Mariana - um facho de luz

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Mariana org.: Cássia Regina Xavier de Andrade um facho de luz

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Mariana

org.: Cássia Regina Xavier de Andrade

um facho de luz

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O objetivo deste trabalho é

apresentar, ainda mais, a Mariana a

todas as pessoas que acreditam na

eterna possibilidade que a vida nos

presenteia cotidianamente de superar

limites.

É u m a o p o r t u n i d a d e d e

conhecermos os sentimentos

envolvidos, quando descobrimos que

somos a exceção, somos minoria.

O que acontece com uma pessoa

com Síndrome de Down, as suas

dificuldades e mais ainda suas

possibilidades frente à vida, dito por

seus pais, terapeutas, professores,

amigos, irmãos, avós, ou seja, pessoas

que têm a oportunidade de conviver

com ela.

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Marianaum facho de luz

Cássia Regina Xavier de Andrade

FortelezaBanco do Nordeste do Brasil

2010

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Presidente:Roberto Smith

Diretores:João Emílio Gazzana

José Sydrião de Alencar JúniorLuiz Carlos Everton de Farias

Luiz Henrique Mascarenhas Corrêa SilvaOswaldo Serrano de Oliveira

Paulo Sérgio Rebouças FerraroAmbiente de Comunicação Social

José Maurício de Lima da SilvaAmbiente de Gestão da Cultura

Henilton Parente MenezesAmbiente de Responsabilidade Socioambiental

José Danilo Lopes de OliveiraÁrea de Desenvolvimento Humano

Eliane Libânio Brasil de MatosCoordenação do Programa Cultura da Gente

Rosana Virgínia Gondim PereiraEditor: Jornalista Ademir Costa – CE00673JP – Fenaj

Capa: Marcus Vinicius Coelho SampaioDiagramação: Marcus Vinicius Coelho Sampaio

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SumárioApresentaçãoPrefácioIntroduçãoRelato de seus pais Ruth Cavalcante João de PaulaMariana por Cezar WagnerMariana construindo sua identidadeDos 15 anos até...Entrevista com a artistaA Biodança e a MarianaA ReligiãoA NataçãoA presença dos amigos e familiaresno processo de crescimento da MarianaMariana, cidadã brasileira

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Apresentação

Mariana, uma história de amor, humor, medo, força, determi-nação, família, amigos, apoio, crescimento, desafio e realização. Neste livro, encontraremos muitas dessas palavras.

O objetivo deste trabalho é apresentar, ainda mais, a Mariana a todas as pessoas que acreditam na eterna possibilidade que a vida nos presenteia, cotidianamente, de superar limites.

É uma oportunidade de conhecermos os sentimentos envolvi-dos, quando descobrimos que somos a exceção, somos minoria.

O que acontece com uma pessoa com Síndrome de Down, as suas dificuldades e mais ainda suas possibilidades frente à vida, dito por seus pais, terapeutas, professores, amigos, irmãos, avós, ou seja, pessoas que têm a oportunidade de conviver com ela.

A ideia inicial deste trabalho foi da Cris, durante a apresentação de nossas monografias (Cássia, Cris, Cleusa e Fátima Mesquita); estávamos num clima de alegria, a Cris sugeriu, mas falou que não poderia participar, daí eu e a Cleusa topamos.

Aproveitamos o tempo que a Cleusa estaria em Fortaleza e montamos uma estrutura, fizemos entrevistas, começamos a pedir contribuição das pessoas envolvidas, fizemos reuniões com Mariana, João e Ruth, era de fato uma experiência sui generes.

Cleusa teve que voltar a Porto Alegre... E agora, Mariana? E agora, Cássia? Vamos ver o que poderemos fazer. Começamos a

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outra etapa (recebia telefonema da Mariana toda noite, mais ide-ias, mais textos, fotos, colagens e muitas sugestões). Mariana, vai sair e vai ser lindo. (Eu dizia)

- Ai, meu Deus, Ave Maria!Era uma alegria só.Chegou o cansaço do trabalho individual, pedi ajuda ao Rober-

to (meu companheiro), a Herbene (minha cunhada e amiga) e ao Valber (artista que deu origem à capa do livro), foram muitas tar-des: scanner, fotos, cafezinho, pão e manteiga (saborosíssimos).

Depois, veio uma amiga linda, Mara, in memoriam, que topou ajudar-me. Passamos tardes, noites, nos deleitávamos com os tex-tos, vinho, frutas e muito som espalhado em seu escritório. Puxa, como foi boa esta experiência! Obrigada, Mariana.

O livro está dividido em 3 etapas. Na primeira, Ruth e João, seus pais, contam como perceberam a evolução da Mariana, sua história, suas recordações. Cézar, como diz a Mariana, seu segun-do pai, também conta como é sua relação com ela.

Em seguida, Mariana nos fala, de diversos modos, o que pensa sobre a vida, sua evolução em habilidades e pensamento.

Adiante, familiares, amigos, professores e terapeutas nos con-tam como é conviver com a Mariana.

É importante relatar que esta é a segunda edição, a primeira foi totalmente esgotada, e Mariana fez bom uso dos livros, doando, vendendo, divulgando sua história de sucesso e amor, em palestras, conferências, aulas práticas nos cursos de pós-gradua-ção em educação especial. Nesse momento, sinto-me convidada a continuar contando suas conquistas, ela agora está no mundo do trabalho, podendo colaborar com o Banco do Nordeste, assesso-rando a prefeitura de Fortaleza no comitê de inclusão.

Desfrutem dessa viagem de alegria, esperança e coragem em viver criando a realidade e escolhendo como quer viver.

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Um beijoCássia Regina

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Prefácio

Fortaleza, 10 de julho de 2007

Mariana querida,

As leituras e estudos, as experiências e a aproximação com as múltiplas e variadas histórias de vidas têm revelado que são muitos os modos de se lidar com as diferenças entre as pessoas, especialmente quando se trata das diferenças mais facilmente percebidas e que ganham um significado de desvantagem ou de descrédito social. Essa significação social, dadas a diferenças, não está necessariamente determinada por suas características aparentes. São certamente expressas por reações fundadas em concepções historicamente construídas. Entretanto, a Psicolo-gia e as Ciências Sociais têm contribuído de forma decisiva para uma outra compreensão das relações sociais que se estabelecem entre os indivíduos diferenciados, evidenciando a importância das reações frente às diferenças para a formação dessas pessoas. Estudiosos deste tema afirmam que aqueles que apresentam diferenças mais visíveis passam a adquirir uma posição social em função das respostas dos outros frente a elas.

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A história de sua vida, Mariana, por você mesma contada e tão carinhosamente revelada por seus familiares e amigos, ilus-tra de modo positivo as ideias acima consideradas. Há alguns anos, ao recebê-la para uma rica e agradável convivência, entre os que fazem a Associação de Pais e Amigos dos Excepcio-nais de Fortaleza, deparei-me com uma bonita jovem em franco desenvolvimento, de olhos brilhantes, com ar de felicidade, de comportamento tranquilo e expressão de confiança em si. Cer-tamente, essas são características que dizem respeito a pessoas bem amadas, plenamente aceitas, respeitadas em suas diferen-ças e especialmente consideradas como cidadãs merecedoras de direitos e cumpridoras de deveres.

Hoje, tenho uma vez mais o privilégio de tecer considerações importantes a pretexto de reescrever o prefácio de um livro que conta a história de vida de uma linda moça que se faz feliz, é consciente de seus limites e de suas possibilidades, aprende e apreende com perspicácia a realidade que a cerca a partir das preciosas interações que estabelece com os outros, é otimista frente ao mundo, trabalhadora, desejosa de fazer a síntese de sua trajetória e, portanto, ocupa um merecido lugar na vida social.

Ao pensar em você, Mariana, ao conviver com seus pais, Ruth e João de Paula, ao rememorar os momentos intensamente vivi-dos junto aos outros alunos e às mães e pais que frequentavam aquela escola, me vem o desejo de expressar que o que nos liga, a mim e a você, é a certeza de que estabelecer vínculos afetivos com os ditos diferentes nos engrandece e humaniza. É a afirma-tiva de que as “deficiências” são construtos sociais e, por isto mesmo, devem ser sempre relativizados e historicizados. Afinal, Mariana, quantos entre nós podem ver e não enxergam horizon-tes à sua frente; tantos de nós ouvem e não conseguem escutar os clamores e chamamentos que a vida tem a nos oferecer; tan-tos outros falam, porém silenciam suas experiências, impedidos que estão de compartilhar suas aprendizagens, frutos de suas

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vivências; quantos podem se locomover e não conseguem dar um só passo à frente em busca de soluções para os embates im-postos pelo cotidiano!

Todas essas reflexões, resultantes de densa convivência entre as pessoas diferenciadas feito você, Mariana, me levam a acredi-tar que confundir diferença com deficiência resulta de elabo-rações sociais. Essa é uma crença de quem aprendeu que mais importante do que os rótulos, os nomes e as denominações, é compreender a complexidade das relações interpessoais que envolvem o processo social de constituição das pessoas como seres singulares e únicos. É a mentalidade de que todos nós so-mos cidadãos e, como tal, merecemos ser incluídos no cotidiano da vida coletiva. É a crença de quem assimilou que na vida mais vale descobrir a beleza e a força da solidariedade e do amor en-tre os seres humanos, e de que são os vínculos afetivos que nos movem.

As revelações neste livro anotadas, certamente serão de grande valia para aquelas pessoas que ainda não se deram conta de que todos nós, apresentando ou não alguma limitação, seja de que natureza for, fazemos parte de uma comunidade que é univer-sal e somos parte integrante e indissolúvel da sociedade onde moramos e vivemos. Sua vida, Mariana, é hoje uma referência para que se acredite nas possibilidades do ser humano. Parabéns e obrigada por suas lições!

Um forte e carinhoso abraço.

Vanda Magalhães LeitãoDoutora em Educação BrasileiraProfessora da Faculdade de Educação da UFCEx-diretora da APAE-Fortaleza

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Introdução

Mariana, MarianaMenina lindaMulher sapecaQue sonha com a vidaCria a vida, dizendo o que quer

Mariana, MarianaSabe sonhar e expressarFaz acontecer o sonhoUltrapassando o olharNum suave acontecer

Mariana, MarianaSabe dançar, se soltarAbraçar e cantarOlhar o coraçãoFalar em cançãoEntoar o amor em cada encontroEm cada salão!

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Apresentar Mariana ao mundo, é um presente e um meio de falar que temos toda a possibilidade de conduzir nossas vidas e fazer de cada dia um presente repleto de oportunidade e criatividade.

Nesse tempo em que convivo com ela já me surpreendi, chorei, sorri, duvidei e depois de algum tempo aprendi a aguardar e ver o que ela, com seu olhar matreiro e lindo diz virar realidade. O querer da Mariana me chegava às vezes de modo impossível, internamente pensava que não ia dar cer-to, cuidava para não haver frustração para ela, caso minha suposição se confirmasse, porém, com o passar do tempo ia vendo que suas palavras proféticas aconteciam com fluidez e mais uma vez ela conseguia realizar o que um dia foi apenas um suave comentar.

Durante nossa convivência, pois começamos nossa amizade sendo companheiras de biodança, ela, a filha da Ruth, que era carinhosa e em algumas viagens precisa de “cuidados espe-ciais”. A Ruth nos pedia para dar uma olhada nela, nos encontros de biodança, pois era uma quantidade grande de pessoas e a Mariana podia se perder, não encontrar o quarto do hotel... Preocupações de mãe afetiva, que não passava de perda de tempo, pois fui verificando que a Mariana tinha uma autonomia impressionante. No primeiro dia, ela ia conhecendo todas as pessoas, recebendo os cartões dos amigos, recebendo convite para almoçar, jantar. Quando procurávamos Mariana, ela estava sempre com alguém, dando suas boas risadas. Uma vez, perguntei como ela conseguia fazer tantos amigos em tão pouco tempo... ela com seu jeito de professora, foi logo di-zendo: - Começo perguntando o nome, dou um abraço e aí pronto... E era mesmo assim, sua inteligência afetiva é de uma maestria para fazer calar muitos educadores.

Depois de um tempo, Mariana quis fazer biodança em meu grupo, passei a ser sua facilitadora. Nesse período, ficamos mais íntimas e, quando nos encontrávamos, era motivo de aprendizado, limite, afeto, aventura e muita ação. Lembro de muitos momentos em que aprendi com ela e também tive que

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dar limite e, mesmo com o coração apertado, dizer não, tirá-la das atenções, agir com naturalidade, pois a considerava, uma pessoa com experiência em biodança, que tinha vinte e pou-cos anos, que entendia o que era falado. Fazia questão de não valorizar sua síndrome, mesmo sabendo que ela existia, mas tentava a primeira opção sempre: agir de modo normal e dar o mesmo desafio que dava aos demais; dependendo da reação dela, é que ia diminuindo ou não o pedido.

Recordo de muitos momentos em que Mariana chegava à aula com um CD para que se usasse na sessão, sempre um CD diferente, fruto de sua pesquisa durante a semana. Eu ouvia a música e nas primeiras vezes usei-a de imediato, pois a música era boa e tinha a ver com o que ia trabalhar. Certo dia, ela trouxe um CD e eu não o usei, pois quis dizer para ela que o papel dela no grupo era de participante e também não via como usar as músicas naquela sessão. Ao final da aula, ela veio recolher o CD e foi embora, sem comentários. Na próxima aula, fiquei surpresa em ver que ela trouxe o mesmo CD que eu não havia usado na semana anterior. Não o usei novamente. Ao final ela recolheu e foi embora sem comentar. Na sessão seguinte, chega Mariana novamete com o mesmo CD, dei uma risada interna, pensando: que menina de identidade saudável, sabe de si, sabe que o fruto de sua pesquisa não pode ser deixado de lado assim e insiste com toda a dignidade de uma pessoa integrada. Isso foi uma lição para mim, numa leitura de postura na vida. Aprendi com você, Mariana, a me posicionar e a exigir atenção e respeito. Usei o CD nessa sessão, foi logo a primeira música, ela do outro lado da roda, olhou para mim e piscou o olho, com um lindo sorriso nos lábios, num diálogo silencioso e sonoro ao mesmo tempo. Na semana seguinte, ela trouxe outro, era muito encantador.

Ficava atenta quando ela queria envolver as pessoas do grupo com sua fala e não olhava ao redor a questão do tempo, a oportunidade para os demais e, como facilitadora, dava o limite, o que ela sempre aceitava, demonstrando tranquilidade. Era um exercício contínuo de aprender a conviver, a diferença é que Mariana aprende rápido e sem mágoas.

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O jeito de Mariana criar a realidade é algo que mexe muito comigo, positivamente. Tivemos uma vez a experiência de ela querer ser funcionária do Banco do Nordeste, pois admirava a facilitadora, eu, que sou do banco. E depois chegaram a Melina e a Paulinha, todas do grupo e trabalham no BNB. Ela nutre uma amizade muito grande por nós. Rapidamente ela compreendeu que era bom ser funcionária, pois conversáva-mos, realizávamos trabalhos no banco e quando nos encon-trávamos era com alegria que combinávamos novas real-izações... Ela, um dia, no grupo, disse que ia ser também do BNB. Fiquei apreensiva, pois como facilitadora, não queria criar expectativa que não pudesse ser uma possibilidade... Es-queci que era ela que estava falando e foi ela com seu jeito insistente e suave, sedutor e fluido que foi criando essa nova realidade... depois de uns meses, houve momentos de falta de fé da nossa parte, de irritação da Mariana, pelo tempo per-dido em espera, recebemos a notícia numa maratona na Taíba, que a APAE havia assinado um acordo com o banco e que Mariana ira trabalhar no BNB, intermediado pelo Ambiente de Responsabilidade Socioambiental, na época liderado por Edgar Arilo. Ela iria, trabalhar na biblioteca do banco. Foi uma festa só, uma alegria e um ensinamento para mim como a nos fazer lembrar Walt Disney ao dizer que “se podemos sonhar, podemos fazer”

Hoje, fico feliz por ver Mariana toda atenciosa, recebendo as pessoas com respeito e cuidado no Centro Cultural Banco do Nordeste, é uma recepcionista delicada e comprometida. Iniciou outra fase, quer ser facilitadora de biodança, já não digo, nem sinto que não pode, contudo já expliquei que pre-cisa se preparar, quem sabe as voltas que o mundo vai dar e quantas coisas podem mudar... Atualmente, acho que ela é uma facilitadora da vida! E começou seu estágio... Assisti a uma palestra dela no Encontro Nordestino de Biodança em Natal-RN, no Encontro Nordestino de Educação e Cidadania em Fortaleza-CE e, nessas ocasiões, fiquei encantada com seu jeito alegre de envolver todas as pessoas do auditório.

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Lembro de uma vivência de biodança em que trabalhávamos o poder dos animais e havia um texto muito grande sobre cada desafio. Auxiliei Mariana e fomos ler juntas as características do animal que veio para ela. Verifiquei que ela rapidamente entendeu a metáfora e associava as respostas ao significado, relacionando aos quatro elementos da natureza. Foi uma sur-presa e alegria para minha condição de facilitadora. Quando comecei a perguntar sobre quais desafios ela sugeriria para cada participante, com a naturalidade de uma facilitadora-xamã, iniciou uma leitura lúcida sobre cada participante e, em muitos graus, sua fala tinha ressonância com o que havia pre-parado para cada participante.

Fomos madrinhasno casamento da Érica, nossa amiga co-mum, e inspiradas pelo lugar belo e acolhedor, passamos um bom tempo combinando como será a sua cerimônia de casa-mento, pois casar é também um sonho, que sei, será realidade. Mariana me convidou para ser a “madre”, vou fazer a cerimônia e como é típico de sua identidade, foi logo inclu-indo a Melina e a Paulinha, dizendo que elas serão as sacristãs, um modo lindo e afetivo de reconhecer a todo momento o bem querer que tem por todos.

Poderia descrever muitos momentos e muitos “causos”, mas vocês poderão desfrutá-los nos demais textos produzidos por tantos outros amigos da Mariana. Ao organizar este livro, tive o privilégio de conhecer mais o que ela causa em cada pessoa e saber que minhas observações estão corretas. Mariana de-senvolveu uma inteligência afetiva e uma inteligência prática, suas considerações sempre estão fundamentadas numa lógica não linear. Ela vai no centro de nossas almas, capta o que está acontecendo de modo não convencional e contribui com palavras doces e certeiras. Não sei denominar como é essa inteligência, mas vivenciei muitos momentos com ela.

