Marx, Karl - As Lutas de Classes na França (Boitempo).pdf

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  • Sobre As lutas de classes na FranaCaio Navarro de Toledo

    Publicados originalmente em 1850 na Nova Gazeta Renana, os quatro artigos de Karl Marxsobre a conjuntura poltica e social da Frana no nal dos anos 1840 foram,posteriormente, editados por Friedrich Engels em livro sob o ttulo As lutas de classes naFrana de 1848 a 1850. Juntamente com O 18 de brumrio de Lus Bonaparte (1852) e A guerracivil na Frana (1871), este trabalho se insere entre aqueles que os intrpretesconvencionaram denominar obras histricas de Marx. Em contraposio s leituras queprivilegiam os textos da crtica da economia poltica cientcos e da maturidadeintelectual , deve-se reconhecer que apenas uma concepo positivista concederia sobras histricas um lugar secundrio ou menor no conjunto da produo tericamarxiana. No se pode, anal, desconsiderar que nesses trabalhos se evidenciaria deforma ntida e sistemtica aquilo que distingue e particulariza o marxismo de todas asteorias conhecidas, qual seja a indissocivel relao entre a anlise cientca da realidadehistrica e social e a perspectiva radical e transformadora.

    Comprometido em toda a sua obra com a revoluo social, Marx dedicou ateno especial histria poltica e social da Frana; de um lado, por ter sido esse pas o cenrio da maisimportante revoluo burguesa at ento ocorrida na Europa e, de outro, por possuir amais organizada e revolucionria classe proletria de seu tempo. Escritos por Marx nocalor da hora, os textos de As lutas de classes na Frana no fazem longas digressestericas sobre a noo de determinao em ltima instncia da economia nemelaboram os conceitos de classes e luta de classes, Estado burgus, poder poltico/poderde classe, revoluo social/revoluo poltica, partidos/representao poltica, ideologiaetc. No entanto, j com pleno domnio do mtodo dialtico, Marx mostra como taisnoes sob a perspectiva do materialismo histrico so decisivas para a explicaorigorosa de origens, dinmica, contradies, impasses, crise e derrota da Revoluo de1848.

    As lutas de classes na Frana um livro exemplar, no qual se evidencia o rigor da anlisedialtica da histria; , assim, uma cabal negao do chamado reducionismo eesquematismo atribudos obra de Marx por crticos equivocados de todos os tempos.

  • Copyright da traduo Boitempo Editorial, 2012

    Traduzido dos originais em alemo Karl Marx, Die Klassenkmpfe in Frankreich 1848 bis 1850, em Karl Marx e FriedrichEngels, Werke (Berlim, Dietz, 1960), v. 7, p. 9-107; e Friedrich Engels, Einleitung [zu Karl Marx Klassenkmpfe inFrankreich 1848 bis 1850 (1895)], em Karl Marx, Friedrich Engels, Werke (3. ed. Berlim, Dietz, 1972, reimpresso

    inalterada da 1. ed. de 1963), v.22, p. 509-527.

    Coordenao editorialIvana Jinkings

    Editora-assistenteBibiana Leme

    Assistncia editorialPedro Carvalho

    TraduoNlio Schneider

    RevisoLucas de Sena Lima

    CapaLivia Campos

    sobre desenho de Cssio LoredanoProduo

    Livia Campos

    Verso eletrnicaProduo

    Kim DoriaDiagramao

    Schffer

    CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

    M355L

    Marx, Karl, 1818-1883

    As lutas de classes na Frana / Karl Marx ; traduo Nlio Schneider. - 1.ed. - So Paulo : Boitempo, 2012. il. (ColeoMarx-Engels)

    Traduo de: Die klassenkmpfe in Frankreich 1848 bis 1850Contm cronologiaISBN 978-85-7559-294-6

    1. Frana - Poltica e governo. 2. Frana - Condies sociais. 3. Movimentos sociais - Frana. 4. Comunismo. 5.Socialismo. I. Ttulo. II. Srie.

    12-6287.

    30.08.12 06.09.12

    CDD: 335.422CDU: 330.85

    038571

  • vedada, nos termos da lei, a reproduo de qualquerparte deste livro sem a expressa autorizao da editora.

    Este livro atende s normas do acordo ortogrfico em vigor desde janeiro de 2009.

    1a edio: maio de 2011

    BOITEMPO EDITORIALJinkings Editores Associados Ltda.

    Rua Pereira Leite, 37305442-000 So Paulo SP

    Tel./fax: (11) 3875-7250 / 3872-6869editor@boitempoeditorial.com.brwww.boitempoeditorial.com.br

  • SUMRIO

    Capa

    Sobre As lutas de classes na Frana

    Crditos

    Sumrio

    Nota da editora

    Prefcio

    Introduo

    1. A derrota de junho de 1848

    2. O dia 13 de junho de 1849

    3. Decorrncias do 13 de junho de 1849

    4. A revogao do sufrgio universal em 1850

    ndice onomstico

    Cronologia resumida de Marx e Engels

    E-books da Boitempo Editorial

  • NOTA DA EDITORA

    O volume que a Boitempo agora apresenta a seus leitores, o 15o da coleo Marx-Engels, foi publicado por Karl Marx pela primeira vez em 1850, como srie de artigos naNeue Rheinische Zeitung [Nova Gazeta Renana] de Hamburgo, com o ttulo 1848 a 1849.No ano de 1895, Friedrich Engels produziu uma nova edio, pstuma, qual deu o ttuloatual, As lutas de classes na Frana de 1848 a 1850 [Die Klassenkmpfe in Frankreich 1848 bis1850], incluindo um prefcio (aqui apresentado entre as pginas 9 e 31) e acrescentandoum quarto captulo, com trechos sobre a Frana, da Revue Mai bis Oktober 1850, com ottulo A revogao do sufrgio universal em 1850. A traduo atual baseada nessaedio de 1895, reproduzida em Karl Marx e Friedrich Engels, Werke (v. 7, Berlim, D ie,1960). A introduo de Engels, por sua vez, intitulada originalmente Einleitung [zu KarlMarx Klassenkmpfe in Frankreich 1848 bis 1850 (1895)], tem sua verso em alemopublicada em Karl Marx e Friedrich Engels, Werke (v. 22, 3. ed. Berlim, D ie, 1972,reimpresso inalterada da 1. ed. de 1963). Um detalhe importante do prefcio que otexto teve por base as provas tipogrcas revistas por Engels, por isso aqui soapresentadas tanto a primeira verso quanto a segunda, modicada antes da impresso.No texto, esses trechos so indicados pelo aviso (verso 2) entre parnteses.

    Nos captulos deste livro, Marx faz um balano do movimento revolucionrio francs;analisa um perodo extremamente movimentado da histria e estende-se a experinciasteoricamente importantes da Revoluo de 1848-1849 e seus resultados. Aprofundandosobretudo o desenvolvimento das teorias do Estado e da revoluo, chega aoentendimento fundamental de que a realizao da tarefa histrica da classe trabalhadora impossvel no quadro da repblica burguesa. Alm de demonstrar que a ditadura doproletariado uma fase de transio necessria para a abolio de todas as diferenas declasse, para a recongurao econmica da sociedade e para a construo de uma ordemsocialista, Marx trata detalhadamente da situao e do papel do campesinato,fundamentando a necessidade da aliana entre este e a classe operria.

    Traduzido por Nlio Schneider e com ilustrao de Cssio Loredano na capa, estevolume segue, no geral, os critrios da coleo: as notas de rodap com numeraocontnua so do editor alemo (com ocasionais adaptaes do tradutor). Aquelas com

  • asteriscos podem ser da edio brasileira, quando seguidas de (N. E.); do tradutor,quando seguidas de (N. T.); ou, quando acompanhadas de (N. E. I .), da edio emingls The Class Struggles in France, 1848 to 1850, em Selected Works (v. 1, Moscou,Progress, 1969). Termos escritos originalmente em outras lnguas foram traduzidos nasequncia de sua apario, entre colchetes. Para conhecer os outros livros da coleoMarx-Engels, ver pginas 187 e 188.

    Esta edio traz ainda um ndice onomstico das personagens citadas por Marx (e porEngels, em seu prefcio) e uma cronologia resumida contendo os aspectos maisimportantes da vida e da obra dos dois fundadores do socialismo cientfico.

    setembro de 2012

  • PREFCIO [AO AS LUTAS DE CLASSES NA FRANA DE 1848A 1850, DE KARL MARX (1895)].1

    Friedrich Engels

    Esta obra que agora publicada em nova edio foi a primeira tentativa feita por Marxde explicar, com a ajuda de sua concepo materialista, uma quadra da histriacontempornea a partir da situao econmica dada. No Manifesto Comunista, a teoriafora aplicada, em traos bem gerais, a toda a histria mais recente; nos artigos de Marx emeus para a Nova Gazeta Renana, essa teoria foi continuamente usada para interpretaracontecimentos polticos simultneos. No presente texto, em contraposio, trata-se dedemonstrar o nexo causal interno de um desenvolvimento de muitos anos to crticoquanto tpico para toda a Europa e, portanto, nos termos do autor, de derivar os fatospolticos de efeitos advindos de causas em ltima instncia econmicas.

    Na apreciao de acontecimentos e sries de acontecimentos a partir da histria atual,nunca teremos condies de retroceder at a ltima causa econmica. Mesmo nos dias dehoje, em que a imprensa especializada pertinente fornece material em abundncia, ainda impossvel, inclusive na I nglaterra, acompanhar dia aps dia o passo da indstria e docomrcio no mercado mundial, assim como as mudanas que ocorrem nos mtodos deproduo, de tal maneira que se possa fazer, a todo momento, a sntese desses fatoressumamente intrincados e em constante mudana, at porque os principais delesgeralmente operam por longo tempo ocultos antes de assomar repentina e violentamente superfcie. A viso panormica clara sobre a histria econmica de determinadoperodo nunca ser simultnea, s podendo ser obtida a posteriori, aps a compilao e avericao do material. A estatstica , nesse ponto, recurso auxiliar necessrio, massempre claudica atrs dos acontecimentos. Por isso, tendo em vista a histriacontempornea em curso, seremos muitas vezes forados a tratar como constante, ouseja, como dado e inaltervel para todo o perodo, este que o fator mais decisivo, asaber, a situao econmica que se encontra no incio do perodo em questo; ou entoseremos forados a levar em considerao somente as modicaes dessa situaooriundas dos prprios acontecimentos que se encontram abertamente diante de ns eque, por conseguinte, esto expostos luz do dia. Por isso, nesse ponto, o mtodo

  • materialista com muita frequncia ter de se restringir a derivar os conitos polticos deembates de interesses das classes sociais e fraes de classes resultantes dodesenvolvimento econmico, as quais podem ser encontradas na realidade, e a provarque os partidos polticos individuais so a expresso poltica mais ou menos adequadadessas mesmas classes e fraes de classes.

    bvio que essa negligncia inevitvel das mudanas simultneas da situaoeconmica, da base propriamente dita de todos os processos a serem analisados,necessariamente constitui uma fonte de erros. Porm, todas as condies de umaexposio sumarizadora da histria contempornea inevitavelmente comportam fontesde erro, o que no impede ningum de escrever sobre a histria contempornea.

