Matemática e Língua Portuguesa: Laços para o...

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE CIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO Matemática e Língua Portuguesa: Laços para o Sucesso? Rui Miguel Azevedo Marques Licenciado Dissertação apresentada para a obtenção do grau de mestre em Educação Especialização em Didáctica da Matemática Professora orientadora: Doutora Maria Cecília Soares de Morais Monteiro Lisboa, 2008

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  • UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE CINCIAS

    DEPARTAMENTO DE EDUCAO

    Matemtica e Lngua Portuguesa:

    Laos para o Sucesso?

    Rui Miguel Azevedo Marques

    Licenciado

    Dissertao apresentada para a obteno do grau de mestre em Educao

    Especializao em Didctica da Matemtica

    Professora orientadora:

    Doutora Maria Ceclia Soares de Morais Monteiro

    Lisboa, 2008

  • Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?

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    RESUMO

    Este trabalho surgiu da preocupao em descobrir os contributos que a Lngua

    Portuguesa, nomeadamente a nvel da expresso escrita, pode trazer para as

    aprendizagens matemticas em alunos nos seus primeiros anos de escolaridade. Assim,

    este estudo teve como objectivo principal compreender em que medida a comunicao

    escrita contribui para o desenvolvimento de competncias matemticas em alunos do 1 CEB

    ao realizarem tarefas que envolvem raciocnio matemtico. Partindo daqui, defini as

    seguintes questes: (a) Que tipo comunicao escrita usam os alunos ao resolverem tarefas

    que envolvem raciocnio matemtico, para cuja resoluo nem sempre necessrio recorrer

    matemtica convencional? e (b) De que modo essa comunicao escrita usada pelos alunos

    reflecte a sua compreenso matemtica das tarefas?.

    Este trabalho um estudo de caso com dois alunos do 3 ano de escolaridade

    do 1 CEB que apresentavam as caractersticas comuns necessrias ao seu

    desenvolvimento deste estudo, nomeadamente o domnio da leitura e da escrita.

    A metodologia utilizada foi qualitativa e consistiu na anlise dos registos

    escritos dos dois alunos, das gravaes udio das aulas observadas e das notas de

    campo. Foram feitas onze sesses de trabalho com toda a turma. Tambm estive

    presente em aulas da responsabilidade da professora da turma, nas quais o meu papel

    se confinou observao e registo (udio e por escrito) com o objectivo de perceber

    o modo como a professora trabalhava com os alunos no mbito da relao entre o

    Portugus e a Matemtica.

    Com a anlise dos resultados, constatei que os alunos usaram tanto a

    representao simblica matemtica de quantidades como a representao por

    extenso, consoante a importncia das quantidades envolvidas no contexto das tarefas.

    As representaes verbais escritas dos alunos permitiram um acompanhamento dos

    seus raciocnios. As representaes convencionais (smbolos matemticos e

    procedimentos algortmicos), sempre que foram utilizadas, foram com a inteno de

    reforar ou complementar a explicao exposta verbalmente. Este facto induz-me a

    concluir que este tipo de representaes fazem os alunos sentirem que esto a

    responder com maior rigor matemtico. Nas tarefas era solicitado aos alunos que

    explicassem as suas estratgias de resoluo. Isto implicou que os alunos tambm

    tivessem de reflectir sobre os resultados das tarefas. A conjugao de mais de um tipo

  • Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?

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    de representao escrita permitiu que os raciocnios dos alunos ficassem mais

    claramente expostos.

    Esta investigao inclui igualmente a anlise do Currculo Nacional do Ensino

    Bsico (CNEB). Esta anlise visou responder s questes: (a) Que semelhanas e

    diferenas existem nas organizaes das partes da Matemtica e da Lngua Portuguesa no

    CNEB? e (b) A que conceitos feita referncia quando se fala de competncias no CNEB,

    nas partes da Matemtica e da Lngua?

    Com a anlise ao CNEB verifiquei que em Matemtica h a referncia a

    termos/conceitos distintos daqueles a que se faz referncia em Lngua Portuguesa no

    que toca definio das respectivas competncias. Esta diferena reflecte-se tanto nas

    abordagens como nas organizaes dos respectivos captulos.

    Palavras-chave: Literacia; Competncias; Comunicao escrita em Matemtica;

    transversalidade da Lngua Portuguesa, Currculo Nacional do Ensino Bsico.

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    iii

    ABSTRACT

    This research emerged from the concern of finding out contributes that the

    Portuguese Language may have, especially with its written expression, on the students

    mathematics learning during their early years in school. So, this study had as its main

    goal to understand in which way the written communication contributes to the

    development of mathematical skills among first grade students when they are proposed

    to solve tasks involving mathematical reasoning. Considering this, I have formulated

    two questions: (a) What kind of written communication do students use to solve tasks

    involving mathematical reasoning, whose resolution doesnt necessarily involve conventional

    mathematics? and (b) In what way does the written communication used by students reflect

    their mathematical comprehension?.

    This research is a case study involving two students in their 3rd Grade Year of

    the 1st Cycle of the Basic School, who had common characteristics which were

    important to the development of this study especially their proficiency in reading and

    writing.

    The methodology used was a qualitative one and it consisted of the analysis

    both of the two students task resolutions and of the audio tapes of the observed

    lessons. I took part in the development of eleven hands-on sessions, too. In the

    teachers class lessons, my role was only to observe and register the occurred

    situations with the goal of understanding the way the teacher used to manage the

    relation between Mathematics and the Portuguese Language in those classes.

    After the analysis of the results, I could verify those students would write

    mathematical symbolic representations and words of the amounts involved in the

    tasks, depending on the importance those amounts had in the context of the task. The

    verbal written representations students used made it possible to follow their

    reasoning. Whenever the conventional representations were used (mathematical

    symbols and algorithmic procedures), it was with the intention to reinforce or

    complement the explanation verbally exposed. This fact led me to conclude that this

    kind of representations makes the students feel that they are responding with more

    mathematical rigour. As part of the tasks it was proposed to the students that they

    explained the strategies they had used in their resolutions. This made them reflect

    upon the results they had achieved. The conjunction of more than one written

    representations helped the students answers become more clearly written.

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    This study also includes an analysis of the Basic School National Curriculum,

    with the intention to respond to the following questions: (a) Which similarities and

    differences are there in the organization of the parts concerning Mathematics and Portuguese

    Language in the Basic School National Curriculum? and (b) What concepts is it made

    reference to when competencies are concerned in the Mathematics and Portuguese Language

    parts of the Basic School National Curriculum?

    By the analysis of the Basic School National Curriculum I could verify that in

    the Mathematics curriculum there is reference to terms/concepts which are distinct

    from those used in the Portuguese Language curriculum, when the definition of the

    respective competencies takes place. This difference is also reflected in the approaches

    to the competencies and in the organization of the chapters as well.

    Key-words: literacy, competencies, written communication in Mathematics;

    Portuguese Language, and Portuguese National Curriculum of Basic School.

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    DEDICAO

    Dedico este trabalho a uma pessoa que muito admiro e adoro: minha querida

    me que sempre me tem apoiado e dado estmulo para avanar.

    Um grande beijinho Me

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    AGRADECIMENTOS

    Gostaria de agradecer

    minha orientadora deste trabalho, a professora Doutora Ceclia Monteiro que at

    mesmo nos momentos em que me senti mais hesitante sempre me ajudou a dar mais

    um passo alm e levar este trabalho a cabo

    a todos os meninos da turma por terem sido todos to receptivos, participativos e

    afveis comigo e me terem encarado como seu professor e no simplesmente como

    mais um professor que lhes ia dar aulas

    professora Clia pela amizade, ateno e colaborao

    aos meus pais por todo o apoio e fora que me deram para realizar este trabalho

    ao Lus por me ter ajudado a dar mais um passo em frente e pelos seus contributos de

    olhar estranho/exterior a este trabalho

    amiga Rosa pelo positivismo e fora que a caracteriza e que com os quais me

    contagiou e ajudou na concluso desta dissertao

    A todos, um sincero OBRIGADO!

