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Mario Persona

Marketing de Gente

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Outros livros por Mario Persona: Crônicas de uma Internet de Verão Receitas de Grandes Negócios Gestão de Mudanças em Tempos de Oportunidades Marketing Tutti Frutti Dia de Mudança Moving ON (inglês)

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Marketing de Gente

O marketing pessoal como suporte para o principal ativo das empresas.

Segunda Edição — 2009 ©2009 por Mario Persona [email protected] www.mariopersona.com.br

Créditos:

Revisão: Maria Cristina Marucci Capa: Stephan Dirck Klaes Fotos da capa: Edward White (istockphoto.com/Editorial12)

Angel Manuel Herrero (istockphoto.com/Pinopic)

Este livro pode ser encontrado nos seguintes endereços: http://stores.lulu.com http://www.amazon.com http://www.clubedeautores.com.br

Índice

Dedicatória ......................................................................... 7 Apresentação ..................................................................... 11 Marketing pessoal e animal............................................. 15 O sabor de uma paixão..................................................... 21 Os 3 porquinhos ................................................................ 25 Despir a camisa.................................................................. 29 A influência do câmbio nos negócios............................. 33 Problemas ou oportunidades? ........................................ 37 Encarando o novo sem dor de barriga........................... 41 Blogterapia ......................................................................... 45 Cliente de estimação ......................................................... 49 Agueeenta coração!........................................................... 53 Exposição e promoção pessoal........................................ 57 Medalha de pérola ............................................................ 61 Sedativo de escorpião ....................................................... 65 Dia de fúria......................................................................... 69 Não bebo leite de vaca...................................................... 75 Quem canta, seus males espanta. Clientes também..... 79 É pau? É corpo? É o fim da conversa ............................. 83

Uma pergunta que não quer calar.................................. 87 Esqueletos no armário...................................................... 91 Inseminador de ideias ...................................................... 95 Estas são as suas vidas ..................................................... 101 Livro-bomba ...................................................................... 107 100 anos do cometa Harley.............................................. 111 Paiêêê... seu cliente chegou!............................................. 117 “Hello, Houston... ready for going home!”................... 121 Posso fazer uma pergunta? ............................................. 125 Marketrix............................................................................ 129 Que medão as pessoas me dão ....................................... 133 Guerra e paz....................................................................... 137 Fazendo das circunstâncias um trampolim.................. 143 Vende-se sucata................................................................. 147 O que é o sucesso para você? E para seus filhos?......... 153

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Dedicatória

"Quando eu era menino, os mais velhos perguntavam: o que você quer ser quando crescer? Hoje não perguntam mais. Se perguntassem, eu diria que quero ser menino". Fernando Sa-bino em "A vitória da infância".

Meu filho,

Você acaba de decolar de seu pequeno planeta aca-dêmico para uma viagem através do imenso universo profissional. Da atmosfera previsível do ensino formal, você parte agora para uma odisseia de descobertas nas galáxias do aprendizado informal. Sua formatura foi a plataforma de lançamento, o ingresso em uma nova car-reira, mais dinâmica, mais veloz. Seu diploma é apenas o zero de sua contagem regressiva. Se olhar pela escoti-lha, verá que há outros — muitos, gente demais! — via-jando ao seu lado. É melhor acelerar.

Profissionalmente você acaba de nascer, mas nunca terminará de crescer. E não apenas de crescer, mas tam-bém de mudar. Enxergue sua carreira como um profis-sional de marketing enxergaria uma empresa ou produ-to. De tempos em tempos será preciso rever sua estraté-

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gia para não ficar obsoleto e perder mercado. Ao sair da faculdade, irá descobrir caminhos que antes nem imagi-nava trilhar. Serão melhores? Sim, se você estiver dis-posto a sempre aprender novas maneiras de caminhar. Ou nadar, escalar, correr ou mesmo voar, conforme o terreno e as circunstâncias exigirem.

Comigo foi assim, você sabe. O diploma da faculdade de arquitetura e urbanismo, cursada à base do arroz integral e do banchá de uma postura ecológica alternati-va, foi parar na gaveta enquanto eu executava planos movidos a ideais. Foram três anos no interior de Goiás, lecionando numa escola que me ensinou muitas coisas que eu precisava aprender. Só depois eu voltei a ser o arquiteto da formação, o que também não durou muito. As circunstâncias exigiram que eu me transformasse em camaleão.

Virei vendedor, profissão que todo profissional deve-ria se orgulhar de ter. Por que será que há faculdades que não ensinam vender? Depois fui comprador, nego-ciador e editor. Enquanto você crescia fisicamente, eu crescia profissionalmente, até chegar à atual configura-ção de escritor, palestrante, professor e consultor. Tor-nei-me multitarefa, como você deverá ser se quiser so-breviver num mundo de profissões descartáveis.

Agora você tem muitos desafios pela frente. O con-selho que lhe dou, como pai e como amigo, é que seja um porquinho na forma de pensar. Estou falando da-quele porquinho do antigo comercial de um frigorífico na TV. Quando lhe perguntavam, "o que você quer ser quando crescer?", o porquinho respondia alegremente: "Salsicha!"

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Parecia um absurdo responder com tamanha motiva-ção, já que aquilo significaria seu sacrifício. Ele precisa-va morrer para aquela vida de porco antes de se trans-formar em algo útil. Sei que você já captou a mensagem. Se não estiver disposto a se sacrificar, jamais será al-guém útil, para si, para o próximo ou para Deus. É pre-ciso estar disposto a sacrificar continuamente o que você é, o que sabe e o que faz, antes que consiga transformar seu ser, seu saber e seu fazer em algo de valor. Mesmo porque, tudo o que você é, sabe e faz não são coisas está-ticas, mas dinâmicas, que estão sempre mudando.

Se começar a se orgulhar demais do que é, sabe e faz, é provável que não queira mudar. Aí você estará desti-nado a engrossar as fileiras do bloco-dos-já-fui. Sabe como é, gente que vive se gabando, "já fui isso, já fui aquilo" e hoje não é nada.

Mas espere! Não leve o exemplo do porquinho ao pé da letra. Não permita que a vida e as circunstâncias o transformem numa salsicha qualquer. Salsichas são to-das iguais, têm todas elas o mesmo gosto e vivem amar-radas umas às outras por aquele barbantinho. Não seja assim.

Não se deixe amarrar por compromissos que com-prometam seus valores, suas crenças e seus ideais. Ja-mais permita que negociem seu caráter, ou levará uma vida de cachorro-quente. Seja diferente, mantenha seus princípios, custe o que custar. Ouse viver assim, se qui-ser deixar um exemplo. Lembre-se de que reputação é algo que você leva uma vida para ganhar e alguns mi-nutos para perder. Ou segundos, na era da informação.

Nunca perca seu lado infantil. Continue sendo a cri-ança que existe em você. A criança que sonha, que acre-

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dita, que vê um futuro brilhante pela frente. Seja assim, mesmo naqueles momentos quando se sentir pequeno diante dos desafios. Por esta razão, além da disposição para o sacrifício, quero que se lembre mais uma vez do diálogo do porquinho do comercial da TV: "O que você quer ser quando crescer? Salsicha!" Percebeu? Bem-humorado, ele acreditava que iria crescer. Você também.

Com amor, seu pai.

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Apresentação

"Recrutar estudantes universitários é um trabalho para o marketing, não para o RH." — Jeff Daniel

Neste livro falo de marketing e falo de gente como quem conta histórias para mentes e corações. Afinal, marketing e recursos humanos estão casados e sem di-reito a separação. Faz sentido, já que as pessoas formam o principal ativo de uma empresa — talvez o único ativo realmente ativo — principalmente se esta atuar na área de serviços. Como o futuro da maioria das empresas depende de seu desempenho na prestação de serviços como valor agregado aos seus produtos, então isso vale para qualquer pessoa ou empresa, desde que não seja uma pessoa ou empresa qualquer. Para isso é preciso se reinventar.

Mas será que são apenas as pessoas que formam o ativo mais importante, ou é também o conhecimento ativo delas que vale ouro? As duas coisas. Primeiro, é preciso enxergar as pessoas como produtos. Não se trata de uma visão desumana ou que reduza o seu valor. Muito pelo contrário. Como qualquer bom produto, elas oferecem vantagens, reduzem custos, aumentam o ga-

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nho, agregam prazer e ajudam a injetar prestígio e satis-fação em quem compra. É isso — e muito mais — que eu e você buscamos em um produto. É isso — e muito mais — que buscamos nas pessoas.

Outro ponto a ser considerado é que o serviço de-pende não apenas das pessoas, mas do conhecimento que elas têm. Portanto, não são apenas as pessoas que constituem o ativo mais importante de uma empresa, mas pessoas que conhecem e que praticam esse conhe-cimento. Conhecimento colocado em prática é competên-cia.

Isto nos leva a pensar que a ideia de gestão do conhe-cimento coincide com a prática de gestão de pessoas, já que o conhecimento explícito — aquele que é codificável e documentável — é ínfimo se comparado ao conheci-mento tácito, que mora nos miolos de quem o detém. Saber gerenciar pessoas hoje é conseguir extrair delas — ou melhor, fazer com que elas distribuam — conheci-mento. Mas não espere conseguir isso de forma rápida.

O conhecimento, cuja fluidez e viscosidade nutritiva de mel se contrapõem ao derrame rápido da água isenta de nutrientes ou à dispersão rápida do gás inconsistente, só tem utilidade se for salivado por abelhas operárias na forma de competência. É este o doce mel do conheci-mento colocado em prática no preenchimento de casulos que são obras de obreiras patas. Se o conhecimento não for colocado em prática na forma de competência, não passa de arroto, excelente combustível do ego. Por isso não basta alguém saber — é preciso mostrar o que é ca-paz de fazer com o que sabe.

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Então vem a hora da empresa sair em busca desse conhecimento que doure a pílula do produto ou serviço oferecido a seus clientes. Ela sai em busca do profissio-nal ideal, aquele que está atrás de uma colocação, reco-locação ou terceirização como fornecedor potencial de conhecimento. Neste momento a empresa contratante é cliente, algo que o pessoal que ainda vive no tempo do emprego não vai conseguir enxergar. Falo daqueles que acham que empresa é uma instituição que está aí para servir seus empregados. Não é.

Como em qualquer área de negócios, cabe ao forne-cedor adaptar-se ao mercado e se posicionar de maneira a cativar seus clientes, não o contrário. O candidato a uma vaga ou posto de trabalho pode até ser criterioso na escolha do lugar onde gostaria de trabalhar, mas não pode esperar que esse lugar esteja ao seu dispor. Quem diz "Ao seu dispor!" é o fornecedor, não o cliente. Ele está vendendo algo — no caso seu conhecimento, experiên-cia e talento — enquanto a empresa está comprando. Todo profissional precisa passar por uma reinvenção pa-ra se enxergar assim.

Mas, olhando dentro das empresas, vejo que muitas também precisam se reinventar se quiserem atrair os melhores talentos. Daí a necessidade do recrutamento ser uma ação de marketing, uma conquista de valores para a empresa, e não um setor de triagem passiva. Nes-sa relação de conquista de novos talentos, agora é a em-presa que assume o posto de fornecedora. Ela precisa saber vender sua marca, seu ambiente de trabalho, suas possibilidades de carreira e seu produto campeão para conquistar o cliente. Que, neste caso, é o candidato a

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uma vaga, alguém que ela quer conquistar para gerar maior lucratividade e vantagens para si mesma.

Você já deve ter percebido que a moeda sempre tem dois lados. Somos, ora fornecedores, ora clientes, às ve-zes na mesma transação. Esta é uma das grandes saca-das de quem negocia, pois sabe fazer essa mudança ra-pidamente em meio a uma mesma conversa, usando uma sucessão de ações de seduzir-e-ser-seduzido para ob-ter sucesso nos negócios. Então, quando o assunto é Marketing de Gente, é importante entender que se trata de uma relação de mão dupla, de como o profissional deve se preparar para conquistar as melhores empresas, e a empresa, por sua vez, para conquistar os melhores profissionais. Este livro é, portanto, para pessoas senta-das nos dois lados da mesa.

Para evitar que este livro acabasse se transformando no livro de seus sonhos, adotei o estilo mais humano possível — casos e crônicas — para tratar de coisas que considero importantes nos negócios: gente, marketing e empresa. Necessariamente nesta ordem.

O Autor.

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Marketing pessoal e animal

Marketing pessoal é uma questão estrutural. Começa no ca-ráter, passa pelo comportamento e atitude até chegar à repu-tação, que é a marca que você deixa nas pessoas. Clientes es-peram algo de você, e cabe a você entregar aquilo que está dentro ou além das expectativas deles. Como vai fazer isso? É preciso começar de dentro para fora. Qualquer estratégia de marketing pessoal que se concentre apenas na imagem — na-quilo que seu cliente percebe aqui e agora — pode ser facil-mente desmascarada em um mundo onde todos se comuni-cam com uma facilidade nunca vista. É claro que vai ser pre-ciso uma boa dose de inteligência no processo, se o que se busca é o marketing pessoal. Na falta dela, só resta o animal.

O público estava adorando. No palco, uma competen-te palestrante entretinha a plateia com uma mistura de inteligência, conhecimento e humor, receita infalível nas mãos de qualquer comunicador. O peso emocional de suas frases cuidadosamente tricotadas equilibrava a pla-teia numa espécie de divisor de águas, levando-a do riso às lágrimas num piscar dos mesmos olhos marejados.

Era convincente porque parecia transparente. Falava de ética, respeito e consideração, como se o ambiente de trabalho fosse um templo e a comunicação entre chefes,

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colegas e subordinados uma oração. Tudo lindo, subli-me e maravilhoso. Até baixarem as cortinas e a pales-trante passar dos holofotes para a área cinzenta dos bas-tidores.

Então, despida daquela rósea candura ensaiada, transfigurou-se num Hulk verde de raiva no tratamento com sua equipe de apoio, que falhara na qualidade do som. Nenhuma semelhança com as propagadas virtudes que ainda ecoavam no auditório agora vazio.

O discurso era um, a realidade era outra, negando na prática o compromisso assumido na teoria. Quem me contou? O cliente que a contratou. Sem ela perceber, ele estava nos bastidores.

Mais do que nunca, os clientes têm acesso aos basti-dores. São esclarecidos, têm informação, exercem opini-ão. E o que é mais sério, ganharam poder de divulgação. O acesso à Internet transformou o cliente insatisfeito numa orquestra de metais. Dê a ele um bom motivo e a boca vai para o trombone.

Toda venda começa com a venda de si próprio, da sua imagem e da capacidade de gerar confiança em seu cliente. Por isso costumo insistir no marketing pessoal. Se o seu cliente não comprar primeiro você, não com-prará o produto que você tem para vender.

Além do espírito que nos diferencia dos animais, so-mos formados por corpo e alma. Embora a alma seja invisível e depósito íntimo de nossas emoções, pensa-mentos e convicções, ela pode ficar pública e notória graças ao protagonista de nossas ações. Falo do corpo, a parte mais animal, visível e efêmera de nosso ser. Capaz

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de escoicear os bastidores para dentro palco e o esterco no ventilador.

Enquanto sua condição interior define o seu caráter ou aquilo que você é, são as suas ações exteriores que definem a sua reputação, ou aquilo que você parece ser. Assim, o que as pessoas pensam de você vem das con-clusões tiradas a partir de suas palavras, gestos e ações. Somadas às suas ideias, elas definem sua postura. O profissional não pode apenas ser bom no que faz, mas precisa parecer bom no que faz.

Nem sempre é conveniente exteriorizarmos o que estamos passando em nosso íntimo, e aí entra nossa ha-bilidade de atuar. O marketing pessoal começa traba-lhando o caráter, como o marketing industrial começa trabalhando o produto. Se o produto for de qualidade, ganhará uma boa reputação no mercado. Depois vem a embalagem de uma boa representação.

Não se anime achando que poderá atingir um índice de qualidade total em seu caráter. Suas falhas obrigam você a ser um pouco ator, aplicando às vezes alguma maquiagem para esconder as rugas circunstanciais. Um retoque que nunca deve levá-lo a querer parecer algo diametralmente oposto ao que você é em seu caráter.

Todos temos esse lado ator para atender às conven-ções sociais de convívio e boas maneiras. É o que ajuda na hora de expressar aquilo que as pessoas gostariam de ver em mim. Numa comparação com um produto, isto é o mesmo que caprichar na embalagem, a expressão ex-terior do que é encontrado na caixa. Algumas vêm com uma advertência ao lado da foto produzida: "Imagem apenas ilustrativa". Uma postura humilde passa a mesma mensagem.

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Exemplo? Estou morrendo de dor de cabeça, mas meus clientes não precisam sofrer com minha cara feia. Então sorrio, melhorando minha qualidade de expressar aquilo que meus clientes esperam ver em mim. A não ser que você seja daqueles que dizem "Quem quiser que me aguente do jeito que eu sou", é uma boa ideia trabalhar esse lado.

Mas tome muito cuidado, pois maquiagem demais acaba escorrendo. Nunca esconda totalmente seus sen-timentos sob o risco de parecer falso. Nem tente constru-ir uma reputação sem ter um alicerce de caráter, ou a casa cai. É sempre mais caro reformar e o resultado nun-ca é o mesmo.

Se o seu cliente ficar insatisfeito com seu produto, você pode substituí-lo, trocar de fornecedor, oferecer um modelo novo ou substituir as peças defeituosas. Mas como fazer o mesmo quando o produto é você? Vai fa-zer recall?

O marketing pessoal começa com uma auto-análise e continua com a melhoria contínua de suas atitudes, ha-bilidades e competências, até chegar à comunicação dis-so para o mundo exterior. Primeiro vem o interior, mais pessoal, depois o exterior, mais animal. O que você é exteriormente nunca pode ser mais importante daquilo que você é interiormente.

É claro que há pessoas que valorizam mais o exterior, como o carroceiro forte que havia em minha cidade. Orgulhoso de sua força física e aparência bruta, era só esse o seu diferencial. Um dia seu burro empacou bem no centro da cidade e o carroceiro começou a discutir com o animal, assistido por uma pequena multidão de

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curiosos. Para mostrar que tinha o controle da situação, o carroceiro deu um tremendo murro na testa do burro, que dobrou os joelhos e caiu de tonto.

Um burro tonto já seria hilário, mas isso não foi páreo para o que veio a seguir. Orgulhoso de sua força e bruta-lidade, o carroceiro caprichou em seu marketing animal ao se gabar para o burro e para quem quisesse ouvir: — Você pode ser mais inteligente do que eu, mas não é mais forte!

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O sabor de uma paixão

Quem surgiu primeiro, o ovo ou a galinha? A clássica per-gunta poderia ser aplicada também à empresa. Será a empre-sa que determina os valores que as pessoas que nela traba-lham devem ter, ou são as pessoas que definem a personalida-de e caráter de uma empresa? A resposta é evidente. Uma empresa — sua marca, seus produtos e serviços — é o resul-tado direto das pessoas que a criaram e que todos os dias a transformam em realidade. Uma estratégia de marketing res-trita aos 4P's — Produto, Preço, Promoção e Praça — será quadrúpede se não considerar, em primeiro lugar, gente que anda com os dois pés no chão e os olhos no infinito.

— Seu filho admira o que você faz? — lancei a pergunta à queima-roupa a um gerente de produção, enquanto caminhávamos pela fábrica que ele supervisionava. Ele parou, olhou para mim e seu rosto iluminou-se com um sorriso.

— Muito! — foi sua resposta entusiasmada.

Estávamos na área de produção de uma indústria de capacetes. Um pouco antes passávamos pelo showroom — capacetes de todas as cores diante de grandes poste-

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res de motocicletas de corrida. Um cenário que faria qualquer garoto sonhar.

Minhas perguntas não pararam ali. Queria saber mais das impressões do filho dele. Pouco a pouco aquele ge-rente contente passou a jorrar seus valores — os mes-mos que tornavam seu trabalho tão importante. Na vi-são de seu filho, e em sua visão também, ele ajudava a salvar vidas nas ruas e a conquistar prêmios nas compe-tições. Depois de cada turno na fábrica, podia ir para casa de cabeça erguida com uma sensação de missão cumprida para subir o lugar número um no pódio da admiração do filho.

Antigamente as empresas acreditavam que tecnologia era suficiente para garantir um diferencial. Essa época passou. Tecnologia pode ser criada, adquirida ou até copiada e qualquer diferencial tecnológico acaba se transformando em commodity com o tempo. O que faz a diferença são as pessoas, que trabalham e produzem para encantar pessoas. Afinal, era Ayrton Senna quem ganhava as corridas, não o seu carro. Construir uma réplica de seu carro é possível. Clonar um campeão não.

Quem percebeu a importância que gente tem nas em-presas correu definir uma visão, missão e valores que levassem em conta as pessoas do lado de lá do balcão — os clientes. Infelizmente a maioria das empresas não foi além da criação de frases bonitas para enfeitar as pare-des do edifício e até o sistema de som ambiente, frases feitas que pouco ou nada tinham de realidade interna. Será que as pessoas que todos os dias passam em frente a essas frases bonitas realmente incorporam isso em seu dia-a-dia? Nem todas.

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Todavia, há empresas que são muito bem sucedidas em seus esforços, não por criarem um quadro bonito contendo uma lista de valores, mas por terem consegui-do extrair de suas equipes seus valores essenciais, assim como se extrai a essência das rosas. Foram buscar nas pessoas o que realmente fazia a diferença na marca que essas pessoas levavam; perguntaram de suas paixões, de seus apreços, de suas realizações. Quiseram saber o quê, em seu trabalho, era motivo de admiração para seus filhos. E conseguiram.

Conversei com uma garota que trabalhou durante meses numa indústria de biscoitos. Antes de trabalhar lá ela adorava biscoitos, mas o convívio diário com seus diferentes aromas e sabores acabou alterando seu pala-dar. Hoje ela não trabalha mais lá e nem quer ouvir falar em biscoitos. Fiquei intrigado. Será que isso acontece com qualquer pessoa? Alguém apaixonado por carros perderia a paixão após trabalhar na indústria automobi-lística?

A resposta eu vi na TV. Na tela o repórter entrevista-va um jovem trabalhando na produção de uma fábrica de bombons.

— Já enjoou de tantos bombons? — perguntou o repór-ter esperando uma resposta afirmativa.

— De maneira nenhuma! — exclamou o rapaz, como se a pergunta fosse absurda. — É impossível não gostar deste bombom! Tem o recheado com morango, o recheado com bau-nilha...

E assim continuou ele, falando para milhares de te-lespectadores com os olhos brilhantes daquela satisfa-ção que só pode nascer da paixão. Senti até vontade.

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Ali estava alguém que acrescentava sabor à marca que representava. O repórter nem precisava perguntar on-de estava o quadro com a visão, a missão ou os valores daquela empresa. Estava bem ali, na sua frente.

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Os 3 Porquinhos

Ter o próprio negócio. Este é o sonho de muita gente que quer chutar o balde e dar adeus a todo vínculo com emprego e pa-trão. Porém o sonho pode acabar virando pesadelo se o profis-sional não entender claramente suas capacidades e limita-ções. O primeiro passo para quem tenta partir para seu pró-prio negócio é descobrir quem ele é. Algo que até os 3 porqui-nhos precisaram descobrir.

