Marx Schwarz

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7/21/2019 Marx Schwarz http://slidepdf.com/reader/full/marx-schwarz 1/11 Folha de S. Paulo (Caderno "Mais!) São Paulo, domingo, 04 de março de 2001 O neto corrige o avô (Giannotti x Marx)  Roberto Schwarz Peço licença para começar com uma história antiga. Algumas décadas atrás, uando éramos moços, aui o nosso !iannotti me passou um tra"alho ue aca"a#a de escre#er. $i, gostei e disse ue ha#ia achado claro. %le &icou desapontado e respondeu ue o ue esta#a &a'endo agora era mais di&(cil. ) claro ue não se trata#a para ele de pre&erir o incompreens(#el. Pelo contrário, !iannotti &oi desde sempre um soldado da ra'ão. * ue a anedota mostra é o seu dese+o de estar &rente, de se a#enturar em áreas tem(#eis, ue o comum dos pro&essores não &reuenta, de pensar o impensado. -i'endo de outro modo, !iannotti sempre te#e a aspiração #anguardista, de ser  pontadelança, de &ormar entre os desco"ridores e de en&rentar as di&iculdades correspondentes. Acho ue a transmissão militante desse impulso aos amigos e aos alunos, s #e'es até um pouco "ruta, é um dos melhores itens do curr(culo dele. %u mesmo sou "ene&iciário e #(tima desse ideal. Pois "em, a iniciati#a de &ormar um seminário para ler /* apital/ de ar em &ins dos anos 30 iniciati#a importante para a nossa geração uni#ersitária te#e muito a #er com essa disposição #anguardista. A lem"rança de !iannotti ho+e não é essa e no seu no#o li#ro, /erta erança arista/, ele escre#e ue desde o começo estudou /* apital/ como um clássico, uer di'er, como um li#ro sem conseu5ncia especial para o presente. om o perdão dele, penso ue isso é só meia #erdade.6  7aueles anos, !iannotti #oltara da 8rança con#ertido s eig5ncias da leitura estruturalista, para nós uma no#idade, e é certo ue con#enceu os amigos a estudar ar nessa perspecti#a, digamos, acad5mica. A idéia de entender o grande cr(tico de nossa ordem social por meio de um método ahistórico e descontetuali'ador não deia#a de ser surpreendente. as ela apaionou o grupo e se mostrou muito produti#a. -e outro 9ngulo, contudo, do ual todos tinham consci5ncia, trata#ase de uma ação pol(tica em sentido próprio.

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Folha de S. Paulo (Caderno "Mais!)

São Paulo, domingo, 04 de março de 2001

O neto corrige o avô (Giannotti x Marx)

 Roberto Schwarz

Peço licença para começar com uma história antiga. Algumas décadas atrás, uando éramos

moços, aui o nosso !iannotti me passou um tra"alho ue aca"a#a de escre#er. $i, gostei e disse

ue ha#ia achado claro. %le &icou desapontado e respondeu ue o ue esta#a &a'endo agora era

mais di&(cil.

) claro ue não se trata#a para ele de pre&erir o incompreens(#el. Pelo contrário, !iannotti &oi

desde sempre um soldado da ra'ão. * ue a anedota mostra é o seu dese+o de estar &rente, de se

a#enturar em áreas tem(#eis, ue o comum dos pro&essores não &reuenta, de pensar o

impensado. -i'endo de outro modo, !iannotti sempre te#e a aspiração #anguardista, de ser

 pontadelança, de &ormar entre os desco"ridores e de en&rentar as di&iculdades correspondentes.

Acho ue a transmissão militante desse impulso aos amigos e aos alunos, s #e'es até um pouco

"ruta, é um dos melhores itens do curr(culo dele. %u mesmo sou "ene&iciário e #(tima desse

ideal.

