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CONVERSAS SOBRE QUÍMICA EM PORTUGAL NO SÉC. XIX: A CONTRIBUIÇÃO DO VISCONDE DE VILARINHO DE SÃO ROMÃO Marília Peres CQE-Ciências, Universidade de Lisboa & E.S. José Saramago - Mafra [email protected] Colóquio: História da Química em Torno de Vicente Seabra Coimbra , 1 de abril de 2016

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CONVERSAS SOBRE QUÍMICA EM PORTUGAL

NO SÉC. XIX: A CONTRIBUIÇÃO DO VISCONDE DE VILARINHO DE SÃO

ROMÃO

Marília Peres CQE-Ciências, Universidade de Lisboa & E.S. José Saramago -

Mafra

[email protected]

Colóquio: História da Química em Torno de Vicente Seabra

Coimbra , 1 de abril de 2016 

Introdução

Conversas sobre Química – porquê?

Quem foi Jane Marcet

Marcet versus Faraday

Edições e traduções de “Conversations on

Chemistry”

Quem foi Teixeira Girão

A chimica ensinada em 26 liçoens

Nomenclatura quimica: de Seabra a

Girão

Considerações finais

(MARCET (ed. francesa), 1809)

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Quem foi Jane Marcet

Retrato de Jane Marcet (Rossotti, 2007)

• Jane Haldimand Marcet (1769-1858) nasceu em Londres.

• Foi educada com os seus irmãos, tendo estudado Matemática, Astronomia, Filosofia e Pintura.

• Casou em 1799 com o medico suíço Alexander John Marcet (1770–1822), que vivia em Inglaterra.

• Jane assistiu a algumas das primeiras conferências de Química de Humphry Davy (1778-1829).

• O seu livro Conversations on Chemistry foi publicado em 1806.

(Rossotti, 2006; 2007 & André, 2012)

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Conversations on Chemistry

Preface:“In venturing to offer to the public, and more particularly to the female sex, an Introduction to Chemistry, the author, herself a woman, conceives that some explanation may be required ; and she feels it the more necessary to apologise for the present undertaking, as her knowledge of the subject is but recent, and as she can have no real claims to the title of chemist.(…) But frequent opportunities having afterwards occurred of convening with a friend on the subject of chemistry, and of repeating a variety of experiments, she became better acquainted with the principles of that science, and began to feel highly interested in its pursuit.”

(Marcet, 1806)

(Marcet, 1832)

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Conversations on Chemistry

(Marcet, 1817 – vol. I, Plate XI)

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Conversations on Chemistry

(Marcet, 1817 – vol. I, plate XV)

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Jane Marcet A mulher que inspirou Faraday

Marcet procurou manter-se atualizada com os avanços científicos na área.

Questionava Faraday e outros cientistas sobre as suas descobertas.

(Rossotti, 2007; André, 2012)

Retrato de Michael Faraday (Coleção de M. Peres)

“[It was] Mrs. Marcet’ s conversations on chemistry,

which gave me my foundation in that science.”

“How often when sending a paper to her as a thank

offering I thought of my first instructress.” (Faraday, 1858)

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Conversations on Chemistry

Conversations on Chemistry foi publicado durante 200 anos e é uma das obras mais importantes de divulgação da ciência.

Jane Marcet foi uma educadora inovadora, pois através de um diálogo informal entre personagens credíveis ela conseguiu abordar os assuntos mais complexos da Química.

Embora o diálogo fosse entre uma professora e as suas alunas, os temas tratados não eram os tipicamente femininos.

(Marcet, 2010)

(Rossotti, 2006 ; 2007; Knight, 2000)

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Edições e traduções das “Conversas da Jane”

1806–1853: 16 edições na Grã-

Bretanha e 23 edições nos EUA

(mais de 160 000 cópias vendidas

neste país antes de 1853).

Foi um dos textos de química mais

encantadores que circulou pelos

EUA na primeira metade do sec.

XIX.

A Smith Collection (Un.

Pensivalnia) possui mais de 30

cópias impressas anteriores a

1850 (versão inglesa e

americana).

As primeiras jovens matriculadas na Un. da Pensilvânia, no laboratório de

Química em 1878 (Fonte: Univ. of Pennsylvania)

(Lindee , 1991; Smith, 1914)

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Traduções e imitações das “Conversas da Jane”

• Em 1826 foi publicado o livro Entretiens sur la chimie d'après les méthodes of MM. Thénard et Davy (autor Ambroise Tardieu ).

• Este livro é um plágio de Conversations on Chemistry: Mrs B. é Mrs Beaumont, Emile é transformada em Gustave; apenas Caroline se manteve como personagem. (Tardieu, 1826)

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La chimie

enseignée en 26 leçons

Conversations on

Chemistry

La chimica insegnata in ventisei

lezioni

A Chimica ensinada

em 26 liçoens

La quimica ensenada

en veinte y seis

lecciones

Marcet

Buscati

Teixeira Girão

Payen

“Don **”

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Traduções e imitações das “Conversas da Jane”

Retrato de Anselme Payen (Fonte: American Chemical Society)

• Anselme Payen (1795-1871) foi um cientista e um industrial multifacetado , que contribuiu significantemente para ambos os campos.