Era uma vez três porquinhos que viviam felizes na Floresta Encantada Ltda. Seus nomes eram Prático, Schwe-inchen Schlau e Cícero. Schweinchen Schlau é o Heitor na versão alemã. Decidi importá-lo para minha história fazer sentido. Ele era organizado, teórico e inflexível. Um bom administrador, porém vivendo no passado. Cícero, ao contrário, vivia no futuro. Sonhador e empre-endedor, viajava pela Hellmann's Airlines. Já o Prático era... bem, ele era prático, oras! Vivia no presente.

Sagazes, os porquinhos perceberam que a tendência era a empresa livrar-se de tudo aquilo que não fizesse parte de seu core business, mandando muito mais do que três porquinhos de volta para casa. Alguns ficariam de-sempregados, outros terceirizados. Longe de significar

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uma ameaça, aquilo era para eles a realização do antigo sonho de viver sem emprego e sem patrão — iriam ser donos do próprio focinho.

Cada um saiu da empresa para se dedicar a projetos pessoais ou enfrentar novos desafios, como é costume dizer de executivos que perdem o emprego. Construí-ram cada um o seu home office e, para afugentar o fan-tasma do desemprego, ouviam uma musiquinha em MP3 que baixaram da Internet: "Quem tem medo do Lobo Mau, Lobo Mau, Lobo Mau?".

Porém, Prático logo percebeu que não era fácil tocar o próprio negócio no conforto do seu home office de tijolos. Das oito horas diárias com direito a almoço e cafezinho que tinha no antigo emprego, passou a virar dezoito horas injetando café nas veias e colocando palitinhos nas pálpebras para o serviço ficar pronto para ontem. A tão sonhada liberdade virou pesadelo e ele acabou ouvindo outro MP3, desta vez "Meus Tempos de Criança", para fazer coro com Ataulfo Alves: "Eu era feliz e não sabia". De empregado Prático passou a escravo.

Culpa do trabalho em casa? Não, culpa das habilida-des que lhe faltavam para manter um negócio. No anti-go emprego, Prático podia contar com o porquinho Cí-cero, sonhador e empreendedor, explorando tendências e criando novas oportunidades de negócios. Podia con-tar também com o suporte de Schweinchen Schlau, o or-ganizado porquinho administrador. Somente agora per-cebia a importância do administrador e do empreende-dor trabalhando ao seu lado.

Antes, enquanto Prático executava o trabalho de roti-na, eram eles que cuidavam do planejamento, desenvol-

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viam novos produtos, compravam, vendiam, cuidavam da contabilidade, dos serviços bancários e até de provi-denciar que o café fosse servido e o lixo colocado na rua. Agora, adivinhe quem fazia o próprio café ou colocava o lixo na rua? Sem falar de comprar, vender, ir ao banco, manter a contabilidade em dia, atender ao telefone e buscar os leitõezinhos na escola. Prático entendeu que a expressão três em um não era marmelada.

Onde errou? Na verdade não errou, como não erra qualquer porquinho que sonhe ser dono de seu próprio negócio ou decida trabalhar em regime de home office. A princípio Prático teve a visão e a motivação necessárias para começar, mas tão logo a adrenalina secou ele vol-tou à rotina. Tinha que executar o trabalho do dia-a-dia e não sobrava tempo para ser, além de Prático, adminis-trador e empreendedor. O cliente estava sempre pedin-do o serviço para ontem.

A empresa de Prático acabou ficando uma porcaria. O que fazer? Ele começou a pensar. Terceirizar! Foi a solu-ção que tinham adotado na empresa onde trabalhou. Faria o mesmo. Contrataria fornecedores para os servi-ços que não podia, não sabia ou não queria fazer. Va-lendo-se de tecnologia da informação, Prático criou uma estrutura que lhe permitisse trabalhar conectado e inte-grado à sua rede de fornecedores, clientes e parceiros.

Schweinchen Schlau foi o primeiro cujos serviços con-tratou. Confortavelmente instalado em um home office de madeira, passou a cuidar das tarefas administrativas para Prático. Cícero foi o segundo, consultor de novas tendências de negócios que, de seu home office de palha, apontava para Prático os novos rumos e tendências. Al-gumas de suas ideias eram só fogo-de-palha como sua

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casa, mas todos entendiam que isso fazia parte do traba-lho de criatividade de todo empreendedor. A coisa co-meçou a funcionar. Os três tinham descoberto uma nova forma de se trabalhar.

E o Lobo Mau? Eu sabia que você ia perguntar. Bem, o Lobo Mau tem enviado currículos para diversas em-presas, de tijolos, madeira e palha, mas as portas não se abrem para ele. Deve ser por causa da idade, da falta de atualização ou por não falar inglês. Com o que lhe resta de fôlego, continua tentando. Até agora só recebeu res-posta da Floresta Encantada Ltda. em um email padrão, enviado a centenas de profissionais de todas as áreas, que diz apenas: "Lamentamos informar que o emprego que você procura não existe mais."

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Despir a camisa

Você sabia que vai ser substituído? Vai. Por uma máquina, um robô ou um software. É provável que aquilo que você faz hoje seja desnecessário amanhã. Não se agarre à sua profissão como se fosse a tábua de sua salvação. Pode acabar afundan-do com ela. A menos que sua atividade dependa de imagina-ção e criatividade — isso robô nenhum sabe imitar — é me-lhor você ir começando a despir a camisa atual antes que fi-que nu, com uma mão na frente e outra atrás. Ou as duas mãos ao alto.

O eletricista escalou com cuidado a desconfiada esca-da, observado de perto — bem de perto — pela veterana senhora. Era ela quem segurava a barra da escada e via a barra da calça do eletricista escalar rumo ao pesado lustre pendurado no teto do ilustre sobrado. De mudan-ça, ele iria iluminar a madame em um apartamento me-nor.

Um dos “causos” preferidos de meu pai, este se pas-sou em um ano que não passava dos oitenta, mas que fez muita gente correr mais para não ficar para trás. A indústria não tinha lustre, mas também estava de mu-dança. Qualidade total, reengenharia, downsizing e ou-

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tras expressões desembarcavam aqui nas malas de gu-rus alienígenas. Gurus que não traziam flores, colares e mantras nas mochilas, como nas décadas precedentes de paz, amor e incenso.

Mais racionais, indicavam uma nova rota para o Nir-vana da produção, com promessas de lucratividade e-terna para quem implementasse seus preceitos de ges-tão. Em lugar de arroz integral, qualidade total. Em lu-gar do shoyu e do açúcar mascavo, reengenharia e down-sizing. Nada de rapar cabeças em estilo monástico. A moda agora era cortá-las rente, na altura da gravata ou da gola do macacão, dependendo do status do cidadão.

No chão de fábrica, operários se acotovelavam mara-vilhados em redor de um novo maquinário automático, programável e implacável. "Agora o serviço vai ficar mais leve!" — exclamavam todos. E ficou. Tão leve que dis-pensou o peso morto de gente que teimava dar sinais de vida. Anos antes o trator expulsara do campo o traba-lhador rural. Agora o trator da automatização chegava à roça industrial.

No andar de cima, colarinhos engomados ficavam mesmerizados pelo fulgor verde-fósforo de telas que bruxuleavam sistemas informatizados de gestão. O úl-timo a sair já não precisaria nem apagar a luz. O sistema cuidaria disso. Máquinas movidas a vapor de megabytes atropelavam boa parte da mão-de-obra cerebral.

Se você for militante da ala de defesa de uma socie-dade estática, saudosista e retrógrada, deve estar ba-bando com o que leu até aqui. Pode parar de babar. Não pretendo fazer apologia à ineficiência da estagnação, mas falar de mudanças. Quase sempre temidas, cruéis,

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injustas, mas profiláticas. Foi mudando de estatura que eu e você crescemos.

Poucos percebem que aquelas mudanças dramáticas da década de oitenta ajudaram a revolucionar o trabalho e a comunicação. Os melhores cérebros decepados das empresas, aliados aos filhos adolescentes e desocupados dos que permaneciam empregados, criaram a produção de intangíveis que hoje é uma nova riqueza. Foi essa situação que ajudou a impulsionar a Internet e seus de-rivados virtuais.

Então, os barões da indústria, sucessores dos barões do campo, viram emergir lavouras de bits e indústrias de marcas, vendendo ideias e gerindo percepções. Hoje a carne do sanduíche famoso vem de um boi que a em-presa nunca criou, moeu ou fritou. Terceirizou. Meu par de tênis foi fabricado por uma indústria que nunca fa-bricou, mas inovou. Como entender isso?

O maior valor de um corpo está no órgão que gere — o cérebro — não no que digere, processa ou produz. Países ricos gerenciam; países pobres produzem. É só por isso que podemos nos gabar de nossa indústria e agropecuária darem olé de competitividade no primeiro mundo. Nem poderia ser diferente. O peão no chão de fábrica sempre produz mais tangíveis do que o patrão no topo envidraçado da pirâmide. Só que ganha menos. Muito menos. Entre as nações também funciona assim.

Mas essa situação não é segura para o patrão, nem estática para o peão. A Roma na fase decadente só ge-renciava. A produção acontecia terceirizada nas colônias de bárbaros, os quais progrediram uma barbaridade e hoje terceirizam para quem produz a um custo que é uma barbada. Muitos impérios já passaram por isso.

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Outros passarão, porque as mudanças não podem parar. Por isso é tão importante saber despir a camisa.

Que é preciso vesti-la, estamos cansados de ouvir. Só que amanhã não estaremos fazendo a mesma coisa, no mesmo lugar, da mesma maneira. Hoje as mulheres mostram sua força na empresa e no mercado, adolescen-tes deixaram de ser dependentes e já dirigem negócios e o aumento da expectativa de vida cria uma nova faixa etária de trabalhadores e consumidores na ativa. Não importa sua idade, será preciso despir a camisa de hoje e estar com o corpinho flexível para caber na camisa des-cartável de amanhã, que pode não ser do seu número e cor. Você é quem precisará se adaptar, se quiser galgar a escada que leva ao sucesso.

Mas não se iluda. Na subida vai ser preciso estar pronto para despir e vestir camisas sempre, para não ser apanhado pelo inesperado e perder as calças. Foi o que aconteceu com o eletricista da história que meu pai não se cansava de contar. Surpreendido pelo peso do lustre que acabara de desparafusar do teto, a barriga retesou e a calça escorregou.

Meu pai nunca contava o final da história. Deixava os ouvintes com a imaginação suspensa como os braços do eletricista, equilibrando o lustre que não podia soltar. Enquanto isso a senhora chorava de tanto rir, sem saber para onde olhar e segurando a escada que não podia largar.

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A influência do câmbio nos negócios

Já viu propaganda de político que diz "trabalho, dedicação e honestidade"? Eu também. E saquinho de padaria que anun-cia que seus produtos são feitos com "matéria prima da me-lhor qualidade"? É o lero-lero de sempre, não é mesmo? Pro-pagam como diferencial aquilo que não é mais do que o espe-rado. O que falta para se diferenciar é engatar uma quinta e exceder os limites que nós mesmos criamos. Por comodidade ou falta de informação não usamos o câmbio que temos à mão.

O Del Rey parecia novo. Tudo original, exceto a boli-nha do câmbio, que o dono anterior trocou por uma de couro, com as quatro marchas bem marcadas em doura-do brilhante. Era um desses carros que vendedor chama de mosca branca, tipo único dono, mulher de médico e coisas assim. O problema era só o motor que parecia andar no limi-te, mesmo em quarta marcha. Alguma coisa segurava o carro e eu nem imaginava o que era. Viajava amarrado, provavelmente por causa do câmbio. Meu desejo era ter mais uma marcha para rodar mais solto, e até brincava

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fazendo com a mão que engatava uma quinta simulada em um movimento no ar. A sensação que eu tinha é parecida com a do profissio-nal ou negócio que não deslancha. Que já deu o que tinha que dar. Aí quando investe em publicidade é só para repe-tir o discurso de sempre, mostrando que somos os melho-res, que temos mais qualidade, tecnologia e coisas do tipo. Idêntico ao que todo mundo diz ter e gasta dinheiro para dizer. Então vem o desânimo. Se em quarta o negócio não anda, o jeito é estacionar, torcendo para não dar marcha à ré. Nem nos ocorre que sempre existe uma maneira de exceder às expectativas e ir além. Encontrar uma quinta marcha que rompa nossas amarras e nos tire do ponto-morto. O problema é que acreditamos que as pessoas que-rem receber o que esperam, nem mais, nem menos. O que espero, por exemplo, de um restaurante? Comida, no mínimo. É para isso que vou ali. Espero encontrar outras coisas tangíveis, como mesa, cadeira, pratos, co-pos, talheres e bebidas. Até aí, nada de mais. Há também o intangível, o abstrato que espero e é obrigação do estabelecimento oferecer. Uma toalha lim-pa, comida quente e saborosa, bebida gelada, garçom educado. Se tiver ar condicionado ou flores na mesa, melhor. Nada de surpreendente, porém. Qualquer cliente sairá satisfeito de um lugar assim. Se o restaurante tem tudo isso, é apenas mais um que não fez nada além de sua obrigação. Se tiver sorte, talvez consiga manter seu lugar ao sol, mais por conveniência do que por preferência.

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Mas ele pode fazer mais do que isso. Pode engatar uma quinta marcha e superar as expectativas de seu cliente. Um aperitivo de cortesia, um show inesperado, um mimo na data do aniversário do cliente. Coisas assim irão sur-preendê-lo. E é quando somos surpreendidos que abrimos a boca para contar a todo mundo. Não existe publicidade melhor do que ter outros co-mentando a nosso respeito. Nenhuma marca consegue engatar uma quinta enquanto fica tentando se mostrar. O bom desempenho de uma marca acontece quando é o cli-ente quem passa a divulgá-la, porque encontrou nela al-gum benefício e teve mais do que apenas suas expectativas atendidas. Quando pedi a meus alunos uma definição da marca de cada um deles, todos apresentaram um ou mais atributos — honestidade, diligência, pontualidade etc. — que acre-ditavam ter como diferencial. Então uma aluna deu uma definição fantástica: "Minha marca é a imagem que as pessoas têm de mim".

Marca não é o que eu tenho ou mostro, mas o que o cliente percebe e retém, armazenando na memória, se ex-ceder suas expectativas. Marca é a quinta marcha que fal-tava em meu Del Rey, algo que todo profissional ou negó-cio tem — ela está bem ali, só falta acioná-la para superar suas limitações e exceder as expectativas. Uma pequena ação, que aproveite todo o potencial do câmbio no desem-penho do negócio ou profissão. Um amigo foi surpreendido por um motorista de ôni-bus que cumprimentou os passageiros no início do trajeto, dando todas as informações sobre a viagem, como fazem pilotos de linhas aéreas. Aquela companhia usava a quinta

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marcha e ultrapassava as expectativas. Quem não fizer isso, cedo ou tarde precisará vender o veículo. Foi o que fiz com meu Del Rey após dois anos de via-gens amarradas em quarta marcha. De nada adiantaria anotar um número "5" naquela bolinha do câmbio, como faz quem apenas fala em exceder expectativas, mas não excede coisíssima nenhuma. Cansado de viajar amarrado, acabei trocando o Del Rey por outro carro, mais possante, que pudesse exceder minhas expectativas. Não sentia sau-dades quando precisei voltar à agência para levar os do-cumentos do Del Rey. — Seu Mario, quantas marchas o senhor disse que tem o Del Rey? — perguntou-me o vendedor zombeteiro. Eu nem imaginava aonde ele queria chegar. — Quatro, veja ali na bolinha do câmbio — respondi de pronto. Ele pediu que eu me sentasse ao volante e tentasse en-gatar uma quinta. Pensei que fosse só uma brincadeira. Humilhado, descobri que a limitação estava apenas na bolinha de quatro marchas que o último dono tinha colo-cado. O câmbio tinha uma quinta que nunca usei. Teria excedido minhas expectativas, se eu tivesse a ousadia de experimentar.

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Problemas ou oportunidades?

Há momentos na vida quando é preciso parar e observar ape-nas. A criatividade é estimulada quando agimos diferente, pensamos de viés, alteramos a rota de casa, desenhamos com a outra mão ou saímos da rotina insossa. Enxergar proble-mas é uma questão de atitude. Enxergar soluções, de latitude. Convido você para passear comigo na praia. Sentiu a areia molhada? Faça com a mão uma concha no ouvido. Deste jeito assim, ó... O mar está ali? Deixe a criança que ainda existe em você chapinhar as poças das oportunidades ocultas. Use a imaginação, liberte a criatividade e regule a tonalidade de sua mente porque a crônica a seguir é transmitida em cores. Se já não ouviu isso em outro lugar, sugiro que use protetor solar.

— Aquele trecho da praia é horrível — comentou o re-cém chegado amigo que caminhava ao meu lado. — Só tem pedras; é um problema caminhar por lá. — completou.

Tinha razão. Passei pelas pedras para chegar ali. Tro-pecei, escorreguei, feri meus pés nos corais. A praia se-ria muito melhor sem elas. Ou não? Escrevo da Costa do Sauípe, Bahia, onde falo sobre as melhores práticas na conquista e retenção de talentos para uma plateia de empresários de tecnologia da in-formação. Minha missão no Reseller Forum da IT Midia é

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ensinar como identificar e trazer à tona o talento poten-cial escondido nas pessoas. Porém todos parecem preocupados demais com as pedras. Não as da praia, mas as que impedem o andar suave de seus negócios. Afiadas, escorregadias e assola-das pelas ondas de um mercado inconstante, são um perigo para quem já vive com a água dos impostos e juros altos batendo no queixo. Ou para quem vê o preço de seus produtos e serviços achatados como a plana areia na qual imprimo a marca de meus pés. Antes da viagem de volta, decidi fazer uma última caminhada pela praia, apesar do prenúncio de chuva. Sim, as pedras continuam lá, mas hoje não passei por elas com pressa. Parei para observá-las de perto. Ao in-vés de enxergá-las como problema, tentei descobrir al-guma oportunidade. Foi o melhor da caminhada. Descobri que em épocas remotas um vulcão deixara suas pegadas ali. Um espetáculo que ninguém viu foi preservado numa cápsula do tempo que agora se abria diante de meus olhos. Um monumento à competição ígnea entre lava, rochas e seixos que um dia disputaram aquele mercado, se amalgamando numa formação que só era bela e oportuna para olhares menos preocupados com o caminhar e mais atentos às oportunidades escon-didas nas pedras das dificuldades. Antes que nuvens escuras velassem o sol e escure-cessem o mar, um imenso bloco de cristal branco pis-cou sua luz refletida por entre pálpebras de negra lava encimadas por cílios de corais. Rugas de seixos colori-dos engastados na rocha eram testemunhas de séculos de ondas esbofeteando aquela tez pétrea imóvel e in-

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sensível aos pequenos caranguejos que sapateavam sobre sua superfície porosa. Enquanto as novas descobertas iam se revelando di-ante de meus olhos, percebi que aquele era o mais belo, rico e vibrante trecho inserido na monotonia da praia. Então um novo problema surgiu: uma chuva intensa veio fustigar minha pele. Senti sua massagem vigorosa e refrescante como mais uma dificuldade que se trans-formava em oportunidade. Sucumbi às recordações infantis de chuvas proibidas. A criança em mim chapinhou seus pés numa poça en-quanto meu lado adulto vigiava para certificar-se de que ninguém nos observava. Um casal ao longe fugia da chuva que para eles era um problema. O mesmo pro-blema que um dia foi visto como oportunidade pelo inventor do guarda-chuva, do limpador de para-brisa ou da capa impermeável. Ou pelo poeta que cantou suas gotas e o artista que as imobilizou com seus pincéis. Num movimento involuntário elevei meus olhos das pedras para o céu em busca do Artista. Um imenso arco-íris fazia a ponte entre terra e mar, envolvendo as nu-vens sombrias numa aliança multicor. Eu nem precisava caminhar até seu fim para encontrar o pote de ouro. Es-tava bem ali onde antes só enxergava problemas para os meus pés. Pedras escorregadias, afiadas e açoitadas pe-las ondas do mar.

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Encarando o novo sem dor de barriga

Este é um problema que existe desde a invenção da calça com bolsos. Ou desde a descoberta dos braços cruzados. É uma questão pré-histórica demais para você acreditar que pode re-solvê-la de maneira fácil. Refiro-me aos colaboradores que descobrem mil e uma maneiras de matar o tempo e recursos que a empresa coloca em suas mãos. A entrada da tecnologia da informação, Internet, emails, websites, blogs e telefones celulares nas empresas é um mal necessário, mas nunca um bem dispensável.

Todo ano novo a gente promete mudar. Mas aí vem aquela dor de barriga. Passado o peru e o foguetório, é bom tomar umas colheradas de cautela com caldo de galinha antes de sair montado num rojão. Nunca teste a profundidade da água com os dois pés, disse alguém. Use o tato, seja ponderado. Para não começar o ano de-sempregado. Como o Michael. Mas quem é o Michael?

Funcionário da Microsoft nos EUA, ele publicou em seu blog uma foto da chegada de alguns computadores Power Mac G5s à empresa com o comentário: "Até a Mi-crosoft quer o G5". Foi para a rua. Não o G5, mas o Mi-chael. Seu chefe achou que não podia publicar o que

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bem entendesse, mesmo que fosse em seu horário de folga, em seu blog, hospedado em seu servidor. A ima-gem que estava em jogo ainda era a da empresa.

Este caso é interessante, pois aponta para uma nova tendência. Interagir em um novo cenário, municiado com novas tecnologias, pode trazer efeitos colaterais nocivos se não existir um pouco de bom senso e ponde-ração. No início da Internet, funcionários eram demiti-dos por navegarem em sites pornográficos. Depois, por mandarem fotos para os amigos por email. Outros, por usarem o servidor da empresa para disponibilizar mú-sicas para comunidades peer-to-peer como Napster, Kaa-za, Gnutella e outras. Enquanto isso os mais habilidosos eram demitidos ou presos por criarem vírus com as digitais do computador do patrão.

Agora um colaborador pode ir para a rua por usar mal o poder de comunicação e publicação que antes era reservado aos jornais. Um poder tamanho que nem ele imagina o tamanho. Se não usar de bom senso acaba indo parar no censo. Do desemprego.

Publicar é tornar público, não importa se isso é feito num blog ou no horário nobre da TV. Alguém vai ler, alguém vai comentar, alguém pode se ofender e o autor se queimar. Para evitar este e outros problemas, algu-mas empresas obrigam seus colaboradores a anexar um verdadeiro contrato bilíngue de isenção de responsabi-lidade nos emails que saem. Outras simplesmente proí-bem qualquer acesso ou comunicação com o mundo exterior via Internet. Será correto?

Privar seu pessoal de informação pode ser uma boa solução, se você fabrica galochas. Digo isto porque cen-

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surar a aquisição de conhecimento pode criar um exérci-to de mentecaptos acéfalos que só saberão cumprir or-dens e acatar comandos, isto é, se estes não forem muito complexos. Pode ser que o método acabe com o carrapa-to, mas vai matar a vaca também.

Já vimos esse filme quando surgiu o telefone e foi preciso inventar sanções e cadeadinhos para algemar os pulsos telefônicos. Hoje um celular equipado com tecno-logia wireless enfiado no ouvido e coberto pelos cabelos coloca o mais recluso colaborador em contato com quem ele bem entender e sem deixar transparecer. É claro que vai parecer louco falando sozinho, mas todos julgarão tratar-se de um efeito colateral do isolamento.

