Matemática e Língua Portuguesa: Laços para o...
Transcript of Matemática e Língua Portuguesa: Laços para o...
-
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE CINCIAS
DEPARTAMENTO DE EDUCAO
Matemtica e Lngua Portuguesa:
Laos para o Sucesso?
Rui Miguel Azevedo Marques
Licenciado
Dissertao apresentada para a obteno do grau de mestre em Educao
Especializao em Didctica da Matemtica
Professora orientadora:
Doutora Maria Ceclia Soares de Morais Monteiro
Lisboa, 2008
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
i
RESUMO
Este trabalho surgiu da preocupao em descobrir os contributos que a Lngua
Portuguesa, nomeadamente a nvel da expresso escrita, pode trazer para as
aprendizagens matemticas em alunos nos seus primeiros anos de escolaridade. Assim,
este estudo teve como objectivo principal compreender em que medida a comunicao
escrita contribui para o desenvolvimento de competncias matemticas em alunos do 1 CEB
ao realizarem tarefas que envolvem raciocnio matemtico. Partindo daqui, defini as
seguintes questes: (a) Que tipo comunicao escrita usam os alunos ao resolverem tarefas
que envolvem raciocnio matemtico, para cuja resoluo nem sempre necessrio recorrer
matemtica convencional? e (b) De que modo essa comunicao escrita usada pelos alunos
reflecte a sua compreenso matemtica das tarefas?.
Este trabalho um estudo de caso com dois alunos do 3 ano de escolaridade
do 1 CEB que apresentavam as caractersticas comuns necessrias ao seu
desenvolvimento deste estudo, nomeadamente o domnio da leitura e da escrita.
A metodologia utilizada foi qualitativa e consistiu na anlise dos registos
escritos dos dois alunos, das gravaes udio das aulas observadas e das notas de
campo. Foram feitas onze sesses de trabalho com toda a turma. Tambm estive
presente em aulas da responsabilidade da professora da turma, nas quais o meu papel
se confinou observao e registo (udio e por escrito) com o objectivo de perceber
o modo como a professora trabalhava com os alunos no mbito da relao entre o
Portugus e a Matemtica.
Com a anlise dos resultados, constatei que os alunos usaram tanto a
representao simblica matemtica de quantidades como a representao por
extenso, consoante a importncia das quantidades envolvidas no contexto das tarefas.
As representaes verbais escritas dos alunos permitiram um acompanhamento dos
seus raciocnios. As representaes convencionais (smbolos matemticos e
procedimentos algortmicos), sempre que foram utilizadas, foram com a inteno de
reforar ou complementar a explicao exposta verbalmente. Este facto induz-me a
concluir que este tipo de representaes fazem os alunos sentirem que esto a
responder com maior rigor matemtico. Nas tarefas era solicitado aos alunos que
explicassem as suas estratgias de resoluo. Isto implicou que os alunos tambm
tivessem de reflectir sobre os resultados das tarefas. A conjugao de mais de um tipo
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
ii
de representao escrita permitiu que os raciocnios dos alunos ficassem mais
claramente expostos.
Esta investigao inclui igualmente a anlise do Currculo Nacional do Ensino
Bsico (CNEB). Esta anlise visou responder s questes: (a) Que semelhanas e
diferenas existem nas organizaes das partes da Matemtica e da Lngua Portuguesa no
CNEB? e (b) A que conceitos feita referncia quando se fala de competncias no CNEB,
nas partes da Matemtica e da Lngua?
Com a anlise ao CNEB verifiquei que em Matemtica h a referncia a
termos/conceitos distintos daqueles a que se faz referncia em Lngua Portuguesa no
que toca definio das respectivas competncias. Esta diferena reflecte-se tanto nas
abordagens como nas organizaes dos respectivos captulos.
Palavras-chave: Literacia; Competncias; Comunicao escrita em Matemtica;
transversalidade da Lngua Portuguesa, Currculo Nacional do Ensino Bsico.
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
iii
ABSTRACT
This research emerged from the concern of finding out contributes that the
Portuguese Language may have, especially with its written expression, on the students
mathematics learning during their early years in school. So, this study had as its main
goal to understand in which way the written communication contributes to the
development of mathematical skills among first grade students when they are proposed
to solve tasks involving mathematical reasoning. Considering this, I have formulated
two questions: (a) What kind of written communication do students use to solve tasks
involving mathematical reasoning, whose resolution doesnt necessarily involve conventional
mathematics? and (b) In what way does the written communication used by students reflect
their mathematical comprehension?.
This research is a case study involving two students in their 3rd Grade Year of
the 1st Cycle of the Basic School, who had common characteristics which were
important to the development of this study especially their proficiency in reading and
writing.
The methodology used was a qualitative one and it consisted of the analysis
both of the two students task resolutions and of the audio tapes of the observed
lessons. I took part in the development of eleven hands-on sessions, too. In the
teachers class lessons, my role was only to observe and register the occurred
situations with the goal of understanding the way the teacher used to manage the
relation between Mathematics and the Portuguese Language in those classes.
After the analysis of the results, I could verify those students would write
mathematical symbolic representations and words of the amounts involved in the
tasks, depending on the importance those amounts had in the context of the task. The
verbal written representations students used made it possible to follow their
reasoning. Whenever the conventional representations were used (mathematical
symbols and algorithmic procedures), it was with the intention to reinforce or
complement the explanation verbally exposed. This fact led me to conclude that this
kind of representations makes the students feel that they are responding with more
mathematical rigour. As part of the tasks it was proposed to the students that they
explained the strategies they had used in their resolutions. This made them reflect
upon the results they had achieved. The conjunction of more than one written
representations helped the students answers become more clearly written.
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
iv
This study also includes an analysis of the Basic School National Curriculum,
with the intention to respond to the following questions: (a) Which similarities and
differences are there in the organization of the parts concerning Mathematics and Portuguese
Language in the Basic School National Curriculum? and (b) What concepts is it made
reference to when competencies are concerned in the Mathematics and Portuguese Language
parts of the Basic School National Curriculum?
By the analysis of the Basic School National Curriculum I could verify that in
the Mathematics curriculum there is reference to terms/concepts which are distinct
from those used in the Portuguese Language curriculum, when the definition of the
respective competencies takes place. This difference is also reflected in the approaches
to the competencies and in the organization of the chapters as well.
Key-words: literacy, competencies, written communication in Mathematics;
Portuguese Language, and Portuguese National Curriculum of Basic School.
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
v
DEDICAO
Dedico este trabalho a uma pessoa que muito admiro e adoro: minha querida
me que sempre me tem apoiado e dado estmulo para avanar.
Um grande beijinho Me
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
vi
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer
minha orientadora deste trabalho, a professora Doutora Ceclia Monteiro que at
mesmo nos momentos em que me senti mais hesitante sempre me ajudou a dar mais
um passo alm e levar este trabalho a cabo
a todos os meninos da turma por terem sido todos to receptivos, participativos e
afveis comigo e me terem encarado como seu professor e no simplesmente como
mais um professor que lhes ia dar aulas
professora Clia pela amizade, ateno e colaborao
aos meus pais por todo o apoio e fora que me deram para realizar este trabalho
ao Lus por me ter ajudado a dar mais um passo em frente e pelos seus contributos de
olhar estranho/exterior a este trabalho
amiga Rosa pelo positivismo e fora que a caracteriza e que com os quais me
contagiou e ajudou na concluso desta dissertao
A todos, um sincero OBRIGADO!
