Marx, Karl; Engels, Friedrich - Lutas de Classes na Alemanha (Boitempo).pdf

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  • lutaS de claSSeS na alemanha

  • Karl marx e Friedrich engels

    lutaS de claSSeS na alemanha

    Prefciomichael lwy

    traduo nlio Schneider

  • copyright desta edio Boitempo editorial, 2010

    traduo dos textos originais em alemo:1. Kritische Randglossen zu dem artikel der Knig von Preussen

    und die Sozialreform. Von einem Preussen, em Karl marx e Friedrich engels, Werke (Berlim, Karl Dietz, 1976, v. 1), p. 392-409.

    2. Forderungen der Kommunistischen Partei in deutschland, em Karl marx e Friedrich engels, Werke (Berlim, Karl Dietz, 1971, v. 5), p. 3-5

    3. Ansprache der Zentralbehrde an den Bund vom Mrz 1850, em Karl marx e Friedrich engels, Werke (5. ed., Berlim, Karl Dietz,

    v. 7, 1973), p. 244-54

    coordenao editorialIvana Jinkings

    Editora-assistenteBibiana Leme

    assistncia editorialAna Lotufo, Elisa Andrade Buzzo

    e Gustavo Assanotraduo

    Nlio SchneiderPreparao

    Edison UrbanoReviso

    Pedro Paulo da Silvacapa

    Acqua Estdio Grficosobre desenho de Maringoni

    editorao eletrnicaAcqua Estdio Grfico

    ProduoPaula Pires

    CIP-BRASIL. CATALOGAO NA FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    M355L

    Marx, Karl, 1818-1883 lutas de classes na alemanha / Karl marx e Friedrich engels ;

    [apresentao de michael lwy ; traduo nlio Schneider]. 1. ed. So Paulo : Boitempo, 2010.

    il. (Coleo Marx-Engels)

    contm cronologia e ndice

    1. alemanha Poltica e governo. 2. alemanha condies sociais. 3. Movimentos sociais Alemanha. 4. Comunismo. 5. Socialismo. I. Engels, Friedrich, 1820-1895. II. Ttulo. III. Srie.

    10-5544. CDD 335.422 CDU 330.8526.10.10 29.10.10 022279

    vedada, nos termos da lei, a reproduo de qualquer parte deste livro sem a expressa autorizao da editora.

    Este livro atende s normas do novo acordo ortogrfico.

    1a edio: novembro de 2010

    BOITEMPO EDITORIALJinkings Editores Associados Ltda.

    Rua Pereira Leite, 37305442-000 So Paulo SP

    Tel./Fax: (11) 3875-7250 / 3872-6869editor@boitempoeditorial.com.brwww.boitempoeditorial.com.br

  • SUMRIO

    NOTA DA EDITORA ..........................................................................7

    PREFCIO, Michael Lwy ......................................................................9

    DIE SChLESISChEN wEBER/OS TECELES DA SILSIA, Heinrich Heine ...........................................................................................23

    GLOSAS CRTICAS AO ARTIGO O REI DA PRSSIA E A REFORMA SOCIAL. DE UM PRUSSIANO; Karl Marx ..................................................................................................25

    REIVINDICAES DO PARTIDO COMUNISTA DA ALEMANhA, Karl Marx e Friedrich Engels ....................................................................53

    MENSAGEM DO COMIT CENTRAL LIGA [DOS COMUNISTAS], Karl Marx e Friedrich Engels ....................................................................57

    NDICE ONOMSTICO ..................................................................77

    CRONOLOGIA RESUMIDA ..........................................................79

  • 7nota da editora

    este livro composto de trs textos, selecionados pelo filsofo Michael Lwy e nunca antes reunidos em uma mesma edio. a exemplo de Lutas de classes na Frana 1848 a 1850, no qual Marx reuniu textos so bre a Fran-a, este volume contempla anlises acerca da experincia alem escritas por Marx e engels quando contavam com 25 a 30 e poucos anos.

    Glosas crticas ao artigo o rei da Prssia e a reforma social. de um prussiano foi publicado por Marx no peridico Vorwrts!. a primeira parte, escrita em Paris em julho de 1844, foi divulgada no n. 63, em 7 de agos-to de 1844. a segunda saiu no n. 64, em 10 de agosto, concluindo assim a crtica ao artigo de arnold ruge o rei da Prssia e a reforma social. de um prussiano, pu-blicado no Vorwrts! n. 60. reivindicaes do Partido Co munista da alemanha foi escrito entre 21 e 29 de maro de 1848 e impresso por volta de 30 de maro de 1848, em Paris, e antes de 10 de setembro de 1848, em Colnia. a Mensagem do Comit Central Liga [dos Comunistas], por sua vez, foi escrita por Marx e engels no final de maro de 1850. em 1851, esse documento, que fora apreendido com alguns membros da Liga presos pela polcia prussiana, foi publicado no Klnische Zeitung [Jor nal de Colnia] e no Dresdner Journal und Anzeiger [Jor nal e Classificados de dresden], ambos de cunho bur gus, e mais tarde tambm no livro Die Communisten--Verschwrungen des neunzehnten Jahrhunderts [as cons piraes comunistas do sculo XiX], compilado por Wermuth e Stieber, caracterizados por engels como dois dos mais miserveis lmpens da polcia. a verso aqui

  • 8Nota da editora

    apre sentada tem por base o texto revisado por engels e pu blicado em 1885 como apndice edio do Enthllun-gen ber den Kommunisten-Prozess zu Kln [revelaes so bre o processo dos comunistas de Colnia] (Zurique, 1885), de Marx.

    enriquece este opsculo o poema os teceles da Silsia, escrito por Heinrich Heine em 1844 aps o le-vante ocorrido no mesmo ano e que inspirou Marx a publicar as Glosas crticas..., como aponta Lwy em seu Prefcio. os textos aqui presentes foram traduzidos por nlio Schneider, incluindo o poema de Heine, no qual se optou por preservar o contedo em vez das rimas, a fim de manter o sentido que teria encantado Marx poca de sua publicao.

    Lutas de classes na Alemanha o nono ttulo da co-leo Marx-engels, por meio da qual a Boitempo vem publicando as obras dos fundadores do marxismo em tradues diretas do alemo e sempre com a participao de intelectuais renomados. a relao completa da coleo encontra-se na pgina 94 deste volume.

    ao longo do texto, as notas de rodap so precedidas de nmeros quando foram inseridas pelos autores, e de asteriscos quando acrescentadas pelos editores diferen-ciando-se tambm quando so da edio brasileira (n. e.), da edio alem (n. e. a.), da edio inglesa (n. e. i.) ou da traduo (n. t.). Para destacar as inseres do tradutor ou da editora nos textos originais fizemos uso de colchetes. esse recurso foi utilizado quando nos pareceu necessrio esclarecer passagens, traduzir termos escritos pelo autor em outras lnguas, que no o alemo, ou ain-da ressaltar expresses no original cujo significado pode-ria ser traduzido de forma diferente.

    nossa publicao vem ainda acompanhada de um ndice onomstico das personagens citadas nos textos de Marx e de uma cronobiografia resumida de Marx e Engels que contm aspectos fundamentais da vida pessoal, da militncia poltica e da obra terica de ambos , com informaes teis ao leitor, iniciado ou no na obra marxiana.

    novembro de 2010

  • 9PreFCio

    em 1895, vrios anos depois da morte de Karl Marx, Friedrich engels reuniu alguns artigos do amigo sobre a Revoluo de 1848 na Frana em sua maioria publicados, na poca dos acontecimentos, na Nova Gazeta Renana sob o ttulo Lutas de classes na Fran-a 1848 a 1850, que logo se tornou um clssico da lite ratura marxista. nada equivalente foi feito em rela-o alemanha, embora Marx tivesse escrito vrios textos sobre as lutas de classes alems, antes, durante e depois da revoluo de 1848-49 naquele pas. Um volume sobre esse tema, equivalente ao dedicado Frana, deveria incluir uma seleo dos artigos de Marx na Nova Gazeta Renana. isso no foi possvel, por vrias razes, mas o presente livro fruto de uma ideia compartida pelo autor deste prefcio e ivana Jinkings, editora da Boitempo uma primeira tentativa de reunir alguns dos principais textos redigidos por Marx e Engels sobre a luta de classes na Alemanha textos que visavam no apenas interpretar a realidade social e poltica, mas tambm transform-la, para retomar a famosa tese 11 sobre Feuerbach*.

    os trs documentos includos neste pequeno volu-

    me so bastante distintos, mas se caracterizam por uma

    * em Karl marx e Friedrich engels, A ideologia alem (So Paulo, Boitempo, 2007), p. 539. (N. E.)

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    Prefcio

    formidvel lucidez poltica o que no exclui, como veremos, erros de avaliao e pela capacidade de Marx de rever, corrigir, aprofundar e modificar sua filo-sofia, teoria, estratgia ou ttica. o ensaio de 1844 o mais filosfico dos trs, embora se refira a um episdio concreto da luta de classes. os outros dois, de 1848 e 1850, so intervenes diretas, em nome do Partido Comunista, no processo revolucionrio; nem por isso deixam de ter sobre tudo o de 1850 uma dimenso filosfico-metodolgica importante. embora assinados por vrios dirigentes da Liga dos Comunistas, sabemos que foram redi gidos como o prprio Manifesto Comunista* pelos dois principais tericos da organi-zao. o fio condutor dos trs documentos o mesmo: a luta de classes na alemanha entre explorados e explo-radores, oprimidos e opressores, a dialtica entre revo-luo social e poltica, ou socialista e democrtica.

    apesar de seu evidente interesse terico e poltico, esses documentos raramente so publicados fora das obras completas de Marx e engels. Que seja de nosso conhecimento, nenhum deles foi antes traduzido di-retamente do alemo para o portugus. o que segu-ro que esta edio brasileira a primeira vez que os trs textos aparecem reunidos em um s volume, em qualquer lngua do mundo

    o ensaio Glosas crticas ao artigo o rei da Prssia e a reforma social. de um prussiano um comenta-rio polmico a um texto publicado em julho de 1844 pelo pensador neo-hegeliano, de sensibilidade demo-crticorepublicana, Arnold Ruge com o pseudnimo um prussiano no Vorwrts! [avante!], um peridi-

    * So Paulo, Boitempo, 2010. (N. E.)

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    Lutas de classes na Alemanha

    co de esquerda publicado por exilados alemes em Paris. as notas crticas de Marx apareceram no mesmo jornal, em agosto de 1844. Sob o ttulo pouco atra-tivo Glosas crticas escondese um texto extre-mamente importante do ponto de vista terico, geral-mente ignorado pela literatura secundria.

    o tema do debate entre Marx e ruge o levante dos teceles da Silsia provncia oriental da Prs-sia em junho de 1844, a primeira revolta operria na histria alem moderna, esmagada pela interveno do exrcito prussiano. em homenagem aos insurretos, o poeta alemo exilado em Paris Heinrich Heine grande amigo de Marx publicara, sempre no Vorwrts!, um de seus mais clebres poemas polticos, os teceles da Silsia, que apresenta esses operrios rebeldes como uma fora prestes a tecer o manto morturio da velha alemanha monrquica e reacion-ria. Aos olhos de Marx mas tambm de vrios de seus amigos, como testemunha sua correspondncia esse acontecimento veio confirmar, de maneira surpreen-dente, sua previso, de poucos meses antes no artigo sobre a filosofia do direito de Hegel* publicado no incio de 1844 nos Anais Franco-Alemes acerca do proletariado como nica classe verdadeiramente re-volucionria na alemanha.

