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    MARIA JOO CANTINHO

    MRIO BOTAS OU O REGRESSO DE NARCISO

    http://triplov.com/poesia/cantinho/botas.html

    No grande teatro da ilusono vale a pena, no vale a penadlim dlo dlim dloapagam-se as luzes, esvazia-se acena.

    Mrio Botas, in Catlogo daRetrospectiva de Mrio Botas,citado por Almeida Faria, p. 14.

    AGUARELA DE MRIO BOTAS.PROPRIEDADE: MARIA ESTELA GUEDES

    A o!ra de Mrio Botas aparece no panorama da pintura portuguesa como uma pintura avessa a classi"ica#$es,resistindo em toda a sua singularidade "ace ao aparecimento das correntes p%s-modernas &ue ocorreram na suagera#o. Nascido em 1'() e precocemente desaparecido em 1'*), o pintor iniciou o seu tra!al+o em 1'1, mas"oi a partir do ano de 1' &ue ele con+eceu o grande c+o&ue &ue a impulsionou. Nesse ano, com vinte e &uatroanos de idade, ele sou!e &ue a sua vida urgia, ao tomar con+ecimento de &ue so"ria de leucemia. A partir da, eledesco!re na o!ra a /nica razo da sua e0istncia e o modo de perdurar no tempo.

    2m ol+ar de e0trema in&uieta#o e curiosidade so!re o mundo, a par da leitura assdua de poesia e literatura,trans"ormaram-l+e a pintura num universo essencialmente literrio, &ue atinge a sua m0ima e0presso em LeSpleen de moi-mme, onde o autor assina, no desen+o da capa, o seu nome, acrescentando-o ao de Baudelaire.

    Ao longo do percurso pict%rico, o contacto "ecundo com a poesia e a literatura con3ugam-se com o convvioestreito com muitos poetas Ant%nio 5s%rio, 6er!erto 6elder, 7ug8nio de Andrade, 9aul de :arval+o, :esarin;,

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    entre outros?nert, 9aul Brando, AlmeidaFaria, Ant%nio 5s%rio, !em como uma s8rie de desen+os so!re temas do Antigo @estamento, outros comentandopoemas de Mrio de -:arneiro e de 9im!aud, re"erncias a Fausto, Le Horla, revisita#$es de vrios temasmitol%gicos, como Ra,Ixion, Hcate. 2m tema recorrente e ironicamente tratado 8 a +ist%ria de ortugalC Leonoreles! Fernandus Rex "ortucalensis! # $nigma de %lccer &ui'ir! % Hist(ria Secreta de "ortugal! % morte de Ins

    de Castro, os)*Se'asti+o, # Milagre das Rosas. 5 gosto pelo retrato de escritores &ue o "ascinaram 8 igualmenteuma t%nica dominante, tal como o retrato de >a"Da, essoa, :am$es, Mrio de -:arneiro, @ristan :or!iEre,9ilDe, etc.

    Face ao panorama da pintura portuguesa dessa d8cada, a o!ra de Mrio Botas, assume um estatuto muitopeculiar, articulando o po8tico e o "antstico, integrando a +eran#a surrealista da pintura e trans"ormando o seuuniverso pict%rico numa atmos"era onrica, de um sim!olismo in&uietante e opressivo, re"or#ado pelo cruzamentocom as re"erncias literrias e pela revisita#o do classicismo e da mitologia. :omo ele pr%prio a"irmavaC 5 &uepinto gosta de se encontrar com as palavras, so!retudo com as palavras dos outros. 9aramente parto do te0topara a imagem, mas &uase sempre esta precede a&uele. 7 a necessidade de "azer coincidir ou encontrar o planoda imagem com o te0to 8 e0pressamente reveladaC 9aramente procuro ilustrar, mas antes realizar uma o!raparalela &ue s% se esclare#a inteiramente pelo relacionamento "eito entre am!as. essa indissocia#o nasce

    tam!8m a singularidade da sua pintura, um percurso simultaneamente original e marginal, em &ue a morte e ocarcter visionrio da o!ra o trans"ormam num artista de culto.

    G interessante acompan+ar o seu percurso, tentando compreender o alcance e a pro"undidade do g8nio e a suaoriginalidade. Mrio Botas nasceu na Nazar8, oriundo de "amlia simples, tmido 3ovem de ol+ar melanc%lico epro"undo - recon+ecemos esse ol+ar nos auto-retratos &ue pintou. Foi estudar para His!oa, onde terminou o cursode Medicina em 1'(. No incio, aprendeu os rudimentos da pintura e da arte com :ruzeiro ei0as e Mrio:esarin;, tendo realizado com eles colagens e cadavres ex,uis. @ra!al+ou igualmente com aula 9ego, Manuel:asimiro e 9aul erez.