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
vii
NDICE
Captulo 1 Apresentao e Contextualizao do Estudo 1
1.1 Pressupostos 1
1.1.1 Os actos de aprender e de ensinar 1
1.1.2 Comunicao e Matemtica 3
1.1.3 Os insucessos dos alunos em Matemtica 3
1.2 Objectivos e questes de investigao 6
1.3 Estrutura do trabalho escrito 7
Captulo 2 Literacia(s), Competncias e a Matemtica e a Lngua Portuguesa
no 1 CEB 9
Introduo 9
2.1 Literacia(s) 10
2.2 Competncias 15
2.3 A Matemtica e a Lngua Portuguesa no 1 CEB 24
2.3.1 - A Matemtica no 1 CEB 24
2.3.2 A Lngua Portuguesa no 1CEB 27
2.3.2.1 - A Lngua Portuguesa e a sua transversalidade curricular 29
Captulo 3 Comunicao e Comunicao (em) matemtica 32
Introduo 32
3.1 Comunicao 32
3.2 Comunicao (em) matemtica 38
3.3 Leitura e escrita 42
3.3.1 A leitura 43
3.3.2 A escrita 47
3.3.2.1 A escrita em Matemtica e a escrita em Lngua Portuguesa 50
3.3.2.1.1 A escrita em Matemtica: o uso de smbolos 53
Captulo 4 Metodologia do Estudo 63
Introduo 63
4.1 Opes metodolgicas 64
4.1.1 Metodologia qualitativa de investigao 64
4.1.2 Questes processuais 64
4.1.3 A Professora 65
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
viii
4.1.4 A turma 66
4.1.5 Os alunos-participantes: 67
4.1.5.1 O Daniel 67
4.1.5.2 O Marco 68
4.1.5.3 Os alunos-participantes, a Matemtica e a Lngua Portuguesa 68
4.2 Recolha e anlise de dados 70
4.2.1 Sesses de Observao (SO) 70
4.2.2 Sesses de Trabalho (ST) 71
4.2.2.1 Seleco das ST 72
4.2.3 Anlise dos dados 76
4.2.4 Anlise do CNEB 76
Captulo 5 As Tarefas e os Resultados 77
Introduo 77
5.1 Sesso de Trabalho 1 78
5.1.1 Objectivos, contedos programticos e apresentao da Tarefa 1 78
5.1.2 -Descrio e anlise das resolues da T1 79
5.1.2.1 Daniel 79
5.1.2.2 Marco 82
5.1.3 Sntese 84
5.2 Sesso de Trabalho 2 86
5.2.1 Objectivos, contedos programticos e apresentao da Tarefa 2 87
5.2.2 - Descrio e anlise das resolues da T2 87
5.2.2.1 Daniel 87
5.2.2.2 Marco 89
5.2.3 Sntese 90
5.2.4 Objectivos, contedos programticos e apresentao da Tarefa 3 91
5.2.5 Descrio e anlise das resolues da T3 92
5.2.5.1 Daniel 92
5.2.5.2 Marco 94
5.2.6 Sntese 96
5.3 Sesso de Trabalho 3 99
5.3.1 Objectivos, contedos programticos e apresentao da Tarefa 4 99
5.3.2 Descrio e anlise das resolues da T4 99
5.3.2.1 Daniel 99
5.3.2.2 Marco 102
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
ix
5.3.3 Sntese 106
5.4 Sesso de Trabalho 4 107
5.4.1 Objectivos, contedos programticos e apresentao da Tarefa 5 107
5.4.2 Descrio e anlise das resolues da T5 118
5.4.2.1 Daniel 118
5.4.2.2 Marco 110
5.4.3 Sntese 113
5.4.4 Objectivos, contedos programticos e apresentao da Tarefa 6 113
5.4.5 Descrio e anlise das resolues da T6 114
5.4.5.1 Daniel 114
5.4.5.2 Marco 116
5.4.6 Sntese 117
5.5 Anlise comparativa 118
Captulo 6 Anlise do CNEB no que concerne Matemtica e Lngua
Portuguesa 122
Introduo 122
6.1 A Matemtica no CNEB 124
6.2 A Lngua Portuguesa no CNEB 128
6.3 Comparao entre os captulos da Matemtica e a Lngua Portuguesa no CNEB 134
6.3.1 Comparao das estruturas dos captulos da Matemtica e da Lngua
Portuguesa no CNEB 134 6.3.2 Comparao dos conceitos usados para a definio das competncias nos
captulos da Matemtica e da Lngua Portuguesa 135
Captulo 7 Reflexes Finais 145
Introduo 145
7.1 Comunicao escrita e desenvolvimento de competncias 145
7.1.1 A comunicao escrita usada pelos alunos 145
7.1.1.1 Os processos matemticos usados pelos alunos 145
7.1.2 A comunicao escrita e a compreenso matemtica 148
7.1.3 Limitaes 151
7.2 Anlise do CNEB 151
7.2.1 Semelhanas e diferenas organizacionais entre a Matemtica e a Lngua
Portuguesa no CNEB 151
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
x
7.2.2 Conceitos que definem competncia em Matemtica e Lngua Portuguesa no
CNEB
153
7.3 Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso? 155
Referncias Bibliogrficas 157
Legislao consultada 164
Anexos 165
Anexo 1 Pedido de autorizao Presidente do Agrupamento. 166
Anexo 2 Informao aos Encarregados de Educao. 167
Anexo 3 Prolongamento da calendarizao. 168
Anexo 4 Autorizao de emprstimo dos cadernos dirios dirigida ao
agrupamento. 169
Anexo 5 Autorizao de emprstimo dos cadernos dirios dirigida aos
Encarregados de Educao. 170
Anexo 6 Guio da entrevista professora. 171
Anexo 7 Guio das Sesses de Observao. 174
Anexo 8 Grelha das Sesses de Observao. 176
Anexo 9 Caracterizao dos alunos. 177
Anexo 10 Sesso de Caracterizao. 178
Anexo 10-A Objectivos da Sesso de Caracterizao e grelha das respostas. 180
Anexo 11 Enunciado da ST1. 182
Anexo 12 Enunciado da ST2. 184
Anexo 13 Enunciado da ST3. 186
Anexo 14 Enunciado da ST4. 187
Anexo 15 Aspectos da competncia matemtica (CNEB). 188
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
xi
ndice dos quadros
Quadro 2.1 Razes para o ensino da Matemtica e suas dimenses
curriculares. 25
Quadro 3.1 Diferentes tipos de leitor. 45-46
Quadro 3.2 Comparao entre a representao escrita de ideias por meio de
palavras (do Portugus) e por meio da Matemtica (convencional). 52-53
Quadro 4.1 Calendarizao das SO, temas principal de cada aula das SO e
sumrios das aulas. 71
Quadro 4.2 Sesses de trabalho (ST) seleccionadas. 72
Quadro 4.3 Aspectos da competncia matemtica por ST. 74
Quadro 4.4 Competncias gerais do ensino bsico, modos de
operacionalizao e competncias especficas da Lngua Portuguesa
envolvidas em todas as ST. 75
Quadro 5.1 Exemplos apresentados pelo Daniel e pelo Marco para nmeros
superiores a 5. 85
Quadro 5.2 Tipos de representao usados e sentidos atribudos subtraco
na T2. 91
Quadro 5.3 Tipos de representao usados pelo Daniel e pelo Marco e
sentido atribudo subtraco na T3. 96
Quadro 5.4 Representaes verbais e simblicas usadas pelo Daniel na T4. 100
Quadro 5.5 Representaes que o Marco usou para as quantidades que refere
na sua resposta T4. 106
Quadro 5.6 Tipos de representaes usados pelo Daniel e pelo Marco na T4. 107
Quadro 5.7 Representaes verbais e simblicas usadas pelo Marco na T4. 112
Quadro 5.8 Comparao das representaes usadas pelo Daniel e pelo Marco
na T5. 113
Quadro 5.9 Comparao entre as respostas do Daniel e do Marco T6. 118
Quadro 6.1 Organizao das experincias de aprendizagem definidas para a
Matemtica no CNEB. 127
Quadro 6.2 Operacionalizao das competncias gerais em Lngua Portuguesa. 129
Quadro 6.3 Competncias especficas de Lngua Portuguesa para o 1 CEB
definidas no CNEB.
135-132-
133
Quadro 6.4 Comparao da estrutura do CNEB nas disciplinas de Matemtica
e Lngua Portuguesa. 135-136
Quadro 6.5 Palavras dominantes nos aspectos da competncia matemtica. 139
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
xii
Quadro 6.6 Contabilizao das palavras mais referidas nos aspectos
componentes do desenvolvimento de competncias matemticas. 140
Quadro 6.7 Palavras-chave iniciais e sua frequncia por objectivos,
competncias, metas de desenvolvimento e nveis de desempenho
e respectiva contabilizao. 141-142
Quadro 6.8 Comparao entre as palavras-chave por competncia especfica
de Lngua Portuguesa e por aspecto da competncia matemtica. 143
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
xiii
ndice das figuras
Figura 3.1 O incio da simbolizao. 60
Figura 3.2 Caminhos alternativos entre a oralidade e o registo. 60
Figura 5.1 Representao esquemtica do captulo do estudo emprico. 77
Figura 5.2 Enunciado da T1. 79
Figura 5.3 Resposta do Daniel T1. 80
Figura 5.4 Representao esquemtica do desenvolvimento do raciocnio do Daniel
da T1.
81
Figura 5.5 Resposta do Marco T1. 82
Figura 5.6 Representao esquemtica do desenvolvimento do raciocnio do Marco
da T1.
84
Figura 5.7 Enunciado da T2. 87
Figura 5.8 Enunciado do problema criado pelo Daniel para T2. 87
Figura 5.9 Resposta do Daniel ao seu problema da T2. 88
Figura 5.10 Estrutura do enunciado da T2 do Daniel. 88
Figura 5.11 Enunciado do problema criado pelo Marco para T2. 89
Figura 5.12 Resposta do Marco ao seu problema da T2. 89
Figura 5.13 Estrutura do enunciado da T2 do Marco. 90
Figura 5.14 Enunciado da T3. 92
Figura 5.15 Enunciado da T3 do Daniel. 92
Figura 5.16 Partes constituintes do enunciado da T3 do Daniel relacionadas com a
operao e as imagens.
93
Figura 5.17 Resoluo do problema da T3 do Daniel. 94
Figura 5.18 Resposta do Daniel ao seu problema da T3. 94
Figura 5.19 Enunciado do problema da T3 do Marco. 94
Figura 5.20 Partes constituintes do enunciado da T3 do Marco relacionadas com a
operao e as imagens.
95
Figura 5.21 Resoluo do problema da T3 do Marco. 95
Figura 5.22 Resposta ao problema da T3 do Marco. 96
Figura 5.23 Esquema comparativo da estrutura dos enunciados do Daniel e do Marco
na T3 coordenados com as imagens dadas e a operao envolvida no
problema. 97
Figura 5.24 Enunciado da T4. 99
Figura 5.25 Respostas do Daniel T4. 100
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
xiv
Figura 5.26 Representao esquemtica do desenvolvimento do raciocnio do Daniel
na T4.
101
Figura 5.27 Resposta do Marco T4. 102
Figura 5.28 Esquematizao do desenvolvimento da resoluo do Marco na T4. 104
Figura 5.29 Esquematizao das relaes entre as representaes usadas pelo Marco. 105
Figura 5.30 Enunciado da T5. 108
Figura 5.31 Resposta do Daniel T5. 108
Figura 5.32 Desenvolvimento do raciocnio do Daniel na T5. 109
Figura 5.33 Resposta do Marco T5. 110
Figura 5.34 Desenvolvimento do raciocnio do Marco na T5. 111
Figura 5.35 Enunciado da T6. 114
Figura 5.36 Resposta do Daniel T6. 115
Figura 5.37 Descrio do procedimento do Daniel na justificao da reposta T6. 115
Figura 5.38 Resposta do Marco T6. 116
Figura 5.39 Descrio do procedimento do Marco na justificao da resposta T6. 117
Figura 6.1 Relao entre as diferentes competncias definidas no CNEB 123
Figura 6.2 Representao esquemtica da organizao dos aspectos da competncia
matemtica definidos na CNEB.
126
Figura 6.3 Esquema representativo da organizao das competncias de Lngua
Portuguesa no CNEB.
131
-
captulo 1 Apresentao e contextualizao do estudo
1
CAPTULO 1 APRESENTAO E CONTEXTUALIZAO DO ESTUDO
necessrio que desde muito cedo as crianas se apercebam que a matemtica tambm uma linguagem que traduz ideias
sobre o mundo que os rodeia. Uma das dificuldades mais sentidas por crianas destas idades a traduo do real e da linguagem comum
para a linguagem simblica da matemtica.
(In, Programa Oficial de Matemtica do 1 CEB, 1990/1998, p.131)
1.1 Pressupostos
1.1.1 Os actos de aprender e de ensinar
O processo de ensino e de aprendizagem um processo complexo. Nele
intervm, directamente, o professor e os alunos e, indirectamente, factores culturais e
sociais. Ser pois redutor que s a alguns destes factores se atribua a responsabilidade
do (in)sucesso educativo dos alunos; existe sim, uma quota-parte de imputao dessa
responsabilidade. Assim, estudar estas diferentes vertentes e apurar contributos que
possibilitem um melhoramento da prtica pedaggica, s ser enriquecedor e uma
mais-valia para quem ensina e acima de tudo para quem aprende.
