Marx - o Direito Enquanto Vontade Da Classe Dominante Erigida Em Lei - Parte i

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INTRODUÇÃO À OBRA“KARL MARX E FRIEDRICH ENGELS SOBRE O DIREITO E

O ESTADO, OS JURISTAS E A JUSTIÇA”

Direito e Marxismo

EMIL ASTURIG VON MÜNCHEN1[

O DIREITO ENQUANTO VONTADE DA CLASSE DOMINANTE ERIGIDA EM LEI,

CUJO CONTEÚDO ESTÁ DADO NAS CONDIÇÕES MATERIAIS DE SUA

PRÓPRIA VIDA HISTÓRICO-SOCIAL

A concepção dialético-materialista do Direito, tal como formulada por Marx e Engels,

adquire incomparável amplitude científica ao investigar as forças propulsoras

efetivas de todo o processo histórico-social, em seu próprio desenvolvimento físico e

1[1] Cf. MARX, KARL HEINRICH. An Principatus Augusti Merito Inter Feliciores Reipublicae Romanae Aetates Numeretur? (O Principado de Augusto é Merecidamente Enumerado entre as Épocas mais Auspiciosas do Estado Romano? Redação em Língua Latina) (15 de Agosto de 1835), in : Marx und Engels Gesamtausgabe MEGA (Obras de Marx e Engels: Edição Completa MEGA), Seção I, Vol. I, Berlim : Dietz Verlag, 1975, pp. 440 e s. Anotação de Emil Asturig von München: O presente texto, traduzido agora para a língua portuguesa, foi redigido por Marx em Trier, por ocasião de seu exame de língua latina, prestado junto ao Ginásio Prussiano Friedrich-Wilhelm, cuja direção educacional era exercida por jesuítas. A primeira publicação desse texto em língua latina foi efetuada por GRÜNBERG, CARL. Marx als Abiturient (Marx como Estudante do Segundo Grau), in: Archiv für die Geschichte des Sozialismus und der Arbeiterbewegung (Arquivo para a História do Socialismo e do Movimento dos Trabalhadores), Ano XI, Leipzig, 1925, pp. 437 e s. A avaliação desse exame de Marx, realizada pelos Profs. Wyttenbach e Loers foi a seguinte: “Praeter ea, quae suis locis adnotavimus, et plura menda inprimis versus finem, et argumenti tractatione probataque in ea cognitione historiae, et Latinitatis studio in universum non contemnenda scriptura. Verum quam turpis litera !!!” No vernáculo : “Além daquilo que assinalamos, nos lugares respectivos, e dos diversos erros, sobretudo registrados ao fim da tratação dos argumentos, trata-se, em seu conjunto, de um trabalho respeitável, seja pelos comprovados conhecimentos da história, seja pelo esforço de expressar-se em bom latim. Mas, que letra vergonhosa !!!”

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intelectual, material e superestrutural, contraditório e unitário em si mesmo, de modo

a ser capaz de revelar nitidamente toda a interconexão e interrelação, todo o nexo e

interação, existentes entre positividade e negatividade, ser e não ser, causas e

efeitos, totalidade e componentes, movimento e transformação, processos de

gênese, mutação e perecimento do Direito.

Ao conceberem-no enquanto vontade da classe dominante erigida em lei, vontade

essa cujo conteúdo está dado nas condições materiais de sua própria vida histórico-

social, Marx e Engels lograram definí-lo de modo eminentemente lapidar enquanto

elemento componente, i.e. parte integrante da superestrutura institucional e

ideológica histórico-social, assenhorada e instrumentada pela classe dominante,

indicando, assim, os critérios fundamentais que balizam sua devida compreensão,

afastando-o inteiramente quer do voluntarismo quer do estatalismo jurídicos,

propugnadores da suposta autonomia da vontade livre e da ilimitada capacidade

espiritual seja dos seres humanos seja do Estado, na criação da lei por eles

estabelecida. 2[4]3[5]

Ao destacarem ser o Direito a vontade da classe dominante erigida em lei, Marx e

Engels indicam, nitidamente, surgir ele, em traços gerais, como um momento, i.e.

2[4] Nesse sentido, vide MARX, KARL & ENGELS FRIEDRICH. Manifest der Kommunistischen Partei (Manifesto do Partido Comunista)(Dezembro 1847 – Janeiro de 1848) in : ibidem, Vol. IV, p. 462. 3[5] De modo categórico, é possível, exemplificativamente, encontrar, já no próprio Corpus Iuris Civilis, a raiz da propugnação ideológica quer do voluntarismo quer do estatalismo jurídico-autonomistas. Hermogenianus afirma, por exemplo, nas Pandectas: “Cum igitur hominum causa omne ius constitutum sit … “. No vernáculo: “Uma vez que o Direito é, portanto, criado por obra dos homens, …” Cf. CORPUS IURIS CIVILIS. Disgetae. Liber Primus. 1.5.0. De Statu Hominum, 1.5.2. Hermogenianus Libro Primo Iuris Epitomarum, in: Theodor Mommsen & Paul Krueger, Corpus Iuris Civilis, Vol. I, Hildesheim : Weidmann, 1988.