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    NDICE

    Captulo 1 Apresentao e Contextualizao do Estudo 1

    1.1 Pressupostos 1

    1.1.1 Os actos de aprender e de ensinar 1

    1.1.2 Comunicao e Matemtica 3

    1.1.3 Os insucessos dos alunos em Matemtica 3

    1.2 Objectivos e questes de investigao 6

    1.3 Estrutura do trabalho escrito 7

    Captulo 2 Literacia(s), Competncias e a Matemtica e a Lngua Portuguesa

    no 1 CEB 9

    Introduo 9

    2.1 Literacia(s) 10

    2.2 Competncias 15

    2.3 A Matemtica e a Lngua Portuguesa no 1 CEB 24

    2.3.1 - A Matemtica no 1 CEB 24

    2.3.2 A Lngua Portuguesa no 1CEB 27

    2.3.2.1 - A Lngua Portuguesa e a sua transversalidade curricular 29

    Captulo 3 Comunicao e Comunicao (em) matemtica 32

    Introduo 32

    3.1 Comunicao 32

    3.2 Comunicao (em) matemtica 38

    3.3 Leitura e escrita 42

    3.3.1 A leitura 43

    3.3.2 A escrita 47

    3.3.2.1 A escrita em Matemtica e a escrita em Lngua Portuguesa 50

    3.3.2.1.1 A escrita em Matemtica: o uso de smbolos 53

    Captulo 4 Metodologia do Estudo 63

    Introduo 63

    4.1 Opes metodolgicas 64

    4.1.1 Metodologia qualitativa de investigao 64

    4.1.2 Questes processuais 64

    4.1.3 A Professora 65

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    viii

    4.1.4 A turma 66

    4.1.5 Os alunos-participantes: 67

    4.1.5.1 O Daniel 67

    4.1.5.2 O Marco 68

    4.1.5.3 Os alunos-participantes, a Matemtica e a Lngua Portuguesa 68

    4.2 Recolha e anlise de dados 70

    4.2.1 Sesses de Observao (SO) 70

    4.2.2 Sesses de Trabalho (ST) 71

    4.2.2.1 Seleco das ST 72

    4.2.3 Anlise dos dados 76

    4.2.4 Anlise do CNEB 76

    Captulo 5 As Tarefas e os Resultados 77

    Introduo 77

    5.1 Sesso de Trabalho 1 78

    5.1.1 Objectivos, contedos programticos e apresentao da Tarefa 1 78

    5.1.2 -Descrio e anlise das resolues da T1 79

    5.1.2.1 Daniel 79

    5.1.2.2 Marco 82

    5.1.3 Sntese 84

    5.2 Sesso de Trabalho 2 86

    5.2.1 Objectivos, contedos programticos e apresentao da Tarefa 2 87

    5.2.2 - Descrio e anlise das resolues da T2 87

    5.2.2.1 Daniel 87

    5.2.2.2 Marco 89

    5.2.3 Sntese 90

    5.2.4 Objectivos, contedos programticos e apresentao da Tarefa 3 91

    5.2.5 Descrio e anlise das resolues da T3 92

    5.2.5.1 Daniel 92

    5.2.5.2 Marco 94

    5.2.6 Sntese 96

    5.3 Sesso de Trabalho 3 99

    5.3.1 Objectivos, contedos programticos e apresentao da Tarefa 4 99

    5.3.2 Descrio e anlise das resolues da T4 99

    5.3.2.1 Daniel 99

    5.3.2.2 Marco 102

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    5.3.3 Sntese 106

    5.4 Sesso de Trabalho 4 107

    5.4.1 Objectivos, contedos programticos e apresentao da Tarefa 5 107

    5.4.2 Descrio e anlise das resolues da T5 118

    5.4.2.1 Daniel 118

    5.4.2.2 Marco 110

    5.4.3 Sntese 113

    5.4.4 Objectivos, contedos programticos e apresentao da Tarefa 6 113

    5.4.5 Descrio e anlise das resolues da T6 114

    5.4.5.1 Daniel 114

    5.4.5.2 Marco 116

    5.4.6 Sntese 117

    5.5 Anlise comparativa 118

    Captulo 6 Anlise do CNEB no que concerne Matemtica e Lngua

    Portuguesa 122

    Introduo 122

    6.1 A Matemtica no CNEB 124

    6.2 A Lngua Portuguesa no CNEB 128

    6.3 Comparao entre os captulos da Matemtica e a Lngua Portuguesa no CNEB 134

    6.3.1 Comparao das estruturas dos captulos da Matemtica e da Lngua

    Portuguesa no CNEB 134 6.3.2 Comparao dos conceitos usados para a definio das competncias nos

    captulos da Matemtica e da Lngua Portuguesa 135

    Captulo 7 Reflexes Finais 145

    Introduo 145

    7.1 Comunicao escrita e desenvolvimento de competncias 145

    7.1.1 A comunicao escrita usada pelos alunos 145

    7.1.1.1 Os processos matemticos usados pelos alunos 145

    7.1.2 A comunicao escrita e a compreenso matemtica 148

    7.1.3 Limitaes 151

    7.2 Anlise do CNEB 151

    7.2.1 Semelhanas e diferenas organizacionais entre a Matemtica e a Lngua

    Portuguesa no CNEB 151

  • Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?

    x

    7.2.2 Conceitos que definem competncia em Matemtica e Lngua Portuguesa no

    CNEB

    153

    7.3 Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso? 155

    Referncias Bibliogrficas 157

    Legislao consultada 164

    Anexos 165

    Anexo 1 Pedido de autorizao Presidente do Agrupamento. 166

    Anexo 2 Informao aos Encarregados de Educao. 167

    Anexo 3 Prolongamento da calendarizao. 168

    Anexo 4 Autorizao de emprstimo dos cadernos dirios dirigida ao

    agrupamento. 169

    Anexo 5 Autorizao de emprstimo dos cadernos dirios dirigida aos

    Encarregados de Educao. 170

    Anexo 6 Guio da entrevista professora. 171

    Anexo 7 Guio das Sesses de Observao. 174

    Anexo 8 Grelha das Sesses de Observao. 176

    Anexo 9 Caracterizao dos alunos. 177

    Anexo 10 Sesso de Caracterizao. 178

    Anexo 10-A Objectivos da Sesso de Caracterizao e grelha das respostas. 180

    Anexo 11 Enunciado da ST1. 182

    Anexo 12 Enunciado da ST2. 184

    Anexo 13 Enunciado da ST3. 186

    Anexo 14 Enunciado da ST4. 187

    Anexo 15 Aspectos da competncia matemtica (CNEB). 188

  • Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?

    xi

    ndice dos quadros

    Quadro 2.1 Razes para o ensino da Matemtica e suas dimenses

    curriculares. 25

    Quadro 3.1 Diferentes tipos de leitor. 45-46

    Quadro 3.2 Comparao entre a representao escrita de ideias por meio de

    palavras (do Portugus) e por meio da Matemtica (convencional). 52-53

    Quadro 4.1 Calendarizao das SO, temas principal de cada aula das SO e

    sumrios das aulas. 71

    Quadro 4.2 Sesses de trabalho (ST) seleccionadas. 72

    Quadro 4.3 Aspectos da competncia matemtica por ST. 74

    Quadro 4.4 Competncias gerais do ensino bsico, modos de

    operacionalizao e competncias especficas da Lngua Portuguesa

    envolvidas em todas as ST. 75

    Quadro 5.1 Exemplos apresentados pelo Daniel e pelo Marco para nmeros

    superiores a 5. 85

    Quadro 5.2 Tipos de representao usados e sentidos atribudos subtraco

    na T2. 91

    Quadro 5.3 Tipos de representao usados pelo Daniel e pelo Marco e

    sentido atribudo subtraco na T3. 96

    Quadro 5.4 Representaes verbais e simblicas usadas pelo Daniel na T4. 100

    Quadro 5.5 Representaes que o Marco usou para as quantidades que refere

    na sua resposta T4. 106

    Quadro 5.6 Tipos de representaes usados pelo Daniel e pelo Marco na T4. 107

    Quadro 5.7 Representaes verbais e simblicas usadas pelo Marco na T4. 112

    Quadro 5.8 Comparao das representaes usadas pelo Daniel e pelo Marco

    na T5. 113

    Quadro 5.9 Comparao entre as respostas do Daniel e do Marco T6. 118

    Quadro 6.1 Organizao das experincias de aprendizagem definidas para a

    Matemtica no CNEB. 127

    Quadro 6.2 Operacionalizao das competncias gerais em Lngua Portuguesa. 129

    Quadro 6.3 Competncias especficas de Lngua Portuguesa para o 1 CEB

    definidas no CNEB.

    135-132-

    133

    Quadro 6.4 Comparao da estrutura do CNEB nas disciplinas de Matemtica

    e Lngua Portuguesa. 135-136

    Quadro 6.5 Palavras dominantes nos aspectos da competncia matemtica. 139

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    xii

    Quadro 6.6 Contabilizao das palavras mais referidas nos aspectos

    componentes do desenvolvimento de competncias matemticas. 140

    Quadro 6.7 Palavras-chave iniciais e sua frequncia por objectivos,

    competncias, metas de desenvolvimento e nveis de desempenho

    e respectiva contabilizao. 141-142

    Quadro 6.8 Comparao entre as palavras-chave por competncia especfica

    de Lngua Portuguesa e por aspecto da competncia matemtica. 143

  • Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?

    xiii

    ndice das figuras

    Figura 3.1 O incio da simbolizao. 60

    Figura 3.2 Caminhos alternativos entre a oralidade e o registo. 60

    Figura 5.1 Representao esquemtica do captulo do estudo emprico. 77

    Figura 5.2 Enunciado da T1. 79

    Figura 5.3 Resposta do Daniel T1. 80

    Figura 5.4 Representao esquemtica do desenvolvimento do raciocnio do Daniel

    da T1.

    81

    Figura 5.5 Resposta do Marco T1. 82

    Figura 5.6 Representao esquemtica do desenvolvimento do raciocnio do Marco

    da T1.

    84

    Figura 5.7 Enunciado da T2. 87

    Figura 5.8 Enunciado do problema criado pelo Daniel para T2. 87

    Figura 5.9 Resposta do Daniel ao seu problema da T2. 88

    Figura 5.10 Estrutura do enunciado da T2 do Daniel. 88

    Figura 5.11 Enunciado do problema criado pelo Marco para T2. 89

    Figura 5.12 Resposta do Marco ao seu problema da T2. 89

    Figura 5.13 Estrutura do enunciado da T2 do Marco. 90

    Figura 5.14 Enunciado da T3. 92

    Figura 5.15 Enunciado da T3 do Daniel. 92

    Figura 5.16 Partes constituintes do enunciado da T3 do Daniel relacionadas com a

    operao e as imagens.

    93

    Figura 5.17 Resoluo do problema da T3 do Daniel. 94

    Figura 5.18 Resposta do Daniel ao seu problema da T3. 94

    Figura 5.19 Enunciado do problema da T3 do Marco. 94

    Figura 5.20 Partes constituintes do enunciado da T3 do Marco relacionadas com a

    operao e as imagens.

    95

    Figura 5.21 Resoluo do problema da T3 do Marco. 95

    Figura 5.22 Resposta ao problema da T3 do Marco. 96

    Figura 5.23 Esquema comparativo da estrutura dos enunciados do Daniel e do Marco

    na T3 coordenados com as imagens dadas e a operao envolvida no

    problema. 97

    Figura 5.24 Enunciado da T4. 99

    Figura 5.25 Respostas do Daniel T4. 100

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    xiv

    Figura 5.26 Representao esquemtica do desenvolvimento do raciocnio do Daniel

    na T4.

    101

    Figura 5.27 Resposta do Marco T4. 102

    Figura 5.28 Esquematizao do desenvolvimento da resoluo do Marco na T4. 104

    Figura 5.29 Esquematizao das relaes entre as representaes usadas pelo Marco. 105

    Figura 5.30 Enunciado da T5. 108

    Figura 5.31 Resposta do Daniel T5. 108

    Figura 5.32 Desenvolvimento do raciocnio do Daniel na T5. 109

    Figura 5.33 Resposta do Marco T5. 110

    Figura 5.34 Desenvolvimento do raciocnio do Marco na T5. 111

    Figura 5.35 Enunciado da T6. 114

    Figura 5.36 Resposta do Daniel T6. 115

    Figura 5.37 Descrio do procedimento do Daniel na justificao da reposta T6. 115

    Figura 5.38 Resposta do Marco T6. 116

    Figura 5.39 Descrio do procedimento do Marco na justificao da resposta T6. 117

    Figura 6.1 Relao entre as diferentes competncias definidas no CNEB 123

    Figura 6.2 Representao esquemtica da organizao dos aspectos da competncia

    matemtica definidos na CNEB.

    126

    Figura 6.3 Esquema representativo da organizao das competncias de Lngua

    Portuguesa no CNEB.

    131

  • captulo 1 Apresentao e contextualizao do estudo

    1

    CAPTULO 1 APRESENTAO E CONTEXTUALIZAO DO ESTUDO

    necessrio que desde muito cedo as crianas se apercebam que a matemtica tambm uma linguagem que traduz ideias

    sobre o mundo que os rodeia. Uma das dificuldades mais sentidas por crianas destas idades a traduo do real e da linguagem comum

    para a linguagem simblica da matemtica.