    Contra ruge, que considera o levante como um assunto puramente social, condenado ao fracasso pela ausncia de uma alma poltica, Marx insiste na superioridade da revoluo social sobre a revoluo unicamente poltica: enquanto a rebelio operria, mesmo local, tem uma alma universal, a rebelio

    * Publicado como apndice em Karl Marx, Crtica da filosofia do direito de Hegel (2. ed., So Paulo, Boitempo, 2010), p. 145-57. (N. E.)

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    Prefcio

    poltica tem necessariamente um esprito mesquinho. a ousadia dos teceles silesianos contrasta vivamente com a passividade da burguesia alem. desse ponto de vista, o artigo uma brilhante anlise da dinmica da luta de classes na alemanha, que ser confirmada, pelo menos em parte, pelos acontecimentos de 1848: energia revolucionria das massas populares que se levantaram em maro de 1848, tergiversaes e final-mente capitulao da burguesia liberal.

    Segundo Marx, o levante silesiano de junho de 1844 era dirigido no s contra as mquinas como revol-tas similares na Frana e na inglaterra (o assim chama-do luddismo) mas diretamente contra o poder dos patres e dos banqueiros, assim como contra a pro-priedade privada burguesa. o resultado poltico foi que o levante acabou por reforar o servilismo e a impotncia da burguesia. at aqui, a rebelio dos teceles parece confirmar as intuies de Marx em seu artigo sobre a filosofia do direito de Hegel.

    entretanto, a partir de sua anlise do evento, Marx chega a uma concluso nova radicalmente distinta mesmo em relao a seu argumento no texto dos Anais Franco-Alemes: ele descobre a excelente predisposio do proletariado alemo para o socialis-mo, mesmo que se abstraia da teoria alem, isto , sem a interveno do relmpago do pensamento da filosofia alem, elemento ativo da revoluo segundo os termos do ensaio dos Anais.

    Mais importante ainda: ele descobre, graas ao levante dos teceles, que o proletariado no o ele-mento passivo da revoluo terminologia dos Anais mas exatamento o contrrio: Somente no socialismo um povo filosfico encontrar a prxis que lhe corres-ponde, ou seja, somente no proletariado encontrar o

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    Lutas de classes na Alemanha

    elemento ativo de sua libertao. S nessa frase en-contramos trs temas novos em relao sua perspec-tiva filosfica anterior, ainda bastante marcada pela problemtica neo-hegeliana:

    1. o povo e a filosofia no so mais representados como duas entidades separadas, a segunda pene-trando a primeira (terminologia dos Anais). a ex-presso povo filosfico traduz a superao dia-ltica dessa oposio.

    2. o socialismo no representado como uma teoria pura, uma ideia nascida na cabea do filsofo (ensaio dos Anais), mas como uma prxis.

    3. o proletariado aparece agora, diretamente, como o elemento ativo da emancipao.

    esses trs elementos constituem j os primeiros fundamentos da teoria da autoemancipao revolu-cionria do proletariado: eles conduzem em direo categoria da prxis revolucionria das teses sobre Feuerbach (1845).

    a crtica explcita do neo-hegelianismo e das ideias de Feuerbach esprito ativo versus matria passiva ser formulada nas Teses e na Ideologia alem (1846)*; mas as Glosas crticas de agosto de 1844 representam j uma ruptura implcita: a partir de um evento histrico concreto o levante dos teceles elas pem em questo, atravs da polmica com ruge, no s a filosofia hegeliana do estado e a concepo estreitamente poltica da emancipao o que os artigos de Marx nos Anais Franco-Alemes j haviam anunciado mas tambm a concepo feuerbachiana

    * Karl marx e Friedrich engels, A ideologia alem, cit. (N. E.)

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    Prefcio

    da relao entre a filosofia e o mundo, a teoria e a prtica. ao descobrir no proletariado o elemento ativo da emancipao, Marx, sem se referir at ento a Feu-erbach, rompe com o esquema que ainda era o seu no comeo de 1844. Graas a essa tomada de posio prtica sobre o movimento revolucionrio, o caminho estava aberto para chegar filosofia da prxis.

    Sem dvida, pode-se considerar que Marx exagera, nesse artigo, a conscincia socialista e revolucionria do proletariado alemo, tal como se manifesta nesse evento de junho de 1844. Sua esperana no desenvol-vimento de uma revoluo social na alemanha no se concretizar em 1848-49. Mas a problemtica polti-co-filosfica do ensaio supera os limites dessa conjun-tura histrica precisa.

    as reivindicaes do Partido Comunista da ale-manha foram redigidas por Marx e engels logo depois do incio da revoluo na alemanha, em maro de 1848; uma revoluo que se enfrenta no s com a monarquia absoluta apoiada no poderoso exrcito prussiano mas tambm com as vrias oligarquias feudais que dividiam o pas. esse documento, escrito pouco depois do Manifesto Comunista, um testemu-nho da importncia que tinha, para os dois lutadores, a interveno dos comunistas no processo da luta de classes revolucionria que se iniciava. Como no caso do Manifesto, o Partido Comunista em questo ao mesmo tempo a pequena Liga dos Comunistas, cujos dirigentes, exilados, s depois de maro de 1848 pu-deram voltar alemanha, e a corrente comunista no sentido amplo, histrico, da palavra.

    Sabemos muito pouco sobre a difuso do documen-to na alemanha, sua recepo por setores da populao,

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    Lutas de classes na Alemanha

    seu possvel impacto no curso dos acontecimentos. temos, portanto, de nos limitar a uma anlise de seu contedo. trata-se de um programa que busca articular dialeticamente reivindicaes democrtico-burguesas, antifeudais, e outras, prprias s classes populares e mesmo classe operria. em sua dinmica geral, um programa democrtico-revolucionrio, mas que vai bem alm dos limites de uma simples transformao do re-gime poltico, incluindo medidas pouco compatveis com a propriedade privada burguesa. ele revela, ao mesmo tempo, a ampla viso revolucionria de Marx e Engels, sua preocupao ttica construir uma ampla frente democrtica e antifeudal, da qual a Nova Gaze-ta Renana tentar, mais tarde, ser a expresso e suas iluses iniciais na possibilidade de incluir a burguesia alem nessa aliana.

    o exemplo mais evidente dessas iluses a espe-rana de que a criao de um banco de estado e a introduo do papel moeda em vez do ouro permitiria vincular os interesses dos burgueses conservadores revoluo. Logo depois dos primeiros meses da re-voluo alem de 1848, Marx e engels se daro conta da impossibilidade de ganhar essa burguesia conser-vadora para o processo democrtico-revolucionrio. Mais preocupada com o perigo que representa para seus interesses a mobilizao popular do que com as manobras da reao feudal, ela tender cada vez mais, no curso de 1848, a capitular diante do poder monr-quico prussiano.

    entretanto, se se faz abstrao dessas considera-es tticas, a reivindicao de que todos os bancos privados sejam substitudos por um banco estatal de uma incrvel atualidade em 2010. em plena cri-se financeira internacional, provocada pela especu-

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    Prefcio

    lao bancria desenfreada, assistimos mais impres-sionante operao mundial de salva-bancos nos principais centros capitalistas do mundo, com cente-nas de bilhes de dlares oriundos do imposto pago pela populao entregues, praticamente sem condies, aos principais bancos privados. a respos-ta racional e lgica no teria sido aquela proposta por Marx e engels, a expropriao dos bancos e a criao de um servio bancrio pblico? no curso da crise atual, essa reivindicao s foi levantada, em alguns pases, pelos comunistas revolucionrios e pelos anticapitalistas consequentes.

    Voltando ao texto de 1848, a tonalidade principal, como j observamos, democrtico-radical. repbli-ca, sufrgio universal, educao popular gratuita, se-parao entre igreja e estado, justia gratuita, imposto progressivo, limitao do direito de herana so rei-vindicaes clssicas de uma revoluo democrtica. deve-se observar, entretanto, que muitas dessas de-mandas por exemplo, a abolio dos impostos sobre o consumo nunca foram realizadas por nenhuma das democracias (burguesas) realmente existentes at hoje. outras s conheceram realizaes parciais, mutiladas pelos interesses do capital: o caso do forte imposto progressivo, da limitao da herana etc.

    interessante notar que vrias das reivindicaes em particular as que visam as propriedades e os tribu-tos feudais tm por objetivo ganhar para a revoluo os camponeses, pequenos agricultores e arrendatrios. Pode-se criticar um certo vis estatal dessas propos-tas s mais tarde Marx e Engels vo se interessar pelas tradies comunitrias camponesas mas evidente que os autores do documento esto perfeita-mente conscientes da importncia dos camponeses para uma revoluo democrtica radical.

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    Lutas de classes na Alemanha

    entretanto, outras demandas desse programa, sem colocar diretamente em questo o princpio da pro-priedade privada, acabam constituindo um conjunto impressionante de incurses do poder pblico no campo econmico, limitando assim drasticamente o espao para o mercado capitalista. o caso da expro-priao no s das propriedades feudais e dos bancos, j mencionados, mas do conjunto das minas e jazidas, assim como dos meios de transporte, e da instalao de fbricas nacionais, garantindo o emprego para todos os trabalhadores. Se acrescentamos a essas deman-das o armamento geral do povo, criando um exrci-to operrio, o programa supera implicitamente os li-mites de uma transformao puramente democrtica, abrindo o caminho para uma transio ps-capitalista.

    em ltima anlise, o programa visa unificar as clas-ses populares em um processo revolucionrio cuja dinmica pode ir longe. ele se dirige explicitamente, em sua concluso, classe dos produtores da riqueza o proletariado, os pequenos cidados e pequenos agricultores oprimida e explorada por um pequeno nmero. em poucas palavras, um chamado luta de classes, com um conjunto de reivindicaes que bus-cam impulsionar a revoluo democrtica at seus ltimos limites, onde ela tende a se transformar em algo mais radical, que fica apenas implcito1.

    Se comparamos o Programa de maro de 1848 com a Mensagem do Comit Central Liga [dos Comunis-tas], de maro de 1850, ficar evidente todo o cami-

    1 a bem da verdade, deve-se notar a ausncia, nesse programa, de reivindicaes sobre os direitos das mulheres, j existentes na lite-ratura socialista da poca, por exemplo nos escritos de Flora tristan, bem conhecidos de Marx e engels.