    5 surrealismo interessou-o nessa primeira "ase como ponto de partida, con"essando posteriormente a suadesiluso. 7le interpretar o Maio de I* como o elogio "/ne!re do surrealismo, de"endendo a ideia de &ue setorna necessrio repensar um novo dadasmo &ue conduza, no ao dogma surrealista, mas &ue se diri3a antes

    para a mais e0trema conscincia da li!erdade individual. 5 a"astamento do dogma surrealista deveu-se emgrande parte aos contactos cosmopolitas &ue procurava manter, em especial com o editor +olands Haurens vans>revelen, com &uem manteve correspondncia at8 ao ano de 1'. G nesse ano do diagn%stico &ue o pintor-poeta rompe "inalmente com o dogma surrealista, originando-se, a partir da, a revela#o de uma o!ra com carizpr%prio. Apesar de ter sido a grande "onte do seu universo pict%rico e po8tico, durante sete anos, essa cesurarevela-se no l!um Conessionrio1'I

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    Hautr8amont, Heis :arroll, etc., inscrevem-l+e na o!ra a contamina#o entre o mtico e o +ist%rico.

    ata desse mesmo ano de 1'* o contacto com a o!ra de 7gon c+iele na galeria erge a!arsD;, em NovaLor&ue, &ue se revela "ulminante, recon+ecendo-o como um dos seus mestres. Nos cinco anos seguintes, ain"luncia da representa#o agressiva e insistente dos retratos de c+iele marc-lo- de tal "orma &ue Ant%nio5s%rio o apelidar de ar&ue%logo de seu rosto. 7ssas "igura#$es so "ormas de e0piar e apresentar a ruinosacatstro"e, servindo-l+e o retrato como a imagem ar&uetpica, &ue reveste as m/ltiplas "ormas de se despedir de sipr%prio assina assim um gesto "lagrante de +eteronmialeede"endia, de &ue a o!ra radicava numa cren#a no poder mgico do +omem em criar novas realidades &uecon"erem K vida esse e0cesso &ue no 8 da ordem do visvel, mas sim meta"sica. or toda a parte, a alegoriarevela o seu rosto melanc%lico, numa apresenta#o da runa, dos monstros interiores, do corpo mutilado e dadoen#a invasora, da morte &ue se anuncia, como no auto-retrato em &ue a ampul+eta surge so!re o cora#o,

    anunciando o escoar do tempo de um modo o!sceno, como nos &uadros em &ue se auto-retrata como crian#a e orosto se encontra dividido, uma parte ainda intacto, a outra imersa em escurido. Ao longe, min/scula, espreita a

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    "igura e0pectante da morte. e um lado a in"Pncia, a nostalgia de um tempo perdido, a crian#a segura uma rosana mo, a "rgil "lor da sua vida, do outro, a "igura anunciada da catstro"e. 7sse 3ogo dial8ctico e de "erozviolncia repete-se ami/de em toda a sua o!ra, revelando cada rosto, cada corpo, cada "igura, esse e0cesso doinominvel, so! a "orma de monstros, animais, "iguras dia!%licas e arrepiantes.

    A atmos"era dos seus &uadros tam!8m evoca a pintura de Bosc+ e, em especial, o trptico 5 ardim daselcias, com toda a sua galeria de imagens sinistras de +!ridos monstros, situada entre o onirismo e o erotismo.:ontra a delicadeza da representa#o surge o a!surdo da apresenta#o, numa imagem surreal, pr%0ima dopesadelo. or outro lado, + uma encena#o teatral, em &ue o tempo se encontra espacializado so! a "orma decasas, no &uadro as Tuatro 7sta#$es, essa dial8ctica entre a nostalgia e a runa apresenta-se "re&uentemente,nos &uadros em &ue as rvores se ligam sim!olicamente Ks diversas "ases do tempoScasas. 7ntre a palmeira,rvore &ue se encontra ligada K esperan#a e ao passado, e o cipreste, +irto sm!olo da morte. @oda a sua pinturaoscila entre esta dial8ctica aleg%rica, to cara ao esprito de Baudelaire e ao sentimento do spleen. e, por umlado, 8 antecipada a runa e a destrui#o do orgPnico sempre na "igura da morte, do monstruoso e da doen#a