    (In, Programa Oficial de Matemtica do 1 CEB, 1990/1998, p.131)

    1.1 Pressupostos

    1.1.1 Os actos de aprender e de ensinar

    O processo de ensino e de aprendizagem um processo complexo. Nele

    intervm, directamente, o professor e os alunos e, indirectamente, factores culturais e

    sociais. Ser pois redutor que s a alguns destes factores se atribua a responsabilidade

    do (in)sucesso educativo dos alunos; existe sim, uma quota-parte de imputao dessa

    responsabilidade. Assim, estudar estas diferentes vertentes e apurar contributos que

    possibilitem um melhoramento da prtica pedaggica, s ser enriquecedor e uma

    mais-valia para quem ensina e acima de tudo para quem aprende.

    A sala de aula o espao privilegiado onde toma lugar a grande maioria dos

    momentos pedaggicos. As relaes professoraluno(s), para alm da especificidade

    de serem relaes educativas, tm um factor em comum com quaisquer outras

    relaes inter-pessoais, factor esse que est na sua gnese: a comunicao. Castro

    (1999), a este respeito, afirma que as tarefas desenvolvidas nos quadros dos

    fenmenos educativos so sobretudo de natureza lingustica, na produo e no

    reconhecimento. Menezes (200b) salienta igualmente que o acto educativo, que

    envolve o ensino e reciprocamente a aprendizagem, eminentemente comunicativo.

    A Lngua1 a forma atravs da qual nos expressamos, oralmente ou por

    escrito. Ou seja, por via do Portugus que comunicamos. Isto significa que o domnio

    da nossa Lngua Materna assume um papel central na escola (Sim-Sim, 1997) e cabe a

    ela um papel preponderante no seu desenvolvimento (Sim-Sim, 2001).

    Com a entrada para a escola, os alunos iniciam uma nova etapa das suas vidas.

    Uma das mudanas com essa nova etapa o ensino formal da escrita. A sua

    1 Ao longo deste trabalho escrito refiro alternativamente como sinnimos os termos Lngua, Lngua Materna, Lngua Portuguesa e Portugus.

  • Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?

    2

    aprendizagem e, conjugadamente a da leitura, so marcos importantes no incio da

    escolaridade.

    Barbeiro (1999) e Bourton (1997) destacam o duplo papel que a escrita tem.

    De acordo com estes autores, ela um instrumento que permite no s desenvolver a

    capacidade de pensar como tambm a de comunicar. Nesta ideia est patente o facto

    de a escrita no ser simplesmente uma forma de registo do pensamento. Ela

    igualmente uma forma de desenvolver essa mesma capacidade de reflectir sobre o que

    se est escrever. H portanto uma relao biunvoca entre o pensamento e a escrita.

    A Matemtica a cincia das regularidades e da linguagem dos nmeros, das

    formas e das relaes (CNEB, p.58) e tem uma ligao estreita com a escrita

    (Menezes, 2000a e Smole & Diniz, 2001). A escrita da Matemtica reveste-se de

    algumas especificidades, tal como a sua simbologia prpria. De acordo com Sebastio e

    Silva (citado por Pombo, 2003), a escrita em Matemtica, por recorrer simbologia

    que a caracteriza, ideogrfica, opondo-se da Lngua, que fontica. A escrita

    ideogrfica, como a prpria designao indica, permite representar ideias de forma

    simples e abreviada. A fontica, com maior paralelismo com a oralidade (Brissiaud,

    1994), representa igualmente ideias, mas de acordo com os sons que representam

    oralmente (Saussure, 1992).

    A representao de ideias matemticas, em contexto escolar, pode ser feita de

    variadssimas formas (NCTM, 2001). Entre elas est a formal, isto , atravs da

    matemtica convencional (Bicudo & Garnica, 2003; Brissiaud, 1994; Lee, 2006; Pimm,

    1987; Pombo, 2003 e Vergani, 2002). Ela assim designada por recorrer a smbolos

    formais convencionados. No entanto, esta forma de representao pode ser um factor

    que dificulta a compreenso, na medida em que a formalizao o processo pelo qual

    se prepara a matemtica para o processamento mecnico (Hersh & Davis, 1995, p.

    135). Assim, este processamento mecnico pode implicar o alheamento aos

    significados dos smbolos que esto a ser usados. Para que esses procedimentos

    estejam associados compreenso do seu uso e da simbologia envolvida, h que saber

    interpret-los. Interpretar um smbolo associ-lo a algum conceito ou imagem

    mental, assimil-lo na conscincia humana. (Hersh & Davis, 1995, p. 125)

    Contudo, a facilidade com que o smbolo matemtico pode ser abstrado dos

    seus referentes (Lee, 2006 e Orton & Forbisher, 1996) pode ser uma das razes para

    as dificuldades que muitos alunos tm com a Matemtica. Isto talvez se fique a dever

  • captulo 1 Apresentao e contextualizao do estudo

    3

    ao facto de as representaes mentais dos smbolos feitas pelos alunos terem fracas

    ligaes com as representaes mentais das palavras que lhes correspondem

    (sterholm, 2004).

    1.1.2 Comunicao e Matemtica

    Quando se faz Matemtica, usa-se a Lngua Materna, para comunicar essa

    Matemtica. Se no se comunica o que se descobre, essa descoberta no veiculada,

    no se torna conhecimento, nem far parte do patrimnio cultural da humanidade. A

    sectarizao da Matemtica, alheia a estes pressupostos que a caracterizam aspecto

    comunicacional e de aco humana , tornam-na artificializada e demasiadamente

    abstracta.

    Guzmn (1993) salienta que o ensino da Matemtica deveria reflectir sobre o

    carcter profundamente humano que lhe subjaz a fim de ganhar, desse modo, maior

    equilbrio, dinamismo, interesse e atraco. O autor explica que os elementos afectivos

    das pessoas so de enorme importncia pelas implicaes que tm na vida mental e na

    sua relao com a Matemtica. Da que seja necessrio que os alunos percebam o

    sentido esttico, o prazer ldico que a Matemtica capaz de proporcionar de modo a

    que eles se envolvam com ela de forma mais pessoal e humana.

    Ponte e Serrazina (2000) e Pimm (citado por Orton & Forbisher, 1996) realam

    a vantagem que pode haver para os alunos, quanto s suas aprendizagens matemticas,

    em usarem representaes prprias antes do uso das representaes convencionais.

    O uso destas representaes prprias elimina a possvel dificuldade que poder surgir

    na utilizao dos procedimentos e smbolos matemticos. A ateno poder desviar-se

    do essencial (o raciocnio) e focar-se no acessrio (o procedimento).

    1.1.3 Os insucessos dos alunos em Matemtica

    Etimologicamente, a palavra matemtica deriva do grego mthema que

    significa cincia, conhecimento, aprendizagem. Na Grcia antiga, a Matemtica

    englobava os contedos que havia para ensinar. Segundo Pombo (2003), o termo

    Matemtica significava, na sua raiz, aquilo que podia ser ensinado. Embora o que nessa

    altura se ensinasse no fosse o que hoje se entende por Matemtica, era nela que cabia

  • Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?

    4

    aquilo que havia para se ensinar. Vergani (1993) defende tambm esta ideia afirmando

    que os gregos distinguiam diferentes tipos de realidades, entre os quais se contam:

    ta physica, na qual as coisas surgem a partir de si prprias, ta pragmata, na qual as coisas so aplicadas ou transformadas pelo homem, e ta mathmata, que inclui as coisas na medida em que podem ser aprendidas (p.165).

    Da citao desta autora sobressai uma concepo da Matemtica enquanto um

    conjunto de conhecimentos que resultam de uma aprendizagem. Esta perspectiva, de

    uma aprendizagem matemtica associada mera aquisio de contedos, conduziu a

    concepes erradas sobre esta rea do saber e ideia de uma disciplina curricular

    difcil de compreender, de aprender, de dominar, sendo, por isso, s acessvel a alguns.

    No entanto, a Matemtica utilizada, actualmente nas mais variadas actividades

    humanas: na cincia, na economia, na mecnica, nas finanas, na engenharia, na

    medicina, etc. A competncia matemtica preconizada no CNEB perspectiva

    promover o desenvolvimento integrado de conhecimentos, capacidades e atitudes e no de adicionar capacidade de resoluo de problemas, raciocnio e comunicao e atitudes favorveis actividade matemtica a um currculo baseado em conhecimentos isolados e tcnica de clculo. Ao mesmo tempo, destaca-se a compreenso de aspectos fundamentais da natureza e do papel da matemtica e d-se uma ateno explcita ao desenvolvimento das concepes dos alunos sobre esta cincia. (p.58)

    A par deste estigma de que a Matemtica tem sido alvo ao longo dos tempos, o

    insucesso nesta disciplina curricular tambm no tem contribudo para uma viso mais

    positiva da Matemtica por parte dos alunos e da sociedade em geral. Em Portugal, os

    maus resultados nacionais (provas de aferio, 2003) e internacionais (PISA2 2003,

    TIMSS3 1995) enfatizam esta problemtica, indicando o seu foco de incidncia dessa

    problemtica e apontando directrizes para a sua resoluo. Todavia, at hoje, as

    repercusses destes estudos ainda no se reflectiram eficazmente em resultados

    positivos ou em indicadores que apontem nessa direco, apesar das iniciativas

    recentes tomadas pelo Ministrio da Educao. Neste quadro destacam-se, por um

    lado, o Programa de Formao de Professores no mbito da Matemtica e, por outro,

    o Plano de Aco para a Matemtica.

    2 Project for International Student Assessment. 3 Trends in International Mathematics and Science Study.

  • captulo 1 Apresentao e contextualizao do estudo

    5

    Outro aspecto que tambm contribui para uma viso negativa da Matemtica

    relaciona-se com a concepo tradicionalista que a sociedade ainda possui a seu

    respeito, ao aceitar o insucesso nesta rea disciplinar como uma quase inevitabilidade,

    fruto de uma seleco natural ao nvel cognitivo. Guzmn (1993) defende que

    necessrio romper a ideia preconcebida e fortemente arraigada na nossa sociedade,

    proveniente provavelmente de bloqueios iniciais na infncia, de que a Matemtica

    necessariamente aborrecida, intil, inumana e muito difcil. At mesmo muitas pessoas

    com algum relevo social que confessam, sem problemas, a sua ignorncia em relao

    Matemtica mais elementar ou os seus insucessos na disciplina enquanto alunos.

