabalho complexo, já que

mexe com valores pré–estabelecidos, ressaltando que os médicos devem trabalhar

conjuntamente com equipes multidisciplinares, discutindo as questões referentes à

sexualidade humana.

Com relação à eficácia da rede na atenção às situações de violência sexual podemos

dizer que, na Secretaria Municipal de Saúde, os profissionais têm consciência de que existem

muitos adolescentes joseenses envolvidos com a exploração sexual. No entanto, em relação à

qualificação para realizar a abordagem, há competência técnica e metodológica consolidada

para atender aos casos de violência doméstica e sexual (Flávia). Entretanto, para o a

atendimento às situações de exploração sexual, não há metodologia consolidada, nem

atendimento especializado. Os profissionais não estão preparados para ouvir, acolher, cuidar

138

e encaminhar os casos de exploração sexual (Flávia). Assim, a pediatra destaca a importância

e urgência na implantação de um serviço especializado que venha a atender esses casos.

5.8 – Programa Especializado no atendimento a crianças e adolescentes em situação de

violência doméstica e sexual

Cargo: técnico

A entrevistada tem bastante clareza sobre os conceitos das diferentes modalidades de

violência contra crianças e adolescentes e atribui valor especial a dois processos: um é o de

formação dos profissionais, que inclui até os gestores. A entrevistada considera que quando os

gestores estão sensíveis, consegue-se uma alta participação dos profissionais, no

desenvolvimento dos projetos, no repensar da prática profissional (Valéria, 2008).

O outro, refere-se às ações de prevenção realizadas por sua instituição, que é bastante

articulada com o Estatuto da criança e do Adolescente, principalmente no que tange ao

envolvimento dos jovens nas ações de prevenção, diz: Essas ações têm norteado a ação

direta no nível da articulação e mobilização, a participação de outras entidades e dos órgãos

públicos acerca da temática que a gente desenvolve (Valéria, 2008).

Percebeu-se que o Programa do qual a técnica faz parte faz um intenso movimento de

articulação dos atores da rede para elaboração de propostas de intervenção em conjunto, diz:

Hoje o Programa Refazendo Laços tem fomentado esses encontros dos profissionais nas

discussões que permeiam essa temática. (Valéria, 2008).

Além de uma articulação entre os serviços da Rede, há um profundo investimento da

nossa entrevistada no trabalho na direção de articular subsídios para que esses profissionais

possam desenvolver suas práticas com maior segurança, maior aprofundamento e cuidados,

[...] cuidado com os profissionais, que é um momento específico, sendo coroado dentro do

PRL. (Valéria, 2008).

139

Assim, a articulação passa a ter uma dupla função, a de provocar espaços de

discussões entre os profissionais da Rede, colocando suas práticas sobre a análise de

profissionais de outras áreas e também o de promover a sensibilização dos profissionais para a

necessidade desses cuidarem pessoalmente para preservarem sua saúde física e mental. Esses

momentos proporcionados pela instituição são chamados por nossa entrevistada de cesta

básica, diz:

A Cesta básica, é um momento no qual os profissionais podemrelaxar, estando fora do atendimento, propriamente dit., Nesteencontro com os profissionais do atendimento direto à violência,busca-se o fortalecimento das equipes, o auto-conhecimento e aintegração. Essa prática nasceu da dimensão do cuidado com oprofissional desde a implantação do Refazendo Laços no município[...] todas as últimas sextas-feiras do mês é o momento de toda aequipe se encontrar em outro contexto (Valéria, 2008).

Esse trabalho de articulação e discussão é estendido aos outros atores da rede, que se

reúnem mensalmente e, além de estudo, promovem discussões de casos, diz: aquele garoto ou

garota que estão em uma situação complicada, então sabemos quem são os nossos parceiros

e quem é a nossa rede de apoio (Valéria, 2008). Esses encontros propiciam contato entre os

diversos segmentos: ONGs, secretarias, entre outros. A discussão estende-se à sociedade civil,

provocando assim a interface entre o poder público e o privado. Dessa forma, a entrevistada

acredita que o Programa Refazendo Laços está realmente sendo reconhecido como um projeto

de prevenção, aperfeiçoamento das políticas existentes e provocação para a implantação de

novas políticas públicas.

Com relação ao trabalho com a exploração sexual comercial de crianças e

adolescentes, a entrevistada faz referência à contribuição que a parceria com o Childhood

Brasil proporcionou entre os anos de 2005 e 2007. Cita que a especificidade do trabalho do

Programa era a atenção à violência doméstica intra-familiar e violência sexual extra-familiar

somente até 12 anos (Valéria, 2008). Porém, hoje já está sendo implantado um Projeto para

atender também adolescentes, diz: Acho que o município conseguiu perceber e ver que essa é

uma questão forte, que temos que saber qual o cuidado que vamos ter para proteger as

crianças e adolescentes que estão nessa situação de exploração sexual (Valéria, 2008).

140

Na medida em que foram elaborados alguns documentos, aclarificação dessa temática, da existência de crianças e adolescentesnessa situação, houve uma mobilização do poder público e atélegislativo de dar resposta. Começaram a haver maiores reuniões decomando maior com o CMDCA, com a Câmara Municipal e atémesmo com o Governo. Acho que hoje, estamos no momento propíciopara discutir e implementar políticas públicas de atenção aexploração sexual no município. Acho que a partir daí, tem umacontribuição fundamental, a chegada do Refazendo Laços, daparceria com o Childhood Brasil, que nos mostrou as evidênciasdesse desafio (Valéria, 2008).

Notamos então o caminho que os profissionais da área da criança e adolescentes estão

percorrendo no município pra provocar o poder público a instituir políticas de atenção ao

fenômeno da exploração sexual de crianças e adolescentes. A partir dos espaços de

discussões, formulam-se documentos que são encaminhados às esferas públicas, as quais

pensam ações a esse respeito.

Nossa entrevistada revela que o que a mobilizou a lutar pela melhora da política de

atendimento a criança e adolescente em situação de exploração sexual foi um caso que

atendeu no passado, diz:

Isso foi uma coisa que profissionalmente me marcou muito, [...]porque naquele momento a gente fez tudo que podia, pegamos provasdo aliciador, brigamos, fizemos tudo que podíamos, estávamos comaquela menina no atendimento e quando você vai naquele momentopedir ajuda de outra ordem, a instância jurídica, a Vara específica,nós não conseguimos fechar a proteção dessa menina. Estou falandodesse fato, porque me marcou profundamente (Valéria, 2008).

Valéria nos esclarece também sobre a importância da articulação da rede no

atendimento a esse fenômeno, diz:

Nós, do atendimento, precisamos que o trabalho aconteça de formaintegrada em rede, essa interação favorece, mas não cabe só isso.Sabemos que o Sistema precisa ser integrado, responsável, com suascaracterísticas definidas, porque a exploração sexual traz consigo adimensão do tráfico. Então, têm outros segmentos e outros contextosque têm que estar bem articulados para saber quais os procedimentosque devem ser adotados. (Valéria, 2008)

141

Ressalta, também, que o próprio tema da exploração sexual causa muita tensão quando

o profissional não sabe o que fazer, parece que é ainda o desconhecido [...] é um tema que

nos traz vários desafios e inquietações. (Valéria, 2008)

5.9 - Conselho Tutelar

Cargo: Conselheira Tutelar

Segundo nossa entrevistada, a função do Conselho Tutelar é garantir que a criança e o

adolescente tenham um desenvolvimento biopsicossocial saudável, que não se permita a

violação de seus direitos (Soraia, 2008), sendo que a criança que tenha seus direitos violados

deve buscar orientação no Conselho Tutelar, que está integrado a outras instituições como

escolas, hospitais, delegacias etc., que também solicitam a intervenção do Conselho quando se

deparam com situações de violação.

Quanto à abordagem da violência doméstica e sexual, Sonia diz que após o

recebimento da notificação, o Programa de atendimento é acionado para fazer o diagnóstico e

os pais são notificados para comparecer ao Conselho Tutelar. Assim, o conselheiro faz o

encaminhamento para acompanhamento e para o judiciário nas situações necessárias

(Soraia, 2008).

A Conselheira faz uma crítica à necessidade de existência do Conselho, diz:

Alguns dizem que o CT é a porta de entrada, já outros vêem comoporta de saída. Eu vejo o Conselho Tutelar como um órgãodispensável. Se o Sistema de Garantia de Direitos (SGD) funcionasseadequadamente, se não houvesse violação de direitos, não precisariaexistir. O CT é um órgão que atua quando alguém falha: seja oEstado, o Município ou a família (Soraia, 2008).

142

Para a entrevistada, o papel fundamental do Conselho está em mapear os buracos e as

falhas da Rede (Soraia, 2008) e provocar o CMDCA e o Executivo para que estruturem as

políticas. Acrescenta que é por meio das políticas públicas eficientes que encontramos a

solução para a maioria das questões que chegam ao CT (Soraia, 2008).

Quanto à relação do Conselho Tutelar com a Rede de Proteção, a entrevistada destaca

que passou a haver uma interlocução fecunda entre os serviços a partir da intervenção de um

Programa denominado Refazendo Laços (em pareceria com uma entidade internacional -

Childhood Brasil) o qual instituiu uma prática de supervisão aos Conselheiros tutelares e de

formação continuada aos atores da Rede. Fala que essas qualificações permanentes de todas

as equipes do município que atendem crianças e adolescentes têm facilitado o diálogo entre

os diferentes serviços e a ampliação das políticas públicas. (Soraia, 2008).