Pois "em, a iniciati#a de &ormar um seminário para ler /* apital/ de ar em &ins dos anos 30

iniciati#a importante para a nossa geração uni#ersitária te#e muito a #er com essa disposição

#anguardista. A lem"rança de !iannotti ho+e não é essa e no seu no#o li#ro, /erta erança

arista/, ele escre#e ue desde o começo estudou /* apital/ como um clássico, uer di'er,

como um li#ro sem conseu5ncia especial para o presente. om o perdão dele, penso ue isso é

só meia #erdade.6

 7aueles anos, !iannotti #oltara da 8rança con#ertido s eig5ncias da leitura estruturalista, paranós uma no#idade, e é certo ue con#enceu os amigos a estudar ar nessa perspecti#a,

digamos, acad5mica. A idéia de entender o grande cr(tico de nossa ordem social por meio de um

método ahistórico e descontetuali'ador não deia#a de ser surpreendente. as ela apaionou o

grupo e se mostrou muito produti#a. -e outro 9ngulo, contudo, do ual todos tinham

consci5ncia, trata#ase de uma ação pol(tica em sentido próprio.

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Ao encarar ar com os olhos de um doutorando, comprometido com as ra':es do teto e mais

nada, p;nhamos em uestão a leitura doutrinária e inculcadora praticada pelo Partido omunista,e com ela a autoridade intelectual deste ;ltimo então ainda uma grande presença, em"ora +á em

descompasso a"surdo com o padrão intelectual uni#ersitário e com a li"erdade de pensar com a

 própria ca"eça. 7outras pala#ras, os seminários de ar, ue em seguida pipocaram entre nós e

em todo o mundo, &oram uma das in;meras mani&estaç:es da &ormação de uma no#a esuerda,

li"erada do peso do stalinismo e do enuadramento so#iético.

<am"ém do ponto de #ista da academia, a aposta no estudo de ar representa#a um passo

antiacad5mico. 7a época, a teoria anticapitalista não &a'ia parte, por eemplo, do curr(culo de

ci5ncias sociais. *s pro&essores in&luentes do departamento eram de esuerda, mas os clássicoseram -ur=heim, a >e"er e ?arl annheim.

<al#e' se possa di'er ue o mergulho no teórico das contradiç:es, da crise e da superação do

capitalismo #inha responder a uma dinami'ação geral em curso, palpá#el na radicali'ação do

 populismo e na presença crescente do terceiromundismo e do antiimperialismo, ue

repolari'a#am dist9ncia a #ida intelectual. Assim, uando destrincha#am /* apital/ e

 "usca#am nele a inspiração para artigos e teses de doutoramento, os +o#ens pro&essores ueriam

tra'er a luta de classes e o antiimperialismo &rente tam"ém da cena uni#ersitária, ueriam

ri#ali'ar, a partir da uni#ersidade, com os demais centros de ela"oração ideológica no pa(s,ueriam des"ancar a sociologia do esta"lishment e tinham, em linha com a mania metodológica

nacional, a am"ição de esta"elecer a superioridade cient(&ica de ar, da dialética e deles

 próprios ponto aliás em ue se espera#a muito do desempenho de !iannotti.

 7outras pala#ras, acompanhando o curso das coisas, ue se precipita#a em direção do

en&rentamento de 1@4, entra#a em pauta a trans&ormação do m(nimo e do máimoB meer no

curr(culo do departamento, tomar conta do pedaço, meter a colher no de"ate ideológico, inter#ir

na pol(tica cient(&ica e, mais remotamente, mudar a ordem social do próprio Crasil e do mundo.

-a( eu achar ue !iannotti não conta a missa inteira ao di'er ue, para ele, ar não era senãoum clássico.

Aliás, nem o li#ro ue estamos discutindo aui é apenas acad5mico. uito de tudo isso ue

mencionei permanece ati#o dentro dele, em"ora noutro conteto e com signi&icação mudada. A

eposição tumultuada e o 9nimo #anguardista estão incólumes. Duanto ao ;ltimo, a linha

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condutora da eposição consiste, penso ue para surpresa de muitos, em demonstrar ainda e

sempre a superioridade de ar ou melhor, da certa herança marista do t(tulo so"re os demais

 pensadores com ue possa ha#er comparação. Em programa paralelo ao dos anos 30, 0 e F0,em"ora com di&erenças.