    Os alunos tanto dos ensinos bsico como do secundrio tm vindo a obter

    resultados bastante insatisfatrios tanto em estudos internacionais (TIMSS em 1995 e

    PISA em 2003) como nacionais (provas de aferio de 2004). Os estudos

    internacionais que apontam para a valorizao da literacia em Matemtica e em Lngua

    Materna mostram bem a relevncia dada a estas duas reas (OCDE, 2005a). Apesar

    disso, os resultados nacionais e os estudos internacionais realizados no mbito da

    Matemtica tm mostrado que o sucesso nesta rea curricular ainda tendencialmente

    negativo. O relatrio final do PISA (OCDE, 2005a) refere que os alunos portugueses

    tm apresentado melhores nveis de desempenho nas competncias de conhecimentos

    de conceitos e procedimentos e de raciocnio. Por seu lado, no mbito da resoluo

    de problemas e de comunicao, menos de metade dos alunos atingiu o mximo

    desempenho. Numa leitura horizontal dos resultados, que relaciona e compara os

    desempenhos obtidos por reas temticas em cada tipo de competncia, verifica-se

    que os melhores resultados foram obtidos nas interseces da competncia

    conhecimento de conceitos e procedimentos com os domnios de lgebra e funes

    e estatstica e probabilidades, respectivamente 65% e 64%. Quanto comunicao,

    mais de metade dos alunos (53%) emitiu respostas classificadas no nvel zero de

    cotao no nico item relacionado com o domnio da Geometria e Medida. Estes

    resultados permitem tirar a elao de que estes temas no so abordados nas aulas de

    Matemtica, pelo menos com a frequncia, a importncia ou a abordagem que seria

    desejvel para que, pelo menos, os resultados demonstrassem um melhor domnio em

    actividades nos referidos temas. Podemos pensar que os exerccios rotineiros e com

    grande peso procedimental assumem maior importncia nas nossas aulas de

  • Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?

    6

    Matemtica e que pouco se exploram actividades que necessitam que se recorra a

    competncias que impliquem a argumentao e o raciocnio.

    frequente ouvir-se, especialmente em relao a alunos com mau

    aproveitamento escolar, a expresso como podero ter sucesso em Matemtica se

    nem Portugus sabem?. Est bem expressa nesta assero a convico de que para se

    ser bom aluno a Matemtica tem-se, pelo menos, de compreender a Lngua Materna.

    Por outras palavras, como podero os alunos responder as questes no mbito da

    Matemtica se nem sequer ler (extrair sentido) sabem? Sim-Sim (1997) relata que a

    proficincia lingustica condicionante do sucesso educativo e que cabe escola

    fomentar esse mesmo sucesso. O ensino da Lngua assume, portanto, um papel central

    no processo de ensino e aprendizagem, na medida em que ela transversal a todo o

    currculo escolar.

    1.2 Objectivo e Questes de Investigao

    Nesta investigao pretendi compreender em que medida a comunicao escrita

    contribui para o desenvolvimento de competncias matemticas em alunos do 1 CEB ao

    realizarem tarefas que envolvem raciocnio matemtico. Procurei responder s questes:

    (a) Que tipo comunicao escrita usam os alunos ao resolverem tarefas que envolvem

    raciocnio matemtico, para cuja resoluo nem sempre necessrio recorrer matemtica

    convencional? e (b) De que modo essa comunicao escrita usada pelos alunos reflecte a sua

    compreenso matemtica das tarefas?. O estudo que me propus fazer uma perspectiva

    que se insere num conjunto de outros estudos sobre este tema das relaes possveis

    entre a Matemtica e a Lngua Portuguesa. Um desses estudos4 (S, 2000) levanta uma

    questo em aberto sugerindo uma explorao do encontro/confronto de linguagens, a

    Lngua Materna e a linguagem matemtica (p.183) com o objectivo de conhecer como

    elas podem influenciar a compreenso e motivao matemticas de alunos do 1 CEB

    e do pr-escolar (idem).

    Partindo do princpio de que a Matemtica e a escrita esto intimamente ligadas

    e que s se aprende Matemtica e Portugus nesse contacto ntimo com a escrita,

    tenha ela o suporte material que tiver (Pombo, 2003, p.12), optei por restringir o

    objecto do meu estudo emprico escrita, no levando em considerao a oralidade.

    4Exemplos desses estudos so os de Menezes (1995), de Correia (1995), de S (2000), de Moreira (2002) e de Veia (1996).

  • captulo 1 Apresentao e contextualizao do estudo

    7

    O processo de escrita exige um trabalho consciente porque esta relaciona-se

    com a fala interior (Vygotsky, 2003). O autor refere-se a este termo para o distinguir

    da fala oral. Segundo ele, a escrita provoca um dilogo interior no qual tem de haver

    uma traduo desse mesmo dilogo (fala interior) em palavras escritas. Nesta medida,

    a fala interior mais completa do que a fala oral. O desafio est em representar por

    escrito e de forma compreensvel aquilo que gerou esse processo interior. Isto vai ao

    encontro do que Barbeiro (1999) afirma acerca das implicaes que o processo de

    escrita tem no raciocnio que provoca.

    Pelo objectivo que defini para o estudo emprico incluir o conceito de

    competncia, consultei literatura relacionada com este assunto, nomeadamente o

    CNEB. Como um conceito que levanta ainda algumas dvidas e alguma polmica,

    considerei pertinente dedicar um captulo anlise deste documento oficial do

    Ministrio da Educao, no que respeita Matemtica e Lngua Portuguesa por serem

    as disciplinas envolvidas neste trabalho.

    Nesta anlise tive como finalidade responder s questes: (a) Que semelhanas e

    diferenas existem nas organizaes das partes da Matemtica e da Lngua Portuguesa no

    CNEB? e (b) A que conceitos feita referncia quando se fala de competncias no CNEB, nas

    partes da Matemtica e da Lngua?.

    1.3 Estrutura do Trabalho Escrito

    Este trabalho escrito composto por sete captulos.

    No captulo 1 Apresentao e contextualizao do estudo, apresento os

    pressupostos deste estudo que so os actos de aprender e de ensinar, a comunicao

    e a matemtica e os insucessos dos alunos disciplina. Apresento o objectivo e as

    questes de investigao e finalizo com a explicao da estrutura do trabalho escrito

    final.

    No captulo 2 Literaci(s), Competncias e a Matemtica no 1 CEB discuto os

    conceitos de literacia e de competncia segundo as perspectivas de diferentes autores,

    para alm do lugar da Matemtica e da Lngua Portuguesa e da sua transversalidade da

    Lngua Portuguesa no 1 CEB. No captulo 3 A Comunicao e a Comunicao (em)

    Matemtica abordo a comunicao em sentido lato, a comunicao em matemtica, e

    a leitura e a escrita. Dentro do ponto da escrita contraponho a escrita em Lngua

  • Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?

    8

    Portuguesa com a escrita em Matemtica, dando especial destaque ao uso de smbolos

    matemticos.

    No captulo 4 Metodologia do estudo refiro as opes metodolgicas que

    tomei, descrevo a professora, a turma, os alunos-participantes e as suas relaes coma

    Matemtica e a Lngua portuguesa. Explico o processo de recolha e de anlise dos

    dados, tanto no trabalho de campo como na anlise do CNEB. No captulo 5 As

    Tarefas e os Resultados apresento as resolues das tarefas dos alunos-participantes,

    agrupadas pelas diferentes sesses de trabalho em que decorreram e finalizo com uma

    anlise comparativa onde consta o sumo das anlises de todas as resolues das tarefas

    dos alunos. No captulo 6 Anlise do CNEB no que concerne Matemtica e Lngua

    Portuguesa analiso e comparo as estruturas do CNEB nas disciplinas referidas, bem

    como os conceitos.

    No captulo 7 Reflexes Finais incluo possveis respostas s quatro questes

    de investigao e pergunta que constitui o ttulo deste trabalho escrito final.

  • captulo 2 Literacia(s), Competncias e a Matemtica e a Lngua Portuguesa

    9

    CAPTULO 2 LITERACIA(S), COMPETNCIAS E

    A MATEMTICA E A LNGUA PORTUGUESA NO 1 CEB

    Introduo

    Relativamente ao insucesso em Matemtica, muitas razes podem ser

    apontadas para justificarem tal facto. Abrantes, Serrazina e Oliveira (1999) referem-se

    que os alunos do um sentido aos termos e aos conceitos que pode ser muito

    diferente daquele que o professor lhes atribui (p.24). Aqui esboa-se uma possvel

    razo para o insucesso na disciplina, na medida em que a comunicao poder ser um

    factor determinante na construo do conhecimento matemtico dos alunos. Em

    muitos casos, a incompreenso de certos conceitos e procedimentos especficos da

    Matemtica poder ficar a dever-se a questes relacionadas com a Lngua Portuguesa e

    a linguagem usada. Dos estudos realizados sobre as relaes entre a linguagem e a

    Matemtica, destaca-se os de Pimm (1987). Este autor focou a sua investigao naquilo

    a que denominou de registo matemtico. Outros autores tm desenvolvido

    investigaes nesta mesma linha, tais como Durkin e Shire (1991), Bicudo e Garnica

    (2003) e Lee (2006). Abrantes, Serrazina e Oliveira (1999) afirmam que um aluno

    dever ser capaz de comunicar matematicamente, tanto por escrito como oralmente,

    desenvolvendo a aptido para discutir com os outros e comunicar ideias matemticas

    atravs do uso de uma linguagem escrita e oral.

    A necessidade de estreitar as relaes entre as disciplinas de Matemtica e

    Lngua Portuguesa derivam de entre vrias razes, de uma que est bem evidenciada na

    expresso entender a estrutura dum problema (Abrantes, Serrazina & Oliveira,

    1999, p.41). Dela pode-se interpretar que da anlise do enunciado de um problema e

    da compreenso da situao em que ele se enquadra, podero resultar melhores

    aprendizagens em Matemtica. Moreira (2002), no seu artigo Educao matemtica e

    comunicao: Uma abordagem no 1 ciclo levanta uma questo que segue esta linha: No

    ser que o escrever nas aulas de matemtica ao proporcionar mais familiarizao com

    a escrita no ajudar tambm o portugus a um nvel mais geral? (p. 44).

    No presente captulo discuto o conceito de literacia(s) e de competncia(s)

    segundo vrios autores e abordo a Matemtica e a Lngua Portuguesa e os seus papis

    no 1 CEB.

  • Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?

    10

    2.1 Literacia(s)

    A literacia no mais definida como referncia capacidade de ler, mas sim capacidade de um adulto

    utilizar a informao escrita para agir em sociedade.

    (Em Moura, H. (org.) (2005). Dilogos com a Literacia. Lisboa: Lisboa Editora, p.24)

    Ler, escrever e contar eram tradicionalmente consideradas como as

    aprendizagens necessrias e suficientes a serem veiculadas pela escola. Por isso, a sua

    frequncia era razo suficiente para a aquisio de tais aprendizagens, justamente

    porque esse constitua o seu objectivo fundamental. O no-domnio dessas capacidades

    designava-se por analfabetismo. Sim-Sim (2004) explica que a UNESCO define

    analfabetismo adulto como a incapacidade para ler e escrever um pequeno texto sobre

    qualquer tema da vida quotidiana.