Cássia Regina Xavier de AndradeAmiga da Mariana

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Um facho de luzRelato de seus pais

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A preparação para o nascimento da Mariana durou sete anos. Os empecilhos que se colocavam em nosso caminho contribuíam ainda mais para fazer crescer o meu desejo de gerar um filho. Vinda de uma família de 20 irmãos, de um pai presente na vida dos filhos e de uma mãe profundamente acolhedora, o meu in-stinto maternal sempre foi muito desenvolvido.

Os quatro anos de perseguição política e consequente clandes-tinidade para defender-me do regime militar no Brasil e um ano no Chile, onde tivemos o nosso primeiro asilo político, sempre foram alimentados pela esperança de poder concretizar o meu desejo de ser mãe. Quando, afinal, pudemos respirar com mais liberdade no nosso segundo asilo, na Alemanha, vimos que havia chegado o momento de realizar esse sonho.

Mariana foi gerada, então, numa época em que eu experimenta-va viver todas as formas de amor com uma intensidade, que mar-cou, não apenas a mim, mas a toda uma geração. Nós vivíamos a utopia de transformar o mundo e salvar a humanidade e para tão ousada tarefa era necessário ter muito amor dentro de si.

A juventude dos anos 60, a nossa juventude, pode desfrutar da liberdade de amar, de criar e expandir-se além dos nossos limites. Exercitávamos de todas as maneiras a vida coletiva, o compartil-har dos sentimentos, por isso a sua gestação foi festejada e vivida alegremente por todos os companheiros exilados fora e dentro

Sua mãe e amiga RuthUm facho de luz

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do Brasil, por nossos familiares e pelos novos amigos que nos acolhiam em seu país. Eu me sentia plena, além de prenha, numa gravidez curtida, saudável e feliz.

A primeira surpresa foi iniciar o trabalho de parto quase um mês antes do prazo. O que estaria ocorrendo, se tudo estava indo tão bem?

O João estava concluindo o curso de medicina, que de tanto recomeçar, sobrevivendo a todos os golpes, já durava 10 anos. Além de pai participante, sentia-se, como estudante, motivado a acompanhar todo o processo, daí ter recebido permissão de participar do parto, o que não era tão comum na época a partici-pação do pai.

A sua primeira observação ao vê-la saiu natural e carinhosa-mente: “minha nega, ela parece uma mongoloidizinha”, e eu retruquei tranquila: “é, ela tem os olhos repuxados como os seus”. Ele ainda chamou a enfermeira mais experiente e perguntou se ela não notava nada de estranho. Ela o tranquilizou, dizendo: “o senhor precisa sair para comemorar o nascimento de sua filha”.

Mais tarde, ela explicou que não tinha o direito de frustrar nossa alegria naquela hora, se depois teríamos tempo de receber a notícia. Ele saiu para festejar com nossos amigos, feliz nesse momento sublime em que o homem como ser também criador se completa admirando, sua mais perfeita obra. E eu descansei, como dizemos no Nordeste, na certeza de ter dado à luz a uma criança divina.

Só mais tarde, muito mais tarde, compreendi o porquê dessa forte sensação de paz e tranquilidade que minha filha me trazia naquela hora e permanece me presenteando até hoje.

No dia seguinte a seu nascimento, o médico não teve a mesma sensibilidade da enfermeira e mandou me chamar ao seu con-sultório. Já fui protestando, por ter que ir andando, lembrando-me, que a mamãe passava 40 dias de “resguardo” e eu tinha já

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que fazer aquele esforço; e mais uma vez tive pena de ela não ter nascido na Pedra Branca.

Quando ele me deu a notícia, pensei que não estava entenden-do mais o idioma alemão, tal era a minha dificuldade de aceitar a verdade. Quando pedi para ele explicar melhor, não pude ouvir o final, porque desmaiei. Talvez quisesse mesmo morrer; agora já não entendia mais o que a vida queria fazer de mim.

Na manhã que antecedeu a essa notícia, eu tivera uma conversa com uma companheira do quarto, perguntando por que todos do hospital vinham conversar com ela, que era alemã e mal notavam a minha presença e da outra que era turca. Eu e a turca tínhamos conversado e imaginávamos que estávamos sendo discrimina-das. Então, ela explicou que, como o hospital era evangélico e ela professava a mesma religião, eles estavam trocando material e ideias. Esse esclarecimento me fez ficar um pouco envergon-hada, por ter me antecipado no julgamento baseado na suposta predisposição contra estrangeiros.

Relembro esse fato para me fazer compreender no relato de um sonho que tive na noite em que recebi a notícia de que minha filha era portadora da Síndrome de Down.

Rolando Toro considera a função de sonhar como uma ativi-dade do organismo, destinada a manter o equilíbrio interno, um esforço do organismo para “resolver” conteúdos emocionais contraditórios e alcançar uma homeostase. Isso eu vim saber só três anos depois, quando descobri a Biodança. Na época, eu sabia apenas, que estava vivendo profundas contradições entre o meu sentimento de tristeza e desapontamento e o meu amor maternal, a minha visão de mundo, meus conceitos de felicidade, de beleza, minha vivência de desapego que já havia perdido tanto... No en-tanto, as perdas anteriores não representavam nada diante desta que dói nas entranhas.

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Além do apoio manifestado no amor do meu companheiro, dos companheiros de luta, amigos e familiares, um sonho foi de-cisivo para me ajudar a sair desta primeira fase. Refazer-me do impacto do desmoronamento daquele sonho, embalado por to-das as mães, de ter um filho saudável. Foi o começo da aceitação da nova realidade.

Eu sonhei que estava naquele quarto da maternidade, o mesmo quadro, ladeada pela alemã e pela turca, quando chegaram três freiras do Colégio da Imaculada, colégio no qual estudei interna durante 8 anos. Uma cena semelhante à das visitas que a alemã recebia.

Uma delas, falava que tinham sabido da minha tristeza por causa do problema da Mariana e que tinham vind me visitar, tra-zendo apenas um exemplo que, com certeza, iria me ajudar. Que-ria me apresentar uma freira nova que não era do meu tempo de colégio.

Quando dirigi meu olhar para a nova freira, vi que no lugar do rosto havia um facho de luz e daí saiu a sua voz dizendo: “Como você pode ver, eu não tenho cabeça e talvez, justamente por isso, eu me sinta iluminada e plenamente feliz”. A reflexão deste son-ho me acompanha até hoje com um sentido de alerta existencial e integração entre o meu pensar e sentir.

Acordei decidida a trabalhar em mim, mais ainda, os meus va-lores com relação à inteligência, à beleza, ao desempenho na vida e a tantos outros que uma sociedade voltada para o consumo cria como parâmetro de felicidade.

Dentro de poucos dias, a tristeza foi sendo substituída por uma profunda afinidade com Mariana e uma certeza de que conviver com ela seria um caminho para a minha coerência com a vida.

Pude estar presente e inteira para acompanhar a leveza com que ela foi se presentificando na minha vida e na de todos que convivem com ela.

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Muita coisa mudou com sua chegada, inclusive abriu novas perspectivas para minha vida profissional, despertou-me o in-teresse de atuar como educadora, também na área da educação especial, para poder compartilhar com outros pais e familiares a experiência que ela estava me proporcionando.

A metodologia empregada no seu atendimento em Estimula-ção Precoce foi outra grande ajuda que recebemos, por ter como premissa o envolvimento objetivo dos pais.

Ao voltar da Alemanha, decidimos criar um Centro semelhante ao que frequentávamos lá. Juntamos-nos à psicóloga Fátima Dió-genes, que conhecemos na Escolinha onde matriculamos a Mari-ana, o Centro de Estimulação Essencial. Assim fundamos, em 1981, o CDH - Centro de Desenvolvimento Humano, voltado para o atendimento de crianças portadoras de deficiência. Da sua fundação até hoje, o CDH, já ampliado na sua missão, tem sido o seu principal suporte terapêutico. Mais uma vez, motivados pelas suas necessidades e na busca de abrir espaço para a sua partici-pação e integração social, um ano depois, inaugurávamos a Es-colinha Raio de Sol com uma proposta de inclusão das crianças portadoras de necessidades especiais às consideradas normais, iniciando todo um trabalho de quebra de preconceitos, propi-ciando a integração de nossas crianças à escola regular.

Na convivência com Mariana, fui percebendo que ela deflagra-va sentimentos muito positivos não só em mim, mas em todos os que conviviam e convivem com ela, especialmente os familiares e amigos mais próximos.

Com estes, ela consegue estabelecer uma relação bem diferenciada, todas permeadas por muito afeto, muito cuidado e respeito ao modo de ser de cada um: Os seus dois pais, como ela costuma ressaltar, João e Cézar, ocupam, cada um, um lugar definitivo na sua vida e no seu coração.

A sua relação com o pai biológico nunca deixou de ser a

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Tezinha (madrinha e avó), irmã da Ruth, preparou muitos anivesários da Mariana - vó Tezinha, como a Mariana chama, em foto de setembro de 1982.

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preferencial, expressa no amor claro de filha e numa determina-ção muito profunda com ele. O Cézar, pai que a acolheu desde os três anos de idade, com uma total ausência de preconceitos, entregando-lhe seu amor por inteiro, recebe dela também um amor que não se abala em nenhuma circunstância.

Com os irmãos, tanto do lado materno, Sara e Davi, como do paterno, Marina e Maíra, exige algumas prerrogativas de irmã mais velha e é mais respeitada nos seus direitos do que mesmo protegida, o que ocorre também na relação com os primos.

As avós, tanto as legítimas, vovó Ana e Delourdes, quanto as que surgiram depois, vovó Zeli e a vó Tezinha que, de tia querida e madrinha, foi escolhida por ela para ser a sua vozinha, ela as foi conquistando pelo seu próprio jeito de ser, assim como os muitos tios e tias que ela também conquistou com o seu afeto.

Todos contribuíram decisivamente para que ela se tornasse uma pessoa tão integrada e capaz de curtir cada momento que a vida lhe oferece.

O seu círculo de amigos cada vez cresce mais, alguns já duram anos. Os profissionais, que com seu trabalho a fazem crescer e se integrar socialmente, seguramente crescem também no exemplo da sua espontaneidade e prazer de viver. Muitos se tor-nam seus amigos, numa relação que extrapola as paredes dos consultórios.

Quando do nascimento de seus irmãos, minha alegria foi do-brada, pela existência deles em si, que chegaram a mim como mais um presente neste misterioso acontecimento da materni-dade, mas também pensando no futuro da Mariana, o quanto eles iriam ajudá-la no seu desenvolvimento.

Hoje, já constato que o aprendizado foi mútuo, na convivên-cia natural, em que não existem privilégios nem discriminações, mas uma plena consciência dos limites e potencialidades de cada um e ela se encarrega de explicar estas condições quando é co-brada.

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A sua presença suscita permanente reflexão sobre a coerência de nossa postura. Por diversas vezes somos chamados a explici-tar determinados comportamentos, porque ela necessita de ex-plicações claras.

As suas conquistas são festejadas por todos, porque sempre trabalhamos no sentido de que ela tenha consciência do seu quadro, inclusive do ponto de vista de informações científicas, das quais ela também tem clareza.

Optou por estudar na APAE, aos 12 anos de idade, porque já percebia a defasagem para com os colegas do Instituto Alencar, onde estudou cinco anos.

Manifestou a necessidade de estar junto a colegas da sua idade e não com crianças menores fisicamente, embora no mesmo nível cognitivo. Lá chegando e encontrando tantos tipos de por-tadores de deficiências diferentes, perguntou para a professora quem era Síndrome de Down, porque já não estava reconhecen-do.

Já teve uma fase de querer ler meus livros sobre sua síndrome e como não alcançava ler de fato, devido à terminologia especí-fica, detinha-se nas fotos e comparava-as a si mesma.

Sente-se contribuindo, quando por diversas vezes já foi con-vidada para dar o seu depoimento na cadeira de Educação Es-pecial da UECE, assim como nos cursos de especialização da Secretaria de Educação do Município de Fortaleza.

Sou profundamente grata a ela por ter me ajudado a descobrir novos paradigmas e poder ter junto a mim o seu permanente exemplo, mostrando nos mínimos gestos o que é fundamental nas relações, qual é a essência do ser humano, às vezes até já es-quecida; dizendo-me por intermédio do seu movimento do dia a dia, do seu bom-humor, da sua sensibilidade e, sobretudo, de sua afetividade, do que na essência o ser humano precisa. Ela diz tudo com a sua presença amorosa, com seu modo natural, com pouquíssima contaminação da cultura.

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Para ela, em todas as situações, sempre prevalece o que é verdadeiramente essencial, tendo como principal fonte de ex-pressão os sentimentos que surgem por meio de sua ilimitada capacidade de estabelecer vínculos com todos e com tudo que a rodeia, chamando-nos a ter a coragem de sermos fiéis ao nosso lado luminoso.

A minha vinculação com ela transcende a esse laço por si só já tão forte entre mãe e filha; sinto-a como um facho de luz ilu-minando meu caminho.

Este livro foi concebido, inicialmente, como um relato da história de vida de uma pessoa muito querida por todos nós que integramos esta coletânea, chegando quase a uma homenagem a quem tanto busca ocupar seu espaço no mundo, evidenciando-se na sua inclusão na família, na escola, no mercado de trabalho e na sociedade como um todo como cidadã, tendo intensa partici-pação social e política. Mas o livro foi tomando outras direções e se constituindo também em fonte de pesquisa para familiares e alunos dos cursos promovidos pelo CDH – Centro de De-senvolvimento Humano e estudiosos em geral da Síndrome de Down. Esta constatação me levou a trazer para esta segunda edição algumas reflexões, não mais apenas como mãe, mas tam-bém como educadora biocêntrica já que nessa abordagem ped-agógica a nossa disciplina principal é a vida mesmo. Como mãe, eu me contentava em sentir que a Mariana dá à vida cada vez mais um significado essencial e vive plenamente feliz, como é destacado em todos os relatos do livro. Mas como educadora, eu desejava ir além do sentimento. Eu precisava entender e ex-plicar que o seu saber, não sendo racional, seria de outro âmbito, mas qual? Essa interrogação foi elemento motivador para que eu aprofundasse minhas pesquisas sobre a inteligência afetiva proposta pela Educação Biocêntrica. E com enorme alegria fui descobrindo, nas suas atitudes, que toda a construção do seu sa-ber vem da esfera vivencial e afetiva que a conduz para a forma-

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ção de vínculos intensos com ela mesma, com os que formam o seu mundo e com o todo que a rodeia.

Rolando Toro, ao fundamentar as bases da inteligência afetiva afirma que a qualidade da inteligência se organiza a partir da fonte afetiva e eu comprovo essa hipótese na convivência com a Mariana. A sua permanente inclinação de cuidado e empatia com essas pessoas lhe promove uma maior afinidade com a vida, manifestando-se subjetivamente no seu altruísmo, bom humor, ternura, solidariedade e amizade duradouras. Outra evidência de manifestação da sua inteligência afetiva é o seu crescente cultivo da expressividade, da comunicação amorosa, sem jamais fazer uso de qualquer tipo de agressividade.

A sua identidade se fortalece ao sentir-se respeitada e valo-rizada muito além do âmbito familiar. Tudo isso influencia na ampliação da sua percepção e visão de mundo. Ela se constitui na confirmação destes pressupostos da inteligência afetiva me ajudando, como fez em outras áreas da nossa convivência, a entender e explicar estes conceitos que compõem a Educação Biocêntrica.

Que os relatos e as manifestações afetivas de todos nós que integramos esta coletânea continuem ajudando a familiares, educadores e pessoas sensíveis a compreender e a amar os seres humanos que deixam transparecer a sua essência, à exem-plo da Mariana. Sem perder de vista o seu déficit cognitivo e consequentemente suas limitações intelectuais. Acompanho sua evolução e percebo que seu pensamento e as funções operatórias da inteligência vão se integrando e facilitando a sua aprendizagem, mas principalmente o seu “aprender a viver”, sabendo-se com direito ao amor em todas as suas dimensões e ensinando a todos nós a alegria de viver.

Ruth Cavalcante

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Ao contemplar Santiago do alto do Cerro de San Cristobal, em janeiro de 1998, percebi um sentimento diferente daquele de quase 30 anos atrás, quando me maravilhei pela primeira vez com a imponência da Cordilheira dos Andes.

À consciência de pertencer harmoniosamente a um sistema grandioso, acrescentava-se agora uma outra sensação de transcendência: a da paternidade. Naquele momento, estavam ao meu lado Marina e, Maíra. Enlevou-me a percepção de que algo de mim, de alguma forma, estará com elas, onde elas es-tiverem, durante todas as suas vidas e que assim também será com os seus descendentes, transmitindo, de geração em geração, a herança dos nossos ascendentes.

Mas a alegria não estava completa. Sentia que havia uma falta. Quando abracei as duas, compreendi: faltava a Mariana. Depois que resolvemos viajar sempre os quatro, pelo menos durante al-guns dias, em todas as férias escolares das três, esta foi a primeira vez que ela faltou. E por sua escolha. As reservas para nossa viagem ao Chile e à Argentina já estavam feitas quando a Ruth telefonou-me, informando que a Mariana havia sido seleciona-da para fazer curso de informática nas férias. Ruth pedia que eu verificasse junto à APAE (Associação de Pais e Amigos dos Ex-cepcionais) se havia possibilidade de o curso ser feito em outra ocasião. A resposta da Diretora foi de que não havia nenhum

João de Paula

Palavras de um pai apaixonado pela vida, pelo existir pleno de significado, pela Mariana...

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“Lhe damos as boas vindas, boas vindas... Venha conhecer a vida, eu digo que ela é gostosa...”

Caetano

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outro curso deste tipo programado. Diante da minha pergunta sobre o que nos recomendava fazer, sua resposta foi de que a decisão caberia a nós e que, qualquer uma que tomássemos, seria compreendida e acatada pela instituição.

Ocorreu-me, então, a pergunta: por que não colocar a decisão nas mãos da própria Mariana ?

Sua resposta foi rápida, direta e segura: “pai, viagem pode ser quando a gente quiser, o curso não”. Estava decidido!

O que ocorreu entre este dia de dezembro de 1997 e aquele 10 de setembro de 1977, em que Mariana chegara ao mundo como um bebezinho flácido, de olhinhos repuxados, mãos e língua atípicas?