• Desenvolveu um processo de síntese do tetraborato de sódio – água (1/10)

• Descobriu o primeiro enzima, diastase.

• Foi professor na École Centrale Paris e no  Conservatoire National des Arts et Métiers.

( Payen & Persoz,1833; Wisniak, 2005)

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Traduções e imitações das “Conversas da Jane”

Traduções e imitações das “Conversas da Jane”

(Payen, 1826)

La Chimie Ensignée en 26 Leçons (primeira edição de 1825).

• Payen abandona a forma de diálogo mas usa os mesmos capítulos do livros de Marcet.• A eliminação das questões das jovens

estudantes tornam o texto mais curto.• Grande parte do texto é apenas uma

tradução do livro de Marcet, embora introduza alguma informação adicional (ex.: fosforescência, teoria atómica, química industrial, …).

• O livro apresenta 12 das 15 estampas do livro de Marcet.

• Nunca identifica que o autor é uma mulher.

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Quem foi Teixeira Girão

Visconde de Vilarinho de S. Romão (Silveira,

1985)

Antonio Lobo de Barbosa Ferreira Teixeira Girão (1785-1863):• Primeiro Visconde de Vilarinho de São

Romão.

• Nasceu em Sabrosa, Vilarinho de São Romão.

• Foi um político português agricultor, escritor e uma académico com interesses científicos. Devotado ao desenvolvimento de Portugal nas mais diversas áreas.

Conhecido e perseguido como liberal, esteve escondido numas águas furtadas em Lisboa durante 5 anos e 2 meses (de 1828 a 1833). Durante esse tempo manteve uma grande atividade intelectual, escrevendo diversas obras que publicou de 1833 a 1835.

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Quem foi Teixeira Girão Obras de Teixeira Girão:

1822 Tratado Teórico e Prático da Agricultura das Vinhas, da Extracção do Mosto, Bondade e Conservação dos Vinhos, e da Destilação das Águas Ardentes

1833 Memória sobre os Pesos e Medidas de Portugal, sua Origem, Antiguidade, Denominação e Mudanças que Têm Sofrido até aos Nossos ...

1833 Memória Histórica e Analítica sobre a Companhia dos Vinhos Denominada da Agricultura das Vinhas do Alto Douro

1834 A Chimica ensinada em 26 Liçoens1834 Memórias sobre a Economia do Combustível por Meio de

Vários, Melhoramentos que se Devem Fazer nos Lares Ordinários, Fornalhas, Fornos e Fogões

1835 Economia Rural e Doméstica ou Ensaio sobre o Gado Lanígero, sobre o Método de os Criar, Apascentar, Preservar das Doenças ...

1834 Tratado Teórico e Prático sobre a Maneira de Construir Fogões de Sala Económicos e Salubres

...

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M. Peres, 2016

A Chimica ensinada em 26 liçoens

(Girão, 1834)

Em 1833 Teixeira Girão foi nomeado Par do Reino, administrador da “Fábrica de Loiças” no Rato, Lisboa e administrador da Casa Pia.“entende que a Fábrica se conserve, devendo criar-se um laboratório para análise (...). É igualmente preciso estabelecer uma aula de química para os operários da Fábrica e rapazes da Casa Pia”.

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(Girão, 1834; Matos, 1933)

Girão traduziu o livro de Payen enquanto esteve escondido, adicionando informação adicional de Th. Thompson (1824), E. Desmarets (1834), J.- Ch. Herpin (1824) e L. M. Albuquerque (1824). O livro foi oferecido ao rei com o objetivo de servir os alunos da Casa Pia.

A Chimica ensinada em 26 liçoens

(Girão, 1834)

• O livro de Girão é uma tradução comentada e alargada do livro de Payen.• O autor apresenta notas e correções sobre

vários assuntos, ex.:

- Escalas de temperatura

- Operação com pirómetros e termómetros

- Calor e energia- Produção de ácido sulfúrico- Gás para iluminação- Balões de hidrogénio- Respiração do homens e de outros animais (6

páginas)- Carvão- Produção do Sal de Saturno (acetato de chumbo (2+))

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M. Peres, 2016

Sempre com matérias primas

portuguesas

A Chimica ensinada em 26 liçoens

(Girão, 1834)

• Teixeira Girão introduz três estampas e um novo capítulo onde explica como organizar um laboratório de Química.