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    Prefcio

    nho percorrido por Marx e engels nesses dois anos, e a nova concepo da revoluo que resulta de sua experincia das lutas de classes na alemanha.

    a Mensagem do Comit Central Liga [dos Co-munistas] foi uma circular enviada pelos dirigentes exilados da organizao a seus militantes que haviam permanecido na alemanha. refugiados em Londres, Marx e engels acompanham de perto os ltimos com-bates da revoluo iniciada em maro de 1848. essa modesta circular interna na verdade um dos docu-mentos polticos mais importantes escritos pelos auto-res do Manifesto. Baseado em uma apreciao perfei-tamente ilusria e equivocada da situao na alemanha, onde a contrarrevoluo j havia ganhado a partida, ela prefigura entretanto as principais revo-lues do sculo XX. na realidade, esse documento contm a for mulao mais explcita e coerente, na obra de Marx e engels, da ideia de revoluo perma-nente, isto , a intuio da possibilidade objetiva, em um pas atrasado, absolutista e semifeudal como a alemanha nessa poca, de uma articulao dialtica das tarefas histricas da revoluo democrtica e da revoluo proletria, em um s processo histrico ininterrupto. essa hiptese j aparecia, de uma forma filosfica abstrata, no ensaio sobre Hegel dos Anais Franco-Alemes, numa expresso filosfica mais con-creta no artigo do Vorwrts! e, em termos mais direta-mente polticos, em alguns artigos sobre a revoluo alem na Nova Gazeta Renana em 1848-49. verda-de tambm que em outros escritos de Marx ou de engels, tanto antes como depois de 1850, encontramos anlises que partem de uma perspectiva histrica bas-tante distinta, considerando o desenvolvimento do capitalismo industrial ou o estabelecimento de uma

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    Lutas de classes na Alemanha

    repblica parlamentar burguesa como uma etapa his-trica distinta, anterior luta pelo socialismo. a tenso, no resolvida, entre permanentismo e etapismo atravessa a obra dos dois pensadores revolucionrios.

    a circular de 1850 se encontra resolutamente no campo do permanentismo. Constatando a capitula-o da burguesia liberal diante do absolutismo, ela prope aos comunistas alemes trabalhar para construir uma aliana do proletariado alemo com as foras democrticas da pequena burguesia, contra a coalizo reacionria entre a monarquia, os proprietrios fun-dirios e a grande burguesia. entretanto, essa coalizo democrtica concebida como um momento transi-trio em um processo revolucionrio permanente, at a supresso da propriedade burguesa e o estabele-cimento de uma nova sociedade, uma sociedade sem classes no somente na Alemanha, mas em escala internacional. Para isso, seria necessrio que os ope-rrios formassem seus prprios comits, seus governos revolucionrios locais, e sua guarda proletria arma-da. nada disso era possvel na alemanha de 1850 o erro de avaliao de Marx e Engels evidente, e eles prprios vo se dar conta do equvoco alguns meses mais tarde. no entanto, existe uma semelhan-a impressionante com o que vai se passar, num outro contexto histrico, claro, na rssia em 1917: conselhos operrios, guarda armada proletria, duplo poder, revoluo em permanncia at a supresso da proprie dade capitalista.

    documento interno da Liga dos Comunistas, a circular de 1850 foi publicada pela primeira vez por engels, como um anexo do livro de MarxEnthllungen ber den Kommunisten-Prozess zu Kln [revelaes sobre o processo dos comunistas de Colnia], editado

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    Prefcio

    em Zurique, na Sua, em 1885. Como era de se prever, provocou severas crticas da parte dos social-democra-tas alemes mais moderados; por exemplo, eduard Bernstein, em seu livro Os pressupostos do socialismo (1898), denuncia a revoluo em permanncia como uma formulao blanquista. ora, no se encontra nem o conceito nem o termo nos escritos do grande revolu-cionrio do sculo XiX, auguste Blanqui. na realidade, a fonte mais provvel do termo so os escritos sobre a histria da revoluo Francesa que Marx havia estuda-do e anotado em 1844-46, nos quais se mencionava o fato de os clubes revolucionrios se reunirem em per-manncia. Bernstein considera tambm, mas dessa vez com razo, que a dialtica a fonte de inspirao me-todolgica das ideias avanadas na circular. Segundo ele, a ideia da transformao da futura exploso revo-lucionria na alemanha em uma revoluo permanen-te era fruto da dialtica hegeliana um mtodo tanto mais perigoso quanto no nunca inteiramente falso , que permite passar bruscamente da anlise econ-mica violncia poltica, j que cada coisa traz em si o seu contrrio2.

    Com efeito, unicamente graas sua metodologia dialtica que Marx e engels foram capazes de superar o dualismo rgido e esttico separando a evoluo eco-nmica e a ao poltica, a revoluo democrtica e a revoluo socialista. sua compreenso da uni dade contraditria desses diferentes momentos e da possibi-lidade de saltos qualitativos as passagens bruscas de que fala Bernstein no processo histrico que lhes permitiu esboar a problemtica da revoluo perma-

    2 e. Bernstein, Les prssuposs du socialisme (1899) (Paris, Seuil, 1974), p. 67.

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    Lutas de classes na Alemanha

    nente. Contra esse mtodo dialtico, Bernstein no consegue propor outra coisa alm de um recurso ao empirismo como nico meio de evitar os piores erros. dialtica contra empirismo: Bernstein no se equivocou, seria difcil definir de maneira mais precisa as premis-sas metodolgicas que se enfrentam nessa polmica.

    Curiosamente, quando Leon trotski formula, pela primeira vez, sua teoria da revoluo permanente na rssia, na brochura Balano e perspectivas (1906), ele no parece conhecer a Mensagem do Comit Central Liga [dos Comunistas]; sua fonte terminolgica um artigo sobre a rssia publicado em 1905 pelo bi-grafo socialista alemo de Marx, Franz Mehring que, este sim, conhecia e havia lido o documento de 1850, mesmo que no o citasse em seu texto.

    o interesse desse escrito sob o calor da luta de Marx e engels que, apesar do evidente erro empri-co de sua anlise da situao na alemanha, eles conseguiram captar um aspecto essencial das revolu-es sociais do sculo XX, no somente na rssia mas tambm na espanha e nos pases do Sul (sia e am-rica Latina): a fuso explosiva entre as revolues democrtica (e/ou anticolonial) e socialista, em um processo ininterrupto, permanente. ideias similares sero desenvolvidas sem necessariamente conhecer a circular de 1850 ou os escritos de Trotski por mar-xistas latino-americanos, como Jos Carlos Maritegui no fim dos anos 1920 e ernesto Che Guevara em 1967, ou africanos, como amlcar Cabral. a proble-mtica continua sendo atual, como o demonstra o debate sobre o socialismo do sculo XXi, em parti-cular na amrica Latina.

    Michael Lwy

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    nos olhos sombrios nenhuma lgrima,

    Sentados ao tear, eles rangem os dentes:

    alemanha, tecemos tua mortalha,

    tecemos nela a tripla maldio

    tecemos, tecemos!

    Maldio sobre o deus ao qual rezamos

    no frio do inverno e passando fome.

    esperamos e persistimos em vo

    ele nos iludiu, nos tapeou, zombou de ns

    tecemos, tecemos!

    Maldio sobre o rei, o rei dos ricos,

    que da nossa misria no se condoeu,

    que de ns extorque at o ltimo vintm,

    e como a ces nos manda fuzilar

    tecemos, tecemos!

    im dstern auge keine trne

    Sie sitzen am Webstuhl und fletschen die Zhne:

    deutschland, wir weben dein Leichentuch,

    Wir weben hinein den dreifachen Fluch

    Wir weben, wir weben!

    ein Fluch dem Gotte, zu dem wir gebeten

    in Wintersklte und Hungersnten;

    Wir haben vergebens gehofft und geharrt

    er hat uns gefft, gefoppt und genarrt

    Wir weben, wir weben!

    ein Fluch dem Knig, dem Knig der reichen,

    den unser elend nicht konnte erweichen

    der den letzten Groschen von uns erpret

    Und uns wie Hunde erschiessen lt

    Wir weben, wir weben!

    oS teCeLeS da SiLSiadie SCHLeSiSCHen WeBer

    Heinrich Heine

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    Heinrich Heine

    Maldio sobre o falso solo ptrio,

    onde s viam humilhao e vergonha,

    onde cada flor bem cedo vergada,

    onde podrido e mofo deleitam os vermes

    tecemos, tecemos.

    Voa a lanadeira, range o tear

    tecemos sem parar, dia e noite

    Velha alemanha, tecemos tua mortalha,

    tecemos nela a tripla maldio

    tecemos, tecemos!

    ein Fluch dem falschen Vaterlande,

    Wo nur gedeihen Schmach und Schande,

    Wo jede Blume frh geknickt,

    Wo Fulnis und Moder den Wurm erquickt

    Wir weben, wir weben!

    das Schiffchen fliegt, der Webstuhl kracht,

    Wir weben emsig tag und Nacht

    altdeutschland, wir weben dein Leichentuch,

    Wir weben hinein den dreifachen Fluch,

    Wir weben, wir weben!

    Fonte: http://gutenberg.spiegel.de/?id=5&xid=1136&kapitel=117&cHash=3da378c6dbhh000158#gb_found

    traduo: nlio Schneider

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    GLOSAS CRTICAS AO ARTIGOO rei da Prssia e a reforma social.

    de um prussiano1Karl Marx

    [1a parte: Vorwrts!, n. 63, 7 de agosto de 1844]

    O nmero 60 do Vorwrts! [avante!] contm um artigo intitulado O rei da Prssia e a reforma so-cial, assinado: um prussiano.

    de incio, o pretenso prussiano* faz uma expo-sio do contedo da ordem expedida pelo gabi-nete real prussiano a respeito da revolta dos trabalhadores silesianos e da opinio do jornal francs La Rforme sobre a ordem do gabinete prussiano. O La Rforme teria considerado o susto e o sentimento religioso do rei como a fonte da ordem do gabi-nete. Teria vislumbrado nesse documento at mesmo o pressentimento das grandes reformas que estavam por sobrevir sociedade burguesa. O prussiano d a seguinte lio no La Rforme.

    O rei e a sociedade alem ainda no chegou ao pressen-timento de sua reforma2 nem foram as revoltas silesianas e bomias que geraram esse sentimento. impossvel apresentar a um pas apoltico como a Alemanha a penria parcial dos distritos fabris como um problema universal e

    1 Razes especiais me levam a declarar que este artigo o primei-ro que forneci ao Vorwrts! para publicao.* Trata-se do filsofo e escritor Arnold Ruge, natural de Bergen, com quem marx havia editado os Anais FrancoAlemes. (N. T.)2 Note-se o absurdo estilstico e gramatical: O rei da Prssia e a sociedade ainda no chegou ao pressentimento de sua (a quem se refere esse sua?) reforma.

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    Glosas crticas...

    muito menos como um prejuzo para todo o mundo civi-lizado. Para os alemes, esse acontecimento possui o mesmo carter de uma calamidade local causada por inundao ou fome. por isso que o rei o toma como uma falha de administrao ou de assistncia caritativa. Por essa razo e porque bastou um pequeno contingente militar para acabar com os frgeis teceles, a demolio das f-bricas e mquinas tampouco causou susto no rei e nas autoridades. Isso mesmo! nem sequer o sentimento religioso ditou a ordem de gabinete: ela uma expresso bastante sbria da poltica crist e de uma doutrina que no permite que nenhuma dificuldade escape ao seu nico remdio, a saber, boa inteno dos coraes cristos. Pobreza e crime so dois grandes males; quem pode san-los? O Estado e as autoridades? No, mas a unio de todos os coraes cristos.

    O pretenso prussiano nega que o rei tenha leva-do um susto, entre outras coisas, porque bastou um pequeno contingente militar para acabar com os frgeis teceles.

