Maria helena diniz introdução a ciência do direito

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INTRODUÇÃO A CIÊNCIA DO DIREITO COMPÊNDIO DE DIREITO MARIA HELENA DINIZ Prefácio Neste livro não pesquisamos o direito, mas a própria ciência que se ocupa dos fenômenos jurídicos, ou seja, a ciência jurídica, porque a introdução à ciência do direito pretende dar aos que se iniciam no estudo do direito não só uma visão panorâmica e sintética das principais fundamentações doutrinárias da ciência jurídica, sem repudiar qualquer delas, mas também delimitar os conceitos básicos da elaboração científica do direito. Procuramos oferecer, de modo simples e objetivo, a base informativa necessária aos estudantes do direito, para que eles, compreendendo como se constitui e se caracteriza o conhecimento do jurista, possam iniciar uma viagem nos domínios da ciência jurídica e adotar uma atitude analítica e crítica diante das questões de direito. É mister deixar bem claro que este ensaio está longe de ser um tratado completo da ciência jurídica, pois não tem a pretensão de esgotar todas as questões relativas ao conhecimento jurídico-científico. Trata-se de uma obra com cunho didático, por isso colocamos ao final de cada ponto um quadro sinótico, para proporcionar uma visão global da matéria ministrada. As referências bibliográficas auxiliarão os estudiosos na busca de leituras complementares mais profundas e ricas em investigações científico-jurídicas. Ante o grande número de concepções epistemológico-jurídicas que pretendem explicar a ciência do direito, cada qual sob um prisma diverso, concluímos que não se deve aceitar rótulo doutrinário que a circunscreva dentro de certo sectarismo, uma vez que o jurista contemporâneo tem necessidade de acolher todas as contribuições teóricas, para nelas identificar as diretrizes comuns e essenciais, mediante um trabalho de reflexão e comparação, pois todas as concepções surgidas na história da ciência jurídica, por mais hostis que sejam, trazem sua parcela para o patrimônio geral do conhecimento científico-jurídico. Evitamos o monopólio de uma teoria, visto que os problemas epistemológicos não mais se resolvem por uma especulação abstrata ou por um mergulho no pensamento puro, por ser impossível compreender, em todo o seu alcance científicotjlosólìco, a ciência do direito sem o recurso a todas as noções fundamentais con- XVI tidas nas teorias clássicas e modernas. Todavia, reconhecendo que há pontos discutíveis e opiniões prováveis, confessamos que certas posições tomadas pelo nosso espírito advieram de princípios filosóficos assentados como base, por nos parecerem mais expressivos para configurarem a ciência do direito e os conceitos jurídicos fundamentais. Maria Helena Diniz i CAPÍTULO I Natureza epistemológica da introdução a ciência do direito 1. INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO E SEU CARÁTER PROPEDÊUTICO OU ENCICLOPÉDICO A introdução à ciência do direito é uma matéria, ou um sistema de conhecimentos,

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  • 1. INTRODUO A CINCIA DO DIREITO COMPNDIO DE DIREITO MARIA HELENA DINIZ Prefcio Neste livro no pesquisamos o direito, mas a prpria cincia que se ocupa dos fenmenos jurdicos, ou seja, a cincia jurdica, porque a introduo cincia do direito pretende dar aos que se iniciam no estudo do direito no s uma viso panormica e sinttica das principais fundamentaes doutrinrias da cincia jurdica, sem repudiar qualquer delas, mas tambm delimitar os conceitos bsicos da elaborao cientfica do direito. Procuramos oferecer, de modo simples e objetivo, a base informativa necessria aos estudantes do direito, para que eles, compreendendo como se constitui e se caracteriza o conhecimento do jurista, possam iniciar uma viagem nos domnios da cincia jurdica e adotar uma atitude analtica e crtica diante das questes de direito. mister deixar bem claro que este ensaio est longe de ser um tratado completo da cincia jurdica, pois no tem a pretenso de esgotar todas as questes relativas ao conhecimento jurdico-cientfico. Trata-se de uma obra com cunho didtico, por isso colocamos ao final de cada ponto um quadro sintico, para proporcionar uma viso global da matria ministrada. As referncias bibliogrficas auxiliaro os estudiosos na busca de leituras complementares mais profundas e ricas em investigaes cientfico-jurdicas. Ante o grande nmero de concepes epistemolgico-jurdicas que pretendem explicar a cincia do direito, cada qual sob um prisma diverso, conclumos que no se deve aceitar rtulo doutrinrio que a circunscreva dentro de certo sectarismo, uma vez que o jurista contemporneo tem necessidade de acolher todas as contribuies tericas, para nelas identificar as diretrizes comuns e essenciais, mediante um trabalho de reflexo e comparao, pois todas as concepes surgidas na histria da cincia jurdica, por mais hostis que sejam, trazem sua parcela para o patrimnio geral do conhecimento cientfico-jurdico. Evitamos o monoplio de uma teoria, visto que os problemas epistemolgicos no mais se resolvem por uma especulao abstrata ou por um mergulho no pensamento puro, por ser impossvel compreender, em todo o seu alcance cientficotjloslco, a cincia do direito sem o recurso a todas as noes fundamentais con- XVI tidas nas teorias clssicas e modernas. Todavia, reconhecendo que h pontos discutveis e opinies provveis, confessamos que certas posies tomadas pelo nosso esprito advieram de princpios filosficos assentados como base, por nos parecerem mais expressivos para configurarem a cincia do direito e os conceitos jurdicos fundamentais. Maria Helena Diniz i CAPTULO I Natureza epistemolgica da introduo a cincia do direito 1. INTRODUO CINCIA DO DIREITO E SEU CARTER PROPEDUTICO OU ENCICLOPDICO A introduo cincia do direito uma matria, ou um sistema de conhecimentos, que tem por escopo fornecer uma noo global ou panormica da cincia que trata do fenmeno jurdico, propiciando uma compreenso de conceitos jurdicos comuns a todas as disciplinas do currculo do curso de direito e introduzindo o estudante e o jurista na terminologia tcnico-jurdica. , por isso, uma enciclopdia, por conter, alm dos conhecimentos filosficos, os conhecimentos de ordem cientfica - sem, contudo, resumir os diversos ramos ou especializaes do direito - e por abranger, no s os aspectos jurdicos, mas tambm os sociolgicos e histricos. Trata-se de uma disciplina essencialmente preparatria ou propedutica ao ensino dos vrios ramos jurdicos, devido s noes bsicas e gerais que visa
  • 2. transmitir, constituindo uma ponte entre o curso mdio e o superior. Poder-se-ia trazer colao, para justificar essa matria no curso de direito, as sbias palavras de Victor Cousin, ao pleitear, em 1814, a sua criao, em Frana, transcritas por Lucien Brun: "Quando os jovens estudantes se apresentam em nossas escolas, a jurisprudncia para eles um pas novo do qual ignoram completamente o mapa e a lngua. Dedicam-se de incio ao estudo do direito civil e ao do direito romano, sem bem conhecer o lugar dessa parte do direito no conjunto da cincia jurdica, e chega o momento em que, ou se desgostam da aridez desse estudo especial, ou contraem o hbito dos detalhes e a antipatia pelas vistas gerais. Um tal mtodo de ensino bem pouco favorvel a estudos amplos e profundos. Desde muito tempo os bons espritos reclamam um curso preliminar que tenha por objeto orientar de algum modo os jovens estudantes no labirinto da jurisprudncia; que d uma vista geral de todas as partes da cincia jurdica, assinale o objeto distinto e especial de cada uma delas e, ao mesmo tempo, sua recproca dependncia e o lao ntimo que as une; um curso que estabelea o mtodo geral a seguir no estudo do direito, com as modificaes particulares que cada ramo reclama; um curso, enfim, que faa conhecer as obras importantes que marcaram o progresso da cincia. 4 Um tal curso reabilitaria a cincia do direito para a juventude, pelo carter de unidade que lhe imprimiria, e exerceria uma influncia feliz sobre o trabalho dos alunos e seu desenvolvimento intelectual e moral". A introduo cincia do direito no consiste apenas no conjunto de noes propeduticas necessrias para que o estudante possa embrenhar-se, com proveito, na selva emaranhada dos estudos jurdicos, nem no instrumento que h de guiar o principiante no spero caminho que comea a transitar, por ser tambm o saber que expe as linhas fundamentais da cincia jurdica. Comparada a um mapa que guia o viajante recm-chegado pela imensido do continente jurdico, a introduo cincia do direito responde, obviamente, necessidade de uma disciplina com carter enciclopdico ou geral no curso jurdico. Tal matria j foi rotulada como: introduo ao direito, introduo s cincias jurdicas, enciclopdia jurdica, introduo geral ao direito, introduo enciclopdica ao direito, introduo ao direito e s cincias sociais, introduo s cincias jurdicas e sociais, prolegmenos do direito, teoria geral do direito etc. No Brasil, essa disciplina tornou-se obrigatria nos cursos jurdicos pelo Decreto n. 19.852/31, com a denominao introduo cincia do direito. Com a aprovao da Resoluo n. 3, de 25 de fevereiro de 1972, pelo Conselho Federal de Educao, a tradicional denominao introduo cincia do direito, que era oficial desde 1931, foi substituda por introduo ao estudo do direito, includa entre as matrias bsicas como pr-requisito de todas as disciplinas profissionais. Atualmente, pela Portaria n. 1.886/94, art. 6, I, do Ministrio da Educao e do Desporto, tal disciplina recebe a designao de Introduo ao Direito. Contudo, preferimos a designao introduo cincia do direito, pelo seu rigor tcnico, inquestionvel'. 1. Luiz Fernando Coelho, Teoria c/a cincia do direito, So Paulo, Saraiva, 1974, p. 1; Francisco Uchoa de Albuquerque e Fernanda Maria Uchoa, Introduo era estudo do direito, So Paulo, Saraiva, 1982, p. 36-8; A. Machado Pauperio, Introduo ao estudo do direito, Rio de Janeiro, Forense, 1981 , p. 13, 15 e 16; Daniel Coelho de Souza, lotoduo cincia do direito, 4. ed., So Paulo, Saraiva, 1983, p. V. IX e X; A. 1.. Machado Neto, Teoria da cincia jurdica, So Paulo, Saraiva, 1975, p. 2 e 9; Compndio de inflo duo cincia do direito, 5. ed., So Paulo, Saraiva, 1984, p. 3; Djacir Menezes, Introduo cincia do dirrinr, 4. ed., Rio de Janeiro, 1964, p. 283; Abelardo 'Forre, Inlroduccirhr al drr ~ cc hr . 6. al., Ahclcdu-1 a rot, Buenos Aires, p. 84 e s.; Amuro Orgaz, Lecciones de intruhirridn aI k rechn r u Ias cicncius snrioles, (rdoha, 1945, p. 8. No texto de Lucien Brun o termo.lurisynudnciu esta sendo empregado como sincninio de cincia jurdica. 2. INTRODUO CINCIA DO DIREITO E EPISTEMOLOGIA JURDICA
