Mas professora greve denovo
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Mas professora, greve de novo?
Ta aí uma pergunta que precisa ser respondida para as alunas e os alunos. Com calma e toda responsabilidade que essa indagação merece. Como já é sabido, o nosso sindicato nacional, o Sinasefe, juntamente à Fasubra (sindicato dos técnicos administrativos das universidades federais) está em pleno processo de greve. O Andes(sindicato nacional do docentes das universidades) está em processo de discussão e construção de seu movimento. Hoje completamos oito dias de paralisação. Em todo o país, já temos mais de 100 campi em greve.
Decidi escrever para prestar as principais informações sobre esse assunto e, na medida
do possível, esclarecer todas as dúvidas. Peço que se esforcem a lê-la até o final e
mais do que isso, que se posicionem também publicamente, contribuindo com a
discussão para que possamos construir o processo educacional que tanto almejamos.
Concordando ou discordando do movimento grevista peço que entrem em contato para
ampliarmos o debate.
Mas e aí? Temos motivos para aderir à greve? E sobretudo, temos razões para não nos
somarmos a ela? Certamente que temos argumentos de sobra para não nos
engajarmos num movimento paredista. Nem é preciso muito para concluir que nosso
calendário está desorganizado em função das greves de 2011 e 2012. Atraso nas
diplomações, etc. Não estou considerando como argumento convincente as afirmações
de que nesse ano eleitoral uma greve pode prejudicar o desempenho da Dilma nas
eleições e que isso beneficiaria à direita, precisamente por não considerar que neste
momento temos no governo do PT aliados dos trabalhadores. Esse argumento serviria
sobretudo para o partido que elegemos a quase 12 anos atrás se mostrar realmente
um partido DOS TRABALHADORES.
É para nós motivo de orgulho que estejamos ponderando sobre o calendário letivo em
nossa discussão, visto que contrariamente ao que se diz nos grandes meios de
comunicação, somos antes de mais nada EDUCADORES. E se hoje hesitamos em lutar
por nossos direitos, o fazemos por compromisso com nosso trabalho, no meu caso
bandeira. Posto que nenhum de nós está defendendo uma reposição irresponsável que
prejudique nossas alunas e alunos e comprometa a qualidade de nosso ensino não há
dúvida de que a organização de nossos períodos letivos não pode continuar assim
indefinidamente e que, mesmo com todos os compromissos já assumidos pela próxima
gestão em otimizar a reposição e consequente regularização de nosso calendário,
algumas semanas de paralisação só vão aumentar nossos prejuízos. Isso tampouco
significa que só nós temos esse problema. Por mais que muitos institutos tenham
otimizado sua reposição (sem descuidar da qualidade, por favor, é bom que fique
claro), existem institutos cuja previsão de acerto do calendário vai além de 2017. Por
essa razão é que a última Plena do Sinasefe aprovou que no marco das negociações
pós greve faremos com o governo também a discussão sobre o conceito que deve ser
adotado para acerto do calendário em nível nacional. Essa preocupação é real,
devemos pensar sim sobre isso, assim como devemos nos perguntar quais os motivos
que temos para entrar na greve.
Temos razões de ordens políticas, corporativas e internas para a deflagração deste
movimento. Dentre as questões que denomino de ordem política, não está a discussão
eleitoral, conforme alguns possam supor. Refiro-me às políticas de concepção do que
deva ser o Estado e os serviços públicos. Todos nós, comunidade do IFB já ouvimos
falar do termo “neoliberalismo”. Trata-se de um conjunto de premissas ultraliberais
que advogam a necessidade do Estado mínimo e do privado sobre o público, do
determinismo do mercado sobre a política e a economia e a submissão do interesse
público aos grandes capitais.
Desde o fim do chamado “socialismo real”, em 1989, vivemos uma ofensiva das teses
neoliberais. O primeiro governo neoliberal que tivemos foi o de Fernando Collor, que
felizmente não durou muito e foi derrubado por um imenso movimento de massas.
Colocados na defensiva, os grandes capitais conseguiram colocar no poder durante
oito anos Fernando Henrique Cardoso. Todos que estão lendo esse e-mail devem se
lembrar que durante o governo desse presidente foram estabelecidos os principais
conceitos do que deva ser o Estado e os serviços públicos sob uma ótica neoliberal.