Como evoluiu essa pessoa, que tendo iniciado sua vida nas mais adversas condições para desenvolver-se e que, contrariando prognósticos de todo tipo, tornou-se capaz de tomar decisões dessa natureza?

Para tentar esclarecer isso preciso historiar alguns fatos que se iniciam com o seu nascimento.

Quando após longas horas de esforços e dores da Ruth, que eu, na minha condição de companheiro e formando em medicina, procurava compartilhar, ouvi o primeiro choro da Mariana, levei um susto: ao olhar para ela sobressaiu-se a imagem de uma língua imensa, que se agitava freneticamente.

Mas tudo foi muito rápido. Em poucos segundos uma enfer-meira, envolveu-a com um pano e a retirou para outro ambiente, não me dando tempo para aproximar-me. Ficou-me a dúvida: a imagem era real ou fruto de alguma fantasia.

Ao pedido de Ruth para vê-la, a resposta foi que ela precisava de alguns cuidados, antes que pudesse ser trazida para a mãe. Procurei afastar minhas preocupações para cuidar de Ruth, que estava apreensiva e exausta. Quando ela adormeceu, e sem con-seguirmos ver a Mariana, tive que ir para a casa, pois o Evange-

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Embalar a vida, cuidar para que o amor aconteça... Mariana na Alemanha com alguns meses de nascida

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lisches Kraukenhaus era daqueles hospitais que não permitiam a dormida de acompanhantes.

Saí do hospital cheio de preocupações. Por que não nos permi-tiam ver nossa filha? Alguma coisa estava errada.

Ao chegar à comuna onde estávamos passando uns dias, en-quanto era feita uma reforma em nosso apartamento, fui recebi-do com uma festa em comemoração ao nascimento da Mariana, organizada pelos amigos alemães que ali moravam. O excelente vinho renano e a atmosfera acolhedora ajudaram-me a adiar as apreensões.

No dia seguinte, muito cedo, fui despertado com um telefone-ma da Ruth: chorando, ela disse a frase que eu temia ouvir: “meu nego, o médico acaba de me comunicar que nossa filha é excep-cional.”

Fui correndo para o hospital. Encontrei a Ruth em prantos. Ela havia recebido a visita de um pediatra que, com toda a clareza, tinha lhe dito que a Mariana era uma criança excepcional; o diag-nóstico de uma Síndrome de Down já estava feito, sem qualquer margem de dúvida. Ele já tinha lhe esclarecido o significado dessa síndrome.

Procurei imediatamente o referido médico, por coincidência, meu professor na Faculdade de Medicina de Colônia. Até hoje, suas palavras não me saíram da memória: “colega, como estu-dante de Medicina, você deve saber que a Síndrome de Down não tem cura. Prepare-se para um destino duro.”

No entanto, há uma opção: nesses casos, aqui na Alemanha, os pais podem entregar a criança aos cuidados de asilos especializa-dos. Quando ficou claro que essas palavras significavam a renún-cia à nossa filha, Ruth e eu não tivemos necessidade de perder um só segundo com essa hipótese.

A partir daí, também mergulhei no desespero. Era como se o céu tivesse desabado sobre minha cabeça. Era grande a comis-

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eração. Eu me perguntava, vezes e vezes seguidas; por que aquilo acontecera conosco? Por que com a minha filha? Por que com a minha mulher? Por que comigo? Mas não encontrava respostas.

A medicina não me satisfazia com sua explicação estatística de que em cada 600 crianças, uma nasce com a síndrome. O que me perturbava era por que justamente a minha filha tivera que ser essa uma em 600 e não qualquer outra das 599 que nasciam sem este problema? Foram três longas semanas de muita dor.

Até que um dia, em meio a centenas de interrogações, me fiz uma que me trouxe como resposta um clarão. Perguntei-me: será que Mariana, mesmo com a Síndrome de Down, pode ser feliz?

Quando obtive a resposta, de que sim, abriu-se para mim um novo horizonte. Pude me fazer a pergunta seguinte: se a Mari-ana pode ser feliz, o que eu como pai posso querer para minha filha mais que a felicidade? A resposta deu-me uma nova forma de encarar essa situação. Percebi que, nutrido pela felicidade da Mariana, eu também poderia ser feliz como pai.

Compreendi então que, o que conta, de fato, na vida é a feli-cidade. Entendi que toda a formação que recebemos, superdi-mensionando valores como a beleza, a inteligência, a fama etc., não tem consistência. Tive a certeza de que a alegria da vida não depende de valores como esses. E ao ter essa compreensão, desapareceu a dor, a decepção, o desencanto. Abriu-se então a porta de uma nova percepção dos meus sentimentos para com a Marina, para com a Ruth, para comigo.

Desapareceu a prostração emocional em que me encontrava. Reacendeu-se em mim o espírito de luta que sempre me acom-panhara em toda minha vida. A questão passou a ser então o que eu podia fazer para ajudar a Ruth, para juntos podermos ajudar a Mariana. Ruth rapidamente reacendeu também sua alma guer-reira. Em poucos dias estávamos planejando o que fazer para tornar o desenvolvimento da Mariana o melhor possível dentro

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Festa de 15 anos com os pais... ôôh noite hein Mariana??!!!

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das limitações que a natureza lhe impusera. Fizemos um pacto de colocarmos tudo que estivesse ao alcance da profissão dela, de psicopedagoga, e da minha, de médico, a serviço do desen-volvimento da nossa filha.

Começamos a buscar informações, onde elas se encontras-sem. Procuramos pessoas, instituições, publicações, tanto na ci-dade em que morávamos, como em outras cidades da Alemanha e dos demais países europeus.

Uma feliz coincidência nos propiciou a primeira e a mais im-portante fonte de ajuda que tivemos: Cerol, casada com um colega da minha turma, chamado Horst, havia feito uma espe-cialização e estimulação precoce de crianças portadoras de Sín-drome de Down; este casal, além de nos proporcionar um cabe-dal muito grande de informações, nos abriu acesso a um centro de estimulação precoce existente na universidade de Colônia.

Começou aí todo um trabalho de estimulação do desenvolvi-mento da Mariana, que é narrado no depoimento da Ruth.

Apresento, a seguir, algumas observações, lembranças, co-mentários, registros, e impressões sobre minha convivência com Mariana ao longo dos 20 anos da sua vida.

Mariana tem muitas características marcantes, mas penso que a principal é sua alegria de viver. Em muitas ocasiões, repito a ela uma pergunta, que faço desde que ela começou a ter com-preensão suficiente para respondê-la. É a pergunta sobre se ela se sente feliz. E a resposta nunca foi somente um sim, mas um sim vivo, entusiasmado, quente e sempre acompanhado de um “mas é claro, pai”.

Entre suas muitas habilidades, uma ressalta-se para mim como de verdadeira maestria: a de cativar pessoas. Chego a pensar que parece haver uma compensação na inteligência da Mari-ana. Aquilo que lhe falta da abstrata, talvez lhe sobre no que eu chamaria de inteligência social, que se manifesta na sua enorme

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facilidade de sintonizar-se com os diferentes ambientes em que circula, construindo, em cada um, relações significativas.

A construção destas relações envolve um repertório de ha-bilidades muito amplo, que inclui a empatia, o bom humor, a autoconfiança e tantos outros recursos de grande efeito nas rela-ções humanas. Poderia citar algumas dezenas de situações demonstradoras destas habilidades, mas vou limitar-me a apenas algumas, a título de exemplificação.

Quando íamos juntos ao Cais Bar, um dos locais mais famosos da Praia de Iracema, a Mariana é mais cumprimentada do que eu, que o frequento há mais de 10 anos. É enorme a quantidade de pessoas que a convidam a sentar-se às mesas em que estão, ou que vêm à nossa para conversar com ela. Nessas ocasiões, ela fica horas batendo papo, contando histórias, rindo como qualquer uma das pessoas da roda, com uma única diferença, a de que, ao invés, de bebidas alcoólicas, vira a noite na base da água de coco e refrigerantes.

Quando viajamos em companhia da Marina e da Maíra, suas duas irmãs de um segundo casamento meu, a Mariana manifesta essa capacidade de cativar, fazendo excelentes amizades aonde chega.

Estivemos há dois anos na Europa, em uma excursão saída daqui de Fortaleza. A Mariana criou uma atmosfera de tanta receptividade em relação a ela e de tanta vinculação com o con-junto das pessoas, que se tornou a figura mais preponderante de todo o grupo de excursionistas.

Nessa viagem, sua capacidade de relacionar-se não foi demonstrada apenas com o grupo de brasileiros. Lembro-me bem de que, na Alemanha, quando fazíamos um passeio de barco pelo Reno, ela entendeu de dançar com um grupo de alemães; de nada serviram nossas ponderações (da Mariana, da Maíra e minhas) de que ela não conhecia aquelas pessoas nem falava alemão pra poder entender-se com elas.

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Num determinado momento, quando nos demos conta, ela já estava dançando com os alemães, todos às gargalhadas, na maior animação, sem qualquer impedimento devido ao problema do idioma.

Nesta mesma viagem, em uma manhã ensolarada de sábado, quando estávamos em uma praça de Amsterdã, chegou um grupo de capoeiristas da Bahia para fazer um show de exibição de capoeira. Mariana, que tinha começado a aprender capoeira aqui em Fortaleza, quis participar da roda. Nós três, Marina, Maíra e eu, tentamos dissuadi-la dessa intenção. Mas, tanto ela insistiu que tivemos que concordar. E de repente, de um salto, ela estava no meio da roda, dançando com um baiano que tinha duas vezes sua altura, recebendo os aplausos surpresos de uma multidão de holandeses, aglomerados em volta da praça.

Um exemplo da capacidade da Mariana de seduzir pessoas para conseguir seus objetivos: uma noite em que ela estava comigo no meu apartemento, louca de vontade de ir para o Cais Bar e eu com muita preguiça; depois de insistir comigo várias vezes em vão, calou-se, saiu do meu quarto e, depois de alguns minutos, voltou com uma dose de uisque preparada, dizendo:

Se fica deitado aí nessa rede ou se quer ir para algum lugar. Não é difícil de imaginar qual foi a decisão.

Para a Mariana o que conta são as pessoas; as coisas são sem-pre secundárias. Isto se manifesta com frequência e nas mais variadas situações.

A última foi na sexta-feira santa, quando fui buscá-la para al-moçarmos fora. Quando ela entrou no carro, expliquei-lhe que talvez tivéssemos de esquentar um congelado em meu aparta-mento, pois eu não havia encontrado nenhum restaurante aberto no percurso até sua casa. Sua resposta: “Não importa pai, estando com você qualquer coisa é boa.”

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Há ocasiões em que me surpreendo com algumas frases da Mariana, que revelam um nível de compreensão e formulação além do esperado pelas contingências da Síndrome de Down. Alguns exemplos:

Em um dos nossos costumeiros bate-papos, a propósito de algo que já não me lembro, disse-lhe, brincando, para provocar-lhe seus brios feministas: “Faço isso porque sou muito macho.” Resposta dela: “Pai, você não precisa ser sempre macho, você pode ser também frágil.” Não acreditei que ela pudesse ter consciência de uma formulação tão complexa. Perguntei-lhe se ela sabia o sentido da palavra frágil. “Claro pai, sensível.”

Por ocasião do enterro do Edmilson, um primo nosso, quan-do saímos da capela do Parque da Paz em direção ao túmulo, começou a cair uma forte chuva. Sua observação: “Olha, pai, até a natureza está chorando.”

Chama também a atenção sua capacidade de utilizar provér-bios e frases feitas, com oportunidade e propriedade. Uma noite quando íamos para o Cais Bar, começou a chover. Estacionei o carro e propus voltarmos para minha casa. Sua saída: “Vamos em frente pai, quem sai na chuva é para se molhar”.

João de Paula

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MARIANA, BALZAQUIANA.

Mariana chega aos 30 anos. Adquire aquela idade que Honoré de Balzac exaltou como o ápice da exuberância feminina, fazendo-o com tanta propriedade que o termo balzaquiana passou a ser usado como homenagem às mulheres dessa faixa etária. Então, viva à Mariana Balzaquiana.

Mariana, que agora é balzaquiana, com toda a energia que sempre ex-trai do simbólico, preparou a festa de comemoração do seu trigésimo aniversário como mais uma data muito especial. Em uma conversa recente, quando uma amiga nossa relembrava a beleza da festa dos 15 anos da Mariana, ela emendou de pronto: “pois pense como vai ser a do duas vezes 15”. Essa é a Mariana, em mais uma manifestação de sua fulgurante presença de espírito.

Aliás, presença de espírito e humor requintado continuam sendo duas das características mais fortes do impressionante talento de comunicação da Mariana. Só relembrando alguns exemplos:

Quando ela me disse que havia começado a namorar aproveitei para lhe dar alguns conselhos. Brincando, falei que só podia pegar na mão do namo-rado. Nem fechei a boca direito e ela foi logo perguntando: “E beijar?”. Respondi que um beijinho numa bochecha, um beijinho na outra, também podia. A pergunta seguinte veio no seu estilo inconfundível: “E no meio das duas bochechas, pode?”

Outra sobre namoro. Quando me contou que foi ao primeiro filme com o namorado e lhe perguntei se tinha gostado, a resposta veio como uma bala, acompanhada de uma gostosa gargalhada: “Pai, do filme não sei nada. Foi

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só pipoca, refrigerante e beijo”.

A Mariana é a pessoa com quem converso meus assuntos mais íntimos. Quando lhe comuniquei minha decisão de separar-me da Izabel, uma pessoa que ela adora, sua primeira reação foi de um profundo silêncio. Depois de algum tempo, veio a sentença: “Não é por aí, João de Paula. Só o chamar-me pelo nome, forma que usa quando discorda de mim por qualquer coisa, já dava o recado. Depois de muitas explicações minhas, veio o veredicto final: “Ta bem, respeito sua decisão, afinal você é meu pai e amor pelo pai é para sempre”. Moral da história: nada de concordância, apenas uma aceitação condicionada por algo que ela considera maior, tanto que poucos dias depois telefonou-me, quando eu já havia me mudado para um hotel en-quanto esperava a devolução do meu apartamento que estava alugado: “E aí, como está pai?” – Estou aqui arrumando minhas coisinhas e pensando na vida, respondi. Ela que arrisca perder o amigo mas não perde a piada, emendou: “Pensando na besteira que fez?”. Não preciso dizer que os dois caímos na gargalhada.

Essa é a Mariana que agora virou balzaquiana. Não casou ainda, mas não por falta de namoro. Casar continua no seu plano e, como tudo que ela quer atingir em sua vida, é só uma questão de tempo.

Em seu segundo emprego (sua primeira atividade profissional foi um estágio), Mariana desempenha-se com o profissionalismo que as atividades requerem, tanto que só saiu do primeiro, porque apareceu uma oportuni-dade que ela considerou melhor.

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A propósito de trabalho, um fato que me surpreendeu: quando estava ainda em seu primeiro emprego, ela havia me pedido para dar carona a umas colegas suas para uma festa de comemoração de fim de ano. Puxei conversa com uma delas, perguntando-lhe há quanto tempo estava naquele trabalho. Disse-me que apenas há um mês. Quando lhe perguntei se já havia decorado todos os códigos (nesta empresa cada produto tem um código e os vendedores têm que sabê-los de cor) ela respondeu-me: “Não, mas os que não sei ainda a Mariana me ensina”.

Agora está toda feliz em seu emprego no Centro Cultural do Banco do Nordeste, trabalhando como Guarda-Volumes, uma atividade que domina inteiramente e que lhe dá a oportunidade de ter a coisa de que ela mais gosta na vida: contato com gente.

Quanto a nós dois, continuamos com um vínculo de amor cada vez mais forte, nutrido por formas de convivência que vão sempre se ajustando às mudanças na vida dela e na minha.

E para mim a Mariana continua como uma das principais fontes que me abastecem de orgulho e de felicidade.

João de Paula

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Mariana em 1982, no desfile de 7 de setembroEncontrei-a, Mariana, ainda criança, aos três anos de idade,

brincando com uma almofada, no chão do seu quarto. Eu a olhei e você me olhou. Foi o primeiro encontro, era outubro de 1980.

Empurrava a almofada, quando me viu; parou, deitou-se sobre ela e o brinquedo ou boneca que levava na mão, entregou-o a mim, estendendo o braço em direção à minha mão, juntamente com o seu meigo e profundo olhar azul. Sorriu-me, recebendo uma pessoa que não conhecia.

Senti-me na bifurcação do tempo e do conhecimento, sendo atraído por um novo ponto de luz - você me cativou e me lançou mais fundo na vida.

Recém-chegado a Fortaleza, um cearense que viveu 18 anos em Brasília, acostumado à luta política, à racionalidade acadêmica, ao jogo de poder das organizações, vindo para cá por meio de uma outra profunda descoberta - a Biodança - tão logo descobri um novo caminho ao encontrar Ruth, fazendo aquilo que eu também queria fazer - Educação Popular. Passei a Biodança para Ruth e Ruth passou a Pedagogia do Oprimido para mim e, profunda-mente, abriu a porta para que eu a encontrasse, Mariana, naquele dia.

Assim começou e assim foi por dez anos, e que agora continua de outras maneiras, mas no mesmo vínculo de amor, o qual se

Cezar WagnerMariana

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Mariana, Mariana, Sorriso de menina, Dos olhos de mar, Mariana, Mariana, Leve esta cantiga Por onde passar Lá, la...

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tornou eterno.Ensinei-lhe muitas coisas e aprendi muito com você, no silên-

cio do olhar, na riqueza do gesto, na doçura da presença.Lembro-me das nossas idas à praia, pertinho de casa, na hora

do almoço, quase todos os dias. De mãos dadas ou na “cacunda”, você vestida com um maiô vermelho e gelo, descíamos a rua até a praia. Ali brincávamos na areia e na água, só parando quando o picolezeiro passava.

Lembro-me dos brinquedos pedagógicos, do rolar no chão, do contato, das carícias, do correr por dentro de casa, dos feijõezinhos para pegar com a ponta dos dedos, do dançar, da cirurgia dos olhos, de sua resistência às doenças, do falar em construção desde o barulho com os lábios.

Lembro-me de sua relação, curiosidade, e depois acolhida, aos nascimentos da Sara e do Davi. Do amor de sua mãe para com os três.

Lembro-me de sua mãe brincando de estimulação precoce com você e com os filhos de muitos casais. Ensinando e entusiasmando mães e pais, por meio de uma proposta revolucionária (Ciência e Amor) para a época (1980) e que, só agora, é bem compreendida e aplicada em crianças com Síndrome de Down.