Sou mais a favor da política adotada por algumas companhias telefônicas quando surgiu o orelhão. No começo não ficava um inteiro. Aquilo era um elemento estranho na paisagem e exigia que o vândalo tomasse uma providência. Como era impossível vigiar simulta-neamente orelhões direitos e esquerdos, o jeito era subs-tituir os vandalizados e esperar que os vândalos ficas-sem mais inteligentes. Como isto não aconteceu, a so-brevivência dos orelhões se deve ao seu mimetismo com a paisagem.

É claro que uma estratégia assim nem sempre funcio-na para todo mundo, e aí só a repressão resolve. Na em-presa não é diferente. Enquanto para alguns a novidade da Internet acaba virando apenas mais um orelhão sobre a mesa, para outros continuará sendo o buraco da fe-chadura ou a porta de banheiro público, onde consegue publicar a quintessência de sua capacidade de expres-são.

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Cedo ou tarde a seleção natural elimina sem piedade o profissional sem tato, que usa os recursos que a em-presa comprou ou o tempo que ele vendeu para despro-duzir, neologismo que segue a linha do desfavor. O re-sultado é demissão. Com exceção, talvez, para os criado-res de vírus e invasores de redes, que ganham um perí-odo para repensar suas atividades, escrever um ou dois livros, e serem contratados por alguma empresa de se-gurança ou virarem palestrantes ao saírem da detenção.

Mas a pergunta que você deve estar fazendo é esta: Como proceder com colaboradores assim? Bem, quando o assunto é gestão de talentos, você nunca sabe se está tratando com um vândalo, um ingênuo ou um gênio em processo de lapidação. Vou recorrer à sabedoria de por-ta de banheiro para responder.

Durante uma viagem, depois de conseguir entrar com dor de barriga, bagagem, notebook, terno e gravata em um micro-banheiro de aeroporto, passei a estudar que configuração adotar para evitar qualquer contato com o revestimento úrico do piso. Foi quando a frase rabiscada na porta chamou minha atenção: "É preciso muita calma nessa hora".

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Blogterapia

Uma das grandes revoluções do final do século 20 foi o email. Sem usar papel, seu papel na sociedade foi de um impacto que só não podemos avaliar em sua totalidade por estarmos habi-tuados a ele. Se me perguntarem o que tem causado impacto neste início de século 21 eu apostaria no blog, a ferramenta de auto publicação que se popularizou principalmente entre jovens e hoje é usada por muitas empresas. Eu mesmo pude avaliar o impacto do blog quando criei meu primeiro, ainda como mero aprendiz, nos estertores de 2001, o fatídico ano das torres derrubadas.

[25/12/2001 01:53 — É madrugada e trabalho só. Há vá-rias noites digito, digito, digito, digito. Por um honorário de quatro dígitos, prometi cumprir o prazo: para ontem. Já nem sei se ontem é hoje ou se hoje foi amanhã. Fim de ano é magro para consultoria, mas este está obeso. Estou exausto. A família viajou. Preciso viajar, nem que seja na maionese. Escrever! É o que vou fazer. Ficção? Por que não? Olho para minha coleção escrita por Malba Tahan, aliás, Júlio César de Mello e Souza, edição de 1953 que herdei de meu pai. O pseudo-árabe do deserto, que nunca pisou outras areias além de Copacabana, acaba de me dar uma ideia Já sei o que fazer.]

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Escrever é uma terapia. Kathleen Adams, criadora do "The Center for Journal Therapy", fala da escrita de refle-xão como uma forma de melhorar a saúde mental, física e emocional. Externar seus problemas, preocupações e conflitos através da escrita é uma terapia eficaz. Faz do mero diário algo mais do que um simples texto que nin-guém lê. Ajuda a soltar os cachorros, lavar a égua e chu-tar o balde. Faz bem. [25/12/2001 02:15 — Os americanos trabalham como toupeiras atrás de Bin Laden nas cavernas de Tora Bora, Afeganistão. Vou viajar para distrair. Não vou de American Airlines. Vou de Hellmann's Airlines, disfarçado por um pseu-dônimo. Se Júlio César de Mello e Souza era Malba Tahan, serei Ali Kilabah. Diferente do "Homem que Calculava", o best-seller da coleção de Júlio, sei contar, mas não números. Vestido com a pele de Ali Kilabah sou um jornalista árabe, escrevendo em inglês ruim e sem revisão. Como um árabe escreveria sob pressão.]

A diário-terapia não é novidade. Anne Frank já fazia isto no diário que escreveu para ninguém ler e todo mundo leu. A adolescente expunha seus medos, sonhos e anseios. Em 15 de julho de 1944 escreveu: "...sinto que tudo irá mudar para melhor, que esta crueldade também aca-bará... preciso me apegar aos meus ideais... talvez um dia pos-sa colocá-los em prática". Anne foi morta pelos nazistas pelo crime de ser judia. Na sua breve vida seu diário foi seu bálsamo, enquanto sonhos e amigos viravam fuma-ça. Literalmente. [26/12/2001 00:26 — Pronto! O blog — diário eletrônico de Ali Kilabah — está no ar para ninguém ler. O jornalista acompanha o exército americano às cavernas de Tora Bora e descobre manuscritos secretos e milenares. Depois? De-pois eu invento algo. Começar a escrever já aliviou a tensão e abriu a imaginação. Levo meus neurônios para surfar nas

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ondas do imprevisto com a prancha do improviso. Epa! Não consigo mais acessar meu blog! E só tinha publicado uma mensagem... O que será que aconteceu?]

Se já existisse a Internet, Anne Frank teria escrito um blog. A terapia seria a mesma, mas ela teria, em suas informais mãos, o quarto poder da informação. As mesmas palavras que curavam seus medos e receios seriam sussurradas online em tempo real. Viajariam à velocidade do pensamento por campos desconcentra-dos conectados por arames nada farpados. Se não pu-desse deter a crueldade, ao menos ajudaria a pensar as feridas isoladas de muitas Annes. [26/12/2001 02:05 — Descobri o que houve. Alguém inva-diu os servidores do Blogger.com, o serviço gratuito que utili-zei para hospedar meu blog "The Tora Bora Manuscripts". O servidor voltou ao normal, mas meu blog não. Vou refazer tudo mais uma vez. Biografia inventada e foto do fictício jor-nalista, uma foto de fragmento do suposto manuscrito, mapa do Afeganistão e uma notinha no final: "Ali Kilabah é perso-nagem fictício, pseudônimo do autor. Inclui ficção, fatos e opiniões pessoais."Bem pequenininha, quase para ninguém achar. Logo no início incluo um texto de alerta, uma brinca-deira no estilo Welles, da radiofônica "Guerra dos Mundos": "Tinha acabado de publicar este diário e os servidores do Blogger.com foram hackeados. Será uma conspiração ten-tando me impedir? Você decide". Bocejo um sorriso traquina e vou dormir.]

Meu blog era despretensioso. Sua principal finalidade era deixar os neurônios darem uma espreguiçada gosto-sa, viajando por outros cenários. Bastava uma olhada no site da CNN para ler a notícia do dia, saber que uma patrulha americana tinha sido atacada, e lá iam meus dedos passeando pelo teclado e incluindo Ali Kilabah na patrulha. Então era ele quem passava a contar, ao vivo e em cores, o que se passou no ataque à patrulha. Ali Ki-

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labah injetava o sangue da paixão aos fatos impessoais divulgados pela CNN. Gente — ponderei — se interessa por gente. Mal sabia eu o quanto. [01/01/2002 04:47 — Madrugada do ano novo. Que susto! O contador de páginas parece bomba de gasolina. Quase duas mil visitas em poucas horas na virada do ano! Rastreio os links de origem, para ver de onde vêm. Fóruns e listas de discussão, um jornal online na Rússia, outro na Itália e blogs. Vários blogs. Minha diário-terapia virou um buzz, caiu na boca do povo. Ou caiu no blog do povo, só para registrar o neologismo. Nossa! Será que esse barulho que minha imagi-nação está ouvindo é o FBI cercando o prédio? É melhor ir dormir.]

Imagine alguém usar esse poder todo de criar boca-a-boca para disseminar sua marca? Não fique só na imaginação. O blog de Matt Drudge, o "Drudge Report", é um dos mais visitados do mundo e atrai diariamente um número de pessoas igual ao dobro da tiragem do Wall Street Journal. Obviamente o "The Tora Bora Ma-nuscripts" não seria capaz de tal façanha, mas com ele aprendi o que é possível melhorar em minha comuni-cação profissional. Ele ainda continua no ar, desatuali-zado, pois desde então viajei em outros textos. A histó-ria ficará incompleta, até alguém me estressar de tanto serviço numa próxima virada do ano. Então Ali Kilabah pode voltar à ação. Onde está o jornalista árabe en-quanto isso? Sei lá. Talvez fazendo uma crônica-terapia num livro como este, só para variar.

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Cliente de estimação

Já tentou vender algo para uma empresa? Então você sabe o quanto de gente é envolvida no processo, do primeiro contato ao fechamento e pós-venda. Dependendo da complexidade da venda e do produto é provável que você irá falar com usuá-rios e técnicos, com um ou mais influenciadores, com a pes-soa que decide e a que aprova. Tudo isso antes, durante e de-pois de conversar com meia dúzia de pessoas do departamen-to de compras. Para conversar com tanta gente diferente é preciso ter o tato de um punguista e a habilidade de um equi-librista. Trate todas elas muito bem, pois pessoas não moram na rua que sobe e desce cujo número nunca aparece. Um dia elas reaparecem, em outro posto e lugar. Para ajudar ou a-trapalhar.

— Ô, tio! Vai passando logo esse relógio aí, cara! — orde-nou o assaltante apontando o "aço" para um tio que não era dele, mas de um amigo meu. O Rolex de ouro e es-timação estava prestes a mudar de mão. Arriscar a vida por um relógio seria perda de tempo. A menos que...

— Por quanto você vai vender? — a voz de ousadia da vítima surpreendeu o ladrão pronto para "abrir no pé". O pivete parou, voltou-se surpreso e colocou para funcio-nar os poucos neurônios que o crack poupou.

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— Tá com cascata, mermão? Qué juntá os pé, cara? — ameaçou o meliante, ainda na dúvida se aquilo estava acontecendo.

— Falo sério. Quanto você vai pegar no relógio? — insis-tiu a vítima insana na busca de um diálogo com o outro mundo. Submundo.

— Pego uns cento e vinte pila nele, cara. — exagerou em vinte o ladrãozinho.

— Pago cento e cinquenta. — decidiu a vítima, tirando do bolso caneta e talão.

— Aceito cheque não, cara. Tá pensando que eu sou otário? Tem que ser no dinheiro. — cercou-se da segurança o ven-dedor, dada a impossibilidade de checar o cadastro do cliente.

— Estou sem dinheiro. Fique tranquilo Anoto meu telefone atrás do cheque e você me liga se tiver problema. — finalizou a vítima enquanto escrevia com ousadia.

Nos treinamentos de negociação que faço em empre-sas — em especial para distribuidores e equipes de ven-das corporativas — um dos destaques é a necessidade de ousadia. O tio de meu amigo arriscou-se ao negociar com o ladrão, mas não existe risco de vida quando você vende. Dependendo do quê você vende, claro.

Diferente da venda rápida de varejo, uma venda en-tre empresas tem um ciclo mais longo. Não se vende uma vez, mas muitas vezes, o mesmo produto ou servi-ço para muitas pessoas que participam da cadeia decisó-ria. Todas precisam ser persuadidas a comprar — do chão de fábrica à presidência, passando por um número variável de áreas e escalões intermediários.

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Secretárias, usuários, técnicos, influenciadores, toma-dores de decisão, aprovadores, compradores, palpitei-ros, curiosos — dependendo da empresa você fica sem dedos para contar quanta gente participa de alguma forma na transação. Eu diria que nesse universo você encontra basicamente três perfis: o administrador, o u-suário e o empreendedor. O primeiro compra economia, o segundo otimização e o terceiro lucratividade. Simples assim.

Bem, não é tão simples assim. A mensagem passada a cada um deles deve ser singular, já que precisa atender necessidades distintas na mente de pessoas diversas. Vender é, em sua essência, prover um band-aid para o calcanhar, uma tesourinha para o pelo no nariz ou um fio dental para o fiapo de bacalhau. Se existe um pé, a solução vendida terá que ser o par. Cabe a quem vende descobrir qual a melhor bebida para cada soluço.

Mas a venda não para aí. Negócio fechado é negócio aberto. É o início de um relacionamento que deve durar para sempre. Isto se você criar oportunidades para seu cliente economizar, otimizar e lucrar, quando falamos de vendas corporativas. Para tanto é preciso manter o vínculo, visitar, ligar, perguntar.

Não me lembro de ter visto o ladrãozinho de relógios em algum de meus cursos, mas ele deve ter aprendido isso em algum lugar. Dias depois do assalto, o tio de meu amigo foi surpreendido por um telefonema. A voz era inconfundível. O assaltante resolvera ligar.

— Ô tio, tá lembrado? Sou o cara do Rolex. Descolei outro relógio igual àquele seu. Interessa?

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Agüeeeenta coração!

Que a Internet revolucionou o relacionamento entre pessoas e empresas, todo mundo sabe. Que inúmeras maneiras de re-lacionamento virtual surgiram desde os primeiros anos de sua existência, eu nem preciso mencionar. Mas quando todos achavam que já tinham visto tudo, em 2004 uma nova febre virou capa de revista: o Orkut. Não, eu não disse Yogurt, mas funciona do mesmo jeito, em progressão geométrica bac-teriana. Como brasileiro adora novidade, metade do país en-xameou para os combalidos servidores dessa comunidade vir-tual. O que aconteceu? Acompanhe ao vivo, diretamente do teclado de um usuário.

São 23:28, horário de Brasília, e tento entrar no www.Orkut.com. Não entra. Na tela, um aviso: "Bad, bad server. No donut for you", que em tupiniquim poderia ser traduzido por "O garçom bebeu e está passando mal. Pode esquecer a rosquinha".

O que aconteceu mesmo foi que o servidor do site abriu o bico, ou fechou. Nas últimas horas, milhares de Ayrtons verde-amarelos viviam momentos de pura emoção, en-quanto se preparavam para ultrapassar a supremacia a-mericana do site de comunidades de relacionamento.

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Ontem um blog reproduzia as estatísticas do Orkut acompanhadas de um brado: VAI PASSAR! VAI PASSAR!!! Era um torcedor fanático acenando a camisa para os 30,24% de brasileiros que se aproximavam da pole position formada por 30,42% de usuários americanos.

Lá atrás — bem lá atrás — vinham 4,68% do Irã, segui-dos de 3,98% da Índia e 3,49% da Estônia. Só depois vi-nham Japão, Canadá, Reino Unido, Holanda e Alemanha. Ao menos desta vez os pobres, em seus carrinhos de roli-mãs, poderiam mostrar toda a sua capacidade de vencer no Orkut. Pelo menos no Orkut.

Mas o que é Orkut? A pergunta deveria ser quem é Orkut? Porque Orkut é uma comunidade de pessoas e Orkut também é uma pessoa. Ao contrário do que supu-nham os entendidos de plantão — achavam que Orkut era a gíria finlandesa para orgasmo — o criador do site Orkut também se chama Orkut. E não foi um soluço do pai na hora do registro que deu origem ao seu nome.

Se eu me chamasse Orkut, teria morrido de vergonha. E se tivesse estudado em Mönchengladbach, não colocaria isso em meu currículo, só pelo trabalho de escrever. Mas se você acha que ser batizado de Orkut e ter estudado em Mönchengladbach já é ruim, espere até saber seu sobreno-me: Buyukkokten. Isso mesmo, Orkut Buyukkokten é o enge-nheiro do Google cujo nome está na boca de meio mundo. Só o nome, porque o resto não cabe.

Orkut — o site — não é o único nem o primeiro. Dentre os mais recentes sites de comunidades, o Friendster já esta-va por aí quando Orkut — o engenheiro — inventou Or-kut — o site. E dizem que a Microsoft também quer brin-car de comunidade assim. Só que o Orkut — o site e o en-

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genheiro — parece ter criado uma atração a mais, difícil de explicar.

Se o objetivo do site, como dizem alguns, for garimpar dados de participantes para saber tudo de todos, quem já está lá não está nem aí. O que todos querem mesmo é fa-zer novas amizades e conversar. Ao contrário do que diz o manual, a Internet não é uma rede de computadores, mas uma rede de pessoas. Gente interagindo com gente, para conversar, comprar, vender, namorar e se relacionar. Até eu entrei, após ter sido convidado por alguém.

Esta é a única maneira de se entrar — convidado — o que injeta na coisa toda uma dose extra de interesse, dese-jo e prestígio. Além de criar uma rede de amigos — a mai-oria dos que estão em minha lista de amigos no Orkut eu nunca vi, nem mais gordo e nem mais magro — decidi me inscrever em algumas comunidades de debates e criar outras para eu mesmo moderar. Era isso que eu tentava fazer quando o site saiu do ar.

Agora é meia-noite e o Orkut — o site — ainda não deu sinal de vida. O aviso avisa — e não poderia ser diferente — que o Orkut está se comportando de modo imprevisto. Não diz se é o site, o rapaz ou ambos. Diz ainda que irá se comportar assim de vez em quando pelos próximos me-ses.

Então acho que esta crônica vai ficar sem uma con-clusão. É que com o Orkut fora do ar, não posso acessar as estatísticas para revelar a você se conquistamos o título ou não. Mas algo me diz que nós, brasileiros, já somos maioria ali. Como sei disso? Simples. O Orkut parou de funcionar.

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Exposição e promoção pessoal

A exposição do que uma caixa de sabão em pó é e faz nor-malmente passa bem pela esteira da aceitação do mercado. Mas ainda existe preconceito contra a exposição de marcas e competências pessoais, talvez pela grande carga cultural que recebemos de que não devemos "fazer propaganda" de nós mesmos. Sempre que nos expomos ficamos sujeitos ao bom tempo, mas também às tempestades críticas. O que fazer? Bem, talvez o que não fazer seja ensinado na velha fábula "O velho, o burro e o menino".

— Um burro com duas pessoas em cima! Isso é demais para o pobre animal! — indignou-se a mulher quando viu passar o velho e seu neto viajando montados num bur-ro.

Foi o suficiente para o avô descer e seguir viagem só com o neto montado.

— Que vergonha, um velho cansado ir a pé e um menino saudável ir montado! — foi o comentário que ouviram da próxima pessoa que encontraram.

O jeito foi o velho trocar de lugar com o menino. O menino desceu e o velho subiu.

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— Esse marmanjo montado não tem consideração para com o pobre menino? — foi o comentário seguinte.

E a viagem seguiu com os três caminhando com as próprias pernas, o velho, o burro e o menino. — Vocês são burros ou o quê? Caminhar a pé ao lado de um burro descansado? Por que os dois não montam no burro? — perguntou alguém.

Não me lembro de como termina a fábula. Talvez o velho tenha se revezado com o menino levando o burro nas costas, já que só faltava tentar esta configuração. Este é um dilema parecido com o de profissionais que se preocupam demais com a opinião dos outros na hora de criar sua estratégia de marketing e promoção pessoal.

Que o profissional hoje deve se expor, não resta dú-vida. Que isso poderá ser mal interpretado, idem. Po-rém, com a mudança do paradigma do emprego para um paradigma de prestação de serviços, existe a neces-sidade do profissional trabalhar muito bem a sua ima-gem e pregá-la no poste da exibição pública. Para ser conhecido por muitos, contratado por alguns e execrado pelo resto. A pergunta é conhecida: Por que razão nin-guém come ovos de pata? Porque pata não canta quan-do põe ovos. A galinha sim.

Quem já morou nos EUA sabe que lá existe uma cul-tura diferente a este respeito. Desde a escola as pessoas são estimuladas a se expor, em discursos, apresentações artísticas, teatro, esportes etc. Até em enterro tem um montão de gente querendo falar, inclusive jovens com discursos de fazer chorar. Estudando numa high school de lá, eu morria de vergonha quando via colegas de classe irem à frente declamar poesias como se estives-

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sem em um palco, com gestos, caras e bocas. E isso nu-ma aula equivalente a uma aula de português daqui. Fazer o mesmo aqui seria chamado de "querer aparecer".

Outro dia uma amiga me avisou que virei tema de comentários — todos negativos — numa comunidade do Orkut, o site de relacionamentos. A comunidade tra-zia o sugestivo nome de "As piores descrições do Orkut", uma espécie de prêmio "Framboesa de Ouro", o anti-Oscar concedido aos piores filmes do ano.

Ali, comentando a maneira como escrevi meu perfil, fui chamado de pavão, maria-vai-com-as-outras, autor de auto-ajuda, mané, modorrento, spammer, rei-do-marketing-palestrante-motivacional e ainda alguns adjetivos chulos que prefiro não repetir aqui. Pelo jeito todas as pessoas que dedicaram seu tempo a tecer críticas à minha ma-neira de me apresentar visitaram meu site, meu blog e leram com muita atenção algumas de minhas crônicas. Dedicaram boa parte de seu tempo ocupadas comigo.

Diverti-me um bocado com os comentários de pesso-as que aparentemente nunca leram o que escreveu Isa-bel Allende: "Você é o contador de histórias de sua própria vida, e poderá ou não criar sua própria lenda." Ou Isak Di-nesen, de cuja pena é a expressão: "Ser alguém é ter uma história para contar". Mas a razão maior de minha diver-são foi que tinha acabado de assistir ao filme Piratas do Caribe, trazendo a atuação ímpar de Johnny Depp no papel do Pirata.

O diálogo da cena em que o Pirata é preso, logo após salvar do afogamento a mocinha prometida ao Como-doro, chamou minha atenção:

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— Só um tiro e nenhuma munição extra. Uma bússola que não aponta para o Norte... — observa o Comodoro Ror-rington examinando a pistola e os pertences do Pirata que acabara de mandar algemar. Depois, examinando a espada, concluiu admirado:

— Eu quase esperava que fosse feita de madeira. Sem dúvi-da alguma você é o pior pirata de quem já ouvi falar! — des-denha ainda o captor.

— Mas você já ouviu falar — retruca o Pirata.

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Medalha de pérola

Os alquimistas tinham um objetivo em mente: transformar qualquer metal ou matéria vil em vil metal. Sem nunca terem feito um curso de economia e nem entenderem que o valor es-tá na escassez, era dessa maneira que pensavam transformar a pobreza em riqueza. Se conseguiram eu não sei. O que sei é que um brasileiro, em parceria com um irlandês, descobriu como transformar bronze em ouro. A experiência foi realiza-da uma vez com sucesso e a fórmula já é de domínio público, podendo ser usada por qualquer profissional ou empresa nos momentos de dificuldade.

O ex-boia-fria de Cruzeiro D'Oeste está feliz. A ex-pressão compenetrada do atleta esconde um secreto sorriso de vitória nas Olimpíadas de 2004. Uma olhadela por sobre os ombros revela que seus competidores estão longe, muito longe. Passadas ritmadas vão comendo o asfalto que cobre as pegadas deixadas por Feidípedes há 2500 anos, quando correu de Maratona a Atenas para anunciar a vitória dos gregos sobre os persas. E morreu.

Vanderlei Cordeiro de Lima não vem de uma batalha, mas vai ao encontro de uma. Entre ele e o Ouro no está-dio de Kallimarmaro — o "melhor mármore" — há um ad-

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versário circunstancial chamado Cornelius Horan, um irlandês vestido de saia e meia três quartos. A pista é invadida e, numa fração de segundo, aquele que corria rumo à vitória é agarrado, empurrado e desaba no chão. É o fim.