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um elemento, um componente, uma parte integrante da superestrutura histórico-

social.

Ao afirmarem, então, que o Direito é vontade da classe dominante, salientando,

porém, ser essa vontade elevada à condição de lei, demonstram que esse é

precisamente o seu traço específico que o diferencia de todos os demais segmentos

da superestrutura histórico-social, tal como a política, a religião, a filosofia etc.4[6]

Nesse preciso contexto, Marx e Engels não perdem jamais de vista o caráter formal

do Direito, i.e. seu aspecto especificamente legal, imperativamente preceitual-

coercitivo.

4[6] Cf. MARX, KARL. Vorwort zur Kritik der Politischen Ökonomie (Prefácio à Crítica da Economia Política)(Agosto de 1858 – Janeiro de 1859), in : ibidem, Vol. XIII, Berlim : Dietz Verlag, 1961, pp. 7 e s. Entre os mais notáveis juristas marxistas, Stutchka entende pertencer o Direito à base real da sociedade, no que concerne sua suposta “forma concreta”, ao passo que suas pretensas formas abstratas – i.e. lei e ideologia jurídica – perteceriam essas sim à superestrutura. A seu ver, tanto as relações econômico-materiais como as relações jurídicas “oba iavliautsia volevymi otnosheniami”, i.e. “ambas constituiriam relações volitivas”. Nesse sentido, STUTCHKA, PIOTR. Revoliutsionnaia Rol’ Prava i Gosudarstva. Obschieie Utchenie o Pravie (O Papel Revolucionário do Direito e o Estado. Doutrina Geral do Direito)(1921), 3a.ed., Moscou : Izdatels’tvo Kommunistitcheskoi Akademii, 1924, pp. 54 e 57.; IDEM. Materialistitcheskoie ili Idealistitcheskoie Ponimanie Prava? (Concepção Materialista ou Idealista do Direito?), in : Pod Znamenem Marksizma (Sob a Bandeira do Marxismo), Nr. 1, 1923, pp. 177 e 178, tb. in : Piotr Stutchka. 13 Liet Borby za Revolutsiono-Marksistskuiu Teoriu Prava. Sbornik Statei 1917-1930 (13 Anos de Luta pela Teoria Marxista-Revolucionária do Direito. Compêndio de Artigos de 1917 a 1930), Moscou : Gosudarstvienoie Iuriditcheskoe Izdatielstvo, 1931, pp. 154 e s. Quanto a Pachukanis, esse jurista marxista defende ser efetivamente impossível realizar-se o movimento de produção e circulação de mercadorias sem fatos indissoluvelmente conexos com elementos jurídicos objetivos, i.e. leis, contratos, interpretação, casuística, tribunais e execução coercitiva de sentenças. Vide PACHUKANIS, EVGENII B. Obschaia Teoriia Prava i Marksizm (Teoria Geral do Direito e Marxismo), Moscou : Izdatielstvo Nauka, 1924, pp. 27 e s. No entanto, a relação fática que emerge através da e na própria troca recebe, apenas posteriormente, forma jurídica no contrato, sendo que não é essa última que cria a troca, senão precisamente o contrário.

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Porém, diferentemente de toda ideologia jurídica anterior, subtraem as condições

materiais de produção e apropriação reais de seu antigo status de elementos

históricos dotados de importância desprezível ou secundária, passando a concebê-

las precisamente como fatores em última instância condicionantes de todo processo

da vida em sociedade.

Tendo-se em conta o fato inconstestável de que o surgimento das sociedades de

classes conduz inelutavelmente à emergência de antagonismos inconciliáveis

havidos entre elas, os quais ameaçam destruir todo o organismo social em uma luta

sem trégua, resulta ser evidente que o Direito nada pode representar sem o poder

do Estado da classe economicamente mais forte que assegura coerção à aplicação

ao seu sistema de leis.5[7]

Com efeito, o Direito apresenta-se, formalmente, como manifestação volitiva da

classe dominante que se erige em lei, entendida essa última em sentido amplo, i.e.

lei constitucional e ordinária, lei positivamente estatuída e consuetudinariamente

estabelecida, lei formal e material, tal como atos normativos, originários ou

ordenadores, e decisórios, resolutivos ou sentenciadores, oriundos de órgãos e

entidades do Estado por ela também disciplinados, como também formas de

relações jurídicas, expressamente previstas ou não proibidas por lei, assumidas por

pessoas públicas e privadas, procedendo-se de modo tácito, quando não exigido

5[7] Acerca do tema, vide FRIEDRICH ENGELS, Der Ursprung der Familie, des Privateigentums und des Staates (A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado), in: Marx und Engels Werke (Obras de Marx e Engels) (Maio 1884), Berlim, 1962, Vol. XXI, pp. 165 e s.