    Ou seja, num pas em que banquetes com brin-des e espuma de champanhe liberais mencione-se a festividade de dsseldorf provocam uma ordem do gabinete real*, em que no foi preciso recorrer a um soldado sequer para acabar com os anseios de toda a burguesia liberal por liberdade de imprensa e Constituio, num pas em que a obedincia pas-siva est lordre du jour [na ordem do dia] num pas assim, a necessidade de recorrer fora arma-da contra frgeis teceles no seria um acontecimento, e um acontecimento assustador? ademais, os frgeis teceles obtiveram a vitria no primeiro confronto. Eles s foram esmagados por um refor-

    * Ordem do Gabinete de Frederico Guilherme de 18 de julho de 1843, proibindo a participao de funcionrios do governo em eventos organizados pelos liberais, como havia ocorrido no ban-quete de Dsseldorf, em comemorao abertura da stima Dieta Renana. (N. E. I.)

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    Lutas de classes na Alemanha

    o de tropas que acorreu posteriormente. a revol-ta de um grupo de trabalhadores seria menos pe-rigosa por no ter sido necessrio recorrer ao exrcito para sufoc-la? O sabido prussiano com-pare a revolta dos teceles silesianos com as revol-tas dos trabalhadores ingleses e ver que os teceles silesianos so teceles poderosos.

    Com base na relao geral da poltica com as mazelas sociais, explicaremos porque a revolta dos teceles no foi capaz de dar um susto fora do comum no rei. adiantaremos apenas isto: a revol-ta no estava voltada diretamente contra o rei da Prssia, mas contra a burguesia. Sendo aristocrata e monarca absoluto, no h maneira de o rei da Prssia gostar da burguesia; e muito menos de se assustar quando o servilismo e a impotncia desta so reforados por uma relao tensa e complicada com o proletariado. Mais ainda: o catlico ortodo-xo mais hostil ao protestante ortodoxo do que ao atesta, na mesma proporo em que o legitimista se mostra mais hostil ao liberal do que ao comunis-ta. Isso assim, no porque o atesta e o comunista tenham mais afinidade respectivamente com o catlico e o legitimista, mas porque lhes so mais estranhos do que o protestante e o liberal, porque se encontram fora do seu crculo. O rei da Prssia, como poltico, tem sua oposio direta na poltica, no liberalismo. Para o rei, no existe a oposio do proletariado, na mesma medida em que o rei no existe para o proletariado. O proletariado j preci-saria ter obtido um poder decisivo para abafar as antipatias e as oposies polticas e atrair toda a inimizade da poltica contra si mesmo. Por fim: para o carter do rei, conhecido por sua avidez pelo interessante e significativo, deve ter sido inclusive

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    Glosas crticas...

    uma surpresa agradavelmente excitante encon-trar, em seu prprio territrio, aquele pauperismo interessante e to decantado que lhe proporcio-nava a oportunidade de colocar-se novamente no centro das conversas. como deve ter sido agrad-vel a notcia de que j possua um pauperismo prussiano prprio!

    nosso prussiano ainda mais infeliz ao negar que o sentimento religioso tenha sido a fonte da ordem do gabinete real.

    Por que o sentimento religioso no a fonte da ordem do gabinete? Por ser uma expresso bas-tante sbria da poltica crist, uma expresso sbria da doutrina que no permite que nenhuma dificuldade escape ao seu nico remdio, a saber, boa inteno dos coraes cristos.

    O sentimento religioso no a fonte da poltica crist? uma doutrina que tem como recurso uni-versal a boa inteno dos coraes cristos no est baseada no sentimento religioso? Uma expresso sbria do sentimento religioso deixa de ser uma expresso do sentimento religioso? e tem mais! Afirmo tratar-se de um sentimento religioso muito cheio de si, inebriado at, este que nega ao Estado e autoridade a competncia para a soluo de grandes males, buscando-a na unio dos coraes cristos. Trata-se de um sentimento religioso bas-tante inebriado, que como admite o prussia no v todo o mal na falta de sentimento cristo e, em consequncia, remete as autoridades ao nico re-curso que pode fortalecer esse sentimento: a exortao. conforme o prussiano, a inteno crist o objetivo da ordem de gabinete. claro que o sentimento religioso, quando est inebriado, quan-do no est sbrio, considera-se o nico bem. Ao

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    Lutas de classes na Alemanha

    detectar um mal, atribui-o sua ausncia, pois, sendo o nico bem, o nico que pode gerar o bem. Portanto, o sentimento religioso que, por conse-quncia, dita a ordem de gabinete ditada pelo sentimento religioso. um poltico com sentimento religioso sbrio no buscaria auxlio para a sua perplexidade na exortao inteno crist feita por um pregador piedoso.

    ento, de que maneira o pretenso prussiano demonstra ao La Rforme que a ordem de gabine-te no decorrncia do sentimento religioso? Des crevendo, em toda parte, a ordem de gabine-te como decorrncia do sentimento religioso. Po-de-se esperar que uma cabea to ilgica tenha alguma noo dos movimentos sociais? Ouamos a sua prosa sobre a relao entre a sociedade alem e o movimento operrio e a reforma social de mo-do geral.

    Faamos o que o prussiano negligencia: diferenciemos as diversas categorias que foram subsu-midas na expresso sociedade alem: governo, burguesia, imprensa e, por fim, os pr prios traba-lhadores. estas so as diversas massas de que se trata aqui. O prussiano subsume essas massas e as condena em massa a partir de sua excelsa pers-pectiva. de acordo com ele, a sociedade alem ainda no chegou ao pressentimento de sua reforma.

    Por que lhe falta esse instinto? O prussiano responde o seguinte:

    impossvel apresentar a um pas apoltico como a alema-nha a penria parcial dos distritos fabris como um proble-ma universal e muito menos como um prejuzo para todo o mundo civilizado. Para os alemes, esse acontecimento possui o mesmo carter de uma calamidade local causada por inundao ou fome. por isso que o rei o toma como uma falha de administrao ou de assistncia caritativa.

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    Glosas crticas...

    O prussiano, portanto, explica essa com-preenso equivocada da penria dos trabalhadores a partir da peculiaridade de um pas apoltico.

    Admita-se que a Inglaterra seja um pas poltico. Admita-se, ademais, que a Inglaterra seja o pas do pauperismo, tendo inclusive esse termo origem in-glesa. examinar a Inglaterra constitui, portanto, o experimento mais seguro para obter conhecimento sobre a relao entre um pas poltico e o pauperismo. Na Inglaterra, a penria dos trabalhadores no parcial, mas universal; ela no se limita aos distritos fabris, mas se estende aos distritos rurais. Nesse pas, os movimentos no se encontram em fase de surgimento, mas so periodicamente recorrentes h quase um sculo.

    Ora, como a burguesia inglesa, alm do governo e da imprensa a ela associados, compreendem o pauperismo?

    Na medida em que a burguesia inglesa admite que o pauperismo culpa da poltica, o whig encara o tory e o tory o whig como a causa do pauperismo. de acordo com o whig, as fontes principais do pau-perismo so o monoplio exercido pelo latifndio e a legislao que probe a importao de cereal. de acordo com o tory, o mal est todo concentrado no liberalismo, na concorrncia, no sistema fabril levado ao extremo. nenhum dos partidos v a razo na poltica em si; ao contrrio, cada um a v somen-te na poltica do partido contrrio; nenhum dos dois partidos sequer sonha com uma reforma da sociedade.

    A expresso mais categrica da compreenso inglesa do pauperismo continuamos falando da compreenso prpria da burguesia e do governo ingleses a economia poltica inglesa, isto , o refle-

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    Lutas de classes na Alemanha

    xo cientfico das condies em que se encontra a economia inglesa.

    mcculloch, aluno do cnico Ricardo e um dos melhores e mais famosos economistas polticos ingleses, que conhece as condies atuais e deve, portanto, possuir uma viso abrangente do movi-mento da sociedade burguesa, ainda ousa, e isto durante uma preleo aberta ao pblico e sob aplausos, aplicar economia poltica o que Bacon diz da filosofia:

    Aquele que, com verdadeira e incansvel sabedoria, pro-tela o seu juzo e avana passo a passo, superando um aps outro os obstculos que, como montanhas, detm o andamento do estudo, chegar a seu tempo ao cume da cincia, onde se desfruta a paz e o ar puro, onde a nature-za se descortina aos olhos em toda a sua beleza e de onde se pode descer por um trilho suavemente inclinado at os ltimos detalhes da prxis.*

    Que coisa boa o ar puro da atmosfera pestilenta das moradias nos pores ingleses! Que tremenda beleza natural a das fantsticas roupas esfarrapadas dos pobres ingleses e do corpo murcho, macilento das mulheres, consumidas pelo trabalho e pela mi-sria, a das crianas jogadas em montes de esterco, a dos fetos malformados gerados pelo excesso de trabalho na montona atividade me cnica das f-bricas! E que encantadores os ltimos detalhes da prxis: a prostituio, o assassinato e a forca!

    At mesmo a parcela da burguesia inglesa que est bem consciente do perigo representado pelo pauperismo possui uma concepo no s particular, mas tambm, para diz-lo sem rodeios, infantil e simplria desse perigo, assim como dos meios para san-lo.

    * Marx no cita a fonte. (N. T.)

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    Glosas crticas...

    Por exemplo, o Dr. Kay, em sua brochura Recent measures for the promotion of education in England [medidas recentes para a promoo da educao na Inglaterra], reduz tudo educao negligen ciada. e adivinhe-se a razo disso! que, por de ficincia na educao, o trabalhador no compreende as leis naturais do comrcio, leis que necessariamente o degradam ao pauperismo. por isso que ele se re-volta. Isso pode causar embarao prosperidade das fbricas inglesas e do comrcio ingls, abalar a con-fiana recproca dos comercian tes, diminuir a esta-bilidade das instituies polticas e sociais.

    Essa a dimenso da insensatez da burguesia inglesa e de sua imprensa a respeito do paupe-rismo, a respeito dessa epidemia nacional que se propaga na Inglaterra.

    Pressupondo, portanto, que haja fundamento nas acusaes que o nosso prussiano faz socie-dade alem, a razo disso estaria mesmo na condi-o apoltica da alemanha? mas, se de um lado a burguesia da Alemanha apoltica no consegue visualizar a importncia universal de um caso de penria parcial, a burguesia da Inglaterra politizada, em contrapartida, consegue ignorar a importncia universal da penria universal, uma penria que evidenciou sua importncia universal em parte por sua recorrncia peridica no tempo, em parte pela propagao no espao e em parte pelo fracasso de todas as tentativas de san-la.

    Alm disso, o prussiano atribui condio apoltica da Alemanha o fato de o rei da Prssia identificar a razo do pauperismo numa falha de administrao e de beneficncia e, em consequncia, valer-se de medidas administrativas e beneficentes como meio para sanar o pauperismo.

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    Lutas de classes na Alemanha

    Mas essa viso das coisas seria prpria do rei da Prssia? Lancemos um rpido olhar para a In gla-terra, o nico pas onde se pode falar de uma gran-de ao poltica voltada ao pauperismo.

    A atual legislao inglesa referente aos pobres data da lei constante do ato no 43 do governo de Elizabeth3. em que consistem os meios de que dispe essa legislao? Na obrigao das parquias de prover auxlio aos seus trabalhadores pobres, no imposto para os pobres, na beneficncia legal. Essa legislao a beneficncia pela via da ad-ministrao durou dois sculos. Aps longas e dolorosas experincias, a que posicionamento che-gou o Parlamento em sua Amendment Bill [lei dos Pobres emenda] de 1834?

    de incio, ele explica o terrvel aumento do pau-perismo como falha administrativa.