Ninguém quer menos que a vitória. É por ela que corremos. Fomos condicionados a tirar dez nas provas, ser o mais rico, o mais feliz, o mais bonito. Ninguém quer ser vice. Vivemos de olho no Ouro. Por que será que não nos ensinaram que existe mais? Por que nunca nos falaram da Medalha de Pérola?

Freada brusca não acontece só em Atenas. Quando menos esperamos somos agarrados, contra a vontade, por circunstâncias que nos lançam ao chão. É complica-do levantar e retomar o ritmo enquanto assistimos im-potentes o Ouro e a Prata passando por nós. Quiçá na poeira vai também o Bronze e não sobra para nós nem uma Medalha de Lata.

Detesto livros de auto-ajuda que ensinam o ego a fi-car gritando que você já é campeão antes do fim da competição. Na maratona da vida não existe pódio in-termediário. Só um no fim. Enquanto não chegar lá, nem pense que sua corrida terminou. A vida está cheia de derrotas e minha mãe sabiamente acrescenta que "se a vida na Terra fosse boa ninguém iria querer viver no Céu". Prefiro o Livro — a Bíblia — que narra a morte inglória e aparente derrota de Jesus como linha de partida e de chegada, não de vencedores, mas de "mais que vencedo-res".

A lista dos incidentes que podem ocorrer na marato-na da vida é interminável. Todos experimentamos al-

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guns dos mais comuns: a perda de alguém, uma demis-são inesperada, uma doença que nos invalida ou uma falência não requerida. A derrota está à distância de uma queda da vitória, não importa sua estatura.

Eu mesmo já experimentei dessas puxadas de tapete que causam guinadas. Porém descobri depois que a car-ta do senhorio, avisando que o apartamento sob meus pés tinha sido vendido, serviria de largada para os cem metros rasos que me separavam de um imóvel próprio e melhor. Ou que o anúncio do chefe, de que os custos a serem cortados incluíam minha cabeça, seria a vara que eu utilizaria em um salto muito maior.

Até na piscina dos casamentos fracassados já me afo-guei, depois de mais de vinte anos de um nado que pa-recia sincronizado. Quando pensava que bastava ser pai, precisei aprender a também ser "pãe" — pai e mãe de três filhos, inclusive um especial — para conservar a doçura do quadrinho que na porta diz: "Lar Doce Lar".

Quando pequenos, aprendemos que coisa ruim só acontece para os outros. Quando crescemos, descobri-mos que também fazemos parte da turma dos outros. Mas uma coisa é certa: na hora da queda, de nada adian-ta ficar agarrado ao irlandês das circunstâncias. É preci-so continuar correndo para deixá-lo para trás. Se o fra-casso apenas nos derruba, é a nossa ocupação com ele que nos derrota.

Para as ostras, a adversidade vem quando literalmen-te entra areia. Se você se irrita com uma pedrinha no sapato, imagine a ostra, que é toda ela sapato! Porém, a adversidade que a machuca serve de estímulo para que ela deixe a zona de conforto — se é que ostra vive con-fortável. Seu organismo libera substâncias que trans-

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formam a adversidade em algo mais belo e resistente do que o Kallimarmaro, sem as incômodas arestas da derro-ta. É assim que surgem as pérolas.

No dia seguinte à maratona olímpica todos os jornais do mundo traziam a foto do vencedor na capa. Não, não estou falando do italiano que ganhou a Medalha de Ou-ro — qual era mesmo o seu nome? Estou falando daque-le que transformou a adversidade em vitória, o perdão em exemplo e escreveu seu nome na história. O brasilei-ro Vanderlei Cordeiro de Lima que ganhou a Medalha de Pérola nas Olimpíadas de Atenas de 2004.

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Sedativo de escorpião

Numa pesquisa feita nos Estados Unidos pelo The Gallup Organization em 2003 sobre honestidade, ética e credibilida-de das profissões, as enfermeiras apareciam em primeiríssimo lugar, com um índice de 83%, enquanto vendedores de au-tomóveis fechavam a lista com apenas 7%. Lá a profissão é motivo de piada, tamanha a falta de ética. E aqui? Bem, aqui a situação parece ser aquela de um senhor amigo meu que, apesar da idade, disse nunca ter sofrido de pressão alta. O motivo é simples: ele nunca mediu a pressão. E se uma pes-quisa fosse feita aqui? Não sei o resultado na maioria das re-vendas de veículos, mas sei de uma vendedora que me aten-deu. E soube anestesiar o escorpião que trago no bolso com muita ética e honestidade.

— E qual é o carro dos Persona? — perguntou um dos colegas de meu filho na van que o levava à faculdade. O assunto era a marca e o modelo de cada família.

— Quantum 87 — respondeu meu filho, sem pestane-jar.

— Oitenta e sete?! — exclamaram todos gargalhando exagerados. Ninguém acreditou.

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A verdade é que na época eu tinha mesmo uma Quan-tum decenal e nem pensava em trocar. Não que nutrisse por ela um sentimento como o do Heródoto Barbeiro* pela Kombi que dirige. A mesma que ele conta que não deixa-ram estacionar na frente de um hotel quando foi dar uma palestra, ou que o levou a ser confundido com o rapaz das entregas, ao chegar a uma feira do livro.

No meu caso não havia qualquer ligação sentimental, mas puro desinteresse por automóveis de qualquer espé-cie. O carro anda? As portas abrem e fecham? O farol a-cende? Então serve para mim. Se a Quantum estava velha, feia e suja, azar dos motoristas dos outros carros. De den-tro do meu, eu só enxergava carros novos, bonitos e lim-pos.

A insistência dos filhos levou-me a trocar por um e por outro até estacionar num Santana 97. Esse eu conduzi até recentemente, quando as reclamações recomeçaram. Dos filhos e do carro. Precisava de um mais novo para as via-gens constantes para ministrar palestras e treinamentos em cidades próximas ou sem voos regulares.

Negociador veterano, coloquei a máscara de quem só está olhando e entrei numa concessionária local, dirigida por dois rapazes que foram meus alunos de marketing. O escorpião em meu bolso beliscou, para lembrar que estava ali. Não seria fácil alguém conseguir vender para mim, um inveterado e compulsivo não-comprador. Sofro da "Sín-drome de Pânico de Shopping". Antes seria preciso sedar o escorpião.

* Heródoto Barbeiro é um premiado jornalista e apresentador do jornal da CBN e telejornais. Sua paixão por uma Kombi de estimação é bem conhecida.

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Se você pensa que um profissional de marketing é imune à sedução de uma venda bem feita, errou. Treino pessoas para vender, mas viro geleia quando encontro alguém que vende bem. Compro, com o sentimento de um professor que quer premiar um aluno com uma boa nota. E que nota!

— Por que eu deixaria de comprar um Astra, um Corolla ou um Honda para comprar um Focus? — testei a vendedo-ra, citando os que já tinha pesquisado na Internet. Espe-rei pelo esconjuro de praxe contra a concorrência. Não veio. Aquela era uma venda ética, positiva e profissio-nal.

— Todos são excelentes. Qualquer um deles vai deixá-lo satisfeito, mas... você vai ficar ainda mais satisfeito dirigindo um Focus. — Nem bem o "s" terminara e eu já estava embarcado num test drive. Os heróis de minha resistên-cia estavam sendo vencidos um a um. Fugi para casa, para tratar das picadas do escorpião no bolso, mas ela ligou para saber o que achei.

Gostei do modelo hatch, mais barato para o escorpião. Porém apostei que no porta-malas não caberia a cadeira de rodas de meu filho. Ufa! Achara uma desculpa para não comprar. Ela estacionou um modelo hatch na porta de casa, só para experimentar a cadeira de rodas. Ga-nhei a aposta, mas ela não desistiu. Novo telefonema. Se eu só visse como eram boas as condições de pagamento do modelo sedan...!

Voltei à loja. Negociei, negociei e negociei, até conse-guir o que queria. Ou pelo menos até ela me fazer pen-sar assim. A atenção de meus alunos serviu de sedativo para o escorpião. "Vai uma água, professor? Um café?" Pesou ainda na decisão um aperto de mão. Do funcioná-

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rio veterano, que conheceu meu pai, perguntou da famí-lia e trocou dois minutos de saudosa prosa.

— Aceita o Santana de entrada? — indaguei, já nos úl-timos estertores do escorpião.

— Claro. — respondeu ela, pegando um formulário.

— Financia o resto? — eu suava.

— Até perder de vista. — estendeu-me a caneta.

Ontem meu celular tocou. Estacionei o Focus — que agora é meu e do banco — e atendi. Da concessionária perguntavam se tudo estava bem, primeiro comigo e depois com o carro. Lembrei-me do que ouvi lá, de meu aluno, quando elogiei o atendimento em sua loja: "A-prendemos com você, professor".

Foi aí que passei a olhar de um jeito diferente para o carro. De um jeito que inclui gente — as pessoas que me levaram até ele. Quase como o Heródoto olha para sua Kombi, mas acho que nem tanto. Numa Kombi cabe muito mais gente.

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Dia de fúria

Quando a política de atendimento ao cliente não deixa claro quem é o tal cliente, as coisas ficam nebulosas e o mau tempo pode causar um mal estar difícil de curar. Ocupar o assento do cliente é a primeira providência que uma empresa deve tomar para criar uma cultura de empatia em sua equipe. A segunda é transformar o resultado disso em procedimentos, nunca o contrário. Esperar que o cliente se adapte à política da empresa é traçar a rota para o desastre certo. As compa-nhias aéreas que voam mais alto hoje são as que escutam o cliente e se adaptam a eles. As que já baixaram o trem para pousar e permanecer no solo são aquelas que insistem em proteger sua própria razão. Logo não irão conseguir nem sair do chão.

É terça-feira e o telefone toca um pouco antes de eu sair para viajar. É minha filha avisando da faculdade que precisa de uma passagem aérea para Goiânia. Na quinta-feira irá participar de uma feira literária para autografar seu livro "Uma luta pela vida". Imediatamente disparo uma compra de bilhetes via Internet. A ida será pela TAM — a do tapete vermelho na porta do avião. Para a volta escolho outra companhia mais por causa do horário do que pela confiança que inspira. Assim minha

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filha pode ir e voltar a São Paulo no mesmo dia. Pago com cartão, imprimo os comprovantes, coloco sobre sua cama com um beijo de boa viagem e viajo.

É fim de tarde da quinta-feira e meu celular toca, ao sair de um hotel na zona norte de São Paulo para ir bus-cá-la no aeroporto de Congonhas. Ainda está em Goiâ-nia, impedida de embarcar por conta de um tal de pro-tocolo de entrega de bilhete que deve ser assinado pelo titular do cartão de crédito em um balcão da outra em-presa aérea, a que escolhi para trazê-la de volta. A filha é minha e o cartão é meu, mas a política é da empresa.

Imediatamente me vem à memória uma cena de filme — "Dia de Fúria" — que utilizei nos dois dias de treina-mento de vendas e atendimento ao cliente que acabo de ministrar. Utilizo a cena do filme para mostrar que o cliente tem poder para mudar políticas e procedimentos. Bill, o personagem vivido por Michael Douglas, entra em uma lanchonete. Na bolsa, que deposita sobre o bal-cão, traz uma metralhadora oculta. Quer um café da manhã, mas é avisado que o café termina às 11:30. São 11:33 e agora só servem almoço. Bill pede para falar com o gerente, Rick.

Bill: Rick, já ouviu a expressão "O cliente tem sempre ra-zão?"

Rick: Sim.

Bill: Bom, aqui estou eu, o cliente.

Rick: Não é a nossa política. Você precisa pedir algo do cardápio de almoço.

Bill: Não quero almoço. Quero café da manhã!

Rick: Bem... eu sinto muito.

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Bill: Bem... eu também lamento!

Neste ponto Bill tira a metralhadora da sacola e co-meça a confusão.

Quem é pai sabe o que é sentir-se onça com a cria em perigo. Começa meu "Dia de Fúria". Preciso chegar ao balcão da companhia aérea no aeroporto de Congonhas no outro extremo da cidade para assinar o tal do proto-colo para passagens compradas pela Internet, ou minha filha não embarca em Goiânia. Entre eu e o balcão, o trânsito de São Paulo. São 19:00 horas. O voo sai de Goi-ânia às 20:30 por conta de um atraso. Mesmo assim não vai dar.

Sugiro que ela compre nova passagem com seu car-tão. Impossível. Avisaram que o voo está cheio — obvi-amente um dos assentos está reservado para a passagem que comprei. Sugiro que reclame, que bata o pé e tente fazer a nova passagem valer para o assento da velha. Via celular, coloco meu filho no circuito e ele passará a próxima hora tentando convencer o atendimento da companhia aérea que seu pai está no trânsito, que assi-nará o que for preciso quando chegar no aeroporto, que o cliente deve ter razão... Tudo em vão. "Esta é a política de nossa empresa", insiste o atendimento. Disparo para o aeroporto.

Mas ninguém dispara para Congonhas naquele horá-rio. Fico preso no trânsito com uma bexiga de dois dias de treinamento bebendo quatrocentos copinhos de água para umedecer uma garganta de 16 horas de palestra. Agora os copinhos querem sair, mas o trânsito não esco-a. Estou parado na pista do meio. Para piorar, um lumi-noso enorme pisca a foto de um copo de chope gelado,

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escorrendo. Espremo um joelho contra o outro. A noite é fria.

Desesperado, invado o porta-luva em busca de um saco plástico qualquer. Se existe saco para vomitar em voo, por que não para urinar no trânsito? Não tem. O copo de chope continua a piscar para mim, zombeteiro. Faz frio. O trânsito anda só o suficiente para eu escapar, deslumbrado, com a visão de um posto de gasolina. Um verdadeiro oásis no deserto, mas para quem não quer nem ouvir falar em água.

Usando os pedais do acelerador, freio e embreagem com cuidado para não separar os joelhos, chego gritan-do para o frentista: "UM BANHEIRO URGENTE!". Vejo estrelas na escadinha metálica em caracol que me leva ao depósito no andar superior. Lá, entre pneus, latas e escuridão, ainda preciso descobrir a porta certa. Achei! Então vem o êxtase — o prazer absoluto — aque-le arrebatamento dos sentidos que só conhece quem já passou por isso. Preocupo-me com a prefeita. Em algum ponto, São Paulo vai inundar.

Chego em tempo ao banheiro para urinar, mas não ao balcão da companhia aérea para assinar o tal do proto-colo. Pelo celular descubro que o embarque foi efetuado com uma nova passagem comprada e depois de muita reclamação. Reclamo ali também, em voz alta no balcão, apenas para sentir-me um perfeito idiota. Ao lado de uma senhora que compra nova passagem em dinheiro pelo mesmo motivo, sou avisado de que deveria ter lido a política da empresa no comprovante de compra. Está tudo lá.

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É verdade, não li. Está tudo lá: "É obrigatório que o proprietário do cartão de crédito assine o protocolo de entrega em uma loja da companhia". Isto para uma compra de bi-lhete feita pela Internet para um terceiro. Agora preciso ligar para tal e tal número e cancelar minha compra. Comprei, paguei, fui impedido de usar, e agora preciso cancelar para receber o reembolso. A justificativa? In-formam que é para proteger os interesses do cliente, evitar que outro use indevidamente seu número de car-tão de crédito e coisa e tal. Sim, é verdade. O número de meu cartão foi usado indevidamente, já que a compa-nhia aérea debitou o valor e impediu o embarque.

Vou para o desembarque, aguardar a chegada de minha filha. A viagem de ida foi perfeita. Na entrada do voo da TAM, o tapete vermelho criado pelo Co-mandante Rolim dava as boas-vindas. Na volta, na en-trada do voo da outra companhia, um mata-burro. Para impedir que clientes como eu, analfabetos da política da empresa, entrem. Ou que pessoas que inventam políticas assim saiam.

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Não bebo leite de vaca

Entramos na era da singularidade. A abundância de recursos e opções que a imaginação humana criou está desenhando um panorama onde não existe alternativa. Ou você é diferente ou está destinado à vala comum da mediocridade. Passa a ser a massa da propaganda em massa, da comunicação em massa, da massificação. Vira um mero eco da voz do povo, que nun-ca foi a voz de Deus ou não teriam escolhido Barrabás. Onde está a diferença em você? O que existe de original em sua maneira de ser, de falar, escrever ou pensar? Ser singular é ser interessante, inovador, desafiador do senso comum. É uma inveja às avessas, é "descobiçar" o que o outro é, tem ou faz. É deixar de ser carne de vaca. Ou beber seu leite.

Não bebo leite de vaca. Não por não gostar, mas por me causar enxaquecas. Sou alérgico, talvez. Por um bom tempo fiquei só no café, até voltar ao antigo deleite. Só que de cabra. Voltei ao prazer de sorver, devagarzinho, o café com leite quentinho da manhã. [Pausa para tomar um gole.]

Adivinhou. Escrevo enquanto bebo meu leite quente numa manhã fria, antes que o dia acorde. Meu momento

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individual de secreto prazer, bebericando minha fórmu-la exclusiva no canto da caneca. Caneca tem canto?

A minha tem. Ganhei num estande da Continental Airlines em um evento da HSM Management e não lar-guei. Ela tem borda enquadradada — palavra que inven-tei para descrever sua singularidade — com um biqui-nho perto do cabo. A sensação de beber por ali é um misto de mamar na vaca com beber do bico do bule. Uso leite de cabra em pó fabricado na Bélgica e embalado numa lata com a marca Scabra.

[Pausa para tomar outro gole.]

Seria de mentirinha se fosse café-com-leite sem um bom café. O meu é solúvel, mais cremoso. O nome no vidro preto e azul é longo: Iguaçu Premium Freeze Dried Liofilizado — processo de comida de astronauta.

[Outra pausa, outro gole.]

Uma colherinha de açúcar mascavo e algumas gotas de Melville, mel com própolis da Superbom, formam a pitada exótica do sabor.

[Último gole com barulhinho de chupadinha no final]

Terminei meu café com leite, mas não meu assunto. Pegue seu café e venha comigo para a Rússia da primei-ra metade do século vinte. Vamos visitar Nikolai Kon-dratieff, criador das ondas que o levaram à morte pelas mãos de Stalin, que enxergou em sua teoria uma apolo-gia ao capitalismo. Ao observar o comportamento sócio-econômico, cultural e tecnológico do mundo, Kondrati-eff percebeu um padrão cíclico que foi explorado por outros estudiosos após sua morte.

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[Eu sei, você ficou com vontade. Tudo bem, eu espero en-quanto você prepara seu próprio café.]

Sopre devagar a superfície de seu café e sob o vapor você verá uma série de ondas como as que Kondratieff quis mostrar. Uma começou em 1800, quando o vapor costurou a indústria têxtil. Seu impacto nas pessoas foi no vestir. Cinquenta anos depois, as estradas de ferro massificaram o transporte em massa. Começamos a via-jar.

O século virou e a onda do consumo de uma indús-tria movida à eletricidade nos alcançou. Enquanto eu nascia, a indústria automotiva transformava a mobili-dade individual em essencial e o século terminaria com a tecnologia criando uma aldeia global de informação, conhecimento e capital intelectual. Bom negócio? Per-gunte às escolas e faculdades, que não param de abrir.

E o negócio futuro? Calma, tome mais um gole. É de cabra? Quentinho e cremoso? O que vem depois — o que o futuro nos reserva — é assim: café com leite. De cabra, cremoso, mascavo, liofilizado, individualizado com própolis e mel, degustado do canto de uma caneca exclusivamente enquadradada. Entramos na onda do bem-estar, da saúde, das academias, das trilhas ecológi-cas, do ironman e da ironwoman. Estamos em Atenas.

É a era da individualização exacerbada, da sociedade casulo, na qual cada um quer ser o Matrix gerador de seu Neo particular. Cada um com sua mezinha e poção de deleite individual, composição de marcas e sabores para uma experiência tão singular quanto a minha, cre-mosa e quentinha. Bebericada no canto de minha redo-ma enquadradada, hermética e segura, da qual me rela-

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ciono via Internet com um mundo conectado à minha caneca.

Você também precisa ter sua receita particular, nem que seja de brincadeira — é café-com-leite. Ajuda a ex-travasar seu estilo próprio, sua marca, seu blend. Pode usar o mel com própolis, o solúvel liofilizado, o leite de cabra e a caneca de borda enquadradada, tudo igual e da mesma marca, mas seja original ao menos na temperatu-ra. Ou no bolso.

Falo das reuniões de executivos onde todos trazem aquele olhinho de asterisco branco espiando do bolso da camisa. Todos têm Montblanc. Anote aí: não preciso ser caro para ser original. Para cada reunião uso uma caneta distinta e saio do lugar comum. Tenho várias delas, de diferentes hotéis, feiras e promoções. Posso escrever, perder e esquecer, não faz mal. Todas Bic, mas cada uma original, diferente, inesperada. Não bebo leite de vaca.

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Quem canta, seus males espanta. Clientes também.

Você já passou pela experiência de ir almoçar com um "ma-la". Do tipo que não deixa você falar, que sempre tem razão e despreza qualquer opinião que não tenha sido parida do útero de seu ego. Desses que, depois de terminar a sua refeição, vo-cê fica gritando lá no íntimo: "Por que esse cara não para de falar e come logo pra eu pedir a conta e sumir?" Sabe como é, aquele cara com um papo de dar azia em Sonrisal. Pessoas e empresas são assim sempre que desligam a percepção e que-rem que todos dancem ao som da sua música. Uma vez ouvi alguém dizer: "Se todo mundo pensasse como eu o mundo se-ria diferente". Concordei. Diferente, porém muito pior.

— Algum produto que o senhor não encontrou em nossa loja? — A pergunta da garota do caixa foi a de sempre, mas desta vez minha resposta mudou.

— Uma música ambiente que não seja pagode — respon-di, cansado de quase duas horas de suplício naquele supermercado.

Alguns são alérgicos a camarão, outros a cerveja. Sou alérgico a pagode. A previsibilidade dos versos e a mo-notonia mecânica do ritmo me dão a sensação de estar

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aprendendo tabuada entre teares. Nada contra os que apreciam o gênero. É alergia, só isso.

Como nós, a música é tripartida. Ritmo, melodia e letra levam estímulos ao corpo, alma e espírito. O ritmo faz bater o pé e gingar, a melodia retine a alma para e-mocionar, mas é a letra que fala ao mais íntimo do ser, àquilo que nos distingue dos irracionais.

Animais batucam os cascos ritmados, ventos assovi-am melodiosos e melancólicos, mas só os seres humanos são capazes de cantar palavras, privilégio que nem os anjos desfrutam. Enquanto você analisa a qualidade musical segundo o peso que os diferentes estímulos têm — dos mais primitivos aos mais elevados — para corpo, alma e espírito, volto à música no supermercado.

A música deve ajudar a criar a atmosfera de compra — a estimular o cliente a permanecer no ambiente e a comprar sempre mais. Se for lenta, ele fica mais tempo e compra mais. Se for rápida e intencional, vai agilizar o processo para dar lugar a outros e evitar aglomerações. Restaurantes inteligentes fazem isso para desocupar mesas. Naquele supermercado vazio não havia tanta inteligência assim.

Todo gerente deveria ver na loja o seu palco, nas ins-talações o cenário, no som ambiente a orquestra e nos funcionários os atores de uma peça teatral. Tudo com a finalidade de conduzir o público a uma salva de palmas. Lay-out, móveis, iluminação, cores, sons e até aromas são vendedores invisíveis e irresistíveis, agindo em nossa mente para transformar a compra numa experiência de quero mais.