Lembro-me de você no colo de Ruth, abraçada a ela, toda or-gulhosa da mãe, em uma sutil e profunda comunicação que per-dura até hoje e só as duas sabem.

Lembro-me do amor de Tezinha por você, dos seus aniversári-os tão belos preparados pela vozinha. Quanto amor!

Lembro-me de você vestida com um short azul cáqui e uma blusinha amarela, com a lancheira dependurada no pescoço, en-feitada pela Tezinha e pela Vanda, indo comigo para a escolinha, com seus irmãos Sara e Davi. Íamos no chevette branco ou no bugre vermelho, cantando, uma cantiga para cada um. A sua era mim:

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Lembro-me das viagens à Pe¬dra Branca, do banho de açude, do subir no caramanchão, das brinca¬deiras com as outras crian-ças e do amor destas para com você.

Lembro-me, também, quando dos seus mal-feitos, do castigo que lhe dava, sentando-a no sofá por um certo tempo.

Lembro-me de você aprenden¬do a falar, chamando-me de Ié...Ié. Corria para os meus braços e me beijava. Sara e Davi aprenderam a me chamar assim, ensinados por você.

Lembro-me da Quixaba, de você seguir a Sara e o Davi, aceitando o esforço e o desafio de subir os barrancos. Voltava al-gumas vezes toda arranhada, mas sempre feliz por ter conseguido ir aonde eles estavam ou mesmo de ter ido até onde foi possível chegar. E seus irmãos, aos poucos descobrindo as diferenças, seguiam compartilhando com você das aventuras.

Lembro-me quando aprendeu a andar de bicicleta na Quixaba e a acolher com carinho o filho do casal de caseiros que, també nasceu com Down.

Com seu jeito natural e profundo de ser, com uma inteligência voltada para o todo do dito ou do visto, ensinou-me muito sobre a vida, o amor e sobre a consciência, a qual até então a compreen-dia de um outro modo, mais analítica, reflexiva e menos biocên-trica. Ensinou-me profundamente, assim como ensinou a muitas outras pessoas, principalmente a muitas mães e educadores que, além de uma consciência produtivista há uma consciência afetiva produzindo uma, percepção global, que tão profunda-mente você tem.

Em setembro de 1997, no Encontro Nordestino de Biodança, realizado em Teresina, após minha fala sobre a complexidade da vida, sua grandeza e o ato de participar dela, no silêncio fértil do auditório, você tomou do microfone e perguntou-me: “Cezar, depois do que falou, o que é a morte para você?” A pergunta chegou forte a mim e a todos que estavam ali. Respondi que até

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agora não saberia responder. Você, então, disse: estou satisfeita com a resposta.

Quanta percepção, quanta consciência, quanta sintonia para com o todo, brotam de sua mente, Mariana. Presenciei isso mui-tas e muitas vezes em nossa caminhada até hoje.

Com você apreendi a profunda realidade da natureza acon-tecendo em nós, pujante, inteligente e amorosa, ensinando-nos a viver por percursos de pensamentos e afetos que a sociedade mecanicista e produtivista, muitas vezes, nega-se a aceitar e a re-conhecer.

Para terminar, Mariana, quero lhe dizer que, como você dizia, continuo sendo seu segundo pai e fico feliz quando toma pelo braço João e, juntos, vão por aí, orgulhosos um do outro. Fico, também, feliz por esse novo momento de sua vida, cheia de amizade e mostrando que contribui muito com a sociedade, do seu jeito, através do amor, das palestras dadas nas faculdades, na participação nos encontros de Biodança e como membro da As-sociação da APAE, e agora ao começar a trabalhar nos Correios e Telégrafos.

Com eterno amor,

Cezar Wagner,Fortaleza, 12/12/97

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Mariana construindo sua identidade

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Processo de expressão gráfica da Mariana, crescimento, criatividade e determinação

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O amor é sorridente, é muito bom pra mim mas, é ruim ir para cama sem mais nem menos...

Mariana

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“É assim como eu me vejo, como essas mulheres, ou seja, uma mulher da noite - garçonete do Cais Bar”

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Dos 15 anos até ...

Como toda debutante, em vias de tornar-se uma pessoa da noite, de sucesso, achamos por bem mostrar à sociedade um pouco de sus intimidade, lá vai...

Mariana Você gosta de seu corpo? - Gosto.Qual parte que gosta mais? - Seios e bumbum. Me sinto bo-

nitaMúsica? - Adoro sons da natureza, Caetano e Simone.E o tipo de roupa? - Social e preta.Filme? – “Esqueceram de mim”, que é uma comédia e ao mes-

mo tempo emoção, lindo demais, saiu 10 gotas (lágrimas).Livro? – Sexo Apil, Mauro Mendonça vive um romance com

a ex-namorada. Eu leio bem, não sinto dificuldade em ler e es-crever.

Atualmente a Mariana é diretora de eventos da Associação de Síndrome de Down. Adora dar entrevistas, aliás Mariana adora conversar..., - sobre o quê? Alguns perguntariam, sobre tudo, responderíamos. Tendo uma vida social ativa, vai a escola, faz natação, biodança, participa de grupo de teatro, gosta de ver novelas, ouvir música e sair à noite, ela tem então muito assunto para conversar.

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Uma das coisas mais importantes no sua vida é a família, como ela mesma diz: “Sempre a primeira coisa vem a família, meus pais, eles me deram educação, a base”.

Toda a emoção, tanto na televisão, em entrevistas, como no palco é na hora dos aplausos. Ela se sente maravilhada, “porque o sucesso me atrai”.

Por incrível que pareça ela tem vergonha: “Sinto um pouquin-ho no começo, depois vai”. Fica constrangida quando é traída.

As pessoas importantes na vida de Mariana: “Ferreirinha, meu avô, ele faz tudo para mim, diz minha bênção, poesia; Francisco, avô materno, ele me embalou no braço quando era pequena... Tezinha, a madrinha avó; Mirtes, tia Mirtinha, passo minhas férias, fins de semana lá, lá eu me sinto em casa; D.Ana, é a se-gunda mãe presente, Cássia pela simpatia, mais liberal, senso de humor, Cleusa a ida, a monografia de vocês era como se fosse eu”.

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Mariana com suas primas e irmãs em sua festa de 15 anos.

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“Papel de filha é terrível. O pai enche o saco, a mãe enche o saco... Em 25/04/92“É, a vida de pai também é dura.”Mariana no mesmo dia, algumas horas depois

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Entrevista com a artista

- Mariana o que você lembra da sua infância de que tenha gostado muito?

Da minha infância o que eu mais gostei foi de dançar, porque é um dom de mim, eu dançava ballet, e depois do ballet eu fazia sapateado, parei, porque na primeira fase, vamos dizer assim, deixei as duas para entrar na Biodança.

- Você que decidiu fazer isso? Foi.

- E não foi ruim parar as danças que você fazia ?Não, porque depois eu comecei a conhecer as pessoas da Biodança, e marcou meus momentos com um dom especial.

- Que dom Mariana? De amigos abertos, sinceros.

- Quem você lembra desta época em que começou a fazer Biodança?

A Kátia e Lúcia Diógenes, que eram minhas facilitadoras de Biodança, Isabela, Juliana.

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- O que é a Biodança para você ? É uma escola de vida, cada assunto é importante, pois tem umas partes que é verbal e no se¬gundo tempo é gestos, é o seu gesto sendo demonstrado para o outro.

- Quem é Rolando Toro? Ele foi o criador da Biodança, no começo nunca teve confusão, agora ele transformou no pessoal dele, antes ele não tinha quem confrontasse, daí entra Cezar Wagner e a mamãe.

- Quem é o Cezar Wagner? Antes dele ser facilitador, ele foi professor da sala de aula.

- O que ele é para você? Ele foi um pai dentro e fora da Biodança. Ele que me criou.

- E o que você não gostou que tivesse acontecido na sua infância?

Eu morava numa casa de praia.

- Você lembra quando Sara era pequena? Lembro. Você sen-tia ciúmes? Sentia. Por quê? no começo ela era paparicada e aí pintou um ciúmes, e depois eu fui me acostumando.

- Como é a tua relação com a Sara e com o Davi? Agora mudou muito com relação a Sara, ela não aguentava as brigas com o Davi e foi para Barcelona.

- E contigo ela brigava? Só bate-boca, e ficava discutindo, ela não gostava que eu mexesse nas coisas dela.

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- E tu mexias Mariana? Mexia.

- Por quê? Por que eu não falava com ninguém e ia e pegava as fitas, baralho...

- E com o Davi?Quando a Sara viajou, as brigas que eram com a Sara se vol-taram contra mim, aliás eu apanho dele até hoje.

- Porque ele bate em você?

Ele fica me tezinhando, que vai contar tudo para a mamãe, as coisas que eu fazia com ele, teve um dia que eu bati no estômago dele, fiquei um mês sem ver televisão.

- E com as tuas irmãs por parte de pai, Maíra e Marina?

A Maíra é a mesma coisa que o Davi, apronta; todo o ca-çula dá nisso mesmo, provoca. Agora, com 14 anos, eles melhoraram bastante.

- Qual a qualidade que você mais admira numa pessoa?

Caráter bom, sem agressões.

- O que é amizade para você?

É o ponto para ser amigos.

- O que é ser amigos?

É ficar conversando assuntos mais íntimos, ser pessoal.

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- Você tem amigos? Tenho.

- Quem são teus amigos Mariana? No prédio tem a Léa, a Natascha e a Carol.

- Qual o lugar que você mais gosta de ir? Cais Bar.

- Você gosta de sair à noite? Adoro.

- Diga quais cantores você mais gosta? Elba Ramalho, Alceu Valença, Mauricío Mattar, Márcio Gar-cia, Simone, Djavan.

- Mas o Maurício Mattar não é ator? É ator e cantor.

- Você gosta de fazer teatro? Adoro. Por quê? Eu fazia quando era pequena com a Kátia, porque cada um tem um personagem.

- Sobre o que é a peça? Sobre o nosso amigo Paulo Freire.

- Quem foi Paulo Freire? É um educador, amigo da minha mãe, fazia trabalho com a minha mãe, educava as pessoas que não sabiam ler e es-crever.

- Você se interessa por política? Interesso. Tenho um amigo do PT, é o Inácio Arruda.

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- O que tu achas da política?A política é como um governo, governar nosso país.

- E como tu achas que anda o nosso país? Alguns políticos mentem.

- Quem? Fernando Henrique Cardoso, porque diz que vai consertar a ponte, tirar os meninos da rua e não faz.

- Quem você pensa que tem/teve um papel social impor-tante no nosso país?

Betinho.

- O que ele fez? Uma pessoa com o vírus da AIDS, tenta tirar os meninos de rua e alimentar; acabou falecendo.

- Você estuda? Estudo. Onde? APAE.

- O que é a APAE? Pais e Amigos, os pais não fazem quase nada; deveriam tra-balhar fora, procurar um emprego.

- Porque tu achas importante eles acharem um emprego? Para poder deixar os filhos no colégio e ir trabalhar, para gan-harem seu próprio dinheiro; são pobres mas chegam lá.

- Você gosta de estudar? Adoro. Por quê? Passar de ano.

- E o que tu aprendes no ano seguinte? Mudo de sala, e de professor.

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- É professor ou professora que tu tens? Professora.

- E o que tu preferes professor ou professora? Pode ser homem ou mulher, dá no mesmo.

- O que você mais gosta de estudar? Português. Porquê? Porque é uma língua nossa.

- Você trabalha? Por enquanto só como diretora de eventos.

- De onde? Da Associação de Down.

- Qual a comida da sua preferência? Urra, comida... rabada, lasanha.

- Você come frutos e verduras? Como, maçã e legumes.

- E medicamentos, você toma algum? Tomava e hoje eu substituo o remédio por peixe.

- Mariana dizem que você é chegada num microfone, é ver-dade?

Sou.

- Por quê? Porque meus pais gostam de fazer discurso e eu peguei dos dois.

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- Você acha que é parecida com seu pai? Ave Maria, tudo. Em quê? Ave Maria, eu usava óculos, ponto de farrear, as meninas, tem ciúme de mim com o papai.

- E com sua mãe? Com a mamãe é gestos, jeito de falar com sinceridade, ser aberta, e também o jeito dos cabelos, peguei o passado dela, os cabelos longos, jeito de caminhar, gostar da Biodança.

- O que te deixa mais brava? É provocação do Davi, ele quer as coisas na mão, água, sor-vete...

- O que te deixa mais feliz? Ver a Regina Duarte com o Fagundes.

- E na tua vida? (Explicando o que é ver Regina Duarte com o Fagundes): Ver o Stélio com você - Agora entendeu?

- O que tens para dizer? Por enquanto é só, né?

E por falar em limites, este livro é justamente para verificarmos as possibilidades que temos dentro do nosso emaranhado com-plexo que chamamos identidade, uma identidade que se constrói dia a dia, avança, olha para trás, aprende um pouco mais, segue em frente em busca de saber mais.

O João de Paula nos contou que uma vez ao recla-mar de seu hábito de falar só, ela responde:

- Pai, cada um tem seus limites...

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A Biodança e a Mariana

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A religião

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A Natação

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A presença dos amigos e familiares no processo de crescimento da Mariana

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Marina Araújo Ferreira, 16 anos.

Muitos dizem que a Mariana é minha meio irmã, mas eu não a considero assim. Para mim ela é minha irmã. Até mais que irmã, uma amiga. Ela tem síndrome de down e por isso tem um trata-mento diferenciado. E eu acho que ela é especial. Não por não ter a mesma capacidade que as outras pessoas, mas por ser tão boa, extrovertida, carinhosa, alegre, sociável e ter que superar (e conseguir) o preconceito das pessoas que não a conhecem e ter ainda que vencer suas limitações.

Desde criança tive que conviver com isso e percebi que ela teve um ótimo acompanhamento por parte dos pais, o que foi muito importante para ela ser como é hoje: consciente de que é excepcional, porém não é triste por ser assim e aproveita os dons que tem. Minha outra irmã, Maíra, eu, meu pai e ela sem-pre saímos juntos e eu me divirto muito, pois além de tudo ela é engraçada.

Não tenho vergonha de dizer pra ninguém que tenho uma irmã que tem mongolismo, porque ninguém tem culpa disso e também porque isso não é um defeito. Muito pelo contrário, essas pessoas podem não ser muito inteligentes, mas são extremamente sen-síveis e inocentes.

Todos que conhecem a Mariana gostam muito dela, pois ela é uma pessoa que conquista a todos com seu jeito simples e por ser tão diferente dos outros; não se aproxima de ninguém por

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interesse e sim para fazer amizade e ter companhia. Uma das coisas de que ela mais gosta de fazer é sair à noite, ficar num bar jogando conversa fora e cantar ao som de uma música ao vivo; para ela seria maravilhoso se pudesse sair com nosso pai para “farrear” toda noite.

Adoro vê-la fazendo discursos. Muitos chegam a se emocionar pelo seu jeito de falar e encarar a vida.

Ela é muito sincera e o que eu acho extraordinário é como é preciso tão pouco para fazê-la feliz. A Mari é diferente dos outros excepcionais ,porque nunca tentaram escondê-la, o que aconteceu foi o contrário. Ela hoje se dá muito bem em esportes, estuda, tem atividades extracurriculares, inclusive, agora está até fazendo um curso de computação.

Há dois anos fomos para a Europa passear e ela foi conosco. Conheceu lugares diferentes da realidade dela e reviu o lugar em que nasceu, Colônia, na Alemanha.

Quando criança não entendia muita coisa, mas hoje percebo a sorte que tive de tê-la como irmã. Mais que tudo, isso é motivo de orgulho. E posso dizer que a amo muito, uma coisa que é muito fácil para quem a conhece.

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Norberto e Maria de Lourdes

Netinha Mariana:Deus a abençoe.No lançamento do meu segundo livro (Coletânea) em 24 de

outubro, em Fortaleza, você declarou que iria escrever um livro da sua vida. Duvidei, mas você já está com essa ideia amadure-cida. Com a inteligência que tem, você está capaz de levar adiante essa belíssima ação.

São fortes os votos de seus avós para que você se saia muito bem dessa tarefa, que não é fácil.

Com esse senso crítico que você tem, aplicado sobre as coisas da vida, cremos que irá longe nesse caminho lidando com as le-tras.

Se precisar de ajuda, conte com os seus avós, pois estamos à sua disposição e com grande fé e esperança na sua vitória.

Dos avós Norberto Ferreira Filho e Maria de Lourdes Mon-teiro.

Crateús, 27 de maio de 1998.

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Maíra

De irmã para irmã:No começo eu achava meio estranho. Não entendia muito bem

o que acontecia. Mas agora que cresci, passei a compreender me-lhor o que seria ter uma irmã como a minha. Compreendo agora que a Mariana é alegria, sinceridade, personalidade, inteligên-cia, animação e, principalmente, orgulho para todos que a con-hecem.

A Mariana tem em sua personalidade uma pessoa que é um exemplo de amiga, filha... e eu tive a sorte de tê-la como irmã. E tenho a obrigação de amá-la e a amo. Mas não como uma obriga-ção, é fácil mesmo amá-la e difícil não ser contagiada por sua grande personalidade.

Maíra Araújo Ferreira, 14 anos.

Madalena

MarianaNossos contatos são nas festas de família e nos encontros de

biodança. Encontrá-la em outros ambientes foi muito importante, porque tive a oportunidade de percebê-la como uma pessoa que contagia a todos os que compartilham da tua presença.

Por onde tu passas ilumina os corações.Sinta-se abraçada e beijada neste momento tão belo de tua

vida.

Madalena - 10/05/98

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Ana Maria

MarianaEscrever para você não é assim uma tarefa tão fácil, porque

escrever é transformar sentimentos em palavras e nesse caso elas são ineficientes para traduzir a tua grandeza.

Dos poucos encontros que já tivemos, nenhum passou desper-cebido. Num deles o tema foi a coincidência dos nossos nomes MARIANA/ANA MARIA: eu te chamei atenção para a particu-laridade, falando que teu nome era o meu de trás para frente, e depois num outro momento que nos encontramos tu me chamaste: - Ei, minha prima da “frente pra trás”!

Quero te dizer que somos primas em todos os sentidos de “trás pra frente” e “da frente pra trás”.