    A evoluo das sociedades e o surgimento de novas formas de comunicao

    como por exemplo atravs as tecnologias de informao e comunicao

    (computadores, Internet, ) trouxeram novas necessidades inerentes evoluo das

    sociedades. O papel de transmisso e reproduo de procedimentos na escola

    tradicional tornou-se obsoleto. Saber ler, escrever e contar, no deixou de ser

    necessrio mas passou a no ser suficiente. Desta forma, o conceito de alfabetizao

    foi alargado e substitudo por outro de maior abrangncia, o de literacia, cujos

    objectivos surgiram com a obrigatoriedade da escolarizao (Sim-Sim, 2004).

    Abrantes, Serrazina e Oliveira (1999) afirmam a primazia sobre o uso efectivo

    das competncias necessrias realizao de uma nova tarefa e no tanto na sua

    obteno, recorrendo-se, com isso, a um novo conceito, o de literacia.

    Em 1996 foi elaborado o Estudo Nacional de Literacia com o objectivo de

    conhecer a situao nacional quanto s competncias de literacia da populao

    residente em Portugal com idades compreendidas entre os 15 e os 64 anos. Nele fez-

    -se a distino conceptual entre alfabetizao e literacia.

    Se o conceito de alfabetizao traduz o acto de ensinar e de aprender (a leitura, a escrita e o clculo), um novo conceito a literacia traduz a capacidade de usar competncias (ensinadas e aprendidas) de leitura, de escrita e de clculo. Tal capacidade de uso escapa, assim, a categorizaes dicotmicas, como sejam analfabeto e alfabetizado. Pretende-se, com aquele novo conceito, dar conta da posio de cada pessoa num contnuum de competncias que tem a ver, tambm, com exigncias

  • captulo 2 Literacia(s), Competncias e a Matemtica e a Lngua Portuguesa

    11

    sociais, profissionais e pessoais com que cada um se confronta na sua vida corrente. (Benavente, 1996, p.4) Este novo conceito face ao de alfabetizao prope um papel mais activo e

    participativo do aluno/cidado.

    Moura (2005) explica que a noo de alfabetizao incide no desenvolvimento

    de competncias de leitura, escrita e clculo, enquanto que a literacia incide no uso

    daquelas competncias, presumivelmente adquiridas. Para esta autora a literacia no

    representa apenas um fenmeno de no conhecimento da leitura e da escrita, mas uma

    dificuldade de organizao mental e de criao dum pensamento coerente e

    estruturado expresso em palavras claras, em gestos ajustados, que condicione um

    ritmo gil e complexo do entendimento.

    Mota (em Moura, 2005) define literacia como sendo uma capacidade de uso de

    competncias. Esta capacidade no pode ser encarada como obtida num determinado

    momento e que vlida a partir da. Alves (em Moura, 2005) afirma que a literacia

    um processo, e no um estado. Segundo o autor, corremos atrs da literacia. O sinal

    do literato a percepo do muito que se tem de aprender. Estes dois ltimos autores

    realam o aspecto inacabado e contnuo que caracteriza a literacia.

    Sim-Sim (2004) reflecte igualmente sobre o aspecto da constante construo

    que caracteriza a literacia como uma exigncia das sociedades actuais. Segundo esta

    autora a questo do papel activo do leitor tambm um factor preponderante, na

    medida em que ler aceder ao conhecimento atravs da reconstruo da informao

    contida num texto. O leitor construtor de significado, acedendo criticamente ao

    conhecimento.

    No estudo apresentado pela OCDE, Measuring Students Knowledge and Skills

    (1999), citado por Tiana e Rychen (2005), definem-se trs domnios de literacia: (1)

    literacia na leitura que consiste na compreenso, uso e reflexo sobre textos escritos,

    de forma a atingir os objectivos individuais, desenvolver conhecimento e potencial e

    participar na sociedade (p.88); (2) literacia matemtica que compreende a

    identificao, compreenso e motivao para a matemtica e realizao de juzos bem

    fundamentados acerca do papel que a matemtica desempenha, tal como necessria

    na vida presente e futura do indivduo, enquanto cidado construtivo, preocupado e

    consciencioso (p.88) e (3) a literacia cientfica que contempla a capacidade para usar

    o conhecimento, identificar questes e elaborar concluses baseadas em factos, de

  • Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?

    12

    forma a compreender e ajudar a tomar decises acertadas do mundo natural e das

    mudanas nele operadas atravs da actividade humana (p.88).

    Comparativamente a estes domnios definidos pela OCDE (2005b), Carneiro

    (em Moura, 2005) considera um ncleo de competncias para a literacia: ncleo

    fundamental de saberes e de competncias constitutivos de uma nova literacia para

    todos. O autor no se cinge Lngua Materna, Matemtica e s Cincias, mas abarca

    no conceito de literacia domnios como o de uma Lngua Estrangeira, o das Artes e o

    das Tecnologias. Com isto, o autor defende que para se adquirir o desenvolvimento

    pleno da literacia h que ter em conta aspectos relacionados com os domnios

    referidos. Trata-se de um conceito em que se englobam diferentes reas do

    conhecimento.

    Na perspectiva de Alves (em Moura, 2005), a literacia inclui saber ler, escrever,

    falar e tambm saber aritmtica.

    Para funcionar bem [a literacia] no primeiro nvel, elementar, sinto que preciso antes de tudo de proficincia em portugus. Preciso de o saber ler mas, sobretudo, de o saber interpretar; preciso de o saber escrever mas, sobretudo de me saber exprimir. Depois, necessito de conhecimentos bsicos de matemtica: contar, naturalmente, mas tambm alguma aritmtica, incluindo fraces, percentagens. (p.16)

    notrio nesta ideia de uma hierarquizao das diferentes literacias. Primeiro,

    referida a proficincia em Portugus e s depois os conhecimentos em Matemtica.

    O pensamento deste investigador vai no sentido de uma condio necessria para se

    ser literato em Matemtica que consiste em ser-se literato em Lngua Portuguesa.

    Pelo exposto, o conceito de literacia tem uma amplitude tal que mais preciso se

    torna referirmo-nos a literacias: em Lngua, em Artes, em Cincias e em Matemtica. A

    interdisciplinaridade poder ser uma forma de permitir, em contexto escolar, o

    alargamento dos horizontes das crianas e consequentemente cultivar o

    desenvolvimento da(s) literacia(s), to importante para um cidado crtico e

    participativo.

    Os projectos internacionais de avaliao de competncias desenvolvidos pela

    OCDE, tal como o PISA, surgiram com a necessidade de desenvolver indicadores de

    resultados comparveis no domnio da educao. As competncias avaliadas nesse

    projecto esto relacionadas com a rea da Lngua Materna (literacia em leitura), com a

  • captulo 2 Literacia(s), Competncias e a Matemtica e a Lngua Portuguesa

    13

    da Matemtica (literacia matemtica) e com a rea cientfica (literacia cientfica). Esta

    escolha deve-se ao facto destas reas serem vistas como cruciais para o sucesso da

    economia e das sociedades actuais.

    Thompson (2003) e Jablonka (2003) clarificam o conceito de literacia

    matemtica. Para Thompson a capacidade de processar, comunicar e interpretar

    informao numrica. J Jablonka apresenta uma definio abrangente que pode ser

    vista como o uso de capacidades bsicas de clculo e de domnio da geometria, o

    conhecimento e compreenso de noes fundamentais matemticas, a capacidade de

    desenvolver modelos matemticos ou a capacidade de compreender e avaliar o uso

    dos nmeros e de modelos matemticos por terceiros. Nesta definio de literacia

    matemtica, Jablonka no s se cinge ao domnio individual de conhecimentos e

    conceitos fundamentais da Matemtica, como tambm tem em linha de conta o

    aspecto comunicacional e interpessoal. Lee (2006) faz igualmente referncia ao aspecto

    comunicativo na sua definio de literacia.

    Literacy is about being able to communicate your ideas clearly to other people and to understand what other people are trying to communicate to you. Therefore, learning to express your mathematical ideas, whether orally or in writing, is improving your literacy in mathematics. (p.78)

    O relatrio do National Research Council of the National Academies by the Learning

    Study Committee, referido por Jablonka (2003), distingue literacia matemtica de

    proficincia em Matemtica. Segundo aquele relatrio, proficincia matemtica um

    conceito mais estrito do que o de literacia matemtica. Ele relaciona-se com aspectos

    mais especficos da disciplina sem que haja uma preocupao com outros como sejam a

    comunicao, o contexto da situao ou a cultura envolvida. A literacia matemtica

    inclui a compreenso de conceitos matemticos, das operaes e das relaes e dos

    procedimentos.

    O sentido de nmero relaciona-se com o conceito de literacia matemtica,

    embora tenha uma amplitude menos abarcante. Para Serrazina (2002) o sentido de

    nmero consiste numa compreenso global do nmero e das operaes associada

    capacidade de usar essa compreenso de forma flexvel que permita fazer julgamentos

    matemticos e desenvolver estratgias teis de manipulao dos nmeros e operaes.

    Na escrita em Matemtica existe concretamente o uso de smbolos prprios,

    podendo estes serem alvo de dificuldades para os alunos na aquisio do sentido de

  • Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?

    14

    nmero. A compreenso desses smbolos ser pois uma vantagem para essa

    competncia. Fey e Arcavi, citados por Jablonka (2003), designam-no de symbol

    sense.

    Symbol sense includes being comfortable in using and interpreting algebraic expressions, an ability that relies upon generating numeric, graphic or computer representations of algebraic expression. (p. 76)

    O que se infere na estratgia symbol sense a ideia de um intrumento-chave

    essencial. Est directamente relacionado com a simbolizao de conceitos

    matemticos, e a Matemtica tem uma relao estreita com a escrita. Dominar de

    forma compreensiva a simbologia matemtica facilitador do acesso ao sentido de

    nmero e consequentemente literacia matemtica.

    Contudo, cabe ao professor um desempenho importante no desenvolvimento

    da literacia matemtica dos seus alunos. Um dos aspectos a ter em linha de conta o

    facto de dar a entender mediante uma variedade de abordagens, que a Matemtica no

    aquela ilha do saber desgarrada das outras reas, a disciplina em que se bom ou se

    mau e nada ser possvel fazer para mudar este cenrio. Thompson (2003) faz aluso a

    algumas abordagens que podero estar na base desse objectivo. Na obra que

    coordenou, constatou que muitos dos bons professores eram sensveis relao de

    diferentes contedos da Matemtica. Exemplos dalgumas dessas relaes so as

    conexes que os professores faziam entre diferentes aspectos da Matemtica (adio e

    subtraco, por exemplo), conexes entre diferentes representaes da Matemtica

    (smbolos, palavras, diagramas, ) e conexes com os mtodos dos alunos.

    Pode, pois, considerar-se, por um lado, que o desenvolvimento da literacia

    um objectivo central da escola de hoje e que, por outro, o despertar e a promoo da

    comunicao sobre o que e como se aprende basilar para o cidado do mundo global

    do sculo XXI. Ao professor compete proporcionar aos alunos experincias

    matemticas que lhes permitam criar o gosto e descobrir o prazer por aprenderem de

    forma reflexiva e crtica, de modo a tornarem-se cidados matematicamente

    competentes.