    Em consequncia, reforma-se a administrao do imposto para os pobres, que era composta por funcionrios das respectivas parquias. Formam-se unies de cerca de vinte parquias, que so postas sob uma nica administrao. Um Departamento de Funcionrios Board of Guardians , de funcio-nrios eleitos pelos contribuintes, rene-se em determinado dia na sede da unio e toma decises quanto licitude do auxlio. essas comisses so manobradas e supervisionadas por delegados do governo, pela comisso central da Somerset hou-se, do Ministrio do Pauperismo, conforme a desig-nao certeira de um francs*. O capital que essa administrao supervisiona praticamente se igua-

    3 Para os nossos propsitos, no preciso remontar ao Estatuto do trabalhador, aprovado sob Eduardo III.* Trata-se de Eugne Buret. (N. E. A.)

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    Glosas crticas...

    la soma dos custos de administrao da guerra na Frana. O nmero de administraes locais empregadas por ela chega a 500, e cada uma dessas administraes locais, por sua vez, oferece ocupa-o a pelo menos doze funcionrios.

    O parlamento ingls no se restringiu reforma formal da administrao.

    ele detectou a fonte principal da condio aguda do pauperismo ingls na prpria Lei dos Pobres. O prprio meio legal contra a indigncia social, a beneficncia, favoreceria a indigncia social. Quan-to ao pauperismo em termos gerais, ele seria uma lei natural eterna, segundo a teoria de malthus:

    como a populao procura incessantemente extrapolar os meios de subsistncia, a beneficncia uma loucura, um incentivo pblico misria. Em consequncia, o Estado nada pode fazer alm de abandonar a misria sua sorte e, quando muito, facilitar a morte dos miserveis.

    O Parlamento ingls combinou essa teoria de carter humanitrio com o parecer de que o pau-perismo seria a misria infligida a si mesmo pelo trabalhador, no devendo, em consequncia, ser pre-venido como um infortnio, mas reprimido e punido como um crime.

    Foi assim que surgiu o regime das workhouses, isto , dos asilos de pobres, cuja organizao inter-na dissuade os miserveis de buscar nelas refgio para no morrerem de fome. nas workhouses, a be-ne ficncia est engenhosamente entrelaada com a vingana da burguesia contra o miservel que apela sua beneficncia.

    A primeira coisa que a Inglaterra tentou, por-tanto, foi acabar com o pauperismo por meio da beneficncia e de medidas administrativas. depois,

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    Lutas de classes na Alemanha

    ela no encarou o avano progressivo do pauperis-mo como consequncia necessria da indstria mo derna, mas como consequncia do imposto ingls para os pobres. Ela compreendeu a penria universal como uma mera particularidade da legislao ingle-sa. O que antes era derivado de uma falha na bene-ficncia, passou a ser derivado de um excesso de beneficncia. Por fim, a misria foi vista como culpa dos miserveis e, como tal, punida neles mesmos.

    O significado universal que a Inglaterra politizada extraiu do pauperismo restringe-se a isto: no desdobramento do processo, apesar das medidas administrativas, o pauperismo foi tomando a forma de uma instituio nacional, tornando-se, em con se quncia, inevitavelmente em objeto de uma administrao ramificada e bastante ampla, uma ad-ministrao que, todavia, no possui mais a incum-bncia de sufoc-lo, mas de disciplinlo, de per-petu-lo. Essa administrao desistiu de tentar estancar a fonte do pauperismo valendo-se de meios positivos; ela se restringe a cavar-lhe o t-mulo, valendo-se da benevolncia policial, toda vez que ele brota da superfcie do pas oficial. O estado ingls, longe de ir alm das medidas ad-ministrativas e beneficentes, retrocedeu aqum delas. ele se res tringe a administrar aquele paupe-rismo que, de to desesperado, deixa-se apanhar e jogar na priso.

    Portanto, at agora o prussiano no mostrou nada de singular no procedimento do rei da Prs sia. mas por qu?, exclama o grande homem com rara ingenuidade: Por que o rei da Prssia no or dena de imediato a educao de todas as crianas des-validas? Por que ele se dirige primeiro s au to ri-dades e espera por seus planos e suas su ges tes?

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    Glosas crticas...

    Esse prussiano supersabido se tranquilizar quando souber que, nesse ponto, o rei da Prssia to pouco original quanto em suas demais aes, que ele inclusive adotou a nica maneira que um chefe de estado pode adotar.

    Napoleo quis acabar com a mendicncia de um s golpe. Ele encarregou suas autoridades de preparar planos para a erradicao da mendi-cncia de toda a Frana. O projeto foi sendo pro-telado; napoleo perdeu a pacincia e escreveu ao seu ministro do interior, Crtet, ordenando-lhe que acabasse com a mendicncia no prazo de um ms; ele disse:

    no se deve transitar por esta terra sem deixar marcas que nos recomendem memria da posteridade. No me pe-am mais trs ou quatro meses para fazer verificaes: tendes auditores jovens, prefeitos inteligentes, engenheiros de pontes e avenidas bem-formados; fazei com que todos se mexam e no fiquem dormitando no trabalho burocr-tico habitual.

    Em poucos meses, estava tudo feito. No dia 5 de julho de 1808, foi promulgada a lei de represso mendicncia. De que maneira? Mediante os Dpots [instituies de custdia policial], que se transformaram em penitencirias com tanta rapi-dez que logo o pobre s conseguia chegar a essas instituies pela via do tribunal da polcia correcional. E, no obstante, M. Noailles du Gard, membro do corpo de legisladores, exclamou:

    Reconhecimento eterno ao heri que assegura carncia um refgio e pobreza os meios de subsistncia. A infn-cia no mais ficar abandonada, as famlias pobres no carecero mais de recursos, nem os trabalhadores do en-corajamento e da ocupao. Nos pas ne seront plus arrts per limage dgotante des infirmits et de la honteuse misre [no seremos mais molestados pela viso repugnante das enfermidades e da vergonhosa misria].

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    Lutas de classes na Alemanha

    A ltima passagem cnica constitui a nica ver-dade desse panegrico.

    ento, se napoleo apela para o conhecimento de causa de seus auditores, prefeitos e engenheiros, por que o rei da Prssia no faria o mesmo com suas autoridades?

    Por que napoleo no ordenou de imediato a supresso da mendicncia? Do mesmo calibre a pergunta do prussiano: Por que o rei da Prs-sia no ordena de imediato a educao das crianas desvalidas? O prussiano sabe o que o rei deve-ria ordenar? nada alm do aniquilamento do prole-tariado. Para educar crianas preciso alimentlas e libertlas do trabalho remunerado. a alimentao e educao das crianas desvalidas, isto , a alimen-tao e educao de todo o proletariado em fase de crescimento, representaria o aniquilamento do pro-letariado e do pauperismo.

    Por um momento, a conveno teve a coragem de ordenar a supresso do pauperismo, no de imediato, como exige o prussiano do seu rei, mas s depois de ter encarregado o Comit de Sade Pblica da elaborao dos planos e projetos que se faziam necessrios e depois de esse comit ter utilizado as investigaes abrangentes da Assem-ble Constituante [Assembleia Constituinte] sobre o estado da misria francesa para propor, pela voz de Barre, a instituio do Livre de la bienfaisance nationale [Livro da beneficncia nacional], etc. Qual foi a consequncia da ordem da conveno? a con-sequncia foi que passou a haver uma ordem a mais no mundo e que, um ano depois, a conveno seria sitiada por mulheres famintas.

    a conveno, contudo, era o suprassumo da energia poltica, do poder poltico e do senso poltico.

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    Glosas crticas...

    de imediato, sem primeiro se entender com as autoridades, nenhum governo do mundo emitiu ordens a respeito do pauperismo. O Parlamento ingls at mesmo enviou comissrios a todos os pases da europa para tomar conhecimento dos diferentes remdios administrativos contra o mes-mo. Porm, na medida em que os Estados se ocu-param com o pauperismo, restringiram-se s medidas administrativas e beneficentes ou retroce deram aqum da administrao e da bene ficn cia.

    O Estado pode agir de outro modo? O Estado jamais ver no estado e na organiza-

    o da sociedade a razo das mazelas sociais, como exige o prussiano do seu rei. Onde quer que haja partidos polticos, cada um deles ver a razo de todo e qualquer mal no fato de seu adversrio estar segurando o timo do Estado. nem mesmo os pol-ticos radicais e revolucionrios procuram a razo do mal na essncia do Estado, mas em uma deter-minada forma de Estado, que querem substituir por outra forma de estado.

    do ponto de vista poltico, estado e organizao da sociedade no so duas coisas distintas. O Esta-do a organizao da sociedade. na medida em que o estado admite a existncia de anomalias sociais, ele procura situ-las no mbito das leis da natureza, que no recebem ordens do governo humano, ou no mbito da vida privada, que inde-pendente dele, ou ainda no mbito da improprie dade da ad mi nistrao, que dependente dele. assim, para a Inglaterra a misria est fundada na lei da natureza, segundo a qual a populao constante e obrigato riamente extrapola os meios de subsistn-cia. numa outra perspectiva, ela explica o paupe-rismo a partir da m vontade dos pobres, assim como

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    Lutas de classes na Alemanha

    o rei da Prssia o explica a partir da mentalidade no crist dos ricos e a conveno o explica a partir da inteno con trarrevolucionria suspeita dos pro-prietrios. consequentemente a Inglaterra pune os pobres, o rei da Prssia exorta os ricos e a Conven-o deca pita os proprietrios.

    Por fim, todos os Estados buscam a causa nas falhas casuais ou intencionais da administrao e, por isso mesmo, em medidas administrativas o remdio para suas mazelas. Por qu? Justamente porque a administrao a atividade organizado-ra do estado.

    O Estado no pode suprimir a contradio entre a finalidade e a boa vontade da administrao, por um lado, e seus meios e sua capacidade, por outro, sem suprimir a si prprio, pois ele est baseado nessa contradio. Ele est baseado na contradi-o entre a vida pblica e a vida privada, na contra-dio entre os interesses gerais e os interesses particulares. em consequncia, a administrao deve restringir-se a uma atividade formal e negativa, porque o seu poder termina onde comea a vida burguesa e seu labor. Sim, frente s consequncias decorrentes da natureza associal dessa vida bur-guesa, dessa propriedade privada, desse comrcio, dessa in dstria, dessa espoliao recproca dos diversos crculos burgueses, frente a essas conse-quncias a lei natural da administrao a impotncia. Porque essa dilacerao, essa sordidez, esse escravismo da sociedade burguesa o fundamento natural sobre o qual est baseado o Estado moder-no, assim como a sociedade burguesa do escra-vismo era o fun damento natural sobre o qual esta-va baseado o Estado antigo. A existncia do Estado e a existncia da escravido so inseparveis. a

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    Glosas crticas...

    fuso do estado antigo com a escravido antiga antteses clssicas declaradas no era mais ntima do que a do estado moderno com o moderno mun-do da barganha an tteses crists dissimuladas. Se quisesse eliminar a impotncia de sua administra-o, o estado moder no teria de eliminar a atual vida privada. Se ele quisesse eliminar a vida privada, teria de eliminar a si mesmo, porque ele existe to somente como anttese a ela. Porm, nenhum vivente julgar que as deficincias de sua existncia este-jam fundadas no princpio de sua vida, na essncia de sua vida, mas sempre em circunstncias exteriores sua vi da. O suicdio antinatural. O Estado no pode, portanto, acreditar que a impotncia seja inerente sua administrao, ou seja, a si mesmo. ele pode to somente admitir deficincias formais e casuais na mesma e tentar corrigi-las. Se essas mo-dificaes no surtem efeito, a mazela social uma imperfeio natural que independe do ser humano, uma lei divina, ou a vontade das pessoas particula-res est corrompida demais para vir ao encontro dos bons propsitos da administrao. E como so pervertidas essas pessoas particulares! eles recla-mam do governo toda vez que este limita sua liber-dade, mas exigem do governo que este impea as consequn cias necessrias dessa liberdade!