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Em um supermercado, quase 60% das decisões de compra são tomadas no ambiente, daí a responsabilida-de que sua atmosfera tem de sussurrar os estímulos cor-retos em minha mente, estimulando-me a comprar e até ajudando na decisão.

Não era o que o pagodeiro estava fazendo. Após so-frer aquele som destilado pelos alto-falantes derraman-do palavras chulas ou versos açucarados, decidi encer-rar minhas compras com uma breve parada nas cervejas.

Ouvi o pagodeiro cantar de coxas torneadas, barrigas saradas, coisas assim. Tentei conferir, mas minha barri-ga não permitia que eu visse minhas coxas. Decidi esco-lher pelo preço, mas o pagodeiro cantou que a coisa mais feia é gente que chora de barriga cheia. Na hora de decidir pela marca, agressivo ele me mandou vadiar. Melhor esquecer. Pagodeiro nenhum iria me ajudar a escolher cerveja. Fui para a seção de vinhos.

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É pau? É corpo? É o fim da conversa.

Um profissional que domina a comunicação é pau pra toda obra. Num mundo que compete por atenção, aquele que a desperta, retém e encanta tem a primazia e garante o seu quinhão. É preciso ter tato, não trocar os pés pelas mãos e nem querer dourar demais a pílula da promoção. Quando a desconfiança prevalece, a esperteza tem menor expectativa de vida. Hoje é preciso ser o que o cliente quer ver, não apenas aparentar. O escrutínio está ao alcance da mão de todo e qualquer cidadão, e não demora para alguém descobrir que, no armário, você guarda um esqueleto. Ou um corpo inteiro.

O silêncio na mente dos dois pescadores só era que-brado pelo violino solo de algum mosquito. Ou pelo mergulho da isca naquelas águas sonolentas, desenhan-do um leve bocejar de lábios marolas. Silvino era o fa-zendeiro amigo de meu pai que pescava com o capataz e piloto da canoa. Mas foi o capataz quem viu.

— Aquilo na água parece um corpo, seu Silvino. — sus-surrou o capataz.

— É não. — retrucou Silvino sem olhar. — É um pau.

— Acho que é um corpo. — insistiu.

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— Vamos ver... — desistiu Silvino, antes que o ser ou não ser virasse questão.

Era um corpo. Avisada a polícia, o cadáver deu mais trabalho para o Silvino do que para o assassino. Boletim de ocorrência daqui, inquérito dali, declaração de acolá, sua vida virou um inferno. Era uma época em que cadá-veres eram raros e ser delegado de interior um tédio.

Os tempos mudaram. Coisas importantes ficaram banais e coisas banais não mais. O corpo que Silvino achou então, hoje não teria encontrado. O delegado não teria perturbado, o capataz não teria enxergado. Todos estariam de costas, até peixes e mosquitos. As pessoas ficaram mais céticas, mais escoladas, mais escaldadas.

Tudo mudou, menos a comunicação de alguns profis-sionais e empresas que insistem em comunicar como comunicavam nossos pais. Os mesmos clichês para uma geração que duvida de tudo o que cheire a blá-blá-blá e soe a lero-lero. Como conquistar essa geração? Ou pri-meiro, como reter sua atenção?

Antes de ser competitiva no mercado, a empresa pre-cisa ser competitiva na comunicação. Precisa chamar e reter atenção se quiser gerar ação. Pelo menos era essa a tônica de um artigo que li anunciando as "Dez Previsões Para o Novo Ano" na área de conteúdo para sites empre-sariais. Como escrevo para a Web, o assunto me interes-sou.

Por quê? Porque nesta questão eu sou fornecedor, mas também sou cliente. Antes de criar textos eficazes para websites alheios, tenho que me livrar do espeto de pau de minha casa de ferreiro. Tem que funcionar para mim.

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Cada vez mais gente vai à Internet procurar produtos e serviços. Então, ser encontrado ali é estratégico. De-pois de atrair, reter a atenção é vital, pois o concorrente está a um clique de distância apenas.

Ninguém vai encontrar seu site bonito se ele não tiver as palavras certas. O belo só serve depois de criado o primeiro elo. Uma vez achado, é preciso ir direto ao as-sunto porque ninguém tem tempo a perder.

Contei cinco minutos de abertura cinematográfica, com naves espaciais, planetas e robôs ao som de uma batida high-tech, antes de aparecer um menu. Ué! Cadê o menu?! Precisei ficar passeando com o cursor do mouse pela tela até ele sair do esconderijo. Não era um site de banda de rock, mas de um fabricante de equipamentos industriais.

O que o seu gerente iria pensar de você assistindo uma animação assim no trabalho? Adiantaria dizer que estava fazendo uma cotação, que estava analisando pre-ços de máquinas? Você é quem conhece o chefe. As em-presas querem resultados. Rápido.

Talento é essencial para criar, desenhar e escrever para a Web. Mostrar e dizer logo o que o cliente quer ouvir, destacar o que ele precisa, oferecer aquilo que resolve. Quando isso acontece, ele vai encontrar o que buscou, conversar com quem encantou e comprar aquilo que sempre sonhou. Fogos de artifício enfeitam, mas não convencem. Ainda usamos palavras — as velhas e boas palavras — para convencer. Se duvida, me diga o que achou quando aquela garota linda e burra abriu a boca.

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Tudo ia bem no artigo que li até descobrir que "As Dez Previsões Para o Novo Ano" nada mais eram do que dez serviços que o autor estava tentando me oferecer. Minha confiança desmoronou. Era a raposa prevendo que este ano as galinhas mais chiques dormirão fora do poleiro. Sujou e não colou, como a conversa do capataz em nova pescaria dois anos depois.

O silêncio era o mesmo da outra vez. O rio, a canoa, as varas, tudo igual. Até os mosquitos. De novo mesmo, só um pau boiando perto da margem. Um pau?

— Acho que é outro corpo. — comentou o capataz com voz lúgubre.

— É um pau. — sentenciou Silvino.

— E se for um corpo?

— Serão dois se você não ficar quieto.

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Uma pergunta que não quer calar

Costumo ensinar em meus cursos de marketing pessoal que palestras e eventos são excelentes oportunidades de se criar referência. Além do networking e troca de cartões nos inter-valos, o espaço para perguntas cria um palanque à parte. Sempre que existir essa oportunidade, formule uma pergunta inteligente — deve ser inteligente — peça o microfone, respi-re fundo e anuncie, com voz clara e muito charme, o seu no-me, o que faz e a empresa que representa. Pronto. Agora você é o centro das atenções, ganhou seus quinze minutos de fama, vai ficar conhecido. Ah! Não se esqueça de fazer a pergunta.

— Quem tiver perguntas para fazer a Philip Kotler, anote na folha e entregue às nossas recepcionistas. — A voz no microfone era de Carlos Alberto Júlio, CEO da HSM e dirigida aos mil participantes do Fórum Mundial de Marketing e Vendas. Evento lotado, só consegui vaga no segundo auditório, equipado com telão. Mas para quem só tinha visto Philip Kotler na telinha, já era um pro-gresso vê-lo no telão e de primeira mão.

Eu podia perguntar! Já pensou? Fazer uma pergunta à maior autoridade mundial do marketing? Aquilo sig-nificava muito para mim. Leciono marketing e sei o

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quanto pesa em minha maleta o livro "Administração de Marketing" do mesmo Kotler. É o clássico, a referência, o Norte. Folheá-lo já é um prazer; citá-lo, dá autoridade. Perguntar ao vivo, então, uma oportunidade em mil.

Peguei uma folha, preparei, apontei a caneta e, quan-do ia atirar a primeira consoante de minha pergunta, uma voz ribombou pela sala. Alguém perguntava pri-meiro e não era por escrito. Impossível! O homem esta-va no auditório do telão. Quem faria perguntas a um Kotler digitalizado numa tela?

No telão o mestre continuava ensinando impassível, confirmando minhas suspeitas de que telões não têm ouvidos. São surdos como dizem ser os maridos perfei-tos, casados com as esposas perfeitas. As cegas.

Olhei para os lados e vi apenas gravatas em gargan-tas caladas, olhos fixos na tela e fones enfiados até a garganta dos ouvidos, para escutar a tradução. Voltei a trabalhar na pergunta, mas ouvi a voz outra vez, e não era da consciência. Saía da boca de alguém algumas gravatas à esquerda. Entendi.

Com os ouvidos entupidos de cera e fone, o rapaz era incapaz de modular a voz ao dirigir perguntas ao amigo ensurdecido pelo fone sentado ao seu lado. Já vi isso acontecer em lojas de disco. Pessoas com fones nos ou-vidos escutam o CD e acham que cantarolam um Pava-rotti baixinho. Mas berram em alto e nem sempre bom tom, incomodando um quarteirão.

Kotler falou disso. Não de fones de ouvido ou per-guntas feitas por bocas surdas, mas da embotada per-cepção de algumas empresas para com o mercado. Que

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agem como se estivessem sozinhas em um mundo pri-vado, dialogando com o umbigo.

O contrário dessa falta de percepção é a capacidade de desenvolver um marketing lateral, percebendo ou cri-ando percepções ainda não percebidas. Aliás, "marketing lateral" é o tema de um de seus livros.

Trata-se de um processo numa sequencia organizada, que começa com a escolha de um produto, mercado ou mix de marketing. O segundo passo é provocar um des-locamento lateral, gerando uma nova carência perceptí-vel e, finalmente, supri-la. O exemplo mais simples é o da flor, que murcha. A carência detectada — uma flor durável — foi respondida pela flor de plástico. É claro que isso explicado por mim fica uma droga, mas pelo Kotler não. É melhor você assistir uma palestra, ler o livro ou perguntar para ele. Foi o que eu mesmo fiz.

Disparei a folha com a pergunta para a recepcionista e esperei. Minha expectativa virou frustração quando vi dezenas de mãos disparando folhas na mesma direção. Envergonhei-me de minha pretensão. Entre mil cabeças pensantes com dúvidas interessantes, minha pergunta-sonho jamais se transformaria em resposta-realidade. Nem a minha, nem a do rapaz ao lado, que continuava a per-guntar em voz alta.

Ninguém tinha coragem de gritar um "calaboca!", principalmente naquele ambiente de orgulhosa sapiên-cia a refrear a ignorância dos instintos primitivos. Até eu equilibrava a fleuma numa varinha de dignidade. Nin-guém podia ficar sabendo que cinquenta por cento da vontade de perguntar era pura tietagem. Coisa de ego, sabe como é, poder depois contar aos netos que o pai do marketing respondera a uma pergunta do avô deles.

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A palestra terminou e um calhamaço de perguntas subiu ao palco pelas mãos das recepcionistas. O pontei-ro de meu mostrador de tietagem atingiu a marca dos noventa por cento. Qual era mesmo a pergunta que fiz? Poucas seriam escolhidas e respondidas.

Depois do fulano do Banco do Brasil, sicrano da Em-braer e beltrano da Credicard, o apresentador anunciou: "The next question comes from Mario Persona". Gelei. "Ma-mãe, sou eu!", quase gritei. Fiz de conta que não percebi um amigo sussurrar para mim com o olhar: "Veja, é vo-cê!". Mantive uma impassibilidade zen, de monge orien-tal praticando harakiri, enquanto minhas entranhas se derramavam de puro prazer.

Fiz cara de quem não vê importância alguma em ves-tir uma resposta sob medida, costurada à mão pelo pró-prio Philip Kotler. Regulei o brilho dos olhos para o mí-nimo e o contraste no zero, para os outros pensarem que aquilo era banal, trivial e normal. Até esbocei um bocejo. Meu único medo era que alguém ouvisse o bumbo de torcida que batia em meu peito.

Não, ninguém podia ouvir. Nessa hora o grasnido do chato da hora — o do fone de ouvido — era um aliado. Ele continuava a fazer suas perguntas ao colega ao lado em voz alta. A minha pergunta, feita ao Kotler, eu com-partilharia depois com meus alunos, só para me gabar. A do chato ao lado era a pergunta que não queria calar.

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Esqueletos no armário

O fundo falso agora é falso. Nem pense em se esconder lá. O anonimato tem nome e endereço, e pseudônimos só servem para enfeitar. Também, como você pensou que poderia se es-conder num mundo onde até senhas e códigos secretos são fa-cilmente moídos? Dados financeiros, queixas de clientes e funcionários, memorandos internos, desastres ambientais, fa-lhas nos produtos, protestos, escândalos e contas nos paraísos fiscais, boas e más notícias — tudo pode ser visto por quem tiver acesso à tecnologia e souber investigar. Bem-vindo ao mundo dos profissionais e empresas transparentes. Bem-vindo ao mundo preconizado pela música do Ultraje a Rigor: "Pelado todo mundo fica, todo mundo é; Pelado, pelado, nu com a mão no bolso."

Recebi um email da Amazon.com oferecendo um livro. Não um livro qualquer, mas um lançamento, "The Naked Corporation: How the Age of Transparency Will Revolutioni-ze Business", escrito por Don Tapscott e David Ticoll. Enquanto minha mão negocia com o escorpião em meu bolso, tento descobrir como souberam que, dentre os milhões de livros em seu acervo, oferecer este para mim seria como mostrar doce para criança. Ou, na terça feira, para alguém que começou o regime na segunda.

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Se ficasse só no email eu teria achado que era coinci-dência, mas acontece que todas as vezes que entro no site da livraria surge na tela uma promoção endereçada ao meu gosto e necessidade. A verdade é que, usando um dos melhores sistemas de CRM online do mundo, a Amazon.com registra minhas compras e os livros que visitei em seu site para definir meu perfil de compra. Observam-me por um buraco de fechadura digital.

A cada compra o sistema me conhece melhor e com-para minhas preferências com as de pessoas que com-praram livros semelhantes, criando ofertas para serem entregues em mãos às minhas concupiscências. Cada passo que clico dentro do site acrescenta mais um aflu-ente de informação ao gigantesco manancial da livraria que tem nome de rio. Não sei se choro. Onde fica minha privacidade?

Bem, se você quer privacidade é melhor se mudar para o Himalaia. Mas fique atento para não esbarrar em algum fotógrafo da National Geographics. A verdade é que eu e você estamos sendo constantemente seguidos, rastreados, filmados, examinados e armazenados. Seu celular está no bolso? Alguém sabe onde você está. Pa-rou no posto de gasolina, no caixa eletrônico, comprou com cartão? Tudo ficou registrado. Conectou-se à Inter-net? Essa, então...!

Nunca empresas e pessoas foram tão escrutinadas de forma oficial, informal e virtual, legal ou ilegal, local ou global. Nunca ficou tão difícil para alguém esconder o que faz ou o que fez daqueles que querem descobrir o que vai fazer. Os armários onde costumamos guardar os esqueletos agora são de vidro e muito bem iluminados.

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Aliás, esse é o tema do livro que a Amazon.com me ofereceu e foi lançado no Brasil com o título "A Empresa Transparente: Como a Era da Transparência Revolucionará os Negócios.". Lembrei-me de ter comprado lá na Ama-zon.com um livro do mesmo autor, "Digital Capital". Foi quando literalmente deixei nas mãos deles minha im-pressão digital para poderem botar a mão em meu capi-tal.

Hoje posamos nus para uma revista permanente em nossos bolsos à cata de informações. Todo cuidado é pouco na forma como você vive ou trabalha. Já não pos-so mais fazer o que quiser ou dizer o que bem entender sem correr riscos de sofrer as consequências disso agora ou depois. Alguns esqueletos o armário revela de ime-diato. Outros ficam ali mumificados, mas um dia apare-cem. Como acontece naqueles filmes policiais na TV, tudo o que você disser poderá ser usado contra você.

Porém, se a Amazon.com ou outra empresa qualquer pode me radiografar como bem entender, a recíproca é verdadeira. Nunca foi tão fácil obter informações de empresas, pessoas, produtos ou serviços. Usando a In-ternet qualquer cidadão comum pode enxergar dentro das corporações e, se não gostar do que viu, usar sua rede de relacionamentos para, em questão de minutos, mobilizar multidões e cobrar ou reivindicar algo.

Grandes empresas, que desfilavam suas vestes reais tecidas com o mais fino ouro da ilusão, já não aguentam mais ouvir o menino gritar: "O rei está nu!". De onde você acha que vem toda essa preocupação corporativa com ética nos negócios, responsabilidade social e cuida-do com o meio-ambiente? Da transparência que a tecno-logia criou e dos milhões de grilos-falantes que ela capa-

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citou. Uma consciência virtual e coletiva atazanando sem parar a mente corporativa que burlar ou mentir.

Essa preocupação com transparência não existia há alguns anos, pelo menos numa loja de eletrodomésticos de minha cidade. Naquela época coisas como PROCON e Código de Defesa do Consumidor eram ficção científi-ca e os gorilas que entregavam os produtos eram os mesmos que iam buscar quando o cheque era devolvi-do.

Foi o que fizeram ao invadir a casa da compradora de um fogão. Dominaram a cozinha, desligaram o gás, jo-garam as panelas sobre a pia e carregaram o fogão, ain-da quente, de volta à loja. Sem dar ouvidos às queixas da breve proprietária, cuja mão insistia em permanecer agarrada ao puxador do forno.

Depois de uma limpeza rápida e superficial, a peça foi devolvida à embalagem e guardada no depósito até a próxima venda, o que só ocorreu vários dias depois. Outra vez vendido, o fogão foi novamente devolvido, desta vez pela própria compradora. Mas não ficou nisso. Na época não existia Internet, mas isso não evitou que suas queixas se espalhassem rapidamente pela cidade.

Indignada, ela escancarou a boca e todo mundo ficou sabendo do esqueleto que a empresa guardava no armá-rio. Bem, esta é apenas uma figura de linguagem. Não foi propriamente um esqueleto que ela encontrou, e nem foi num armário. O que ela achou no forno daquele er-rante fogão foi um frango, semi-assado, seco e mumifi-cado. Com os cumprimentos da antiga e caloteira pro-prietária.

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Inseminador de ideias

Todo mundo fala na importância do aprendizado contínuo para a carreira. É importante. Mas por que será que ninguém fala do ensino contínuo como prática tão ou mais importante do que o aprendizado? No marketing pessoal, ensinar é mais importante do que aprender, se é que existe uma coisa sem outra. Porque ensinar é contaminar outros com ideias e mandá-las viajar de mala e cuia. Mas um mestre que se preze não deve se prezar muito. É preciso ser humilde para reco-nhecer que sempre terá muito para aprender. E ousadia para aquiescer que sempre terá algo para ensinar.

Sou um privilegiado, um inseminador de ideias, construtor de caracteres, criador de borboletas cerebrais. Sou um professor. Um dia ainda será minha única ativi-dade, já que a considero a mais importante. Enquanto a influência de um consultor dura apenas o momento de gravidade de uma empresa, a do educador dura uma vida e vai além. Engravida mentes.

Ser consultor, palestrante e escritor também envolve ensinar e até dá mais dinheiro e prestígio, mas nenhuma dessas atividades permite sussurrar tão próximo do cé-rebro e coração de quem deseja voar, nenhuma permite

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acompanhar a transformação da crisálida em borboleta. Nenhuma chega tão próximo do milagre da vida: transmitir o que você é para outro ser.

Já ensinei muita coisa diferente para muita gente dis-tinta. Crianças na escola dominical, adolescentes na es-cola rural, meus filhos na escola do lar e pessoas com mais títulos do que eu em palestras, faculdades e cursos de pós-graduação. Não há dinheiro que pague — e ge-ralmente o salário do professor não paga mesmo — o prazer de fazer diferença na vida de grandes e pequenas personas.

A qualidade na educação começa com a qualidade no educador, que precisa gostar de aprender e ter ganas de ensinar, além de talento e vocação. Conheço excelentes educadores que saíram de péssimas escolas, e doutores que sabem menos do que uma bactéria, apesar de terem sido criados por grandes instituições. Como explicar? Mais importante do que a escola que cursaram é o que são capazes de fazer com o que aprenderam.

Quando adolescente fiz um curso de desenho artísti-co por correspondência, dessas escolas que anunciam em gibi. Ao revelar isso, corro o risco de receber uma saraivada de fogo e enxofre vinda dos deuses da educa-ção que se assentam no Olimpo do conhecimento aca-dêmico de pedigree. Sim, aprendi muito com aquela esco-la. E também com gibis.

Fiz o curso, mas fiquei sem o canudo por não me pre-ocupar em enviar os últimos exercícios. Não estava inte-ressado no certificado, mas no aprendizado. Continuei a seguir a paixão que aquele curso despertou por sua se-dução e acabei transformando a arte em profissão.

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Fui desenhista, cartunista, pintei perspectivas de edi-fícios, transpirei aquela criatividade que só é gerada pelo calor de uma paixão. Virei arquiteto, mas foi só graças ao vestibular de uma pequena faculdade de inte-rior. De lá me transferi para Santos, onde terminei o cur-so pescando nas pedras do Morro do Maluf no Guarujá, convenientemente instalado no apartamento de vera-neio de meu pai.

Nunca precisei consultar um analista por algum trauma causado por essa minha humilde origem aca-dêmica. Dou graças a Deus pelos professores que esti-mularam minha capacidade natural de pensar e não reprimiram meu desejo marginal de aprender. Sem isso eu teria parado de aprender no último dia de aula. Mas não parei.

Essa origem acadêmica humilde costuma gerar algum frisson naqueles com canudos mais avantajados, turbi-nados por uma formação anabolizada com cinco estre-las. Infelizmente alguns desses nada fazem pela quali-dade do ensino além de pulverizar, com seu veneno crítico, o governo, o ensino e as faculdades daninhas. Enquanto isso, permanecem estéreis, protegidos numa redoma acadêmica de cristal e tomando chope em taças do mesmo material.

Fico pensando no que aconteceria se essas pessoas violentassem o ensino, imiscuindo seus estames por entre os pistilos das faculdades menores, fertilizando seus alunos com o melhor pólen do saber. Seriam sedu-tores educacionais, empenhados no assédio dos mesmos alunos que eles acreditam viver hoje privados dos pra-zeres fecundos de uma sapiência de qualidade.

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Recebi um email de uma ex-aluna de um curso no-turno que atualmente administra um hospital. Comove-me pensar que ela sinta alguma gratidão por aprender algo de alguém que não tem nem metade da capacidade e qualidade pedagógica de profissionais formados por grandes instituições. Se aprendeu algo de mim, o quanto não aprenderia com os grandes mestres?

Pense no que aconteceria se esses bem-dotados edu-cadores inseminassem seus genes de qualidade nas fa-culdades mais carentes, causando uma transgenia nes-sas que são hoje o maior reduto de pessoas desespera-das por qualificação para o mercado de trabalho. Gente que só estuda à noite, abrindo um olho vermelho de cada vez porque precisa trabalhar de dia para o orça-mento familiar não ficar da mesma cor.

Seria uma revolução. Mas daria trabalho, sem falar na perda de status. Como iriam os melhores espécimes a-cadêmicos esconder algo assim em seus imaculados cur-rículos? Como suportar o vexame, se os outros deuses descobrissem que eles andaram seduzindo mentes de mortais instituições fora do Olimpo da educação, coabi-tando com aqueles que não conseguiram passar em um grande vestibular? Tudo bem que fariam uma grande diferença na vida dos alunos, mas será que é isso que buscam?