  • captulo 2 Literacia(s), Competncias e a Matemtica e a Lngua Portuguesa

    15

    2.2 Competncias

    -se competente sobre alguma coisa, e mostra-se essa competncia exercendo-a forosamente num

    ou em vrios campos do conhecimento.

    (Em Roldo, (2003). Gesto do Currculo e Avaliao de Competncias as questes dos professores. Lisboa: Editorial Presena, p.53)

    Muito se tem falado de escola nos ltimos anos, quer seja sobre questes

    relacionadas com o seu funcionamento quer seja sobre questes que se enlaam com a

    sua funo. A definio da escolaridade obrigatria advm do valor inestimvel que a

    escola tem no desenvolvimento das sociedades. Como tal a passagem pela escola no

    deve ser v. A frequncia da escola deve marcar-se por um papel activo na construo

    do ser.

    Primeiramente, era pedido escola que fosse basicamente um local de

    transmisso de conhecimentos factuais aos alunos. As aprendizagens processavam-se,

    assim, segundo uma lgica linear em que o professor ensinava e os alunos reproduziam

    os conhecimentos aprendidos por memorizao. A este respeito, Roldo (2000),

    citada por Valadares (2002), refere que a escola de hoje se diferencia da sua antiga

    misso de divulgar a informao, tendo passado para uma funo que visa o

    desenvolvimento de competncias, de organizao do conhecimento, de processos de

    construir conhecimento, de converso da informao em saber til (p.18). Esta

    mudana deveu-se a transformaes poltico-econmico-sociais e ao desenvolvimento

    de formas de acesso informao. Assim, escola cabe o papel de instituio

    formadora, educadora e transformadora. Esta ltima funo procura que cada aluno

    reflicta e decida sobre as suas opes de vida. Neste sentido, a escola a voz e a aco

    duma consciencializao social composta de diferenas que tm de aprender a

    (con)viver com diversas caractersticas individuais. Na escola aprende-se a descobrir e

    a respeitar as potencialidades, as capacidades e as dificuldades de cada um.

    As aprendizagens que se fazem na escola no resultam da mera repetio e da

    memorizao sem compreenso. A relativa facilidade com que copiamos ou

    reproduzimos oralmente palavras duma lngua estrangeira que desconhecemos, sem

    conhecimento do que significam, exemplifica como a repetio/reproduo per se no

    sinnimo de compreenso. Como afirma Antunes (2001) aprender no estucar

  • Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?

    16

    informao, mas transformar-se, reestruturando passo a passo o sistema de

    compreenso do mundo (p.22).

    O CNEB (2001) e o Programa Oficial do 1 CEB (1990/1998) so dois

    documentos oficiais que norteiam o processo educativo, embora alguma confuso

    tenha surgido em torno dos seus princpios.

    Roldo (2003) define currculo como o conjunto de aprendizagens que se

    consideram socialmente necessrias num dado tempo e contexto e que cabe escola

    garantir e organizar. A autora clarifica que para um dado currculo foroso conceber

    um programa e que este representa um plano de aco, isto , um meio para alcanar

    os fins pretendidos seguindo uma linha e uma sequncia, previamente determinadas.

    Para alm disso distingue programa de currculo, afirmando que o programa um

    auxiliar da aco, e que um programa no se cumpre, o que tem de ser cumprido o

    currculo, a aprendizagem para cuja consecuo ele foi originado.

    Ao falar-se de programa e currculo, ter-se- inevitavelmente de fazer uma

    abordagem s correntes pedaggicas, particularmente ao modelo de ensino expositivo,

    behaviorista e construtivista por melhor evidenciarem os diferentes relacionamentos

    professor aluno em contexto de sala de aula.

    Barreira (2004) esclarece que no modelo expositivo a centralidade dada aos

    contedos e o que se pretende ensinar determinante nas orientaes pedaggicas.

    Neste modelo, todos os alunos tm de aprender o mesmo, independentemente das

    suas caractersticas pessoais. Ao professor, como detentor do saber, cabe o papel de

    transmissor de conhecimentos. Este paradigma, assenta na memorizao, na erudio,

    no dogmatismo e na quase ausncia de interaco entre professor e aluno(s).

    Na dcada de setenta surge a corrente da pedagogia por objectivos que se

    caracteriza pela importncia central atribuda quilo que cada aluno teria de alcanar:

    os objectivos. Esta corrente pedaggica assenta na ideia de uma aula muito bem

    estruturada e planificada, desde os objectivos gerais at aos comportamentais. luz

    deste modelo, os objectivos so verificados pelo professor e provam a aprendizagem

    feita pelo aluno. Apoiada no behaviorismo, a pedagogia por objectivos considera o

    comportamento como o resultado da resposta a um estmulo (Barreira, 2004, p.11).

    O processo de ensino e de aprendizagem, inerente a este modelo, vem mostrar que

    nem todos os objectivos podem ser explicitados e que a mecanizao de

    comportamentos no corresponde a uma efectiva aprendizagem. Assim, por meio da

  • captulo 2 Literacia(s), Competncias e a Matemtica e a Lngua Portuguesa

    17

    verificao pelo professor de um determinado comportamento do aluno no

    corresponde uma garantia de que a compreenso se tenha efectivado.

    Tiana e Rychen (2005) afirmam que o termo comportamento traz a ideia do

    conceito de aprendizagem fechado e at mesmo mecnico, que procura definir aquilo

    que os alunos devem aprender e a forma como devem reagir ou reproduzir

    comportamentos especficos. Contrariamente, uma competncia enfatiza o processo

    de construo de significados que permite o desenvolvimento dos alunos.

    Por seu turno, o modelo construtivista defende a ideia de que cada indivduo

    construtor do seu prprio conhecimento e a aprendizagem s se efectua quando ela faz

    sentido para quem aprende. Autores como Glaserfeld (1987), Lee (2006) e Thompson

    (2003) explicitam que a aprendizagem tem lugar quando os alunos conscientemente

    reorganizam o seu pensamento e o adaptam a novas experincias. Thompson (2003),

    referindo-se s aprendizagens em Matemtica, afirma que numa perspectiva

    construtivista ensinar Matemtica baseia-se no dilogo entre professor e aluno(s) para

    que o professor melhor compreenda os pensamentos do(s) aluno(s) e para que eles

    acedam ao conhecimento matemtico do professor. Neste modelo pedaggico, o uso

    da palavra, escrita ou falada, por parte dos alunos e dos professores , pois, um

    aspecto central. As teorias socio-culturais colocam a Lngua no centro da

    aprendizagem, pois ela o principal mediador das interaces sociais (Lee, 2006).

    O termo competncia surge na dcada de noventa do sculo passado e, at

    hoje, o seu conceito mantm diferentes interpretaes no consensuais. Inicialmente

    foi utilizado na lingustica por Chomsky, tendo-se estendido psicologia, sociologia e

    s cincias do trabalho (Barreira, 2004). A prpria OCDE (2005b) fundamenta a

    necessidade da pedagogia das competncias como consequncia das mudanas que tm

    vindo a ocorrer a nvel global. Para que o mundo funcione e faa sentido, os indivduos

    precisam de dominar as tecnologias e gerir a vasta informao a que tm acesso. Tero

    tambm de funcionar no colectivo, como sociedade da qual fazem parte equilibrando o

    desenvolvimento econmico com a sustentabilidade ambiental e promovendo a

    equidade social. Assim, para o alcance de tais objectivos, a OCDE (2005b) considera

    que as competncias necessrias se tornem obrigatoriamente mais complexas,

    requerendo mais do que simples capacidades/destrezas5.

    5 skills, no original em ingls (p.4)

  • Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?

    18

    As competncias surgiram ento como resposta necessidade de um novo

    paradigma pedaggico que desse nfase a uma cultura de sala de aula mais motivadora,

    interessante, eficaz e no redutora, como na pedagogia por objectivos. Tiana e Rychen

    (2005) argumentam que a necessidade de adaptao a novos ambientes se traduz em

    novos conceitos, designados por competncias. Este conceito contrape-se s rotinas

    e procedimentos, fazendo apelo a uma adaptao constante mudana.

    A partir do aparecimento do termo competncia, vrias definies foram sendo

    propostas por diferentes investigadores como Le Boterf (2004) e Perrenoud (2003).

    Existem, contudo alguns elementos comuns nessas diferentes definies. Uma das

    similaridades consiste na associao de uma competncia a um contexto e sua

    composio em ts componentes: saberes, capacidades e situaes-problema.

    Barreira (2004) considera que na pedagogia das competncias, os saberes no

    constituem um fim em si mesmo mas um meio, sucedendo o mesmo com o

    desenvolvimento das capacidades. Este autor adverte que no domnio das

    competncias, o objectivo final no est nos saberes nem nas capacidades, mas na

    resoluo de um problema em contexto. Assim, na pedagogia das competncias, a

    situao-problema ocupa um papel crucial. Para o desenvolvimento de competncias

    deve-se recorrer a diversas actividades de aprendizagem: actividades de explorao,

    actividades de aprendizagem por resoluo de problemas, actividades de aprendizagem

    sistemtica, de estruturao, de integrao e de avaliao.

    Com o aparecimento das competncias no campo educacional, muitas tm sido

    as dvidas levantadas quanto s suas relaes com as inteligncias (Gardner, 1995),

    com as aptides, com as predisposies, com as capacidades, com os objectivos e com

    os contedos.

    Quanto importncia da(s) inteligncia(s) que atribuda na pedagogia das

    competncias, Antunes (2001) faz recurso a uma metfora que facilmente clarifica a

    relao entre elas. As competncias so a pedra que amola as inteligncias como se

    esta de uma faca se tratasse (p.19). Pode-se extrapolar a partir desta afirmao, que,

    segundo este autor, as inteligncias no so estticas, imutveis como que pr-definidas

    e permanecendo inalterveis ao longo de toda a vida. De facto, e de acordo com o

    autor referido, as inteligncias podero ser estimuladas e aguadas, por via do

    desenvolvimento de competncias.

  • captulo 2 Literacia(s), Competncias e a Matemtica e a Lngua Portuguesa

    19

    O conceito de aptido surge como um dos mais prximos do de competncia.