    Quanto mais poderoso for o estado, ou seja, quanto mais poltico for um pas, tanto menos esta-r inclinado a buscar no princpio do Estado, ou seja, na atual organizao da sociedade, da qual o estado expresso ativa, autoconsciente e oficial, a razo das mazelas sociais e a compreender seu princpio universal. O entendimento poltico entendimento poltico justamente porque pensa dentro dos limites da poltica. Quanto mais aguado, quanto mais

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    Lutas de classes na Alemanha

    ativo ele for, tanto menos capaz ser de compreender mazelas sociais. O perodo clssico do entendimen-to poltico a Revoluo Francesa. Longe de vis-lumbrar no princpio do Estado a fonte das defi-cincias sociais, os heris da Revoluo Francesa veem, antes, nas deficincias sociais a fonte das ir-regularidades polticas. Nessa linha, Robespierre v a vasta pobreza e a grande riqueza apenas como um empecilho para a democracia pura. Em con-sequncia, ele deseja estabelecer uma frugalidade espartana universal. O princpio da poltica a vontade. Quanto mais unilateral, ou seja, quando mais bem-acabado for o entendimento poltico, tanto mais ele acredita na onipotncia da vontade, tanto mais cego ele para as limitaes naturais e intelectuais da vontade, tornando-se, portanto, tanto menos capaz de desvendar a fonte das ma zelas sociais. no h necessidade de dizer mais nada contra a espe-rana simplria do prussiano, segundo a qual o entendimento poltico chamado a desvendar a raiz da penria social para a ale manha.

    No s foi tolice exigir do rei da Prssia um poder tal como nem a conveno e napoleo jun-tos possuram; tambm foi tolice esperar dele uma viso que ultrapassa os limites de toda a poltica, uma viso que o sabido prussiano est to longe de possuir quanto o seu rei. a tolice dessa declara-o fica ainda mais evidente quando o prussiano nos confidencia o seguinte: Belas palavras e boa inteno custam barato; a noo das coisas e as aes eficazes custam caro; nesse caso, elas at so mais do que caras: elas ainda nem esto venda.

    Se ainda nem esto venda, ento se deve dar o devido reconhecimento a todo aquele que tenta fazer o possvel a partir de sua posio. alis, dei-

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    Glosas crticas...

    xo ao tato do leitor decidir se, neste caso, a lingua-gem mercantilista do barato, caro, mais do que caro, nem esto venda, prpria de um cigano, pode ser associada s categorias das belas palavras e da boa inteno.

    Portanto, supondo que as observaes do prus-siano sobre o governo alemo e a burguesia alem esta certamente deve estar includa na socieda-de alem tenham total fundamento, essa parce-la da sociedade estaria mais perplexa na alemanha do que na Inglaterra e na Frana? Seria possvel ficar mais perplexo do que, por exemplo, na Ingla-terra, onde a perplexidade tomou a forma de sistema? hoje, quando irrompem revoltas de trabalhadores em toda a Inglaterra, a burguesia e o governo da-quele pas no esto mais bem aparelhados do que no ltimo tero do sculo XVIII. Seu nico recurso a violncia fsica, e como a violncia fsica diminui na mesma proporo em que o pauperismo se propaga e o conhecimento de causa do proletaria-do aumenta, a perplexidade inglesa necessariamen-te cresce em proporo geomtrica.

    Por fim, inverdico e sem respaldo nos fatos que a burguesia alem ignore inteiramente o sig-nificado universal da revolta silesiana. Em vrias cidades, os mestres-artesos procuram se associar aos artesos. Todos os jornais liberais alemes, os rgos da burguesia liberal extravasam temticas como a organizao do trabalho, a reforma da so-ciedade, a crtica aos monoplios e concorrncia etc. tudo em decorrncia dos movimentos dos trabalhadores. Os jornais de Trier, Aachen, Colnia, Wesel, mannheim, Breslau e at de Berlim trazem com frequncia artigos bastante lcidos sobre questes sociais, com os quais o prussiano po-

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    Lutas de classes na Alemanha

    deria ao menos se instruir. e mais: cartas vindas da alemanha externam continuamente sua ad mirao com respeito fraca resistncia da bur guesia s tendncias e ideias sociais.

    Se o prussiano estivesse mais familiarizado com a histria dos movimentos sociais teria for-mulado sua pergunta ao inverso. Por que at mes-mo a burguesia alem interpreta a penria parcial de modo relativamente to universal? de onde provm a animosidade e o cinismo da burguesia poltica, de onde a falta de resistncia e as simpatias da burguesia apoltica para com o proletariado?

    [2a parte: Vorwrts!, n. 64, 10 de agosto de 1844]

    Passemos aos orculos do prussiano sobre os trabalhadores alemes. Ele diz, gracejando:

    Os alemes pobres no so mais inteligentes do que os pobres alemes, isto , em lugar nenhum eles enxergam um palmo alm do seu fogo, de sua fbrica, do seu dis-trito: a alma poltica que a tudo impregna at agora ainda est ausente de toda essa questo.

    Para poder comparar a condio dos trabalha-dores alemes com a condio dos trabalhadores franceses e ingleses, o prussiano deveria com-parar a forma inicial, o comeo dos movimentos dos trabalhadores da Frana e da Inglaterra com o movimento alemo recm-iniciado. Ele deixa de faz-lo. Consequentemente, o seu arrazoado leva a trivialidades, tais como: na alemanha, a indstria ainda no est to evoluda quanto na Inglaterra, ou que, na fase inicial, um movimento apresenta traos diferentes do que durante o seu desenvol-vimento. Sua inteno era discorrer sobre a pecu-

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    Glosas crticas...

    liaridade do movimento dos trabalhadores ale-mes. Ele no diz uma palavra sequer sobre esse seu tema.

    Em vez disso, posicione-se o prussiano na perspectiva correta. Ele descobrir que nem sequer uma das revoltas de trabalhadores da Frana e da Inglaterra teve um carter to terico e consciente quanto a revolta dos teceles da Silsia*.

    Recordemos, em primeiro lugar, a cano dos teceles**, esse arrojado grito de guerra, na qual o fogo, a fbrica e o distrito nem sequer so men-cionados; ao contrrio, o proletariado proclama de imediato a sua contrariedade com a sociedade da propriedade privada, e isto de maneira contunden-te, cortante, resoluta e violenta. a revolta silesiana comea justamente no ponto em que as revoltas dos trabalhadores da Frana e da Inglaterra termi-nam, ou seja, consciente da essncia do proletaria-do. A prpria ao possui esse carter superior. no so destrudas apenas as mquinas, essas rivais dos trabalhadores, mas tambm os livros contbeis, os ttulos de propriedade, e, ao passo que todos os de-mais movimentos se voltaram apenas contra o industrial, o inimigo visvel, este movimento se voltou simultaneamente contra o banqueiro, o inimigo oculto. Por fim, nenhuma revolta de trabalhadores da Inglaterra foi conduzida com tanta bravura, ponderao e persistncia.

    * De 4 a 6 de junho de 1844, os teceles dos povoados silesianos de Langenbielau (Bielawa) e Peterswaldau (Pieszyce) se revolta-ram contra os mtodos brutais de espoliao e a reduo de sal-rios. No mesmo ano, os trabalhadores txteis de Praga e de outros centros industriais da Bomia tomaram as fbricas e destruram as mquinas. (N. E. A.)

    ** marx se refere cano Das Blutgericht [O tribunal de morte], muito difundida nas regies txteis s vsperas da revolta dos teceles. (N. E. A.)

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    Lutas de classes na Alemanha

    no que se refere ao nvel de instruo ou o po-tencial de formao dos trabalhadores alemes em geral, fao meno aos escritos geniais de Weitling, que no aspecto terico muitas vezes vo alm do prprio Proudhon, por mais que fiquem aqum dele no aspecto da exposio. Onde a burguesia encontraria inclusive entre seus filsofos e escri-bas obra similar a Garantien der Harmonie und Freiheit [Garantias de harmonia e liberdade], de Weitling, para apresentar em relao emancipa-o da burguesia a sua emancipao poltica? A comparao entre a mediocridade sbria e acanha-da da literatura poltica alem e essa estreia liter-ria descomunal e brilhante dos trabalhadores ale-mes; a comparao entre esses gigantescos sapatos infantis do proletariado e o nanismo dos desgasta-dos sapatos polticos da burguesia alem leva neces sariamente a profetizar um porte atltico para a Cinderela alem. preciso reconhecer que o proleta riado alemo constitui o terico do proleta-riado europeu, assim como o proletariado ingls seu economista poltico e o proletariado francs seu poltico. preciso reconhecer que a alemanha possui uma vocao clssica para a revoluo social, que do tamanho da sua incapacidade para a re-voluo poltica. Porque assim como a impotncia da burguesia alem equivale impotncia poltica da alemanha, a predisposio do proletariado alemo a predisposio social da alemanha mesmo que se abstraia da teoria alem. O descom-passo entre o desenvolvimento filosfico e o de-senvolvimento poltico na alemanha no constitui nenhuma anormalidade. Trata-se de um descom-passo necessrio. Somente no socialismo um povo

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    Glosas crticas...

    filosfico encontrar a prxis que lhe corresponde, ou seja, somente no proletariado encontrar o elemento ativo de sua libertao.

    todavia, neste momento no tenho tempo nem vontade de explicar ao prussiano a relao entre a sociedade alem e a revoluo social e, a partir dessa relao, a fraca reao da burguesia alem ao socialismo, por um lado, e, por outro, a excelen-te predisposio do proletariado alemo para o socialismo. ele encontrar os elementos iniciais para a compreenso desse fenmeno na minha Crtica da filosofia do direito de hegel Intro-duo (in: Anais FrancoAlemes)*.

    Portanto, a inteligncia dos alemes pobres in-versamente proporcional inteligncia dos pobres alemes. No entanto, pessoas que submetem qual-quer objeto a exerccios pblicos de estilo literrio so levadas a um contedo equivocado por essa mesma atividade formal, ao passo que o contedo equivocado, por sua vez, imprime forma o cunho da banalidade. Assim sendo, a tentativa do prus-siano de adotar, no caso das agitaes dos traba-lhadores silesianos, a forma da anttese, desenca-minhou-o para a maior anttese com relao verdade. A nica tarefa que se impe a um crebro pensante e que preza a verdade em vista da pri-meira irrupo da revolta dos trabalhadores sile-sianos no consistia em bancar o mestre-escola desse acontecimento, mas, antes, em estudar o seu carter peculiar. Para isso necessita-se, todavia, de alguma noo cientfica e um pouco de humani-dade, ao passo que, para a outra operao, ple-

    * Publicado como apndice em Karl Marx, Crtica da filosofia do direito de Hegel (2. ed., So Paulo, Boitempo, 2005), p. 145-57. (N. T.)