Quanto ao trabalho específico do Conselho Tutelar com o fenômeno da exploração

sexual comercial de crianças e adolescentes, a conselheira considera que ainda não estão

preparados para intervir na Rede que sustenta a exploração sexual. Refere que essa

intervenção é bastante complexa. Diz: ainda não temos uma metodologia consistente, nem um

fluxo estruturado para esse atendimento, no qual é fundamental que o Sistema de Justiça atue

coibindo os aliciadores e que os demais serviços de proteção à criança e ao adolescente

tenham uma política estruturada de acompanhamento (Soraia, 2008).

Sônia parece ter uma boa consistência teórica sobre o fenômeno violência sexual, pois

consegue diferenciar o abuso sexual intra-familiar da exploração sexual comercial e tem a

plena consciência da dificuldade de fazer a proteção a crianças envolvidas com a exploração

sexual e da importância da estruturação da Rede para o enfrentamento do fenômeno, diz:

Nos casos de abuso sexual é mais fácil a nossa intervenção, porquetemos um fluxo definido e uma política estabelecida para oenfrentamento dessa questão. É necessário e urgente melhorar otrabalho da Justiça, envolvendo as Delegacias, as Polícias Militar,Rodoviária e Federal, a Vara Criminal, a Vara da Infância eJuventude, o Conselho Tutelar e o Ministério Público, pois não dápara a VIJ e o CT trabalharem sozinhos na fiscalização, repressão econtrole dos fatores que favorecem a exploração sexual. Observo quea rede de agenciamento é mais ampla e organizada do que nossarede, as políticas públicas precisam ter eficácia para cuidar dosadolescentes e a Justiça para coibir a expansão das redes criminosas(Soraia, 2008).

143

A entrevistada nos fala sobre o fracasso das intervenções com a exploração sexual de

crianças e adolescentes, diz: essa situação sempre nos angustiou bastante e é pauta das

nossas supervisões (Soraia, 2008). Fala também que os conselheiros conseguiram, a partir do

processo de supervisão feita por profissionais especializados, identificar 25 pontos onde

ocorre o agenciamento de adolescentes e 44 casos de adolescentes envolvidos com a

prostituição, porém não conseguem abordar os adolescentes e muito menos ter sucesso nas

ações de repressão em parceria com a VIJ e a Polícia (Soraia, 2008).

Dessa forma a conselheira fala que com base nesses dados elaboramos um relatório

que foi encaminhado para o CMDCA se fundamentar na estruturação de um serviço

especializado no município para atender essas situações (Soraia, 2008). Acrescenta que

conseguir propor ao CMDCA a estruturação de um serviço especializado para atender a

exploração sexual, baseado em dados fidedignos e em um diagnóstico consistente da realidade

local, foi um grande desafio superado, pois quando o conselheiro solicitava um serviço

especializado que atendesse a exploração sexual, o Executivo e o Conselho Municipal nos

indagavam sobre a falta de um mapeamento e de uma demanda que justificasse a existência

de um serviço especializado (Soraia, 2008).

A partir desse diagnóstico, o Conselho Municipal estruturou um grupo de trabalho

para analisar o nosso relatório e propor uma política de atendimento (Soraia, 2008). O

município iniciou, então, ações um pouco mais elaboradas e fundamentadas no sentido do

enfrentamento do fenômeno, diz:

Atualmente, existem dois técnicos no Programa [...] que estãoanalisando a demanda e estruturando o serviço de atenção integral.A Vara da Infância e Juventude têm realizado ações de fiscalizaçãonos bares, hotéis e similares. Hoje, o Município assume a existênciadessa problemática, que durante muito tempo foi negada e colocadacomo tabu (Soraia, 2008).

144

5.10 – Gestor

Cargo: Gestor

João acompanhou todo o processo de implantação do Programa de atendimento a

crianças e adolescentes e situação que em sua primeira versão, quando se chamava Serviço

Social de Risco e atendia crianças e adolescentes em situação de risco, violência doméstica,

evasão escolar, medida sócio-educativa, todo e qualquer tipo de trabalho desenvolvido nessa

linha (João, 2008).

Diz que inicialmente a equipe era composta por assistentes sociais e psicólogos e o

atendimento se subdividia entre as situações de Liberdade Assistida e Violência Doméstica.

Após um diagnóstico elaborado pela FEBEM, constatou-se uma grande demanda de

adolescentes em conflito com a lei, ou seja, seis mil. Em resposta às pressões do Estado para

que o município assumisse esses casos, o serviço foi potencializado na Fundação responsável

pela política da infância no município, em 10 de Junho de 2000, passou a ser a gestor do

Programa, comprometendo-se a ampliar o quadro de profissionais e cuidar do processo de

especialização, a fim de atender com qualidade às situações de crianças e adolescentes em

conflito com a lei e em situação de violência doméstica.

Diante da demanda crescente por atendimento, foi assinado em 2001 um pacto

intersecretarias para compor a equipe de atendimento às crianças e aos adolescentes em

situação de violência doméstica e adolescentes em cumprimento de medidas sócio-educativas.

Em novembro de 2001, com a necessidade crescente de ter umaintervenção articulada, proporcionando maior acessibilidade aosdiversos serviços do município, foi assinado o primeiro Pacto Inter–Secretarias. A demanda do Programa começou a crescer demais e asituação de violência doméstica começou a aparecer. Acredito queessa situação se deu, até mesmo, pela credibilidade do serviçoprestado. Era uma equipe pequena que dava conta de fazeraveriguações das denúncias, o atendimento, as articulações com aRede, as palestras em outros locais, era como se fosse um “bombril”que dava conta de tudo. (João, 2008)

145

Notamos que João produz uma fala contraditória, pois ao mesmo tempo em que se

orgulha de fazer parte de uma equipe que possui credibilidade dos parceiros também traz

certo mal estar quando refere que pareciam ser bombril dando conta de tudo, de toda a

higienização que os governantes esperavam, ou seja, que as intervenções a essas famílias

pudessem ser eficazes o suficiente para tornar essas crianças e adolescentes dóceis e úteis.

Lembrando que a solicitação ao município por parte do governo do Estado partiu em

função de um diagnóstico da Fundação do bem Estar do Menor (FEBEM) e seu objetivo

principal era o atendimento aos adolescentes que precisavam cumprir medidas sócio-

educativas. Dessa forma, podemos dizer que o programa Aquarela surge para atender a

demanda de uma instituição que tem como missão a repressão às infrações cometidas por

adolescentes e, portanto, desde os gestores até os profissionais do atendimento deveriam

responder a essa demanda. Talvez seja esse o motivo que levou João a ter uma fala

contraditória quando se refere ao trabalho da equipe do projeto.

Entretanto, escutando um pouco mais João, percebemos um intenso movimento dos

profissionais em estabelecer um olhar crítico sobre a missão dada a priori para o Projeto. Há

um movimento que busca o trabalho em rede na tentativa de acolher dignamente as famílias

que chegam ao serviço. Se pensarmos em termos da psicanálise lacaniana, podemos dizer que

há um esforço dos profissionais em ressignificar29 o motivo que levou o projeto a existir.

Notamos outros motivos de orgulho para o Gestor em relação ao trabalho

desenvolvido. O primeiro refere-se à implantação do serviço de averiguação e diagnóstico:

[...] É um serviço de diagnóstico preventivo [...] O que avaliamoscomo maior ganho é quando passamos a ter uma equipeespecializada no diagnóstico, a capacidade dessa equipe de perceberos indícios é muito grande. Estamos apresentando isso no Congressode Goiânia, vamos ver se passa essa experiência que não tem emnenhum outro lugar no país. (João, 2008)

29 Palavra derivada de significante introduzida pelo lingüista Ferdinand de Saussure: denomina significante a imagem

acústica de um conceito e chama de significado o conceito em si, o significante surge a partir do som, da pronúncia sonora.

Lacan em sua teoria priorizou o significante ao significado. Portanto ressignificar na teoria lacaniana pode ser entendido

como a mudança de posição do sujeito diante de um significante. (Plon e Roudinesco, 1998, pg. 708)

146

Um segundo ponto que faz com que o profissional acredite na eficácia do trabalho está

relacionada a uma parceria entre o Poder Público Municipal e uma Instituição Internacional

chamada Childhood Brasil que promoveu algumas ações na área da prevenção á violência

doméstica e sexual, visando efetivar uma política pública na área da prevenção a violência

doméstica e sexual.

No dia 6 de maio de 2005, a Childhood Brasil assinou com o poderpúblico municipal e com o CMDCA, uma parceria para aimplantação do Programa Refazendo Laços [...] que teria uma fortearticulação e passaria por um processo de formação [...]. Então, em2005, foram priorizadas as formações.Em 2006, todos esses sujeitos qualificados passaram a desenvolver osprojetos em suas secretarias e entidades. Inicialmente o trabalhoaconteceu com o poder público, por uma escolha de fortalecimento equalificação desse quadro, ainda em 2006 aconteceu um grandeSeminário, no qual foram apresentados as propostas de prevenção eos projetos desenvolvidos pelos alunos. Esse foi um ponto crucial,porque foi quando sentimos a falta de mobilização da sociedade civil[...].Em 2008 foi iniciado no poder público e nas entidades sociais adisseminação dessa experiência coordenada pela equipe preventivado Refazendo Laços enquanto ação local de políticas públicas. (João,2008)

Diante da fala do profissional, percebemos que há grandes esforços tanto do poder

público municipal quanto dos profissionais em prestar um atendimento de qualidade às

crianças e adolescentes em situação de violência doméstica e sexual. Assim, podemos dizer

que os profissionais estão sensibilizados para a importância do trabalho em Rede.