Quem de nós não se lembra dos oito anos de arrocho salarial, da campanha
sistemática de desvalorização do serviço público, das privatizações e do favorecimento
incondicional à penetração do capital monopolista na economia?
Quem não se lembra também que durante esses oito anos nutrimos esperanças de
uma vitória do PT nas eleições presidenciais, acreditando que com isso conseguiríamos
de um vez por todas nos livrar dos ataques do neoliberalismo do saco de maldades do
Gustavo Franco (ex-presidente do banco central) e cia, etc?
O PT foi finalmente eleito em 2002, fiz campanha pelo Lula durante toda minha
infância e adolescência. Meu primeiro voto foi emocionado no Presidente Lula. Por duas
vezes. E em 2010 pela primeira presidenta. Mais emocionante ainda. E o que vimos? A
reforma da previdência, que FHC não conseguir fazer em oito anos, foi feita em 2003,
primeiro ano do governo Lula, e depois aprofundada pelo governo Dilma. Hoje, além do
famigerado Fator Previdenciário, que condena praticamente todos nós a se
aposentarem só no fim da vida, da contribuição dos aposentados para a previdência e
outros males, os novos trabalhadores do serviço público estão condenados a uma
aposentadoria de R$4.159.00 e ainda falam da necessidade de novas reformas.
Não vou nem entrar no mérito das discussões sobre as políticas de Direitos Humanos.
Isso eu posso discorrer por dias.
Sempre que falamos de salário para o serviço público ouvimos do governo que não há
dinheiro, e vemos ao mesmo tempo notícias que nos parecem contraditórias, como por
exemplo do perdão de mais de 2 bilhões às operadoras dos planos de saúde, da
renúncia fiscal em favor das grandes indústrias de mais de 30 bilhões em 2013 e de
mais de 34 bilhões em 2014. Mesmo os especialistas liberais já alertam que o tamanho
desse perdão às grandes empresas e bancos já supera em valores absolutos o que o
governo reserva para investimentos.
Só no ano de 2014 já se pagou R$ 203.275.457 de dívida ao grande capital, isso
equivale a mais de 4 bilhões por dia. Segundo dados da Auditoria cidadã da dívida,
nenhum país no mundo pagou tanto de dívida interna e externa como o Brasil. Só de
2002 até agora já pagamos o valor absoluto da dívida mais de duas vezes e a mesma
ainda aumentou. Essa é a razão de assistirmos bancos como o Itaú e Bradesco a cada
ano baterem recordes históricos de lucratividade. Nos dizem que isso é importante
para manter a credibilidade do país no exterior, leia-se, tem crédito quem dá calote aos
aposentados e paga sem questionar ao grande capital. Novamente segundo dados da
auditoria cidadã da dívida, nada mais temos a pagar, teríamos até troco se uma
auditoria fosse feita, mas enquanto isso, o montante reservado para rolagem dos juros
da dívida só em 2014 segue abaixo:
Com o se isso fosse pouco, o governo ainda promete no ano que vem aumentar o
superávit primário dos atuais 1.9% para 2,5%, representando uma reserva de mais 143
Bilhões para acalmar os grandes capitais. Digo isso não para desviar do foco da nossa
discussão, mas para deixar claro a quem serve o governo que aí está.
Não dá para esquecer também do quanto se gasta na Copa do Mundo. (Alô Estádio
Mané Garrincha!) É a copa mais cara de todas as copas, já ultrapassando o valor de 28
bilhões e ainda por cima quase todas as obras estão atrasadas. Já recebi convites de
workshops de “Como fazer a cobertura dos protestos da Copa em Segurança” do BOPE
e do Ministério da Justiça. Há alguma dúvida de que nossas vozes serão caladas?
Observar o esmero na reforma dos estádios e na preparação para o outro grande
evento que termos em breve, as Olimpíadas certamente é um bom exercício para se
concluir sobre quais são as prioridades neste país.