    Quando Marx empreendeu essa obra, a referida fonte de erros ainda era muito maisinevitvel. Era pura e simplesmente impossvel, durante o perodo revolucionrio de1848-1849, acompanhar as transformaes econmicas que se efetuavamsimultaneamente ou at manter uma viso geral delas. O mesmo se deu durante osprimeiros meses do exlio em Londres, no outono e inverno de 1849-1850. Porm, foijustamente nesse perodo que Marx comeou o trabalho. E, apesar dessas circunstnciasdesfavorveis, o conhecimento preciso que ele tinha tanto da situao econmica daFrana anterior Revoluo de Fevereiro quanto da histria poltica desse pas a partirdesse evento permitiu-lhe apresentar uma descrio dos acontecimentos que revela o seunexo interior de modo at hoje no igualado e que, mais tarde, passou com brilhantismona prova a que o prprio Marx a submeteu.

    A primeira prova decorreu do fato de que, a partir do primeiro semestre de 1850,Marx voltou a encontrar tempo para dedicar-se a estudos econmicos e comeou com ahistria econmica dos ltimos dez anos. Por essa via, ele obteve clareza total, com basenos prprios fatos, sobre o que at ali havia deduzido de modo meio apriorstico baseadoem um material cheio de lacunas, ou seja, que a crise mundial do comrcio de 1847 forapropriamente a me das Revolues de Fevereiro e Maro e que a prosperidadeindustrial, que gradativamente voltara a se instalar em meados de 1848 e que, em 1849 e1850, atingira seu pleno orescimento, constituiu a fora revitalizadora que inspirounovo nimo reao europeia. I sso foi decisivo. Enquanto os trs primeiros artigos(publicados nos cadernos de janeiro, fevereiro e maro na N[euen] Rh[einischen] Z[eitung].Politisch-konomische Revue, Hamburgo, 1850) ainda estavam imbudos da expectativa deuma nova escalada iminente da energia revolucionria, o panorama histrico formuladopor Marx e por mim no ltimo caderno duplo, publicado no outono de 1850 (de maio aoutubro), rompeu de uma vez por todas com tais iluses: Uma nova revoluo s serpossvel na esteira de uma nova crise. Contudo, aquela to certa quanto esta. Essa,porm, foi a nica alterao essencial que precisou ser feita. Absolutamente nada

  • demandou mudana na interpretao dada aos acontecimentos nas sees anterioresnem nos nexos causais estabelecidos nelas, como prova a continuao da narrativa de 10de maro at o outono de 1850 contida na mesma viso panormica. Por essa razo,acolhi tal continuao como quarto artigo na presente reimpresso dos textos.

    A segunda prova foi ainda mais rigorosa. Logo aps o golpe de Estado de LusBonaparte no dia 2 de dezembro de 1851, Marx voltou a processar a histria da Frana defevereiro de 1848 at o referido evento, que conclui temporariamente esse perodorevolucionrio2. Esse opsculo volta a tratar, ainda que de modo mais breve, do perodorelatado em nosso escrito. Compare-se essa segunda descrio, formulada luz doacontecimento decisivo ocorrido mais de um ano depois, e ser possvel constatar que oautor precisou modificar pouca coisa.

    O que confere uma importncia bem especial ao nosso escrito, alm disso, acircunstncia de que ele enuncia pela primeira vez a frmula pela qual um acordo geralde todos os partidos de trabalhadores de todos os pases do mundo resumesucintamente a sua exigncia de uma nova organizao econmica: a apropriao dosmeios de produo pela sociedade. No segundo captulo, a propsito do direito aotrabalho, que caracterizado como a primeira frmula desajeitada, que sintetizava asreivindicaes revolucionrias do proletariado, consta o seguinte: [...] por trs dodireito ao trabalho est o poder sobre o capital, por trs do poder sobre o capital, aapropriao dos meios de produo, seu submetimento classe operria associada, portanto,a supresso do trabalho assalariado, do capital e de sua relao de trocaa. Portanto, aquise encontra formulada pela primeira vez a sentena pela qual o moderno socialismodos trabalhadores se diferencia nitidamente tanto de todos os diferentes matizes dosocialismo feudal, burgus, pequeno-burgus etc. como tambm da confusa comunhode bens do comunismo tanto utpico como natural dos trabalhadores. Quandoposteriormente Marx estendeu a frmula apropriao dos meios de troca, essaampliao, que, alis, segundo o Manifesto Comunista, era bvia, expressou apenas umcorolrio da tese principal. Recentemente algumas pessoas sabidas na I nglaterra aindaacrescentaram que tambm os meios de distribuio deveriam ser repassados sociedade. A situao caria difcil para esses senhores se tivessem de dizer quais soanal esses meios de distribuio econmicos distintos dos meios de produo e dosmeios de troca; a no ser que tenham em mente meios de distribuio polticos, impostos,assistncia aos pobres, incluindo a doao da Floresta da Saxnia e outras doaes. Esses,porm, em primeiro lugar, j so meios de distribuio em poder da totalidade, doEstado ou da comunidade e, em segundo lugar, o que ns queremos justamenteinvalid-los.

  • Quando irrompeu a Revoluo de Fevereiro, todos ns nos encontrvamos, no que serefere s nossas concepes das condies e do curso dos movimentos revolucionrios,sob a inuncia da experincia histrica, principalmente da ocorrida na Frana. Comefeito, justamente ela dominara toda a histria europeia desde 1789 e dela havia partidoagora tambm o sinal para a revoluo geral. Assim, foi bvio e inevitvel que as nossasconcepes a respeito da natureza e do curso da revoluo social proclamada em Paris,em fevereiro de 1848, ou seja, da revoluo do proletariado, estivessem fortementematizadas pelas memrias dos modelos de 1789-1830. E, ento, denitivamente, quandoo levante parisiense teve repercusso nas revoltas vitoriosas de Viena, Milo, Berlim,quando toda a Europa at a fronteira russa foi arrebatada pelo movimento; quando,ento, no ms de junho, foi travada em Paris a primeira grande batalha pela supremaciaentre proletariado e burguesia; quando at mesmo a vitria de sua classe abalou aburguesia de todos os pases a tal ponto que ela voltou a refugiar-se nos braos da reaomonrquico-feudal que acabara de derrubar em vista dessas circunstncias, nopoderamos ter nenhuma dvida de que tivera incio o grande embate decisivo e que eledeveria ser travado num nico perodo revolucionrio longo e cheio de vicissitudes, masque s poderia terminar com a vitria definitiva do proletariado.

    Aps as derrotas de 1849, de modo algum compartilhvamos as iluses dademocracia vulgar agrupada in partibus em torno dos futuros governos provisrios. Estescontavam com uma vitria para breve, uma vitria de uma vez por todas do povocontra os opressores; ns contvamos com uma luta longa, aps a eliminao dosopressores, entre os elementos antagnicos que se escondem justamente dentro dessepovo. A democracia vulgar esperava que uma irrupo renovada ocorresse de um diapara outro; ns declaramos, j no outono de 1850, que pelo menos a primeira etapa doperodo revolucionrio estaria concluda e nada se poderia esperar at que eclodisse umanova crise econmica mundial. Por essa razo, fomos inclusive proscritos como traidoresda revoluo pelas mesmas pessoas que mais tarde, sem exceo, rmaram a paz comBismarck na medida em que Bismarck julgou que valesse a pena.

    Porm, a histria no deu razo nem a ns, desmascarando a nossa viso de entocomo uma iluso. Ela foi ainda mais longe: no s destruiu o nosso equvoco de ento,mas tambm revolucionou totalmente todas as condies sob as quais o proletariado temde lutar. Hoje as formas de luta de 1848 so antiquadas em todos os aspectos, e esse umponto que merece ser analisado mais detidamente na oportunidade que aqui se oferece.

    Todas as revolues desembocaram no afastamento de determinado domnioclassista por outro; porm, todas as classes dominantes at aqui sempre constituram

  • pequenas minorias diante da massa dominada da populao. Assim, uma minoriadominante foi derrubada e outra minoria tomou o leme do Estado e remodelou asinstituies deste de acordo com os seus interesses. Tratava-se, em cada caso, do grupominoritrio que foi capacitado e chamado pelo estado do desenvolvimento econmicopara exercer o domnio, e foi justamente por isso e s por isso que a maioria dominadaparticipou da revoluo a favor desse grupo ou aceitou-a tranquilamente. Porm, seabstrairmos do contedo concreto de cada caso, a forma comum a todas essas revolues a de que eram revolues de minorias. I nclusive quando a maioria participou, issoaconteceu conscientemente ou no s a servio de uma minoria; esta, porm, ganhouassim, ou j em virtude da atitude passiva da maioria que no ofereceu resistncia, aaparncia de ser representante de todo o povo.

    Aps o primeiro grande xito, via de regra a minoria vitoriosa se dividia; uma metadeestava satisfeita com o que fora conseguido, a outra queria prosseguir, levantar novasreivindicaes, que pelo menos em parte tambm eram do interesse real ou aparente dagrande massa da populao. Essas exigncias mais radicais foram impostas em algunscasos individuais, mas, com frequncia, s por um momento. Quando o partido maismoderado voltava a obter a supremacia, o que havia sido ganho por ltimo voltava aperder-se inteiramente ou em parte; os derrotados, ento, clamavam contra a traio ouatribuam a derrota ao acaso. Na realidade, porm, a questo geralmente se colocava nosseguintes termos: as conquistas da primeira vitria s cavam asseguradas mediante asegunda vitria do partido mais radical; quando isso era alcanado e, desse modo,quando se alcanava aquilo que era momentaneamente necessrio, os radicais e seusxitos voltavam a sair de cena.

    Todas as revolues da poca mais recente, comeando com a grande revoluoinglesa do sculo XVI I , apresentaram esses traos que parecem inseparveis de toda equalquer luta revolucionria. Eles pareciam aplicar-se tambm s lutas do proletariadoem prol da sua emancipao; pareciam aplicar-se tanto mais porque, justamente em 1848,precisaram ser includas as pessoas que sabiam apenas aproximadamente em quedireo essa emancipao deveria ser buscada. O caminho a tomar no estava claro nempara as prprias massas proletrias, nem mesmo em Paris depois da vitria. E, noentanto, o movimento estava a, instintivo, espontneo, irreprimvel. No era essajustamente a situao em que uma revoluo tinha de ser bem-sucedida, conduzida poruma minoria, certo, mas dessa vez no no interesse da minoria, mas no interesse maisprprio da maioria? Se em todos os perodos revolucionrios mais longos fora possvelganhar com facilidade as grandes massas da populao por meio de simplesmisticaes plausveis elaboradas pelas minorias vanguardistas, como elas poderiamser menos acessveis a ideias que eram o reexo mais prprio de sua situao econmica,

  • que no eram nada alm da expresso clara e racional das suas necessidades sdifusamente sentidas e ainda no entendidas por elas mesmas? No entanto, depois deesfumaada a iluso e instalada a decepo, esse nimo revolucionrio das massas deulugar quase sempre e geralmente com muita rapidez exausto ou at a uma reversoem seu oposto. Nesse caso, porm, no se tratava de misticaes, mas da realizao dosinteresses mais prprios da grande maioria mesma, interesses que, naquele tempo, demodo algum estavam claros para essa grande maioria, mas que logo teriam de carsucientemente claros, no decorrer da execuo prtica, pela evidncia convincente. Equando ento, no primeiro semestre de 1850, como foi demonstrado por Marx no seuterceiro artigo, o desenvolvimento da repblica burguesa que se ergueu da revoluosocial de 1848 concentrara o governo de fato nas mos da grande burguesia que, almde tudo, tinha mentalidade monarquista , mas agrupara todas as demais classes sociais,tanto camponeses como pequeno-burgueses, em torno do proletariado, de tal modo que,durante e depois da vitria conjunta, quem se converteu no fator decisivo no foi agrande burguesia, mas o proletariado que cara sabido com as experincias vividas noestavam dadas, ento, todas as perspectivas para a converso da revoluo da minoria emrevoluo da maioria?