O Programa de atenção a crianças e adolescentes em situação de violência é uma ação

intersecretarias e, portanto, uma tentativa de que as situações de violência sejam cuidadas

como um problema de todos e não somente da Secretaria de Desenvolvimento Social. O

Programa também está dentro dos preceitos do Sistema de Garantia de Direitos.

.Todo o nosso trabalho está integrado ao Departamento da Criança edo Adolescente (DECA) da Fundação, onde funciona o SistemaIntegrado de Assistência Social (SIAS), em que temos acesso deforma integral a todos os serviços do município nos quais a criança e

147

a família estão integrados (escola, creches e em todos os possíveisatendimentos que o município já realiza com essa família). Nuncacomeçamos do nada, levantamos toda a situação de articulação deatendimento dessa família na rede do município e começamos atrabalhar a partir dessa articulação. (João, 2008).

O grande desafio a ser conquistado pela política municipal na atenção às situações de

violência são os casos de exploração sexual comercial de crianças e adolescentes. Na fala do

coordenador percebemos que há ensaios e tentativas em lidar de forma qualificada com o

fenômeno, porém é imprescindível que a atenção seja articulada a diversos serviços da Rede

de atenção integral à criança e ao adolescente.

5.11 Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente

Cargo: Conselheiro de Direitos – CMDCA

Constatou-se, com a entrevista de Pedro, sua contribuição para a implantação das

políticas na área da infância no município de SJC, juntamente com pessoas de várias

secretarias de governo, diz: Iniciei minhas atividades na área da Infância no Conselho

Municipal, onde participei de reuniões para a organização do Conselho Tutelar, em conjunto

com as pessoas da comunidade, da Segurança Pública, Políticos, entre outros (Pedro, 2008).

Pedro questiona-se sobre a dificuldade de discutir a questão da exploração sexual

comercial de crianças e adolescentes. Fala-nos ser este um tema considerado tabu, já que os

profissionais acabavam deliberando que esse era um tema relacionado à segurança pública e

um problema de polícia, diz:

O debate sobre a problemática da exploração sexual sempre foi vistocomo “uma batata quente”, discutia-se e, ao final, chegava-se àconclusão, de maneira simplista, que era uma questão de SegurançaPública, imaginando que colocando a polícia na rua, ela resolveria oproblema. Eu acredito que existia, naquela época, entre 2000 e 2001,pouca experiência para realizar uma intervenção assertiva e

148

consistente, costumava-se realizar batidas policiais, abordando asmeninas na rua com despreparo técnico (Pedro, 2008).

Faz também uma crítica bastante construtiva sobre a maneira como a questão foi

abordada, ou seja, sem a preocupação com os desdobramentos dessa atuação e o

encaminhamento dos casos, e aponta que em qualquer intervenção é necessário definir

metodologia, um plano de ação e articulação. O resultado dessa ação mal planejada não deu

em nada. (Pedro, 2008)

Aponta que somente em 2007 começou uma discussão mais madura sobre a

problemática no CMDCA. Antes, observei que não se tocava no assunto da exploração

sexual, era um silêncio absoluto. O problema existia, víamos meninas e meninos oferecendo

seu corpo em vários pontos da cidade (Pedro, 2008).

Considera que a equipe está mais madura para discutir a questão devido a projetos de

capacitação continuada sobre o tema, que ajudou na estruturação de novas políticas públicas

para o enfrentamento da questão. Diz que uma das primeiras ações foi a de identificar e

mapear os casos existentes na cidade.

Formamos um grupo intersetorial que passou a discutir a formulaçãoda política de atendimento, resultando na estruturação de propostade enfrentamento com base em três eixos: diagnóstico,defesa/responsabilização e atendimento. O Governo Municipal, aVara da Infância, a Promotoria e as Secretarias Municipais seintegraram a essa discussão, provocando o surgimento de umaComissão Parlamentar na Câmara de Vereadores para tratar dessetema. Elaboramos uma proposta e fizemos à apresentação naCâmara (Pedro, 2008).

O entrevistado conclui que as discussões dentro do CMDCA incluindo outros atores

da Rede fez com que houvesse a consciência da importância e complexidade do tema e

conseqüente implicação dos conselheiros municipais em estabelecer metas para a o

financiamento de políticas que contemplem o tema, diz:

A articulação para formulação de políticas para infância é complexa,gera tensões e requer que o CMDCA eleja prioridades. A questão da

149

violência sexual, hoje, é uma prioridade do CMDCA. Observamosque um Conselho comprometido associado a uma administraçãosensível ocasiona avanços significativos (Pedro, 2008).

Nessa medida, percebemos que a Rede joseense está aberta para discutir novas idéias e

concepções e que o tema da violência sexual não só entrou efetivamente na discussão sobre

política pública no CMDCA-SJC, como ocupa um lugar central dentre as prioridades das

ações. Ainda observamos que essa abertura está em consonância com o ECA - Lei 069/90

conforme a seguir:

São diretrizes da política de atendimento:I - Municipalização do Atendimento;II – Criação dos conselhos municipais, estaduais e nacional dosdireitos da criança e do adolescente, órgão deliberativo econtrolador das ações de todos os níveis, assegurada a participaçãopopular paritária por meio de organizações representativas, segundoleis federal, estaduais e municipais (...)(ECA: artigo 88, inciso I e II)

O Conselho Municipal atua em diversas frentes que incluem a realização de algumas

ações imprescindíveis: políticas públicas, controle e participação social, mobilização e

articulação. Essas ações propõem a elaboração de estudos e pesquisas; a deliberação o

acompanhamento e monitoramento das políticas no âmbito do município; elaboração de um

plano de ação definindo as prioridades de atuação; acompanhar e participar da elaboração do

Plano Plurianual – PPA, da Lei Orçamentária Anual-LOA; acompanhar os processos de

elaboração da legislação municipal relacionada à infância, gerir o Fundo dos Direitos da

Criança e do Adolescente.

No município de São José dos Campos os avanços conseguidos em termos de

estruturação da rede de proteção e das políticas públicas municipais de atenção à criança e ao

adolescente foram possíveis graças à atuação e articulação intersetorial do Conselho

Municipal nos níveis macro, intermediário e micro. Ou seja, a entrada da temática da

violência doméstica e sexual em todas as instâncias do território municipal, aliada ao

conhecimento das necessidades e a priorização das demandas, além da boa articulação com os

poderes executivo, legislativo e judiciário.

150

5.12 Fechamento da análise das Entrevistas

As entrevistas trouxeram informações fundamentais para compreensão da dinâmica de

funcionamento da rede e sobre a organização das políticas. As falas da adolescente e dos

profissionais que compõem o Sistema de Garantia de Direitos do Município de São José dos

Campos trouxeram à tona a complexidade, os desafios e os avanços das políticas públicas no

âmbito desse município, para garantir o atendimento especializado de crianças e adolescentes

vulneráveis e em situação de violência doméstica e sexual.

Nesse sentido, foi possível observar como a política pública para a infância e

adolescência foi se estruturando no município. Ainda observaram-se as contradições

existentes no funcionamento do Sistema de Garantia de Direitos, em um determinado

território, sendo evidenciados os conflitos de competência entre os profissionais que executam

esse Sistema.

Assim, foi possível identificar que a teoria de Whitaker sobre o funcionamento das

redes, explicitada no capítulo II dessa dissertação, aplica-se à realidade do Município de São

José dos Campos, em especial, quando ele refere que as redes funcionam na horizontalidade e

as políticas públicas na verticalidade, o que causa conflitos na execução das ações. Esse fato

esteve presente em várias entrevistas, com destaque, para as entrevistas da Joana - Gestora e

do Pedro - Conselheiro do CMDCA, onde enfatizaram o esforço do município para assegurar

a continuidade das políticas e o seu processo de formulação, execução e controle. Ambos

enalteceram o papel dos fóruns e das redes na consolidação das ações.

O relato de Sabrina – Adolescente, sobre a sua experiência pessoal na rede de

proteção, somada ao relato dos profissionais, enquanto gestores e operadores desse sistema

veio, de forma prática, clarificar os conflitos de papéis e funções nas organizações onde a

adolescente foi atendida. Essa situação real vivenciada por Sabrina e pelos profissionais -

apesar de ser um caso singular- demonstra que, na teoria, a regulamentação das políticas

públicas é bem definida, porém o acesso e a garantia de uma assistência de qualidade ainda é

um desafio para todos os operadores do SGD e, em especial, para os seus usuários.

151

A fala de Rita - técnica - expressa a sua frustração, os encontros e desencontros da

equipe do judiciário com o próprio Sistema de Justiça, com as equipes dos abrigos, da saúde e

da assistência social. Porém, apesar dos desencontros, essa profissional apresenta

possibilidades de superação das dificuldades ao falar sobre o trabalho em rede, destacando o

monitoramento, as reuniões, as supervisões, os cursos e os encontros sistemáticos como

fundamentais no processo de fortalecimento da rede de proteção, nos quais se têm a

possibilidade de tecer a rede, de redefinir o fluxo de atendimento, estruturando as políticas e

evitando conflitos de competência.

O sentimento de esperança expresso por Rita vem ao encontro do que Hanna Arendt

traz sobre a política. Assim, apesar dos encontros e desencontros, é no movimento e nas

reflexões que se encontram os caminhos.