Um Beijo grandeAna Maria – 11/05/98

Tia Luzia

Marianatem sua marca registrada em nossa família como a sobrinha que

sabe conquistar a todos.Aqueles de quem ela se aproxima envolve com seu jogo ma-

treiro.Em uma das vezes em que foi a nossa fazenda, carinhosamente

adotou a mim e ao José Ivan como pais, chegando a dizer ao João que não iria voltar para Fortaleza. Com esse seu jeito, nos deixa a seus pés.

Um beijo carinhoso da Tia Luzia - 10/05/98

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Mirian

MarianaQue bom compartilhar da alegria em torno de Mariana, na

elaboração de seu livro. Feliz foi a ideia destes depoimentos, do relato de “casos”, dando assim a oportunidade para outras pes-soas conhecerem sua história. Dela por certo tirarão muitas lições de vida.

Mariana, ora menina-moça, ora moça-menina, a todos cativa com seus gestos peculiares. A maneira como reage diante de al-gumas situações, é surpreendente. As “tiradas” sobre os regimes que muitas vezes lhe são impostos, são fantásticas...

Enfim, plagiando o programa de TV, podemos dizer- MARI-ANA É GENTE QUE FAZ.

Tia Mirian vibra com ela, na alegria contagiante de sua vida, que mesmo tendo algumas limitações, é plena de vitórias.

Mirian, Julho/1998

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Olga

MarianaÉ uma sobrinha querida que no decorrer de sua vida propo-

ciona a todos nós da família, momentos alegres e descontraídos. Considero-me mais privilegiada que as demais “Ferreiras” (como carinhosamente a Mariana nos chama), pois a convivência no CDH, nas viagens a Crateús, nas quais “eu tomava conta” e nas vezes que ficou em nossa casa, encantava a todos.

Eu, Haroldo, Michelle e Patrícia curtimos momentos agradá-veis com sua presença querida.

Mariana foi um grande presente para João e Ruth, presente este que se estendeu a todos da nossa família.

Um beijo da tia que te adora

Olga - 12/05/98

Tia Gogólia

Com seu jeito cativante, conquista a todos. Ela é muito querida e adorável.

Quando vai a Crateús, fica lá em casa e nos diverte bastante com seus comentários e gracejos. Ela é inteligente e sagaz, a tia ou tio que está por perto é sempre o mais querido para ela.

Um beijo daTia Gogólia - 10/05/98

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Patricia

MarianaFalar sobre você é muito agradável, todas as vezes que

estivemos juntas sempre nos divertimos bastante, seu jeito doce e alegre sempre me encanta.

Recebê-la em minha casa é sempre motivo de festa. Lembro uma vez que você passou três dias com a gente e resolveu que eu seria sua irmã e devido ser mais nova que você, eu sería sua irmã caçula. Depois disso ela disse que como era minha irmã, tinha direito sobre todas as minhas coisas, e sempre vinha com frases do tipo:

- Eu posso perfeitamente usar seu roupão, afinal somos ir-mãs, maninha.

- Você tem que me obedecer, minha filha, lembre que sou sua irmã mais velha, tenho todo direito de mandar em você.

Quando ela foi embora deixou um grande vazio na casa, sua alegria tomava de conta de todos; senti falta dos nossos papos até altas horas da madrugada e do seu jogo de paciência, que só você sabe como jogar.

Um beijo da “irmã caçula”

Patrícia

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Tia Rita Maria (Cocada)

MarianaApesar de pouco conviver com ela, tenho imenso carinho e

admiração pelo seu jeito único de ser.Sua lembrança e inteligência são extraordinárias, pois lem-bro-

me que na ocasião de uma festa de família que ocorreu na fa-zenda Várzea Redonda (tio Zé Ivan e tia Luzia), colocou-me o apelido de “Cocada” e passou muito tempo sem ir a Crateús, mas quando lá andou, logo que me viu foi logo dizendo:

- Como vai Cocada?Fiquei boquiaberta com sua memória maravilhosa.Mariana sua presença nos faz falta, gostaríamos de conviver

mais com você.Um cheiro carinhoso da

Tia Rita Maria (Cocada)10/05/98

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Maria do Socorro

MarianaO teu nome traduz o “Ser” maravilhoso que és:MeiguiceAlegriaReceptividadeInteligênciaAfetoNaturalidadeAmorCom um beijo da tia Socorro, que só tem que agradecer a Deus

pela oportunidade de ter uma sobrinha maravilhosa como você.

Crateús, 10 de maio de 1998Maria do Socorro Ferreira de Oliveira

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Lourdes

MarianaTu vieste a este mundo com a graça de quem sabe viver o que

há de mais nobre e sagrado.Te encontrar é uma festa!Teu abraço sempre macio e verdadeiro, toca os sentimentos

mais humanitários que existem em nós.Teu sorriso é como a brisa, nos afaga a face.Tua história inspira coragem para se seguir com os olhos no

horizonte a espera de um sol sorridente que alegra a vida da gente.

Da tua prima que te admira e quer muito,

Lourdes10/05/98

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Myrthes e Leunan

A nossa convivência com a Mariana já tem uns quinze anos. Não foram ininterruptos, até mesmo porque morávamos em São Luiz e ela, em Fortaleza, mas durante algumas férias ela esteve lá onde tínhamos um contato mais estreito e podíamos observá-la melhor. Uma coisa que sempre nos chamou atenção era o fato de quase sempre estarmos confundindo-a com uma pessoa igual às demais, em face de seu comportamento quase normal. Deste convívio extraímos algumas observações e destacamos alguns fa-tos que demonstram algumas característica.

TRANQUILA - Apesar da situação e da idade, Mariana nunca se apavora. “Calma” é uma de suas palavras de ordem. “Calma, meu!” é o que ela diz quando alguém lhe pede para ser rápida. Arruma-se sem pressa, mesmo que esteja muito motivada para ir a algum lugar.

ORGANIZADA - Quando vem passar dias conosco traz a sua bolsa com mais roupas e objetos do que precisa. Vez por outra está organizando as “coisas”. A seu modo, dá a cada coisa o seu lugar. Nunca observamos a desordem que seria normal no quarto de uma criança ou adolescente. Aliás, ela tem sempre presente a questão da sua idade.

PESQUISA - De sua livre iniciativa, escolhe temas para pes-quisa em revistas. Recentemente, foi sobre a atriz Vera Fischer. Coloca a seu lado todas as revistas disponíveis e vai folheando-as página por página para encontrar alguma coisa, es-pecialmente fotos da atriz. Pacientemente, recorta as fotos e organiza tudo.

Em outros momentos pesquisou sobre Tarcísio Meira e outros atores.

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MÚSICA - O gosto pela música é talvez uma de suas características mais marcantes. Tem uma atração muito grande por instrumentos musicais. Estando com o violão ao seu lado, esquece o tempo. Imagina-se uma compositora. Pega um pa-pel e vai escrevendo as suas ideias, ao mesmo tempo em que vai “tocando”. Toca um pouquinho e escreve como quem está compondo. Não importa que o violão tenha apenas duas ou três cordas. Conhece muitas músicas e muitos intérpretes. Sua afini-dade maior é com os bons intérpretes da MPB. Distingue, per-feitamente dos cantores “bregas” ou de “dor de cotovelo”, mas demonstra muita afinidade com a boêmia. Imagina situações em que está “tomando umas” para inspirar-se.

FICAR SÓ em alguns momentos é uma de suas preferências. Torce pelo período das férias para poder vir ficar conosco, ten-do o quarto só para ela. Estando só, sua imaginação vai longe. Reproduz cenas de novelas. Gesticula. Às vezes se esquece e fala alto. Mistura-nos com os seus personagens. Sempre o tema família está presente. Nas dramatizações quase sempre ouve-se a expressão “a nossa família...”. Quando percebe que está sendo observada, geralmente muda o tom ou disfarça. Há uma mistura entre os personagens da novela atual com pessoas ou fatos acon-tecidos na família. O pai e a mãe são os seus ídolos principais e o grande sonho é que voltem a viver juntos. Mas considera a separação como uma coisa normal, pois ela diz como muita natu-ralidade: “Quando eu tiver o meu primeiro marido...”

OBSERVADORA - Embora pareça não estar atenta, capta tudo que acontece ao seu redor. Vez por outra surpreende com uma observação sobre uma conversa ou pedaços de conversas que ouviu. Quando provocada relembra fatos acontecidos há muito tempo. Ainda hoje é capaz de lembrar-se de algumas coisas que aconteceram quando de suas primeiras férias em São Luiz.

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ESPIRITUOSA - Alguns fatos mostram esta sua característica. Por exemplo: Quando estava aprendendo a “reza” para prepa-rar-se para Primeira Comunhão, Donana, sua avó materna, per-guntou: “Mariana, sabe quanto são os mandamentos da Lei de Deus?”. Ela respondeu que não. Donana disse: - São dez, Mari-ana. - E ela comentou: - arre égua, como é muito!”

A maioridade é um dos seus sonhos. Faz muitos planos para quando atingi-la. Um deles é poder tomar uma cerveja e outro mais importante que ela repetia ao ser provocada era “para me libertar da escravidão dos Cavalcante”. Isto é da família da mãe. Mais adiante quer libertar-se dos Ferreira, o lado paterno.

POLÍTICA - Diz-se do PT. Conhece bem várias estrelas do partido. Torcia pelo Lula e fazia propaganda. Mas um dia, na época da campanha Lula X Collor, estava com raiva da mãe, por algum motivo. Alguém perguntou em quem ela votava para presi-dente. Como a Ruth estava por perto, para atingi-la, Mariana respondeu com toda ênfase: “Fernando Collor de Melo”.

DESINIBIÇÃO - Não perde a oportunidade de fazer um dis-curso. Se não for chamada, insinua-se. Sendo chamada, não põe obstáculo. Coloca as mãos sobre a mesa, encara a plateia e fala. Não tem o menor medo de microfone. Aliás, sente-se atraída por ele, seja para falar, seja para cantar.

VIAGEM À EUROPA - Depois de voltar da Europa onde es-teve com o pai e irmãs, Mariana conversou muito. Como havia nascido na Alemanha, esteve lá e viu a casa onde moravam os seus pais. Dizia relembrar-se de tudo daquele tempo em que mo-rou lá. A certa altura quando alguém perguntou se vira alguma Igreja bonita na Europa ela respondeu que vira a Igreja Universal do Reino de Deus.

CONSCIÊNCIA DO VALOR - Certa vez Myrtes e Mariana tinham que ir a algum lugar e estavam ali esperando-me para levá-

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las de carro. Por brincadeira, provoquei: - Por que vocês não vão de ônibus? Mariana logo tomou a palavra: - Eu tenho um nome a zelar.

PROVOCAÇÃO - Para testar a sua reação, digo que o meu programa de domingo à tarde vai ser deixar as duas (Myrtes e Mariana) em casa e vou para o forró no “Gigantão da Zé Bastos” e depois no “Forrozão da Mister Hull”. Mariana reage imediata-mente. - Já sei. Forrozão da Mister Hull é o fundo da rede e a banda é Neston com Leite (O Neston com Leite é uma referência à banda Mastruz com Leite e ao hábito que se tem em casa de tomar toda noite o Neston).

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Com a tia Myrthes e o Davi

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Lucinha, sua professora particular e educa-dora há muitos anos...

Conheci a Mariana em 1982, quando fui sua professora na Es-colinha Raio de Sol, da qual sua mãe fazia parte da direção.

Foi minha primeira experiência na área de Educação Especial, uma vez que Mariana é portadora da Síndrome de Down. Desde então, todo o meu trabalho está voltado para essa área.

Atualmente, realizo junto a Mariana um trabalho extraescolar de reeducação pedagógica, no qual me sinto bastante satisfeita pelos progressos alcançados, representando para mim um mo-mento além de educativo, muito terapêutico, por seus questiona-mentos, suas colocações e sua sensibilidade.

A Mariana me surpreende e às vezes me deixa perplexa, pelo seu nível de compreenção e percepção, usando todo o potencial de inteligência, que comprovando ainda mais que as pessoas com necessidades educativas especiais podem ir muito além do que acreditamos.

As atividades que realizamos nas sessões de reeducação pe-dagógica se referem, além de tarefas escolares, a situações práti-cas de suas vida, procurando contextualizá-las.

Apesar de la já ser alfabetizada, faço um trabalho que continua ajudando-a no seu processo de leitura-escrita.

Mariana tem como todo mundo, desejo de aprender, conhecer, explorar e principalmente de ser feliz, participando de forma natural dos acontecimentos, além da capacidade de com-preender as situações e tentar resolvê-las.

E comum nos nossos encontros darmos muitas gargalhadas, pois ela sempre traz algo divertido.

Uma vez pedi para que escrevesse sobre alguém de que ela gos-tasse muito e escolheu o Cezar Wagner. Fiz um roteiro para que

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ela o seguisse, como por exemplo: aspectos pessoais, físicos... Perguntei-Ihe:

- Mariana, como é o Cezar? Magro alto, baixo?- Ela respondeu-lhe:- Bom, da última vez que eu vi ele estava da mesma altura.Num exercício do livro de matemática, pedia para que ela de-

senhasse as pessoas de sua família, da sua casa, em ordem cres-cente quanto a estatura. Ela demorou a aceitar-se como a mais baixa e desenhar as pessoas no ar, sem a linha de base, que seria o chão.

Disse-lhe: - Mariana, você desenhou as pessoas no ar?Ela respondeu: - Ave Maria, ninguém deixa a gente voar nem

no papel.São atitudes como essas, que fazem com que trabalhar com a

Mariana seja um prazer, pois além de educada, afetiva, inteligente, sincera, solidária, divertida. Ela faz com que eu compreenda cada vez maior, que são as diferenças que nos aproximaram e que as desigualdades é que devem ser excluídas.

Considero a Mariana uma pessoa coerente, respeitada por sua família, seus amigos nas suas atitudes e desejo; capaz de atuar na sociedade de forma adequada, integrada, assim a sociedade permita, dando-lhe condições favoráveis para continuar se de-senvolvendo.

Mariana, você vai ficar na história!O século XXI lhe espera.Educação para todos!

Um beijão,sua professora particularLúcia Diógenes

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Cleusa

Mariana é uma pessoa carinhosa, que consegue transcender ao individualismo dos dias atuais. E autêntica e por mais que às vezes choque, ou desagrade as pessoas com seu jeito imperativo de ser, Mariana é ela, sem procurar agradar ou vestir máscaras.

A primeira vez que a vi foi num encontro de Biodança, em 1994, em salvador, Bahia. Percebi que ela conversava com todo mundo, participava dos debates, das vivências e senti uma vontade de me aproximar, não sei explicar exatamente o porquê, mas acho que era como em qualquer congresso ou encontro em que você vê muita gente e de algumas você sente vontade de se aproximar, conhecer melhor...

Num primeiro momento, sentia dificuldade em entender tudo que ela falava, algumas palavras eu não compreendia e por nunca ter tido um contato mais próximo com alguém com Síndrome de Down ou qualquer outra deficiência, ficava com vergonha de perguntar. Aos poucos, fui percebendo que, por ser um encon-tro nordestino, a maioria das pessoas a conheciam e a tratavam normalmente, conversando e perguntando quando não a enten-diam.

Quando a vi pela segunda vez, foi em outro grande encon-tro de Biodança, agora em Fortaleza. Senti muita alegria quando Mariana me reconheceu, apesar do pequeno contato um ano an-tes. Com o passar do tempo, e com minha vinda para Fortaleza, em outubro de 1995, fui pouco a pouco me aproximando mais e mais de Mariana e aprendendo muito com ela.

Desde aquele primeiro encontro em Salvador, observei que ela já era conhecida por suas perguntas audaciosas, por sua partici-pação, e que muita gente tinha histórias de Mariana para con-tar. Pensava que estas histórias não deveriam ficar apenas nas rodas de amigos, mas de alguma forma registrada, pois para mim

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a história de Mariana é um exemplo, como poucos, de uma pes-soa com uma deficiência que, com o respeito, amor e sobretudo a coragem de seus pais conseguiu se socializar e, se socializando, para contribui mais que muitas pessoas ditas “normais”, com seu exemplo, suas palavras, sua presença.

A ideia deste livro surgiu com este intuito, longe de querer-mos vender ilusões, mostrar um pouco do que o Amor é capaz, e o desejo de presentear Mariana.

Mariana, você para mim é vidaé alegria, a simplicidade de serSer, sem medida,com limitações desta própria vida,garra, esperança, carinho,bom humor, vontade de viverreconhece seus erros e imediatamenteprocura corrigí-losatenta ao outro, você Ouve.Você é biocêntricatem a fala enraizada na sua emoção, no seu sentimentonão fala para agradar, mas geralmenteagrada quando falaMariana, contigo estou aprendendo aver a vida mais simples.Obrigada pelo teu carinho, pela tua sensibilidade e que Deus te

proteja sempre!

Mariana, hoje aos 20 anos de idade, participa de campeonatos de natação, joga capoeira e é atriz da peça “Humilde Mestre”.

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Cris

Naninha, sempre tive uma grande admiração por ti. Tua in-teligência emocional me impressiona e quando tu falas, calo para escutar a sabedoria que vem de ti. Penso que tu és uma espécie de “Merlim” da Biodança. Tua participação nos encontros nordesti-nos e nacionais de Biodança é fundamental.

Recordo de alguns momentos em que tuas perguntas após as mesas redondas valiam mais que muitas respostas. Lembro-me que, quando discutíamos sobre biodança e ação social, tu logo questionaste: “Por que não tem Biodança para os pobres?” res-suscitando uma antiga discussão sobre a elitização da biodança. Tu foste também divina quando após uma palestra em que o ora-dor (Cezar Wagner) foi bastante “transcendente”, tu questionaste: “E o que é a biodança após a morte?”. O Palestrante respondeu: “Não sei , Mariana”. E tu complementaste: “Você respondeu o que eu queria ouvir!”, dando uma lição de humildade para todos nós. Neste mesmo encontro, um outro conferencista (Cipriano Luckesi) falou de uma maneira muito co-movente sobre a vida. Tu inquiriste qual a importância da “Bio-dança para a construção da vida, levantando a bola para que Cipriano convidasse a todos a se empenharem arduamente em todos os momentos em defesa da vida, seja qual fosse o mo-

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vimento que fizesse parte: bioenergético, biodança, movimento verde, MST, Transpessoal etc. O que importa é o elo comum que nos une, é a proteção da mãe GAIA e de toda espécie de vida. Foi neste encontro em setembro de 1997 que tive a ideia de escrever este livro, ideia que foi logo abraçada por nossa fada madrinha (A Cássia), que sempre realiza nossos sonhos. Creio eu que tua mãe, aliás, teus pais, com certeza também acalentavam este desejo. Naninha, tu és para mim uma luzinha acesa iluminando o nosso caminho com tua sabedoria inocente e profunda. Às vezes fico te observando. Percebo quanto são puros os teus movimentos. Teu sorriso moleque me contagia. Teus olhinhos miúdos me dizem o quanto o amor é suave. Tuas palavras me fazem pensar horas sem fim. Tua sexualidade transparente, como água pura, me en-sina a beleza de não ter medo de amar. Os teus abraços calorosos me lembram o aconchego das crianças quando estão saudosas de suas mães.