• Girão também apresenta vários processos “aplicados às artes e à economia domestica”:

- produção de sabão

- métodos para conservar fruta todo o ano

- método para reconhecer o arsénio

- Produção de tintas

- …

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M. Peres, 2016

Nomenclatura Chimica: de Seabra a Girão

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Vicente Seabra, 1801

(Ferreira da Silva, 1905; Rómulo de Carvalho, 1950; Amorim da Costa, 1984;

Nunes dos Santos, 1991; Herold, 2005; Luna, 2013)

Lavoisier, Morveau, Berthollet e Fourcroy, 1787: - esquema sistemático em que as substâncias químicas foram renomeadas de forma a melhor se acomodar com a nova teoria antiflogística

- princípios de um sistema para dar nomes às substâncias químicas e se propunha a substituir as múltiplas nomenclaturas que coexistiam até então.

“Sigo geralmente a etymologia latina, e a desinencia portugueza, nao somente porque o nosso idioma tem mais analogia com ella, como porque a dicçao latina he hoje geralmente seguida em todas as obras chimicas, e phisicas, que recentemente se tem publicado em lingua latina.

(Seabra, 1801, p II)

Nomenclatura Chimica : de Seabra a Girão

Teixeira Girão, 1834

Teixeira Girão apresenta uma tabela útil com os nomes antigos e com os novos.

Segue na maior parte das vezes a designação francesa, tal como Albuquerque, ex: Iode, Azote, Chlore, ...

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L. Mouzinho de Albuquerque (1824)Curso Elementar de Physica, e de Chymica … (tomo III)

J.–Ch. Herpin (1824)Recreations chimiques, ou recueil d'experiences curieuses et instructives, (vol. 1)

Nomenclatura Chimica: de Seabra a Girão

21 Nome antigo Seabra, 1801 Girão, 1834Acido acetoso Acido acetoso Acido aceticoAcido marinho Acido muriatico Acido hidro-chloricoAcido marinho dephlogisticado

Acido muriatico oxigenado Chlore

Acido phosphorico phlogisticado

Acido phosphoroso Acido fosfatico

Agua regia Acido nitro-muriatico Acido hydro-chloro-nitricoAlkali fixo vegetal Carbonato de potassa Potassa, ou deutoxido de potassaAr dephlogisticado Gaz oxigenio Gaz oxigeneoAr inflammavel Gaz hydrogenio Gaz hydrogeneoAr phlogisticado Gaz azotico Gaz azoteAzul da prussia Prussiato de ferro Cyanureto de ferroCal Cal Oxido de calciumCaparrosa azul Sulfato de cobre Deuto-sulfato de cobreCaparrosa verde Sulfato de ferro Proto-sulfato de ferroPrecipitado vermelho Oxido vermelho de mercúrio

pelo acido nitricoDeutoxido de mercurio

Vitriolo azul Sulfato de cobre Deuto-sulfato de cobre

Cl: 1809 – H. Davy

Ca: 1808 –

H. Davy

Considerações finais

• Conversations on Chemistry é um bom exemplo sobre como a participação das mulheres na ciência mudou no início do séc. XIX.• Muitos professores optaram por fazer uma adaptação própria

do livro, tornando em muito casos mais objetivo e denso, nem sempre mais eficaz.• A tradução de Payen destinava possivelmente a estudantes

mais velhos, que necessitavam de conhecimentos sobre Química Industrial. A omissão do género do autor provavelmente não terá sido acidental.• O livro de Girão foi escrito com o propósito de suportar um

novo laboratório de Química. O autor demonstra ter um profundo conhecimento sobre a realidade industrial, agrícola e económica de Portugal no primeiro metade do séc. XIX, sendo por isso uma fonte relevante para historiadores e químicos.• No seu livro não apresenta qualquer referência ao livro de

Vicente Seabra, seguindo uma nomenclatura mais francesa tal como M. de Albuquerque.

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Bibliografia

• André, J. P. (2012). Conversas de Jane. Química, 127 (57-63).• Faraday, M. Letter: Faraday to Arthur-Auguste De La Rive (2 Oct.

1858). In James, F. ed.(2008). The Correspondence of Michael Faraday, vol. 5, 1855-1860. London: Institution of Engineering and Technology.

• Knight D. (2000). Communicating Chemistry. The Frontier between Popular Books and Textbooks in Britain during the First Half of the Nineteenth Century. In Bensaude-Vincent, B. & Lundgren A. ed. Communicating Chemistry: Textbooks and their audiences, 1789-1939. Canton: Watson Publishing International (187-2015).

• Lindee, S. (1991). The American Career of Jane Marcet’s Conversations on Chemistry, Isis, 82 (8–23).

• Rossotti, H. (2006). Chemistry in the Schoolroom: 1806. Hazel Rossotti: Bloomington.

• Rossotti, H. (2007). The Woman that inspired Faraday, Chemistry World, June 2007, (57-61).

• Silveira, P.(1985). Prefácio. In Visconde de Vilarinho de S. Romão: Histórias de Meninos, Lisboa: Perspectivas e Realidade.

• Wisniak, J. (2005). Anselme Payen, Educacion Quimica, 16 (568-580).

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Muito Obrigada