    A aptido est relacionada com o acto de se ser capaz de executar uma determinada

    tarefa. Apresenta-se com um certo estatismo e sem grande exigncia para quem a

    desempenha para alm de ter de a desempenhar bem. Digamos que para se estar apto

    para desempenhar uma determinada funo no necessrio ter um conhecimento

    profundo e reflexivo sobre ela nem sobre o prprio acto necessrio sua

    concretizao.

    importante que os termos competncia e aptido no foram utilizados como sinnimos. O termo aptido foi utilizado para designar a capacidade de desempenhar uma determinada motricidade complexa e/ou actos cognitivos com facilidade e preciso, bem como a capacidade de adaptao mudana, enquanto que o termo competncia designou, essencialmente, um sistema de aco complexo que por seu turno, envolve aptides cognitivas, atitudes e outras componentes no cognitivas. (Tiana & Rychen, 2005, p.34)

    Barreira (2004) distingue as capacidades em cognitivas, scio-afectivas, gestuais

    e refere que elas actuam sobre os contedos e se manifestam atravs de saberes-fazer,

    saberes-ser e saberes-tornar-se. Acrescenta ainda que, geralmente, as capacidades so

    transmissveis, o que significa que podem ser mobilizadas em diversas reas

    disciplinares, que vo evoluindo e transformando-se com o tempo. As capacidades

    actuam sobre os contedos.

    Na obra Desenvolver competncias-chave em educao, de Tiana e Rychen (2005),

    curioso verificar que todas as competncias-chave so designadas de capacidades em

    todas as suas categorias. Na categoria agir autonomamente as competncias-chave

    so: as capacidades de defender direitos, planificar a vida e agir dentro dum cenrio.

    Na categoria utilizar ferramentas interactivamente, as competncias-chave so: todas

    as capacidades de utilizar algo fsico, como por exemplo o computador, ou abstracto,

    como o uso de smbolos. Por fim, na categoria funcionar em grupos socialmente

    heterogneos, as competncias-chave so capacidades de cooperar, gerir e resolver

    conflitos e relacionar-se com os outros.

    Perrenoud (2003) estabelece uma distino entre competncia e capacidade

    baseada numa questo intelectual, distino idntica entre competncia e aptido, sem

    no entanto no deixar de assumir que ambas tm em comum um carcter prtico, o

    que faz suscitar algumas dvidas entre estes dois conceitos. Este autor afirma que o

  • Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?

    20

    uso habituou-nos a falar de saber-fazer para designar as capacidades concretas,

    enquanto que a noo de competncia parece mais ampla e mais intelectual.

    Uma das comparaes mais polmicas, e referida no CNEB a da competncia

    com a predisposio. No Dicionrio da Lngua Portuguesa Contempornea, da Academia

    das Cincias de Lisboa (2000), a palavra predisposio definida de trs modos

    diferentes. O que mais se adequa ao contexto educativo o de aptido, tendncia ou

    vocao natural para qualquer coisa (p.2937). Desta definio, extrai-se que o que

    existe de comum entre uma predisposio e uma competncia o facto de ambas se

    centrarem no indivduo. Nessa medida, uma predisposio poder facilitar o

    desenvolvimento duma competncia, apesar de no ser uma condio necessria.

    Ainda segundo a definio no mesmo dicionrio, uma predisposio algo com que

    se nasce (p.2937). Contudo, Abrantes (CNEB, 2001) considera que o conceito de

    predisposio nada tem a ver com inatismo. Pelo contrrio, o autor refere-se a esse

    termo como sendo uma potencialidade inerente a cada indivduo que, atravs de uma

    abordagem pedaggica baseada no desenvolvimento de competncias, permite o seu

    desencadeamento e o seu aperfeioamento. Sobre esta matria pode ler-se no CNEB

    (2001) que

    luz destas consideraes [objectivos na aprendizagem da Matemtica s poderem ser atingidos se os alunos tiverem oportunidade de viver experincias adequadas e significativas] que devem ser entendidos os termos usados para caracterizar a competncia matemtica. A "predisposio" (para procurar regularidades ou para fazer e testar conjecturas), a "aptido" (para comunicar ideias matemticas ou para analisar os erros cometidos e ensaiar estratgias alternativas) ou a "tendncia" (para procurar ver a estrutura abstracta subjacente a uma situao) so componentes nucleares de uma cultura matemtica bsica que todos devem desenvolver, como resultado da sua experincia de aprendizagem escolar da Matemtica, e no elementos que, supostamente, cresceriam de modo espontneo ou que apenas seriam acessveis a alguns. (p.58)

    Apesar da pedagogia das competncias se contrapor behaviorista, os

    conceitos de competncia e de objectivo no se vislumbram de fcil distino. Um

    objectivo mais facilmente detectvel de ter sido atingido do que uma competncia de

    ter sido desenvolvida, especialmente quando se trata de um feedback que o professor

    pretende ter por parte do aluno para verificar tal facto. Alm disso, o alcance dum

    objectivo mais imediato do que o desenvolvimento duma competncia, pois esta

  • captulo 2 Literacia(s), Competncias e a Matemtica e a Lngua Portuguesa

    21

    requer mais tempo. Roldo (2003) explica que uma finalidade com determinada

    inteno um objectivo. No entanto, nem todos os objectivos visam a construo de

    competncias. Esta investigadora considera competncia como sendo

    () o objectivo ltimo de vrios objectivos que para ela contribuem. Ou como dizia um aluno meu, a competncia afinal o objectivo que d sentido aos objectivos. (p.20)

    Tiana e Rychen (2005) definem o conceito de competncia prximo do que

    figura no CNEB (2001), afirmando que a definio funcional ou orientada pela procura

    necessitou, de ser complementada por um conhecimento suplementar das

    competncias enquanto estruturas mentais intrnsecas de aptides, capacidades e

    disposies inatas do indivduo.

    Perrenoud (2003) fala em competncias que apelam aos saberes escolares de

    base como por exemplo a noo de mapa, de dinheiro e de jornal e aos saberes-fazer

    fundamentais ler, escrever e contar. Para o autor no h, portanto, uma oposio

    entre os programas escolares e as competncias. Guimares (2005) acrescenta que

    no so s os conhecimentos factuais que so importantes no desenvolvimento de

    competncias, a sua compreenso igualmente relevante.

    Recorrendo investigao em Psicologia e em Educao, acrescenta-se ainda que um dos resultados mais slidos que a compreenso de conceitos uma componente importante d[ess]a competncia [matemtica], em conjunto como o conhecimento factual e o domnio de procedimentos. (Guimares, 2005, p.3)

    Mais uma vez, est presente o aspecto intelectual duma competncia, como

    anteriormente se referiu aquando da comparao entre esta e as aptides. O que se

    pode retirar de fundamental destas comparaes que a uma competncia associa-se

    sempre a reflexo sobre a aco, no se cingindo puramente a aspectos mecanicistas e

    procedimentais.

    A abordagem das competncias uma resposta para uma efectiva aprendizagem

    e atribuio de utilidade quilo que se aprende na escola, evitando que as

    aprendizagens escolares se limitem a conhecimentos que s na escola so teis e s

    nela so valorizados. Este pensamento reiterado por Perrenoud (2003) quando

  • Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?

    22

    destaca que os conhecimentos escolares podem revelar-se inteis para a vida

    quotidiana, porque no se adequam a situaes concretas.

    Valadares (2002), quanto aos conhecimentos e s competncias, esclarece que

    existe uma relao de interdependncia, porque os conhecimentos so indispensveis,

    mas por si s insuficientes para construo de competncias, e estas no os podem

    ignorar.

    No que concerne questo da reflexo como aspecto caracterizador das

    competncias, Le Boterf (2004) declara que uma pessoa no pode ser reconhecida

    como competente seno quando capaz de realizar bem uma aco e de

    compreender porqu e como age. Existe aqui uma ligao entre as aces e a reflexo

    que se faz sobre elas. um processo de reconhecimento consciente de avaliao da

    realizao duma tarefa ou resoluo de um problema. Este aspecto de reflectir sobre o

    que se est a fazer e sobre o que se mobilizou conduz metacognio. Barreira (2004)

    define este termo como a anlise pelo prprio dos seus processos cognitivos e do

    produto desses processos com vista a melhorar as suas aptides. Assim, a

    metacognio surge como elemento regulador das aprendizagens, pois permite uma

    tomada de conscincia do que se aprende e de como se aprende. A seguinte afirmao

    de Alaiz (1995) explicita bem o exposto.

    Uma das condies fundamentais para uma boa aprendizagem , como dissemos, que quem aprende esteja consciente ou tome conscincia, da forma como aprende, saiba qual o seu estilo de aprendizagem para poder aplicar estratgias adequadas ou alterar aquelas que j utiliza e se mostre inadequadas. A esta reflexo sobre a sua prpria aprendizagem chama-se metacognio. (p.28)

    O prprio CNEB (2001) faz referncia a este conceito. Nele pode ler-se que a

    prtica de procedimentos no deve constituir uma actividade preparatria, mas sim

    uma prtica compreensiva que promova a aquisio de destrezas utilizveis com

    segurana e autonomia com a prtica sua compreenso e sua integrao em

    experincias matemticas significativas. A metacognio um caminho para o que em

    ltima instncia se pretende que todos os alunos, mais cedo ou mais tarde, venham a

    desenvolver: a sua autonomia. E ser-se competente est associado a essa caracterstica.

    Ser competente agir igualmente com autonomia, quer dizer, ser capaz de auto-regular as suas aces, de saber no somente contar com os seus

  • captulo 2 Literacia(s), Competncias e a Matemtica e a Lngua Portuguesa

    23

    prprios meios mas procurar recursos complementares, de estar preparado para transferir, quer dizer, reintegrar as suas competncias noutro contexto. (Le Boterf, 2004, pp.35-36)

    No quadro conceptual do currculo e com as opes e linhas de orientao

    programtica, Figueiredo (2004) reconhece o aluno como um agente activo na

    construo dos seus conhecimentos. Neste sentido, o autor explica que a

    aprendizagem consiste num processo de apropriao dos saberes que se inter-

    -relacionam com os conhecimentos adequados, num processo complexo de

    construo e reconstruo.

    O uso do termo transferncia tem igualmente levantado questes,

    nomeadamente quanto ao carcter de inexequibilidade intrnseca da prpria

    transferncia. Contudo, esse termo no usado com o seu sentido literal, ou seja, de

    uma transposio fsica. Antes tem a ver com a forma como se desenrola uma

    competncia. Le Boterf (2004), relativamente ao conceito de transferncia, esclarece

    que transferir no acarretar um saber-fazer ou uma competncia como se tratasse

    de transportar um objecto. Para o autor, transferir est mais prximo da reflexo

    efectuada a partir de uma boa experincia muito contextualizada do que de uma

    aprendizagem de mtodos gerais de resoluo de problemas. Assim, transferir

    reintegrar uma aprendizagem numa situao diferente daquela em que se produziu.

    No se trata de transferir aprendizagens mas fazer a aprendizagem da transferncia,

    de aprender a tornar transfervel ou transponvel. (pp. 57)

    Barreira (2004) define transferncia de forma anloga. Para ele, a capacidade

    de mobilizar conhecimentos e comportamentos e adapt-los a novas situaes.