    A histria no deu razo a ns nem a quem pensou de modo semelhante. Ela deixouclaro que o nvel do desenvolvimento econmico no continente naquela poca nem delonge estava maduro para a eliminao da produo capitalista; ela provou isso mediantea revoluo econmica que tomou conta de todo o continente a partir de 1848 e s entoinstalou de fato a grande indstria na Frana, na ustria, na Hungria, na Polnia e, maisrecentemente, na Rssia e fez da Alemanha um pas industrial de primeira grandeza tudo isso sobre uma base capitalista que, no ano de 1848, portanto, ainda tinha muitacapacidade de expanso. Foi precisamente essa revoluo industrial que trouxe clareza srelaes de classe, que eliminou uma boa quantidade de existncias intermediriasoriundas do perodo da manufatura e, na Europa oriental, at mesmo do artesanatocorporativo, gerou uma burguesia real e um proletariado real da grande indstria e odeslocou para o primeiro plano do desenvolvimento social. D essa maneira, porm, a lutaentre essas duas grandes classes, que em 1848 era travada fora da I nglaterra s em Parise, no mximo, em alguns grandes centros industriais, foi disseminada por toda a Europae atingiu uma intensidade ainda impensvel em 1848. Naquela poca, havia os muitosevangelhos sectrios obscuros com as suas panaceias, hoje temos uma s teoria, a deMarx, reconhecida universalmente, dotada de uma clareza cristalina, que formula asnalidades ltimas da luta de modo preciso; naquela poca, havia as massas dissociadase dspares em suas lealdades e nacionalidades, vinculadas apenas pelo senso dossofrimentos comuns, subdesenvolvidas, jogadas em desatino de um lado para outro

  • entre o entusiasmo e o desespero, hoje temos um s grande exrcito de socialistas,avanando incessantemente, crescendo diariamente em nmero, organizao, disciplina,noo das coisas e certeza da vitria. S e nem mesmo esse poderoso exrcito doproletariado conseguiu at agora atingir o alvo, se ele, longe de conquistar a vitria de ums golpe, obrigado a avanar lentamente de uma posio a outra mediante a luta dura erenhida, isso demonstra de uma vez por todas como era impossvel conquistar em 1848 areorganizao social por meio de um ataque de surpresa.

    Uma burguesia dividida em duas sees dinstico-monarquistas, mas que exigia antesde tudo tranquilidade e segurana para fazer seus negcios nanceiros, contraposto a elaum proletariado vencido, mas ainda ameaador, em torno do qual se agrupava umnmero cada vez maior de pequeno-burgueses e camponeses a constante ameaa deuma irrupo violenta, que em vista de tudo isso no oferecia nenhuma perspectiva desoluo denitiva: essa era a situao que se apresentava como que por encomenda parao golpe de Estado do terceiro pretendente, do pretendente pseudodemocrtico LusBonaparte. Valendo-se do exrcito, ele ps m tensa situao no dia 2 de dezembro de1851 e assegurou Europa a tranquilidade interna para agraci-la, em troca disso, comuma nova era de guerras. O perodo das revolues vindas de baixo estava por oraconcludo; seguiu-se um perodo de revolues vindas de cima.

    O revs imperialista de 1851 deu uma nova prova da imaturidade das aspiraesproletrias daquela poca. Porm, ele prprio criaria as condies sob as quais elasteriam de amadurecer. A tranquilidade interna assegurou o pleno desenvolvimento donovo crescimento industrial, a necessidade de ocupar o exrcito e de atrair a ateno dascorrentes revolucionrias para o exterior gerou as guerras, mediante as quais Bonaparte,pretextando fazer valer o princpio da nacionalidade, tentou anexar territrios Frana.O seu mulo Bismarck adotou a mesma poltica para a Prssia; desferiu o seu golpe deEstado, a sua revoluo a partir de cima, em 1866, contra a Liga Alem e a ustria e nomenos contra a Cmara Prussiana de I ntermediao do Conito. Porm, a Europa erapequena demais para dois bonapartes e assim a ironia da histria quis que Bismarckderrubasse Bonaparte e que o Rei Guilherme da Prssia no s estabelecesse o cesarismoda Pequena Alemanha, mas tambm a Repblica francesa. O resultado disso, porm, foique, na Europa, a autonomia e a unio interna das grandes naes, com exceo daPolnia, j era um fato. Claro que isso se deu dentro de limites relativamente modestos mas, de qualquer modo, foi to amplo que os envolvimentos nacionalistas norepresentaram mais um fator de inibio essencial para o processo de desenvolvimentoda classe trabalhadora. Os coveiros da Revoluo de 1848 haviam se convertido emexecutores do seu testamento. E, ao lado deles, j se erguia ameaadoramente o herdeirode 1848, o proletariado, reunido na Internacional.

  • D epois das guerras de 1870-1871, Bonaparte sai de cena e a misso de Bismarck estcumprida, de modo que ele pode novamente recolher-se sua condio ordinria dejunker [nobre alemo]. Porm, esse perodo foi nalizado pela Comuna de Paris. Umatentativa traioeira de Thiers de roubar as armas da Guarda Nacional de Paris provocouuma revolta vitoriosa. Uma vez mais cou claro que, em Paris, no seria possvelnenhuma outra revoluo alm da proletria. Aps a vitria, o governo caiuautomaticamente no colo da classe trabalhadora, sem qualquer contestao. E mais umavez cou evidente que, ainda naquele tempo, vinte anos depois do perodo descrito nopresente escrito, esse governo da classe trabalhadora era uma impossibilidade. Por umlado, a Frana abandonou Paris e assistiu como ela se esvaa em sangue sob a artilhariade Mac-Mahon; por outro lado, a Comuna se desgastou numa briga estril entre os doispartidos que a cindiam, os blanquistas (maioria) e os proudhonistas (minoria), sendo quenenhum dos dois sabia o que tinha de ser feito. To infecunda como o ataque repentinode 1848 permaneceu a vitria recebida de presente em 1871.

    A crena geral era que, junto com a Comuna de Paris, havia sido enterradodenitivamente todo o proletariado militante. Porm, muito pelo contrrio, da Comuna eda Guerra Franco-Alem data o seu mais poderoso crescimento. A transformao total detodo o sistema blico por meio do engajamento da populao capaz de manusear armasem exrcitos que passaram a ser contados em cifras de milhes de pessoas, por meio dearmas de fogo, projteis e explosivos de fora destrutiva at ali inaudita, por um lado, psum m sbito ao perodo das guerras bonapartistas e assegurou o desenvolvimentoindustrial pacco, inviabilizando qualquer outro tipo de guerra que no a guerramundial, caracterizada pela atrocidade sem precedentes e por um desfechoabsolutamente imprevisvel. Por outro lado, essa transformao elevou os impostos aalturas proibitivas em virtude dos custos blicos que cresciam em progresso geomtricae, desse modo, levou as classes mais pobres para os braos do socialismo. A anexao daAlscia-Lorena, a causa mais evidente da desvairada concorrncia armamentista,conseguiu insuar de maneira chauvinista a burguesia francesa e a burguesia alem umacontra a outra; para os trabalhadores dos dois pases, ela se converteu num novo lao deunio. E o aniversrio da Comuna de Paris tornou-se o primeiro feriado universal de todoo proletariado.

    Como Marx predissera, a guerra de 1870-1871 e a derrota da Comuna de Paristransferiram o centro de gravidade do movimento dos trabalhadores europeustemporariamente da Frana para a Alemanha. A Frana naturalmente precisou de muitosanos para recuperar-se da sangria de maio de 1871. Na Alemanha, em contraposio,onde se desenvolvia cada vez mais rapidamente a indstria, cultivada em condiesideias de estufa e, como se no bastasse, abenoada com o aporte bilionrio recebido da

  • Frana, cresceu com rapidez e solidez ainda maiores a social-democracia. Graas sabedoria com que os trabalhadores alemes utilizaram o direito de voto universalintroduzido em 1866, o crescimento espantoso do partido apresenta-se aos olhos domundo em nmeros incontestveis. Em 1871: 102 mil; em 1874: 352 mil; em 1877: 493 milvotos social-democratas. Em seguida, veio o alto reconhecimento desses progressos porparte da autoridade na forma da Lei de Exceo contra os S ocialistas; o partido sedispersou momentaneamente, o nmero de votos despencou para 312 mil em 1881.Porm, isso foi rapidamente superado, e agora, sob a presso da lei de exceo, semimprensa, sem organizao exterior, sem direito de associao nem de reunio, foi quecomeou para valer a rpida expanso em 1884: 550 mil; em 1887: 763 mil; em 1890:1,427 milho de votos. D iante disso, a mo do Estado cou paralisada. A Lei contra osS ocialistas sumiu, o nmero de votos socialistas subiu para 1,787 milho, mais de umquarto de todos os votos depositados. O governo e as classes dominantes haviamesgotado todos os seus recursos inutilmente, em vo, sem xito. As provas palpveis deimpotncia que as autoridades, desde o guarda noturno at o chanceler do Reich, tiveramde engolir e isso dos desprezados trabalhadores! , essas provas atingiam a cifra demilhes. O Estado j no tinha mais o que dizer, os trabalhadores estavam apenascomeando a falar.

    Mas os trabalhadores alemes ainda prestaram sua causa um segundo grandeservio ao lado do primeiro, que era o de, pelo simples fato de existirem, j seapresentarem como o partido socialista mais forte, mais disciplinado e que maisrapidamente se expandia. Eles haviam mostrado aos colegas de todos os pases uma dassuas armas mais afiadas, ensinando-lhes como fazer uso do direito de voto universal.

    O direito de voto universal j existia h muito tempo na Frana, mas havia adquiridom fama em virtude dos abusos que o governo bonapartista praticara com ele. D epois daComuna no restou mais nenhum partido de trabalhadores para tirar proveito dele.Tambm na Espanha, ele existia desde a instaurao da repblica, mas naquele pas aregra sempre fora que todos os partidos srios de oposio deveriam abster-se daseleies. As experincias que o suos zeram com o direito de voto universal tambmforam tudo menos encorajadoras para um partido de trabalhadores. Os trabalhadoresrevolucionrios dos pases romnicos haviam se acostumado a ver o direito de voto comouma armadilha, como um instrumento do governo para fraud-los. Na Alemanha eradiferente. O Manifesto Comunista j havia proclamado a conquista do direito de votouniversal, da democracia, como uma das primeiras e mais importantes tarefas doproletariado militante, e Lassalle retomara esse ponto. Ora, quando Bismarck se viuforado a instituir esse direito de voto como nico meio de interessar as massaspopulares pelos seus planos, os nossos trabalhadores levaram isso imediatamente a srio

  • e designaram August Bebel para o primeiro Parlamento constituinte. E a partir daqueledia eles se valeram do direito de votar de forma tal que lhes trouxe um retorno milharesde vezes maior e que serviu de modelo para os trabalhadores de todos os pases. Naspalavras do programa marxista francs, o direito de voto foi por eles transform, de moyende duperie quil a t jusquici, en instrument dmancipation transformado de meio defraude, como foi at agora, em instrumento de emancipao. E se o direito de votouniversal no tivesse proporcionado nenhum outro ganho alm de permitir-nos contartodos a cada trs anos; de, junto com o aumento regularmente constatado einesperadamente rpido do nmero de votos, aumentar na mesma proporo a certezada vitria dos trabalhadores assim como o susto dos adversrios, e assim tornar-se onosso melhor meio de propaganda; de instruir-nos com exatido sobre as nossas prpriasforas, assim como sobre as de todos os partidos adversrios, e de, por essa via, fornecer-nos um parmetro inigualvel para dar nossa ao a proporo correta preservar-nostanto do temor inoportuno quanto do destemor inoportuno , se esse fosse o nicoganho que tivssemos obtido do direito de voto, j teria valido a pena. Mas ele trouxemuito mais que isso. D urante a campanha eleitoral, ele nos forneceu um meio sem igualpara entrar em contato com as massas populares onde elas ainda esto distantes de ns eobrigar todos os partidos a defender-se diante de todo o povo dos nossos ataques s suasopinies e aes; e, alm disso, ele colocou disposio dos nossos representantes umatribuna no Parlamento, do alto da qual podiam dirigir a palavra tanto a seus adversriosno Parlamento como s massas do lado de fora com muito mais autoridade e liberdadedo que quando falam para a imprensa ou em reunies. D e que serviam ao governo e burguesia a sua Lei Contra os S ocialistas, se a campanha eleitoral e os discursossocialistas no Parlamento a violavam continuamente?