Dessa forma, foi possível observar que o Município de São José dos Campos escolheu

um caminho sensato e responsável para a estruturação do SUAS. Esse caminho levou em

consideração as políticas já existentes no município, preservando o Serviço Especializado de

Atenção Integral às Situações de Violência Doméstica e Sexual, sendo esse serviço parceiro

estratégico dos CREAS.

Nesse sentido, com base no Sistema Único da Assistência Social (SUAS), o CREAS

contará com uma equipe especializada para atender as situações de média e alta complexidade

de crianças, adolescentes, adultos, idosos, entre outras demandas. Isso não deixa de ser um

avanço, porém, em particular para o atendimento específico aos casos de violência doméstica

e sexual, será mantido o Serviço Especializado Intersecretarias, com a sua equipe

multidisciplinar. O atendimento inicial dos casos de violência doméstica e sexual poderá

acontecer no CRAS, no CREAS, nos Conselhos Tutelares, nas Unidades de Saúde, entre

outros. Porém, o diagnóstico e o acompanhamento especializados acontecerão no Centro de

Referência, em parceria com o SGD.

Um aspecto ainda desafiador e que foi ressaltado na fala dos Gestores foi a

sustentabilidade das políticas públicas, já que, no Brasil, é muito freqüente a implantação de

programas e projetos, com o suporte financeiro dos governos Federal e Estadual, contudo,

mudanças de estratégias nessas gestões podem levar ao fracasso desses programas e projetos

importantes para o Município. Os Gestores demonstraram preocupação nesse sentido e

apresentaram as alternativas que o município encontrou para superação dessa questão, ou seja,

152

organizam as políticas municipais com base nas diretrizes Nacional e Estadual, porém se

articulando aos poderes Legislativo, Executivo, Judiciário, Conselhos, Fóruns e Redes locais,

para garantir dotação orçamentária própria para execução e sustentabilidades das ações. Dessa

forma, não dependem exclusivamente do repasse dos governos Federal e Estadual, o aporte de

recursos Federal e Estadual soma-se, também à Contrapartida Municipal, não comprometendo

a continuidade das ações.

Essa forma de gestão adotada pelo Município de São José dos Campos vem ao

encontro do que está proposto pelo SUAS - Política Federal - que visa a romper a

fragmentação e a descontinuidade das ações, por meio de estratégias, orçamento e qualidade

na assistência.

Apesar de todo o esforço do Município de São José dos Campos e dos avanços, ainda

se observa que a qualidade, eqüidade, eficiência e proteção necessários para o acolhimento e a

atenção integral de crianças, adolescente e famílias, que se encontram em situação de

vulnerabilidade e ou que já tiveram seus direitos violados, ainda são um desafio posto para

todos. Por isso, são necessários esforço, vontade política e competência técnica para ousar

esse desafio, como define a seguir uma gestora entrevistada:

Estamos a passos lentos, quebrando essa estrutura de poder, pormeio do estabelecimento de termos de cooperação intersecretarias.Esses Pactos são assinados pelo Prefeito e pelos Secretários. Dessaforma, estamos caminhando para a realização de um trabalhointegralizado em Rede, onde o poder é compartilhado. Isso não é umaação fácil, gera muitas tensões e requer um trabalho de articulaçãopermanente, essa prática ainda não está completamente incorporadaà administração pública, é difícil, requer muito esforço para termos ocomprometimento e o pertencimento de todos os envolvidos. (Joana,2008)

153

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Também não se pode dizer com exatidão que os tempos

sejam três:

passado, presente e futuro.Dever-se- ia dizer mais

propriamente que há três tempos:

Um presente das coisas passadas,

um presente das coisas presentes

e um presente das coisas futuras...

O presente das coisas idas é a memória.

O das coisas presentes é o olhar

E o das coisas futuras é a esperança.

Santo Agostinho

O desenvolvimento da presente pesquisa, com todas as suas etapas, desde a escolha da

questão que a direciona, até as leituras e entrevistas, com respectivas análises e reflexões,

possibilita-nos, neste momento, realizar algumas considerações que visem dar fechamento a

este trabalho, ainda que não se vise ao fechamento da discussão sobre o tema.

Inicialmente, retomando o questionamento quanto à efetividade da estruturação de

uma rede de atenção às situações de violência doméstica e sexual contra crianças e

adolescentes, podemos citar resultados observados no município, decorrentes da implantação

do Projeto Refazendo Laços.

A partir da execução desse projeto, nota-se, pelo acompanhamento do mesmo e pelas

entrevistas com os profissionais, que ocorreu a estruturação de um núcleo de formação

continuada para agentes públicos, gestores e profissionais de organizações não

governamentais. O Projeto Refazendo Laços foi incorporado pelo Programa Aquarela – de

caráter inter-secretarias – tornando-se Política Pública, com orçamento previsto no

planejamento municipal.

154

A ampliação do orçamento público do município envolveu, com isso, além do cuidado

com o profissional – por meio da formação continuada e das supervisões da prática – uma

política pública também na área da prevenção à violência doméstica e sexual contra crianças e

adolescentes. Esse aspecto apresenta uma rede que sai do lugar exclusivamente de

“tratamento curativo”, com a atenção focada no momento pós-violência, e passa a implicar-se

em práticas que visem evitar que as situações de violência aconteçam, indo na direção do que

se preconiza mundialmente enquanto caminhos para políticas públicas efetivas e eficazes:

trabalhar com prevenção.

Apesar do enfoque dado à prevenção, nota-se também atenção direcionada ao

atendimento prestado às situações de violência doméstica e sexual contra crianças e

adolescentes, uma vez que o município também ampliou o núcleo de atendimento psicossocial

a esses casos, a partir do reconhecimento de uma demanda reprimida, evidenciada nas

formações dos profissionais da rede e nos números de notificações recebidos pelos órgãos

competentes (Conselhos Tutelares e Vara da Infância e Juventude).

Contudo, novamente à luz de nossa questão de pesquisa, é importante apontarmos para

os desafios ainda presentes para a implementação e manutenção dessa Rede de Proteção, para

que a mesma possa, de fato, responder à função de cuidado e proteção, diagnosticando,

acolhendo e atendendo as situações de violência doméstica e sexual contra crianças e

adolescentes, respeitando as condições peculiares de desenvolvimento, conforme prevê o

Estatuto da Criança e do Adolescente. A relevância desta pesquisa relaciona-se, justamente, à

existência de tais desafios.

O país vive um momento de implantação do Sistema Único de Assistência Social

(SUAS) e São José dos Campos, como outros municípios, vem tentando adequar seus

serviços a esta prerrogativa nacional. Como no SUS (Sistema Único de Saúde), a qualidade

está relacionada ao funcionamento de redes locais integradas e com profissionais

especializados, comprometidos e em formação continuada.

Nesse contexto de políticas públicas, surge o CREAS – Centro de Referência Especial

em Assistência Social, que deve abarcar o atendimento às situações de violência doméstica e

sexual contra crianças e adolescentes, consideradas de alta complexidade. O que antes era

demanda do Programa Sentinela, passa a ser demanda do CREAS, juntamente com outras

situações de alta complexidade, como violência contra a mulher e o idoso. Importante

155

ressaltar que a política de atendimento mantém-se restrita à assistência social. Cabe, então,

questionarmos: irá o CREAS corresponder às necessidades complexas dos casos de violência

doméstica e sexual contra crianças e adolescentes? Precisamos considerar alguns pontos para

pensar esta questão.

Embora o SUAS tenha orçamento garantido nos municípios, sabemos que se não

houver efetividade e vontade política nos estados e municípios para estruturar a política de

proteção especial, ele não se consolidará. Além disso, situações de complexidade como a

tratada nesta pesquisa demandam o envolvimento de diferentes serviços, numa ação

intersetorial, que não se esgota em uma única área, como a Assistência Social.

Voltando à questão, quanto à possibilidade do CREAS abarcar essa demanda,

tememos que isto não seja possível, por acreditarmos, a partir de nossa pesquisa, que o ideal

seria que o atendimento multidisciplinar, envolvendo especialmente o atendimento

psicológico, pudesse ficar na área da saúde, e que a Assistência Social fosse responsável por

cuidar das questões de garantia dos direitos básicos e especiais como profissionalização,

programas de complementação e geração de renda, e acompanhamento das vulnerabilidades e

risco.

Sob essa perspectiva, considerando as falas dos entrevistados e a bibliografia

consultada, apresenta-se a necessidade de um serviço de atenção, um centro de referência com

equipes multiprofissionais especializadas para a escuta dos casos, com a perspectiva de

parceria com universidades e centros de pesquisas para consolidação de metodologias para

esse atendimento.

Alem disso, os centros devem fazer parte de uma política intersetorial, a fim de evitar

a fragmentação, sobreposição, burocratização e objetificação da criança e da família que

necessitam, nesse momento, ser acolhidas e cuidadas de maneira integrada por toda a Rede de

Proteção, em que cada serviço saiba exatamente qual o seu papel e função na contribuição

para a reorganização da vida dessas pessoas. Dito de outro modo é urgente que os serviços

dialoguem entre si e se complementem para proverem a atenção integral.

Nesse sentido, devemos criar uma forma de a Assistência Social, Organizações Não-

Governamentais, Saúde, Educação e o Sistema de Justiça sintonizarem suas ações de forma a

prevenir os conflitos de competência. Diante do complexo fenômeno da violência doméstica e

sexual contra crianças e adolescentes, esses atores possuem funções imprescindíveis para

156

fazer a diferença na vida dessas pessoas, promovendo assim o bom funcionamento do Sistema

de Garantia de Direitos.