%m termos ultrasumários, digamos ue um diagrama marista da reprodução do capital,

reconstitu(do con&orme o 9ngulo de !iannotti, é sucessi#amente con&rontado com a dialética

idealista de egel, com a ponderação Ge"eriana dos meios e dos &ins, com o +ogo de linguagem

de >ittgenstein, com a separação entre ação técnica e comunicati#a de a"ermas, com a #ersão

 primária do &etichismo própria aos &ran=&urtianos Hamigamente peço licença para achar esse

cap(tulo uma catástro&eI e com a ci5ncia econJmica de ho+e. * marismo sai &ortalecido de todos

esses encontros, e nesse sentido !iannotti poderia di'er com Sartre, tão &ora de moda, ue aré o hori'onte insuperá#el de nosso tempo.

-espachar um grande autor * miolo dessas argumentaç:es é sempre interessante, resultado de

re&leão cerrada e tena'. Para o meu gosto são elas a melhor parte do tra"alho e lamento ue

se+am tão "re#es 10 ou 20 linhas, possi#elmente muito acertadas, para despachar um grande

autor. 7o ue dependesse de mim, as proporç:es da apresentação estariam in#ertidas. As longas

reconstituiç:es do argumento marista se poderiam sinteti'ar sem perda, ao passo ue as

di&iculdades ue as colocaç:es de ar representam para o pensamento da concorr5ncia se é

ca"(#el &alar assim de#iam estar epostas com amplitude, pois elas são um dos "ons resultadoscr(ticos do li#ro.

-ito isso, o ad#ersário estratégico de !iannotti, #ia ar, é ar ele mesmo. Em "re#e

esuema da reprodução do capital, pre&erido como sendo o n;cleo #álido e insuperado da

ela"oração marista, é dirigido contra o anticapitalismo de seu autor. Assim, a certa herança

marista ser#e a !iannotti para derrotar não só os demais teóricos da sociedade, como tam"ém a

 pol(tica marista, auela ue com ou sem re#olução #isa superação do capitalismo. -e

 passagem são derru"ados tam"ém o +o#em ar e a dialética da nature'a segundo %ngels. %sta a

 posição paradoal ue o no#o li#ro de !iannotti procura sustentarB um marismo #itorioso,criticamente superior s posiç:es concorrentes, ue entretanto implica a in#ia"ilidade da pol(tica

marista e do impulso de superar a ordem do presente.

%m termos de itinerário pol(tico, esse resultado é menos implaus(#el e mais colado história do

ue parece. Sem pre+u('o de estar na origem de re#oluç:es ue não deram certo ou &oram

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derrotadas, o marismo tem se mostrado uma "oa escola para eplicar a lógica dos imperati#os

do capital. A dissociação entre esses dois aspectos, #isto o seu 5ito desigual, é uma lição

 poss(#el do curso das coisas. omo ilustração, não custa lem"rar ue o presidente do Crasil, ue&oi &igura central do mesmo seminário, no momento se empenha em moderni'ar o capitalismo no

 pa(s. -igamos o"+eti#amente ue o tempo de uma #ida normal de nossa geração &e' ue se

sucedessem e misturassem, "em ou mal integrados, dentro das mesmas ca"eças, momentos de

cr(tica incisi#a ao capitalismo e outros de cr(tica a essa mesma cr(tica.

 7esse uadro, a sa(da ue !iannotti procurou é inesperadaB ele eplica os desastres do

socialismo como decorr5ncia necessária não da cr(tica marista ordem "urguesa, como &a' a

direita, mas da deso"edi5ncia s estipulaç:es, acertadas e insuperadas, contidas na construção da

racionalidade moderna operada pelo mesmo ar, no caso o economista, ao descre#er o&uncionamento do capital.