Enquanto defendemos o serviço público de qualidade, o governo envia para o
congresso o projeto de lei 4.330, que prevê a terceirização no serviço público até as
atividades fins. Isso significa concretamente a possibilidade de que se possa terceirizar
qualquer técnico ou docente no futuro, e esse é um grande negócio para a iniciativa
privada. Na nossa rede, por exemplo, um técnico de nível médio não ganha nem dois
salários mínimos e tem um custo para as instituições de mais de 7 mil reais. Hoje
estamos em greve e o governo do Partido dos Trabalhadores, que surgiu a partir do
movimento sindical e identificado com ele diz publicamente que não negocia com
quem está em greve, já nem se lembram de quem os colocou lá. Fomos nós. Fui eu.
Sabemos que alguns enquanto leem esse texto estão dizendo: “mas foi esse governo
que expandiu nossa rede e fez concursos públicos”! E é verdade, e por isso mesmo faz
parte da nossa pauta a luta contra a precarização.
A política de expansão da nossa rede tem seu marco no Plano Plurianual de 2004-2007
ainda no primeiro mandato do presidente Lula. Inicialmente foram projetadas a
construção de 42 escolas, com dotação orçamentária da ordem de 99,5 milhões. Com o
decreto 6.095 de 2007 é que se apontou para a construção do que de fato é nossa
rede atual, nesse decreto se previa o aporte de 750 milhões para a construção de
novas unidades e reforma das existentes. A nova orientação para o ensino técnico
ficou mais nítida com o PL-7.775/2008, o qual, após cinco meses de tramitação se
transformou na lei 11.892, que instituiu a Rede Federal de Educação Profissional. Essa
lei é que instituiu todos os IFES do país. Somos todos frutos deste movimento.
Ocorre que durante todo o tempo a expansão da rede se deu no objetivo de atender as
demandas da elite empresarial mais do que propiciar a inserção social dos milhões de
jovens que vivem no Brasil à margem da sociedade. Não vimos ainda um processo
democrático de discussão da institucionalidade e dos fins da expansão em nossa rede.
O discurso da eficiência tem dado ensejo à política de fazer “mais com menos” e o que
temos visto é o aumento sucessivo da relação aluno x professor e o crescimento
exponencial da evasão escolar. Isso sem falar no proselitismo da expansão em muitos
casos, onde os campi são inaugurados em ano eleitoral com o único objetivo em dar
palanque aos aliados políticos e sem qualquer interesse em atender aquelas
comunidades. Alguém ai já se perguntou pra que serve o curso x? Quantos discentes
estão realmente inseridos no mercado de trabalho com os cursos que
disponibilizamos?
Pautamos em nossa greve a questão da precarização não porque somos contra a
expansão, muito pelo contrário, mas porque entendemos que não podemos ter
servidores em número insuficiente, bem como a infraestrutura necessária para a
realização do trabalho pedagógico. Quantas vezes entramos em sala de aula sem
material? Quantas aulas foram perdidas pois não havia professor(a) substitutx?
No entanto o que vemos é, sob a desculpa do ensino profissionalizante, a transferência
cada vez maior de recursos públicos para as instituições privadas sob a rubrica do
PRONATEC. Basta uma pesquisa rápida no google para encontrar empresas oferecendo
assessoria para abrir uma escola técnica privada e financiá-la com recursos desse
programa. Procure saber o que a empresa Kroton vem fazendo. (kroton.com.br) Ela
comercializa um pacote de como uma instituição privada pode participar do
PRONATEC. O IESB vem pagando 18 reais por hora/aula para o professor. UNICEUB,
UNIP… Ouvimos de um presidente de uma ONG que “coloca 3 mil em sala de aula e
recebe 30 mil do governo, boa parte pelos amigos laranjas”. Quer mais motivos?
Temos.
No interior dos IFs a precarização e intensidade do trabalho só fez aumentar, tornando
nossos docentes e técnicos em horistas do PRONATEC. Quero deixar claro que não
estou julgando quem trabalha no PRONATEC. Mas hoje o governo já fala em expansão
da rede só com esse programa. Temos notícias de campi sendo criados somente para
atender ao PRONATEC. Ou seja, apenas com profissionais temporários, trabalhando em
troca de bolsas e oferecendo uma formação aligeirada e reduzida objetivando uma
formação limitada que nem prepara os discentes para o mercado de trabalho e nem de
longe o habilita para uma reflexão mínima sobre seu papel na sociedade. Pergunto
novamente: aonde está a construção cidadã?