  • 3. A introduo cincia do direito 2 no uma cincia, mas uma enciclopdia, visto que contm conhecimentos cientficos (jurdicos, sociolgicos e, s vezes, histricos), filosficos, introdutrios ao estudo da cincia jurdica. A introduo cincia do direito no possui um prisma prprio para contemplar o direito, fazendo as vezes de filosofia jurdica, quando procura expor os conceitos universais do direito, que constituem os pressupostos necessrios de quaisquer fenmenos jurdicos; de dogmtica jurdica, quando discute normas vigentes em certo tempo e lugar e aborda os problemas da aplicao jurdica; de sociologia jurdica, quando analisa os fatos sociais que exercem influncia na seara jurdica, por intervirem na gnese e desenvolvimento do direito; de histria jurdica, quando contempla o direito em sua dimenso temporal, considerando-o como um dado histrico-evolutivo que se 2. Numerosas so as obras sobre tal disciplina, dentre elas destacam-se as de: Paulo Dourado de Gusmo, Introduo cincia do direito, Rio de Janeiro, Forense, 1959; A. L. Machado Neto, Compndio, cit.; J. Flscolo da Nbrega, Introduo ao direito, 3. ed., Rio de Janeiro, Kontino, 1965; Luiz Fernando Coelho, Teoria, cit.; Francisco Uchoa de Albuquerque e Fernanda Maria Uchoa, Introduo, cit., p. 26 e 27; A. Machado Pauperio, Introduo, cit.; Daniel Coelho de Souza, Introduo, cit.; Andr Franco Montoro, Introduo cincia do direito, 3. ed., So Paulo, Livr. Martins Ed., 1972, v. I e 2; Franois Rigaux, Introduction la science du droit, Bruxelles, Ed. Vie Ouvrire, 1974; Wilson de Souza Campos Batalha, Introduo ao direito, So Paulo, Revista dos Tribunais, 1967; Djacir Menezes, Introduo, cit.; A. B. Alves da Silva, Introduo cincia do direito, So Paulo, Ed. Salesianas, 1940; Julien Bonnecase, lntroduction /'elude du droit, Paris, Sirey, 1931; Carlos Mouchet e Ricardo Zorraqun Becu, lntroduccin al derecho, 7. ed., Buenos Aires, Abeledo-Perrot. 1970; Legaz y Lacambra. erNo c r /nnruluccin a Ia ciemiu del derecho, Barcelona, Bosch, 1943 _ , Alessandro GrcPPali, Av warilc /lo Eduardo CGarcia Mynez lmroduccin aI estudio del dereclto ctu/iode/ diruic, Milano, Criu(Ir, 195 I; Eduurd Mxico, Porra, 1972; Gastou May, Introdaction la science chi droit, Paris, Ed. M. Giard, 1932; J. Haesaert, Thorie gnrale du droit, Emile Bruylant, Bruxelles, 1948; Altalin, Garcia Olano e J. n. : Miguel RealeLi Vilanova, bvruduccin (11 derrete, 5 .. cd., Buenos Aucs, 1.1 Alcnc0I956 2 v.; M~ de.s de direito, So Paulo, Saraiva, 1976; Hermes Linir, in!rodi ao cincia do direito Rio de l rc luninures Janeiro Freitas Bastos 1970; Vicente Ro, (1 direito e a vida dos direitos, So Paulo, Max I.inionad, 1952; BenIamin de Oliveira Filho, /nnvchiu ciru ia do direito, Tip. Jornal do Comrcio, Rio de Janeiro, 1954; Trcio Sampaio Ferraz. Jr., Introduo ao estudo do direito, So Paulo, Atlas, 1988. 6 Natureza epistemolgica da introduo cincia do direito 7 desenrola atravs dos tempos. Falta-lhe, portanto, unidade de objeto, ou seja, um campo autnomo e prprio de pesquisa. No uma cincia por no ter objeto prprio, mas, apesar disso, uma disciplina epistemolgica, como nos ensina A. L. Machado Neto, porque: a) Responde s seguintes questes: O que a cincia do direito? Qual o seu objeto especfico? Qual o seu mtodo? A que tipo de cincia pertence? Como se constitui e caracteriza o conhecimento do jurista? Essas interrogaes existem, surgem a cada momento na vida do cientista do direito, pois concernem a um dos problemas jusfilosficos fundamentais, tornando necessrio procurar-lhes, seno uma resposta definitiva, pelo menos um esclarecimento altura de sua importncia para o mundo jurdico. Compete filosofia do direito solucionar o problema do conhecimento jurdico, na sua parte especial designada epistemologia jurdica, que, no sentido estrito, tem a incumbncia de estudar os pressupostos, os caracteres do objeto, o mtodo do saber cientfico e de verificar suas relaes e princpios. Nesse sentido a
  • 4. epistemologia jurdica a teoria da cincia jurdica, tendo por objetivo investigar a estrutura da cincia, ou seja, visa o estudo dos problemas do objeto e mtodo da cincia do direito, sua posio n0 quadro das cincias e suas relaes com as cincias afins. A epistemologia considerada, em sentido amplo, como sinnimo de gnoseologia, parte integrante da filosofia que estuda crtica e reflexivamente a origem, a natureza, () alcance, os limites e o valor da faculdade humana de conhecimento e os critrios que condicionam a sua validade e possibilidade. a teoria do conhecimento em geral e no apenas do saber cientfico; a teoria do conhecimento jurdico em todas as suas modalidades: conceitos jurdicos, proposies, raciocnio jurdico etc. Depreende-se daqui que a epistemologia difere da teoria do conhecimento ou gnoseologia, visto que estuda o conhecimento na diversidade das cincias e dos objetos, enquanto aquela o considera na unidade do esprito. Logo, a epistemologia jurdica a teoria da cincia do direito, um estudo sistemtico dos pressupostos, objeto, mtodo, natureza e validade do conhecimento jurdico-cientfico, verificando suas relaes com as dentais cincias, ou seja, sua situao no quadro geral do conhecimento'. 3. 0 vocbulo epistemologia advm do grego epistnie que significa cincia e logos, ou seja, estudo: e o termo gnoseologia oriundo do grego gnosis que indica conhecimento. V A. Franco Montoro, hnroduo, cu., v. I, p. 130; A. L. Machado Neto, Teoria da cincia jurdica, cit., p. t; Miguel Reate, flosola do direito, 5. ed., So Paulo, Saraiva, v. I , p. 40 e 160; Johannes Hessen, Teoria tje'l ccmoc'imiento, Buenos Aires, Losada, p. 21; Andr Lalande, pistmologie e gnosologie, in Vocahupure technique et critique de Ia /rhiloso/rhie 4. e d., Paris, `PU F : , 1968, v. 2; A. Xavier Teles, /ntrrdu(.io au estudo da filoso/ia, Atica 1965, p. 55; bury rhiloso rlt . Victor F. Lenten, Philosophy of science, in 7icentieth cu. I ! ) New York. Pd. Runes, 1943, p. 109. Ante o exposto, fcil concluir que a introduo cincia do direito uma epistemologia jurdica, j que alude no ao direito, mas cincia que trata dos fenmenos jurdicos, de maneira a responder questo sobre o que a cincia jurdica como uma introduo, a fim de que o estudante no a confunda com direito, que seu objeto, o que levaria a uma inverso de conceitos, comprometendo o nvel terico dos juristas. O autor de uma obra sobre "introduo cincia do direito" deve dar, pelo menos, uma idia do que seja a cincia jurdica, deixando claro que no est tratando do direito, que tarefa do jurista. O professor de introduo cincia do direito, situando-se na categoria intelectual de quase jusfilsofo, ocupa-se, no dizer de Ortega y Gasset, com algo que tem que ver com o direito, mas que no se identifica com ele. Quem trata do direito est elaborando cincia jurdica, mas quem se ocupa com a cincia do direito est fazendo epistemologia. Da o ntido teor epistemolgico da introduo cincia do direito, que busca apresentar, esquematicamente, os vrios problemas ou questes que se apresentam cincia jurdica. b) Define e delimita, com preciso, os conceitos jurdicos fundamentais que sero utilizados pelo jurista para a elaborao da cincia jurdica. Tais conceitos bsicos abrangem os de relao jurdica, fonte jurdica, direito objetivo e subjetivo, direito pblico e privado, fato jurdico, sano e interpretao, integrao, aplicao da norma no tempo e no espao etc. Sem a determinao desses conceitos, o jurista no poder realizar sua tarefa intelectual. Este estudo, que objeto da teoria geral do direito, segundo muitos autores, por ser considerado o centro vital da introduo cincia do direito, possui, indiscutivelmente, carter epistemolgico, por ser um conhecimento de natureza filosfica. c) Apresenta, sistematicamente, a evoluo das escolas cientfico-jurdicas que predominaram na histria, para familiarizar o estudante com as correntes fundamentais do pensamento jurdico'. Exige-se, modiernamente, ante o fato de se dar normatividade do direito uma nova dimenso, que o jurista tenha um conhecimento sistemtico do ordenamento
  • 5. jurdico, voltado jusfilosofia, para fixar toda a riqueza da vida 4. A. L. Machado Neto, Teoria da cincia jurdica, c it., p. 2-1 Q e Compndio, c it., p. 3-9; Miguel Rca ea I Lies /rrelimin res )' " So e, o . , cit., p. 11; M. Helena I miz, A cincio,iurlira, Prefcio, 2. ed., Sae P.mlo, Resenha Universitria, 1982, p. I I e 12, nota 30; A. B. Alves da Silva, lmroduo, cit., p. 2; Luiz Fernando Coelho, Teoria, cit., p. 6-12; Ortega y Gasset, Apuntes sobre el pensamiento, su teurgia y su demiu gia, in Obras completa.%, 2. ed., Madrid, Revista de Occidente, 1951, v. 5, p. 525; Carlos Mouchet e Ricardo Zorraqun Becu, lntroducci6n, cit., p. 83. QUADRO SINTICO NATUREZA EPISTEMOLGICA DA INTRODUO CINCIA DO DIREITO 1. CONCEITO DE INTRODUO CINCIA DO DIREITO 2. CARTER PROPEDUTICO DA INTRODUO CINCIA DO DIREITO 3. CARTER EPISTEMOLGICO DA INTRODUO CINCIA DO DIREITO A introduo cincia do direito uma matria que visa fornecer uma noo global da cincia que trata do fenmeno jurdico, propiciando uma compreenso de conceitos jurdicos comuns a todos os ramos do direito e introduzindo o estudante e o jurista na terminologia tcnico-jurdica. E uma enciclopdia, por conter conhecimentos cientficos, abrangendo, alm dos aspectos jurdicos, por vezes, at, os sociolgicos e histricos, filosficos, introdutrios ao estudo da cincia jurdica. uma matria essencialmente propedutica ao ensino dos vrios ramos jurdicos, constituindo uma ponte entre o curso mdio e o superior. A introduo cincia do direito no cincia, por faltar-lhe unidade de objeto, mas uma disciplina epistemolgica por: a) dar uma viso sinttica da cincia jurdica; b) definir e delimitar, com preciso, os conceitos jurdicos fundamentais, que sero utilizados pelo jurista na elaborao da cincia jurdica; c) apresentar, de modo sinttico, as escolas cientfico-jurdicas. CAPTULO II Cincia jurdica 1. NOO PRELIMINAR DE CONHECIMENTO E CORRELAO ENTRE SUJEITO COGNOSCENTE E OBJETO COGNOSCVEL Este item imprescindvel para a compreenso cabal deste ensaio, pois, para entendermos a cincia jurdica, mister que esbocemos, sucintamente, algumas noes fundamentais sobre o conhecimento, visto que cincia conhecimento. Importa nessa ordem preliminar de consideraes levantar a seguinte questo: o que conhecimento? Conhecer trazer para o sujeito algo que se pe como objeto. " a operao imanente pela qual um sujeito pensante se representa um objeto''. Consiste em levar para a conscincia do sujeito cognoscente algo que est fora dele. o ato de pensar um objeto, ou seja, de torn-lo presente inteligncia'-. O conhecimento a apreenso intelectual do objeto. , na magistral lio de Goffredo Telles Jr., o renascimento do objeto conhecido, em novas condies de existncia, dentro do sujeito conhecedor. Apresenta-se, portanto, o conhecimento como uma transferncia das propriedades do objeto para o sujeito pensante. Esse renascimento vai alterar de uma I. Goflhedo Telles Jr., Tratado da conseqncia, 2. ed., Bushatsky, 1962, p. 7. 2. Goffredo Telles Jr., Tratado, cit., p. 7 e 8; Miguel Reale, Filoso/u do (lireito, 5. ed., Saraiva, v. I, p. 48. O sujeito aquele que conhece. O termo objeto advm do latim ob e jectum - aquilo que se pe diante de ns. -Objeto- tudo aquilo de que se pode dizer alguma coisa. Ou. como dizem Romero c Pucciarclli (Lgica, Buenos Aires, 1948, p. 16, 2u): "Do ponto de vista formal, denomina-se objeto tudo o que capaz de admitir um predicado qualquer, tudo o que pode ser sujeito de um juzo. E, pois, a noo mais geral possvel, j i que no importa que o mencionado objeto exista ou no: hasta que dele se possa pensar e dizer algo-. Sobre conhecimento, consulte Frmcisco Uchoa dc Albuquerque e Fernanda Maria Uchoa, Introdu(im uo estudo do direito, So Paulo, Saraiva, 1982, p. I e 2.