) um resultado desconcertante, ue entretanto tem o mérito de a"sor#er, com es&orço de

integração intelectual, uma eperi5ncia histórica. ar tal#e' não apreciasse a glória ue

!iannotti lhe reser#a, mas isso é inessencial e aliás não o surpreenderia, pois ninguém mais ue

ele ser#iu a propósitos ue não esta#am no programa.

Para &alar de mo#imentos análogos em outro plano, todo cr(tico de arte sa"e da legitimidade de

#oltar as o"ras contra as intenç:es do autor, ou de opor umas s outras as partes de um tra"alho,como as "oas s más, ou como a #erdade mentira.

Ainda assim, em"ora não ha+a nada de errado em contrapor ar a ar, há algo de ecessi#o

em &a'er dele o &errolho teórico do edi&(cio do capital. Algo como procurar na o"ra de 8reud a

apologia dos remédios antidepressi#os e a condenação da psicanálise. 7ada é imposs(#el, mas...

*nde os cr(ticos do capitalismo permanecem &iéis a suas aspiraç:es e interrogam as ra':es dos

desastres das eperi5ncias socialistas, tratando de re#er sua lu' a insu&ici5ncia da construção

marista do processo, o marista estrito, na #ersão !iannotti, "usca em ar o argumento para

demonstrar ue a superação do capitalismo le#a "ar"árie.Para delimitar a atualidade, !iannotti recorre ao passo genial dos /!rundrisse/ H1L3FI, onde

ar antecipa a automação e a correspondente dissolução das categorias "ásicas do capitalismo.

om a integração regular da pesuisa cient(&ica ao processo produti#o, em especial ao no#o

mauinário anota ar, a parte agregada ao produto pelo tra"alho propriamente operário, ou

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 pelo tra"alho a"strato, perderá em signi&icação. Em de&inhamento de mesma ordem a&etará a lei

do #alortra"alho e a realidade da classe operária.

 7o século e meio ue passou, esses desen#ol#imentos de &ato se #eri&icaram, em"ora com ponto

de chegada di&erente do pre#isto, pois o comunismo não resol#eu os pro"lemas da humanidade,

nem o &etichismo do capital se dissipou, ou não &oi dissipado. %m"ora tornada a"surdamente

mesuinha em relação su"st9ncia do processo em curso, a &orma mercantil permanece em

#igor, como a mediadora uni#ersal, e com ela os pressupostos atomi'antes e ilusórios da troca

 +usta das mercadorias /pelo seu #alor/. *s tra"alhadores continuam o"rigados a #ender

indi#idualmente a sua &orça de tra"alho, como se hou#esse proporção entre esta e os resultados

gerais da produção, e os produtos continuam a ser apropriados por meio do mercado, no ual

 "uscam uem os possa comprar, como se o processo produti#o não esti#esse sociali'ado.

 7a o"ra de ar, esses argumentos &iguram entre numerosos outros e procuram captar a

contradição em processo, a epansão do capital em muitas &rentes, rompendo limites e urgindo a

 própria superação. * con+unto parece dominado por um ponto de &uga comum, para o ual os

#etores con#ergem. Pois "em, ao trans&ormar as mesmas &ormulaç:es em diagnóstico do

 presente, lu' do colapso do socialismo, !iannotti &a' com ue elas participem de um

dinamismo di#erso.

 7o prognóstico de ar, uem &a'ia água por todos os lados era o capital. Para o leitor de ho+e,ad#ertido pela história recente, os aspectos ue se destacam no argumento são outros. $á está,

 pedindo para ser notada, a perda de su"st9ncia do proletariado relati#amente s com"inaç:es ue

comandam a no#a produti#idade social. *u se+a, o agente histórico da superação perde &orça

 +ustamente uando a crise das &ormas capitalistas se acentua. -e outro 9ngulo, nesse modelo o

a#anço da crise #em acompanhado do arre&ecimento da luta de classesB com o /colapso HdIa

 produção apoiada so"re o #alor de troca, o processo de produção material despese ele próprio da

&orma da necessidade premente e do antagonismo/ H1I.