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que seja de modo expresso, tal como relações obrigacionais e contratuais, essas

últimas bilaterais e plurilaterais (contratos de sociedade) etc.6[8]

Assim, ỏ νόμος, τò δικαíωμα, ή έντολή, lex, senatusconsultum, decretum,

rescriptum, editum, mandatum, reponsa prudentium, Gesetz, Verordnung,

Entscheidung, loi, ordonnance, sentence, décision, law, bill, decree, ruling,

decision, em suma : leis em sentido formal e material, representam, no curso das

diversas épocas progressivas das formações sócio-econômicas do mundo ocidental,

as mais importantes formas jurídicas consubstanciadoras das manifestações de

vontade das classes dominantes que emergiram vitoriosas e mantiveram, em suas

maãs, através dos séculos, o poder do Estado – senhores aristrocráticos e patrícios

escravistas, senhores feudais e eclesiásticos, mestres de corporação e burgueses -

dando conformação seja ao Direito da Antigüidade Escravista, greco-romana e

semítico-aramaica, seja ao Direito Medieval do Servilismo Feudal, seja ainda ao

Direito Burguês de Extração da Mais-Valia mediante a Exploração Capitalista

do Trabalho Assalariado.

A fim de atingir os seus fins de exploração e dominação social materialmente

condicionados, cada nova classe que assumiu o lugar da que dominava antes no

6[8] Particularmente no que respeita à natureza da relação juridical cuja forma é o contrato, independemente de desenvolver-se segundo forma prescrita em lei ou nela não defesa, vide MARX, KARL. Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Band I : Der Produktionsprozeß des Kapitals (O Capital. Crítica da Economia Política. Volume I : O Processo de Produção do Capital)(1867), especialmente Parte I : Ware und Geld (Dinheiro e Mercadoria), Capítulo II : Der Austauschprozeß (O Processo de Troca), in : ibidem, Vol. XXIII, pp. 99 e s. Acerca do contrato de trabalho enquanto forma da relação jurídica de compra e venda da força de trabalho no capitalismo, i.e. enquanto mediação jurídico-formal da relação capitalista, vide IDEM. ibidem, especialmente Parte III : Die Produktion des absoluten Mehrwerts (A Produção da Mais-Valia Absoluta), Capítulo VIII : Der Arbeitstag (A Jornada de Trabalho), 1 : Die Grenzen des Arbeitstags (Os Limites da Jornada de Trabalho), p. 248.

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quadro dessa ininterrupta seqüência jurídico-histórica, foi obrigada a

ideologicamente apresentar, através de lei, sua vontade dominante como se

representasse efetivamente os interesses, os objetivos, os valores, a razão, o juízo e

o julgamento comuns, naturais, imutáveis e, até mesmo, sagrados de todos os

membros da sociedade, de todo o povo e de toda nação.

Sendo assim, a lei consagrou-se, ao longo dos séculos, como instrumento de

positivação, imperativamente preceitual-coercitivo, mais ou menos persuasível da

vontade da classe dominante, dotado de caráter ideologicamente universal e

impessoal, supostamente veiculador das únicas convicções e idéias geralmente

admissíveis.7[9]

Precisamente por demonstrar encontrar-se munido de plena compreensão acerca do

importante significado da lei, é que Marx foi capaz de revelar corretamente qual o

mistério jurídico supostamente indesvendável que envolve os malfadados conceitos

de juiz apartidário, julgamento apartidário e autonomia do processo judicial, ao

destacar:

“Que tipo de ilusão estúpida e complicada é, em geral, essa de um juiz apartidário,

dado que o próprio legislador é partidário?

O que significa um julgamento imparcial, se a própria lei é parcial?

7[9] A esse respeito, vide MARX, KARL & ENGELS, FRIEDRICH. Die deutsche Ideologie (A Ideologia Alemã)(1845 – 1846), in : ibidem, Vol. III, Livro I.I.A.2 : Über die Produktion des Bewußtseins (Sobre a Produção da Consciência), p. 47. Acerca do Estado da classe dominante que se apresenta por si mesma como representante de toda a sociedade, vide ENGELS, FRIEDRICH. Anti-Dühring. Herrn Eugen Dühring’s Umwälzung der Wissenschaft (Anti-Dühring. A Subversão da Ciência do Sr. Eugênio Dühring) (Setembro 1876 – Junho 1878), in : Marx und Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Berlim, 1962, Vol. XX, pp. 261 e s.

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O juiz pode formular a parcialidade da lei apenas de maneira puritana, apenas

aplicá-la desconsideradamente.

A imparcialidade é, pois, a forma, não o conteúdo do julgamento.

A lei antecipou o conteúdo.

Se o processo judicial nada é senão uma forma despida de conteúdo, essa bagatela

formal não possui, então, nenhum valor autônomo. ”8[10]

Após o surgimento das sociedades de classe e a agudização subseqüente de suas

insolúveis contradições sociais, a lei, de início, regra costumeira, constitui-se, a

passo e passo, em um sistema de leis, i.e. uma legislação, mais ou menos

abrangente que, quanto mais intrincada e emaranhada se torna, tanto mais distancia

e autonomiza sua própria forma de expressão do modo segundo o qual se

expressam as condições materiais de vida social, havidas efetivamente na época

histórica a que correspondem.