    Esse uso bem-sucedido do direito de voto universal efetivou um modo de luta bemnovo do proletariado e ele foi rapidamente aprimorado. O proletariado descobriu que asinstituies do Estado, nas quais se organiza o domnio da burguesia, admitem aindaoutros manuseios com os quais a classe trabalhadora pode combat-las. Ele participoudas eleies para as assembleias estaduais, para os conselhos comunais, para as cortesprossionais, disputando com a burguesia cada posto em cuja ocupao uma parcelasuciente do proletariado tinha direito manifestao. E assim ocorreu que a burguesiae o governo passaram a temer mais a ao legal que a ilegal do partido dos trabalhadores,a temer mais os sucessos da eleio que os da rebelio.

    Com efeito, tambm nesse ponto as condies da luta haviam se modicadofundamentalmente. A rebelio ao estilo antigo, a luta de rua com barricadas, que at 1848servia em toda parte para levar deciso final, tornara-se consideravelmente antiquada.

    No nos iludamos: uma vitria real da revolta contra o exrcito numa batalha de rua,

  • uma vitria como se fosse um embate entre dois exrcitos, coisa rara. To raro quantoisso que os insurgentes tenham tido essa inteno. O que eles queriam era desgastar astropas por meio de presses morais, que numa luta entre os exrcitos de dois pases emguerra no tinham importncia ou no tinham tanta importncia. Se a ao fosse bem-sucedida, a tropa desanimaria ou os comandantes perderiam a cabea e a revolta seriavitoriosa. S e no fosse bem-sucedida, conrmar-se-ia, inclusive no caso de haver umcontingente minoritrio do lado dos militares, a superioridade do armamento e dotreinamento, da liderana centralizada, do uso planejado das foras armadas e dadisciplina. O mximo que a insurreio poderia alcanar numa ao realmente ttica seriaa instalao e a defesa habilidosas de uma nica barricada. O apoio mtuo, adisponibilizao e utilizao de reservas, em suma, a ao conjunta e o encadeamento decada um dos pelotes, que so elementos indispensveis para defender um distritomunicipal ou at toda uma grande cidade, seriam viabilizados de modo muito precrioou nem seriam viabilizados; a concentrao dos combatentes num ponto decisivo estariaautomaticamente excluda. D esse modo, a defesa passiva a forma de lutapredominante; a fora de ataque apenas se levantar aqui e ali, e s excepcionalmente,em ocasionais investidas e ataques aos ancos, mas via de regra se limitar a ocupar asposies abandonadas pelas tropas em retirada. Alm disso, os militares ainda tm suadisposio a artilharia e tropas especiais totalmente equipadas e treinadas, meios de lutaque faltam totalmente aos insurgentes em quase todos os casos. No de se admirar,portanto, que at as lutas de barricada conduzidas com sumo herosmo Paris em junhode 1848, Viena em outubro de 1848, D resden em maio de 1849 terminaram com aderrota da revolta no momento em que os comandantes das tropas de ataque passaram aagir sem a inibio de escrpulos polticos, adotando pontos de vista puramentemilitares, e no caso de seus soldados lhes terem ficado fiis.

    Os numerosos xitos dos insurgentes at 1848 se deveram a mltiplas causas. EmParis, julho de 1830 e fevereiro de 1848, assim como na maioria das lutas de ruaespanholas, fora postado entre os insurgentes e os militares um bastio de cidados queou tomava resolutamente o partido da revolta ou ento, por sua postura tbia e irresoluta,igualmente fazia com que as tropas hesitassem e, ainda por cima, fornecia armas para arevolta. Onde esse bastio de cidados de sada se posicionou contra a revolta, esta foiderrotada como em junho de 1848 em Paris. Em Berlim, no ano de 1848, o povo saiu-sevitorioso em parte pelo aumento considervel de novos combatentes durante a noite e amanh do dia 19 [de maro], em parte devido exausto e m alimentao das tropas e,por m, em parte pela paralisao do comando. Porm, em todos os casos, a vitria foiconquistada porque as tropas negaram fogo, porque os comandantes perderam acapacidade de tomar decises ou ento porque estavam de mos amarradas.

  • Portanto, at mesmo no perodo clssico das lutas de rua, a barricada tinha um efeitomais moral que material. Tratava-se de um meio para abalar a rmeza dos militares. Seela aguentava at que isso fosse conseguido, a vitria era certa; caso contrrio, sofria-se aderrota. {Esse o ponto principal que se deve ter em conta ao analisar as chances dealguma luta de rua no futuro.}3 Essas chances no eram [(verso 2:) Alis, as chances noeram] nada boas j em 1849. Em toda parte, a burguesia havia tomado o partido dosgovernos, a cultura e a propriedade saudavam e proviam as mesas dos militares quesaam a campo contra as revoltas. As barricadas haviam perdido o seu encanto; atrsdelas, o soldado no via mais o povo, mas rebeldes, agitadores, saqueadores,desagregadores, a escria da sociedade; com o tempo, o ocial se tornara entendido nasformas tticas da luta de rua; ele no mais marchava diretamente e sem cobertura nadireo da trincheira, mas a contornava por jardins, ptios e casas. E, executado comalguma habilidade, isso dava o resultado esperado em nove de cada dez casos.

    D esde ento, porm, muitas coisas mais se modicaram, e todas favorecendo osmilitares. Se as grandes cidades se tornaram consideravelmente maiores,proporcionalmente ainda maiores se tornaram os exrcitos. Paris e Berlim noaumentaram quatro vezes desde 1848, mas as suas guarnies aumentaram mais queisso. Com o auxlio das ferrovias, essas guarnies podem ser mais que duplicadas em 24horas e, em 48 horas, transformar-se em gigantescos exrcitos. O armamento dessecontingente enormemente reforado de tropas tornou-se incomparavelmente mais eficaz.Em 1848, havia as armas de carga frontal e percusso, hoje temos as armas de retrocargade pequeno calibre com pentes de repetio, armas que atiram quatro vezes mais longe,com preciso dez vezes maior e dez vezes mais rapidamente que as anteriores. Naquelapoca, havia as balas inteirias e os cartuchos da artilharia de efeito relativamente fraco,hoje h as granadas de percusso, bastando uma delas para estraalhar a barricada maisbenfeita. Naquela poca, havia o pico do pioneiro para pr abaixo os muros contraincndio, hoje temos a banana de dinamite.

    D o lado dos insurgentes, em contraposio, todas as condies pioraram.D icilmente se conseguir de novo uma revolta com a qual todos os estratos popularessimpatizem; na luta de classes, decerto todos os estratos mdios jamais se agruparo emtorno do proletariado de maneira to exclusiva que, em comparao, o partido da reaoaglomerado em torno da burguesia praticamente desaparece. Portanto, o povo sempreaparecer dividido e, desse modo, falta uma alavanca poderosa que, em 1848, foiextremamente ecaz. A vinda de [(verso 2:) Se viessem] mais soldados experientes parao lado dos revoltosos, seria tanto mais difcil arm-los. As espingardas de caa e de luxodas lojas de armas mesmo que no tenham sido anteriormente inutilizadas por ordemda polcia mediante a retirada de uma pea-chave , inclusive na luta a curta distncia,

  • nem de longe conseguem fazer frente s espingardas de repetio do soldado. At 1848era possvel fabricar pessoalmente a munio necessria com plvora e chumbo, hoje hum cartucho diferente para cada tipo de espingarda e todos s tm uma coisa em comumem toda parte, a saber, o fato de serem um produto articial da grande indstria e,portanto, no poderem ser fabricados ex tempore, o que signica que a maioria dasespingardas intil quando no se possui a munio feita especicamente para ela. E,por m, os novos bairros das grandes cidades, construdos a partir de 1848, so dispostosem estradas longas, retas e amplas, feitas de encomenda para maximizar o efeito da novaartilharia pesada e das novas espingardas. S eria preciso que o revolucionrio fossecompletamente louco para escolher os novos distritos de trabalhadores no norte e lestede Berlim para uma luta de barricadas.

    {Porventura isso signica que no futuro a luta de rua no ter mais nenhumaimportncia? D e modo algum. I sso signica que, desde 1848, as condies se tornarambem menos favorveis para os combatentes civis e bem mais favorveis para os militares.Uma luta de rua no futuro s poder ser vitoriosa se essa situao desfavorvel forcompensada por outros momentos. Por isso, no incio de uma grande revoluo elaocorrer mais raramente do que em seu decurso e ter de ser empreendida com efetivosbem maiores. Mas, nesse caso, estes decerto preferiro o ataque aberto ttica passivadas barricadas, como ocorreu em toda a grande revoluo francesa, no dia 4 de setembroe no dia 31 de outubro de 1870 em Paris.}

    O leitor entende agora por que os poderes [(verso 2:) as classes] dominantes nosquerem levar sem rodeios para onde a espingarda fala e o sabre canta? Por que hoje nosimputam covardia por no querermos sair s ruas, onde de antemo temos certeza daderrota? Por que nos suplicam com tanta insistncia que nalmente nos ofereamos paraser carne de canho?

    Esses senhores desperdiam as suas splicas e as suas provocaes por nada vezesnada. To tolos no somos. Seria a mesma coisa que pedir ao seu inimigo na prximaguerra que os enfrente na formao em linha dos tempos do velho Frib ou em colunascompactas formadas por divises inteiras como em Wagram e em Waterloo, e ainda porcima com a espingarda de pederneira na mo. Modicaram-se as condies da guerraentre os povos, modicaram-se no menos as da luta de classes. Foi-se o tempo dosataques de surpresa, das revolues realizadas por pequenas minorias conscientes testade massas sem conscincia. Quando se trata de uma remodelagem total da organizaosocial, as prprias massas precisam estar presentes, precisam j ter compreendido o queest em jogo, pelo que empenham [(verso 2:) devem empenhar] o corpo e a vida. I ssonos foi ensinado pela histria dos ltimos cinquenta anos. Porm, para que as massascompreendam o que deve ser feito faz-se necessrio um trabalho longo e persistente, e

  • justamente esse trabalho que estamos fazendo agora e com um xito tal que leva osnossos adversrios ao desespero.