Naninha, não deixes ninguém atrapalhar teu brilho. Você é um cometa bonito de se ver, bom de recordar e leve, a nos fazer voar. Continue sempre a nos questionar com tuas perguntas im-prescindíveis para nosso crescimento. Conte com o nosso carinho e com nossa presença atenta às tuas peripécias.

Cris.

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Davi

Eu gostava de brincar com a Mariana em um cajueiro muito grande que tinha no sítio em Quixaba, porque ela topava tudo, sem resmungar. Sempre foi assim em todas as brincadeiras, mes-mo naquelas em que ela tinha dificuldade de participar. Ela sem-pre procurava imitar a mim e à Sara. Quando ela cresceu mais, foi mudando, já não era todo tipo de brincadeira que ela queria brincar, foi ficando mais adulta e querendo conviver mais com pessoas mais velhas, preferindo assistir novelas, jogar paciência ou escrever. É incrível como ela gosta de escrever, por isso não me admiro dela ir publicar um livro. Quando eu era menor e tinha medo de dormir só e a mamãe não estava em casa, eu me sentia seguro com a Mariana mais do que com a empregada ou com a Sara. Sempre que eu brigo com ela, eu fico com pena, porque ela faz uma carinha tão triste que dói no fundo do coração. Eu nunca me incomodei por ela ter Síndrome de Down, mas ficava com muita raiva quando a gente estudava no mesmo colégio e os meninos implicavam com ela, no prédio. Também eu sempre me preocupei quando ela descia com medo que os meninos brigas-sem com ela.

O que eu gosto mais na Mariana é o seu jeito carinhoso de ser; ela tem muita capacidade de perceber as pessoas, quando a gente está doente, triste ou pensando em alguém ela já vai deduzindo

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o que é, e trata de consolar ou está perto da pessoa. Outra coisa que admiro nela é a sua esperteza, às vezes eu faço algumas pro-posta para ela, peço dinheiro emprestado pensando que ela não vai perceber, mas ela saca direitinho. Quando ela quer uma coisa dá todo jeito para acontecer. Nas reuniões ou festas ela fica prestando atenção a tudo e fala umas coisas tão certas que todos se admiram.

Para terminar, Mariana, eu te pergunto:- O que é o amor ? É Dificil de falar, é fácil de escrever, é o que

eu sinto por você.

Um beijo carinhoso do seu irmão. Davi.

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Sara

Para falar da Mariana, prefiro começar falando de nossa in-fância. Nunca tive nenhum sentimento de pena ou rejeição por ela. Fui percebendo que ela era diferente aos poucos, quando a mamãe e o papai pediam que eu tivesse compreensão de alguns de seus comportamentos, embora ela participasse de todas as brincadeiras e confusões.

Lembro-me de quando éramos pequenos e a Mariana queria nos acompanhar fazendo o que nós fazíamos.

Uma vez estávamos no sítio da família da mamãe, eu e o Davi estávamos andando a cavalo e a Mariana quis andar também. A colocamos, com muito esforço, porque ela sempre foi gordinha, em cima dele e, quando ele andou um pouquinho, ela foi caindo devagarinho no chão. Ainda bem que não aconteceu nada!

Me lembro também de quando viajávamos de carro todos jun-tos. Ela sempre queria ir do lado da janela, pois assim, apoiava sua cabeça no vidro e dormia a viagem inteira, porque ela adora dormir muito.

Ela sempre foi muito tranquila e compreensiva com todos. Também é muito afetiva e adora se divertir, principalmente à noite. E mesmo sem sair de casa, só gosta de dormir tarde.

Não a trato diferente por causa de sua deficiência, e procuro compreender e aceitar quando ela faz algo errado.

Para mim, a Mariana é mais normal do que muita gente por aí. Ela é situada, entende o que se passa ao seu redor e muitas vezes

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percebe as coisas no ar.Penso que a minha relação com ela é igual a de qualquer duas

irmãs, quem sabe até mais amigável. Como dividimos o mesmo quarto, ela fica altamente interessada nas coisas que estou usan-do no momento e, quando menos espero, ela leva pro colégio ou simplesmente esconde. Mas, quando brigo com ela (porque minha mãe não tem coragem de brigar por esse motivo e me diz que eu é que devo entender que ela estar procurando descobrir a importância daquilo) ela logo reconhece e promete não fazer mais, mas faz.

Nunca me lembro dela ter começado nenhuma briga comigo, ela apenas reage quando eu brigo, na maioria das vezes chorando, um choro triste.

Quando eu morava com meu pai em Barcelona, sempre que eu ligava, ela muitas vezes chorava de saudade e eu ficava emocio-nada.

Vejo que a Mariana mexe com a emoção de todos, ela sabe con-quistar e seduzir a todos com seu afeto.

De sua irmã, Sara.

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TezinhaMensagem da Tezinha nos 15 anos da Mariana

Mariana, entre o céu e a terra está você.Hoje mais menina-moça que mulherAinda botão, mas já desabrochando a flor.Você que tem raios de luar em seus cabelos longos,que tem raios de luz do azul do céu,do verde do mar seu olhar tranquilo e doce,retratada está sua alma puraque nos deixa embevecidosdiante de sua pequenez tão grande.Tão amada mais que o próprio amorRindo sempre, tanta alegriasem saber do mundo enganador.Anjo que sabe rezar, que canta, que dançade asas estendidas à todosignorando a cor.Cada sorriso seu,cada olhar nos ensina lições tão sábias.Que maravilha...Abençoada seja você, Marianinha queridafruto de imenso e grande amor.Prostrados agradecemos a Deuspor tão preciosa dádivanum hino de louvor.Mariana, no dia de seus 15 anosreceba um beijo carinhoso de sua vozinhaque a ama cada dia mais.

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Donana

Quem conhece a Mariana, quem se aproxima dela, entende melhor a alegria de viver. Com ela se aprendem, constantemente, lições de amor, de otimismo e de harmonia.

Quando comecei a guiar-lhe os passos, a fim de receber a Primeira Eucaristia, percebi que estava ajudando a integrar à co-munidade cristã uma pessoa que há muito tempo, já estava per-feitamente ajustada no rebanho dos justos, dos de coração puro, dos que estão perfeitamente de bem com o mundo e com a hu-manidade. Para mim, são estas características espirituais - e não outras quaisquer - que fazem da Mariana uma menina especial.

Um beijo especial da sua vovóDonana

Tia Leneide

Viva a menina que dança diante dos nossos olhos.Viva a menina moça que vira mulher no meio de tantas trans-

formações.Viva ela que é bela, que foi dada a missão de ensinar os viventes

a viver.Viva os raios de sol que tocam os seus lindos cabelos doura-

dos. Viva eu, que tive o prazer de viver alguns momentos ou muitas

vidas ao lado dela.Viva a Mariana,Viva a mariana,

Tia Leneide.

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Luiza Helena e Darly

É com muita emoção e carinho que damos nosso depoimento para este livro da Mariana. Esperamos que ele possa ser um ins-trumento de difusão da história de vida, em permanente con-strução, dessa pessoa especial que é a nossa Mariana. Que ele seja como o arco-íris, anunciando aos 7 ventos que este mundo é colorido e bonito, é harmonioso, leve e suave, que todas as cores se combinam sem discriminação, e juntas podem formar outras cores, que criativamente darão outros nuances às cores deste belo planeta. Assim é que vemos, sentimos e compartilhamos da pre-sença de Mariana em nossas vidas.

Sua presença autêntica, meiga, suave e sempre bem humorada, tem nos brindado com momentos inesquecíveis.

Nos Encontros de Biodança, com suas perguntas inusitadas, reflexões e indispensáveis discursos, nos mete à essência, à sín-tese, ao essencial; nos mostra, com simplicidade, todos os lados e jeitos que a diversidade da vida pode nos oferecer. Outras vezes nos revela a leveza, a beleza, a alegria, a irreverência, o riso fácil, filosofia pura.

Que gostoso poder contar com a presença da Mariana em nosso grupo de Biodança para adolescentes! A afetividade flui, a entrega é presente, a vitalidade e a alegria são contagiantes. Uma presença criativa, que desafia seus companheiros a transitar e vi-venciar o novo e inusitado, a respeitar o diferente, o altero. Uma

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presença cativante, facilitadora e atenta, curiosa, exploradora da superabundância.

Mariana nos ensina o que o saudoso poeta Gonzaquinha nos convida em sua bela canção: “Viver e não ter a vergonha de ser feliz. Cantar, e cantar e cantar, a beleza de ser um eterno apren-diz.”

Com amor e carinho,Luiza Helena de Paula

(Facilitadora do Grupo de Biodança para Adolescente, do qual Mariana participa desde 1993)

Darly Farias(Aluno em Formação da Escola de Biodança do Ceará e estag-

iário do mesmo Grupo de Biodança, desde 1997).

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Tia Fátima

Vejo Mariana pequenina, sapeca, carinhosa e linda. Participan-do do meu início de carreira como ludoterapeuta. Ensinando-me a beleza das diferenças.

Vejo Mariana aos 08,10,15,18 anos e sempre mostrando que o carinho dos relacionamentos e o amor, a solidadriedade, a paz...

Vejo Mariana tornando-se adulta, namorando, trabalhando, votando, participando do mundo e trazendo sua luz para cada espaço onde pisa.

Mariana é o orgulho do C.D.H. Foi aqui onde ela aprendeu as primeiras palavras. Aqui ela fez fonoaudiologia, ludoterapia, psi-comotricidade, acompanhamento psicopedagógico e Biodança. Aqui aprendemos muito com ela.

Como sua ludoterapeuta, como diretora do C.D.H. e principal-mente como pessoa, tenho muito o que lhe agradecer.

Beijos,Tia Fátima

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Otília

Quando fui convidada para lecionar a disciplina, A Psicope-dagogia e a Criança com Necessidades Educativas Especiais do curso de especialização da UVA, veio-me o questionamento: como vou provar para meus alunos a importância da inclusão das crianças com necessidades educativas especiais na escola regular? Pensei no dizer popular: “O que os olhos não vêm o coração não sente”. Caiu em minhas mãos o livro da Mariana, que mes-mo sabendo da sua história, veio-me como um “facho de luz”. Com muita alegria, e na certeza que iria convencer meus alunos, a maioria, professores de escolas públicas, passei a convidar a Mariana para dar palestras nas minhas turmas. Foi um grande sucesso. Na avaliação final do curso, questiono com os alunos quanto à palestra, e tenho sempre as mesmas respostas: “A sen-hora fechou o curso com chave de ouro”; “Meu Deus como é diferente do que eu pensava!”; “Fico triste porque o meu irmão não foi educado assim”; “Agora acredito em inclusão, vou mudar a minha postura na sala de aula” e assim por diante... Mariana, teria um livro para escrever sobre você, pois nas nossas idas e vindas das palestras, você me ensina muita coisa, talvez, a mais importante, tenha sido a de ter descoberto através de você, que todos poderemos ser felizes como somos. Muito obrigada por todos os seus ensinamentos. Um grande abraço da sua mestra, como costuma me chamar, Otilia leal.

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Melina

Mariana – um facho de luz, uma estrela que reluz

Falar da Mariana é um presente para mim. Esse ser humano lindo e amoroso que sempre tem algo a nos ensinar.

Lembro quando conheci a Mariana nos meus primeiros passos no mundo da biodança. Ela, já quase professora, dançava com extrema vitalidade e integração. Seus movimentos cheios de bele-za e graça me encantavam. Encontros afetivos se transformavam em gostosas sensações de bem-estar.

Foram muitas maratonas, encontros nordestinos e vivências de alegria e celebração. O que podemos chamar de um verdadeiro encontro humano.

Algo que Mariana tem em comum comigo, e que acho legal, é que gostamos muito de festa. Relembro um de seus aniversários no Cais Bar, momento especial onde dançamos, festejamos e nos divertimos muito. Discos e shows de Ivete Sangalo fazem parte da sua mochila e quanto tem oportunidade, sempre “rola” uma festa ao som da cantora baiana.

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Outro fato importante na nossa convivência foi durante o Pro-jeto Minotauro, quando ela assumiu o papel de cofacilitadora jun-to com sua mãe, Ruth Cavalcante. Estava numa vivência muito forte, trabalhando o medo das expressões e Mariana mostrou o quanto sua sensibilidade e afetividade são presentes em momen-tos nos quais eu e o grupo estávamos precisando de continente. Passou no teste, dissemos.

Mas Mariana não é somente do mundo da biodança, ela tam-bém é um exemplo de pessoa no mundo das organizações. Tendo uma boa experiência de trabalho nos Correios e na Padaria Deli-tália, ela está atualmente trabalhando no Banco do Nordeste, há aproximadamente um ano e meio e vem demonstrando toda sua capacidade e habilidade em funções principalmente de atendimento ao público. Seu jeito comunicativo e espirituoso, são essenciais para o dia a dia de suas atividades. No Banco, ela trabalhou no atendimento da biblioteca do Passaré e atualmente está trabalhando no Centro Cultural, sendo responsável pelo es-paço de guarda-volumes, onde diariamente passam por lá cerca de 200 pessoas.

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Mariana realizou um sonho e hoje prova que vale a pena lutar pelo que queremos. Foram momentos de angústia e ansiedade até que tudo desse certo, foi um tempo de muito aprendizado para nós. O exercício da paciência, do otimismo e da capacidade de exercitar receber “nãos” temporários foram decisivos diante da espera. Aprendi que não devemos desistir nos primeiros ob-stáculos que nos aparecem na vida, aprendi um pouco a criar realidades, aprendi a exercitar a persistência, aprendi a externar minhas vontades.

Essa mulher do mundo do trabalho é uma profissional com-petente, dedicada e disciplinada, podemos ter toda confiança nas tarefas que a ela designamos, pois com certeza serão cumpridas. Hoje ela está no Centro Cultural BNB e sinto saudades quando ela trabalhava perto de nós e todo dia, antes de pegar o ônibus para ir para casa, passava na nossa sala para tomar um cafezinho e fazer um carinho. Adorava suas conversas, suas “tiradas”, toda vez que perguntávamos algo ela tinha uma resposta. Às vezes contava piada, falava das festas e dos lugares aonde andava, sem-pre muito bem humorada.

Tenho certeza de que as pessoas que convivem com ela no Banco aprenderam e ainda têm muito a aprender com seus

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talentos, com seu jeito diferente e verdadeiro de ver as coisas. Sua espontaneidade e alegria são marcas registradas, e se nós praticar-mos seus ensinamentos teremos um ambiente de trabalho leve e saudável.

Para o Banco do Nordeste, Mariana é o símbolo da inclusão social, da não discriminação e da aceitação das diferenças. Seu trabalho é valorizado e sabemos o quanto ela também influencia outras organizações a procederem com responsabilidade social em suas missões.

Naninha, você é especial para mim e sou grata a Deus por tê-la entre as pessoas que amo. Um grande abraço, sua amiga Melina.

Uns versinhos para não perder o costume:

Mariana jeito de menina mulher baianaSeu olhar faceiro e muito bacanaEncanta a todos com sua alegriaEnsina a viver a beleza dia a dia

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Adriana Lima Verde

Sonho ImpossívelÉ minha lei, é minha questãoVirar esse mundo, cravar esse chãoNão me importa saber se é terrível demaisQuantas guerras terei que vencer por um pouco de paz!

(J. Darion/M. Leigh – versão: Chico Buarque/Ruy Guerra)

Para falar de Mariana é preciso olhar o mundo com as lentes de quem sempre contempla as coisas com encanto. Um encanto que emerge da alma de quem usa a poesia para compreender a realidade. Quando escuto Mariana, falar embarco nas suas pala-vras e entro em contato com o que pudemos ter de mais signifi-cativo: o amor pela vida! Seus gestos, expressões faciais e gestuais adquirem dimensões indescritíveis e provocam entendimento e valorização das pequenas coisas que às vezes são desprezadas no cotidiano: a simplicidade de ser! Sua capacidade de amar, de dar e de receber atenção são virtudes que lhes são próprias.

Já me encontrei com Mariana em diversos momentos da vida, também aprendi com ela na condição de pesquisadora. Nesse lugar, busquei compreender a trajetória de leitora e escritora de Mariana. Por diversas vezes me deparei com uma jovem que in-terpreta o mundo através de metáforas, me impressiona sua leitu-ra de mundo, sua capacidade de enxergar as entrelinhas por meio dos menores gestos expressos ou omitidos. Em quantos momen-tos de pura filosofia ela me fez mergulhar! Nos momentos mais formais de coleta de dados para uma tese, Mariana se entregava

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por inteiro e com um bom-humor que lhe é peculiar, ela entrava em sua fantasia de jovem enamorada pela vida dos artistas, seus gostos e prazeres por essa leitura permeavam nossas conversas. A observação de sua vida escolar permitiu entender seu caminho de aprendizagem, que se vincula com a leveza e a sabedoria de seus familiares. Ao nascer, Mariana se inseriu no universo sem pedir licença, a compreensão de seus pais sobre suas possibilidades de desenvolvimento a levou para caminhos antes não autorizados pela educação: a escola regular. Nesse contexto livre de precon-ceitos e carregados de significados, ela iniciou seus primeiros pas-sos rumo ao conhecimento. Sua trajetória escolar foi marcada por espaços diferentes, esses lugares marcaram sua vida em diferentes tempos: tempo de ser criança, de ser jovem e de ser adulto. Contemplar Mariana na sua fase adulta, é antes de tudo mergulhar na sua trajetória de vida, que é desocultada pelos estu-diosos mais empenhados em prol da inclusão escolar. A escuta de sua vida possibilitou que sua história entrasse na academia através dos olhos de Maria Teresa Mantoan, uma das grandes estudiosas desse assunto no Brasil.