Entrei no IFB muito me orgulhando da 11.892 que pautava a educação cidadã como
norteadora da Rede Federal. Se os Institutos não conseguem cumprir o grande avanço
na educação que foi a criação da “nossa” lei por que continuaríamos mantendo a
fachada de educação inovadora?
Pleiteamos uma expansão de qualidade por entender que é o mínimo para um governo
que se propõe a ter uma política educacional de qualidade. Pede-se tanta educação de
qualidade na sala de aula, na hora do café, nas ruas, nos telejornais, na internet… Por
onde ela anda? Ou melhor, se estamos vendo que a oportunidade que tínhamos para
que ela acontecesse está sendo cruelmente dizimada por que continuar fingindo que
nada acontece?
Relacionado a isto também lutamos pelos nossos direitos. Desde 2008 vemos a
desestruturação da carreira docente. Lutamos muito pelo direito à progressão por
titulação (a famosa progressão DI-DIII) e conseguimos na greve de 2012. Mas até hoje
o governo se recusa a reconhecer o direito a nossos valores retroativos consoante ao
tempo que ficamos na Classe DI. Além disso, os novos docentes têm seu direito à
promoção por titulação limitado, só fazendo jus a ele depois do estágio probatório,
como também só depois do estágio probatório podem fazer qualquer alteração em seu
regime de trabalho, como conseguir ou renunciar a DE, ou passar de 20 horas para DE.
No que concerne ao segmento técnico administrativo, a maioria dos institutos não
concede a progressão por salto, não regulamentou as 30 horas semanais, e isso tudo
por pressão do MEC e do MPOG. Isso sem falar que o segmento técnico administrativo
é o que mais tende a ser prejudicado com a política de terceirização. Some-se ainda
que todos os GTs do acordo que assinamos na greve de 2012 fracassaram. Durante
mais de um ano nos mobilizamos para estar presentes em todas as audiências, várias
foram desmarcadas sem aviso, nossxs companheirxs só souberam quando apareceram
para a reunião. Várias vezes a equipe de negociação do governo mudava, e a cada vez
xs novxs membrxs diziam não saber direito em “que pé estavam as conversas”. Ao
final não cederam em nada e praticamente todos os GTs terminaram sem qualquer
ganho para os trabalhadores. Alguém aí ainda acha que o governo concede alguma
coisa sem greve?
Ainda dentro do bojo das razões corporativas para a nosso movimento temos a pauta
econômica também. Os parcos reajustes já foram praticamente todos consumidos pela
inflação, exigimos a reposição das perdas inflacionárias de acordo com cálculos do
Dieese e a antecipação para este ano das parcelas previstas para 2015.
Além destas razões de ordem corporativa, temos os motivos internos para essa luta. Se
temos uma pauta nacional, podemos e devemos ter também uma pauta interna.
Precisamos de uma vez por todas que se garanta o pagamento dos adicionais de
insalubridade e periculosidade. A regulamentação da carga horária docente, 30 horas
para os técnicos e a eleição do reitor e diretores dos campi que já completaram 5 anos.
A conjuntura deste ano nos favorece mais do que qualquer outra na história do Brasil
recente. Não só por estarmos num ano eleitoral onde o governo estará mais sensível às
nossas pressões num momento de crise política, mas também pela proximidade da
Copa do Mundo. Esse evento começa em junho e estaremos em greve no mês
imediatamente anterior. Não só os olhos do mundo estarão voltados para nós, como já
se iniciaram as mobilizações questionando os gastos com os grandes eventos e
exigindo mais verba para saúde e educação. Os movimentos sociais irão às ruas. A
juventude está se organizando. Camponeses e camponesas também. Vamos assistir?
Não desistimos da greve porque acreditamos em uma sociedade mais justa e
igualitária. Não desistimos da greve pois entendemos que não há mobilidade social
sem Educação. Não desistimos da greve porque não desistimos da Rede Federal. Não
desistimos da greve, sobretudo porque não desistimos de cada aluna e aluno que teve
sua vida transformada ao entrar no IFB. E eu não desisto da greve porque ainda
acredito em um mundo mais solidário e em um país definitivamente democrático para
os meus filhos e filhas.
Profa. Moema Carvalho Lima é docente do IFB nos cursos de Vestuário e
Educador Social, além de fazer parte da Direção Nacional do Sinasefe no
biênio 2014/2016.