A sala de aula o espao privilegiado onde toma lugar a grande maioria dos
momentos pedaggicos. As relaes professoraluno(s), para alm da especificidade
de serem relaes educativas, tm um factor em comum com quaisquer outras
relaes inter-pessoais, factor esse que est na sua gnese: a comunicao. Castro
(1999), a este respeito, afirma que as tarefas desenvolvidas nos quadros dos
fenmenos educativos so sobretudo de natureza lingustica, na produo e no
reconhecimento. Menezes (200b) salienta igualmente que o acto educativo, que
envolve o ensino e reciprocamente a aprendizagem, eminentemente comunicativo.
A Lngua1 a forma atravs da qual nos expressamos, oralmente ou por
escrito. Ou seja, por via do Portugus que comunicamos. Isto significa que o domnio
da nossa Lngua Materna assume um papel central na escola (Sim-Sim, 1997) e cabe a
ela um papel preponderante no seu desenvolvimento (Sim-Sim, 2001).
Com a entrada para a escola, os alunos iniciam uma nova etapa das suas vidas.
Uma das mudanas com essa nova etapa o ensino formal da escrita. A sua
1 Ao longo deste trabalho escrito refiro alternativamente como sinnimos os termos Lngua, Lngua Materna, Lngua Portuguesa e Portugus.
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
2
aprendizagem e, conjugadamente a da leitura, so marcos importantes no incio da
escolaridade.
Barbeiro (1999) e Bourton (1997) destacam o duplo papel que a escrita tem.
De acordo com estes autores, ela um instrumento que permite no s desenvolver a
capacidade de pensar como tambm a de comunicar. Nesta ideia est patente o facto
de a escrita no ser simplesmente uma forma de registo do pensamento. Ela
igualmente uma forma de desenvolver essa mesma capacidade de reflectir sobre o que
se est escrever. H portanto uma relao biunvoca entre o pensamento e a escrita.
A Matemtica a cincia das regularidades e da linguagem dos nmeros, das
formas e das relaes (CNEB, p.58) e tem uma ligao estreita com a escrita
(Menezes, 2000a e Smole & Diniz, 2001). A escrita da Matemtica reveste-se de
algumas especificidades, tal como a sua simbologia prpria. De acordo com Sebastio e
Silva (citado por Pombo, 2003), a escrita em Matemtica, por recorrer simbologia
que a caracteriza, ideogrfica, opondo-se da Lngua, que fontica. A escrita
ideogrfica, como a prpria designao indica, permite representar ideias de forma
simples e abreviada. A fontica, com maior paralelismo com a oralidade (Brissiaud,
1994), representa igualmente ideias, mas de acordo com os sons que representam
oralmente (Saussure, 1992).
A representao de ideias matemticas, em contexto escolar, pode ser feita de
variadssimas formas (NCTM, 2001). Entre elas est a formal, isto , atravs da
matemtica convencional (Bicudo & Garnica, 2003; Brissiaud, 1994; Lee, 2006; Pimm,
1987; Pombo, 2003 e Vergani, 2002). Ela assim designada por recorrer a smbolos
formais convencionados. No entanto, esta forma de representao pode ser um factor
que dificulta a compreenso, na medida em que a formalizao o processo pelo qual
se prepara a matemtica para o processamento mecnico (Hersh & Davis, 1995, p.
135). Assim, este processamento mecnico pode implicar o alheamento aos
significados dos smbolos que esto a ser usados. Para que esses procedimentos
estejam associados compreenso do seu uso e da simbologia envolvida, h que saber
interpret-los. Interpretar um smbolo associ-lo a algum conceito ou imagem
mental, assimil-lo na conscincia humana. (Hersh & Davis, 1995, p. 125)
Contudo, a facilidade com que o smbolo matemtico pode ser abstrado dos
seus referentes (Lee, 2006 e Orton & Forbisher, 1996) pode ser uma das razes para
as dificuldades que muitos alunos tm com a Matemtica. Isto talvez se fique a dever
-
captulo 1 Apresentao e contextualizao do estudo
3
ao facto de as representaes mentais dos smbolos feitas pelos alunos terem fracas
ligaes com as representaes mentais das palavras que lhes correspondem
(sterholm, 2004).
1.1.2 Comunicao e Matemtica
Quando se faz Matemtica, usa-se a Lngua Materna, para comunicar essa
Matemtica. Se no se comunica o que se descobre, essa descoberta no veiculada,
no se torna conhecimento, nem far parte do patrimnio cultural da humanidade. A
sectarizao da Matemtica, alheia a estes pressupostos que a caracterizam aspecto
comunicacional e de aco humana , tornam-na artificializada e demasiadamente
abstracta.
Guzmn (1993) salienta que o ensino da Matemtica deveria reflectir sobre o
carcter profundamente humano que lhe subjaz a fim de ganhar, desse modo, maior
equilbrio, dinamismo, interesse e atraco. O autor explica que os elementos afectivos
das pessoas so de enorme importncia pelas implicaes que tm na vida mental e na
sua relao com a Matemtica. Da que seja necessrio que os alunos percebam o
sentido esttico, o prazer ldico que a Matemtica capaz de proporcionar de modo a
que eles se envolvam com ela de forma mais pessoal e humana.
Ponte e Serrazina (2000) e Pimm (citado por Orton & Forbisher, 1996) realam
a vantagem que pode haver para os alunos, quanto s suas aprendizagens matemticas,
em usarem representaes prprias antes do uso das representaes convencionais.
O uso destas representaes prprias elimina a possvel dificuldade que poder surgir
na utilizao dos procedimentos e smbolos matemticos. A ateno poder desviar-se
do essencial (o raciocnio) e focar-se no acessrio (o procedimento).
1.1.3 Os insucessos dos alunos em Matemtica
Etimologicamente, a palavra matemtica deriva do grego mthema que
significa cincia, conhecimento, aprendizagem. Na Grcia antiga, a Matemtica
englobava os contedos que havia para ensinar. Segundo Pombo (2003), o termo
Matemtica significava, na sua raiz, aquilo que podia ser ensinado. Embora o que nessa
altura se ensinasse no fosse o que hoje se entende por Matemtica, era nela que cabia
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
4
aquilo que havia para se ensinar. Vergani (1993) defende tambm esta ideia afirmando
que os gregos distinguiam diferentes tipos de realidades, entre os quais se contam:
ta physica, na qual as coisas surgem a partir de si prprias, ta pragmata, na qual as coisas so aplicadas ou transformadas pelo homem, e ta mathmata, que inclui as coisas na medida em que podem ser aprendidas (p.165).
Da citao desta autora sobressai uma concepo da Matemtica enquanto um
conjunto de conhecimentos que resultam de uma aprendizagem. Esta perspectiva, de
uma aprendizagem matemtica associada mera aquisio de contedos, conduziu a
concepes erradas sobre esta rea do saber e ideia de uma disciplina curricular
difcil de compreender, de aprender, de dominar, sendo, por isso, s acessvel a alguns.
No entanto, a Matemtica utilizada, actualmente nas mais variadas actividades
humanas: na cincia, na economia, na mecnica, nas finanas, na engenharia, na
medicina, etc. A competncia matemtica preconizada no CNEB perspectiva
promover o desenvolvimento integrado de conhecimentos, capacidades e atitudes e no de adicionar capacidade de resoluo de problemas, raciocnio e comunicao e atitudes favorveis actividade matemtica a um currculo baseado em conhecimentos isolados e tcnica de clculo. Ao mesmo tempo, destaca-se a compreenso de aspectos fundamentais da natureza e do papel da matemtica e d-se uma ateno explcita ao desenvolvimento das concepes dos alunos sobre esta cincia. (p.58)
A par deste estigma de que a Matemtica tem sido alvo ao longo dos tempos, o
insucesso nesta disciplina curricular tambm no tem contribudo para uma viso mais
positiva da Matemtica por parte dos alunos e da sociedade em geral. Em Portugal, os
maus resultados nacionais (provas de aferio, 2003) e internacionais (PISA2 2003,
TIMSS3 1995) enfatizam esta problemtica, indicando o seu foco de incidncia dessa
problemtica e apontando directrizes para a sua resoluo. Todavia, at hoje, as
repercusses destes estudos ainda no se reflectiram eficazmente em resultados
positivos ou em indicadores que apontem nessa direco, apesar das iniciativas
recentes tomadas pelo Ministrio da Educao. Neste quadro destacam-se, por um
lado, o Programa de Formao de Professores no mbito da Matemtica e, por outro,
o Plano de Aco para a Matemtica.
2 Project for International Student Assessment. 3 Trends in International Mathematics and Science Study.
-
captulo 1 Apresentao e contextualizao do estudo
5
Outro aspecto que tambm contribui para uma viso negativa da Matemtica
relaciona-se com a concepo tradicionalista que a sociedade ainda possui a seu
respeito, ao aceitar o insucesso nesta rea disciplinar como uma quase inevitabilidade,
fruto de uma seleco natural ao nvel cognitivo. Guzmn (1993) defende que
necessrio romper a ideia preconcebida e fortemente arraigada na nossa sociedade,
proveniente provavelmente de bloqueios iniciais na infncia, de que a Matemtica
necessariamente aborrecida, intil, inumana e muito difcil. At mesmo muitas pessoas
com algum relevo social que confessam, sem problemas, a sua ignorncia em relao
Matemtica mais elementar ou os seus insucessos na disciplina enquanto alunos.