Para entender o uso que ela faz da linguagem escrita, é preciso ler com o coração. Sua produção escrita expressa seus sentimen-tos mais verdadeiros, não importa o uso que faz da gramática ou da linguística textual, importa saber decifrar suas ideias nas suas palavras escritas, que exprimem a dimensão de sua alma trans-parente. Ao investigar sua produção textual durante a pesquisa de doutorado, percebi na emergência de suas palavras o retrato da dimensão de seu cotidiano vivo e dinâmico. É fascinante o uso que ela faz das palavras, a presença de suas experiências de vida inundam seus textos. Ler Mariana é compreender a dimen-são da diferença, escrever sobre sua vida é registrar o enigma de ser humano, cujos limites e possibilidades não podem ser deter-minados.

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Mário Mamede

Certamente, dos muitos ilustres leitores do segundo livro da Mariana, posso dizer que sou um daqueles que a conhece há mais tempo. Lembro muito bem, com imagens nítidas, o dia em que muitos amigos de João de Paula e Ruth foram ao Aeroporto Pin-to Martins (antigo) para recebê-los, em 1979, quando retornavam de um longo exílio no Chile/Alemanha. Sopravam novos ares e, depois de tantas incertezas e boatos preocupantes, poderíamos abraçá-los com o carinho guardado ao longo de anos.

Desejávamos também abraçar a pequena Mariana, a quem já dedicávamos uma afeição toda especial.

Muito embora as muitas dinâmicas de nossas vidas não ten-ham dado a mim a oportunidade de uma convivência cotidiana mais próxima com a nova amiguinha, tive a felicidade de sempre saber de notícias suas pelo João, pela Ruth, por Ana Amélia e por tantos amigos comuns. Em muitos momentos, encontrei Mari-ana na saudosa Praia de Iracema/Estoril e em eventos culturais no Dragão do Mar. Além disso, continuamos a nos encontrar e conviver nas muitas oportunidades que a agenda da cidade propi-cia, nos movimentos sociais e manifestações políticas, eventos estes que nos aproximam, sejam eles aqui em Fortaleza, na Praia da Redonda (Icapuí), em Guaramiranga ou em outros lugares.

Então, posso dizer que, ao longo de todos esses anos, tenho tido a oportunidade e a grata satisfação de conhecer, conviver e construir uma forte amizade com esta pessoa maravilhosa.

Mas, de todas as Marianas que se somam na pessoa ímpar que é a Mariana, peço-lhes que me deixem falar sobre o SER POLÍTI-CO (assim mesmo, com letras maiúsculas) que ela é, e que talvez muitos não conheçam. Mariana está sempre presente e engajada nas importantes lutas e na defesa das mais legítimas causas: soci-ais, ambientais, direitos das pessoas com deficiência, educação e fortalecimento da cidadania.

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Em todas as disputas eleitorais, atenta e antenada, Mariana toma posições que, muitas vezes, não se identificam com as de seus pais (ambos importantes referenciais em nosso ambiente político-social), defendendo suas escolhas com argumentos sufi-cientes para não deixar dúvidas quanto a suas decisões.

Fiquei muito feliz quando soube, na minha primeira candi-datura a Dep. Estadual, em 1989, da participação da Mariana nas atividades do nosso comitê das crianças e da juventude.

Tempos depois, em 1994, telefonei para Ruth a fim de saber se poderia conversar com a Mariana sobre a possibilidade de ela vir a gravar uma inserção para o meu programa eleitoral, com declaração de apoio, apoio este que já havia sido manifestado pela própria Mariana. O telefonema resultou em uma lição de aprendizado para mim. Ruth respondeu-me, com a voz suave, mas bastante incisiva: “Mário, a Mariana é independente para tomar suas decisões. Fale diretamente com ela.” Pedi desculpas pela maneira equivocada como havia tratado o assunto e liguei para a Mariana. Convite aceito, data, hora e local marcado.

Quem cuidava da produção era o publicitário Ibrahim Said, que logo imaginou e elaborou um texto-roteiro para a nossa convi-dada. Equívoco total. Logo ao chegar, a Mariana disse que não queria o texto sugerido, porque já possuía um muito bem defini-do na cabeça. Conhecendo a Mariana, não havia o que discutir. A gravação foi feita como ela havia pensado. Para não “passar batido”, o nosso publicitário fez de conta que estava dirigindo os trabalhos. A gravação ficou ótima e o programa foi ao ar na mesma noite. Nos dias que se sucederam, muitas pessoas comen-tavam comigo sobre o bom desempenho da Mariana.

Por algumas observações subjetivas, guardo a forte impressão de que, a cada uma das eleições em que eu e Inácio Arruda éra-mos candidatos, este cenário sempre colocava a Mariana em situ-ação de conflito. Mas ela sempre soube resolver isto da melhor

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maneira possível, sem precisar dar explicações ou ficar se justifi-cando a quem quer que fosse.

Tenho a convicção de que tais conflitos sempre foram resolvi-dos com decisão favorável a este candidato petista. Desculpe Iná-cio, mas este é o meu sentimento e a minha certeza.

Mas, não há razões para disputas ou ciumeiras... Em 1996, Iná-cio foi candidato a prefeito, tendo a mim como vice, na chapa. Foi um ótimo momento para a Mariana poder votar nos dois e o seu entusiasmo nesta campanha foi dobrado.

Em outra ocasião, quando de minha candidatura para o Senado, em 2002, campanha que mexeu com Fortaleza, onde fui o mais votado de todos os candidatos, a presença de Mariana novamente se fez sentir. Como era previsível, o resultado estadual me foi desfavorável e Mariana, naquele momento, consolou-me com o seguinte comentário: “Tem nada não, você vai arranjar uma coisa boa para fazer”.

Assim é a minha amiga MARIANA, melhor dizendo, assim é um dos muitos perfis da pessoa e da personalidade de alguém que está sempre a nos brindar com exemplos formidáveis de vida e de entusiasmo de viver, plena dos mais elevados sentimentos de humanidade.

É gratificante para nós, que somos militantes dos direitos hu-manos e que buscamos uma cultura de respeito às diferenças e à diversidade, conversar com a Mariana sobre suas diversas ativi-dades ou sobre outras tarefas em que ela está sempre envolvi-da, como agora, em que ela participa da Comissão de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência, da Prefeitura Municipal de Fortaleza, defendendo os direitos das pessoas com deficiência e dando sua contribuição para pensar uma sociedade mais justa e fraterna.

É sempre prazeroso encontrar com ela em qualquer ambiente e ouvir os seus comentários oportunos e cheios de sagacidade,

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muitas vezes a desconcertar ou colocar em “sinuca de bico” a pessoa alvo de suas gozações.

Querida amiga Mariana, o que seria apenas um pequeno comen-tário, terminou se alongando muito, porque é um prazer enorme falar de você. Também é muito bom poder registrar no seu livro o meu muito obrigado pelo apoio político e pela amizade que sempre me dedicou. Mas o que me deixa realmente mais feliz é a oportunidade de poder dizer para os seus leitores e para os que estiverem no lançamento do seu segundo livro que você é minha amiga do coração.

Um forte e carinhoso abraço,

Mário Mamede

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Nadja de Pinho Pessoa

Há pouco tempo, vi-me diante de mais um desafio imposto pela vida: aceitar, ou não, o convite da Prefeita de Fortaleza, Lui-zianne Lins, para coordenar os trabalhos da equipe que deverá elaborar um plano de políticas públicas municipais para atenção às pessoas com deficiência.

Não foi uma decisão fácil de ser tomada. Muitas dúvidas me as-saltaram e ainda me afligem. Era o momento de optar. Precisava decidir como ia continuar a minha luta por vida com dignidade para as pessoas com deficiência. Se junto aos meus pares, na mil-itância, ou ao lado do governo - no caso, a administração mu-nicipal - que, pela primeira vez em meus 27 anos de luta em de-fesa dos direitos da pessoa com deficiência, abría-nos uma porta e dava-nos a oportunidade de participar efetivamente deste pro-cesso de transformação cultural e inclusão social, levantando os problemas, buscando e propondo soluções, com argumentações fundamentadas com conhecimento de causa e vivências cotidi-anas, que reputamos como imprescindíveis nesse processo.

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Considerando, portanto, a imensa diversidade dessas experiên-cias pessoais, únicas e singulares, das pessoas com deficiência, vislumbramos na Comissão Técnica Municipal para elaboração de Políticas Públicas Municipais para atenção às Pessoas com De-ficiência – COMPEDEF – a possibilidade de ter um grupo eclé-tico, com dificuldades e necessidades bem especificas de cada de-ficiência, debruçado sobre a legislação existente em todo o Brasil, estudando, pensando e buscando juntos, com o olhar e a atenção voltados para as questões locais/regionais mais gritantes, alcan-çar o objetivo de proporcionar ao cidadão fortalezense condições de vida digna, com equiparação de oportunidades nas áreas da saúde, educação, transporte, habitação, mercado de trabalho, es-porte, cultura e lazer.

Assim, enfrentamos o desafio e hoje coordenamos os trabalhos da COMPEDEF, comissão composta por 12 membros - to-dos pessoas com deficiência - sendo 6 pessoas com deficiência física(tetraplegia e paraplegia), 3 com deficiência visual (cegas), 2 pessoas surdas e 1 pessoa com deficiência intelectual. Mesmo

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sabendo que o que une todos os membros da COMPEDEF é a causa e o direito cidadão das pessoas com deficiência, não se pode minimizar as grandes diferenças socioeconômicas, culturais e intelectuais e as dificuldades que delas advêm para a realização dos trabalhos nessa comissão.

Entretanto, precisamos confessar que os maiores embates têm se dado com pessoas que acreditávamos poder lidar com liber-dade e facilidade. Enganamo-nos. No entanto, diante de todas as dificuldades que se apresentaram até o momento, temos nos surpreendido a todo momento com a lucidez e a clareza de ideias de Mariana Cavalcante Ferreira, ... anos, jovem com Síndrome de Down e que, inicialmente, foi alvo de muitas das nossas indaga-ções.

- Como seria trabalhar com ela? Qual seu nível de cognição e compreensão? Que cuidados seriam necessários na abordagem? Será que vai poder usar o computador? Até que ponto é autôno-ma?

Aos poucos, com a convivência, Mariana foi antecipando todas as respostas às perguntas que não chegamos a verbalizar. Dis-ciplinada, responsável e cumpridora de seus horários, Mariana nunca chega ao trabalho sem sua agendinha, onde anota o que acha necessário e importante. Dirige-se ao computador para ler seus e-mails. Nessa atividade, precisa ser acompanhada, pois ne-cessita de alguma orientação. No entanto, não adota uma atitude

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passiva, toma a frente e se lança, sem medo, em busca de seu objetivo. Sempre anotando cuidadosamente o que lhe chama a atenção.

Nos momentos de grandes discussões, em que a equipe não consegue entrar num consenso e, muitas vezes, fica discutindo questões pontuais, somos chamados à razão por colocações in-teligentes de Mariana, que conseguindo abstrair a sua deficiên-cia, tem sempre em mente o bem-estar coletivo. Sempre muito atenta, Mariana suscita reflexões sobre pontos polêmicos e chega a propor dinâmicas de grupo, visando à conciliação, ao entendi-mento e ao bom andamento dos trabalhos.

Quando observo as posturas de Mariana e penso nas dificul-dades e resistências que muitos educadores apontam para recha-çar a inclusão escolar e social das pessoas com deficiência, tenho vontade de colocá-la numa “vitrine” (sem querer ofender nin-guém) como “modelo” a ser seguido, de forma a se possibilitar a inclusão social que todos almejamos: com estimulação precoce na família e fora dela, inclusão social desde a mais tenra infância, convivência com seus pares e conscientização de seus potenciais e limites.

Consciente de que ainda levará muito tempo para alcançarmos tamanha transformação cultural, continuaremos perseguindo os objetivos que nos movem neste momento, grata pela confiança e oportunidade e enriquecida por essa convivência no ambiente de trabalho.

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João Eduardo Brasil Hass Gonçalves

Uma pioneira de sucesso...

Avaliar o sucesso de uma pessoa é uma tarefa de muita com-plexidade. Requer uma análise isenta, reflexões profundas e uma clara visão sobre objetivo ou finalidade de nossa existência neste planeta. Quais seriam os critérios mais justos para avaliar o sucesso de um ser humano?

Numa visão bem pessoal, me arrisco a dizer que obter sucesso é orgulhar-se das contribuições que demos para a construção de um mundo melhor, seja por ações concretas ou por exemplos de vida. A História nos mostra centenas de casos de pessoas de sucesso que até hoje nos ajudam a fazer escolhas corretas a partir de seus exemplos de vida.

Conheci Mariana após viabilizar um convênio entre a APAE de Fortaleza e a Diretoria Regional dos Correios no Ceará para promover a experiência de um primeiro emprego para pessoas com Síndrome de Down e outras deficiências intelectuais. Há mais de 10 anos eu quase nada sabia sobre o assunto, mas essa pequena ação me abriu os olhos para um mundo de pessoas fas-cinantes, que me fizeram ver e entender a humanidade sob outros ângulos.

Nos primeiros meses, eu estava preocupado com as consequên-cias de incluir uma jovem em um meio predominantemente mas-culino e machista, ainda mais se levando em conta as singulari-dades daquele convênio, inédito no país. Conversei com alguns chefes dos conveniados, e o depoimento do gestor da Mariana foi sensacional, retratando-me as melhorias no clima organizacional daquele ambiente de trabalho após a sua chegada.

Mariana havia conquistado a todos em pouco tempo, o que

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parece ser uma redundância, pelos relatos descritos neste livro. Simpatia, senso de responsabilidade e muito afeto, com essas ar-mas superou todas as nossas expectativas.

A partir daí, acompanhei com atenção seu sucesso em todos os locais por onde andou, inclusive, usando seu exemplo de vida em trabalho que desenvolvi e que foi selecionado para ser apresenta-do em um seminário internacional sobre Responsabilidade Social das Empresas, em Lyon. E novamente contei com seu valoroso apoio em um documentário da ECT sobre os 10 anos desse con-vênio, um trabalho que está emocionando centenas de pessoas por todo o Brasil.

A humanidade evoluiu em ritmos diferentes em suas mais diver-sas vertentes. Há menos de 100 anos as mulheres não eram con-sideradas aptas a votar no Brasil, e muito menos ocupar funções de maior vulto em nossa sociedade. O pioneirismo de pessoas de sucesso, como Mariana, exercendo seu papel como Conselheira na defesa das pessoas especiais ou simplesmente compartilhando seu exemplo de vida, nos ajuda a entender melhor o quanto nós, como cidadãos, ainda precisamos evoluir.

Siga em frente, guerreira. Continue abrindo portas para as no-vas gerações, siga buscando sua felicidade e mostrando para os seis bilhões de pessoas diferentes e especiais como nós que o que realmente importa é seguir o caminho da paz, da felicidade, do respeito e da esperança. Obrigado por você existir.

João Eduardo Brasil Hass GonçalvesAdministrador Postal, Advogado e membro do Universo

Down.

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Mariana e nossa tríplica convivênciaCarmen Paula de Vasconcelos Menezes

Escrever sobre Mariana é fácil e é difícil. Fácil por causa da minha convivência diária com ela, principalmente nos últimos dois anos e difícil porque é uma tarefa árdua colocar em palavras e fazer uma síntese do que vivencio e aprendo nesta convivên-cia tríplice. E por que convivência tríplice? Porque com Mariana exercito uma dança contínua entre três papéis: de amiga, que é a convivência mais antiga; de facilitadora de Biodança e de gerente.

Antes de conhecer Mariana entrei em contato com a história do seu pai e de sua mãe, João de Paula Ferreira e Ruth Cavalcante. Essa história me foi contada pelo meu marido, na época ainda namorado, Geraldo Menezes. Na verdade, foram vários episódios ocorridos na época da repressão militar, nos chamados “anos de chumbo”, principalmente no final da década de 60. Geraldo viveu essa época e também fez parte dessa história, participando do mo-vimento estudantil como aluno do curso de Engenharia Química e dirigente do Centro Acadêmico. João de Paula, estudante de Medicina e Ruth Cavalcante, estudante de Pedagogia, eram líderes estudantis e tiveram uma atuação intensa na resistência à ditadura que se instalava no país. Essa época da nossa história me entristece e me encanta ao mesmo tempo. A tristeza advém do fato de nosso país ter mergulhado num período de tragédia política, com prisões ilegais, torturas, ausência de democracia e até mesmo nulidade da Constituição; o encantamento advém da história de luta, de bra-vura e de amor pela liberdade de expressão, vivida por tantos homens e mulheres, jovens e velhos, estudantes e profissionais, todos heróis e muitos deles mártires, abrindo caminhos e criando possibilidades do país retomar seu rumo de democracia.

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Conheci primeiro João de Paula, em 1989, no CDH-Centro de Desenvolvimento Humano. Dez anos depois, também no CDH, entrei na Biodança, tendo como primeira facilitadora Ruth Cav-alcante. Conheci Ruth, pessoalmente no ano anterior, em 1998, quando ela, Cezar Wagner e Betânia Moura ministraram no BNB o curso de Formação Especial de Consultores em MdP-Método de Processo. Depois desse primeiro contato com Ruth esta-belecemos um vínculo afetivo muito forte e a considero minha mestra e amiga, uma eterna revolucionária biocêntrica, com quem tenho aprendido muitas lições mediadas pelo amor e pela alegria.

Não sei precisar o ano em que conheci Mariana, mas a primeira lembrança que tenho dela é no lançamento do seu livro “Mari-ana, um Facho de Luz”, no Centro Cultural Dragão do Mar. Lembro dela discursando, coisa que adora fazer e o faz com total desinibição. Com certeza aí tem algo de herança genética do pai e da mãe. E também lembro dela literalmente “lançar” o livro por cima de sua cabeça! Creio que esta foi a primeira vez que fui apre-sentada a Mariana e na sua dedicatória do livro para mim ela já colocou “Te amo!”, prenunciando assim uma relação de amizade crescente que temos desenvolvido ao longo desses anos.

Aliás, costumo dizer que Mariana é um oráculo e como diz o dito popular “quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça”. Muitas vezes converso com Mariana sobre dificuldades que enfrento ou problemas que tenho para resolver e escuto dela frases e con-selhos que fazem muito sentido para mim. Sei que ela está aces-sando o seu canal da intuição, trazendo de dentro de si a sabedoria dos oráculos, que não precisam de muita elaboração cognitiva. Bom, assim iniciou-se minha amizade com Mariana, que tem se construído baseada no afeto, na confiança, na admiração e no respeito mútuo.