Assim, ao acompanhar e construir o processo por #ários lados, ar da#a elementos para acompreensão tam"ém de outros des&echos, não #isados, mas poss(#eis. eio teori'ado, meio

constatado, esse é o hori'onte ho+e comum aos leitores de &ormação marista. ) a( ue se situa a

re&leão de !iannotti.

Por momentos, com 'elo um pouco deslocado no tempo, ela denuncia o messianismo dogmático

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do homem ue uis reali'ar a &iloso&ia e ue #ia a história como a marcha inelutá#el para o

comunismo. ) sa"ido ue há nos escritos de ar as citaç:es ue permitem a construção desse

 personagem. %ntretanto "asta um pouco de contetuali'ação histórica, na minha opinião, paraue tam"ém essa &igura conte entre os heróis do pensamento cr(tico, e não entre os &anáticos.

-ito isso, no principal o li#ro de !iannotti discute esuemas do ar da maturidade, ue

 "uscam reconstruir, em grau de compleidade assom"roso, a léguas de ualuer parcialidade

 primária, o ciclo da reprodução contraditória do capital. 8a'em parte estrutural desta as

tend5ncias autosuperação, "em como as contratend5ncias. A conhecida parcimJnia de ar na

descrição do socialismo mostra ue ele o #ia como algo no#o, ue não se podia dedu'ir do

 passado, no ual contudo esta#a "aseado. Algo poss(#el, digamos, mas não um desdo"ramento

automático.

Mnstru(do pelos acontecimentos, !iannotti #ai se concentrar nas contratend5ncias ue apontam,

se+a para as di&iculdades da passagem ao socialismo, se+a para a impossi"ilidade dela, se+a para o

 perigo ue ela representa. Até onde posso #er, há oscilação entre os tr5s pontos de #ista. *s dois

 primeiros são interessantes, e o terceiro, por estar epresso em lugarescomuns da retórica

anticr(tica, é uma concessão ao ar do tempo.

%m plano paralelo, a passagem a uma &orma superior de sociedade #em ligada discussão so"re

o "em&undado da dialética, ou so"re o estatuto real da contradição. ontra as teorias mais oumenos positi#istas, ue #5em nesta um &ato apenas do discurso, sem contrapartida no mundo,

!iannotti dá ra'ão a egel e arB em particular atrás do dado econJmico, ue não é ;ltimo,

eistem contradiç:es em processo, ue ca"e cr(tica des#endar e ue a"rem no#as

 possi"ilidades lógicas e práticas Hou se+a, o socialismoI. Por outro lado, ar tem ra'ão contra

egel uando acompanha a contradição em seus la"irintos e desencontros, des#encilhandoa do

esuema de superaç:es inelutá#eis da lógica especulati#a. %sta a di&erença entre a dialética

materialista e a idealista. 7ão o"stante, le#ado pelo enga+amento re#olucionário, ar aposta na

 possi"ilidade ou certe'a da superação e /impregna todo o seu pro+eto pol(tico dauele

misticismo lógico ue denunciara na teoria hegeliana do %stado/ H2I.

Nes(duo hegeliano Msso posto, não &ica claro para o leitor se a superação do capitalismo, ue é

sim contraditório segundo !iannotti, de#e ser #ista como um poss(#el ou como um imposs(#el.

%stá claro ue ela não está inscrita no automatismo das coisas, ue entretanto a solicitam. Msso

&a' dela um res(duo hegeliano e um erro de lógicaO Por ue não uma oportunidade real, derrotada

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ada uma sua maneira, as duas tend5ncias cli#am estruturalmente o mundo do tra"alho,

acentuando a sua heterogeneidade e operando, assim, em sentido oposto ao de uma consci5ncia

de classe uni&icadora.