Os alunos tanto dos ensinos bsico como do secundrio tm vindo a obter
resultados bastante insatisfatrios tanto em estudos internacionais (TIMSS em 1995 e
PISA em 2003) como nacionais (provas de aferio de 2004). Os estudos
internacionais que apontam para a valorizao da literacia em Matemtica e em Lngua
Materna mostram bem a relevncia dada a estas duas reas (OCDE, 2005a). Apesar
disso, os resultados nacionais e os estudos internacionais realizados no mbito da
Matemtica tm mostrado que o sucesso nesta rea curricular ainda tendencialmente
negativo. O relatrio final do PISA (OCDE, 2005a) refere que os alunos portugueses
tm apresentado melhores nveis de desempenho nas competncias de conhecimentos
de conceitos e procedimentos e de raciocnio. Por seu lado, no mbito da resoluo
de problemas e de comunicao, menos de metade dos alunos atingiu o mximo
desempenho. Numa leitura horizontal dos resultados, que relaciona e compara os
desempenhos obtidos por reas temticas em cada tipo de competncia, verifica-se
que os melhores resultados foram obtidos nas interseces da competncia
conhecimento de conceitos e procedimentos com os domnios de lgebra e funes
e estatstica e probabilidades, respectivamente 65% e 64%. Quanto comunicao,
mais de metade dos alunos (53%) emitiu respostas classificadas no nvel zero de
cotao no nico item relacionado com o domnio da Geometria e Medida. Estes
resultados permitem tirar a elao de que estes temas no so abordados nas aulas de
Matemtica, pelo menos com a frequncia, a importncia ou a abordagem que seria
desejvel para que, pelo menos, os resultados demonstrassem um melhor domnio em
actividades nos referidos temas. Podemos pensar que os exerccios rotineiros e com
grande peso procedimental assumem maior importncia nas nossas aulas de
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
6
Matemtica e que pouco se exploram actividades que necessitam que se recorra a
competncias que impliquem a argumentao e o raciocnio.
frequente ouvir-se, especialmente em relao a alunos com mau
aproveitamento escolar, a expresso como podero ter sucesso em Matemtica se
nem Portugus sabem?. Est bem expressa nesta assero a convico de que para se
ser bom aluno a Matemtica tem-se, pelo menos, de compreender a Lngua Materna.
Por outras palavras, como podero os alunos responder as questes no mbito da
Matemtica se nem sequer ler (extrair sentido) sabem? Sim-Sim (1997) relata que a
proficincia lingustica condicionante do sucesso educativo e que cabe escola
fomentar esse mesmo sucesso. O ensino da Lngua assume, portanto, um papel central
no processo de ensino e aprendizagem, na medida em que ela transversal a todo o
currculo escolar.
1.2 Objectivo e Questes de Investigao
Nesta investigao pretendi compreender em que medida a comunicao escrita
contribui para o desenvolvimento de competncias matemticas em alunos do 1 CEB ao
realizarem tarefas que envolvem raciocnio matemtico. Procurei responder s questes:
(a) Que tipo comunicao escrita usam os alunos ao resolverem tarefas que envolvem
raciocnio matemtico, para cuja resoluo nem sempre necessrio recorrer matemtica
convencional? e (b) De que modo essa comunicao escrita usada pelos alunos reflecte a sua
compreenso matemtica das tarefas?. O estudo que me propus fazer uma perspectiva
que se insere num conjunto de outros estudos sobre este tema das relaes possveis
entre a Matemtica e a Lngua Portuguesa. Um desses estudos4 (S, 2000) levanta uma
questo em aberto sugerindo uma explorao do encontro/confronto de linguagens, a
Lngua Materna e a linguagem matemtica (p.183) com o objectivo de conhecer como
elas podem influenciar a compreenso e motivao matemticas de alunos do 1 CEB
e do pr-escolar (idem).
Partindo do princpio de que a Matemtica e a escrita esto intimamente ligadas
e que s se aprende Matemtica e Portugus nesse contacto ntimo com a escrita,
tenha ela o suporte material que tiver (Pombo, 2003, p.12), optei por restringir o
objecto do meu estudo emprico escrita, no levando em considerao a oralidade.
4Exemplos desses estudos so os de Menezes (1995), de Correia (1995), de S (2000), de Moreira (2002) e de Veia (1996).
-
captulo 1 Apresentao e contextualizao do estudo
7
O processo de escrita exige um trabalho consciente porque esta relaciona-se
com a fala interior (Vygotsky, 2003). O autor refere-se a este termo para o distinguir
da fala oral. Segundo ele, a escrita provoca um dilogo interior no qual tem de haver
uma traduo desse mesmo dilogo (fala interior) em palavras escritas. Nesta medida,
a fala interior mais completa do que a fala oral. O desafio est em representar por
escrito e de forma compreensvel aquilo que gerou esse processo interior. Isto vai ao
encontro do que Barbeiro (1999) afirma acerca das implicaes que o processo de
escrita tem no raciocnio que provoca.
Pelo objectivo que defini para o estudo emprico incluir o conceito de
competncia, consultei literatura relacionada com este assunto, nomeadamente o
CNEB. Como um conceito que levanta ainda algumas dvidas e alguma polmica,
considerei pertinente dedicar um captulo anlise deste documento oficial do
Ministrio da Educao, no que respeita Matemtica e Lngua Portuguesa por serem
as disciplinas envolvidas neste trabalho.
Nesta anlise tive como finalidade responder s questes: (a) Que semelhanas e
diferenas existem nas organizaes das partes da Matemtica e da Lngua Portuguesa no
CNEB? e (b) A que conceitos feita referncia quando se fala de competncias no CNEB, nas
partes da Matemtica e da Lngua?.
1.3 Estrutura do Trabalho Escrito
Este trabalho escrito composto por sete captulos.
No captulo 1 Apresentao e contextualizao do estudo, apresento os
pressupostos deste estudo que so os actos de aprender e de ensinar, a comunicao
e a matemtica e os insucessos dos alunos disciplina. Apresento o objectivo e as
questes de investigao e finalizo com a explicao da estrutura do trabalho escrito
final.
No captulo 2 Literaci(s), Competncias e a Matemtica no 1 CEB discuto os
conceitos de literacia e de competncia segundo as perspectivas de diferentes autores,
para alm do lugar da Matemtica e da Lngua Portuguesa e da sua transversalidade da
Lngua Portuguesa no 1 CEB. No captulo 3 A Comunicao e a Comunicao (em)
Matemtica abordo a comunicao em sentido lato, a comunicao em matemtica, e
a leitura e a escrita. Dentro do ponto da escrita contraponho a escrita em Lngua
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
8
Portuguesa com a escrita em Matemtica, dando especial destaque ao uso de smbolos
matemticos.
No captulo 4 Metodologia do estudo refiro as opes metodolgicas que
tomei, descrevo a professora, a turma, os alunos-participantes e as suas relaes coma
Matemtica e a Lngua portuguesa. Explico o processo de recolha e de anlise dos
dados, tanto no trabalho de campo como na anlise do CNEB. No captulo 5 As
Tarefas e os Resultados apresento as resolues das tarefas dos alunos-participantes,
agrupadas pelas diferentes sesses de trabalho em que decorreram e finalizo com uma
anlise comparativa onde consta o sumo das anlises de todas as resolues das tarefas
dos alunos. No captulo 6 Anlise do CNEB no que concerne Matemtica e Lngua
Portuguesa analiso e comparo as estruturas do CNEB nas disciplinas referidas, bem
como os conceitos.
No captulo 7 Reflexes Finais incluo possveis respostas s quatro questes
de investigao e pergunta que constitui o ttulo deste trabalho escrito final.
-
captulo 2 Literacia(s), Competncias e a Matemtica e a Lngua Portuguesa
9
CAPTULO 2 LITERACIA(S), COMPETNCIAS E
A MATEMTICA E A LNGUA PORTUGUESA NO 1 CEB
Introduo
Relativamente ao insucesso em Matemtica, muitas razes podem ser
apontadas para justificarem tal facto. Abrantes, Serrazina e Oliveira (1999) referem-se
que os alunos do um sentido aos termos e aos conceitos que pode ser muito
diferente daquele que o professor lhes atribui (p.24). Aqui esboa-se uma possvel
razo para o insucesso na disciplina, na medida em que a comunicao poder ser um
factor determinante na construo do conhecimento matemtico dos alunos. Em
muitos casos, a incompreenso de certos conceitos e procedimentos especficos da
Matemtica poder ficar a dever-se a questes relacionadas com a Lngua Portuguesa e
a linguagem usada. Dos estudos realizados sobre as relaes entre a linguagem e a
Matemtica, destaca-se os de Pimm (1987). Este autor focou a sua investigao naquilo
a que denominou de registo matemtico. Outros autores tm desenvolvido
investigaes nesta mesma linha, tais como Durkin e Shire (1991), Bicudo e Garnica
(2003) e Lee (2006). Abrantes, Serrazina e Oliveira (1999) afirmam que um aluno
dever ser capaz de comunicar matematicamente, tanto por escrito como oralmente,
desenvolvendo a aptido para discutir com os outros e comunicar ideias matemticas
atravs do uso de uma linguagem escrita e oral.
A necessidade de estreitar as relaes entre as disciplinas de Matemtica e
Lngua Portuguesa derivam de entre vrias razes, de uma que est bem evidenciada na
expresso entender a estrutura dum problema (Abrantes, Serrazina & Oliveira,
1999, p.41). Dela pode-se interpretar que da anlise do enunciado de um problema e
da compreenso da situao em que ele se enquadra, podero resultar melhores
aprendizagens em Matemtica. Moreira (2002), no seu artigo Educao matemtica e
comunicao: Uma abordagem no 1 ciclo levanta uma questo que segue esta linha: No
ser que o escrever nas aulas de matemtica ao proporcionar mais familiarizao com
a escrita no ajudar tambm o portugus a um nvel mais geral? (p. 44).
No presente captulo discuto o conceito de literacia(s) e de competncia(s)
segundo vrios autores e abordo a Matemtica e a Lngua Portuguesa e os seus papis
no 1 CEB.
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
10
2.1 Literacia(s)
A literacia no mais definida como referncia capacidade de ler, mas sim capacidade de um adulto
utilizar a informao escrita para agir em sociedade.
(Em Moura, H. (org.) (2005). Dilogos com a Literacia. Lisboa: Lisboa Editora, p.24)
Ler, escrever e contar eram tradicionalmente consideradas como as
aprendizagens necessrias e suficientes a serem veiculadas pela escola. Por isso, a sua
frequncia era razo suficiente para a aquisio de tais aprendizagens, justamente
porque esse constitua o seu objectivo fundamental. O no-domnio dessas capacidades
designava-se por analfabetismo. Sim-Sim (2004) explica que a UNESCO define
analfabetismo adulto como a incapacidade para ler e escrever um pequeno texto sobre
qualquer tema da vida quotidiana.
A evoluo das sociedades e o surgimento de novas formas de comunicao
como por exemplo atravs as tecnologias de informao e comunicao
(computadores, Internet, ) trouxeram novas necessidades inerentes evoluo das
sociedades. O papel de transmisso e reproduo de procedimentos na escola
tradicional tornou-se obsoleto. Saber ler, escrever e contar, no deixou de ser
necessrio mas passou a no ser suficiente. Desta forma, o conceito de alfabetizao
foi alargado e substitudo por outro de maior abrangncia, o de literacia, cujos
objectivos surgiram com a obrigatoriedade da escolarizao (Sim-Sim, 2004).