Essa promíscua miscigenação no ensino geraria uma nova estirpe de profissionais, estudantes que não tive-ram tempo, dinheiro ou oportunidade de estudar nas melhores instituições. Sim, é preciso tudo isso para um curso que exija dedicação integral. Eu mesmo faço parte de uma minoria privilegiada, já que tive um pai que

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sustentava meus estudos, meu carro e meu veraneio perene nas praias do Guarujá.

Tive recursos, mas não inteligência ou força de von-tade para passar no vestibular de uma grande institui-ção. Se dependesse da meia dúzia de universidades de renome, eu nem graduado seria. Teria empacado no mata-burro de um vestibular que estava além da minha capacidade intelectual. Como quase aconteceu com meu amigo.

Ele não passou num vestibular decente porque não era inteligente o suficiente. Pelo menos segundo os pa-drões das provas. Por obra e graça de uma lista de espe-ra, acabou numa faculdade do interior e só foi deslan-char no exterior, porque seu cérebro não cabia aqui. Ho-je é um dos maiores especialistas do mundo em sua á-rea, com recordes de mestrados e doutorados para sua idade.

Tão grande foi sua ascensão acadêmica por lá que no último título conquistado, o reitor cochichou em seu ouvido: — Gostaria de ter o prazer de lhe proporcionar uma home-nagem íntima para a entrega desse título.

Sabe como é, o reitor queria evitar uma cerimônia pública, preocupado com os melindres dos outros dou-tores de lá, que só alcançaram o patamar de meu jovem amigo depois de ganharem cabelos brancos ou perdê-los. Meu amigo aceitou o título, mas não a homenagem.

— Homenagem íntima eu prefiro a de minha esposa. — respondeu educadamente ao reitor.

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Estas são as suas vidas

Primeiro a ideia do e-book era a de transformar o produto de papel em arquivos eletrônicos. Muitos tentaram, muitos fra-cassaram. Era perversa essa tentativa de tirar o livro de mi-nhas mãos, impedir que eu tateasse a textura de suas páginas com os dedos do olhar ou usasse um cartão postal ou uma fo-lha seca para marcar. Até que alguém percebeu que a grande revolução do e-book não está na forma como é publicado, mas no modo como é gerado. Se pesquisas científicas são hoje de-senvolvidas com a ajuda de milhões de computadores pessoais trabalhando conectados em todo o mundo, por que não conec-tar milhões de neurônios não eletrônicos para trabalhar na produção do conhecimento?

Você já deve ter ouvido falar do e-book, tão procla-mado, tão discutido, tão pouco lido. Até agora as tenta-tivas de se passar para o digital o que era impresso funcionou bem para textos de pesquisa, como enciclo-pédias e dicionários, coisas que não costumamos levar para ler no banheiro. Mas as tentativas não pararam aí.

Há quem tente fazer do livro um trabalho interativo, um concerto de quatro a quatrocentas mãos. Alguém começa e outros continuam, numa sequencia que rara-mente chega ao fim. Dos livros assim que encontrei na

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Internet, a maioria permanece em estado de hiberna-ção. Seus leitores também. Casos de sucesso como o da Oficina do Texto, com Ziraldo escrevendo em conjunto com estudantes, ainda são poucos. Neste, o produto final não é um e-book, mas um livro real, impresso, com o nome do autor-mirim dividindo a capa com um autor de renome.

Stephen King foi um que horrorizou o mercado com a ideia de um livro escrito em doses homeopáticas e adquirido pouco a pouco. Quando as vendas atingiam um determinado valor, ele escrevia mais um capítulo, como se estivesse contando histórias em um desses telefones de ficha. Da última vez que tentei ligar para o livro só dava "tu-tu-tu-tu...".

Do lado de baixo do Equador o escritor Mário Prata também enviou suas letras para as páginas virtuais. O romance online intitulado "Os anjos de Badaró" permi-tiu que o público acompanhasse, durante seis meses, o trabalho de criação. Depois os anjos voaram impressos para as livrarias.

Roy Williams não escreve exatamente um livro onli-ne, mas crônicas semanais de publicidade enviadas aos assinantes de seu boletim eletrônico. Depois de sele-cionadas, reunidas e editadas, se transformam em vo-lumes repletos da sapiência do "Mago da Publicidade", apelido presente nos quatro títulos publicados até aqui.

Eu mesmo utilizei esta fórmula em meus livros "Crônicas de uma Internet de Verão", "Receitas de Grandes Negócios", "Gestão de Mudanças em Tempos de Oportuni-dades" e "Marketing Tutti-Frutti". Agora o volume que você tem em mãos mostra que a fórmula tem funciona-

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do. O protótipo é eletrônico e virtual. O produto final, depois de revisado, atualizado e contextualizado sai da gráfica para cumprir o seu papel.

Os livros de Luís Fernando Veríssimo, que teimam em ficar nas primeiras posições na lista dos mais ven-didos, também são coletâneas de crônicas, publicadas originalmente não na Internet, mas na imprensa con-vencional. São muito parecidos com meus livros, mas a similaridade está apenas no fato de também serem fei-tos de papel. A diferença? Bem, ele é o Veríssimo, filho do Érico e tudo mais. Eu não. Mas minha mãe apostava que eu seria escritor e sempre gostou de minhas crôni-cas.

Será que existe alguma outra maneira de se escrever um livro usando a Internet. Sim, uma que ajuda a tur-binar a inspiração. Descobri isso em um debate online envolvendo algumas centenas de pessoas que, durante uma semana, me bombardearam com perguntas sobre o tema de meu livro, "Gestão de Mudanças". Para res-ponder à demanda, em cinco dias úteis gerei um volu-me de textos quase igual ao número de laudas do livro citado.

Este modo de escrever tem tudo a ver com o próprio cenário de mudanças no qual tentamos nos equilibrar. A velocidade do mercado exige que profissionais e empresas reajam rapidamente, movidos pelos estímu-los que chegam a cada minuto principalmente via In-ternet. É assim para quem vende, é assim para quem fabrica, e deve ser assim para quem trabalha.

Normalmente caímos na vida profissional trazendo uma formação acadêmica baseada num mercado que era, ou que a universidade espera que seja. Acabamos

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nos sentindo desclassificados ao ler os classificados. Saímos de uma escola que avaliava nossa capacidade de resolver problemas segundo suas respostas de gaba-rito, para atuar num mercado que só nos dá os proble-mas e nenhum gabarito. As respostas? É para criá-las que somos contratados. Elas ainda não existem.

Para um contato maior com a realidade, nossos mes-tres apresentavam casos de empresas centenárias que, descobrimos depois, já não são referência na absorção de novos profissionais. Até sua identidade corporativa ficou abalada, tantas foram as fusões, alianças e tercei-rizações. Seus funcionários vivem trocando de empresa sem sequer saírem da mesa.

Aí descobrimos que já não basta um aspirante a pro-fissional se formar. É preciso se transformar, continu-amente, estimulado pela demanda de soluções para as questões formuladas pelo mercado. Como as de meu debate online, que iam chegando à minha caixa postal, enquanto eu tentava responder e equilibrar, com todas as outras mãos, os pratos que giravam nas varetas das minhas diversas atividades. Que agora ganha mais uma.

A de escrever um livro com o material que acabei gerando pelo estímulo criado por aquele grupo que durante alguns dias estimulou meus neurônios com seus questionamentos. Foi um período magnífico de interação com dezenas de pessoas que, perplexas, vi-vem dentro de um videogame profissional passando constantemente de fase.

Nesse ambiente de mudanças precisam gerenciar mais de uma vida profissional, evitar ameaças e agar-

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rar oportunidades. Ainda não pensei num título para o livro que resultar disso. "Estas são as suas vidas"? Tal-vez. Porque na carreira, como no videogame, precisa-mos acumular vidas extras para manter em alta nossa empregabilidade. E passar de fase.

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Livro-bomba

Desde a invenção da gripe, nunca existiu um poder maior do que o das pessoas influenciando outras pessoas. A rapidez do contato e contágio humano é impressionante e as epidemias estão aí para provar isso. Nosso criativo e perverso mundo moderno introduziu melhorias no projeto e hoje temos ver-sões high-tech do contágio viral que, ao invés de produzirem espirros, explodem. O terror conseguiu esconder sob a roupa de alguém ou em um objeto comum um poder destruidor que pode afetar muita gente. Felizmente também existe a explosão para o bem, aquela que permite a um profissional ou empresa contagiar outros com sua marca na mesma velocidade de uma epidemia. E sem o inconveniente de um nariz escorren-do.

De homem-bomba você está cansado de ouvir falar. Basta ligar a TV, abrir o jornal, sintonizar a rádio ou in-ternetar, e ele está lá. Ou estava, já que às vezes não so-bra nem o DNA. Mas o email que recebi falava de outro tipo de atentado: o livro-bomba.

Não falo do livro oco, que esconde algum artefato em compartimento entalhado. Falo de algo com mais de duas pernas de mobilidade, muitos megatons de capa-cidade e uma contaminação que desafia os séculos este-

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rilizados pela radioatividade. Uma bomba igual à que eu tinha na mala, quando fui barrado no aeroporto.

O oficial da alfândega de Lisboa desconfiou do livro e me segurou. A velha Bíblia companheira foi tirada da mala com o cuidado de quem manuseia TNT. Achou que tinha uma bomba ali. Tinha uma bomba ali, mas não achou.

Páginas gastas de anotações foram reviradas, a capa examinada, mas nenhum compartimento secreto encon-trado. Enquanto isso, eu permanecia agachado. Não de medo da explosão, mas para catar os bilhetes, anotações e um marca-páginas que insistia em ficar colado no chão.

Apesar da revista no livro, o oficial português não achou o que estava escondido entre as capas: o poder estava na página impressa. Não leu, não percebeu.

Nem toda a tecnologia bélica conseguiu superar o poder detonante da palavra impressa. Suas explosões são as de maior poder e consequências mais duradou-ras. Foi dos livros que nossa civilização recebeu tanto a plástica como a cicatriz. Tudo começa na escrita, útero das seminais ideias De pensamentos anotados, diários, livros, jornais e roteiros dramatizados. Na classe dos explosivos de efeito rápido está a imprensa.

Até homens-bomba precisam dela para explodir. Vi isso na guerra do Iraque, quando a quantidade de ho-mens-bomba-hora diminuiu. Com todas as rotativas dos principais jornais do mundo de costas para a Palestina e apontadas para o Iraque, nem o mais radical e sanguiná-rio homem-bomba iria queimar pavio sem cobertura da

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mídia. Quem se atrevesse não passaria de homem-traque. Ninguém daria atenção.

Empresas também podem criar suas bombas e explo-dir no noticiário. O email que recebi falava de uma bom-ba assim, um atentado literário cuja segunda intenção foi chamar a atenção da mídia. Era uma convocação pa-ra celebrar o 11 de Setembro derrubando torres mais altas do que as do World Trade Center. As torres da iletrada ignorância.

O mentor desse ataque não era Osama Bin Laden, mas um obscuro funcionário de uma obscura empresa de desenvolvimento de um obscuro software. Todos deixam o obscurantismo quando conseguem explodir sua marca no noticiário internacional. De graça e com uma legião de simpatizantes trabalhando para eles. De graça também.

A sacada foi criar um site na Internet chamado book-crossing.com e dar pernas aos livros. O sistema é simples. Entrar lá, registrar um livro que você quiser doar, im-primir uma etiqueta com instruções e colar na capa. A etiqueta ensina como o próximo proprietário do livro deve proceder. Próximo proprietário?

Sim, o que pegar o livro que você abandonará num lugar público. As instruções mandam que ele visite o site para registrar onde achou e pretende abandonar o livro depois de ler. Esse livro andante vira parte de uma biblioteca errante, circulante e contagiante. Todos pe-gando, lendo e passando adiante. Se o livro for do Mario Persona, melhor ainda. A corrente fica mais rápida por-que ninguém irá querer morrer com o Mico.

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Ao invés de semear a desgraça, o livro-bomba promo-ve a empresa de graça e ainda concede a ela muito mais do que os quinze minutos de fama prometidos por Andy Warhol para cada cidadão. E de lambuja ainda faz uma obra social de inclusão de muitas pessoas que nun-ca pegaram um livro na mão — gente que, de cultura, só tem a de bactérias.

Enquanto isso, milhares de simpatizantes vão espa-lhando a notícia num boca-a-boca que não é beijo, mas que também não economiza saliva. É a publicidade, a divulgação voluntária de um exército ávido por um a-tentado cultural que destrua as cidadelas da intolerân-cia. Hein? Não, cidadela não é uma cidade-mirim. Sugiro que procure um dicionário-bomba no banco da praça mais próxima...

Acho que vou criar algo semelhante do lado de cá do Equador. Só que, em lugar do livro, vou usar o guarda-chuva circulante. Ao invés de bookcrossing.com algo do tipo umbrellacrossing.com. Acredito que o sucesso será maior ainda, porque tem muito mais gente que deixa guarda-chuvas do que livros em lugares públicos. Só não sei se terá o mesmo grau de rotatividade. Com cer-teza você conhece muita gente que já esqueceu um guarda-chuva por aí, mas já ouviu alguém dizer que encontrou um?

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100 anos do cometa Harley

O que as pessoas realmente compram? Se você respondeu produtos e serviços, errou. Não é isso que compramos. Nosso dinheiro vai parar no bolso de quem melhor entender nossos sonhos e anseios. E nossas necessidades, você acrescentaria. Será? Tem muita gente que deixa a necessidade para depois, só para sair montado no sonho da paixão. Maslow falou da motivação gerada pelas diversas necessidades de sua pirâmi-de. Há algo mais. Satisfeitas as necessidades prementes — se-ja a dor de dente ou o emprego decente — existe outro campo a ser explorado. O domínio das frustrações de quem já tem de tudo e vive frustrado por ter deixado de sonhar. Aí alguém aparece com algum anti-frustrante e descongestionante do coração. A paixão brota e o coração volta a bater. "Tu-tu-tu-tu-tu".

Há cem anos aparecia um cometa. Não estou falando do Halley, que veio do espaço, mas da Harley, que criou um espaço. Um espaço permanente na mente de jovens que sonhavam com a liberdade do vento cantando nos ouvidos. Acompanhado de um contra-baixo, o motor possante e pulsante fazendo um "tu-tu-tu-tu-tu" que subia de entre as pernas até o coração. Mas será que a Harley-Davidson é a melhor motocicleta à venda?

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Eu não entendo nada de motocicletas, mas ouvi da boca de entusiastas apaixonados que não. Alguns eu conheci quando parei num posto da Rodovia dos Ban-deirantes para um café. Eram três, cada um com sua moto, uma alemã e duas japonesas. Pediram se eu podia bater uma foto do trio. Disse que sim.

O menos grisalho me entregou a câmera, mostrou onde eu devia ficar e correu posar. Pelo visor enxerguei os três seminovos ao lado de suas máquinas novas, ves-tindo de orgulho seus macacões de couro, botas de cou-ro, luvas de couro e sorrisos de ouro. Por onde andari-am os netos?

— Tem alguma Harley aí? — perguntei, sabendo que não tinha. Puxei conversa enquanto puxava um cartão. — Sou palestrante e costumo falar da estratégia de marketing da Harley em minhas palestras — continuei, disparando meu institucional.

Sabe como é, três grisalhos passeando com motos caras em horário de trabalho, bem podem ser empresá-rios. Clientes em potencial. Percebi que tinha pressiona-do a tecla da paixão. Eu sabia que mesmo que eles não pressionassem o selim de uma Harley sob o fundilho, devia existir uma fazendo pressão com seu "tu-tu-tu-tu-tu" lá dentro do coração. Acertei.

Minha conversa devolveu anos de vida e entusiasmo aos três jovens anciãos, que passaram a explicar que não tinham Harley porque não era a melhor máquina. Mas o brilho nos olhos denunciava que era o melhor mito. Um deles teve a máquina e o mito. Tinha saudades mais do mito do que da máquina. E do "tu-tu-tu-tu-tu".

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Nascida numa empresa de garagem, a Harley-Davidson deu seus primeiros passos nas corridas em estradas e no exército americano. Sua imagem foi asso-ciada à liberdade nas décadas de cinquenta e sessenta. Gangues como os Hell's Angels e filmes como "The Wild Ones", com Marlon Brando, e Easy Rider, com Peter Fonda, ajudaram a sedimentar a imagem rebelde. En-quanto isso, a Honda anunciava: "You meet the nicest people on a Honda". Ser cheiroso e comportado parecia então a alternativa politicamente correta para o suado empoeirado de colete cavado montado numa Harley.

Enquanto as comportadas japonesas venciam a corri-da do mercado uma agonizante Harley suspirava seus últimos "tu-tu-tu-tu-tu". Foi quando os funcionários assumiram a empresa para resgatar o sonho. Mas será que alguém queria sonhar um sonho antigo? Muita gen-te.

Toda a geração que em criança sonhava ser um misto de mocinho e bad guy, sempre quis pilotar uma Harley, para o horror dos pais. Mas agora quem sonhou viajar vestido de couro, com um lenço amarrado na testa e uma tatuagem no braço, já podia contar o vil metal. Quarentão como nossos pais. Era hora de abrir o baú das frustrações de paixões reprimidas e acelerar: "tu-tu-tu-tu-tu".

Exumar o cadáver de um design quarentão foi a es-tratégia proposital da Harley para seu novo posiciona-mento radical. Como resposta ao design futurista das japonesas, o lema passou a ser: se as japonesas virarem o guidão para a direita, nós viramos para a esquerda. Hoje as japonesas desenterram uma linha de design quaren-tão, mas será que finados projetos orientais fazem o

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mesmo "tu-tu-tu-tu-tu"? Não. No máximo, um "tchu-tchu-tchu" meio chocho.

A ressurreição da Harley permitiu ao cidadão quaren-tão, que trabalhava o dia todo atrás de uma mesa, vesti-do numa camisa branca e preso à coleira da gravata, realizar seu sonho. A realidade agora ele podia comprar. O "tu-tu-tu-tu-tu" vinha de graça.

Desde então uma metamorfose ocorre nos finais de semana em todo o mundo. Qual um Hulk, que não é verde porque é maduro, o comportado bancário se veste de couro preto com todos os ilhoses de um bad guy. A-marra um lenço na testa, cola uma tatuagem de chiclete no braço e sai estrada afora. Fazendo "tu-tu-tu-tu-tu" e fingindo cara de mau.

Se a Harley-Davidson tivesse feito uma pesquisa de mercado, o público teria preferido os desenhos futuris-tas e a tecnologia avançada das japonesas. Pesquisas de mercado costumam sondar a razão. A Harley-Davidson deu a volta por cima porque pesquisou o coração. E a-certou na paixão.

A marca alcançou quase 50% dos norte-americanos equilibrados em duas rodas. Muito mais que os 17% de market share da época em que a empresa se equilibrava fugindo do bico do corvo. O resto pode não trazer uma Harley sob o traseiro e um "tu-tu-tu-tu-tu" entre as per-nas, mas certamente leva uma Harley no desejo do cora-ção.

Desejo da liberdade de viajar na cauda de um cometa, porque é isso que a indústria de motocicletas vende. A sensação que Sonia Carrato descreve em seu poema "In-

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sensatez", que não fala de motocicletas, mas descreve de forma mais bela o que tentei dizer, quando diz:

"Tomada de êxtase e alegria descobri a magia de viajar na cauda de um cometa e a volúpia de dançar ao som do vento..."

...e do "tu-tu-tu-tu-tu" de uma Harley batendo no pei-to, ouso acrescentar.

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Paiêêê... seu cliente chegou!

Antigamente consultores precisavam sair do interior para ir morar nos grandes centros, se quisessem atuar num mercado maior. Hoje muita gente já pode fazer o caminho de volta e, ainda assim, ampliar em muito seu mercado e sua capacidade de atendimento. Pode, mas não é todo mundo que faz. A ig-norância, inaptidão ou resistência às novas tecnologias fecha portas para alguns profissionais jurássicos, deixando as opor-tunidades para uma nova geração de consultores que domina a Internet e suas ferramentas. É claro que isto nos leva a um novo problema — estar conectado demais — e espero since-ramente que este seja o seu problema, pelo menos por en-quanto. Se não for, é porque ainda não entrou na primeira fa-se ou nem pretende entrar. Continua atrás de uma escriva-ninha de imbuia esperando um telefone preto tocar.

Ouvi no rádio um banco anunciar seus serviços usando um diálogo entre um garoto e o Joca, um amigo que deseja falar com seu pai.

Garoto: Agora ele não pode atender, está no banco. Joca: Será que vai demorar? Garoto: Não, ele costuma ser rápido. Joca: Quando ele voltar, peça pra ligar para mim.

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Garoto: Tá bem.

O telefone é desligado e o garoto grita: "Paiêêê... O Joca pediu para você ligar pra ele quando sair do banco!" O pai estava no homebanking.

O que já é comum no dia-a-dia de pessoas e empresas está se tornando comum também na área de consultoria — o consultor vai ao cliente via Internet. A consultoria a distância é hoje uma opção atraente, principalmente para quem deseja um consultor de qualidade sem preci-sar arcar com despesas de viagem, hospedagem e a difi-culdade de agendar uma data conveniente para ambos. Se as reuniões envolverem a presença de outros, a difi-culdade aumenta.

A possibilidade de um consultor otimizar seu tempo atendendo um número maior de clientes começa a revo-lucionar a área da consultoria. Serviços de profissionais de renome, antes só disponíveis para médias e grandes empresas, já podem ser adquiridos por pequenas em-presas, profissionais liberais e até mesmo empreendedo-res com sonhos de seu primeiro negócio.

Além dos serviços pagos, há organizações que ofere-cem consultoria online gratuita, ajudando novos empre-endedores a reduzir as chances de fracasso no negócio. Para quem prefere a informalidade além da gratuidade, existem as listas de discussão ou fóruns de negócios es-palhados pela Internet, excelentes oportunidades de consultoria informal.

A ferramenta mais popular para a consultoria a dis-tância continua sendo o telefone, mas o custo das cha-madas de longa distância pode inviabilizar o serviço. A alternativa é usar serviços de voz sobre IP, alguns gra-

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tuitos, que reduzem substancialmente os custos de tele-fonia. O email é outra ferramenta excelente, por permitir manter um diálogo assíncrono, isto é, sem que os envol-vidos precisem estar simultaneamente disponíveis para o contato. O email é a ferramenta do diálogo de conveni-ência.

Ao sistema de telefonia é possível também associar o apoio de um chat para redigir com clareza informações como valores, porcentagens ou endereços. Para comple-tar, há programas para apresentações gráficas, além da já popular webcam e vídeos para Web. Numa escala mais avançada, pode-se optar pelo uso de um sistema de vi-deoconferência, porém alguns exigem equipamentos mais sofisticados e linhas dedicadas para ambas extre-midades.

Uma das recentes adições à lista de ferramentas para consultoria via Internet são os blogs, sistemas de diário na Web que permitem reuniões de trabalho dentro de um ambiente de acesso privado, criando ao mesmo tempo um arquivo do que foi tratado para referência futura. Além destas ferramentas mais populares, exis-tem sistemas comerciais que incluem estas e outras pos-sibilidades de comunicação.

Tudo isso abre um campo novo para consultores, principalmente para aqueles que residem fora dos gran-des centros e antigamente estavam impossibilitados de ampliar sua área de atendimento devido aos altos custos com viagens, hotéis e tempo perdido entre um trabalho e outro. Agora já não importa se você mora no Oiapo-que ou Chui. No conforto de seu home-office, tomando açaí ou chimarrão, você poderá ouvir seu filho gritar do micro: "Paiêêê... seu cliente chegou! Olha ele aqui no Skype."