Extraindo-se a justificação da existência da lei e da legislação a partir de

fundamentos intrínsecos ao próprio sistema jurídico - p. ex. a partir do “conceito de

vontade”, construído de modo metafísico, dialético-idealista ou eclético-dualista -,

esquecendo-se da descendência do Direito a partir das condições materiais da vida

e da luta travada entre as classes sociais antagônicas, sagrando-se, enfim, o

método teórico-abstrato de comparação de sistemas jurídicos de diferentes povos e

diferentes tempos entre si - não como moldagens formais de relações materiais

paradoxalmente determinadas, senão como sistemas que encontram sua

fundamentação em si e por si mesmos -, surge e consolida-se a necessidade de

8[10] Cf. MARX. KARL. Debatten über das Holzdiebstahlsgesetz. Von einen Rheinländer (Debates acerca da Lei sobre o Furto de Madeira. Por um Renano)(1° de Novembro de 1842), in : ibidem, Vol. I, p. 145.

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uma nova divisão do trabalho social, geradora de um estamento próprio de

profissionais do Direito e, juntamente com ele, de uma Ciência do Direito da classe

dominante.9[11]

O realce do caráter formal do Direito na concepção de Marx e Engels permite

ressaltar, adicionalmente, o aspecto de que essa vontade da classe dominante

erigida em lei é capaz de, desdrobando-se conscientemente, gerar conceitos,

categorias e doutrinas, interesses e objetivos, valores e razões, juízos e

julgamentos, voltados a assegurar sistematicamente o processo de dominação de

classe.

Precisamente por essa razão, a concepção dialético-materialista do Direito

demonstra que esse último enquanto momento integrante da superestrutura social é

composto não apenas por instituições jurídicas, tal como leis, órgãos, entidades,

sujeitos por elas regulados, senão ainda por uma específica forma de representação

espiritual jurídico-ideológica, tal como teorias, doutrinas, concepções e conceitos

jurídico-dogmáticos, correspondentes a cada período das lutas de classes reais,

efetivamente travadas ao longo do curso histórico-social.

A função cumprida por essa superestrutural essencialmente ideológica – em cujo

contexto forma-se a ideologia da Ciência do Direito da classe dominante, é

elucidada por Marx e Engels da seguinte forma:

9[11] Acerca do tema, vide, as brilhantes considerações de ENGELS, FRIEDRICH. Zur Wohnungsfrage (Acerca da Questão da Habitaçao)(Junho de 1872 – Fevereiro de 1873), especialmente Dritter Abschnitt : Nachtrag über Proudhon und die Wohnungsfrage Nr. II(Terceira Parte : Suplemento acerca de Proudhon e a Questão da Habitação Nr. II), in : Marx und Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Vol. XVIII, Berlim : Dietz Verlag, 1961, p. 277.

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“As idéias da classe dominante são também as idéias dominantes de cada época

ou, em outras palavras, a classe que é a potência material dominante da sociedade

é também a potência espiritual dominante.

A classe que dispõe dos meios de produção material dispõe, ao mesmo tempo, dos

meios de produção intelectual, de maneira que, em média, as idéias daqueles a

quem são recusados os meios de produção intelectual estão, desde logo,

submetidas a essa classe dominante.

As idéias dominantes não são mais do que a expressão ideal das relações materiais

dominantes, são as relações materiais dominantes, colhidas em forma de idéia e,

por conseguinte, são a expressão das relações que fazem de uma classe a classe

dominante, o que equivale dizer que são as idéias da sua dominação.

Toda a ilusão que consista em acreditar que a dominação de uma classe

determinada é apenas a dominação de certas idéias, cessa, naturalmente, por si

mesma, quando a dominação de classe em geral deixa de ser a forma do regime

social, i.e. desde que deixa de ser necessário representar um interesse particular

como sendo o interesse geral ou de representar o “Universal” como dominante.”10[12]

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

Atento às características decisivas desse complexo processo histórico-jurídico, suas

enérgicas mudanças quantitativas e qualitativas, seus bruscos avanços e recuos,

suas ásperas marchas e contramarchas, suas contradições, saltos e irrupções

violentas que nada tem de comum com a concepção jheringiana de “contínua

evolução do Direito”, Engels destacou propriamente que a bandeira religiosa havia

10[12] Cf. MARX, KARL & ENGELS, FRIEDRICH. Die deutsche Ideologie (A Ideologia Alemã)(1845 – 1846), in : ibidem, Vol. III, Livro I.I.A.2 : Über die Produktion des Bewußtseins (Sobre a Produção da Consciência), p. 46 e s.