  • 6. 3. Goflredo'l'clles Jr., Tratado, cil., p. 7 e 8. Conhecimento para esse autor "a traduo cerebral de um objeto''. Salienta esse mestre que o vocbulo "conhecimento" decorre de "conasci'', significando "cnnosrimentn" (r. 0 direito yuiuuico, 5. ed., So Paulo, Max I,imonad, 1980, p. 204 e 189 e s.l. * ~...E.c.K..v uc truroauao a ctencia ao direito Cincia jurdica 15 certa maneira o sujeito cognoscente, porque a coisa conhecida ser sua parte integrante. Sendo o conhecimento a representao do objeto dentro do sujeito cognoscente, torna-se fcil evidenciar os liames que se estabelecem entre os dois elementos inseparveis do binmio sujeito e objeto'. No conhecimento encontram-se frente a frente a conscincia cognoscente e o objeto conhecido. A dualidade de sujeito e objeto uma relao dupla, ou melhor, uma correlao em que o sujeito sujeito para o objeto e o objeto objeto para o sujeito, de modo que no se pode pensar um sem o outro. O sujeito cognoscente tende para o objeto cognoscvel. Esta tendncia a intencionalidade do conhecimento, que consiste em sair de si, para o objeto, a fim de capt-lo mediante um pensamento; o sujeito produz um pensamento do objeto. O ato cognoscitivo refere-se a algo heterogneo a si ou diferente de si. Todo pensamento apreenso de um objeto; pensar dirigir a ateno da mente para algo. O objeto, por sua vez, produzir uma modificao no sujeito conhecedor que o pensamento. Este, visto do sujeito, nada mais seno a modificao que o sujeito produziu em si mesmo para apossar-se do objeto; visto do objeto , como j dissemos, a modificao que o objeto, ao entrar no sujeito, produziu no seu pensamento. Assim sendo, aquilo que o "eu" , quando se torna sujeito cognoscente, o em relao ao objeto que conhece. A funo do sujeito consiste em apreender o objeto e esta apreenso apresenta-se como uma sada do sujeito de sua prpria esfera, invadindo a do objeto e captando as suas propriedades. O objeto captado conserva-se heterogneo em relao ao sujeito, por ser transcendente, pois existe em si, tendo suas propriedades, que no so aumentadas, diminudas ou modificadas pela atividade do sujeito que o quer conhecer. Mas, na relao cognoscitiva, segundo os moldes kantianos, no um "ser em si", 4. Goffredo Telles Jr., O direito quntico, cit., p. 204. Oportuno lembrar a esse respeito o ensinamento kantiano, segundo o qual com o conhecimento do sujeito transferem-se ao objeto as estruturas prprias do pensamento do conhecedor e se reduz o ser, que o simples termo do "eu" que conhece. O objeto no mais do que um produto do sujeito, de sorte que a realidade fica aprisionada s condies em que funcionou o pensamento. V. Manuel G. Morente. lluu/a nenlu.r de,/ileso/iu - lies preliminares, trad. Guillertno de Ia Cruz Coronado, 4. ed., So Paulo, Mestre Jou, 1970, p. 125. 5. Jaspers. Gururlut da ao pensamento /lusv/co, Cultrix, p. 36: Joseph Marchal. O ponto de partida da meta/iri -a, cad. V, sec. 11, cap. I. 22, citado por Goffredo ]'cites Jr.. O direito quntico. cil., p. 204; N. Hartmann, Ontologia v fundamentos, Mxico, 1954, p. 147; Miguel Reale (Sentido do pensar no nosso tempo, XBF, fase. 100, p. 391) escreve: "O carter intencional da conscincia e a correlao funcional subjetivo-objetiva so condies do conhecimenui". 6. Johannes Hessen, koria do conhecimento. 5. ed., Coimbra, Armnio Amado Ed., 1970,It. 26; P Stanislavs Ladusar s t . F enontenologia da estrutura dinmica do conhecimento. Anuis du VIU Con ,4re.cso /uterumcrirmio de Nlasu/ia, v. I , p. 379 e 380; Manuel G. Morente. Fundamentas de i/oso l fra, p. 145-6 e 167: Miguel Reale, Sentido do pensar ent nosso tempo, HBF, cif., fase 100, p. 392-5. como uma realidade transcendente; despoja-se desse carter de existente por si e em si e converte-se em um ser "para" ser conhecido, em um ser posto, logicamente, pelo sujeito pensante como objeto de conhecimento. Aquilo que o objeto a conhecer , o no "em si" mas em relao ao sujeito conhecedor'. O
  • 7. objeto enquanto conhecido uma imagem e no algo do mundo extramental. Essa imagem no uma cpia de um objeto, apesar de ser a traduo cerebral desse objeto, no idntica a ele por ser mais pobre em elementos determinantes'. O sujeito cognoscente sujeito apenas enquanto h objeto a apreender e o objeto somente objeto de conhecimento quando for apreendido pelo sujeito. Logo, todo conhecimento envolve trs ingredientes: o "eu" que conhece; a atividade ou ato que se desprende desse "eu" e o objeto atingido pela atividade'. Ntida a correlao entre o sujeito pensante e o objeto pensado. Esse relacionamento intelectual entre ambos o que chamamos de conhecimento. H dualidade de pensamento e objeto10. 7. Manuel G. Morente, Fundamentos de, filosofia, cit., p. 147-217, 143 e 244-63. 8. Goffredo Telles Jr. (O direito quntico, cit., p. 209-14, 217-74, 277-82) escreve: Mesmo quando o estmulo deixa de excitar um rgo sensrio, perdura o conhecimento. Esse conhecimento a imagem. que o que fica no crebro, de unia sensao cessada. As sensaes que so objetos do conhecimento. Os objetos do mundo exterior permaneceriam inacessveis ao conhecimento, pois, ao estimularem os rgos dos sentidos, apenas produzem impulsos nervosos sempre iguais. Esta afirmao no nega o mundo exterior isto porque o conhecimento efeito da ao dos objetos sobre os rgos dos sentidos: se assim no fosse no haveria explicao possvel para a existncia de sensaes. Cada sensao a traduo individualizada de um determinado objeto ou estmulo. A percepo individualizada de um todo - de uma rvore, de uma msica, p. ex. - resulta da conjugao de sensaes individualizadas das partes desse todo. Os rgos dos sentidos ao serem impressionados por um objeto do mundo exterior lanam, pelos nervos aferentes, um conjunto harmnico de impulsos e no apenas um s impulso. Esses impulsos produzem, no crebro, sensaes reciprocamente ajustadas, compondo a percepo do objeto que agiu como estmulo. A qualidade da sensao depende do centro cerebral a que o impulso levado. As imagens so interpretaes dadas pelo crebro a esses impulsos. O crebro no se limita a traduzir em sensaes os impulsos nervosos, mas tambm ordena as reaes do organismo, em resposta aos estmulos que excitaram as clulas nervosas... A imagem no cpia de um objeto, isto porque toda cpia cpia de um objeto j conhecido. Como copiar o que no se conhece'?... O objeto para o sujeito sempre diferente, segundo os aspectos com que se examina, pois muda de aspecto conforme o ngulo em que visto, conforme a distncia que o separa do conhecedor etc. Observa, ainda. Jolivet (Curso de,flo.sofia, Ed. Agir, 1965, v. 3) que, deveras, a razo no uma cera passiva onde as sensaes se inscrevem, mas um rgo ativo que as ordena, transformando a multiplicidade catica dos fatos da experincia em ordenadas unidades do pensamento. A coisa em si (em oposio coisa tal qual aparece) permanece, de certo modo, uma incgnita, segundo Kant. Admite esse filsofo a realidade do objeto independente do sujeito pensante. As coisas em si ou no unenon.c so incognoscveis. 9. Luiz Fernando Coelho. Teoria da cincia do direita, So Paulo, Saraiva, 1974, p. 14. 10. A dual idade entre sujeito pensante e objeto universal. Se pensamos uma ma mediante o pensamento de uma ma, ambas as coisas no se identificam; a ma doce e posso nuxd-la, o pensamento nem doce, nem tem a possibilidade de ser mordido. Se penso um tringulo mediante o pensamento de um tringulo, o tringulo possui trs ngulos, mas o pensamento que lhe cor espondente carece (te ngulos (v. Carlos Cossio, Teoria egolgica del Se echo V e/ concepto jurdico de lihertad, 2. ed., Buenos Aires, Aheledo-Perros. 1964, p. 227). 16 Cabe salientar ainda que o conhecimento de algo est condicionado pelo sistema de referncia daquele que conhece, logo, no h conhecimento absoluto, pois ele s pode ser relativo". Ao se relacionar um conhecimento a um sistema de referncia, formulase um juzo, que o ato mental pelo qual se afirma ou se nega uma idia. Impossvel o conhecimento sem esta operao de enunciar e combinar juzos entre si, uma vez que o conhecimento implica sempre uma coerncia entre os juzos que se enunciam e, alm disso, s se poderia transmitir conhecimentos mediante juzos''. QUADRO SINTICO
  • 8. NOO PRELIMINAR DE CONHECIMENTO E CORRELAO ENTRE SUJEITO COGNOSCENTE E OBJETO COGNOSCVEL Segundo Goffredo Telles Jr., conhecimento o renascimento do objeto conhecido, em novas condies de existncia dentro do sujeito conhecedor. 1. CONCEITO DE CONHECIMENTO Ntida a correlao entre sujeito pensante e objeto pensado, por ser o conhecimento a representao do objeto dentro do sujeito cognoscente, de modo que aquilo que o "eu" 2. CORRELAO ENTRE _ , quando se torna sujeito conhecedor, o em SUJEITO E OBJETO relao ao objeto que conhece, e aquilo que o objeto a conhecer , o no "em si", mas em relao ao sujeito pensante, isto , convertese em um ser "para" ser conhecido, em um ser posto, logicamente, pelo sujeito cognoscente como objeto de conhecimento. 11. Goffredo Telles Jr. (O direito quntico, cit., p. 284-93) entende que o sistema de referncia produto de muitas causas: do legado gentico, aprendizagem, experincias etc. Cada homem possui seu prprio universo cognitivo, mas seu sistema de referncia pode no pertencer exclusivamente a ele, por ser de unia comunidade inteira. Oriundos das mesmas contingncias, natural que os sistemas de referncia de pessoas de uni mesmo grupo sejam semelhantes uns aos outros. Tais sistemas constituem um patrimnio cultural comum. 12. V. Ladusans, Fenomenologia, Anai.c do VIU Congresso lnteranrericano de Filosofia, cit., p. 386; Miguel Reale, Filosofia do direito, cit., v. I, p. 54; Gofliedo Telles Jr., O direito qucntico, cit., p. 292 e 293. Sobre conhecimento e correlao entre sujeito cognoscente e objeto, consulte M. Helena Diniz, A cinciaJjurdica 2. ed. So Paulo, Resenha Universitria, 1982, p. 7, notas 21 e 22; p. 168-72, nota 59. 2. CONHECIMENTO CIENTFICO A. CARACTERES E CONCEITO Chegados a essa altura, cremos que no soaria como um despropsito respondermos indagao: o que cincia? Antes de iniciarmos nosso estudo sobre o tema, ouamos, pela sua oportunidade e sabedoria, a lio de Trcio Sampaio Ferraz Jr.", que evidencia que o vocbulo "cincia" no unvoco, se bem que com ele se designe um tipo especfico de conhecimento; mas no h um critrio nico que determine a extenso, a natureza e os caracteres deste conhecimento, isto porque os vrios critrios tm fundamentos filosficos que extravasam a prtica cientfica e, alm disso, as modernas disputas sobre tal termo esto intimamente ligadas metodologia. Entendemos que, na acepo vulgar, "cincia" indica conhecimento, por razes etimolgicas, j que deriva da palavra latina scientia, oriunda de scire, ou seja, saber. Mas, no sentido filosfico, s merece tal denominao, como veremos logo mais, aquele complexo de conhecimentos certos, ordenados e conexos entre si". A cincia , portanto, constituda de um conjunto de enunciados que tem por escopo a transmisso adequada de informaes verdicas sobre o que existe, existiu ou existir. Tais enunciados so constataes. Logo, o conhecimento cientfico aquele que procura dar s suas constataes um carter estritamente descritivo, genrico, comprovado e sistematizado. Constitui um corpo sistemtico de enunciados verdadeiros. Como no se limita apenas a constatar o que existiu e o que existe, mas tambm o que existir, o conhecimento cientfico possui um manifesto sentido operacional, constituindo um sistema de previses provveis e seguras, bem como de reproduo e inferncia nos fenmenos que descreveu 13. Direito, retrica e connuucotdo, So Paulo, Saraiva, 1973, p. 159 e 160. 14. Alves da Silva /ntrodu1 r no cincia lo dircei!o So Paulo, Lr1. i a s. 1940, p. _ 5. C 'in S:dcsana suite Yulo Brando, O problema do conhecimento e a sua exala posio, RBF, fase. 105, p. 92-8. 15. Trcio Sampaio Ferraz Ji., A cincia do direito, So Paulo, Alias, 1977, p.