    Tambm nos pases romnicos, cada vez mais se chega concluso de que a velhattica precisa ser revista. Em toda parte est sendo seguido o exemplo alemo do uso dodireito de voto, da conquista de todos os postos que nos so acessveis {, em toda partefoi relegado a segundo plano o ataque violento desferido sem preparao}. Na Frana,onde o terreno est sendo revolvido h mais de um sculo por uma revoluo atrs daoutra, onde no existe partido que no tenha dado a sua contribuio por meio deconspiraes, revoltas e todas as demais aes revolucionrias; na Frana, onde, emdecorrncia disso, o exrcito de modo algum se encontra seguro na mo do governo eonde, de modo geral, as circunstncias para um golpe insurrecional so bem maisfavorveis que na Alemanha at mesmo na Frana, os socialistas cada vez mais esto sedando conta que no h perspectiva de vitria duradoura para eles se no ganharemprimeiro o apoio da massa popular, isto , nesse caso, dos camponeses. O lento trabalhode propaganda e de atividade parlamentar foi reconhecido tambm nesse caso como aprxima tarefa do partido. Os resultados no deixaram de aparecer. No s foiconquistada toda uma srie de conselhos comunais; nas Cmaras, cinquenta socialistastm assento e j derrubaram trs ministrios e um presidente da Repblica. Na Blgica,no ano passado, os trabalhadores foraram a instituio do direito de voto e ganharamem um quarto das sees eleitorais. Na S ua, na I tlia, na D inamarca, e at na Bulgria ena Romnia, os socialistas tm representantes nos Parlamentos. Na ustria, todos ospartidos concordam que no podem impedir por mais tempo o nosso acesso ao ConselhoI mperial. Com certeza entraremos l; o nico ponto que ainda se discute : por qualporta. E at mesmo quando se rene na Rssia o famoso Zemsky Sobor, aquelaAssembleia Nacional contra a qual o jovem Nicolau se fecha to inutilmente, podemoscontar com certeza que tambm ali estaremos representados.

    Naturalmente os nossos companheiros estrangeiros no renunciam ao seu direito defazer a revoluo. Com efeito, o direito revoluo o nico direito histrico real, onico sobre o qual esto fundados todos os Estados modernos sem exceo, incluindoMecklenburg, cuja revoluo da nobreza foi foi nalizada em 1755 pelo acordohereditrio, a gloriosa garantia documental do feudalismo ainda hoje em vigor. Odireito revoluo to irrevogavelmente reconhecido pela conscincia universal que ato General Boguslavski deriva exclusivamente desse direito dos povos o direito ao golpede Estado que ele reivindica para o seu imperador.

    Porm, o que quer que acontea em outros pases, a social-democracia alem tem umaposio especca e, pelo menos num primeiro momento, tambm uma tarefa especca.Os 2 milhes de eleitores que ela manda para as urnas, junto com os jovens homens e as

  • jovens mulheres que os acompanham como no eleitores, formam a massa maisnumerosa e mais compacta, a tropa de choque decisiva do exrcito proletriointernacional. Essa massa j compe mais de um quarto dos votos depostos nas urnas; e,como provam as eleies individuais para o Parlamento, as eleies para os parlamentosde cada estado federado, as eleies para os conselhos comunais e para as cortesprossionais, ela aumenta sem parar. O seu crescimento to espontneo, to constante,to incessante e, ao mesmo tempo, to silencioso quanto um processo natural. Todas asintervenes do governo se revelaram impotentes contra ele. Hoje j podemos contarcom 2,25 milhes de eleitores. Se continuar assim, at o nal do sculo conquistaremos amaior parte dos estratos mdios da sociedade, tanto pequeno-burgueses como pequenosagricultores, e chegaremos estatura de fora decisiva no pas, qual todas as demaisforas precisaro se curvar, querendo ou no. A nossa principal tarefa manter essecrescimento ininterruptamente em marcha at que ele por si s sobrepuje o sistema degoverno atual [(verso 2:) dominante] {, sem desgastar em lutas vanguardistas, esseajuntamento de poder que se refora a cada dia que passa, mas preservando-o intacto ato dia da deciso}. E s existe um meio pelo qual esse crescimento constante doscombatentes socialistas na Alemanha poderia ser detido momentaneamente e at serlevado a recuar por algum tempo: um confronto em grande escala com os militares, umasangria como a de 1871 em Paris. Com o tempo tambm isso seria superado. Todas asespingardas de repetio da Europa e da Amrica no seriam sucientes para eliminardo mundo a tiros um partido que conta com milhes de pessoas. I sso, porm, inibiria odesenvolvimento natural, {a tropa de choque talvez no estivesse disponvel no momentocrtico,} a luta decisiva [(verso 2:) a deciso] seria retardada, adiada, e exigiria maioressacrifcios.

    A ironia da histria mundial vira tudo de cabea para baixo. Ns, osrevolucionrios, os sublevadores, medramos muito melhor sob os meios legais doque sob os ilegais e a sublevao. Os partidos da ordem, como eles prprios se chamam,decaem no estado legal criado por eles mesmos. Clamam desesperados, valendo-se daspalavras de Odilon Barrot: la lgalit nous tue, a legalidade nos mata, ao passo que, sobessa legalidade, ganhamos msculos rijos e faces rosadas e temos a aparncia da prpriavida eterna. E se ns no formos loucos a ponto de nos deixar levar para as ruas s paraagrad-los, acabar no lhes restando outra sada seno violar pessoalmente essalegalidade que lhes to fatal.

    Por enquanto, eles esto elaborando novas leis contra a sublevao. Uma vez mais,tudo est de cabea para baixo. Os atuais fanticos da antissublevao no so osmesmos que praticaram a sublevao no passado? Por acaso fomos ns que conjuramos aguerra civil de 1866? Fomos ns que expulsamos o rei de Hannover, o prncipe eleitor de

  • Hessen, o duque de Nassau das terras que legitimamente receberam como herana?Fomos ns que anexamos essas herdades? E esses sublevadores da Liga Alem e de trscoroas da merc divina se queixam de sublevao? Quis tulerit Gracchos de seditionequerentes?4 Quem permitiria que os adoradores de Bismarck reclamassem de algumasublevao?

    Ento, que imponham seus projetos de lei contra a sublevao, que os tornem aindamais rigorosos, que transformem toda a lei penal em cassetetes; no obtero nada almde uma nova prova de sua impotncia. Para acossar seriamente a social-democracia elestero de apelar para medidas de natureza bem diferente. Eles s podero atingir asublevao social-democrtica, que no momento vive [(verso 2:) que justamente agoraest tirando tanto proveito] do cumprimento das leis, por meio da sublevao promovidapelos partidos da ordem que no poder viver sem violar as leis. O senhor Rssler, oburocrata prussiano, e o senhor Boguslavski, o general prussiano, mostraram-lhes onico modo pelo qual talvez possam atingir os trabalhadores que no se deixam maisatrair para a luta de rua. Violao da Constituio, ditadura, retorno ao absolutismo, regisvoluntas suprema lex! [A vontade do rei a lei suprema!] Pois ento coragem, meussenhores, no adianta s fazer de conta, preciso mostrar a que se veio!

    Porm, no se esqueam de que o I mprio Alemo, assim como todos os pequenosEstados e de modo geral todos os Estados modernos, produto do contrato; do contrato,em primeiro lugar, dos prncipes entre si, em segundo lugar, dos prncipes com o povo.S e uma das partes romper o contrato, caduca todo o contrato, a outra parte tambm noestar mais obrigada por ele. {Bem de acordo com o belo exemplo que nos deu Bismarckem 1866. Portanto, se os senhores violarem a Constituio imperial, a social-democraciaestar livre para fazer e deixar de fazer com os senhores o que bem entender. Mas o queela far ento isso ela dificilmente dir hoje com todas as letras.}

    H quase exatos 1.600 anos atuava no I mprio Romano igualmente um perigosopartido da sublevao. Ele solapou a religio e todos os fundamentos do Estado, negouabertamente que a vontade do imperador fosse a lei suprema; era um partido sem ptria,internacional, expandindo-se por todas as terras do imprio desde a Glia at a sia emesmo para alm das fronteiras do imprio. Por longo tempo ele havia operadosubterraneamente, na clandestinidade; porm, depois de certo tempo, ele se considerousucientemente forte para mostrar-se abertamente luz do dia. Esse partido dasublevao, que era conhecido pela designao cristo, tambm tinha uma forterepresentao no exrcito; legies inteiras eram crists. Quando recebiam ordens paradirigir-se s cerimnias sacriciais da igreja territorial pag para prestar as veneraes depraxe, o atrevimento dos soldados sublevados era tal que, como forma de protesto,axavam insgnias especiais cruzes em seus elmos. As intimidaes costumeiras de

  • caserna por parte dos superiores no surtiam nenhum efeito. O I mperador D ioclecianono pde assistir por mais tempo como a ordem, a obedincia e a disciplina eramminadas em seu exrcito. Ele interveio energicamente porque ainda havia tempo.Promulgou uma lei contra os socialistas, quer dizer, cristos. As reunies dossublevadores foram proibidas, os seus sales de reunio fechados ou at demolidos, asinsgnias crists, as cruzes etc. foram proibidas, como na Saxnia os lenos vermelhos. Oscristos foram declarados incapazes de assumir cargos no Estado, nem mesmo libertoseles poderiam ser. Como naquele tempo ainda no se dispunha de juzes to bemtreinados em fazer acepo de pessoas como pressupe o projeto de lei contra asublevao, de autoria do senhor von Kller, os cristos caram sumariamente proibidosde recorrer justia dos tribunais. Essa lei de exceo tambm cou sem efeito. Oscristos por zombaria a arrancaram dos muros e at se conta que teriam incendiado opalcio do imperador em Nicomdia com ele dentro. Ele ento se vingou com a grandeperseguio aos cristos do ano 303 da nossa era. Foi a ltima desse tipo. E ela foi toecaz que, dezessete anos depois, o exrcito era composto em sua esmagadora maioriapor cristos, e o autocrata seguinte de todo o I mprio Romano, Constantino, chamado oGrande pelos padrecos, proclamou o cristianismo como religio do Estado.

    Londres, 6 de maro de 1895

    1 Escrita entre 14 de fevereiro e 6 de maro de 1895.

    2 O 18 de brumrio de Lus Bonaparte, 3. ed., Hamburg, Meissner, 1885 [ed. bras.: So Paulo, Boitempo, 2011].

    a Itlicos de Engles. (N. E.)

    3 Aqui e a seguir o texto entre chaves consiste de passagens riscadas pela Diretoria do Partido em Berlim, alegando,segundo Engels, objees motivadas pelo temor de projetos de lei contra sublevaes.

    b Referncia jocosa ao Rei Frederico o Grande da Prssia (1712-1786). (N. T.)

    4 Quem toleraria que os Gracos se queixassem de alguma sedio? (Juvenal, Stiras, II, 24).

  • AS LUTAS DE CLASSES NA FRANADE 1848 A 1850

  • INTRODUO

    Com exceo de uns poucos captulos, todo trecho de maior importncia dos anais darevoluo de 1848 a 1849 traz por ttulo: Derrota da revoluo!

    O que sucumbiu nessas derrotas no foi a revoluo. Foram os penduricalhos pr-revolucionrios tradicionais, os resultados de relaes sociais que ainda no haviamculminado em antagonismos agudos de classe pessoas, iluses, concepes, projetos,dos quais o partido revolucionrio ainda no estivera livre antes da Revoluo deFevereiro1 e dos quais se livraria no pela vitria de fevereiro, mas unicamente por fora deuma srie de derrotas.