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É evidente que, para isso, o profissional precisa mu-dar seus processos, adotar uma nova forma de trabalhar e eliminar alguns procedimentos. Para não acontecer como aconteceu com o dono de uma pizzaria que colo-cou suas pizzas à venda pela Internet e não vendeu. A causa do fracasso? Apesar da Internet estar então só começando, não faltaram pedidos. Só que o proprietário continuou usando o mesmo procedimento adotado para os pedidos por telefone: ligava de volta para confirmar. Como só encontrava linhas ocupadas, acabou desistindo e encerrou seu atendimento virtual. Só não passou pela sua cabeça que quem pedia via Internet estava usando a mesma linha para se conectar.

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"Hello, Houston... ready for going home!"

Originalidade não tem preço. E às vezes não tem custo tam-bém, quando acompanhada de criatividade e inovação. Tem muito profissional por aí querendo ser a última bolacha do pacote ao tentar imitar grandes empresas, se espelhar em grandes personagens da vida empresarial ou se municiar de mais diplomas do que a parede do escritório pode aguentar Tudo muito bom, tudo muito válido, mas tudo muito inútil se não existir inovação, criatividade e singularidade da ima-gem e da proposta. Todos os expoentes do mundo dos negó-cios chegaram ali porque um dia foram diferentes, pensaram criativamente e correram riscos ao saírem fora da zona de conforto e segurança do status quo vigente.

No estande de nossa escola o clima era de desolação. Competição desleal, desigual, do outro mundo. Quem iria ligar para as toscas experiências de alguns ginasiais quan-do podia encher os olhos com a maior atração da feira e de toda uma época? Ao lado do estande da escola, a exposi-ção do consulado norte-americano orgulhosamente apre-sentava um exemplar de pedra da Lua, trazida pelos as-tronautas da Apollo na volta para casa.

Era o início da década de setenta e estávamos numa feira científica e industrial em minha cidade. Com a euforia

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causada pela conquista da Lua, nossos tubos de ensaio e experiências elétricas com lâmpadas e pilhas de lanterna compradas no armazém da esquina não eram páreo para a pedrinha negra, que viajou quase meio milhão de quilô-metros ao custo de bilhões de dólares gastos com a corrida espacial.

A enorme fila de curiosos refletia no vidro à prova de balas que protegia a pedra, cercada por policiais fortemen-te armados. Com tanto dinheiro, organização e poder en-volvidos, quem iria se interessar pelas soluções caseiras de meia dúzia de alunos de uma escola do interior?

A ideia de que o caseiro é sinônimo de inferior sempre esteve arraigada em nossa mente. Até a goiabada marca "Peixe" que comi nos EUA pareceu mais gostosa, só por-que lá era importada. Isso está mudando. Começamos a buscar por exclusividade, saúde e qualidade de vida. Aí o "feito à mão", a "comida caseira" e a "pamonha fresquinha de Piracicaba, feita com o puro creme do milho" viram slogans de confiança por conta da proximidade e familiaridade.

Mas a desconfiança ainda existe quando o assunto é serviço profissional. Uma amiga arquiteta se queixa de oportunidades perdidas quando os clientes descobrem que seu escritório é em casa. Um amigo, consultor, acha que perderá seus clientes, se fechar a sala comercial, que vive fechada e nunca recebeu ninguém, para partir para o modo home-office. Será preconceito?

Quando produtividade, otimização de recursos e qua-lidade de vida passaram a fazer parte do vocabulário em-presarial, muitos começaram a enxergar o teletrabalho como uma opção inteligente. É claro que há profissões que não devem ser exercidas no lar. Carcereiro, por exemplo.

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De um modo ou de outro, hoje todo mundo já faz ao menos parte de seu trabalho em casa, quando leva algum relatório para ler ou uma proposta para digitar. Com o email, até esse leva-e-traz empresa-casa-empresa ficou vir-tual. É o tele do trabalho.

O home-office ganha prestígio na mente de pessoas e empresas que descobrem que é uma alternativa inteligente — dá melhores resultados com um gasto menor de tempo e dinheiro. Nos Estados Unidos e Europa a prática é pres-tigiada e bastante difundida. Por aqui, o noticiário tem se ocupado mais com o jail office, a modalidade de home-office que permite controlar toda uma organização a partir de uma cela comum de presídio.

Quando passei a me dedicar ao meu próprio negócio de consultoria, palestras e treinamentos a primeira providên-cia foi alugar um escritório. Mas continuei trabalhando em casa e meses depois ainda não tinha arranjado nem o tem-po e nem a vontade para mudar. Paguei a multa na imobi-liária, devolvi as chaves do imóvel e continuei em meu bem montado home-office.

Para quem viaja, não faz muita diferença. Com meu notebook, celular e Internet, transformo o quarto de hotel em escritório. Os clientes chegam via Internet e se comuni-cam por email ou por telefone, cujo atendimento é terceiri-zado e minha secretária me encontra onde quer que eu esteja. Para todos os efeitos, trabalho sempre na sala virtu-al ao lado.

É claro que algumas pessoas continuarão avaliando o profissional e seus serviços mais pelo montante investido em instalações do que pela capacidade craniana de suas ações. Geralmente são pessoas resistentes às inovações, que ainda enviam email por fax. Ou pensam que trabalhar

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em casa é só para quem está mais apertado do que São Jorge em lua minguante.

Mas, o que diferencia um negócio hoje — principalmen-te serviços profissionais — é a inteligência e a criatividade, que conseguem otimizar processos e fazer aquilo que a sabedoria popular diz da farinha de mandioca, campeã do Fome Zero: "Esfria o quente, aumenta o pouco, Engana a fome da gente e enche a barriga do caboclo." Foi também com inte-ligência e criatividade que os alunos daquela escola de interior conseguiram roubar a atenção e deixar a pedra lunar em segundo lugar na preferência popular.

Do lado de fora da exposição, trabalhadores abriam um buraco na rua pavimentada de velhos paralelepípedos, quando um aluno tropeçou na pedra solta de uma ideia genial. Ele correu de volta para o estande levando o para-lelepípedo que foi logo colocado dentro de uma grande caixa de papelão. Revestida de papel alumínio, e apenas com um furo do tamanho de uma moeda, aquela se trans-formou na principal atração do recinto. A fila para espiar pelo buraquinho ultrapassou a fila da pedra da Lua.

Quem olhava pelo orifício via apenas um grande para-lelepípedo iluminado por uma luz verde, mas saía satisfei-to e rindo. O segredo do sucesso ficava por conta do cartaz colocado sobre a caixa, que dizia em letras trêmulas:

"PEDLA DA LUA DO CEBOLINHA".

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Posso fazer uma pergunta?

Oliver Wendell Holmes, médico e autor que viveu no século 19, escreveu que "falar é território do conhecimento e ouvir é privilégio da sabedoria". Quando sabemos, falamos. Quando queremos aprender, ouvimos. Não poderia ser diferente em um processo de venda que tem por objetivo aprender necessi-dades, anseios e desejos, satisfazendo isso tudo com benefí-cios. Mas como saber que benefícios são esses se você não es-cutar o que o seu cliente tem a dizer? Quando as vendas dei-xam de ter foco na transação para focar o relacionamento, a comunicação deixa de ter um papel de argumentação para se transformar em aconselhamento. E ninguém vai querer ouvir conselhos se antes não se certificar de que seu interlocutor é sábio. A técnica para isso você encontra na própria Bíblia: "Até o tolo, quando se cala, é reputado por sábio; e o que cer-ra os seus lábios é tido por entendido." Provérbios 17:28.

Há alguns anos, descobri que era surdo. Hein? Não, nem tanto. Foi num exame médico para ser admitido numa empresa. Daqueles em que você fica numa cabine à prova de som e aperta um botãozinho sempre que escuta um apito nos fones de ouvidos.

O quê? Ah, sim, a perda é em ambos os ouvidos, mas muito pequena. Nada sério. Só não consigo perceber as

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frequências muito altas. Maitê Proença? Ah, entendi. Não, não é de nascença. Deve ter sido de tanto ficar fe-chado numa garagem amaciando motores de aeromode-los na adolescência. Esta pequena deficiência tem suas vantagens, como ouvir a música do rádio com menos chiado ou continuar achando que está novo aquele LP que as crianças gostavam de tocar.

Em meus treinamentos de comunicação e marketing em negociação e vendas costumo frisar a importância de se ouvir o cliente. É aí que a venda começa, não na ofer-ta do produto ou serviço. Parece algo simples, mas não é. Nem todo profissional de vendas está preparado para isso. Você ouviu o que eu disse? Então procure se lem-brar de sua última venda. Quem falou mais?

Neil Rackham foi um dos criadores da estratégia SPIN, iniciais de Situation, Problem, Implication e Need Pay-Off. Resumindo, trata-se de uma estratégia de ven-das em que você procura identificar a situação e os pro-blemas de seu cliente, descobrir as implicações que eles trazem, e o benefício esperado para aquela necessidade.

Para criar sua estratégia, Rackham usou os dados obtidos numa pesquisa patrocinada pela IBM e Xerox, a qual revelou que, num universo de trinta e cinco mil contatos de vendas, na maioria dos que foram bem-sucedidos, quem mais falou foi o cliente. Psiu! Desculpe, eu sei que você tem algo a dizer a respeito, mas espere até eu terminar.

Temos séculos de condicionamento que nos fazem acreditar que vender é falar. Não é. Vender é saber administrar uma comunicação de duas vias. Bilateral. De mão dupla. É convidar para dançar e abrir mão

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dos dois pra lá, dois pra cá. É um pra lá e dois pra cá. Isso porque temos dois ouvidos e uma boca, o que equivale dizer que apenas um terço da comunicação deve ser iniciativa nossa. A menos que você fale tam-bém pelos cotovelos, o que amplia isso para três quin-tos.

Aí sugiro que esteja sempre de mangas compridas ou cotoveleiras durante uma venda. Deve ser por isso que um amigo, vendedor, dizia que vender é colocar os cotovelos na mesa. Não sei se a técnica pode ser usada também para a boca.

Mas na hora de usar o 1/3 de seu direito de se co-municar numa venda, você fala o quê? Oras, fale o que for relevante, desde que termine sempre com um ponto de interrogação. Exatamente, aquele que é pare-cido com um gancho. Em meu teclado fica no canto direito inferior. Pare um pouco e olhe para ele.

Viu? Então você já entendeu. O gancho! É assim que se vende, perguntando. Deixando o cliente pegar o gancho. Com quê se parece o ponto de interrogação? Isso mesmo, com um anzol. Já tentou pescar com an-zol reto? O ponto de interrogação é o anzol que irá fisgar seu cliente numa conversação e induzi-lo a fa-lar. Enquanto você fica quietinho para não espantar o peixe.

Se os anzóis interrogativos forem adornados com perguntas-isca bem elaboradas, seu cliente ficará bo-quiaberto com sua profundidade. Mantenha-o boqui-aberto enquanto você extrai mais informações para formar um quadro completo das necessidades. Nada de tentar arrastá-lo com argumentos para comprar uma característica de seu produto que ele não quer.

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Ficar papagaiando características de produto é o me-lhor meio de deixar seu cliente surdo como uma porta, a mesma que seu papo acaba de fechar.

A oferta dos benefícios de seu produto ou serviço deve acontecer naturalmente, como uma reação à sú-plica de seu cliente. Nesse ponto é ele quem passa a usar o ponto de interrogação. Se for um cliente espa-nhol, vai usar dois pontos de interrogação, um deles de cabeça para baixo. Mas isso não significa que com-prará em dobro.

É claro que as perguntas que sua boca irá fazer não devem partir da garganta, mas do cérebro. Podem ser perguntas fechadas ou abertas. As primeiras costu-mam gerar respostas pontuais como sim, não, hoje, a-manhã, frio, quente etc. As outras criam oportunidades para o cliente se abrir, falar mais, revelar o que está pensando ou sentindo. Coloque-se no lugar do médico que tenta descobrir onde dói na hora de perguntar.

Definitivamente, saber vender não é saber falar. É saber perguntar. As grandes descobertas só foram pos-síveis porque existiram pessoas que fizeram grandes perguntas. E tiveram a paciência de esperar pela respos-ta.

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Quando você começar a pensar que está no topo do mundo, que é senhor do Universo e rei da montanha, é porque andou lendo muitos livros de auto-ajuda. Meu amigo ensaiava dian-te do espelho do banheiro os exercícios que tinha aprendido numa palestra motivacional. Ele gritava para sua imagem: "Você é poderoso, é o maior, é vencedor, é..." Foi quando sua mãe, do lado de fora, o interrompeu perguntando se estava passando mal. Estava. Ninguém é tudo isso na prática e na percepção, mas pode ser muito disso na imaginação. É lá que nascem os sonhos que não necessitam de auto-afirmação. A-penas percepção.

É preto e branco o filme "O Mágico de Oz" de 1939. Mas só no início. Ao chegar à Terra de Oz, o filme e o mundo de Dorothy ficam coloridos e ela viaja numa companhia incomum: um Espantalho sem cérebro, um Homem de Lata sem coração e um Leão sem coragem. Absurdo? Ela nem parece ligar, pois segue cantando:

"Somewhere, over the rainbow, way up high, There is a land that I heard of once in a lullaby"*

* "Em algum lugar acima do arco-íris, bem acima,Há uma terra da qual ouvi falar, numa canção de ninar"

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Onde estaria esse lugar? Roy Williams, codinome "The Wizard of Ads" (alguma semelhança com "The Wizard of Oz"?), escreveu:

"Emoção e intelecto são os dois lados de uma mesma moeda. Conquiste o coração e a mente virá junto. As pessoas só podem ir a lugares onde já estiveram em pensamento. O segredo da persuasão humana é fazer com que as pessoas se imaginem fazendo o que desejam fazer".

Segure isso em um cantinho de sua mente enquanto viajamos até a Alemanha para visitar o Instituto Frau-nhoffer, criador da lipoaspiração de músicas, o popular formato MP3. Trata-se de um processo de compactação de arquivos que elimina os sons que ficam fora da faixa do espectro de onda captada pelo ouvido humano.

Para fazer uma orquestra sinfônica caber em um cava-quinho, é usada também a mesma política discriminató-ria de nosso cérebro, que acolhe uma nota e descarta ou-tra que chegar junto e for parecida. Depois tudo é espre-mido ainda mais, para eliminar redundâncias, usando a compactação de Huffman.

Resumindo, apenas Totó, o cãozinho de Dorothy, seria capaz de lhe dizer que a música no formato MP3 perde muito por tocar apenas sons entre os 20 Hz e 20 kHz, ou menos, que são captados pelo ouvido humano. Totó ouve até 30 kHz e o morcego até 160 kHz. Existe um mundo imenso de sons que você é incapaz de ouvir com sua li-mitada audição.

Se isso não bastasse, do universo de fragrâncias que sensibilizam duzentos milhões de células olfativas do focinho de Totó, só um cheirinho de nada chega aos cinco milhões de células de seu nariz. Comparado ao cão, seu

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olfato não cheira nem fede. E ainda nem falei de sua vi-são noturna do mundo, que enxerga apenas um sexto do que o seu gato vê. Quer que eu acenda a luz?

Qual delas? Seu olho só enxerga a faixa do espectro de radiação do vermelho ao violeta. Somos cegos aos raios gama, raios X, ultravioletas e infravermelhos, além de surdos às microondas e sinais de rádio. E se você acha que essa faixa do espectro já é demais para a cabeça, ima-gine a que é mencionada na Bíblia, quando fala do Deus que "habita na luz inacessível, a Quem nenhum dos homens viu nem pode ver"?

Percebeu que o mundo, como você o conhece, só existe dentro de sua mente, construído pelas poucas informa-ções que seus débeis sentidos conseguem captar? É o mundo que você pode ver, ouvir, cheirar, tocar ou degus-tar. Mas há mais, muito mais, pois vivemos imersos em ondas eletromagnéticas, não muito diferentes das que estão cintilando em seu cérebro agora, esse caminho dou-rado trilhado pelos sapatinhos da Dorothy de sua imagi-nação. É ela quem faz você atravessar os montes, vales e florestas da terra que está além do arco-íris.

É lá que as ideias brotam em volumes oceânicos, antes de serem compactadas em regatos do tamanho de seus limitados sentidos. É também onde seus clientes acalen-tam sonhos, qual canção de ninar, apenas esperando que alguém os desperte para alguma contraparte nem tão colorida — porém tão satisfatória quanto uma música em MP3 — no mundo real.

A campainha que desperta esses sonhos é a palavra. E os realiza também. Antes de ligar para o produto que deseja oferecer, é preciso que você telefone para a mente de seu cliente. É lá que realmente se materializam os de-

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sejos. Só depois ele irá reconhecer o que está bem ali, na sua frente. Ele não quer comprar um carro, mas a liber-dade de ir e vir veloz. Ela não quer comprar um vestido, mas ser linda e charmosa. E os filhos nem pensaram no videogame de chips e plástico quando sonhavam com a conquista do universo.

Para quem você liga, com quem você fala? Para o cé-rebro de seu cliente ou ao seu coração? Em qual dos mundos de Matrix você faz o seu marketing? No cinzento confinamento lógico e racional de um submarino de es-goto ou na colorida atmosfera da imaginação e da emo-ção? Lá é possível voar.

Tudo volta a ser preto e branco — no filme e na vida — quando Dorothy retorna de sua viagem além do arco-íris. Quando ela cai na real, no sensorial, mensurável e ponderável mundo racional. Alguém disse que o univer-so, na falta de sentidos para captar suas cores, texturas, cheiros e sons, é um lugar escuro, frio e silencioso. A rea-lidade é feia demais para alguém se interessar por ela. Não tente vendê-la. Concentre-se nas percepções que as pessoas têm ou querem ter da realidade. Siga os passos da Dorothy, de seus sapatinhos vermelhos saltitando pelo caminho dourado.

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Que medão as pessoas me dão!

Falar em público é um problema que assola muita gente. Po-rém, muito mais gente é assolada por pessoas que não sabem falar em público. Daí a posição de vantagem de quem está no palco em relação aos que sofrem na plateia Vantagem? Bem, só se a sua carreira não dependesse disso, mas depende. Hoje depende e amanhã vai depender ainda mais. Quem não sabe falar, não sabe comunicar suas ideias, não pode liderar. Então ficou fácil. É só aprender a falar em público com um desses cursinhos por aí e tudo está resolvido. Estaria, se não existis-sem os outros. Aqueles que, durante o século que irá durar sua apresentação, estarão implacavelmente analisando você, da sola do sapato ao botãozinho no topo do boné. Gente im-placável. Mas nem tanto quanto você é implacável para con-sigo mesmo.

O mestre de cerimônias anunciou. Chegara a hora. Da primeira fila, medi a distância que me separava do palco. Exatos 86 anos luz. E tinha a escada. Cinco de-graus que subi como se fossem mil, para chegar ao topo do mundo, que girava. Com as quatro mãos ge-ladas de suor, me agarrei ao microfone como o pintor se agarra ao pincel quando a escada cai. Microfone? Para qual voz? Minha língua, que já ocupava quatro

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terços de uma boca seca de dar dó, competia com a garganta transformada em nó.

Será que percebiam meu coração bater no lóbulo da orelha? Ou o barulho da folha de papel que sacudia em minha mão? Os joelhos pararam de tremer, mas só quando as cãibras começaram. Gaguejando dissonante por entre lábios soltos entre bochechas espasmódicas, cumprimentei a plateia E deu um branco total, esse terror que assola 108,47% de uma humanidade que vira uma poça no palco quanto tenta falar em público.

Já passei por tudo isso. Não ao mesmo tempo, mas pelo menos mais de um sintoma por vez. Em minha próxima palestra meu cérebro pode me surpreender com mais alguns desses sintomas, filhotes do inimigo número dois de quem fala em público: o medo. O nú-mero um, normalmente aceito como politicamente correto, é o sentimento de autopiedade sussurrando que você não vai conseguir. Mas, fique tranquilo Você vai.

Se eu, que sou palestrante profissional e treino pes-soas para falar em público, me borro todo, é razoável que você também tenha seus receios. Eliminá-los? Nem pensar. Direcioná-los? É este o segredo. Cavalos mansos são tão fortes quanto os bravios, a diferença é que aprenderam a direcionar sua energia. O segredo de falar em público está em direcionar o medo, a ira, o estresse. Não é nos treinos que o atleta bate seu recor-de. É na hora do vamover, cercado pelo delírio da gale-ra, com adrenalina espirrando pelos poros. Aí ele con-segue se superar.

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Para falar, é preciso preparar. Pesquisar a audiên-cia, o tema, os objetivos. Escrever, rabiscar, treinar, filmar, gravar, tudo vale. Nem pense em decorar os ipsis e litteris de sua apresentação. O branco pega você na primeira curva. É melhor criar um esqueleto de tópicos simples, como as colas que fazia na escola, e deixar o resto acontecer. Transforme os tópicos em apresentação para projeção ou pequenos cartões, tira-dos do bolso com elegância, sem misturar. De cartoli-na, para não denunciar o tremor.

Entre em cena batendo, nunca se desculpando. Sor-ria até pelas axilas, se não for velório. Plante pés sepa-rados por dois pés e encare uma plateia de ninguém atrás da última fila. Os da frente pensarão que o pú-blico é maior e você evitará algum olhar carrancudo. Só depois explore na audiência uma feição benigna. Uma fã, um subordinado bajulador, ou alguém que durma com a cabeça balançando "sim". Isso criará confiança.

7% de sua comunicação será verbal. 38% não-verbal e 55% a simbólica, dizem. A maior porção será aquilo que o público efetivamente ouve, que é diferente do que você diz, já que nem todos irão pensar o mesmo que você pensou quando acharem que você disse a-quilo que não tinha a intenção de dizer. É simples as-sim. Na dúvida entre o verbal e o não-verbal, as pes-soas retêm o último. Diga "para cima" apontando para baixo e irá entender o que quero dizer.

Você não precisa ser artista para falar. Nem para cantar, diria o karaokê. Esqueça a enciclopédia de in-formações. O que fica é o tutano da mensagem, seus sentimentos e emoções. Seja você mesmo, com seus

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temores, suores e tremores. Não se preocupe; até o pavão tem pés horríveis. Reconheça suas fraquezas, mas direcione a adrenalina que elas geram, ou jamais baterá aquele recorde que só se bate em público. O qual não vai bater em você. A torcida torce, mas não estrangula.

Momento crítico é a decolagem. Tanques cheios, motores no máximo, peso demais, pista de menos, pedindo o desastre. Por isso, nos primeiros cinco mi-nutos, pilote dentro de seus domínios. Fale de você, de seus filhos, de seu time, de seu trabalho, de algo que seus cotovelos falariam em piloto automático. Quando atingir uma altitude e atitude seguras, aproe para seu tema em velocidade de cruzeiro. Relaxe.

Deu branco? Simples. Abra um parêntese e fale de algo fora do branco ou enfatize o que acabou de dizer, até a visibilidade voltar. Deixe uma última gota de adrenalina para o pouso, o encerramento. Nessa hora é sempre bom colocar uma pitada de emoção. Mas cuidado, para não fazer um pouso forçado como eu.

Foi numa palestra para gerentes do Banco do Brasil. Filho de funcionário aposentado, falei emocionado de como o banco me acompanhara desde a infância. De minha mãe, que insistia para eu trabalhar no banco como o pai, o que o destino não me reservou. Naquela hora queria ligar para ela, viúva, e dizer que aquilo que ela tanto queria, agora acontecia. Eu trabalhava no banco, pelo menos naquele momento. E foi o que disse à plateia para encerrar. Ou quis dizer. Porque a emoção aflorou, a garganta travou, os olhos se embe-bedaram e ali, na frente de todos, eu chorei.