O exercício de meu segundo papel na vida de Mariana, como facilitadora de Biodança, deu-se em fevereiro de 2005, quando eu e Melina Barbosa, minha amiga e companheira de turma de for-

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mação e também do BNB, abrimos nosso primeiro grupo, que era o nosso estágio de supervisão. Na época, Mariana estava partici-pando do grupo de outra amiga, facilitadora-didata de Biodança, Zulmira Bomfim. Ao saber que íamos abrir um grupo no CDH, soubemos que Mariana ficou muito dividida entre sair do grupo da Zu ou ir para o nosso. Ela acabou decidindo ficar conosco e sua participação foi muito importante para consolidar a matriz do grupo e ajudar a integrar as pessoas. O grupo funcionou até setembro de 2005, quando tivemos que encerrá-lo para nos dedi-carmos a escrever a monografia e obter o título de facilitadoras de Biodança.

Melina e eu só abrimos um novo grupo em junho de 2008, também no CDH. Naquel momento Mariana estava participando do grupo da Cássia Regina e da Fátima Diógenes, também amigas e facilitadoras-didatas de Biodança, cujos encontros aconteciam mensalmente em maratonas na casa da Cássia na Taíba. Nova-mente Mariana ficou dividida e mais uma vez optou por ficar no nosso grupo. Ficamos felizes e agradecidas por ela integrar nosso grupo, onde sempre aporta as qualidades do afeto, da es-pontaneidade, da criatividade, do bom humor e da alegria.

Mariana também é bastante determinada e persistente. Já tra-balhou nos Correios e na padaria Delitália, contudo desde que ficou amiga da Cássia Regina (responsável pela organização e edição do seu primeiro livro e também deste), da Melina e de mim, todas nós funcionárias do BNB, ela passou a demonstrar a von-tade de ali trabalhar. Portanto, sua relação com o BNB começou um bom tempo antes de ela prestar serviços naquela instituição bancária, por meio de seus vínculos afetivos com Cássia, Melina e eu.

Creio que ao nos ver sempre tão dedicadas ao trabalho no Ban-co e porque não dizer, muitas vezes “assoberbadas” e com difi-culdade de conciliar nosso tempo entre o BNB e as atividades da Biodança e da Educação Biocêntrica, percebo hoje que Mariana

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ficava solidária com essa nossa dificuldade, mas ao mesmo tempo respeitava e admirava o nosso profissionalismo. Como ela é uma pessoa muito sensível e perspicaz, logo percebeu que apesar des-sas dificuldades, nós gostávamos do nosso trabalho, tanto quan-to gostávamos de participar das atividades biocêntricas. Assim, Mariana começou a gostar do BNB antes mesmo de trabalhar nele.

Muitas vezes tivemos que explicar para Mariana como era o processo de ser admitida pelo BNB, que tinha de ser por concurso ou como contratada de uma outra empresa para prestar serviço, como “terceirizada”. Ela ouvia, dizia que entendia e continuava a alimentar seu sonho de lá trabalhar. E finalmente surgiu uma possibilidade desse sonho se tornar realidade, quando foi criado o Programa de Inclusão de Pessoas com Deficiência, dentro do Pro-jeto de Responsabilidade Social do Banco. Este programa previa a contratação de pessoas com deficiência. Quando Mariana soube desta possibilidade, sua expectativa aumentou bastante. Contudo, ainda levou algum tempo para esta concretização, em função de questões burocráticas entre o BNB e a APAE (Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais), para que pudesse ser feito um contrato entre estas duas instituições.

Neste meio tempo a ansiedade de Mariana para trabalhar no BNB crescia cada vez mais. E foi numa maratona de Biodança na casa da Cássia na Taíba, em outubro de 2005, que soubemos da notícia que o contrato com a APAE tinha dado certo e só restava combinar onde e quando ela iria iniciar. E mais um sonho de Mariana se concretizava!

De dezembro de 2005 a dezembro de 2006 Mariana trabalhou na biblioteca do Passaré, onde auxiliava em diversas atividades, como arrumação de livros e DVDs, entre outros. A APAE fazia um acompanhamento junto com o Projeto de Responsabilidade Social e a coordenadora da biblioteca de como estava e desenvol-vimento de Mariana no novo trabalho. Ao final deste primeiro

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ano, verificou-se que seria melhor Mariana realizar um trabalho que focasse mais a sua atenção e não fosse tão diversificado. As-sim, decidiu-se que Mariana seria transferida para o Centro Cul-tural, onde teria um posto fixo de trabalho no guarda-volumes. Por eu estar ocupando o cargo de gerente executiva do CCBNB-Fortaleza, passei a vivenciar meu terceiro papel na vida de Mari-ana, agora como gerente.

Foi muito interessante a forma como Mariana foi assimilando esta informação. Certo dia, antes de começar a trabalhar no CCB-NB e já sabendo que eu ia ser sua gerente, eu lhe dei uma carona. Dentro do carro pedi para ela pegar um papel que estava no ban-co de trás. Ela prontamente me atendeu e disse “é bom, porque eu já vou treinando!”

Mariana iniciou suas atividades no CCBNB final de janeiro de 2007, após merecidas férias. Sua inserção na equipe se deu com fluidez, pois Mariana estabelece vínculos com muita facilidade e sua identidade se faz presente com amorosidade e consistência. Aos poucos ela foi conquistando seu lugar no grupo e hoje não se pode fazer qualquer comemoração sem a sua presença, pois é ela quem faz o último discurso e sempre “puxa” as palmas.

Para mim tem sido um excelente exercício o aprender a lidar com estes três papéis na vida de Mariana, percebendo qual o mo-mento de apoiar, elogiar e brincar, bem como de colocar limites e até de repreender com afeto e firmeza, quando se faz necessário. Mariana tem me ensinado muito a lidar com isto, pois ela mesma sabe separar bem os papéis. Às vezes, quando chega atrasada, ela já se apressa em chegar para mim e dizer que vai compensar o atraso. Ou seja, ela não se sente diferente do resto da equipe por ser minha amiga, o que denota seu senso de profissionalismo. No CCBNB, ela também procura perceber qual o momento mais adequado para vir falar comigo e sempre que estou mais “estres-sada”, e que é possível, ela me presenteia com um abraço, com uma massagem nas costas ou uma palavra carinhosa. Mariana é uma terapeuta nata, ela sabe cuidar do outro.

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Costumo dizer que Mariana é um ótimo exemplo de uma pes-soa com autoestima saudável, sem se deixar cair na armadilha do ego inflado. Isto, porque por mais famosa que ela se torne, lan-çando livro, aparecendo em TVs e jornais, dando palestras sobre a inclusão das pessoas com deficiência em seminários, encontros e cursos que acontecem em faculdades, empresas, instituições públicas e até mesmo no meio político, como aconteceu na As-sembleia Legislativa, no dia 18 de março de 2009, que é o dia da pessoa com deficiência, ela não deixa que a “fama suba à sua cabeça”. Mesmo com todo esse reconhecimento público, Mariana pode ser encontrada diariamente no Centro Cultural Banco do Nordeste, agora em outra função, que é de apoio a equipe que trabalha na administração. E ela faz isto com responsabilidade, compromisso e com a humildade de só quem é mestre consegue fazer de forma verdadeira e espontânea.

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Perguntas para os Irmãos da Mariana

- Você lembra de quando começou a entender que tinha uma irmã “diferente”? E como lidou com essa diferença?

Nem me lembro ao certo quando comecei a perceber que tinha uma irmã diferente. Mas eu era muito pequena, quando me lembro que minha mãe sempre dizia que a Mariana era diferente, que a gente tinha que entender que ela não po-dia fazer tudo do jeito que desse na cabeça dela e na nossa. Porém, eu não entendia muito bem o que minha mãe queria dizer. Só sei que eu e o Davi sempre a ajudávamos nas brin-cadeiras. Lembro-me uma vez em que a gente a colocou num cavalo, mas com adultos por perto. Naquela época eu tinha uns seis anos de idade e ela uns dez ou onze anos e eu e meu irmão andávamos muito a cavalo. Ela não conseguiu montar como montávamos. Eu acho que fui aprendendo que a Mari-ana era diferente, quando eu via que ela não fazia as coisas que eu e meu irmão fazíamos com a mesma facilidade que a gente. Foi um longo aprendizado.

Como foi um processo de aprendizagem, lidar com a diferença da Mariana veio naturalmente, eu e meu irmão sempre cuidando, mas a gente sempre brincou com meninos de todas as idades e sempre tinha um que era mais indepen-dente e outro mais dependente... e assim ia. Então, o cuidado não era só com ela. Que eu me lembre, todo mundo se cui-dava.

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- Da convivência com a Mariana o que você destaca como mais importante no relacionamento entre vocês?

O que eu considero como muito importante na convivência com a Mariana foi o de, desde pequena, aprender a conviver com o diferente. Até mesmo porque lá em casa sou eu que sou mulher, o Davi que é homem e a Mariana que é mulher com uma síndrome, ou seja, ninguém era parecido com o outro. Aprendi que cada um tem limites e potencialidades. Cresci sem preconceitos com relação ao “diferente”.

- Em algumas linhas, defina a Mariana para você.A Mariana para mim é a representação da sensibilidade.

Essa sensibilidade que cativa a todos, então todo mundo que se aproxima dela se sente responsável por ela. Ela é sensível, carinhosa, batalhadora, tem consciência da sua Síndrome, ama e é amada por muita gente. E principalmente ela é uma vencedora, pois conquistou seu espaço na sociedade e na vida de cada um que passa por ela. Ela transforma a visão das pessoas com relação ao outro e ao mundo. A Mariana é impressionante.

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Entrevista à Betânia Moura

Como surgiu o grupo de Teatro do Biodança?Durante uma maratona de Biodança e se solidarizou com a ideia de se fazer uma homenagem ao Paulo Freire, por ocasião do Encontro Nordestino no Piauí, em setembro de 1997, cujo tema era Educação Biocêntrica.

Quem participa? Qual é o elenco?Alunos do curso da Escola de Biodança do Ceará, facilitadores e pessoas que fazem Biodança em grupos regulares.

Que peça estão representando?Humilde Mestre - A Lição de Paulo Freire

Por quê? Homenagem ao nosso grande Educador

Quem é o diretor?João Arruda Câmara Rodrigues

Tem sonoplasta, contra-regras, como funciona os basti-dores, do Teatro?

Depende muito da disponibilidade das pessoas. Não é algo fixo. O grupo é muito envolvido, muita solidariedade, descontração.

Como você se sente tendo uma pessoa com Síndrome de Down atuando com você no palco?

Betania - Sinto-me enriquecida pelas contribuições que ela traz para o grupo. É um modo diferente de ver as coisas, os acon-tecimentos, o mundo. Ela expressa isso de maneira muito clara e autêntica.Kátia - Não sinto nenhuma diferença pela Síndrome de Down em si. A Mariana é uma colega de Teatro atenta, com grande senso de responsabilidade e de grupo.Célio - Eu não consigo fazer esta discriminação em relação à Mariana. Não vejo como pode haver algum problema (não sei se com outra pessoa com Síndrome de Down seria diferente).

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Nila - Na verdade, não sinto muita diferença entre Mariana e os outros membros do grupo. A Mariana não se destaca pela sua deficiência, mas pela sua sutileza, pelos seus momentos de as-sertividade, de alegria e pela sua capacidade de ser uma pessoa independente.O que sinto mais vivo em mim é a sensação de estar dando um sentido de mais humanidade a minha existência, e que alguns valores que incorporei durante tantos anos estão ficando inco-erentes, desumanos e estão perdendo o sentido.Sinto-me aprendendo e reaprendendo em cada pequeno gesto, cada pergunta ou resposta, cada ação e expressão sua.Além de tudo isso me sinto orgulhosa de trabalhar ao lado dela, e poder mostrar para as pessoas que nos assistem, que apesar das “diferenças” podemos fazer coisas maravilhosas juntos.

O fato de Mariana ter Síndrome de Down, alguma vez, in-terferiu em algum ensaio, ou em alguma apresentação?

Betânia - De maneira alguma, muito pelo contrário. Ela é alta-mente envolvida com tudo, cumpre os compromissos, tem uma capacidade de concentração maior do que muitos de nós, tanto nos ensaios como nas apresentações. Sabe se situar muito bem dentro dos contextos.Kátia - Não interferiu em nada.Célio - Não.Nila - Não.

Você tem algum fato para contar sobre a Mariana, enquanto membro do grupo de Teatro do Biodança?

Kátia - Destaco sua atenção e memória com relação a sequência do espetáculo.Célio - O que posso destacar é a sua seriedade durante os en-saios e apresentações, entrando em harmonia perfeita com o grupo.Nila - Sim. Logo após a nossa primeira apresentação, Mariana me trouxe um boné para eu compor melhor o Pivete, persona-

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gem que interpreto. Disse-me que havia procurado algo que deixasse o Pivete mais bonito. Lembro-me também que trouxe uma nova música para a Lavadeira (personagem) da Betânia. Na música havia a frase “lava roupa todo dia, que agonia!” Em outros momentos me veio com sugestões para o movimento e expressões do Pivete. Às vezes, ela elogia meu desempenho e outras vezes me diz quando não gostou de minha performance. Estes fatos mostram como ela esta atenta a todos os persona-gens, e não só ao dela.

O que você sabe sobre Síndrome de Down?A Sindrome de Down é decorrente de um cromossomo a mais, o que acarreta algumas deficiências no seu portador, como di-ficuldade de comunicação verbal, no aprendizado cognitivo... Todavia, com um potencial para ser desenvolvido, que se bem estimulado observa-se um excelente grau de evolução.A Mariana é uma dessas pessoas que, portadora da Síndrome, possui um excelente nível de socialização, de autonomia, afe-tividade, percepção sensível a tudo que acontece.Kátia - A Síndrome de Down é uma alteração no cromossomo 21, que traz como conseqüência deficiência mental.Célio - Trata-se de um distúrbio cromossômico (mutação do cromossomo 21) acarretando um retardamento do desenvol-vimento mental, mais especificamente em relação aos aspectos cognitivos.Nila - É causada pelo surgimento de um cromossomo a mais na formação do embrião. As pessoas portadoras desta sín-drome têm características físicas e principalmente fisionomias muito parecidas. Estas pessoas têm os órgãos vitais frágeis e suscetíveis a infecções. Que são pessoas muito afetivas e sen-síveis e por isso muitas se destacam quando tem sua expressão artística estimulada.

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Entrevistamos Mariana

Você acha que pelo fato de ter Síndrome de Down, atra-palha em alguma coisa o Teatro?

Não, ajuda mais.

Por que ajuda?Por exemplo, se alguém tem problema eu ajudo.

O que mais você gosta no Teatro?É a convivência com as pessoas.

Você já ficou nervosa no palco?Não.

Alguma vez você esqueceu o que tinha que fazer ou a tua hora de entrar em cena?

Não, cada um tem seu papel e eu não invado o papel de ninguém.

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Mariana Cidadã Brasileira

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Responsabilidades de Mariana - Quer ver a Mari-ana muito brava? É só mexer com ela. E nisso seu irmão mais novo é perito. Mas nada que um bom “carão” da mãe não dê jeito. Afinal, desentendimento em família é coisa que dá e passa muito rapidinho. Fora dessas pendengas familiares, porém, Mariana Cavalcante Ferreira, 20 anos, portadora da síndrome de Down, é um doce de pessoa. E a afirmação é feita por quem convive com ela muito de perto. Mãe, pai, amigos e até chefe. Isso mesmo. Os elogios chegam de todos os lados. E nos últimos dois meses do pessoal da Central de Distribuição dos Correios no Papicu. No horário de trabalho - e esta é primeira vez que Mariana trabalha - sua tarefa é separar e conferir documentos. Tarefa cumprida, ela vai em busca de mais coisa para fazer. Curiosa e esforçada, não gosta de ficar sem fazer nada. Muito menos novos e bons amigas.

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Este livro estará sendo lançado em Fortaleza no dia 11/12/98. O plano inicial era fazê-lo em 10 de setembro quando a Mari-ana completou seus 21 anos. A decisão de mudar a data foi dela. Razão? A viagem da Cássia.

Para a Mariana seria inconcebível esse evento sem a presença da pessoa que concretizou seu sonho de “escrever” esse livro. Nem a força do simbolismo do aniversário foi capaz de demovê-la do desejo de ter a Cássia no lançamento. E isso é muito próprio da Mariana: nada pode ser mais importante do que gente e seus sentimentos.

Assim, este livro estará sendo lançado em um ano marcado por algo muito relevante na vida da Mariana. Em agosto de 1998, ela começou a trabalhar. Completou-se como cidadã. O primeiro passo tinha sido dado há dois anos quando votou pela primeira vez. Não sai da minha mente a imagem, de seus punhos ergui-dos em sinal de vitória, vista do corredor que dava para a sala de votação, quando ela concluiu, sem nenhuma dificuldade, a opera-ção de votar eletronicamente nos candidatos que ela escolhera soberanamente.

Agora é o mundo do trabalho. Ela entra nele, como milhões de brasileiros, ganhando o salário mínimo. Claro que por con-tar com a clarividência dos dirigentes dos correios e a solicitude das pessoas que fazem a APAE. Mas também muito por seus méritos. Prova disso foi o posicionamento do seu supervisor, re-latando para a assistente social da Apae o impacto que a alegria de viver da Mariana produziu na unidade e a adequação de seu desempenho.

Eleitora consciente, trabalhadora responsável, falta ainda uma coisa que ela não deixa de proclamar: quer casar. E tem razão, porque como dizia o velho Freud, o ser humano só se completa com o lieben und werken - amar e produzir.

Portanto, o próximo desafio é o de criarmos condições para que a Mariana possa exercer o direito de ter um companheiro com quem possa compartilhar sua imensa capacidade de ser fe-liz.

João de Paula

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A história tem nos revelado

diversas formas de se lidar com as

diferenças entre indivíduos,

especialmente em se tratando das

diferenças mais facilmente

percebidas e que ganham um

significado de desvantagem e de

descrédito social. Essas maneiras

d e e n c a r á - l a s n ã o e s t ã o,

necessariamente, determinadas

por suas características objetivas e

aparentes. São expressas por

reações fundadas em concepções

religiosas, políticas ou científicas,

historicamente construídas.

A história de vida da Mariana

por ela mesma contada e, tão

carinhosamente revelada por seus

parentes e amigos mais próximos,

ilustra, de modo positivo, as ideias

acima consideradas.

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