  • 9. 10 e I I ; Charles W. Morris, / ur,gurr~e and brhari ir, New York, 1955, cap. V. 18 Cincia jurdica 19 vista disso, tentaremos ensaiar algumas de suas caractersticas primordiais. Em oposio ao saber vulgar, que faz constataes da linguagem cotidiana, a cincia um saber metodicamente fundado, demonstrado e sistematizado. A sistematicidade o principal argumento para afirmar a cientificidade10. O conhecimento cientfico no um saber que se receba pronto e acabado; , isto sim, um saber obtido e elaborado deliberadamente, com conscincia dos fins a que se prope e dos meios para efetiv-lo, visando sua justificao como saber verdadeiro ou certo". Para tanto, procura dar uma explicao satisfatria da realidade, fundamentada em rigorosas comprovaes ou demonstraes. O conhecimento vulgar, por sua vez, no decorre de uma atividade deliberada; mesmo anterior a uma reflexo do pensamento sobre si mesmo e sobre os mtodos cognitivos. , em regra, assistemtico, pois as noes que o integram derivam da experincia da vida cotidiana: de ver atuar, da leitura acidental, de ouvir etc. So exemplos de saber vulgar a verificao de que ao dia sucede a noite, de que o fogo queima, de que o relgio marca as horas etc. Enfim, so idias que se vo depositando por aluvio, sem que nada as ordene. um saber parcial ou fragmentrio, casusta, desordenado ou no metdico, pois no estabelece, entre as noes que o constituem, conexes, nem mesmo hierarquias lgicas. Tais contedos do conhecimento vulgar ou comum no contam com outra garantia de verdade, seno o fato de serem geralmente aceitos, porque no se procura verificar a exatido das observaes em que se baseiam, desconhecendo, assim, as verdadeiras causas que os explicam e as regras que os regem; e tampouco se invoca a correo lgica do pensamento de que provieram`. O mtodo a garantia de veracidade de um conhecimento. Mtodo a direo ordenada do pensamento na elaborao da cincia. Logo, a cincia requer uma atividade ordenada segundo princpios prprios e regras peculiares. ele que guia a investigao cientfica, provando que o resultado de suas pesquisas verdadeiro. No se deve confundir mtodo com tcnica, pois o 16. Trcio S:unpaio Ferraz Jr., Direito, retaricu e conuaricao, cit., p. 160 e 161, e A cincia do direito, cit., p. 10; C'. W. Morris, Lungrwge, cil. Elyana Barbosa. O que constitui a cincia, o mtodo ou o objeto'?, RBF, fase. 94.1). 153-7. 17. Expressivas , s' i ar , st hre o assunto, as palavras de Miguel Reale (Livnac prrliminure.c de direito, Bushatsky, 1973, p. 11)1): "Todo conhecimento cientfico pressupe unia ordenao intencional da inlcli g yuxiu e da vontade, capaz de permitir ao investigador alcanar um resultado dotado pelo cornos de relativa certe,a. 18. V. Jlio Luis Moreno, Leis s'upura7as',//u.c/cn.c de la cicio 'ia jurdica. Montevideo, 1963, p, c. Romeno y 1 ucciurelli, Lgica, cit., Buenos Aires, 1948, p. 1..7, Liar, Lgicu, Buenos Aires, 1943, p. 269. A. Tom. Irurodurcin til drveehu. 6. ed., Buenos Aires, Abelalo- Pert'ut. 1972, p. 40-3. saber cientfico pode utilizar diversas tcnicas, mas s pode ter um mtodo. "Mtodo o conjunto de princpios de avaliao da evidncia, cnones para julgar a adequao das explicaes propostas, critrios para selecionar hipteses, ao passo que tcnica o conjunto dos instrumentos, variveis conforme os objetos e temas. O problema do mtodo, portanto, diz respeito prpria definio de enunciado verdadeiro'`'." Ensina Trcio Sampaio Ferraz Jr. que, quanto ao mtodo e objeto, as cincias podem ser naturais e humanas. O mtodo de abordagem, na cincia da natureza, ao estudar os fenmenos naturais, refere-se possibilidade de explic-los, isto , constatar a existncia de ligaes constantes entre fatos, deles deduzindo que os fenmenos estudados da derivam. J, ao estudar os fenmenos humanos, se
  • 10. acresce explicao o ato de compreender, isto , o cientista tem por objetivo reproduzir, intuitivamente, o sentido dos fenmenos, valorando-os. Logo, a cincia humana explicativa e compreensiva medida que se reconhece a conduta humana; no tem apenas o sentido que lhe damos, mas tambm o sentido que ela prpria se d; exige um mtodo prprio que faz repousar sua validade na validade das valoraes que revelam aquele sentido. Tal mtodo compreensivo pode ser valorativo, como pretendem Gunnar Myrdall, Hans Freyer, Miguel Reale, ou conter "neutralidade axiolgica", como preferem, dentre outros, Max Weber20 e Kelsen. A cincia , portanto, uma ordem de constataes verdadeiras, logicamente relacionadas entre si, apresentando a coerncia interna do pensamento consigo mesmo, com seu objeto e com as diversas operaes implicadas na tarefa cognoscitiva. O conhecimento cientfico pretende ser um saber coerente. O fato de que cada noo que o integra possa encontrar seu lugar no sistema e se adequar logicamente s demais a prova de que seus enunciados so verdadeiros. Se houver alguma incompatibilidade lgica entre as idias de um mesmo sistema cientfico, duvidosas se tornam as referidas idias, os fundamentos do sistema e at mesmo o prprio sistema. Da sistematizao, como mais adiante veremos, decorre a justificao do saber cientfico. 19. Trcio Sampaio Ferraz Jr., A cincia do direito, cit., p. 11, e Direito, retrica e conuuricao, cit., p. 161: Ernest Nagel I ('incia: nature-a e objetivo) apud Morgenbesser, Filoso/ia der cincia, So Paulo, Cultrix, 1967. p. 19. 20. Trcio Sampaio Ferraz Jr., A cincia do direito. cit., p. I I e 12; Gaston Granger, A razo, So Paulo, Dile1 1962. .. n 85; Elyana Barbosa. O rc e constitui a cincia RI/F cit., p. 157 Ernildo Stein, qt Metalinguagem e compreenso nas cincias humanas, in Filosofia-l, Anais do VIII Congresso /'item uneriruna de Filn.cu/ia e V do Sociedade hnerunrericuno de Filosofia, 1974, p. 293-307. A. L. Machado fiado Neto, 57, (iunnar M Il aI As RB h, u~ncias hunsmas e a neutralidade cientfica. Kt h. Lisc. It. 19- 52; yrc (Value in corja/ theory Routled *e and Ke gan Paul 1955 i. 54 escreve: "A desinterested social science is, Iron this view-point, pure nonsense. It never existed, and it will never exist. We can strive to make our thinking rational in spite of this, but only by facing the valuations, not by evading them", logo da iml i . i is sr. hill dade k ~ -w ico ciolbpica de existir unia cimcia social desinteressada MYrd:dl conclui a nebao da ~ c neutralidade cientfica; I lans FreYer, ter sociologia, cienciade la realidarl, Buenos Aires, Locada, 1944. 20 Cincia jurdica 21 Estas consideraes sublinham a importncia do mtodo para a cincia, j que s ele que possibilita fundamentar a certeza e a validade desse saber, por demonstrar que os enunciados cientficos so verdadeiros''. Cada cincia tem seu objeto, pois, "para que haja cincia, essencial a unicidade epistemolgica, isto , unidade de objeto"". Logo, um saber metodicamente fundado sobre um objeto. O conhecimento cientfico, portanto, est condicionado pelo ser e pela estrutura do objeto, pois visa transmitir um
  • 11. enunciado verdadeiro; assim sendo, deve ter por escopo a sua coincidncia com aquilo a que se prope conhecer. Essa relao de mtua dependncia entre a cincia e seu objeto condio da fecundidade da tarefa cientfica". No se julgue que o objeto de uma cincia seja algo que o cientista encontre determinado de modo rgido antes de dar incio a sua tarefa cognoscitiva; pelo contrrio, ele, em grande parte, um produto de sua livre eleio. Ele elege com relativa liberdade o objeto com que h de se ocupar, escolhendo, ainda, o prisma sob o qual h de consider-lo. A investigao cientfica no inventa seu objeto, ela o descobre tal como ele se mostra sob uma certa perspectiva. Em outras palavras, a cincia escolhe, dentro dos limites da multiplicidade de estruturas do objeto a conhecer, o ponto de vista que tomar sobre ele''-a. A determinao do objeto e da forma pela qual ser examinado''-5 pressupe uma reflexo sobre as finalidades cognoscitivas, que se aspira conseguir, sobre o tipo de conhecimento que se deseja obter'. 21. Jlio L. Moreno, Los supuestosJilos/ico.s, cit., p. 19, 21. 27 e 28; Jaspers. Esencia y valor de Ia ciencia, Re+t Universidad Nacional del Litoral, Santa F, Imprenta de Ia Universidad, 1939, n. 5, p. 161; Jolivet Curso de,/ilosofia, cit.. p. 77: Lalande. pistmologie e gnosologie, in Vocobuloire tchnique et critique de la philosophie, 4. ed., Paris, PUF, 1968, v. 2. p. 735 e s.; Hessen. Tratado de jlosofa. Buenos Aires, Ed. Sudamericana. 1957, t. I, p. 392: Lastra. Que es el derecho?, La Plata, Ed. Platense, 1972, p. 87; Van Acker, Curso de filosofia do direito. Revista da PUCSP, 3d(65-6): 122, 1968; Juan A. Nuno, Metodologia cientfica: e1 problema dei conocimiento, in Filasa/a-1, Anais do VIU Congresso Interamericano de Filosofia e V da Sociedade huerume, u anu de Filosoia, cit., p. 425-32. 22. Machado Neto, Teoria da cincia jurdica, So Paulo, Saraiva. 1975, p. 3. 23. J. L. Moreno, Los supuestos filosvcos, cit., p. 31 e 33. 24. J. L. Moreno, Los supuesto.r./losficos, cit, p. 33-8; Golfredo Telles Jr. (O direiro yuiuuicu, cit.. p. 266-88) pondera que o ato de escolha no um ato de liberdade, depende do patrimnio gentico, do confronto de unia informao, provinda do inundo exterior, com todo o cabedal de aprendizagem j armazenado pelo agente. 25. J. L. Moreno (Los supuestos,lilos(;/ico.s, cit., p. 34) observa que uni mesmo objeto da experincia pode ser considerado sob vrios pomos de vista e cada uni deles pode converter-se em tensa de unia cincia distinta. 26. A. Franco Montoro (Introduo d cincia do direito, 3. ed., Livr. Martins Ed., v. I, p. 76) esclarece, em poucas linhas, quais so os fins perseguidos pela cincia. O objetivo de toda cincia conhecer, mus os objetivos finais so diferentes. A cincia terica tem por finalidade o prprio conheci menk . A prtica ou normativa a que conhece para dirigir a ao, e nas p. 8.2 e 83 apresenta as trs acepes (te cincia: a lunssinru, segundo a qual cincia o conhecimento certo pelas causas, aplica-se neste sentido a Iodos os conhecimentos denlenlxtrados. abrangendo tanto as cincias tericas como as I taUCUS; a estrita, que se refere apenas :IS cincias tericas ou puras Untareis, culturais, formais e metafsicas); e a e.stritssima, apenas s tericas de tipo natural e matemtico. A operao pela qual se constitui o objeto deve ser, obviamente, governada pelo mtodo, que, por sua vez, fixar as bases de sistematizao da cincia 27. Importa acentuar que o fim e o objeto do conhecimento cientfico se supem e se determinam reciprocamente, de modo que a cincia pode ser considerada como sendo a "sntese dialtica do objeto e do fim, porque o fim do conhecimento o que faz do objeto um objeto do conhecimento e o determina sob um certo prisma; e a finalidade o fim de conhecer esse objeto"25. A cincia um saber condicionado por seu objeto e objetivo. Mas esse condicionamento no implica marcos definitivos, dentro dos quais se deve desenvolver o labor cientfico. A cincia no um conhecimento acabado de seu objeto, mas o processo de investigao em que o objeto vai sendo conhecido"'. Todavia, isto no indica que a investigao cientfica seja auto-suficiente e completa. ela limitada, em razo de sua natureza teortica; por ela a cincia aparece como saber do que ou do que deve ser, sendo seu campo de ao a experincia em que o ser se manifesta. Conseqentemente, limitar sua indagao,