Due pensar desses resultadosO * caráter inconclusi#o da consci5ncia indi#idual e espont9nea dos

tra"alhadores não é uma no#idade. *s partidos operários &oram criados +ustamente para

ultrapassar essa ordem de limitaç:es, para tra'er #ida consciente a dimensão social uer di'er,

des&etichi'ada do processo de produção moderno, com as possi"ilidades ue lhe correspondem.

Dual o propósito então de estudar em separado a #enda indi#idual da &orça de tra"alho e de &a'er

dela, e de suas perspecti#as desencontradas, a inst9ncia decisi#a da sociali'ação dos su+eitosO

Por ue &a'er a"stração dos elos mediadores intelectuais, organi'acionais, legais, institucionaisetc., ue são as conuistas culturais e pol(ticas ue permitem ao tra"alhador a atuação coleti#aO

-o ponto de #ista do argumento de !iannotti, tratase de demonstrar ue os &uncionamentos

elementares do capitalismo sociali'am o tra"alhador segundo regras discordantes, ue não le#am

&ormação de uma consci5ncia de classe consistente. *u ainda, ue a &ormação de um agente

social capa' de superar o capitalismo é uma idéia ilusória, sem &undamento nas /coisas/ coisa,

aui, no sentido /sens(#el e suprasens(#el/ analisado por ar na teoria do &etichismo.

A #erossimilhança do argumento tem #ários apoios. Em é o tom radical&ilosó&ico do racioc(nio,

ue a"andona as eterioridades e #ai ao n;cleo duro da troca mercantil, a matéria primeira contraa ual as toneladas de ideologia ulterior e de conuistas sociaisO nada podem. -i'endo de outra

maneira, tratase do primado irre#ers(#el do &etiche so"re a des&etichi'ação.

A esse respeito, notese ue di&icilmente ocorreria a alguém, num momento de alta da luta

 popular, &a'er do diagrama da troca indi#idual uma cha#e da história contempor9nea. omo a

luta popular está em "aia, digamos ue a supressão das mediaç:es sociais na teoria coincide

com a sua atual supressão na prática, ue resultou da #asta #itória do capital so"re o tra"alho

organi'ado em nosso tempo, ual não &altou o lado da guerra ideológica, inclusi#e

uni#ersitária. Msso não uer di'er ue este+amos diante do en&rentamento cru entre capital etra"alho, moda antiga, e ue as mediaç:es sociais tenham desaparecidoB elas apenas trocaram

de lado e de intenção.

omo supor ue os esuemas mentais en#ol#idos na troca mercantil simples este+am

determinando, de modo imediato, as &raue'as da consci5ncia operária atualO %les são a sua

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* argumento de !iannotti circula entre esuemas maristas da troca, idéias comensurá#eis de

outros &ilóso&os e tend5ncias conhecidas da sociedade contempor9nea. *s esuemas de arcon&iguram a ra'ão, diante da ual as construç:es dos demais pensadores são insu&icientemente

compleas, cada uma sua maneira. * con&ronto com o ar pol(tico e com as aspiraç:es da

esuerda em geral tem resultados de mesma ordem. %m relação s tend5ncias recentes do

capitalismo, en&im, os esuemas maristas &uncionam como termos de contraste, re#eladores da

no#a desmesura, com o ue uma teoria ue era a cr(tica de seu tempo troca de conotação e

aduire sinal positi#o.

) #erdade ue não há hipótese de o capitalismo #oltar atrás, para os "ons tempos em ue o

&etiche media alguma coisa, mas, enuanto este ;ltimo seguir sendo aplicado, mesmo ue +á nãomeça nada pensa !iannotti, será sempre uma garantia contra a "ar"árie total. Se+a como &or, há

em todos os momentos do li#ro um mo#imento de #eri&icação do compleo pelo relati#amente

simples, ue postula uma estranha posição de autoridade, a meia dist9ncia do real. <al#e' a

trincheira do pro&essor de lógica, ue a partir da( controla as teorias, as pol(ticas e os

desen#ol#imentos do mundo mediante um metro escorado em ar, ue lhe permite di'er o ue

está certo e o ue está errado, o ue se pode e o ue não se pode, sem +amais entrar no mérito das

uest:es, sem discutir a especialidade no plano do especialista, ou se+a, sem entrar em matéria.