Abrantes, Serrazina e Oliveira (1999) afirmam a primazia sobre o uso efectivo
das competncias necessrias realizao de uma nova tarefa e no tanto na sua
obteno, recorrendo-se, com isso, a um novo conceito, o de literacia.
Em 1996 foi elaborado o Estudo Nacional de Literacia com o objectivo de
conhecer a situao nacional quanto s competncias de literacia da populao
residente em Portugal com idades compreendidas entre os 15 e os 64 anos. Nele fez-
-se a distino conceptual entre alfabetizao e literacia.
Se o conceito de alfabetizao traduz o acto de ensinar e de aprender (a leitura, a escrita e o clculo), um novo conceito a literacia traduz a capacidade de usar competncias (ensinadas e aprendidas) de leitura, de escrita e de clculo. Tal capacidade de uso escapa, assim, a categorizaes dicotmicas, como sejam analfabeto e alfabetizado. Pretende-se, com aquele novo conceito, dar conta da posio de cada pessoa num contnuum de competncias que tem a ver, tambm, com exigncias
-
captulo 2 Literacia(s), Competncias e a Matemtica e a Lngua Portuguesa
11
sociais, profissionais e pessoais com que cada um se confronta na sua vida corrente. (Benavente, 1996, p.4) Este novo conceito face ao de alfabetizao prope um papel mais activo e
participativo do aluno/cidado.
Moura (2005) explica que a noo de alfabetizao incide no desenvolvimento
de competncias de leitura, escrita e clculo, enquanto que a literacia incide no uso
daquelas competncias, presumivelmente adquiridas. Para esta autora a literacia no
representa apenas um fenmeno de no conhecimento da leitura e da escrita, mas uma
dificuldade de organizao mental e de criao dum pensamento coerente e
estruturado expresso em palavras claras, em gestos ajustados, que condicione um
ritmo gil e complexo do entendimento.
Mota (em Moura, 2005) define literacia como sendo uma capacidade de uso de
competncias. Esta capacidade no pode ser encarada como obtida num determinado
momento e que vlida a partir da. Alves (em Moura, 2005) afirma que a literacia
um processo, e no um estado. Segundo o autor, corremos atrs da literacia. O sinal
do literato a percepo do muito que se tem de aprender. Estes dois ltimos autores
realam o aspecto inacabado e contnuo que caracteriza a literacia.
Sim-Sim (2004) reflecte igualmente sobre o aspecto da constante construo
que caracteriza a literacia como uma exigncia das sociedades actuais. Segundo esta
autora a questo do papel activo do leitor tambm um factor preponderante, na
medida em que ler aceder ao conhecimento atravs da reconstruo da informao
contida num texto. O leitor construtor de significado, acedendo criticamente ao
conhecimento.
No estudo apresentado pela OCDE, Measuring Students Knowledge and Skills
(1999), citado por Tiana e Rychen (2005), definem-se trs domnios de literacia: (1)
literacia na leitura que consiste na compreenso, uso e reflexo sobre textos escritos,
de forma a atingir os objectivos individuais, desenvolver conhecimento e potencial e
participar na sociedade (p.88); (2) literacia matemtica que compreende a
identificao, compreenso e motivao para a matemtica e realizao de juzos bem
fundamentados acerca do papel que a matemtica desempenha, tal como necessria
na vida presente e futura do indivduo, enquanto cidado construtivo, preocupado e
consciencioso (p.88) e (3) a literacia cientfica que contempla a capacidade para usar
o conhecimento, identificar questes e elaborar concluses baseadas em factos, de
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
12
forma a compreender e ajudar a tomar decises acertadas do mundo natural e das
mudanas nele operadas atravs da actividade humana (p.88).
Comparativamente a estes domnios definidos pela OCDE (2005b), Carneiro
(em Moura, 2005) considera um ncleo de competncias para a literacia: ncleo
fundamental de saberes e de competncias constitutivos de uma nova literacia para
todos. O autor no se cinge Lngua Materna, Matemtica e s Cincias, mas abarca
no conceito de literacia domnios como o de uma Lngua Estrangeira, o das Artes e o
das Tecnologias. Com isto, o autor defende que para se adquirir o desenvolvimento
pleno da literacia h que ter em conta aspectos relacionados com os domnios
referidos. Trata-se de um conceito em que se englobam diferentes reas do
conhecimento.
Na perspectiva de Alves (em Moura, 2005), a literacia inclui saber ler, escrever,
falar e tambm saber aritmtica.
Para funcionar bem [a literacia] no primeiro nvel, elementar, sinto que preciso antes de tudo de proficincia em portugus. Preciso de o saber ler mas, sobretudo, de o saber interpretar; preciso de o saber escrever mas, sobretudo de me saber exprimir. Depois, necessito de conhecimentos bsicos de matemtica: contar, naturalmente, mas tambm alguma aritmtica, incluindo fraces, percentagens. (p.16)
notrio nesta ideia de uma hierarquizao das diferentes literacias. Primeiro,
referida a proficincia em Portugus e s depois os conhecimentos em Matemtica.
O pensamento deste investigador vai no sentido de uma condio necessria para se
ser literato em Matemtica que consiste em ser-se literato em Lngua Portuguesa.
Pelo exposto, o conceito de literacia tem uma amplitude tal que mais preciso se
torna referirmo-nos a literacias: em Lngua, em Artes, em Cincias e em Matemtica. A
interdisciplinaridade poder ser uma forma de permitir, em contexto escolar, o
alargamento dos horizontes das crianas e consequentemente cultivar o
desenvolvimento da(s) literacia(s), to importante para um cidado crtico e
participativo.
Os projectos internacionais de avaliao de competncias desenvolvidos pela
OCDE, tal como o PISA, surgiram com a necessidade de desenvolver indicadores de
resultados comparveis no domnio da educao. As competncias avaliadas nesse
projecto esto relacionadas com a rea da Lngua Materna (literacia em leitura), com a
-
captulo 2 Literacia(s), Competncias e a Matemtica e a Lngua Portuguesa
13
da Matemtica (literacia matemtica) e com a rea cientfica (literacia cientfica). Esta
escolha deve-se ao facto destas reas serem vistas como cruciais para o sucesso da
economia e das sociedades actuais.
Thompson (2003) e Jablonka (2003) clarificam o conceito de literacia
matemtica. Para Thompson a capacidade de processar, comunicar e interpretar
informao numrica. J Jablonka apresenta uma definio abrangente que pode ser
vista como o uso de capacidades bsicas de clculo e de domnio da geometria, o
conhecimento e compreenso de noes fundamentais matemticas, a capacidade de
desenvolver modelos matemticos ou a capacidade de compreender e avaliar o uso
dos nmeros e de modelos matemticos por terceiros. Nesta definio de literacia
matemtica, Jablonka no s se cinge ao domnio individual de conhecimentos e
conceitos fundamentais da Matemtica, como tambm tem em linha de conta o
aspecto comunicacional e interpessoal. Lee (2006) faz igualmente referncia ao aspecto
comunicativo na sua definio de literacia.
Literacy is about being able to communicate your ideas clearly to other people and to understand what other people are trying to communicate to you. Therefore, learning to express your mathematical ideas, whether orally or in writing, is improving your literacy in mathematics. (p.78)
O relatrio do National Research Council of the National Academies by the Learning
Study Committee, referido por Jablonka (2003), distingue literacia matemtica de
proficincia em Matemtica. Segundo aquele relatrio, proficincia matemtica um
conceito mais estrito do que o de literacia matemtica. Ele relaciona-se com aspectos
mais especficos da disciplina sem que haja uma preocupao com outros como sejam a
comunicao, o contexto da situao ou a cultura envolvida. A literacia matemtica
inclui a compreenso de conceitos matemticos, das operaes e das relaes e dos
procedimentos.
O sentido de nmero relaciona-se com o conceito de literacia matemtica,
embora tenha uma amplitude menos abarcante. Para Serrazina (2002) o sentido de
nmero consiste numa compreenso global do nmero e das operaes associada
capacidade de usar essa compreenso de forma flexvel que permita fazer julgamentos
matemticos e desenvolver estratgias teis de manipulao dos nmeros e operaes.
Na escrita em Matemtica existe concretamente o uso de smbolos prprios,
podendo estes serem alvo de dificuldades para os alunos na aquisio do sentido de
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
14
nmero. A compreenso desses smbolos ser pois uma vantagem para essa
competncia. Fey e Arcavi, citados por Jablonka (2003), designam-no de symbol
sense.
Symbol sense includes being comfortable in using and interpreting algebraic expressions, an ability that relies upon generating numeric, graphic or computer representations of algebraic expression. (p. 76)
O que se infere na estratgia symbol sense a ideia de um intrumento-chave
essencial. Est directamente relacionado com a simbolizao de conceitos
matemticos, e a Matemtica tem uma relao estreita com a escrita. Dominar de
forma compreensiva a simbologia matemtica facilitador do acesso ao sentido de
nmero e consequentemente literacia matemtica.
Contudo, cabe ao professor um desempenho importante no desenvolvimento
da literacia matemtica dos seus alunos. Um dos aspectos a ter em linha de conta o
facto de dar a entender mediante uma variedade de abordagens, que a Matemtica no
aquela ilha do saber desgarrada das outras reas, a disciplina em que se bom ou se
mau e nada ser possvel fazer para mudar este cenrio. Thompson (2003) faz aluso a
algumas abordagens que podero estar na base desse objectivo. Na obra que
coordenou, constatou que muitos dos bons professores eram sensveis relao de
diferentes contedos da Matemtica. Exemplos dalgumas dessas relaes so as
conexes que os professores faziam entre diferentes aspectos da Matemtica (adio e
subtraco, por exemplo), conexes entre diferentes representaes da Matemtica
(smbolos, palavras, diagramas, ) e conexes com os mtodos dos alunos.
Pode, pois, considerar-se, por um lado, que o desenvolvimento da literacia
um objectivo central da escola de hoje e que, por outro, o despertar e a promoo da
comunicao sobre o que e como se aprende basilar para o cidado do mundo global
do sculo XXI. Ao professor compete proporcionar aos alunos experincias
matemticas que lhes permitam criar o gosto e descobrir o prazer por aprenderem de
forma reflexiva e crtica, de modo a tornarem-se cidados matematicamente
competentes.