    Em suma: no foram suas conquistas tragicmicas imediatas que abriram caminho aoprogresso revolucionrio; muito pelo contrrio, foi a gerao de uma contrarrevoluocoesa e poderosa, a gerao de um adversrio, e foi no combate a ele que o partido darevolta amadureceu, tornando-se um partido realmente revolucionrio.

    Demonstrar isso a tarefa das pginas seguintes.

    1 Na Revoluo de Fevereiro (22 a 25 de fevereiro de 1848), os trabalhadores, artfices e estudantes franceses derrubaram

    a monarquia burguesa constitucional de Lus Filipe e foraram a proclamao da segunda Repblica francesa.

  • IA DERROTA DE JUNHO DE 1848

    De fevereiro a junho de 1848

    Aps a Revoluo de J ulho2, quando conduziu o seu compre [compadre, cmplice], oD uque de Orlans, em triunfo at o Htel de Ville [cmara municipal de Paris], obanqueiro liberal Lae deixou escapar a seguinte frase: De agora em diante reinaro osbanqueiros. Lafitte havia revelado o segredo da revoluo.

    Quem reinou sob Lus Filipe no foi a burguesia francesa, mas uma faco dela: osbanqueiros, os reis da bolsa, os reis das ferrovias, os donos das minas de carvo e deferro e os donos de orestas em conluio com uma parte da aristocracia proprietria deterras, a assim chamada aristocracia nanceira . Ela ocupou o trono, ditou as leis nascmaras, distribuiu os cargos pblicos desde o ministrio at a agncia do tabaco.

    A burguesia industrial propriamente dita compunha uma parte da oposio ocial, isto, ela s estava minoritariamente representada na Cmara. Sua oposio despontava demodo tanto mais resoluto quanto mais claramente se desenvolvia a tirania da aristocraciananceira e quanto mais ela prpria imaginava assegurado seu domnio sobre a classeoperria aps as revoltas de 1832, 1834 e 18393, que foram afogadas em sangue. Grandin,fabricante de Rouen, tanto na Assembleia Nacional Constituinte quanto na AssembleiaLegislativa, o rgo mais fantico da reao burguesa, foi o adversrio mais veemente deGuizot na Cmara dos D eputados. Lon Faucher, que mais tarde se tornou conhecido porseus esforos impotentes para alar-se condio de Guizot da contrarrevoluofrancesa, travou com sua pena, nos ltimos dias de Lus Filipe, uma guerra a favor daindstria e contra a especulao e seu caudatrio, o governo. Bastiat fez campanha emnome de Bordeaux e de toda a Frana vinicultora contra o sistema dominante.

    A pequena burguesia em todos os seus matizes, assim como a classe camponesa, haviasido totalmente excluda do poder poltico. Por m, na oposio ocial ou inteiramentefora do pays lgal [crculo das pessoas com direito a voto], estavam os representantesideolgicos e porta-vozes das classes mencionadas, seus literatos, advogados, mdicos etc.,em suma, suas assim chamadas capacidades.

    D evido ao aperto nanceiro em que se encontrava, a monarquia de julho de antemo

  • era dependente da alta burguesia, e sua dependncia da alta burguesia tornou-se fonteinesgotvel de um aperto nanceiro crescente. Era impossvel subordinar aadministrao do Estado ao interesse da produo nacional sem restaurar o equilbrio nooramento, o equilbrio entre as despesas e as receitas pblicas. E como restabelecer esseequilbrio sem restringir os gastos pblicos, isto , sem ferir interesses que eram todosigualmente esteios do sistema dominante e sem proceder a uma nova regulamentao doregime scal, ou seja, sem transferir uma parte considervel da carga tributria para osombros da prpria alta burguesia?

    O endividamento do Estado era, muito antes, do interesse direto da faco burguesa quegovernava e legislava por meio das cmaras. Pois o dcit pblico constitua o objetopropriamente dito da sua especulao e a fonte de seu enriquecimento. No m de cadaano, um novo dcit. D ecorridos de quatro a cinco anos, um novo emprstimo. E cadanovo emprstimo proporcionava aristocracia nanceira uma nova oportunidade de daro calote no Estado articialmente mantido no limiar da bancarrota sendo obrigado acontrair a dvida com os banqueiros nas condies mais desfavorveis para ele. Cadanovo emprstimo tomado proporcionava uma segunda oportunidade de saquear opblico que havia investido seus capitais em papis do Estado, o que era feito medianteoperaes na bolsa, em cujos mistrios o governo e a maioria da cmara eram iniciados.D e modo geral, o comportamento oscilante do crdito estatal e a posse dos segredos deEstado propiciavam aos banqueiros, assim como aos seus aliados nas cmaras e notrono, a possibilidade de provocar oscilaes extraordinrias e repentinas na cotao dospapis do Estado, que necessariamente tinham como resultado a runa de uma massa decapitalistas menores e o enriquecimento rpido e fabuloso dos grandes atores. O fato deo dcit pblico ser do interesse direto da faco dominante da burguesia explicaporque, nos ltimos anos do governo de Lus Filipe, os gastos pblicos extraordinriosforam duas vezes maiores do que os gastos pblicos extraordinrios sob Napoleo,atingindo anualmente a soma de quase 400 milhes de francos, enquanto a exportaoanual total da Frana raramente atingiu, em mdia, o valor de 750 milhes de francos. Asenormes somas que, desse modo, uam pelas mos do Estado davam, alm de tudo,margem a contratos de fornecimento extorsivos, pagamento de propinas, fraudes, todaespcie de patifaria. O abuso do Estado em grande escala por meio de emprstimos serepetia em cada detalhe dos servios pblicos. A relao entre cmara e governo semultiplicava na forma da relao entre as administraes individuais e os empresriosindividuais.

    A classe dominante explorava a construo das ferrovias da mesma forma que fazia comos gastos pblicos em geral e com os emprstimos estatais. As cmaras empurravampara o Estado o nus principal e asseguravam aristocracia nanceira especuladora

  • polpudos rendimentos. Ainda h viva lembrana dos escndalos na Cmara dosD eputados, quando fortuitamente veio tona que todos os membros da maioria,incluindo uma parte dos ministros, tinham participao acionria nas mesmasconstrues ferrovirias que eles, logo depois, na condio de legisladores, mandavamconstruir s custas do Estado.

    A reforma nanceira, em contrapartida, por menor que fosse, fracassava devido inuncia dos banqueiros. Foi o caso, por exemplo, da reforma postal. Rothschildprotestou. O Estado poderia reduzir fontes de receita que serviriam para amortizar osjuros de sua dvida crescente?

    A monarquia de julho nada mais foi que uma companhia de aes destinada explorao do tesouro nacional da Frana, cujos dividendos eram distribudos entre osministros, as cmaras, 240 mil eleitores e seus aclitos. Lus Filipe era o diretor dessacompanhia era Robert Macaire sentado no trono. Comrcio, indstria, agricultura,navegao e os interesses dos burgueses industriais estavam forosamente ameaados eprejudicados sob esse sistema. Governo em oferta, gouvernement bon march, foiescrito nas bandeiras das jornadas de julho.

    Enquanto a aristocracia nanceira ditava as leis, conduzia a administrao do Estado,dispunha sobre o conjunto dos poderes pblicos organizados, controlava a opiniopblica por meio dos fatos e por meio da imprensa, repetiu-se em todas as esferas, dacorte at o Caf Borgnea, a mesma prostituio, a mesma fraude despudorada, a mesmansia de enriquecer no pela produo, mas pela escamoteao da riqueza alheia jexistente, prorrompeu especialmente entre as lideranas da sociedade burguesa avalidao irrefrevel das cobias doentias e dissolutas, que a cada instante colidiam comas prprias leis burguesas. Nessa situao, a riqueza resultante desse jogo, por suaprpria natureza, busca sua satisfao, a fruio se torna crapuleuse [crapulosa, devassa],dinheiro, sujeira e sangue conuem. A aristocracia nanceira, tanto no modo de obterseus ganhos quanto no modo de desfrutar deles, nada mais que o renascimento dolumpemproletariado nas camadas mais altas da sociedade burguesa.

    E as faces no dominantes da burguesia francesa bradaram: Corrupo!. O povobradou: bas les grands voleurs! bas les assassins! [Abaixo os grandes ladres! Abaixoos assassinos!], quando, no ano de 1847, foram apresentadas publicamente, em um dospalcos mais sublimes da sociedade burguesa, as mesmas cenas que costumavam levar olumpemproletariado aos bordis, aos asilos de pobres e hospcios, perante o juiz, aosbagnos [crceres] e ao patbulo. A burguesia industrial viu seus interesses em perigo, apequena burguesia cou moralmente indignada, a fantasia popular se revoltou, Paris foiinundada com panetos La dynastie Rothschild [A dinastia Rothschild], Les juifs roisde lpoque [Os judeus, reis da nossa poca] etc. em que o governo da aristocracia

  • financeira foi denunciado e estigmatizado com maior ou menor espirituosidade.Rien pour la gloire! [Nada por glria!] A glria no traz nada! La paix partout et

    toujours! [A paz em toda parte e sempre!] A guerra pressiona a cotao dos que tm trsou quatro por cento! foi isso que a Frana dos judeus da bolsa escreveu em suasbandeiras. S ua poltica externa perdeu-se, em consequncia, em uma srie de insultos aosentimento nacionalista francs, que se revoltou com veemncia ainda maior quando seconsumou o roubo Polnia com a anexao da Cracvia pela ustria e quando, naguerra civil sua [Sonderbundskrieg], Guizot tomou ativamente o partido da SantaAliana. A vitria dos liberais suos nessa guerra ctcia elevou a autoestima daoposio burguesa na Frana, o levante sangrento do povo em Palermo teve o efeito deum choque eltrico sobre a massa popular paralisada e despertou suas grandesmemrias e paixes revolucionriasb.

    Por m, a exploso do descontentamento geral foi acelerada, os nimos se acirrarampara a revolta em virtude de dois acontecimentos econmicos mundiais.

    A doena da batata inglesa e as quebras de safra de 1845 e 1846 aumentaram aintensidade da efervescncia entre o povo. A carestia de 1847 provocou conitossangrentos, tanto na Frana quanto no resto do continente. Em contraste com as orgiasdespudoradas da aristocracia nanceira a luta do povo pelos gneros primrios desubsistncia! Em Buzanais, revoltosos famintos sendo executados4, em Paris escrocs[escroques] empanturrados livrando-se dos tribunais com o apoio da famlia real!

    O segundo grande evento econmico que acelerou a irrupo da revoluo foi umacrise geral do comrcio e da indstria na I nglaterra; anunciada j no outono de 1845 peladerrota macia dos especuladores nas aes ferrovirias, adiada durante o ano de 1846por uma srie de pontos incidentais, como a revogao iminente da taxao dos gros, elaacabou estourando no outono de 1847 na bancarrota dos grandes comerciantes demercadorias colonialistas de Londres, seguida de imediato pela falncia dos bancosprovinciais e pelo fechamento das fbricas nos distritos industriais ingleses. Arepercusso dessa crise sobre o continente ainda no havia se esgotado quando irrompeua Revoluo de Fevereiro.