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tremido, pela última vez, na Inglaterra, no século XVII, sendo que, logo cinqüenta

anos depois, emergiu, na França, a nova visão do mundo totalmente purificada de

elementos teológicos, a qual haveria de se tornar a visão da burguesia por

excelência, i.e. : a visão jurídica do mundo.11[13]

Até então, i.e. ao longo de uma série de séculos da história da humanidade que

antecederam a tomada revolucionária do poder do Estado pela burguesia

ascendente no século XVIII, o Direito encontrou-se profundamente envolvido por

uma maquilagem essencialmente mística, seja de índole plurideísta greco-romana,

seja de matiz monoteísta eclesiástico-medieval.

Apenas a partir da ascensão da nova visão do mundo operou-se a plena

secularização do Direito, em cujo contexto histórico esse último tornou-se a visão

clássica do mundo capitalista-burguês, onde a supremacia da apropriação privada

dos meios de produção e de troca, a prevalência da forma eqüivalente da troca de

mercadorias, o predomínio das relações contratuais, das operações de crédito e dos

mais variados mecanismos mercantis-concorrenciais em toda a sua plenitude,

vieram a constituir os elementos decisivos de um dos mais egrégios princípios

formais do Direito Burguês : a igualdade perante a lei.12[14]

Com efeito, a vontade da classe dominante erigida em lei, pressupõe, ainda sob o

aspecto formal, a consagração e aplicação por princípio de uma padrão igual de

11[13] Acerca do tema, vide ENGELS, FRIEDRICH. (redação final de Karl Kautsky). Juristensozialismus (O Socialismo dos Juristas)(Outubro de 1886), in: Marx und Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Vol. XXI, Berlim, 1961, p. 492. 12[14] Nesse sentido, IDEM. ibidem, pp. 492 e 493.

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medida, válido para todos os cidadãos do Estado, em um contexto histórico-social

em que princípio e prática se agridem mutuamente.

O Direito da classe dominante que sanciona, principiologicamente, um padrão de

medida igual - surgindo, pois, como Direito formal da igualdade –, é, na prática,

Direito da desigualdade de classes desiguais, por encontrar-se condicionado

conteudisticamente pelo processo histórico-social de exploração das classes

oprimidas.13[15]

O aparato institucional que, por excelência, procura assegurar imperativamente seja

declarado, executado e aplicado o Direito da classe dominante à exploração das

classes despossuídas é precisamente o Estado, mantido igualmente nas mãos da

classe social que emergiu vitoriosa em face das classes profligadas, nos processos

de luta travados em contextos históricos precedentes.14[16]

Assim, diremos com Engels :

“Em um certo nível de desenvolvimento, muito primitivo, da sociedade surge a

necessidade de subsumir sob uma regra comum os atos de produção, de

distribuição e de troca dos produtos, que se repetem diariamente, cuidando-se para

que o elemento singular submeta-se às condições gerais de produção e de troca.

13[15] Nesse sentido, vide MARX, KARL. Kritik des Gothaer Programms (Crítica do Programa de Gotha) (Abril e Maio de 1875), in : ibidem, Vol. XIX, pp. 13 e s.14[16] Acerca do tema, vide, p.ex., ENGELS, FRIEDRICH. Der Ursprung der Familie, des Privateigentums und des Staats. Im Anschluss an Lewis H. Morgans Forschungen (A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Em Conexão com as Investigações de Lewis H. Morgan) (Março – Maio de 1884), in : Marx und Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Vol. XXI, Berlim : Dietz Verlag, 1961, pp. 105 e s.

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Essa regra, de início costumeira, logo torna-se lei.

Com a lei, surgem necessariamente órgãos incumbidos de sua manutenção – o

poder público, o Estado.”15[17]

Examinando, além disso, a função profissional dos juristas e juízes, funcionários

públicos e militares, bem como de tantos outros trabalhadores espirituais, enquanto

partes indispensáveis da superestrutura das profissões ideológicas, colocadas a

serviço do capitalista e instrumentadas por sua vontade dominante, Marx conclui :

“1.que todas as diferentes funções na sociedade burguesa pressupõem-se

reciprocamente ;

2.que os antagonismos na produção material tornam necessária uma superestrutura

de profissões ideológicas, cujo efeito – seja bom ou ruim -, resulta ser bom, porque é

necessário ;

3.que todas as funções são colocadas a serviço do capitalista, desembocando no

seu bem ;

4. que mesmo as produções espirtuais mais elevadas devem ser apenas

reconhecidas e desculpadas em face do burguês, que elas são apresentadas

enquanto produtores diretos de riqueza material e falsamente comprovadas. ”16[18]

15[17] Cf. ENGELS, FRIEDRICH. Zur Wohnungsfrage (Acerca da Questão da Habitaçao)(Junho de 1872 – Fevereiro de 1873), especialmente Dritter Abschnitt : Nachtrag über Proudhon und die Wohnungsfrage Nr. II(Terceira Parte : Suplemento acerca de Proudhon e a Questão da Habitação Nr. II), in : Marx und Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Vol. XVIII, Berlim : Dietz Verlag, 1961, pp. 277.16[18] Cf. MARX, KARL. Theorien über den Mehrwert (Teorias da Mais-Valia) (1863), in : ibidem, Vol. XXVI/1, Berlim : Dietz Verlag, 1961, pp. 145 e 259.