  • 12. se for cincia natural, ao que a realidade , sem qualquer pretenso de verificar o que deve ser axiologicamente. A cincia natural teoria e, enquanto tal, seu fim o conhecimento do dado e no sua valorao. J a cincia humana, ao estudar seu objeto, pode reproduzir, como vimos alhures, o seu sentido, valorando-o. A cincia natural ou humana no pode conhecer nada fora do objeto, nem dar o fundamento ltimo a seus mtodos, nem mesmo justificar as noes primeiras que esto na base de suas construes e a sua atitude cognoscitiva. Realmente, a cincia o conhecimento de seu objeto e no dos modos de conhec- lo; ela no conhece seu mtodo; ela apenas o pressupe e nele tem seu ponto de apoio, por ser ele uma garantia para o pensar cientfico'0. Sinteticamente podemos dizer que a cincia um complexo de enunciados verdadeiros, rigorosamente fundados e demonstrados, com um sentido limitado, dirigido a um determinado objeto. Para que haja cincia, deve haver as seguintes notas: carter metdico, sistemtico, certo, fundamentado ou demonstrado, limitado ou condicionado a um certo setor do objeto. 27. J. L. Moreno, Las .+'upuesto.s /iluso/i os, cit., p. 38. 28. J. L. Moreno, Los supueslo.s,/ilos%icos, cit., p. 41. 29. J. L. Moreno, Los sunarstos /lu.vd/eos, cit., p. 41. Diz Hessen (Tratado de/lo.cu/u, cit.. / P 389) que "por ue "por cincia costuma-se entender ora o processo rocesso de investiba o ou conhecimento. ora o resultado desse processo". 0. J. 1,. Me +tul r r_ r o. Lrrs.vq ~uc srr r ' s Jtlosros, cit., p. 23_ c 24; Migucl ftealc, l dr er jru dr rhrr rta. cit.. v. I. p. 511. 22 Cincia jurdica 23 Um conhecimento que no rena as caractersticas prprias da investigao cientfica no cincia, matria opinvel, isto , uma questo de opinio". B. FUNDAMENTAO FILOSFICA A apreciao que pretendemos fazer neste livro ser restrita colocao do assunto sob o seu aspecto filosfico. A fundamentao filosfica da cincia, como j pudemos apontar, tarefa da filosofia da cincia, ou melhor, da epistemologia. Isto assim porque nenhum ramo da cincia pode viver sem filosofia, porque nela que o cientista vai buscar as linhas mestras que orientam e norteiam o saber cientfico. Todas as cincias esto em estreito contato com a filosofia, uma vez que possuem princpios gerais, axiomas e supostos que no entram no objeto que investigam"-, da a necessidade de uma considerao filosfica que permita justific-los. Dentro desse teor de idias, parece-nos til salientar que uma explicao cientfica no filosfica e vice-versa. Os problemas cientficos no so idnticos aos da filosofia. Deveras, o encadeamento dos fenmenos, como a cincia os visa descobrir, deixa intacta a questo da natureza profunda de seu objeto, de seu mtodo, de seus pressupostos. Uma explicao crtica sobre o conhecimento de seu mtodo, de seu objeto de estudo, de seus pressupostos ou postulados, no nos saberia dar a cincia. Tudo isso, portanto, tarefa da teoria da cincia, ou seja, da epistemologia". C. CLASSIFICAO DAS CINCIAS As cincias podem ser, sob diversos critrios, submetidas a uma classificao. 31. a opinio a que se referem Schrcier e Garcia Mynez. Exemplificativamente, nesse sentido que se diz que o advogado tem tini saber vulgar da medicina, mas no conhecimento cientfico. Enfim, o conhecimento de um objeto que tem uma pessoa sem preparo especial sobre ele e derivado da experincia da vida prtica. V., sobre os caracteres da cincia, o que dizem: Lastra, Que es el derecho?, cit., p. 107-38, 98, I(X)-4: A. Torr, Introdiu cin rd derecho, cit., p. 44; Lourival Vilanova, Sobre o conceito do direito, Recife, Imprensa Oficial, 1947, p. 9: Francisco Uchoa de Albuquerque e Fernanda Maria Uchoa, huroduo, cit., p. 2-4.
  • 13. 32. Jos M. Vilanova, Filosofia del derecho ~',lenontenologo evistenciul, BuenosAires. Cooperadora de Derecho y Ciencias Sociales, 1973, p. 50; Van Acker. Introduo , filosofei lgica, So Paulo, Saraiva, 1932, p. 7; Francisco 1Jchoa de Albuquerque e Fernanda Maria Uchoa, Innruluo, ci(., p. 4-13. 33. Erik Wolf Ua carcter problernti(o v necesario de la ciencia del derecho, Buenos Aires, Aheledo-Perrot, 1962, p. 61) transcreve o seguinte texto de Bierling (Juristi.sche Prinzipienlelire, 1894): '.La filosofia del derecho es cosa de filsofos... nada ms dudo.so que cuandu nu jurista, eu su carcter de tal, quiere escribir una filosofia del derecho'. V., ainda, Milton Vargas, Sobre a demarcao entre filosofia e cincia, in F'ilo.co/a-/, Anais do VIII Congresso Interanserieano de h'ilosa/iu e V dn Sociedade Interarner ana de I'ilo.ca/a, cit., p. 309-15; Karl Popper. Conjectures sutil re/ututions; dte ,Grou7h of rcienti/r knoule(/ge, London, Routledge and Kegan Paul, 1962; e Yulo Brando, Digresso em torno de um problema de sempre: a filosofia como fundamento, k/F, fase. 58, p. 2O7-25. Augusto Cocote" classificou as cincias em abstratas, tambm designadas tericas ou gerais, e concretas, consideradas particulares ou especiais, partindo de trs critrios: a) o da dependncia dogmtica, que consiste em agrupar as cincias, de modo que cada uma delas se baseie na antecedente, preparando a conseqente; b) o da sucesso histrica, que indica a ordem cronolgica de formao das cincias, partindo das mais antigas s mais recentes; e c) o da generalidade decrescente e da complexidade crescente de cada cincia, que procede partindo da mais geral para a menos geral e da menos complexa para a mais complexa. As cincias abstratas so as que estudam as leis gerais que norteiam os fenmenos da natureza, e apenas a elas se aplicam os critrios supra-arrolados. Abrangem: 1. Matemtica, cincia do nmero e da grandeza, a mais simples e universal. Realmente, a menos complexa, porque s se refere s relaes de quantidade, e a mais geral, porque se estende a todos os fenmenos. 2. Astronomia, fsica celeste, ou mecnica universal, cincia que estuda as massas materiais que existem no universo. 3. Fsica, cincia que se ocupa dos fenmenos fsicos, ou seja, das foras da natureza. 4. Qumica, ou fsico-qumica, cincia que tem por objeto a constituio dos corpos particulares. 5. Biologia, ou fsica biolgica, cincia que estuda os fatos biolgicos, isto , os seres vivos ou os corpos muito complexos que se apresentam com vida. 6. Sociologia, ou fsica social, cincia das relaes sociais. Esta cincia a mais complexa de todas, visto que o fato social abarca relaes matemticas, mecnicas, fsicas, qumicas e biolgicas, e a menos geral, por se aplicar to- somente vida social do homem. Infere-se desta classificao que todas as cincias so do tipo fsico-natui- al, devendo ser estudadas com o rigor e a preciso dos mtodos matemticos. Augusto Cocote no chegou a classificar as cincias concretas por entender que no se prestavam a uma discriminao perfeita, por no apresentarem as condies de irredutibilidade e de indivisibilidade das abstratas. As cincias concretas, para esse filsofo, so as que aplicam as leis gerais aos seres naturais, realmente existentes. A biologia cincia abstrata, explica ele, porque investiga e descobre as leis da vida, ao passo que a botnica e a zoologia so concretas, dependentes da biologia, visto que tm por escopo descrever o modo de existncia de cada corpo vivo. Igualmente, a geografia, a geologia e a mineralogia so 34. Augusto ('multe, ('ours de Irlrilo.soplrie positive, Paris. 1949. 24 Cincia jurdica 25 cincias concretas em relao fsica e qumica, das quais derivam. A cincia do direito e a economia so cincias concretas, oriundas da sociologia. Wilhelm Dilthey35, adotando o critrio dicotmico, inspirado na classificao de cincia de Ampre, tendo em vista o seu objeto de estudo, distingue: 1) Cincias da natureza, que se ocupam dos fenmenos fsico-naturais, empregando
  • 14. o mtodo da explicao. Explicar, ensina-nos Miguel Reale, consiste em ordenar os fatos segundo nexos ou laos objetivos e neutros de causalidade ou funcionalidade. 2) Cincias do esprito, tambm designadas por cincias humanas, noolgicas ou culturais, como prefere Rickert, que se subdividem em: a) cincias do esprito subjetivo, ou psicolgicas, que estudam o esprito humano no prprio sujeito, isto , tm por objeto o mundo do pensamento; b) cincias do esprito objetivo, que consideram o esprito humano nos objetos ou nos produtos culturais, isto , descrevem e analisam a realidade histrica e social, produto das aes humanas. Constituem as cincias culturais propriamente ditas, histricas, morais, sociais e jurdicas. O mtodo de estudo das cincias culturais o da compreenso. Compreender , na lio de Miguel Reale, ordenar os fatos sociais segundo suas conexes de sentido, isto , finalisticamente, segundo uma ordem de valores. Na cincia humana, o cientista, por mais que pretenda ser cientificamente neutro, no v os fatos sociais apenas em seus possveis enlaces causais, porque h sempre uma tomada de posio perante os fatos, que se resolve num ato valorativo. Logo, pode e deve existir objetividade no estudo dos fatos sociais, mas impossvel uma atitude comparvel "neutralidade avalorativa" de um analista em seu laboratrio ante uma reao qumica. Da a clebre afirmao de Wilhelm Dilthey: "a natureza se explica, enquanto que a cultura se compreende". A mais famosa das classificaes da cincia a de Aristteles36, que aqui reproduzimos com as alteraes feitas pelo pensamento cientfico e filosfico ulterior. A classificao aristotlica, baseada no critrio da funo de cada cincia, subdivide-se em: 1) Cincia terica ou especulativa, que tem por finalidade o prprio conhecimento. A cincia terica conhece por conhecer, limitando-se a ver a rea 35. Inn'oda('tion Vende r/es (rienr es li m .. ~ unne.c, paris, 1942, cap. 2.., In[rodureirn a Ias c iencius dei esIrrinr Mxico, 1 ~o 1944,1). 69. V. Miguel Reale (/,i rcs' prelintinore.c, cit.. I861 so hrc ' a distino entre explicao e ccnnpreenso. Sobre Eduardo Spranger, discpulo de UihheY. cons te Juan Roma-Parella S'nang~ery tas cicr tu.s de l u l ~ s/ rruu. Mxico, 1?d. Minerva, 1944, p. 240. 36. Meta/isu t, IU2-_5. b, 2.._5. W. U. Ross, ArisnNr. Ii i'aris, Iay'ol, 19 30,1). 34 e 9 . ) I Vico, .Seien;p nor'a, Padova, ('h;l)AM, 1953; Miguel Reale, Filoxofia do direito, cit., cap. 17. lidade, reproduzindo-a como existe. Tem sempre em vista a verdade. As cincias tericas, por sua vez, subdividem-se, conforme o grau de abstrao de cada uma delas, em: a) cincias fsicas ou naturais, que abrangem no s as cincias naturais, propriamente ditas, que se referem aos seres da natureza, considerados em sua realidade qualitativa e quantitativa, fazendo abstrao das diferenas individuais, levando em conta apenas as propriedades comuns a todos os seres da mesma espcie, mas tambm as cincias culturais, que se ocupam da natureza transformada e aperfeioada pelo homem; b) cincias matemticas ou formais, atinentes ao mundo das quantidades, principalmente ao nmero (aritmtica) e extenso (geometria). Abstraem as diferenas individuais e as qualidades sensveis, para considerar tosomente a quantidade de ser, isto , a pura relao quantitativa; c) cincias metafsicas, relativas ao ser enquanto ser, ocupando-se com noes de causa e efeito, essncia e existncia, substncia e acidente, matria e forma etc. Fazem abstrao das diferenas individuais das qualidades sensveis, dos aspectos quantitativos ou formais, para considerarem apenas o "ser" em si mesmo.
