Martin Buber - Eu e Tu

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BUBER, Martin. Eu e Tu. São Paulo: Centauro, 2006. Eu não experiencio o homem a quem digo Tu. Eu entro em relação com ele no santuário da palavra-princípio. Somente quando saio daí posso experienciá-lo novamente. A experiência é o distanciamento do Tu. (p. 57) Eis a eterna origem da arte: uma forma defronta-se com o homem e anseia tornar-se uma obra por meio dele. Ela não é um produto de seu espírito, mas uma aparição que se lhe apresenta exigindo dele um poder eficaz. (...) Esta ação engloba uma oferta e um risco. Uma oferta: a infinita possibilidade que será imolada no altar da forma. Tudo aquilo que ainda há pouco se mantinha em perspectiva deverá ser eliminado, pois, nada disso poderá penetrar na obra; assim exige a exclusividade própria do “face-a- face”. Um risco: a palavra-princípio não pode ser proferida senão pelo ser em sua totalidade, isto é, aquele que a isso se entrega não deve ocultar nada de si, pois a obra não tolera como a árvore ou o homem, que eu descanse entrando no mundo do isso. É ela que domina; se eu não servir corretamente ela se desestrutura ou ela me desestrutura. Eu não posso experienciar ou descrever a forma que vem ao meu encontro; só posso atualizá-la. (p. 58) Na medida em que o homem se satisfaz com as coisas que experiência e utiliza, ele vive no passado e seu instante é privado de presença. (p. 60) O Tu se revela, no espaço, mais precisamente, no face-a-face exclusivo no qual tudo o mais aparece como cenário, a partir do qual ele emerge mas que não pode ser nem seu limite nem sua medida. Ele se revela, no tempo, mas no sentido de um evento plenamente realizado, que não é uma simples parte de uma série fixa e bem organizada, mas sim o tempo que se vive em um “instante”, cuja dimensão puramente intensiva não se define senão por ele mesmo. (p. 71) O mundo que assim te aparece não inspira confiança, pois ele se revela cada vez de um modo e, por isso, não podes lembrar-te dele. Ele não é denso, pois nele tudo penetra tudo; ele não tem duração, pois vem sem ser chamado e desaparece quando se tenta retê-lo. Ele é confuso, se tu quiseres esclarecê-lo, ele escapa, se ele não te encontra, se dissipa; ele virá novamente, sem dúvida, mas transformado. Ele não está fora de ti. Ele repousa no âmago de teu ser, de tal modo que, se te referes a ele como “alma de minha alma”, não dizes nada de excessivo. (...) Ele não ajuda a conservar-te em vida, ele dá, porém, o pressentimento da eternidade. (p. 73)

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Fichamento sintético de Eu e Tu, livro de Martin Buber.

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  • BUBER, Martin. Eu e Tu. So Paulo: Centauro, 2006.

    Eu no experiencio o homem a quem digo Tu. Eu entro em relao com ele no

    santurio da palavra-princpio. Somente quando saio da posso experienci-lo

    novamente. A experincia o distanciamento do Tu. (p. 57)

    Eis a eterna origem da arte: uma forma defronta-se com o homem e anseia tornar-se

    uma obra por meio dele. Ela no um produto de seu esprito, mas uma apario que

    se lhe apresenta exigindo dele um poder eficaz. (...) Esta ao engloba uma oferta e

    um risco. Uma oferta: a infinita possibilidade que ser imolada no altar da forma. Tudo

    aquilo que ainda h pouco se mantinha em perspectiva dever ser eliminado, pois,

    nada disso poder penetrar na obra; assim exige a exclusividade prpria do face-a-

    face. Um risco: a palavra-princpio no pode ser proferida seno pelo ser em sua

    totalidade, isto , aquele que a isso se entrega no deve ocultar nada de si, pois a obra

    no tolera como a rvore ou o homem, que eu descanse entrando no mundo do isso.

    ela que domina; se eu no servir corretamente ela se desestrutura ou ela me

    desestrutura. Eu no posso experienciar ou descrever a forma que vem ao meu

    encontro; s posso atualiz-la. (p. 58)

    Na medida em que o homem se satisfaz com as coisas que experincia e utiliza, ele

    vive no passado e seu instante privado de presena. (p. 60)

    O Tu se revela, no espao, mais precisamente, no face-a-face exclusivo no qual tudo o

    mais aparece como cenrio, a partir do qual ele emerge mas que no pode ser nem

    seu limite nem sua medida. Ele se revela, no tempo, mas no sentido de um evento

    plenamente realizado, que no uma simples parte de uma srie fixa e bem

    organizada, mas sim o tempo que se vive em um instante, cuja dimenso puramente

    intensiva no se define seno por ele mesmo. (p. 71)

    O mundo que assim te aparece no inspira confiana, pois ele se revela cada vez de

    um modo e, por isso, no podes lembrar-te dele. Ele no denso, pois nele tudo

    penetra tudo; ele no tem durao, pois vem sem ser chamado e desaparece quando

    se tenta ret-lo. Ele confuso, se tu quiseres esclarec-lo, ele escapa, se ele no te

    encontra, se dissipa; ele vir novamente, sem dvida, mas transformado. Ele no est

    fora de ti. Ele repousa no mago de teu ser, de tal modo que, se te referes a ele como

    alma de minha alma, no dizes nada de excessivo. (...) Ele no ajuda a conservar-te

    em vida, ele d, porm, o pressentimento da eternidade. (p. 73)