-
captulo 2 Literacia(s), Competncias e a Matemtica e a Lngua Portuguesa
15
2.2 Competncias
-se competente sobre alguma coisa, e mostra-se essa competncia exercendo-a forosamente num
ou em vrios campos do conhecimento.
(Em Roldo, (2003). Gesto do Currculo e Avaliao de Competncias as questes dos professores. Lisboa: Editorial Presena, p.53)
Muito se tem falado de escola nos ltimos anos, quer seja sobre questes
relacionadas com o seu funcionamento quer seja sobre questes que se enlaam com a
sua funo. A definio da escolaridade obrigatria advm do valor inestimvel que a
escola tem no desenvolvimento das sociedades. Como tal a passagem pela escola no
deve ser v. A frequncia da escola deve marcar-se por um papel activo na construo
do ser.
Primeiramente, era pedido escola que fosse basicamente um local de
transmisso de conhecimentos factuais aos alunos. As aprendizagens processavam-se,
assim, segundo uma lgica linear em que o professor ensinava e os alunos reproduziam
os conhecimentos aprendidos por memorizao. A este respeito, Roldo (2000),
citada por Valadares (2002), refere que a escola de hoje se diferencia da sua antiga
misso de divulgar a informao, tendo passado para uma funo que visa o
desenvolvimento de competncias, de organizao do conhecimento, de processos de
construir conhecimento, de converso da informao em saber til (p.18). Esta
mudana deveu-se a transformaes poltico-econmico-sociais e ao desenvolvimento
de formas de acesso informao. Assim, escola cabe o papel de instituio
formadora, educadora e transformadora. Esta ltima funo procura que cada aluno
reflicta e decida sobre as suas opes de vida. Neste sentido, a escola a voz e a aco
duma consciencializao social composta de diferenas que tm de aprender a
(con)viver com diversas caractersticas individuais. Na escola aprende-se a descobrir e
a respeitar as potencialidades, as capacidades e as dificuldades de cada um.
As aprendizagens que se fazem na escola no resultam da mera repetio e da
memorizao sem compreenso. A relativa facilidade com que copiamos ou
reproduzimos oralmente palavras duma lngua estrangeira que desconhecemos, sem
conhecimento do que significam, exemplifica como a repetio/reproduo per se no
sinnimo de compreenso. Como afirma Antunes (2001) aprender no estucar
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
16
informao, mas transformar-se, reestruturando passo a passo o sistema de
compreenso do mundo (p.22).
O CNEB (2001) e o Programa Oficial do 1 CEB (1990/1998) so dois
documentos oficiais que norteiam o processo educativo, embora alguma confuso
tenha surgido em torno dos seus princpios.
Roldo (2003) define currculo como o conjunto de aprendizagens que se
consideram socialmente necessrias num dado tempo e contexto e que cabe escola
garantir e organizar. A autora clarifica que para um dado currculo foroso conceber
um programa e que este representa um plano de aco, isto , um meio para alcanar
os fins pretendidos seguindo uma linha e uma sequncia, previamente determinadas.
Para alm disso distingue programa de currculo, afirmando que o programa um
auxiliar da aco, e que um programa no se cumpre, o que tem de ser cumprido o
currculo, a aprendizagem para cuja consecuo ele foi originado.
Ao falar-se de programa e currculo, ter-se- inevitavelmente de fazer uma
abordagem s correntes pedaggicas, particularmente ao modelo de ensino expositivo,
behaviorista e construtivista por melhor evidenciarem os diferentes relacionamentos
professor aluno em contexto de sala de aula.
Barreira (2004) esclarece que no modelo expositivo a centralidade dada aos
contedos e o que se pretende ensinar determinante nas orientaes pedaggicas.
Neste modelo, todos os alunos tm de aprender o mesmo, independentemente das
suas caractersticas pessoais. Ao professor, como detentor do saber, cabe o papel de
transmissor de conhecimentos. Este paradigma, assenta na memorizao, na erudio,
no dogmatismo e na quase ausncia de interaco entre professor e aluno(s).
Na dcada de setenta surge a corrente da pedagogia por objectivos que se
caracteriza pela importncia central atribuda quilo que cada aluno teria de alcanar:
os objectivos. Esta corrente pedaggica assenta na ideia de uma aula muito bem
estruturada e planificada, desde os objectivos gerais at aos comportamentais. luz
deste modelo, os objectivos so verificados pelo professor e provam a aprendizagem
feita pelo aluno. Apoiada no behaviorismo, a pedagogia por objectivos considera o
comportamento como o resultado da resposta a um estmulo (Barreira, 2004, p.11).
O processo de ensino e de aprendizagem, inerente a este modelo, vem mostrar que
nem todos os objectivos podem ser explicitados e que a mecanizao de
comportamentos no corresponde a uma efectiva aprendizagem. Assim, por meio da
-
captulo 2 Literacia(s), Competncias e a Matemtica e a Lngua Portuguesa
17
verificao pelo professor de um determinado comportamento do aluno no
corresponde uma garantia de que a compreenso se tenha efectivado.
Tiana e Rychen (2005) afirmam que o termo comportamento traz a ideia do
conceito de aprendizagem fechado e at mesmo mecnico, que procura definir aquilo
que os alunos devem aprender e a forma como devem reagir ou reproduzir
comportamentos especficos. Contrariamente, uma competncia enfatiza o processo
de construo de significados que permite o desenvolvimento dos alunos.
Por seu turno, o modelo construtivista defende a ideia de que cada indivduo
construtor do seu prprio conhecimento e a aprendizagem s se efectua quando ela faz
sentido para quem aprende. Autores como Glaserfeld (1987), Lee (2006) e Thompson
(2003) explicitam que a aprendizagem tem lugar quando os alunos conscientemente
reorganizam o seu pensamento e o adaptam a novas experincias. Thompson (2003),
referindo-se s aprendizagens em Matemtica, afirma que numa perspectiva
construtivista ensinar Matemtica baseia-se no dilogo entre professor e aluno(s) para
que o professor melhor compreenda os pensamentos do(s) aluno(s) e para que eles
acedam ao conhecimento matemtico do professor. Neste modelo pedaggico, o uso
da palavra, escrita ou falada, por parte dos alunos e dos professores , pois, um
aspecto central. As teorias socio-culturais colocam a Lngua no centro da
aprendizagem, pois ela o principal mediador das interaces sociais (Lee, 2006).
O termo competncia surge na dcada de noventa do sculo passado e, at
hoje, o seu conceito mantm diferentes interpretaes no consensuais. Inicialmente
foi utilizado na lingustica por Chomsky, tendo-se estendido psicologia, sociologia e
s cincias do trabalho (Barreira, 2004). A prpria OCDE (2005b) fundamenta a
necessidade da pedagogia das competncias como consequncia das mudanas que tm
vindo a ocorrer a nvel global. Para que o mundo funcione e faa sentido, os indivduos
precisam de dominar as tecnologias e gerir a vasta informao a que tm acesso. Tero
tambm de funcionar no colectivo, como sociedade da qual fazem parte equilibrando o
desenvolvimento econmico com a sustentabilidade ambiental e promovendo a
equidade social. Assim, para o alcance de tais objectivos, a OCDE (2005b) considera
que as competncias necessrias se tornem obrigatoriamente mais complexas,
requerendo mais do que simples capacidades/destrezas5.
5 skills, no original em ingls (p.4)
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
18
As competncias surgiram ento como resposta necessidade de um novo
paradigma pedaggico que desse nfase a uma cultura de sala de aula mais motivadora,
interessante, eficaz e no redutora, como na pedagogia por objectivos. Tiana e Rychen
(2005) argumentam que a necessidade de adaptao a novos ambientes se traduz em
novos conceitos, designados por competncias. Este conceito contrape-se s rotinas
e procedimentos, fazendo apelo a uma adaptao constante mudana.
A partir do aparecimento do termo competncia, vrias definies foram sendo
propostas por diferentes investigadores como Le Boterf (2004) e Perrenoud (2003).
Existem, contudo alguns elementos comuns nessas diferentes definies. Uma das
similaridades consiste na associao de uma competncia a um contexto e sua
composio em ts componentes: saberes, capacidades e situaes-problema.
Barreira (2004) considera que na pedagogia das competncias, os saberes no
constituem um fim em si mesmo mas um meio, sucedendo o mesmo com o
desenvolvimento das capacidades. Este autor adverte que no domnio das
competncias, o objectivo final no est nos saberes nem nas capacidades, mas na
resoluo de um problema em contexto. Assim, na pedagogia das competncias, a
situao-problema ocupa um papel crucial. Para o desenvolvimento de competncias
deve-se recorrer a diversas actividades de aprendizagem: actividades de explorao,
actividades de aprendizagem por resoluo de problemas, actividades de aprendizagem
sistemtica, de estruturao, de integrao e de avaliao.
Com o aparecimento das competncias no campo educacional, muitas tm sido
as dvidas levantadas quanto s suas relaes com as inteligncias (Gardner, 1995),
com as aptides, com as predisposies, com as capacidades, com os objectivos e com
os contedos.
Quanto importncia da(s) inteligncia(s) que atribuda na pedagogia das
competncias, Antunes (2001) faz recurso a uma metfora que facilmente clarifica a
relao entre elas. As competncias so a pedra que amola as inteligncias como se
esta de uma faca se tratasse (p.19). Pode-se extrapolar a partir desta afirmao, que,
segundo este autor, as inteligncias no so estticas, imutveis como que pr-definidas
e permanecendo inalterveis ao longo de toda a vida. De facto, e de acordo com o
autor referido, as inteligncias podero ser estimuladas e aguadas, por via do
desenvolvimento de competncias.
-
captulo 2 Literacia(s), Competncias e a Matemtica e a Lngua Portuguesa
19
O conceito de aptido surge como um dos mais prximos do de competncia.
A aptido est relacionada com o acto de se ser capaz de executar uma determinada
tarefa. Apresenta-se com um certo estatismo e sem grande exigncia para quem a
desempenha para alm de ter de a desempenhar bem. Digamos que para se estar apto
para desempenhar uma determinada funo no necessrio ter um conhecimento
profundo e reflexivo sobre ela nem sobre o prprio acto necessrio sua
concretizao.
importante que os termos competncia e aptido no foram utilizados como sinnimos. O termo aptido foi utilizado para designar a capacidade de desempenhar uma determinada motricidade complexa e/ou actos cognitivos com facilidade e preciso, bem como a capacidade de adaptao mudana, enquanto que o termo competncia designou, essencialmente, um sistema de aco complexo que por seu turno, envolve aptides cognitivas, atitudes e outras componentes no cognitivas. (Tiana & Rychen, 2005, p.34)
Barreira (2004) distingue as capacidades em cognitivas, scio-afectivas, gestuais
e refere que elas actuam sobre os contedos e se manifestam atravs de saberes-fazer,
saberes-ser e saberes-tornar-se. Acrescenta ainda que, geralmente, as capacidades so
transmissveis, o que significa que podem ser mobilizadas em diversas reas
disciplinares, que vo evoluindo e transformando-se com o tempo. As capacidades
actuam sobre os contedos.