Frente a essas considerações, acreditamos que, embora tenha havido transformações

no sentido de uma melhoria no funcionamento da Rede de Proteção no município de São José

dos Campos, notam-se ainda obstáculos, “buracos” nessa rede, que permitem a revitimização

das crianças e adolescentes, por não atenderem às suas necessidades de fato.

Entretanto, apontar esses obstáculos como oriundos apenas de falhas nas Políticas

Públicas desenvolvidas seria uma visão reducionista, que desconsideraria muito do que foi

apresentado ao longo desta pesquisa sobre o tema da violência doméstica e sexual contra

crianças e adolescentes, em especial sobre a exploração sexual. A complexidade desse

fenômeno engloba aspectos individuais, familiares, comunitários, sociais e econômicos, que

se articulam promovendo um quadro de difícil intervenção. As dificuldades que os

profissionais enfrentam passam por estas características específicas da exploração sexual

comercial e esbarram nas questões pessoais de cada profissional, que necessitam trabalhá-las

antes de poder desenvolver um trabalho significativo junto a essa população. Todo o tabu

presente na temática da violência doméstica e sexual se reflete na formação das Redes de

Proteção, demandando um aprofundamento das reflexões sobre o que é possível ser feito,

quais as limitações, e quais as intervenções não invasivas e mais efetivas.

Todo o processo de pesquisa e escrita dessa dissertação envolveu uma série de

desafios e dificuldades, que foram enfrentados e superados pela pesquisadora. Apesar da vasta

experiência no campo da militância na área da infância e adolescência, e no atendimento às

situações de violência doméstica e sexual contra esta população, a experiência de debruçar-se

enquanto pesquisadora sobre o tema, vivenciando as entrevistas com os profissionais e

adolescentes, as cuidadosas leituras e o debate acadêmico com suas conseqüentes reflexões,

trouxe à pesquisadora desafios que superaram sua vivência de campo enquanto técnica nos

diferentes serviços nos quais trabalhou. O desenvolvimento desse trabalho acadêmico

proporcionou, além de uma ampliação teórica, conceitual e metodológica, a experimentação

do lugar de pesquisadora, que reflete sobre a própria prática, permitindo-se questioná-la,

discuti-la e relacioná-la à literatura, gerando transformação nos âmbitos profissional e pessoal.

157

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167

GLOSSÁRIO

B.O - Boletim de Ocorrência;

CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito;

CPMI - Comissão Parlamentar Mista de Inquérito;

CRAMI - Centro Regional de Atenção aos Maus Tratos na Infância;

CECRIA - Centro de Referência, Estudos e Ações Sobre Crianças e Adolescentes;

CEDECA - Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente;

CEDCA - Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Estado

de Pernambuco;

CENDHEC - Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social;

CMDCA - Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente;

CONANDA - Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente;

CONDECA - SP - Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de

São Paulo;

CNRVV - Centro de Referência das Vítimas de Violência;

CRAS - Centro de Referência da Assistência Social;

CREAS - Centro de Referência Especializado da Assistência Social;

CEPAJ - Centro de Estudos e Pesquisas Aldeia Juvenil;

CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito;

CPMI - Comissão Parlamentar Mista de Inquérito;

ECA - Estatuto da Criança da Criança e do Adolescente;

DPCA - Departamento de Polícia da Criança e do Adolescente;

FÓRUM DCA - Fórum dos Direitos da Criança e do Adolescente;

168

FUMCAD - Fundo Municipal da Criança e do Adolescente;

FUNDHAS - Fundação Hélio Augusto de Sousa;

GPCA - Gerência de Polícia da Criança e do Adolescente;

ESCCA - Exploração Sexual Comercial Contra Crianças e Adolescentes;

INSTITUTO WCF BRASI - Childhood - Brasil;

LA - Liberdade Assistida;

LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social;

MNMNR - Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua;

MP - Ministério Público;

ONU - Organização das Nações Unidas;

ONG - Organização Não Governamental;

PACTO / SP - Pacto São Paulo contra a Violência, Abuso e Exploração Sexual de Crianças e

Adolescentes;

POL - Planos Operativos Locais;

PNAS - Política Nacional de Assistência Social;

PESTRAF - Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres Crianças e Adolescentes para fins de

Exploração Sexual Comercial;

PRL - Programa Refazendo Laços;

REDE DE COMBATE - Rede de Combate ao Abuso e a Exploração Sexual de Crianças e

Adolescentes do Estado de Pernambuco;

SINASE - Sistema Nacional Sócio Educativo;

SGD - Sistema de Garantia de Direitos;

SJC - São José dos Campos;

SUS - Sistema Único de Saúde;

169

SUAS - Sistema Único de Assistência Social;

VD - Violência Doméstica;

VDS - Violência Doméstica e Sexual;

VIJ - Vara da Infância e Juventude;

VS - Violência Sexual;

VDSCCA - Violência Doméstica e Sexual contra Crianças e Adolescentes.

170

ANEXO A – Indicativos - CMDCA SJC

171

PROGRAMA REFAZENDO LAÇOS

INDICATIVOS AO CMDCA – SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

CONTRIBUIÇÕES PARA A POLÍTICA DE PROTEÇÃO

INTEGRAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

I) Apresentação

No ano de 2005, estabeleceu-se uma parceria entre o CMDCA de SJC, o Instituto WCF-Brasil

em que foi implantada a ação do Programa Refazendo Laços que capacitou e supervisionou

mais de 120 agentes público da Rede de Proteção Integral, incluindo os Conselheiros

Tutelares e representantes das diferentes secretarias municipais. Dessa experiência piloto

resultou a edição de um Manual de Orientação sobre como proceder diante de casos de

violência doméstica e sexual contra crianças e adolescentes, um kit básico para o

desenvolvimento de ações preventivas à VSCCA e educação sexual.

O Programa Refazendo Laços priorizou as capacitações e supervisões dos agentes públicos

preparando-os para a ação em Rede, que nada mais é do que um padrão organizacional que

prima pela descentralização na tomada de decisões e pela democracia, pela flexibilidade e

dinamismo de sua estrutura, pela autonomia e pela horizontalização das relações entre seus

membros.

Nessas bases, a Rede de Proteção é uma concepção de trabalho que dá ênfase à atuação

integrada e intersetorial, envolvendo todas as instituições que desenvolvem atividades com

crianças adolescentes e suas famílias no enfrentamento a Violência Doméstica e Sexual.

172

A violência é um fenômeno multicausal que atinge sociedades de todo o mundo. Segundo

Maria Cecília Mynayo, a violência faz parte da forma que a sociedade cria suas relações, suas

comunicações e seu estilo de vida. A criança e o adolescente, por serem mais frágeis e

estarem em uma condição peculiar de desenvolvimento, estão mais vulneráveis. Para ela, o

contrário da violência não é a não-violência, mas a cidadania.

De acordo com o Laboratório de Estudos da Criança (Lacri) do Instituto de Psicologia da

Universidade de São Paulo, de 1996 a 2004, foram registrados 110.250 casos de violência

doméstica. A modalidade de violência doméstica a que as crianças e adolescentes estão mais

sujeitos é a negligência (44.890 casos), seguida da violência física (36.478) e da psicológica

(17.171). Foram registrados 11.238 casos de violência sexual nesse período.

As estatísticas oficiais sobre violência doméstica e sexual são escassas no Brasil. Relatório

lançado pela Unicef, em dezembro de 2005, sobre a Situação da Infância Brasileira, mostra

que os dados nacionais oficiais mais recentes datam de 1988. Pesquisa por amostragem

nacional do IBGE, publicada em 1989, revela que o espaço familiar é o local mais freqüente

de ocorrência de agressões físicas, tanto na infância quanto na adolescência.

Segundo o sistema de denúncias do governo federal (Disque 100), que recebe notificação de

maus tratos de crianças de todo o país desde maio de 2003, já foram encaminhadas para

averiguação 9.490 denúncias. O Estado de São Paulo é o líder em notificações, sendo

responsável por 14,53% das ligações. Em seguida vem o Rio de Janeiro com (11,73%), Rio

Grande do Sul (11,44%) Bahia (8,39%) e Minas Gerais (7,88%). Das denuncias recebidas,

32,44% correspondem a abuso sexual, 17,11% a exploração sexual comercial e 50,45% por

maus tratos.1

A Fundação Abrinq, em 2005, realizou uma pesquisa com 15 organizações da sociedade civil

responsáveis pelo atendimento de 6.485 crianças e adolescentes da região metropolitana de

São Paulo. Esta revelou 683 casos de agressão contra crianças e adolescentes. Desse total, 359

1 Fonte: Matriz intersetorial de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes – Secretaria

Especial de Direitos Humanos – SEDH.

173

casos foram notificados aos Conselhos Tutelares: 132 casos de violência física, 133 de

negligência e 162 de violência psicológica. Os casos de violência sexual contra crianças e

adolescentes (comercial, intra e extrafamiliar) somaram 57.

Esses números mostram que a realidade da violência sofrida pelas crianças e adolescentes

impõe ao Poder Público e à sociedade civil organizada a necessidade de uma abordagem

ampla e integrada para a prevenção e proteção à infância. Apesar dos esforços em formar um

banco de dados, sabemos que há muitos casos que não entram nas estatísticas. O problema da

subnotificação dificulta o diagnóstico e a prevenção do fenômeno, principalmente quando o

assunto é exploração sexual comercial de crianças e adolescentes. Essa modalidade de

violência é difícil de ser identificada e mais difícil ainda de ser abordada, pois, muitas vezes,

envolve rede de aliciadores e, dependendo da intervenção que o Conselheiro Tutelar ou

qualquer Agente da Rede de Proteção fizer, pode colocar em risco tanto a vida da criança e/ou

adolescente quanto sua a própria.