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Guerra e paz

Muitos estadistas são lembrados por terem começado guer-ras. Um número menor porque as terminaram. Poucos por nunca terem permitido que elas começassem. O segredo de uma boa negociação está com os últimos. Pelo menos na ne-gociação com clientes ou fornecedores, quando a relação nun-ca pode ser de inimizade e guerra, mas de consenso e paz. Negociadores que enxergam o cliente como inimigo podem até vencer a batalha, mas o que ganharem será tão finito quanto um despojo. Mataram a vaca leiteira, degolaram a ga-linha dos ovos de ouro, estouraram a boca do balão. Só não perceberam o quanto vão gastar para laçar outra vaca, caçar outra galinha ou construir outro balão.

O voo seguia tranquilo, o mundo não. Na partida de Belém e na conexão em Brasília diferentes jornais de bordo falavam de guerra e paz com letras iguais. Mundo estranho esse onde todos têm razão. Numa foto, a ex-plosão que soterra. Na outra, o soldado que socorre. A mão que bate é a mesma que afaga. Como pode ser?

Faz parte dessa estranha natureza nossa esse verme-zinho belicoso. Como lata amassada em gôndola de su-permercado, revelo uma queda, a não-conformidade pós-manufatura que faltava no projeto original. Se não

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acredita, ausculte o coração de meu cérebro na hora da-quela fechada no trânsito. Impublicável.

Fui criado do mesmo barro do Éden, atual Iraque. Palco da primeira guerra de Caim contra Abel, que matou um quarto da população de então. Terra de Nin-rod, vulgo "caçador de homens" e hoje nome de míssil, que fundou Babel, torre da discórdia e alicerce de Babi-lônia. A qual Saddam Hussein tentou restaurar com seu nome gravado em milhões de tijolos, feitos do mesmo barro que George Bush e eu.

Negócios não ficam imunes à guerra, principalmente quando confundidos com uma. Mas não devia ser as-sim. Uma transação não é uma invasão, mas uma troca. Sem invasores ou invadidos, vencedores ou vencidos, mortos ou feridos. Apenas pessoas satisfeitas com a chegada a um consenso. Porém somos orgulhosos e in-flexíveis, pois confundimos flexibilidade com fraqueza. Acaso não é pela flexibilidade que se avalia a têmpera do aço?

Negociar é uma arte de cintura, diálogo e táticas, co-mo a análise velada do outro na hora do cumprimento e da tradicional conversa fiada sobre o tempo, quer chova, quer faça sol. Prioridades, flexibilidade e concessões vêm planejadas de casa. Na mesa, local ideal para se negociar por nivelar as partes, é ideal estar em minoria numérica para reduzir a resistência psicológica.

Chegar num batalhão pode impressionar, mas de nada ajuda numa negociação. Além do mais, com muita gente a tiracolo existe sempre o risco de alguém dar nota fora. Sabe como é, depois que você construiu todo um argumento e levou seu interlocutor à beira do fechamen-

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to, vem seu companheiro dá um palpite que desvia, dis-persa e destrói tudo o que foi construído até ali.

O tom da voz, o aperto de mão, o sorriso nervoso, o pomo-de-adão são páginas de um livro aberto para quem sabe ler o corpo. Mas cuidado, pois negociadores profissionais vêm tatuados com um discurso que dissi-mula os mais evidentes intentos e emoções das expres-sões.

Lembro-me da negociação com uma grande emprei-teira. Cavanhaque aparado com régua e compasso para esconder emoções, terno importado para subjugar rea-ções, tudo no oponente era planejado. Se fosse pequeni-ninho eu seria capaz de jurar que estava diante do Ken, o namorado da Barbie, tamanha a perfeição.

O título de vice-presidente no cartão não me impres-sionou. Há empresas onde todo mundo é vice-presidente só para garantir que todas as portas se abram para todos. Até mesmo sua chegada à sala onde seria a negociação foi em grande estilo, e a escolha da cabeceira da mesa emitiu um aviso sutil de que assumia o coman-do. Éramos maioria, jogando em casa, mas a ponto de capitular diante de um único invasor e suas armas de persuasão de última geração.

Levantou-se, para expor a estatura viril, o peito in-chado, os ombros retificados e o maxilar proeminente, e passou a caminhar ao redor da mesa e de todos. Ligeiro e com gestos cirúrgicos, punha e tirava os óculos, irrita-do. Foi fechando o cerco com paradas estratégicas na retaguarda de alguns, quando se apoiava nos ombros de algum gerente com poder de decisão. Com alguém atrás de você apoiado em seus ombros, você decide qualquer coisa só para se ver livre do peso e da saliva que respin-

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ga no cangote. Tudo aquilo era ensaiado, para mostrar sua superioridade e garantir que dominava nosso flanco vulnerável. Nos vergava, o verdugo.

A prepotência das explosões de argumentos ameaça-va demolir a cidadela de nossa defesa, quando estancou à cabeceira. Qual tripé de metralhadora, armou o corpo inclinado, espalmou as mãos separadas sobre a mesa, em sinal de domínio, e disparou em tom letal: — Sem aumento, eu interrompo o fornecimento!

Conhecedor da técnica, rompi o silêncio de três sécu-los que se seguiu e disparei contra o Golias uma estilin-gada verbal: — Eduardo, estou comovido. Você quase me fez chorar.

A gargalhada geral mostrou que tinha sido quebrado o encanto. A maquiagem escorreu, o rebolado se perdeu e sujeito desabou na cadeira do desalento. A partir daí vestimos trajes civis, para negociar sem pressão psicoló-gica ou verborragia teatral.

O consenso do ganha-ganha é sempre a melhor cam-panha. Na paisagem da Saigon de um Vietnã atual, marcas ocidentais encimam os edifícios. Lá você lancha um McDonald's bebendo Coca-Cola e calçando Nike. Tu-do pago com Visa ou American Express, em lugar de ba-las zunindo, chicletes estourando. Fumaça? Deve ser Marlboro. Foi melhor invadir negociando do que atiran-do.

De volta aos jornais de bordo, vi que retratavam ma-nifestações de paz que nada ficavam a dever à guerra. Paz violenta, truculenta e travestida de luz. Como a luz que vi refletir sobre a asa do avião se preparando para

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pousar no aeroporto de Viracopos. Vinha de um imenso balão, desses proibidos, enormes, de derrubar avião, decorado com dezenas de lamparinas formando uma trêmula palavra "PAZ" que passou ligeiro, próximo demais. Longe da guerra, meu avião quase foi derruba-do pela paz.

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Fazendo das circunstâncias um trampolim

As duas piores coisas que um profissional pode fazer é recla-mar e reclamar. Quem conta os sucessos em unidades — quando conta — geralmente conta os fracassos aos pares, dú-zias ou maços. E os culpados? Sempre no plural, são os ou-tros. Quem assim procede, pouco percebe que ao apontar o dedo para uma circunstância nefasta, fica com três apontados para o peito. E o polegar? Oras, o polegar aponta para baixo, como faziam os imperadores na hora de condenar gladiadores pessoais ou circunstanciais que falharam na luta. Sem perce-ber que era para ver o sangue dos que falhavam que o povo a-fluía em manadas. Quero dizer, em grande número.

Um fim de tarde, não em Itapuã, mas na igualmente baiana Costa do Sauípe. Diante de mim, um mar que não tem tamanho sem arco-íris no ar, pois era noite res-pingada de luar. Fechei os olhos para enxergar melhor o vento farfalhando as folhas dos coqueiros, salva de pal-mas que concorria com o ribombar das ondas. No dia seguinte eu falaria de estratégia em vendas a um grupo de empresários. Agora eu não falava, só ouvia.

Logo o jantar seria servido no regaço dos coqueiros, à luz de tochas despenteadas pela brisa que, promovida a vento, começava a desnudar as pernas das mesas ele-

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gantemente vestidas em toalhas de um branco selênico. Garçonetes à baiana rodavam os últimos detalhes en-quanto o branco de suas rendas — que um pouco antes fulgia — agora fugia com a lua velada num turbante de nuvens. Podia chover.

Trezentos comensais de prato na mão ouviram as primeiras gotas tinindo a louça. Não era saliva. A chuva chegou com um furor maior que meu suco gástrico, ca-librado para afogar os peixes da travessa que eu cobiça-va por sobre os ombros de alguém e onde arremessara meu anzol mental. Trezentos convivas, agora improvi-sados atletas, dispararam em busca de novo prêmio: um abrigo.

Assim são as circunstâncias na vida e nos negócios. Como a chuva, não escolhem nem hora nem lugar. Cir-cunstâncias são coisas que não podemos mudar. Imersos nelas, navegamos ao sabor de suas ondas, levados pelo capricho de seus ventos. Marinheiros sabem que não há como evitá-las, pertencem ao mar, são cúmplices por natureza. Mesmo assim navegam por elas, pois não po-dem pará-las nem parar.

Na manhã seguinte, participamos de uma dinâmica de grupo; anotamos numa folha de papel os três princi-pais culpados por nossos fracassos e caminhamos pelo salão. Cada um devia ler os culpados que o outro trazia no peito, só para descobrir que eram iguais aos seus. Se nem todos estavam num mesmo barco, ao menos nave-gavam num mesmo mar, sujeitos às mesmas chuvas, impossíveis de deter ou mudar.

Política econômica, trabalhista, cambial e o escambau. Os culpados de cada um eram as circunstâncias visíveis,

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presumíveis, mas imprevisíveis. Para alguns era o con-corrente, que podia ser o peito bem à sua frente. Outros culpavam o Oriente Médio, o próximo e o distante, além do aquecimento global por seu fracasso local. O culpado de cada um estava no peito, mas não era seu aquele de-feito. Será que culpar as circunstâncias é comum nos negócios? Meu trabalho de consultor parece mostrar que sim.

Se ainda não percebeu, consultor é aquele que cobra para aprender com o cliente. Depois, cobra para criticar e insultar, apontando as falhas de seu negócio. Neste estágio é chamado de "insultor". Finalmente, cobra para dar conselhos, contrariando o dito popular — "se conse-lho fosse bom ninguém dava, vendia". Cobra, cobra, cobra, três vezes! Diferente do médico, cujos símbolos, Esculá-pio e Caduceu, trazem a cobra só uma ou duas vezes, enroladas num bastão. Talvez por cobrar um ou dois terços do que cobra um consultor.

Mas quando o consultor é bom, às vezes é preciso pagar para ver a empresa lucrar. Geralmente descubro que o problema está mais dentro do peito do que apenas colado numa folha terceirizando a culpa. Experimente entrevistar empresários, clientes e funcionários de uma mesma empresa e descobrirá mundos distintos. Mundos que mais parecem os mundos paralelos da ficção cientí-fica. Eles nunca se encontram, mas sempre interferem. É quando as forças ocultas levam a culpa.

Empresa má de gestão é a que não toma um "mea culpa" de meia em meia hora. Abriga-se numa trincheira tão ampla quanto seu umbigo e passa a culpar as cir-cunstâncias. Foi sobre isto que falei ao abrir minha pa-lestra. Diante de olhares atônitos, louvei a chuva, que

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lavou o jantar da noite anterior como um dos pontos altos do evento. Ninguém parecia acreditar que eu fala-va sério. Nem a diretora do evento, cujos olhos se arre-galaram diante de tal afirmação.

Antes que viessem trovoadas, expliquei que a chuva servira de trampolim para uma gestão que não leva em conta as circunstâncias adversas. Mantém a peteca no ar. Ninguém precisou se resignar a um lanche de bolachas ou a uma sopa fria de salvados do naufrágio. Não. An-tes que a chuva parasse, um novo e abrigado jantar já estava servido. A equipe tinha dado um drible nas cir-cunstâncias, um olé no vento e marcado um gol de competência. Exemplo da boa gestão, que ao invés de reclamar do inevitável, age, se refaz, e encontra uma solução. Apesar das circunstâncias.

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Vende-se sucata

O CEO de uma grande empresa pediu que Philip Kotler au-tografasse um livro que guardava há anos. Era a primeira e-dição de 1967 do livro "Administração de Marketing", hoje exaustivamente ampliado, modificado e atualizado ao longo de mais de uma dezena de edições. Kotler só concordou depois de deixar claro que autografava uma antiguidade, não um li-vro de marketing. Boa parte do conteúdo já não fazia sentido, pois muito do que existe hoje — como a Internet — nem se-quer existia. O marketing mudou e continua mudando por-que somos seres mutáveis e adoramos mudar. "Porque nada será como antes, amanhã", este livro não termina aqui, e também não posso garantir que tudo o que leu ainda estará em vigor quando terminar este capítulo.

É madrugada. Se não estivesse vestido num confortá-vel moletom eu diria que estou pensando com meus botões, tentando descobrir se o parafuso solto fica no hemisfério esquerdo ou direito de meu cérebro. Ou, quem sabe, nos dois. Acima de minha cabeça paira uma estrutura metálica com seus parafusos nos devidos luga-res. E ontem vi pernas e pés caminhando sobre mim.

Eram pernas levando pares de olhares curiosos para passear por um teto transparente sobre minha cabeça de

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parafusos soltos. Alguns paravam para fotografar. Ou-tros sorriam e acenavam. Todos tão surpresos quanto eu, que moro agora numa casa de 400 metros quadra-dos, uma incrível gaiola de aço, acrílico, vidro, tecnolo-gia e decoração — muita decoração. Habitação provisó-ria e passageira, como o que eu sou e sei.

Fui escolhido para esse projeto do Salão de Novos Ne-gócios, criado por Lemos Britto. Morar por cinco dias numa Casa Contêiner, construída dentro do pavilhão de exposições. Sete pessoas e seus respectivos parafusos também moram aqui: uma arquiteta, uma designer, uma jornalista, uma estilista de moda, um publicitário, um empresário e um padre, todos teletrabalhadores domés-ticos. Além de nós, quatro jornalistas se revezam no mo-rar e observar a experiência de home-office ou teletraba-lho — hoje três deles são estrangeiros.

A casa é um sonho de tecnologia, arquitetura e deco-ração. Suítes com projetos assinados por grifes famosas circundam uma magnífica sala de estar coroada por um teto transparente em forma de pirâmide. Nem vou falar da cozinha, academia de ginástica, sauna, sala de im-prensa, capela e home theater, ou você pensará que estou exagerando.

Por que participar? Para experimentar o novo, criar referência, ser pioneiro. Não há pagamento, mas conti-nuamos ganhando nosso pão — graças à Internet, pas-samos o dia trabalhando como faríamos em casa. O im-portante é o contexto e a bandeira que empunhamos, de viabilização e valorização do trabalho em casa. Mais inteligente, mais seguro, mais racional para profissões como a minha.

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Mas qual é mesmo a minha profissão? Bem, aqui dentro sou escritor e consultor. Na próxima semana sou palestrante e professor, sem deixar de ser o que hoje sou. Mas não foi para isso que me formei arquite-to, o que hoje não sou. Ou trabalhei dez anos como edi-tor, depois de ser vendedor e negociador, deixando para trás o desenhista e pintor. Antes mesmo do perío-do de agricultor, embora continue tradutor, dia sim, dia não. Mas nunca vou contar que já vendi verduras com uma carroça, pois há quem pense ser isso uma mancha na reputação.

Tom Peters escreveu: "Nunca contrate alguém sem uma aberração em seu background". Obviamente ele não esta-va dizendo que você precisa trazer no currículo algo digno de constar no Guinness, mas sua pena incentiva o profissional a ser diferente, distinto, memorável. Também sugere que ele seja uma marca — trabalhada, melhorada e divulgada de forma dinâmica, mutante, jamais passiva ou acomodada. Que se sobressaia, a-prenda sempre, corra riscos e sonde o insondável. Sem jamais se contentar em viver como náufrago profissio-nal, morando na ilha da especialização.

Quem se dá por contente com o que já faz, fica para trás. Vivemos num mundo de novas profissões, ativi-dades e versões. A atividade mais moderna hoje será amanhã tão velha quanto uma viagem à Lua. É preciso embarcar nela enquanto ainda é ficção. Reciclar, reno-var, recarregar as baterias. Ou até descartá-las, se fica-rem para trás. É o que Wallace deveria ter feito.

Ele era o pai da casa norte-americana onde morei quando adolescente. O programa de intercâmbio esco-lheu um lar para eu morar, mas não previu o meu pé-

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frio: quando cheguei, Wallace perdeu o emprego. Sem abrir mão da hospitalidade, me aturou seis meses sem salário, e mais de um ano depois continuava sem um novo emprego. Seu sustento vinha de três casas de alu-guel e um pequeno negócio de sucatas. O qual, ele de-morou a perceber, tinha tudo a ver com sua especiali-zação.

Wallace era engenheiro elétrico aeroespacial especia-lizado em projetar baterias para funcionar na Lua e trabalhava na indústria que fornecia este equipamento à NASA. Em sua época, um profissional assim era con-siderado mosca branca, antes de sua especialização ficar às moscas. Quando o programa Apollo descarre-gou, Wallace demorou a perceber que dificilmente exis-tiria outra empresa interessada em fabricar baterias espaciais tão especiais. Só conseguiu trabalho quando se livrou da sucata de sua especialização e decidiu ou-sar algo novo. Aí o sol raiou para ele outra vez. Como deve estar raiando agora, fora do pavilhão onde estou hospedado.

Logo esta casa efêmera será invadida por um bata-lhão de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas, caso se repita o que vimos ontem. Quando a notícia aparecer nos jornais, rádio, TV e Internet, é provável que toda essa estrutura já esteja sendo desmontada e boa parte dela seja transformada em sucata, enquanto o conceito sobrevive. Logo agora que eu já estava me acostuman-do com essa vida, sentindo-me seguro e com todos os meus parafusos bem apertados. O jeito é soltar algum e embarcar noutro arrojo, pois há sempre fronteiras para se desbravar. Se no processo sobrar algum parafuso, é

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provável que não passe de sucata. Deixe de lado e em-barque no embalo de Milton Nascimento:

Eu já estou com o pé nessa estrada Qualquer dia a gente se vê

Sei que nada será como antes, amanhã.

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O que é o sucesso para você? E para seus filhos?

Nossa vida é breve demais para errarmos em nosso planeja-mento estratégico. Tudo o que investimos nela pode ser recu-perado, exceto nosso tempo. Só temos a porção que nos foi dada e é com essa porção que iremos determinar se nossa pas-sagem aqui foi um caso de sucesso ou não. As maiores reali-zações das pessoas nem sempre estão nos jornais e na TV. O verdadeiro sucesso é sutil demais para ser público e notório. O que é o sucesso para você?

Em 1998 meu pai mudou-se para o céu. Era ele o Ma-rio Persona original, sem os nomes do meio que divi-dem minha cédula de identidade. Curiosamente, foi quando ele estava aposentado demais para ensinar que me incutiu as mais fundamentais lições. Seus últimos quatro anos de vida foram passados numa cadeira de rodas, vítima de um derrame.

Um idoso inválido e dependente não é exatamente o que chamaríamos de padrão de sucesso em nossa socie-dade. Na mídia que amamenta nossa mente os homens de sucesso são atléticos, não inválidos. Vestem Armani, não pijamas, e nem são calvos como meu pai, mas esvo-

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açam cabelos abundantes em carros conversíveis. Vivem acompanhados de mulheres siliconadas e deslumbrantes, nada parecidas com minha mãe, que fez proezas para cuidar do homem que amava.

A imagem de homem de sucesso que tentam nos ven-der só vale para quem se chama James e tem Bond por sobrenome. Na vida real não há muitos assim. Do lado de cá de Hollywood, somos todos iguais. A barriga a-trapalha, vestimos roupas de liquidação, o carro está longe de ser o do ano e não existe uma versão do Photo-Shop que alise as estrias e celulites em coxas de carne, como fazem com as fotos digitalizadas das revistas. Mesmo assim, num mundo de gente de verdade há quem persiga a ilusão de um sucesso de mentira.

O que é ser bem sucedido? A resposta depende dos padrões que adotamos. John D. Rockefeller respondeu "mais um pouco", quando lhe perguntaram quanto di-nheiro é suficiente para ser feliz. Para os padrões oci-dentais de beleza, ser magra, alta e caminhar como a Gisele Bündchen é o padrão. Adotamos modelos como modelo e tentamos nos modelar por elas. Mas o que nos falta em dinheiro de um Rockefeller nos sobra em barri-ga ou culote, quando nos vemos vestidos em roupa de manequim.

Antes de buscar o sucesso a qualquer custo, é bom definir o que é sucesso para você. Vivemos cercados de ilusões intocáveis: carros que nunca teremos, cruzeiros que nunca navegaremos e mulheres que jamais beijare-mos. O melhor é ter os pés no chão quando a questão for sucesso e fazer um planejamento de longo prazo. Sugi-ro, até, de eterno prazo. Ou você levará uma vida movi-

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da à inveja e desalento. Sonhe seus próprios sonhos, não os que a propaganda lhe mandar sonhar.

A definição de alvos consistentes é pré-requisito para uma carreira de sucesso. Ajuda a evitar que você seja apenas mais um inseto voando rumo ao que dizem ser um sol de oportunidades e não passa de um anúncio de néon. Para meu pai, sucesso não era ficar rico ou ser astro em alguma área, mas apenas trabalhar, cuidar da família e fazer a vontade de Deus. Ele atingiu sua meta.

Uma meta medíocre, diriam alguns. Mas é uma meta muito parecida com a de milhares de mães, pais, profes-sores, garis, operários, funcionários públicos, motoristas, bombeiros, mecânicos, enfermeiras e tantos outros anô-nimos, cujo sucesso está depositado no peito, não na conta bancária. O sucesso não está na quantidade do que você faz, mas no valor daquilo que permanece. Não se preocupe se achar que o que faz é apenas um grão de areia no oceano. As mais belas praias são aquelas for-madas pelos menores grãos.

O sucesso monetário pode não ser um sucesso feliz. "Ganhei muitos milhões, mas eles não me trouxeram felicida-de", disse John D. Rockefeller. Outro milionário, John Jacob Astor, confessou: "Sou o homem mais miserável na face da Terra". Se nunca ouviu falar dele, não se preocu-pe. Apesar de ter sido um bem-sucedido milionário em sua época, só me lembrei de seu nome por causa de sua relação com dois filmes de sucesso. "Titanic", em cujo naufrágio o próprio John Jacob Astor morreu, e "Esque-ceram de Mim 2", que se passa no famoso Waldorf-Astoria, o hotel que construiu antes do naufrágio.

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Fui visitar meu pai com minha cabeça ocupadas com problemas que pareciam ser os mais importantes do mundo.

— Olá, papai, tudo bem? — cumprimentei em modo automático.

— Tudo ótimo, não poderia ser melhor — foi a resposta que me socou, vinda do que restou de seu corpo encur-vado e disforme.

A lembrança que carrego de meu pai é a de um ho-mem de sucesso. Ele trazia aquela tranquilidade de quem cumpriu sua missão, enquanto eu o observava em sua cadeira de rodas, folheando as páginas amare-ladas de sua Bíblia, o seu "Manual do Sucesso", com a única mão que funcionava e fingindo ler o que a vista já não enxergava. Não sei se meus filhos irão se lem-brar de mim como um homem de sucesso. E os seus, como se lembrarão de você?

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