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Marx e Engels debruçaram-se detidamente não apenas sobre o aspecto volitivo-

superestrutural e jurídico-formal do Direito, senão ainda investigaram com

profundidade o aspecto eminententemente conteudístico que, em última instância, o

condiciona.

Nesse contexto, Marx salientou, precisamente, que, tendo suas raízes nas

condições de vida material de épocas históricas determinadas, as relações do

Direito – como as formas do Estado - não podem, com efeito, ser compreendido a

partir de si mesmas nem tão pouco ser explicado por meio do pseudo-

desenvolvimento geral do espírito humano.17[19]

Já destacamos que a concepção dialético-materialista do Direito sustenta que a

vontade da classe dominante erigida em lei possui seu conteúdo nas condições

materiais de sua própria vida histórico-social.

O ensinamento lapidar de imenso significado para a compreensão do Direito

emergente dessa afirmação é, então, formulada por Karl Marx da seguinte forma:

“O Direito não pode ser nunca mais elevado do que a formação econômica e o

desenvolvimento sócio-cultural que é por ela condicionado.”18[20]

Marx e Engels esclarecem que o modo segundo o qual os membros de uma

sociedade produzem os meios de sua vida social e trocam entre o si os produtos

17[19] Cf. MARX, KARL. Vorwort zur Kritik der Politischen Ökonomie (Prefácio à Crítica da Economia Política)(Agosto de 1858 – Janeiro de 1859), in : ibidem, Vol. XIII, Berlim : Dietz Verlag, 1961, p. 8.18[20] Cf. MARX, KARL. Kritik des Gothaer Programms (Crítica do Programa de Gotha) (Abril e Maio de 1875), in : ibidem, Vol. XIX, p. 21.

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gerados é constituído, em seu fundamento, por relações econômico-materiais,

determinadas, necessárias, independentes do alvedrio dos homens e

correspondentes a um certo nível de desenvolvimento das forças produtivas,

incluída no interior dessas mesmas relações.19[21]

Em um dado momento histórico-social, a simples necessidade de produção de bens

e de troca de produtos, pressupõe a existência de uma certa divisão social do

trabalho, realizado sobre uma área geográfica e um meio externo definidos,

incorporando os vestígios históricos efetivamente transmitidos por fases anteriores

de desenvolvimento das forças produtivas materiais.

Marx e Engels comprovam que, após a dissolução das sociedades nômades-tribais

e aguçadas as crescentes contradições sociais produzidas pela divisão do trabalho

corporal e, a partir desse, pela divisão do trabalho espiritual, conduzindo à cisão de

toda a sociedade em classes sociais antagônicas e inconciliavelmente hostis, o

conjunto das relações materiais de produção é necessariamente o elemento

formador da estrutura real-econômica que confere sustentação a todas as relações

sociais superestruturais de dominação e, por consegüinte, a política, o Direito, o

Estado etc.

Estabelecidos esses aspectos analíticos fundamentais de sua análise social, ambos

puderam concluir, decisivamente, então, que a história de todas as sociedades

existentes até os nossos dias – com exceção das sociedades primitivas - em que

vivemos é a história das lutas de classes sociais, travadas ora aberta, ora

19[21] De modo esclarecedor, vide acerca do tema ENGELS, FRIEDRICH. Brief an Heinz Starkenburg (Carta a Heinz Starkenburg)(25 de Janeiro de 1894), in : ibidem, Vol. XL, pp. 17 e s.

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acobertadamente, conduzindo sempre ou à transformação revolucionária de todo

corpo social ou à decadência comum das classes em luta.20[22]

Já essas mesmas classes sociais são sempre produtos das relações e contradições

econômico-materiais da produção e troca de uma determinada época histórica.

Precisamente nesse contexto, surge o Direito enquanto elemento histórico

superestrutural, dotado de instituições jurídicas e forma ideologicamente específica

de consciência social, sendo assenhorado e instrumentado pela classe dominante

em sua luta sem quartel, travada visando à exploração econômica e à dominação

das classes subjulgadas.

Tendo em precisa conta que é o modo de produção e reprodução social da vida

material o fator que, em última instância, condiciona todo o processo de vida político,

jurídico e cultural em geral, Marx e Engels realçam os elementos superestruturais,

todos eles condicionados, interrelacionem-se e interajam com a base histórico-real,

modificando-a, ainda que apenas dentro de certos limites.21[23]

Assim, ressaltando devidamente o aspecto condicionador dos meios de produção e

reprodução da vida material, a concepção marxista-engelsiana do Direito entende,

precisamente, que o Direito – interrelacionando-se com outros elementos

superestruturais das relações de dominação – exerce um importante efeito colateral

20[22] Cf. MARX, KARL & ENGELS FRIEDRICH. Manifest der Kommunistischen Partei (Manifesto do Partido Comunista)(Dezembro 1847 – Janeiro de 1848) in : ibidem, Vol. IV, pp. 462.21[23] Cf. ENGELS, FRIEDRICH. Brief an Joseph Bloch (Carta a Joseph Bloch)(21 e 22 de Setembro de 1890), in : Marx und Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Vol. XXXVII, Berlim : Dietz Verlag, 1961, pp. 462 e s.