II) O Lugar social do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente

Desde a promulgação da Constituição federal de 1988, somados às mudanças exigidas pelo

processo de globalização, o Brasil passa por um processo de transição na qual o rearranjo das

funções do Estado, a consolidação da economia de mercado e o aperfeiçoamento das

instituições democráticas podem propiciar surgimento de formas inovadoras entre os setores:

Estado, Empresas privadas e Organizações do terceiro setor e Universidades.

Quanto à esfera pública, a Constituição Federal reconheceu o município como ente autônomo

da federação, mas não independente. Municipalizar é permitir, por meio da descentralização

político-administrativa que algumas decisões políticas e determinados serviços sejam

encaminhados e resolvidos no âmbito do município, sem excluir a participação da União, do

Estado e da Sociedade civil organizada.

Assim, numa sociedade democrática cabe ao município definir e executar uma política

municipal de proteção integral para crianças e adolescentes e, o CMDCA, é o órgão legítimo

para a eficaz formulação de políticas sociais publicas de atendimento aos direitos da criança e

do adolescente.

174

Criado pela lei nº 8069 –1990 – o Estatuto da criança e do Adolescente – o CMDCA é

sobretudo uma instância de participação do cidadão na formulação da política de atendimento

e do controle de suas ações.

O aprimoramento das instituições democráticas, juntamente com o desenvolvimento

sustentável, requer a capacidade de combinar competência para a colaboração em prol do

benefício comum, construindo um ambiente no qual evolui a participação da cidadania

organizada na formulação de políticas públicas, na agilização do atendimento à criança, ao

adolescente e famílias.

Levando em consideração que o contrário da violência não é a não violência, mas a cidadania,

o Programa Refazendo Laços considera estar contribuindo para a diminuição da violência

contra a criança e o adolescente no município de SJC, pois o documento que se segue foi

constituído por meio dos princípios democráticos de participação popular na implementação

da política pública de SJC à criança e adolescente.

III) Indicativos para o CMDC para a implementação de políticas

Este documento é a consolidação dos indicativos para implementação da política de proteção

integral à criança e ao adolescente de São José dos campos. É resultado do trabalho de todos

aqueles que participaram do Programa Refazendo Laços direta ou indiretamente desde o seu

lançamento em maio de 2005 até o momento presente. Entendemos que seu objetivo é

subsidiar o CMDCA para a implantação e implementação de políticas públicas na área da

infância, priorizando ações de prevenção e proteção à crianças, adolescentes e famílias

vulneráveis à violência doméstica e sexual na cidade de São José dos Campos.

Dentre aqueles que contribuíram diretamente com o desenvolvimento do Programa Refazendo

laços estão: os representantes dos eixos da Defesa, Promoção e Controle a VDSCCA; das

Secretarias Municipais de Esporte e Lazer, Educação, Saúde e Desenvolvimento Social; da

FUNDHAS; dos Conselhos Tutelares; alunos, supervisores e supervisionandos. Além da

equipe do instituto WCF Brasil.

175

Nosso objetivo está em consonância com as diretrizes do Plano de Ação do CMDCA, biênio

2004/2005, onde se enfoca os “... incentivos às ações de prevenção tais como: a gravidez não

planejada, a violência contra crianças e adolescentes, com ênfase à violência sexual e

trabalho infantil, dentre outros”. E ainda em consonância com a IV Conferência Municipal

dos Direitos da Criança e do Adolescente, de São José dos Campos – 18 de Agosto de 2005;

com o Tema: “Participação, Controle Social e Garantia de Direitos – Por uma Política para a

Criança e o Adolescente”, bem como os desdobramentos da VI Conferência Estadual da

Criança e do Adolescente.

Após minuciosa leitura do material extraído dos encontros temáticos e relatórios produzidos

pelos supervisores dos grupos de prevenção, multiplicação e conselheiros tutelares somados

as discussões entre equipe WCF; referência dos eixos defesa, promoção e controle, Grupo de

Trabalho e supervisores, consolidamos esse documento.

As mãos que auxiliaram a tecer esse documento constataram avanços na Política de atenção e

nas ações dirigidas às crianças e aos adolescentes e suas respectivas famílias. Porém faz-se

necessária à manutenção dos investimentos para a garantia de que a cidade de São José dos

Campos possa manter essas conquistas.

Propomos assim que novas formas de abordagem e intervenção no enfrentamento à Violência

Doméstica e Sexual contra a Criança e o Adolescente – VDSCCA - devem ser pensadas e

efetivadas pelo Município de São José dos Campos.

A seguir estão elencados os indicativos que acreditamos ser pertinentes:

� Avanços:

1. A parceria do CMDCA – SJC e o Instituto WCF – Brasil na implantação da Política de

Prevenção a VDSCCA em São José dos Campos – Programa Refazendo Laços;

2. Envolvimento das Secretarias Municipais no desenvolvimento do Programa Refazendo

Laços;

3. Formação e Capacitação de Agentes Públicos, na temática da VDSCCA e Sexualidade;

176

4. Processo de supervisões sistemáticas com especialistas na temática de VDSCCA e

Sexualidade que levou ao envolvimento dos profissionais capacitados para

desenvolvimento das ações de prevenção;

5. Elaboração dos projetos e execução dos mesmos pelos agentes de prevenção e

multiplicação;

6. Maior interlocução entre os profissionais da rede de proteção, ou seja, fortalecimento da

rede;

7. Construção de Referencial teórico conceitual sobre VDSCCA entre os profissionais da

Rede de Proteção;

8. Processo “Cuidando do Cuidador” para a equipe do PRL - WCF- Brasil e para os

Conselheiros Tutelares;

9. Aquisição de materiais para desenvolvimento das ações, bem como sua distribuição -

“Kit” de prevenção – para os diversos parceiros – Secretarias Municipais e Fundações;

10. Consolidação do Grupo Técnico (GT) com representação de diversos Atores Sociais;

11. Elaboração do Regimento Interno do Grupo Técnico;

12. Consolidação do “assento” do Programa Refazendo Laços na Comissão Municipal de

Enfrentamento à Violência Infanto Juvenil.

� Prioridades para a proteção Integral

1. Ampliação do número de especialistas como psicólogos, pediatras, psiquiatras (adultos e

crianças), terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, psicopedagogos, neuropediatras,

oftalmologistas, fisioterapeutas, otorrinolaringologistas e demais especialidades para

atendimento a crianças, adolescentes e famílias. Tendo em vista que foi indicado pelos

profissionais que atuam na rede de proteção que a falta desses profissionais compromete a

assistência integral a saúde e a possibilidade de oferecer condições para o

desenvolvimento pleno da criança e do adolescente joseense;

2. Implementação dos serviços da rede para a atenção à criança e ao adolescente com

necessidades especiais como: dificuldades na aprendizagem, deficiência física, visual,

auditiva, cognitiva entre outros. Foi indicado pelos profissionais que existe uma

precariedade nesta rede de atenção e etc;

3. Implantação de um sistema informatizado para o acompanhamento e monitoramento das

questões da Infância e da Juventude, sendo o CMDCA o gerenciador do Sistema onde

todos os programas, serviços, projetos e ONGs subsidiarão o banco de dados e evitarão

177

duplicidade do sistema de atenção e revitimizações dos casos de violência. Ainda este

sistema propiciará uma maior interlocução da rede de Proteção Integral com o CMDCA;

4. Capacitação continuada ao pessoal do Disk denúncia e COI afim de aumentar a

credibilidade da população a esse serviço – alinhamento das ações do COI, CT e Plantão

social;

5. Estabelecimento de orçamento para compra de materiais e suporte para os profissionais da

Rede (desde material gráfico até os específicos de cada área);

6. Criação de materiais de apoio como: folders, vídeos, entre outros para serem utilizados em

campanhas e ações educativas no Município;

7. Campanhas para informar a população e os profissionais sobre os procedimentos de

notificação e denúncia de suspeita de VDSCCA em SJC, mantendo o sigilo e ética em

relação as casos atendidos;

8. Desenvolvimento de cursos de formação e supervisão para a sociedade civil e ONGs

credenciadas pelo poder público municipal visando a prevenção da VDSCCA;

9. Priorizar capacitação e supervisões focadas nas questões de Defesa e Responsabilização

aos profissionais da Rede de Proteção à Infância e Juventude e aos segmentos que

compõem este eixo; das ONGs, escolas públicas e privadas, hospitais públicos e privados.