    A devastao do comrcio e da indstria pela epidemia econmica tornou a tirania daaristocracia nanceira ainda mais insuportvel. Em toda a Frana, a burguesiaoposicionista fez uma campanha festiva a favor de uma reforma eleitoral, visando conquistarpara ela a maioria nas cmaras e derrubar o ministrio da bolsa. Em Paris, a criseindustrial ainda gerou a consequncia especca de jogar no mercado interno uma massade fabricantes e grandes comerciantes que, nas circunstncias dadas, no conseguiammais fazer negcios no mercado externo. Eles edicaram grandes tablissements

  • [estabelecimentos], cuja concorrncia levou uma massa de piciers [merceeiros,vendeiros] e boutiquiers [pequenos lojistas] runa. D a a grande quantidade de falidosnessa parcela da burguesia parisiense, da a sua ao revolucionria em fevereiro. sabido que Guizot e as cmaras responderam s propostas de reforma com um desaoque no deixava margem dvida, que Lus Filipe decidiu, tarde demais, instituir umministrio Barrot, que se produziu o combate entre o povo e o exrcito, que o exrcito foidesarmado devido atitude passiva da Guarda Nacional, que a monarquia de julho foiforada a ceder seu lugar a um governo provisrio.

    O governo provisrio, erigido sobre as barricadas de fevereiro, necessariamente reetiuem sua composio os diversos partidos entre os quais se dividiu a vitria. Ele nadapodia ser alm de um compromisso entre as muitas classes que haviam se unido paraderrubar o trono de julho; seus interesses, no entanto, contrapunham-se hostilmente. Amaioria desse governo era composta de representantes da burguesia. A pequenaburguesia republicana era representada por Ledru-Rollin e Flocon, a burguesiarepublicana, pelo pessoal do National, a oposio dinstica, por Crmieux, D upont delEure etc. A classe operria tinha apenas dois representantes, Louis Blanc e Albert. Porm, Lamartine no representava nenhum interesse real, nenhuma classe determinada nogoverno provisrio; ele era a prpria Revoluo de Fevereiro, a sublevao conjunta comsuas iluses, sua poesia, seu contedo imaginrio e sua fraseologia. D e resto, o porta-vozda Revoluo de Fevereiro, tanto por seu posicionamento quanto por seus pontos devista, fazia parte da burguesia.

    Enquanto Paris domina a Frana em decorrncia da centralizao poltica, so ostrabalhadores que, em momentos de terremoto revolucionrio, dominam Paris. Oprimeiro sinal de vida do governo provisrio foi a tentativa de subtrair-se a essaimponente inuncia por meio de um apelo dirigido pela Paris embriagada Franasbria. Lamartine negou aos que lutaram nas barricadas o direito de proclamar arepblica, pois isso competiria unicamente maior parte dos franceses; seria precisoaguardar que depusessem seu voto; o proletariado parisiense no deveria manchar a suavitria com uma usurpao. A burguesia permitia ao proletariado uma nica usurpao a da luta.

    Ao meio-dia de 25 de fevereiro, a repblica ainda no havia sido proclamada; emcontrapartida, todos os ministrios j haviam sido distribudos entre os elementosburgueses do governo provisrio e entre os generais, banqueiros e advogados doNational. D essa vez, porm, os trabalhadores estavam decididos a no tolerar umaescamotagem parecida com a de julho de 1830. Eles estavam dispostos a retomar a luta eimpor a repblica pela fora das armas. Foi com essa mensagem que Raspail se dirigiu aoHtel de Ville: em nome do proletariado parisiense, ele ordenou ao governo provisrio que

  • proclamasse a repblica; se essa ordem do povo no se cumprisse dentro de no mximoduas horas, ele retornaria frente de 200 mil homens. Os cadveres dos que tombaramtinham acabado de esfriar, as barricadas ainda no haviam sido retiradas, ostrabalhadores no haviam sido desarmados e a nica fora que se poderia contrapor aeles era a Guarda Nacional. D iante dessas circunstncias sumiram de repente osargumentos que alegavam razes de Estado e os escrpulos de conscincia jurdicos dogoverno provisrio. O prazo de duas horas ainda no havia transcorrido e todos os murosde Paris j ostentavam as gigantescas palavras histricas: Rpublique franais! Libert,Egalit, Fraternit! [Repblica francesa! Liberdade, Igualdade, Fraternidade!].

    A proclamao da repblica com base no sufrgio universal apagou at mesmo alembrana dos propsitos e motivos limitados que haviam feito a burguesia correr para aRevoluo de Fevereiro. Em lugar das poucas faces da burguesia, de repente todas asclasses da sociedade francesa foram lanadas para dentro da esfera do poder poltico,foradas a abandonar os camarotes, o parterre [as plateias] e as galerias e desempenharpessoalmente seu papel no palco revolucionrio! J unto com o reinado constitucionaldesapareceu inclusive a aparncia de um poder de Estado arbitrariamente contraposto sociedade burguesa, levando com ela toda a srie de lutas secundrias que essepseudopoder provoca!

    Ao ditar a repblica ao governo provisrio e, por meio do governo provisrio, a toda aFrana, o proletariado ocupou imediatamente o primeiro plano como partido autnomo,mas, ao mesmo tempo, desaou toda a Frana burguesa a se unir contra ele. O que eleconquistou foi somente o terreno para travar a luta por sua emancipao revolucionria,mas de modo algum a prpria emancipao.

    Antes disso, a primeira medida que a repblica de fevereiro teve de tomar foiconsumar o domnio da burguesia, permitindo que todas as classes proprietrias ingressassemao lado da aristocracia nanceira na esfera do poder poltico. A maioria dos grandesproprietrios de terras, os legitimistas5, foi emancipada da nulidade poltica a que amonarquia de julho a havia condenado. No foi por nada que a Gazee de France agitoujunto com os jornais oposicionistas, no foi por nada que La Rochejaquelein tomou opartido da revoluo na sesso da Cmara dos D eputados de 24 fevereiro. Mediante osufrgio universal, os proprietrios nominais, que compem a maioria dos franceses, osagricultores, foram institudos como juzes sobre o destino da Frana. Por m, a repblicade fevereiro fez com que a dominao dos burgueses aparecesse em sua forma pura, aoderrubar a coroa atrs da qual se escondia o capital.

    Assim como os trabalhadores haviam conquistado pela luta a monarquia burguesa nasjornadas de julho, eles conquistaram, nas jornadas de fevereiro, a repblica burguesa.Assim como a monarquia de julho fora obrigada a se anunciar como uma monarquia,

  • rodeada de instituies republicanas, a repblica de fevereiro foi forada a se anunciar comouma repblica, rodeada de instituies sociais. O proletariado parisiense imps tambm essaconcesso.

    Marche, um operrio, ditou o decreto em que o governo provisrio recm-constitudose comprometia a assegurar a existncia dos trabalhadores mediante trabalho, aprovidenciar emprego para todos os cidados etc. E quando, poucos dias depois, eleesqueceu seu compromisso, parecendo t-lo perdido de vista, uma massa de 20 miltrabalhadores marchou at o Htel de Ville bradando: Organizao do trabalho! Criao deum ministrio prprio do trabalho!. D e modo relutante e aps longos debates, o governoprovisrio nomeou uma comisso especial permanente, encarregada de descobrir osmeios para o melhoramento das classes trabalhadoras! Essa comisso foi composta dedelegados das guildas dos artesos de Paris e presidida por Louis Blanc e Albert. OPalcio do Luxemburgo lhes foi designado como local de reunies. Assim, osrepresentantes da classe operria foram banidos da sede do governo provisrio, a suaporo burguesa manteve o poder real do Estado e as rdeas da administraoexclusivamente em suas mos e, ao lado dos ministrios das nanas, do comrcio, dosservios pblicos, ao lado do banco e da bolsa, levantou-se uma sinagoga socialista, cujossumos sacerdotes, Louis Blanc e Albert, estavam incumbidos de descobrir a terraprometida, anunciar o novo evangelho e dar trabalho ao proletariado parisiense.D iferentemente de qualquer poder estatal profano, eles no dispunham de nenhumoramento, de nenhum poder executivo. Esperava-se que eles derrubassem as colunas desustentao da sociedade burguesa a cabeadas. Enquanto o Luxemburgo buscava apedra filosofal, no Htel de Ville se cunhava a moeda corrente.

    Contudo, na medida em que as reivindicaes do proletariado parisienseextrapolassem a repblica burguesa, elas no poderiam mesmo ter seno a existncianebulosa do Luxemburgo.

    Os trabalhadores haviam feito a Revoluo de Fevereiro junto com a burguesia, masprocuraram impor seus interesses ao lado da burguesia, assim como haviam instalado, noprprio governo provisrio, um trabalhador ao lado da maioria burguesa. Organizao dotrabalho! S im, mas o trabalho assalariado a organizao burguesa j existente dotrabalho. Sem ela, no h capital, no h burguesia, no h sociedade burguesa. Umministrio prprio do trabalho! S im, mas os ministrios das nanas, do comrcio e dosservios pblicos j no so os ministrios burgueses do trabalho? E, posto ao ladodestes, um ministrio do trabalho proletrio s poderia ser um ministrio da impotncia,um ministrio dos desejos piedosos, uma comisso do Luxemburgo. Assim como ostrabalhadores acreditavam poder se emancipar paralelamente burguesia, eles acharamque podiam realizar a revoluo proletria parte das demais naes burguesas,

  • connados dentro das paredes nacionais da Frana. Porm, as relaes de produofrancesas so condicionadas pelo comrcio exterior da Frana, por sua posio nomercado mundial e pelos seus limites; como poderia a Frana romp-los sem uma guerrarevolucionria que atingisse o dspota do mercado mundial, a Inglaterra?

    Uma classe na qual os interesses revolucionrios da sociedade se concentramencontra, no momento em que ascende, diretamente em sua prpria condio, ocontedo e o material de sua atividade revolucionria: abater inimigos e adotar asmedidas exigidas pela necessidade da luta; so as consequncias de seus prprios feitosque a impulsionam a prosseguir. Ela no faz investigaes tericas sobre a tarefa que lhecabe. Contudo, a classe operria francesa ainda no tinha chegado a esse ponto; ela aindaera incapaz de realizar a sua prpria revoluo.