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e ativo sobre o transcurso histórico das lutas de classe – ainda que não seja o

decisivo -, determinando, em muitos casos, até mesmo sua forma, de modo

preponderante.22[24]

Sem dúvida, essa postura analítica abre, efetivamente, aos juristas marxistas a

perspectiva de operarem revolucionariamente com o Direito Burguês, explorando

suas contradições em benefício do fortalecimento das forças proletárias, de modo a

conduzirem à sua crise e destruição, por constituir inequivocamente elemento da

dominação burguesa-capitalista.

Convém destacar, porém, que, sobretudo nos Estados Burgueses contemporâneos,

o Direito não se constitui enquanto tosca e rudimentar expressão superestrutural da

dominação capitalista, senão tende a interceder enquanto sistema por si mesmo

mais ou menos coerente, que não se contradiz trivialmente e nem revela seus

fundamentos internos mais paradoxais de maneira manifestamente ostensiva.23[25]

Sem embargo, é mister destacar-se o disparate alardeado pelos ardentes

defensores da “contínua evolução do Direito”, tão decantada por juristas

22[24] Cf. ENGELS, FRIEDRICH. Brief an Franz Mehring (Carta a Franz Mehring)(14 de Julho de 1893), in : Marx und Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Vol. XXXIX, Berlim : Dietz Verlag, 1961, pp. 96 e s.23[25] Cf. ENGELS, F. Brief an Conrad Schmidt (Carta a Conrad Schmidt)(27 de Outubro de 1890), in : Marx und Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Vol. XXXVII, Berlim : Dietz Verlag, 1961, pp. 488-495.

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jheringianos, democrático-liberais e frente-populistas do Direito Burguês moderno.24

[26]

Com efeito, esses incorrigíveis candidatos a reformistas da dominação capitalista,

prostrada em seu leito de morte, procuram sempre dissimular, fingir e suprimir, legal

e doutrinariamente, as profundas contradições resultantes da tradução direta em

princípios jurídicos das relações econômico-materias de exploração e dominação

capitalistas, na busca da produção de um sistema de Direito aparentemente

harmônico, vagarosamente cambiante, gradativamente mutável, sem violências

comprometadoras, exercidas pelo domínio público sobre o domínio privado

capitalista - e, além disso, pretendidamente democrático e universal -, precisamente

quando a coerção das inesperadas exasperações advindas das lutas de classes

24[26] No cenário das letras jurídicas brasileiras, vide, sobretudo, as tímidas posições burguesas-reformistas do novo Ministro do Supremo Tribunal Federal, nomeado pelo Governo de Frente-Popular de Lula, GRAU, E. R. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 : Interpretação e Crítica, São Paulo, 1991, p. 20. Grau revela-se, praticamente em todas as suas obras, como sendo um fervoroso discípulo da ideologia jurídica de Jhering que pretende apresentar como capaz de conceber o Direito “em contínua evolução.” Se Eros Grau compreendeu efetivamente o sentido e o significado da doutrina do Direito de Jhering, com a qual opera alienadamente, é questionável. Certo é, porém, que cita, incansavelmente, as conceituações de Jhering para balizar seu próprio pensamento jurídico-burguês conservador, impregnado de stalinismo frente-populista. Eis sua definição extremamente estática de Direito, apoiada inteiramente em Jhering, com base na qual pretende que exista uma “contínua evolução” do Direito : “Podemos dizer o Direito é um instrumento de organização social : sistema de normas (princípios) que ordena – para o fim de assegurá-la – a preservação das condições de existência do homem em sociedade (forma que visa a assegurar as condições de vida da sociedade, instrumentada pelo poder coativo do Estado (von Ihering 1884/443). Assim, o Direito pretende proteger e assegurar a liberdade de agir do indivíduo, subordinando-a ao interesse coletivo; ele demarca as áreas da liberdade e do interesse coletivo, tendendo à determinação de um ponto de equilíbrio entre esses dois valores.” Declarando-se seguidor de uma “concepção realista do Direito”, em evidente alusão ao método de Jhering, exposto no Nono Prefácio de seu “Der Besitzwille (A Vontade de Posse)” de 1889, Grau dedica toda a abertura de seu trabalho à seguinte advertência ético-moral de Jhering, que serve de consigna maior para suas reflexões jurídicas cético-subjetivistas: “Para que possamos servir-nos sem perigo de uma teoria é necessário que, anteriormente, tenhamos perdido completamente a fé nela (von Ihering)”. Cf. GRAU, EROS R. ibidem, p. 20 e exórdio de abertura do livro.