Por ela"orada ue se+a, será ue essa posição tem ca"imentoO

Para concluir, uma o"ser#ação de cr(tico literário. Mnteressado em com"inar ar e >ittgenstein,

!iannotti conce"e o modo de produção capitalista como uma gramática das relaç:es de tra"alho.

Será "oa idéiaO A gramática se aprende custa de eerc(cios e repro#aç:es. Ao passo ue o

&uncionamento do capital, sem pre+u('o de ser regrado, reuer castigos de outra espécie, descritos

 por ar no cap(tulo tremendo so"re a acumulação primiti#a, ou singelamente eplicitados no

arsenal das grandes pot5ncias. 7os dois casos seguemse regras, mas e da(O Qistas as

disparidades, não #ale mais a pena distinguir ue aproimarO Será o caso agora de chamarmos o

desemprego de solecismoO * ue se ganha ao apresentar o capital como o grande gramático de

nosso tempoO

 7o li#ro de ar, a &igura correspondente seria o /su+eito automático/, em ue tam"ém está

representada a engrenagem econJmica operando sem direção consciente. Acho a &igura melhor,

 pelo cunho &antasmagórico, de sinal negati#o, e pela tare&a impl(cita de desalienação. Ne"atendo

o capital so"re a gramática, !iannotti in#erte o rumo da cr(tica marista. %sta procura tra'er lu'

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a luta social por trás da ordem e das &ormas esta"elecidas, tais como suponhamos a euidade

das trocas entre capital e tra"alho, ou a unidade lingu(stica de um pa(s. Ao passo ue a

assimilação gramática mais enco"re do ue re#ela. 7o &im de contas, é um preciosismo do tipoue permite grandes e&eitos a mestres do humor negro, como ?a&=a e Corges, sens(#eis ao

a"surdo de dar nomes pac(&icos ordem atro'.

omo #5em, o li#ro despertou o meu 9nimo discutidor, o ue entre #elhos amigos é a pro#a do

sentimento #i#o.

 7otas

1. itado em Certa Herança Marxista, pág. 220. &. ?arl ar, Grundrisse, Cerlim, -iet',

1@3K, pág. [email protected]. .A. !iannotti, op.cit., pág. K0L #er tam"ém págs. 20L e KK01.

K. *p. cit., pág. 20L.

4. Segundo !iannotti, os &ran=&urtianos não se interessam pela dialética entre relaç:es sociais de

 produção e desen#ol#imento das &orças produti#as Hpág. 1FI. *ra, essa dialética não só está no

centro da teoria da arte moderna de Cen+amin e de Adorno como &oram eles ue

consu"stanciaram a sua rele#9ncia para a análise estética e ideológica de nossos dias.

 Roberto Schwarz é ensaísta e crítico literário, autor de, entre outros, "Sequncias !rasileiras"Co#$anhia das %etras& e "'# Mestre na (eri)eria do Ca$italis#o"* + texto aci#a )oi

oriinal#ente u#a ex$osiç-o )eita no .nstituto de /studos 01ançados da 'S(, e# no1e#bro de

2333, co#o $arte de u# debate sobre o li1ro "Certa Herança Marxista Co#$anhia das %etras&*

 (artici$ara# da #esa4redonda !ento (rado 5r*, Gilberto 6u$as or*&, 5acob Gorender, 5*0*

Giannotti e Roberto Schwarz* 0 íntera dos trabalhos está sendo $ublicada na Coleç-o

 6ocu#entos do ./0, 'S(, co# título "0 Herança Marxista na /ra Global"*

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