  • 15. So tambm chamadas ontolgicas. 2) Cincia prtica, que tem por objeto o conhecimento, para que ele sirva de guia ao ou ao comportamento. As cincias prticas podem ser: a) cincias morais ou ativas, que visam dar normas ao agir, procurando dirigir a atividade interna e pessoal do homem, buscando atingir o bem; b) cincias artsticas, factivas ou produtivas, que tm por fim dar normas ao fazer, dirigindo a produo de coisas exteriores. Abrangem as artsticas propriamente ditas, que almejam a produo do belo (msica, escultura, pintura etc.), e as tcnicas, que tm por finalidade a produo do til (engenharia, medicina, arquitetura). Portanto, a arte considera as coisas exteriores, sob o aspecto da beleza, e a tcnica, sob o da utilidade'. Como se v, h vrias classificaes de cincia, cada qual observando certo critrio, pois cada filsofo defende sua tbua classificatria sob o prisma que lhe for mais conveniente. 37. Sobre a classificao das cincias, e.: A. Franco Montoro, In[rorlno, cit., v. I, p. 65-8_5; L. van Acker, lnrrodu i o llosn/ia - lgica, cit., p. 28 e s.; Fausto E. Vallado Berrn, Teoria general dei deres/to, Mxico, Universidad Nacional Autnoma de Mxico, 1972, p. 228-33; Francisco Uchoa de Albuquerque e Fernanda Maria Uchoa, Inlroda o, cit., p. 14-7;AhelardoTorr, Inhvdaerion al dereelia, cit., . 46 ~ e ~ I s. Para Luis Mendichal y Martin (citado por Miguel Sancho liyuierdo, Princpios de rlerc- < lio nunuzd a) Ca 5)d 0.9 o - E U , 5-o m o E W Cn -o _ U . o
  • 18. U N ~ C C 0 = .0 '~ ~ as E 2 o c 0 U O 7 O~ M O .. E co _O O rn cn ~ E ~~ C O o d d co E cn 0 0 N a) N d (o .c6 co 10 O .a) O -0 E rA -0-0 C 2 C U s2 U " -- cn cri 5 c). 1 I II E M .~ r~- OU ~ E C U 'M U C C 1 1 1 O O a) O ro o O ~CV ~( I M IEc U) =3 o U) o.o ,1 I I ~U > o~ 1 1 1 1 :~.~2 M U) U) _ o E- wU o~ EU a'co cUQ Op N a) ~ `~ O O ~ Z o o EE Eco~ (D 2 E U U) m 22'~.5.5 ~co o .~ coo ~` c~c UZ3> a -o M io o io 2 C as '~ a I I I U 1= W 0a a) cO c rom 1 U 1~, o a~ Z U U CJ .~ O .LO O o O U O C/) dS ,O a v v v .v :o io (r w ~ CO-' Z ~ ~ Ao Q ~ 0.0) 0 - I I I I o o W C~ = U a-O ,~ ,D 00 o oco Z X a a E ~ i _ m o `o ~ a~up m Mcoc ,C>o o E 11 U) m~ E c~ E at U E _ o N E . Hil m~- Q Q C= W w cn N N N cn D O N a Uco, I I I I I < I I I I I II 1 I I I I I I I 3. CARTER PROBLEMTICO DO TEMA "CINCIA JURDICA" Importa, numa ordem preliminar de consideraes, levantar a seguinte indagao: que a cincia jurdica? Sobre essa questo encontramos todas as respostas possveis e imaginveis, porque o termo "cincia" no unvoco e porque h uma surpreendente pluralidade de concepes epistemolgico-jurdicas que pretendem dar uma viso da cincia jurdica, cada qual sob um critrio diferente. A cincia do direito distingue-se pelo seu mtodo e tambm pelo seu objeto.
  • 19. A determinao do objeto o problema central da especulao jurdicocientfica. A cincia do direito, como todo conhecimento, pressupe um objeto. O objeto de conhecimento , em sua origem, como nos diz Jos M. Vilanova 38, a coisa descircunstancializada pela atividade teortica. E aquilo "a que a Cincia tende ou que ela conhece"". Seria impossvel compreender a pesquisa jurdico-cientfica sem considerar o ponto capital: qual o objeto em torno do qual desenvolve o jurista o seu estudo? primeira vista esta indagao parece ser das mais simples, porque o nico objeto da Jurisprudncia` o conhecimento do direito, mas, na verdade, traz em seu bojo grande complexidade. 38. Piloso/a del derecho, cit., p. 22,86e 100. 39. Gilles, Perr.cr c fornrelle et sciences de l'honune (prefcio), 1967. 40. Verifica Miguel Reale (Lies preliminares, cit., p. 62) que "a Cincia do Direito durante muito tempo teve o nome de Jurisprudncia. que era a designao dada pelos jurisconsultos romanos. Atualmente possui unia acepo estrita para indicar a doutrina que se vai firmando atravs de uma sucesso convergente e coincidente de decises judiciais ou de resolues administrativas. Pensamos 9 p para tudo deve se feito para manter a acePo clssica dessapalavra I , to densa de sit,nificado. cuc Pe ent realce uma das virtudes primordiais que deve ler o jurista: a prudncia, o cauteloso senso de medida das coisas humanas'. A. Franco Monturo 1/nos dutdo, cil., v. 2, p. 90) vislumbra trs significaes da palavra "jurisprudncia" - pode indicar a ..cincia do direito", ent sen/ido amphssin o: pode referir'-se ao conjunto de sentenas, cut sento/o angrlu, abrangendo tanto a jurisprudncia uniforme conto a contradilbria: e, em swnlido estrito, apenas o conjunto de sentenas unilornies. F na primeira acepo que enyn'eganuts neste item esse vocbulo. ('onsulte tambm Luiz I ratando Coelho, euria, ciL, p. 19 e 51. O I< CA W Z a O U H W W U. W Q Q U) U Z r Z O U LL r N C-i O ta t) a ou L
  • 20. 41. Jlio Luis Moreno, Los supuestos,filosficos, cit., p. 54; Lourival Vilanova (Sobre o conceito do direito, cit., p. 76 e 88) assevera que a questo gnoseolgica no elimina o aspecto ontolgico, mas o implica como fundamento necessrio. Goffredo Telles Jr. (Tratado, cit., p. 325) diz: "De grande valor a definio na investigao cientfica; ela demarca o objeto a estudar". A filosofia do direito compreende trs temas fundamentais: 1) o problema da essncia do direito (ontologia jurdica), investigando o que o direito, para chegar a defini-lo e precisar seu conceito; 2) o problema do conhecimento do direito (epistemologi(ijurdica), que no sentido estrito a teoria da cincia jurdica, pois tem a incumbncia de estudar os pressupostos, os caracteres do objeto, o mtodo do saber jurdico-cientfico, sua posio no quadro das cincias e suas relaes com as cincias afins. A epistemologia jurdica considerada em sentido amplo como sinnimo de gnoseologia jurdica, que estuda crtica e reflexivamente a origem, a natureza, os limites e a veracidade do conhecimento jurdico-cientfico e os critrios de possibilidade e de validade do saber jurdico; 3) o problema da justia e dos valores do direito (a.rio/ogia jurdica), indicando as finalidades do direito. V. A. Franco Montoro, Introduo, cit., v. I, p. 130-2; Machado Neto, Teoria da cincia jurdica, cit., p. 4; Johannes Hessen, Filosofia dos valores, 3. ed., Coimbra, ArmnioAmado Ed., 1967, p. 19; Carlos Mouchet e Ricardo Z. Beco, buroduccin a/ cie recho, 7. ed., Buenos Aires, Abeledo-Perrot, 1970, p. 75. 42. Ernst von Beling, La science du droit, sa fonction et ses limites, in Recueil d'tudes sor les sources du droll, en honneur de Genv, t. 2, p. 150; Dei Vecchio, holosofa del derecho, p. 267 e s.; Slanunler, Economia v derecho seg(tn la concepcirr nwterialisto de la historia, Madrid, 1929, p. 102 e s. 43. Lourival Vilanova, Sobre o conceito do direito, cit., p. 28 e 29. No se nata de formular uma definio nominal do direito, que consiste em dizer o que unia palavra significa. Neni convm empregar una definio real descritiva, que utilizada, cru regra, nas cincias naturais, pois aquela que falta dos caracteres essenciais enumera os exteriores mais marcantes de uma coisa, para permitir distingui-la de todas as outras; nem unia definio acidental que revela to-somente uni elemento acidental, prprio do definido, asas contingente. A definio que se deve buscar a real-essencial, que consiste em dizer o que a coisa , desvendando as essncias das prprias coisas que essa palavra designa (e. Rgis Jolivet, Curso de,lilovofia, cit., p. 36). 44. Para Hegel, o pioblensa do conceito unia questo filosfica (ontolgica) e no lgica ou gnoseolgica IIilusvrfi de/ derecho, p. 37 e 45-62; L.cr phnunrcnulogie de I'e.sprit e Filo.vofta de la historia s universal . 86- IUU I ). Dcl Vecchio I Le;,ioni di jlusu/n
  • 21. discernir o mnimo necessrio de notas sobre as quais se deve fundar seu conceito. Isto assim porque a palavra direito no unvoca nem equvoca", mas anloga, pois designa realidades conexas ou relacionadas entre si. Deveras, esse termo ora se aplica "norma", ora "autorizao" dada pela norma de ter ou de fazer o que ela no probe, ora "qualidade do justo" etc., exigindo tantos conceitos quantas forem as realidades a que se refere. Em virtude disso, impossvel seria dar ao direito uma nica definio. Mas, devido ao princpio metdico da diviso do trabalho, h necessidade de se decompor analiticamente o direito, que objeto de vrias cincias - sociologia jurdica, histria do direito, jurisprudncia - constituindo assim o aspecto em que ser abordado`. 45. V. as observaes de Manuel G. Morente, Funrlumenw.c rle jiloso/u, cit., p. 119. 46. Alexandre Volansky, Ls.vai d'une d nition ec/rres.siveduc/roil baile stir I'idee de bonne joi / - etude de doctrine,juridique, Paris, Lihrairie de Jurisprudence Ancienne et Moderno/Edouard Duchemin, 1930, 1' parte, cap. 2, sec. 11, lu, n. 29 e s., p. 65 e s. 47. V. Fausto E. Val lado Berrn, Teoria general del derecho, cit., p. 7; Morente, Fundamentos de /ilo.sofia, cit., p. 76 e 96. 48. Sobre o conceito do direito, cif., p. 64-7. 49. Termo unvoco o que se aplica a uma s realidade e equvoco o que designa duas ou mais I realidades desconexas (Goffredo Telles Jr., Tratado. cit., p. 329-31; A. Franco Montoro, Introduo, ci(., v. I, p. 35-8). 50. Lourival Vilanova, sobre o conceito do direito, cit., p. 41), 50 e 57. o uonipencno ae tntroauao a ctencta ao direito Cincia jurdica 31 No se julgue que o prisma sob o qual a cincia jurdica h de considerar seu objeto seja algo que o jurista j encontre determinado', pois a escolha da perspectiva em que se vai conhecer est condicionada, como vimos, pelo sistema de referncia daquele que conhece o objeto''- e pressupe uma reflexo sobre as finalidades cognoscitivas que ele aspira conseguir e sobre o tipo de conhecimento que pretende obter". Tem a cincia jurdica uma atitude terica ou prtica? Ou ambas ao mesmo tempo? Teria uma funo crtica? Este outro problema a solucionar: o carter terico, prtico ou crtico da jurisprudncia depende da posio e do objeto de cada autor ou cientista do direito. A cincia jurdica considerada ora como scientia, pelo seu aspecto terico, ora como ars, pela sua funo prticas. Outros ainda do ao problema uma soluo eclticas". Fcil evidenciar os liames que se estabelecem entre o sujeito e o objeto, pois o sujeito cognoscente (jurista) tende para o objeto (direito). o critrio filosfico adotado pelo jurista que determina seu objeto. Essa operao pela qual se constitui o objeto deve ser, obviamente, governada pelo mtodos', que fixar as bases de sistematizao da cincia jurdica. 51. J. L. Moreno, Los supueslos_filosficos, cit., p. 33 e 38. 52. Golfrcdo Telles Jr., O direito quntico, cit., p. 284-93. 53. J. L. Moreno, Los supue.stos filosficos, cit., p. 34. 54. Miguel Reale (Filosofia do direito, cit.. v. 2. p. 336) explica: a obra do jurista persegue trs propsitos fundamentais: a) cientfico ou teortico, mediante a anlise e sistematizao dos preceitos jurdicos vigentes, podendo encontrar princpios gerais; h) prtico, pela exposio do ordenamento jurdico e interpretao das normas jurdicas, para facilitar a tarefa de aplicar o direito: c) crtico, quando se afasta do comentrio e sistematizao para julgar suajustia ou convenincia e sua adequao aos fins a que o direito deve perseguir, emitindo juzo de valor sobre o contedo de uma ordem jurdica. 55. No Digesto, p. ex., encontramos,jurisyrruclentia est dirinarmn arque hunanarutn rerun nolitia iusti cuque iniusti scientia (lnst. I, [);,jus es! ars