    O desenvolvimento do proletariado industrial, de modo geral, condicionado pelodesenvolvimento da burguesia industrial. sob o domnio desta que ele consegueestender sua existncia ao plano nacional, tornando-se capaz de conferir sua revoluouma amplitude nacional, conseguindo criar os modernos meios de produo, cada umdeles servindo de meio para a sua libertao revolucionria. esse domnio que arranca asociedade feudal pelas suas razes materiais e nivela o terreno, no qual unicamente setorna possvel uma revoluo proletria. A indstria francesa possui um nvel maiselevado de formao, e a burguesia francesa apresenta um desenvolvimento maisrevolucionrio do que a do restante do continente. Mas a Revoluo de Fevereiro no foidirigida diretamente contra a aristocracia nanceira? Esse fato demonstrou que no era aburguesia industrial que dominava a Frana. A burguesia industrial pode apenasdominar onde a indstria moderna confere a todas as relaes de propriedade a formaque lhe corresponde, e a indstria s capaz de obter esse poder onde ela tiverconquistado o mercado mundial, porque as fronteiras nacionais no comportam o seudesenvolvimento. Mas a indstria da Frana, em grande parte, s consegue levar amelhor, inclusive no mercado nacional, mediante um sistema proibitivo mais ou menosmodicado. Em consequncia, enquanto o proletariado francs, no momento darevoluo, possua um poder e uma inuncia de fato em Paris, que o incitaram a umaacometida que foi alm dos seus recursos, no restante da Frana ele se encontracomprimido em alguns centros industriais isolados e dispersos, quase desaparecendoentre a maioria de agricultores e pequeno-burgueses. A luta contra o capital em suaforma moderna e desenvolvida ou seja, em seu aspecto principal, que a luta dotrabalhador industrial assalariado contra o burgus industrial constituiu um fatoparcial na Frana; ela tinha menos condies ainda de representar o contedo nacionalda revoluo depois das jornadas de fevereiro, visto que a luta contra os modossecundrios de explorao pelo capital, do agricultor contra o agiota e a hipoteca, do

  • pequeno-burgus contra o grande comerciante, o banqueiro e o fabricante, em suma,contra a bancarrota, ainda se apresentava no envoltrio da sublevao geral contra aaristocracia nanceira. Nada mais fcil de explicar, portanto, do que o fato de oproletariado parisiense ter procurado impor o seu interesse paralelamente ao interesseburgus, em vez de legitim-lo como o interesse revolucionrio da prpria sociedade;nada mais fcil de explicar do que o fato de ele ter baixado a bandeira vermelha diante datricolor6. Os trabalhadores franceses no puderam dar nenhum passo adiante, nopuderam tocar em um cabelo sequer da ordem burguesa enquanto o curso da revoluono obrigou a massa da nao que se encontrava entre o proletariado e a burguesia, osagricultores e pequeno-burgueses, revoltados contra essa ordem, contra a dominao docapital, a se unirem aos proletrios como sua linha de frente na batalha. Ostrabalhadores s puderam obter essa vitria pagando o preo da derrota de junho7.

    comisso do Luxemburgo, a essa criao do trabalhador parisiense, resta o mritode ter revelado, de cima de uma tribuna europeia, o segredo da revoluo do sculo XI X:a emancipao do proletariado. O Moniteur enrubesceu quando teve de propagarocialmente os delrios incontidos que at aquele momento haviam jazido nos escritosapcrifos dos socialistas e s de tempos em tempos haviam reverberado nos ouvidos daburguesia como sagas remotas, meio terrveis, meio ridculas. S urpresa, a Europa selevantou de um pulo de sua semissonolncia burguesa. Na ideia dos proletrios,portanto, que confundiam a aristocracia nanceira com a burguesia em geral; na fantasiados homens de bem republicanos, que negavam inclusive a existncia das classes ou, nomximo, admitiam-nas como consequncia da monarquia constitucional; na fraseologiahipcrita das faces burguesas at ali excludas do domnio, o domnio da burguesia foraeliminado com a introduo da repblica. Naquela hora, todos os monarquistas setransformaram em republicanos e todos os milionrios de Paris em trabalhadores. Afraseologia que correspondeu a essa eliminao imaginria das relaes de classe foi a dafraternit, a confraternizao e fraternidade universal. Uma abstrao cmoda dosantagonismos de classe, uma nivelao sentimental dos interesses de classecontraditrios, uma exaltao delirante acima da luta de classes, a fraternit: essa foi apalavra-chave propriamente dita da Revoluo de Fevereiro. As classes estavam divididaspor um simples mal-entendido e Lamartine batizou o governo provisrio no dia 24 defevereiro de: un gouvernement qui suspende ce malentendu terrible qui existe entre lesdirent classes [um governo que suspende esse terrvel mal-entendido que existe entreas diferentes classes]. O proletariado parisiense se deleitou nesse xtase benevolente dafraternidade.

    O governo provisrio, por sua vez, tendo sido forado a proclamar a repblica, fez detudo para se tornar aceitvel burguesia e s provncias. Os sangrentos atos de terror da

  • primeira Repblica francesa foram desautorizados pela revogao da pena de morte paracrimes polticos, a imprensa foi liberada para todas as opinies, o exrcito, os tribunais ea administrao permaneceram, com poucas excees, nas mos de seus antigosdignitrios e nenhum dos grandes culpados da monarquia de julho foi responsabilizado.Os republicanos burgueses do National se divertiam trocando os nomes e os trajesmonrquicos pelos da Velha Repblica. Para eles, a repblica nada mais era que um novotraje de gala para a velha sociedade burguesa. A jovem repblica buscou reconhecimentoprincipalmente optando por no dar sustos em ningum, mas por viver assustando-se elamesma, garantindo a sua continuidade e desarmando as foras contrrias por meio deuma frouxa condescendncia e pela incapacidade de oferecer resistncia. Proclamou-seem alto e bom som para as classes privilegiadas dentro do pas e para as potnciasdespticas no exterior que a repblica seria de natureza pacca. Seu lema seria viver edeixar viver. Ocorreu, ademais, que, pouco depois da Revoluo de Fevereiro, alemes,poloneses, austracos, hngaros, italianos, todos os povos comearam a se revoltar, cadaum conforme a sua situao imediata. A Rssia, apesar de ter se agitado, e a I nglaterra,apesar de intimidada, ainda no estavam preparadas. A repblica no se defrontava,portanto, com nenhum inimigo nacional. Portanto, no havia grandiosas implicaesexternas a inamar a energia para a ao, acelerar o processo revolucionrio, impulsionaro governo provisrio para a frente ou jog-lo ao mar. O proletariado parisiense, que via arepblica como sua prpria criao, naturalmente aclamou cada ato do governoprovisrio que lhe facilitasse alcanar um lugar na sociedade burguesa. Voluntariamenteele se deixou usar por Caussidire para exercer servios de policiamento, para proteger apropriedade em Paris; da mesma forma, permitiu que as divergncias salariais entretrabalhadores e mestres fossem dirimidas por Louis Blanc. S eu point dhonneur [questode honra] era manter a honra burguesa da repblica intocada aos olhos da Europa.

    A repblica no encontrou resistncia, nem de fora, nem de dentro. I sso a desarmou.Sua tarefa deixou de ser a de conferir um formato revolucionrio ao mundo e passou aser to somente a de adaptar-se s relaes e condies da sociedade burguesa. E no htestemunho mais eloquente do fanatismo com que o governo provisrio se dedicou aessa tarefa do que as medidas financeiras que tomou.

    O crdito pblico e o crdito privado naturalmente estavam abalados. O crdito pblicobaseava-se na conana de que o Estado se deixaria explorar pelos judeus das nanas.Porm, o velho Estado tinha desaparecido, e a revoluo havia se dirigido sobretudocontra a aristocracia nanceira. As repercusses da ltima crise comercial europeia aindano haviam cessado: ainda se sucediam as bancarrotas.

    O crdito privado se encontrava, portanto, paralisado, a circulao emperrada e aproduo parada antes da irrupo da Revoluo de Fevereiro. A crise revolucionria

  • intensicou a crise comercial. E se o crdito privado se baseava na conana de que aproduo burguesa em toda a magnitude de suas relaes, ou seja, de que a ordemburguesa est intocada e intocvel, qual seria o efeito de uma revoluo quequestionava a base da produo burguesa, a escravido econmica do proletariado, quelevantava diante dos olhos da bolsa a esnge do Luxemburgo? O levante do proletariadosignica a eliminao do crdito burgus, pois a eliminao da produo burguesa esua ordem. O crdito pblico e o crdito privado so o termmetro econmico quepermite medir a intensidade de uma revoluo. Na mesma proporo em que aqueles caem,sobem o ardor e a fecundidade da revoluo.

    O governo provisrio visava despir a repblica de sua aparncia antiburguesa. Emconsequncia, ela teve de forosamente garantir sobretudo o valor de troca dessa novaforma de Estado, garantir a sua cotao na bolsa. Restabelecida a cotao da repblica nabolsa, necessariamente voltou a crescer a oferta de crdito privado.

    Para eliminar at mesmo a suspeita de que no quisesse ou no pudesse honrar oscompromissos assumidos da monarquia, para conferir credibilidade moral burguesa e solvncia da repblica, o governo provisrio recorreu a uma bravata to indigna quantoinfantil. Antes do prazo legal para o pagamento, ele pagou aos credores do Estado osjuros sobre os 5%, 4,5% e 4% [das obrigaes]. O aplomb burgus, a autoconana doscapitalistas, despertou subitamente quando se deram conta da pressa angustiada comque se tentava comprar sua confiana.

    claro que a manobra da encenao no fez com que as diculdades nanceiras dogoverno provisrio diminussem, j que o privou do dinheiro vivo que tinha de reserva.No havia como esconder por mais tempo o apuro nanceiro, e os pequeno-burgueses,serviais e trabalhadores tiveram de arcar com o custo da bela surpresa que havia sido feitaaos credores do Estado.

    A s cadernetas de poupana com valores acima de cem francos foram declaradasirresgatveis em dinheiro. As somas depositadas nas caixas econmicas foramconscadas e transformadas por decreto em dvida pblica irresgatvel. I sso fez com queo pequeno-burgus, que de qualquer modo j estava no aperto, casse enfurecido com arepblica. Ao receber ttulos de dvida do Estado em lugar de sua caderneta depoupana, ele foi forado a recorrer bolsa para vend-los e, assim, a se entregardiretamente nas mos dos judeus da bolsa, contra os quais ele havia feito a Revoluo deFevereiro.

    A aristocracia nanceira, que dominara sob a monarquia de julho, dispunha de umaalta igreja: o banco. Assim como a bolsa rege o crdito pblico, o banco rege o crditocomercial.

  • Vendo no s o seu domnio, mas tambm a sua existncia ameaados diretamentepela Revoluo de Fevereiro, o banco procurou logo desacreditar a repblica,generalizando a falta de crdito. D e repente, ele negou crdito aos banqueiros, aosfabricantes e aos comerciantes. Essa manobra, na medida em que no provocou umacontrarrevoluo imediata, voltou-se necessariamente contra o prprio banco. Oscapitalistas retiraram o dinheiro que haviam depositado nas caixas-fortes. Aqueles quepossuam notas bancrias correram ao caixa para troc-las por ouro e prata.

    Sem qualquer interveno violenta, pela via legal, o governo provisrio poderia terlevado o banco bancarrota; s o que precisava fazer era comportar-se passivamente eabandon-lo sua prpria sorte. A bancarrota do banco teria sido o dilvio que, em umpiscar de olhos, varreria do territrio francs a aristocracia nanceira, a inimiga maispoderosa e perigosa da repblica, e o pedestal dourado da monarquia de julho. E, umavez que o banco fosse bancarrota, a prpria burguesia teria de encarar a criao de umbanco nacional por parte do governo e a sujeio do crdito nacional ao controle da naocomo ltima tentativa desesperada de salvao.

    Em contraposio, o governo provisrio estabeleceu uma cotao compulsria para asnotas bancrias. E fez mais. Ele transformou todos os bancos provinciais em liais doBanque de France [Banco da Frana], permitindo que este jogasse a sua teia sobre toda aFrana. Mais tarde, ele lhe hipotecou as orestas do Estado como garantia para umemprstimo que contrara junto a ele. Assim, a Revoluo de Fevereiro consolidou eampliou diretamente a bancocracia que deveria derrubar.

    Entrementes o governo provisrio se curvava sob o pesadelo de um dcit crescente.Em vo ele mendigou sacrifcios patriticos. S os trabalhadores lhe jogavam esmolas.Era preciso lanar mo de um recurso heroico: a decretao de um novo imposto. Mascobrar imposto de quem? D os lobos da bolsa, dos reis dos bancos, dos credores doEstado, dos rentistas ou dos industriais? I sso no seria o meio mais adequado de fazer arepblica cair nas boas graas da burguesia. I sso signicaria pr o crdito do Estado e ocrdito comercial em risco de um lado, enquanto do outro se procurava preserv-lo custa