10. Implementação da informatização do sistema incluindo as ONGs para melhor

acompanhamento e monitoramento dos casos e para evitar a duplicidade de ações;

11. Implantação de mais um Conselho Tutelar no município para atender a demanda dentro

dos parâmetros estabelecidos por Lei;

12. Socializar e publicizar a ficha de notificação compulsória de Violência VDSCCA e

Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes - ESCCA, na Rede de Proteção

Integral de Criança e Adolescentes;

13. Efetivação de uma única ficha de notificação;

14. Necessidade de adequação e socialização do Fluxo de atenção à criança e adolescentes

expostos a VDSCCA e a ESCCA;

15. Implantação de serviço de atenção a crianças e adolescentes expostos a Exploração Sexual

Comercial no Município de São José dos Campos, considerando:

a) Que o serviço a ser implantado deve ser mais um braço do Programa Aquarela;

b) As interfaces do fenômeno com os diversos segmentos: Justiça, Segurança,

Fiscalização e Atendimento Bio-Psico-Social;

178

c) O cuidado com a vida das crianças e adolescentes em situação de exploração sexual

comercial, visto que pode haver aliciadores ligados a esses sujeitos.

d) Que já existem 25 casos identificados e notificados em São José dos Campos e que

não estão sendo atendidos;

16. Implementação da Política de Atenção à Criança e Adolescentes em situação de abrigo.

Os profissionais apontam a necessidade de:

a) Não separar grupos de irmãos, assegurando os vínculos afetivos e familiares;

b) Evitar as transferências de abrigos devido a questões etárias;

c) Apoio aos adolescentes e aos que completam a maioridade sem perspectiva de retorno

à família, planejando de forma digna a desinstitucionalização;

d) Atenção a crianças e adolescente em situação de Exploração Sexual comercial;

e) Melhoria no tratamento de crianças e adolescentes em situação de Dependência

Química;

f) Planejar melhor os recâmbios de Crianças e Adolescentes;

g) Criação e supervisão de uma rede de famílias substitutas;

h) Capacitação e supervisão continuada aos profissionais dos abrigos;

17. Repactuação do acordo com o Poder Público Municipal considerando que:

a) desenvolvimento das ações de prevenção a VDSCCA se darão por meio dos projetos

específicos construídos em cada Secretaria Municipal, e que essas ações fazem parte

das atribuições dos agentes públicos municipais supervisionados pelo Programa

Refazendo Laços, devendo ser realizadas dentro de sua carga horária semanal prevista

pelo seu contrato de trabalho;

b) Ainda se faz necessária a assessoria do Instituto WCF- Brasil às ações do Programa

Refazendo Laços em SJC no ano de 2007.

Considerações finais

Tendo em vista a dimensão da Temática da Violência, deixamos aqui o um pouco desse

“Universo” que conseguimos apreender até o momento.

179

Temos certeza que o CMDCA é sensível a essa questão e por isso, muito nos sentimos

motivados e honrados em continuar juntos nesse caminho.

Esperamos estar contribuindo e nos dispomos a juntos tecermos esta rede no município de

São José dos com a implementação da política de proteção integral de acordo com o sistema

de garantia de direitos.

São Jose dos campos 14 de Novembro de 2006.

Equipe da Childhood Brasil;

Grupo Técnico;

Conselho Tutelar e

Comissão Municipal de Enfrentamento á Violência Doméstica e Sexual contra Crianças e

Adolescentes.

180

ANEXO B – Regimento interno PRL SJC

181

REGIMENTO INTERNO DO PROGRAMA REFAZENDO LAÇOS

PREFÁCIO

O Programa Refazendo Laços (doravante designado simplesmente PRL) é uma

parceria interinstitucional entre o Instituto WCF–Brasil (doravante designado

simplesmente WCF-Brasil), braço brasileiro do World Childhood Foundation, e o

Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de São José dos

Campos (doravante designado simplesmente CMDCA).

A parceria tem o objetivo de contribuir com a política pública de prevenção e

articulação da rede de atenção integral a crianças, adolescentes e famílias em

situação de violência doméstica e sexual, priorizando a formação de agentes

públicos, para que sejam agentes multiplicadores de referência na intervenção ao

fenômeno.

Em 06 de maio de 2005, foi assinado o termo de compromisso do PRL para

pactuar a responsabilidade do CMDCA, como ente público e representante da

sociedade civil, na implantação e implementação de políticas públicas de proteção

de crianças e adolescentes em situação de violência doméstica e sexual.

182

Diante do exposto, observou-se a necessidade de composição de um Grupo

Técnico (doravante designado simplesmente GT) como um fórum legitimo para

propor, consensuar e nortear as ações do PRL, integrando a rede de proteção à

criança e ao adolescente no Município de São José dos Campos.

A partir de fevereiro de 2006, houve um reordenamento do modelo de gestão,

após a avaliação no final de 2005.Diante desse novo quadro, o GT se propôs a

elaborar um Regimento Interno com a finalidade de nortear as ações no PRL.

CAPITULO I

- Dos Objetivos -

Art 1º - Com o objetivo de fortalecer ações integradas e em rede entre o Poder

Público municipal e a sociedade civil na prevenção às situações de violência

doméstica e sexual contra crianças e adolescentes e famílais, o GT se propõe a

fomentar, discutir, sugerir, fornecer indicativos, integrar, articular, sensibilizar e

subsidiar os objetivos do PRL, dentre outros:

I. Assegurando a formação técnica - científica de atores sociais para

trabalharem em rede e tornarem-se agentes multiplicadores na prevenção à

violência doméstica e sexual contra crianças, adolescentes e famílias

priorizando o acolhimento dos profissionais que trabalham diretamente no

atendimento, bem como ações que garantam o cuidado com o cuidador.

183

II. Garantindo que crianças, adolescentes e jovens tenham acesso a um

desenvolvimento sexual saudável e responsável, de acordo com os

pressupostos do “Plano Nacional de Direitos Humanos” – Brasília / 2002;

III. Produzindo e sistematizando conhecimentos sobre uma intervenção ampla de

prevenção e atendimento às situações de violência contra crianças e

adolescentes, objetivando a sua replicação enquanto experiência inovadora

no país;

IV. Melhorando a qualidade e estrutura dos serviços de proteção a crianças,

adolescentes e famílias, através da co–responsabilização dos diversos

segmentos;

V. Sensibilizando a opinião pública e os agentes públicos para o enfrentamento

à violência doméstica e sexual contra crianças e adolescentes e famílias;

VI. Promovendo a estruturação de uma política pública de âmbito municipal, no

atendimento especializado e em rede às situações de violência doméstica e

sexual contra crianças, adolescentes e famílias;

VII. Assegurando que os membros de GT se mantenham no PRL durante toda a

sua vigência.

CAPITULO II

- Da Gestão -

184

Art 2º A gestão do PRL dar-se-á por meio de parceri a interinstitucional entre oCMDCA e o WCF- Brasil e compreende três níveis de intervenção ;

Macro – composto pelo CMDCA e pelo WCF- Brasil, responsável pela Gestão

macro- política do PRL;

Intermediário - Composto pela Coordenação e pelo GT, responsável pela execução

das formações e ações técnicas do PRL;

Micro – composto pelos agentes públicos, responsáveis pela execução dos

programas preventivos e de multiplicação no município.

CAPITULO III

- Das Assessorias –

Art 3º - Durante a implantação e desenvolvimento das ações do PRL; ficam

estabelecidas as seguintes assessorias:

I. CENPEC - Centro de Estudos e Pesquisas em Comunidades.

185

Esta entidade denominou a Prof. Dra. Isa Guará para assessorar o PRL no níveis

macro e intermediário;

II. G&M Apoio a Projetos Ltda-ME: Organização responsável pela Coordenação

do PRL nos níveis micro e intermediário, estabelecendo interfaces com o Comitê

Gestor, as profissionais responsáveis são: Maria Gorete Oliveira Medeiros

Vasconcelos e Margarete Santos Marques;

III. INSTITUTO FONTE: Tem como objetivo a avaliação processual da

implantação do PRL através de subsídios para a orientação, avaliação e

diagnósticos das ações realizadas, a profissional responsável pela avaliação

é:Mariângela Paiva;

IV. SUPERVISÕES: Objetivam o cuidado com o cuidador, por meio de

supervisões institucionais para a equipe executora do PRL, implantação de projetos

preventivos e de multiplicação realizado pelos agentes públicos.

CAPITULO IV

- Da Composição –

Art 4º - O PRL tem a seguinte estrutura organizacional:

186

I. Comitê Gestor: composto por representante do WCF-Brasil e do CMDCA;

II. Coordenação: um membro do GT;

III. Grupo Técnico: representantes dos seguintes organismos:

(a) 1 representante da Secretaria de Esportes e Lazer;

(b) 1 representante da Secretaria Municipal de Saúde;

(c) 1 representante da Secretaria Municipal de Educação;

(d) 1 representante da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social;

(e) 1 representante da Vara da Infância e Juventude;

(f) 1 representante de cada Conselho Tutelar;

(g) 1 representante do CMDCA;

(h) 2 representantes do WCF-Brasil;

(i) 3 representantes designados para o PRL - Referência de Eixo (da Promoção, do

Controle e da Defesa);

(j) 2 representantes da Comissão Municipal de Enfrentamento a Violência ContraCriança e Adolescente, sendo 1 representante da sociedade civil e 1 do PoderPúblico;

Art.5º - Os requisitos básicos para ser representante dos organismos no GT são:

I. Ter feito uma das capacitações promovidas pelo PRL durante sua implantação ou

cursos posteriores;

II. Ser um profissional que atue ou tenha experiência na área da infância;

III.Ter vínculo efetivo ou estável com o organismo o qual vai ser o representante;

IV. Ter assiduidade nas reuniões do GT, não podendo estar ausente em mais de

duas reuniões consecutivas ou três alternadas;

187

V. Ter disponibilidade para participar das supervisões e dos eventos e encontros

promovidos pelo PRL;

VI. Na inviabilidade de participar do GT, proceder à sucessão na íntegra(contextualização, materiais, conhecimentos, entre outros);

Art. 6º - Os três profissionais designados para ser Referência dos Eixos, de acordo

com os Planos Nacional, Estadual e Municipal de Enfrentamento à Violência Sexual

Infanto – Juvenil, deverão ter disponibilidade integral para o PRL;

Art 7º - O GT reunir-se-á:

I. Ordinariamente, de quinze em quinze dias ou de acordo com o cronograma anual

pré-estabelecido;

II. Extraordinariamente, a qualquer tempo que se fizer necessário, obedecendo-se

às normas de comunicação prévia a todos os componentes.