  • 22. honi ei aequi (Celso, I D, I, I ). 56. V. as observaes de A. Torr, intruduc
  • 23. Induo generalizadora o esprito procede do particular para o geral, constituindo um processo de descoberta de verdades gerais. E na induo analgica o pensamento percorre uni ou mais casos particulares para chegar ao particular; a deduo a argumentao que conclui por intermdio de um elemento total; l intuitivo, quando a apreenso do objeto se efetua de modo direto e imediato; o que se projeta sobre . o objeto sem elite nada se interponha entre o sujeito que conhece e o ohjelo que se procura conhecer (Torr, huruduccirn rrl derecho, cit., p. 441; Jos Cretel la Jr., Conto de flusu/a do direito, l3ushalsky, 1967, ~ 7, p. 51; M. Helena Diniz, Canteiro de narina como problema deessncia, So Paulo, Revista dos Tribunais, 1977, p. 9 e 10). 58. Luiz Fernando Coelho, Teoria, cif., p. 72; Valdour, Les nu%ihodes eu science sociale, Paris, A. Rousseau, 1927, p. 12; Trcio Sampaio Ferraz Jr., A cincia do direito, cit., p. IS. 59. V. Jos Salgado Martins, o mtodo no direito, Reiisla da hiu uldade de Porto Alegre, /:903 e s., 195 1, ano 3. 32 Cincia jurdica 33 A finalidade de sistematizao tem sido negada por alguns autores, como, por exemplo, Esser, e defendida com veemncia por outros, dentre eles Kelsen, Engisch, Larenz, Coing, Giovanni, Legaz y Lacambra, Miguel Reale`0. Cabe-lhe, sem dvida, como veremos, a tarefa de sistematizar o ordenamento jurdico. H, ainda, quem duvide da viabilidade de um conhecimento cientfico do direito, negando a cientificidade da Jurisprudncia. Existe ou no possibilidade de se submeter o direito a qualquer conhecimento cientfico? a Jurisprudncia uma cincia? Para uns", adeptos do ceticismo cientfico jurdico, o direito insuscetvel de conhecimento de ordem sistemtica, afirmando com isso que a cincia jurdica no , na realidade, uma cincia, baseados na tese de que o seu objeto (o direito) modifica-se no tempo e no espao, e essa mutabilidade impede ao 60. Hans Kelsen, Teoria pura do direito, 2. ed., Coimbra, Armnio Amado Ed., 1962, v. 1 e 2: Engisch, Introduo ao pensamento jurdico, 2. ed., Lisboa, Calouste Gulbenkian, 1964; Larenz, Metodologia de Ia ciencia dei derecho, Barcelona, Ed. Ariel. 1966, p. 35; Coing, Fundamentos de la filosofia dei derecho, Barcelona, 1961; Giovanni, Dai sistema sopra ai sistema, R1FD, 1965 v. I e 2, p. 71 e s.: Legaz y Lacambra, Filosofia dei derecho, 3. ed.. Barcelona, Bosch. 1972, p. 87; Miguel Reale, Filosofia do direito, cit., v. l, p. 57. 61. Erik Wolf (El carcter problemtico, cit.) e Bobbio (Teoria delta scien:a ,rgiuridica, Torino, Giappichelli, 1950, p. 53) citam os que assim pensam, dentre eles Chamberlain (Grumdlogen des neun,ehnten jahrhun(lerts, 1890), que afirma: -A jurisprudncia unia tcnica..."; Nussbaum (Ueber aufgabe und Wesen der Jurisprudenz, Zeitfr So iuhriss, v. 9, fase. 17), para quem a cincia jurdica no uma verdadeira cincia, mas uma tcnica, por estudar normas apenas sob o ponto de vista formal e no como fatos determinados pela vida espiritual da sociedade; Max Rumpf (Volk and Recht, 1910, p. 93 e s.) que pondera que a cincia do direito no cincia, nem tcnica, mas uma organizao; Franz W. Jerusalem (Kritik der Re
  • 24. Mxico, UTEHA, 1962, p. 12-5; e Vincenzo Palazzolo, La filosofia dei diritto de .latias f3inrler, Milano, Giutfr, 1947, p. 51-7, 126-3 1. Theodor Viehweg (ldeologie und Rechts(lontatik, iii Ideolot+ie anel Rec/n, Frankfurt, Ed. Maihofer. 1968, p. 90-6) entende que a cincia do direito no cincia, porque a cientificidade, apesar de se fundar na possibilidade de objetivao, deve pressupor uma referncia atividade intencional da subjetividade e a jurisprudncia, embora ligada ao mundo real, no se volta subjetividade. A cientificidade exigiria unia neutralidade axiolgica, em conseqncia da dcssut lurvaao da ntchxlologia, visto (][te o mtodo axiolGgico requer uma relao dia lgica a uni sujeito. A cicntiltcidade requer a eliminao da dialogicidadc, logo a possibilidade de unia cicntifizau da jurisprudncia levaria a sua desideologiza:o. Nesse ntesnw tcor de idias v. Ballweg. Science, prudence et 1Iuloui phic du druit. AKSP, 5/(4):550-3, 1965, e Re
  • 25. distingui-la da psicologia, da histria e outras. 63. Trcio SantIcaio Ferraz Jr. A cincia do direito cit., p. 13. Convm repetir que a expresso cincia jurdica'' empregada pai-a designar a /ln i.s/rrudncia isto o ramo especial do conhecimento I l que (rata do a dc lulnuno )'ul'dicu sob um ponto de vista nico, idntico a si nlcs o e , que no ~ r s . confunde onde com o r das demais cincias que se ocupani do direito (Luiz Fernando Coelho, 7nria, ciL, Ii. I ) e 51 ). I 64. Cossio Teoria de Ia nerdad jurdico Buenos Aires Lesada 1964, p. 22, e Las actimde.s Ir r ilosJ'. . c (/V r. Buenos lu dei vcv hr .,ru. ciencia deve< u. n Aves. La Ley, 19.56, Machado Nelo, 7ec u da cincia Jurdica, cif., p. 80 e 85-1 18. 65. (;ranger, A ra:o, cit., p. 83. 34 ficas no se escondem". A crise da cincia do direito consiste, exatamente, nessa grande inexatido, da a aporia do conhecimento cientfico-jurdico, que persistir enquanto os juristas no se puserem de acordo sobre o objeto e mtodo de sua cincia. A apreciao, que pretendemos fazer nesta obra, ser restrita a uma reflexo filosfica. a epistemologia jurdica que se ocupa da cincia do direito, estudando os seus pressupostos, analisando os fundamentos em que repousam os princpios que informam sua atividade, bem como a delimitao de seu objeto temtico, procurando verificar, ainda, quais os mtodos, ou melhor, os meios lgicos que do garantia de validade aos resultados tericos alcanados. De maneira que no o terico do direito, ou seja, o jurista, quem vai estabelecer as condies de certeza ou de verdade dos juzos formulados, fixando os requisitos de coerncia, mas sim o epistemlogo. Por isso nosso ensaio situa-se no mbito da epistemologia jurdica que fundamenta filosoficamente a cincia do direito', j que, no dizer de Van Acker, "sem jusfilosofia a cincia jurdica cega; sem cincia jurdica a jusfilosofia v"". QUADRO SINTICO CARTER PROBLEMTICO DO TEMA CINCIA JURDICA 66. Trcio Sampaio Ferraz Jr., A cincia do direito, cit.. p. 16. 67. J. M. Vilanova, Filosofa de/ derccho. cit., p. 50: Van Acker, Introchr'do filosofia -lgica, cit., p. 7: A. B. Alves da Silva, Introt uo, cit., p. 143: MigueI Reale, () direito como e.vperincia - introdu'do episrernologia.jurdica, So Paulo, saraiva, 1968, p. 87: Bohhio, 7i'orio della siien,a giuridica, cit., p. 6: Machado Neto, Teoria da cWncia Jurdica, cit., p. 168. Sobre a problemtica do tema cilncia jurdica, consulte: Antonio Hernndez (Jil, Problemas episteinolgicos de Ia ciencia jurdica, Madrid, Fd. ('ivitas, 1976: Maria Helena Diniz, A cincia jurdica. cit., p. I-I I. 68. Leonardo van Acker, lxperincia e epistemologia jutdica. RRF, /9(74): 154, 1969. Karl 1958,1). ... ;) Ja u l dr sr 5 rsu ,,alac~ i ~ncwm uumIiuulc p 1 /rn rle lu e.~isnncin, Madrid, cscrcvc: "Sin Id
  • 26. .SociedadeInMrunirri(anu de l dcrsr r Jra, crl., 1). 409-14. 4. CONCEPES EPISTEMOLOGICO-JURDICAS RELATIVAS CIENTIFICIDADE DO CONHECIMENTO JURDICO A. PROBLEMA DA CIENTIFICIDADE DO SABER JURDICO COMO QUESTO EPISTEMOLGICO- JURDICA , portanto, a filosofia do direito, enquanto epistemologia jurdica, que vai tratar dos problemas da cincia do direito, procurando dirimi-los, delimitando o sentido de "cincia", a especificidade do objeto e do mtodo da especulao jurdico-cientfica, refletindo sobre o carter terico, prtico ou crtico da Jurisprudncia, distinguindo a cincia do direito das outras que, igualmente, tm por material de pesquisa os fenmenos jurdicos, indagando acerca da natureza cientfica do saber jurdico. Este ltimo problema o central da epistemologia do direito, pois se houver uma filosofia ou teoria da cincia jurdica que possibilite uma jurisprudncia como rigorosa cincia do direito, as demais questes sero, satisfatoriamente, respondveis. Vrias so as teorias epistemolgico-jurdicas, principalmente as do sculo passado e do atual, endereadas aos problemas da cincia do direito, inclusive ao atinente sua cientificidade. A fim de nos orientarmos na grande selva das posies epistemolgicas, procuraremos esquematiz-las, ordenando-as, tendo em vista os problemas versados por elas. Para isso tomamos por base, com algumas variaes, a sugesto de Carlos Cossio, concentrando as doutrinas epistemolgicas que justificam teoricamente a cincia do direito ou que procuram dar investigao do direito um carter cientfico, em seis direes fundamentais: racionalismo metafsico ou jusnaturalista; empirismo exegtico; historicismo casustico; sociologismo ecltico; racionalismo dogmtico e egologia existencial". Este 69. Machado Nelo, 7i'oria da cincia.juridica, cit., p. 77-81 : ('arlos ('ossio, Las actinales filo.s /cu. c ~ c.j cil. hrciu Sanyrriu I~errai. Jr. (A ('ilnriu dodireiro, ciL, p. 3 ) c I8-~ I ) uhscrva yuc a cxprcssui n ncia do dircilo" rclativamcnlc rcccnlc, icndo sidu uma invrnS'u> da csa>la histricai alcni, nu PROBLEMAS EPISTEMOLGICOS - DA CINCIA JURDICA delimitao do termo "cincia" da cincia do direito determinao do objeto da especulao jurdico-cientfica especificidade do mtodo da cincia jurdica reflexo sobre o carter terico, prtico ou crtico da jurisprudncia distino entre cincia do direito e outras cincias que tm por objeto o estudo dos fenmenos jurdicos consideraes sobre a "cientificidade" ou "nocientificidade" da jurisprudncia fundamentao doutrinria da cientificidade do conhecimento jurdico 36 Cincia jurdica 37 panorama - e no histria - das teorias jurdicas nos demonstrar tendncias que no nos daro uma viso ordenada do que se poderia chamar cincia do direito, mas que delinearo os problemas bsicos da teorizao do direito. Passemos a analisar as teorizaes jurdicas que se preocuparam com o pensamento jurdico enquanto cincia. B. JUSNATURALISMO "Desde as representaes primitivas de uma ordem legal de origem divina, at a moderna filosofia do direito natural de Stammler e Del Vecchio, passando pelos sofistas, esticos, padres da Igreja, escolsticos, ilustrados e racionalistas dos sculos XVII e XVIII, a longa tradio do jusnaturalismo se vem desenvolvendo, com uma insistncia e um domnio ideolgico que somente as idias grandiosas e os pensamentos caucionados pelas motivaes mais exigentes poderiam alcanar"70. Na Idade Mdia, sob o imprio da patrstica ou da escolstica, a teoria jusnaturalista apresentava contedo teolgico, pois os fundamentos do direito