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    Lutas de classes na Alemanha

    namente suficiente dispor de uma fraseologia pronta embebida num amor-prprio ftil.

    Por que o prussiano faz um juzo to depre-ciativo dos trabalhadores alemes? Porque ele jul ga que toda essa questo a saber, a questo da penria dos trabalhadores at agora ainda est desprovida da alma poltica que a tudo im-pregna. ele explica mais detalhadamente o seu apreo platnico pela alma poltica como segue:

    Sero sufocados em sangue e incompreenso todas as re-voltas que irromperem nesse funesto isolamento das pessoas em relao comunidade e de suas ideias em relao aos princpios sociais; porm, assim que a penria gerar o entendi-mento e o entendimento poltico dos alemes descobrir a raiz da penria social, tambm na Alemanha esses acon-tecimentos sero percebidos como sintomas de uma gran-de revoluo.

    Primeiramente o prussiano nos permita uma observao estilstica. a sua anttese est incomple-ta. na primeira parte, consta que a penria gera o entendimento, e, na segunda parte, que o entendimento poltico descobre a raiz da penria social. O simples entendimento da primeira parte da anttese se transforma em entendimento poltico na segun-da parte, assim como a simples penria da primeira parte passa a ser penria social na segunda parte. Por que esse artista do estilo dotou ambas as par-tes da anttese de maneira to desigual? no creio que ele tenha feito isso conscientemente. Farei ago-ra uma leitura do seu real instinto. Se o prussiano tivesse escrito: A penria social gera o entendimen-to poltico e o entendimento poltico descobre a raiz da penria social, nenhum leitor imparcial teria deixado de perceber o contrassenso dessa antte-se. a primeira coisa que cada um teria se pergun-tado : por que o annimo no associa o entendi-mento social penria social nem o entendimento

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    Glosas crticas...

    poltico penria poltica, como manda a lgica mais elementar? mas, passemos questo propria-mente dita!

    completamente falso afirmar que a penria social gera o entendimento poltico; antes, o inverso: o bemestar social que gera o entendimento poltico. O entendimento poltico um espiritualista e dado quele que j tem, quele que j est confor-tavelmente acomodado em seu ninho. nosso prussiano queira ouvir sobre isso um economis-ta poltico francs, o Sr. michel chevalier:

    No ano de 1789, quando a burguesia se insurgiu, falta-va-lhe, para ser livre, apenas a participao no governo do pas. A sua libertao consistia em tirar a conduo das questes pblicas, as mais altas funes civis, militares e religiosas das mos dos privilegiados, que detinham o monoplio dessas funes. Sendo rica e esclarecida, capaz de bastar a si mesma e conduzir a si mesma, ela quis subtrair-se ao rgime du bon plaisir [regime arbitrrio].*

    J demonstramos ao prussiano o quanto o entendimento poltico incapaz de descobrir a fon-te da penria social. Mais um comentrio sobre essa sua concepo. Quanto mais culto e universal for o entendimento poltico de um povo, tanto mais o proletariado ao menos no incio do movimento desperdia suas foras em rebelies insensatas, inteis e sufocadas em sangue. Por pensar na forma da poltica, ele vislumbra a causa de todas as ma-zelas na vontade e todos os meios para solucion-las na violncia e na derrubada de uma determinada forma de Estado. Prova: as primeiras rebelies do proletariado francs**. Os trabalhadores de Lyon

    * Marx no cita a fonte. (N. T.)** As revoltas dos teceles de seda de Lyon, nos anos de 1831 e 1834, foram os primeiros levantes autnomos da classe trabalha-dora contra a burguesia, dando incio ao moderno movimento dos trabalhadores. (N. E. A)

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    Lutas de classes na Alemanha

    acreditavam estar perseguindo apenas propsitos polticos, pensavam ser apenas soldados da rep-blica, quando, na verdade, eram soldados do so-cialismo. desse modo, seu entendimento poltico toldou-lhes a viso para a raiz da penria social; desse modo, ele falsificou a compreenso do seu real propsito, de maneira que o seu entendimen-to poltico iludiu o seu instinto social.

    Mas se o prussiano espera que a penria gere o entendimento, por que ele mistura sufocamentos em sangue com sufocamentos em incompreenso? Se a penria por si s j um meio de gerar enten-dimento, a penria sangrenta constitui um meio at bastante drstico de ger-lo. O prussiano deveria, portanto, dizer: o sufocamento em sangue sufoca-r a incompreenso e propiciar um flego consi-dervel ao entendimento.

    O prussiano vaticina o sufocamento das re-voltas que irrompem no funesto isolamento das pessoas em relao comunidade e de suas ideias em relao aos princpios sociais.

    J mostramos que a revolta silesiana de modo algum aconteceu com base na separao entre ideias e princpios sociais. Resta a considerar ainda o funesto isolamento das pessoas em relao comunidade. Por comunidade deve-se entender aqui a comunidade poltica, o sistema estatal. a velha ladainha da alemanha apoltica.

    no irrompem todas as revoltas, sem exceo, no funesto isolamento das pessoas em relao comunidade? Toda e qualquer revolta no pressu-pe necessariamente o isolamento? a revoluo de 1789 teria acontecido se no fosse o funesto isolamento dos cidados franceses em relao comunidade? Ela justamente se propunha a acabar com esse isolamento.

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    Glosas crticas...

    contudo, a comunidade, em relao qual o tra-balhador est isolado, possui uma realidade e uma dimenso bem diferentes daquelas que so prprias da comunidade poltica. essa comunidade, da qual o seu prprio trabalho o separa, a vida mes ma, a vida fsica e espiritual, a moralidade humana, a ativi-dade humana, o usufruto humano, a condio humana. a condio humana [menschliches Wesen] a verdadeira comunidade dos humanos [Gemeinwesen der Menschen]. O funesto isolamento em relao a essa condio incomparavelmente mais abrangen-te, mais insuportvel, mais terrvel e mais contra-ditrio do que o isolamento em relao comuni-dade poltica; na mesma proporo, a eliminao desse isolamento e at mesmo uma reao parcial a ele, uma revolta contra ele, tem um alcance infi-nitamente maior, assim como o ser humano infini-tamente maior do que o cidado e a vida humana infinitamente maior do que a vida poltica. em con-sequncia, por mais parcial que seja, a revolta industrial comporta uma alma universal e, por mais universal que seja, a revolta poltica abriga, sob sua forma mais colossal, um esprito mesquinho.

    O prussiano conclui seu artigo dignamente com a seguinte frase de efeito: uma revoluo social sem alma poltica (isto , sem a noo organizadora da perspectiva do todo) impossvel.

    O que se viu foi isto: uma revoluo social en-contra-se na perspectiva do todo mesmo que ocorra em um nico distrito fabril por ser um protesto do ser humano contra a vida desumani-zada, por partir da perspectiva de cada indivduo real, porque a comunidade contra cujo isolamento em relao a si o indivduo se insurge a verdadeira comunidade dos humanos, a saber, a condio

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    Lutas de classes na Alemanha

    humana. em contrapartida, a alma poltica de uma revoluo consiste na tendncia das classes sem influncia poltica de eliminar seu isolamento em relao ao sistema estatal e ao governo. Sua pers-pectiva a do estado, a de um todo abstrato, que somente ganha existncia pelo isolamento em re-lao vida real, que impensvel sem a contraposi-o organizada entre ideia universal e existncia individual do ser humano. consequentemente uma revoluo de alma poltica tambm organiza, em conformidade com a natureza restrita e contradit-ria dessa alma, um crculo dominante na sociedade, custa da sociedade.

    Queremos confidenciar ao prussiano o que uma revoluo social com alma poltica; si-multaneamente lhe confiaremos o segredo de que ele prprio no consegue, nem mesmo em seu pala vrea do, elevar-se acima de uma perspectiva poltica obtusa.

    uma revoluo social com alma poltica po-de ser um contrassenso complexo, caso o prussia-no entenda por revoluo social uma revoluo social em contraposio a uma revoluo pol-tica, emprestando, no obstante, revoluo so cial uma alma poltica em vez de uma alma so-cial. Ou uma revoluo social com alma poltica nada mais que uma parfrase daquilo que, de resto, foi denominado de revoluo poltica ou revoluo pura e simples. toda e qualquer revo-luo dis solve a antiga sociedade; nesse sentido, ela social. Toda e qualquer revoluo derruba o antigo poder; nesse sentido, ela poltica.

    O prussiano faa sua escolha entre a par frase e o contrassenso! contudo, na mesma medida em que uma revoluo com alma poltica parafrsti-

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    Glosas crticas...

    ca ou absurda, uma revoluo poltica com alma social faz sentido. a revoluo como tal a derru-bada do poder constitudo e a dissoluo das relaes antigas um ato poltico. no entanto, sem revolu-o o socialismo no poder se concretizar. ele ne-cessita desse ato poltico, j que necessita recorrer destruio e dissoluo. Porm, quando tem incio a sua atividade organizadora, quando se manifesta o seu prprio fim, quando se manifesta a sua alma, o socialismo se desfaz do seu invlucro poltico.

    Todas essas digresses se fizeram necessrias para arrebentar a trama de erros que se escondem numa nica coluna de jornal. Nem todos os leitores podem dispor da formao e do tempo para dar-se conta desse tipo de charlatanice literria. O prus-siano annimo no teria, portanto, a obrigao perante o pblico leitor de abdicar momentanea-mente de toda e qualquer produo literria nas reas poltica e social, bem como das declamaes sobre as condies vigentes na Alemanha, e, em vez disso, dar incio a uma escrupulosa tomada de conscincia sobre sua prpria condio?

    Paris, 31 de julho de 1844

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    REIVINDICAES DO PARTIDO COMUNISTA DA ALEMANhA

    Karl Marx e Friedrich Engels

    [Impresso por volta de 30 de maro de 1848]*

    Proletrios de todos os pases, uni-vos!1. Toda a Alemanha ser declarada uma rep-

    blica nica e indivisvel.

    2. todo alemo com 21 anos de idade eleitor e elegvel, contanto que no tenha sido condenado por nenhum crime.

    3. Os representantes do povo sero remunerados para que tambm o trabalhador possa assentar-se no Parlamento do povo alemo.

    4. Armamento geral do povo. No futuro, os exrcitos sero simultaneamente exrcitos oper-rios, de modo que o exrcito deixe de apenas con-sumir, como no passado, mas produza alm do necessrio para custear a sua manuteno.

    ademais, esse um meio de organizao do trabalho.

    5. A aplicao da justia gratuita.

    6. Todo o nus feudal, todos os tributos, corveias, dzimos etc., que at agora pesavam sobre o povo do campo, sero abolidos sem qualquer indenizao.

    * Escrito entre 21 e 29 de maro de 1848. Impresso tambm antes de 10 de setembro de 1848 em Colnia. (N. E. A.)

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    Reivindicaes do Partido Comunista da Alemanha

    7. As propriedades rurais do prncipe e as de-mais propriedades feudais, todas as minas, jazidas etc. sero convertidas em propriedade do estado. nessas propriedades se praticar a agricultura extensiva com os recursos mais modernos da cin-cia em benefcio da coletividade.