Na obra Desenvolver competncias-chave em educao, de Tiana e Rychen (2005),
curioso verificar que todas as competncias-chave so designadas de capacidades em
todas as suas categorias. Na categoria agir autonomamente as competncias-chave
so: as capacidades de defender direitos, planificar a vida e agir dentro dum cenrio.
Na categoria utilizar ferramentas interactivamente, as competncias-chave so: todas
as capacidades de utilizar algo fsico, como por exemplo o computador, ou abstracto,
como o uso de smbolos. Por fim, na categoria funcionar em grupos socialmente
heterogneos, as competncias-chave so capacidades de cooperar, gerir e resolver
conflitos e relacionar-se com os outros.
Perrenoud (2003) estabelece uma distino entre competncia e capacidade
baseada numa questo intelectual, distino idntica entre competncia e aptido, sem
no entanto no deixar de assumir que ambas tm em comum um carcter prtico, o
que faz suscitar algumas dvidas entre estes dois conceitos. Este autor afirma que o
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
20
uso habituou-nos a falar de saber-fazer para designar as capacidades concretas,
enquanto que a noo de competncia parece mais ampla e mais intelectual.
Uma das comparaes mais polmicas, e referida no CNEB a da competncia
com a predisposio. No Dicionrio da Lngua Portuguesa Contempornea, da Academia
das Cincias de Lisboa (2000), a palavra predisposio definida de trs modos
diferentes. O que mais se adequa ao contexto educativo o de aptido, tendncia ou
vocao natural para qualquer coisa (p.2937). Desta definio, extrai-se que o que
existe de comum entre uma predisposio e uma competncia o facto de ambas se
centrarem no indivduo. Nessa medida, uma predisposio poder facilitar o
desenvolvimento duma competncia, apesar de no ser uma condio necessria.
Ainda segundo a definio no mesmo dicionrio, uma predisposio algo com que
se nasce (p.2937). Contudo, Abrantes (CNEB, 2001) considera que o conceito de
predisposio nada tem a ver com inatismo. Pelo contrrio, o autor refere-se a esse
termo como sendo uma potencialidade inerente a cada indivduo que, atravs de uma
abordagem pedaggica baseada no desenvolvimento de competncias, permite o seu
desencadeamento e o seu aperfeioamento. Sobre esta matria pode ler-se no CNEB
(2001) que
luz destas consideraes [objectivos na aprendizagem da Matemtica s poderem ser atingidos se os alunos tiverem oportunidade de viver experincias adequadas e significativas] que devem ser entendidos os termos usados para caracterizar a competncia matemtica. A "predisposio" (para procurar regularidades ou para fazer e testar conjecturas), a "aptido" (para comunicar ideias matemticas ou para analisar os erros cometidos e ensaiar estratgias alternativas) ou a "tendncia" (para procurar ver a estrutura abstracta subjacente a uma situao) so componentes nucleares de uma cultura matemtica bsica que todos devem desenvolver, como resultado da sua experincia de aprendizagem escolar da Matemtica, e no elementos que, supostamente, cresceriam de modo espontneo ou que apenas seriam acessveis a alguns. (p.58)
Apesar da pedagogia das competncias se contrapor behaviorista, os
conceitos de competncia e de objectivo no se vislumbram de fcil distino. Um
objectivo mais facilmente detectvel de ter sido atingido do que uma competncia de
ter sido desenvolvida, especialmente quando se trata de um feedback que o professor
pretende ter por parte do aluno para verificar tal facto. Alm disso, o alcance dum
objectivo mais imediato do que o desenvolvimento duma competncia, pois esta
-
captulo 2 Literacia(s), Competncias e a Matemtica e a Lngua Portuguesa
21
requer mais tempo. Roldo (2003) explica que uma finalidade com determinada
inteno um objectivo. No entanto, nem todos os objectivos visam a construo de
competncias. Esta investigadora considera competncia como sendo
() o objectivo ltimo de vrios objectivos que para ela contribuem. Ou como dizia um aluno meu, a competncia afinal o objectivo que d sentido aos objectivos. (p.20)
Tiana e Rychen (2005) definem o conceito de competncia prximo do que
figura no CNEB (2001), afirmando que a definio funcional ou orientada pela procura
necessitou, de ser complementada por um conhecimento suplementar das
competncias enquanto estruturas mentais intrnsecas de aptides, capacidades e
disposies inatas do indivduo.
Perrenoud (2003) fala em competncias que apelam aos saberes escolares de
base como por exemplo a noo de mapa, de dinheiro e de jornal e aos saberes-fazer
fundamentais ler, escrever e contar. Para o autor no h, portanto, uma oposio
entre os programas escolares e as competncias. Guimares (2005) acrescenta que
no so s os conhecimentos factuais que so importantes no desenvolvimento de
competncias, a sua compreenso igualmente relevante.
Recorrendo investigao em Psicologia e em Educao, acrescenta-se ainda que um dos resultados mais slidos que a compreenso de conceitos uma componente importante d[ess]a competncia [matemtica], em conjunto como o conhecimento factual e o domnio de procedimentos. (Guimares, 2005, p.3)
Mais uma vez, est presente o aspecto intelectual duma competncia, como
anteriormente se referiu aquando da comparao entre esta e as aptides. O que se
pode retirar de fundamental destas comparaes que a uma competncia associa-se
sempre a reflexo sobre a aco, no se cingindo puramente a aspectos mecanicistas e
procedimentais.
A abordagem das competncias uma resposta para uma efectiva aprendizagem
e atribuio de utilidade quilo que se aprende na escola, evitando que as
aprendizagens escolares se limitem a conhecimentos que s na escola so teis e s
nela so valorizados. Este pensamento reiterado por Perrenoud (2003) quando
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
22
destaca que os conhecimentos escolares podem revelar-se inteis para a vida
quotidiana, porque no se adequam a situaes concretas.
Valadares (2002), quanto aos conhecimentos e s competncias, esclarece que
existe uma relao de interdependncia, porque os conhecimentos so indispensveis,
mas por si s insuficientes para construo de competncias, e estas no os podem
ignorar.
No que concerne questo da reflexo como aspecto caracterizador das
competncias, Le Boterf (2004) declara que uma pessoa no pode ser reconhecida
como competente seno quando capaz de realizar bem uma aco e de
compreender porqu e como age. Existe aqui uma ligao entre as aces e a reflexo
que se faz sobre elas. um processo de reconhecimento consciente de avaliao da
realizao duma tarefa ou resoluo de um problema. Este aspecto de reflectir sobre o
que se est a fazer e sobre o que se mobilizou conduz metacognio. Barreira (2004)
define este termo como a anlise pelo prprio dos seus processos cognitivos e do
produto desses processos com vista a melhorar as suas aptides. Assim, a
metacognio surge como elemento regulador das aprendizagens, pois permite uma
tomada de conscincia do que se aprende e de como se aprende. A seguinte afirmao
de Alaiz (1995) explicita bem o exposto.
Uma das condies fundamentais para uma boa aprendizagem , como dissemos, que quem aprende esteja consciente ou tome conscincia, da forma como aprende, saiba qual o seu estilo de aprendizagem para poder aplicar estratgias adequadas ou alterar aquelas que j utiliza e se mostre inadequadas. A esta reflexo sobre a sua prpria aprendizagem chama-se metacognio. (p.28)
O prprio CNEB (2001) faz referncia a este conceito. Nele pode ler-se que a
prtica de procedimentos no deve constituir uma actividade preparatria, mas sim
uma prtica compreensiva que promova a aquisio de destrezas utilizveis com
segurana e autonomia com a prtica sua compreenso e sua integrao em
experincias matemticas significativas. A metacognio um caminho para o que em
ltima instncia se pretende que todos os alunos, mais cedo ou mais tarde, venham a
desenvolver: a sua autonomia. E ser-se competente est associado a essa caracterstica.
Ser competente agir igualmente com autonomia, quer dizer, ser capaz de auto-regular as suas aces, de saber no somente contar com os seus
-
captulo 2 Literacia(s), Competncias e a Matemtica e a Lngua Portuguesa
23
prprios meios mas procurar recursos complementares, de estar preparado para transferir, quer dizer, reintegrar as suas competncias noutro contexto. (Le Boterf, 2004, pp.35-36)
No quadro conceptual do currculo e com as opes e linhas de orientao
programtica, Figueiredo (2004) reconhece o aluno como um agente activo na
construo dos seus conhecimentos. Neste sentido, o autor explica que a
aprendizagem consiste num processo de apropriao dos saberes que se inter-
-relacionam com os conhecimentos adequados, num processo complexo de
construo e reconstruo.
O uso do termo transferncia tem igualmente levantado questes,
nomeadamente quanto ao carcter de inexequibilidade intrnseca da prpria
transferncia. Contudo, esse termo no usado com o seu sentido literal, ou seja, de
uma transposio fsica. Antes tem a ver com a forma como se desenrola uma
competncia. Le Boterf (2004), relativamente ao conceito de transferncia, esclarece
que transferir no acarretar um saber-fazer ou uma competncia como se tratasse
de transportar um objecto. Para o autor, transferir est mais prximo da reflexo
efectuada a partir de uma boa experincia muito contextualizada do que de uma
aprendizagem de mtodos gerais de resoluo de problemas. Assim, transferir
reintegrar uma aprendizagem numa situao diferente daquela em que se produziu.
No se trata de transferir aprendizagens mas fazer a aprendizagem da transferncia,
de aprender a tornar transfervel ou transponvel. (pp. 57)
Barreira (2004) define transferncia de forma anloga. Para ele, a capacidade
de mobilizar conhecimentos e comportamentos e adapt-los a novas situaes.