Art 8º - A coordenação do PRL será exercida por um representante do GT;

Art 9º - O coordenador será indicado pelo GT e aprovado pelo Comitê Gestor;

Art 10º - Em caso de impossibilidade do coordenador em cumprir seu mandato, deve

o mesmo proceder à renúncia oficialmente.

188

CAPÍTULO V

- Das Atribuições -

Art 11º - Comitê Gestor: O WCF-Brasil e o CMDCA são responsáveis pela gestão

compartilhada do PRL, pela captação de recursos, cabendo ainda ao CMDCA

priorizar a continuidade deste programa após a saída gradual do WCF-Brasil a partir

de 2007.

Parágrafo Único: o Comitê Gestor poderá sempre consultar o GT para orientação e

norteamento de suas decisões.

Art 12º- Coordenação: O PRL será coordenado por um dos membros do GT, por um

período de 12 meses, com a finalidade de coordenar a execução das ações dos

eixos norteadores do programa, além de ser o elo de ligação entre o Comitê Gestor

e o GT.

Parágrafo único: Os cargos de Coordenador e de referencia de eixos não estão

sujeitos à remuneração ou gratificação.

Art 13º As Referências de Eixos se distribuem da seguinte forma:

(a)

189

(b) Promoção: Envolve o atendimento a prevenção, e análise da situação,

os profissionais responsáveis por este eixo deverão acompanhar as equipes que

realizam o atendimento e a prevenção, dimensionando com estes os serviços, as

potencialidades, as dificuldades e estratégias de integração da rede de proteção,

além de mapear todos os atendimentos realizados;

(c) Controle: Envolve a mobilização, articulação e o protagonismo infanto-

juvenil , os profissionais responsáveis por este eixo deverão mobilizar e articular a

rede, além de realizar o levantamento da situação atual de violência doméstica e

sexual no município, incluindo todos os projetos, programas e serviços que

trabalham com esta temática, inclusive as ongs, fazer atualização constante das

estatísticas referentes a VDSCC;

(d) Defesa: Envolve todos os instrumentos disponíveis aos atores que

integram o Sistema de Garantia de Direitos para se contrapor às ameaças e

violações dos direitos contra crianças e adolescentes. Esse eixo é o advocacy, os

profissionais que o compõem devem articular o segmento da justiça, acompanhar as

notificações de violência no município e as ações que são próprias da defesa.

Art 14º - São atribuições dos técnicos responsáveis pelos eixos do PRL:

I. Realizar interlocução com a coordenação e o CMDCA;

II. Apoiar e acompanhar as supervisões dos cursos;

190

III. Favorecer o apoio técnico aos grupos no município (cursos e projetos

entre outros);

IV. Elaborar e sistematizar relatórios de supervisões e reuniões do GT;

V. Administrar a organização e distribuição dos materiais;

VI. Participar das supervisões institucionais sistemáticas - cuidando do

cuidador;

VII. Ser referência municipal sobre o desenvolvimento das ações do PRL;

VIII. Viabilizar infra-estrutura para o desenvolvimento das ações do PRL;

IX. Participar de reuniões, eventos, congressos etc;

X. Promover a divulgação do PRL com a imprensa e mídia local;

XI. Articular e realizar ações do PRL dentro dos eixos;

I. Garantir representação em comissões afins.

191

CAPÍTULO VI

-Da Divulgação-

Art 15º - O PRL contará com uma assessoria de comunicação feita pela assessoria

de imprensa do Poder Público municipal e, quando necessário, por uma assessoria

contratada para este fim.

Parágrafo Único - Os materiais de divulgação deverão ser classificados como

material para distribuição, formação, peças para mídia em geral, informativos e

periódicos.

CAPITULO VII

-Das Disposições Finais-

Art 16º - O Poder Público municipal deverá prover meios para que o PRL tenha uma

infra-estrutura suficiente para funcionar, disponibilizando espaço físico, materiais

necessários, três funcionários efetivos, bem como aplicando recursos do FUMDICAD

através do CMDCA, além dos investimentos já disponibilizados pela parceria entre

este e o WCF-Brasil.

192

Art 17º - Os casos omissos e não previstos neste Regimento Interno serão

propostos pelo GT e apresentados ao Comitê Gestor, que providenciará a

regularização e efetivação da deliberação.

Art 18º - Os membros do GT são autorizados pelos seus órgãos de representação

para assegurar o seu posicionamento frente às decisões, deliberações, e ações

propostas pelo GT.

Art 19º - Modificações a este Regimento Interno serão propostas pelo GT e

deliberadas pelo Comitê Gestor.

Art 20º - Este Regimento Interno entra em vigor a partir da data da sua assinatura.

São Jose dos Campos, 15 de abril de 2006

193

__________________________________

Ana Maria Drummond Chicarino

Diretora Executiva

Instituto WCF-Brasil

_________________________________

Antonio Carlos Silvério

Presidente

Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente

194

ANEXO C – Termo de Compromisso do Programa Refazendo Laços de Proteção

195

São José dos Campos, 28 de março de 2007

TERMO DE COMPROMISSO DO

PROGRAMA “REFAZENDO LAÇOS DE PROTEÇÃO ”

O município de São José dos Campos tem o apoio do Poder Público Municipal paraa proteção e prevenção à infância vulnerável à violência doméstica e sexual. Em 15de maio de 2003 a Gestão Pública assinou o Pacto Municipal de Enfrentamento aeste fenômeno, o qual foi publicado através do decreto 10978/03 em 20/05/2003,regulamentando a criação da Comissão Municipal de Enfrentamento à ViolênciaInfanto – Juvenil.

A articulação entre o Poder Público e a Sociedade Civil tem como marco ofortalecimento dos atores sociais no enfrentamento às situações que expõemcrianças e adolescentes à violência, constituindo-se em uma rede de proteçãoefetiva na defesa de direitos.

Desta forma o Instituto WCF Brasil, desde abril de 2005, estabeleceu uma parceriacom o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA ecom a Prefeitura Municipal de São José dos Campos, por meio de algumasSecretarias tendo como compromisso executar o Programa “Refazendo Laços” oqual tem como princípio norteador a prevenção à violência Domestica e sexual,visando assegurar a garantia de direitos a crianças, adolescentes e famílias, e comoestratégia, a capacitação e supervisão dos profissionais que atuam na Rede deProteção Integral, bem como promoção de Encontros e Seminários. O Programaestá em consonância com a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, oEstatuto da Criança e do Adolescente, Lei Federal nº 8069 / 90 e a ConstituiçãoFederal de 1988.

196

A partir de 01/01/2007 o Município passa a coordenar as ações desenvolvidas, e oRefazendo Laços foi incorporado ao Programa Aquarela (ação inter-Secretarias)como um braço preventivo. Para tanto, foi mantido basicamente a mesma estruturade funcionamento e objetivos, são eles:

Fortalecer ações integradas e em rede entre o Poder Público Municipal e aSociedade Civil, na prevenção as situações de violência sexual contra crianças eadolescentes o “Programa Refazendo Laços” se propõe:

I. Assegurar a formação técnico-científico de atores sociais, para trabalharemem rede e tornarem-se agentes multiplicadores na prevenção à ViolênciaSexual Contra Crianças e Adolescentes, priorizando o acolhimento dosprofissionais que trabalham diretamente no atendimento;

II. Garantir que crianças, adolescentes e jovens tenham acesso a umdesenvolvimento sexual saudável e responsável de acordo com ospressupostos do “Plano Nacional de Direitos Humanos” – Brasília / 2002;

III. Produzir e sistematizar conhecimentos sobre uma intervenção ampla deprevenção e atendimento às situações de violência contra crianças eadolescentes, objetivando a sua replicação enquanto experiência inovadorano país;

IV. Melhorar a qualidade e estrutura dos serviços de proteção a criançasadolescentes e famílias, através da co–responsabilização dos diversossegmentos;

V. Sensibilizar a opinião pública e a sociedade civil para o enfrentamento àviolência sexual contra crianças e adolescentes;

VI. Promover o fortalecimento da política pública de âmbito municipal, noatendimento especializado e em rede às situações de Violência Domesticae Sexual Contra Crianças e Adolescentes;

VII. Cuidar do cuidador, por meio de supervisões e atividades em grupo, paracuidar de sua saúde mental, física e de relacionamentos interpessoais.

Desta forma convidamos as Entidades Sociais a:

197

• Garantir a efetiva participação do funcionário indicado pela entidade nasformações, encontros temáticos e outros eventos, de forma a exercerem opapel de multiplicadores de ações de proteção à infância vulnerável àviolência doméstica e sexual dentro e fora da sua entidade.

• Permitir que o funcionário possa executar suas tarefas de multiplicação dentroda sua carga horária semanal, de acordo com seu contrato de trabalho.

• Colaborar para que a Sociedade Civil assuma o desenvolvimento econtinuidade do “Programa Refazendo Laços" no município de São José dosCampos.

A serem signatários deste Termo de Compromisso: o Instituto WCF – Brasil, osdirigentes das Entidades Sociais do Município de São José dos campos, aFUNDHAS/Programa Aquarela/Refazendo Laços e o Conselho Municipal da Criançae do Adolescente - CMDCA-SJC.

198

____________________________

Prefeito do Município de São

José dos Campos

__________________________

Childhood Brasil - Instituto WCF

___________________________

Cordenador do CMDCA

____________________________

Presidente da Fundação Hélio

Augusto de Sousa