    8. As hipotecas sobre as propriedades agrcolas sero declaradas propriedade do Estado. Os juros sobre essas hipotecas sero pagos pelos agriculto-res ao estado.

    9. Nas regies em que se desenvolveu o siste-ma de arrendamento, a renda fundiria ou a taxa de arrendamento sero pagas ao estado a ttulo de imposto.

    Todas as medidas propostas sob o pontos 6, 7, 8 e 9 so concebidas para diminuir o nus pblico e outras cargas que pesam sobre os agricultores e pequenos arrendatrios, sem reduzir os meios necessrios para fazer frente s despesas do estado nem pr em risco a prpria produo.

    O proprietrio de terras propriamente dito, que no agricultor nem arrendatrio, no tem nenhu-ma participao na produo. em consequncia, o consumo praticado por ele puro abuso.

    10. Todos os bancos privados sero substitudos por um banco estatal, cujos papis tero curso legal.

    essa medida torna possvel regular o sistema de crdito no interesse de todo o povo e, desse modo, solapa a dominao dos grandes homens de di-nheiro. Substituindo aos poucos ouro e prata por papel-moeda, ela barateia o instrumento indispen-svel do comrcio burgus, o meio universal de troca, e permite que ouro e prata se voltem para o exterior. Por fim, essa medida necessria para

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    Lutas de classes na Alemanha

    vincular os interesses dos burgueses conservadores revoluo.

    11. todos os meios de transporte: ferrovias, canais, barcos a vapor, estradas, postos etc. sero as sumidos pelo estado. eles sero convertidos em propriedade do estado e colocados gratuitamente disposio da classe desprovida de recursos.

    12. no haver diferena na remunerao dos funcionrios pblicos, a no ser esta: aqueles com famlia, que portanto tm mais necessidades, rece-bero tambm um salrio mais elevado que os demais.

    13. Separao completa de Igreja e Estado. Os religiosos de todas as confisses sero remunerados apenas por suas comunidades em base voluntria.

    14. Limitao do direito de herana.15. Introduo de um forte imposto progressivo

    e abolio dos impostos sobre o consumo.16. Instalao de fbricas nacionais. O Estado

    as segura a subsistncia a todos os trabalhadores e assiste os incapacitados para o trabalho.

    17. Educao universal e gratuita do povo. do interesse do proletariado alemo, das clas-

    ses dos pequenos cidados e dos pequenos agri-cultores, empregar toda energia na implementao das medidas acima. Porque s mediante a concre-tizao das mesmas os milhes na alemanha que foram exploradas at agora por um pequeno n-mero e que se procurar manter na opresso, ob-tero o direito e o poder que lhes cabe na qualida-de de produtoras de toda a riqueza.

    O Comit:Karl Marx Karl Schapper H. Bauer

    F. Engels J. Moll W. Wolff

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    MENSAGEM DO COMIT CENTRAL LIGA [DOS COMUNISTAS]

    Karl Marx e Friedrich Engels

    [Divulgada como circular em maro de 1850]

    O Comit Central Liga

    Irmos!

    Nos dois anos de revoluo, 1848 e 1849, a Liga se afirmou de duas maneiras: em primeiro lugar, porque, em toda parte, os seus membros intervie-ram energicamente no movimento e porque com-puseram a linha de frente na imprensa, nas barri-cadas e nos campos de batalha, integrando as fileiras da nica classe decididamente revolucio-nria: o proletariado. em segundo lugar, a liga se afirmou porque a sua concepo do movimento, como ficou assentada nas circulares dos congressos e do Comit Central de 1847, assim como no Manifesto Comunista, comprovou ser a nica acertada, porque as expectativas expressas naquelas atas se cumpriram cabalmente e a viso das condies atuais da sociedade antes propagada apenas em sigilo pela Liga encontra-se agora na boca do povo e anunciada publicamente nos mercados. Ao mesmo tempo, a organizao antes firme da Liga foi consideravelmente abrandada. Boa parte dos membros diretamente envolvidos no movimento revolucionrio julga que o tempo das sociedades

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    Mensagem do Comit Central Liga [dos Comunistas]

    secretas passou e que a atuao pblica por si s suficiente. Os distritos e as comunidades individual-mente afrouxaram e foram desativando seus laos com o comit central. Portanto, enquanto o partido democrtico, o partido da pequena burguesia, or-ganizava-se cada vez mais na Alemanha, o partido operrio perdeu seu nico ponto de sustentao, mantendo-se organizado, quando muito, em algu-mas localidades para fins locais, o que o levou, no decurso geral do movimento, a submeter-se total-mente ao domnio e liderana dos democratas pequeno-burgueses. Esse estado de coisas precisa acabar; a autonomia dos trabalhadores deve ser restabelecida. O Comit Central compreendeu essa necessidade e, por isso, enviou j no inverno de 1848/1849 um emissrio, Joseph Moll, Alemanha para reorganizar a liga. a misso de moll, porm, no trouxe resultado duradouro, em parte porque os trabalhadores alemes ainda no tinham acumu-lado experincias suficientes, em parte porque a insurreio de maio passado a interrompeu. O pr-prio Moll ps-se em armas, ingressou no exrcito do Baden-Palatinado e tombou no embate junto ao rio Murg no dia 29 de junho. A Liga perdeu com ele um de seus membros mais antigos, mais ativos e mais confiveis, que havia participado ativamente em todos os congressos e gestes do comit central e j antes disso havia cumprido com grande xito uma srie de misses. Aps a derrota dos partidos revolucionrios na alemanha e na Frana em julho de 1849, quase todos os membros do Comit Central se reagruparam em londres, juntaram novas foras revolucionrias e passaram a promover com entu-siasmo renovado a reorganizao da liga.

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    Lutas de classes na Alemanha

    A reorganizao s vivel por meio de um emissrio e o comit central considera extrema-mente importante que dito emissrio parta neste justo instante em que uma nova revoluo imi-nente, em que o partido operrio deve atuar do modo mais organizado possvel, mais unnime possvel e mais autnomo possvel, caso no quei-ra ser explorado e atrelado pela burguesia como em 1848.

    J no ano de 1848 vos dizamos, irmos, que os burgueses liberais alemes logo chegariam ao go-verno e imediatamente voltariam esse poder re-cm-conquistado contra os trabalhadores. Vistes que isso se cumpriu como previsto. de fato foram os burgueses que, aps o movimento de maro de 1848, imediatamente se apossaram do governo e usaram esse poder para fazer os trabalhadores, seus aliados na luta, retrocederem sua anterior condi-o de oprimidos. Mesmo que a burguesia no tenha conseguido fazer isso sem se coligar com o partido feudal derrotado em maro, chegando, no final, a ceder novamente o governo a esse partido absolutista feudal, ela garantiu para si as condies que com o tempo, em virtude das dificuldades fi-nanceiras do governo, acabariam por colocar o poder em suas mos e assegurariam todos os seus inte-resses, caso fosse possvel ao movimento revolu-cionrio ter uma assim chamada evoluo pacfica j nesse momento. Para assegurar o poder, a bur-guesia nem mesmo teria necessidade de tornar-se odiada por tomar medidas violentas contra o povo, porque todos os atos de violncia j foram cometi-dos pela contrarrevoluo feudal. no entanto, os desdobramentos no tomaro esse rumo pacfico.

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    Mensagem do Comit Central Liga [dos Comunistas]

    ao contrrio, a revoluo que os apressar imi-nente, seja porque ser provocada pelo levante autnomo do proletariado francs, seja porque a Santa aliana* invadir a Babel revolucionria.

    E o papel que os burgueses liberais alemes de-sempenharam em 1848 em relao ao povo, esse papel to traioeiro ser assumido, na revoluo que se avizinha, pelos pequeno-burgueses democrticos, que agora, enquanto oposio, tomam a mesma posio que os burgueses liberais detinham antes de 1848. Esse partido, o democrtico, que bem mais perigoso para os trabalhadores do que o anterior partido liberal, composto por trs elementos:

    I. Pelas parcelas mais avanadas da grande bur-guesia, cujo objetivo a derrubada completa e imediata do feudalismo e do absolutismo. Essa frao representada pelos antigos conciliadores de Berlim, pelos que queriam recusar-se a pagar impostos**.

    * a Santa aliana era uma coligao das foras contrarrevolucio-nrias que se opunha a todo e qualquer movimento progressista na Europa. Ela foi criada em 26 de setembro de 1815 por iniciati-va do czar alexandre I pelos que haviam derrotado napoleo. Aderiram a ela, junto com a ustria e a Prssia, quase todos os Estados europeus. Os monarcas se comprometeram a oferecer ajuda recproca na represso a revolues onde quer que irrom-pessem. Nos anos de 1848/1849, as foras contrarrevolucionrias na europa fizeram uma srie de tentativas no sentido de ressus-citar a Santa Aliana de 1815 na luta contra o movimento revolu-cionrio. Todavia, no se chegou a firmar nenhum pacto. (N. T.)

    ** marx e engels chamavam de conciliadores [Vereinbarer] os depu-tados da Assembleia Nacional da Prssia que, em maio de 1848, foram convocados a Berlim para elaborar a Constituio median-te conciliao com a coroa. Marx e Engels chamavam a Assembleia de Berlim, que renunciou soberania popular, de Assembleia da conciliao. Recusadores de impostos [Steuerverweigerer] foram chamados aqueles deputados burgueses de esquerda da Assem-bleia Nacional da Prssia, que pretendiam combater com resistn-cia passiva e recusa a pagar impostos o estado de stio imposto

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    Lutas de classes na Alemanha

    II. Pelos pequeno-burgueses democrtico-cons-titucionais, cujo objetivo principal durante o mo-vimento at aqui foi a criao de um estado fede-rativo mais ou menos democrtico, nos moldes em que este foi almejado por seus representantes, pe-los esquerdistas da Assembleia de Frankfurt e depois pelo Parlamento de Stuttgart*, e por eles prprios na campanha pela Constituio imperial.

    III. Pelos pequeno-burgueses republicanos, que tm como ideal uma repblica federativa nos mol-des da Sua e que agora se denominam vermelhos e social-democratas porque nutrem o desejo pie-doso de acabar com a presso exercida pelo grande capital sobre o pequeno, pelo grande burgus sobre o pequeno-burgus. Os representantes dessa frao eram os membros dos congressos e comits demo-crticos, os dirigentes das associaes democrti-cas, os redatores dos jornais democrticos.

    depois de sua derrota, todas essas fraes pas-saram a denominar-se republicanas ou vermelhas, exatamente como procedem agora na Frana os pe queno-burgueses republicanos chamando-se de

    a Berlim no dia 1 de novembro de 1848, a instalao do ministrio de Brandenburg no dia 4 de novembro, a ocupao de Berlim pelas tropas do general Von wrangel no dia 10 de novembro e a plane-jada expulso da Assembleia Nacional Constituinte (esta foi aberta no dia 22 de maio de 1848, transferida para Brandenburg no dia 9 de novembro e dissolvida no dia 5 de dezembro. (N. E. A.)

    * A Assembleia Nacional de Frankfurt, que desde 18 de maio de 1848 vinha realizando suas sesses em Frankfurt foi obrigada a transferir sua sede para Stuttgart, depois que todos os deputados da direita e, por conclamao do