Segundo este autor, a abordagem pedaggica das competncias tem por objectivo a
aprendizagem da transferncia. A aplicao consiste em colocar em prtica uma
aprendizagem j realizada. Em contrapartida, a transferncia consiste na
recontextualizao de uma aprendizagem j efectuada, o que implica realizar uma nova
aprendizagem (Le Boterf, 2004). Perrenoud (2003) quando afirma que desenvolver as
competncias a partir da escola no uma moda nova, mas um retorno s origens, s
razes de ser da instituio escolar (p. 33) remete para a escola uma atribuio que
desde sempre lhe pertenceu no sendo, por isso, uma aco inovadora mas sim fruto
das exigncias da contemporaneidade.
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
24
2.3 A Matemtica e a Lngua Portuguesa no 1CEB 2.3.1 - A Matemtica no 1 CEB
A tarefa principal que se impe aos professores conseguir que as
crianas desde cedo aprendam a gostar de Matemtica.
(Em Direco Geral do Ensino Bsico e Secundrio (1990/1998). Programa do 1 Ciclo do Ensino Bsico. Lisboa: ME-DGEB, p.125)
A aprendizagem matemtica no 1 CEB, de acordo com o CNEB (2001), est
associada a um conjunto de experincias que pressupem o desenvolvimento de
actividades concretas que permita aos alunos estabelecerem uma ligao com a
realidade e compreenderem no s o que esto a fazer como tambm aperceberem-se
da importncia que a Matemtica pode ter para a vida. Assim, aos alunos devem ser
dadas oportunidades de experienciarem actividades que envolvam diversas temticas e
diferentes processos relacionados com esta disciplina, como defendem Ponte e
Serrazina (2000):
O ensino da Matemtica tem assumido a manipulao (onde se destaca o clculo) como aspecto mais carente de ateno. No entanto hoje claro que o reconhecimento das relaes matemticas numa dada situao e a sua representao, bem como a interpretao e anlise crtica de resultados apresentam dificuldades mais srias do que as colocadas pela manipulao, devendo ser tratadas adequadamente na sala de aula. (p. 30)
A variedade de actividades matemticas que deve ser proporcionada aos alunos
fundamenta-se nas grandes finalidades do ensino da Matemtica definidas no CNEB.
Neste documento est patente que os alunos devem ter um contacto com as ideias e
mtodos fundamentais da Matemtica que lhes permita apreciem o seu valor e a sua
natureza, e desenvolvam a capacidade e confiana pessoal no uso da disciplina para
analisarem e resolverem situaes problemticas, para raciocinarem e comunicarem.
Antes porm coloca-se a questo relativamente s razes do ensino da
Matemtica, tendo Ponte e Serrazina (2000) apresentado algumas delas. Uma a
utilizao da Matemtica na resoluo de problemas, cujo carcter formativo constitui
um Patrimnio da Humanidade e o saber matemtico estabelece um direito de
cidadania reservado a todos os cidados. Estes aspectos esto relacionados com as
-
captulo 2 Literacia(s), Competncias e a Matemtica e a Lngua Portuguesa
25
dimenses do currculo de Matemtica do 1 CEB: carcter prtico, formativo, cultural
e de cidadania, as quais se apresentam esquematicamente no quadro que se segue.
Quadro 2.1: Razes para o ensino da Matemtica e suas dimenses curriculares.
Razes por que se ensina Matemtica:
Dimenses do currculo de
carcter Descrio sumria:
() resoluo de diferentes situaes do dia a dia () (p.76) prtico
Capacidade de ser capaz de analisar a razoabilidade de um resultado, saber estimar o valor da medida de uma grandeza ou a ordem de grandeza do resultado de determinada operao (). (p.76)
() a escola deve criar condies para a formao integral do indivduo, onde a Matemtica desempenha um papel essencial dado o seu carcter formativo. (p.76)
formativo
() o ensino da Matemtica deve promover hbitos de pensamento, de forma que, perante um problema, os alunos sejam capazes de organizar os respectivos dados, perceber qual a estratgia a utilizar, aplic-la, questionar o resultado obtido e argumentar sobre o mtodo seguido. (p.77)
A matemtica constitui um patrimnio cultural da humanidade e um modo de pensar. (p.77)
cultural
A Matemtica tem estado desde sempre ligada ao progresso da humanidade e importante que os alunos, desde o 1 ciclo, se vo apercebendo desta estreita ligao. (p.77)
A Matemtica usada de uma forma crescente e extensiva na sociedade actual influenciando de facto a vida pessoal e profissional dos indivduos. (p.77)
cidadania
O ensino desta rea disciplinar deve contribuir para criar cidados competentes, independentes, crticos e confiantes nos aspectos em que a sua vida se relaciona com a Matemtica . (pp.77-78)
(Fonte: Ponte & Serrazina, 2000, pp. 76-78, adaptado)
A abordagem dos aspectos mencionados no quadro devem ser contemplados
nas aulas pela importncia que cada um compreende. Os aspectos cultural e humano
da Matemtica nem sempre tm sido valorizados e este facto associado ao uso de uma
linguagem prpria que a Matemtica usa, poder ter contribudo para a postura de
encarar a Matemtica como estando isolada. Por outras palavras, ser benfico o
recurso Lngua e a diversificadas formas de comunicao de modo a partilhar saberes
e a torn-los indispensveis (Pereira, 2004). A Matemtica como disciplina escolar deve
ter em conta o aspecto humano como no prprio CNEB (2001) defendido:
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
26
A razo primordial para se proporcionar uma educao matemtica prolongada a todas as crianas e jovens de natureza cultural, associada ao facto de a matemtica constituir uma significativa herana cultural da humanidade e um modo de pensar e de aceder ao conhecimento () (p.58)
Nas aulas de Matemtica devem ser propiciadas actividades aos alunos de
modo a que eles se pronunciem e discutam processos de resoluo de problemas,
episdios da Histria da Matemtica, por exemplo, a fim de que a sua participao no
se limite posio de meros receptores de conhecimento acabado, inquestionvel,
sem sentido e, por isso, no compreendido nem assimilado.
Os processos matemticos, segundo Ponte e Serrazina (2000) agrupam-se em
quatro grandes grupos: (a) representar, que inclui a compreenso e o uso de smbolos,
convenes, etc.; (b) relacionar e operar, que inclui o clculo e a deduo, relao
entre ideias matemticas e interpretar ideias matemticas do quotidiano; (c) resolver
problemas e investigar situaes matemticas e extra-matemticas e (d) comunicar em
diferentes linguagens e suportes.
A representao um processo fundamental em Matemtica e uma das formas
de representar mediante smbolos (matemticos). A Matemtica caracteriza-se pelo
rigor e linguagem prpria, os quais levaram muitos anos a serem desenvolvidos (Ponte
& Serrazina, 2000). O professor ao enfatizar e exigir esse rigor aos alunos do 1 CEB,
no s est a exigir no imediato que se assimile o que tanto tempo levou a ser
desenvolvido e aperfeioado, como pode fazer crer aos alunos que a Matemtica
hermtica e permevel ao uso de outros meios de expresso como por exemplo por
palavras, diagramas, esquemas ou desenhos. Nesta medida, os alunos no se limitam a
reproduzir uma estratgia estereotipada que consideram ser nica e que o seu papel
nas aulas de Matemtica adivinhar esse caminho. No ensino e aprendizagem da
Matemtica ser conveniente proporcionar aos alunos oportunidades de usarem
representaes convencionais bem como as suas prprias representaes, no-
-convencionais (Ponte & Serrazina, 2000). As formas convencionais no tm de ser
aprendidas no imediato, pois per se elas no so reflexo de que tenha havido
aprendizagem. O uso de representaes prprias dos alunos um meio de atingir a
compreenso das representaes convencionais que constituem as formas
universalmente formalizadas.
-
captulo 2 Literacia(s), Competncias e a Matemtica e a Lngua Portuguesa
27
Quanto comunicao como processo tem grande vantagem de servir como
feedback, tanto para o aluno como para o professor, sobre as aprendizagens, para alm
de, na actualidade, constituir uma competncia que importa desenvolver, face cada
vez maior mundializao.
2.3.2 A Lngua Portuguesa no 1 CEB
Entende-se que o domnio da Lngua Materna, como factor de transmisso e apropriao dos diversos
contedos disciplinares, condiciona o sucesso escolar.
(Em Direco Geral do Ensino Bsico e Secundrio (1990/1998).
Programa do 1 Ciclo do Ensino Bsico. Lisboa: ME-DGEB, p. 97)
Em Portugal, a Lngua Portuguesa uma disciplina obrigatria no ensino bsico,
sendo reconhecida como tal no Programa Oficial do 1 Ciclo (1990/1998) e no CNEB
(2001). Neste sentido, a interveno educativa neste mbito, particularmente no
ensino da leitura e da escrita, tem um papel evidentemente central. escola compete,
pois, desenvolver nos alunos competncias lingusticas de modo a torn-los
proficientes no Portugus.
Tradicionalmente, a prtica pedaggica nas aulas de Lngua tem sido
desenvolvida atravs da realizao de tarefas que se estruturam em momentos de
leitura, individual ou colectiva de um texto, normalmente uma narrativa. A esta leitura,
efectuada silenciosamente ou em voz alta, segue-se a explorao do texto lido, tanto
oralmente como por escrito: a compreenso. Alm disso, tambm dedicado um
tempo ao ensino explcito da Lngua: a gramtica.
Sim-Sim (2001) refere que os nveis de desempenho na leitura no assentam
exclusivamente no tempo que dedicado a esta actividade mas que a gesto da sala de
aula tem um papel preponderante relativamente a esses momentos. Por outro lado
acrescenta que as actividades rotineiras de leitura, de interpretao e de escrita de
composies nas aulas de Lngua Materna, por si s, no permitem sensibilizar os
alunos para o facto de passarem a considerar a Lngua como um poderosssimo
instrumento de comunicao e de partilha de ideias. O entendimento da investigadora
tem um cariz mais amplo e, nessa medida, defende que o uso da escrita, da leitura e da
interpretao em Lngua Portuguesa deve ocorrer sempre que se justifique, em
qualquer rea disciplinar. Desta forma, possibilita-se aos alunos que se consciencializem
do verdadeiro valor e da transversalidade da disciplina.
-
Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?
28
Ao professor cabe estimular os alunos nas suas aprendizagens mediante um
leque de tarefas que melhor se adeqem diversidade cultural e lingustica existente na
turma. Sim-Sim (1997) refere que:
A investigao realizada nas ltimas dcadas no domnio das cincias da cognio6, nomeadamente da lingustica e da psicologia experimental, deixa claro que o processo de crescimento lingustico do sujeito, tendo as suas razes na herana