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sociais golpeia, abruptamente e sem interrupção, esse mesmo sistema, enredando-o

novamente nas velhas contradições insolúveis, tornadas então ainda mais

agravadas.25[27]

Não descurando da importância das reformas para o desdobrar das lutas

revolucionárias dos trabalhadores e das massas miseráveis e sacrificadas pela

hediondez do capital, a concepção dialético-materialista do Direito salienta

resolutamente a força decisiva que possuem os movimentos revolucionários e as

lutas acesas de classes para as transformações no domínio do Direito, não

perdendo de vista o fato de esse último, examinado em seu conteúdo, ser expressão

do modo de produção e reprodução social da vida material que, em última instância,

o condiciona e estabelece os limites a que correspondem o desenvolvimento cultural

geral da sociedade.26[28]

Dirigindo-se diretamente aos representantes burgueses de todos os matizes

políticos e seus ideólogos mais servis, Marx e Engels elucidaram, então, da

seguinte forma, o caráter de apoderamento e instrumentalização do Direito pela

25[27] Passim ENGELS, FRIEDRICH. Brief an Conrad Schmidt (Carta a Conrad Schmidt)(27 de Outubro de 1890), in : Marx und Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Vol. XXXVII, Berlim : Dietz Verlag, 1961, p. 493.26[28] Cf. MARX, KARL. Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Band I : Der Produktionsprozeß des Kapitals (O Capital. Crítica da Economia Política. Volume I : O Processo de Produção do Capital)(1867), especialmente Parte III : Die Produktion des absoluten Mehrwerts (A Produção da Mais-Valia Absoluta), Capítulo VIII : Der Arbeitstag (A Jornada de Trabalho), 6 : Der Kampf um den Normalarbeitstag. Zwangsgesetzliche Beschränkung der Arbeitszeit. Die englische Fabrikgesetzgebung von 1833-1864 (A Luta pela Jornada Normal de Trabalho. Limitação Legalmente Coercitiva da Jornada de Trabalho. A Legislação Fabril Inglesa de 1833-1864), pp. 294 e s.

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vontade da classe dominante, enquanto elemento histórico superestrutural, sabendo,

ao mesmo tempo, eliminar resolutamente de sua concepção jurídica todos os

resquícios de positivismo ou naturalismo jurídicos, ao denunciarem a representação

interessada que a classe dominante elabora acerca do Direito, apresentando-o como

fundando em leis naturais e racionais eternas :

“Vossas idéias são produtos das relações burguesas de produção e de propriedade,

tal como vosso Direito é apenas a vontade de vossa classe erigida em lei, uma

vontade cujo conteúdo está dado nas condições materiais de vida de vossa classe.

A representação interessada segundo a qual tranformais vossas relações de

produção e de propriedade de relações históricas, transitórias no curso da produção,

em leis naturais e racionais eternas, compartilhais com todas as classes dominantes

perecidas.”27[29]

Se tivermos em devida conta as ponderações de Marx e Engels de que,

desde o descobrimento e a colonização das Américas, a circunavegação da África,

a abertura e exploração dos mercados chinês e asiático-oriental etc., assistimos ao

surgimento de um novo terreno de dimensão mundial explorado pela burguesia

ascendente, a realidade histórica das relações materiais capitalistas dos últimos

séculos veio demonstrar sua inevitável propensão a atingir características

imperialistas, em cujo contexto o Direito passou a ser crescentemente assenhorado

e instrumentalizado pelos interesses materiais do imperialismo capitalista,

colonizador e recolonizador.

27[29] Cf. IDEM. ibidem, in : ebenda, Vol. IV, p. 477.

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No dealbar do século XXI, já em época avançada da agonia mortal do capitalismo, o

imperialismo capitalista, aguçando enormemente a exploração do proletariado de

todo mundo, avança sobre os Estados burgueses mais atrasados em ofensiva

desenfreada, com o claro objetivo de reduzí-los – estes que já vieram a gozar de

relativa independência – a verdadeiras colônias, no quadro de um inequívoco

processo recolonização, obviamente situado em novos patamares históricos.

Esse processo que está muito distante de ser um fenômeno pacífico e racionalmente

evolutivo, ao combinar-se com profundas crises institucionais dos poderes de

Estado, acarreta manifestas e inopinadas mudanças nos ordenamentos jurídicos

nacionais e internacionais dos países envolvidos, buscando adequá-los sempre ao

mister de instrumentalizar e assegurar o maior grau de exploração econômica e

dominação institucional de todo mundo, exercidas pelo capitalismo imperialista em

sua nova fase existencial.28[30]

http://www.scientific-socialism.de/KMFEDireitoCapa.htm

28[30] Acerca do tema, vide, mais detalhadamente, BUSSINGER, ADERSON / GOMES, AMÉRICO / OLIVEIRA, SÉRGIO. Piotr Stutchka. Direito de Classe e Revolução Socialista. Comentários, in: Revista Marxismo Vivo, Nr. 4, Dezembro de 2001.