    Segundo este autor, a abordagem pedaggica das competncias tem por objectivo a

    aprendizagem da transferncia. A aplicao consiste em colocar em prtica uma

    aprendizagem j realizada. Em contrapartida, a transferncia consiste na

    recontextualizao de uma aprendizagem j efectuada, o que implica realizar uma nova

    aprendizagem (Le Boterf, 2004). Perrenoud (2003) quando afirma que desenvolver as

    competncias a partir da escola no uma moda nova, mas um retorno s origens, s

    razes de ser da instituio escolar (p. 33) remete para a escola uma atribuio que

    desde sempre lhe pertenceu no sendo, por isso, uma aco inovadora mas sim fruto

    das exigncias da contemporaneidade.

  • Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?

    24

    2.3 A Matemtica e a Lngua Portuguesa no 1CEB 2.3.1 - A Matemtica no 1 CEB

    A tarefa principal que se impe aos professores conseguir que as

    crianas desde cedo aprendam a gostar de Matemtica.

    (Em Direco Geral do Ensino Bsico e Secundrio (1990/1998). Programa do 1 Ciclo do Ensino Bsico. Lisboa: ME-DGEB, p.125)

    A aprendizagem matemtica no 1 CEB, de acordo com o CNEB (2001), est

    associada a um conjunto de experincias que pressupem o desenvolvimento de

    actividades concretas que permita aos alunos estabelecerem uma ligao com a

    realidade e compreenderem no s o que esto a fazer como tambm aperceberem-se

    da importncia que a Matemtica pode ter para a vida. Assim, aos alunos devem ser

    dadas oportunidades de experienciarem actividades que envolvam diversas temticas e

    diferentes processos relacionados com esta disciplina, como defendem Ponte e

    Serrazina (2000):

    O ensino da Matemtica tem assumido a manipulao (onde se destaca o clculo) como aspecto mais carente de ateno. No entanto hoje claro que o reconhecimento das relaes matemticas numa dada situao e a sua representao, bem como a interpretao e anlise crtica de resultados apresentam dificuldades mais srias do que as colocadas pela manipulao, devendo ser tratadas adequadamente na sala de aula. (p. 30)

    A variedade de actividades matemticas que deve ser proporcionada aos alunos

    fundamenta-se nas grandes finalidades do ensino da Matemtica definidas no CNEB.

    Neste documento est patente que os alunos devem ter um contacto com as ideias e

    mtodos fundamentais da Matemtica que lhes permita apreciem o seu valor e a sua

    natureza, e desenvolvam a capacidade e confiana pessoal no uso da disciplina para

    analisarem e resolverem situaes problemticas, para raciocinarem e comunicarem.

    Antes porm coloca-se a questo relativamente s razes do ensino da

    Matemtica, tendo Ponte e Serrazina (2000) apresentado algumas delas. Uma a

    utilizao da Matemtica na resoluo de problemas, cujo carcter formativo constitui

    um Patrimnio da Humanidade e o saber matemtico estabelece um direito de

    cidadania reservado a todos os cidados. Estes aspectos esto relacionados com as

  • captulo 2 Literacia(s), Competncias e a Matemtica e a Lngua Portuguesa

    25

    dimenses do currculo de Matemtica do 1 CEB: carcter prtico, formativo, cultural

    e de cidadania, as quais se apresentam esquematicamente no quadro que se segue.

    Quadro 2.1: Razes para o ensino da Matemtica e suas dimenses curriculares.

    Razes por que se ensina Matemtica:

    Dimenses do currculo de

    carcter Descrio sumria:

    () resoluo de diferentes situaes do dia a dia () (p.76) prtico

    Capacidade de ser capaz de analisar a razoabilidade de um resultado, saber estimar o valor da medida de uma grandeza ou a ordem de grandeza do resultado de determinada operao (). (p.76)

    () a escola deve criar condies para a formao integral do indivduo, onde a Matemtica desempenha um papel essencial dado o seu carcter formativo. (p.76)

    formativo

    () o ensino da Matemtica deve promover hbitos de pensamento, de forma que, perante um problema, os alunos sejam capazes de organizar os respectivos dados, perceber qual a estratgia a utilizar, aplic-la, questionar o resultado obtido e argumentar sobre o mtodo seguido. (p.77)

    A matemtica constitui um patrimnio cultural da humanidade e um modo de pensar. (p.77)

    cultural

    A Matemtica tem estado desde sempre ligada ao progresso da humanidade e importante que os alunos, desde o 1 ciclo, se vo apercebendo desta estreita ligao. (p.77)

    A Matemtica usada de uma forma crescente e extensiva na sociedade actual influenciando de facto a vida pessoal e profissional dos indivduos. (p.77)

    cidadania

    O ensino desta rea disciplinar deve contribuir para criar cidados competentes, independentes, crticos e confiantes nos aspectos em que a sua vida se relaciona com a Matemtica . (pp.77-78)

    (Fonte: Ponte & Serrazina, 2000, pp. 76-78, adaptado)

    A abordagem dos aspectos mencionados no quadro devem ser contemplados

    nas aulas pela importncia que cada um compreende. Os aspectos cultural e humano

    da Matemtica nem sempre tm sido valorizados e este facto associado ao uso de uma

    linguagem prpria que a Matemtica usa, poder ter contribudo para a postura de

    encarar a Matemtica como estando isolada. Por outras palavras, ser benfico o

    recurso Lngua e a diversificadas formas de comunicao de modo a partilhar saberes

    e a torn-los indispensveis (Pereira, 2004). A Matemtica como disciplina escolar deve

    ter em conta o aspecto humano como no prprio CNEB (2001) defendido:

  • Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?

    26

    A razo primordial para se proporcionar uma educao matemtica prolongada a todas as crianas e jovens de natureza cultural, associada ao facto de a matemtica constituir uma significativa herana cultural da humanidade e um modo de pensar e de aceder ao conhecimento () (p.58)

    Nas aulas de Matemtica devem ser propiciadas actividades aos alunos de

    modo a que eles se pronunciem e discutam processos de resoluo de problemas,

    episdios da Histria da Matemtica, por exemplo, a fim de que a sua participao no

    se limite posio de meros receptores de conhecimento acabado, inquestionvel,

    sem sentido e, por isso, no compreendido nem assimilado.

    Os processos matemticos, segundo Ponte e Serrazina (2000) agrupam-se em

    quatro grandes grupos: (a) representar, que inclui a compreenso e o uso de smbolos,

    convenes, etc.; (b) relacionar e operar, que inclui o clculo e a deduo, relao

    entre ideias matemticas e interpretar ideias matemticas do quotidiano; (c) resolver

    problemas e investigar situaes matemticas e extra-matemticas e (d) comunicar em

    diferentes linguagens e suportes.

    A representao um processo fundamental em Matemtica e uma das formas

    de representar mediante smbolos (matemticos). A Matemtica caracteriza-se pelo

    rigor e linguagem prpria, os quais levaram muitos anos a serem desenvolvidos (Ponte

    & Serrazina, 2000). O professor ao enfatizar e exigir esse rigor aos alunos do 1 CEB,

    no s est a exigir no imediato que se assimile o que tanto tempo levou a ser

    desenvolvido e aperfeioado, como pode fazer crer aos alunos que a Matemtica

    hermtica e permevel ao uso de outros meios de expresso como por exemplo por

    palavras, diagramas, esquemas ou desenhos. Nesta medida, os alunos no se limitam a

    reproduzir uma estratgia estereotipada que consideram ser nica e que o seu papel

    nas aulas de Matemtica adivinhar esse caminho. No ensino e aprendizagem da

    Matemtica ser conveniente proporcionar aos alunos oportunidades de usarem

    representaes convencionais bem como as suas prprias representaes, no-

    -convencionais (Ponte & Serrazina, 2000). As formas convencionais no tm de ser

    aprendidas no imediato, pois per se elas no so reflexo de que tenha havido

    aprendizagem. O uso de representaes prprias dos alunos um meio de atingir a

    compreenso das representaes convencionais que constituem as formas

    universalmente formalizadas.

  • captulo 2 Literacia(s), Competncias e a Matemtica e a Lngua Portuguesa

    27

    Quanto comunicao como processo tem grande vantagem de servir como

    feedback, tanto para o aluno como para o professor, sobre as aprendizagens, para alm

    de, na actualidade, constituir uma competncia que importa desenvolver, face cada

    vez maior mundializao.

    2.3.2 A Lngua Portuguesa no 1 CEB

    Entende-se que o domnio da Lngua Materna, como factor de transmisso e apropriao dos diversos

    contedos disciplinares, condiciona o sucesso escolar.

    (Em Direco Geral do Ensino Bsico e Secundrio (1990/1998).

    Programa do 1 Ciclo do Ensino Bsico. Lisboa: ME-DGEB, p. 97)

    Em Portugal, a Lngua Portuguesa uma disciplina obrigatria no ensino bsico,

    sendo reconhecida como tal no Programa Oficial do 1 Ciclo (1990/1998) e no CNEB

    (2001). Neste sentido, a interveno educativa neste mbito, particularmente no

    ensino da leitura e da escrita, tem um papel evidentemente central. escola compete,

    pois, desenvolver nos alunos competncias lingusticas de modo a torn-los

    proficientes no Portugus.

    Tradicionalmente, a prtica pedaggica nas aulas de Lngua tem sido

    desenvolvida atravs da realizao de tarefas que se estruturam em momentos de

    leitura, individual ou colectiva de um texto, normalmente uma narrativa. A esta leitura,

    efectuada silenciosamente ou em voz alta, segue-se a explorao do texto lido, tanto

    oralmente como por escrito: a compreenso. Alm disso, tambm dedicado um

    tempo ao ensino explcito da Lngua: a gramtica.

    Sim-Sim (2001) refere que os nveis de desempenho na leitura no assentam

    exclusivamente no tempo que dedicado a esta actividade mas que a gesto da sala de

    aula tem um papel preponderante relativamente a esses momentos. Por outro lado

    acrescenta que as actividades rotineiras de leitura, de interpretao e de escrita de

    composies nas aulas de Lngua Materna, por si s, no permitem sensibilizar os

    alunos para o facto de passarem a considerar a Lngua como um poderosssimo

    instrumento de comunicao e de partilha de ideias. O entendimento da investigadora

    tem um cariz mais amplo e, nessa medida, defende que o uso da escrita, da leitura e da

    interpretao em Lngua Portuguesa deve ocorrer sempre que se justifique, em

    qualquer rea disciplinar. Desta forma, possibilita-se aos alunos que se consciencializem

    do verdadeiro valor e da transversalidade da disciplina.

  • Matemtica e Lngua Portuguesa: Laos para o Sucesso?

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    Ao professor cabe estimular os alunos nas suas aprendizagens mediante um

    leque de tarefas que melhor se adeqem diversidade cultural e lingustica existente na

    turma. Sim-Sim (1997) refere que:

    A investigao realizada nas ltimas dcadas no domnio das cincias da cognio6, nomeadamente da lingustica e da psicologia experimental, deixa claro que o processo de crescimento lingustico do sujeito, tendo as suas razes na herana