27. natural eram a inteligncia e a vontade divina, devido ao fato de a sociedade e a cultura estarem marcadas pela vigncia de um credo religioso e pelo predomnio da f`. Na era medieval prevalecia a concepo do direito natural objetivo e material, de esprito tomista7-, que estabelecia o valor moral da conduta pela considerao da natureza do respectivo objeto, contedo ou matria, tomada como base de referncia a natureza do sujeito humano, considerado na sua realidade emprica, mas enquanto reveladora do seu dever-ser real e essencial. No , observa Van Acker, um direito natural puramente objetivo, mas objetivo-subjetivo, tomando o objeto como ponto de partida e o sujeito como termo da relao de convenincia ou do valor moral, nem direito natural puramente material, mas material e formal ou hilemrfico, porque a matria da conduta no fato ou objeto indiferente, por ser, necessariamente, carregada de sentido ou valor humano, positivo ou negativo. Alm disso, a natureza humana no pura matria nortevel por valores transcendentes ou ideais, mas matria dinamizada por uma forma imanente ou natural, que a orienta sculo passado, que se empenhou em dar cientilicidade investigao do direito. Entre os romanos no havia tal preocupao, pois suas teorizaes jurdicas ligavam-se prxis. No se preocupavam com a questo de saber se sua atividade era unta cincia ou unia arte. Interessantes so as observaes de Enrico Opocher (Li,, ione di filosofia del rlirino-il prohlenua della nanara delta giurisprude n7a, Padova, CEDAM, 1953) sobre a questo da cientilicidade da cincia do direito. 71). Machado Neto, km-ia ela cim ia jurdica, cit., p. 82. 71. Machado Neto, Teoria da cincia jurdica, cif., p. 83. 72. Ariskteles, L'daica Nicomucheu. I, 5; Tontis de Aqui no, De,jus(itiale, II, in 1)ecem libras 1illri(*oram, Arisiotele.s anel Na'onaaclmna ~.rursitio e e Stan,au Naa nlo,t,u 2 ae,, y. . 57 e . 5 . 8, Ia, 2 e I a. 2a, te, q. 94-97; Jos Maria Rodriguez Panigua, Historia del pen.cumienm juridiro, Madrid, 1976, p. 73-80. para fins convenientes, excluindo os inconvenientes. Logo o bem, no sentido do valor ou da convenincia a certos fins, inerente natureza humana73. Portanto, o jusnaturalismo dos escolsticos concebia o direito natural como um conjunto de normas ou de primeiros princpios morais, que so imutveis, consagrados ou no na legislao da sociedade, visto que resultam da natureza das coisas e do homem, sendo por isso apreendidos imediatamente pela inteligncia humana como verdadeiros. Deveras, os primeiros princpios da moralidade correspondem ao que h de permanente e universal na natureza humana, por isso perceptveis, de imediato, pela razo comum da generalidade dos homens, independentemente de sua cultura ou civilizao. Abrangem tais princpios os deveres dos homens para consigo mesmos, para com os outros homens e para com Deus. O princpio fundamental "o bem deve ser feito" e, portanto, o mal evitado. O homem h de querer o bem pela sua vontade, que iluminada pela razo. Os demais princpios referem-se aos deveres diretamente impostos pela natureza humana, relativos s tendncias naturais do homem, que so: a) deveres do homem para consigo mesmo, como "o homem deve conservar-se, deve perseverar no ser, no deve destruir-se"; b) deveres do homem para com o primeiro grupo social dentro do qual vive, isto , para com a famlia: "o homem deve unir-se a uma mulher, procriar e educar seus filhos"; c) dever de respeitar sua racionalidade, ou seja, sua inteligncia: "o homem deve procurar a verdade", isto , deve buscar o conhecimento da realidade; d) deveres do homem para com a sociedade: "o homem deve praticar a justia, dando a cada um o que seu"; "o homem no deve lesar o prximo". A lei natural imutvel em seus primeiros princpios. O direito natural, imanente natureza humana, independe do legislador humano. As demais normas, construdas pelos legisladores, so aplicaes dos primeiros princpios naturais s contingncias da vida, mas no so naturais, embora derivem do direito natural. P. ex.: do princpio de direito natural de que "o homem deve conservar a si prprio" decorre que "no permitido matar", "so proibidos a eutansia e o aborto" etc., e mais remotamente ter-se- a proteo sade dos trabalhadores em local insalubre. Para a concepo aristotlico-tomista o 28. direito natural abrange todas as normas de moralidade, inclusive as normas jurdico-positivas, enquanto aceitveis ou tolerveis pela moral. Com essa doutrina dos escolsticos, o saber jurdico comeou a ter as aparncias de uma idia cientfica74. 73. Van Acker, ('urso de filosofia do direito, Revista da P1/CSP, cil., 35 (67- 8): 355-6. 74. Gol I edo Tclles ir., 1)ircito natural (anotaes das aulas do cesso de mestrado, proferidas na I I DUBP em 1973 -- Iu semestre) e /miada(-do cincia elo direito fase. 2, p. 141)-( i (pai istila): Van Ack , _ _ cr, Curso de lilosolia do direito, Revista da P//('SP, cit., 5 (67-8): 381); Toms de Aquino, S7anma theo/ogica, cif., la, 2ac, q. 94, art. 4 e 5; la. 2ac, q. 95, art. 2; la, q. 19, art. 7; q. 21, art. 3. 38 Cincia jurdica 39 A concepo do direito natural objetivo e material (sculo XIII) foi, paulatinamente, substituda, a partir do sculo XVII, pela doutrina jusnaturalista de tipo subjetivo e formal, devido ao processo de secularizao da vida, que levou o jusnaturalismo a arredar suas razes teolgicas, buscando os seus fundamentos de validade na identidade da razo humana. O direito natural tornou-se subjetivo enquanto radicado na regulao do sujeito humano, individualmente considerado, cuja vontade cada vez mais assume o sentido de vontade subjetiva e absolutamente autnoma. Nesta concepo jusnaturalista a natureza do homem uma realidade imutvel e abstrata, por ser-lhe a forma inata, independente das variaes materiais da conduta. Ntida a feio dedutiva desse jusnaturalismo, que levado a propor normas de conduta pelo mtodo dedutivo, por influncia do racionalismo matematicista, to em voga na poca; assim, a partir de uma hiptese lgica sobre o estado natural do homem, se deduzem racionalmente todas as conseqncias. Nesta teoria que encontrava sua legitimidade perante a razo, mediante a exatido matemtica e a concatenao de suas proposies, a cincia jurdica passa a ter uma dignidade metodolgica especial. Foi nessa poca (sculo XVII) que se deu a ligao entre cincia e pensamento sistemtico, pois, segundo Christian Wolff, sistema o "nexus veritatum", isto , agregado ordenado de verdades, que pressupe a correo e a perfeio formal da deduo. Lambert, em 1787, delimitou os caracteres desse conceito ao afirmar que sistema um mecanismo, isto , partes ligadas umas s outras; um organismo, ou seja, um princpio comum que liga partes numa totalidade e uma ordenao, por ser inteno fundamental e geral, idnea para ligar e configurar as partes num todo. O conceito de sistema, no entender de Wieacker, foi a maior contribuio do jusnaturalismo moderno". Nesta segunda concepo jusnaturalista a natureza do ser humano foi concebida": 1. Como genuinamente social, por Grotius, Pufendorf e Locke. 75. Machado Neto, Teoria du ciencio jurdiru, cit., p. 83; Van Acker, Curso de filosofia do direito, Revista da /'(ICSI', cit., 35 (67-8): 357, 359 e 384: Trcio Sampaio Ferraz Jr., A cincia do direito, cit., p. 23 e 24. Wolff, Philosvopltia ntoralis vive ethica, 1750, p. 440; Franz Wicacker, Petruu'ecln.c,Se.cehichtr der Neueit, Cttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1967, p. 275, citados por Trcio Sampaio Ferrar. Jr., A cincia do direito. p. 24. 76. Van Ackcr, ('urso de filosofia do direito, Revista da PH('SP, cit., 35 (67- 8): 359-61, 363-6, 368-70, 386 e 387: Machado Neto, /rocia da cincia junlica, cia., p. 83-4; Trcio Sanipaio Ferrar. Jr., A cincia do ,/irrito, cia., p. 24- 6: Direito natural ou racional, in /meielo u dia Saraivo do Direito, v, 27, p. 376: Alexandre Correia, Direito natural-I, in Lnciclopedia Saraivo do l)reilo, v. 27, p. 343-69: Jos Maria Rodooguez Panugua. Historia, cit., p. 97-135. Grotius dividiu o direito em duas categorias: jus voluntarium, que decorre da vontade divina ou humana e jus naturale, oriunda da natureza do homem devido a sua tendncia inata de viver em sociedade. Para Grotius, o direito natural seria o ditame da razo, indicando a necessidade ou repugnncia moral, inerente a um ato por causa da sua convenincia ou inconvenincia natureza racional e social 29. do homem. Da ser moralmente necessrio e conveniente a celebrao de pactos sociais, em que o povo livremente escolha a forma de seu governo, sem se ater s qualidades objetivas do regime, mas sua preferncia subjetiva, de modo que a livre escolha o critrio do ordenamento jurdico, mesmo que este escravize o povo. Logo o preceito fundamental do direito natural, para essa escola, observar fielmente qualquer contrato celebrado livremente. Grotius libertou a cincia do direito de fundamentos teolgicos, cedendo s tendncias sociolgicas de seu tempo, e intuiu que o senso social, to peculiar inteligncia humana, fonte do direito propriamente dito. Locke" chega a afirmar que a lei natural mais inteligvel e clara do que o direito jurdico-positivo, que complicado e ambguo e justo apenas se fundado na lei natural. Segundo a lei natural, cada homem tem, sem recorrer ao Poder Judicirio e Executivo, o direito de punir qualquer ofensa a um direito natural a bem da humanidade e o direito de ressarcir-se dos prejuzos que lhe foram causados pessoalmente. Para Locke s o pacto social pode sanar as deficincias do estado de natureza, instaurando o governo do estado civil ou poltico, com trs poderes: o legislativo, o executivo e o federativo; este ltimo o poder de declarar a guerra ou a paz, de concluir pactos e alianas (foedera). Reconhece, ainda, Locke, o individualismo do direito natural moderno, pois, para ele, a nica sociedade poltica condizente com a natureza humana o Estado liberal-democrtico, cujo fim garantir os direitos naturais ou liberdades individuais, mormente o direito intangvel e irrestrito posse e ao uso dos bens adquiridos pelo trabalho. Samuel Pufendorf apresenta em suas obras um sistema completo do direito natural, dando um carter sistemtico ao processo de secularizao desse direito, iniciado com Grotius, s que para ele a lex naturalis no era a voz interior da natureza humana, como pretendia Grotius, mas resultava de foras exteriores, ligando os homens em sociedade. Para Pufendorf as prescries do direito natural pressupem a natureza decada do homem, por isso, todo direitocontm uma proibio, e seu carter fundamental repousa em sua funo imperativa. A principal propriedade do homem , para Pufendorf, a imbecillitas, 77. Essays on the hut of nature, Oxford-('huendon, lid. Leyden, 1954. 38 Cincia jurdica 39 A concepo do direito natural objetivo e material (sculo XIII) foi, paulatinamente, substituda, a partir do sculo XVII, pela doutrina jusnaturalista de tipo subjetivo e formal, devido ao processo de secularizao da vida, que levou o jusnaturalismo a arredar suas razes teolgicas, buscando o